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15 UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente Ecologia e Imaginário nos Cariris Velhos do Paraíba: memória cultural e natureza no cerimonial da vida. Belarmino Mariano Neto João Pessoa – Paraíba, 1999

Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e ... · embrenharem na Caatinga e comigo construir a prática dessa pesquisa. E pela força na revisão, leitura e críticas,

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15

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA Programa Regional de Pós-Graduação em

Desenvolvimento e Meio Ambiente

Ecologia e

Imaginário nos Cariris Velhos do Paraíba: memória

cultural e natureza no

cerimonial da vida.

Belarmino Mariano Neto

João Pessoa – Paraíba, 1999

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Universidade Federal da Paraíba Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento Meio Ambiente

Ecologia e

Imaginário nos Cariris Velhos do Paraíba: memória

cultural e natureza no cerimonial da

vida

Belarmino Mariano Neto

Dissertação apresentada à Coordenação do PRODEMA, da Universidade Federal da Paraíba, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente.

Orientadora: Profª. Drª. Loreley Gomes Garcia

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JOÃO PESSOA, Março de 1999.

Belarmino Mariano Neto Ecologia e

Imaginário nos Cariris Velhos do Paraíba: memória

cultural e natureza no cerimonial da

vida

Dissertação apresentada em ____/_____/ 1999

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________

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Profª. Drª. Loreley Gomes Garcia, Orientadora - UFPB

____________________________________________ Profº. Drº. Antônio Jorge Soares - URRN.

Profª. Drª. Emília de Rodat F. Moreira - UFPB

João Pessoa, Março de 1999.

FICHA CATALOGRÁFICA

MARIANO NETO, B.

Ecologia e Imaginário nos Cariris Velhos do Paraíba: memória cultural e natureza no cerimonial da vida/Belarmino Mariano Neto. – João Pessoa, 1999. 167p. mapas, figuras e fotografias. Dissertação de Mestrado – Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Palavras-Chave: 1. Topofilia, 2. Ecologia, 3. Sociedade, 4. Natureza, 5. Imaginário, 6.

Cariris Velhos, 7. Semi-árido, 8. Práticas de convivência, 9. Percepção. I. MARIANO NETO, B.

II. Título Capa: Fan Sousa e Belarmino Fotos da capa: Belarmino e Carlos Azevedo Fotografia: Belarmino, com participação de Carlos Azevedo. Contatos (083) 239 - 6247

Sinopse A área de Desenvolvimento da Pesquisa é no Planalto da Borborema/Pb. – Cariri Oriental, Povoado de Riacho Fundo, Nordeste do Brasil. A partir da constituição do imaginário, analisamos a idéia de natureza, relacionando a topofilia e a percepção como elementos norteadores de uma ecologia da convivência homem/natureza na Microrregião dos Velhos Cariris do Paraíba, através do relato de histórias orais e de vida das pessoas idosas, relacionando os costumes e tradições locais sob as influências da modernização, no tocante ao mundo social, cultural e natural, para vermos até que ponto o processo de modernização deitou raízes nessas comunidades.

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Que o breve seja longo pensar Que o longo seja um curto sentir Que tudo seja leve de tal forma

Que o tempo nunca leve. (Alice Ruiz)

Só há um ponto fixo. É a nossa própria insuficiência. É daí que é preciso

partir. (Franz Kafka).

“Deus deu aos homens o poder sobre as coisas da terra. Encarregou o homem de transformar o deserto em jardim.” (Yu-

fu Tuan).

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OFERENDA

A oferenda desse trabalho é para Gessi, Mariano, Fan e Vítor, mãe, pai, esposa e filho, elos em gente sertaneja, aos quais amo com profundidade divina.

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Temos plena consciência de que esta é uma pesquisa coletiva, em que várias

influências são assinaladas de maneira a possibilitar uma construção plural. Realizar esse

trabalho é viver de forma significativa, buscando o melhor caminho e a inspiração como

condutores do cotidiano, com a convicção de que a inspiração e o caminho não são

lineares nem delimitados claramente e que muitos são importantes, pois direta ou

indiretamente colaboraram com este fazer que agora tento compartilhar com um coletivo

ainda maior.

A opção em expor as idéias sempre na primeira pessoa do plural é por estar

considerando este trabalho de pós-graduação como um produto de diversos diálogos, com

nossa orientadora, com os diferentes autores citados em nossa bibliografia, com os

companheiros da Universidade e com os homens e mulheres do Cariri que são parte desse

plural. Daí, o exercício de agradecer:

Agradecer a professora Loreley Gomes Garcia pois foi sua orientação e

participação direta que permitiu ampliarmos nossas observações a partir de elementos

teóricos relacionados aos diferentes paradigmas científicos, enquanto visões de mundo e

ao nível de complexidade das atuais relações que apontam para os problemas da vida que

permanecem. Um orientar estimulante que sempre nos colocou na perspectiva do

inesgotável, do buscar mais, do duvidar da franqueza dos nossos limites, como também

do crédito e da fé;

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Agradecer aos moradores dos Cariris Velhos, no Riacho Fundo, pois é deles o

espírito e o sentido desta pesquisa: Vicente Costa, Zé Paizinho, Enemias (Né) Paulino,

Eudocia, Venâncio Caboclo, Manoel Costa (Manezinho), Cleide, Alan, Bernadete, Zé,

Nena, Fofa, Amanda, Laura Maria, Cosma Alves, João Caboclo, Pedro Caboclo, Leca,

Quinha, Miguelzinho, José Rosário, Lia, Germano, Fátima, seus familiares, Caboclos,

Trutas, Ferreiras, Alves, Costas e toda essa comunidade que sabe conviver com o Cariri

enquanto parte do meio;

Agradecer a Emília de Rodat pois como a terra ela é a substância de muito do que

sei. Cientista que como as mulheres do Cariri consegue ver os rios do vazio e do

invisível, pois sua vontade é de corpo e alma, rio e água;

Agradecer a Eduardo Pazera pois sem ele pouco teria caminhado pelos caminhos

do conhecimento;

Agradecer a Fan de Souza e a Ângela, que fizeram até o impossível para ver o

produto final deste trabalho;

Agradecer a profª. Takako Watanabe por acreditar nas coisas impossíveis e nunca

desistir;

Agradecer ao profº. Antônio Jorge que prontamente se dispôs a fazer parte da

banca examinadora;

Agradecer a Francisco Fábio, Carlos Azevedo e Wagner, pela coragem de se

embrenharem na Caatinga e comigo construir a prática dessa pesquisa. E pela força na

revisão, leitura e críticas, onde entram também: Lúcia Figueiredo, Evanice Gomes,

Adriana Malleta.

Agradecer a todos os companheiros de turmas e professores do mestrado em Meio

Ambiente, da graduação em Geografia, e da especialização em Gestão Territorial, pois

com eles aprendemos o quão é importante pensar coletivamente em romper limites:

Rosário, Magno, Lígia, Bezerra, Ana e Moacyr , Sérgio, Paulo Rosas, Valeria, Eduardo

Viana, Fátima, Jomário, Giovanni, Ivan Targino, Roberto Sassi, Mauro Resende, Edson

Ribeiro, Maristela, Leonardo e tantos outros que se fizeram mestres desse caminhar;

Agradecer aos amigos que acompanharam as angústias, que se dispuseram, que

deram as dicas, que deram o ombro e que coletivamente fazem parte destes fragmentos

do viver: Fabinho, Carlos, Nando, Hélia, Ruy, Mauricélia & Cia., Celinha, Sandrinha,

Lucinha, Eva, Dione, Mira, Paulinha, Jaime, Wagner, Adriana, Emília, Joana Belarmino,

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Lau Siqueira, Berna, Belar, Vinícius, Helena, Carlos Alberto, Augustinho, Wellington,

Cristovão, Marcio, Joselia, Marcleide, Escanar, Ana Neri, Josilma, Murilo, Edson,

Rosangela, Kauê, Elisângela, Rose, José, Malaquias, Anderson, Jairo, Zé, Camilo e

Edman;

Agradecer aos não revelados, aos clandestinos, ao silêncio das noites e aos

cães e galos que avisavam sobre o passar do tempo e do desconhecido. E oferecer

flores para os erros, às incertezas, às dúvidas e às falhas, pois são estes que nos

tornam humanos e que fundamentam a dúvida, antes da certeza.

SUMÁRIO

Lista de ilustrações Resumo Abstract ........................................................................................................................Páginas:

INTRODUÇÃO:......................................................................................................14

Os primeiros passos................................................................................................14

I. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS................................22

1. Pensamento, sentimento, vontade......................................................................22

1.1 Os caminhos trilhados......................................................................................24

II. O SEMI-ÁRIDO DO NORDESTE BRASILEIRO........................................30

1. Caracterizando o ambiente................................................................................30

1.1 Ambiente sertanejo...........................................................................................31

1.2 Ambiente das águas..........................................................................................32

1.3 Ambiente degradado.........................................................................................34

2. A Paraíba no Nordeste........................................................................................34

2.1 Processo de ocupação territorial dos Sertões da Paraíba: uma região de raiz

cultural indígena.....................................................................................................35

3. Ambiente holístico: aspectos da paisagem nos entornos da área de

pesquisa....................................................................................................................44

3.1.Barra de São Miguel.........................................................................................44

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3.2. Ambiente fisiográfico.......................................................................................46

3.3 Ambiente geológico e pedológico.....................................................................48

3.4 Ambiente geomorfológico.................................................................................49

3..5 Ambiente das águas.........................................................................................53

III. XXI, O SÉCULO DA SUBMUNDIALIZAÇÃO DO PLANETA................56

1. Espaço, tempo e complexidade..........................................................................56

1.1 Existe espaço para o desenvolvimento sustentável?.......................................56

1.2 O tempo do lugar mundial...............................................................................58

2. Mundialização e culturas fragmentadas, desenraizadas do mundo

natural......................................................................................................................60

2.1 Globalização, fragmentação e cultura da pobreza.........................................63

IV. ECOLOGIA E IMAGINÁRIO.......................................................................71

1. Os fios invisíveis da grande teia.........................................................................71

1.1 Os mistérios das imagens..................................................................................73

1.2 Imagem, imaginação, imaginário....................................................................75

2. Terras desencantadas, imagens desfocadas......................................................81

3 Imaginário percebido...........................................................................................91

V. FOTOGRAFIAS: UM OLHAR ECOLÓGICO..................................................

1. Imagens, topofilia e convivência............................................................................

VI. OS VELHOS CARIRIS DO PARAÍBA E A TOPOFILIA

PERCEBIDA...........................................................................................................95

1. Terra dos Cariris Velhos, o cerimonial da vida...............................................95

2. Terras do encantamento, rastros do desconhecido........................................102

2.1 Livros de pedras e histórias de ossos.............................................................102

2.2 Desvendando os mistérios encantados do Cariri..........................................107

3. Território cultural como ambiente das afetividades......................................122

4. Caminho das águas, um fio humano...............................................................124

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5. Produção econômica e impactos sobre o meio ambiente nas imediações do

povoado de Riacho Fundo....................................................................................135

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................147

Convivência, flexibilidade e adaptação...............................................................147

ANEXO..................................................................................................................157

BIBLIOGRAFIA...................................................................................................161

LISTA DE ILUSTRAÇÕES, DADOS ESTATÍSTICOS E SIGLAS

1. Mapas................................................................................................Páginas

1.1 Mapa 01 - A Paraíba no Nordeste brasileiro......................................................16

1.2 Mapa 02 - Área de Pesquisa no contexto territorial da Paraíba.........................17

1.3 Mapa 03 - Ocupação do território paraibano.....................................................38

2. Tabelas

2.1 Tabela (A) Elementos climáticos da Microrregião do Cariri/PB....................47

2.5 Tabela (B) Potencial dos recursos hídricos nos açudes públicos e particulares

segundo a bacia hidrográfica do Rio Paraíba – até 1986........................................127

3. Figuras e Gráficos:

3.1 Figura (01) Os cinco sentidos dos raios concêntricos.............................29

3.2 Escala das relações economia/meio ambiente.....................................................69

4. Imagens Fotográficas....................................................................................

Foto 01 - Lageiro do Serrote de Pai Mateus...............................................................

Foto 02 - A “fulô do xique-xique”..............................................................................

Foto 03 - Escultura natural em plena rocha cristalina................................................

Foto 04 - Vegetação de Caatinga em área serrana.....................................................

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Foto 05 - Vegetação de bromeliáceas/macambira.....................................................

Foto 06 - Vegetação de Caatinga densa.....................................................................

Fotos 07 - Lageiro com reservatório de água...............................................................

Foto 08 - O Sr. Vicente Costa extraindo água do xique-xique...................................

Foto 09 - Convivendo com o Semi-árido...................................................................

Fotos 10 - Rocha Cristalina - Lageiro do Sítio Bravo..................................................

Fotos 11 - Rocha “boca de Baleia”, Cercas e Sangria do Açude de Boqueirão..........

Fotos 12 - Homens, mulheres, crianças e pedras.........................................................

Fotos 13 – “O Céu do Cariri”......................................................................................

Fotos 14 - Quilômetros de cercas................................................................................

Fotos 15 - Lageiros e locas..........................................................................................

Foto 16 - Três níveis de vegetação de Caatinga.........................................................

Foto 17 - Açude de Boqueirão e Alto Rio Paraíba.....................................................

Fotos 18 - Quando existe e quando não existe água....................................................

Fotos 19 - Quando a estiagem se prolonga..................................................................

Foto 20 - A fé da população do Cariri........................................................................

Fotos 21 - As igrejas guardam seus santos padroeiros.................................................

Fotos 22 - Garota na janela e construção.....................................................................

Fotos 23 - Pequena produção e criação........................................................................

Fotos 24 - Poços artesianos no Rio Paraíba e cultura de capim com irrigação............

Fotos 25 - Os velhos do Velho do Cariri.....................................................................

Fotos 26 - Produção de pimentão com irrigação em galeria........................................

Fotos 27 - Povoado de Riacho Fundo, e pequena produção pecuarista.......................

Foto 28 - Cacimbas de água no leito seco do Rio Paraíba e poço artesiano..............

5. Siglas

1. BNB – Banco do Nordeste do Brasil

2. DER/PB - Departamento de Estradas e Rodagens

3. DNER - Departamento Nacional de Estradas e Rodagens

4. DNOCS - Departamento Nacional de Obras Contra a Seca

5. GAPLAN – Gabinete de Planejamento e Ação Governamental /Pb.

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6. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

7. IOCS – Instituto de Obras Conta a Seca

8. ONU – Organização das Nações Unidas

9. UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. (

Nações Unidas Organização Educacional, Científica e Cultural).

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RESUMO

Esta é uma pesquisa realizada na Microrregião do Cariri Oriental da Paraíba, Planalto da

Borborema, Nordeste do Brasil. O objetivo é analisar a constituição do imaginário e a

natureza relacionando a topofilia e a percepção como elementos para a constituição de

uma sociedade ecológica. O método baseia-se na história oral, memória cultural, análise

de conteúdo e narrativa descritiva informativa. O trabalho busca a identificação da

percepção, o grau de espiritualidade e a integração das comunidades do Rio Paraíba com

a natureza, para encontrar as raízes culturais que tinham a natureza como elemento

sagrado e as formas como elas deixaram de existir ou ainda remanescem no cotidiano.

Relacionar os costumes e tradições locais sob as influências da modernização, no

tocante ao mundo da sociedade, da natureza, os problemas de ordem sócio-ambientais e

desenvolvimento sustentável a partir das práticas de convivência com a Região Semi-

árida.

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ABSTRACT

This is research carried out in the Micro region of eastern Cariri in the state of Paraíba,

Plateau of Borborema in the Northeast of Brazil. The objective is to analyze the

constitution of the imaginary and natural environment relating the topophilia and the

perception as elements for the constitution of an ecological society. The method is based

on the oral history, cultural memory analysis of content and informative descriptive

narrative. The work tries to identify the perception, the degree of spirituality and

integration of communities from the river Paraíba with nature, to find the cultural roots

that had the nature as sacred element and the ways that they stopped existing or still

remain in daily. To relate the habits and local traditions under the influences of

modernization, concerning the world of society, of nature, from problems the social

environment and maintainable development starting from the practices that come from

living with the semi-arid region.

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INTRODUÇÃO

Os primeiros passos

“Ser capaz, como um rio que leva sozinho a canoa que se cansa, de servir de caminho para a esperança. E de lavar do límpido a mágoa da mancha, como um rio que leva e lava. Crescer para entregar na distância calada um poder de canção, como o rio decifra o segredo do chão. Se tempo é descer, reter o dom da força sem deixar de seguir. E até mesmo sumir para, subterrâneo, aprender a voltar e cumprir, no seu curso, o ofício de amar. Como um rio, aceitar essas súbitas ondas feitas de águas impuras, que afloram a escondida verdade nas funduras. Como um rio, que nasce de outros, saber seguir junto com outros sendo noutros se prolongando e construir o encontro com as águas grandes do oceano sem fim. Mudar em movimento, mas sem deixar de ser o mesmo ser que muda. Como um rio”. (MELO, Thiago: 1983, p. 69).

Pensar a natureza e o homem nos dias atuais, passa por um caminhar de volta às

nossas raízes e nesses passos encontrarmos com a natureza primeira, transportados pela

produção cultural de uma comunidade, seu imaginário e sua percepção, só será possível

se enveredarmos pelas trilhas de uma ciência do povo calcada na tradição, na memória e

na realidade da existência, como também pela interpretação do que vemos. (Cascudo,

1971:26)

Este projeto busca estudar a idéia de natureza percebida pelos homens e mulheres

dos Velhos Cariris do Rio Paraíba a partir da topofilia, extraída do imaginário, da

percepção e da simbolização das comunidades que vivem nas margens do Alto Paraíba.

Topofilia como sendo “o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou ambiente físico”, onde a

memória cultural e a inteligência emocional se fundem na construção do conviver com o

semi-árido (Tuan, 1980:106).

A palavra ‘topofilia’ é um neologismo, útil quando pode ser definida em sentido

amplo, incluindo todos os laços afetivos dos seres humanos com o meio ambiente

material. Estes diferem profundamente em intensidade, sutileza e modo de expressão

(ibid. p. 107).

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As respostas ao meio ambiente podem ser estéticas, prazerosas, táteis no sentido

de sentir a água, o ar, a terra. Sensações que vão enraizando os humanos ao lugar,

tornando-os parte integral do meio.

“Mais permanentes e mais difíceis de expressar são os sentimentos que temos para com um lugar, por ser o lar, o locus de reminiscências e o meio de se ganhar a vida. A topofilia não é a emoção humana mais forte. Quando é irresistível, podemos estar certos de que o lugar ou meio ambiente é o veículo de acontecimentos emocionalmente fortes ou é percebido como um símbolo”.(Ibid. 1980, p. 107)

A pesquisa desenvolve-se na Mesorregião da Borborema (Microrregião do

Cariri Oriental da Paraíba)1, especificamente no povoado de Riacho Fundo, que se

localiza nas margens do Alto Paraíba. Lugar onde realizamos trabalho de campo, com

técnicas de investigação oral priorizando a camada mais idosa da população local.

1 Esta é uma classificação atual, elaborada por MOREIRA, Emília de R. F. Mesorregiões e Microrregiões da Paraíba. João Pessoa, GAPLAN, 1988. Mas na verdade usaremos para efeito de denominação Cariris Velhos do Paraíba, classificação feita em Microrregiões homogênias de 1968, Cf. Moreira, Emília. Atlas de Geografia Agrária da Paraíba, João Pessoa: Editora Universitária, 1997. Pois essa terminologia é mais ampla e se encaixa a uma regionalização com características socioculturais e históricas dos antigos habitantes desse lugar.

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(Mapa 01) A Paraíba no Nordeste

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(MAPA 02) Área da pesquisa no contexto territorial do Estado da Paraíba.

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A escolha dessa área para o desenvolvimento da pesquisa vincula-se diretamente

aos projetos que o PRODEMA desenvolve na região, a exemplo do Projeto Taperoá. O

que caracteriza esta pesquisa como sendo parte de outros estudos que englobam o Semi–

árido do Cariri paraibano.

Riacho Fundo fica localizado nas margens do Rio Paraíba, ao Sul do município de

Cabaceiras, linha que limita a bacia hidrográfica do Rio Taperoá, próximo à bifurcação

dos rios Taperoá/Paraíba. E, apesar de ser considerado um povoado do município de

Barra de São Miguel, sua população mantém por aproximação uma maior relação com os

povoados e cidades de Cabaceiras e Boqueirão de Cabaceiras. As comunidades e sítios

com maior influência por aproximação com a área de pesquisa são: Cruz (2 Km);

Caraibeira (5 Km), Pata (8 Km) e Serra Cruz (7 Km). Uma área que fica entre os

Municípios de Boqueirão, Cabaceiras e Barra de São Miguel.

Globalização, sociedade massificada, revolução técnico-científica, artificialização

do meio ambiente, biosfera/tecnosfera/ecosfera. (Boff, 1993, passim.). Até que ponto

essas forças se superam ou interagem e como as comunidades tradicionais dos Cariris

Velhos percebem a natureza, o que existe de magia, de topofílico ou espiritualidade nessa

percepção e nesse olhar?

Em uma região castigada pelas intempéries naturais será que prevalece a idéia de

dominação da natureza pelo homem, no contexto da dominação do homem pelo homem?

Como amar um lugar ou uma natureza que castiga com seu calor, sua seca, seus

espinhos e solos pedregosos, salinos e pouco úmidos? O que esperar de um céu azulado

cujas as nuvens não engravidam e nem trombam, mas apenas passam com suas bocas

enormes em que nada vaza por elas? Um céu que enferruja todas as tardes para nas trevas

da noite iluminar os sonhos de homens sedentos por dias úmidos e verdes. Numa região

de raiz cultural indígena, até que nível o “religare” desses povos têm como elo a

natureza? E de que modo se dá essa vinculação, em que o mundo natural e humano se faz

mágico, onde se encontram e se desfazem o natural e sobrenatural, para que existam

tantas ligações e sentimentos topofílicos pelo lugar?

Esse povo que tem na sua gênese as marcas da colonização, como vive e percebe a

natureza do Cariri nos dias atuais? Em que medida a globalização e a realidade midiática

interferem na realidade local?

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Existe um espírito das forças naturais? Fragilidades diante da natureza, medo,

efeitos do sol, homens técnicos e imitações da natureza, visão ecológica ou predatória, -

são alguns indicadores que apontaram para a necessidade deste estudo sobre a natureza

imaginada pelas comunidades do Velho Cariri, nascente do Rio Paraíba, uma região de

Planalto, Depressão, Semi-aridez, vegetação de Caatinga e resistência de um povo que

teima em viver onde a natureza exige um preço elevado para os que ficam e que no dizer

e cantar de Luiz Gonzaga “só deixo o meu Cariri no último pau de arara”. Um lugar em

que as relações sócio-econômicas são profundamente estratificadas e a propriedade das

riquezas naturais produzidas pelo trabalho humano concentra-se nas mãos de fazendeiros.

Pesquisamos não a partir de uma temporalidade linear, pois as idéias de passado,

presente e futuro se misturam, como em uma “roda de fumaça” (Atlan, 1992:9) dos que

viveram e vivem naquele ambiente recheado de incertezas. Daí, filtrarmos a visão,

percepção e simbolização da “natureza mãe” (Boff, 1993:39) daquele lugar que já foi

embebida pelos ritmos acelerados da modernização.

Foi nessa área que nasceram meus antepassados, estudá-la sob o prisma da

topofília é (re)buscar o “religare” de um lugar marcado por uma busca interior, das

imagens que quando criança não puderam ser construídas. O direito de ser plenamente

sertanejo, pois aos quatro anos de idade fui trazido para viver no litoral da Paraíba.

Assim, não pude sentir plenamente o mormaço da tarde, o cheiro da terra molhada ou o

trafegar das nuvens que o céu do Cariri possui. Perdi de ver na infância o quanto é

suprema e bonita a natureza de minha terra natal. Perdi de ver, de vez, o que talvez não

veja jamais.

Neste trabalho, temos na poesia de diversos sertanejos, alguns argumentos que

demonstram um certo grau de topofilia pelo Semi-árido, também podendo ser lida na

literatura regionalista que em muito marcou o modernismo brasileiro. As práticas

culturais seculares, os relatos ou histórias de vida das pessoas idosas, os cantadores de

viola que rebuscam na natureza nordestina o sentido de seus versos, e que os poetas

populares buscam como corpo identificador das sensações, emoções e atitudes dos que

fazem do Cariri paraibano, uma terra de se viver.

Nosso trabalho se estrutura basicamente em seis capítulos gerais, organizados na

seguinte ordem: I) os pressupostos teóricos e metodológicos, montados a partir de um

tripé de pensamento, sentimento e vontade, identificadores dos nossos objetivos,

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estratégias e caminhos para a realização deste estudo; II) uma caracterização e

localização geral da área de pesquisa, a partir do Semi-árido do Nordeste brasileiro,

inserindo detalhes sobre o Sertão e Cariri paraibanos no que tange ao meio ambiente,

processo de ocupação e aspectos sócio-econômicos, para chegarmos especificamente à

caracterização da área de estudo; III) Este capítulo situa nossa pesquisa no contexto

internacional, dentro de uma perspectiva tempo/espaço e complexidade que vislumbram

para a submundialização da humanidade, globalização e culturas fragmentadas, para uma

maior compreensão da questão ambiental e o desenvolvimento sustentável; IV) Trata de

resgatar a importância dos conceitos de imaginário enquanto forma de abordar aspectos

das ciências da natureza e da sociedade. Imagem, imaginação e imaginário como

parâmetros para entendermos as formas de convivência, flexibilidade e adaptação dos

que vivem o semi–árido, onde a memória e a percepção são constantemente enfocados

neste capítulo. V) Fizemos opção em organizar um capítulo fotográfico que enfoca a

topofilia de um olhar ecológico a partir de imagens da natureza e das intervenções

humanas no Cariri do Paraíba. A idéia de concentrar as imagens fotográficas é considerar

este ensaio como uma possibilidade de leitura do semi–árido, não apenas como

complemento fragmentado de textos dos diferentes itens do estudo, permitindo aos

possíveis leitores deste trabalho o seu próprio olhar desses olhares; VI) Esta parte de

nossa pesquisa trata especificamente dos velhos Cariris do Paraíba, na qual as imagens do

desconhecido vão sendo construídas a partir de um ambiente holístico, trilhado pelo

caminho das águas, dos impactos sobre o meio ambiente e das práticas culturais e sócio–

econômicas dos habitantes dessa região, para chegarmos às nossas considerações finais,

onde o cerimonial da vida nas terras dos Cariris Velhos do Paraíba pede algumas

proposições para os que convivem no meio ambiente semi–árido do Nordeste brasileiro

de forma que as intervenções nesse frágil e forte ambiente possam ser na perspectiva da

sustentabilidade e na construção de uma sociedade ecológica.

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I. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS

1. Pensamento, sentimento, vontade

A certeza, escreveu Einstein, não vem das provas, mas é anterior a qualquer prova.

Ou seja, a certeza vem da evidência imediata da própria realidade. E é a teoria que decide

aquilo que podemos observar. Assim será a construção passo a passo, na busca de êxito e

no desenvolvimento dos caminhos a serem percorridos. Nos quais, a flexibilidade e o

respeito pelas diferenças apresentam-se como princípios norteadores. É nesse momento

que destacamos o tripé: Pensamento/Sentimento/Vontade. No sentido de idéia, sensação e

percepção. Onde podemos trabalhar com a consciência doadora do sentido de valorização

do vivido, tanto de forma física quanto espiritual. O pensamento como representação do

conhecimento e da imaginação, buscando-se a experiência forjada pelo subconsciente,

ativando possibilidades para o trabalho intelectual; o sentimento como sendo o

emocional, o afetivo, a sensação e busca do que foi silenciado em nível do aprender a

sentir o mundo. ( Aranha & Martins, 1992:386). O humano enquanto ser que deseja e

reage afetivamente aos acontecimentos do meio; a vontade como desejo, ação e

criatividade, intenção de procura, de percepção, ou sentir sensorial e emocional, que

permitem uma comunhão entre a natureza e o sujeito, onde a afetividade possibilita um

reagir aos acontecimentos. Este tripé é a base para a leitura de qualquer realidade, desde

que seja usado com equilíbrio holístico, pois “o objetivo do conhecimento não é

descobrir os segredos do mundo, mas dialogar com seus mistérios”( Morin,/1995:13).

Esse saber científico, extraído do saber popular e simultaneamente da natureza e

dos seus processos naturais, nos mostra um mundo aberto, produtivo e inventivo. E esse

momento criativo que estrutura as revoluções científicas, pede o máximo de temperança

nessa construção da ciência/natureza/sociedade. Este é um dos nossos caminhos. Buscar

no mito, na razão e na emoção a organização da experiência vivida pelos moradores dos

Velhos Cariris do Paraíba. Isto é, transformar a experiência vivida em objeto de

conhecimento através do sentimento e da imaginação. Uma ciência com consciência

emocional, pensamento divergente e intuitivo, no sentido do conhecimento imediato,

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empírico e racional que nos permita filtrar o que está por trás da aparência exterior do

mundo semi-árido.

A imaginação como mediadora entre o vivido e o pensado, entre a presença bruta

do objeto e a representação. Assim, a imaginação alarga o campo do real percebido,

preenchendo-o de outros sentidos. (Aranha & Martins, 1992:387).

Levamos em conta um método de análise calcado no modelo da incerteza, (Atlan,

1990:159) onde uma rede de hipóteses, observações e generalizações do mundo empírico

observado, será necessária para o desenvolvimento do estudo. Pois, A verdade não é

dada através de nenhuma consideração objetiva da evidência. A verdade é

subjetivamente admitida como parte da experiência e da perspectiva global da pessoa.

(TUAN, 198:108).

Uma sociedade cria história e cultura em sua direta e intensa relação com a

natureza (Le Goff, 1994:35). Buscaremos através da história oral as idéias de natureza,

história de vida e do imaginário, que privilegiem a percepção e topofilia ao longo do

tempo pelo Cariri paraibano e os problemas ambientais decorrentes da busca desenfreada

pela sobrevivência.

“O novo saber que o gênero humano vem adquirindo não suplanta o saber que se propaga simplesmente pela transmissão direta e oral e uma vez perdido não se pode mais readiquiri-lo e retransmiti-lo: nenhum livro pode ensinar aquilo que só se pode aprender na infância ao se prestar ouvidos e olhos atentos ao canto e ao vôo dos pássaros e se houver ali alguém que saiba o nome deles.” (CALVINO, Italo. Palomar, Trad. Ivo Barroso. São Paulo: Cia das Letras, 1994:25).

A história oral vem no sentido de valorização do conhecimento popular e das

experiências vivida pelos que fazem os Velhos Cariris do Paraíba.

A cultura influência a percepção a ver coisas inexistentes. Logo, os conceitos de

cultura e meio ambiente serão superpostos aos de homem e natureza. Onde o olhar dos

que vivem na região pesquisada deve ser complexo por estar imerso na totalidade de seu

meio ambiente.

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1.1 Os caminhos trilhados

Para a consolidação dos pensamentos e formas de agir, apontamos os seguintes

passos:

A) Escolha do referencial bibliográfico a partir de trabalhos escritos sobre a região,

produções teóricas calcadas nos paradigmas da incerteza, imaginário, topofilia, relação

sociedade natureza, visão holística, espiritualidade, afetividade, cultura e ecologia social,

entre outros, os quais subsidiaram nossa leitura do processo de modernização, da ciência

e da técnica moderna, pilares fundamentais para entender as culturas fragmentadas,

desenraizadas do mundo natural, desencantadas de seus mitos, explicações mágicas e

tradições seculares, onde a pesquisa empírica se realiza a partir de um olhar geo-

ecológico2 sobre a paisagem, identificando os diferentes aspectos do meio ambiente

holístico;

Yu-fu Tuan, em sua obra, é um dos principais norteadores das idéias de construção

dessa pesquisa. A leitura e interpretação de seus trabalhos influenciaram toda uma rede

de desejos em aprofundar o estudo das idéias e valores do semi-árido, em relação aos

aspectos da cultura, da natureza, homem e meio ambiente (Tuan, 1980. Passim.).

As obras do pensador Cornelius Castoriadis nos permitiram construir uma teia de

relações com outros pesquisadores do imaginário, para daí apreendermos a construção de

imagens do semi-árido no Cariri do Paraíba.

Apesar de estarmos fazendo um corte diferencial em relação a estes autores,

consideramos todos os demais e seus livros que aparecem na relação bibliográfica, como

os responsáveis pela pluralidade de idéias que nos permitiram enveredar por tão

complexa proposição.

Os capítulos que tratam dos aspectos sócio-econômicos e fisiográficos foram

produzidos com base em dados do IBGE, SUDENE, do Atlas Geográfico do Estado da

Paraíba/UFPb e de pesquisas realizadas por estudiosos da Região.

B) Adotamos como estratégia básica para coleta de dados, a “técnica do diálogo, dando

privilégio para história oral,” especialmente os relatos de pessoas idosas, e adultos do

2 A expressão “olhar geográfico” foi muito usada por vários geógrafos franceses como: Jules Sion, Blauchard, Deffontaine. Em nosso caso, o uso da expressão “olhar Geo-Ecológico” tem o sentido de uma versão, acrescentando-se nesse olhar, não apenas o contemplativo, visível. Mas também o imaginário, o emotivo, o percebido em todos os sentidos da existência natural e humana.

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Cariri Oriental, para a partir de suas práticas culturais identificarmos a relação

sociedade/natureza. Os símbolos da paisagem que surgem nas mentes, nas lembranças e

que respondem emocionalmente aos aspectos do lugar (Gay, 1990:38). Estes elementos

se apresentam como corpo que relaciona-se diretamente com as práticas cotidianas dos

diferentes grupos sociais, onde o testemunho oral representa a gênese da investigação,

esclarecendo os eventos ou processos que as vezes não seriam elucidados de outras

formas.

Os testemunhos orais foram depoimentos de pessoas em geral analfabetas ou semi-

analfabetas, que geraram entrevistas sistematizadas e dissolvidas no corpo geral da

pesquisa, resultado de diálogos e aproximação direta entre os sujeitos envolvidos,

permitindo a definição dos caminhos alternativos de nossas interpretações.

A escolha da história oral dialogal veio na perspectiva do tempo presente,

legitimada pelas fontes vivas e conviventes, recuperando-se e recriando-se o objeto da

pesquisa por intermédio da memória dos que se dispuseram a relatar suas práticas de

vida, suas impressões do mundo, suas crenças, recordações, esquecimentos e sonhos.

Narrativas que nortearam nossas reflexões, funcionando como uma espécie de ponte

entre a teoria e a prática, influenciando imbricações das histórias despertadas pela

memória. (Ferreira, M. 1996:31-3).

Memória e oralidade possibilitaram as lembranças e o reencontro com os

momentos vividos, dos tempos bons e ruins que a história de vida traz ao pensar do

tempo presente nos permitindo obter e desenvolver conhecimentos novos,

fundamentando nossas análises em novas e inéditas fontes, criando espaço de contato e

influência sobre nossos passos e interpretações da vida e a experiência dos que convivem

com a natureza semi-árida do Cariri paraibano

Os depoimentos orais complementam outras fontes documentais, pois

consideramos a evidência oral como uma renovação no estabelecimento de relações com

as pessoas entrevistadas, criando-se a integração e vínculo pessoal com os que

participaram. E que mesmo não sabendo escrever puderam se expressar, expondo

sentimentos e atitudes frente ao mundo. Rememorando experiências vividas, às vezes em

fragmentos de memórias, recheados de sensibilidade, alegria ou dor, onde tanto os que

contam, quanto os que escutam, se emocionam, criando esse novo ambiente, onde um

vive e o outro revive e, no reviver, o recriar da história. É uma experiência cuidadosa e de

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aproximação, onde a confiança é de extrema importância, pois partilhar de histórias de

vida é revirar os segredos do alheio, mesmo autorizado. Pois a memória quando ativada,

se torna livro aberto e história viva.

O mais importante foi recuperar experiências e pontos de vistas individuais e

coletivos daqueles que nem sempre são considerados. Com isso, buscar uma idéia da

natureza, de baixo para cima, onde a memória seja incorporada às outras fontes, métodos

e abordagens. A memória coletiva como sendo energia e imaginação para nossos

diálogos construtivos. Mapas mentais da história de vida que completam o sistema dos

fenômenos físicos, biológicos, psicológicos, afetivos, sociais e culturais, em completo

estado de inter-relação e interdependência essencial.

C) Para análise do material empírico e confronto com a base teórica, fizemos uma

quadrangulação entre o imaginário, a oralidade, a natureza e a topofilia percebida, usando

como forma de linguagem, a narrativa descritiva e informativa para expor literalmente e

diagnosticar até que ponto o processo de modernização já acha-se desenvolvido na

região, interferindo diretamente no cotidiano e práticas culturais locais, bem como a

influência desse desenvolvimento na constituição do imaginário dessas comunidades,

pois essa linguagem permitiu um modelo de compreensão teórica do objeto, onde a

narrativa, assim como a descrição possibilitaram espelhar a nossa percepção e a

percepção que a comunidade possui de si e da natureza ao seu redor, se reconhecendo,

identificando os problemas e potencialidades, para uma possível análise da realidade

natural, cultural e social, resultantes das práticas cotidianas.

D) Entre os recursos técnicos utilizados no desenrolar da pesquisa, optamos pela

aplicação da técnica de análise de conteúdo, por considerar um recurso que se ajusta à

análise dos fenômenos e conteúdos decorrentes de uma pesquisa que envolva imaginário,

historia de vida e memória oral. Considerando a observação de estrema importância para

nosso planejamento da pesquisa, reflexões, leitura e registro de diferentes ações.

Fizemos uma cobertura fotográfica da região estudada, que resultou em um

capítulo sobre o olhar ecológico da paisagem do Cariri do Paraíba. Adaptamos produtos

cartográficos de ordem temática com mapas já existentes sobre a região, filtrando

aspectos do meio ambiente natural histórico e social da área; além de anotações, relatos e

experiências em relação às comunidades estudadas.

