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Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Universidade Técnica de Lisboa AS CIDADES DIGITAIS E O REFORÇO DA CIDADANIA: Uma abordagem sociológica do Gaia Global e do Aveiro Digital Dissertação de Mestrado em Sociologia Orientador: Prof. Doutor João Abreu de Faria Bilhim Candidata: Bárbara Andreia Barbosa Neves Júri: Presidente: Doutor João Abreu de Faria Bilhim, Professor Catedrático do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa; Vogais: Doutor João Luís Bettencourt da Câmara, Professor Associado com Agregação do Instituto Superior de Ciências Sociais

PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

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Page 1: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Instituto Superior de Ciências Sociais e PolíticasUniversidade Técnica de Lisboa

AS CIDADES DIGITAIS E O REFORÇO DA CIDADANIA:

Uma abordagem sociológica do Gaia Global e do Aveiro Digital

Dissertação de Mestrado em SociologiaOrientador: Prof. Doutor João Abreu de Faria Bilhim

Candidata: Bárbara Andreia Barbosa Neves

Júri:

Presidente: Doutor João Abreu de Faria Bilhim, Professor Catedrático do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa;

Vogais: Doutor João Luís Bettencourt da Câmara, Professor Associado com Agregação do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa;

Doutor Joaquim José Borges Gouveia, Professor Catedrático da Universidade de Aveiro.

Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP)Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT)

Lisboa, 2006

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“Vai até onde puderes, quando lá chegares poderás ver ainda mais longe”

Goethe

“Uma coisa que eu aprendi nesta longa vida: toda a ciência quando comparada à

realidade é primitiva e infantil, e no entanto, é a coisa mais preciosa que temos”

Einstein

“Julge um homem pelas suas perguntas e não pelas suas respostas”

Voltaire

1

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ÍNDICE

Agradecimentos 8

Introdução 12

I. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL PRELIMINAR 18

A. Internet 18 1. Génese e Desenvolvimento da Internet 18

2. Ciberespaço e Realidade Virtual: Novas Dimensões de Tempo e Espaço

21

3. Comunicação Mediada por Computador (CMC) 234. Impacto Social da Internet 255. Dados Mundiais de Utilização da Internet 316. Dados Nacionais de Utilização da Internet e Índices de Mobilização para a Sociedade da Informação

34

7. A Info-Exclusão: Uma abordagem global 40

B. Sociedade da Informação 471. Aproximação e Evolução Conceptual: Sociedade da Informação, Sociedade do Conhecimento e Sociedade em Rede

47

2. Iniciativas para a Sociedade da Informação 56a. As Políticas Europeias 56b. As Políticas Portuguesas 69

C. Governo Electrónico 861. Aproximação Conceptual 862. Potencialidades e Implicações do Governo Electrónico 873. Governo Electrónico Local 904. Governo Electrónico Global 925. Iniciativas Europeias para o Governo Electrónico 996. O Caso Português: Pressões Exógenas e Elementos

Endógenos 100

D. Comunidades Virtuais 109

II. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL E TEMÁTICO PRINCIPAL: AS CIDADES DIGITAIS E CIDADANIA 112

2

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A. As Cidades e Regiões Digitais 1121. Cidades Digitais: Uma Aproximação Conceptual 112

a. Tipologias de Cidades Digitais 118 b. Regiões Digitais 121 c. Considerações Gerais 122

B. Cidadania 1241. Aproximação Conceptual 1242. Abordagem Sociológica da Cidadania 1263. Enquadramento Histórico: da Grécia Antiga à Pós-

Modernidade128

4. Cidadania na Era Global 1455. Cidadania na Era Digital 153

III. ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO E TEÓRICO 158

A. Problemática, Objectivos e Hipóteses da Investigação 158

B. Opções Metodológicas 1611. O Estudo de Caso Múltiplo 1622. A Entrevista Semi-Estruturada 1643. Inquérito On-line 1674. A Matriz de Ishida 168

C. Contributos Teóricos 1691. Sociologia Urbana 169

a. A Cidade Contemporânea 1711. A crise das cidades contemporâneas 1712. A cidade na Era da Informação 174

a. Espaço de Fluxos e Espaço de Sítios 177 b. Teorias das Relações entre a Cidade e as

Tecnologias de Informação e Comunicação180

2. “Social Construction of Technology” (SCOT) 1843. Cibersociologia, Sociologia da Internet 187

IV. AS CIDADES DIGITAIS: AS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS E NACIONAIS

188

A. Paradigmas Internacionais 188

B. A Abordagem Portuguesa 198

3

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1. Os Projectos Pioneiros 2022. Os Projectos em Execução 206

C. Vantagens e Limitações das Cidades Digitais 219

V. ESTUDO DE CASO COMPARATIVO: GAIA GLOBAL E AVEIRO DIGITAL

224

A. Gaia Global 2241. Vila Nova de Gaia 2242. A Cidade Digital de Vila Nova de Gaia 2263. Os utilizadores do Gaia Global: Resultados dos Questionários On-Line aplicados aos Utilizadores do Portal do Cidadão de Gaia

240

B. Aveiro Digital 2491. A Cidade/Região Física 2492. A Cidade Digital (1998-2000) 2513. A Região Digital (2003-2006) 257

C. Gaia Global e Aveiro Digital 267

VI. CIDADES DIGITAIS E CIDADANIA 272

A. Resultados das Entrevistas 272

B. Resultados do Inquérito On-line aos Utilizadores do Gaia Global 285

Conclusão 291

Bibliografia 297

Anexos 307

4

Page 6: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1 – Cobertura do território do Continente por infra-estruturas de banda larga em 2004

36

Figura 2 – Distribuição geográfica das centrais com DSLAM com assinantes no 1º e 2º trimestre de 2006

37

Figura 3 – As Sete Dimensões da Sociedade do Conhecimento de Heinonen 52Figura 4 – AOL 189Figura 5 – Cidade Digital de Amesterdão 192Figura 6 – Helsínquia Virtual 194Figura 7 – Quioto Digital 196Figura 8 – Mapa do Concelho de Vila Nova de Gaia 225Figura 9 – Vila Nova de Gaia 225Figura 10 – Método NVAT 230Figura 11 – As três camadas do Gaia Global 231Figura 12 – A metáfora da cidade digital: as praças de uma cidade física simbolizam a interacção entre os cidadãos e os edifícios dessas praças constituem as aplicações e serviços existentes

233

Figura 13 – Portal do Cidadão de Gaia 234Figura 14 – Portal do Cidadão de Gaia 235Figura 15 – Portal Institucional Gaia Global/ Portal da Juventude Gaia Global 235Figura 16 – “Como avalia os serviços disponíveis no portal?”/ “Como avalia a eficácia dos serviços on-line disponíveis no portal?”/ “Como avalia a resposta on-line às suas solicitações?”

245

Figura 17 – Ria de Aveiro 250Figura 18 – Mapa da Área de Intervenção da AMRia 250Figura 19 – Distribuição Orçamental por Áreas de Intervenção 255Figura 20 – Aveiro Digital (www.aveiro-digital.pt) 262Figura 21 – Serviços Básicos do Aveiro Digital 264Figura 22 – “As Cidades Digitais identificam-se com a cultura da sua região?”/ “As Cidades Digitais impulsionam a interacção do indivíduo com a sua comunidade e cultura local?”

279

Figura 23 – “O Gaia Global permite-lhe estar mais perto do seu governo local?”/ “O Gaia Global permite-lhe estar mais perto das instituições e empresas locais?”

286

Figura 24 – “O Gaia Global permite-lhe resolver assuntos com o seu município mais rapidamente?”/ “O Gaia Global permite-lhe esclarecer dúvidas com o seu município mais rapidamente?”

287

ÍNDICE DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Índice de Network Readiness e PIB em 2004 34Gráfico 2 – Evolução de alguns dos principais indicadores que caracterizam a utilização de Tecnologias de Informação e Comunicação pelas famílias

38

5

Page 7: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Gráfico 3 – Cobertura de Banda Larga: O “tamanho” da info-exclusão 43Gráfico 4 – A info-exclusão nos 15 Estados Membros 43Gráfico 5 – “Está registado no Gaia Global?” 241Gráfico 6 – “Há quanto tempo conhece o projecto Gaia Global?” 241Gráfico 7 – “Como teve conhecimento do Gaia Global?” 242Gráfico 8 – “Quando começou a utilizá-lo?” 242Gráfico 9 – “Com que frequência acede ao portal?” 243Gráfico 10 – “Que áreas mais acede no portal?” 243Gráfico 11 – “Que temas mais pesquisa no portal?” 244Gráfico 12 – “Como avalia o design e estética do portal?” 244Gráfico 13 – “Como avalia a organização do portal?” 245Gráfico 14 – “Como avalia os conteúdos disponíveis no portal?” 245Gráfico 15 – “Como avalia o desempenho global do portal?” 247Gráfico 16 – Sexo dos Inquiridos 248Gráfico 17 – Inquiridos por Faixas Etárias 248Gráfico 18 – Estado Civil dos Inquiridos 248Gráfico 19 – Habilitações Literárias 248Gráfico 20 – “As Cidades Digitais satisfazem complementarmente algumas necessidades sociais (interacção, identidade) e políticas (exercício da cidadania) dos seus cidadãos?”

272

Gráfico 21 – “As Cidades Digitais promovem o debate e a intervenção pública?” 275Gráfico 22 – “As Cidades Digitais são espaços de cidadania?” 277Gráfico 23 – “O Gaia Global permite-lhe aceder à informação, bens e serviços de Gaia?”

289

Gráfico 24 – “O Gaia Global permite-lhe aceder a serviços municipais on-line?” 287Gráfico 25 – “O Gaia Global permite-lhe intervir activamente na sua cidade?” 288Gráfico 26 – “O Gaia Global permite-lhe exercer a sua cidadania?” 288Gráfico 27 – “O Gaia Global permite-lhe estar mais em contacto com o que se passa na sua região?

289

Gráfico 28 – “O Gaia Global permite-lhe ter uma melhor qualidade de vida?” 289Gráfico 29 – “O Gaia Global permite-lhe conhecer pessoas?” 289

ÍNDICE DE QUADROS

Quadro 1 – Utilização Mundial da Internet e Estatísticas da População por Continentes

33

Quadro 2 – Top 20 Países 33Quadro 3 – Percentagem de utilizadores de Internet e população, por escalão etário e nível de instrução em 2004

45

Quadro 4 – Linhas de Acção do “Rolling Action Plan” 59Quadro 5 – Estruturas de Acções para o Plano eEurope 2002 61Quadro 6 – Progressos Realizados no Decurso do eEurope 2002 62Quadro 7 – Medidas para o Espaço Único de Informação Europeu 66Quadro 8 – Medidas para o reforço da Inovação e do Investimento 67Quadro 9 – “Comparação das respostas obtidas na pergunta relativa à evolução dos últimos seis meses e na pergunta relativa à evolução dos próximos seis meses”

83

Quadro 10 – “Comparação das respostas obtidas na pergunta relativa à evolução dos últimos seis meses e na pergunta relativa à evolução dos próximos seis meses”

84

Quadro 11 – “Comparação das respostas obtidas na pergunta relativa à evolução dos últimos seis meses e na pergunta relativa à evolução dos próximos seis meses”

85

Quadro 12 – Impacto do Governo Electrónico na Concretização dos Princípios de 896

Page 8: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Boa GovernaçãoQuadro 13 – Top 20 das Cidades da Governação Electrónica 2005 90Quadro 14 – Top 20 das Cidades da Governação Electrónica 2003 92Quadro 15 – Top 10 das Cidades na Categoria da Participação dos Cidadãos 2005 97Quadro 16 – Tipos Ideais das Concepções Densa e Espessa da Cidadania 98Quadro 17 – Cidadania na Grécia Antiga e no Estado Moderno 99Quadro 18 – Tácticas de Estudos de Caso Para Quatro Testes de Design da Investigação

129

Quadro 19 – Matriz de Ishida: Comparação de Quatro Cidade Digitais 163Quadro 20 – Indicadores Demográficos de Vila Nova de Gaia 224Quadro 21 – Avaliação do Portal www.gaiaglobal.pt 247Quadro 22 – Planeado e Realizado no PACD 1998-2000 256Quadro 23 – Matriz Ishida Aplicada ao Gaia Global e ao Aveiro Digital 267Quadro 24 – “Qual é o impacto do GG/AD para o desenvolvimento económico e social da cidade/região que representam?”

271

Quadro 25 – “As Cidades Digitais promovem o debate e a intervenção pública?” 275

7

Page 9: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Agradecimentos

Por muito individual que seja a paixão por determinados temas, por muito particular que seja a

interpretação da realidade social e a sua redacção, a preparação e realização de qualquer estudo

é um acto colectivo. Indubitavelmente, não poderia ter desenvolvido esta tese de mestrado sem o

apoio, o suporte, os conselhos e a participação de inúmeras pessoas. Desta forma, gostaria de

expressar algumas palavras de estima, agradecimento e reconhecimento:

Ao meu orientador, Prof. Doutor João Bilhim por tudo: por me possibilitar alcançar uma

bolsa de investigação da Fundação para a Ciência e Tecnologia; por todo o seu incentivo e apoio

incondicional; pela disciplina, método, estruturação e organização que me transmitiu; pela

procura, por vezes sobre-humana, de alguma disponibilidade para me motivar; pelas inúmeras

oportunidades que me proporcionou, e acima de tudo pelo carinho e alento que me fizeram

avançar. Pelo professor, companheiro e amigo que sempre demonstra ser.

À FCT, nomeadamente ao Prof. Doutor Ramôa Ribeiro, por ter acreditado neste projecto,

atribuindo-me uma bolsa de investigação em Ciência e Tecnologia, que me permitiu dedicar de

corpo e alma a este estudo.

Ao Prof. Doutor Fausto Amaro, pelo espantoso docente, investigador e cientista social; pela

inspiração, pelos importantes conselhos e orientações; por todo o apoio.

Ao Prof. Doutor Joaquim Borges Gouveia por toda a disponibilidade, apoio e colaboração.

Por ser a prova irrefutável que os grandes génios e pensadores descrevem de forma

inacreditavelmente simples, a complexa realidade. Por tudo que me ensinou e me fez reflectir.

Pelo delicioso e acutilante espírito crítico.

Ao Prof. Doutor Luís Borges Gouveia pelas profícuas indicações e pelo interesse. Pelo

desafio que me proporcionou. Pela brilhante mente e personalidade.

8

Page 10: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Ao Prof. Doutor José Rafael, membro da Comissão de Execução do Aveiro Digital (CEAD),

pela disponibilidade imediata e por toda a cooperação.

Ao Eng.º Ângelo Estrela, Gestor do Projecto do Gaia Global, pelo interesse demonstrado e

pelas úteis informações e sugestões que permitiram enriquecer a tese, não só a nível operacional,

como conceptual.

Ao Eng.º Jorge Xavier, por todas as indicações e pela assombrosa Dissertação de Mestrado

em Gestão da Ciência, tecnologia e Inovação sobre esta temática.

À Eng.ª Lusitana Fonseca, da Comissão de Execução do Aveiro Digital (CEAD), por todo o

suporte, colaboração e visão. Uma extraordinária mulher e profissional.

Ao Dr. João Ribeiro da Comissão de Execução do Aveiro Digital (CEAD) pela frutuosa

contribuição.

Ao Arq.º José Luiz Moutinho, do Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de

Desenvolvimento do Instituto Superior Técnico, pela importante colaboração, ajuda e por todo o

trabalho e tempo despendidos para me proporcionar uma entrevista extremamente rica e

complexa.

Ao Prof. Doutor Flávio Nunes, do Departamento de Geografia da Universidade do Minho,

pela fabulosa entrevista.

