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PROJECTO PARA A SALVAGUARDA DA IMAGEM DE NOSSA SENHORA DO LEITE – UNHÃO PRÉMIO VASCO VILALVA PARA A RECUPERAÇÃO E VALORIZAÇÃO DO PATRIMÓNIO FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN IN SITU, Conservação de Bens Culturais, Lda Abril 20

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PROJECTO PARA A SALVAGUARDA DA IMAGEM DE NOSSA SENHORA DO LEITE – UNHÃO

PRÉMIO VASCO VILALVA PARA A RECUPERAÇÃO E VALORIZAÇÃO DO PATRIMÓNIO

FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN

IN SITU, Conservação de Bens Culturais, Lda

Abril 20

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ÍNDICE

1 PREFÁCIO ................................................................................................................................................................. 3

2 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................... 5

3 CARACTERIZAÇÃO HISTÓRICO-ARTÍSTICA DA IMAGEM NOSSA SENHORA DO LEITE................................ 6

3.1 INFORMAÇÃO COMPLETA SOBRE A IMAGEM ........................................................................................ 6 3.2 ENQUADRAMENTO E PROVENIÊNCIA................................................................................................... 9 3.3 DESCRIÇÃO ARTÍSTICA DA VIRGEM DO LEITE DA IGREJA DE UNHÃO .................................................... 10 3.4 CARACTERIZAÇÃO ESTILÍSTICA ........................................................................................................ 11 3.5 ANÁLISE ICONOGRÁFICA COMPARATIVA............................................................................................ 12 3.6 O CULTO MARIANO - CRONOLOGIA ................................................................................................... 15

4 ESTADO DE CONSERVAÇÃO ............................................................................................................................... 20

4.1 LEVANTAMENTO GRÁFICO E FOTOGRÁFICO DAS PATOLOGIAS ............................................................ 21 4.2 TRATAMENTOS PRÉVIOS.................................................................................................................. 24

5 ANÁLISES REALIZADAS E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS........................................................................... 25

5.1 IDENTIFICAÇÃO E DESCRIÇÃO DO MATERIAL PÉTREO DE SUPORTE..................................................... 25 5.2 FOTOGRAFIA DE FLUORESCÊNCIA DE ULTRAVIOLETAS ...................................................................... 29 5.3 REFLECTOGRAFIA DE INFRAVERMELHOS .......................................................................................... 30 5.4 ESTUDO ESTRATIGRÁFICO ............................................................................................................... 32 5.5 IDENTIFICAÇÃO DE AGLUTINANTES................................................................................................... 33 5.6 ESTUDO ANALÍTICO DOS PIGMENTOS................................................................................................ 34 5.7 DESCRIÇÃO DA TÉCNICA PICTÓRICA ................................................................................................. 35

6 ESTABILIZAÇÃO E CONSERVAÇÃO PARA A SALVAGUARDA DA IMAGEM.................................................. 35

6.1 CRITÉRIOS DEFINIDOS PARA A INTERVENÇÃO ................................................................................... 35 6.2 TRABALHOS DE CONSERVAÇÃO REALIZADOS .................................................................................... 36

7 CLASSIFICAÇÃO E INVENTARIAÇÃO DA IMAGEM............................................................................................ 40

8 BIBLIOGRAFIA........................................................................................................................................................ 42

9 CURRÍCULOS.......................................................................................................................................................... 44

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1 PREFÁCIO

O presente relatório destina-se a apresentar o projecto elaborado durante os anos de 2006 e 2007 para a salvaguarda da imagem de Nossa Senhora do Leite na Igreja de Unhão, Felgueiras, realizado em duas fases, no âmbito da prestação de serviços “Análise, Diagnóstico e Proposta de Intervenção para a Conservação e restauro” e “Conservação da escultura de Nossa Senhora do Leite”. Este trabalho foi realizado com o apoio financeiro da Comunidade Urbana do Vale de Sousa, no âmbito do projecto “Rota do Românico do Vale do Sousa - Conservação, Valorização e Salvaguarda” e com o acompanhamento técnico da Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), Direcção Regional de Edifícios e Monumentos do Norte (DREMN).

A realização do diagnóstico permitiu definir a necessidade de uma intervenção urgente de conservação, já que, a camada pictórica se encontrava muito fragilizada. A intervenção de conservação realizada pretendeu travar a progressão da degradação da escultura, uma tarefa importante e fundamental para a salvaguarda e a preservação da imagem, como elemento pertencente a um determinado período artístico – possivelmente do Gótico. Foi ainda objectivo da intervenção melhorar a leitura da imagem, principalmente ao nível da carnação, atendendo ao facto da Igreja de Unhão pretender devolver à escultura o seu cariz de imagem de culto, localizando-a de futuro na Igreja, já que, no momento da intervenção, a mesma se encontrava guardada na Sacristia.

Após a realização da caracterização histórica e artística levantaram-se algumas questões em relação ao valor patrimonial desta peça que, ao que tudo indica, se trata de uma peça rara cujo valor histórico e artístico não foi ainda totalmente reconhecido. Como tal, esta candidatura ao prémio Vasco Vilalva visa melhorar o conhecimento da imagem artística e assegurar a continuação do seu estudo, tendo como objectivo a realização de uma proposta de classificação e inventariação e uma candidatura a bem móvel de interesse público.

Propõe-se que, durante o processo de inventariação e classificação da imagem, a realizar no futuro, algumas análises laboratoriais sejam alargadas. A conclusão de um estudo histórico e artístico mais profundo poderá trazer novas abordagens para algumas dúvidas existentes, esclarecendo nomeadamente, a caracterização artística das duas camadas cromáticas existentes e a sua provável data de execução.

Fica reiterado na carta aqui apresentada o reconhecimento e interesse na salvaguarda da imagem da Senhora do Leite pela Comunidade Urbana do Vale do Sousa, no âmbito do “Projecto do Românico”.

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2 INTRODUÇÃO

A abordagem a um projecto de conservação de um bem artístico de valor patrimonial requer sempre uma especificidade técnica dos profissionais envolvidos, sendo o grupo de trabalho constituído de preferência por um grupo multidisciplinar. Trabalhar em conjunto é fundamental para a compreensão integral da obra artística, podendo assim manter a integridade do seu valor histórico e salvaguardar o valor patrimonial da obra.

Devido à especificidade deste projecto, a In Situ envolveu uma equipa técnica multidisciplinar, composta por profissionais com formação específica e experiência técnica e cientifica adequada, de forma a garantir um padrão qualidade no trabalho a desenvolver. O grupo de trabalho foi constituído por profissionais na área de conservação e restauro, com a especialidade de pedra policromada, na historia da arte e na geologia, apoiados pelos grupos de investigação do LAMPIST e do IPT, com os quais se celebraram protocolos. A coordenação do projecto foi da responsabilidade da técnica Fátima de Llera, gerente da empresa In Situ Lda.

Conservadores / restauradores – Mafalda Alegre e Telma Teixeira – técnicos superiores de conservação e restauro, especialistas em pedra e em pedra policromada, responsáveis pelo diagnóstico e pela execução dos trabalhos de conservação.

Historiador da Arte – Sandra Azevedo – responsável pela pesquisa iconográfica e pela descrição e enquadramento histórico e artístico.

Geóloga – Madalena Rodrigues – responsável pela caracterização do suporte, apoio na identificação de patologias e anomalias e na interpretação dos ensaios laboratoriais.

