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Natalia de Azevedo Zarife
TERCEIRIZAÇÃO
PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO DIANTE DO ATUAL CENARIO
MUNDIAL
Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Empresariais / Menção em Direito
Laboral, sob orientação do Professor Doutor João Carlos Conceição Leal Amado
2017
Natalia de Azevedo Zarife
TERCEIRIZAÇÃO
PROGRESSO OU RETROCESSO? O FUTURO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO
DIANTE DO ATUAL CENARIO MUNDIAL
(Outsourcing - progress or backward? The future of work relations before the current
global scenario)
Dissertação apresentada à Faculdade de
direito da Universidade de Coimbra, no
âmbito do 2º. Ciclo de Estudos em Direito
(conducente ao grau de Mestre), na Área de
Especialização em Ciências Jurídico
Empresariais – Menção em Direito Laboral,
como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre no curso, sob a orientação
do Professor Doutor João Carlos Conceição
Leal Amado.
Coimbra
2017
2
Às quatro estrelas mais brilhantes:
William Zarife Wermelinger
Anália Augusta Zarife
Amaro Braz de Azevedo
Iracy Vieira de Azevedo
3
AGRADECIMENTOS
Gratidão é o mais nobre dos sentimentos
Aquele que agradece, reconhece, que, sozinho,
sonhos são efêmeros...
Ao meu pai, William, pelo amor mais incondicional já visto ...
À minha mãe, Guiomar, meu exemplo, fonte de inspiração,
por ser a serenidade que me falta ...
À ambos, por me fazerem acreditar no poder do amor,
na empatia, na realização de grandes sonhos ...
e por, juntos, formarmos uma união indissolúvel...
Ao meu professor e orientador João Carlos da Conceição Leal amado,
pelas palavras de incentivo e
pelo ensinamento transmitido ao longo dessa árdua jornada...
Aos amigos de sempre,
em especial à amiga Manu, pelo companheirismo e parceria,
pelo abraço nos momentos difíceis,
pelos conselhos e pelas alegrias partilhadas...
e aos que Coimbra me deu...
“segredos dessa cidade levo comigo pra vida...”
4
RESUMO
O presente estudo tem por objetivo analisar o fenômeno da terceirização no
ordenamento jurídico brasileiro traçando um breve paralelo com a situação do trabalho
temporário em Portugal, determinando seu alcance, suas limitações e sua finalidade, bem
como, buscando concluir, ao final, se a contratação terceirizada pode ser considerada uma
forma de modernização do direito trabalhista, ou se, ao revés, estar-se-ia precarizando os já
escassos direitos do trabalhador.
Para alcançarmos o objetivo final a que se pretende com a pesquisa atual, mister se
faz analisar o cenário econômico atual, a crise mundial e a tão especulada necessidade de
flexibilização e até mesmo de desregulamentação dos direitos trabalhistas.
Atualmente, como é sabido, muitos especialistas, sobretudo os que perfilham a uma
corrente neoliberal, acusam a suposta rigidez da legislação laboral do fracasso e colapso do
sistema capitalista, sem atentarem-se, contudo, para a grande vilã deste cenário, que é a busca
desenfreada pelo lucro.
Isso porque, para se alcançar uma conclusão racional acerca da existência de
progresso ou retrocesso da contratação terceirizada (ou temporária, como no ordenamento
jurídico português), é de suma relevância entender as circunstâncias de sua criação, bem
como a evolução histórica das relações de trabalho, tendo como certo que as normas jurídicas
devem evoluir junto com a sociedade, sob pena de se tornarem, por fim, meras palavras
mortas e ineficazes, capazes de engessar toda uma coletividade.
Objetiva-se, ademais, através de uma reflexão racional, concluir acerca da
valorização social do trabalhador frente ao mercado capitalista globalizado que motiva a
terceirização flexibilizada, não perdendo de vista o ser humano como sujeito de direito a
uma vida digna e não apenas como uma mercadoria.
Palavras-chave: capitalismo, globalização, flexibilização, dignidade, terceirização,
trabalho.
5
ABSTRACT
The purpose of this study is to analyze the phenomenon of outsourcing in the
Brazilian legal system by drawing a brief parallel with the situation of temporary work in
Portugal, determining its scope, its limitations and its purpose, as well as seeking, in the end,
whether hiring Can be considered as a form of modernization of labor law, or if, on the other
hand, the already scarce worker rights would be precarious.
In order to reach the final objective of the current research, it is necessary to
analyze the current economic scenario, the world crisis and the so speculated need for
flexibilization and even deregulation of labor rights.
Today, as is well known, many experts, especially those who follow a neoliberal
trend, accuse the supposed rigidity of labor legislation of the failure and collapse of the
capitalist system, without, however, paying attention to the great villain of this scenario,
which is the Unbridled search for profit.
This is because, in order to arrive at a rational conclusion about the existence of
progress or retreat from outsourced contracting (or temporary, as in the Portuguese legal
system), it is of great importance to understand the circumstances of its creation, as well as
the historical evolution of labor relations , With the certainty that legal norms must evolve
along with society, under penalty of becoming, in the end, mere words dead and ineffective,
capable of engulfing a whole collectivity.
It is also intended, through a rational reflection, to conclude about the social
valorization of the worker in front of the globalized capitalist market that motivates a
flexibilization outsourcing, not losing sight of the human being as subject of right to a life
worthy and not just as a merchandise.
Keywords: capitalism, globalization, flexibility, dignity, outsourcing, job.
6
SIGLAS E ABREVIATURAS
ART – Artigo
CF – Constituição Federal
CIPA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes
CLT – Consolidação de Leis Trabalhistas
CNI – Confederação Nacional de Indústria
CRP – Constituição da República Portuguesa
CT – Código do Trabalho
DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
NR – Norma Regulamentadora
Nº. – Número
OIT – Organização Nacional do Trabalho
OJ – Orientação Jurisprudencial
ONU – Organização das Nações Unidas
ORT –Organização Racional do Trabalho
PL – Projeto de Lei
TRT – Tribunal Regional do Trabalho
TST – Tribunal Superior do Trabalho
7
ÍNDICE
Introdução ......................................................................................................................... 10
CAPÍTULO 1 – O surgimento do Direito do Trabalho no mundo: tripalium ao wellfare
state ..................................................................................................................................... 13
1.1 - Gêneses ........................................................................................................................13
1.2 - Pré-história e a divisão do trabalho por sexo ...............................................................13
1.3 - Idade Antiga e a escravidão .........................................................................................14
1.4 - Idade Média e a servidão ..............................................................................................15
1.5 - Idade Moderna e a decadência das corporações de ofício ............................................15
1.6 - Édito de Turgot e a Revolução Francesa .....................................................................16
1.7 - Idade Contemporânea e o liberalismo .........................................................................17
1.8 - Rerum Novarum e Wellfare State ...............................................................................18
1.9 - No Brasil ......................................................................................................................19
1.10 - Em Portugal ...........................................................................................................20
CAPÍTULO 2 – Entre o capital e o trabalho: as formas de produzir lucro.................22
2.1– O que é capitalismo? ...................................................................................................22
2.2 - A tumultuada relação entre trabalho e capital ............................................................24
2.3 - Taylorismo, Fordismo e Toyotismo ...........................................................................28
2.4 - A livre iniciativa e a dignidade da pessoa humana ....................................................30
2.5 - A crise do sistema capitalista e o desemprego estrutural ..........................................34
CAPÍTULO 3 – A globalização e a flexibilização dos direitos trabalhistas................38
3.1 – A globalização ..........................................................................................................38
8
3.2 – A responsabilidade social da empresa ........................................................................39
3.3 – “Souplesse”: flexibilização dos direitos como solução para a crise............................41
3.4 – Diferença entre flexibilização e desregulamentação ..................................................45
3.5 – Direito ao trabalho digno. O que diz a OIT? ..............................................................46
3.6 – Flexicurity: A solução europeia para a flexibilização dos direitos trabalhistas .........49
CAPÍTULO 4 – A Terceirização da mão-de-obra e seus reflexos.................................52
4.1 - O que é Terceirização? ...............................................................................................52
4.2 - A Terceirização no ordenamento jurídico..................................................................56
4.3 – Terceirização e intermediação de mão-de-obra ........................................................59
4.4 – Tipos de Terceirização...............................................................................................60
4.4.1 – Conforme o prazo de duração .............................................................................60
4.4.2 – Conforme a regularidade (licitude) ou irregularidade (ilicitude).........................61
4.4.2.1 – Regulares .............................................................................................................61
4.4.2.2 – Irregulares............................................................................................................68
4.4.3 – Conforme a obrigatoriedade ..................................................................................69
4.5 – Atividade-meio e atividade-fim ...............................................................................69
4.6 – Da Responsabilidade ................................................................................................72
4.6.1 – Responsabilidade na terceirização regular ou lícita ...........................................72
4.6.2 – Responsabilidade na terceirização irregular ou ilícita ........................................73
4.7 – Efeitos deletérios da terceirização ............................................................................73
4.7.1 – Desigualdade salarial ..........................................................................................74
4.7.2 – A questão do enquadramento sindical ................................................................80
4.7.3 - Segurança, medicina e higiene no trabalho .........................................................89
4.7.4 - Alta rotatividade e a subordinação estrutural ......................................................91
4.7.5 – Dificuldade de aplicação da norma mais favorável. Inaplicabilidade da norma
coletiva firmada pela tomadora .............................................................................93
4.7.6 - Redução dos benefícios legais, jornada excessiva e não progressão na
carreira....................................................................................................................94
4.8 – Subcontratação ou outsourcing no ordenamento português ....................................96
9
4.8.1 – Trabalho temporário segundo o ordenamento jurídico português .......,.............97
4.9 – Por que terceirizar? Vantagens e desvantagens da terceirização ......,....................100
4.10 – Cooperativas .................................................................................,...................102
4.11 – Terceirização na Administração Pública ..........................................................104
4.12 – Reflexos da Terceirização .................................................................................107
4.13 – PL 4330/2004. Principais pontos de mudança...................................................108
4.13.1 – Quarteirização ...................................................................................................110
4.14 – Terceirização no mundo ....................................................................................111
CONCLUSÃO ................................................................................................................112
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................118
10
Introdução
Iniciar os estudos acerca de um ramo do Direito compreende, necessariamente,
estudar seu ponto de partida, sua origem, suas causas e seu ponto de interesse social, para
que, então, se possa desenvolver o raciocínio em face de seus princípios norteadores, regras,
abrangências e consequências.