Ao Prof. Doutor Alessandro Aurigi, da Universidade de Newcastle Upon Tyne, pela

cooperação, amparo e estímulo. Pelo fabuloso livro e entrevista.

À Dr.ª Julieta Leite e Prof. Doutor Sílvio Zancheti, do Centro de Conservação Integrada

Urbana e Territorial da Universidade Federal de Pernambuco, pela imediata colaboração,

constante apoio e interacção.

Ao Prof. Doutor Peter van den Besselaar, da Universidade de Amesterdão, pela inspiração,

contributo e pelo extraordinário livro que me enviou sem qualquer custo.

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Page 11: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Ao Dr. Risto Linturi, da “Helsinki Arena 2000”, Helsínquia Virtual, pelas palavras de

motivação e pela interessante e-entrevista.

Ao Prof. Doutor Ken Friedman, da Escola Norueguesa de Gestão e Escola Dinamarquesa de

Design, pelo envio de interessantes artigos que não só complementaram o meu trabalho, como

me direccionaram para outros aspectos fundamentais.

Ao Prof. Doutor Marc Holzer e Tony Carrizales, da Universidade de New Jersey Rutgers,

pelo convite para integrar a sua equipa de investigação no projecto “100 City E-Government

Website Survey”. Pela grande oportunidade.

Ao Prof. Doutor Cees Hamelink, da Universidade Livre de Amesterdão, pela apaixonante

pessoa, filósofo e músico. Pelos vantajosos contactos que me deixou. Pela númen crítica.

Ao Prof. Jaime Fonseca pela disponibilidade, simpatia e pelo grande auxílio no SPSS.

À Mestre Romana Xerez pelas importantes indicações bibliográficas de Sociologia urbana.

À Prof. Doutora Carla Guapo Costa e à Mestre Elizabete Carvalho por todo o

encorajamento. Por serem as surpreendentes mulheres que são!

À Prof. Doutora Alice Trindade pela amizade, companheirismo e carinho constantes. Por

mais de que uma prodigiosa docente ser uma incondicional amiga. For being my role model!

Ao Prof. Doutor João Bettencourt pelo carisma que torna qualquer assunto, mesmo o mais

fastidioso, o tema mais fascinante de todo o universo.

A todos os investigadores e professores que conheci aquando da minha participação em

2005 nas conferências da ASPA/EGPA (American Association of Public

Administration/European Group of Public Administration) “First Transatlantic Dialogue” em

Leuven e da ESA (European Sociology Association), “Rethinking Inequalities” em Tórun; e em

2006 da ISA (International Sociology Association) “Quality of Existence in a Globalizing

World”, em Durban. Pelos interessantes comentários e entusiasmo demonstrado pelo meu

10

Page 12: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

estudo. Marc Holzer, Margaret, Torben Beck Jorgensen, Eva Tsahuridu, Bouckaert,

Montgomery Van Wart, Isabelle Feroni, Anemone Smith, Luísa Oliveira, António Firmino da

Costa, John Abraham, Rachel Cane, Bernhard Wieser e Elvira Pereira. Thank you all!

À minha família, em especial à minha mãe, pelo apoio incondicional e por todo o seu

esforço para sempre me proporcionar uma educação e um conhecimento que me permitisse

evoluir como ser humano, como ser pensante. Enfim, por tudo…. Ao meu irmão Tiago,

verdadeira alma gémea, pelo incentivo contínuo, pelo interesse incessante e pela confiança que

sempre depositou em mim. Ao Victor, pela força que sempre me fizeram avançar. Por todos os

seus conhecimentos informáticos e técnicos. Ao Joey, pela alegria, ternura e luz com que

completou a minha vida. Por estar sempre ao meu lado, plácido e protector, quando redigia esta

dissertação de mestrado.

Aos amigos cujo encorajamento foi crucial, Carla Brás e Naimo, Marta Venera, Amável

Santos, Joana Barros, António Belém, Ernesto Festas e Sónia Garcia Flores.

11

Page 13: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

INTRODUÇÃO

A Internet tem um impacto exponencialmente crescente na nossa vivência quotidiana,

reflectindo-se progressivamente em todas as actividades humanas. É o primeiro meio de

comunicação que permite a comunicação de muitos para muitos e que modifica a percepção de

tempo e espaço. Com efeito, “A Internet é o tecido das nossas vidas”1, na medida em que,

consiste presentemente na base tecnológica da forma organizacional que caracteriza a nova Era

da Informação.2 A Internet é transformada diariamente pela sua utilização, pelo seu uso para

concretizar diversas tarefas e pelos seus netizens (cidadãos da Internet).3 Neste sentido, Manuel

Castells entende que esta interacção origina um novo modelo sócio-técnico.4

Efectivamente, a Internet foi criada como tecnologia de comunicação livre, entre esforços

militares e académicos. Desde a sua existência, a Internet mudou notavelmente, conjugando

novas tecnologias, adaptando-se a diferentes necessidades e integrando diversos serviços.

Prossegue este processo de mutação, sendo agora associada a computadores portáteis e a outros

meios de comunicação portáteis, como telemóveis, pagers etc. que parecem apontar para um

novo paradigma de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC5) nómadas. Claramente,

uma das grandes interrogações sobre o futuro da Internet, não assenta na mudança da tecnologia,

que se efectua a uma vertiginosa velocidade, mas na gestão desse processo de mutação e

evolução.6 Os diversos estudos sobre o seu impacto social evidenciam maioritariamente uma

visão utópica ou distópica dos seus efeitos e respectiva influência social, apesar de ultimamente

as investigações pretenderem superar esta perspectiva maniqueísta.7 A Internet é apenas um

1 Manuel Castells, A Galáxia Internet. Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001, p. 15.2 Ibidem. 3 Conceito que abordamos no capítulo da cidadania, mais concretamente no ponto relativo à cidadania virtual.4 Manuel Castells, A Galáxia Internet. Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001, p. 15.5 “Tecnologias de Informação e Comunicação” são a partir deste ponto referidas como TIC. 6 Cfr. Barry Leiner (Research Institute for Advanced Computer Science) et al. “A Brief History of the Internet”, http://www.isoc.org/internet/history/brief.shtml. 7 Katz e Rice, “Project Syntopia: Social Consequences of Internet Use”, IT&Society, volume 1, issue 1, Verão 2000, p. 166.

12

Page 14: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

meio de comunicação e de expressão, que reflecte a contradição do próprio ser humano, é um

instrumento positivo, mas também pode ser usado negativamente. É claramente um produto

social. Apesar dos cépticos, a Internet pode ser uma potencial ferramenta de desenvolvimento,

progresso, democracia, cidadania, união e liberdade e parece ser o símbolo de uma nova era.

De facto, apesar das inúmeras nomenclaturas que pretendem designam a génese de uma nova

Era, assente na Internet e nos fluxos de informação, a Sociedade da Informação parece ser o

conceito vulgarmente aceite para a definir (expressão que surge no século XVII, aliás antes da

própria noção do conceito de informação).8 Contudo, crescentemente verifica-se o uso da

expressão Sociedade do Conhecimento. A este propósito, Manuel Castells enaltece a Sociedade

em Rede, pois embora as redes sejam modos remotos de organização humana, as TIC e

sobretudo a Internet, possibilitaram que as redes se flexibilizassem, dinamizassem, adaptassem e

evoluíssem.9 Assim, perante esta Sociedade da Informação, a sua gradual evolução tecnológica e

a crise e os desafios das cidades contemporâneas (fragmentação, falta de identidade, crise nos

espaços públicos, etc.), as cidades sentiram necessidade de se complementarem com uma

plataforma digital. Desta forma, usufruindo das especificidades da Comunicação Mediada por

Computador (CMC), de todas as vantagens da Internet e das TIC e das potencialidades do

ciberespaço, desenvolveram o que muitos autores consideram ser um novo modo de

agrupamento humano: a cidade digital.

A expressão “cidade digital” foi pela primeira vez utilizada em 1994, quando a DDS (De

Degitale Stad – cidade digital) foi criada pela comunidade virtual de Amesterdão. Utilizando

uma metáfora citadina, a DDS combinava características de uma rede comunitária, uma World

Wide Web local e uma plataforma para as comunidades virtuais. Desde então, esta expressão

tem sido usada para ilustrar uma grande variedade de TICs locais, sistemas e projectos.10 Assim,

surge a premente necessidade de se definir uma tipologia de cidades digitais, de modo a

determinar especificamente qual é o tipo de cidades digitais que estudamos e a prevenir a

análise de diferentes modelos como homogéneos. Portanto, optamos pela tipologia de Aurigi e

Graham, que distinguem as cidades digitais enraizadas das não enraizadas. As primeiras estão

vinculadas a espaços urbanos definidos, sendo actualmente desenvolvidas por agências locais

com o objectivo de promover a qualidade de vida nas cidades físicas. As precedentes utilizam

8 Cfr. Armand Mattelart, The Information Society: An Introduction, Sage Publications, 2003.9 Manuel Castells, A Galáxia Internet. Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001, p. 16.10 Peter van den Besselaar, “Local Information and Communication Infrastructures: An Introduction” in Besselaar, Peter van den and Satoshi Koizumi (Eds.) Digital Cities III Information Technologies for Social Capital: Cross-cultural Perspectives, Springer, 2005, p. 4.

13

Page 15: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

uma interface familiar às cidades, mas não têm nenhuma ligação com qualquer cidade, região ou

município particular.11 Desta forma, o nosso objecto de estudo são as cidades digitais enraizadas

cívicas, ou seja, espaços electrónicos públicos que disponibilizam informação e serviços para os

seus cidadãos.

Neste sentido, a cidade digital é representada, numa aproximação simplificada, por um sítio

electrónico ou um conjunto de sítios electrónicos que reproduzem a cidade física on-line,

agrupando numa plataforma digital, a sua informação, os seus acontecimentos, as suas relações

institucionais, estatais e comunitárias e promovendo a interacção entre os diversos actores locais

(cidadãos, empresas, município, entidades e associações). Contudo, a definição destes projectos

é indubitavelmente mais complexa, pois com recurso às TICs, englobam a modernização

autárquica (alteração de práticas, rotinas e modos de procedimentos; aumento de eficiência e

eficácia; redução de custos e melhor serviço aos cidadãos); a dinamização e inovação regional;

as infra-estruturas e acessibilidades digitais; a formação e a mobilização para a nova Era.

Consequentemente, as cidades digitais têm-se destacado como um dos elementos chave na

promoção da Sociedade da Informação.12 No nosso país, o Programa Cidades e Regiões

Digitais, que conta já com vinte e sete projectos, integra-se actualmente no Programa

Operacional Sociedade do Conhecimento e na estratégia europeia, nomeadamente no i2010, de

acordo com as orientações da designada agenda de Lisboa.13

As cidades digitais têm como objectivos basilares promover uma melhor qualidade de vida, o

desenvolvimento social e económico regional, um melhor exercício da cidadania e uma profícua

integração das TIC.14 Aliás, o programa de acção Ligar Portugal do XVII Governo

Constitucional sublinha como uma das suas metas, “Criar uma oferta pública de Internet de

Cidadania, garantindo o acesso livre e gratuito a serviços públicos e de interesse público

disponibilizados pela Internet, os quais deverão abranger a totalidade dos serviços básicos até ao

final da legislatura” 15. Com efeito, como sublinha Luís Vidigal, “As tecnologias também podem

ser utilizadas para que os cidadãos possam autodeterminar-se no seu modo de viver, desafiando

o actual processo decisório das instituições públicas e demonstrando a necessidade dos actuais

11 Alessandro Aurigi e Stephen Graham, “The Crisis in the Urban Public Realm”, in B.D. Loader, Cyberspace Divide: Equally, Agency and Policy in the Information Society, Londres, Routledge, 1998, pp. 57-80.12 Com efeito, o prémio editorial Sociedade da Informação atribuído em 2005 pela APDSI, Associação Portuguesa para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação, galardoa uma jornalista da revista Media XXI pelos seus artigos sobre as cidades digitais. www.apdsi.pt 13 Projecto Cidades e Regiões Digitais, http://www.cidadesdigitais.pt/ 14 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=9&Itemid=51 15 Programa de Acção integrado no Plano Tecnológico do XVII Governo: Mobilizar a Sociedade da Informação e do Conhecimento, Ligar Portugal, http://www.ligarportugal.pt.

14

Page 16: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

sistemas legais e políticos serem re-inventados para uma nova era de cidadania activa”16. No

entanto, Aurigi e Graham alertam para o facto da maioria dos sítios cívicos corresponderem

simplesmente a bancos de dados urbanos e, como tal, a característica mais vulgar destas cidades

é um fluxo de informação unidireccional e uma gritante falta de promoção do debate político.17

Neste enquadramento, a nossa temática de investigação traduz-se na análise das cidades digitais

e no seu papel no reforço da cidadania, isto é, “Contribuirão as Cidades Digitais para o reforço

da cidadania?” Para efectivar esta pesquisa seleccionamos duas cidades digitais portuguesas, o

Gaia Global e o Aveiro Digital, sendo esta última uma região digital. Esta escolha assenta não

só no facto do Gaia Global ter uma grande notoriedade, inclusivamente ao nível da academia e

do Aveiro Digital ser indicado como um emblemático caso de sucesso, mas também, porque

evidenciam modelos e abordagens diferentes. Este estudo de caso permite-nos observar e

comparar as suas funções, serviços disponíveis e o seu impacto junto dos cidadãos que as

utilizam, tal como, demonstrar potencialidades e propor futuros caminhos e direcções.

Assim, com esta investigação pretendemos verificar se o projecto da nova urbanidade contribui

para a complementaridade da cidadania, facultando elementos essenciais para o seu exercício,

como a disponibilidade da informação e serviços, a simplicidade na interacção, a promoção da

participação e interacção dos seus cidadãos e a formação dos indivíduos para a Sociedade da

Informação. Ambicionamos, então, observar se estas cidades constituem plataformas de

interacção social que unem habitantes que partilham interesses e uma cultura semelhante e se

são facilitadoras e impulsionadoras da participação, discussão e intervenção pública. Portanto,

não só abordamos a relação entre o cidadão e o Estado, como a interligação dos cibernautas

entre si e com a vida comunitária. É ainda pertinente referir, que esta pesquisa possibilita-nos

verificar que ferramentas estas cidades dispõem ou aspiram obter para combater a info-exclusão.

A exclusão da rede torna-se num novo hiato, não só entre aqueles que utilizam a Internet e os

que não utilizam, mas entre aqueles que sabem tirar proveito dela e os que não sabem. A info-

inclusão é fundamental para a própria manutenção e futuro das cidades digitais e daí a

pertinência da sua introdução na nossa análise.

É capital frisar que as cidades digitais são temáticas recentes, cujos modelos de análise

evidenciam ainda pouca maturidade. De igual modo, embora o estudo da tecnologia seja

abundante, o estudo do seu impacto social encontra-se num estádio inicial. Portanto, pela 16 Luís Vidigal, A cidadania Activa e as Novas comunidades Virtuais: o papel das TIC no relacionamento entre o Estado e o Cidadão, http://luisvidigal.no.sapo.pt/Trabalhos/A_Cidadania_Activa/a_cidadania_activa.html, 17 Alessandro Aurigi e Stephen Graham, “The Crisis in the Urban Public Realm”, in B.D. Loader, Cyberspace Divide: Equally, Agency and Policy in the Information Society, Londres, Routledge, 1998, pp. 57-80.