Para a realização das análises recorreu-se à colaboração do Instituto Politécnico de Tomar (IPT), Laboratório de Física, Química e Rx (LFQ/RX) para a caracterização da camada cromática e ao Instituto Superior Técnico (IST), Laboratório de Mineralogia e Petrologia (LAMPIST) para a caracterização do suporte. Todos os trabalhos de análise e caracterização para o desenvolvimento do diagnóstico foram acompanhados pelos conservadores e a geóloga da In Situ.

Para a preparação deste projecto, através dos meios postos à disposição do grupo de trabalho, a equipa procurou:

• Investigar todas as fontes de informação disponíveis relativas à obra em questão, procurando entender a escultura e identificar o seu significado cultural;

• Entender a história e evolução artística da imagem;

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• Trabalhar em conjunto com os responsáveis pelos ensaios laboratoriais para entender e conhecer os materiais, composições, intervenções anteriores e causas de deterioração.

Como resultado desta análise, foi possível ao grupo de trabalho desenvolver o projecto, que compreendeu três fases distintas:

• Estudo e diagnóstico;

• Elaboração de uma proposta de conservação adequada e criteriosa;

• Intervenção de conservação e salvaguarda.

3 CARACTERIZAÇÃO HISTÓRICO-ARTÍSTICA DA IMAGEM NOSSA SENHORA DO LEITE

3.1 INFORMAÇÃO COMPLETA SOBRE A IMAGEM

IDENTIFICAÇÃO

Proprietário: Igreja Matriz de Unhão.

Categoria: Escultura.

Sub - Categoria: Escultura de Vulto.

Denominação: Nossa senhora do Leite.

Título: Nossa Senhora do Leite.

DESCRIÇÃO

Escultura de vulto: imaginária. Imagem de Nossa Senhora do Leite esculpida de pé e frontal, a olhar em frente. Está representada vestida com manto e túnica comprida a amamentar o Menino que se encontra nu. O tratamento da cabeça mostra um rosto ovalado, lábios finos e rasgados na horizontal. A cabeleira é ondeada e negra que cai sobre as costas; coroa fixa e ricamente trabalhada. As costas são planas, sem trabalhado. Composição escultórica estática. Policromia: carnações suaves e vestes de cores vivas.

REPRESENTAÇÃO

Iconografia: Personagem do hagiológico: Nossa Senhora do Leite. Atributos: encontra-se a amamentar o Menino que transporta nos braços.

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AUTORIA

Nome: Desconhecido.

PRODUÇÃO

Oficina / Fabricante: Não determinada.

Local de Execução: Portugal.

Escola / Estilo / Movimento: Escultura Portuguesa Medieval.

DATAÇÃO

Ano(s): Não determinado.

Século(s): XIII/XIV.

Justificação da Data: Análise estilística: características escultóricas.

INFORMAÇÃO TÉCNICA

Matéria: Pedra de Ançã – calcário branco, oólitico, muito homogéneo e friável com grão não discernível a olho nu.

Técnica: Escultura de vulto a ¾ com as costas planas. Vestígios de policromia.

Precisões sobre a técnica: Duas camadas de policromia; camada subjacente com folha de ouro possivelmente com policromia; camada visível com purpurina e pintura a óleo.

DIMENSÕES

Altura (cm): 55

Largura (cm): 17

Profundidade (cm): 16

CONSERVAÇÃO

Estado: Razoável.

Especificações: Apresenta lacunas na policromia.

INTERVENÇÕES DE CONSERVAÇÃO E RESTAURO

Local: Oficina de empresa particular.

Data de saída: 1ª saída- 10/07/2006, 2ª 15/02/2007

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Data de entrada: 1ª entrada - 03/ 08 /2006 , 2ª entrada – 27/03/2007

ORIGEM

Historial: Doação feita por um padre à Igreja Matriz de Unhão, não sendo ainda possível determinar o local de origem.

Função inicial / alterações: Imagem devocional.

Fig 1 Vista de frente da escultura de Nossa senhora do Leite.

Fig 2 Vista do tardoz da escultura, verificando-se ser de vulto.

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Fig 3 Vista lateral esquerda.

Fig 4 Vista lateral direita.

3.2 ENQUADRAMENTO E PROVENIÊNCIA

A imagem pertence por doação à Igreja Matriz de Unhão, estando habitualmente acondicionada na sacristia.

A Igreja, composta por uma nave única, tem planta longitudinal, torre sineira quadrangular e anexos adossados. A primeira fase de construção é da primeira metade do século XIII, tendo sido remodelada nos séculos XVIII e XIX. A Igreja encontra-se aberta ao culto

Segundo relato do actual padre, esta imagem não é originária desta Igreja e terá sido introduzida pelo padre antecessor, sendo oriunda possivelmente de Ferreira do Alentejo ou de Lisboa. Não é conhecida a origem exacta da imagem.

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Fig 5 Fachada principal da Igreja Matriz de Unhão.

3.3 DESCRIÇÃO ARTÍSTICA DA VIRGEM DO LEITE DA IGREJA DE UNHÃO

A Virgem do Leite em estudo apresenta-se coroada e em pé com o Menino nos braços. Esta escultura, em pedra de Ançã, apresenta a policromia visível (manto vermelho e a túnica de tonalidade dourada com motivos vegetalistas) muito deteriorada. Sob a pintura visível, identificou-se uma camada completa de douramento, exceptuando as carnações. Quanto ao vestuário, evidencia-se alguma rigidez transmitida pelas roupagens pesadas e com pouco pregueado. O manto assenta nos ombros da Virgem, caindo directamente pelo corpo, deixando a descoberto o vestido e o corpo do Menino que sustenta nos seus braços. A túnica apresenta algumas pregas rígidas, que deixam a descoberto um dos sapatos que terminam em bico. O seu rosto é desproporcional em relação ao corpo, apresentando feições geométricas, lábios finos rasgados na horizontal e olhos rasgados em forma de amêndoa. A cabeça encontra-se levemente inclinada com coroa fixa e ricamente trabalhada. Os cabelos negros a descoberto caem pelas costas em forma de canudos. As mãos apresentam dedos cilíndricos e alongados, espalmando-se para sustentar o Menino, sendo que a mão esquerda segura o Menino e a direita toca-Lhe na perna. O Menino é representado nu, a ser amamentado e a olhar para a sua Mãe.

O conjunto transmite uma majestade carregada de dignidade, serena, envolvida por alguma altivez, da qual sobressai o enorme carácter maternal de todo a representação escultórica.

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Pode dizer-se que esta Virgem do Leite apresenta uma série de características que a enquadram na estatuária dos altares portugueses do século XIII/XIV – Gótico:

• Verticalidade na forma alongada da figura;

• Rigidez da posição;

• Os panejamentos das vestes caem em pregas paralelas, finas e pouco profundas;

• A cabeça apresenta uma ligeira inclinação para a direita como sinal de movimento;

• Tem uma expressão serena que caracteriza a santidade da figura, facilitando a sua identificação por parte dos fiéis;

• A figura da Virgem apresenta-se numa posição ligeiramente curvilínea, como que formando um S;

• Braços muito encostados ao corpo;

• O conjunto apresenta policromia suave nos rostos e mãos e cores vivas nas vestes da Virgem.

Esta escultura, pelas suas dimensões pequenas, enquadra-se na tipologia dos santos de altar ou das imagens de devoção; uma produção artesanal destinada às Igrejas rurais ou ao uso privado da aristocracia.