Não há, no mundo jurídico, como se analisar conceitos e aplicações normativas sem
que, antes, se tenha compreendido o real motivo do nascimento da
normatização/sistematização do instituto.
A influência social do Direito do Trabalho sobre a vida do homem é incontestável. É
o trabalho a principal fonte de vida dos seres humanos. É através do trabalho e sua
remuneração que o homem pode conhecer a liberdade, a dignidade e passou a sonhar,
realizar.
Ocorre que, com o desenvolvimento da atividade laboral, com a busca do homem e
seus anseios pelo conhecimento e pela concretização da sobrevivência diária uma
tumultuada e tensa relação passou a surgir.
A convivência humana, por sua própria natureza, sua interação e dependência
acabaram, ainda que naturalmente, fazendo surgir conflitos atualmente potencializados em
larga escala pela globalização e sua acelerada produção visando incessantemente a obtenção
de lucros1.
Esta relação, constituída, então, de um lado, por quem presta serviços e de outro por
quem os contrata, de interesses extremamente opostos, foi, aos poucos, sendo regulamentada
em todo o mundo, representando, atualmente, o ramo jurídico responsável por regulamentar
1 Relevante comentário acerca das dificuldades encontradas no ambiente de trabalho é de Fela Moscovici, pelo
qual: “pessoas convivem e trabalham com pessoas e portam-se como pessoas, isto é, reagem às outras pessoas
com as quais entram em contato: comunicam-se, simpatizam, e sentem atrações, antipatizam e sentem
aversões, aproximam-se, afastam-se, entram em conflito, competem, colaboram, desenvolvem afeto. O
processo de interação humana é constituído através dessas reações voluntárias ou involuntárias, intencionais
ou não- intencionais”. MOSCOVICI, Fela. Desenvolvimento Interpessoal. Rio de Janeiro, 1998, p. 34
11
tal relação, bem como proporcionar, em larga escala, a paz social e o equilíbrio entre o
trabalho e o lucro.
Respaldados pelo princípio da liberdade de contratar e gerir as fábricas como melhor
entendessem e diante de um Estado liberal, a ganância e o lucro dos burgueses ganhava cada
vez mais espaço frente à desconhecida valorização social do trabalho e do trabalhador.
O Direito do Trabalho, assim como os demais ramos jurídicos, surgiu, como se verá
ao longo deste trabalho, em momento histórico de eclosão da extrema necessidade social de
criar regras reguladoras da prestação de serviço humano, sem as quais ter-se-ia a barbárie, a
exploração desmedida e a perpetuação da coisificação humana.
Neste contexto, viu-se surgir, regulamentar, questionar e decair em credibilidade o
direito laboral.
Questionado atualmente quanto a sua importância por aqueles a quem somente o
lucro e a economia trazem progresso a um Estado, tenta o Direito Laboral sobreviver, se
equilibrar e se enquadrar no contexto explorador do mundo capitalista.
É fato que as ciências jurídicas, como um todo, devem ter mobilidade suficiente para
se enquadrar às necessidades da sociedade que está sempre em constante transição e de
engessado não se pode culpar o Direito do Trabalho, como se vem tentando fazer.
É que o mundo capitalista globalizado, de concorrência desleal, sobretudo para os
países mais pobres, exige tecnologia avançada, capaz de dar respostas momentâneas, de
atender na velocidade máxima aos altos e baixos do mercado financeiro e de criar cada vez
mais lucro.
Neste sistema, que gera o próprio colapso pela superprodução, não se tem mais a
quem culpar pela estagnação lucrativa senão ao trabalhador. Nesta acepção, não importa
quantas novas legislações tentem enquadrar o direito social aos ditames capitalistas (e assim
é tanto no Brasil quanto em Portugal), já que a única resposta pretendida é o retorno à
escravidão humana.
A intenção do presente trabalho funda-se, neste contexto. Nesta linha tênue
compreendida entre a liberdade de iniciativa impulsionadora do lucro a qualquer custo e a
12
valorização social do trabalho, pois, como se sabe, flexibilizar direitos mínimos da parte
mais frágil da relação irreversível de trabalho é a bandeira da vez.
No ordenamento jurídico brasileiro é a terceirização que vem sendo apontada como
grande possibilidade de salvar as pequenas e grandes empresas da bancarrota, assim como
se visualiza, em Portugal, através da contratação atípica de trabalhadores temporários.
Como será demonstrado a seguir, as modalidades acima citadas, apontadas pelo
mundo econômico como a conservação de milhares de postos de emprego, não passam,
outrossim, de desvalorização, banalização e precarização do trabalho humano em prol da
maior lucratividade. Tanto na esfera estatística quanto lógica, os argumentos utilizados para
convencer tratarem-se tais institutos de modernização não funcionaram.
É que os fins não justificam os meios.
Será demonstrado que os efeitos deletérios das práticas da terceirização não trazem
progresso, eis que não existe futuro não obscuro não precarização da força de trabalho do
próprio destinatário do mercado capitalista.
Seria, de fato, o retrocesso e a assunção de culpa pela crise por parte dos
trabalhadores a única opção para se obter o progresso ou será a exploração a maneira mais
vantajosa economicamente de poder?
É neste contexto que analisamos se a terceirização, tal como proposta e prevista, de
fato, se apresenta como a solução para salvar, da crise, o direito das relações laborais. Se o
cenário econômico é seguro para sustentar a modernização através da flexibilização de
direitos dos trabalhadores ou se a proposta não representa, outrossim, um retrocesso jurídico
cedido ao capitalismo desmedido.
13
Capítulo 1
O SURGIMENTO DO DIREITO DO TRABALHO NO MUNDO: TRIPALIUM AO
WELLFARE STATE
1.1 Gêneses
A história da criação da Terra e da vida por Deus, tal qual demonstrado no “livro da
criação”, já apresentava, o que se pode chamar, de primeiros registros da organização de
trabalho.
Narra, a obra, que Deus teria levado seis dias para criar o céu e a terra a partir do
nada e que, ao sétimo dia, descansou, santificando-o como dia de repouso.
Ressalta-se, ainda, que, ao sexto dia, Deus criou a humanidade através de Adão, e,
posteriormente, Eva, tendo a estes designados cuidar e se alimentar dos frutos do Jardim do
Éden.
De todos os frutos do Jardim não era permitido a Adão e Eva alimentarem-se do fruto
do conhecimento, porém, assim o fizeram, tendo se alimentado do fruto proibido e sido,
portanto, condenados com o trabalho pesado2.
Deste modo, evidencia-se desde então, na visão cristã, o caráter punitivo do trabalho,
sendo este necessário para a própria subsistência da humanidade, não sendo por outro motivo
sua descendência da palavra tripalium – instrumento feito de três paus aguçados, com pontas
de ferro, que representa, ainda, objeto de tortura.
1.2 Pré-história e a divisão do trabalho por sexo
2 Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/G%C3%AAnesis. Acessado em: 10/04/2017.
https://pt.wikipedia.org/wiki/G%C3%AAnesis
14
Data a época pré-histórica de antes de 4.000 a.C., ou seja, antes mesmo do
desenvolvimento da escrita.
Nesta época os homens viviam em bandos, inicialmente habitando cavernas e
migrando de um para outro lado toda vez que acabam os alimentos de determinado local.
Aos poucos, principalmente a partir do domínio do fogo, o homem passou às
residências fixas e ao cultivo da terra, havendo, já neste período, a divisão de tarefas entre
homens e mulheres, sendo aqueles responsáveis pelo sustento da família e estas pela criação
dos filhos.