15

Page 17: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

potencialidade das cidades digitais, uma abordagem social impõe-se como prioritária e frutífera

para o seu próprio desenvolvimento. Devido a este facto, consideramos ser crucial optar por

uma triangulação metodológica, ou seja, por um conjunto de técnicas de investigação que nos

permitam qualitativamente e quantitativamente aproximar da realidade social. Neste

seguimento, realizamos a observação dos portais seleccionados, verificando os seus conteúdos e

serviços e monitorizando a manutenção/modificação dos mesmos. Complementarmente,

optamos pela entrevista semi-estruturada aplicada a especialistas nacionais e internacionais e

por um inquérito on-line realizado aos utilizadores do Gaia Global (como é clarificado

precedentemente, por um conjunto de razões, como corresponder a uma diferente abordagem do

que poderá ser uma cidade digital, não o pudemos aplicar ao Aveiro Digital). Por fim,

socorremo-nos ainda da matriz de Ishida, uma inovadora proposta de análise, que permite

avaliar uma série de elementos inerentes às plataformas digitais e posteriormente compará-los.

Desta forma, enunciando a estrutura desta dissertação, iniciamos com uma aproximação

conceptual preliminar, que aborda conceitos directamente relacionados com o objecto de estudo,

contextualizando-o. Começando pela Internet, evidenciamos uma pequena descrição histórica;

análise dos estudos sociológicos efectuados; referência e definição de expressões relacionadas

com o novo meio; indicação de índices de utilização da rede no mundo e em Portugal e uma

observação de dados sobre a info-exclusão. Em seguida, definimos “Sociedade da Informação”

e outras terminologias, como “Sociedade do Conhecimento” e “Sociedade em Rede”, analisando

a sua evolução e complementando com a enumeração de iniciativas europeias e nacionais neste

âmbito. Decorrentemente, delimitamos e caracterizamos os conceitos “governo electrónico” e

“governo electrónico local”, descrevendo as políticas europeias e portuguesas para a

implementação e desenvolvimento da governação electrónica. Continuamente discutimos a

emergente concepção de comunidades virtuais. Em seguida, introduzimos o enquadramento

temático e conceptual principal que operacionaliza e desenvolve os conceitos chave desta

investigação, nomeadamente as cidades e regiões digitais (definições e tipologias) e a cidadania

(aproximação conceptual, análise histórica e referência à sua vertente digital ou virtual). É

pertinente salientar que, acreditando na imprescindível necessidade da ligação e simbiose entre a

teoria e prática, incluímos na aproximação conceptual das cidades digitais, dados recolhidos do

estudo empírico, ou seja, das entrevistas, concretamente as definições propostas pelos

especialistas inquiridos.

16

Page 18: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Subsequentemente, incluímos um enquadramento metodológico e teórico que descreve as

técnicas de investigação utilizadas e contributos teóricos que sustentam toda a pesquisa. Neste

último ponto, introduzimos a sociologia urbana que nos permite compreender melhor o

fenómeno urbano (onde abordamos os pressupostos teóricos deste ramo; a

multidimensionalidade das cidades; a cidade na Era da Informação; a crise das cidades

contemporâneas e as teorias que relacionam as TIC e as cidades, não esquecendo a exploração

do pensamento Castelliano, que aponta para uma nova forma de organização espacial da

sociedade, nomeadamente o espaço de fluxos e o espaço de locais, conceitos basilares desta

investigação.); a “SCOT”, “Social Construction of Technology”, um paradigma fundamental

para o entendimento da tecnologia como construção social e, por fim, a Cibersociologia ou

Sociologia da Internet, ramo da sociologia ainda em formulação, mas que assenta no estudo

social da Internet, onde indubitavelmente nos inserimos.

Após estes enquadramentos, expomos quatro paradigmas de cidades digitais internacionais,

American On-Line, DDS (Cidade digital de Amesterdão), Helsínquia Virtual e Quioto Digital,

demonstrando os emblemáticos estudos de caso, frutíferos para a delimitação de distintas

abordagens, lições, indicações e reflexões. Efectuamos ainda uma análise da experiência

portuguesa, abordando os sete projectos pioneiros e as actuais vinte e sete cidades e regiões

digitais nacionais. Finalizamos com a especificação de vantagens e limitações das cidades

digitais, assente nos elementos retirados das entrevistas efectuadas. Em seguida, passamos para

o estudo de caso múltiplo, analisando e comparando especificamente a cidade digital e a região

digital seleccionada. Posteriormente, apresentamos um capítulo que relaciona a cidadania com

as cidades digitais, inscrevendo os resultados das entrevistas semi-estruturadas realizadas e do

inquérito on-line.18 Por fim, a conclusão, reúne as análises sistematizadas produzidas ao longo

dos capítulos, avalia heuristicamente as nossas hipóteses de trabalho e pressupostos teóricos,

expõe os desafios que se colocam às cidades digitais (introduzindo as opiniões dos

entrevistados) e destaca possibilidades de investigação futura.

18 Pela espantosa e vertiginosa mutação e transformação ocorrida no ciberespaço, nomeadamente no que diz respeito, ao endereço/conteúdos de sítios electrónicos consultados e analisados, é essencial frisar que, o estudo empírico, isto é, o inquérito on-line foi colocado no portal do Gaia Global de 15 de Setembro a 15 de Outubro de 200; as entrevistas e a observação das duas plataformas digitais apresentados foram executados em 2005 e 2006 e a redacção desta dissertação foi finalizada a 10 de Setembro de 2006, pelo que todos os sites e dados/indicadores estatísticos referenciados se encontravam disponíveis e actualizados nesta data, dispensando assim, a nota de “consultados em”.

17

Page 19: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Resta, por fim, indicar que esta dissertação de mestrado em sociologia insere-se no âmbito de

uma investigação financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), mais

concretamente através da atribuição de uma bolsa de investigação em ciência e tecnologia.

I – ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL PRELIMINAR

As cidades digitais estão intrinsecamente relacionadas com um conjunto de conceitos,

nomeadamente Internet, Sociedade da Informação, Governo Electrónico e Comunidades

Virtuais. Desta forma, as cidades digitais têm que ser, de modo abrangente e integrado,

contextualizadas com o suporte destes elementos. Assim, nesta primeira parte, realizamos uma

aproximação a estes conceitos, que são subsequentemente subdesenvolvidos em pontos-chave.

Com efeito, não obscurecendo a multidimensionalidade e interdisciplinaridade dos conceitos

que se propõem a atribuir significado a uma determinada realidade, não poderíamos

simplesmente denominar este enquadramento de definição, ou seja, de delimitação exacta, mas

apenas de aproximação. Aliás, muitas das expressões e delimitações usadas não reúnem

consenso entre os diversos especialistas. De facto, a complexidade social só nos possibilita uma

aproximação conceptual. Como frisa José Adelino Maltez “Quem, através deste processo de

construtivismo conceptual, tem a sensação de domínio do mundo, talvez não repare que vai

operando no vazio da falta de vida, até porque a tentativa de definirmos todos os nossos termos

leva a uma infinita regressão de definições.”19

A. Internet1. Génese e Desenvolvimento da Internet

A Internet consiste numa rede global de redes interligadas. A FNC, Federal Networking

Council, publicou em Outubro de 1995, uma resolução que define o termo Internet:

"Internet" refers to the global information system that :

(i) is logically linked together by a globally unique address space based on the Internet

Protocol (IP) or its subsequent extensions/follow-ons;

(ii) is able to support communications using the Transmission Control

Protocol/Internet Protocol (TCP/IP) suite or its subsequent extensions/follow-ons, and/or

other IP-compatible protocols;

19 José Adelino Maltez, Princípios de Ciência Política, ISCSP, 2º edição, p. 24.18

Page 20: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

(iii) provides, uses or makes accessible, either publicly or privately, high level services

layered on the communications and related infrastructure described herein.”20

Ao que parece a primeira descrição das interacções sociais que poderiam ocorrer através de

uma rede, encontra-se num conjunto de memorandos escritos por Joseph Licklider do MIT, em

Agosto de 1962, onde discutia o seu conceito de “rede galáctica”. O autor visionava um grupo

de computadores interligados globalmente, que permitiria a qualquer pessoa aceder a

informação e dados de qualquer parte do mundo. Com efeito, esta ideia é bastante semelhante ao

que é hoje a Internet. O nascimento e desenvolvimento da Internet estão inevitavelmente ligados

à DARPA21, (uma agência de projectos de investigação do Departamento de Defesa Norte-

Americano (DOD)), e mais precisamente à ARPANET. A DARPA foi criada em 1958, com o

intuito de gerir maioritariamente os recursos procedentes do meio académico, cuja finalidade era

obter superioridade tecnológica militar sobre a União Soviética (que acabara de lançar o

Sputnik).22 Por sua vez, a ARPANET era um programa de menor importância de um

departamento desta agência, o designado IPTO (Information Processing Techniques Office).23

Licklider foi o primeiro director deste departamento que se iniciou em Outubro de 1962. Na

DARPA convenceu os seus sucessores e o investigador do MIT (Lawrence Roberts) para a

importância do conceito de rede.24

Assim, em 1965, liga-se o computador TX-2 em Massachusetts com o Q-32 na Califórnia

socorrendo-se de uma linha telefónica de baixa velocidade. Foi então criada a primeira área de

rede de computadores. Os resultados desta experiência demonstraram que os computadores

trabalhavam bem juntos, uma vez que, corriam correctamente os programas, facultando o bom

acesso a ficheiros e a troca dados. Contudo, o sistema de circuitos mostrou-se inadequado para

efectivar este projecto. A partir de então, desenvolveu-se o conceito de rede de computadores,

criando vários nós entre diversas universidades.25 A ideia de uma rede de arquitectura aberta

conduziu a uma emblemática aplicação: o correio electrónico, mais conhecido por e-mail. Em

Março, Ray Tomlinson escreveu o básico software de envio e recepção de mensagens, 20 Barry Leiner (Research Institute for Advanced Computer Science) et al. A Brief History of the Internet, http://www.isoc.org/internet/history/brief.shtml21 A “Advanced Research Projects Agency” (ARPA) mudou o seu nome para “Defense Advanced Research Projects Agency” (DARPA) em 1971, em 1993 voltou a designar-se ARPA e em 1996 mudou novamente para DARPA. Assim, para evitar incongruências referimo-nos sempre a DARPA, a denominação actual.22 Manuel Castells, Manuel Castells, A Galáxia Internet. Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001, p. 26.23 Ibidem. 24 Barry Leiner (Research Institute for Advanced Computer Science) et al. A Brief History of the Internet, http://www.isoc.org/internet/history/brief.shtml25 Ibidem.

19

Page 21: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

impulsionado pela necessidade dos intervenientes da ARPANET de um mecanismo de fácil

coordenação. Em Julho desse mesmo ano, Roberts alargou a sua funcionalidade criando o

primeiro programa utilitário de e-mail que incluía funções como listar, seleccionar e-mail,

enviar ficheiros, reencaminhar e responder às mensagens. Desde então, o correio electrónico

evidenciou-se como a maior aplicação da rede, proporcionando uma forma rápida e

revolucionária de comunicação mundial.26 Entretanto, com o êxito do sistema, inúmeras

aplicações, tecnologias e protocolos foram elaborados e melhorados para a constituição da

Internet, como a conhecemos hoje.

Uma das causas do exponencial crescimento da Internet prende-se com o facto de esta ter sido

gratuita e de acesso aberto aos seus documentos basilares, sobretudo, no que diz respeito, às

especificações dos protocolos. Efectivamente, o nascimento da Internet no seio de uma

comunidade científica universitária promoveu a tradição académica da livre/aberta publicação

de ideias e resultados.27 Com o desenvolvimento da world wide web e a linguagem HTML

(“Hypertext Mark-up Language”) o uso da Internet passou a ser também comercial, o que a

transformou num meio praticamente planetário.28 Na década de 90, a Internet já estava

privatizada e facultava a ligação em rede através de qualquer parte do mundo.29 A

comercialização da Internet envolveu não só o desenvolvimento de uma rede de serviços

privados e competitivos, como incluiu o desenvolvimento de produtos comerciais de

implementação da tecnologia. De facto, a gestão da rede fornece um claro exemplo da

interacção entre a comunidade científica e a comercial.30

Neste sentido, Manuel Castells sublinha que “A criação e o desenvolvimento da Internet é uma

extraordinária aventura humana”31. A revolução que patenteou a Internet é visível quando

verificamos que foi adoptada por mais de 30% dos norte-americanos em menos de sete anos,

enquanto foram necessários 13 anos para os computadores, 17 anos para os televisores e 38 anos

para os telefones.32 Em todo o mundo, contabilizam-se mais 1.043.104.886 de cibernautas,

número que se encontra em elevada ascensão.33 O novo meio de comunicação representa 26 Barry Leiner (Research Institute for Advanced Computer Science) et al. A Brief History of the Internet, http://www.isoc.org/internet/history/brief.shtml27 Ibidem.28 Ibidem.29 Ibidem.30 Ibidem.31 Manuel Castells, A Galáxia Internet: Reflexões sobre a Internet, Negócios e Sociedade, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, p. 25.32 José Rafael Nascimento, “Nova Economia, Novo Consumidor”, in Revista de Comunicação e Marketing, nº1, Dezembro de 2000, Lisboa, ISCEM, p. 4.33 http://www.internetworldstats.com/stats.htm

20

Page 22: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

efectivamente uma revolução que se reflecte a vários níveis, nomeadamente social, cultural,

económico e político. Desde a sua existência, a Internet mudou notavelmente, sobretudo nestas

duas últimas décadas. Agrupou novas tecnologias, adaptou-se a diferentes necessidades e

integrou diversos serviços. Continua este processo de mutação, sendo agora conjugada com

computadores portáteis e outros meios de comunicação móvel, como computadores portáteis,

telemóveis, pagers, etc. que tornam possível um novo paradigma de TIC nómadas. Com efeito,

uma das grandes questões sobre o futuro da Internet prende-se não com a mudança da

tecnologia, mas com a gestão do processo de mutação e evolução. De facto, “If the Internet

stumbles, it will not be because we lack for technology, vision, or motivation. It will be because

we cannot set a direction and march collectively into the future”34.

2. Ciberespaço e Realidade Virtual: Novas Dimensões de Tempo e Espaço

Com a Internet, novos conceitos emergem e as recorrentes noções sofrem mutações. Embora

fosse usual distinguir “tecnologias de informação” de “tecnologias de comunicação”, a

incorporação multimédia de quase todas as tecnologias de comunicação via computador tornou

esta diferença redundante. Assim, a recente terminologia de ciberespaço refere-se a ambos os

desenvolvimentos.35

O termo “ciberespaço” implica uma virtualização da realidade, uma designada migração do

mundo real para um espaço de interacções virtuais. É neste espaço que podemos observar uma

constante produção e reprodução das relações sociais espaciais. Estas relações no ciberespaço,

embora virtual, tendem a ter influência e, por vezes, a tornar-se concreta no mundo “real”. De

facto, o ciberespaço ultrapassa todos os paradigmas de representação da realidade. O território é

agora caracterizado pela subjectividade, porque os utilizadores da Internet estão inclinados a

simular neste espaço virtual, o que aprenderam na “objectiva” realidade do mundo. É crucial

especificar que o princípio da dimensão territorial do ciberespaço está associado à simbologia

global dos cibernautas. Por exemplo, quando pesquisamos na Internet algo sobre Lisboa,

encontramos um conjunto de sites que nos fornecem uma ideia representativa da cidade. O

utilizador terá ou experimentará a sensação de lá estar, mesmo sabendo que fisicamente está

noutro sítio.36

34 Barry Leiner (Research Institute for Advanced Computer Science) et al. A Brief History of the Internet, http://www.isoc.org/internet/history/brief.shtml35 Gordon Marshall, Oxford Dictionary of Sociology, Oxford University Press, 1998, pp. 139-140. 36 Michéle Silva, A Territorialidade do Ciberespaço, Universidade Federal Fluminense, Niterói.