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Com base em Cartas Topográficas (SUDENE, 1986), de Boqueirão (folha SB. 24-Z-

D- III/MI-1211), e de Santa Cruz do Capibaribe (folha SB. 24-Z-D-VI/ MI-1290),

localizando o município de Barra de São Miguel, povoado de Riacho Fundo e toda a

extensão do Açude Público Epitácio Pessoa (Aç. de Boqueirão), definimos nosso raio de

observação da paisagem e os possíveis impactos sócio-econômicos que esta área vem

sofrendo. Considerando o Povoado de Riacho Fundo como ponto central de nossas

observações, traçamos cincos raios limites para as incursões em campo:

RAIO (1) segue no sentido povoado Nordeste/Leste, aproximadamente 8km, sempre

seguindo o leito do Rio Paraíba, área influenciada pelo açude quando seu nível atinge

maior volume de água;

RAIO (2) segue no sentido povoado Oeste/Noroeste, cerca de 27Km, seguindo o leito

do Rio Paraíba, pequenos riachos afluentes e a estrada barreada que liga Cabaceiras a

São Domingos;

RAIO (3) segue no sentido povoado Norte, em torno de 10Km, na direção de

Cabaceiras, seguindo por dentro da caatinga, em trilhas e caminhos dos moradores;

RAIO (4) segue no sentido povoado Sudeste, aproximadamente 10Km, sempre por

dentro da caatinga, seguindo trilhas, riachos e caminhos de moradores, tendo como

limite a Serra da Cruz e o Riacho Quixaba, imediações dos Sítios de Novilho e Serra

da Cruz;

RAIO (5) segue no sentido povoado Sul/Sudoeste, cerca de 10Km, na direção da sede

municipal de Barra de São Miguel, por dentro da Caatinga, Riacho da Barra e Riacho

Melancia.

O termo raio tem aqui o sentido de trajetória, direção e distância que se estende em

todos os sentidos da área, a partir de um ponto central. Do povoado de Riacho Fundo em

relação às várias distâncias apresentadas, temos uma concêntrica de aproximadamente

15,25 km2 , definida no corpo geral de nossa pesquisa como a área específica do estudo.

Com estes passos, olhamos ecologicamente a natureza das coisas naturais e

humanas no delimitado espaço, a partir de uma pesquisa empírica.

Para tanto, nos prenderemos às apreensões que o homem faz do mundo através

dos seus sentidos: nas formas, nas cores, nos sons, nos odores, nos seus movimentos

corporais, nos sabores do comer e beber, e nos sentidos de reflexão e reação dessa

construção que imaginamos ser o real.

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Mais que um “trivium” de sensação, percepção e representação, acrescentamos

a este simbolismo da vida individual e coletiva, comunicação e identidades. Um

pentagrama do universo emocional e material do humano. Confirmando-se assim os

sentidos superiores, onde as sensações recebidas e percebidas se comunicam para a

construção das imagens que permitem todos os comportamentos que nos identificam no

meio ambiente.

Figura 01. – Os cinco sentidos dos raios concêntricos

Leonardo da vinci, Figura Humana no Círculo, Proporções para Ilustração, 1485-90. Extraído e adaptado de

SENNETT, Richard. Carne e Pedra. São Paulo: Record, 1997.

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II. O SEMI-ÁRIDO DO NORDESTE BRASILEIRO

1. Caracterizando o ambiente

Pensar o Nordeste brasileiro parece tarefa simples. No entanto, esta área é entre as

cinco macro-regiões geográficas do país a que possui os mais fortes contrastes sociais,

econômicos, culturais e ecológicos em nível nacional.

A região Nordeste representa um complexo territorial que vai desde a porção leste

do Maranhão até o Norte de Minas Gerais, sendo em sua porção oriental banhado pelo

Oceano Atlântico. Com quase 1,2 milhão de quilômetros quadrados, representando quase

20% das terras do Brasil, e onde vivem aproximadamente 30% dos brasileiros, algo em

torno de 45 milhões de habitantes, o Nordeste representa demograficamente uma área de

repulsão populacional, aspecto que se observa desde o início do século e que fornece

migrantes para outras regiões do país (IBGE, 1991).

Na verdade, o Nordeste é constituído de diferentes nordestes, com disparidades

econômicas e naturais em suas diversas áreas, desde a zona da mata açucareira, cacaueira

e petroquímica, com importantes centros urbanos e grande concentração demográfica; a

zona de transição agrestina entre o Sertão e o Litoral com pecuária e policultura; o Meio

Norte em território maranhense, ou zona dos cocais de atividade extrativa; e o Sertão

semi-árido com o domínio da Caatinga, com agricultura e pecuária extensiva.

O Sertão nordestino é a Mesorregião que mais nos interessa na pesquisa. Marcado

por uma extensa área denominada “polígono das secas”, que nos últimos anos já estende-

se por mais 1.510 municípios da região. O Sertão semi-árido representa 13,5% das terras

brasileiras e mais de 74% da Região Nordeste (Mendes, 1987:20). Nessa área vivem

aproximadamente 20 milhões de habitantes, o que podemos considerar de forma

comparativa a quase o tamanho da população Argentina, em um território

ecologicamente recheado de contradições e fragilidades.

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A estiagem é um dos principais fenômenos naturais a desorganizar a frágil

economia local, tornando os problemas sociais ainda mais críticos. Do ponto de vista

sócio-econômico, o Nordeste apresenta os mais elevados índices de pobreza do país.

Problemas como o analfabetismo, desnutrição, mortalidade infantil, subemprego, sub-

moradia, falta de assistência médica e de educação. A economia regional é frágil,

descapitalizada e totalmente controlada por algumas oligarquias locais.(Ibid., 1987:24)

1.1 Ambiente sertanejo

Segundo os Anais do Primeiro Simpósio Brasileiro sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento Sustentável do Semi-Árido, realizado em Mossoró pela URRN, em

1997, o Semi-árido nordestino é sem dúvida uma das áreas ecologicamente mais

degradada do Brasil, no qual o processo de desmatamento provocado pela ação humana,

atrelado às condições ecológicas de seca, passa a apresentar um território com forte

tendência à desertificação, pois a população pobre tenta sobreviver com os parcos

recursos naturais, a exemplo do comércio de lenha para fornos dos grandes centros

regionais e fabricação de carvão, com o uso da vegetação que ainda resta no local.

Constata-se que o ‘polígono da seca’ está se ampliando a cada período de longa estiagem,

além disso, arcaicas práticas de queimadas e coivara para agricultura de subsistência, ao

lado do machado, foice e até moto-serra para extração da madeira, produção de carvão,

lenhas, estacas para cercas e carpintaria, contribuem ao lado da seca para a degradação e

um maior agravamento dos problemas no meio ambiente regional

1.2 Ambiente das águas

A Semi-aridez do Sertão nordestino vincula-se diretamente ao clima quente-seco,

onde a água ausente é um dos principais elementos responsáveis por este fenômeno

natural.

Segundo a OMM/UNESCO, 1997 – Relatório “Água suficiente no mundo?” o

Banco Mundial, 1995 – Relatório “em direção do uso sustentável dos recursos hídricos” e

o Programa Hidrológico Internacional / UNESCO, 1997 – Relatório “Repartição das

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águas terrestres”, podemos dizer que 70% da superfície terrestre é coberta por água, mas

97% dessa água é salgada. A maior parte da água fresca do planeta está presa nas calotas

polares e geleiras ou armazenada debaixo da superfície da terra. Só 0,26% está disponível

em lagos, rios e córregos. 80,6% da água fresca usada pela humanidade é destinada à

agricultura. De 65% a 70% da água em uso, se perde através de evaporação, vazamentos

e outros desperdícios. Sem drenagem adequada, a irrigação contínua desgasta o solo, os

rios e os córregos, devido ao processo de erosão e salinização que ali se instala. Estima-se

que 60 milhões de hectares de terra irrigada em todo o mundo já tenham sido atingidas

pela salinização. A vegetação é o melhor instrumento de retenção da água, uma vez que

evita a erosão e alimenta mananciais subterrâneos. A derrubada de florestas está

intimamente relacionada com inundações, deslizamentos e erosão dos solos nas estações

chuvosas e com secas severas durante a estiagem.

O Brasil tem 14% das reservas mundiais de água doce. São Paulo já consome 95%

de sua água de superfície disponível; a Amazônia é responsável por 16% da drenagem de

água doce do mundo, com 4% da superfície da terra.

As regiões áridas e desérticas somam 40% da superfície terrestre, e só contam com

2% do total de drenagem de água doce do mundo.

Apesar de sabermos que o semi-árido brasileiro é identificado pela seca e o rigor

das prolongadas estiagens, entendemos que este território marcado pela falta de água tem

implicações muito mais complexas, pois nesse ambiente se estabeleceram diferentes

atividades econômicas e relações sociais que ultrapassam os limites meramente físicos,

como a escassez de chuvas ou outros fenômenos naturais. No Semi-árido nordestino

cristalizou-se toda uma cultura regional, onde homens, mulheres e crianças formam um

expressivo contingente populacional que tenta acessar os recursos naturais e econômicos,

considerados vitais, como os recursos hídricos e alimentares. Na verdade, desde o século

XVII, quando as atividades ligadas à agropecuária e ao extrativismo começaram a se

expandir pelo território semi-árido, isto foi feito de forma extensiva e predatória, pois a

idéia colonial de ocupação não vislumbrava de forma global os impactos que tais

atividades pudessem causar a este meio de condições físicas fragilizadas pelo própria

natureza. Mendes, (1987).

Sabemos que a água que pouco existe na região nem sempre está disponível para

todos. Mesmo com a existência de grandes obras para acumulação hídrica, pois em

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muitos casos os espaços geográficos reservados ao acúmulo de água encontram-se em

propriedades privadas, e muitos dos espaços públicos não encontram-se dotados de

sistemas adutores que possam canalizar a água para quem realmente precisa. Outro

aspecto a ser considerado é que o modelo concentrador de alguns reservatórios de água

distancia-se dos muitos habitantes da chamada região do “Polígono das Secas”, pois

sendo os rios intermitentes, aqueles que vivem distantes dos açudes, não podem acessar a

tão necessária água ali acumulada. Na verdade fica faltando uma maior dispersão

geográfica da água do Semi-árido.

O Estado da Paraíba possui cerca de 43 açudes públicos, com mais de 2,6 milhões

de metros cúbicos, além de dezenas de açudes particulares. No entanto, a distribuição

geográfica desses recursos hídricos não é democratizada, deixando centenas de famílias,

especialmente das áreas rurais, sem acesso à tão sagrada água de cada dia.

1.3 Ambiente degradado

Mendes (1987) é quem melhor caracteriza a região sertaneja no tocante ao

planejamento e gestão desse território, pois consegue identificar a importância ecológica,

social e econômica da Região com muita riqueza de detalhes. Especialmente no que

tange à desertificação do Semi-árido nordestino, apontada como um processo de

diminuição ou destruição progressiva da vida, seja animal ou vegetal, de uma

determinada área que tende a atingir condições de deserto, sendo resultado da ação

antrópica, das condições climáticas e do solo.

Existem outros conceitos de desertificação que tratam dos processos naturais

sucessivos em longos períodos, ou um complemento ao conceito por nós utilizado que

trata da hamada ou “deserto de pedra” (Guerra, 1997:197), pois boa parte do semi–árido

nordestino encontra-se sobre rocha cristalina com solo raso e pedregoso que são

condições naturais para tornar essa região desnuda em função dos grandes afloramentos

rochosos.

Como uma região semi-árida, esta área é facilmente passiva de degradação, pois a

fragilidade do ecossistema e a ação humana permitem um acelerado processo de

destruição das condições biológicas. Em função da rigorosidade ambiental, as regiões

áridas caracterizam-se como mundos solitários, de rochas, pó e vento, quente e frio,

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sendo localizadas predominantemente em zonas tropicais e equatoriais de alta pressão.

Um território de constante luta entre água, vida e árido em expansão. (Steele, 1998: 9/13)

2. A Paraíba no Nordeste

O Estado da Paraíba está situado entre os meridianos 34º 47’30” e 38º 46’17”de

longitude a Oeste de Greenwich e os paralelos de 6º 01’01” e 8º 18’10” de latitude Sul,

fazendo parte da porção mais oriental da região Nordeste do Brasil. É um território que se

distribui de Leste para Oeste em uma distância linear de 443km e na direção Norte/Sul,

com distância linear de 263km. Limites: Rio G. do Norte (N); Oceano Atlântico (E);

Pernambuco (S);Ceará (W). (Moreira, 1985:12).

O Estado encontra-se dividido em quatro mesorregiões geográficas, sendo elas:

Sertão, Borborema, Agreste e Zona da Mata paraibana.

Nosso trabalho de pesquisa tem como área de estudo a Mesorregião da

Borborema, e nela a Microrregião dos Cariris Velhos, onde aparece a Microrregião do

Cariri Oriental, com os municípios de Barra de São Miguel, Boqueirão, Cabaceiras,

Gurjão e São João do Cariri.

O planalto da Borborema mede cerca de 20.411 km2 onde a Borborema Oriental é

de 5.207 Km2 .

2.1 Processo de Ocupação Territorial dos Sertões e Cariris da Paraíba: uma região de raiz cultural indígena3,

“Os habitantes nativos do território do atual Estado da Paraíba pertenciam aos grupos lingüísticos dos Tupi e Cariri. Dos primeiros destacavam-se as nações dos Potiguara e Tabajara, que habitavam o litoral no momento inicial da colonização, enquanto os Cariri ocupavam vastas áreas do Sertão. Organizados em uma economia comunitária, os índios

3 Além dos autores citados, boa parte das Informações sobre a questão indígena na Paraíba, foram extraídas do Mapa Etno-Histórico do Brasil e Regiões adjacentes - FIBGE/ 1980. E da Coleção História da Paraíba em Fascículos. João Pessoa: A União Editora, nº 01 e 04, 1998.

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cultivavam a mandioca, o milho, o fumo e o algodão, e praticavam a caça, a pesca e a coleta. Para tanto, a terra era mais do que o celeiro natural, era a própria razão de existência da comunidade” (EGLER & MOREIRA, 1985:16).

A ocupação do território paraibano no início da colonização, séculos XVI e XVII,

esteve inicialmente voltada para a produção agrícola, ligada aos interesses do capital

mercantil e seus mecanismos de mercados. Logo, a cidade não tinha papel relevante

nesse processo, pois servia apenas como entreposto para escoamento da produção

agrícola. Os campos do litoral foram sendo tomados pela produção canavieira, sendo a

cidade de Parahyba (João Pessoa), a primeira área urbana do território em formação.

No litoral se estabeleceu a atividade canavieira, organizada em um tripé sócio-

econômico e cultural de monocultura, trabalho escravo e latifúndios, tendo o engenho e

os canaviais como principais locais dessas relações, capital mercantil e trabalho

escravo.(Ibid. 1985:17)

A partir do século XVII, as áreas interioranas foram sendo ocupadas pelos

conquistadores ( colonos, bandeirantes e sesmeiros4) para a constituição das fazendas de

gado. Esse processo é convergente ao extermínio e aldeamento das nações indígenas

Kariri e Tarairiú (Sukurú, Ariú, Icó e Paiacú, Canaió, e outros). Nesse berço da nação

Kariri, tivemos diversas tribos, como: os Ariú e Sukurú. Os Ariú vindos do Sertão, Ceará

e Rio Grande do Norte, e os Sukurú vindos do Vale do Pajeú ao Sul, em Pernambuco

ocupando toda essa região, que em alguns trechos, recebe o nome do grupo lingüístico

dos Kariri.

“(...) Lembrei-me de que além de ser um homem, eu era um homem ligado à determinada terra, meus antepassados tinham vindo pelo mar, em caravelas, eram ibéricos: portugueses, castelhanos, beirões, minhotos, mouros, judeus. Todos com o sonho do além instilado no sangue. Sendo que de todas as terras de onde tinham vindo, a Beira Alta era já do outro lado do mundo, uma região de gados e pedras, de serras e chapadas como o Sertão. Eu me orgulhava de descender daquele povo, que dera a canção da barca bela e o romance da nau catarineta. Povo de marujos que viera pelo mar e se fixara no litoral e na mata, cruzando-se com negros africanos e índios vermelhos. Mais ainda, o contingente mais audaz e ousado dessa gente,

4 Do Dicionário Aurélio, verbete sesmaria: [De sesma + aria.], S.f. 1. Terra inculta ou abandonada, que os reis de Portugal cediam a sesmeiros que se dispusessem a cultivá-la. 2. Antiga medida agrária, ainda hoje usada no RS, para áreas de campo de criação, equivalente a aproximadamente 6.600metros.

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deixou o litoral e a mata, e subiu o planalto sertanejo, para, vestido de couro, criar o mito de uma rude cavalaria sertaneja. (...) Vaqueiro com seu couro cravejado com medalhas de prata a faiscar, bebendo o sol de fogo e o mundo oco, meu coração é um almirante louco que abandonou a profissão do mar.”. (Suassuna, Sonetos in: A poesia Viva de Ariano Suassuna, CD: 1998)

Suassuna vai tecendo com seus sonetos os diferentes europeus que participaram da

construção territorial do Nordeste e especificamento o Sertão da Paraíba. Em seu texto

notamos teores de cruzadas religiosas e conquistas, em que o sertanejo aparece como

sendo um cavaleiro com armaduras de couro e a coragem de enfrentar o desconhecido em

nome de uma construção inconsciente da história cultural de um lugar.

( MAPA 03 ) A ocupação do território paraibano

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Fonte: Adaptado do Atlas Geográfico do Estado da Paraíba. João Pessoa: Grafset/SEC./UFPB, 1985. Org. por EGLER, Cláudio.

O mapa geo-histórico revela os primeiros caminhos de gado, base para a ocupação

do interior do Nordeste, chegando ao território paraibano e estabelecendo diversos pontos

de apoio para instalação da atividade pecuarista no Sertão da Paraíba.

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As terras do Sertão foram ocupadas nas margens das ribeiras, estabelecendo as

fazendas que destinavam-se à criação de gado bovino, eqüino, caprino, ovino, asnos ou

burros e jumentos – como também para o plantio de algodão e gêneros alimentícios para

subsistência. (Moreira, 1997:65).

O temível bandeirante Domingos Jorge Velho, que destruiu o Quilombo dos

Palmares, foi um dos “desbravadores” dos Sertões da Parahyba.

Pelo menos dois grandes grupos de índios (os Kariri e os Tarairiú), habitavam os

vales subúmidos dos rios mais caudalosos e das regiões altas dos Sertões da Paraíba e

áreas vizinhas. Os Kariri localizavam-se nas margens dos Rios Paraíba, Piancó e do

Peixe. Enquanto que os Chocó e Paratió estavam nas áreas serranas de Teixeira, Monteiro

e Vale do Rio Pajeú que deságua em direção a Pernambuco.

A etimologia da palavra Kariri, não foi devidamente esclarecida. Existe uma

relação do provável significado com base nas lendas dos povos indígenas, que remete os

Kariri como “originados de um lago encantado”. Para Capistrano de Abreu, citado por

Almeida, esse lago pode ser o Maracáibo, em território venezuelano, berço dos Aruaque

e Gê, que, expulsos por outras nações, foram ocupando terras da Amazônia brasileira até

chegarem ao Brasil Central e Região Nordeste (Almeida, 1966:241-42).

“O grupo Cariry é muito importante devido ao contato que tiveram com elle os colonizadores do norte desde o século XVIII. Vinham da região que se estende entre os rio S. Francisco e o Parnahyba (tremembés, Icós, Sucurus, etc,). Suas migrações partiram do norte e seguiram o litoral para o sul até Espirito Santo e até mesmo S. Paulo, como provam os vestigios que deixaram nos nomes locaes. ‘Os carirys, diz Sylvio Roméro, estão hoje representados em varios gráos de cruzamento, nas populações sertanejas do planalto norte desde a Bahia até a fronteira do Maranhão’.”. (CARVALHO, D., 1931: 123-5)

A economia desses grupos era pautada na agricultura do feijão, milho e jerimum,

além da caça e pesca. Os Carnoió habitavam o sul do Planalto da Borborema, no Vale do

Paraíba, nas áreas hoje denominadas de Boqueirão e Cabaceiras; os Sucuru estavam na

mesma área, só que mais ao ocidente, entre os rios São Miguel, Sucurú e do Meio,

formadores do Rio Paraíba. Outras tribos dos Sucurú, foram encontradas ao Norte do

Planalto da Borborema, no Vale do Curimataú, Os Tarairiú eram nômades (Panati, Pega,

Ariú, Canidé, Jenipapo) espalhavam-se por diferentes áreas do Sertão paraibano e de

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outros Estados como Rio Grande do Norte e Ceará. Como eram rivais dos Kariri,

estavam sempre se deslocando e, no máximo desenvolviam uma fraca atividade agrícola

para subsistência. (Ibid. 1966:254)

Os Tarairiú, como eram fortes inimigos dos Kariri, aliaram-se aos conquistadores

estrangeiros como forma de se contrapor aos rivais. Calcula-se que os conflitos

estenderam-se por quase trinta anos (1690 a 1720), envolvendo mais de dez mil indígenas

em combates cheios de sangue e crueldade, o que levou os dois grupos a se

enfraquecerem favorecendo à conquista dos sesmeiros, bandeirantes e colonos. Muitos

índios foram capturados e levados para o litoral, ou aldeados em diferentes áreas do

Sertão e da Borborema. (Joffily, 1977: 87-8)

A ocupação do interior paraibano, especialmente a nossa área de pesquisa, se deu

através de duas vias de penetração, comandadas especialmente pela família Oliveira

Ledo. Com expedições que se deslocaram dos sertões da Bahia e Pernambuco, pelos

afluentes do Rio São Francisco, até chegarem ao Vale do Rio Pajeú, e posteriormente, às

terras da Paraíba. A outra expedição de conquista seguiu o curso do rio Paraíba, da

jusante à montante, no sentido litoral Sertão, estabelecendo em 1670, na área da missão

indígena Cariri, em Boqueirão, Serra do Carnoió. Estas duas vias de penetração se

estabelecem no Planalto da Borborema, Vales do Paraíba, Taperoá e seus afluentes, para

daí estenderem-se ainda mais no sentido norte e ocidente do Sertão paraibano, atingindo

o Sertão do Piranhas, seus afluentes e o Alto Sertão, no limite Paraíba, Ceará e Rio

Grande do Norte (Ibid., 1977: 109-13).

Dos índios aldeados e do cruzamento de brancos com as índias surgiram os

caboclos ou mamelucos, que tornaram-se os vaqueiros, responsáveis pelo pastoreio do

gado. Esse tipo mestiço passa a caracterizar toda a região sertaneja, pela sua bravura e

vestes de couro. Só o vaqueiro consegue dominar o gado, o solo pedregoso e a vegetação

espinhosa da região.

Além da pecuária o Sertão também desenvolveu a produção algodoeira, apesar de

suas terras secas, que a partir do século XIX, já expandia-se por todo o Sertão Paraibano,

ocupando terras da Borborema, Curimataú, Cariri e Agreste, e se destacando na balança

comercial de exportação, como sendo o “ouro branco”, que juntamente com o gado,

formara o binômio do sertão pecuarista-cotonicultor. A produção algodoeira como é um

tipo de cultura permanente, concede espaço para culturas temporárias, como: feijão,

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milho, fava, jerimum, melancia, batata doce, etc. A agricultura de subsistência,

considerada base na alimentação do sertanejo, ao lado da carne seca ou de sol, passa a ser

muito mais nutritiva que os hábitos alimentares das populações litorâneas. (Moreira,

1997, passim.)

Para Moreira, (1997) o boi que originalmente havia se fixado nas terras litorâneas,

apoiando as atividades do engenho, vai sendo levado para o interior sempre seguindo o

curso dos rios, formando os chamados caminhos do gado, originando os currais, as feiras

de gado e em conseqüência, o aparecimento dos povoados e vilas que foram tornando-se

cidades, a exemplo de: Boqueirão, Cabaceiras, Piancó, Vila Rainha (hoje Campina

Grande), Itabaiana, Pombal, Sousa, Patos, Cajazeiras, Princesa Isabel, e muitas outras

cidades e povoados que foram se formando em função dos percursos econômicos

desenvolvidos nos Sertões da Paraíba.

“A importância do gado nessa região foi tão grande que se fala até mesmo em uma civilização do couro. Além de fonte de renda monetária e de meio de subsistência alimentar ( carne/leite), o gado fornecia matéria-prima (couro) para uma série de bens utilizados pelo sertanejo: vestuário, calçado, arreio e utensílios domésticos os mais variados (bancos, camas, portas, etc.).” (Ibid., 1997, p. 73).

A autora continua sua argumentação em relação ao gado e à outras atividades,

afirmando que o algodão passou a ser uma combinação econômica regional de grande

importância, pois o boi, o couro e o colton vão criando os valores culturais típicos de uma

região, juntando-se a estes elementos a sede, a fome, a seca e os pequenos agrupamentos

urbanos, que de arraias vão se transformando em feiras de gado, até atingirem a

proeminência de importantes centros regionais que passam a propagar a economia e

cultura regional.

As fazendas de gado eram delimitadas pelas marcas deixadas pelo gado no seu raio

de pisoteio e pastagem, inicio de uma pecuária ultra-extensiva, que foi definindo as

grandes fazendas, ou latifúndios. Na verdade, o cercado, como caracterizador de pecuária

extensiva, não faz muito sentido, pois devido ao grande tamanho das propriedades em

relação ao rebanho, o termo ultra extensiva se aplica melhor.

No inicio de implantação da pecuária pelo Sertão do Nordeste, os criadores e seus

vaqueiros tiveram que enfrentar os diferentes obstáculos naturais da semi-aridez: limitada

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água e vegetação espinhosa, além das cobras venenosas como a cascavel, jararaca e coral,

onça suçuarana, os morcegos vampiros (hematófagos) que atacam os animais, e as flechas

certeiras dos índios que sempre estavam na espreita.

A vida isolada e solitária das fazendas, com pouca mão-de-obra e grandes áreas de

pastoreio, foi um dos principais elementos para composição de uma sociedade semi-

fechada e rústica, onde o trabalho tomava conta dos dias. Ferrar os bezerros, curar as

bicheiras dos animais doentes, matar onças e cobras, abrir bebedouros e conduzir os

rebanhos pelas caatingas foram forjando o homem sertanejo, numa mistura de nativos e

colonos do além mar. Distantes do litoral, vão sendo absorvidos pelo lugar e criando novos

valores culturais, embebidos de mitos e imaginação, mistura do religioso com o

supersticioso. Assim, dos beatos ao malassombro das casas abandonadas, vão surgindo os

curadores de bicheiras, as rezadeiras e muitas histórias propagadas pela literatura de

cordel, também rústica, tanto na arte gráfica, quanto no rebuscar do português falado na

região. Um misto da língua bugre (indígena) com o português não acadêmico que muitos

colonizadores portugueses falavam. Um homem circundado por uma natureza mística,

assumindo naturais superstições que são típicas de uma ingênua filosofia.

Dos caminhos do gado, algodão e posteriormente o agave, estes últimos voltados

para o mercado externo, surgiu a necessidade do capital estrangeiro instalar um circuito

ferroviário que ligaria o porto e trapiches da desembocadura ou foz do Rio Paraíba

(Cabedelo) às diferentes áreas sertanejas, para facilitar o escoamento da produção

algodoeira para o exterior.

Ao lado do sistema ferroviário criou-se uma Inspetoria de Obras Contra as Secas

para construir açudes. Posteriormente transformada pelo Governo Federal em DNOCS.

(Almeida, 1994:383-4)

Por volta dos anos 50, o algodão já era o principal produto na balança comercial

da Paraíba e do Nordeste. Nesse período é criado o Banco do Nordeste do Brasil (BNB,

1951), e com o surgimento da SUDENE em 1959, começaram a surgir projetos técno-

burocratas, muitos elaborados em gabinetes e distanciados da realidade sócio-econômica

e cultural do Nordeste, que transformavam completamente a região problema em

potencial espaço de produção. Na Paraíba, a SUDENE/DNER/DER começam a

desvalorizar o sistema ferroviário e substituí-lo pelo sistema rodoviário. Os projetos de

irrigação começam a circular nos gabinetes das esferas planejadoras. Este é um momento

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de discussões sobre os problemas regionais e integração nacional, visando o

aproveitamento dos potenciais recursos e eliminação dos desequilíbrios sociais em nível

regional e nacional. Com projetos seletivos, voltados para culturas comerciais e

excludentes, pois beneficiam basicamente iniciativas empresariais, as mudanças da

realidade sócio-econômica que vislumbravam tais projetos não acontecem, pois as

populações locais vão perdendo os seus tradicionais espaços de produção subsistente e

ficam subjugadas como mão-de-obra barata. O que veio para solucionar os problemas

sócio-econômicos diminuindo as disparidades, transformou-se em mais problemas, pois

criou uma realidade ainda mais contrastante.

Do ponto de vista da ocupação territorial, a Paraíba é hoje um espaço com uma

estrutura fundiária em que o monopólio da terra pelo latifúndio é muito grande, pois as

áreas com mais de 500 ha. concentram-se nas mãos de poucos latifundiários, enquanto

quase 70% dos agricultores só dispõem de 7,05 % das terras da Paraíba, que geralmente

são minifúndios com menos de 10 ha.. As áreas de maiores concentrações estão

localizadas na zona canavieira do Litoral, estendendo-se para o interior pecuarista e

cotonicultor. O Agreste e o Alto Sertão são áreas que apresentam-se com média e baixa

concentração fundiária, onde desenvolvem-se algumas atividades de policulturas. As

áreas de exceção dos Sertões e do Cariri, Agreste e Brejo paraibano, espaços próximos às

bacias hidrográficas e de açudes, com possíveis projetos e financiamentos, passam a

representar áreas de tensão e conflitos entre tradicionais agricultores de vazante e

proprietários sedentos por recursos públicos para projetos de irrigação e outros fins.

3. Ambiente Holístico:

aspectos da paisagem nos entornos da área de pesquisa

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3.1 Barra de São Miguel

O verbete entorno por nós utilizado tem um sentido mais amplo da região semi-

árida do Cariri, que situa-se na circunvizinhança do local da pesquisa, área de extensão

variável, que engloba o conjunto de todos os (vegetação, rios, relevo, povoados,

plantações, currais, etc.) elementos que interferem na paisagem, conforme relativa

delimitação estabelecida na metodologia apresentada.

O município de Barra de São Miguel possui 385Km2, 8,5% da microrregião do

Cariri Oriental e 0,69% da área estadual, onde escolhemos o Povoado de Riacho Fundo,

como plano piloto, para a pesquisa propriamente dita, apesar de considerarmos os Velhos

Cariris do Paraíba como entorno geográfico determinante.

O município localiza-se ao Sul do Planalto da Borborema e apresenta altitude

média de 520m. Com base na sede do município, temos as coordenadas geográficas de

7º44’56” de latitude Sul e 36º 19’14” de longitude Oeste de Greenwich. A distância do

município para a Capital do Estado é de 216,0km, e da capital Federal é de: 3.152km.

As rodovias para chegarmos em Barra de São Miguel são as seguintes: PB 148

Campina Grande, Queimadas; BR104 Queimadas Boqueirão; PB-160 Boqueirão,

Cabaceiras. Apresentando rodovias municipais em leito natural ou rodagem barreada.

O quadro territorial do município (situação em 30.12.1978) de Barra São Miguel

indica que foi criado pela Lei n.º 2.623, de 14 de dezembro de 1961, com instalação em

08 de Abril de 1962, tendo sido desmembrado do município de Cabaceiras, que tornou-se

município em 04 de abril de 1935. É uma área que localiza-se na região geo-admistrativa

de Campina Grande, assim como Cabaceiras, Boqueirão, fazendo parte da Microrregião

do Cariri Oriental.

Pela área apresentada, o município possui os seguintes dados demográficos:

população total de 5.143 habitantes, (Censo de 1991), sendo que 3.608 na zona rural e

1.535 na zona urbana, o que representa uma densidade demográfica de 22,17 habitantes

por km2, bem superior a densidade demográfica do Brasil que é 17,5 habitantes por km2.

Barra de São Miguel, em nível de infra-estrutura social, possui apenas sete (07)

estabelecimentos de Saúde, (IBGE, censo de 1991); (34) estabelecimentos de ensino, dos

quais dois são estaduais e trinta e dois municipais, funcionando desde a pré-escola até o

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segundo grau. Estes estabelecimentos estão assim distribuídos: 26 escolas na zona rural e

oito na zona urbana; 35 professores e 1.160 alunos.(IBGE, 1991).

O quadro econômico municipal apresenta a agropecuária como base das atividades

locais. O órgão responsável pelos dados estatísticos: CEPAGRO - Comissão Especial de

Planejamento, Controle e Avaliação das Estatísticas Agropecuária do IBGE, identifica

que a força econômica do município é a produção agrícola, especialmente o feijão, o

milho e a batata doce. Ao lado da setor do setor pecuarista, pois os bovinos são

numericamente superiores ao número de habitantes do município. Isto sem falar nos

ovinos e caprinos.

Este município é importante produtor de algumas culturas comerciais irrigadas,

como pimentão, tomate e banana, produtos que não aparecem nos cadastros do IBGE, ou

são pouco expressivos nas tabelas. Isto ocorre porque as áreas irrigadas ou de vazante do

Rio Paraíba no município ficam bem mais próximas de Boqueirão e Cabaceiras, sendo

transportadas, computadas e comercializadas através destes municípios.

Os solos de vazante, são as áreas mais caras do município. Segundo agricultores

de Riacho Fundo, no período de estiagem o arrendamento de um hectare de terra nas

margens do Rio Paraíba chega a custar quinhentos reais. Isto para uma safra de pimentão,

tomate ou outro tipo de agricultura.

Barra de São Miguel apresenta um fraco desempenho industrial, pois apenas uma

empresa de produtos minerais não metálicos atua no município. É comum a extração de

areia no leito seco do Rio Paraíba, que é comercializada por depósitos de materiais de

construção das circunvizinhanças, além da fabricação de telhas e tijolos a partir de

materiais argilosos encontrados no leito do Rio Paraíba e seus afluentes.

3.2 Ambiente Fisiográfico

A Mesorregião da Borborema, especificamente a Microrregião do Cariri Oriental,

identificada também como Médio Sertão dos Cariris Velhos no Planalto da Borborema,

setor cristalino do maciço da Borborema é demarcada pelo Curimataú, Cariris do

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Paraíba, e Cariris de Princesa. Esta área é conhecida nacionalmente como triângulo mais

seco do Brasil (Cabaceiras/Cariri, Barra de Santa Rosa/Curimataú e Seridó riograndense).

A região é marcada pela predominância do clima Bsh e Aw’: Semi-árido (segundo W.

Koppen ) quente seco, e subúmido nas áreas de serras e depressões, com chuvas de verão,

e temperaturas médias anuais superiores a 24ºC.

Durante o período de 75 anos, as medições pluviométricas registraram taxas

mínimas de 138,0mm; média de 391,2mm e máximas de 1.035mm distribuídas

irregularmente, ocasionando estação seca que pode atingir 11(onze) meses. Há épocas

que o período de estiagem ultrapassa os 12 meses do ano.

IBGE (1992), vejamos algumas informações climáticas relativas à umidade,

nebulosidade, precipitação, evaporação e insolação como demonstrativo da rigorosidade

do clima nessa área.

(TABELA – A) ELEMENTOS CLIMÁTICOS DA MICRORREGIÃO DO CARIRI/PB –1992

Monteiro Umidade Relat. %

Nebulosidade. (0-10)

Precipitação Altura (mm)

Precipit. Máx. em 24 horas

Evaporação total (mm)

Insolação (horas e décimos)

Janeiro 65,0 5,0 204,2 53,2 284, 196,7 Fev. 78,0 6,0 76,7 12.4 ... 132,5 Março 78,0 5,0 25,2 8,6 ... ... Abril 74,0 5,0 163,3 81,4 ... 225,1 Maio 70,0 3,0 23,5 23,5 ... 260,6 Junho 71,0 5,0 14,0 13,2 ... 179,1 Julho 75,0 5,0 17,3 8,0 ... 183,4 Agosto 79,0 4,0 2,5 2,5 ... 242,0 Setemb. 74,0 4,0 28,6 11,2 ... 209,0 Outubro 65,0 2,0 0,0 0,0 ... 293,2 Novemb. 63,0 3,0 0,0 0,0 ... 259,7 Dezemb. 62,0 3,0 0,2 0,2 ... 255,4 Fonte: IBGE, Estado da Paraíba, 1992.

Estas condições podem ser observadas em toda a Midrorregião do Cariri Oriental,

onde os índices de precipitação somados, encontram-se abaixo dos 600 mm. A nível

comparativo, vejamos a precipitação pluviométrica anual na sede de alguns municípios

do Cariri Oriental em (mm)1992: Barra de São Miguel: 214,8; Boqueirão: 381,1;

Cabaceiras: 326,6; Gurjão: 366,4; J. do Cariri: 491,2. Isto representa uma média anual de

355mm para a microrregião do Cariri, considerada como uma das mais secas do Brasil. O

que todos os demais dados acima comprovam nesse quadro ilustrativo.

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3.3 Ambiente geológico e pedológico

O ambiente geológico da área corresponde às rochas formadas pelo Complexo

Gnaissico-Migmatítico(PEgn), Pré-Cambriano, oriundas de rochas metamórficas

compostas por quartzo, feldspatos, microclina, anortita, albite e biotita.

O ambiente pedológico caracteriza-se pela variedade de solos presentes, oriundos

do complexo cristalino, derivados de diversos tipos de rochas, ocorrem os Bruno Não

Cálcicos, Litossolos, Regossolos Eutróficos e os Solonetz Solodizados. Merecem

destaque também os Solos Aluviais Eutróficos, normalmente encontrados em pequenos

vales e as Rochas Granitóides, que no geral originam os Regossolos Eutróficos. Nas áreas

de bacias sedimentares, com uma topografia relativamente plana, podemos encontrar os

solos com maior potencialidade para a agropecuária, pois a água consegue maior

infiltração, chegando a formar lençóis freáticos de melhor qualidade aqüífera.

Os solos dessa região podem ser agrupados em terras não aráveis nas condições

naturais, com algumas deficiências, topografia irregular e elevada e difícil uso sob

condições naturais, onde as deficiências naturais pedem um elevado custo de correção,

especialmente quando se considera a pouca disponibilidade de água; e em pequenas áreas

de ribeira, com trechos que podem ser aráveis, apesar de aptidão restrita em nível de

potencial agrícola.

Os solos Solonetz Solodizados são típicos do relevo plano, normalmente com

teores elevados de sódio, o que contribui bastante para o processo de sodicidade e

salinidade dos reservatórios de água ali existentes, afetando o desenvolvimento agrícola

Os Litossolos, predominantes, caracterizam-se por serem rasos, pouco profundos,

e moderadamente ácidos, proveniente de rochas cristalinas, do Pré-Cambriano. São

comuns alguns Afloramentos de Rochas nas encostas a sotavento onde estão inseridos.

Os solos pedregosos e rasos só conseguem mostrar uma caatinga espaçada ou rala, sendo

inviáveis do ponto de vista agrícola, pois a pouca profundidade impede o

desenvolvimento de lençóis subterrâneos.

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Os solos são considerados como indicadores de possível desertificação,

especialmente quando a cobertura vegetal rala vem secularmente sendo degradada,

expondo ainda mais os solos da região.

3.4 Ambiente geomorfológico

A área em estudo faz parte da superfície elevada e aplainada do Maciço da

Borborema situada entre vales, serras e maciços residuais que vem sofrendo um grande

processo de dissecação causada pela predominante erosão física, lenta e gradual.