Desenvolvendo-se ainda mais, o homem passou à metalurgia, responsável pela
criação de objetos que possibilitaram a especialização da caça e produção de suas
necessidades, surgindo, assim, trabalhos mais especializados.
1.3 Idade Antiga e a escravidão
Com o aumento da produção, alguns integrantes passaram a dominar outros e então
a escravizá-los.
Nesta época, o trabalho, que era visto como castigo, passou a ser associado à ideia
de mercadoria do prestador, contribuindo, assim, para a visão de propriedade do senhor para
com o escravo.
Sendo um objeto e não um sujeito de direito, não recaia sobre o escravo qualquer
direito, menos ainda os trabalhistas, devendo apenas trabalhar, o que constituía uma
atividade sem dignidade3.
A par dos escravos, haviam os artesãos, que eram homens livres e trabalhavam de
forma autônoma, associados em colégios romanos.
Com o aumento da população e da produção alguns senhores passaram a arrendar
mão-de-obra escrava de outros senhores, o que culminou, posteriormente, com o surgimento
3 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 4.
15
da locatio conductio, contrato semelhante ao de locação de coisas, pelo qual homens de
baixo poder aquisitivo, porém, livres, locavam a outros seus serviços4.
1.4 Idade Média e a Servidão
Do Século V ao XV evidencia-se o período feudal, sendo o trabalho executado pelo
servo da gleba, que, apesar de terem situação bem próxima à dos escravos, eram
reconhecidos como pessoas e não como coisas.
Os senhores feudais davam aos servos proteção militar e política, em razão das
invasões de terras pelo Estado e pelos bárbaros, e, em troca, os servos eram submetidos a
desumanas cargas de trabalho, além de poderem ser encarcerados e maltratados.
A partir do Século X surgiram as corporações de ofício, consistentes em associações
de pessoas especializadas em determinada função, constituídas por mestres, aprendizes e
operários, com objetivo de melhor defender seus interesses e proporcionar negociações mais
eficientes, sem que possa se falar, contudo, ainda, em qualquer direito trabalhista56.
1.5 Idade Moderna e a decadência das corporações de ofício
O crescimento e diversificação das atividades comerciais, bem como a
monopolização por parte dos mestres, aliado ao desenvolvimento do sistema bancário,
inovações nos métodos de produção e surgimento de novas relações de trabalho, levaram à
decadência das corporações de ofício.
4 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 54.
5 PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Manual de Direito do Trabalho. 14ª ed. Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: Método, 2010, p. 2. 6 Os aprendizes, destaca-se, eram submetidos a jornadas de trabalho extremamente exaustivas, sendo, em
média, 14 horas de labor diários, como bem lecionada Sérgio Martins, em sua obra. MARTINS, Sérgio Pinto.
Direito do Trabalho. 23ª edição. São Paulo: Atlas, 2007., p. 5.
16
O surgimento de novas indústrias levou ao enfraquecimento das manufaturas, que,
fizeram surgir novo tipo de organização semelhante ao fabril.
Além disso, viu-se nascer também o trabalho doméstico, pelo qual os artífices, em
suas próprias casas, produziam por encomenda a mando dos empresários, que,
posteriormente, vendiam o produto no mercado.
Observa-se, neste ponto, que a intenção dos empresários era, desde já, introduzir
novas técnicas que possibilitassem a maior obtenção de lucro diante da redução de custos o
quanto fosse possível.
Com a cada vez maior dependência dos operários frente aos empresários, que lhes
forneciam não só a matéria-prima como também ferramentas para o trabalho e, muitas das
vezes, reunidos em oficinas para melhor desenvolvimento da atividade e controle da
exaustiva carga horária, via-se nascer o sistema fabril.
Nesta época, continuavam desumanas as condições de trabalho, uma vez que o
trabalhador não possuía qualquer proteção. O ambiente de trabalho não possuía adequadas
condições sanitárias, tampouco os salários eram justos. As jornadas exaustivas e as
condições precárias davam ensejo à proliferação de doenças, epidemias e criminalidade.
1.6 Edito de Turgot e Revolução Francesa
Em 1776, diante da crise do sistema das corporações de ofício que levou à sua
decadência, frente ao sistema abusivo e subumano com que eram tratados os operários e os
pobres, Turgot introduziu seus seis Éditos, extinguindo as corporações de ofício, na ânsia
por mudanças sociais, tendo sido dispensado em seguida do seu cargo de controlador geral
pela rainha Maria Antonieta7.
O Édito de Turgot, pode-se dizer, deu origem ao que hoje conhecemos como
princípio da livre iniciativa.
7 OLIVEIRA, Silvério da Costa. Reflexões Filosóficas. 5ª ed. Rio de Janeiro, 2013., p. 145.
17
Após, com a Revolução Francesa iniciada em 1789 e, posteriormente, espalhada por
toda a Europa, foi instaurado período de grandes transformações, extinguindo-se privilégios
feudais, aristocráticos e religiosos, sob novos princípios da igualdade, liberdade e
fraternidade.
As causas da revolução foram não só sociais como econômicas e foi subdividida em
quatro períodos: Assembleia Constituinte, Assembleia Legislativa, Convenção e Diretório.
O primeiro período, da Assembleia Constituinte, culminou na supressão de direitos
feudais, imunidades e privilégios e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Contudo, apenas em 1791 é que as corporações de ofício e seus abusos foram
suprimidos através do Decreto Dllare, que favorecia a liberdade contratual, tendo, ainda, a
Lei Chapelier, no mesmo ano, proibido o restabelecimento das mesmas, bem como a reunião
de trabalhadores.
1.7 Idade Contemporânea e o liberalismo
Em razão dos princípios advindos do liberalismo contemplado pela Revolução
Francesa, o trabalho se tornou livre, assim como a contratação do trabalho de uma pessoa
em benefício de outra, mediante contraprestação remunerada. Aqui já não há subordinação,
mas um vínculo contratual8.
Se por um lado a Revolução Francesa contribuiu para a história por sua grande marca
ideológica, a Revolução Industrial, também iniciada no Século XVIII ofereceu sua base
econômica para o surgimento do Direito do Trabalho.
É nesta época que a força humana passa a ser substituída pelas máquinas, bem como
a transformação do Estado Liberal (liberdade contratual) em Neoliberal.
A Revolução Industrial trouxe consigo, ainda, enorme legião de desempregados, uma
vez que não havia preparo das pessoas para operarem as máquinas, além das condições ainda
8 PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Manual de Direito do Trabalho. 14ª. ed. Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: Método, 2010, p. 3.
18
desumanas de trabalho, frente a inexistência de regras que regulamentassem as atividades e
a liberdade de contratação sem interferência Estatal.
Neste contexto, a regra do mercado passou a ser a “da oferta e da procura” o que
contribuiu ainda mais para um massacre dos empregadores sob os trabalhadores, haja vista
a imposição de condições subumanas de trabalho e redução drástica das já ínfimas
remunerações9.
É importante salientar que, nesta época, vigorava o liberalismo, que tinha como
principal característica a omissão da intervenção do Estado, indiferente ao massacre social,
em defesa da total liberdade contratual, o que favorecia aos desmandos e crueldades por
parte dos patrões.
1.8 Rerum Novarum e Wellfare State
O delicado momento pelo qual passavam os trabalhadores, diante dos excessivos
danos que os vinham sendo causados, sendo estes morais, físicos e patrimoniais, as injustas
remunerações pelo trabalho prestado e o tratamento indigno, foram responsáveis por gerar
enorme clima de insatisfação.
A insatisfação coletiva gerou o que a doutrina denomina de “questão social”,
consubstanciado na ruptura do modelo liberalista, de não intervenção, passando o ao inicio
do intervencionismo estatal nas relações privadas, visando assegurar vida digna aos
operários.
Diante deste cenário observou-se a crescente união dos trabalhadores em busca de
melhores condições de trabalho, o que acontecia de forma, ainda, clandestina, ate virem a
ser, posteriormente, reconhecidos os Sindicatos oficialmente.
9 Como bem elucida Jorge Leite, “Com uma oferta de mão-de-obra sempre muito superior à sua procura, a
regulação do trabalho pelas leis do mercado traduziu-se na imposição unilateral das respetivas condições de
troca por parte do empregador. O contrato não era, afinal, um acordo entre iguais e a liberdade de uma das
partes pouco mais era do que a necessidade econômica de celebrar o contrato nas condições ditadas pela
outra”. LEITE, Jorge. Direito do Trabalho. Serviço de Ação Social da U.C.: 2003., p.5.
19
Neste momento, cristianismo e marxismo já se opunham ao liberalismo, em defesa
da dignidade humana e da não opressão a classe trabalhadora10.
Com maior preocupação da Igreja Católica frente aos abusos cometidos em
detrimento à dignidade dos trabalhadores, houve marcante intervenção da mesma através da
Encíclica Rerum Novarum, editada pelo Papa Leão II, que consistia em orientações (sem
obrigatoriedade) sócio filosóficas para intervenção do Estado nas relações laborais11.