21

Page 23: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

O interessante artigo de David Jacobson “On Theorizing Presence” aborda a temática da

presença no âmbito on-line. De acordo com Lombard e Ditton, citados pelo autor em questão, a

presença neste enquadramento corresponde à experiência de ser envolvido em representações do

mundo virtual. A maioria da pesquisa nesta área centra-se nas tecnologias que usam uma

variedade de inputs sensoriais para criar uma simulação do ambiente real, uma realidade virtual

que imite as percepções de um mundo físico. Num contexto de mundos virtuais baseados no

texto, como os Chats, IRCs, MUDs e MOOs (salas de conversação, fóruns, etc.) a presença é

geralmente descrita como um sentimento de se estar circundado pelas representações do texto,

ou seja, de ser envolvido, absorvido e cingido. Esta teorização da presença passa por uma

revisão de toda a literatura e leva David Jacobson a concluir que embora este objecto de estudo

possa ser encontrado em diferentes disciplinas, a convergência é pouco notada e daí as

debilidades das investigações e teorias.37

O termo “realidade virtual” é entendido como um sinónimo de ciberespaço, embora possa

abraçar diferentes variantes. Como sublinha Luís Borges Gouveia, a definição possível é

apresentada por Aukstakalnis e Blatner, ou seja, “A realidade virtual é uma forma dos seres

humanos visualizarem, manipularem e interagirem com computadores e dados extremamente

complexos”38. Existem, efectivamente, outras expressões para designar realidade virtual,

nomeadamente ciberespaço, realidade artificial, ambiente sintético, tecnologia de simulação,

realidade aumentada e realidade projectada.39

Na Sociedade da Informação, os conceitos “espaço” e “tempo” enfrentam uma nova dimensão.

De facto, estes são dois elementos centrais que sofrem grande transformação, quando

comparados com a sua percepção tradicional. A perspectiva mais confortável para o indivíduo

que tem que lidar com o excesso de informação é precisamente a reinvenção do espaço e do

tempo. Esta oportunidade é criada pelo design e concepção das novas cidades com um alter-ego

digital, urbanizado e definido para apoiar a interacção entre cidadãos, e entre estes e as

instituições. A cidade digital pode fornecer um novo espaço e tempo, num sentido

complementar.40 Além disto, o glocal, isto é, a mistura do global com o local, parece ser cada

vez mais uma premente realidade. Contudo, é essencial introduzir o paradoxo digital que se

baseia em premissas digitais, mais concretamente, a independência de território, a reutilização

37 Vide David Jacobson, “On Theorizing Presence”, http://www.brandeis.edu/pubs/jove/HTML/V6/presence.HTML38 Luís Borges Gouveia, “Realidade Virtual: novos mundos ou mundos alternativos”, CEREM, UFP, 1996.39 Idem. 40Luís Borges Gouveia, “Agregar o digital, o virtual e o real: reinventar o espaço e o tempo”, ExperimentaDesign, Bienal de Lisboa, 2003.

22

Page 24: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

independente de uma área, a reinvenção e proximidade do espaço, a redefinição das distâncias e

a maior proximidade entre pessoas e serviços. Todavia, as pessoas estão associadas e localizadas

num território, vivem e trabalham em espaços tradicionalmente definidos e estáveis. Desta

forma, é fundamental agregar o virtual, o real e o digital, porque somente juntos poderão

alcançar uma maior potencialidade para satisfazer as necessidades dos cidadãos.41

O conceito ciberespaço conduz-nos ao termo “cibersociedade”, que consiste “in the mesh (space

or virtual reality) of electronically based communications created by the world-wide network of

computers users”42. De facto, a interacção social mediada por computadores tornou-se

proeminente na vida quotidiana. As implicações deste fenómeno são ainda controversas entre os

sociólogos e outros especialistas. Curiosamente, um dos mais provocativos argumentos acerca

das possíveis características de uma cibersociedade encontra-se na obra de “The Naked Sun”

escrita pelo prolífico autor de ficção científica Isaac Asimov e publicada, pela primeira vez, em

1956. A história descreve um mundo distante, onde as pessoas se vêm remotamente, via

“imagens tridimensionais” e onde o contacto físico é raro. Nesta novela as pessoas na terra, por

contraste, vivem debaixo do solo, em sobrepovoadas caves de aço, sofrendo de uma espécie de

agora fobia e medo do ar. Evidencia uma relevante linha de especulação acerca do papel dos

sociólogos nesta e noutras sociedades consideradas “anormais” e uma frase imortal, em resposta

à necessidade de se enviar um representante da terra a outros planetas para salvar a espécie

humana, ou seja, que o mais acertado é as autoridades enviarem um sociólogo.43

3. Comunicação Mediada por Computador (CMC)

A comunicação on-line assenta na CMC, isto é, na Comunicação Mediada por Computador, que

engloba redes de informação, o correio electrónico (e-mail), newsgroups, fóruns e salas de

conversação (relay chat lines e Multiple User Dugeons). A CMC existe desde 1969, quando a

criação da ARPANET produziu benefícios inesperados relativamente ao correio electrónico.

Efectivamente, mesmo aqueles que ajudaram a desenvolver a tecnologia não tinham a noção que

a comunicação seria o seu mais importante legado. Neste âmbito, D. Beckers salienta que a

CMC pode ter maiores consequências que o telefone e a televisão nas relações sociais e

culturais. Isto, na medida em que, possui características específicas, nomeadamente a notável

facilidade e capacidade de gerar e distribuir informação e dados e a ilimitação ao texto, pois

41 Luís Borges Gouveia, “O digital, a logística e o território”, Universidade de Aveiro, 2004. 42 Marshall, op. cit., p. 139. 43 Ibidem.

23

Page 25: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

pode também transportar imagens, áudio e vídeo. É também o primeiro meio “muitos-para-

muitos” e pode ser usado sincrónica ou assincronamente.44

Com efeito, Strangelove frisava em 1994, “The Internet is not about technology, it is not about

information, it is about communication-people talking with each other, people exchanging e-

mail, people doing the low ASCII dance. The Internet is mass participation in fully bi-

directional, uncensored mass communication. Communication is the basis, the foundation... The

Internet is a community of chronic communicators”45. De facto, a temática da comunicação,

interacção e relacionamento via CMC tem vindo a ser explorada por vários investigadores. A

este propósito, Jill Smolowe reitera que a grande maioria dos indivíduos que navega e comunica

na Internet procuram interacção social e não apenas informação estéril. Demonstra ainda que

80% dos cibernautas pretende estabelecer contactos, pontos comuns, companheirismo e

comunidade. Por sua vez, Parks and Floyd observaram que as relações pessoais conduzidas por

CMC são comuns em mais de 60% dos indivíduos da sua amostra. Estes cibernautas reportaram

que estabeleceram uma “relação pessoal” com alguém que contactaram inicialmente através de

um “Usenet newsgroup”.46 Contudo, este objecto de estudo originou duas linhas opostas, os

cépticos e os entusiastas, deixando pouco espaço para os resultados moderados e mistos. Como

conclui Britney Chenault “The "virtual community" is not a mythic land of milk and honey, but

neither is it any more dangerous, hostile, or unwelcoming than "real life"”47.

Na revisão da literatura e análise do estado de arte deste tema, Michel Metz evidencia que a falta

de uma teoria concreta relativa à pesquisa sobre a CMC torna difícil elaborar questões de

pesquisa prospectivas, na medida em que, o que foi estudado tem reduzida ou nenhuma

continuidade. Reitera, no entanto, que isto poderá dever-se ao facto de todas as outras teorias

suportarem diferentes modelos de comunicação. Salienta que, desde 1970, os investigadores a

usam como uma ferramenta para verificar a sua efectividade dentro de contextos

organizacionais, interpessoais e dos meios de comunicação de massa. Desta forma, segundo o

autor supracitado, se os estudos futuros examinarem a CMC não como parte de um amplo

enquadramento teórico (como por exemplo na investigação sobre a comunicação

44 D. Beckers, “Research on Virtual Communities: an empirical approach”, Universidade de Amesterdão, http://www.swi.psy.uva.nl/usr/beckers/publications/seattle.html 45 Strangelove, “The Internet, electric gaia and the rise of the uncensored self”, Computer-Mediated Communication Magazine,1, 1994, http://sunsite.unc.edu/cmc/mag/1994/sep/self.html 46 Brittney Chenault, Developing Personal and Emotional Relationships Via CMC, http://socserv2.mcmaster.ca/soc/courses/soc4jj3_99/soc4jj3_99.htm47 Idem.

24

Page 26: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

organizacional), mas no seu próprio contexto, um grande passo será dado na abordagem da

CMC.48

4. Impacto Social da Internet

Durante os últimos anos, a Internet tem sido objecto de estudo de um crescente número de

investigações, que evidenciam maioritariamente uma visão utópica ou distópica dos seus efeitos

e respectivo impacto social. Para superar esta dualidade, Katz e Rice iniciaram, em 1995, o

paradigmático “Syntopia Project”, uma pesquisa nacional norte-americana baseada num

representativo inquérito telefónico sobre o uso/não uso da Internet e os seus efeitos sociais,

aplicado em 1995, 1996, 1997 e 2000. Os grandes temas introduzidos nos questionários diziam

respeito ao acesso, envolvimento político/comunitário e interacção social.49

Esta investigação parece ter sido a primeira a utilizar inquéritos nacionais aleatórios por telefone

para monitorizar aspectos sociais e comunitários do uso da Internet; a comparar utilizadores e

não utilizadores; a identificar e analisar os utilizadores de Internet que desistiram de a aceder e a

reconhecer e observar aqueles que ainda não têm conhecimento/noção da Internet, distinguindo-

os daqueles que já tem conhecimento da Internet, mas não a utilizam.50

O termo que denomina o projecto foi escolhido cuidadosamente, uma vez que, junta as palavras

“syn” e “utopia”. Etimologicamente, oriundas do grego antigo, significam literalmente “espaço

junto”, que corresponde a um modo de ver a Internet e as associadas TIC, tal como, a sua

interacção com relações interpessoais e comunitárias. Desta forma, “syntopia” invoca a visão

utópica (“utopian”) e distópica (“dystopian”) do que a Internet faz e pode constituir.

Simultaneamente, o conceito aproxima estas duas perspectivas, aludindo ao lado negativo da

Internet, com o homófono “sin” (pecado). Outras ligações nominais são “synthetic” e

“syntheses”, conceitos apropriadamente evocativos do projecto.51

A Internet é um espaço para as pessoas interagirem, se expressarem e encontrarem amigos.

Antagonicamente é também um espaço onde as pessoas procuram enganar e explorar.

48 Michel Metz, Computer-Mediated Communication: Literature Review of a New Context, http://socserv2.mcmaster.ca/soc/courses/stpp4C03/stpp4C03_99.htm49 Katz e Rice, “Project Syntopia: Social Consequences of Internet Use”, IT&Society, volume 1, issue 1, Verão 2000, p. 166. 50 Idem, p. 168. 51 Idem, p. 169.

25

Page 27: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Efectivamente, a dualidade humana está sempre presente em qualquer contexto. A investigação

pretendia verificar o que estas actividades significam num âmbito de assuntos que vão do acesso

a recursos de informação, a capital humano, a envolvimento social e comunitário, a formação de

amizades e formas de expressão on-line. Aliás, “syntopian technologies are plastic, in that they

can be employed for help or harm, information or disinformation, as the persons participating

in the communication see fit”52.

No que concerne os resultados deste estudo, importa frisar que os relatórios iniciais, publicados

em 1997, patenteavam que a Internet não aumentava o isolamento social. Pelo contrário, era

uma fonte de envolvimento cívico e organizacional e formação de novas amizades. Os

utilizadores de Internet evidenciavam, significativamente, uma maior probabilidade de

pertencer, pelo menos, a uma associação e organização comunitária, do que os não utilizadores.

Este facto foi observado quer em 1995 (41% versus 37%), quer em 2000 (28% versus 15%). Em

1996, a pesquisa identificou quatro dimensões de actividade política off-line, nomeadamente:

1. Actividades políticas, tais como assistir a congressos, realizar telefonemas pelos candidatos e

contribuir monetariamente para causas políticas;

2. Leitura e a importância de jornais e revistas;

3. Importância de programas e entrevistas televisivas na campanha de 1996;

4. Votação na Campanha de 1996.

Todas estas premissas eram consideravelmente mais observáveis nos utilizadores de Internet, do

que nos não utilizadores. Não foram verificadas diferenças na actividade política entre grandes e

menores utilizadores e entre utilizadores a longo prazo e curto prazo. Foram ainda introduzidas

duas formas de actividade política on-line: navegação (browsing) e interacção. A navegação era

uma composição das leituras de “bulletin boards/discussion groups”; visitas de sítios com

informação política; seguimento da campanha e eleição pela leitura de notícias on-line;

seguimento da cobertura eleitoral pelo computador e a pesquisa de informação pelo computador

depois da eleição. Na amostra dos utilizadores de Internet, 46% participavam em pelo menos um

destes tópicos.53 A Interacção consistia em participação em discussões electrónicas com outras

pessoas acerca da eleição; recepção de e-mails acerca da campanha/eleição; envio/recepção de

e-mails de/para oficiais governamentais e envio de mensagens electrónicas para outros

abordando assuntos sobre a campanha/eleição. Na amostra de 1996, 28% dos utilizadores de

52 Ibidem.53 Idem, pp. 171-172.

26

Page 28: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Internet participaram, em pelo menos, uma das quatro actividades políticas on-line

mencionadas.54

Relativamente à interacção social e novas formas de expressão, a maioria das questões do

projecto sobre a interacção social originaram-se no inquérito de 1995, começando pela

exploração da extensão dos inquiridos que se encontraram com os amigos. Os resultados

comprovaram que os indivíduos que utilizavam a Internet à mais tempo foram os que mais se

encontraram (quatro ou mais vezes) na semana anterior ao inquérito com os amigos. Aqueles

que nem sequer tinham conhecimento da Internet eram também os que, pelo menos, se

encontravam com os amigos quatro ou mais vezes por semana. Desta forma, o uso a longo

termo da Internet parece estar claramente associado a uma maior e frequente sociabilidade. Foi

ainda perguntado aos participantes da amostra quantas das dez pessoas que habitavam ao redor

das suas casas eles conheciam. Concluiu-se que os utilizadores de Internet de longo prazo e os

mais recentes usuários são os que mais se encontram com os amigos, mas também os que mais

tendencialmente estão longe de casa e os que conhecem menos vizinhos.55

Quanto a outros indicadores de actividade social e doméstica, em 1995, os utilizadores

trabalhavam mais a tempo inteiro do que os não utilizadores (70% versus 54%), ou eram

estudantes (14% versus 6%) e viviam há menos anos na sua residência (6.4 anos versus 10.5

anos). As mesmas diferenças existiam em 1996, à excepção de que os utilizadores de Internet

tendiam a possuir mais a casa que habitavam. Em 2000, os usuários eram os que tinham mais

tendencialmente filhos, trabalhavam a tempo inteiro, ou eram estudantes e viviam há menos

tempo na sua casa. 56

Por fim, as conclusões do projecto não apoiam, na sua maioria, os argumentos acerca dos efeitos

negativos ou paradoxais da Internet, sobretudo no que diz respeito ao envolvimento político e

comunitário e a interacção social. É pertinente frisar que embora se evidencie que o novo meio

parece beneficiar substancialmente a sociedade, não se conclui que não existam efeitos

negativos do uso da Internet. No entanto, a utilização da Internet está associada a um aumento

do envolvimento político e comunitário e a um significativo acréscimo das interacções sociais

on-line e off-line.57

54 Ibidem.55 Idem, p. 17356 Idem, pp. 173-17457 Idem, p. 174.

27

Page 29: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Deste modo, a Internet emerge como um importante e multiplicativo recurso capital e social da

sociedade norte-americana. Aliás, de acordo com os autores, a Internet está a contribuir para

expandir um mundo “syntopian”, onde as pessoas interagem segundo os seus interesses, com

vários meios de comunicação e com diversos intuitos. De facto, os autores frisam que a Internet,

como qualquer outra forma de comunicação pode ser excepcionalmente útil ou perigosa,

dependendo de quem a usa ou de como é utilizada. Portanto, quanto às consequências sociais da

Internet, os resultados revelam que nem a perspectiva utópica, nem a distópica são suportadas

pelos dados da pesquisa. Com efeito, “the results support a more syntopian perspective: the

Internet has allowed individuals and groups to find common interests, engage in various types

of exchange and create bonds of concern, support and affection that can unite them—for both

good and ill”58.