As cotas altimétricas atingem níveis entre 500m a 600m, onde domina o centro-

norte, correspondendo à superfície elevada dos cariris, relacionando-se com uma

estrutura dominantemente cristalina que compõe o Escudo Pré-Cambriano do Nordeste

Brasileiro (Carvalho, M. G., 1982:49).

Este nível altimétrico vai lentamente apresentando uma declividade que inclina-se

na direção sul, indo de encontro com o Vale do Paraíba, que pode atingir altitudes médias

de 400 a 500m. (Ibid., 1982:50). No conjunto a espacialidade apresenta suaves e

arredondadas colinas, além de talvergues rasos e dissecados5. As porções sertanejas são

marcadas por chapadas e pela depressão do Rio do Peixe. As superfícies aplainadas

constituem áreas relativamente baixas (250 a 230 m) e colinas suaves, conhecidas como

pediplanos sertanejos. Toda essa área foi modelada em rochas cristalinas do período pré-

cambriano, ou seja, uma das fases mais antigas de origem do planeta, apesar do local está

sendo constantemente transformado pela ação das bacias hidrográficas do Sertão: bacia

do Rio do Peixe, Bacia do Piancó–Piranhas. No alto sertão, podemos encontrar micro

ambientes semelhantes a brejos, com uma certa subumidade. Na depressão sertaneja,

existem morros residuais, chamados de inselbergs, ou blocos de rochas, ondulados e

montanhosos que se diferenciam na paisagem.

À medida que nos orientamos para a microrregião de Teixeira e Princesa Isabel,

notamos uma seqüência de elevações que encontram-se entre os 700 e 1.000 metros, com

algumas cristas e serras com morros residuais. Essa Região é identificada como

[Do al. Talweg, 'caminho do vale'.] S. m. 1. Linha sinuosa, no fundo de um vale, pela qual as águas correm, e que divide os planos de duas encostas. 2. O canal mais profundo do leito de um curso de água.

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Escarpamento Oriental da Borborema. Um verdadeiro divisor topográfico entre a

depressão do Cariri e a depressão sertaneja. Isso reforça a idéia de diversidade

morfológica da área em estudo.

À degradação do semi-árido vem diretamente da tradicional economia baseada na

pecuária ultra-extensiva e na agricultura de subsistência e comercial, ao lado da extração

indiscriminada de madeira que são os principais responsáveis pela quebra da

biodiversidade local, além do rebaixamento das formações vegetais.

A vegetação no semi-árido paraibano acompanha a gênese do clima e solo que se

relacionam entre si. A descrição fisiográfica da vegetação comporta a caracterização

típica deste ambiente. A cobertura vegetal original é identificada como caatinga, que em

tupi-guarani vai significar (caa) mata (tininga) seca, ou mata branca e até mesmo rala,

como defendem alguns etimólogos. Este domínio natural é marcado por uma vegetação

tropical semi-árida, tipo xerófila e hiperxerófila, bem particular do sertão nordestino. É

uma vegetação de pequeno e médio porte com um estrato herbáceo/arbustivo, com as

seguintes características: espinhoso, tortuoso e folhagens pequenas que cai em período de

estiagem prolongada.

“As plantas arbustivas e arbóreas da caatinga apresentam alta resistência à seca, em virtude de possuírem diferentes mecanismos anáto-fisiológicos que minimizam os efeitos da falta de chuvas por ocasião das secas estacionais e periódicas. A adaptação das plantas à semi-aridez da Região é proporcionada pela presença de xilopódios, raízes pivotantes, raízes tuberosas e superficiais, troncos subrificados, caules suculentos clorofiladados , folhas modificadas em espinhos, folhas cerificadas, cutículas folheares espessas, folhas pequenas e caducas, mecanismos especiais de abertura e fachamento dos estômatos, processo fotossintético com absorção do CO2 durante a noite, ciclo vital curto, sementes dormentes e por outras modificações anatômicas e/ou fisiológicas. As poucas espécies perenifólias existentes na caatinga possuem raízes pivotantes bem desenvolvidas, que possibilitam a absorção da água nas camadas profundas do solo. As espécies caducifólias possuem raízes muito superficiais e de distribuição radial, que possibilita o aproveitamento das primeiras chuvas, por mais fracas que elas sejam, e até o orvalho. ( MENDES, 1987, p. 27).

Mendes (1987) afirma que a caatinga do sertão brasileiro é completamente

diferente da vegetação de outras áreas secas da Terra, a exemplo das savanas e esterpes.

Nos períodos de secas prolongadas, a caatinga entra em um estado de latência.

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Aparentemente morta, perde as folhas, os galhos ficam como se estivessem secos e as

plantas estacionam o crescimento. Mas, quando ocorre qualquer chuva, nota-se uma

verdadeira explosão de vida, todas as plantas rapidamente renascem, verdejantes e

floridas.

Nos terrenos cristalinos, a vegetação do tipo caatinga apresenta aspectos distintos

de porte arbóreo abustivo que se distribuem gradativamente em toda zona seca da região.

Nestas áreas a caatinga apresenta porte variável, de caráter hiperxerófilo, com grande

quantidade de plantas típicas de terrenos com escassez de água, que a transforma em

plantas secas, algumas sem folhagem, espinhosas, tipo bromeliáceas e cactáceas.

As variações inseridas na caatinga são determinadas por fatores vitais tais como:

baixo índice pluviométrico, temperaturas elevadas durante a estação seca, principalmente

por provocar aridez e incapacitação do solo, pois sendo predominantemente raso,

pedregoso ou com afloramentos cristalinos, inviabilizam a absorção da água. Na caatinga

hiperxerófila, temos um solo quase que totalmente desprovido de vegetação, que por ser

pouco profundo, o processo de escorrência é maior que a infiltração, o que torna o solo

desprovido de águas armazenadas no lençol freático ou de superfície (rios e açudes).

Baseando-se neste contexto, a vegetação acaatingada é atingida com maior intensidade.

As espécies mais encontradas nesse ambiente são: a catingueira (Caesalpinia

pyramidalis), o marmeleiro (Croton sp), o pinhão (Jatrophasp), umbuzeiro( spondias

tuberosa), quixabeira (bumélia sartorum), juazeiro (ziziphus joazeiro), trapiá (crataeva

tapia), mororó (bauhinia cheilantha), jucar (caesalpinia ferrea), jurema preta (mimosa

hostilis); as bromeliáceas, e as cactáceas: mandacaru (cereus jamacaru), coroa-de-frade

(melocactus bahiensis), facheiros (pilosocereus piauiensis), e o xique-xique (pilosocereus

gounellei); além de bromeliáceas, vários outros arbustos e árvores de médio porte.

(SUDENE, 1983:53)

A cantigueira, para os caririseiros possui um segredo, pois mesmo com a seca ela

permanece verde enfeitando a paisagem. Racha a terra quente, morrem o marmeleiro e a

imburana, seca xique-xique e macambira, mas a catingueira continua enfolharada. Se

chove no cariri o viver é certo, pois a natureza é um paraíso aberto (Poetas e cantadores

Rosil Cavalcante, Onildo Almeida, et., al., In: Xangai, 1997, pp. 6 e 13)

Entre o Cariri e o Sertão paraibano vamos encontrar o nível de Teixeira (serras e

maciços cristalinos elevados). Cotas superiores a 900 metros, destaque para o Pico do

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Jabre no Município de Matureia, que atinge 1.090m, sendo o ponto mais alto do Estado

da Paraíba. Nessas áreas mais elevadas temos uma vegetação típica de matas serranas,

que em função da altitude, modifica as condições micro-ambientais, com menores

temperaturas e maior umidade atmosférica. A vegetação tipo arbóreo com espécies como:

Tatajuba (phora tincteria), jurema (mimosa sp.), praiva (simaruba amara), entre outras.

Com o processo sócio-econômico de ocupação, houve uma substituição das áreas

anteriormente ocupadas por caatinga do tipo densa, pela caatinga espaçada e rala,

observando-se um menor crescimento no porte da vegetação, dando um teor de

formações menos fechadas.

Isto se explica pelo fato de que esta região vem sendo historicamente ocupada por

algumas produções agrícolas como o algodão, o agave e os pastos de palma forrageira,

além do milho, a mandioca, o feijão em trechos serranos de brejos e vales. O agave e o

algodão arbóreo e herbáceo que até os anos 70 e 80, ocupavam grandes áreas cultivadas,

representando a base da balança comercial desta área, foram ao lado da pecuária ultra–

extensiva, os principais indicadores de degradação da caatinga.

A medida que o sisal e algodão foram perdendo importância econômica na região,

as áreas anteriormente ocupadas foram sendo tomadas pela vegetação arbustiva,

formando capoeiras,6 recompondo de forma lenta um cenário de caatinga espaçada e de

pequeno porte. Vale ressaltar também que a produção de sisal ocupava as áreas de solos

mais férteis, o que permite uma recomposição mais acelerada da caatinga espaçada. Um

exemplo disso, é a catingueira (Caesalpinia pyramidalis), que por apresentar maior porte

e frondagem, permite um maior adensamento vegetal em áreas que anteriormente

apresentavam-se como ralas ou de cultura do sisal. À medida que andamos por estas

áreas, ainda podemos encontrar alguns pés de agave que se misturam com a vegetação de

caatinga, incorporado-se à paisagem, testemunhando que já foram abundantes em

décadas passadas. Mas o comum é encontrarmos grandes plantações de palma forrageira

em substituição ao agave, ou mesmo extensas áreas quase que totalmente descobertas de

vegetação, tão ralo é o estrato de espécies, em nível de quantidade, porte e variedade.

3.5 Ambiente das águas

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O recurso natural – água. Guimarães Rosa diz que “o melhor de tudo é a água.”

Evidenciada pelas suas características próprias, ocupa lugar prioritário para a

sobrevivência da vida na terra. Mas essa região objeto de nossa pesquisa localiza-se na

zona de maior índice de aridez do Brasil, onde os regimes de precipitações e temperaturas

são muito irregulares, apresentando baixas precipitações e pluviosidade média de 400 a

600 mm/a, além de uma grande perda de água por evaporação e evapotranspiração, em

média 1.400mm3.

Os rios da região são predominantemente temporários, de regimes intermitentes,

padrão de drenagem do tipo retangular e dentrítico7. Destacamos no Planalto da

Borborema os rios principais como: Rio Paraíba, Rio Sucuru, Rio Monteiro, Rio

Curimataú. Devido aos sais minerais das rochas locais, a água possui um elevado teor de

salinidade e sodicidade, sendo problema comum também na água dos reservatórios e

poços artesianos. Todos apresentam–se como temporários.

Há trinta anos, o armazenamento d’água se dava predominantemente nas formas

de cacimbas e barreiros. Estes foram sendo substituídos por açudes de médio e grande

porte, como é o caso do Açude de Boqueirão e o Açude Sumé, construídos com

financiamentos Públicos Federais, via Frentes de Emergência Contra a Seca. Muitos dos

reservatórios construídos encontram-se em propriedades particulares, tornando a água um

bem privado, numa região onde ela é fundamental para a sobrevivência de toda a

população.

A população urbana recebe o abastecimento d’água de Açudes, localizados nas

proximidades dos perímetros urbanos, ou às vezes com quilômetros de distância. Os

teores de salinidade da água são muito elevados, em muitos casos, não sendo indicada

para o consumo humano. Indicação que não é respeitada, pois é a única água que se tem.

Essa falta d’água, ou a sua baixa qualidade, representa uma diminuição expressiva

da qualidade de vida na região. Nos períodos de estiagem prolongada até os açudes de

grande porte baixam seus volumes d’água, enquanto que os barreiros e pequenos açudes

secam totalmente. Os principais açudes da Paraíba são: Aç. Coremas/Mãe D’água, Aç.

Boqueirão, Aç. Avidos, Aç. São Gonsalo, Aç. Sumé, Aç. Taperoá, Aç. Soledade, além de 6 Capoeira é uma categoria popular para denominar área que antes era cultivada e que não exercita-se mais a produção. Em seu lugar os arbustos vão recompondo uma vegetação de pouca expressão física e diversidade.

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dezenas de outros açudes pequenos que se espalham por todo o Sertão e Borborema, ora

em terras públicas, ora em propriedades privadas, deixando muitos habitantes sem acesso

à água.

Para tentar sanar o problema de água, os municípios e a população do Cariri

dependem diretamente da perfuração de poços artesianos e da construção de açudes. E na

pior das hipóteses, trazer água em ‘carro pipa’ de outras mesorregiões como o Litoral.

Meio economicamente caro para os cofres públicos.

Todas estas características ambientais, sócio-econômicas e culturais que envolvem

o semi-árido do Nordeste brasileiro, marcado pelo ‘polígono das secas’ e por uma

ocupação humana baseada na super exploração dos parcos recursos naturais, levaram esta

região à críticas condições ecológicas de degradação, contribuindo para agravar ainda

mais a baixa qualidade de vida de suas populações.

III. XXI, O SÉCULO DA SUBMUNDIALIZAÇÃO DO PLANETA

1. Espaço, tempo e complexidade

7 Dentrítico - Ramificações da hidrografia à semelhança de galhos de árvores. Cf. Guerra, A. Teixeira. 1997. Novo Dicionário Geológico – Geomorfológico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.

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“Este é o quinto século da era planetária. A irrupção de forças obscuras e bárbaras convive com a mundialização do desejo de vida, de uma quantidade de vida superior. Os indícios de morte e vida, de uma quantidade agônica não resultam apenas de novas crises que vêm avolumar os conflitos tradicionais. É, antes, um todo que vive de ingredientes conflituais, críticos problemáticos e que encerra em si o principal dos problemas: a impotência da humanidade para se tornar humanidade”(MORIN & KERN, 1998:150)

1.1 Existe espaço para o desenvolvimento sustentável?

Este capítulo se apresenta como uma narrativa objetiva de fragmentos do mundo

natural e social construídos no decorrer dos últimos séculos.

Como propor o desenvolvimento sustentável, para um determinado local, sem

inseri-lo em um mundo globalizado e gerido a partir da indiscriminada exploração dos

recursos naturais em todas as partes?

Estamos diante de duas forças antagônicas. O Desenvolvimento Econômico e a

Preservação Ambiental. Processos como a industrialização, urbanização, crescimento

demográfico e poluição disputam o espaço limitado da terra e da natureza. Áreas com

pequenas potencialidades naturais são ocupadas por milhões de pessoas, despreocupadas

de suas ações e reações com o meio.

Como pensar no uso racional dos recursos naturais, conservação ou preservação da

natureza, sem que estes conceitos estejam relacionados com a proibição do uso da

natureza pelo homem? Isto é, a capacidade de usar a natureza para satisfazer as

necessidades presentes, sem comprometer os recursos naturais, para no futuro a

civilização humana mundial poder desfrutar também dessa natureza. Podemos dizer que a

idéia de usar a natureza com o objetivo de satisfazer às necessidade humanas não foi

mudada, no entanto precisamos pensar nos que irão vir depois de nós.

Nossa maior preocupação é se, no atual estágio de desenvolvimento da

humanidade já existe algum pacto de desenvolvimento sustentável para proteção da

natureza, melhoria do atual nível de vida das pessoas, especialmente dos países

subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil.

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Não estamos querendo nos colocar como estudiosos do mundo total, ou intérpretes

do mundo contemporâneo globalizado. Mas, apenas fazer uma interpretação de

fragmentos tempo/espaciais para a construção do conhecimento.

Acreditamos que a chamada “questão ecológica” parece ter sido incorporada como

eixo fundamental para discussão de uma nova ordem mundial. E nesse contexto de

divulgação das diferentes correntes ambientalistas, encaramos a Ecologia Social como

sendo um foco permanente do debate acerca das novas formas de estruturação da vida

social e da produção que garantam a manutenção do equilíbrio com o meio ambiente,

permitindo o pleno exercício da autonomia, originalidade e desenvolvimento humano.

Nesse sentido, nosso esforço com este capítulo é estabelecer um paralelo entre a

sociedade dita moderna, em seu estágio mais recente, e a exploração do meio ambiente.

Daí falar da Ecologia Social como corrente ambientalista que encara os grandes

problemas sócio-ecológicos não como fenômenos isolados, mais sim como os desajustes

do mundo social contemporâneo.

Nossa base de pensamento em relação ao conceito de Ecologia Social vem

diretamente de Bookchin, (1991:17). Ele acredita que os problemas ecológicos só podem

ser resolvidos com profunda mudança social, substituindo-se a atual sociedade por uma

Sociedade Ecológica, que incorpore mudanças radicais e indispensáveis para eliminar os

abusos ecológicos. Uma sociedade baseada no humanismo ecológico, que encarne uma

nova racionalidade, uma nova ciência, uma nova tecnologia. “Os desequilíbrios causados

no mundo natural têm sua origem nos desajustes do mundo social” (Ibid., p.19). Como

defensor de uma ecologia social vê claramente que a exploração e destruição do homem

pelo homem é causa da exploração e destruição da natureza.

1.2 O tempo do lugar mundial

Talvez já tenham dito tudo sobre “os novos mundos” da atualidade, por isso

corremos o risco das redundâncias do já falado. Talvez nos reste um conceber/relacionar

e novas formas de olhar, tentando rebuscar aspectos que possam estar encobertos ou

sombreados por tantas transformações recentes, buscando nessa ordem espacial a

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natureza e a sociedade. Significados, práticas, conflitos, contextos e ilusões desfeitas pela

invenção do presente.

São muitos os riscos ao afirmar que o mundo total chegou, com essa nova fase do

capitalismo simulacro, onde ciência e tecnologia se fundem e massificam um espaço de

idéias e de concretudes esfumaçadas. Pois, no reverso, as particularidades se mostram

cada vez mais fortes, testemunhando que a diversidade é a destruição do mono. A

massificação vem causando um mal estar capaz de mudar radicalmente a cara do que

hoje parece ordem nova. Este é um momento de retorno das teses libertárias, onde os

pequenos grupos de afinidades poderão construir um grande mundo.

Para Morin (1995) estamos diante do Le paradigme perdu: la nature humaine, o

que pode ser representado pela fragmentação do saber e da natureza humana. Fragmentos

dispersos de um quebra-cabeça que se constrói e se desmancha sucessivamente. Uma

espécie de lógica da hipercomplexidade e da auto- organização (Atlan, 1992:36-53).

Pensar a natureza, a sociedade e o século XXI no contexto da atual (des)ordem

mundial, passa por uma reflexão dos comportamentos sócio-econômicos e técnico-

científicos vividos pela humanidade em seus diferentes estágios de desenvolvimento.

Passa também pela compreensão das novas expressões incorporadas ao cotidiano

dos povos, tais como: chips, informática, fibra ótica, softwares, multimídia, cibercultura,

plugados, era digital, mercadorização generalizada, viragem ecológica, pânico ecológico,

neurochips, biotecnologia, animais clonados, doenças do próximo milênio,

complexidade, acaso, catástrofes, etc.

A mundialização da produção, da circulação e circuitos financeiros imediatos são

manobrados pelo capital especulativo, que circula a uma velocidade luminar, com

paradas de metrô em cada uma das bolsas de valores mundiais. Incontroláveis,

transitórias e deixando marcas irreversíveis no mundo do capital produtivo.

Para Santos (1996), “a informação transforma o mundo, reduz o espaço e

sintoniza os diferentes pontos em redes”. Onde tempo razão e emoção se fazem natureza

do espaço-técnica.

Os 500 anos de europeização do Novo Mundo, construídos pela exploração

colonial, comercial e multinacional, deixaram um saldo de pobreza mundial

contaminante dessa nova ordem, e que foi intensificado no pós-guerras mundiais. Com o

fim da Guerra Fria, o livre comércio propagandeado pelo neo-liberalismo tira do caminho

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da sociedade de mercado os empecilhos ideológicos e políticos de contraposição

socialista ao sistema, diminuindo-se o pânico ecológico de uma explosão nuclear em

cadeia, passando a sobrar espaço e tempo para as disputas mercantis.

Nestes últimos anos, os países subdesenvolvidos contraíram uma dívida externa

sem precedentes. As nações desenvolvidas são também responsáveis pela dívida

ecológica que iniciou-se com a velha história da colonização ( destruição das culturas

indígenas, saque de suas riquezas naturais). Isto é, quase tudo do que temos hoje de

violência, fome e subdesenvolvimento em quase todo o Hemisfério Sul do planeta, é obra

de quinhentos anos de exploração de uma sociedade que se baseia no produzir para

lucrar, onde o reino natural não passa de uma mera fonte de matéria-prima a ser

indiscriminadamente explorada (FREIRE, 1992:25).

As duas guerras mundiais criaram fronteiras militares, ideológicas e políticas que

culminaram com os programas da Guerra Fria, e ao mesmo tempo alimentaram o

progresso tecnológico e econômico das grandes potências, que venderam para o mundo

do século XX seus potenciais militares e técnico-científicos, além das ações imperialistas,

calcadas no discurso de defesa do mundo e baseadas na agressão, subversão, terror

ideológico e dominação econômica e cultural que moldaram o mundo da modernização.

Um espaço contemporâneo com um grande fosso entre a riqueza e a pobreza, dentro de

cada lugar onde o sistema tornou-se hegemônico. Especialmente no tocante à quebra das

produções tradicionais e nas periferias dos sistemas centrais.

2. Mundialização e culturas fragmentadas,

desenraizadas do mundo natural

Agora estamos diante das emoções digitais, tráfego veloz e intenso de idéias

virtuais, nas super-redes de informações da internacional “Net work.”

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O ano 2000 já está batendo em nossa porta. Diagnosticar o quê? Quais as profecias

que fracassarão, Nostradamus, Apocalipse? “Não sabemos para onde estamos indo”

Hobsbawm (1995).

O difícil é aprisionar o futuro, por mais que psicologicamente busquemos a

regularidade e o sentimento de constância do tempo, onde “o passado é uma invenção do

presente”. (Bachelard, apud. Pessanha, 1984). E pensar em ler este grande texto que

chamamos “mundo” a partir de uma interpretação total e única é uma das ilusões

desfeitas.

O território mundial é agora mapeado pela multimídia, um território tão volátil

quanto a riqueza financeira virtual que circunda nas bolsas de investimentos financeiros e

desestrutura os valores expressos da produção.

A modernização do mundo nos apresenta um novo conjunto de instalações das

relações sociais, movidas pela produção do trabalho e profunda apropriação da natureza

nessa construção do sobreviver humano. Instalações onde podem ser lidas as

contradições das relações e forças produtivas que em sua gênese combinam-se,

contradizem-se e complementam-se simultaneamente.

Já estamos vivendo uma nova ruptura histórica igual ou parecida com aquelas da

Antigüidade, que passa para o medievo (feudalismo), e deste para a modernidade das

máquinas e contradições. Dilemas cruciais como questões sócio-ambientais ou sócio-

econômicas que deixam os Estados Modernos impotentes e nessa nova estrutura cedem

lugar ao globalismo. (Brodhag, 1997:56)

A descabida concentração de capital, tanto em nível dos grupos econômicos,

quanto em nível das regiões globais, bem como a nova revolução industrial (micro-

eletrônica, cibernética, computacional, robótica, cognição, etc.) começa a construir um

mundo para homens de sobra, vazios de trabalho, desempregados e contraditoriamente

perdidos de sua milenar cultura da atividade. Humanos sem trabalho e sem capital

começam, aos montes, a perambular por um mundo de abundância controlada,

apropriado pela selvageria de poucos. Estamos diante do tempo de ilusões apontando

para todas as sortes de incertezas que podemos pensar. Essa lógica do real/virtual

combina-se na construção de uma sociedade onde os homens são nitidamente

descartáveis.

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O urbano, edificado em suas várias esferas, passa a ser mercadoria de muitos, em

seus vários pontos se estabelecem valores econômicos que variam em função da infra-

estrutura já existente ou das futuras benfeitorias. O negócio econômico do tempo/espaço

pode representar segundos na queda ou alta de ações em bolsas de valores (Santos,

1996:30). A generalização mundial do espaço/tempo como mercadorias se faz na

mercantilização dos lugares, do trabalho, do tempo veloz e metrificado, tempo de nossa

existência. Objetos de uso e abuso do mercado. A cidade como mercadoria, o campo

como mercadoria metamorfoseada do urbano expandem-se e aparentemente, se fazem

economia social, vulgarizando-se em suas periferias, reproduzem o mercado não

importando em que dimensão, pois toda e qualquer ação humana no espaço

contemporâneo é capturada pelo mercado, somando-se para ser carreada até integrar-se

aos centros do poder reprodutivo da economia liberal globalizada.

“O espaço se globaliza, mas não é mundial como um todo senão como metáfora. Todos os lugares são mundiais mas não há um espaço mundial. Quem se globaliza, mesmo, são as pessoas e os lugares. (...) Cada lugar, não importa onde se encontre, revela o mundo (no que ele é, mas também naquilo que ele não é), já que todos os lugares são suscetíveis de intercomunicações”. (Santos, 1996:32)

Esse processo de mercantilização do espaço/tempo se faz em meio ao complexo

mundo da tensão e “stress” cotidianos, onde a lógica de propriedade e concentração do

capital elimina a abundância e a liberdade tempo/espacial, tornando-os uma mercadoria

escassa e cara, capturando os sem capital ao ritmo e espaço segregados e periféricos,

excluídos social-político-econômico e cultural, em seus diferentes estágios.

Vivemos a náusea existencial de uma sociedade saturada, onde o virtual preenche

muito mais os “vazios” que o próprio racionalismo dessa geração que estava adaptada e

apoiada no progresso da ciência. A vida sem sentido começa a tonificar os novos seres

ciberculturais. Essa nova era digital dos “plugados” não define um chão para os nossos

pés.

A submundialização do planeta não é uma idéia profética, mas a vivência iniciada

nestas últimas décadas em quase todos os recantos do mundo. Um presente que

demonstra elevada pobreza para uns no centro de São Paulo, Cidade do México ou

qualquer outra capital subdesenvolvida e industrializada do Hemisfério Sul; e acelerada

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riqueza para outros no centro de Nova York ou dos países do Hemisfério Norte, não

importando nesse jogo do global/local, se cada lugar é, à sua maneira, o mundo (Santos,

1996:35). Pois os ricos de São Paulo assim como os de Nova York, são os ricos de

qualquer parte do mundo. Este é o espaço mercado de excluídos e incluídos. Essa relação

pobres e ricos não é mais válida como pólos opostos, hoje são nitidamente

complementares, uma espécie de combinação das contradições. Por isso falarmos dos

moradores subterrâneos das megalópoles americanas e dos ricos empresários dos países

subdesenvolvidos como o Brasil.

O mundo que segue é na medida de seu ritmo, o mundo do desemprego,

tempo/espaço como instalações irreversíveis para o trágico choque secular, que será o

puro demonstrativo de que as crises do modelo liberal da economia de mercado não são

apenas cíclicas, mas constantes e cumulativas, e que levará ao abismo todos, não

importando aí ordem de chegada, todos somos “filhos do medo”, e esta é a violação em

estar vivo diante do real e da certeza. O mundo caminha para uma governança

monoplanetária, centrada no poder do G-7, FMI e Banco Mundial, “trivium” de

sustentação dessa nova ordem. Enquanto isso, nos resta o caminhar para a

submundialização, e para os que acham ser os donos da chave desse mundo, não

adiantará levantar muralhas8 pois a “barbárie do subdesenvolvimento” é um vírus

instalado desde a gênese do sistema que é aberto, desigual/combinado e globalizado.

2.1 Globalização, fragmentação e cultura da pobreza

“Miséria é miséria em qualquer canto. Riquezas são diferentes (...) A morte não causa mais espanto(...) A fome está em toda parte. (...) Índio, mulato, preto, branco. (...) Cores, raças, castas. Riquezas são diferentes.” (Arnaldo Antunes/Sérgio Brito/Paulo Miklos, Titãs, BMG/Ariola, São Paulo, 1992)

A pobreza é um estado anti–ecológico. As imagens da pobreza são muitas, e não se

trata apenas da estética em si. Lewis, (1969)9 substancia nossa visão de pobreza enquanto

8 Tentativa Norte Americana de impedir a entrada de latinos do capitalismo periférico, em seu território, fronteiras com o México. 9 LEWIS, Oscar. La Vida: a Puerto Rican Family in the Culture of Poverty: San Juan & New York, London (Panther Books), 1969. Tradução de F. Moonem. (mimeo.).

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uma condição social com viés físico ou material e cultural, representada nos dias atuais

como parâmetros para uma cidadania incompleta pois as condições de pobreza passam

diretamente pelo poder político e pela não democratização de direitos universais e

fundamentais

Os poetas quando falam dos moribundos que perambulam pelas calçadas da vida, (

SIQUEIRA, 1998:13) tristes folhas murchas do repolho que um homem faminto não pode

comer. Ou quando escrevem sobre as camas de papelão nos quartos de calçadas das lojas

de departamento mundiais, que embalam os sonhos de cola, coca e crack, dos meninos e

meninas de rua. Um culto de protesto ao (des)conhecido.

Os pintores que povoam suas telas com as imagens do mundo moderno,

descortinam expressões de desconcerto do olhar, crianças barrigudas e casebres de taipa

enquadrados e fixos, seguem expostos pelas paredes, ruas e avenidas dos mais recônditos

lugares.

Do jeans saído das fábricas e oficinas carregados de graça e fuligem em corpos

operários, ao culto das marcas que ganham as ruas e passarelas da moda mundial. A

cultura da pobreza lida como o rústico e a simplicidade do não ter, do despossuir. Os

dramas, as tragédias e comédias parecem enquadrados pelos sonhos dos pobres

encarcerados em seu mundo real.

Lewis (1969) conceitua a cultura da pobreza como sendo tanto uma adaptação

quanto uma reação dos pobres à sua posição marginal numa sociedade estratificada em

classes, altamente individualista e capitalista. Representa um esforço para enfrentar os

sentimentos de desesperança e desespero que se desenvolvem quando verificam a

impossibilidade de obter êxito de acordo com os valores e objetivos da sociedade

envolvente.

Na atualidade, podemos relacionar os descendentes da civilização Asteca, Novo

México com os negros de algum morro do Rio de Janeiro ou Salvador (Brasil), tão

distantes e tão próximos, pois ambos estão inseridos no contexto histórico da cultura da

pobreza, porque foram submetidos aos choques culturais do início da modernidade até os

nossos dias. Um tempo tão presente que em menos de quinhentos anos globalizou a

pobreza e condicionou homens, mulheres e crianças a uma situação de alienação material

e intelectual.

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A submundialização pode ser lida como urbanização da pobreza, com grandes

aglomerados populacionais, onde os bolsões de miseráveis são territorialmente

expressivos. Pobres espremidos em áreas de riscos que, na maioria das vezes, são ilegais

perante o poder público, em muitos casos, não assistidas de infra-estrutura básica (água

encanada, instalações sanitárias, eletrificação, saúde, educação, etc.). Este é o modelo

global de desenvolvimento urbano/industrial.

Estes assentamentos de pobres são áreas ambientalmente frágeis e fora do

zoneamento urbano. Em função das mínimas condições de instalação, com elevados riscos

de desabamento, sujeita às enchentes, sem estrutura sanitária, pequenos espaços para

famílias numerosas e às vezes agregadas, com acústica desapropriada para os altos ruídos,

sem condições para se contrapor as variações de temperatura, e vulnerável à sujeira e

diversos tipos de doenças infecto-contagiosas, propagadas pelos córregos ou esgotos a céu

aberto (MUELLER, 1997).

Este é um quadro pintado pela realidade dos grandes centros urbanos dos países

subdesenvolvidos. Áreas como a Grande São Paulo e Rio de Janeiro, Salvador, Caracas,

Lima, Cidade do México, Nova Delhi, Bombaim, Lagos, Cairo, Luanda, e muitas outras.

São comuns as favelas, mocambos e palafitas em áreas de encostas, morros, beira de rio,

mangues, limites de movimentadas rodovias ou embaixo das redes de alta tensão elétrica.

A falta de assistência pública de serviços básicos é lamentável.

Estamos diante dos quinhentos anos de profundas alterações sócio-econômicas,

culturais e ambientais que nosso estágio de civilização propiciou. O lucro mata a natureza

e não contabiliza as perdas ambientas. Vivemos as super safras ao lado da fome. A crise é

econômica, ecológica, moral, ética e de atitudes humanas. Na realidade, estamos diante de

uma encruzilhada, em que a humanidade não acompanha o ritmo do progresso de uma

minoria que comanda o mundial e a natureza não aceita esse ritmo de desenvolvimento

imposto pelos homens. As prioridades não são ambientais nem para sustentabilidade de

gerações futuras, pois na seqüência lógica do tempo, de nós sairão as gerações futuras. Ou

seja, os rumos ao desenvolvimento sustentável esbarram na economia de mercado e ainda

não temos mecanismos políticos e culturais que administrem uma transição no sentido de

uma economia ecológica (sustentável). (Tietenberg & May, 1994:106).

Esse “novo mundo”, produto social, tem nova linguagem, carregada de poderosa

influência político-ideológica. Palavras e expressões que ultrapassam os limites do objeto

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e da idéia, trazendo à tona significados e experiências humanas. Linguagem e

experiências que trazem em sua gênese um mundo social desajustado, causador dos fortes

desequilíbrios ao mundo natural.

Principalmente quando tratamos de elementos específicos como a água do planeta

(OMM/UNESCO, 1997). Na atualidade, cerca de 20 países, num total de 40% da

população mundial, já enfrentam a escassez de água. Hoje, cerca de 41% do planeta está

ocupado por desertos ou regiões em fase de desertificação. A destruição incessante de

mananciais e poluição das águas dos rios e oceanos apontam para tempos difíceis,

principalmente quando sabemos que a água é um elemento não renovável.

A água, que era símbolo de pureza, nutridora e origem de tudo, hoje é um desafio

da natureza aos homens planetários. Pois a água impõe exigências em seus parâmetros de

qualidade. Além da cor, opacidade, cheiro, sabor, temperatura e minerais, a água dos

nossos dias vem perdendo o mistério de sua propriedade. Ela não é mais H2O, são

milhões de litros com detergentes, agrotóxicos, radioatividade, inseticidas, mercúrio e

outros reagentes que estão destruindo a vida aquática e terrestre. (DÉOOX, 1996:230) Os

elevados índices de contaminação das águas não estão permitindo uma eco–adaptação.

Quebrando-se o equilíbrio, a estabilidade e proliferando doenças em todo o planeta,

quando sabemos que a doença pode ser uma falta de adaptação às circunstâncias de riscos

ao ambiente

A exploração abusiva dos recursos naturais nos coloca diante de uma natureza

fúnebre. A natureza como ambiente dos lugares estragados, a natureza como um depósito

de lixo a céu aberto.

O terceiro milênio fica na próxima esquina. Passamos pela reunião do Clube de

Roma, anos 70, primeiro passo para a percepção de que os recursos naturais não são

renováveis, e que a super exploração dos recursos renováveis coloca em risco a vida na

Terra. Desse encontro tira-se o documento que aponta para o Crescimento Zero. Onde os

países ricos alertando o mundo para os problemas ambientais globais, causados pela

sociedade urbano-industrial e crescente dinâmica demográfica dos países

subdesenvolvidos, colocam em risco o desenvolvimento econômico e o meio ambiente,

especialmente para as nações com dependência tecnológica e atraso econômico que

propagam “o desenvolvimento a qualquer custo” (Brodhag, 1997:49-55).

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Em 1972, a Organização das Nações Unidas – ONU, convoca a Conferência de

Estocolmo (Suécia), que marcou a mundialização das questões ecológicas. (Sene &

Moreira, J. C. 1998:407) Nessa “Declaração do Ambiente”, são perpassados os primeiros

acordes para as preocupações com o desenvolvimento sustentável, com um forte apelo aos

direitos fundamentais do homem - vida, liberdade e igualdade de condições em um

ambiente racionalmente protegido, onde o desenvolvimento deve ser planejado pelo

Estado no sentido de melhorar o ambiente em benefício das populações; fazer uma gestão

dos recursos no sentido preservar e melhorar o ambiente, assegurando às gerações atuais e

vindouras uma melhor qualidade de vida. Foram aprovados 26 princípios gerais e pouca

ação por parte dos diferentes países. O importante é que Estocolmo marcou a visão

ecológica global, tendo sido, de fato, uma conferência de caráter planetário.

Na seqüência, chegamos à Rio 92, Conferência Internacional da ONU sobre Meio

Ambiente e Desenvolvimento, com a presença de 106 chefes de Estados ou representantes

e mais de 35 mil pessoas. Este encontro resultou na “Agenda 21”, com quarenta capítulos,

800 páginas, muitas sugestões e poucos compromissos firmes. Pois este documento não

fixa objetivos, estimativas, custos, nem modalidades. Estamos diante dos fios invisíveis

que manipulam as contradições de uma política ecológica mundial (Freire, 1992:27-8). As

ONGs e outros se contrapuseram ao encontro patrocinado pela ONU, mas o que

prevaleceu foram as decisões do G-7 (o grupo dos sete países mais ricos) e suas

instituições financeiras. Os crimes ecológicos e o modelo de desenvolvimento continuam,

apesar do compromisso das nações em gradualmente diminuir tais crimes (Brodhag,

1997:61). O desperdício da sociedade de consumo forma esse novo caldo de cultura, que

não é total, mas fragmentado nos indivíduos de cada canto do mundo como em um

processo sem fim. Incorporadores de valores, rugosidades, sentidos e ritmos do existir.

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ESCALA DAS RELAÇÕES ECONOMIA/AMBIENTE

Fonte: THEYS, Jacques. “Meio ambiente: o regresso da planificação”, Annales de Mines, Julho-Agosto de 1992. (extraído de: Brodhag, 1997:75).

Este é apenas um exemplo em gráficos do complexo de idéias, ou visões atuais

sobre o meio ambiente e o desenvolvimento, em que os laxistas e os radicais

compreendem estes dois elementos de forma antagônica. No entanto, o que está em voga é

o modelo de desenvolvimento consumista, onde menos de um bilhão de habitantes nos

países ricos consomem em torno de 80% dos recursos naturais (matéria-prima, energia e

alimentos), sobrando apenas 20% para cerca de 4,5 bilhões de pessoas, que vivem nos

países subdesenvolvidos. (Sene & Moreira, J. C., 1998, 411).

“(...) Contudo, ricos ou não, os defensores de políticas ecológicas tinham razão. A taxa de desenvolvimento devia ser reduzida ao ‘sustentável’ a médio prazo. (...) Os especialistas científicos podiam estabelecer o que se precisava para evitar uma crise irreversível, o problema do estabelecimento desse equilíbrio não era de ciência e tecnologia, e sim político e social. (...)” (Hobsbawm, 1995:548)

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Os grandes encontros internacionais sobre o meio ambiente, o desenvolvimento e a

sustentabilidade já discutiram muitas saídas para os problemas sócio-ambientais, mas agir

ainda é o mais difícil. Uma coisa é certa, diante de elevado grau de submunidalização da

civilização humana, este modelo urbano industrial e consumista de desenvolvimento não

consegue dar a mesma qualidade de vida para toda a população do mundo, além de não se

sustentar ecologicamente.