Surgiram, então, as primeiras leis de proteção ao trabalhador, que foram,
paulatinamente, abarcando situações das mais às menos precárias e, responsáveis por
proteger os operários frente aos abusos dos empregadores, aos quais, agora, eram
juridicamente subordinados e não mais se encontravam à mercê das leis do mercado.
Em seguida, ao passo que aumentavam as preocupações com o bem-estar social, foi
instituído o Wellfare State, com o condão de frear os abusos do capitalismo e a liberdade
ilimitada do mercado frente aos anseios de melhores condições sociais12.
A partir de então, o Século XX ficou marcado pela constitucionalização dos direitos
trabalhistas, tendo a primeira destas, acontecido no México, em 1917 e, posteriormente, na
Alemanha, em 1919 (Constituição de Weimar).
Nesta seara, também em 1919, foi instituída a Organização Internacional do Trabalho
(OIT), pelo Tratado de Versalhes, com o objetivo principal de expedir convenções e
recomendações no que tange à proteção das relações empregatícias.
Em 1927 foi estabelecido, na Itália, o sistema corporativista, pela Carta Del Lavoro,
que tratou da organização das classes sociais, seu reconhecimento e representação. Este
sistema, é oportuno lembrar, foi adotado por muitos países, dentre os quais, Brasil e Portugal.
Outrossim, em continuidade ao estabelecimento de melhores condições sociais, em
1948, foi editada a Declaração Universal dos Direitos do Homem, com diversas normas
institucionalizadoras de melhores condições de trabalho, tais como limitação de jornada e
férias remuneradas.
10 BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo, LTR, 2011., p. 32 11 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo, Atlas, 2009., p. 8. 12 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo, Saraiva, 2011., p. 85.
20
1.9 No Brasil
Como visto no cenário mundial, até o Século XIX, o trabalho escravo era o que
predominava na sociedade, caracterizado, principalmente, pelo não reconhecimento do
trabalhador como ser humano, mas sim como mercadoria, que prestava trabalho gratuito e
forçado.
Mundialmente, tem-se que o Direito do Trabalho surgiu em resposta às Revoluções
Francesas e Industrial, no Século XVIII, somente tendo sido elevado ao status constitucional,
com a criação de sua Justiça própria, no Brasil, em 1934, pela respectiva Constituição da
República.
Desde então, algumas leis esparsas foram regulamentadas para consagrar certos
direitos aos trabalhadores, tais como: a estabilidade no emprego após dez anos de serviço, o
salário mínimo, participação nos lucros da empresa, repouso semanal remunerado, dentre
outros.
Somente em 1943 foi compilada a Consolidação das Leis Trabalhistas, quando, a
partir de então, observou-se vasta ampliação do mercado interno e da produção industrial, e,
com isso, o crescimento do número de assalariados.
A partir da sistematização, no texto da CLT, dos direitos mínimos e fundamentais do
trabalhador, tornou-se mais acessível o conhecimento, aos mesmos e aos empregadores, dos
seus direitos.
1.10 Em Portugal
A primeira previsão legal envolvendo direito do trabalho, em Portugal, se deu no
Código Civil de 1867, que, portanto, tratou a relação empregatícia como contrato de natureza
meramente civil.
21
Somente no final do Século XIX é que se pode considerar o nascimento do direito do
trabalho, com normas de proteção ao trabalhador, o que não era considerado ao tratar-se a
questão como contrato civil.
A partir de 1933 é que foi possível visualizar maior avanço, em Portugal, das
preocupações com a regulamentação de leis trabalhistas. Assim, através do Decreto-Lei
23048 (Estatuto do Trabalho Nacional), surgiu a primeira compilação da história do Direito
do Trabalho português13.
Somente em 2003 foi editado o primeiro Código do Trabalho Português, diante da
necessidade de organização do cenário jurídico laboral em face dos diversos textos
legislativos esparsos, que dificultavam sobremaneira o acesso à justiça, bem como a eficaz
aplicação legal.
Além da necessidade de sistematização das leis esparsas, a edição do Código do
Trabalho tinha finalidade, ainda, de aumentar a flexibilidade da organização do trabalho e
incentivar a contratação coletiva.
Em 2009 o texto de 2003 sofreu uma revisão com intuito maior de combater as
fraudes laborais e a precariedade artificial, compreendidas na devastadora crise financeira
que se iniciou em 2008, levando à necessidade de flexibilização dos direitos trabalhistas.
Desde então, vem o Direito do Trabalho se preocupando com a flexibilização dos
custos do trabalho, haja vista a crise econômica mundial e a necessidade de adequar a esfera
laboral ao novo cenário político empresarial.
13 MONTEIRO, Antonio Fernandes. Direito do Trabalho. Almedina: 2014., p. 35.
22
Capítulo 2
Entre o capital e o trabalho: as formas de produzir lucro
2.1 O que é o capitalismo?
O sistema capitalista teve início na Europa, durante a transição da Idade Média pra a
Idade Moderna, ao passo que a vida econômica e social era transplantada dos feudos para a
cidade.
Diante do declínio da servidão, observado no meio rural, e as revoltas camponesas
em vista das condições desumanas de vida, pode-se notar a crescente migração para a cidade.
Na cidade, contudo, observava-se a alta do comércio pela burguesia em busca
incessante pelo lucro e, com a economia em franco desenvolvimento, surgem os banqueiros
e cambistas, atividades estas em ebulição devido ao dinheiro em circulação.
Estamos diante, agora, da substituição do modelo de produção feudal pelo capitalista,
sistema econômico predominante, devido às revoluções sociais que marcaram a Idade
Moderna.
É importante recordar, ainda, que o capitalismo podia ser visualizado já na época das
Grandes Navegações, diante do acúmulo de riqueza gerado pelo comércio de especiarias e
matérias-primas dos países colonizados – época esta em que é conhecido como pré
capitalismo -, além das desigualdades geradas desde então, através da exploração.
Evoluindo para a Revolução Industrial, tem-se o acúmulo de riqueza proveniente do
comércio industrial das fábricas, cuja produção multiplicava-se devido a maior utilização
das máquinas, em contraponto ao desemprego, péssimas condições de trabalho e todo tipo
de opressão.
Após a Segunda Guerra Mundial, já no Século XX, temos o surgimento do
monopólio financeiro capitalista, incentivado pelo Estado, caracterizado pelo rápido
crescimento da economia – impulsionado pela globalização - e centralização do capital,
favorecendo, assim, as grandes empresas e a monopolização que persistem até os dias atuais.
23
O capitalismo, visto, assim, por seus críticos, ao passo que, decerto, provocam largo
crescimento da produção também é o maior responsável pelas contradições entre as classes
burguesa e operária, o que, por consequência, acarreta em crises periódicas ao longo da
história (como exemplo podemos citar a crise do dólar de 1971).
É nítido, nesse sentido, o motivo originário causador do abismo entre as classes. À
medida em que se observa a alta dos preços, proveniente da inflação, o custo de vida também
encarece, desaguando, por seu turno, no desemprego.
Em defesa do capitalismo, Jason Brennan observa que o socialismo possui um viés
moral ao qual a espécie humana, egoísta e gananciosa, não está pronta ou disposta a
funcionar. Prossegue seu estudo acerca da defesa do sistema capitalista atentando para a
utopia dos proclames socialistas, que exigem, de forma inatingível, que o ser humano seja
altruísta e benevolente14.
Em referência a Gerald Cohen, ferrenho defensor do sistema socialista, Brennan cita
seu argumento de que se houver desigualdade entre os indivíduos de uma mesma sociedade,
não será possível viver em comunidade, ao passo que a falta de empatia, naturalmente, gerará
exclusão daquele que se encontra em posição desfavorável15.
Na sociedade moderna, tendo o instinto egoísta e ganancioso do ser humano como
paradgma, é forçoso concluir que, apesar do socialismo representar um modelo mais justo e
solidário, este é de aplicação inviável16.
Tal conclusão pode ser comprovada pelo fato de que não estão dispostos, todos os
seres humanos, a receber idêntica recompensa pelos trabalhos prestados. Isto porque, em
verdade, é tendência humana a ganância por maiores remunerações ou melhores
14 BRENNAN, Jason. Capitalismo. Porque não? Em defesa do capitalismo. Gradiva. Lisboa: 2016., p. 14. 15 Conclui Brennan, tendo em vista a visão socialista de Cohen, que “Se isso é assim, significa que toleramos
o capitalismo apenas porque pensamos que devemos fazê-lo. Toleramos o capitalismo apenas porque
pensamos que não sabemos como fazer o socialismo funcionar da maneira certa. Talvez, tendo em conta
nossas falhas morais e cognitivas, o capitalismo seja um bem. Mas o socialismo seria preferido se os seres
humanos fossem moralmente melhores”. BRENNAN, Jason. Capitalismo. Porque não? Em defesa do
capitalismo. Gradiva. Lisboa: 2016., p. 23. 16 Toma-se, como exemplo, o fracasso econômico, e para a maioria dos doutrinadores, até mesmo social, dos
países que adotaram o sistema socialista, como, por exemplo: União Soviética, Coreia do Norte e Cuba. Deve-
se, ainda, atentar para o fato de que, por outro turno, os países que adotaram o sistema capitalista, tais como:
Estados Unidos da América, Suiça, Hong Kong, apresentaram crescimento econômico-social extremamente
altos.