Efectivamente, diversos autores reiteram que a Internet (considerando o seu uso para

comunicar) poderá ter efeitos sociais positivos importantes nos indivíduos59, grupos,

organizações60, comunidades61 e na sociedade em geral.62 O acesso social generalizado poderia

aumentar o envolvimento social das pessoas, tal como, alcançou o telefone. Poderia ainda

facilitar a formação de novas relações; a identidade social; o compromisso entre indivíduos mais

isolados; a participação em grupos e organizações distantes ou de membros marginais e a

mobilização política. No entanto, quer a Internet tenha impacto social negativo ou positivo, pode

depender da qualidade das actividades on-line e no que os indivíduos preterem pela Internet.

Globalmente, fortes laços sociais conduzem a melhores resultados sociais, que os laços mais

fracos.63

Contudo, muitos investigadores demonstraram grande preocupação com o facto da comunicação

via Internet poder encorajar as pessoas a despender mais tempo sozinhas, falando on-line com

estranhos ou facilitar a formação de relações superficiais, em detrimento dos relacionamentos

face a face com amigos e família.64 As numerosas investigações não conduziram ainda a um

58 Idem, p. 166.59 Katz e Aspden, “A Nation of Strangers?”, Communications of the ACM, 40(12), 1997, pp. 81-8660 Sproull e Kiesler, Connections: New Ways of Working in the Networked Organizations, MIT Press, Cambridge, 1991.61 Hampton e Wellman, “Net Effects: Social Support, Social Capital and Internet Use in the Wired Suburb and Beyond”, Conferência Anual da American Sociological Association, Washington D.C., 2000.62 Dertouzos, What Will Be: How the New World of Information Will Change Our Lives, Harper Edge, São Francisco, 1997.63 Sara Kiesler et al, “Internet Evolution and Social Impact”, IT&SOCIETY, VOLUME 1, ISSUE 1, Verão 2002, pp. 120-134, http://www.ITandSociety.org 64 Putnam, Bowling Alone, Simon and Schuster, Nova York, 2000.

28

Page 30: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

consenso, quanto à natureza da interacção social on-line ou dos seus efeitos no envolvimento

social e no bem-estar pessoal. Um dos obstáculos basilares para esta falta de concordância, está

directamente relacionada com a questão da aplicação do estudo a diferentes amostras em

distintos anos, o que efectivamente, torna difícil encontrar tendências e analisar a sua evolução.

Uma outra emblemática investigação aborda os resultados das primeiras publicações da

HomeNet, que concluíram pequenos, mas consistentes efeitos negativos no uso da Internet,

considerando medidas de envolvimento social e bem-estar psicológico entre novos utilizadores

de Internet numa amostra de famílias de Pittsburgh em 1995-1996. Este estudo examinou dados

de 208 membros de 93 famílias de Pittsburgh, para quem um computador e acesso à Internet

foram disponibilizados em 1995 ou em 1996. As famílias foram recrutadas através de programas

de jornalismo de quatro escolas secundárias e de quatro organizações de desenvolvimento

comunitário de oito bairros de Pittsburgh. A amostra era demograficamente mais diversa do que

os utilizadores de Internet na época. Os efeitos indicados eram entendidos como paradoxais, na

medida em que, os membros desta amostra usavam a Internet sobretudo para comunicar, o que

classicamente tem efeitos positivos no bem-estar dos indivíduos. Contudo, numa replicação, três

anos após o estudo original (Fevereiro de 1998), que seguiu a mesma amostra, concluiu-se que

os efeitos negativos apontados, já não eram observáveis, à excepção da associação da Internet a

um acréscimo de stress.65

Ainda neste enquadramento, seguindo o design do estudo anterior, foi realizado uma nova

pesquisa longitudinal (1998-1999), que analisava um painel de novos compradores de televisão

e computadores que utilizavam a Internet como meio de comunicação e informação. Neste

estudo, a maioria do uso da Internet estava associada a resultados positivos, obtidos num

conjunto de variáveis dependentes que mediam o envolvimento social e o bem-estar

psicológico, nomeadamente, círculo social local e distante; comunicação face a face;

envolvimento comunitário; confiança nas pessoas; afecto positivo e capacidades informáticas.

Por outro lado, os grandes utilizadores de Internet, designados “heavier users”, estavam ainda

relacionados com um maior stress, menor conhecimento local e um menor desejo de ficar na

área local. De modo global ter mais recursos sociais, amplifica os benefícios do uso da

Internet.66

65 Sarah Kiesler, op. Cit., pp. 120-134.66 Ibidem.

29

Page 31: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Encontram-se diversas dissemelhanças entre a amostra original HomeNet e a elaborada para esta

segunda investigação. Por exemplo, a amostra original incluía uma grande proporção de

adolescentes, mas uma minoria de agregados familiares e de iniciados no mundo da informática

e da Internet. Assim, estas diferenças impossibilitam comparações directas entre os dois estudos.

Todavia, as semelhanças dos resultados alcançados com a replicação do estudo original e os

dados obtidos com esta pesquisa sugerem que as mudanças no ambiente da Internet podem ser

mais relevantes para compreender os efeitos verificados, do que propriamente as divergências

entre as duas amostras.67

Desta forma, de 1995 a 1998, o número de norte-americanos com acesso à Internet a partir de

casa quadruplicou. Como consequência da vasta expansão dos subscritores dos serviços de

Internet, muitos mais participantes adquiriram acesso doméstico. Igualmente, os serviços

disponíveis on-line modificaram-se ao longo deste período. Com efeito, serviços informativos,

financeiros, de saúde, de lazer, de trabalho, de consumo e novos modos de comunicação

sincrónica, como mensagens instantâneas e compras on-line tornaram-se largamente

disponíveis. Assim, estas alterações podem ter promovido uma melhor integração do

comportamento on-line dos inquiridos e da utilização da Internet nas suas vidas. Os indivíduos

que mais utilizavam a Internet na nova amostra, demonstravam tendência para usar

conjuntamente os serviços de comunicação e informação.68

As conclusões evidenciam ainda, que a Internet está a tornar-se mais fácil e acessível para o

indivíduo médio, concretamente incorporando-se na sua vida pessoal, laboral, familiar e

comunitária. Aliás, os dados comprovam que os extrovertidos e aqueles que possuem uma

sólida rede de suporte social beneficiam do uso da Internet. De facto, a Internet pode favorecer

os indivíduos, na medida em que, pode influenciar as suas oportunidades para melhorar as suas

vidas diárias. Aqueles que já usam eficazmente os seus recursos sociais e informativos, atestam

claramente uma predisposição para estarem bem posicionados e beneficiarem desta nova

poderosa tecnologia que é a Internet.69

No entanto, como referido anteriormente vários estudos apresentam premissas concludentes

díspares. O “Internet and Society: a Preliminary Report” anuncia um estudo que se socorre de

dados de uma amostra aleatória nacional de adultos norte-americanos. A investigação baseia-se

numa nova metodologia desenvolvida pela Knowledge Network para conduzir inquéritos on-

67 Ibidem.68 Ibidem.69 Ibidem.

30

Page 32: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

line. Contrariamente aos inquéritos de utilizadores de Internet ou de lares, que segundo os

autores, sofrem distorções amostrais e limitam a generalização dos resultados, esta nova

abordagem assenta num painel de lares, recrutados como uma amostra aleatória por telefone,

genuína da população norte-americana. De forma a utilizar a Internet para uma eficiente recolha

de dados multi-canal, cada lar da amostra (com ou sem anterior ligação à Internet) é equipado

com uma WebTV, com acesso gratuito à Internet e a contas de correio electrónico. Os dados

foram recolhidos em Dezembro de 1999, a partir de uma amostra aleatória nacional de 4113

indivíduos em 26989 painéis de lares, como base para o programa de investigação contínuo. Os

questionários foram completados independentemente por cada membro de cada lar, utilizando

os comandos da sua televisão e da WebTV para responder às questões que apareciam no ecrã. 70

As conclusões demonstraram que, quanto mais tempo as pessoas despendem a utilizar Internet,

mais perdem contacto com o seu ambiente social. Este efeito é observável até quando é apenas

despendido duas a cinco horas por semana e aumenta substancialmente para aqueles que passam

mais de dez horas on-line. Para a maioria dos participantes, a Internet é uma actividade

individual. Ao contrário da televisão, que pode ser considerada como barulho de fundo, a

Internet requer um maior envolvimento e atenção.71

No seu ensaio crítico, Dominique Wolton sublinha que o sucesso das novas tecnologias se

baseiam em três conceitos essenciais, a autonomia, o domínio e a rapidez, e como tal, “A web

torna-se a figura de utopia de uma sociedade onde os homens são livres, capazes de se

emancipar por eles mesmos”72. De um modo global, Wolton demonstra que a tecnicidade não é

sinónimo de uma melhor comunicação e que a comunicação electrónica não suprime a

necessidade do homem de comunicação directa. Enuncia ainda que as tecnologias não podem

ser particularizadas, pois possuem uma história remota, fruto de constantes evoluções. Alerta

também para a alienação, a escravidão do “estar em rede”73.

5. Dados Mundiais de Utilização da Internet

De forma bastante sucinta e apenas com o intuito de mostrar um panorama global sobre esta

temática, introduzimos alguns dados mundiais de utilização da Internet. Segundo a consultora

comScore Networks, num relatório disponível em Maio de 2006, a Internet conta com 694

70 Norman Nie et al, “Internet and Society: A Preliminary Report”, IT&SOCIETY, Volume 1, Issue 1, Verão 2002, pp. 275-283, http://www.ITandSociety.org. 71 Idem. 72 Dominique Wolton, E depois da Internet?, Editora Difel, 2000, pp. 77-78.73 Ibidem.

31

Page 33: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

milhões de utilizadores anuais com mais de quinze anos. Assim, 14% da população mundial que

se encontra nesta faixa etária utilizam a Internet. De qualquer forma, a grande maioria dos

utilizadores, cerca de 152 milhões, continuam a ser os norte-americanos, sendo actualmente um

quarto dos internautas mundiais (enquanto no início da Internet eram 70%). O estudo salienta a

China, o Japão e a Coreia do Sul que ocupam a segunda, terceira e quinta posição no ranking

elaborado. Em média, os internautas passaram 31,3 horas em linha, sendo os israelitas os que

mais tempo estão on-line, gastando em média 57,5 horas. Os utilizadores portugueses estão no

nono lugar, na medida em que, cada utilizador único está em média por mês 39,8 horas no

ciberespaço.74

A Internet World Statistics actualiza com grande regularidade os dados mundiais sobre a

utilização da Internet, dispondo esta informação por continentes. O quadro apresentado

corresponde à actualização de 30 de Junho de 2006, sendo os dados recolhidos da

Nielsen/NetRatings e da International Telecommunication Union. Assim, nesta data

contabilizaram-se 1.043.104.886 utilizadores, apresentando dados relativamente diferentes dos

apontados pela consultora citada anteriormente, nomeadamente quanto ao número de

utilizadores norte-americanos, que obtêm uma penetração de 68.6%. A Oceânia, Meio Oriente e

África demonstram os valores mais baixos de utilização da Internet, embora o Meio Oriente e

África evidenciem o maior crescimento na utilização da Internet entre 2000 e 2005, 454.2% e

423.9% respectivamente. No que concerne o ranking dos 20 países com o maior número de

utilizadores, a última actualização data de Março de 2006. No topo encontra-se os Estados

Unidos da América, China e Japão.75

74 comScore Networks, Internet Report, www.comscorenetworks.com 75 Internet World Stats, http://www.internetworldstats.com

32

Page 34: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Quadro 1Utilização Mundial da Internet e Estatísticas da População por Continentes

World Regions Population( 2006 Est.)

Population% of World

Internet Usage,Latest Data

% Population( Penetration )

Usage% of

World

Usage Growth

2000-2005

Africa 915,210,928 14.1 % 23,649,000 2.6 % 2.3 % 423.9 %

Asia 3,667,774,066 56.4 % 380,400,713 10.4 % 36.5 % 232.8 %

Europe 807,289,020 12.4 % 294,101,844 36.4 % 28.2 % 179.8 %

Middle East 190,084,161 2.9 % 18,203,500 9.6 % 1.7 % 454.2 %

North America 331,473,276 5.1 % 227,470,713 68.6 % 21.8 % 110.4 %

Latin America 553,908,632 8.5 % 79,962,809 14.7 % 7.8 % 350.5 %

Oceania 33,956,977 0.5 % 17,872,707 52.6 % 1.7 % 134.6 %

WORLD TOTAL 6,499,697,060 100.0 % 1,043,104,886 16.0 % 100.0 % 189.0 %

Fonte: http://www.internetworldstats.com/stats.htm

Quadro 2 – Top 20 Países

# Country or Region Internet Users,Latest Data

InternetPenetration

Source and Dateof Latest Data

% Usersof World

1 United States 205,326,680 68.6 % Nielsen//NR Jan/06 20.1 %

2 China 111,000,000 8.5 % CNNIC Dec/05 10.9 %

3 Japan 86,300,000 67.2 % eTForecasts Dec/05 8.4 %

4 India 50,600,000 4.5 % C.I.Almanac Mar/05 5.0 %

5 Germany 48,721,997 59.0 % Nielsen//NR Jan/06 4.8 %

6 United Kingdom 37,800,000 62.9 % ITU Oct/05 3.7 %

7 Korea (South) 33,900,000 67.0 % eTForecast Dec/05 3.3 %

8 Italy 28,870,000 48.8 % ITU Sept./05 2.8 %

33

Page 35: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

9 France 26,214,173 43.0 % Nielsen//NR Jan/06 2.6 %

10 Brazil 25,900,000 14.1 % eTForcasts Dec/05 2.5 %

11 Russia 23,700,000 16.5 % eTForcasts Dec/05 2.3 %

12 Canada 21,900,000 67.9 % eTForcasts Dec/05 2.2 %

13 Indonesia 18,000,000 8.1 % eTForcasts Dec/05 1.8 %

14 Spain 17,142,198 38.7 % Nielsen//NR Jan/06 1.7 %

15 Mexico 16,995,400 16.2 % AMIPCI Nov/05 1.7 %

16 Australia 14,189,557 68.4 % Nielsen//NR Jan/06 1.4 %

17 Taiwan 13,800,000 60.3 % C.I.Almanac Mar/05 1.4 %

18 Netherlands 10,806,328 65.9 % Nielsen//NR June/04 1.1 %

19 Poland 10,600,000 27.8 % C.I.Almanac Mar./05 1.0 %

20 Turkey 10,220,000 13.7 % ITU Sept./05 1.0 %

TOP 20 Countries 811,986,333 20.0 % IWS - Mar.31/06 79.4 %

Fonte: http://www.internetworldstats.com/top20.htm

6. Dados Nacionais de Utilização da Internet e Índices de Mobilização para a Sociedade da

Informação

A iniciativa Ligar Portugal, um dos vectores estratégicos do “Plano Tecnológico” do XVII

Governo, reúne um completo conjunto de dados sobre o acesso à Internet em Portugal,

englobando informação de diferentes estudos e diversas entidades. Deste modo, a análise desta

temática, num contexto internacional, é realizada através do índice Network Readiness do World

Economic Forum que é elaborado em função do nível de riqueza de vários países. Como

demonstra o gráfico seguinte, Portugal possui valores superiores aos da Grécia e Itália e

ligeiramente inferiores aos da Espanha, contudo, ainda evidencia uma frágil capacidade de

penetração da Sociedade de Informação comparativamente aos países mais desenvolvidos da

Europa.76

76 Programa de Acção integrado no Plano Tecnológico do XVII Governo: Mobilizar a Sociedade da Informação e do Conhecimento, Ligar Portugal, http://www.ligarportugal.pt.