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IV. ECOLOGIA E IMAGINÁRIO

1. Os fios invisíveis da grande teia

“Marco Polo descreve uma ponte, pedra por pedra. - Mas qual é a pedra que sustenta a ponte? Pergunta Kublai Khan. - A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra - responde Marco, - mas pela curva do arco que estas formam. - Kublai Khan permanece em silêncio, refletindo. Depois acrescenta. - Por que falar das pedras? Só o arco me interessa. Polo responde, - Sem pedras o arco não existe.( CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1998)

Este é o nosso desafio, falar dos fios invisíveis que formam a grande teia que

permite o existir das coisas da vida. Coisa que Calvino faz com grande força,

demonstrando não só as forças que sustentam a matéria, mas também aquelas que dão

sentido ao existir.

Usar categorias como o imaginário em nossa pesquisa é trazer para o campo das

ciências ligadas à natureza e especificamente à ecologia o imaginário como objeto de

reflexão acadêmica e mais um caminho real em uma pesquisa empírica sobre o meio

ambiente, visando ampliar o conhecimento de forma holística.

Para tanto, chamamos a atenção de três aspectos: o primeiro visa situar

historicamente a idéia de imaginário, pois trata-se de uma categoria polêmica no meio

acadêmico. Neste sentido, apontaremos os principais autores que trabalham com o

imaginário e os clássicos pensadores que negaram o imaginário como viabilizador

científico.

O segundo aspecto que aponta para a conceitualização de imaginário e,

finalizando, contamos com a viabilidade do imaginário enquanto fonte de análise e

explicação para as relações homem/natureza, tendo a terra como fonte de símbolos e

significados, a força desses símbolos, as imagens e o imaginário como base das

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representações humanas sobre o meio ambiente semi-árido do Cariri paraibano, como

morada humana.

O imaginário pode ser entendido como fonte atuante da idéia e da representação

mental da imagem. Energia que se formaliza individual e coletivamente, materializando-

se em ações informadas por imagens e símbolos.

Desvendar o imaginário significa revelar o substrato simbólico das ações concretas

dos atores sociais tanto no tempo como no meio ambiente vivido. Isto é, a mediação

essencial entre o mundo interior e exterior, entre o real e o imaginário, supondo-se a

utilização de símbolos, signos e alegorias (CASTORIADIS, 1987:447).

A força dos símbolos, das imagens e do imaginário explicam as representações

humanas sobre o meio ambiente. A terra como um registro simbólico e fonte de

sobrevivência, práticas codificadas e ritualizadas no imaginário estabelecido nas relações

homem/natureza (ATLAN, 1992:176). Estes elementos adquirem uma existência mental

que se configura entre o cérebro humano e o ambiente. A consciência-memória e os

padrões de imagens formam-se ininterruptamente, acumuladas na memória e projetadas

num futuro por definição imaginado.

Passamos a considerar o imaginário conceitual e empiricamente como uma

alternativa metodológica para lidar com a complexidade dos fenômenos ecológicos e

sociais - incorporação do não racional, do emocional, do impreciso, e de suas

contradições.

Sabemos dos riscos e inconvenientes das questões abordadas, pois algumas idéias

ou correntes de pensamentos perfazem períodos históricos muito longos, daí a prevenção

em relação aos possíveis erros de interpretação, pois se uma ponte não preenche o vazio,

assegura no entanto uma passagem e uma continuidade (LENOBLE, 1990:127) . A

história permanece fragmentária, mas pelo menos sem um hiato, pois buscamos elos que

liguem cada um dos contextos que integralizam a pesquisa. Mesmo que a ponte esteja

sobre o abismo, onde o cronológico pareça fractal, mas a lógica filosófica nos aponte

uma leitura ou interpretação do mundo.

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1.1 Os mistérios da imagem

Nas diferentes civilizações, a imagem é algo que se propaga de forma ambígua.

Primeiro o homem faz a imagem de Deus em barro, pedra, madeira, metal, montanhas,

vulcões, etc. Estátuas, imagens estáticas de uma natureza humana, que deixa de ser

imagem para ser fragmentos do real, pois a imagem se afasta do material escultural,

perdendo a idéia de amuleto ou totem e ganha sentido imaginário.

O humano como uma modelagem de argila, imagem e semelhança que em um

sopro divino é configurado busca no vazio desta imagem atingir o ser, o sopro divino. O

homem enquanto imagem visível e exposta pelo sopro do “espírito criador,” vai se

construindo pelas abstrações da mente, a “luz invisível” que conduz, caracteriza e

fundamenta toda a lógica judaico/cristã. “O homem como imagem de Deus” (Gên. I, 21).

O poder diferencial de elaborações a partir do visível e do invisível, nos permite construir

fragmentos da realidade, a invenção do oculto, recheado de símbolos invisivelmente

imaginados. As imagens em ídolos de ouro, barro, madeira e metal... O verbo que se faz

carne para arquitetar a criação e a origem do mundo dos homens.

Desde a Antigüidade grega que as questão imagem/imaginário e razão estão

colocadas como substratos de busca da verdade e do conhecimento, mesmo estando em

completa tensão.

Para Sócrates, Platão e Aristóteles, a verdade só seria possível através da

experiência dos fatos. Mesmo assim, o pensamento platônico via no mito um caminho

para aquelas verdades não demostráveis, graças a sua imagem simbólica. Platão identifica

o animal selvagem dentro de nós passando do estado de natureza ao estado de graça, o

homem animal e espiritual construído no limiar da razão e do mito. A identidade do

pensamento e do verbo estabelece o nome das coisas, permitindo a crença, o encanto e o

desencanto. O sonho aparece como uma irrupção do exterior no interior de “nossa

caverna”. O filósofo diz que, “Nem um pensamento nos vem ao espírito sem um

fundamento em si”. Logo a “imagem mais espontânea, ou a idéia mais gratuita, será

aceita como produto de um objeto exterior”. (Russell, 1969: 135 - 136)

Aristóteles afirma que “a essência será aquilo que se diz comumente ser uma

coisa e a lei aquilo que acontece habitualmente”. (Russell, 1969:187) O pensamento

materializado pelos elementos abstratos. Mesmo que em essência, as coisas sejam

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desprovidas de consciência, ou que as nossas fantasias sejam consideradas como o

inexato. A fonte das idéias encontra-se nos elementos externos (empírico) e nos

elementos internos (inconsciente). Aí reside a construção mágica. Qual a razão da

consciência, se não a razão da magia?

Os gregos buscam no espaço astronômico e geografia de suas montanhas e vales a

condição sine qua non para justificar seus deuses. Zeus e o trovão como dardo de poder;

Vulcano com seu sopro; e os ventos uivantes como a voz de Eólo, deus das tempestades.

Essa mistura de matéria e imaginação que se faz divino para os que olhavam o olimpo

magicamente. O sol, o mar, o vento, as montanhas, e amor de Zeus, uma sábia e

mitológica ordenação rudimentar da natureza em seus elementos. Saturno ou Cronos,

filho que se liberta ao matar o pai. Os deuses pagãos do Olimpo que conviviam no

imaginário dos gregos, partilhavam as injustiças, aventuras e tragédias dessa civilização.

(Lenoble, 1990:55-6)

O homem grego que nos deu o legado do pensamento e cultura ocidental, lia na

entrada do templo de Delfo: “Lembra-te de que não passas de um homem”. Nos chama

para o conhecimento de nossa dependência e limites, mas ao mesmo tempo nos coloca na

condição de homens que dialogam com o divino.

Sócrates, com toda sua construção moral e antropocêntrica, nega-se a pensar nas

coisas sem alma e sem fala, apontando “o espírito humano como o conquistador do

mundo, e quando se liberta das sombras começa a ver uma natureza que ilumina tudo.”

(Lenoble, 1990:59).

Estes podem ser considerados os artesãos da mente, de uma mentalidade primitiva

que associam o mundo ao labirinto de imagens que torna o homem consciente de si. A

idéia de natureza como imagem de violência e temores da consciência atormentada cede

lugar para a fenomenologia platônica como princípio único. E Tales e Heráclito

reencantam o homem. Tales discorre sobre a gruta das nínfas e coloca a água como a mãe

da vida; Heráclito identifica o fogo como princípio de vida para os alquimistas. (Lenoble,

1990: 62)

Sócrates demonstra uma psicologia do espírito concreto e Pitágoras ver a

matemática como ciência do espírito puro e isolado das coisas. Platão vê o mundo como

“um imenso animal, o animal perfeito que encerra todos os outros, e Deus pôs nele uma

alma racional”. Ele harmoniza as memórias mágicas herdadas da mente primitiva dos

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gregos. (Aranha & Martins, 1992: 38 - 42) As obscuras imagens e formas de pensar de

Homero e Hesíodo nessas tradições, buscavam o sentido de alguma verdade oculta.

Imaginário que desafia o tempo.

1.2 Imagem, imaginação, imaginário

No século XVI, o pensamento racionalista é enfático em dizer que toda reflexão

precisaria estar calcada na experiência e na razão, pois só assim acessava-se o verdadeiro

conhecimento. Com isso os racionalistas entendiam que a imaginação por constituir

fontes de falseamentos e erros, não poderia ser incluída enquanto objeto de reflexão.

Os pensadores iluministas desprezaram a imagem/imaginação, pois argumentavam

que o imaginário e a realidade concreta são plenamente contraditórios. Pensadores como

Descartes, Pascoal e Spinoza argumentavam que o imaginário era uma fonte de ilusões,

fantasias e ausência ou negação da razão. Por tanto, não davam nem uma contribuição ao

desenvolvimento da ciência. (Aranha & Martins, 1992:)

Estas correntes de pensamento se consolidam quando Descartes afirma que o

método proposto é exclusivamente o único meio de acesso à verdade científica. (Aranha

& Martins, op. Cit., 1993:85). A ciência moderna estabelece suas bases e relega à

imagem a arte de falsear a razão, sombreando a verdade e não podendo demonstrar o

conhecimento verdadeiramente.

Do século XVIII ao XIX restaram apenas os fragmentos platônicos como alicerces

para a crítica do domínio da razão como única fonte de acesso à verdade. Kant aponta

alguns caminhos de resistência ao racionalismo dogmático, na obra “Crítica da Razão

Pura”. No século XIX, as críticas se voltaram para os excessos do mecanicismo

cartesiano. Talvez estejam aí os primeiros passos de resgate da imagem não apenas como

objeto do conhecimento, mas como todo objeto possível de uma representação (Sartre,

1980:327). Chegamos ao século XX, momento de prática e exercício dos preceitos da

ciência moderna, mas também um tempo de intensificação das polêmicas em relação ao

real, a razão e ao imaginário.

No que tange à imagem, imaginação e imaginário, destacamos aqui alguns autores

como Castoriadis, Sartre, Bachelard, entre outros.

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Como nosso objetivo aqui é apenas argumentar em favor do uso do imaginário

como objeto de reflexão e possibilidade metodológica na pesquisa empírica na área de

ecologia, apresentaremos alguns fragmentos e argumentações que estes autores

desenvolveram em seus campos de pesquisa.

Todo esse pensamento passa pelo simbólico. Entendemos que os signos, símbolos

desse imaginário, se processam necessariamente no meio ambiente, fonte dessas

construções. “O imaginário é a conexão obrigatória, através da qual se constitui toda e

qualquer representação humana.” ( Durand apud., Castro, I. et al. 1997:168).

Sendo o imaginário função e produto da imaginação, acaba por incorporar e

reconstruir o real, mediando a realidade. As imagens e a imaginação são percebidas como

faculdades de conhecimento e estado de conhecimento essenciais em nossa direta relação

com o mundo. O imaginário é o objeto de reflexão que não pode ser excluído pela razão.

(Sartre, 1980 e Castoriadis, 1991).

O imaginário como sendo a “criação incessante e essencialmente indeterminada de

figuras, formas, imagens, a partir das quais somente é possível falar-se de alguma coisa”

ou aquilo que denominamos “realidade e racionalidade” como sendo seus produtos

(Castoriadis, 1991:94).

Se a razão iluminista e a objetividade necessárias ao fazer científico expulsam de

suas argumentações tudo o que não tiver existência concreta ou que não puder ser

explicado de acordo com a razão, faculdade que tem o ser humano de avaliar, julgar,

ponderar, classificar, justificar. Essa razão se mostra limitada, pois não abre espaço para

novos percursos intelectuais que superem a rigidez de um esquema explicativo.

Claro que não queremos perder de vista o princípio do método, mas algumas

questões passam pelos paradigmas científicos dos fenômenos complexos, que não podem

ser simplificados ou reduzidos às suas casualidades, concretas, visíveis e objetivas.

Na psicologia e na psicanálise Freud (1974) e Jung (1987) em suas pesquisas e

experiências, argumentaram em favor do imaginário pois, para eles as imagens

representam mensagens que chegam à consciência a partir do inconsciente. Talvez Jung

bem mais que Freud, tenha revalorizado a imagem e o simbólico que permitem o resgate

psicológico do imaginário. Em seu método terapêutico, identifica os arquétipos - imagens

psíquicas do inconsciente coletivo, herança de toda a humanidade - do coletivo ao

indivíduo (imaginário social).

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Como podemos ver, a conexão das idéias sobre imaginação, imagem e imaginário

são utilizados quase que exclusivamente por autores na filosofia, antropologia, sociologia

e psicologia. O uso do termo imaginário amplia as possibilidades empíricas de utilização

do conceito. Usá-lo no campo da ecologia enquanto contribuição para o debate e à

elaboração de novas questões que de um ponto de vista acadêmico representem um

avanço tanto para o tema em geral, como para a nossa área em particular.

Ao considerar que podemos ser profundamente influenciados pelas coisas da

natureza, certa colina ou montanha, o vale de um rio, uma baía, ou um lago, podem

oferecer profundo foco emocional para a vida de uma pessoa, família ou comunidade.

Talvez, aí resida o verdadeiro sentido da ecologia enquanto uma ciência que pense o

melhor para a Terra, logo para todos os filhos dessa Terra. Pois, o princípio de

aproximação, reconhecimento e relação direta com o ambiente não permitiria a

perturbação do meio. Isso pode ocorrer com a natureza que se encontra perto de nós,

revelando em nós uma ecologia da alma e do coração (Moore, 1993:34).

Para as ciências emergentes como a Ecologia, que está relacionada com o

desenvolvimento humano e a natureza, trabalhar com o imaginário torna-se mais que

nunca necessário. Esse é um dos caminhos que aponta como definidor consensual de

novos paradigmas científicos e quando incorporamos à imagem, ao simbólico e ao

imaginário como problemas que devem ser considerados na busca do conhecimento, isso

tudo vinculado à natureza, e aos componentes da construção humana; associação e

experiências com a natureza, estamos de fato tentando ampliar nossos horizontes e

possibilitando uma melhor leitura dos fenômenos naturais e humanos.

Nossa preocupação não é apenas encontrar uma definição de imaginário humano,

queremos apenas apontar as possibilidades para a compreensão das formas de interação,

apropriação e relação do homem com o meio ambiente. Sabemos o quanto as ciências

sociais contribuíram no desenrolar dessa polêmica do real/razão, imagem/imaginação. E

nas contradições, desejos, pulsações e conflitos vividos pela ciência e pela sociedade,

chegamos aos momentos de crises paradigmáticas e epistemológicas. Isso tudo, na

tentativa de novos caminhos. E se as ciências sociais utilizam os valores simbólicos como

recurso empírico para compreender o imaginário, para daí conhecer as formas de

organização social, buscaremos a terra e o homem como fundadores do imaginário

humano. Seus mitos e rituais, signos e símbolos como fontes das relações

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homem/natureza. A motivação simbólica dos elementos terrestres: terra, água, fogo, ar,

mineral, vegetal, e os elementos bióticos em geral, como fundamentadores da imaginação

criadora.

Os valores do espaço habitado, a casa constitui a concha protetora e criadora de

imagens que permanecem guardadas escondidas nas profundezas da alma humana.

Assim, o valor simbólico do meio ambiente vivido está contido na proposta de pesquisa,

a topofilia para determinar o valor humano do lugar, enquanto espaço de posse, espaço

proibido, as forças adversas, espaços amados (Castoriadis 1991:107). Uma espécie de

relação psicológica do homem com seu meio - os lugares físicos de nossa vida íntima - o

elo afetivo entre a pessoa e o lugar. Sua dimensão emocional e material - o indivíduo no

meio e no coletivo.

O ambiente é um nicho, um abrigo no qual o laço se torna lugar - imaginário

territorial, onde os objetos naturais ou construídos estão diretamente relacionados com a

existência humana (Maffesoli, 1987:52).

Assim, a memória se alimenta de uma materialidade, uma espécie de coleção de

imagens presentes que a memória lembra e reconstitui em relação ao lugar, objeto ou

sentimento. Assim, os elementos da natureza como rios, montanhas, campos, florestas e

as construções humanas transformam-se em imagens, caminhos e representações de uma

comunidade em sua vida quotidiana. Podemos notar isso, no modo de ser das pessoas e

no falar da terra. As imagens da natureza, os fragmentos da lembrança em busca de um

sentido, compreensão das imagens mentais que estabelecem a idéia de natureza. A terra,

a vida e o homem formam esse complexo físico, biológico e antropológico (Morin &

Kern, 1995:55).

“o homem não nos interessa apenas por que somos homem. O homem deve nos interessar porque, de acordo com tudo que sabemos, o fantástico nó da questão está ligado à existência do homem. Ao tipo ontológico de ser por ele representado não é resistível à física ou à biologia” (Cf. CASTORIADIS, 1987, p.227).

Na busca dessa ligação conceitual entre ecologia e imaginário, chegamos à “Terra

- Pátria” de Morin, onde o autor afirma que está cada vez mais convencido de que a

ciência antroposocial tem de articular-se com a ciência da natureza, e que esta articulação

requer uma reorganização do saber.

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“A revolução nas concepções do mundo, da terra, do homem, que se operou no século XV ocidental não passou de uma crise ministerial em relação às formidáveis subversões que as aquisições científicas de finais do século XX trouxeram. Tivemos de abandonar um Universo ordenado, perfeito, eterno, por um universo em devir disperso, nascido do esplendor, onde jogam ordem, desordem e organização. (...) Tivemos que abandonar a idéia de um homem sobrenatural resultante de uma criação separada, fazendo-o emergir de um processo em que ele se separa da natureza sem, contudo, dela se dissociar. (...) A vida é uma emergência da história da terra, e o homem uma emergência da história da vida terrestre. (Cf. MORIN &KERN. Terra Pátria 1995, p. 50).

O “homo sapiens” passa a ser considerado como um novo ponto de partida. E,

para sua sobrevivência no ambiente atual, serão preciso novas adaptações bio-sócio-

culturais que respondam com uma prática de equilíbrio homem/meio/homem.

A imaginação como mediadora entre o vivido e o pensado, entre a presença bruta

do objeto e a representação. Pois a imaginação ao tornar o mundo presente em imagens,

nos faz pensar (Aranha & Martins, 1992:386). Saltamos dessas imagens para outras

semelhantes, fazendo uma síntese criativa. O mundo imaginário assim criado não é irreal.

É antes pré-real, isto é, antecede o real porque aponta suas possibilidades em vez de fixá-

lo numa forma cristalizada. Assim, a imaginação alarga o campo do real percebido,

preenchendo-o de outros sentidos.

As imagens do Nordeste enquanto região das secas passam a marcar significada

importância neste momento do trabalho, pois a realidade semi-árida pode ter vários

sentidos e significados para os que vivem este meio natural socialmente.

2. Terras desencantadas, imagens desfocadas

Antes mesmo de adentrarmos em nossa área de pesquisa específica e

considerarmos a natureza vista como suporte para a subsistência ou para o processo de

desenvolvimento econômico, até as perspectivas dos entraves naturais a ambos,

apresentaremos de forma bem clara, alguns elementos simbólicos e imagens que

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cristalizam o imaginário de Nordeste Semi-árido, tanto regional, quanto nacional. Estas

imagens aqui apresentadas são bastante amplas, mas podemos notar suas reproduções

locais ou de nossa área de pesquisa.

Desde o século XIX, a natureza semi-árida é vista como principal causa dos

problemas da região e tem sido amplamente utilizada no discurso das elites regionais para

obtenção de maiores benefícios.

A idéia de que o clima semi-árido é o principal responsável pelo atraso do

Nordeste faz parte do imaginário regional e nacional, revelando-se a percepção na qual o

determinismo da natureza está implícito, na idéia de Euclídes da Cunha, em que o “o

sertanejo é antes de tudo um forte” (Castro, J. de. 1997:178).

Temos o estabelecimento de uma imagem em que a região e seu povo estão

condenados à pobreza e ao sofrimento, por uma natureza difícil de ser domada.

Sendo assim, a seca deixa de ser um fenômeno natural representado pela ausência

temporária de chuvas, e torna-se o símbolo identificador da região Nordeste e todos os

problemas sócio-econômicos que são peculiares às condições de sua natureza hostil,

como miséria, doença, fome, analfabetismo, descapitalização, etc.

O texto que segue é uma matéria jornalística publicada pela revista Veja, no dia

21/05/1998, escrita por Ana Cíntia Campos e outros, intitulada O Fantasma da Fome,

fazendo um resgate dos prolongados períodos de estiagem no Nordeste brasileiro:

“A seca não apenas é previsível como obedece a um ciclo físico perfeitamente regular. A pior veio em 1877. Arreganhou sua carranca braba nos céus do Sertão e ceifou a vida de 57.000 nordestinos. Quando soube da tragédia, diz a História que Dom Pedro II chorou. Neste século, ela já irrompeu 23 vezes. Nunca mais foi tão devastadora como há 121 anos, mas sempre deixou seu rastro horrendo - miséria aguda, doenças ou epidemias, enormes migrações, choro e desespero. Desta vez, como espectro sinistro, ela lança sua ameaça sobre 10 milhões de nordestinos em 1.209 cidades. Já é a pior dos últimos quinze anos. Se o sol continuar inclemente pode vir a ser tão cruel quanto a de 1983, a mais devastadora deste século” (Veja, Abril [on-line], São Paulo: 21/05/1998).

Nesta matéria, fica premente a idéia ou imagem da seca como base dos problemas

do Sertão nordestino. Este fenômeno se reveste de um gigantesco corpo que ofusca todo e

qualquer desajuste do mundo social na região. O texto jornalístico continua enfocando a

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seca como o maior problema dos nordestinos, enquanto que os problemas sócio-

econômicos são escamoteados e o fantasma da fome, que assola todos os recônditos

lugares dos Sertões, é revestida como fenômenos naturais, ou vontade de Deus, em

função da falta de chuvas.

São comuns os discursos de políticos nordestinos dizendo que a ausência de água

no Nordeste desagregou famílias inteiras, semeou miséria, fome e sofrimento, vitimando

milhares de pessoas (Castro, I. 1997:181-82).

Observando uma série de dados da SUDENE10 sobre áreas de exceção da Paraíba

e dos sertões de Pernambuco, hidrologia, irrigação, e aproveitamento hídrico,

constatamos que, na atualidade já temos uma grande quantidade de reservatórios de água,

fruto da açudagem e outros meios, que desde o início do século torna a região sertaneja

do nordeste brasileiro, como sendo a região semi-árida com forte presença de água à

nível mundial. Mesmo assim, os representantes políticos regionais e alguns meios de

comunicação da atualidade alimentam o imaginário da miséria e atribuem as dificuldades

de desenvolvimento aos fatores gerados pela seca.

A literatura regionalista da segunda fase do Modernismo, reflete bem essa tônica e

tema. Em 1938, Graciliano Ramos é um dos melhores exemplos no trato com temas que

relacionam com a seca, a fome, a fé e a bravura do povo sertanejo. Assim são os filhos da

seca. “Vidas Secas”. Uma geografia dos condenados pela sociedade e pela natureza. O

escritor narra o sofrimento da família de retirantes e juntamente com sua cachorra Baleia

fogem do Sertão em busca de uma cidade imaginária, onde a fartura e a dignidade seriam

restituídas.

Graciliano nasceu em 1892. Estamos em 1999, ou seja, mais de um século e a

situação de muitos sertanejos ainda é quase a mesma, e apesar de Graciliano não

responsabilizar apenas a seca pela tragédia familiar, para muitos, ela é identificada como

causadora dos grandes problemas do Nordeste brasileiro.

Enquanto isso, as capelas são uma marca em cada lugarejo do Nordeste. Falta

tudo, mas é o sofrimento que alimenta a fé dos que teimam em personificar a saga do

sofrimento.

10 SUDENE. levantamento Exploratório - Reconhecimento de Solos do estado da Paraíba. Ministério da Agricultura.

DRN/SUDENE. Boletim Técnico, vol. 17, 1985. / Áreas de Exceção da Paraíba e dos Sertões de Pernambuco. Recife, Vol. 19, 1988. / Avaliação do Programa de Irrigação - PROHIDRO. Fortaleza: Série Prjeto Nordeste, Vol. 16, 1985.

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É comum culpar a terra de ruim, responsabilizar a seca como a grande culpada

pela fome, enaltecer o sertanejo chamando-o de bravo que jamais se entrega. Aquele que

olha para o céu e vendo uma nuvem passando, indo embora, mesmo assim ele resiste,

teima em ficar. Outros detratam os homens e mulheres simples dos sertões considerando-

os moribundos em seus trajes de apagar fogo, analfabetos e rudes. São assim os

personagens de “Vidas Secas”. É assim o real dos que vivem a “tragédia nordestina”.

Os “industriais da seca” ( latifundiários, prefeitos, deputados e governadores),

garantem com os ‘votos de cabresto’ poder regional. Estes mandatários do Nordeste

fazem questão de identificar a seca como algo incerto, imprevisível, e atribuem toda a

sorte de problemas a este fenômeno natural.

O mais grave é que as pesquisas cientificas já confirmaram este fenômeno natural,

como previsível. Ou seja, não existe a hipótese de uma seca, ela é uma certeza,

equivalente a um ciclo de vida/morte a triangular o nascimento, o desenvolvimento e o

declínio de uma vida estável.

Em média, a cada 13 anos, teremos um período de prolongada estiagem. E, se ela

agrava os problemas sociais, resta aos governantes sanarem os problemas sócio-

econômicos e planejarem projetos de convivência com a seca. Mas parece que a melhor

opção é eternizar os personagens de Graciliano Ramos, em cada família pobre. Assim,

“Vidas Secas”, escrito há sessenta anos, pode ser lido em cada canto do Nordeste. Este

romance pode ser folheado página por página, cujos cenário e personagens, inalterados,

permitem a narrativa do real.

As imagens do céu sertanejo parecem que nunca mudam. Um céu seco de água

estaticamente amedronta e cria esperanças, mesmo que sejam passageiras. Seguir a rota

das nuvens é buscar a mágica de uma viagem sem fim pelo Sertão afora. As “vidas secas”

imaginam nuvens cinzentas para derramar água no leito de morte dos muitos rios

temporários do Nordeste. As nuvens secas se dissipam entre o cristal e a fumaça das

incertezas (Atlan, 1992). São objetos fractais ao acaso, formas criadas pelo caos. Uma

geometria da natureza, que para muitos, pode representar uma aberração, mas que desafia

os homens a conviver com esse ambiente.

Ao lado da saga de “Vidas Secas”, temos a “Triste Partida”, outra saga dos

nordestinos. Uma leitura do poeta Patativa do Assaré, que no sofrimento de um povo,

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consegue identificar as profundezas de suas raízes ao lugar. Imagens que nos levam a

uma topofilia percebida (Assaré, 1985:355) 11.

A “Triste Partida”, enquanto poesia é um desafio a nossa imaginação. Uma

seqüência de sofrimento, esperança e desesperança. Algo parecido com “a via crucis” dos

sertanejos nordestinos em que o filho deposita a sua fé clemente em Deus. Sofrimento,

resignação, e desespero diante das forças da natureza.

Ter que sair da terra, fugir, ser retirante, errante pelas estradas que cada vez mais

lhe distancia de sua terra de origem, partir de um lugar que se ama, onde estão enterrados

os seus mortos, cravadas as suas lembranças e seus sonhos de uma vida. Esta linguagem

narrativa coloca o roceiro e sua família enquanto seres humanos simples e fortemente

apegados à terra natural. Imagens que buscam fidelidade até no resgate do português

falado nessa região, dentro da lógica mutante de uma língua em formação, ligada às

misturas étnico-culturais que foram se processando nesse ambiente, lócus onde

experimentaram uma vida ligada à esta natureza semi-árida, onde se apegar a Deus

deseperadamente e buscar de todo jeito um jeito de ficar (SOUZA NETO, 1997:37-8).

“No dia 12 a noite, coloca-se uma tábua com os nome dos meses de janeiro a julho. Depois põe-se uma pedrinha de sal em cima de cada mês. Se, ao amanhecer, as pedras de sal estiverem todas juntas, dissolvidas, então o ano vai ser bom de inverno. Ao contrário será seca. (...) Perceber a forma dos experimentos, por serem de caráter empírico e metafísico, pois o resultado que se obtém não do conhecimento das leis da circulação atmosférica, nem da quantidade de água no ar, capazes de provocar hidratação do sal que perdendo sua condição saturada, desmancha-se. Ora, o que provoca chuvas é a saturação do ar pela água ou, em outras palavras, um aumento a 100% da umidade relativa do ar”. (Ibid. 1997:40-1)

O menino Jesus, Santa Luzia, Virgem Maria, São José, Padre Cícero, São

Severino dos Ramos, e mesmo se agarrando a todos os santos, tem anos que o homem

semi-árido não é atendido em suas preces e experiências nas pedras de Sal.

A experiência da véspera do dia 13 de dezembro (dia de Sta. Luzia) é uma medida

certa para o sertanejo, mesmo os experimentos não confirmando as chuvas, ele continua

firme em suas esperanças e busca outras formas de prever à tão esperada invernagem, da 11 A triste Partida encontra-se integralmente no anexo, pois apesar de muito extensa, consegue retratar com fidelidade algumas imagens que o poeta Patativa do Assaré, um autodidata e camponês do Cariri cearense, consegue de sua terra.

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qual depende o seu continuar a tão amada e amarrada vida a este chão. Espera a barra,

que em dezembro pode anunciar a chuva e o prenúncio de nascimento do menino Jesus,

observa o comportamento dos pássaros de arribação como a asa branca ou a acauã.

“No Sertão há quem diga que acauã possui certos poderes encantados. Através de fenômenos variados prevê a mudança de estação. De fato no auge do verão ele entoa seu cântico de tristeza. De repente um milagre, uma surpresa. Cai chuva benéfica e divina. Quem lhe diz quem lhe mostra, quem lhe ensina? Só pode ser o autor da natureza.” (Cf. Ivanildo Vila Nova e Xangai, Mutirão da Vida. RJ.: KCD Kuarup, 1998).

Em Riacho Fundo, ouvindo algumas experiências sobre as forças da Natureza, o

Sr. José Costa do Bonfim (Zé Paizinho), 75 anos, nos conta que existem várias formas de

saber sobre o inverno. Uma é quando as rãs ficam fazendo “raque, raque no pé do pote”,

ela está adivinhando chuva; ou quando o anum preto fica latindo feito um cachorro novo.

“De madrugada esse pássaro fica grunindo como um cachorrinho novo, pode esperar

que é chuva na certa, pois ele dá o sinal. Você pode esperar chuva que ela vem. Junta

uns dois três e começa a latir, e rã rapa, ela dá sinal”.

Sobre promessa para chover, a resposta foi que é pecado pedir a Deus coisas

impossíveis, mesmo tendo o direito de crer em Deus, só podem rogar aos santos. “Pedir

prá chover é muito ruim, porque as coisas só vêm se Deus quiser, se ele não quiser não

vêm. Ele é quem manda, ele é o dono de tudo”. Rapidamente ele muda a conversa para a

terra, dizendo que nós estamos na terra, mas não temos terra.

“Quem disser que tem terra tá enganado. A gente vive no domínio de Jesus, agora Jesus deu a terra pra o cristão se apossar, morar e trabalhar. Agora brigam, arengam por terra aí, mais não adianta. Morre e fica tudo aí pros outros arengar, brigar.” (...) “Agora se vai chover só os profetas, os intendidos ficou pra isso. Você tem o saber, o saber mesmo, você estuda, lê e pronto, já tem os livros próprios que indicam, as escrituras sagradas, tudo se indica. A gora chuva, ninguém pode pedir, é só quando ele quer. Agora você sabe porque as vez demora a chover e fica seca? Aquilo é por causa de muito pecado da terra, do mundo. Aí tem de pagar os pecados, na terra, é na terra que se paga, e vai pra lá livre”.(Paizinho, 1998)

A construção do ideário judaico–cristão fica nítido na fala do Sr. Zé Paizinho. O

interessante é que ele imagina que estes animais sabem pois são inocentes e puros de

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pecado, por isso sabem o que vai acontecer. “Imagino que são coisas de Deus, pois são

animais livres de pecado”

“Então disse o Senhor Deus: eis que o homem é como um de nós, sabendo o bem e o mal; ora, pois, para que não estenda a sua mão, e tome também da árvore da vida, e coma e viva eternamente; O Senhor Deus, pois, o lançou fora do jardim do Éden, para lavrar a terra de que fora tomado.”(Gên. 3:22-23). “A terra será maldita por causa de tua obra. Tu tiraras dela o teu sustento à força de trabalho. Ela te produzirá espinhos e abrolhos: e tu terás por sustento as ervas da terra. Tu comerás o teu pão no suor do teu rosto”( Gên. 3, 17-9).

A idéia do purgatório na própria terra. Pagar os pecados e resgatar a salvação. A

imagem de sofrimento como resignadora dos defeitos humanos e purificação da alma. A

relação entre o religare, a natureza e o cotidiano, destacando o pecado original enquanto

condição humana.

As raízes dos pensamentos do Sr. Paizinho estão profundamente arraigadas na

tradição cristã, mas em alguns momentos se misturam com as experiências vividas,

observadas nos animais, nas plantas e nas nuvens. Nos dizendo que “num ano de muita

seca a juriti é quem primeiro foge da estiagem.” Ou seja na atitude de um tipo de

pássaro, as conclusões de fenômeno natural.

Sobre as pessoas que adivinham se vai chover, o Sr. Zé Paizinho, com 75 anos, diz

que esse pessoal mais velho que estudou, tem um certo conhecimento da natureza. Nos

contou que o finado Mariano, plantava arroz, planta difícil para aquela terra, e ele

plantava antes de chover, pois tinha experiência da natureza:

“O finado Mariano. Ele tinha uma história de encher um litro branco de água, quando tava perto desse tempo de janeiro, fevereiro. Aí ele chegava no monturo12 da casa, lá no fundo do monturo, cavava um buraco e enterrava o litro inteirinho, lacrado e em pé. Aí ele deixava passar um tempo, dependia do tempo, se tava frio ou quente, dependia assim. Aí ele arrancava. Se a água tivesse pipocando assim, como fervendo, podia esperar. Ele plantava no seco, que ia chover, que aquele pipocada era a temperatura dentro, e com a temperatura vinha a chuva..”

12 Munturo é o local onde coloca-se restos de comidas, folhas, cascas, palhas, sabugos de milho e outros tipos de lixo, geralmente nas proximidades da casa, servindo como lugar para as galinhas ciscarem em busca de alimento.

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Ele nos disse que viu com “os próprios olhos que a terra há de comer, a

plantação no seco e com três dias choveu.” Fala do mais velho que lhe antecedeu, como

profundo conhecedor, estudioso da natureza. Seu relato em relação ao evento nos coloca

diante de um cientista em seu laboratório, testando formulas, buscando descobrir os

segredos da alquimia no semi-árido. Neste caso, a busca vem do interior da terra, de

dentro e não do céu, caminho natural das chuvas. A pesquisa se justifica pelos objetivos,

método, técnica e resultados práticos. Conseguir produzir em condições não favoráveis,

tentar formas de descobrir os enigmas da natureza que possam garantir uma agricultura

que alimente a família. Mesmo sabendo que este era um cientista que aprendeu na escola

da vida, pois nunca teve oportunidade ou acesso a outro tipo de estudo.

Mesmo argumentando que tem uma memória curta e pouco estudo, o Sr. Zé

Paizinho continua com suas histórias sobres os pássaros do Nordeste que adivinham

chuva. E em sua relação são muitos: o gavião, o acauã, a seriema, e o anu-preto. “O

anum preto se você ouvir de 4 pra 5 horas da manhã feito um cachorro novo você pode

esperar 3 dias, que com três dias chove.”

O conhecimento da natureza está embutido nas imagens místicas ou religiosas.

Arraigadas no castigo e pecados, idéias que foram propagados pelo catolicismo. E

mesmo quando o homem rogando aos santos e interrogando Deus sobre o que será da

vida, demonstra submissão ou ausência de vontade própria, chegando ao ponto de não se

achar com condições de pedir a Deus, coisas fundamentais como a chuva mesmo que

tardia. Mas, alguns homens velhos, pássaros e rãs são capazes de prever o que vai

acontecer. Nestas contradições de idéias, valores religiosos e observações na natureza, o

sertanejo vai tecendo imaginariamente o território, com o herdado das gerações passadas

e com suas próprias experiências cotidianas.

A idéia de propriedade é logo remetida a Deus, aos homens apenas uma posse

temporária. Mas na “Triste Partida” como na fala do Sr. Zé Paizinho, fica eminente a

luta pela propriedade. Os fazendeiros como aves de rapina ficam a espreita para comprar

a preço de quase nada sua “miunça”13 de pertences. Principalmente se por acaso for um

pedaço de terra. Terra que o Sr. Zé Paizinho diz ser de Deus, mas que aqui na terra tem

dono certo.

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“Para retirar-se do local da catástrofe é necessário que o roceiro se desfaça do que tem, já aí começa um parto doloroso, por que quando um trabalhador do sertão consegue algo, isso representa toda uma vida de trabalho. Suas posses são seus instrumentos de labuta, os animais que certamente utiliza para arar a terra ou transportar mercadorias ou ainda para locomover-se. Em suma, o pobre proletariza-se, metamorfoseia-se em mercadoria circulante, mão-de-obra vendável, com destino já traçado, no caso: São Paulo.” (Cf. SOUZA NETO, 1997:45)

Vidas Secas, Morte e Vida Severina, Triste Partida, imagens que demonstram

sofrimento, separação e profunda afetividade com o lugar que deixa. Fragmentos de um

viver que morre com a partida. O desfazer de uma vida, de uma família podendo ser

sentido em pequenas coisas que com sofrimento se perde, se desfaz. A boneca, o

cachorro, que aparece em “Vidas Secas” e reaparece na “Triste Partida,” e que pode ser

visto em cada um dos terreiros, o “pé de roseira e o gatinho da menina, que de fome, sede

e sem trato pode morrer.”