3.4 CARACTERIZAÇÃO ESTILÍSTICA

Imagem erguida – virgem sustentante – Maria segura o menino Jesus pela parte inferior ou a meia altura das costas.

Disposição do corpo da virgem – Virgem em pé sustentando com os braços o Filho.

Disposição da cabeça da virgem – cabeça com uma ligeira inclinação, frontalidade e simetria; conceito da Virgem – Rainha; rosto ovalado.

Disposição do corpo do menino – de perfil para o espectador, o braço esquerdo apoia-se sobre o peito materno e o braço direito toca no ombro da Mãe.

Indumentária da virgem – manto que arranca dos ombros caindo ao longo do corpo, túnica com pregueado rígido, deixando a descoberto um dos sapatos que termina em bico.

Indumentária do menino – nu.

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3.5 ANÁLISE ICONOGRÁFICA COMPARATIVA

A figura da virgem Maria e a representação do menino são referências centrais na arte cristã. As imagens da Senhora do Leite figuram entre os mais antigos exemplos da iconografia cristã. São uma forma menos vulgar de representação da Virgem. A importância desta imagem é incrementada pela sua raridade.

As imagens da Virgem amamentando o Menino Jesus multiplicam-se a partir do século XIII na Europa, embora já no século VI alguns artistas do Oriente A tenham representado desta forma. Este tipo de representação, relativamente rara, enquadra-se na terceira das seis fases1 (Encarnação) correspondentes à vida da Virgem.

O concílio de Trento foi realizado entre 1545 e 1563, convocado pelo Papa Paulo III para assegurar a unidade de fé e a disciplina eclesiástica. Este concílio é designado de Concílio da Contra-Reforma e nele foram emitidos numerosos decretos disciplinares e determinadas regras iconográficas para os artistas produtores de arte sacra. Foi neste concílio determinada a proibição da representação de imagens de Nossa Senhora do Leite. Este facto é importante como ponto de definição da cronologia da imagem em estudo.

Em seguida elaborar-se-á uma breve mas elucidativa referência às imagens da Virgem do Leite existentes em Portugal, entre os séculos XIV e XV, identificadas durante a pesquisa bibliográfica, exceptuando a escultura tema deste trabalho que será abordada de forma aprofundada mais à frente.

A Virgem do Leite da colecção Vilhena, da Escola de Mestre Afonso, de finais do século XIV princípios do século XV, é uma bela imagem representativa das virgens erguidas a amamentar o menino ao colo. O Menino seminu brinca com o seio e as pregas do manto da sua Mãe que O sustenta sobre o braço esquerdo. Com a mão direita a virgem prende o pé do menino.

1 Primeira fase – Infância: imagens de Nossa Senhora com sua mãe e avó e Nossa Senhora menina; Segunda fase – Imaculada Conceição: representada com as mãos unidas junto ao peito, com expressão jovem, cabelos soltos ou cobertos com véu, na sua base encontram-se anjos aos pés, uma meia-lua e um dragão ou serpente; Terceira fase – Encarnação: representações que abrangem desde a Anunciação até ao nascimento do Menino, com invocações da Boa Hora, Bom Parto, Expectação ou do Ó e do Leite; Quarta fase – Virgem Mãe: representações com o Menino nos braços, sendo as imagens mais antigas as da Virgem sentada e as mais comuns as que aparece em pé; Quinta fase – Paixão: representação de todo o sofrimento durante a Paixão e morte de Jesus Cristo, por isso, as esculturas mostram o coração de Maria dilacerado pela dor (flechas ou espadas), as suas mãos estão sempre sobre o seu coração ou peito, lágrimas no rosto da Virgem; Sexta fase – Glória: corresponde à Assunção de Nossa Senhora, representada com as mãos juntas, olhando para o céu, de pé sobre as nuvens, sendo carregada pelos anjos, de braços abertos e coroada.

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Fig 6 Virgem do Leite, Escola de Mestre Afonso, Colecção de Vilhena – finais do século XIV princípios do século XV.

Fig 7 Senhora do Leite da Igreja de Penha Garcia - 1469.

Outras imagens da Virgem a amamentar o Menino são tratadas de forma idêntica, tais como, as imagens das Igrejas de Penha Garcia (1469), Abrantes, Serpins e Ourentã2. Quanto à imagem de Penha Garcia, é uma escultura gótica, de pedra de Ançã, com o manto azul-escuro e a túnica vermelha. A policromia encontra-se muito deteriorada. O panejamento revela um grande cuidado artístico. O manto cai da cabeça sobre os ombros, apanhado com o braço esquerdo, passa pela frente num conjunto de pregas cheias, em quatro curvas harmoniosas, prendendo no lado direito depois de cobrir o Menino da cintura para baixo. Os sapatos terminam em bico. A cabeça encontra-se levemente inclinada com os cabelos caídos pelas costas. A mão direita segura o Menino e a esquerda toca-lhe o pé direito. Apresenta uma coroa fixa trabalhada ricamente. O Menino aparece em tronco nu, a ser amamentado e a olhar para a mãe.

Pode dizer-se que, depois de 1450, a partir do século XV, o estilo das Virgens não se alterou muito, continuando o Menino a aparecer seminu, tal como no século XIV.

2 SANTOS, Reynaldo dos, “Oito Séculos de Arte Portuguesa – História e Espírito”, Empresa Nacional de Publicidade.

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A Nossa Senhora do Leite, pertencente ao Museu Nacional Soares dos Reis encontra-se em pé com o Menino ao colo, posicionado do lado direito. A Virgem apresenta uma coroa fixa e bem ornamentada, cabelos longos e ondulados, manto assente nos ombros que cobre quase todo o seu corpo, deixando apenas à vista uma pequena parte da túnica. Os panejamentos apresentam um conjunto de pregas compostas e bem ordenadas. O Menino aparece vestido com uma túnica comprida e sem ornamentação. Está a ser amamentado com a mão esquerda e toca no seu pé. O cabelo do Menino apresenta um conjunto de caracóis típicos dos anjos.

Fig 8 Nossa Senhora do Leite, pertencente ao Museu Nacional Soares dos Reis – século XV.

Nicolau Chanterene, autor da Virgem do Leite observada na figura nº 8, foi um dos melhores exemplos artísticos da Renascença italiana. A escultura policromada da Virgem apresenta-se em pé, sem coroa, de cabeça desnudada. Os panejamentos do manto bem como a túnica caem com uma nobre dignidade, deixando a descoberto um dos sapatos de forma redonda. As mãos ossudas e bem articuladas sustentam o Menino, sendo que a mão esquerda segura o Menino e a direita toca no peito.

A Virgem do Leite (Fig 10) pertencente ao túmulo de D. Sancho I, da autoria do “Mestre dos Túmulos Reais” apresenta-se sentada, entronizada, com o Menino ao colo e sem policromia. Os panejamentos do manto e da túnica apresentam movimento e uma certa leveza transmitida pelo pregueamento harmonioso. Parte do manto da Virgem encontra-se a cobrir o corpo do Menino, deixando o tronco nu. O Menino, sentado do lado direito, apresenta-se a tocar com a mão direita no seio da Mãe e com a esquerda agarra uma espécie de pinha ou cacho de uvas. Ele encontra-se a olhar de forma carinhosa para a sua Mãe.

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Esta escultura segue as mesmas características da anterior (Fig 8): movimento, proporções anatómicas bem concebidas, atitudes carinhosas, ternurentas e de cumplicidade entre mãe e filho (reprodução das atitudes humanas).