34

Page 36: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Gráfico 1 – Índice de Network Readiness e PIB em 2004

Fonte: OCDE, World Economic Fórum, 2004

No que diz respeito à ligação à Internet em banda larga, no final de 2004, Portugal alcançava

uma taxa de cerca de 8,2% no acesso de banda larga per capita, com 4,2% através de

tecnologias cabo e 4,0% através de ligações ADSL. Com efeito, embora a penetração de acesso

por cabo esteja ao nível da média dos países da OCDE, a penetração de acesso por ADSL é

significativamente inferior à respectiva média. No entanto, é pertinente frisar que dos países da

UE15 com uma penetração de banda larga inferior a 10% no final de 2004, Portugal é o único

em que a penetração de acessos de banda estreita, ou seja, via linha telefónica normal regrediu

de 2003 para 2004. Segundo os dados da ANACOM/ICP, no final do segundo trimestre de

2006, existiam cerca de 1,538 milhões de clientes do serviço de acesso à Internet em Portugal, o

que representa um crescimento de cerca de 1,4 por cento face ao trimestre anterior e uma subida

16,4 por cento face ao 2º trimestre de 2005. O número de clientes de banda larga atingiu os

1,331 milhões, mais 58 mil clientes que no trimestre anterior. Neste período, a taxa de

penetração da banda larga, em termos de total de clientes sobre a população total, situava-se nos

12,6 por cento, ou seja, 0,6 pontos percentuais acima da registada no trimestre anterior e

aproximadamente 2,8 pontos percentuais acima da registada no final do período homólogo77

Contudo, em vários países da UE15 a taxa de crescimento anual do acesso por banda larga tem

77 http://www.icp.pt/template12.jsp?categoryId=201964 35

Page 37: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

sido superior a 100%, tendo mesmo superado os 180% em países como o Luxemburgo, a

República Checa e a Eslováquia.78

Um outro indicador, considerado um obstáculo ao uso das TIC, é o do preço de ligação à

Internet. Efectivamente, no “Inquérito à Utilização das Tecnologias de Informação e

Comunicação na População Portuguesa”79 foi apontado como o obstáculo mais proeminente. Foi

ainda identificado como o terceiro mais relevante para não ter Internet em casa no inquérito à

população conduzido pela ANACOM.80 Neste inquérito, a falta de interesse pela Internet era

salientado como o obstáculo mais relevante. Como demonstra o relatório em análise, os preços

praticados em Portugal são competitivos somente para volumes de tráfego reduzidos, já que, as

ofertas mais utilizadas têm limites de tráfego internacional restritivos, ao contrário das melhores

práticas na Europa.81 Relativamente à banda larga, a figura 1 caracteriza a situação do acesso à

Internet em banda larga no continente português em 2004. Verificamos que os concelhos

realmente info-excluídos representavam valores inferiores a 10%. Todavia, importa frisar que a

capacidade real de aceder à tecnologia ADSL, pressupõe uma distância do utilizador ao

equipamento que o pode servir, inferior a cerca de quatro quilómetros. Da mesma forma, a

disponibilidade das ofertas de banda larga depende da existência de centrais da rede telefónica

pública comutada, nas quais estejam instalados DSLAM (digital subscriber line access

multiplexer) ou da existência de redes de distribuição de televisão por cabo preparadas para

disponibilizarem banda larga. A figura 2 demonstra a distribuição geográfica das centrais com

DSLAM com assinantes no 1º e 2º trimestre de 2006. Assim, a necessidade de progredir com o

esforço de garantir a cobertura nacional é proeminente.82

Figura 1 – Cobertura do Território do Continente por Infra-estruturas de Banda Larga 2004

78 Idem.79 Umic, “Inquérito à Utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação na População Portuguesa”, 2004.80 Anacom, 2004.81 Programa de Acção integrado no Plano Tecnológico do XVII Governo: Mobilizar a Sociedade da Informação e do Conhecimento, Ligar Portugal, http://www.ligarportugal.pt.82 Idem.

36

Page 38: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Os triângulos indicam a localização dos comutadores digitais da PT que estão equipados para poderem oferecer acesso ADSL.

Fonte: ANACOM

Figura 2 – Distribuição geográfica das centrais com DSLAM com assinantes no 1º e 2º

trimestre de 2006

37

Page 39: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Fonte: ANACOM

Portanto, de acordo com os dados da ANACOM, no final de Junho de 2006, existiam 1853

centrais e concentradores da PTC equipadas com DSLAM, o que corresponde à totalidade da

cobertura das áreas possíveis para o fornecimento de ADSL. Estas infra-estruturas concentram-

se nas regiões da Grande Lisboa e do Grande Porto, no litoral norte e no Algarve. No interior do

país, a densidade de centrais menor, à semelhança da densidade do povoamento do território. No

2º trimestre de 2006, o aumento de centrais PTC com assinantes DSLAM concentrou-se

sobretudo na região da península de Setúbal e na região da Grande Lisboa.83

A imagem subsequente evidencia, que em 2004, aproximadamente 25% dos portugueses

utilizavam regularmente a Internet, pelo menos uma vez por semana. Analogamente, a Suécia

tinha cerca de 75% de utilizadores regulares de Internet, ocupando a primeira posição do

ranking da utilização da Internet na União Europeia. Aliás, 17% dos agregados familiares

portugueses possuíam ligações à Internet em banda larga no final de 2004, enquanto apenas

12% desses agregados estavam ligados no 1.º trimestre de 2004.84

83 http://www.icp.pt/template12.jsp?categoryId=176882

84 Idem.38

Page 40: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Gráfico 2 – Evolução de alguns dos principais indicadores que caracterizam a utilização de

Tecnologias de Informação e Comunicação pelas famílias.

(O aumento das taxas de crescimento entre 2002 e 2003 pode estar associado à mudança de metodologia de inquirição, uma vez que, o “Inquérito à utilização de Tecnologias de Informação e da Comunicação pelas Famílias” passou de um módulo ad-hoc inscrito no Inquérito ao Emprego, para um Inquérito autónomo, deixando ainda de recorrer a entrevistas “proxy”).

Fontes: Ligar Portugal, INE, UMIC, ANACOM

De acordo com os resultados do Inquérito da UMIC, 39% dos portugueses utilizam a Internet;

77% desse universo são utilizadores frequentes; 75% envia e recebe mensagens de correio

electrónico; 49% joga ou descarrega (download) jogos, música e vídeos; 48% realiza

actividades profissionais; 47% realiza actividades de estudo ou formação; 39% lê jornais ou

revistas on-line; 37% dos inquiridos procura informação nos sítios da administração pública e

destes últimos, 47% procuram informação, 23% realizam o descarregamento de informação,

21% solicitam informações por correio electrónico, 17% executa o descarregamento de

formulários/declarações e 16% submete formulários/declarações.85

Relativamente ao comércio electrónico, outro dos factores potencialmente mobilizadores para a

Sociedade de Informação e Conhecimento, somente 7% da população referiu ter realizado

compras electronicamente. Este valor está claramente ligado à opção pelo comércio tradicional,

85 Umic, “Inquérito à Utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação na População Portuguesa”, 2004.39

Page 41: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

mas também engloba questões de segurança e privacidade da informação.86 Por fim, a

penetração de computadores pessoais é também por si um grave obstáculo à generalização do

uso da Internet. Com efeito, a diferença entre a percentagem de agregados familiares que

dispunham de computador pessoal e de ligação à Internet nos últimos anos oscila em toda a

Europa entre 11 e 21 %. Em Portugal, apenas cerca de 41% dos agregados familiares tinham um

computador em 2004.87

Quanto ao consumo doméstico de Internet, segundo o estudo Netpanel da Marktest, durante o

ano de 2004, foram contabilizados 1 590 mil indivíduos de 4 e mais anos que acederam à

Internet em suas casas, um número que afigura um diminuto acréscimo de 0.5%, quando

comparado com o ano anterior. Este valor representa a 97.5% do universo.88 Em 2005, o tempo

que os portugueses dedicaram à Internet em casa aumentou 24.5% face a 2004. De Janeiro a

Junho de 2006, foram 1574 mil os residentes no Continente com 4 e mais anos que navegaram

na Internet a partir de casa.89

A primeira análise de 2006 do Bareme Internet da Marktest contabiliza 1 352 mil lares em

Portugal Continental onde existe ligação à Internet, um número que corresponde a 38.6% do

universo de lares em estudo. O número de lares onde existe ligação à Internet tem-se ampliado

sistematicamente nos últimos anos, sendo 2.2% em 1997 e 38.6% em 2006. Na análise deste

indicador, a classe social é a variável mais significativa, na medida em que, demonstra maiores

diferenças de comportamento entre os lares. A ligação à Internet em casa é realizada maioritária

junto dos lares das classes alta, ou seja, 85.0%. Na classe média alta e na classe média, os lares

conectados são igualmente maioritários, 71.1% e 54.1%, respectivamente. Pelo contrário,

apenas 32.2% dos lares da classe média baixa e 7.5% dos da classe baixa possuem ligação à

Internet em casa. 90

A idade média do agregado familiar e o número médio de pessoas no lar também mostram

divergências expressivas. Enquanto entre os lares com uma ou duas pessoas apenas 20.0%

possui ligação à Internet, a maioria dos de maior dimensão (54.5%) tem acesso à rede. As

dissemelhanças inferiores são encontradas na análise por região, embora os lares da Grande

Lisboa, Grande Porto e Litoral Centro apresentem valores acima da média do universo. Uma

86 Programa de Acção integrado no Plano Tecnológico do XVII Governo: Mobilizar a Sociedade da Informação e do Conhecimento, Ligar Portugal, http://www.ligarportugal.pt.87 Idem.88 Marktest, http://www.marktest.pt/produtos_servicos/Netpanel/default.asp?c=1292&n=1180 89 Marktest, http://www.marktest.com/wap/a/n/id~b3f.aspx90 Marktest, http://www.marktest.com/wap/a/n/id~c33.aspx

40

Page 42: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

análise do perfil dos lares com ligação à Internet indica ainda que 45.4% deles se localizam nas

regiões da Grande Lisboa ou do Litoral Centro, 76.1% têm mais de duas pessoas, 81.2% têm

uma idade média até 45 anos e 56.8% pertencem às classes sociais média alta ou média.91

7. A Info-Exclusão: Uma abordagem global

Após a indicação e análise das audiências de Internet e índices de mobilização, torna-se

fundamental aludir à info-exclusão, não só porque fornece elementos essenciais para possibilitar

a definição de uma verdadeira estratégia de info-inclusão, como é premente para a temática das

cidades digitais, nomeadamente para a manutenção, crescimento, desenvolvimento e maturação

das mesmas. Desta forma, com esta investigação pretendemos também averiguar se as cidades

digitais seleccionadas dispõem ou pretendem determinar ferramentas e linhas de acção para

promover a info-inclusão.

A info-exclusão ou cisão/divisão digital (“digital divide”) são expressões que caracterizam a

mesma realidade. O conceito “Info-exclusão” está tipicamente ligado à iniquidade no acesso à

Internet, similarmente “the digital divide refers to the gap between individuals, households,

businesses and geographic areas at different socio-economic levels with regard to their

opportunities to access information and communication technologies and their use of the

Internet for a wide variety of activities”92. Efectivamente, a divisão digital representa um

conjunto de inúmeros tópicos, uma vez que, envolve comparações entre países; dentro de cada

país; entre empresas; pessoas; por sector de aplicação; de hardware/software e de capacidades.93

A centralidade da Internet em áreas de actividade social, económica e política torna-se marginal

para aqueles que não têm, ou têm acesso limitado à rede e aqueles que não conseguem tirar

vantagem dela. A disparidade entre aqueles que têm e aqueles que não têm Internet ou acesso a

ela amplifica a iniquidade e o hiato da exclusão social. Esta circunstância parece aumentar a

distância entre as promessas de liberdade, produtividade e comunicação da Era da Informação e

a crua realidade da maioria da população mundial.94 No entanto, como indica Sciadas, a relação

entre as TIC e o desenvolvimento continua a crescer. Assim, se o desenvolvimento afecta

directamente a pobreza, as TIC constituem um importante instrumento, embora a questão da

info-exclusão seja crítica.95

91 Ibidem.92 OCDE, Understanding the Digital Divide, 2001.93 Georges Sciadas, “ICT Forum Presentation”, OCDE, 2003.94 Manuel Castells, A Galáxia Internet. Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001, p. 287.95 Sciadas, op. Cit., 2003.

41

Page 43: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

A divisão digital considera não só o acesso à Internet, mas também infra-estruturas básicas de

telecomunicações. Para medir esta cisão são considerados indicadores como a existência de

infra-estruturas de comunicação, disponibilidade de computadores e potencialmente a

disponibilidade de acesso alternativo através da televisão ou telemóveis e, por fim, o acesso à

Internet. A info-exclusão nos agregados familiares parece depender exclusivamente do

rendimento e da educação. Outras variáveis, tais como, o tamanho e tipo de agregados

familiares; idade; género; etnia; língua e localização são também relevantes. As dissemelhanças

entre posse de computador e acesso à Internet por rendimento da família é extremamente

elevado e encontra-se em rápido crescimento, embora o acesso à Internet em grupos com mais

baixos rendimentos esteja em crescimento. Quanto mais elevado o nível de habilitações

literárias, mais provável é o acesso à Internet pelos indivíduos. Esta última constatação está

largamente relacionada com o seu efeito no nível de rendimentos. Outros índices significativos

dizem respeito à distinção entre o perfil dos países, indivíduos e empresas que usam e tiram o

melhor proveito da potencialidade divulgada pelas TIC e pela Internet.96

Numa abordagem global, dados actuais e precisos sobre a info-exclusão são geralmente

incompletos ou inexistentes. Contudo, a importância crescente desta temática conduz a uma

maior preocupação na medição desta cisão. Assim, em Setembro de 2000, de um total de 378

milhões de cibernautas (que representa apenas 6.2% da população mundial), 42.6% localizam-se

na América do Norte, 23.8% na Europa, 20.6% na Ásia, 4% na América Latina, 4.6% na Europa

de Leste, 1.6% no Médio Oriente e 0.6% em África. Desta forma, 93% da população mundial

encontra-se excluída da Sociedade da Informação. Consequentemente, as estimativas indicam

que a rápida difusão de acesso à Internet será sobretudo impulsionada por utilizadores dos países

em vias de desenvolvimento, na medida em que, aí se localizam cerca de 80% da população

mundial. 97

Quando a iniquidade tecnológica parece diminuir, outra forma de exclusão emerge. A nova

exclusão é denominada “tecno-exclusão”, assentando nas disparidades de acesso à banda larga.98

No caso da União Europeia, o “Digital Divide Forum Report: Broadband access and public

support in under-served areas” identifica elementos chave, concretamente que as regiões

96 OCDE, op. Cit., 2001.97 NUA Limited, NUA Internet Surveys, 2002; Manuel Castells, A Galáxia Internet. Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001, pp. 288-289.98 Manuel Castells, A Galáxia Internet. Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001, p. 297

42

Page 44: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

remotas e rurais são as menos bem servidas. Em Janeiro de 2005, a banda larga estava

disponível para mais de 90% da população urbana da EU15/EEA e apenas para 60% da sua

população rural. O consumo de banda larga exclui actualmente cerca de 15% da população dos