Falando sobre os enigmas do mundo, amor e tempo, unidos por uma teia, segredos

cuja chave perdera, Suassuna (1996) escreveu alguns sonetos que se encaixam bem nessa

literatura sobre o semi-árido enquanto um leito de vida e morte. Ele fala de um tempo que

corta o vidro da redoma sagrada, identificando a morte como toque do divino a percorrer

os campos encantados que se espraiam arredondados como dragões antigos nas curvas dos

rios, caatingas e carrascais do sertão. Achando que a morte é uma mulher, uma divindade

que é ao mesmo tempo terrificante e acolhedora:

“Eu vi a morte, (...) com manto negro, rubro e amarelo. Vi o inocente olhar, puro e perverso, e os dentes de coral da desumana. Eu vi o estrago, o bote, o ardor cruel, os peitos fascinantes e esquisitos. Na mão direita a cobra cascavel, e na esquerda a coral, rubi maldito. Na fronte uma coroa e o gavião, nas espáduas as asas deslumbrantes que ruflando nas pedras do sertão, pairavam sobre urtigas causticantes, caule de prata, espinhos estrelados e os cachos do meu sangue iluminado. (...) Mas eu enfrentarei o sol divino, o olhar sagrado em que a pantera arde. Saberei por que a teia do destino não houve quem cortasse ou desatasse. (...) Ela virá a mulher aflando as asas, com os dentes de cristal feitos de brasas e há de sagrar-me a vista o gavião. Mas sei também que só assim verei a coroa da chama e Deus meu rei assentado em

13 Miunças – objetos pequenos e de pouco valor, animais de pequeno porte, como cabras, ovelhas e aves, colheita fraca, resto de roçado.

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seu trono do Sertão. (Suassuna, Poesia Viva, 1998, CD:14 e 15 )

Estes fragmentos de sonetos, carregados de signos, enigmas e imagens únicas são

os elementos do semi-árido, percebidos por Ariano Suassuna. Neste imaginário, as

figuras da morte, vestida com adereços de elementos da natureza sertaneja, nos fazem

viajar pelas palavras para na morte a sublimação da carne, onde o sol é um testemunho

vivo de tal sede. Assim, símbolos da natureza semi-árida são ressaltados como poderosos

e sagrados, ao ponto de o divino centralizar sua força nestas terras. Em outras partes do

soneto, Suassuna ressalta a morte como um toque inapelável do divino, maciez, vida e

obscuro, toque de um Deus no homem. O lugar e seus elementos como o gavião, a

cascavel, a coral, a vida e a morte como figura feminina, que em suas palavras ganham

um profundo significado. O destino, outro elemento muito forte na cultura nordestina,

que em sua “triste partida” pode estar traçado, e diante da morte é preferível vagar pelas

terras alheias, na espera de um dia voltar. Pois o destino traçado em suas mãos vai além

de seus poderes terrenais.

Nos anos que fazem boas safras trazem na lembrança as imagens da mesa farta.

Enquanto isso, os grandes fazendeiros beneficiados da seca pilham em seu montante do

já possuído as pequenas riquezas de vidas a fio.

Ao sair, tendo como destino o desconhecido, o sertanejo carrega consigo as

lembranças, as imagens, e os mapas mentais do já construído. A única certeza agora é

vagar mundo na esperança de um dia retornar, como retornam a asa branca e outros

pássaros de arribação. Um pensar com as asas cortadas pois o desconhecido e a incerteza

amedrontam até o mais forte e bravo dessa terra de pedra e espinho, que em seu lugar

enfrenta a morte com a certeza de estar diante do sol divino.

3. Imaginário percebido

Fica claro que estes últimos recursos apresentados sobre imagem/imaginação,

fortalecem nossas argumentações em favor do imaginário como parâmetro conceitual e

metodológico aplicados à ecologia enquanto ciência. Isso tudo a partir de situações

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vividas, onde estas formas de relacionar e conceber nos permitem um olhar ecológico do

fazer científico.

Nosso objetivo não é propor um modelo para possíveis leituras e interpretações do

ambiente, pois sabendo dos limites de nossos óculos, pretendemos apenas olhar

ecologicamente a natureza das coisas naturais e humanas no delimitado espaço, a partir

de uma pesquisa empírica.

Para tanto, nos prenderemos às apreensões que o homem faz do mundo através

dos seus sentidos: nas formas, nas cores, nos sons, nos odores, nos seus movimentos

corporais, nos sabores do comer e beber, e nos sentidos de reflexão e reação dessa

construção que imaginamos ser o real.

Sensação, percepção, representação, comunicação e identidades. Um pentagrama

do universo emocional e material do humano. Confirmando-se assim os sentidos

superiores, onde as sensações recebidas e percebidas se comunicam para a construção das

imagens que permitem todos os comportamentos que nos identificam.

Sabemos que as nossas imagens do mundo não são idênticas ao mundo.

Quotidianamente, estamos mapeando o mundo ao nosso redor com a imaginação. As

idéias humanas vão sendo expressas pela natureza. Imagens vindas do mundo exterior e

que povoam os cérebros humanos. A terra imaginária ou utópica vem sendo construída

nas entranhas do coração e da alma humana. Esse mapeamento não é anônimo, mas uma

busca do ser, do existir enquanto essência e existência, mesmo sabendo que o que

pensamos e dizemos não seja a realidade, mas, imagem e imaginação. Uma visão humana

da natureza, que não é a natureza como ela é, mas apenas a visão de como somos na

natureza.

“Por não amarmos a terra nem as coisas da terra, mas apenas as aproveitarmos (...) perdemos o toque da vida. (...) Perdemos o sentido da ternura, essa sensibilidade, essa reação às coisas belas, e será apenas com o reavivar dessa sensibilidade que conseguiremos compreender o que é a verdadeira relação” (Krishnamurti, 1997:10)

Essa busca da verdadeira relação permeia nosso entendimento de como nosso

mundo interior de pensamentos e emoções está diretamente ligado ao mundo exterior da

humanidade e do meio ambiente. Krishnamurti nos chama para amar a terra, usá-la,

respeitando o significado do uso.

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A natureza estrutura-se como realidade integral, total, unitária e diversa.

Experimenta-la, saboreá-la instintivamente, é também alimentar a mente. Saber,

sapiência, ciência, que pode ser lida na fala de uma anciã, dizendo que tais e tais plantas

servem para este ou aquele tipo de doença. Ao dizer isso, afirma categoricamente com

base em uma tradição de experiências antepassadas, em que para se chegar a este

conhecimento, muitas folhas e raízes podem ter envenenado seus provadores. Quando um

velho do Cariri ao vivenciar alguns comportamentos da vida cotidiana e conseguir

observar neles fenômenos da natureza, ou testando formulas de melhor produzir na terra,

consegue resultados positivos, nessa busca, temos um gigantesco banco de

conhecimentos já testados, experimentados e que precisam desse reconhecimento e

mérito. Este é um argumento que deve valer para todo o conhecimento popular em

relação ao mundo experimental, sabedoria levada até os balcões da academia e que em

muitos casos, se desconhece os verdadeiros produtores desse saber.

Nesse estágio de nosso trabalho acreditamos ter chegado talvez ao imaginário

como sendo uma espécie de combustível da mente, um material inodoro, incolor,

disforme e etérico. Uma das resultantes desse processo como sendo a retro-alimentação

de nosso espírito científico. Quanto mais tentamos desvendar o mundo real, em mais

imagens ele é transformado. Nossa razão é pura imagem do que modelamos como real.

Imagem em ação, cons(ciência), indicadores de que agimos em razão da imagem e não

em função do real.

Não basta pensar e logo existir. Se assim fosse, estaríamos nos dando uma forma e

sentido precisos e definitivos. Acreditamos muito mais que este estado de razão ainda é

uma busca do próprio homem. Razão e consciência solitária, tentando encontrar

interlocutores (Morin, 1995:142).

Com quem conversar nesse (in)finito? Será que a humanidade a si, se basta? Será

que como na oitava praga do Egito, a humanidade se assemelha ao exército de

gafanhotos, onde os indivíduos instintivamente formam um só corpo? Quando “O

homem é a natureza adquirindo consciência de si própria.” (RECLUS, In. Andrade,

1986:38). Fica claro que esta consciência não é razão humana, mas apenas imaginação.

Comunicações, trocas, crenças, atitudes, mitos, ritmos, ritos, signos, símbolos...

um trânsito dinâmico de imagem, imaginação e imaginário. Cimento de (des)contínuas

gerações e indivíduos que através do tempo espalha-se em invisíveis chamas e

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ardentemente cria expectativas para a construção que edificamos nesse abstrato passar.

Um gradativo vitral que pontua mutações e soterra as lógicas da natureza humana. Os

labirintos e complicações da mente desafiam o desconhecido. O imaginário é reconstruir

em prismas os segredos dos fragmentados e coloridos cacos de uma rede de pensamentos,

um conjunto de formas e possibilidades (Mariano Neto, 1996:5).

Não basta apontar apenas para a massa classe ou totalidade, mas, considerar o

potencial de cada sujeito enquanto parte ativa do coletivo. Este é um dos sentidos da

existência humana, pois estando no mundo experimentamos sua natureza e sempre

emitiremos uma sensação ou reação, participando efetivamente de forma emotiva,

abrindo espaços para o desenvolvimento da capacidade criadora. Nessa construção temos

as lembranças fragmentadas e guardadas na memória. Imagens retiradas da terra quente e

seca, que quando é banhada pela chuva, espalha um cheiro de infância ao entardecer.

Do modo como sabemos, as imagens em nossas cabeças formam um saber

baseado na experiência e na imaginação, em que a mente é a natureza revelada; a

imaginação o filme e olhar; e a razão um negativo momentâneo, diante do oculto, místico

e esotérico, ou ainda não desvelado. E, não podemos querer congelar a natureza viva em

fotos de nossa mente, achando que possam ser reais. Mesmo sabendo que a foto é uma

poesia aos nossos olhos e a prisão de uma imagem congelada. Essa linguagem poética da

paisagem precisa ser percebida e concebida a partir de uma ecologia do coração, pois é

assim com os atos da natureza. Imagens que despertam sentimentos, nos invadem como

em o vento e a rocha cristalina, onde o escultor e a escultura bailam ao acaso, ritmados

pelos sons do tempo, expostos à contemplação ou interferências, e completamente alheios

à razão humana. Daí, concluirmos este capítulo com o seguinte pensamento “na ciência

tradicional, aprendemos a separar o coração da mente, a emoção da razão.

Desaprumamos a humanidade e a ciência perdeu o seu sentido” (Moore, 1993:145).

Com estas palavras, ele nos chama para sermos profundamente influenciados pela

natureza, ritmados pelo triângulo de sentimento/pensamento/vontade.

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V. FOTOGRAFIAS: UM OLHAR ECOLÓGICO

imagens, topofilia e convivência

A voz das imagens pode dar sentido ao espaço/tempo ritmados pela luz e sombra do olhar. Uma linguagem poética da paisagem em que a fala de quem olha traça palavras que ultrapassam o sentido e a forma dos limites da afetividade momentaneamente congelada pelo clique do olhar.

Foto 01. - Lageiro do Serrote de Pai Mateu,

“o lago encantado”, Cariri Oriental - Paraíba, 1997.

Foto 02 – A “fulô do xique-xique,” como diz o Sr. Vicente Costa.

Riacho Fundo – Cariri Oriental/ Pb, 1998.

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Foto 03 - Escultura natural em plena rocha

cristalina, “ a pedra mágica,” Serrote do Pai Mateus, Cariri Oriental / Pb. 1997

Foto 04 - Vegetação de Caatinga em área serrana. As espécies crescem bem mais

nesses locais. Boa Vista/ Cariri Oriental / Pb. 1998.

Foto 05 - Vegetação de bromeliáceas/macambira.

Riacho Fundo, Cariri Oriental / Pb. 1998

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Foto 06 – Vegetação de Caatinga densa, Riacho Fundo,

Cariri Oriental/Pb. 1998.

Foto 07 – Lageiro com reservatório de água. Sítio do Bravo, Boa Vista - Cariri Oriental/Pb. 1997.

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Foto 08 – O Sr. Vicente Costa

demonstrando como se consegue água do xique-xique em plena caatinga. Riacho Fundo, Cariri Oriental/Pb. 1998.

Fotos 09 – Convivendo com o Semi –árido.

Belarmino e Carlos Azevedo recebendo aulas de Semi–árido com o Sr. Vicente Costa.

Riacho Fundo, Cariri Oriental/Pb. 1998.

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Fotos 10 – Rocha Cristalina - Lageiro do Sítio Bravo, Boa Vista, Cariri/Pb, 1997. Neste lageiro já foram encontrados diferentes fósseis de animais extintos, além de existirem muitas inscrições primitivas, tipo

itaquatiaras.

Fotos 11 – Rocha “boca de Baleia” e Cercas para o Sol (Riacho Fundo); Sangria do Açude de

Boqueirão, (Boqueirão de Cabaceiras), Cariri Oriental/Pb. 1998

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Fotos 12 –Mulheres, crianças, homens e pedras.

Riacho Fundo. Cariri Oriental/Pb. 1998.

Fotos 13 – “O Céu do Cariri” – Casa abandonada, caatinga degradada e cercas de vara, tipo faxina.

Alto Paraíba, Cariri, 1998.

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Fotos 14– São quilômetros de cercas, o que representa grande

consumo de madeira; na seqüência um terreno preparado para o plantio. Cariri Oriental – B. de São Miguel, 1999.

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Foto 15 – Lageiros e locas: de cima para biaxo,

Serrote de Pai Mateus; Sítio Bravo; Serrote dos Defuntos. É comum esse tipo de formação em

todo o planalto da Borborema, devido ao intemperismo decorrente das elevadas e baixas temperaturas e da erosão eólica.

Cariri Oriental/Pb. 1997/98.

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Fotos 16 - Três níveis de vegetação de Caatinga:

Densa, espaçada e rala. Estas duas ultimas apresentam-se muito degradadas. Cariri Oriental/Pb. 1997/98.

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Fotos 17 – Açude de Boqueirão e Alto Rio Paraíba

no período de estiagem, novembro e dezembro de 1998. A fotografia do Rio foi feita no Povoado de Riacho Fundo.

Nos anos 80 toda essa área se encontrava inundada pelas águas do açude, onde pescava-se e andava-se de canoa.

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Fotos 18 – Quando existe água em algum lugar

do Semi-árido, o carro de boi vai buscar, mas quando não existe mais água, os animais mais fortes ficam só o couro e o osso. Cariri Oriental/Pb. 1997/98.

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Fotos 19 - Quando a estiagem se prolonga

por mais de um ano, é comum encontrarmos restos de animais e casebres de taipa abandonados ao longo das estradas

dos Cariris do Paraíba, São Domingos, Cariri/Pb. 1998.

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Fotos 20 - A fé é uma das principais características

da população do Cariri, tanto é que em cada povoado encontramos uma igreja ou simplesmente uma capela. Esta loca fica no Serrote dos Defuntos,

Riacho Fundo, onde os moradores mais velhos contam que existiam muitos ossos indígenas no local. Perto da loca, encontramos algumas inscrições primitivas.

Fotos 21 - As igrejas guardam seus santos pradoeiros,

como São João, pradoeiro de Riacho Fundo. A foto ao lado é de Sta. Luzia, e encontra-se

em uma capela no balde do açude de Boqueirão. Igreja de Itapetim/Pe e Sta. Luzia em Boqueirão de Cabaceiras/Pb. 1997/98.

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Fotos 22 - Garota na janela e construção. O Cariri para os que sabem conviver com ele.

Riacho Fundo (menina); São João do Cariri (construção), 1997/98.

Foto 23 - O Sr. Vicente e os filhos na lida. Esta terrinha é de onde a família tira sua sobrevivência. Riacho Fundo, Cariri Oriental/Pb., 1998.

Foto 24 – Poços artesianos no leito do Rio Paraíba e cultura de capim com irrigação. Riacho Fundo, Cariri Oriental, 1999.

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Fotos 25 – Os velhos dos Velhos Cariris, de cima para baixo: Sr. Enemias Paulino;

Sr. Venâncio Caboclo; Belarmino e Manoel Costa.

Riacho Fundo, Cariri Oriental, 1998.

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Foto 26 – Produção de pimentão com irrigação em galeria, Riacho Fundo, Cariri Oriental/Pb. 1999.

Foto 27 – Povoado de Riacho Fundo, e pequena produção pecuarista. Riacho Fundo, Cariri Oriental, 1998

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Foto 28 – Cacimbas de água no leito seco do Rio Paraíba

e poço artesiano puxado a bomba elétrica. Riacho Fundo e Sítio Caraibeira, Cariri Oriental, 1999.

Esta é a terra dos Cariris Velhos do paraíba, um ambiente

de ecologia, imaginário e topofilia no cerimonial da vida.

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VI. OS VELHOS CARIRIS DO PARAÍBA E A TOPOFILIA PERCEBIDA

“Magia, medicina simpática, invocação divina, exploração da fauna e da flora, conhecimentos agrícolas fundem-se num sistema que abrange, na mesma continuidade, o campo e a mata, a semente, o ar, o bicho, a água e o próprio céu. Dobrado sobre si mesmo pela economia de subsistência, encerrado no quadro dos agrupamentos vicinais, o homem aparece ele próprio como segmento de um vasto meio, ao mesmo tempo natural, social e sobrenatural.” (Cândido, 1964:138)

1. Terra dos Cariris Velhos, o cerimonial da vida

Em plena globalização, revolução técnico-científica e artificialização do Meio

Ambiente, chegamos ao lugar, talvez em um fundamento de dúvidas. Pois o local, o

regional, o nacional e o internacional se fundem na lógica do local/global, onde “todos os

lugares são mundiais (...) pois cada lugar, não importa onde se encontre, revela o mundo

no que ele é, mas também naquilo que não é” (Santos, op. cit., p. 32).

Até que ponto as comunidades tradicionais dos Cariris Velhos percebem o seu

lugar de origem e a natureza que lhes rodeia? Uma região “castigada” ou que “castiga”?

Quem domina a natureza ou o homem?

Existe algum sentimento de amor por este lugar ou por esta natureza que

castiga com seu calor, sua seca, seus espinhos e solos pedregosos? “Essa é terra de

ninguém (...) e sempre será minha terra (...) terra que tem lua, estrelas e sempre terá”

(Russo, 1991)

Somos feitos de razão e emoção que se fazem pensamento, sentimento e vontade

para que possamos estar em equilíbrio e conscientes do ser e do lugar que estamos e

amamos como se fossemos parte ou corporificação desse lugar, algo sagrado,

sacramentado em suas pequenas partes de natureza..

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“O homem é a natureza adquirindo consciência de si própria. (...) Forças étnicas, sempre em movimento, sentida na procissão dos homens sob suas vestes de opulência ou de infortúnio. Todos igualmente em estado de vibração harmônica com a terra, que os carrega e os sustenta, o céu que os ilumina e os associa às energias do cosmo.” ( RECLUS. In. Andrade, 1985:38/39).

Reclus consegue aprofundar muito as suas idéias, quando identifica o homem

como sendo a natureza tomando consciência de si própria. É talvez a maior

responsabilidade que um cientista jogou nas mãos da humanidade, principalmente

quando algumas sociedades querem deixar de ser natureza.

A natureza humanizada prolonga-se em laços íntimos que ligam a sucessão dos

fatos humanos à ação das forças telúricas, como se em uma ação combinada da natureza

e do próprio homem, reagindo sobre a Terra.

Mas nessas épocas de crise aguda, quando uma destas forças se sobrepõe às

demais, perdemos o ritmo da existência, passando a encarar contrastes de um viver

desequilibrado. Restando apenas, a busca de um tratado de vida, de trabalho e

consciência que misturem e dêem unidade ao corpo e à alma, desafiando as palavras a

contarem sobre a prática do cotidiano que se faz em cada experiência dessa relação

sociedade e natureza.

Buscamos as raízes do humano na natureza que adquire consciência de si própria,

e que por isso, esse humano possua afetividade para com os elementos naturais e ame a

natureza como a si mesmo. Para colocar os pés nas trilhas dos Velhos Cariris paraibanos,

trilhamos pelos caminhos do geógrafo chinês Yu-fu Tuan, que valoriza atitudes,

percepção e valor ao meio ambiente. Aos laços afetivos dos seres humanos com o meio

ambiente material, “sentimentos que temos para com um lugar, por ser o lar, o locus de

reminiscências e o meio de se ganhar a vida, pois o lugar é o veículo de acontecimentos

emocionalmente fortes”. (Tuan, op. cit., 108)

Esta é uma ligação afetiva entre o ser humano e o lugar ou meio ambiente físico.

Ele consegue sintonizar os descompassos da ciência moderna, tão fragmentada. São

novas perspectivas para aqueles que começam a se preocupar com os descaminhos do

meio ambiente natural.

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O grau de afetividade com o meio ambiente dos que vivem nos Velhos Cariris do

Paraíba pode ser reconhecido rusticamente na natureza árida, essa casa do real, que

guarda todos os segredos de uma vida, desde nosso nascimento até o absorver de todos os

nossos sentidos. Sentir sensorial e emocional. Sentimento enquanto conhecimento,

compreensão, percepção. O sentimento e a imaginação como elementos que podem

revelar o que está por trás da aparência exterior do semi-árido.

A casa, o povoado e a roça como habitat. O morar em algum lugar e a relação

destas idéias com a consciência. Algo que aguça os sentimentos dos que vivem alegrias,

decepções, amor e tragédias trazidas pela vida para em cada personalidade um morador

de uma morada que conhece em cada caminho das águas, das pedras, dos espinhos, e dos

rastros, como as palmas das próprias mãos. Esse é o espaço que faz do “caririzeiro antes

de tudo um forte”, permitindo o aprofundamento de uma busca de si mesmo, um

encontro com a vida e as emoções, lhe faz orgulhoso de ser parte de tudo isso.

A morte e a vida podem ser sentidas em cada pingo d’água que cai e brota em

vidas, para em curto tempo se fazer rigor e sol. Homens que acompanham,

cuidadosamente cada passo da natureza, suas vontades e caprichos. Um ano ruim, outro

bom, assim, vai sendo tecida a certeza de ser do Cariri, sendo “roceiro ou vaqueiro

dessas terras de bronze”.

“Peço atenção dos senhores prá história que vou contar, falo de Severini/ lavrador tão popular/ que morava numa palhoça e cultivava uma roça perto do Taperoá. E Severinin todo dia lavrava a terra macia e terra lavrada é poesia. Mexe com a mão na terra/ sobe essa serra corta esse chão. Planta/ que a planta ponte/ por esses montes/ lã d’algodão./ Severinin vivia até feliz enchendo os olhos com bem d’raiz e mesmo a plantação tava bonita em flor e ao seu lado sua companheira tinha seu amor. Mas como diz o ditado e havera de se esperar/ depois de tudo plantado/ fazendeiro pede prá Severinin desocupar./ Já tinha até fruta madura/ jerimum enramando no terreiro/ e tinha até um passarinho/ que além de ser seu vizinho/ ficou muito companheiro/. Chega tanta incerteza/ a alma presa quer se soltar. 14 (FARIAS, Vital. Saga de Severinin, Cantoria 2. Rio de Janeiro: M-KCD - 032, Kuarup produções, 1986).

14 A poesia intitulada Saga de Severinin, encontra-se integralmente no anexo da tese.

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Lavrador e roçado na arte de cultuar a terra com o seu trabalho, cultivando

sonhos de raiz e rama, que retirados da terra são alimentos sagrados que deixam o

homem feliz. O cantador consegue demonstrar todo um ritual da convivência do roceiro

com a terra. Sua capacidade de subir a serra, cortar a terra e colher lã de algodão. Mas o

principal lhe falta. A posse da terra, aquela que no dizer do homem simples do sertão, é

propriedade de Deus. Mesmo assim, na falta da “terra prometida, roçam nas terras e

campos do Senhor”.

O Rio Taperoá é a certeza de que existe esse lugar, um território onde a

propriedade é um roubo (Phoudhon, In. Bancal, 1984: 133) do trabalho alheio. O pior é

que o roubo não é apenas do trabalho, mas também dos sonhos e do direito de ficar, de

deitar raízes sobre o mesmo solo que lhe gerou e criou. Esta é a repetição de um ciclo de

sagas, em que a alegria e o sofrimento se fazem moeda em sua cara e coroa.

O que resta da vida é a restante vida em uma imagem falsa de outros lugares, a

sombra de homens a negarem-se mutuamente. A ilusão de um só homem no contexto do

universal humano, um vencido vivo, um sobrevivente a perambular em busca de outras

ilusões desfeitas. Homem não há, só a desfigurada imagem do sobrevivente em seu

território do vazio. Os sonhos e lembranças não encontram mais solo para repousar. O

ofício da agonia, a ladainha de todos os santos e o cantar “incelências” é o que resta de

uma restante vida.

Nesse mundo mágico, a natureza envolve o homem: as flores a água, as serras, as

plantas venenosas, as cobras, os espinhos terríveis e o perigo. Os mitos e ritos do viver e

morrer se fazendo luz e sombra que se projetam em nossa cultura. Pessoas idosas vivendo

o rebuscar de uma vida, árida como a terra, seca como o clima, quente como o tempo que

se fez vida no esperar pela água para plantar os pés de milho, feijão e manivas. E na hora

certa, catar os sonhos que foram plantados no corpo da vida terra, que ferida pelo metal

dos homens se torna mesa farta, mesmo em tempos de aridez, pois o povo desse lugar diz

que “o pouco com Deus é muito”.

A morfologia dessa terra, como dessa gente dos Velhos Cariris vem diretamente

de sua musculatura, com vales, colinas, depressões e colunas vertebrais de rochas

cristalinas, que se espalham pelo ambiente. Mas além destes elementos, temos outras

articulações de uma morfologia imperfeita, com pele ressecada, que o sol não permite

uma recuperação completa. Uma mistura de homem e terra como idéia de escultor e

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escultura dos que se sentem terra da terra. Rugosidades que contam a história de uma

vida experiente, na face de um velho que se faz Cariri em vida, para contar aos netos os

segredos da natureza, ciência do povo, conhecimento talvez milenar e que se expressa nas

pequenas coisas do lugar, na sola dos pés de quem sabe como pisar, passo a passo, o pé

nesse chão.

“Uricurir madurou e é siná que arapuá vai fazer mel. Catingueira fulorou, lá no Sertão vai cair chuva a graneu. Arapuá tá esperando uricuri madurece. Catingueira fulorondo, o sertanejo esperando chover. Lá no Sertão quase ninguém tem estudo, um ou outro de lá aprendeu ler. Mas, tem homem capaz de fazer tudo seu doutor, e antecipar o que vai acontecer. Catingueira fulorou vai chover, andorinha avoou vai ter verão, gavião se cantar é estiada, não vai ter boa safra no Sertão. Se o galo cantar fora de hora é mulher dando fora pode crer. Acauá se cantar perto de casa, é agoro é alguém que vai morrer. São segredos que o sertanejo sabe, mas não teve o prazer de aprender ler”. (VALE, João do, 1995:13).

De uma região com raiz cultural indígena, que através da mistura resulta um povo

caboclo, culturalmente diverso, a natureza aparece como um forte elo para construção do

conhecimento popular. Mesmo que essa vinculação mundo natural e humano seja

mágica, o natural e sobrenatural respondem pela ligação e sentimento dos que sabem

observar nas plantas e animais o comportamento dos fenômenos naturais. Um território

criado pelo o olhar, emoção que organiza a experiência humana. Uma espécie de

sentimento sensorial que transforma a experiência vivida pelos velhos do Cariri em

conhecimento, algo intuitivo e interpretativo dos sentidos aguçados. Perceber e

interpretar os símbolos da natureza, uma experiência vital para a própria vida humana

naquele lugar.

A consciência desse espaço nos permite exigir um equilíbrio de todas as partes,

para que possamos ter uma energia capaz de alimentar sem perdas todos os recantos da

morada, para na consciência do todo, a relação do local ao universal, esse lugar aberto,

onde a energia flui do sol, da lua, das pedras, das árvores, do solo, da água, e dos braços

embrutecidos pelo trabalho de “Severinins que cultivam suas roças perto do Taperoá”, e

de todo o cosmo. Completo funcionamento, ritmado pelo tempo da natureza, pelo tempo

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do homem e todos os elos que o mundo natural e social permitem como prática de

convivência harmoniosa com o lugar.

Esse povo que tem na sua gênese as marcas da colonização vive e percebe a

natureza do Cariri como um território dependente das forças divinas, em que boa parte

das interrogações é respondida diretamente pela lógica do poder divino: “é Deus que

quer assim; quem sabe é Deus; é vontade de Deus; seja o que Deus quiser; foi Deus que

quis assim”.

Como a natureza é parte de Deus, existe toda uma relação com as plantas que

curam, todas consideradas pelos mais velhos como remédio, nas devidas proporções.

O Sr. Enemias, 84 anos, é um dos conhecedores dessa vontade divina.

“Aqui se morre de idade, de velho, o povo daqui foram tudo criado assim, tudo pela natureza mesmo. Faz alguns dias que morreu dois: Martins Ramos morreu com 94 e Tio Zé Olinto morreu faltando três mês pra completar cem anos. Você sabe que o remédio que vem do laboratório sai daqui de nós. Toda qualidade de erva e madeira. Quixabeira, aroeira, angico, braúna, bonome, jucá, marmeleiro, pereiro. O pereiro é um bicho amargoso mais serve. Qualquer coisinha, a gente vai ali, traz um mói de folhas, umas cascas ou raiz e faz um chá, um lambedor, uma garrafada e pronto.”

Assim é a natureza imaginada pelas comunidades do Velho Cariri, nascente do

Rio Paraíba, uma região de planalto, depressão, semi-aridez, vegetação de Caatinga e

resistência de um povo que teima em viver onde a natureza exige um preço elevado para

os que ficam. Percebem as exigências da natureza, mas possuem um forte sentimento de

apego ao lugar. Comunhão sem cerimônia que leva-os a dizer: “esta é a melhor terra do

mundo.” Pois, morrer pela idade é para eles um indicador de qualidade de vida, mesmo

sabendo da dureza nos períodos de estiagem prolongada. O Sr. Enemias nos conta que já

passou por muitas secas longas. “É de num acreditar, aqui já teve sete anos de seca e

num saiu ninguém. O povo comia xique-xique assado, cozinhado, fazia cuscuz com a

bata da macambira de serrote e num morreu um de fome.

As plantas e os animais vão tecendo conhecimentos fundamentais para se viver no

Cariri. Os animais indicando os fenômenos naturais, avisando de chuva ou estiagem,

delimitando parâmetros para a produção agrícola e os sonhos de um ano bom, com safra

e alegria para os meses santos. As plantas com sua seiva sagrada, salvando vidas, curando

males e alimentando homens. Tudo isto em um claro compasso com a cultura dos seus

antepassados. Curandeiros que sabiam misturar alquimicamente as porções em folhas,

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raízes, sementes, para produzir o lambedor, a garrafada ou simplesmente o chá. Para esta

gente, as plantas curam todas as mazelas do corpo. Para eles, tudo lá serve de remédio,

desde que você saiba as quantidades certas, pois do contrário vira veneno.

2. Terras do encantamento, rastros do desconhecido

2.1 Livros de pedras e histórias de ossos

O mais importante neste trabalho é o esforço coletivo e a ajuda mútua, em que os

mestres vão sendo descobertos dentro de si mesmos, o fazer-se consciência de si se

descobre ainda nem sabendo respirar direito. É como se as descobertas precisassem vir de

dentro e nunca do exterior, se fazendo (cons)ciência no dia da consciência de cada um. É

neste contexto que se pode repassar o que sabe-se no ato de socializar os experimentos.

Uma Região que foi berço da nação Kariri, com tribos dos Ariú e Sukurú.15,

ocupando toda essa região, que hoje recebe o nome do grupo lingüístico dos Kariri.

Caçadores, pescadores, coletores e agricultores. Diversas estratégias de um povo

inserido em um ambiente que exige muito além dos limites do homem. Isso demonstra

nitidamente que os antepassados dos atuais cariris já desenvolviam práticas econômicas

plurais e de convivência com os limites impostos pela natureza. Não queremos especular

tempos remotos de trezentos, quatrocentos anos ou mais, mas quando iniciamos nossas

primeiras viagens de campo pelo Cariri paraibano, fomos encontrando pelos riachos e

serrotes da redondeza, inúmeras inscrições cuneiformes de antigas civilizações, que

certamente, deixaram gravadas na pedra os seus “rastros”, ou fragmentos de uma cultura

que o tempo não conseguiu apagar por completo. São dezenas de inscrições rupestres na

forma de itaquatiaras e pinturas que aguçam a imaginação, a busca arqueológica,

antropológica por explicações. No entanto, os arqueólogos ou antropólogos que já se

debruçaram sobre o Cariri do Paraíba, ainda não desvendaram os mitos dos povos

primitivos ou civilizações que viveram nestas terras.

15 Informações retiradas do Mapa Etno-Histórico do Brasil e Regiões adjacentes - FIBGE/ 1980.

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Alguns estudos já foram feitos e desde a colonização que estão sendo descobertos

sítios arqueológicos por toda essa região. Na verdade, os levantamentos destes sítios

arqueológicos e suas gravuras rupestres ainda não foram decifradas ou identificados seus

autores. Alguns pesquisadores apontam para prováveis grupos indígenas que habitaram

esta região há milhares de anos. Os principais trabalhos sobre inscrições rupestres são de

Irineu Joffily.

As inscrições do Cariri são identificadas em diversos rochedos, como possíveis

caracteres dos antigos índios Cariri ou seus antecessores. Mas as inscrições cunhadas, ou

cravadas no cristalino, poderiam resultar do original homem americano, ainda

desconhecido (JOFFILY, 1977:107-13).

Os trabalhos mais recentes sobre os “Sítios Arqueológicos” dos Velhos Cariris

estão registrados em um vídeo e livro organizados por Cabral, (1997). Os principais

Sítios identificados em S. J do Cariri: “Muralha do Meio do Mundo, Sítio Picoito e o

Lajedo dos Letreiros; no município de Cabaceiras: Sítio de Pai Mateus”, Lagoa do

Cunhã, e Manoel de Barros; em Boa Vista: “o Sítio Bravo; e em Serra Branca: “Sítio

Tamburil e Poção.

No entanto, pelo que observamos nas diferentes fontes sobre as inscrições

rupestres no Cariri, em nenhum livro vimos catalogado ou identificado este “Sítio

Arqueológico” do Riacho das Pedras, em Barra de São Miguel, limites com Cabaceiras e

Boqueirão.

Na Comunidade do Riacho Fundo, conhecemos o Serrote dos Defuntos e Riacho

das Pedras, percorremos a pé em torno de dez quilômetros embrenhados pela caatinga, às

vezes rala, às vezes densa, para chegarmos ao Riacho das Pedras.

Este é um pequeno afluente do Rio Paraíba que se desloca do Sul para o Norte, até

encontrar-se com o Alto Paraíba. Uma região misteriosamente recheada de lajedos, areia

e cascalhos em todo o seu seco leito. Alguns lajedos se elevam formando cachoeiras que,

segundo moradores, “no tempo de cheia, escuta-se o barulho da água a léguas de

distância”. Nas lajes aparecem diversas inscrições que foram cunhadas na rocha

cristalina. Para os mais velhos do lugar, estes escritos foram feitos pelos índios que

viveram ali antes dos seus bisavós. Estes intrigantes fragmentos míticos de antepassados

tão distantes, ainda estão por serem totalmente catalogados, ordenados e decifrados.

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Sobre essa área, o Sr. Vicente Costa fez importantes considerações, muito

conhecimento e ciência daquele lugar, falando das plantas, dos animais e das relações

com a terra, a pecuária, agricultura, caça, o “Serrote dos Defuntos”, e a Caatinga, que em

alguns trechos, ainda se encontra bastante densa.

“Quando eu era mais jovem, essa área era muito mais fechada. Já tiraram muita madeira daqui, estaca, vara pra fazer cercas, estacas pra esticar arame. Aqui já se criou onça. Já andou muita onça por aqui comendo bode. Um primo meu terminou sendo chamado de Mané da Onça. Ele ainda matou onze onças aqui na região, e era onça grande. Ele matava de espingarda e cachorro, ele tinha três, quatro cachorros bons, de onça, de raposa, de tudo. Aí ele ia caçar com os cachorros, dava com a onça, acuava a onça, ela se atrepava numa aroeira ou numa baraúna, aí ele passava-lhe uma bala e derrubava, aí matava. Tinha muita baraúna e aroeira, era árvore que crescia muito, dez, quinze metros, e servia pra fazer as linhas das casas. Hoje em dia ainda tem, mais num é como antes não. Antigamente tinha muita, por que naquele tempo, o povo era mais pouco. Aí os anos vem ficando mais sacrificado, aí num dá tempo mais as madeiras crescer como era antigamente. Aqui tem muitas plantas de espinho, é um emaranhado danado, fica até difícil de passar. O xique–xique é cheio de água. É uma coisa dada por Deus, é a natureza, você aqui não morre de fome. Você corta o lastrado, descasca e tira os espinhos e chupa a água e assa a vara do xiquexique e come assada essa macaxeira”. “A gora eu vou falar, grave aí: aqui chama-se a Cacheira do Riacho Fundo. Riacho Fundo fica aqui a uma distância de meia légua mais ou menos da rua do Riacho Fundo pra aqui pra Cachoeira. A Cachoeira do Riacho Fundo é no município de Barra de São Migue, e aqui tem umas escrituras antigas, tudo indica que foi ou dos holandês ou dos índios. Ninguém sabe, por que já faz muitos anos, uma base de trezentos ou quinhentos anos que foi escrito isso. E a vista de passar muita água aqui, madeira, pedra, por cima das escrituras, ninguém deve divulgar direito, mais ainda tem muita coisa visível né. Aí é o caso de tá tudo escrito aí e dá pra divulgar muita coisa ainda.

Na memória do Sr. Vicente, um período em que a caatinga era muito mais densa. O

interessante é que seu referencial, as árvores lenhosas, que atingem, médio e grande porte

ao lado da onça malhada, animal que não mais é encontrado na região, pois como comia

os bodes, e colocava em risco os habitantes do lugar foram sendo caçadas, cedendo lugar

ao estabelecimento da cultura do bode e da ovelha na região. Na sua fala fica claro que

com o crescimento da população, a vegetação não consegue crescer no ritmo das

necessidades humanas locais. Também demonstrando algumas estratégias de convivência

com a caatinga, de onde pode conseguir água e alimento. Sua fala com relação ao Riacho

das Pedras e as inscrições, são carregadas de orgulho, em que ressalta a localização do

ambiente e reforça o passado do lugar.

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Quando fizemos esta visita ao Riacho das Pedras, já estava-mos bem familiarizado

com o Sr. Vicente que com prazer fazia questão de nos contar em detalhes sobre o lugar.