Fig 9 Virgem do Leite, Nicolau de Chanterene, Museu Machado de Castro – 1518/28.

Fig 10 Nossa Senhora com o menino, Túmulo de D. Sancho I, Mestre dos Túmulos Reais – cerca de 1518/22.

3.6 O CULTO MARIANO - CRONOLOGIA

As representações escultóricas da Virgem com o Menino subdividem-se em dois grupos: o primeiro corresponde à Virgem entronizada com o Menino ao colo e o segundo à Virgem em pé com o Menino nos braços ou, mais tardiamente, com a Virgem orante.

As representações medievais da Virgem Maria são inúmeras, pois este tema tornou-se o favorito da imaginária da Idade Média. Estas representações, consoante a interpretação, podem agrupar-se em três categorias: simbolismo teológico, simbolismo triunfal e naturalismo.

O simbolismo teológico dominou a arte cristã a partir do século V no mundo mediterrâneo. Nas suas primeiras representações, a Virgem aparece no trono com ar impassível, acompanhada pelo Menino de aspecto severo.

Nos finais do século IX, em França, executaram-se esculturas grosseiras em madeira, destinadas a conter relíquias da Virgem. Estas esculturas – relicários, hieráticas, sentadas em pesados

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cadeirões, toscas e imperfeitas, foram importantes pois marcaram o início de uma nova fase na arte cristã do Ocidente. Estas não revelam apenas o reaparecimento da escultura de vulto redondo, como também, foram as antepassadas directas da maior parte das imagens da Virgem Maria que proliferam nos altares da cristandade.

A partir do século XII surgem esculturas de altar inspiradas nas iluminuras bizantinas, nos frescos ou nos frontais de altar.

O simbolismo triunfal é marcado pelas imagens da Virgem – rainha vestida e coroada como uma imperatriz. Lentamente, a imagem distante, quase sem feições e sem sentimentos marcados, transformar-se-á numa figura humana sensível e repleta de realismo.

O naturalismo irá dominar a escultura do século XIII e XIV. Já não se procura representar a Virgem/símbolo, mas sim, uma figura humana maternal, embora divina. O naturalismo é contemporâneo com a extensão do culto da Virgem, a partir do século XII.

No século XIII a Virgem perde alguma rigidez, humanizando-se, adquirindo proporções maiores, movimento e uma certa inclinação do seu corpo. O rosto começa a esboçar um certo sorriso, os panejamentos desdobram-se em pregas estudadas e na mão na Virgem surgem os atributos da sua invocação.

A tendência teológica desapareceu e a Virgem, que fora venerada dentro de um enorme simbolismo, transformou-se a partir do século XIV numa mulher repleta de amor e ternura para com o seu filho. O Menino é representado rechonchudo, com o olhar curioso, mostrando vivacidade

A estatuária dos altares do século XV caracteriza-se por imagens de pequenas dimensões propícias à humildade da oração e à intimidade da súplica de pessoas simples.

No Renascimento os artistas procuram aproximar a anatomia da Virgem à das mulheres da época.

A partir do século XVI os artistas deram à Virgem movimentos exagerados, caracterizados por roupagens agitadas pelo vento (grande movimento e leveza dos panejamentos), por uma exuberância da cor, da riqueza dos adornos e por um enorme pormenor.

Em Portugal, a estatuária do período medieval só atingiu o seu período áureo no século XIV, anteriormente, mais precisamente no período Românico, cingia-se a uma escultura de carácter decorativo que emergia dos tímpanos dos portais, das arquivoltas, dos capitéis e das cachorradas das cornijas; existia ainda a escultura tumular arcaizante, tosca e rude com mais valor histórico e iconográfico que artístico. A escultura do período Gótico abarca duas formas, a escultura tumular e

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a imaginária dos retábulos e altares. Quanto à primeira, teve uma maior desenvoltura artística enquanto a segunda caracteriza-se por imagens pequenas propícias à oração e à intimidade da súplica, sendo na generalidade imagens executadas para a devoção de almas simples. Consequentemente, a imaginária artística não sofreu as vicissitudes da evolução do gosto e dos estilos de uma forma intensa, progressiva e marcante estilisticamente.

Desde meados do século XIII até inícios do século XVII, Coimbra foi o principal centro de produção escultórica, pois possuía um conjunto de características favoráveis, tais como: bom material (pedra de Ançã), bons mestres, clientela variada e existência de artistas estrangeiros que contribuíram para a inovação do gosto artístico.

Fig 11 Escultura da Virgem com o Menino, autor desconhecido, século XIII.

Fig 12 Escultura da Virgem com o Menino, século XIV.

O principal artista do século do século XIV foi Mestre Pêro, um artista oriundo de Aragão ou da Catalunha. As suas imagens caracterizam-se por: boa modelação dos corpos, bom tratamento dos panejamentos, preocupação com os adereços, um S bem pronunciado em todas as imagens, cabeças demasiado grandes em relação ao corpo, rostos estereotipados, com os olhos muito rasgados, em amêndoa e o queixo com um pequeno ressalto.

Com este Mestre trabalharam diversos aprendizes, que depois da sua partida para o Alentejo, continuaram em Coimbra. As obras destes artistas mantiveram grande parte das características de Mestre Pêro, sendo as peças escultóricas de menores dimensões (algumas mesmo atarracadas), não possuem o elegante S do corpo e são bastante mais rígidas.

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Fig 13 Anjo da Anunciação e Nossa Senhora do Ó, de autoria de Mestre Pêro, 1330 – 1340.

Fig 14 Nossa Senhora do Ó, de autoria de um aprendiz de Mestre Pêro, meados do século XIV.

Fig 15 Esculturas de Nossa Senhora, de autoria de Mestre Pêro, 1330-1340.

Fig 16 Nossa Senhora com o Menino, Santo Amaro e São João Baptista, de autores desconhecidos, segunda metade do século XIV.

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O século XIV trouxe vários centros artísticos para além do de Coimbra, como o de Évora, Lisboa e Santarém.

O final do século XIV chegou a Coimbra um mestre de origem francesa responsável pela execução de esculturas de maiores dimensões em relação ao que era habitual fazer – “Mestre das Senhoras Esguias”. As esculturas eram mais esguias, mais elegantes, as roupagens caem de forma natural, os rostos são variados e não estereotipados como os de Mestre Pêro, os cabelos bem trabalhados e as mãos são longas e finas.

Fig 17 Nossa Senhora com o Menino, de autoria do “Mestre das Senhoras Esguias”, segunda metade do século XIV.

Fig 18 Nossa Senhora com o Menino, de autoria de Gil Eanes, cerca de 1447.

Fig 19 Nossa Senhora com o Menino, de autoria de João Afonso, meados do século XV.

No século XV temos os escultores de formação batalhina, Gil Eanes e João Afonso (autor da Virgem do Leite representada na imagem nº5).

Como já foi referido anteriormente a partir do século XVI e já no século XV os artistas começaram a dar às suas produções escultóricas um grande naturalismo a nível dos movimentos, da expressão e das atitudes.

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4 ESTADO DE CONSERVAÇÃO

O suporte da imagem em calcário branco não denuncia qualquer tipo de degradação profunda, apresentando apenas em algumas áreas lacunas volumétricas. Estas lacunas estão localizadas essencialmente na base (frente e tardoz), evidenciando sinais de choque físico, mas também na coroa e nas pontas de dois dedos da mão esquerda da Nossa Senhora.

Fig 20 Pormenor da base da escultura. Note-se as lacunas da camada pictórica e do suporte.