EU15. Todavia, o progresso desta cobertura foi rápido em 2004, na medida em que, nas áreas

rurais aumentou 40%. O relatório frisa ainda que algumas áreas sofrerão atrasos ou serão

excluídas do rollout da banda larga. De facto, um estudo recente calcula que, pelo menos,

aproximadamente 4.7 milhões de potenciais utilizadores da banda larga serão excluídos do

rollout comercial em 2013 na União Europeia.99

O gráfico 3 permite-nos observar que relativamente a áreas menos populosas, a cobertura das

áreas rurais tem crescido rapidamente, no que concerne a ADSL, mas lentamente no que se

refere à cobertura por cabo. Com efeito, o cabo representa para áreas pouco populosas custos

elevados e, como tal, não se espera que possa evidenciar um impacto relevante. A imagem

seguinte ilustra a extensão da info-exclusão nos quinze países membros, através das

dissemelhanças entre a cobertura ADSL nacional e rural. A Bélgica, Dinamarca, Luxemburgo e

a Holanda parecem alcançar 100% de cobertura, embora esta medida sobrestime a

disponibilidade da banda larga. 100

Gráfico 3 – Cobertura de Banda Larga: O “tamanho” da info-exclusão

99 U.E., Digital Divide Forum Report: Broadband access and public support in under-served areas, 2005.100 Idem.

43

Page 45: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Percentage of population

Rural

Suburban

Urban

National

Rural

Suburban

Urban

National

Cab

leD

SL

DSL and cable modem coverage (January 2004-2005)

January 2005January 2004

Áreas Urbanas: com uma densidade populacional > 500 hab./Km2

Áreas Suburbanas: com uma densidade populacional > 100 hab./Km2 e < 500 hab./Km2 Áreas Rurais: com uma densidade populacional < 100 hab./Km2

Fonte : UE

Gráfico 4 – A info-exclusão nos 15 Estados Membros

DSL coverage (January 2005)

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Belgium

Denmark

Luxe

mbourg

Netherl

ands

Sweden UK

Finlan

d

Icelan

d

Portug

al

France

German

y

Averag

eSpa

in

Austria Ita

ly

Norway

Irelan

d

Greece

Perc

enta

ge o

f pop

ulat

ion

National Rural

Fonte: UE

Consequentemente, como o relatório enfatiza nesta situação, a intervenção pública deve ser

considerada vantajosa ou necessária. Contudo, o elevado potencial de crescimento do mercado e 44

Page 46: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

o seu forte carácter inovador propõem que a intervenção pública seja cautelosa. Efectivamente,

é fundamental ter atenção para que não se iniba incentivos de mercado e de inovação, nem se

distorça a competitividade. As diferenças de cobertura e a menor inclinação para usar banda

larga nas zonas rurais recomenda a importância de se estimular a sua utilização, socorrendo-se

de políticas de inclusão. Curiosamente, a implementação das estratégias de banda larga

nacionais oferece uma grande variedade de actividades, mesmo se a Comissão tenha

conhecimento de uma amostra bastante reduzida. Os casos de ajuda estatal aprovados pela

Comissão continuam a ser uma minoria para permitir uma definição das boas e más práticas. Por

exemplo, neste enquadramento, o estabelecimento de parcerias público-privadas é

extensivamente debatido na União Europeia.101

Os Estados Unidos da América realizam, desde 1995, estudos longitudinais e anuais sobre o uso

das TIC na sociedade norte-americana, abordando a questão da info-exclusão. Em 1999, o

relatório da National Telecommunications and Information Administration (NTIA), examina

quais são os agregados familiares que tem acesso a telefones, computadores e Internet e os que

não o possuem. De facto, “The "digital divide"-- the divide between those with access to new

technologies and those without -- is now one of America's leading economic and civil rights

issues”102. Os dados do inquérito evidenciavam que embora todos os norte-americanos

estivessem a ligar-se progressivamente on-line, a info-exclusão existia e parecia continuar a

espalhar-se. Minorias, pessoas com rendimentos baixos, com poucas habilitações literárias,

crianças de famílias monoparentais, principalmente as que vivem em áreas rurais ou suburbanas,

são os grupos com acesso deficiente a recursos de informação.103 O relatório “A Nation Online”,

publicado em 2002, conclui que existe um destacado segmento da população norte-americana

que não utiliza a Internet, que representava em Setembro de 2001, 46.1% de pessoas e 49.5% de

agregados familiares. A população off-line é claramente caracterizada: pessoas em agregados

com baixos rendimentos; adultos com baixos níveis de instrução, hispânicos (68.4% de todos os

hispânicos e 85.9% de agregados familiares hispânicos, onde o espanhol é a única língua falada)

e negros (60.2% de negros).104

O estudo de 2004, considera a era da banda larga, enfatizando que entre Setembro de 2001 e

Outubro de 2003, o número de agregados familiares com ligações à Internet cresceu 12.6%. Os

101 Idem.102National Telecommunications and Information Administration, Falling Through the Net: Defining the Digital Divide, 1999.103 Idem.104 National Telecommunications and Information Administration, A Nation On-line, 2002.

45

Page 47: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

dados revelam ainda que o uso de ligações de alta velocidade aumentaram consideravelmente

entre 2001 e 2003. Porém, a info-exclusão continua a ser uma realidade bem saliente, por

exemplo, o uso da banda larga é mais baixo nas zonas rurais (24.7% nas zonas rurais em

contraste com 40.4% nas áreas urbanas).105

Quanto a Portugal, o quadro 3 quantifica a desagregação das taxas de utilização de Internet em

Portugal segundo os escalões etários e níveis de instrução da população em 2004. Portanto,

observamos que baixas taxas de penetração da Internet estão principalmente associadas a níveis

de info-exclusão expressivos na população com mais de 25 anos e com níveis de instrução

inferiores ao 9.º ano. Isto corresponde, a cerca de 5 milhões de portugueses entre 25 e 74 anos.

Efectivamente, torna-se capital “estimular a percepção dos portugueses com menores níveis de

instrução sobre a utilidade das TIC, promovendo sempre que necessário agentes de

intermediação para combater a info-exclusão.”106

Quadro 3 – Percentagem de utilizadores de Internet e população, por escalão etário e nível de

instrução em 2004.

Fonte: Ligar Portugal, INE, OSIC/UMIC

Apesar de tudo, as condições de desenvolvimento da Internet criam, na maioria dos países, uma

profunda info-exclusão. Os mais importantes centros urbanos, actividades globalizadas e grupos

com elevados níveis de habilitações literárias entram na rede, enquanto as restantes regiões e

pessoas continuam fora da linha. O uso diferenciado da Internet no mundo em vias de

desenvolvimento, baseia-se essencialmente, na enorme dissemelhança em termos de infra-

estruturas de telecomunicações, fornecedores e conteúdos de Internet (os servidores de Internet

105 US Department of Commerce, NTIA, A Nation Online: Entering the Broadband Age, 2004. 106 Programa de Acção integrado no Plano Tecnológico do XVII Governo: Mobilizar a Sociedade da Informação e do Conhecimento, Ligar Portugal, http://www.ligarportugal.pt.

46

Page 48: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

e domínios dependem da esfera norte-americana e europeia, além de que a língua usada em 78%

dos sítios electrónicos é inglês) e estratégias definidas para diminuir esta discrepância. Deste

modo, como sublinha Manuel Castells, nas circunstâncias actuais, o novo sistema tecno-

económico contribui decisivamente para este desenvolvimento desproporcional. De facto,

conduz ao aumento da pobreza e da riqueza, da produtividade e da exclusão social. Como a

Internet se encontra no epicentro do novo modelo sócio-técnico de organização, este processo de

desenvolvimento global assimétrico, representa provavelmente a expressão mais dramática da

info-exclusão.107

Portanto, parece-nos que para abordar e analisar a info-exclusão é essencial, em primeiro lugar,

obter uma monitorização mais actual e rigorosa, estabelecer uma coerente avaliação do impacto

das presentes medidas e definir estratégias mais agressivas e específicas. Inúmeras questões

impõem-se, nomeadamente, “Como se pode calcular a info-exclusão? Quais são os seus efeitos

a curto e a longo prazo? Que pode ser feito para eliminá-la?” Não podemos, no entanto, ser

enganados pela “ilusão da transparência”, definida por Pierre Bourdieu. Com efeito, como frisa

Castells, relevantes dúvidas emergem, mais concretamente, será real que as pessoas e os países

são excluídos porque não estão ligados a redes baseadas na Internet? É esta a ligação que os

torna dependentes de economias e culturas, onde não conseguem encontrar o seu bem-estar e a

sua identidade cultural?108

A info-exclusão crucial não se mede pelo número de ligações à Internet, mas pelas

consequências que essa ligação e a sua falta provocam. Isto porque, a Internet é mais do que

uma tecnologia, é um instrumento tecnológico e o modo organizativo que distribui o poder da

informação, a criação de conhecimentos e a capacidade de ligar-se em rede em qualquer campo

de acção da actividade humana. Assim, os países em vias de desenvolvimento sofrem as

contradições da rede. Se por um lado, estarem desligados significa marginalização do sistema

global, estarem ligados pressupõe também marginalização devido à info-exclusão. De qualquer

modo, o desenvolvimento e a economia global já estão tão marcados pela Internet, que urge um

modelo que possa alargar infra-estruturas de comunicação e informação e promover uma

aprendizagem e integração na rede, pois paradigmas alternativos de desenvolvimento, isto é,

menos tecnológicos, parecem não ser já exequíveis.109

107 Manuel Castells, A Galáxia Internet. Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001, pp. 305-307. 108 Ibidem.109 Idem, pp. 311-313.

47

Page 49: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

B. Sociedade da Informação1. Aproximação e Evolução Conceptual: Sociedade da Informação, Sociedade do

Conhecimento e Sociedade em Rede

A Internet originou indubitavelmente uma nova era, cuja terminologia ainda não é consensual.

Muitos designam-na de Sociedade da Informação, outros refutam esta denominação e propõem

Sociedade do Relacionamento, Sociedade do Conhecimento, Sociedade em Rede e ainda outros

inserem-na na Nova Economia, a Economia Digital. No entanto, apesar das diversas

designações, a Sociedade da Informação parece impor-se entre a maioria dos especialistas como

o conceito mais utilizado. Actualmente, tem-se progressivamente acrescentado à expressão

Sociedade da Informação, o vocábulo “conhecimento”, ficando assim, “Sociedade da

Informação e do Conhecimento” (SIC). Contudo, muitos autores clarificam que a Sociedade do

Conhecimento é um estado evolutivo da Sociedade da Informação, como iremos verificar

subsequentemente. Pela importância da nomenclatura proposta por Manuel Castells “Sociedade

em Rede”, apresentamos ainda uma súmula do seu pensamento.

Luís Borges Gouveia e Sofia Gaio definem a Sociedade da Informação como “sociedade que

recorre predominantemente às tecnologias da informação e comunicação para a troca de

informação em formato digital, suportando a interacção entre indivíduos e entre estes e

instituições, recorrendo a práticas e métodos em construção permanente.”110 No entanto, o autor

frisa que não é a tecnologia que deve ser considerada o elemento primordial, mas sim o que esta

pode potenciar nas relações entre pessoas e pessoas e organizações.111 Com efeito, a Sociedade

da Informação é claramente um paradigma complexo. A este propósito, Mattelard sublinha que

a concepção de uma sociedade governada pela informação emergiu antes do próprio

entendimento actual do conceito de informação. A sua origem advém de um movimento social

do início do século XVII que se socorria de modelos matemáticos para determinar acções e

decisões. Assim, o pensamento baseado na razão, cálculo e medição tornou-se um arquétipo do

espírito e mente humana. Este facto foi solidificado pela Revolução Francesa, que pretendeu

concretizar a linguagem matemática, transpondo-a para a avaliação da qualidade dos cidadãos e

dos seus valores universais. A importância da estatística e dos algoritmos foi enaltecida pela

Revolução Industrial, que trouxe a noção da divisão do trabalho, a mecanização e os alvores da

gestão científica. Neste seguimento, as transformações sucederam-se assentando na crença de

110 Luís Borges Gouveia e Sofia Gaio in Luís Borges Gouveia, Local e-government – A governação digital na autarquia, SPI, Porto, 2004, p. 17.111 Luís Borges Gouveia, Local e-government – A governação digital na autarquia, SPI, Porto, 2004, p. 17.

48

Page 50: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

comunidade universal, salientando-se o progresso das redes de comunicação. Com a Segunda

Guerra Mundial, assistiu-se a um desenvolvimento exponencial dos computadores, triunfando as

Tecnologias de Informação.112

Quanto ao corrente conceito de Sociedade da Informação, este não é inédito, na medida em que,

evidenciava já raízes na sociologia do “pós-industrialismo”, que advogava nos anos 60 e 70, o

fim da época capitalista industrial e prenunciava uma sociedade de “serviços” e de “lazer”.113

Neste sentido, Daniel Bell reiterava o desenvolvimento da Sociedade da Informação num

contexto pós-industrial e sob um novo quadro de referência social assente nas

telecomunicações.114 Para este autor, o trabalho e o capital são superados pelo conhecimento e

informação que passam a ser variáveis centrais da economia. Contudo, opta pela expressão

“Sociedade Pós-Industrial”. Aliás, como nota Romana Xerez, “o conceito de Sociedade da

Informação derivou naturalmente dos argumentos da sociedade pós-industrial”115. Por sua vez,

Touraine abordava a moderna sociedade como uma visível oposição entre as classes dominadas

e as dominantes que detinham o conhecimento e controlavam a informação.116 Efectivamente,

como demonstra João Bilhim, o vocábulo em análise está ainda associado ao conceito pós-

fordismo, assimilado como forma de ruptura com os sistemas de produção em massa.117

Neste seguimento, Alvin Toffler alude à “Civilização da Terceira Vaga” que substitui a

Civilização Industrial de segunda vaga e que se dispersará e desconcentrará, na medida em que,

assenta numa sociedade fortemente descentralizada e reflexo da “adhocracia”.118 Masuda aborda

as TIC como grandes forças que modelam as relações sociais, económicas e políticas originando

a Sociedade da Informação.119 Assim, como constatamos, as abordagens encontradas são

visivelmente deterministas não perspectivando a importância da interacção entre tecnologias e

sociedade e a análise do seu contexto social. Com efeito, se atentarmos nesta interacção,

“podemos colocar a possibilidade de desenvolvimentos alternativos, ou seja, vários futuros

possíveis”120.

112 Armand Mattelart, The Information Society: An Introduction, Sage Publications, 2003.113 João Bilhim, Trabalho e Lazer na Sociedade da Informação, ISCSP, UI.114 Daniel Bell, The coming of the Post-Industrial Society: a Venture in Social Forecasting, Penguin, 1974, p.14.115 Romana Xerez, O Projecto “Vencer o Adamastor”. Uma perspectiva sociológica, Dissertação de Mestrado em Sociologia, ISCSP, 2002, p. 48.116 Alain Touraine, La Societé Post-industrielle, Paris, Editions Denoel, 1969, pp. 28-61.117 João Bilhim, Trabalho e Lazer na Sociedade da Informação, ISCSP, UI.118 Alvin Toffler, A Terceira Vaga, Ed. Livros do Brasil, 1980, p. 354.119 Yoeji Masusa, in Sociedade da Informação e Emprego, António Brandão Moniz e IIona Kovács, Colecção Cadernos de Emprego, nº28, FCT-UNL, 2001, p. 32.120 António Brandão Moniz e IIona Kovács, Sociedade da Informação e Emprego, Colecção Cadernos de Emprego, nº28, FCT-UNL, 2001, p.32.