Remete as inscrições ao holandeses ou índios que habitavam esta região. No caso dos

holandeses talvez seja alguma relação com a presença desse povo aqui no período da

invasão holandesa no Nordeste, o que se justifica pois nossa área de pesquisa fica quase

no limite com o Estado de Pernambuco, onde a influência da Holanda foi muito forte.

No caso da caça, perde todo o significado anterior de caçar para suprir

necessidades de complemento alimentar. O símbolo de bravura do Mané da Onça é

totalmente anti-ecológico, justificado por uma cultura que disputa com a natureza. A

pecuária de caprinos, ovinos e bovinos passa a comandar o território das onças. Um

ambiente que confirma o início da conversa do Sr. Vicente, pois certamente existiam

muitos herbívoros que eram alimentos das onças. Só para termos uma pequena idéia, este

era um ambiente dos preás , (Galea wllsi), mocós (Kerodon ruprestris Wied), capivaras

(Hydrochoeridae) e cutias (Dasyproctide prymnolopha Wagler) (Mendes, 1987: 50-3).

Roedores por excelência que garantiam as felinas suçuaranas seu locus na cadeia

alimentar. Todos passam a ser caças dos homens, predador muito mais voraz.

Sobre o lugar chamado de Serrote dos Defuntos, O Sr. Vicente teve muito para

nos contar, narrando e tentando interpretar esse momento da história que muito ouviu de

seus pais, avós e bisavós:

“Aqui encontraram ossos, canelas dos índios. Antigamente, faz 150 anos ou 200 anos que eles andava aqui ainda, aí matavam e eles morriam também, e os ossos ficava aí. Os mais velhos vinha vaqueijar bode aqui no Serrote dos Defuntos, ainda tem as veredas. Eu era pequeno e tinha até medo dos ossos. O bode gosta muito desse serrote, por causa do capim. Aqui só quem vem é bode. Dizem que encontraram muitas cabeças de índios por aqui. Aqui na era, a 300 anos, a 500 anos, eles moravam por aqui mesmo. Aqui era uma mata mais fechada, num tinha muito movimento de gente, aí criava, tinha os índios, tinha onça, tinha todos os bichos aqui. Por isso que se chama o Serrote dos Defuntos. Por que encontraram muitos ossos dos índios por aí. Cabeças, canelas, era os ossos que demorava mais a se acabar né? Aí encontraram muito por aí. Eu ainda cheguei a ver, mais nunca levei não. Veja que o pai de minha mulher é caboclo, é dessa família caboclo que mora aí: Zé caboclo, Pedro Caboclo era o pai da minha mulher, é descendente de índio, que chamam caboclo. O caboclo aqui é a mesma descendência humana. O caboclo, chama-se o caboclo do sangue limpo. O sangue mais puro que tem é o do caboclo. O caboclo é forte, e disposto, tem mais coragem de que o branco. O Branco se recusa mais ao trabalho de que o caboclo. Isso é conversa que os velhos da família da gente diz, né... A mãe de mamãe era família branca e a do meu pai também era. Essa família caboclo já era um

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pouco diferente daqui. Era duas famílias só aqui. Dos caboclos e dos brancos. Mais nunca se dividiram muito não num sabe. Sempre foram de acordo e ficaram assim até hoje. Foram se casando, foram se misturando, hoje é uma família só. Se uniram, era pouca gente, num dava prá se dividir muito e ficaram assim até hoje, graças a Deus.”

Em uma visita ao local, quando Chegamos ao ponto mais alto do Serrote dos

Defuntos, em torno de 650m., encontramos algumas locas de pedras arquitetadas pela

própria natureza. Na história contada pelo Sr. Vicente Costa, tudo leva a crer que esta

área tenha sido uma espécie de cemitério dos índios Kariri. A narrativa de fatos de nossa

história, na memória de homens simples como o Sr. Vicente, nos surpreende. Um

ambiente que foi profundamente modificado em tão pouco tempo. Na fala um sentimento

de valorização do caboclo, aquele que tem coragem, é forte e disposto. A questão do

sangue limpo vem diretamente da valorização do sangue do branco, que misturando-se

com o sangue indígena, purifica o sangue do último.

2.2 Desvendando os mistérios encantados do Cariri

Das inscrições feitas em rochas cristalinas, as várias e fantásticas historias

contadas pelos habitantes do Cariri, o lugar vai se construindo, de mistério, mito,

símbolos e vidas que almoçam, jantam e ceiam para na boca das noites, de forma oral ir

contando aos mais novos sobre a vida e os mistérios do desconhecido. Um universo

povoado de lembranças de histórias já contadas, que se misturam com fatos reais, onde

mito e realidade formam um único fio de verdades.

O Sr. Venâncio Caboclo, 74 anos, é um destes homens trabalhadores. Lutava com

bichos, com gado, com agricultura. Já houve épocas em que mandou 17 caminhões de

jerimum para João Pessoa. Tudo trabalhando no alugado. Contam que teve um ano de

inverno que ele juntou milho na espiga dentro de um quarto que encostou na telha. Era

tanto que veio a borboleta e comeu. Isso sem falar em melancia, melão, jerimum, feijão.

Nos dias atuais, mesmo estando aposentado, ainda continua lutando. E na sua luta, nos

fala sobre o Cariri:

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“Essa terra do Cariri ficou pra criar espinho, criar jumento, e gado e bode. Aqui tem a macambira, a jurema e o lastrado que fura tudo. Aqui é mais estiado, por isso o povo chama de Cariri. Vai pegando essa parte do Sertão, acima do Boqueirão e desses pés de serra é tudo Cariri. Como eu ia dizendo, esse Cariri Velho é a terra do espinho, da pedra e da terra seca. Aqui quando teve uma seca grande, de mais de sete anos, eu mesmo vi que só tinha folha no pereiro e na catingueira grande. Os pereirinhos, os juazeiros, os umbu e as quixaba cairo as folhas tudo, e o bode comendo, que se num fosse essas coisas morria tudo. A quentura era tão grande que rachava a terra toda, morre marmeleiro, morre pereiro, morre tudo. Mas quando bate uma chuva é prá arrebentar tudo, o riacho corre e a água se avoluma de amedrontar. Aqui é o lugar do espinho, a natureza num puxa o inverno. Agora daqui a seis sete léguas nesse mei de mundo (aponta) é diferente, lá é o agreste. Aqui no Cariri é sempre assim. A vantagem que a gente tem é que num falta água. Você chega ali tem o Rio Paraíba chamado, você chega, tem essa aterro todo, mas você cava uma cacimba. Essa é a água que a gente tá bebendo aqui. Nosso Cariri Velho, falta água prá miunça, pro bicho, pro gado e o povo gasta muito. Aí planta palma prá ração dos bichos, planta capim, enche de verdura de toda qualidade. Nessa natureza do espinho, o cabra tem que saber pisar prá poder andar. O calçado tem que ser de sola com borracha, se não acaba com os pés. Assim eu vou dizendo que o Cariri é essa terra que a gente tá, que a gente foi nascido e criado, e pela idade que a gente tem e que mora, e os que morreram e tão enterrados aqui, faz a gente gostar daqui.”

O conceito de Cariri apresentado pelo Sr. Venâncio não faz nenhuma referência

aos antigos habitantes dessa região, mesmo sendo ele um caboclo. Todos os símbolos

usados para definir ou caracterizar o Cariri foram relacionados com as forças brutas da

natureza. Ou seja, um solo seco, pedregoso e espinhoso. Um ambiente caracterizado pela

agudeza e pela imposição de dificuldades ao homem. Chega a comparar sua terra com as

áreas vizinhas e menos áridas, como o Agreste. Ressaltando as experiências vividas,

guardando na memória os momentos mais extremos entre as prolongadas estiagens e as

fortes chuvas. Existe uma forte tendência ao absoluto, permeado pelas palavras

tudo/todo, remetendo os acontecimentos em suas extremidades, talvez tentando expressar

com palavras algo que só sabe quem já viveu, já sentiu na pele. Mas mesmo nos

momentos mais extremos tem na cacimba do Rio Paraíba, a permissão para o ficar, tem a

vazante do rio em seu leito para propiciar um pouco de fartura, assim os dias vão sendo

tecidos pelos que sabem como pisar no chão do Cariri.

Outro elemento muito forte do lugar são as superstições, os medos do

desconhecidos, as histórias de casas assombras e os contatos com os espíritos da mata e

até mesmo os males do homem, semeado pela inveja. História que a vida vai tecendo e

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transformando em mito. Assim seguem diferentes casos, alimentados pela cultura

popular.

Conversando com o Sr. Venâncio, sobre alguma história ou sonho de sua vida:

“Sonho não tem não senhor. Mas tinha. É porque hoje em dia, o sujeito tendo um sonho de vida é uma coisa muito naturá. Mas depois que eu cai doente, Ave Maria. (pausa). (O Sr. Né fala que ele era muito trabalhador e que foi um negócio que botaram pra ele um feitiço. Quando ele morava lá em Sumé e vivia trabalhando. Acha que uma inveja dele. Acha que botaram um troço nele. Pois acredita que só num tem o que é bom.) Botaram um negócio numa buchada. Numa comida de noite, Tava o xerém, tava o leite, tava o cuscuz e um facãozinho no meio da mesa. Aí quando botou na mesa. Eu fui ceia. Aí disseram: Bota comida, bota comida pra Venâncio. Empurraram comida, xerém com leite e carne assada, meia crua. Aí eu desconfiei da parada e botei tudinho prá fora. Com licença da palavra, que eu disse. Vocês num ignorem não. Mas quando eu botei pra fora, que saí pra casa, foi sofrendo. Também fiquei que nem uma pessoa sem força na vida, sem lemo. Aí sucedeu isso comigo. Aí eu fiquei amarelo, amarelo, amarelo, e foi preciso eu ir bater em Recife. Não é desonra eu dizer o que é. Aí uma cabocla mandou dizer a mim. Disse é coisa botada, mais eu num tem remédio aqui não. E foi o livro de São Cipriano. O Cabra botou prá lhe matar, cum inveja. Eu era um homem trabalhador. Eu cortava cana o dia todinho pro engenho. Tem muito tempo”.

O feitiço aparece como algo materializado na comida. A idéia concreta de

transporte de um sentimento, no caso a inveja, partindo de uma outra comunidade vem

representar a quebra das forças de um homem. Na sua fala vai contando inseguro o que

lhe aconteceu e que não sabe explicar ao certo, consegue fazer uma representação

simbólica da ceia, resgatando alimentos típicos como xerém (comida feita com o milho

pilado) e servida com leite, o cuscuz, a buchada ( entranhas de animais, panelada das

vísceras e intestinos do carneiro ou do bode, cuidadosamente preparados) que é um prato

muito apreciado por todos. O mal que entra pela boca do homem transportado pelo que

ele mais gosta.

Outras histórias fantasiosas ou não vão povoando a imaginação dos mais velhos e

contadas aos netos como história de trancoso16 ou experiências vividas de forma

inexplicável.

O Sr. Vicente Costa nos conta suas histórias e de parentes, todas envolvendo os

mistérios da vida e da natureza:

16 Trancoso para o povo do Sertão é uma história cheia de fantasia, bravura, coragem e contato com forças sobrenaturais. A medida que vai sendo contada cria uma expectativa do desfecho, com muito suspense, onde sempre aparecem almas, espíritos ou animais estranhos, todos na forma de visagem.

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“Tem uma história dos passarinhos. Foi um tio meu que se chamava Felix da Costa. Ele gostava muito de criar galo de campina, rolinha cascavel, concriou, canário. Ele criava bem. Pegava a bichinha nova, aí domesticava e criava na gaiola. Aí um tempo que ele foi no Recife dá um passeio lá, houve um desentendimento que eu não sei bem como foi. Ai ele foi preso uns dias. Eu num sei do motivo, só sei que ele era um homem de bem. Aí quando ele chegou em casa, disse pra mulher: Zefa, eu fui preso, assim e assim, mais num gostei não. Passei uns quinze dias, num gostei e já sei que esses bichinhos estando preso né bom prá eles não. Vamos soltar os bichinhos, pois os poucos dias que eu passei preso, num gostei não. Quanto mais esses bichinhos passar um ano ou mais, ou dois anos presos numa gaiola né bom não. Eu vou soltar tudinho. Aí soltou mesmo, aí num quis criar mais passo. Passo pra ele era solto, liberto. O povo aqui num gosta de criar passarinho não, e aí vive cheio de galo de campina, de canário, todo passo, e ninguém pega. E nem caça de espingarda, o povo aqui num gosta. Ali mesmo no meu roçado mesmo, tem cada um teju desse tamanho e ninguém mata. Eu num deixo matar.

A idéia de liberdade que foi fortemente enfatizada na narrativa pode ser

confirmada, estivemos observando as casas do lugar e não encontramos gaiolas com

pássaros presos. Talvez uma experiência de prisão em outro lugar, demonstrando

sofrimento, castigo, foi básico para a história ser recontada e absorvida pela população

local.

Na seqüência, ele nos fala dos mistérios da mata, seus espíritos, suas lendas e os

cuidados para os que quiserem freqüenta-la:

“Aqui o povo sempre diz, que tem o dia da caça e o dia do caçador né. Aí o dia da caça é quando o cabra vem, e começa a aparecer presépio, uma coisa e outra né. Aí dizem que é o mal dia pro caçador né. É o dia da caça. E quando o caçador vem que vai encontrando a caça de primeiro encontro, já vai se saindo bem né. (pausa). Olha, passou outro tejuassú aqui olha! O rastro da calda no chão, e deixou o rastro. (Continua). Aí quando o cachorro começa a latir e depois volta gritando, grunindo e se mijando pra perto do dono, é a comadre fulozinha. A gente já sabe que é ela que tá castigando o cachorro. Essa história dizem que foi uma lenda de uma menina que se perdeu no tempo das outras eras. Se perdeu e ficou vagando ai por dentro dos matos. Quem já viu disse que é uma menina do cabelo bem grande e branco, assim pequena, de um metro, um metro e pouco. Aí ficaram dando o nome de fulozinha do mato, entendeu.? Até eu a uns dez anos atras, lá na rua do Riacho Fundo mesmo, eu ia saindo, assim umas sete horas da noite, que eu vinha prá casa. Com um pouco mais ela assobiou assim perto de mim, aí eu tentei assobiar arremedando ela, aí quando dei fé, ela assobiou assim mais perto de mim; aí assobiei novamente arremedando ela. Quando dei fé ela já deu um assobio que chega zuniu no meu ouvido. Aí eu num quis mais conversa, corri, dei uma carreira grande pra casa e num quis mais nem conversa de arremedar ela não. Dizem que ela num gosta não, quando a pessoa arremeda ela e faz pouco dela, como se diz o ditado. Aí quando eu cheguei em casa disse, não, pra nunca mais

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eu arremedar a fulozinha que o negócio é sério mesmo. Ela castiga a pessoa, ela pode dar na pessoa. Dizem que ela pega qualquer cipó forte e dá cipoada do cabra não agüentar. Pro caçador nesse dia, num é bom pra caçar não. Aí ele volta prá casa. Naquele dia já tá dizendo que o dia é dela, da caça e do mato. Aí ele volta pra casa e diz a mulher. Ou mulher eu voltei, que o cachorro apanhou logo da fulozinha, eu vi que num dava pra caçar e vim embora pra casa. E quando dá pro caçador, naquele dia num acontece nada, ele caça, sai-se bem, mata o bicho do mato. O teju, ou o tamanduá, ou o peba.

Este universo supersticioso povoa o mundo dos que vivem nos entornos da mata

de caatinga. Um ambiente de baraúna, jucá, lastrado, pinhão, jurema e macambira e que

se a pessoa não souber andar por dentro, perde o ritmo da vida. Um ambiente que fica

protegido por espíritos que sabem o que o homem pode levar de caça e os dias próprios

para tais investidas humanas na natureza. A experiência vivida é o suficiente para

respeitar tais forças. Como vimos, o Sr. Vicente mora um pouco afastado do povoado,

conhecedor que é da caatinga, conta pros filhos e netos que com a natureza não se brinca,

pra não ser castigado.

Com os fios da santa natureza o Sr. Vicente e os outros do lugar vão tecendo suas

vidas, rodeados pelo o Riacho da Cachoeira, Riacho Fundo, o Riacho das Pedras, o

caminho das águas. Na caatinga demonstra os frutos do lastrado (ou xiquexique)

explicando que são bons como alimento. Para tal é preciso ter cuidado como os espinhos,

pois tem vaqueiro cego por aí. As veredas para melhor passar e como aranha vai tecendo

com finos fios sua teia de imagens e labirintos alimentados pelo místico que o lugar

oferece para essa construção memorial.

Das histórias contadas figuram as narrativas longas geralmente contadas nas

conversas noturnas que tratam de viagem ou contato com almas de antepassados mortos,

casas mal assobradas e animais estranhos.

O Sr. Zé Paizinho nos conta duas histórias ocorridas no tempo das muitas águas,

quando o Boqueirão banhava mais volumoso o Riacho Fundo e que marca sua vida até

hoje:

“Meu pai contava uma história de uma vaca lavrada, contava que um dia foi pescar nos poços do rio, quando foi descendo as barreiras, uma vaca lavrada tava comento capim, aí quando ele olhou a vaca de novo, ela saiu flutuando no ar. Aí ele disse pia Lilia (Inácia Maria), a vaca lavrada flutuando no ar, indo embora. Ele achava que era uma visagem.”

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“Também tem um primo meu que tava pescando de canoa no rio, perto do Serrote da Pata, lá tem uma pedra que parece uma pata. Quando ele tava pescando, aí ouviu a canoa dando um gemido grande, aí veio uma alma e sentou-se na polpa da canoa. Quando ele viu, ficou desesperado, aí saiu remando feito um louco e a alma não saia da polpa da canoa, e o medo que ele teve foi tão grande que ele quase morre, e desde esse dia ele ficou abestalhado.”

As almas de antepassados ou visagens vão dando argamassa para a vida, os

meninos vão escutando as histórias e se fazendo sujeito dessa construção cultural

baseadas no mito e nas superstições. Estes são alguns elementos que tornam o homem do

lugar forte ou fraco prá enfrentar a vida semi-árida. Os meninos que sonham com cavalos

de pelo castanho e arreio de prata. Sonho de meninos em serem vaqueiros, enquanto

tangem as cabras e carneiros pelos pastos naturais da caatinga. Assim enfrentam a

escuridão do mundo, povoada de almas, visagem e sonhos de um viver.

Em meio a tudo isso o Sr. Enemias Paulino, 82 anos, nos fala sobre a profissão de

ser vaqueiro:

“Quando a pessoa nasce, já nasce com aquele destino traçado de ser, aquela sina. Ou pra ser vaqueiro ou pra ser agricultor. Isso depende da coragem. Tem que saber muito pra ser vaqueiro. Você num já ouviu falar que o homem de maior coragem é o vaqueiro que entra por dentro da macambira, por dentro do lastrado, por dentro da jurema e da unha de gato. E o cavalo também. O vaqueiro é o homem que sabe domar o espinho. Já o cavalo do Agreste , num corre bem aqui, por que num tem o costume de entrar dentro da madeira nem do espinho. E ser trabalhador do campo também depende do destino da pessoa, às vezes a pessoa precisa pegar um trabalho, por que precisa se manter. Quando a pessoa é pobre, que precisa trabalhar e ganhar pra manter a família, aí tem que ter coragem e ganhar a sorte da fazenda, de ganhar um bezerro, de ganhar um cabrito de sorte. Aí a gente num tem as coisa, aí se interessa de ganhar a sorte. Por isso que o cabra passa a ser vaqueiro, pegar um cavalo, selar e entrar pra dentro do mato, pra enfrentar a macambira, enfrentar a palmatória braba. Isso bate no couro da pessoa, se num for encourado, rasga todo. O espinho quando num mata aleija. É meu filho, num é pra todo mundo não. E tem que saber cuidar dos bichos, e treinar pra ser um bom vaqueiro. É o sangue quem diz.” Eu já trabalhei muito pros outros, trabalhei numa fazenda dez anos. Trabalhei feito um bicho. O que foi que eu arrumei? Nada, só a vista estraga, mas em toda vida eu sempre fui uma pessoa que nunca tive nervoso com nada e sempre espero. Criei onze filhos. Criei tudinho com as graças de Jesus, trabalhando Que nem tô. Graças a Deus tudo criado. E só é quatro homem e sete mulher. Mas graças a Deus nunca fui chamado numa delegacia, que seu fio pegou um fosco queimado. Até agora, essa graça eu peço a Jesus.

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Para ele a vida já está predestinada, a sina identificada como uma marca trazida

para ser seguida. O homem do Sertão do Cariri acredita que a vida traçada não pode ser

mudada, pois é uma decisão divina. Daí a diferenciação entre o agricultor e o vaqueiro,

este último aparece como uma espécie de mito, recheado de coragem, experiência e

domínio da profissão.

O vaqueiro é uma representação viva da unidade signal homem/cavalo, um corpo

que consegue com destreza dominar o gado e a caatinga. São muitas as histórias de

vaqueiros, aqueles que enfrentam a lida de noite e de dia, no clarão da lua saem na busca

do boi desgarrado. O bravo que com o corpo e a fala baila por entre os espinhos aboiando

canções de amor e estalando o casco do cavalo por entre as pedras e lajedos do lugar.

Vaquejando para o Sr. de muito gado, a vida traçada nessa grande viagem que a vida

fatigada vai traçando, clamando as pedras por justiça pelo trabalho não pago, voltando o

olhar para os céus e buscando explicação para a sina destinada.

é menos religioso do que supersticioso, sisionário, triste. Sua apparencia é de cansaço, é desgracioso, suas vestes não são apparatosas, são antes uma armadura: gibão de couro curtido, perneiras, joelheiras, luvas e chapeu. (...) Na lucta, o vaqueiro, vive e morre na terra que não lhe pertence, trabalhando fielmente para o fazendeiro que vive no litoral como os sesmeiros dos tempos coloniaes. É um luctador heroico contra o meio, contra a secca e só emigra para o litoral quando mortos os bois e a vegetação, não há mais esperança: quando vem a chuva, volta saudoso para a terra ingrata.” (CARVALHO, D., 1931:131-32)

O vaqueiro é sem dúvidas uma figura ativa de representação do semi-árido.

Solitário com seu rebanho, silencioso, segue a lida com sua bruaca de couro, alpercatas e

chapéu pequeno para se proteger do tempo e não engalhar nas caatingas fechadas. Sua

importância ultrapassa os limites do cotidiano, chegando aos grandes clássicos da literatura

brasileira, a exemplo de Vidas Secas (Graciliano Ramos), onde o vaqueiro Fabiano e sua

família fogem da seca e da pobreza. Grande Sertão: Veredas, (Guimarães Rosa),

envolvendo jagunços, disputas territoriais e poder político dos grandes fazendeiros. O

vaqueiro, o cavalo e o boi são os principais personagens da literatura de cordel, com

muitas histórias, cantigas e aventuras de vaqueiros que enfrentam a caatinga sem medo.

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Um trabalho que ultrapassa os limites do cercado, tendo que matar a cascavel, saber

rezar para curar as bicheiras dos animais, além de ferrar a fogo o gado com as iniciais do

senhor ou as iniciais do nome da fazenda.

Das inscrições na rocha cristalina aos serrotes com histórias de ossos indígenas, da

vida dos agricultores e a vida dos vaqueiros, vamos nos encontrando com o

desconhecido, história oral dos que vivem nesse lugar. Os elementos ou fragmentos de

antigos povos que viveram aqui no Cariri paraibano, estão em vários pontos do território

e nas histórias dos mais velhos que vivem aqui desde que nasceram.

Dona Cosma Alves de Faria, nascida em 03 de dezembro de 1913, com 84 anos,

nos conta sobre seus antepassados:

“Eu nunca vi não. Mas via dizer que tinha uns caboclos brabos. Num sei não, mas contam que a minha bisavó foi pegada no dente de cachorro. Eles contavam, pai, mãe, que a minha bisavó que era mãe do meu avô. Dizem que eles iam pros matos, pras caatingas, num sabe. Por que tinha os vaqueiros e tinha dois cachorros desse tamanho assim, e disse que os cachorros queriam rasgá-la. Aí ele correu, saltou do cavalo no chão e tirou, se não eles rasgava mesmo. Aí ele amarrou uma corda na cintura dela e quando acabar botou na garupa do cavalo e amarrou na cintura dele e levou pra casa. Era uma mocinha nova. Dizem que ela passou trancada dentro de um quarto cinco mês, por que ela queria arranhar e morder as pessoas. Num comia as comida da gente, tinha que ser tudo insosso (sem sal). Aí fizeram roupas pra ela. Até que ela foi amansando. Aí ele ficou com ela, pegou a possuir família. Minha bisavó era de caboclo brabo mesmo. Se eu soubesse ler, eu sabia de muita coisa, mais, se eu tivesse aprendido a ler era outra coisa e minha memória é muito curta.”

Dona Cosma é apenas um exemplo de como formou-se a população sertaneja. Um

trágico choque de culturas, permeando os séculos e recriando no ambiente, valores e

sentimentos, que a memória mesmo curta no dizer dela, consegue dispor destes dados para

as gerações futuras. Sua narrativa é rica de detalhes, nos permitindo construir as imagens

de violência, o desespero de garota nativa que deparando-se com o colonizador e seus

cães, torna-se presa e perde as suas raízes para gerar uma nova raça em seu próprio

território. O termo caboclo brabo é usado como diferenciador dessa nova cultura. Pois o

bravo aparece como aquele que não foi domesticado, ainda era selvagem e vivia como os

animais. Na sua fala, percebe-se um certo orgulho da descendência, pois na região tanto

existe o preconceito como existe a valorização de alguns aspectos como força, coragem e

fibra.

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Dona Cosma nos conta de uma vida misturada pelos sonhos chegando a bater na

porta dos mistérios da morte e sem medo, conversou com ela:

“Eu me lembro de sonhos de vida e de morte. Eu sonhei que morava em Quixaba de Patos. João meu marido tinha comprado uma casinha lá. Eu sonhei que tinha um deposito grande lá e no pé do depósito João tava morto. Mais eu fiquei doidinha. E na frente dele o caixão, bem verdinho. Do jeitinho que eu sonhei foi o caixão dele pra aqui. Ave Maria, eu num gosto de me lembrar não moço. Eu sonhei que eu e ele, nós ia subir uma serra, mais alta de que essa cumeeira aqui. Tanto do espinho no mundo, que a gente prá subir era pegando assim naqueles pauzinhos no sonho, num sabe. Eu subi que quando chequei em cima na chapada, a coisa mais linda que Deus criou em cima da terra. Tudo anjo, tudo de branco, a roupa comprida, bem comprida cobrindo os pés. Tudo desse tamanho assim. Tinha anjo que fuminava. Tinha muita fulor, tirando fulor numas bacias assim, aí eu fui ajudar. Aí chamavam por eu, Cosma vamos me ajudar a tirar fulor. Aí eu chamava João, que ele ficava assim na barreira, que eu acho que ele cismou. Aí ele disse num vou não, daqui eu num saio não. Aí eu disse pós eu vou aqui tirando as fulor e depois nós resolve. Ele disse é. Aí pra eu descer era um pé de coqueiro bem grande. Quando acabei eu disse, mais minha mãe do céu mi valha pela hóstia consagrada, o que é que eu faço pra descer daqui de cima? De uma altura maior do mundo. Oxente! Sabe o que eu faço, eu vou quebrar uma galha daquele coqueiro, colocar aqui no estômago, que nem a pessoa tá nadando. Oxente! Desci no estantezinho, quando eu pensava que tava em cima, tava no chão. E ele ficou atrepado em cima. Agora desceu do jeito que subiu. Aí desceu, aí quando nós chegamos em casa, tava tudo em paz em casa. Mas eu não me esqueço desse sonho nunca, e aconteceu. Aí depois chegava um rapaz que eu nunca tinha visto ele. Aí ele perguntava, Cosma quer casar com migo, mesmo assim, tu sois uma viúva. Eu digo o Sr. Pode pegar o carro e ir embora, não venha conversar água pra mim não, que pra mim isso num vale de nada. Quando eu quero dizer eu digo mesmo, que eu tenho parte com caboclo brabo.”

Com 84 anos e muitas histórias para contar, Dona Cosma vai misturando sonho e

vida, realidade e desejos que o inconsciente vai processando. Nas serras do sonho, o

relevo acidentado do Cariri, com vales, rochedos e serras. No lago encantado e nas flores,

a caatinga e os lageiros dos períodos de inverno, com água cristalina e flores do campo se

espalhando por entre os espinhos do xique-xique e da macambira. A morte como sintoma

da idade presente e a luta pelo continuar a vida, especialmente nos projetos de novos lares

e novos lugares do Cariri. Tudo carregado por um forte princípio de construção cristã de

anjos e céus.

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O Sr. João Francisco da Silva, nascido em 1912, com 85 anos e o Sr. Venâncio

Caboclo de Melo, nascido em 1924, com 74 anos, busca na memória fatos sobre seus

antepassados:

“Sobre índios, eu nunca ouvi falar, mas já vi falar de caboclos brabos, que nos

interior, no tempo dos meus avôs e bisavôs, tinha muitos. Agora lá perto do Congo, tem

um serrote que tinha umas caveiras, num pé de uma furna, diziam que era de caboclos

brabos. Só é o que eu sei. Agora meu avô chamava-se Francisco Caboclo da Silva, acho

que era por mode a cor dele. Ele tinha cor de caboclo mesmo. Agora lá pelas serras tinha

muita onça. Mais pegaram a fazer morada, botar roçados e espantou”(João Francisco).

Na seqüência, o Sr. Venâncio Caboclo também fala de suas origens:

“Meu nome tem Caboclo, por causa do meu bisavó, que se chamava caboclo.

Mané Caboclo de Melo e que vem do minha avó. Dizem que foi pegada a dente de

cachorro no mato. Era índia. Dizem que era do tempo de índio, dessas coisas. Chegou,

dizem que casou-se com o bisavó deles, que era dessa raça de brancos. Era família

branca, mais é dessa família de Manezinho, de Leca a esposa de Né. Aí pegaram. O pai

de tio Paizinho, que era o avó desses meninos, e quando pegou era João da Costa, que era

o bisavó do pai de Manezinho, que era meu bisavó, também João da Costa. Morava nesse

setor ai dos mares. O rio de Cabaceiras fica aqui assim. Mais de São João pros lados.

Assim dizem, que ela era índia. Minha bisavó tinha o cabelo bom. Morena que tinha

aquele fio, que os cabelos batia assim na traseira”.

Estes fragmentos são histórias de vidas, traçadas nos rostos de homens e mulheres

que guardam na mente, caminhos que marcam suas existências. No jeito simples, contam

uma história, propiciam uma experiência e despertam sentimentos há muito guardados.

Oralidade que se torna signos abstratos, renováveis a cada leitura. Talvez estejamos

apenas fazendo uma cópia de uma natureza humanamente vivida, onde o mais difícil seja

interpretar o sensível.

Parece repetitivo de nossa parte três histórias sobre índios caçados a dente de

cachorro. Na verdade a intenção é ressaltar o quanto este ambiente tem imagens da

violência e que ainda hoje renascem a cada memória rebuscada.

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Imagens que a mente vai lentamente construindo em cada fala dita e a cada

expressão exposta. Informações lógicas, pensamento, ação e sentimento dos que trazem

no sangue um sentido da existência passada que não mais existe na sua natureza original.

Índios e onças, caçados para dar sentido à presença bruta do objeto. O caboclo brabo,

capturados à força, mas que pelo termo não era de se dobrar ao caçador. A mulher é o

gênero mais significativo dessa caça de índios. O brabo diferencia seus descendentes

dando o caráter de maior vigor da miscigenação e que no final do sonho de Dona Cosma

é argumento para o demonstrativo de coragem, pois como ela mesma diz tem parte com

esses caboclos bravos.

Voltando para o Sr. Vicente Costa que nos conta encantado sobre os rastros do

conhecido, pegadas deixadas na areia e identificadas pela leitura do olhar. “olha aqui um

rastro do teju, ele passou aqui, o rastro do rabo foi marcando a terra. Tinha muito mocó

aqui. Eu mesmo já matei muito mocó aqui. Mais já faz muito tempo, era quando eu era

mais moço, solteiro, eu vinha caçar aqui. Matava mocó, matava gavião, hoje eu num

caço mais não.”

O profundo conhecimento das pequenas coisas, os rastros deixados na areia e a

identidade do animal. Os valores do mundo encantado nas histórias vão construindo o

mundo do inexplicável, alimentando valores pelo desconhecido, imagens que são

construídas a partir de um cenário natural de rio, água, espinho e estradas de areias que

são encantadas pelo sol no leito de morte de um rio, forjados pela vivência no lugar.

“O imaginário sendo composto pela emoção e pela sensibilidade, é ele que vai

organizar o mundo.” (Durand, apud. Pitta, 1996). É essa linha de conhecimento, que

estabelece uma relação da sociedade com a natureza e o imaginário da mesma. Primeiro o

imaginário, na construção dos símbolos rituais, míticos e iconografias, que darão

significado ao mundo; segundo os sentimentos e emoções nas atitudes dos que vivem

aquela natureza; depois a razão, na busca de uma “ecologia mágica”, uma ecologia da

convivência, que se faça pelas mãos da população que precisa viver do e no Cariri, as

formas de perceber e amar o lugar dos seus antepassados. Os choques de gerações e o

contato com a modernidade para uns que são atraídos pelo migrar para terras distantes,

mas sempre com um forte sonho de voltar, de novamente deitar raízes na terra mãe. São

sentimentos expressos em poemas como Asa-Branca de Luiz Gonzaga e Humberto

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Teixeira. (ÂNGELO, 1990) “Hoje longe muitas léguas numa triste solidão, espero a

chuva cair de novo pra mim vortá pro meu sertão.”

Dona Isabel Marquis, 73 anos, Fazenda Santa Catarina, Monteiro/Cariri/PB.

Quando interrogada sobre a alegria que a chuva traz para as terras secas do Cariri:

“Para sobreviver nesta região tem que acreditar muito em Deus Eu nunca saí daqui, mas conheço tudo. Esse lugar já fez muito por mim. A vida aqui é de pés no chão, pedras e torrão. Neste rosto velho, trago as rugas de barro. Essa pedra é mágica. Aqui nessa terra você tem que saber adivinhar chuva, olhar as nuvens se movendo no céu, fiando os rebanhos para o tempo ficar bom.”

Dona Isabel é conhecida como Zabé da Loca, pois vive com seus familiares

em uma loca de Pedras, que lembra uma pequena caverna. Como ela mesma diz, nunca

saiu da região desde que nasceu e se criou. Em momentos da conversa, ela toca nas

paredes do lageiro e diz que a pedra é mágica, pois conversa com ela e naquele lugar ela

muito já conseguiu em uma vida. Lembra com os olhos cheios de lagrimas do orvalho e

da água ardente com umbu. Moradora de um Serrote, morar rústico e com pouco

conforto, mas que faz questão de mostrar em detalhes. Sente-se feliz em poder viver

naquele chão, com sua família. Uma mulher de muitas rugas, pele muito queimada pelo

sol, olhos azulados e cabelos lisos, reforça nossa busca pelo topofílico no semi-árido.

Para ela, aquela pedra é sagrada, seu locus de vida, sua história de vida, os brotos de

memória, que apesar de tão primitivos aos olhos da modernidade, nos ensina a filosofar,

quem sabe reler Platão em suas portas para o mito e imaginário.

Ela afirma que apesar de nunca ter saído do lugar, conhece tudo. Fala do céu em

nuvens para no movimento aparentemente caótico e nas formas fractais identificar chuva

ou não. No horizonte ler os signos como quem folheia um livro de cabeceira. Ou quem

sabe um exercício que nos inquieta desde a infância, olhar para o céu e ver monstros

encantados em seus tons de cinza, contrastando com o azul. Nuvens que desmancham-se

e formam novas imagens que lentamente vão se dissolvendo no ar. Nos sentimos

analfabetos, pois apesar de identificarmos os carneirinhos e outras formas de nuvens, não

sabemos juntar os signos e completar a leitura.

Para o sertanejo o tempo bonito, tempo bom, é quando o céu fica acinzentado,

escuro e com muitas nuvens passando baixas, é chuva na certa, inverno. Uma concepção

completamente inversa a dos centros urbanos. As imagens construídas dos valores que o

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olhar sabiamente capta e da sentido a pergunta: “Você está adivinhando chuva?”

(Cascudo, 1971:31).

O poeta Lúcio Lins diz que “o tempo amarra as pedras espalhando-as na terra. A

terra é uma pedra só, aglomeração de gente e pó”, conjuga o pensar pelo sentir, que se

emaranham, formando uma relação de equilíbrio entre a imaginação, a emoção e a razão,

onde os laços afetivos com a terra podem representar um agregador da família. Pois,

agricultores dos Cariris acreditam que ao sair da terra, a família se desintegra. Daí pensar

que uma prática ecológica convivente que possa ser gerada dessa relação da afetividade

com o lugar, imprimida pelos que vivem e amam a terra e nunca vinda de modelos

impostos por forças externas. Que a terra dos Velhos Cariris do Paraíba possa servir

como parâmetro de relações íntimas de construção e desconstrução de novos e velhos

valores, atitudes, comportamentos, idéias, reflexões sobre a vida e o meio ambiente.

O Sr. Zé Paizinho nos fala sobre o seu universo do trabalho, das experiências fora

e da volta para seu lugar de origem.

“Eu trabalhei vinte anos no Rio de Janeiro, trabalhei em São Paulo, Brasília, fui até o Mato Grosso do Norte, apanhei algodão no Paraná em 66. Passei vinte anos naquele mei de mundo. (...) Fui camelô durante 14 anos, no Estado do Rio de janeiro. Saí daqui em 52, foi à noite, quando foi em 59 fiquei doente ai foi, me encostei no instituto, em Niterói. (...) Fui tentar a vida, pois naquele tempo era muito atrasado aqui, trabalhava em agricultura, alugado, assim pra um patrão. Plantando a mesma coisa de hoje, milho, feijão, e hoje é muito fraco. (...) Em 42, eu fui pro Pajeú, lá pra casa de Mariano, fiquei sete anos em São Vicente, Arará, em cima, em São José do Egito. O bom foi ter conhecido muitos lugares diferentes, adquirido experiência, e o ruim é que a gente desmantela a família toda.”

Esta é uma conversa longa, marcada por muitas histórias e experiências, na qual

ele se convence que dos lugares por onde passou, nada se compara ao Cariri, “pois tendo

água, é o melhor lugar para se viver”. Outra tônica são as relações de trabalho na região,

marcadas por um forte grau de exploração, que em muitos casos, obriga o trabalhador a

sair em busca de melhores condições em outras regiões do país. Nos fala do trabalhar

alugado como um tipo de relação que gera muita exploração para o agricultor que não

possui terra e se submete ao trabalho para os outros em troca de uma parte da produção.