Fig 21 Pormenor do peito da Nossa Senhora, note-se a sujidade e algumas lacunas.

Por toda a extensão da camada pictórica encontram-se zonas em destacamento. O destacamento da policromia é o principal problema para a conservação da imagem. A superfície apresenta igualmente uma acumulação de sujidade superficial, como pó e teias de aranha, alguma sujidade aderente e/ou a alteração de uma camada final de protecção.

Da observação directa da imagem foi possível identificar, através das inúmeras lacunas da camada policroma exterior, uma camada de pintura subjacente. Nalgumas áreas da policromia original observam-se vestígios, fundamentalmente de douramento. Também é visível uma coloração verde, que constituí uma camada muito fina, não sendo clara a sua origem.

As camadas pictóricas, tanto a repolicromia como a subjacente, apresentam grandes extensões de lacunas, deixando pontualmente o suporte à vista. Estas lacunas observam-se essencialmente nas vestes, na coroa da Nossa senhora e no cabelo do Menino. O rosto da Nossa Senhora e do Menino apresentam pequenas lacunas, não sendo identificadas a olho nu uma policromia subjacente.

A análise estratigráfica permitiu constatar que esta imagem apresenta dois registos distintos de pintura, ou seja, uma pintura original e uma repolicromia integral (exceptuando as carnações). Esta conclusão foi possível uma vez que, nas amostras nº2, nº4 e nº7 foi identificada uma camada de preparação aplicada sobre a policromia original. Houve uma nova campanha de decoração e não apenas o repinte das lacunas possivelmente existentes.

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Fig 22 Pormenor do panejamento da Virgem, onde se observam as inúmeras lacunas devido ao destacamento da policromia.

Fig 23 Pormenor do cabelo da Virgem onde se observa o destacamento da policromia.

Fig 24 Pormenor da cabeça do Menino. Note-se as lacunas e a presença de ouro no cabelo subjacente ao castanho.

Fig 25 Pormenor do panejamento da Virgem onde se observam vestígios da policromia subjacente e da coloração verde.

4.1 LEVANTAMENTO GRÁFICO E FOTOGRÁFICO DAS PATOLOGIAS

A imagem foi minuciosamente observada de forma a permitir o levantamento e o registo gráfico das anomalias. O registo foi efectuado em forma de mapeamento gráfico, do qual constam as anomalias que não se estendiam por toda a superfície e os vestígios de douramento.

• Sujidade superficial composta por acumulação de poeiras – no geral sobre toda a superfície;

• Lacunas volumétricas – de pequenas dimensões na base; • Destacamento da policromia – em toda a extensão da policromia; • Lacunas ao nível da policromia – surgem em toda a superfície, principalmente nas vestes.

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4.2 TRATAMENTOS PRÉVIOS

De modo permitir o estudo técnico científico foi necessário deslocar a imagem para o Laboratório de Física, Química e Rx (LFQ/RX) do Instituto Politécnico de Tomar (IPT), local onde se realizaram as análises, tendo-se procedido ao acondicionamento conveniente da obra de arte de forma a garantir a sua integridade física. A escultura foi envolvida em plástico bolha e colocada numa caixa (com pegas) de borracha preparada com partículas de esferovite, ficando assim perfeitamente estabilizada durante o transporte.

Fig 26 Vista da escultura após ser envolvida em plástico bolha para o acondicionamento durante o transporte.

Fig 27 Escultura acondicionada com plástico bolha e esferovite em caixa para transporte.

Foi efectuada uma limpeza simples e cuidadosa, mediante o uso de pincéis de cerdas macias, para a remoção de poeiras soltas. Esta limpeza foi interrompida sempre que se considerou ser nociva, ou seja, sempre que se verificou que a policromia poderia ser removida ou destacada.

Durante a limpeza superficial da escultura foram identificadas zonas em destacamento, sendo necessária uma pré-fixação pontual. Esta foi realizada apenas após a recolha de amostras e a realização das fotografias de fluorescência de ultravioletas e reflectografia de infravermelhos. Pretendia-se evitar a interferência da resina utilizada para a fixação da policromia no resultado das análises.

A fixação da policromia foi realizada pela aplicação a pincel da resina acrílica Paraloid B72 a 15% em acetona. Sobre a zona a fixar foi exercida alguma pressão, a cotonete, sobre a camada cromática. Os excessos da resina foram limpos com o seu próprio solvente.

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5 ANÁLISES REALIZADAS E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Neste capítulo são apresentadas o estudo da policromia realizado no Laboratório de Física, Química e Rx (LFQ/RX) do Instituto Politécnico de Tomar (IPT) e o estudo do suporte realizado no Laboratório de Mineralogia e Petrologia do Instituto Superior Técnico (LAMPIST).

Foram efectuados as seguintes análises:

• Fotografia de fluorescência de ultravioletas – para analisar a superfície pictórica de modo a identificar variações na natureza e espessura dos materiais (IPT).

• Reflectofotografía de infravermelhos – para analisar a superfície pictórica de modo a identificar variações na natureza e espessura dos materiais (IPT).

• Observação à lupa binocular do suporte – para a identificação e descrição do material pétreo (IST).

• Estratigrafias – para a descrição da camada cromática e a identificação de sobreposições de camadas (IPT).

• Análise microquímica – para a detecção de substâncias oleicas ou proteicas nos aglutinantes (IPT).

• Microanálise – para o estudo analítico de pigmentos (IPT).

A radiografia não foi realizada uma vez que, a elevada densidade da pedra e o facto de esta não ser atravessada pelos raios X, não iria permitir a obtenção de resultados que pudessem ser analisados.

As inúmeras lacunas da policromia e a base da escultura permitiram a observação do substrato, não tendo sido necessária a abertura de janelas de sondagem. Para o estudo do suporte foi recolhida uma amostra do mesmo na base de apoio da escultura.

5.1 IDENTIFICAÇÃO E DESCRIÇÃO DO MATERIAL PÉTREO DE SUPORTE

Para a identificação e descrição do material pétreo de suporte foi recolhida uma pequena amostra na base da escultura. As observações à lupa binocular foram realizadas no LAMPIST – Laboratório de Mineralogia e Petrologia do Instituto Superior Técnico.

A observação do material pétreo a olho nu, acompanhado pela observação à lupa binocular, permitiu descrever a rocha. Trata-se de um calcário branco, muito homogéneo e friável, com grão não discernível a olho nu. Estas observações permitem concluir que o material pétreo a partir do

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qual foi esculpida esta escultura de Santa Maria, apresenta características correspondentes a um calcário de idade jurássica.

Apesar de não existir uma indicação precisa da origem deste material e de existirem vários calcários com características semelhantes no país, com por exemplo, os calcários da Batalha ou os calcários da zona das Caldas da Rainha, esta rocha deverá corresponder à “pedra de Ançã”. A pedra é descrita como sendo um calcário fino, brando, creoso, frequentemente oolítico3. Deve salientar-se que a rocha observada não apresenta características oolíticas, mas sim de cariz micritico, sendo ainda uma rocha bastante branda e porosa, o que não acontece com os restantes calcários referidos.

Fig 28 Pormenor do local de colheita da amostra na base da escultura.

Fig 29 Lupa binocular utilizada para a observação das amostras

Fig 30 Observação à lupa binocular (× 25) de uma pequena lasca do calcário.

Fig 31 Observação à lupa binocular (× 25) do pormenor das pequenas lascas de calcário de formas irregulares (foto a preto e branco).