24
recompensas quando julgam que seu trabalho ou esforço é mais valioso que do outro, ao que
definem como motivação.
Em meio a várias vertentes sobre vantagens e desvantagens do sistema capitalista,
predominante desde o século XX, é imperioso destacar, com vistas ao presente estudo, as
violentas crises economico-financeiras que acometem o cenário mundial, e, por óbvio,
refletem nas relações de trabalho.
A alta dos preços pela inflação, o favorecimento aos monopólios em detrimento aos
pequenos proprietários resultam no encarecimento desordenado da vida e, com isto, no
desemprego.
Nesse cenário de inflação, prejuízos e desemprego alarmante é que surgem políticas
sociais e reformas, muitas das vezes disfarçadas de boas intenções, na tentativa de conter (ou
convencer) a crise instalada. Isto ocorre, como historicamente pode-se observar, através de
promessas de abertura de postos de emprego, ainda que com piores condições de trabalho.
É em tempos de crise capitalista que, ao que se percebe, os governantes se aproveitam
da ideia de que qualquer direito é melhor que nenhum direito, quando, em verdade, o que se
pretende é que qualquer direito seja suficiente para o apoio da população para maior
obtenção de lucros por parte da minoria monopolista em face da real opressão operária17.
2.2 A tumultuda relação entre trabalho e capital
Tendo visto sucintamente a evolução histórica e imposição do sistema capitalista
mundial, observa-se o nítido intuito deste: maior acúmulo de riqueza através do lucro em
menor tempo possível com aceleramento da produção.
A maior agilidade na produção e, em consequência, na geração de lucro, pressupõe,
como se sabe, maior exploração e opressão da classe operária, em favor dos interesses
17 Ao citar Lenine, bem observa à respeito da ganância pela obtenção de lucros L. Tarassov e K. Ianov:
“enquanto o capitalismo for capitalismo, o excedente dos capitais é consagrado não a elevar o nível de vida
das massas num determinado país, porque daí resultaria uma redução dos lucros para os capitalistas, mas a
aumentar esse lucro pela exportação de capitais para o estrangeiro”. L. TARASSOV; K. IANOV. Os
Trabalhadores e o Capitalismo Monopolista de Estado. Estampa, Lisboa, 1974., p. 7.
25
patronais e do estímulo, pelo Estado, dos supermonopólios – ocasionando, por fim, cada vez
maior abismo entre as classes18.
Assim, com o domínio do sistema capitalista, as formas de produção do lucro
passaram por diversas transformações, tendo sido necessária, por conseguinte, uma reforma
no modelo de organização do sistema trabalhista.
É neste cenário de intensa disputa pela obtenção de lucro e acúmulo de riquezas que
surgem os modelos taylorista, fordista e toyotista (e, atualmente, a terceirização), todos
pensados e executados de modo a acelerar a produção em detrimento à saude mental e física
dos trabalhadores, como se verá detalhadamente a seguir.
Após a Revolução Científica, por exemplo, oberva-se o predomínio da formação
teórica e emprego racional, ao passo que perdem lugar os trabalhadores menos qualificados,
dotados de conhecimento mais empírico do que técnico, assim como aqueles que adquiriram
habilidade no ofício através da prática, tornando inúteis ou até mesmo inservíveis, aqueles
trabalhadores menos qualificados, o que favorece, outrossim, a minoria com melhores
condições financeiras.
Oportuno, por outro lado, destacar também que o processo de concentração e
monopólio financeiro, gerador e perpetuador da cada vez maior distância entre as classes
sociais, é responsável pela maior organização laboral, e, com isto, da maior concentração de
força e alargamento das lutas político econômicas.
Com a qualificação profissional acelerada e o mais acentuado abismo entre
trabalhadores agora qualificados - em especial burgueses -, e não qualificados, começam a
surgir outras questões baseadas ao pagamento pela prestação do trabalho associado às
condições do seu desenvolvimento.
Os novos desentendimentos começam a surgir posto que, se de um lado o
patrão/empresário pretende auferir cada vez mais lucro com menor gasto com a produção,
18 Citando colocação de Leonid Brejnev durante o relatório do Comitê Central do P.C.U.S. ao XXIV Congresso
L. TARASSOV; K. IANOV descrevem que: “face à necessidade de lutar contra o socialismo, os meios
dirigentes dos países capitalistas temem mais do que nunca ver a luta de classes tomar a forma de um
movimento revolucionário de massas. Daí, o desejo da burguesia de recorrer a formas mais dissimuladas de
exploração e de opressão dos trabalhadores, daí a sua tendência para aceitar, em certos casos, reformas parciais
a fim de manter as massas, na medida do possível, sob o seu controle ideológico e político”. L. TARASSOV;
K. IANOV. Os Trabalhadores e o Capitalismo Monopolista de Estado. Estampa, Lisboa, 1974, p. 09.
26
por outro lado encontra-se o trabalhador, prestador de mão-de-obra, o qual, através da
prestação de um serviço, pretende ser justamente remunerado, ao ponto que possibilite sua
subsistencia digna.
Desta feita, o que seria, então uma remuneração justa? A quem cabe definir os
parâmtros de uma subsistência justa? Quais seriam os limites entre a lucratividade e o dever
de remunerar? Qual o papel social do empregador perante o mercado de trabalho?
Tais questões, longe de serem abstratas, constituem a origem do eterno impasse entre
a classe dos trabalhadores e dos empregadores. Se, por um lado, se pretende a valorização
do trabalho, por outro o interesse é da ilimitada obtenção de lucro sem intervenção estatal.
Em resposta a tais questionamentos, podemos garantir que, em regra, a classe
trabalhadora é remunerada aquém das suas necessidades normais, frente a vontade dos
patrões em obter lucro, sendo tais pretensões opostas entre si: lucro e justiça social19.
Um exemplo prático seria o disposto no art. 7º, inciso IV da Constituição Federal,
que impõe, como direito do trabalhador, o salário mínimo unificado nacionalmente, cujo
valor deverá ser capaz de atender não só as suas necessidades vitais básicas, como também
de sua família, o que, como é sabido, não acontece20.
Apesar da intensificação do trabalho e de sua cada vez maior exploração, as baixas
remunerações se devem à intelectualização do trabalho, exigida pela maior modernização
das indústrias, em detrimento do rebaixamento salarial e elevado dsemprego da maioria
massiça dos operários que não tem acesso a qualquer estudo.
Na década de 60 a racionalização do trabalho (produção em cadeia), resultou, pela
repetição já inconsciente dos movimentos, no emburrecimento da classe operária, além de
19 Para L. Tarassov e K. Ianov, a força de trabalho depende das faculdades físicas e intelectuais do organismo,
da intensidade de sua utilização, da racionalidade, do nível de formação profissional do trabalhador, bem como
das suas condições materiais e sociais de vida. L. TARASSOV; K. IANOV. Os Trabalhadores e o Capitalismo
Monopolista de Estado. Estampa, Lisboa, 1974., p. 80. 20 Art. 7º da CF: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de
sua condição social: IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas
necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene,
transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada
sua vinculação para qualquer fim”.
27
acentuado número de estresse psico traumático, doenças motoras, além de mortes de
trabalhadores, sobretudo diante da falta de segurança no ambiente de trabalho21.
O sistema capitalista, ao que se vê, pretende o lucro a qualquer custo, ainda que às
custas da mínima qualidade de vida ou até mesmo da saúde do trabalhador.
Frente à crise, o Estado, agora regulador e garantidor22, é chamado a regular os
serviços públicos, os salários, condições de trabalho, preços e formação profissional, ao
mesmo tempo em que concilia o mercado com as necessidades sociais, garantindo, assim, o
interesse público.
Isso porque, a partir da eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) o
liberalismo do Estado começou a perder forças, não tendo conseguido superar a crise
financeira causada por tal conflito, o que perdurou até a eclosão da Segunda Guerra Mundial
(1939-1945), quando o agravamento da crise e todo o esforço para recuperação não foi
eficaz, tendo sido evidente que Estado e Sociedade não funcionariam como entes autônomos.
Tal percepção fez nascer o Estado-providência, em substituição ao Estado-liberal.
O até então Estado-liberal caracterizava-se pela não intromissão do Estado nas
necessidades do indivíduo. A liberdade consistia no fato de ser dado a cada indivíduo o poder
de fazer suas escolhas em prol de suas necessidades, enquanto o Estado deveria se incumbir
apenas de garantir as condições necessárias ao exercício desses direitos.
O chamado Estado-providência, nascido da necessidade de intervenção do Estado
frente à crise gerada pelo liberalismo, pressupõe o tipo de organização política-econômica,
no qual este deve agir como agente garantidor da promoção social e organizador da
economia.