Notamos um certo rancor em suas colocações e mesmo reconhecendo que aprendeu

muito por onde passou, acha que este é o lugar. Vejam que sua saída é muito mais em

função da falta de terra, das relações de trabalho e das condições sócio-econômicas do

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que naturais. Primeiro ele migra para outras áreas do entorno, tenta vários locais. Na

verdade, a região com seus limites físicos, concentração da terra e dos recursos naturais

nas mão de uma minoria, impossibilita o desejo de ficar dos muitos que saíram em busca

de outros lugares.

O Sr. Vicente Costa, 68, nos fala de suas viagens e do Cariri:

“Nasci aqui e me criei aqui, e graças a Deus até hoje. Eu já viajei muito. Já morei no Rio de Janeiro, no Recife, em Caruaru, João Pessoa, São José do Egito. Mas sempre ficava pouco tempo, 3 mês, 4 mês, 8 mês e sempre voltava pra aqui, que é um lugar bom de se morar, é um lugar calmo, né? Aqui a gente vive porque Deus ajuda muito, e num tem problema nem um, né? Por que aqui o povo é diferente de outros lugares. Porque aqui o povo mais humano um pouco né.”

Dentro da lógica de que ao sair da terra, a família de agricultores corre o risco da

desintegração, temos importantes aspectos simbólicos que podem estar encobertos pelo

discurso da família desintegrada. Um é o próprio sentimento de apego ao lugar e o medo

do desconhecido; o outro é a família no sentido da comunidade, da tranqüilidade e

segurança que o grupo passa, mesmo sabendo que as dificuldades materiais possam ser

maiores ficando, o sentimento de apego e afetividade que reforçam os sentimentos

topofílicos de um lugar a partir da imaginação ou da imagem em ação, percebida pela

inteligência emocional onde esse emocional superior contribui para a construção mental

do lugar. E nessa construção, o espaço para os mapas mentais de tempos passados e

idéias de natureza, terra que lhe dá tudo. Um juízo de valor, onde o ambiente apresenta

obstáculos impostos por Deus, mas dá ao homem do lugar tudo que ele precisa. Um

ambiente que guarda os antepassados, e no imaginário potências invisíveis da natureza.

(Diegues, 1996:127) Uma estreita representação simbólica e religiosa expressa pela

literatura oral, em que promessas, simpatias e esconjuros afastam e curam os males.

Magia que passa pelas rezas, amuletos, superstição e presságios. Muito da herança

indígena na adaptação integral do homem ao meio. (Cândido, Ibid. p.125) O

conhecimento do lugar e das pessoas é comparado com os outros espaços de migração,

daí a idéia de que seu povo seja mais humano que os outros. Aqui as relações comuns se

dão pelo grau de parentesco e compadrio, laços de uma sociedade semi–aberta, onde

todos se conhecem nas pequenas coisas. A sina e a sorte são para um assim como para

todos, mesmo que seja uma sina de morte, saudade e dó. Sentença cumprida, sina forte e

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por muitos conhecida. Mistérios que a convivência desvenda onde os espinhos e lajedos

escondem.

3. O Território cultural como ambiente das afetividades

O território cultural dos Cariris do Paraíba segue a mesma lógica de todo o Sertão

nordestino. Caracterizado por uma forte diversidade de tempo, formas e movimentos,

construídos em todos os sentidos, dando aos que aqui vivem e aos que por aqui passam os

pilares da arte, ciência e mística de ser sertanejo.

A coragem dos vaqueiros no aboiar pela caatinga de jurema e xiquexique, com

chapéu de couro, perneira e gibão. Este é um tom que dá o forte dos sons humanos na

caatinga, são os improvisos dos repentistas em desafios, emboladores de coco e

cantadores de viola, com a ligeira, o mourão, as incelências, tiranas e modas de louvação,

tirando da alma a arte da vida para perpetuar a sabedoria popular e os desafios de cantar

as coisas da calma, da alma e da alegria. Um estilo musical que identifica a cultura

regional. Geralmente contam histórias tristes, de secas castigantes, exaltam a bravura do

vaqueiro, aspectos da paisagem e muitos outros símbolos que são alimentados pelo

inconsciente coletivo.

Carne seca pilada no pilão, farinha e rapadura são alguns alimentos transportados

na bruaca17 do vaqueiro. As manifestações culturais sempre preocupadas com os destinos

dessa terra e dessa gente. Os folhetos da literatura de cordel contando histórias fantásticas

de algum acontecimento ou figura do folclore regional, são peças vendidas nas feiras

livres, ao lado de abanos, candeeiros, chocalhos, selas, balaios e tantas outras alegorias

desse misto cultural.

A pecuária é um dos principais contornadores da cultura dessa região. O boi, o

vaqueiro e seus adereços de trabalho podem ser identificados nas diferentes

manifestações folclóricas. A vaquejada, momento em que o cavalo, o vaqueiro e o boi

bravo animam a festa, é onde o vaqueiro precisa mostrar sua destreza, força, valentia e

habilidade para, pela calda, derrubar o boi no limite da marca do cercado.

17 Bruaca – tipo de sacola ou bolsa de couro cru para transporte de pequenos objetos e mercadorias, também conhecido como alforge.

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“João Imbura meu amô ti alembra Qui nóis num tem nada na vida. O bem Qui nóis tinha Deus deu Deus levô, dexô nóis cuá graça e as força da vida cum quê nóis amassa o pão cum suó”. (Elomar, Puluxia das sete portas, 4º canto: In, Xangai, 1997).

Este território da Cultura é mergulhado pela religiosidade, em que a arquitetura

sacra serve de palco para missas, novenas, tersos, ladainhas e promessas. Nos terreiros,

festas de padroeiras que embalam o sagrado e o profano em festas como o São João, São

Pedro, Santo Antônio, todas embaladas pela sanfona, triângulo, zabumba, e uma fogueira

acesa, fazendo do forró de pé de serra uma das principais manifestações de alegria e

festa, comemoração de boas colheitas e esperança de dias melhores. Ao lado disso tudo,

temos a rezadeira e suas plantas que curam, os beatos conselheiros e o mito do cangaço, a

espingarda, o bisaco de chumbo e espoleta, presentes fortemente na imaginação e na

história dos homens que fazem as terras semi-áridas do Nordeste, renascer em cada

apresentação de xaxado18.

As comidas de milho e mandioca registram os remanescentes indígenas,

originando mungunzá, pé de moleque, cuscuz, bolo de milho, tapioca, bejú, além de

outras comidas como: jerimum, umbuzada, feijão macaça, arroz da terra e baião de

dois19. A carne de bode e a buchada; a carne de sol; o queijo de coalho e de manteiga; o

doce de leite, manteiga da terra, a coalhada com farinha de milho, e a rapadura. São

sabores e cores que marcam fortemente a cultura regional em seu tempero, ritmos, e sons,

um jeito especial que reforça ainda mais a afetividade e a identidade dessa gente. São

valores que o homem carrega na alma, tornando-o diferente e com identidade própria,

forjada na grande mistura cultural de cada dia.

18 Verbete: xaxado [De xá-xá-xá, onomatopéia do rumor das alpercatas arrastadas no solo.]. S. m. Bras. 1. Dança originária do alto sertão de Pernambuco e divulgada por cangaceiros até o interior da BA. É dançada "em círculo, fila indiana, um atrás do outro, sem volteio, avançando o pé direito em três e quatro movimentos laterais e puxando o esquerdo, num rápido e deslizado sapateado." (Luís da Câmara Cascudo, Dicionário do Folclore Brasileiro, II, p. 786).

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4. Caminho das águas, um fio humano

“Era uma vez, no princípio de tudo, o berço das águas. No inconsciente de todos a onda da vida, Úmida e cálida. É muito provável que a consciência dos homens tenha brotado ali, na superfície espelhada das águas, assim como na imensidão das praias oceânicas, nasceram o desejo de expandir o horizonte conhecido, a angústia do além mar e o impulso de navegar”. (Vera Lessa Catalão. Movimento Artistas pela Natureza, Brasília: 1997).

Os rios constituíram as principais vias de penetração e ocupação do Sertão

paraibano. Principalmente nas margens fluviais e produzindo o ‘povoamento de ribeira’ e

o estabelecimento de grandes fazendas de gado ao longo dos rios. (MOREIRA, 1990:68

). Em virtude das restritas condições naturais da região, os cursos dos rios eram tanto vias

de penetração, quanto os principais meios de sobrevivência, destacando o Rio Paraíba

como primeira via de penetração, originando os currais, fazendas de gado e vários

núcleos de povoamento (Id., 1997 pp.68-9).

Os rios da região em estudo são predominantemente temporários, de regimes

intermitentes, padrão de drenagem do tipo retangular e dendrítico. O padrão dentrítico é

considerado como um sistema de rede ou ramificações da hidrografia, como diversos

galhos de uma árvore, típico das áreas onde os terrenos são formados de rochas

cristalinas ou terrenos argilosos.

Destacamos quatro rios principais: o Rio Taperoá, Rio Paraíba, Rio Sucuru e Rio

Monteiro. Devido aos sais minerais das rochas locais, a água dos mesmos possui um

elevado teor de salinidade e sodicidade, sendo problema comum também na água dos

reservatórios e poços artesianos.

“Os homens seguiram os cursos correntes de água ou foram conduzidos por eles, por toda parte. Através desses caminhos líquidos povoaram o mundo com as marcas indeléveis da história humana. Às margens dos rios floresceram e se arruinaram cidades, impérios, leis, religiões. O Sidarta, de Hesse encontrou nas vozes do rio o fim da sua busca e o acesso

19 Termo usado no Nordeste brasileiro para designar o rubacão, consistindo de uma mistura do feijão macaça com o arroz da terra e carne seca.

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ao Nirvana. Os fenícios fizeram dos rios seus mercados. Os egípcios, nos deltas do Nilo, edificaram uma civilização que ainda hoje guarda segredos. Rio é ao mesmo tempo algo universal, porque existem rios em todo lugar, e particular, porque individualizado pela relação que com ele estabelecemos histórica e culturalmente. O que significa dizer que a cultura se esboça na água que ele correntemente oferece. Os rios são como documentos feitos de água, como se fossem pergaminhos meandrados por um mar de signos”. (Cf. SOUZA NETO, 1997: 74)

Estes são argumentos que nos chamam para o imaginário das águas e os mistérios

da natureza, as vozes do rio e seus múltiplos significados, como sedentarizar homens e

transformá-los em civilizações. O rio como caminho e margem do morar humano, quase

que anfíbio vai se transformando no rio que o faz homem em suas margens,

fundamentando as condições de vida, objetos e paisagens diversas. Os rios do mundo, os

rios do Brasil, os rios do Nordeste e os rios da Paraíba, com sua intermitência: “cheios

quando há chuva, entrecortados quando chuva não há”.(Ibid., p.75).

Os rios para o Cariri paraibano simbolizam a fertilidade, possibilidade de irrigação

do solo, correspondendo à natureza produtiva. No entanto, estes rios só existem na visão

dos que convivem com aquele ambiente, pois os rios vazios, tornam-se invisíveis e, para

quem não conhece, pode confundi-los com um caminho, estrada ou vereda de areia,

cascalho e pedras. Do subsolo arenoso destes leitos de morte em rios são construídas as

cacimbas, e da areia o homem do Cariri extrai a oculta água de cada dia.

Quando cheios, os rios enchem nossos olhos de água, escondem os mistérios da

natureza em água, formando os caminhos para o mar. Esta é a sina dos rios, desaguar no

mar. Mas para muitos rios paraibanos, esta sina nem sempre é completada. Não chega ao

desfecho de uma vida, e diferente dos náufragos pela ausência de água, não morrem na

praia. Esta lâmina que escorre pelas rugosidades da terra, lentamente enferruja ao

entardecer, sendo bebido pelos dias. Só sendo rio para conhecer as suas forças, vozes e

vontades. Estes gigantes rastejantes, que se fazem terra escorrendo por entre um chão de

pedra. Um leito de vida e morte, pois se a terra seca, o rio que nela nasce, se não passa e é

por ela embebido.

Essa construção do rio rompe os limites do solo cristalino e se faz corpo todo

poderoso, escavando a terra e enraizando-se por entre serras, planaltos e planícies vai se

fazendo vale e divisor de espaço e tempo em seu escorrer.

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No Cariri paraibano, a natureza faz nascer da pouca água e dos “pés de serra”, os

principais rios do Estado. Quase todos filhos do planalto da Borborema, em suas altitudes

e depressões. Os rios daqui, dependentes das chuvas, são fios invisíveis de água que

teimam em correr, mesmo que seja para se derramar nas barragens que lhes açudam.

o armazenamento d’água é um dos principais problemas, principalmente nas

formas de cacimbas e barreiros que com as grandes estiagens secam e deixam famílias

inteiras sem água nem para beber. Os açudes de médio e grande porte, como é o caso do

Açude de Boqueirão e o Açude Sumé, construídos com financiamentos Públicos

Federais, através das Frentes de Emergência Contra a Seca, são alternativas que garantem

abastecimento de grandes centros como Campina Grande ou sedes municipais. No

entanto, a população rural que vive afastada destes reservatórios não consegue acessar

esta água, além do quê, muitos dos reservatórios construídos encontram-se em

propriedades particulares, tornando a água em um bem privado.

(TABELA B) ESTADO DA PARAÍBA/ CARIRI – POTENCIAL DOS RECURSOS HÍDRICOS DOS

AÇUDES PÚBLICOS E PARTICULARES, SEGUNDO A BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO PARAÍBA (ATÉ 1986)

Açudes públicos Federais

Açudes públicos Estaduais

Açudes particulares

Totais Bacia Hidrográfica

N.º

Volume (106m3)

N.º Volume(106m3)

N.º Volume (106m3)

N.º Volume (106m3)

1. do Paraíba 18 661,03 30 188,82 342 528,35 390 1.378,201.1 do Taperoá 9 49,07 12 60,28 124 252,54 145 361,691.2 Alto Paraíba 3 73,34 8 107,46 79 76,33 90 257,131.3 Méd Paraíba 5 583,30 7 6,25 47 47,82 59 592,371.4 Baix Paraíba 1 0,32 3 14,83 92 151,86 96 167,01

Total 36 1.367,06 60 377,84 684 1.056,90 2.756,40Fonte: Adaptado do DNOCS/SRH. Cadastro dos Açudes do Estado da Paraíba (Reproduzido do Quadro XII, MOREIRA. 1997: Capítulos de Geografia Agrária da Paraíba, pp. 211).

Nos anos 60, o açude de Boqueirão cobria vasta área, chegando a atingir terras do

município de Cabaceiras e Barra de São Miguel. O povoado de Riacho Fundo localiza-se

numa área de influência das águas do açude, que até os anos 80 ainda atingia esse

território.

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O Sr. Enemias Paulino, 82 anos, fez o seguinte comentário sobre o açude:

“O açude melhorou em partes e piorou em outras. É que aqui era o Rio Paraíba que num faltava nada. Tinha a batata, tinha o feijão, tinha o milho e tudo. Aí quando ele encheu pela primeira vez, ele alagou tudo. Ele represa quase seis léguas.20 Daqui pra cima ainda tem quase uma légua que ele alaga. E agora tá do jeito que tá muito aterrado. Aqui tem aterro como mais de dez metros de fundura.”

O Sr. Manoel Costa, 54 anos, diz o seguinte:

"Esse açude foi feito entre os anos de 1960, quando ele encheu, eu alcancei ele aqui, com a água da represa vindo aqui. Muita água, muita água. Isso era canoa, muitas canoas, muitos peixes,. Hoje em dia a gente encontra é desse jeito. Aqui aculá ele ficou um poço, aonde você cavar dá poço. Foi tudo sendo aterrado pela areia. Rapaz, eu vou lhe dizer que aqui tem umas cinco braças21, de aterro, de areia. O rio vem trazendo e vem aterrando, a tendência dele, se não fizerem a barragem lá em cima, a Barragem Porteira, a tendência é aterrar até perto do balde. E fazendo a barragem lá, esse aterro aqui já desce pra Boqueirão, e aqui fica fundo.”

O Sr. Vicente Costa, nos conta da sua vida nos entornos do Rio Paraíba.

“Em 1964, num tinha nada. Aí ganhei um Jeep em um sorteio. Vendi o Jeep e comprei aquela terrinha. Aí plantei macaxeira, milho, feijão, batata. Quando eu apanhei aquela terra, aquele vale era muito mais cavado. Hoje em dia tem mais de dez metros de aterro que o riacho foi trazendo e se acumulando em minhas terras. Você viu aquele pé de manga rosa. Hoje em dia as galhas dele se arrastam no chão, é por que ele tá com o caule todo enterrado e fica parecendo baixo, e dá pra tirar manga com as mãos. Aquela cacimba tem mais de dez metros de fundura. É ali que ficava o nível do rio. Nessa terra eu tiro o sustento da família e das criações. Aqui e ali tem uma época de frutas e assim a gente vai levando.

O Açude Presidente Epitácio Pessoa (Aç. de Boqueirão), foi construído entre os

anos de 1951 a 1956, em uma área que fica entre 380 a 400 metros de altitude, no

pediplano do Médio Paraíba. Sua capacidade gira em torno de 535.600m3 de água, isto

representa 15 vezes o volume do açude de Sumé mais acima. O açude de Boqueirão é

alimentado principalmente pelos rios Paraíba, Taperoá e seus afluentes. Na Paraíba, o Aç.

20 Verbete: légua - Antiga unidade brasileira de medida itinerária, equivalente a 3.000 braças, ou seja, 6.600 metros, é a medida usada por praticamente todos os que vivem no Cariri paraibano. 21 Verbete: braça Antiga unidade de medida de comprimento equivalente a dez palmos [V. palmo (2).], ou seja, 2,2 m.

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de Boqueirão só é ultrapassado pelas represas Coremas/Mãe d’água, pois elas são

germinadas e formam um único açude. (SUDENE, 1988:220)

Observando as cartas topográficas de Boqueirão de Cabaceiras e Santa Cruz do

Capibaribe22, notamos que a influência do Açude de Boqueirão sobre o povoado de

Riacho Fundo era muito forte, pois a água represada banhava toda essa área que fica a

uma distância em linha reta do balde da represa até o povoado em mais de 23

quilômetros.

Se os agricultores de vazante calculam um nível de aterro em aproximadamente

dez metros, nesta distância do balde do açude, isto levando em conta os diversos rios que

seguem para o açude de Boqueirão, podemos dizer que em trinta e oito anos, o nível de

assoreamento vem sendo muito intenso.

Nos povoados, a única saída são os barreiros e as cacimbas feitas nos areias que

vão se acumulando ao longo dos rios. Uma água que é partilhada pelos humanos e pelas

suas criações animais. Sendo que, em muitos casos, os barreiros e cacimbas secam muito

rápido.

Essa falta d’água, ou a sua baixa qualidade, representa uma diminuição expressiva

da qualidade de vida na região. Pois mesmo com a existência de inúmeros açudes, estes

secam nos períodos em que a estiagem passa de um ano para o outro, resistindo apenas

aqueles reservatórios de grande porte, que vão limitando suas lâminas d’água nas partes

do represamento.

Como muitos pequenos e médios agricultores dessa região produzem com

sistemas de irrigação e o nível do açude vem baixando muito nos últimos anos, os

prejuízos são incalculáveis.

Segundo o Presidente do Sindicato dos Irrigantes de Boqueirão de Cabaceiras,

Izamário Monteiro, existem mais de 500ha. de terras sendo irrigadas nas margens do

açude. Em torno de 300ha. são destinados para culturas permanentes, como a banana, e

200ha. são de culturas temporárias comerciais, como pimentão, tomate, batatinha, cebola,

etc.

Segundo Monteiro, a situação pior em prolongadas estiagens é para os pequenos

produtores, que cultivam em torno de 100ha. basicamente com culturas de subsistência.

Calcula-se que a irrigação das margens do Boqueirão emprega mais de 1600 pessoas.

22 SUDENE, CARTAS TOPOGRÁFICAS. Picuí: 1972; Boqueirão 1986, Santa Cruz do Capibaribe, 1986.

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O DNOCS23 confirma que existe registro de 247 concessionários para irrigação e

destes apenas um pequeno produtor implantou o sistema de irrigação por gotejamento.

Sistema que economiza água e não provoca erosão no solo. O nível do açude diminui a

cada ano, o que segundo técnicos do DNOCS e do Laboratório de Meteorologia,

Recursos Hídricos e Sensoriamento Remoto da Paraíba (LMRS), nos dias atuais o açude

já apresenta uma queda de 80% de sua capacidade. Isto se deve tanto à estiagem quanto

ao processo de assoreamento sucessivo, pois nos anos 60, seu potencial era de 536.mil

m3, e nos dias atuais limita-se a 450.mil m3 . O volume de água de agora gira em torno

dos 90 mil m3, ou seja, apenas 20% de sua capacidade.

Muitos pequenos agricultores já abandonaram suas produções por falta de recursos

para estender as tubulações até o alagado.

Em Riacho Fundo, há muito tempo que se pratica irrigação a partir de poços

cavados no meio do rio, pois onde anteriormente era água, agora é areia em sucessivas

camadas. Só nessa área atuam mais de 20 famílias de pequenos agricultores irrigantes,

todos com muita dificuldade em continuar tocando a produção de pimentão e tomate.

Estes produtos são controlados pelos donos da terra e comercializados nas CEASAS de

Campina Grande e João Pessoa. Para os agricultores, é uma atividade que não rende

quase nada, mesmo assim é um dos poucos trabalhos do lugar.

O Açude tem as suas vantagens e as suas desvantagens. Em se tratando dos

benefícios, podemos dizer que nas longas estiagens, os grandes açudes representam uma

espécie de oásis do semi-árido, não apenas para os seres humanos, pois com a seca,

centenas de animais migram para estes locais de concentração aqüífera. São avoantes,

insetos, roedores, etc. Toda a fauna tende a se concentrar na área de influência dos

açudes. A própria vegetação que se encontra nas proximidades dos açudes, continua

mantendo sua estrutura de seiva, servindo de alimento e pouso para os animais que

migram para estes locais, isto pode ser facilmente observado em vários trechos do açude

de Boqueirão. O grande perigo pode ser a ação predatória do próprio homem que habita

nessas áreas.

Um aspecto negativo da açudagem é que em muitos casos, o nível lento e gradual

de salinidade e sodicidade da água vai aumentando a cada inverno e estiagem, pois a

água evapora e o sal vai se concentrando na bacia do açude. Dependendo da área e do

23 . Informações extraídas do Jornal O Correio da Paraíba, p. 5, Cidade, 07 de janeiro de 1999.

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tamanho do açude, ele pode atingir elevados teores de sal, impossibilitando o uso da

água, tanto para consumo humano quanto animal, provocando a morte dos animais

aquáticos e acelerando a ausência de água potável para os animais terrestres. A salinidade

vai tornando a água pesada e grossa, até atingir níveis semelhantes ao marinho. Ao lado

do assoreamento já tratado acima, temos açudes que podem morrer antes de completar

sua função sócio-econômica e ambiental.

Quando o Sr. Zé Paizinho nos fala sobre as “arengas” por terra, ele refere-se

justamente a estas áreas de vazante, pois são os únicos locais que na estiagem permitem

um pequeno produzir.

A região do Sertão dos Cariris Velhos, na porção Sul do Planalto da Borborema,

dissecada pela bacia hidrográfica do Rio Paraíba, Rio Taperoá, Rio Sucuru e Rio

Monteiro, encontra-se numa área fortemente individualizada do Estado da Paraíba, pois

essa rede hidrográfica se junta na formação do Rio Paraíba, apesar de todos os rios acima

citados serem predominantemente temporários, por quase todo o ano, representando para

o Cariri um agravamento das condições naturais bastante rigorosas em todos seus

aspectos. No leito seco destes rios, vão sendo construídos territórios de cacimbas e

bebedouros para os animais e nas margens menos arenosas, se planta o capim, verduras,

legumes e frutas.

Na atualidade, encontramos uma forte presença de técnicas modernas de extração

d’água via dragagem e bombas ou motores elétricos. Nas nossas ultimas visitas de

campo, registramos informações de que cavadeiras retiram várias camadas de areia para

com o uso de manilhas de cimento irem fazendo cacimbas em pleno leito do Rio Paraíba.

A água fruto destas escavações é para uso na irrigação de culturas comerciais (pimentão,

tomate) e pastagem para o gado.

Neste momento de estiagem prolongada, o acesso a terra de vazantes torna-se

muito mais difícil, pois os proprietários só arrendam estes espaços por valores que o

pequeno agricultor não dispõe, isto sem falarmos que a construção de um cacimbão no

leito do rio e a compra dos equipamentos para bombear água são muito caros. O mais

grave é que existem áreas de vazante improdutivas e agricultores querendo trabalhar, mas

lhes falta o principal: o solo ou o capital para arrendar a terra e tocar a produção.

A irregular distribuição das chuvas e os longos períodos de estiagem que nessa

região às vezes chega a durar nove meses sem chuvas, são uns dos principais elementos

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na caracterização do sistema hídrico do Cariri. Os rios que cortam essa região são de

caráter intermitente, secando, especialmente nos prolongados períodos de estiagem. Esse

quadro se reverte com as chuvas excessivas, quando ocorrem na região. Chuvas muito

fortes podem encher rios, riachos e represas em apenas dois ou três dias. Quando ocorrem

estas chuvaradas, os rios transbordam, provocando a destruição de plantações, currais,

casas e até povoados inteiros.

O Senhor José Rosário, 85 anos, que era morador do Povoado Caraibeiras, narra a

força das chuvas no Cariri:

Eu sei que a ultima grande cheia foi em sessenta. Foi tanta água que muita gente aqui de Riacho Fundo, Caraibeira, Jacaré e Pata, perdeu suas casas. Eu mesmo via o trovão e relâmpago cortando o céu e derramando água, que prá chegar em casa, tive que ir por dentro da caatinga. E era andando e pensando de num encontrar nada em casa. Quando eu passei pelo Riacho Melancia, vi um pé de macambira em cima dum pé de Pereiro, que quando cheguei em casa a água do rio tava no batente já tava batendo na calçada da casa. Só deu tempo tirar os troços, a água levou parede telha e tudo. Aí tive que construir aquela casa mais em cima do morro.”

Os solos argilosos e rasos, rapidamente encharcam. A vegetação explode em vida

e em poucas semanas flora, frutifica e gera sementes. Estratégias naturais de perpetuação

das espécies. Para o caririzeiro, a vegetação aparente morta, renasce como milagre,

mistério que, para ele, só Deus pode explicar.

Passando o curto período das grandes chuvas torrenciais, em poucas semanas, o

sol forte, as elevadas temperaturas e a evaporação rapidamente consumem a água

acumulada nas pequenas reservas, rios, riachos e córregos do semi-árido, reiniciando

outro ciclo do ecossistema da caatinga. Os rios desaparecem, fica em seus leitos secos

algumas poças d’água que em poucos meses serão absorvidas pelo sol e a areia. Um

território do vazio, ou dos rios invisíveis, são a certeza de água nas cacimbas e lajedos do

lugar por um bom tempo. Este território é a principal referência para os que vivem no

Cariri. São duas imagens para um mesmo ambiente, a imagem do rio com e sem água.

Segundo Egler e Magalhães (1990), o Rio Paraíba é o mais extenso dos rios

conseqüentes da Borborema Oriental, região de sua nascente, estendendo-se no sentido

SW-NE, até alcançar o Oceano Atlântico. Ainda no Planalto Oriental da Borborema, tem

como sub-bacia o Rio Taperoá.

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O Rio Paraíba tem sua nascente na Serra do Jabiticá, recebendo o nome de Rio do

Meio, sendo sem dúvidas, a fonte principal dos recursos hídricos dessa área, pois apesar

de existirem diversos riachos, é o rio Paraíba que irá abastecer os açudes de Porções,

Açude Sumé, Açude de Boqueirão, além de outros de pequeno porte que se encontram no

Cariri.

Podemos sentir a importância desse rio quando encontramos na poesia popular,

versos capazes de transformar a temporalidade dessa bacia hídrica, em um rio perene de

poesia que brota das mentes que amam esse lugar. Um deles é seu Batista, morador da

Fazenda Santa Catarina, localizada no município de Monteiro, que fica aproximadamente

a trinta quilômetros da nascente do Paraíba.

“Um dia estava olhando a serra Jabiticá conheci que nela está a natureza sonhando o vento passa embalando o corpo robusto dela a nuvem cobrindo ela pingos de orvalho descendo e o Paraíba dizendo a minha mãe é aquela.” (BATISTA, Firmino. Citado por: TAVARES, Lígia. Terra de Morada, 1997, pp40).

Como demostra o poeta, o rio tem um grande significado para as populações que

vivem nas suas proximidades, pois é de suas margens e leito que todos retiram o sustento

e matam a sede. Quando o rio e seus afluentes secam, é comum os pequenos agricultores

cavarem cacimbas e poços em seu leito, de onde retiram água para uso doméstico,

consumo dos animais e para beber. O leito seco do rio forma uma verdadeira estrada de

areia. Geralmente os agricultores fazem cercas com galhos de algaroba e jurema para

evitar que o gado vá diretamente até as cacimbas e bebedouros que ainda existam,

evitando o pisoteio. Aproveitam também para desenvolver agricultura de vazante, como

batata-doce, jerimum, melancia, manivas, verduras e legumes. Esta prática vem

diminuindo nos últimos anos, sendo substituída pela agricultura comercial, como:

produção de banana, pimentão ou tomate que abastecem CEASAS e feiras livres de

Campina Grande e municípios circunvizinhos. Um demonstrativo de que a terra não é um

pertencimento de quem nela trabalha, tendo que cultivar o que o mercado exige e os

proprietários lhes obriga como condição de trabalho.

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5. Produção econômica e impactos sobre o meio ambiente nas

imediações do povoado de Riacho Fundo

Este capítulo foi sendo construído com base nas observações diretas dos trabalhos

de campo. Levamos em consideração os aspectos geomorfoclimáticos, hídricos,

biogeográficos e antrópicos, no sentido de buscar informações mais precisas e

proposições mais sensatas.

Como anunciamos no método, o uso das cartas topográficas (SUDENE, 1986) de

Santa Cruz do Capibaribe (folha SB. 24-Z-D-VI/MI-1290), e Boqueirão (folha 24-Z-D-

III/MI-1211), foi básico para definimos nosso raio de observação da paisagem e os

possíveis impactos sócio-econômicos.

A região de caatinga, como vegetação clímax de nossa área de pesquisa vem sendo

caracterizada pela tradicional atividade pecuarista de bovinos, caprinos, ovinos e muares,

geralmente criados de forma ultra extensiva. O extrato vegetal tem sido, nos três últimos

séculos, base de alimentação para estes animais, que em muitos casos chega a ser

superior ao suporte vegetal de forragem, saturando as áreas de pastagem e contribuindo

de forma decisiva para a degradação da caatinga, especialmente o consumo da vegetação

herbácea (gramíneas e outras ervas) que serve como cobertura natural do solo e que em

função das condição de frágil agregação destes vegetais ao solo, os animais ao pastarem

arrancam as espécies com a raiz, contribuindo para o extermínio de algumas plantas e

aumento da erosão e conseqüente raio de degradação. Principalmente quando nos

referimos aos caprinos e ovinos, que alimentam-se em todas as áreas desse semi-árido,

inclusive nas serras e lageiros, que seriam propagadores naturais de sementes, e antes

disso servem de alimento para os animais, quebrando o ciclo natural de reprodução das

espécies.

O Sr. Vicente Costa diz que enfrentar os carrascais do Cariri é muito mais difícil,

pois tem muito mais espinho que nas outras partes do Sertão:

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“Aqui é o Cariri Velho escrito e desenhado. Essa é a terra do espinho da macanbira, do xique-xique, do faxeiro, da palmatória braba, da palma, da coroa de frade, da jurema branca e roxa, da macambira de serrote, do caruá, da cumbeba, da quixaba. Aqui o cabra tem que saber pisar. Aqui é coisa que se a pessoa não souber andar por dentro, se prejudica, rasga a roupa, termina ficando até aleijado num é? Pronto, esse aqui é o jucá, ele num dá em todo canto não. Ele só dá mais em local de riacho e vagem. A madeira mais forte do mundo é o jucá, a aroeira e a baraúna. Agora tem pouca. O jucá é uma madeira que é escasseada, num tem muito que nem a baraúna e a aroeira não. Antigamente tinha mais baraúna, mas os povos cortavam pra fazer linha de casa, esteio de casa, estaca de cerca. Mas ainda existem umas baraúnas velhas no meio do mato. Porque os povo deixaram de tirar, pois dá muito trabalho do cabra tirar uma madeira dessas e deslocar num carro de boi, ou num trator pra andar uma légua duas, pra fazer a linha da casa. Aí termina mais caro entendeu e comprando a linha já pronta na loja, no comércio, já vem prontinha, serrada, é só colocar na casa, já diminui muito o trabalho e o tempo. O negócio é esse, procurar facilidade né?”

Este universo tecido pelas observações do homem simples são preciosas para

entendermos a idéia de natureza por ele construída, suas modificações e uso

econômico, um conhecimento engendrado pela experiência vivida, argumento

lógico sobre o uso atual da caatinga, tão desmatada em seu porte arbóreo que não

compensa extrair o pouco que resta. Se levarmos esta fala em consideração, teremos

a partir desse discurso a possibilidade para início de um trabalho de recuperação

gradual da caatinga do Cariri a partir do que ainda existe.

Aquela é a quixabeira e a caraibeira, ela tem um espinho malvado. Esse é o pinhão. Ele é bom contra o vermelhão, é um grande remédio pra curar do veneno da cascavel. Toda planta do mato tem seu segredo. Pra você ver que: o tejuassú morde a casca do pinhão, bebe o leite e vai brigar com a cascavel. Ele briga até matar a cobra, por que ele tá protegido pelo leite do pinhão. Se num tiver pinhão por perto, o teju foge da cascavel. Tá vendo essa plantinha? É o alecrim de serrote, se você machucar a folha vai ver o quanto é cheiroso, é ele e marmeleiro pra ser cheiroso. Eu acho que as forças da natureza é a coisa mais importante do mundo né. É onde os pesquisador faz as pesquisas e aproveita muita coisa né. Por que o desenvolvimento do mundo e do Brasil, é as pesquisas da natureza né. É onde os pesquisador encontra muitas coisas importante, né não? É no campo, é na mata, é nas obras da natureza. E a coisa mais importante do mundo é. Olhe eu cortando a catingueira, tá vendo? Isso aqui tá interrompido, e a gente tá cortando pra passar entendeu?. Aqui a gente tá dentro da mata pesada, a mata da catingueira, a mata da baraúna, do espinho do lastrado, e da macambira. A macambira é a ração do gado daqui do Cariri. É muito importante. Isso é uma ração que o bicho num morre de fome não. A pessoa tendo a disposição pra queimar ela, aí a pessoa se tiver a forrageira, tira ela, corta essas folhas dela que tem um espinho danado; aí encoivara ela; aí fica só a cabeça que serve pro gado. Aí a pessoa leva no carro de boi, coloca na forrageira, e vira um farelo. E é forte. Com a

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macambira no farelo e no capim, uma lata de leite dá um quilo e duzentos de queijo, e sem a macambira só dá menos de um quilo. Aumenta duzentos gramas no queijo, por que a proteína da macambira é mais forte duque a do capim. Eu acho que Deus deixou as coisas pra progredir e a natureza é pra crescer no tempo, ir pra frente no tempo, produzir. Veja, a abelha faz sua colmeia no oco do umbuzeiro. Eu conheço o rastro do teju, da raposa, do gato maracajá, do bode, do camaleão, do preá do mocó. Todo bicho do mato serve de alimento. O IBAMA, eles num gosta que cace. Deus castiga, por que ninguém quer morrer queimado.”

O conhecimento de causa é a tônica dessa segunda narrativa, em que o Sr. Vicente

vai relatando dentro de uma lógica do vivido, as informações sobre as estratégias de

alguns animais e a importância de algumas espécies de plantas como fundamentais em

quanto alimento para os rebanhos. A plena consciência da importância de uma pesquisa

sobre aquela natureza e o completo desprendimento e disposição em ajudar, fazer parte

ativa no que ele mais conhece.

No que tange à natureza vegetal dessa área, observa-se um ambiente hora

dominado pela Caatinga, que se caracteriza em 3(três) tipos distintos: caatinga densa,

espaçada e rala; hora pela à ação humana (coivara, extração de lenha, produção de

carvão, estacas e varas para cercas, etc.), muito presente principalmente nas últimas

décadas.

Por se tratar de caatinga, o termo densa deve ser relativizado, especialmente por

não termos como identificar este ambiente como de caatinga nativa, pois a ação humana

na região é muito intensa. O denso aqui se dá apenas em comparação às áreas muito mais

degradadas e que não conseguiram recompor seu estrato natural na mesma proporção das

áreas que estamos classificando como densas. Para tal classe, levamos em conta a

diversidade, quantidade e porte das espécies.

Considerando alguns relatos dos moradores, cartas topográficas e observações, é

fácil perceber que em relação à ocupação humana destas áreas, houve uma forte

modificação da paisagem. Os aspectos mais notáveis são que as áreas anteriormente

ocupadas por caatinga do tipo densa, foram sendo substituídas pela caatinga espaçada e

rala, observando-se um menor crescimento no porte da vegetação, dando um teor de

formações menos fechadas. Isso ocorreu devido à implantação das produções agrícolas

do algodão e o agave. Nesse processo produtivo, era comum a prática do desmatamento e

o cultivo no contorno da caatinga nativa. Quando essa atividade perdeu sua importância

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econômica, as áreas foram lentamente recompondo-se de uma rala cobertura vegetal na

forma de capoeiras.

Nos dias atuais a pastagem com o cultivo da palma forrageira é uma das poucas

culturas que ainda se pratica em solos secos ou de baixa umidade, mesmo assim o

processo de regeneração da caatinga é muito lento, pois este ecossistema já foi muito

perturbado pela ação sócio-econômica.

Os grandes proprietários da região optaram por ampliar as áreas de pastos com

palma forrageira. Especialmente nos antigos terrenos onde o agave e o algodão arbóreo e

herbáceo eram as principais atividades, e que até os anos 70/80, representavam grandes

áreas cultivadas, principais produtos da balança comercial do Cariri. Essa atividade

agrícola foi sendo abandonada pelos produtores, pois perdeu sua importância econômica,

especialmente com o aperfeiçoamento das fibras sintéticas, e no caso do algodão, pelo

menor preço praticado em outras regiões do Brasil e do mundo, e pela extensão da “praga

do bicudo”, que provocou a destruição da produção algodoeira em quase todo o Nordeste

brasileiro. Mesmo assim, podemos dizer que, estas culturas permanentes impactaram

sobremaneira esta região, quebrando a biodiversidade desse ecossistema, que precisará de

muito esforço natural e tempo para se recompor. (MOREIRA, 1997, passim.)