3 AIRES-BARROS, L., “As Rochas dos Monumentos Portugueses- Tipologias e Patologias”, Vol I, Cadernos, IPPAR, 2001, pp 77-78

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A “pedra de Ançã” foi muito utilizada no centro coimbrão de escultura, tendo sido fornecida estatuária para todo o país desde o século XIII, atingindo o seu auge no sec XVI, por ser uma rocha muito branda, branca e homogénea. É considerada uma óptima pedra para esculpir por permitir a fácil execução e a obtenção de peças de grande beleza e riqueza escultórica. Esta rocha foi ainda exportada a partir de um pequeno porto na ribeira de Ançã, via Figueira da Foz, para vários locais da Península Ibérica. Foi utilizada como material de construção em vários monumentos no estrangeiro, onde se pretendiam elaborar trabalhos de grande riqueza escultórica, tais como, no portal do Hospital Real de Santiago de Compostela4. No caso da estatuária religiosa as peças eram encomendadas aos artífices da região de Coimbra, não sendo habitual a exportação da pedra de modo a ser talhada localmente, encontrando-se peças em pedra de Ançã um pouco por todo o país.

A “pedra de Ançã” foi explorada na pedreira D’El Rei situada junto da vila de Ançã, na região de Cantanhede e pertence à formação geológica “Calcários de Ançã”. Nesta região existiram numerosos locais onde se exploraram os calcários, quer para cantaria, quer como inerte, consoante as características que estas apresentam. Existem pequenas variações dentro da formação, com especial relevo para as variações na cor, que pode variar entre o branco, amarelo ou cinzento; e na porosidade, a variar entre os 28% (típica da pedra de Ançã) e os 8% (na variante cinzenta dos calcários de Ançã)5. Em relação às características químicas os calcários de Ançã são calcários bastante puros com teores de CaCO3 muito elevados, valores superiores a 96.5% para os calcários de Ançã, e valores que atingem 95,6% no caso da “pedra de Ançã”,6.

Os Calcários de Ançã afloram numa área considerável na região de Cantanhede, a oeste de Coimbra, como mostra a carta geológica (1:50000) folha 19A Cantanhede, representada pelo símbolo J2AB. A área onde se encontram os calcários de Ançã situa-se na orla Meso-Cenozóica ocidental. Esta formação é testemunho da grande transgressão liássica, onde durante o Hetangiano, o mar avançou para o interior da Península, cobrindo extensas áreas em que dominara anteriormente o regime lagunar e continental. No Jurássico médio, no auge do regime transgressivo, depositaram-se os calcários de Ançã a uma profundidade razoável, e num regime calmo que proporcionou a formação destes calcários de aspecto homogéneo de grão muito fino, apresentando o conteúdo fóssil típico destes ambientes.

4 Idem nota 35 DIONÍSIO, A.(1997) – “A Pedra de Ançã: Características Mineroquímicas e Petrofisicas.” – Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Georrecursos 6 RODRIGUES, M.– “ Estudo da degradação da pedra em Monumentos de Coimbra”- relatório de estágio realizado no âmbito do concurso nº1/PRODEP/98, LNEC, 1998

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Fig 32 Carta geológica (1:50000) folha 19 A – Cantanhede.

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5.2 FOTOGRAFIA DE FLUORESCÊNCIA DE ULTRAVIOLETAS

A fotografia de fluorescência de ultravioletas é um método de análise não destrutivo que proporciona uma informação superficial sobre o estado da obra.

As radiações ultravioletas têm a propriedade de excitar a fluorescência de determinadas substâncias. Através da radiação, determinados materiais constituintes da obra de arte irão florescer de diferentes formas, consoante a sua natureza química.

Este método de análise permite identificar antigas intervenções nas peças, tais como repintes, graças à diferente fluorescência superficial dos diferentes materiais sujeitos à radiação ultravioleta emitida por lâmpadas de Wood.

A imagem de Nossa Senhora do Leite foi iluminada com lâmpadas de ultravioletas, em câmara escura, para o registo fotográfico da reflexão emitida. Foi efectuado um registo do anverso e do reverso da imagem, apresentado no Anexo II.

A análise do registo fotográfico do anverso da imagem, com iluminação ultravioleta, permitiu uma melhor identificação de determinados pormenores da escultura. É possível observar claramente pequenas áreas que florescem de uma cor azul, correspondentes a zonas onde o suporte se encontra à vista em consequência do destacamento relativamente recente da policromia, encontrando-se por isso o suporte limpo. Surgem também algumas zonas com fluorescência idêntica, mas de tonalidade mais escura, que correspondem a zonas de suporte à vista nas quais se observa a tonalidade esverdeada, ou a zonas de destacamento da policromia ocorridos há algum tempo, verificando-se sujidade acumulada na superfície do suporte à vista.

Os motivos decorativos do panejamento surgem realçados com uma tonalidade negra.

Nas áreas de carnação os pequenos “defeitos” (pequenas manchas e riscos) são realçados, surgindo de cor negra devido à acumulação de sujidade.

Tal como no anverso, no reverso observamos manchas de fluorescência de tonalidade azul. As zonas mais claras correspondem ao suporte mais limpo e as zonas mais escuras correspondem ao suporte com sujidade acumulada ou com a tonalidade verde já referida. É possível ainda confirmar de forma nítida os limites da folha de ouro aplicada, sendo esta identificada pela tonalidade acastanhada baça, não fluorescente.

No Anexo II são apresentadas em impressão A4 as fotografias do anverso e reverso da imagem com luz natural e em câmara escura com iluminação de lâmpadas de fluorescência de ultravioletas.

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Fig 33 Fotografia com ultravioletas da frente da escultura.

Fig 34 Fotografia com ultravioletas do tardoz da escultura.

5.3 REFLECTOGRAFIA DE INFRAVERMELHOS

A reflectografia de infravermelhos é um método de análise não destrutivo, bastante utilizado para a análise e diagnóstico de pintura do século XV e XVI. A escolha deste método prende-se com o facto da pintura desta época ser composta por camadas bastante finas, tornando possível através da aplicação deste método observar o desenho subjacente e arrependimentos do artista.

No caso específico da escultura em estudo a obtenção de resultados não foi satisfatória por não se tratar de um objecto plano e por apresentar a pedra como material de suporte, dois factores que dificultam a observação através desta técnica.

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A observação dos registos, tanto do anverso como do reverso, não permitiram a obtenção de informação sobre as camadas subjacentes. A não obtenção de informação não significa que ela não exista, mas talvez, que o método de análise escolhido não seja o mais adequado para o estudo pretendido.

Fig 35 Reflectofotografía de infravermelhos da frente da escultura.

Fig 36 Reflectofotografía de infravermelhos do tardoz da escultura.

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5.4 ESTUDO ESTRATIGRÁFICO

Para a elaboração do estudo estratigráfico, a identificação dos aglutinantes e o estudo analítico dos pigmentos, foram recolhidas no total sete amostras nas zonas mais representativas dos paramentos, carnações, cabelo, coroa e base da escultura.

Fig 37 Recolha de amostra para o estudo estratigráfico, de aglutinantes e pigmentos.

Fig 38 Localização da amostra nº1.

Foram realizadas microfotografías da face externa (superfície) e interna (base) de todas as amostras antes do seu encapsulamento.

Após o encapsulamento da amostra foi realizado o corte estratigráfico. A informação obtida nesta análise permite entender a estratigrafia das camadas policromas.