21 No final da década de 60 e início da década de 70, o Brasil era considerado o campeão mundial em acidentes
de trabalho, tendo sido, em decorrência, editadas normas reguladoras sobre os serviços especializados em
engenharia de segurança e medicina do trabalho, bem como as comissões internas de prevenção de acidentes
do trabalho – CIPA, em caráter obrigatório. BISSO, E. M. O que é Segurança do Trabalho? São Paulo:
Brasiliense, 1990. 22 No final do Século XX, diante da necessidade de reorganização das tarefas públicas, a forma de intervenção
estatal no domínio econômico, fez surgir a função reguladora da economia, deixando de ser apenas um mero
executor de serviços públicos. Assim confirma Ladeur. KARL-HEINS, Ladeur. Der Staatgegen Die
Gesellschaft. Tubingen, Siebeck, 2006., p. 388.
28
Assim, frente à tumultuada relação entre capital e trabalho, causada pelo entrechoque
de interesses, passa a ser do Estado (garantidor) a responsabilidade de regular as condições
básicas de vida da sociedade, protegendo o cidadão contra os abusos do poder econômico.
2.3 Taylorismo, Fordismo e Toyotismo
Ainda utilizados em muitas indústrias pelo mundo, o taylorismo, fordismo e
toyotismo representam modelos de produção, apresentando, todos, o mesmo objetivo final:
maior produção e maior lucratividade.
No mundo capitalista, a racionalização dos meios de produção é tida como o meio
mais eficaz de se garantir baixas remunerações. À medida em que se acelera as operações, é
possível, explorar ao máximo, em cadeia de produção, a capacidade laborativa do ser
humano. Isto ocorre uma vez que os movimentos passam a ser executados repetidamente,
num tempo mínimo, tendo, como uma das principais consequências, o emburrecimento
profissional do trabalhador23.
Preconizado por Frederick Taylor, no início do Século XX, o Taylorismo representa
um modelo de produção focado na realização de tarefas com maior eficiência durante o
processo de produção.
Assim, o método desenvolvido pelo engenheiro norte-americano consiste em,
primeiramente, planejar a linha de produção, aplicando-se métodos testados, seguido da
seleção dos operários para realização das funções, devendo serem escolhidos quanto ao
critério da aptidão, ou seja, designando-se para o cargo aquele trabalhador que mais
especializado for para o mesmo.
É importante salientar que o método Taylorista consiste na designação e
aperfeiçoamento do operário tão somente para a função que executa. O trabalhador somente
terá responsabilidade pelo conhecimento estritamente necessário ao processo de execução
23 Como bem definem L. Tarassov e L. Ianov à respeito das cadeias de produção “a cadeia anula, ou quase, o
papel do ato consciente; o que a caracteriza é uma excessiva divisão do trabalho, cadências rápidas, a
monotonia”. L. TARASSOV; K. IANOV. Os Trabalhadores e o Capitalismo Monopolista de Estado. Estampa,
Lisboa, 1974., p. 93.
29
que lhe compete, o que se denomina princípio da singularização das funções, ao passo que,
apenas ao gerente cabe o conhecimento e fiscalização acerca de todo o processo.
Ao gerente cabia, ainda, o controle das jornadas de trabalho dos funcionários, que só
tinham intervalos em horários pré-programados e se submetiam à ORT.
Como forma de superação do taylorismo, não obstante guardarem algumas
similitudes, Henri Ford foi responsável pela organização e implantação do modelo fordista
de produção, tendo como base o princípio da racionalização do trabalho e o controle do
mesmo pelo mercado econômico24.
De forma inovadora, Ford implementa ao modelo taylorista o sistema de linha de
montagem, reduzindo, assim, a perda de tempo útil durante a produção pelos operários.
Conhecido como o modelo japonês de trabalho e organização, Taiichi Ohno elaborou
o modelo toyotista de produção. Tal modelo, baseado em sua experiência como engenheiro
na empresa Toyota, surgiu da necessidade de atender as exigências do mercado frente à
necessidade de expansão dos lucros.
Surgido na década de 70 o sistema tinha como objetivo principal a flexibilização da
fabricação de mercadorias. Deste modo, observa-se a diminuição do número de operários
diante da produção sem estocagem, ao contrário do modelo anterior fordista.
Ou seja, o toyotismo prevalece-se da produção conforme a demanda, sem
acumulação de mercadorias no estoque aumentando-se ou diminuindo-se a fabricação de
forma proporcional ao encomendado, o que acabaria por flexibilizá-la.
Para possibilitar a viabilidade desse sistema, era utilizada a técnica do “just in time”
(em cima da hora), que se baseava na maior agilidade quanto ao fornecimento de matéria
prima, produção e venda, trazendo enorme economia para a empresa.
Importante destacar, quanto ao modelo japonês, a drástica diminuição do número de
trabalhadores, à medida que, contrariamente ao sistema fordista, o mesmo trabalhador
participava de várias etapas do processo produtivo.
24 FERREIRA, Cândido Guerra. Processo de trabalho, tecnologia e qualificação: notas para discussão.
UNICAMP, 2000., p. 07.
30
Para muitos autores e estudiosos desta área, o modelo toyotista vem sendo apontado
como percursor do sistema da terceirização, pois o foco dos dois modelos está no
fornecimento de serviços, ou seja, maior distribuição de mercadorias que propriamente de
produção.
2.4 A livre iniciativa e a dignidade da pessoa humana
Historicamente, a livre iniciativa teve origem no Édito de Turgot de 1776,
determinando que, deste então, seria livre a qualquer pessoa realizar qualquer negócio ou
exercer qualquer profissão, arte ou ofício, devendo, contudo, munir-se do que era conhecido
como “patente”, pagar as taxas que lhe fossem exigíveis e submeter-se ao regulamento que
lhe fosse aplicável.
O art. 179, XXIV da Constituição Imperial de 1824, no Brasil, assegurava que
nenhum gênero de trabalho ou comércio podia ser proibido, desde que não se opusessem aos
costumes, segurança e saúde dos cidadãos, o que foi reiterado pela Constituição da República
de 189125. Não cabendo ao Poder Público legislar no sentido de controlar a economia, uma
vez que tal interferência poderia ser considerada como um rompimento do equilíbrio das
forças econômicas.
Somente a Constituição de 1937 apresentou, pela primeira vez, a intervenção do
Estado no domínio econômico, onde, até então, prevalecia o liberalismo econômico26.
De acordo com o que se entende por Estado Liberal, cada indivíduo deve ser
responsável por suas próprias escolhas, considerando, para tanto, suas necessidades e o
25 Constituição da República Brasileira de 1891, art. 72, § 24: “é garantido o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial”. 26 Constituição da República Brasileira de 1937, art. 135: “Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a
prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as
deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os
seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação,
representados pelo Estado. A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a
forma do controle, do estimulo ou da gestão direta”.
31
melhor modo de satisfazê-las, sendo exigido do Estado que proporcione apenas as condições
básicas, permitindo, a cada cidadão, o livre exercício dos seus direitos.
A Constituição Federal de 1988, por fim, adotou a livre iniciativa, tal como
insculpida em seu art. 170, constituindo fundamento da ordem econômica e da República,
que assim prevê:
“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme
o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e
prestação;
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego;
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as
leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país.
Parágrafo único: é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade
econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos
previstos em lei”.
Pode-se afirmar que a liberdade de iniciativa compreende, então, o livre exercício da
atividade econômica, da liberdade de trabalho, ofício, profissão e de contrato. E mais, a
liberdade do empreendedor de organizar sua atividade empresarial de forma lícita e da
maneira que entenda ser mais conveniente27.
Muitos autores afirmam ser o princípio da livre-iniciativa, o pilar do capitalismo e,
que, visando este sistema o lucro irrestrito, estaria fadado ao entrechoque com as noções de
dignidade da pessoa humana28.
27 FUX, Luiz, ao reconhecer a repercussão geral no Recurso Extraordinário com Agravo nº. 713.211 de Minas
Gerais. 28 DALLEGRAVE NETO, José Afonso. Direito do Trabalho: Reflexões atuais. Curitiba: Juruá, 2010. P. 81.
32
Para outros, o princípio em tela configura nada mais que desdobramento ou projeção
da liberdade individual no plano da produção, circulação e distribuição de riquezas. Para
estes autores, a liberdade insculpida no texto constitucional não diz respeito apenas aos fins,
como também aos meios, ao passo que cabe ao empreendedor a escolha do processo ou meio
mais adequado para alcançar a finalidade empresarial almejada29.
Neste caso, seria o princípio da livre iniciativa absoluto? Quais seriam os limites
legais ou morais à liberdade de explorar, produzir e comercializar?
De acordo com o disposto no caput do art. 170 da Constituição Federal, a ordem
econômica tem por fim assegurar a todos uma existência digna, fazendo, assim, com que os
dois princípios se complementem e sejam interdependentes. Isso significa, em outras
palavras, que o capitalismo franqueado pela livre-iniciativa deve coexistir e, até mesmo,
subordinar-se aos preceitos de justiça social e dignidade da pessoa humana.