Os produtos agrícolas de subsistência, como o milho, a mandioca, o feijão é

plantado em áreas de vazante, pés de serra e brejos serranos em períodos de estiagem.

Mas quando se aproxima os meses de chuvas, vem o preparo do solo (tradicional prática

de coivara), que consiste no corte da vegetação lenhosa, limpa da vegetação rasteira,

destocamento e queima dessa biomassa. Isto em um solo já fragilizado, com esta prática,

perde-se os poucos nutrientes e microorganismo que rapidamente desorganiza-se a

limitada capacidade natural de regeneração.

O setor primário representa a base da economia regional. Nessa área estabeleceu-

se com a colonização do Sertão nordestino, primeiro a pecuária bovina (a partir do século

XVII) de forma ultra-extensiva, e o algodão ( a partir do século XVIII), que serão a base

de sustentação da macro economia do Sertão do Nordeste, estabelecendo-se em grandes

domínios territoriais, cobrando uma sobrecarga do meio ambiente em que sucessivas

parcelas da caatinga cederam lugar ao algodão, pastoreio e as pastagens.

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O gado originou extensas fazendas, com a instalação de grandes domínios

latifundiários, posteriormente combinadas com o algodão e culturas alimentares. (milho,

feijão, mandioca), formadores da economia dessa região. (Ibid., 78-9)

Existem algumas observações e considerações sobre estas “fazendas do vazio”.

São milhares de hectares de cercados tanto na beira das estradas quanto em meio a

imensidão do “nada”. Em alguns casos chegamos a identifica cercados com estacas e

arame farpado, mais o comum, são as cercas do tipo faxina. As cercas de faxinas são

feitas com estacas e varas finas que são trançadas umas sobre as outras. Para a construção

de uma cerca gasta-se muito as árvore de médio porte que estão em crescimento e o

intenso uso de madeira representa um verdadeiro massacre à natureza. Isto tudo, em

propriedades com pequenos rebanhos, criados soltos. O que nos faz refletir que, no

Sertão do Cariri, o problema sócio-ambiental das cercas talvez seja tão grave quanto o

problema natural das secas. Imagens cristalizadas pela cultura de apropriação da

natureza, em que a mentalidade do ter e do poder coloca sobre terra qualquer projeto

racional de meio ambiente local/global. Os donos e “herdeiros dessas terras” ainda

cultuam valores de donatários. São milhares de quilômetros cercando territórios muito

degradados, geralmente com uma rala caatinga ou mesmo solos desnudos em função de

usos anteriores.

“O Semi-árido nordestino, além da vocação ecológica para a desertificação, devido à ocorrência de secas e às características do clima e solo, tem na ação do homem a responsável maior pelo alarmante processo de desertificação que está sofrendo com o mau uso dos recursos naturais. (...) Qualquer que seja a importância dos fatores ecológicos propriamente ditos, a ação do homem é que desempenha a curto e médio prazos, o papel fundamental na degradação dos ambientes naturais.” (Mendes, 1987:20)

O termo vocação ecológica para desertificação nos soa um pouco forte, pois no

contexto integral da caatinga, temos índices pluviométricos significativos (de 400 a 600

mm/a. chegando em algumas áreas de brejos serranos a 1.000mm/a.), se compararmos

com áreas da Europa24, ou até mesmo de Israel que em condições ambientas bem mais

sensíveis que as do Semi-árido brasileiro consegue-se produzir uma moderna agricultura.

24 Cf. BRANCO, (1994:48).Em algumas áreas centrais da Espanha os níveis pluviométricos chegam em média a 400mm/a., mas com sistemas racionais de irrigação é possível se ter uma boa produção.

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Nosso grande problema é a irregularidade das chuvas, que mesmo caindo em

grande volume, são muito concentradas (torrenciais) em um curto período do ano. Outro

indicador da não vocação é a própria capacidade de adaptação e regeneração da caatinga

ao ambiente semi-árido. O semi-árido não tem capacidade de suporte para um

adensamento demográfico muito grande, acompanhado de práticas de exploração dos

recursos, pouco racionais.

Pegando como exemplo nossa área de pesquisa, temos áreas onde não estão

existindo práticas agrícolas há quase 15 anos e mesmo com a pecuária de forma restrita,

notamos uma significativa recomposição do estrato herbáceo e arbóreo de forma

significativa. As áreas que classificamos nos Raios (4 e 5) seguem no sentido povoado

Sudeste/Sul/Sudoeste, aproximadamente 20Km de caatinga, estão progressivamente se

recompondo.

Na verdade, as formas predatórias de exploração que historicamente marcam o uso

do solo neste ecossistema, produziram, em alguns trechos, extensas faixas com reduzidos

níveis de produtividade biológica e (re)aproveitamento econômico. Estas áreas de solo

desnudo vislumbram forte aparência desértica. Isto causa preocupação, pois em

condições naturais e sem práticas agrícolas há mais de dez anos, ainda apresentam um

extrato biológico pouco expressivo.

Considerando alguns trechos dos Raios (2 e 3), sentido povoado

Oeste/Noroeste/Norte, cerca de 27Km, à medida que nos afastamos do leito do rio,

notamos uma extensão do problema citado no parágrafo anterior. Ou seja, cercados com

quilômetros à perder de vista, com o solo muito exposto, vegetação basicamente herbácea

pouco diversificada, se vê nitidamente que a fragilidade do ambiente, atrelada a prática

agrícola muito intensa em momentos passados gerou ambientes que nos reportam a uma

imagem de deserto.

Pode-se afirmar que o agave e o algodão, a partir de meados dos anos 80,

perderam sua importância econômica, sendo substituídos pela palma forrageira e a

algaroba, alimento para os rebanhos bovinos e caprinos. Com a perda de importância

econômica do sisal e do algodão, algumas áreas foram sendo tomadas pela vegetação

abustiva, que foi formando capoeiras e recompondo um cenário de caatinga rala e

espaçada. Capoeira é uma categoria popular para denominar área que antes era cultivada

e que não exercita-se mais a produção. Em seu lugar os abustos vão recompondo uma

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vegetação de pouca expressão física e diversidade, os tocos e restos de raízes rebrotam e

lentamente vão recompondo um fitologia terciaria.

Vale ressaltar que a produção de algodão/agave ocupava áreas de solos mais

férteis e com a quebra econômica dessa atividade, houve uma recomposição mais

acelerada da caatinga espaçada. Um exemplo disso, é a catingueira (Caesalpinia

pyramidalis), que por apresentar maior porte e frondagem, permite um maior

adensamento vegetal em áreas que anteriormente apresentavam-se como ralas ou de

cultura do sisal. À medida que se anda por estas áreas, ainda pode-se encontrar alguns pés

de agave que se misturam com a vegetação de caatinga, incorporado-se a paisagem e

testemunhando que já foram abundantes em décadas passadas. O comum é encontrarmos

grandes plantações de palma forrageira em substituição ao agave, ou a algaroba, como

tentativa de reflorestamento e alimento para os rebanhos.

O homem é dominante no ecossistema Semi-árido, pois suas ações degradadoras

se processam pelo desmatamento, coleta de madeira, cercas, lenha e carvão, além de

novos campos agrícolas (Ibid.,1987, p. 21). Outro exemplo de degradação é a super-

pastagem. Somando-se a estas ações, as condições naturais de clima e solo, percebemos

que em áreas onde a ação humana foi intensa, ocorre uma recuperação insignificante, que

com o prolongamento da seca, a situação vai sucessivamente agravando-se.

A superfície semi-árida quando perde a sua já pouca cobertura vegetal é afetada

em uma cadeia sistêmica, diminuindo a precipitação, aumentando a radiação, morte dos

microorganismos, morte e saída de animais para áreas mais úmidas, perda de retenção

hídrica, aumento da erosão eólica e consequentemente expansão do polígono da seca.

A área que delimitamos como Raios (1 e 2), sentido povoado

Oeste/Leste/Nordeste, aproximadamente 20km, sempre seguindo o leito do Rio Paraíba, é

influenciada pelo açude quando seu nível atinge maior volume de água. Outro tipo de

atividade importante nesse raio de estudo, é a cultura de vazante geralmente nas margens

dos rios e açude com plantações de cebola, alho, pimentão e tomate, além da batata doce,

mandioca, milho, feijão, fruticultura e pastagem. Segundo diversos agricultores da região,

estes produtos são comercializados em centros urbanos maiores a exemplo de Campina

Grande e João Pessoa. As vezes os preços são tão baixos que o agricultor prefere

alimentar o gado com as verduras. “O pimentão quando amadurece ou cai muito de

preço só serve pra dá as criação” (Sr. Germano Alves, Sítio Caraibeira).

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Como já dissemos anteriormente, registra-se a presença da cultura irrigada,

acompanhada do uso de fertilizantes e agrotóxicos, além de bombas amazonas puxando

água das cacimbas e tubulações, que já estão bem presentes no cotidiano de alguns

povoados, principalmente em municípios que são cortados pela bacia hidrográfica do Rio

Paraíba e seus afluentes.

Tambores com produtos químicos para as culturas de pimentão e tomate e outras

verduras, são muito comuns nas margens do Paraíba e nas imediações do Açude de

Boqueirão. Notamos que os agrotóxicos aplicados, são transportados até o açude, pelas

enxurradas e pela irrigação por inundação. O mais grave é que a água desse reservatório,

assim como os produtos ali cultivados, abastecem importantes cidades, como Campina

Grande, Queimadas, Boqueirão e outras. Junta-se aí a elevada salinização da água, com o

assoreamento do reservatório e injeção de agrotóxicos e pesticidas, que são transportados

pelas águas usadas nos pontos de irrigação, gerando grande perigo para os usuários e para

o meio ambiente circundante.

Não existe de fato um controle do uso de agrotóxicos nas culturas, e pelo baixo

grau de instrução dos agricultores da região, é comum falarem que já “conhecem as

medidas dos venenos nos olhos”. O mais grave é que como o sistema de irrigação

adotado na região é basicamente na forma de pivô central, a água bombeada nas culturas

escorre para o leito dos rios e açudes, acelerando o assoreamento do solo, aumentando a

salinização da água e intoxicando os seres vivos que servem-se dessas águas.

O cultivo de pastagens, assim como o plantio da palma forrageira nas zonas de

baixio, capim buffel e elefante, geralmente cercados. São alternativas encontradas pelos

pecuaristas dos Velhos Cariris do Paraíba para suprir os rebanhos de alimento nas

possíveis estiagens. Isso vai ser bastante expressivo no momento em que culturas como

algodão e sisal perdem importância, pois o cultivo da palma forrageira passa a ser feito em

antigas áreas de agave, substituindo assim os restolhos do agave e algodão. Outro aspecto

é que a própria caatinga não tem o mesmo vigor de regeneração dos pastos naturais, pois a

pastagem ultra-intensiva vem provocando um empobrecimento biológico das coberturas

vegetais.

A caprinicultura e ovinicultura são o melhor exemplo de degradação dos pastos

nativos do Cariri paraibano. Estes rebanhos são chamados popularmente de miunças

(animais pequenos). Também criados de forma ultra-extensiva, o bode e a ovelha

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representam um importante aspecto da paisagem. Estes animais são muito resistentes e se

alimentam de quase tudo que encontram na vegetação de caatinga.

Quando a gente caminha pelo semi-árido e vai até o alto de uma serra, vê o quanto

o bode é influente nessa região. É comum encontrarmos nos pontos mais altos dos lajeiros

fezes destes animais. As cabras conseguem pastar nos lugares mais inacessíveis, como são

de pequeno porte e se alimentam basicamente das pequenas plantas sendo potenciais

degradadores da caatinga em formação, podendo provocar até a extinção de algumas

espécies vegetais que já foram muito desmatadas pela ação antrópica.

O Sr. Vicente Costa, nosso guia (mateiro) em uma das caminhadas pela caatinga,

disse que “os bodes só não comem o que os espinhos não deixam.” Ou seja, naqueles

lugares onde tem muita palma do mato, macambira, unha de gato, eles não conseguem

comer tudo. É como se estas plantas espinhosas (bromeliáceas e cactáceas), criassem uma

espécie de viveiro natural, impedindo assim que os bodes se alimentem totalmente das

plantas. Mas, como existe uma forte degradação desse ambiente através de desmatamento,

queimadas, plantio de pastagens e pastoreio ultra-extensivo, estas plantas perdem espaço

para a degradação, havendo uma verdadeira quebra do ecossistema semi-árido.

Estes dados confirmam que os municípios dessa área recebem uma grande carga da

ação sócio-econômica. Com certeza, a vegetação espinhosa pode representar um

significativo indicador ecológico para o semi-árido no tocante à maior biodiversidade.

Nos pontos onde existe maior concentração de bromeliáceas e cactáceas, os estragos por

parte dos rebanhos caprinos e ovinos não são totais. Essa vegetação preservada pode

restabelecer importantes áreas da caatinga que estão profundamente degradadas, evitando a

exposição do solo e criando condições para recomposição fitológica, destruindo-se a

aparência de desertos.

No caso da algaroba (prosopis juliflora Sw.) é uma leguminosa, tipo xerófila,

arbórea, com copa frondosa e arredondada, chegando a medir de 3 a 8 metros. Trazida do

Peru e México, foi introduzida no semi-árido brasileiro pelo seu potencial de

reflorestamento de áreas degradadas, alimentação para os rebanhos e também para o

consumo humano (Mendes, 1987:37-9).

Para muitos agricultores do Cariri, a algaroba vem provocando efeitos maléficos.

O Sr. Manoel Eraldo, pequeno produtor de pimentão e outras verduras, fala sobre a

algaroba e seus efeitos no Cariri:

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“Ela é uma árvore que apareceu aqui e o povo preservava. Chegaram até a plantar, fazer campos de algaroba, e onde hoje é ela, num presta. Já tentaram fazer café de algaroba, fazer biscoito. Pro gado ela não presta, que dá um tipo duma doença chamada língua de pau. Aí o gado engrossa a língua, cresce a língua e morre. E por sinal, ela atinge o nível de dez metros de raiz e puxa a água, ela faz uma bucha de raiz e mata toda planta que tiver por perto. Ela é tão infeliz que entra nas juntas dos canos de irrigação, aí faz aquela bucha e impede a água de passar, e quebra as tubulações. Pra você ver, ela tá sempre verdinha, e se você chega de meio dia debaixo dela, sente como se estivesse chovendo uns pinguinhos de água. Onde tem um pé de algaroba, num tem nada, que ela mata tudo. Só junta maribondo. Se a gente pisar em um espinho de algaroba de jeito, a gente fica aleijado, o espinho dela é perigoso.”

O que tinha a função de servir para alimento do gado e reflorestamento das áreas

de caatinga rala, vem ocupando vastas áreas e provocando uma forte competição com a

caatinga e o desequilíbrio ecológico local, uma vez que substituiu-se a diversidade

vegetal por uma monocultura em uma região ambientalmente fragilizada pelas condições

naturais.

O uso da algaroba já causou algumas polêmicas na região, apesar de existirem

cartilhas explicando as potenciais qualidades do uso das vagens dessa planta (na

fabricação feno, farelo, café, suco, licor, biscoito entre outros), e dela ter sido bem

disseminada pela região, seu verdadeiro uso para tais fins ainda não é uma prática

desenvolvida pelas populações do Cariri, pelo menos na área pesquisada. São alguns

projetos implantados sem a participação direta das comunidades que convivem com o

Cariri, mesmo bem intencionados começam a surtir efeitos contrários ao objetivo inicial.

O maior cuidado que se deve ter é evitar que o gado se alimente da vargem da

algaroba sem que se extraia a sua ponta espinhosa, principal causador da morte de muitos

animais como bem identifica o Sr. Manoel Eraldo e outras agricultores e criadores de

Riacho Fundo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Convivência, flexibilidade e adaptação

Os velhos Cariris do Paraíba como um domínio natural da caatinga e dos homens

já sofreu grandes modificações em sua paisagem singular. Aqui as plantas se camuflam e

hibernam, as aves temporariamente se mudam, os animais resistem até onde podem e os

homens estrategicamente adaptam-se e convivem entre as pedras, o ressequido e os

espinhos. Todos os que não possuem asas, buscam um estado de plena latência e

flexibilidade, para na mínima energia, se sustentar ao ambiente, pois é na raiz que se

esconde a vida. Uma simbiose sistematicamente equilibrada para no primeiro lampejo de

uma chuva a vida rebrotar de uma forma explosiva. A vegetação, aparentemente morta,

renasce, misteriosamente, intrigando os homens simples a responderem de forma objetiva

que só sendo coisa da santa natureza.

Aqui só um ciclo é longo, a estiagem, que guardando as sementes da água e o

mistério da luz,25 termina por caracterizar mais fortemente o lugar. Fora este, todos os

demais ciclos são rápidos, curtos e intensos, daí o uso da expressão explosão. Nem bem

as flores brotam e já são frutos todas em sementes prontas para se necessário

adormecerem de novo. Assim temos uma caatinga adaptada à semi-aridez, do mesmo

modo, o homem do Cariri já adaptou-se ao ambiente, sendo capaz de no ritmo da

natureza, conviver estrategicamente com os períodos mais críticos de uma estiagem. Para

isto, agarra-se com a sua supersticiosa fé em todos os santos, não bastando inventa ídolos,

amuletos, crendices. Eleva o seu estado de dificuldades à fé católica do pecado original,

em que as dificuldades já são uma preparação para a vida eterna, pois em alguns

momentos o “purgatório é aqui.”

O tempo ritmado pela seca ou pela chuva tece um homem recheado de mitos e

histórias vividas. Na espera da chuva, deposita toda sua esperança. Na cartilha da

memória, guarda ou as histórias orais contadas pelos antepassados e mais velhos, ou a

sua própria experiência, cujo foco principal são as lembranças contrastantes de grandes 25 Cf. Zé Ramalho. BMG ariola, São Paulo: 1997

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secas, com durações cabalísticas de treze em treze anos com uma prolongada estiagem e

as grandes chuvas torrenciais, rápidas concentradas e avassaladoras, quando já

inesperadas enchem os riachos, lajedos, cacimbas e rios de uma água barrenta e sagrada,

arrastando tudo o que estiver pela frente. Assim é contado o tempo, com histórias tristes e

alegres que alimentam sonhos e esperanças de um ano chuvoso para plantar na alegria a

safra de um próximo ciclo, quando o homem escolhe a melhor semente para a próxima

chuva em um ritual que se repete ano após ano.

A agricultura nessas terras é filha da chuva, não tendo chuva, agricultura não há.

Resta o gado do grande fazendeiro e a criação de miunças como alternativas de espera

por dias melhores.

Podemos considerar que o homem do Cariri possui uma verdadeira fixação pela

terra em que vive. Esse lugar de caatinga espinhosa, pedra e terra rachada, é, para ele, um

paraíso encantado que não abandona com muita facilidade.

“Seu sangue é terra que ninguém pisa, ninguém conhece a trama que emaranha no seio da teia. É chapadão deserto do peito tudinho aberto, onde só ele se apruma e os cavalos suam sal e espuma e viver é muito perigoso.” (Cátia de França, In. Xangai, CD. Acácia Produções: 1997).

Daí nasce nossa primeira proposição. Se existe tal fixação, expressa em muitos

momentos de nossa pesquisa, resta propor uma prolongada e sucessiva carga de

investimentos na fixação do homem ao Cariri, para tanto será necessário um profundo

respeito pelo seu conhecimento do lugar. Investir nesse conhecimento já será um grande

passo.

A luta pela vida, o número de seres humanos, a tecnologia e o ritmo das ações são

muito devastadores em nossos dias. O tempo da natureza, ritmado por um complexo de

muitas leis sistêmicas, não acompanha o tempo ritmado pela ação humana, baseado em

uma única lei, a exploração desenfreada dos recursos naturais.

Em nossa análise de mudanças, constatamos que apesar de existir uma maior

divulgação no sentido do uso racional da natureza, o que prevalece é a lógica da alteração

ou o uso predatório dos recursos. O meio técnico quebra as afinidades entre o homem e a

natureza, soando negativamente a idéia de convivência e adaptação integral com o meio.

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Esse modelo predatório realça a existência da supremacia cultural do humano sobre a

natureza.

Os valores culturais e naturais do nosso ambiente de pesquisa foram mudando

fortemente no decorrer dos diferentes estágios de ocupação humana da área. Tendo como

parâmetro o período indígena, a “colonização” empreendida pelo homem, a fixação

cabocla e os cortes recentes do tempo/espaço local/global.

Identificamos ao longo desse estudo que a comunidade é um círculo que estrutura

a pessoa, pois os laços de amizade e irmandade dos pequenos lugares reforçam os elos

afetivos de um povoado à sua natureza. Um viver comum em um ambiente com fortes

características naturais expostas na paisagem marca o homem com profundidade. No

entanto, a partir do momento em que outros valores culturais e técnicos vão penetrando

nesse território, estas relações começam a ruir pouco a pouco.

Neste ambiente desenvolvia-se uma produção eminentemente familiar e

comunitária no exercício das atividades econômicas, sociais e culturais. Tudo baseado no

trabalho mútuo e solidário em que os pequenos grupos formavam um grande mundo, que

com tecnologia simples, engendravam as seguintes características:

Um povoado mais ou menos denso e limitado territorialmente pela participação dos

moradores;

Com padrões de comportamento transmitidos e limitados aos símbolos e modelos

mentais do grupo;

Um forte conhecimento da natureza, repassado de geração para geração;

Uma valorização das atividades de subsistência e tímida relação comercial, restrita a

excedentes da produção e pouca capitalização;

Valorização do lugar enquanto território dos ancestrais;

No momento em que a sociedade local é atrelada a uma economia global, você

passa a ter alguns choques inevitáveis, já que uma nova realidade se estabelece, um novo

relacionamento com a natureza e uma nova paisagem surge, onde os valores

anteriormente citados cedem lugar a novas relações:

Passa a existir uma maior ação sobre a natureza com sucessivos impactos sobre os

ecossistemas e acentuado desperdício de energia e recursos;

Quebra-se a maioria das relações anteriormente citadas;

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Lucro versus auto-sustentação passa a ser a tônica desse novo processo, com um forte

prejuízo do último;

O que antes era economia de subsistência passa a ser uma economia comercial

(banana, pimentão, tomate, etc.), com forte descompasso em relação à regularidade

das condições de compra e grande irregularidade nas condições venda;

Aquele ambiente acolhedor e conhecido, espaço dos antepassados e onde firmam-se

as raízes, vai sucessivamente perdendo este sentido;

O laço afetivo ou o enganjamento com a natureza vai se desestruturando, pois a

natureza passa a ser vista apenas como recurso ou capital natural a ser explorado.

Estas atitudes identificadas acima já estão fortemente enraizadas no Semi-árido

nordestino e especificamente no Cariri paraibano. O primeiro contato se dá na luta pelo

território homem/homem, cuja competitividade brancos contra índios gera uma nova

realidade territorial, quebrando-se as bases de eco(economia) subsistente pouco

degradadora em substituição por uma economia predatória e irracional, baseada na

exploração com vistas para o distante e nunca voltada para o lugar;

Desse contato misturam-se os homens, criando-se o novo e básico homem que irá

estabelecer o domínio e a implementação de novos elementos artificiais da paisagem,

criando-se uma nova natureza. As formas de atuação e o próprio homem que vai sendo

gerado nestas condição, desconhece a dimensão histórica para quê veio, inconsciente vai

tecendo os fios que formaram a rede de práticas culturais, identidades e afetos desse todo

e complexo arranjo de natureza, homens e animais que resultaram neste caldo de cultura

chamado de Sertão nordestino. Homens forjados pela história e marcas do gado vão

transformando as paisagens da caatinga em terras de cavaleiros com armaduras de couro

e a coragem religiosa de cruzarem os espinhos e penhascos desse lugar.

Estes são alguns parâmetros predatórios de exploração que historicamente

marcaram o uso e abuso do solo do Cariri Paraibano, refletidos na atualidade por extensas

faixas de terra com características aparentemente desérticas. O mais grave é

responsabilizar a seca (um fenômeno natural) pelo solo desnudo, pela pobreza, dando a

este ambiente um ar de catástrofes irremediáveis, das quais todos estão sujeitos, pois é

um problema da própria natureza do lugar.

As comunidades dos Velhos Cariris, de hoje, vivem um processo de profundo

desenraizamento sócio-econômico, cultural e ambiental.

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Só os mais velhos ainda guardam na memória importantes conhecimentos para a

sobrevivência neste meio ambiente. Os jovens desinteressados e apáticos acompanham

pelos televisores o ritmo acelerado da modernização. Enquanto isso os passarinhos fazem

ninho nos alambrados das antenas parabólicas.

Para se chegar a um povoado como Riacho Fundo, depois de andar alguns

quilômetros por estradas barreadas, é preciso passar por várias porteiras e cancelas com

mata–burros.26 Cercamentos que delimitam claramente a apropriação desse território,

mas que também aponta para o quanto o lugar ainda estar distante dos novos valores

culturais. Uma aldeia servida via satélite por antenas parabólicas, transforma os valores

culturais enquanto remanescem os arranjos espaciais do passado. Vive-se um grande

dilema, a vontade de ficar atrelado a terra mãe e o desejo de conhecer as miragens e

imagens do distante que a televisão propaga.

Os laços afetivos com a terra podem representar um agregador da família. Os

agricultores dos Cariris acreditam que, ao sair da terra, a família se desintegra. Daí,

pensar em uma prática ecológica que possa ser gerada dessa relação de afetividade com o

lugar, imprimida pelos que vivem e amam a terra. Que a terra dos Velhos Cariris do

Paraíba possa servir como parâmetro de relações íntimas de construção e desconstrução

de novos e velhos valores, atitudes, comportamentos, idéias e reflexões sobre a vida e o

meio ambiente regional.

A pesquisa registra que a área estudada apresenta um ambiente natural bastante

sensível, em que o ecossistema já sofreu muitas agressões, e que atrelado às condição

naturais, dificulta o pleno desenvolvimento da vida no lugar. Este estudo admite que os

maiores problemas enfrentados pelos habitantes da região são: a escassez de água e o

excesso de salinidade nos reservatórios locais; as elevadas temperaturas; a baixa

qualidade do solo que em muitos trechos é predominantemente raso, pedregoso, salino,

sódico e com muitos afloramentos cristalinos, que juntando-se a pouca água, dificulta as

atividades agropecuárias ali desenvolvidas. A agricultura limita-se basicamente às

vazantes do Paraíba, seus afluentes e alguns pés de serras ou algumas áreas com cultivo

de palma forrageiras em pontos mais distanciados do rio.

26 Cancelas com mata burros – são porteiras no meio da estrada que dividem algumas propriedades, para evitar que estas porteiras sejam abertas e não sejam fechadas, os proprietários das fazendas mandam construir pontes vazadas para que os animais não saiam dos seus limites territoriais.

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Constata-se também, que apesar de existirem vastas áreas com predomínio da

paisagem natural da caatinga, em muitos pontos encontrou-se grandes extensões

devastadas, com o solo desnudo e exposto a uma maior erosão, não apresentando claro

sinal de regeneração progressiva.

As cartas topográficas, por nós utilizadas para fazer uma analise comparativa em

relação aos aspectos fisiográficos e ação humana, com base em nossos trabalhos de

campo, foram úteis pois os contrastes são fortemente visíveis, especialmente no que diz

respeito aos recursos hídricos, cobertura vegetal e produção agrícola, de onde chegamos

as seguintes proposições:

O açude de Boqueirão, que influenciava com suas águas todo o povoado de Riacho

Fundo e povoações circunvizinhas, encontra-se nesse trecho completamente

assoreado. Segundo os moradores e imagens por nós confirmadas, a partir de

cacimbãos cavados no leito do rio, o nível de aterramento desse manancial já

ultrapassa 10 metros. O assoreamento é significativo, pois se o povoado encontra-se a

mais de 20 quilômetros do balde do açude, o volume de areia acumulado na parte

represada, reflete uma direta diminuição da capacidade do reservatório, além de trazer

forte perigo para os povoados da região em momentos de cheia, pois a vazão da água

poderá destruir comunidades inteiras;

A ação sócio-econômica do demonstrativo de uso atual, foi quem apresentou o maior

crescimento, principalmente em torno das margens dos rios, rodovias e estradas de

sinais, identificando-se um maior crescimento da cultura de pastagem e o cultivo de

palma forrageira. Com isso, a paisagem natural sofreu forte impacto destrutivo,

podendo ser confirmado através da vegetação que é o melhor indicador ecológico em

que qualquer alteração da mesma pode ser facilmente notada, pois como estamos

tratando de um sistema ecológico, toda e qualquer alteração em um dos elementos,

afeta-se sucessivamente os demais.

O uso racional da região passa pela reorganização do espaço agrário, criação e

ampliação de centros de pesquisa para o Semi-árido, incentivo e condições técnicas

para um melhor aproveitamento das atividades já desenvolvidas e a implantação

gradual de um modelo agro-ecológico de produção. Agro-ecológico no sentido de

uma produção ecologicamente sustentável, em que leva-se em consideração

primeiramente o nível de conhecimento do agricultor local, uma organização

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territorial baseada na pequena propriedade, com um sistema de policultura voltado

primeiramente para o atendimento das necessidade locais e circunvizinhas;

desenvolvido pela mão-de-obra familiar, respeitando os limites do meio e garantido

melhores condições de vida para a comunidade envolvida;

Os grandes açudes têm resolvido o problema de água para os espaços urbanos do

semi-árido, no entanto para o homem que vive embrenhado na caatinga, de forma

isolada ou em pequenos povoados, que somados são numericamente expressivos e

vivem estrategicamente de rudimentares cacimbas ou, tendo que se deslocar

quilômetros para conseguir água, estes precisam ser assistidos com a perfuração de

poços artesianos, construção de reservatórios de água em solo para suprir uma

demanda temporária e a construção de reservatórios subterrâneos para longos

períodos de estiagem;

Uma prática comum das famílias que vivem na caatinga é juntar água das chuvas nas

goteiras da casa. Se estas famílias receberem apoio para instalação de grandes caixas

d’água em suas goteiras, terão água doce para beber durante meses seguidos;

Como a água do semi-árido é muito salobra, a única saída é a instalação de

desalinisadores da água, especialmente a partir de povoados com mais de cinqüenta

famílias. Isto já ocorre em alguns perímetros urbanos, como é o caso da Barra de São

Miguel, o que melhora a qualidade da água em até 70%, resta implantar este sistema

nos diversos povoados, qualificando a água como boa para beber;

Desenvolver um programa para pequena criação em cercado tipo curral e ração

regular pode ser uma prática ecológica e econômica. Nesse mesmo programa

desenvolver a apicultura e a avicultura de capoeira de forma massificada, são

alternativas de pequeno custeio, retorno econômico rápido e garantia de capitalização

menos concentrada que podem provocar uma verdadeira alteratividade das condições

de vida do semi-árido. No caso da criação de abelhas, temos um importante papel

destas na polinização da caatinga e potencial reflorestamento de áreas degradadas;

Existe a proposta de criação em cativeiro de pequenos animais de fauna semi-árida, a

exemplo da cutia, preá, capivara, etc. como alternativa de complemento alimentar e

inibição da caça predatória (Mendes, 1987:65-77). A recomposição faunística, mesmo

em cativeiro, pode significar a garantia de um futuro para animais que correm risco de

extinção;

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Como estamos em uma área descapitalizada e de baixos rendimentos, é fundamental

que se crie um programa de renda mínima por família como incentivo à fixação e

desenvolvimento de práticas agro-ecológicas, como também condições de acesso aos

créditos para as populações de baixa renda;

Um programa para formação de solo e lençol aqüífero sub-superficial em terrenos

acidentados a partir de solos rasos já existentes. Os solos podem ser feitos nos

períodos de estiagem, com a construção de barreiras, usando pedras como estrutura de

suas bases. O lençol aqüífero pode ser feito em áreas com solos que sejam de média à

grande profundidade e próximos de rochas cristalinas e em sopé terrenos acidentados.

Assim criam-se condições para pequenos roçados em encharcados;

Uma prática muito comum que vem se desenvolvendo nos últimos anos é a venda de

frutas nativas do semi-árido para os centros urbanos regionais. Trabalharemos com

um exemplo, só para sentirmos o impacto desta atividade. Há dez ou quinze anos, boa

parte das safras de umbu eram consumidas pelas vacas e bois do semi-árido,

ruminando a polpa e casca do fruto e liberando as sementes para o meio ambiente,

que eram aterrados pelo pisoteio e estrumados pelas fezes do animal, iam renascendo

a cada safra. Como o umbu é um fruto com semente muito dura, não sofre reação

negativa à acidez das fezes animal. As sementes, as fezes e o pisoteio, com a chegada

das chuvas originavam pequenos umbuzeiros, recompondo a paisagem com uma

importante árvore do semi-árido. Logo, este aparente ganho comercial com a venda

do umbu pode representar um grande prejuízo ecológico para o semi-árido, pois já

podemos sentir uma significativa diminuição dos umbuzeiros no semi-árido.

Consideramos que o grande potencial para se estabelecer práticas reais de convivência

do homem com o Cariri, é a valorização do conhecimento potencial dos mais velhos

da região. É urgente fazermos um resgate do papel destes idosos na educação

ambiental para o semi-árido. Um grande número de aposentados, com baixo

rendimento, é muito comum nessa região pesquisada. Eles possuem um grande

potencial de conhecimento e podem ter um espaço no sistema de ensino da região,

para em conjunto com os professores ir ensinando aos novos o valor dessa terra e

dessa gente. Ensinar as práticas de convivência com a caatinga e com a seca, as

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estratégias e práticas dos antepassados27. Este é um conhecimento que pode se perder

entre as parabólicas que se espalham pelas casas desses recônditos lugares ou na

memória que vai se apagando com a morte dos mais velhos. Um sistema de ensino

nos moldes da realidade local é sem sombra de dúvidas o caminho para a

(re)valorização do semi-árido como morada de homens dignos e integrados ao meio

ambiente.

Os brotos de lembrança, como crianças podem renascer em cada um, desde que se

ative a valorização dos que sabem como lhe dar com a natureza semi-árida, desvendando

seus mistérios e transformando o potencial deserto em jardim. Este é apenas um convite

para o pertencimento do lugar.

27 A LDB – Lei de Diretrizes e Bases para o ensino, indica este princípio de educação a partir da realidade local dos

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ANEXO

A SAGA DE SEVERININ “Peço atenção dos senhores prá história que vou contar Falo de Severini lavrador tão popular que morava numa palhoça e cultivava uma roça perto do Taperoá e Severinin todo dia lavrava a terra macia e terra lavrada é poesia Mexe com a mão na terra sobe essa serra corta esse chão Planta que a planta ponte por esses montes lã d’algodão Severinin vivia até feliz enchendo os olhos com bem d’raiz e mesmo a plantação tava bonita em flor e ao seu lado sua companheira tinha seu amor Mas como diz o ditado e haverá de se esperar depois de tudo plantado fazendeiro pede pra Severinin desocupar Já tinha até fruta madura jerimum enramando no terreiro e tinha até um passarinho que além de ser seu vizinho ficou muito companheiro Chega tanta incerteza a alma presa quer se soltar Luta, luta sozinho qual o caminho de libertar Severinin ficou sozinho e só ingratidão não pode suportar correu para o sul aí a construção se viu de uma vez por todas de uma vez por todas desabar. (FARIAS, Vital. Saga de Severinin, Cantoria 2. Rio de Janeiro: M-KCD - 032, Kuarup produções).

alunos, ou seja, resta ao poder público pensar nas práticas dessa proposição.

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A TRISTE PARTIDA Setembro passou com oitubro e novembro Já tamo em dezembro Meu Deus que é de nós Assim fala o pobre do seco Nordeste, Com medo da peste, Da fome feroz. A treze do mês ele fez esperiença, Perdeu sua crença Nas pedra de sá. Mas noutra esperiença com gosto se agarra Pensando na barra Do alegre natá. Rompeu-se o Natá, porém barra não veio, O só bem vermeio, Nasceu munto além. Na copa da mata buzina a cigarra, Ninguém vê a barra Pois barra não tem. Sem chuva na terra descamba janêro, Depois feverêro E o mêrmo verão. Entonce o rocêro, pensando consigo, Diz: isso é castigo Não chove mais não! Apela prá maço, que é o mês preferido Do santo querido, Sinhô São José. Mas nada de chuva! Tá tudo sem jeito, Lhe foge do peito O resto de fé. Agora pensando segui outra tria, Chamando a famia Começa a dizê: Eu vendo meu burro, meu jegue e cavalo, Nós vamo a Sã Palo Vivê ou morrê. Nós vamo a Sã Palo, que a coisa tá feia; Por terras alêia Nós vamo vagá. Se o nosso destino não fô tão mesquinho, Pro mermo cantinho Nós torna a vortá. E vende o seu burro, o jumento e o cavalo, Inté mermo o galo Vendêro também, Pois logo aparece feliz fazendeiro Por pôco dinheiro Lhe compra o que tem. Em riba do carro se junta a famia; Chegou triste dia,

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Já vai viajá. A sêca terrive, que tudo devora Lhe bota pra fora Da terra natá. O carro já corre no tôpo da serra. Oiando pra terra, Seu berço, seu lá, Aquêle nortista partido de pena, De longe inda acena: adeus, Ceará! No dia seguinte, já tudo enfadado, E o carro embalado, Veloz a corrê, Tão triste, coitado, falando sodôso, Um fio choroso Exclama a dizê: - de pena e sodade, papai sei que morro! Meu pobre cachorro, quem dá de comer? Já ôto pergunta: - Mãezinha e meu gato? Com fome, sem trato Mimi vai morrê E a linda pequena, tremendo de medo: Mamãe, meus brinquedo! Meu pé de fulô! Meu pé de rosêra, coitado, ela seca! E minha boneca Também lá ficou. E assim vão dêxando, com chôro e gemido Do berço querido O céu lindo azu O pai pesaroso, nos fio pensando, E o carro rodando Na estrada do Su. Chegaro em Sã Palo - Sem cobre, quebrado O pobre acanhado Procura um patrão. Só vê cara estranha, da mais feia gente, Tudo é diferente Do caro torrão Trabaia dois ano, três ano e mais ano, E sempre no prano De um dia inda vim. Mas nunca ele pode, só veve devendo, E assim vai sofrendo Tormento sem fim. Se arguma nutiça das bandas do Norte Tem ele por sorte O gosto de uvi Lhe bate no peito sodade de móio E as águas dos óio começa a caí.

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Do mundo afastado, sofrendo desprezo Ali veve prêso Devendo ao patrão. Tempo rolando, vai dia e vem dia E aquela famia Não vorta mais não Distante da terra tão seca mais boa, Exposto à garoa A lama e ao paú Faz pena o nortista, tão forte, tão bravo, Vivê como escravo Nas terra do Sú. (Patativa do Assaré, 1985. pp. 355)

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