Resultados:

A interpretação das estratigrafias permitiu concluir que a imagem terá sido em tempos repolicromada, ou seja, sobre a camada pictórica terá sido aplicada uma nova preparação branca, sobre a qual foi executada uma nova pintura. Este facto verifica-se não apenas nas áreas correspondentes ao panejamento, mas também na coroa (amostras nº 2, 4, 5, 7).

Na amostra nº 7 foi possível verificar que o dourado da repolicromia corresponde à utilização de purpurinas.

No caso específico do cabelo, foram observadas três camadas de cor castanha sobre a camada de preparação, sobre as quais terá sido aplicado um douramento. Sobre o douramento foi novamente aplicado uma cor castanha, actualmente visível (amostra nº 3).

As áreas de carnação são uma excepção, não tendo sido identificados repintes ou uma repolicromia. Foi apenas observado um único registo pictórico. Pela elevada qualidade e o bom

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estado de conservação da carnação, a pintura observada não foi repintada, podendo ser a camada cromática original (amostra nº 1).

É comum a existência de repolicromias em escultura. Os registos pictóricos encontram-se em destacamento, apresentando diversas lacunas. O mau estado de conservação das camadas cromáticas torna arriscada a remoção da pintura mais recente. Podem igualmente permanecer poucos vestígios da policromia original. Dada a importância da imagem e tendo em conta que as duas pinturas fazem parte da história da peça, será aconselhável manter em futuras acções de conservação e restauro as duas camadas cromáticas. As duas fases pictóricas da imagem revelaram uma grande qualidade, no entanto, durante a primeira fase foi aplicada folha de ouro e durante a segunda fase foi aplicada purpurina (amostra nº 7).

Tabela 1 Identificação estratigráfica

Identificação da amostra Localização Camadas identificadas

Foi identificada a penas uma camada de pintura, possivelmente a original. Amostra 1 Rosto

0 Camada de preparação

1 Pintura e dourado original

2 Camada de preparação

Amostras 2, 4, 5 e 7

Obs: Foi observado em vez do

dourado uma nova camada composta por purpurina (amostra 7)

Panejamento e Coroa 3 Nova pintura a actual

0 Camada de preparação

1 Pintura castanha

2 Pintura castanha

3 Pintura castanha

4 Douramento

Amostra 3 Cabelo

5 Pintura castanha actual

5.5 IDENTIFICAÇÃO DE AGLUTINANTES

Em cada uma das amostras foram realizados ensaios microquímicos para a identificação e/ou despiste da presença de aglutinantes oleicos ou proteicos. A informação obtida nesta análise pode ajudar na determinação e caracterização da técnica de execução, ou seja, permite dizer se estamos perante uma técnica a óleo ou não.

Resultados:

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No caso específico da imagem de Nossa Senhora do Leite, parece tratar-se de uma técnica a óleo. Foi identificada a presença de proteínas em algumas camadas, no entanto, predomina a presença de substâncias oleicas.

A presença de substâncias proteicas é observada principalmente nas camadas correspondentes à preparação branca, possivelmente justificado pela utilização de uma cola animal proteica.

5.6 ESTUDO ANALÍTICO DOS PIGMENTOS

O estudo analítico dos pigmentos é talvez a fase mais delicada deste diagnóstico. O estudo pretende a identificação dos diversos pigmentos utilizados na produção da policromia, quer seja a policromia original, quer sejam os repintes ou a repolicromia da escultura.

A microanálise realizada permitiu identificar a natureza de alguns pigmentos utilizados através da identificação dos elementos que os constituem.

Resultados:

A carnação é composta por branco e vermelho de chumbo.

A estratigrafia permitiu identificar a sobreposição de douramentos. Curiosamente, as análises microquímicas revelaram ser ouro falso7. Na amostra nº 7, de um castanho claro na veste da virgem, foi identificada a presença de purpurina na camada externa, ou seja, a mais recente.

As camadas correspondentes à preparação branca são constituídas por carbonato de cálcio, o que aponta para a utilização de cré.

As lacunas da policromia deixam ver sobre a pedra uma tonalidade verde. As análises permitiram identificar a presença do ião cobre, o que poderá indiciar a presença de verde malaquite. Esta presença não é comum, sendo difícil explicar a razão pela sua existência. Seria necessário afinar esta identificação recorrendo a outras técnicas de modo a determinar, sem sombra de dúvida, se de facto se trata de um pigmento ou da simples oxidação dos metais que compõem o ouro falso.

Os castanhos, presentes nos cabelos da Virgem e na base da escultura são constituídos por argilas ferruginosas, possivelmente devido a utilização de materiais terrosos na fabricação desses pigmentos, identificadas pela presença do ião Fe3+.

7 ouro falso – refere-se à baixa quantidade de quilates que este ouro apresenta

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Tabela 2 Pigmentos identificados e localização

Pigmento identificado Localização

Branco de chumbo Carnação

Vermelho de chumbo Carnação

Ião cobre possivelmente Verde Malaquite Panejamento e coroa

Terra argilosas ião Fe3+. Cabelos da Virgem

Base da escultura

Ouro falso Panejamento e coroa

Purpurina Panejamento

5.7 DESCRIÇÃO DA TÉCNICA PICTÓRICA

Os resultados obtidos sobre os aglutinantes sugerem tratar-se de uma pintura a óleo, já que foram identificados aglutinantes de natureza oleica. Esta pintura tem como base uma camada de preparação de cor branca composta por carbonato de cálcio e substâncias proteicas.

6 ESTABILIZAÇÃO E CONSERVAÇÃO PARA A SALVAGUARDA DA IMAGEM

Procurou-se estabelecer um tratamento adequado aos valores funcionais, estéticos e históricos da escultura.

6.1 CRITÉRIOS DEFINIDOS PARA A INTERVENÇÃO

A metodologia e os critérios que a In Situ desenvolveu para a conservação da imagem Nossa Senhora do Leite, está em conformidade com os princípios básicos da conservação e restauro, definidas nas diversas cartas internacionais (carta de Veneza de 1967, Carta de Restauro de 1972). Estas cartas referem a necessidade da garantia da autenticidade tanto na intervenção como no projecto de conservação, para o qual é imprescindível o conhecimento prévio e rigoroso do objecto de intervenção, assim como, a opção por intervenções mínimas, pela reversibilidade e compatibilidade dos produtos e intervenções, pela previsão da manutenção e pelo registo e a documentação rigorosa das intervenções desenvolvidas.

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Esta metodologia de restauro, como todas aquelas que têm lugar em objectos de interesse histórico, seguirá os princípios orientadores de garantia para a manutenção do seu significado cultural, bem como a sua salvaguarda para o futuro.

A intervenção de restauro realizada teve como objectivo repor o equilíbrio físico e estético do conjunto, restituindo-lhe homogeneidade e as características inerentes à sua função inicial e actual.

Os resultados das análises realizadas contribuíram para a caracterização histórica da peça escultórica, registando também as vicissitudes por que passou ao longo dos tempos. Assim ficou demonstrada a existência de duas campanhas de pintura na escultura, ou seja, uma primeira campanha de pintura, a original, e sobre esta, uma segunda campanha de pintura sobre uma camada de preparação branca.

Com base nos resultados das diversas análises efectuadas, o tratamento efectuada na imagem de Nossa Senhora do Leite visou, essencialmente, uma intervenção a nível conservativo, prevendo manter a autenticidade histórica da peça, não removendo os repintes ou a repolicromia, pretendendo manter a autenticidade histórica da imagem e as vicissitudes por que passou.