A Constituição Brasileira de 1988, traz, em seu primeiro artigo, como fundamento
da República, a dignidade da pessoa humana30, que, como se verá adiante, será responsável
por nortear e limitar a atividade econômica, quando gerida com excessos ou de modo
inadequado.
Nesse mesmo sentido, a Constituição Portuguesa de 1976, em seu art. 15, nº. 1 traz a
previsão de igualdade de certos direitos e deveres entre cidadãos portugueses e estrangeiros
e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal. Isto porque a Constituição lusitana
acompanhou a tendência da Declaração Universal dos Direitos do Homem em asseverar a
dignidade como preceito fundamental.
A par da característica de fundamento da República e da tendência mundial ao
estabelecimento do princípio da dignidade da pessoa humana como norte principal do
29 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 1997., p. 223. 30
Art. 1º. “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da
pessoa humana”;
33
direito, é dever também dos agentes políticos zelar pela sua eficaz aplicabilidade, tendo em
vista sua imprescindibilidade ao convívio social pacífico31.
Na tentativa de definir e delimitar o princípio da dignidade da pessoa humana,
entende-se que por ser tão abrangente e abstrato, não haveria um consenso à tal respeito,
uma síntese. O que se concluiu de imediato foi que nunca foi possível dissociar o homem de
sua dignidade, mesmo que tal atributo ainda não fosse reconhecido como uma qualidade
afeta à pessoa humana.
Desde então, muitos estudiosos do direito e das ciências sociais vêm tentando definir
tal princípio, sem, contudo, pretender delimitar ou estabelecer exatidões.
Do latim, dignitas, tem origem a palavra dignidade, que, como sinônimos, apresenta
virtude, honra, dentre outras. É definida por Plácido e Silva32 como uma base moral que é
atribuída a uma pessoa, seu conceito público e respeito.
Principalmente após as barbáries cometidas durante a Segunda Guerra Mundial,
quando se observou o extermínio em massa nos campos de concentração, muitos países
atentaram-se para a necessidade de incluir, em suas Constituições, o princípio da dignidade
da pessoa humana.
Em uma visão kantiana, o homem possui uma dignidade ontológica, ou seja, é um
fim em si mesmo, ainda que, atualmente, tenham sido agregadas a essa concepção a tutela
da coletividade, dos interesses individuais e materiais indispensáveis para o exercício de suas
liberdades33.
Em relação ao direito do trabalho, ao que toca o presente trabalho, é forçoso
reconhecer a máxima importância do princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez
que, dadas as definições acima apresentadas, é o trabalho que torna o homem mais digno, à
medida que lhe possibilita o pleno desenvolvimento de sua personalidade, origem de sua
valorização como ser humano.
31 Como bem explica Canotilho, J. J, O Estado de direito democrático exige os direitos fundamentais , ao passo
que os direitos fundamentais exigem o Estado de direito democrático. CANOTILHO, J. J. Fundamentos da
Constituição. Coimbra: Coimbra, 1991., p. 99. 32 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 31ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
33 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade
da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. P. 103.
34
Por fim, diante do exposto, pode-se concluir que o princípio da livre iniciativa não é
absoluto, mas sim relativo, estando o exercício da atividade econômica condicionado ao
bem-estar da sociedade e limitado pelo bem comum34.
No que toca ao direito do trabalho, a limitação ao princípio da livre iniciativa com
fundamento na dignidade da pessoa humana deverá ocorrer sempre que se observe, ao
avaliar um conflito, o abuso econômico e a obtenção de lucros ilícitos, por intervenção
Estatal.
Importa destacar, por oportuno, que, havendo entrechoque de conceitos
constitucionais, dever-se-á cotejar os bens jurídicos envolvidos para que se chegue a uma
solução equilibrada.
2.5 A crise do sistema capitalista e o desemprego estrutural
Apesar de ter seu início apontado para o século XV, a economia política só foi
enquadrada como ciência no século XVIII, sendo, esta época, marcada pela criação de leis
gerais da economia.
Com a Revolução Industrial, era nítida a ascensão econômica e social da burguesia,
acompanhado de um sentimento de prosperidade advindo pela alta produção nas fábricas.
Ocorre que, são frequentes, nesse modelo, os colapsos econômicos e crises
financeiras, que, como ondas, transformam um clima de euforia e prosperidade em
desemprego, inflação e falências.
Como aponta Marx, as crises do sistema capitalista podem ser entendidas como
inerentes a esse sistema e não algo imprevisível e aleatório. Em regra, ao que se observou, à
época, como fruto da teoria marxista, as transformações tecnológicas são capazes de, durante
décadas, causar depressões sistemáticas.
34 Importante apontamento de Sergio Gomes informa que, em relação aos direitos fundamentais, que, se de um
lado o Estado liberal se preocupou com os direitos civis e políticos dos detentores dos meios de produção, o
Estado social os menosprezou. Assim, os dois modelos limitaram direitos sociais, quando deveriam se
complementar, ou inter-relacionar. GOMES, S. Hermenêutica Constitucional. Curitiba: Juruá, 2010.
35
Para Marx, o principal crítico do sistema capitalista, o sistema é irracional, uma vez
que a concorrência provocada pelo capitalismo gerava uma superprodução, que não
encontrava o mesmo nível de procura, uma vez que, por outro lado, os operários não
recebiam salários capazes de suportar seu alto custo35.
Sem consumo total da superprodução, observa-se a baixa dos lucros e de
investimentos, acompanhado, então, de desemprego e falências.
Como se observa através do gráfico abaixo, atualmente, dentre os países que adotam
o sistema capitalista, são frequentes as crises econômicas, o que causa, em seguida, o
aumento extraordinário do custo de vida associado ao desemprego em massa36.
35 MARX, Karl. O capital. Crítica da Economia Política. Boitempo Editorial., p. 146. 36 De acordo com L. TARASSOV; K. IANOV: “é fácil de constatar, por pouco que se acompanhe dos
acometimentos mundiais, , que o desenvolvimento da economia capitalista moderna é pontilhado de convulsões
violentas, crises monetárias agudas e altas de preços, que é marcada pela inflação interna e por uma
concorrência cada vez mais encarniçada entre as potencias imperialistas”. L. TARASSOV; K. IANOV. Os
Trabalhadores e o Capitalismo Monopolista de Estado. Os Trabalhadores e o Capitalismo Monopolista de
Estado. Estampa, Lisboa, 1974., p. 33.
36
Tem-se, assim, que tal fenômeno não é totalmente benéfico, sobretudo, considerando
o choque entre a classe burguesa e os operários impulsionado pelo sistema capitalista,
gerando, sem dúvidas, importante mudança estrutural na economia, ao passo que, como dito
anteriormente, são incentivadas, nesse sistema, as fusões de monopólios37.
Assim, o indiscutível aumento da produção trazido pelo modelo capitalista não traz
apenas lucros, aponta a história.
Ademais, o que se observa é que o processo de monopolização, caracterizado pela
desigualdade social, é responsável pela concentração de riqueza nas mãos de uma pequena
minoria, enquanto que todo o resto da população permanece no sistema de exploração, haja
vista, até mesmo, o arruinamento dos pequenos proprietários.
Estudos recentes apontam que, desde a década de 8038, quando a globalização saltou
de forma estratosférica, o que se viu foi o desemprego em massa aliado à forte insatisfação
dos operários pelas precárias condições de trabalho os conduzem à luta pelo aumento dos
direitos sociais, fazendo com que ganhe relevo a democracia.
O desemprego estrutural, como é conhecida a onda de demissões em massa que se
vem observando, oriundo da crescente globalização do mercado, ocorreu por uma série de
fatores, nos quais se incluem a robotização do processo de produção, a informatização, o uso
da internet e, sobretudo, a redução da mão-de-obra através da implementação de tecnologia
substitutiva do trabalho humano.
Diante desse cenário de crise, evidenciado pelo desemprego estrutural, os países em
desenvolvimento tentam conter a eclosão do empobrecimento social protegendo o mercado
interno, sem, contudo, deixar de estimular o investimento estrangeiro em sua economia.
37 Ensinam L. TARASSOV e K. IANOV que as teorias dos ideólogos do imperialismo na tentativa de evitar
ou minimizar o choque entre burguesia e operários resumem-se a substituir a luta de classes pelo que chamam
de cooperação de classes, estabelecida entre as ambas as classes, através da humanização da relação entre
trabalho e capital, das promessas de tornarem-se proprietários, apesar de restar intacta a propriedade privada
dos meios de produção, bem como seus proventos e os monopólios capitalistas. L. TARASSOV; K. IANOV.
Os Trabalhadores e o Capitalismo Monopolista de Estado. Estampa, Lisboa, 1974., p. 11. 38 Um relatório anual de informação social (RAIS), à época, levantou que na década de 80 a indústria
apresentou uma performance negativa ao nível do emprego. A pesquisa aponta uma eliminação de cerca de
2500 vagas de trabalho entre 1980 e 1989, caindo, assim, de 15% para 12% a participação do setor industrial
no estoque de vagas. Bahia Análise e Dados. Salvador: SEI-Informação a Serviço da Sociedade, v. 8, nº. 4,
março/1999.
37
Cabe relembrar, neste contexto de investimento estrangeiro na economia interna, que,
em muitos casos, grandes multinacionais se aproveitam do baixo custo da mão-de-obra de
países subdesenvolvidos no intuito de baratear os custos da produção, o que, aliado a uma
legislação trabalhista vulnerável ou demasiadamente flexível, abre espaço para exploração e
abusos dos trabalhadores, chegando, até mesmo, ao tratamento em condições análogas à
escravos.
É importante salientar, neste ponto, que o desemprego não é um problema que atinge
apenas os países subdesenvolvidos. A dificuldade mundial de alocar produtivamente todos
que estão em situação de produtividade é mundial, segundo pesquisas recentemente
divulgadas.
38
Capítulo 3
A globalização e a flexibilização dos direitos trabalhistas
3.1 – A globalização
É sabido que não é recente a ideia de globalizar. Desde as Grandes Navegações, entre
os séculos XV e XVI, o homem passou a estabelecer contato e relações comerciais e culturais
com outros povos39.
Porém, foi no final do século XX que, com a ascensão do neoliberalismo, o processo
de globalização ganhou força.
Com a derrota do sistema socialista e a enorme força do sistema capitalista aliada a
saturação dos mercados internos, grandes empreendedores passaram a buscar ampliar suas
atividades no mercado internacional, ainda mais naqueles territórios ainda devastados pela
crise socialista.
Da abertura dos mercados internacionais, rumo à integração de sistemas, culturas,
produção, economia e trabalho, o mundo passou a ser interligado através das redes de
comunicação, cada vez mais ágeis, diminuindo as fronteiras entre os Estados até então
isolados em seus próprios sistemas40.
A abertura do mercado interno e a galopante revolução tecnológica fizeram com que
as empresas multinacionais direcionassem suas linhas de produção aos países
subdesenvolvidos, onde a mão-de-obra é mais barata e a legislação interna permite maior
exploração.
Assim, o desenvolvimento dessa nova realidade, globalizada, tecnológica e sem
barreiras, afetou claramente as relações de trabalho.
39 Nesse sentido, aponta Luiz Gonzaga que globalização não passa de um termo novo para práticas antigas,
como é o caso do Cristianismo, pelo qual o Papa o reafirma pelo mundo no intuito de reafirmar e unificar a
Igreja Católica. ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Globalização e Estado Contemporâneo. São Paulo: Memória
Jurídica, 2001, p. 49. 40 CASSAR, Vólia Bomfim. Princípios Trabalhistas, Novas Profissões, Globalização da Economia e
Flexibilização das Normas Trabalhistas. Impetus, Niteroi; 2010., p. 5.
39
Se, por um lado, muitos Chefes de Estado apontam a globalização como principal
fenômeno responsável pela prosperidade, por outro tal pensamento não se sustenta. Para
muitos especialistas, a globalização é perversa, pois impõe imperativos de economia em
detrimento ao avanço social das populações mais pobres.
A OIT demonstra, através de estudos, a clara preocupação em relação as condições
de trabalho mundiais, que apresentam altos níveis de precarização, que tende a ser agravada
pelo progresso técnico, que, longe de criar postos de trabalho, deteriora ainda mais a atual
situação, ao passo que suprime postos e reduz salários sobretudo daqueles menos
qualificados.
A rapidez das comunicações e da capacidade comercial aumentou ainda mais a
competitividade entre as grandes empresas, que passaram, então, a buscar meios de redução
dos custos de produção, reduzindo o número de trabalhadores, aumentando a jornada de
trabalho e diminuindo os salários41.
Neste contexto, os países de economia mais frágil foram os mais prejudicados pelo
aumento do índice de desemprego, diante da automatização das linhas de produção e da
exigência, cada vez maior, de mão-de-obra qualificada.
Diante, mais uma vez, da crise e da degradação da economia interna, que não teve
condições de sustentar a competitividade internacional, as proteções trabalhistas tornam-se
alvo de questionamentos por aqueles que apontam as políticas sociais como causa da
insustentabilidade econômica e clamam, falaciosamente, por sua flexibilização.
3.2 – A responsabilidade social da empresa
Em todo o mundo, mas, principalmente, no Brasil e nos países subdesenvolvidos, há
extrema dificuldade em implementar direitos fundamentais, sobretudo os sociais.
Tais direitos são extremamente indispensáveis, uma vez que se prestam a estabelecer
igualdades materiais e a manter o mínimo existencial.
41 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo, Saraiva, 2013., p. 77.
40
Já diante de um Estado-providência, imputa-se a este a promoção de políticas
públicas capazes de satisfazer os direitos sociais, tais como saúde, educação e moradia, o
que, muitas das vezes, não se pode alcançar sob alegação de limitação de recursos
orçamentários.
Neste contexto, somente com a cooperação da sociedade e também das empresas, é
que o Estado conseguirá alcançar, de forma eficiente, seus objetivos.
Somente através de políticas de conscientização e concretização dos direitos sociais
é que os Estados alcançarão a redução das desigualdades. Para tanto, existe um esforço
internacional, sobretudo pela ONU, para solucionar problemas econômicos e humanitários.
É através da solidariedade de esforços mútuos (Estado, sociedade e empresariado)
que os interesses privados serão alinhados aos interesses sociais. Tal relação de
complementação exige que as empresas participem de modo a assumirem sua
responsabilidade social, garantindo, por seu turno, incentivos públicos.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo primeiro, reafirma o Estado
Democrático de Direito, fundado, por seu turno, em valores que se complementam, como a
dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
Nesse sentido, é de suma importância o papel das empresas no desenvolvimento dos
Estados.
É a empresa que promove a economia, através da circulação de riquezas, da oferta
de empregos, investe em tecnologia e estimula a concorrência, e, é nesta linha que se
encontra sua função social, ou seja, num patamar de agente transformados da realidade na
qual se encontra inserida42.
A própria Constituição Federal dispõe, em seu art. 5º, inciso XXIII o dever do
empresário de observar a função social da propriedade privada, na qual se inclui a
propriedade empresarial.
42 LEAL JÚNIOR, João Carlos. Ensaio sobre o princípio da função social da empresa na Lei 11.101/2005.
Revista Forense nº 409, p. 507.
41
Representam, ainda, pontos de convergência entre direitos/deveres público-privados
o estabelecimento da valorização do trabalho humano, como fundamento e a dignidade como
finalidade da ordem econômica, a livre concorrência e a redução das desigualdades.
Não sem finalidade estão interligados o trabalhado valorizado e a proteção ao
mercado, pelo que o cumprimento da função social da empresa requer, além da produção de
bens e serviços, a descentralização do lucro, capaz de proporcionais melhores condições ao
trabalho humano43.
São inúmeras as maneiras pelas quais as empresas podem (e devem) contribuir para
a efetivação dos direitos sociais, incentivando o progresso da humanidade e o trabalho justo,
dentre esses meios podemos citar a oportunidade de acesso a planos de saúde, programas de
educação alimentar, incentivo a meio ambiente sadio, fomento à cultura, dentre outros.
Não se pode olvidar que o conceito de eficiência, se considerados somente números,
não é tão passível de resultados lucrativos como quando se considera números ligados ao
bem-estar do trabalhador como ser humano.
Desta feita, é notório que empresas que praticam medidas tendentes à melhoria da
condição do trabalhador com finalidade de alcançar o trabalho justo e digno obtêm resultados
lucrativos muito acima das empresas que tratam seres humano como apenas números, sem
cumprir, por consequência, sua função social.
3.3 “Souplesse”: flexibilização dos direitos como solução para a crise
Como temos observado ao longo do estudo acerca do capitalismo, é fato que este
sistema, focado na obtenção cada vez maior de lucro, é extremamente tendente a crises, dada
sua ambição desenfreada.
43 KEMPFER, Marlene. Segurança humana e o dever jurídico das empresas brasileiras. Estudos em Direito
Negocial. Curitiba: CRV, 2011., p. 206.
42
O capitalismo, então, globalizado, tornou o mercado de trabalho volátil, competitivo
e culminou por subordinar, de forma cruel, os países subdesenvolvidos aos detentores de
poder econômico internacional.
Ao mesmo tempo, em que se observava a busca cada vez mais alta pelo lucro e a
abertura das fronteiras possibilitavam a exploração dos países mais pobres, a crise
econômica foi inevitável.
Com a superprodução e a baixa demanda, a inflação foi o início de uma depressão
marcada por trabalhadores explorados (sem intervenção estatal) e, agora, desempregados em
massa, além de fábricas falidas.
O fracasso das políticas neoliberais, que dispensam a intervenção do Estado na
economia, em favor da austeridade fiscal, livre comércio, privatizações etc., faz surgir a