No entanto, na zona do rosto, quer da Nossa senhora quer do menino, foram realizadas acções de reintegração de modo a melhorar a leitura da expressão facial. Esta acção teve ainda em consideração o facto de a Comunidade pretender expor a Senhora do leite na Igreja como imagem de culto.

6.2 TRABALHOS DE CONSERVAÇÃO REALIZADOS

Pré-fixação da camada pictórica - Foi executada em toda a superfície, nos locais onde se verificou o destacamento iminente da policromia, como medida preventiva da perda de material durante a intervenção. Foi realizada uma pré-fixação com Paraloid B72 a 15% em acetona no decorrer do estudo da imagem. A pré-fixação realizada durante a intervenção utilizou o mesmo produto, desta vez numa concentração de 10% em acetona.

Limpeza a seco de sujidades superficiais - Foi realizada na totalidade da superfície da imagem, recorrendo-se a trinchas de pelo macio para a remoção de poeiras soltas depositadas na superfície.

Teste de solventes - Foram realizados ensaios de solventes, dos mais fracos para os mais fortes, de forma a definir o solvente ou a mistura mais adequada para cada área distinta da policromia.

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Tabela 3 Ensaios de solventes

Solventes / áreas (cores)

Carnação Vermelho - manto

Castanho - cabelo

Amarelo - Manto

Vermelho -coroa

Superfície pétrea

Saliva B M M R M (remove pigmento)

R

Agua Remove M M M M R

Etanol R M M M M M

White Spirit R M R M R R

Acetona R M M M M

Cleaniónico a 30%

B R (Remove pigmento)

R R M R

Amoniáco a 30% - R M R M R

Xilol + Isopropanol

- M (Remove pigmento)

M M M M

Agua + álcool + amoníaco (1:1:1)

- M M M M R

LEGENDA: B – bom, R – razoável, M – mau

Limpeza química da superfície - Realizada após a execução dos testes de solventes. A limpeza foi realizada com cotonete. Nas áreas das carnações, a limpeza efectuou-se com uma solução de cleaniónico em água a 30%, sem grande insistência. A camada policroma estava extremamente frágil, podendo ser removida. Não se efectuou uma limpeza mais profunda por este motivo.

Outro local onde a limpeza se revelou muito difícil foi o manto amarelo. Este possui uma película superficial que penetrou na camada de cor. Optou-se por limpar com amoníaco a 30%, em vez do cleaniónico a 30%, devido à sua maior volatilidade.

A limpeza efectuada em toda a escultura não foi muito profunda, optando-se por uniformizar a superfície, uma vez que a policromia se revelou muito sensível aos solventes e às soluções testadas.

Fixações da camada pictórica - durante a limpeza da superfície foram identificados alguns locais onde os destacamentos persistiam. Nestes casos, foi executada a fixação da policromia com a mesma resina utilizada para a pré-fixação, o Paraloid B72. Sobre o produto foi executada alguma pressão com espátula quente.

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Fig 39 Face da Nossa Senhora - diferença entre a metade limpa e a metade ainda suja.

Fig 40 Face do Menino, note-se a limpeza da sujidade na metade da cara.

Reintegração cromática - Optou-se por uma reintegração cromática pontual e mimética nas áreas de carnações com pequenas lacunas que quebravam a leitura da imagem (peito, nariz, cabelo, mãos e boca da Nossa Senhora, boca e nariz do Menino). Esta opção de reintegração justifica-se por se pretender uma melhor integração da imagem, permitindo uma leitura correcta da expressividade da escultura. A reintegração foi efectuada com aguarelas. Antes de reintegrar foi efectuado o preenchimento das lacunas com uma preparação branca de carbonato de cálcio.

Fig 41 Pormenor da face da Nossa Senhora após o preenchimento das lacunas a reintegrar.

Fig 42 Pormenor das lacunas preenchidas no Menino e no peito da Nossa Senhora.

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Fig 43 Pormenor da face da Nossa Senhora durante a fase de reintegração cromática.

Fig 44 Pormenor da face da Nossa Senhora após a reintegração cromática das lacunas.

Fig 45 Pormenor do peito da Nossa Senhora e da face do Menino após a reintegração cromática das lacunas.

Fig 46 Pormenor do peito da Nossa Senhora e da face do Menino após a reintegração cromática das lacunas.

Aplicação da camada de protecção final – foi aplicada uma camada de Paraloid B72 a 5% sobre toda a superfície devido à fragilidade da policromia. Foi aplicada uma camada de protecção final de verniz mate Talens de modo a diminuir o brilho da resina aplicada anteriormente.

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Fig 47 Vista de frente da escultura de Nossa senhora do Leite, antes da intervenção.

Fig 48 Vista de frente da escultura de Nossa Senhora do Leite, depois da intervenção.

7 CLASSIFICAÇÃO E INVENTARIAÇÃO DA IMAGEM

A classificação e inventariação da Nossa Senhora do Leite passa pelo seu conhecimento, estudo, conservação e divulgação, princípios fundamentais para a preservação da expressão e do testemunho da criação humana.

Este projecto pretende abrir o caminho para a realização de uma proposta de classificação e musealização desta bela e rara imagem. Esta imagem por doação faz agora parte do espólio da Igreja de Unhão, no entanto, a sua proveniência é incerta, o que dificultou nesta primeira fase uma determinação conclusiva das suas características históricas e artísticas.

A inventariação, classificação e futura exposição da imagem não implica obrigatoriamente a sua remoção do local, neste caso, a Igreja. No entanto, o ambiente da Igreja deverá ser adequado. Será

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necessário conhecer as condições ambientais actuais da Igreja e saber se estas são estáveis, com valores aceitáveis de humidade e temperatura.

O processo de inventariação e classificação da imagem deverá ser acompanhado pelas instituições actualmente envolvidas na salvaguarda da imagem, DGEMN e Comunidade Urbana do Vale de Sousa, no âmbito do projecto “Conservação, salvaguarda e valorização do património histórico construído”. As decisões relativas ao processo de classificação da imagem deverão ser discutidas e acertadas com todas as entidades competentes.

Entenda-se que actualmente a salvaguarda da imagem não está garantida, pelo que o estudo e a divulgação poderão implicar maiores riscos para a sua integridade. Deverão ser tomadas medidas de salvaguarda que poderão passar pela exposição e musealização da imagem num local com vigilância, garantindo assim a sua segurança e integridade.

Independentemente da definição do local de exposição, a imagem deverá ter o acompanhamento técnico que garanta a verificação e adaptação da escultura às condições ambientais, observando-se a existência de alterações no material original e de alterações na intervenção de conservação e restauro. A iluminação da imagem deverá também ser avaliada, evitando sempre a luz solar directa.

A conservação preventiva é um princípio orientador para a manutenção da escultura. O conhecimento do objecto é fundamental, pois permite determinar as características técnicas e materiais, possibilitando a adequação do ambiente no local de exposição à escultura.

Pelo que aqui se expõe, julgamos que premiar este trabalho permitirá o desenvolvimento mais aprofundado do estudo iniciado, permitido a elaboração de uma proposta de classificação e musealização da imagem da Senhora do Leite. Premiar-se-á ainda, a execução de uma intervenção criteriosa e adequada, desenvolvida por uma equipa multidisciplinar que procurou, não apenas executar o trabalho para o qual foi contratada, mas ir mais além, propondo trabalhos futuros para a salvaguarda desta valiosa imagem.

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9 CURRÍCULOS

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