49

Page 51: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Ainda nos anos setenta acendeu-se o debate internacional acerca do livre fluxo de informação,

que se deslocava assimetricamente de norte para sul. A UNESCO pretendia estabelecer um novo

equilíbrio, pressionada pelos países do sul que persistiam na necessidade de se estimular uma

Nova Ordem Mundial da Informação e Comunicação. Os vastos protestos contra o desequilíbrio

dos fluxos de informação e a doutrina americana neo-liberal conduziram à problematização do

espaço estratégico da Sociedade da Informação.121

O termo “Sociedade da Informação” foi pela primeira vez usado pela Organização para a

Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE).122 Três anos mais tarde, o Comité para

as Relações Externas do Senado Americano reunia-se sobre a Idade da Informação. O Comité,

presidido pelo senador George McGovern, ouviu representantes dos meios de comunicação,

responsáveis de grandes empresas, investigadores académicos, líderes de organizações do

comércio e membros fundadores da CIA. O fruto destas audições foi a definição da informação

como o novo recurso nacional e o relatório intitulado “A Nova Ordem Mundial da

Informação”.123 Em 1979, o Conselho de Ministros da Comunidade Europeia perfilhou o

conceito de Sociedade da Informação, sendo a palavra-chave do FAST (Forecasting and

Assessment in the Field of Science and Technology), um programa experimental de cinco anos.

No ano seguinte, o Conselho da Europa enumerou as linhas de orientação da privacidade e dos

fluxos de dados pessoais transfronteiriços. Ainda neste ano, a OCDE publicou um documento

semelhante. Em 1998, a directiva comunitária relativa à protecção dos dados pessoais opôs os

países europeus aos Estados Unidos da América. Isto uma vez que, estes últimos encaravam esta

directriz como oposta à finalidade da Sociedade da Informação. De facto, esta norma

comunitária era um obstáculo aos serviços de inteligência económica americana e às empresas

que dominavam o comércio electrónico (na sua maioria americanas). Em 1996, o vice-

presidente americano reconheceu que a Infra-estrutura Global de Informação estava a modificar

a forma como os cidadãos aprendem, trabalham e comunicam.124

De um modo global, a Sociedade da Informação é marcada pela complexificação,

especialização, individualização, inovação e sofisticação. Como demonstra Jorge Xavier, a

Sociedade da Informação é percepcionada “como algo irreversível e imparável, impulsionada

121 Armand Mattelart, op. Cit., p.14.122 www.ocde.org 123 Armand Mattelart, op. Cit., p.45.124 Jorge Xavier, O Impacto das Cidades Digitais na Sociedade da Informação. O Caso Português, Dissertação de Mestrado em Gestão da Ciência, Tecnologia e Inovação, Universidade de Aveiro, 2004, p. 24.

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Page 52: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

pelos movimentos de desregulamentação e pela acção dos operadores globais, pelo

desenvolvimento das auto-estradas da informação e pela importância crescente de inteligência

militar e da inteligência económica”125. Efectivamente, como características da Sociedade da

Informação, Luís Borges Gouveia e Sofia Gaio apontam a utilização da informação como

recurso estratégico; a utilização intensiva das TIC; o facto da interacção entre indivíduos e

instituições ser predominantemente digital e de recorrer a formas diversas de “fazer as (mesmas

e novas) coisas”, baseadas no digital.126

Pelo seu interesse e contributo para o esclarecimento da terminologia em análise, é ainda

pertinente aludirmos às cinco dimensões da Sociedade da Informação, definidos por Frank

Webster, nomeadamente a tecnológica, a económica, a ocupacional, a espacial e a cultural.

Todas se encontram interligadas e três coexistem muito proximamente, concretamente a

tecnológica, a económica e a ocupacional:

Dimensão Tecnológica – O conceito tecnológico foi um dos que mais contribuiu para a

divulgação da Sociedade da Informação, embora inúmeras vezes de modo bastante

redutor.

Dimensão Económica – Corresponde às “Economias de Informação”, aquelas que estão

intrinsecamente ligadas à informação ou a sua produção e distribuição (Educação, Media

e Comunicação, Serviços de Informação e Outras Actividades de Informação (I&D)).127

Dimensão Ocupacional – O tipo predominante de ocupação profissional são as

designadas “profissões da informação”.

Dimensão Espacial – A Sociedade da Informação introduziu grandes mudanças na

organização do tempo e do espaço (diminuição das distâncias, aproximação).

Dimensão Cultural – Importância crescente das TICs na produção cultural.128

Quanto à “Sociedade do Conhecimento”, esta nomenclatura evidencia a importância crescente

do conhecimento na vida humana. O conceito remonta ao início dos anos 70, sendo um dos

primeiros autores a utilizar este vocábulo Robert Lane, que salientou o peso crescente do

conhecimento nos novos modos de organização social. Da mesma forma, Peter Drucker alude

ao poder do conhecimento na sua obra “The Age of Descontinuity”, embora prefira empregar a 125 Idem, p. 15.126 Luís Borges Gouveia e Sofia Gaio in Luís Borges Gouveia, Local e-government – A governação digital na autarquia, SPI, Porto, 2004, p. 18.127 Cfr. Fritz Machlup, The Production and Distribution of Knowledge in the United States, Princeton University Press, New Jersey, 1962.128 Frank Webster, Theories of the Information Society, Routledge, Londres, 1995, p. 8.

51

Page 53: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

designação de sociedade pós-capitalista.129 Aliás, Daniel Bell confessou a sua proximidade ao

conceito de “Sociedade do Conhecimento”, apesar de optar pela terminologia “Sociedade Pós-

Industrial”, uma vez que, entende que o conhecimento é um recurso fundamental da sociedade

pós-industrial, mas não é efectivamente o elemento mais importante para a definir.130

Por sua vez, Nico Stehr, frisa que “O crescimento do significado social da ciência na sociedade

moderna é a principal razão para analisar a estrutura do conhecimento”131. Stehr realiza uma

avaliação das fragilidades dos outros conceitos, sublinhando que, no que concerne a Sociedade

Pós-Industrial, é desajustado falar do pós-industrial numa época, em que, tal como, as

precedentes, a indústria permanece como forte presença. Quanto à Sociedade da Informação

refere que todas as sociedades transmitiram informação e daí o seu desacordo. Logo, para Stehr,

a expressão “Sociedade do Conhecimento” supera as lacunas das terminologias estimadas.

Como clarificam Robin Mansell e Uta Wehn, “Mais recentemente o termo Sociedade do

Conhecimento tem sido usado para transferir a ênfase das tecnologias de informação e

comunicação como “motores” de mudança para a perspectiva onde essas tecnologias são

encaradas como ferramentas que podem fornecer um novo potencial para combinar a

informação dos sistemas de TICs com o potencial criativo e conhecimento que reside nas

pessoas”132.

No entanto, tem-se verificado ultimamente a junção dos conceitos “informação” e

“conhecimento” para se criar a expressão “Sociedade da Informação e do Conhecimento”. Luís

Borges Gouveia frisa que, desta forma, se pretende corrigir a exacerbada conotação de

individualismo e de efemeridade que está ligado à informação.133 Contudo, é fundamental

reiterar que a Sociedade do Conhecimento é para muitos autores um desenvolvimento da

Sociedade da Informação. Com efeito, “A Sociedade do Conhecimento é um dos conceitos mais

utilizados para traduzir uma Sociedade da Informação desenvolvida em todo o seu potencial e

com um elevado grau de humanização”134. Assim, Heinonen frisa que a Sociedade do

Conhecimento corresponde a um estado superior da Sociedade da Informação, que ocorre

depois desta ter sido apurada e usada em larga escala para um desenvolvimento sustentável

129 Cfr. Peter Drucker, Post-Capitalist Society, Butterworth Heinemann, Oxford, 1993.130 Cfr. Romana Xerez, op. Cit., p. 46.131 Nico Stehr, Knowledge Societies, Sage Publications, 1993, p. 8.132 Robin Mansell e Uta Wehn, Knowledge Societies: Information Technology for Sustainable Development, Oxford University Press, New York, 1998, p. 12.133 Luís Borges Gouveia, Local e-government – A governação digital na autarquia, SPI, Porto, 2004, p. 17.134 Ângelo Estrela, A Sociedade da Informação e o Desenvolvimento Sustentável. O caso do GAIA GLOBAL enquanto plataforma para o desenvolvimento sustentável, Dissertação de Mestrado em Gestão da Ciência, Tecnologia e Inovação, Universidade de Aveiro, 2004, p. 58.

52

Page 54: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

baseado nas TICs. Tal como Frank Webster, no que diz respeito à Sociedade da Informação,

também Heinonen define a Sociedade do Conhecimento segundo dimensões, equivalendo neste

caso, a sete. Desta forma, alcança-se a Sociedade do Conhecimento quando se satisfazem as

dimensões electrónica (TICs, infra-estruturas e sistemas desenvolvidos, diversificados, fáceis,

acessíveis a todos, grátis ou de baixo custo); ecológica (o impacto do funcionamento da

sociedade é o mais leve possível para facultar o desenvolvimento sustentável); ética (o balanço

digital é obtido, isto é, não existe divisão entre os que têm e os que não têm) e económica

(produtividade elevada, baixo desemprego e economia em rede).135

Figura 3 – As Sete Dimensões da Sociedade do Conhecimento de Heinonen

Fonte: Ângelo Estrela, op. cit., p.20.

Heinonen apresenta ainda uma proposta de um modelo de desenvolvimento onde se representam

vários cenários para a constituição da Sociedade do Conhecimento, introduzindo o conceito de

e-UTOPIA que pode ser alcançado com o equilíbrio das dimensões ecológicas e éticas.136 De

facto, as previsões da evolução da Sociedade da Informação são extremamente complexas, na

medida em que, o progresso célere das TIC conduz a efeitos imprevisíveis e consequentemente

a conjecturas maioritariamente especulativas. Muitos autores superam mesmo esta previsão

apontando estados de desenvolvimento pós Sociedade da Informação, como Chris Freeman, que

135 Heinonen, “Pitfalls and Upswings in Search of the Eco Knowledge Society”, Seminar on Scenario Building, Torku, 2001, Cit. por Ângelo Estrela, op. Cit, p. 58.136 Idem, p.57.

ECONÓMICA

ELECTRÓNICA ECOLÓGICA

ÉTICA E ESTILOS DE VIDA

SOCIEDADE DO CONHECIMENTO

PREVISÃO

AVALIAÇÃO

EVOLUÇÃO

53

Page 55: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

fala da “economia tecnoecológica”137, Glenn que sublinha o “estado da tecnoconsciência”138 e

Heinonen que avança com a “sociedade do conhecimento electrónico”139.

O conceito de “Sociedade em Rede” tem sido largamente difundido por Manuel Castells,

sobretudo através da trilogia, “A Sociedade em Rede”; “O Poder da Identidade” e “O Fim do

Milénio”. O primeiro volume aborda a Rede, o segundo examina a formação do Self e a

interacção entre a Rede e o Self na crise da família patriarcal e do Estado-nação e o terceiro

baseia-se numa interpretação das transformações históricas actuais que resultam das dinâmicas

dos processos analisados nos dois volumes anteriores. Assim, em 1996, o sociólogo apresenta a

Sociedade em Rede, que caracteriza os novos modos organizacionais assentes no uso intensivo

de Tecnologias de Informação e Comunicação. Com efeito, evidencia que “Ao explorar os

domínios da actividade e da experiência humana nas estruturas sociais emergentes, chegámos a

uma conclusão que nos propõe uma nova leitura do mundo: as funções e os processos

dominantes, na Era da Informação, organizam-se, cada vez mais, em torno de redes e isto

representa o auge de uma tendência histórica”140. De facto, embora Castells se enquadre numa

orientação teórica prosseguida por Daniel Bell e Alain Touraine, afastou-se destas influências,

reivindicando a Sociedade em Rede.141 Deste modo, as redes estabelecem a nova anatomia das

sociedades e a propagação da sua lógica transforma claramente as operações e os resultados dos

processos de produção, experiência, poder e cultura. Apesar da organização social, sob a forma

de rede, tenha já subsistido na história humana, o novo modelo da tecnologia de informação

penetra progressivamente em toda a estrutura social.142

Neste seguimento, é essencial, aludirmos à definição do conceito de rede delimitado por

Castells. Assim, “A rede é um conjunto de nós interligados. Um nó é o ponto no qual uma curva

se intercepta”143. Este nó depende do tipo de redes, que podem ser, mercados das bolsas de

valores e respectivas centrais auxiliares; conselhos nacionais de ministros e comissários; estúdio

de televisão e equipas de informação, etc. A topologia de redes demonstra que a distância entre

dois pontos é menor se esses os pontos forem nós de uma mesma rede e que dentro de um certa 137 Freeman Chris, "The 'National System of Innovation' in Historical Perspective," Cambridge Journal of Economics, Oxford University Press, vol. 19(1), Fevereiro de 1995, pp. 5-24.138 Cf. Glenn, Cit. por Ângelo Estrela, op. Cit., p. 57.139 Heinonen, Cit. por Ângelo Estrela, op. Cit, p. 57.140 Manuel Castells, A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. A Sociedade em Rede, Volume I, 2ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, 2005, p. 605.141 “The One-Dimensional Network Society of Manuel Castells”, www.thechronicle.demon.co.uk/tomsite/castells.htm 142 Manuel Castells, A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. A Sociedade em Rede, Volume I, 2ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, 2005, p. 605.143 Idem, p. 606.

54

Page 56: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

rede, os fluxos não têm distância ou têm a mesma distância entre os nós.144 É então salientado

que a inclusão ou exclusão das redes e a definição das relações entre elas, permitidas pelas TIC,

moldam os processos e funções dominantes nas nossas sociedades. Quanto às próprias redes,

estas são:

Estruturas abertas, dinâmicas e expansivas;

Instrumentos para a economia capitalista assente na inovação, globalização e

concentração desconcentrada;

Ferramentas para o trabalho baseado na flexibilidade e adaptabilidade;

Suportes para uma cultura, política e organização social flexíveis, que ultrapassam o

espaço e o tempo;

Fonte de reorganização das relações de poder (os conectores que ligam as redes são

agora os detentores do poder).145

Todas estas evoluções e modificações não pressupõem o fim do capitalismo. De facto, a

Sociedade em Rede é, por enquanto, visivelmente capitalista. No entanto, esta forma capitalista

consegue revolucionariamente configurar as relações sociais em todo o mundo, tendo agora

duas características fundamentais, é global e está estruturada significativamente em volta de

uma rede de fluxos financeiros.146 Como acentua Castells, “O capitalismo financeiro precisa de

se apoiar nas novas tecnologias para poder operar e competir em conhecimento e

informação”147. Neste contexto, as relações sociais entre capital e trabalho estão

verdadeiramente mudadas. Efectivamente, o capital é global, mas o trabalho continua a ser

local. “O informacionalismo, na sua realidade histórica, leva à concentração e globalização do

capital, precisamente pelo uso do poder descentralizador das redes. A mão-de-obra está

desagregada no desempenho, fragmentada na organização, diversificada na existência, dividida

na sua acção colectiva”148. Os trabalhadores tornam-se progressivamente mais individualizados.

Todavia, estes processos de mutação afectam também, de modo intenso, a cultura e o poder. Os

produtos culturais são difundidos, cada vez mais, por redes de comunicação electrónica. Pelo

peso crescente dos media, a política focaliza-se na conquista de um espaço mediático: “A

liderança personaliza-se e a produção de imagem é produção do poder”149.

144 Ibidem.145 Idem, pp. 607-608.146 Idem, p. 608.147 Idem., p. 609.148 Idem, p. 612.149 Idem, p. 613.

55

Page 57: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Considerando um estado mais penetrante, os próprios fundamentos materiais da sociedade, do

espaço e do tempo encontram-se em mutação, dispondo-se em volta do espaço de fluxos e de

um tempo intemporal. Com efeito, “as funções dominantes são organizadas em redes próprias

de um espaço de fluxos que as liga em todo o mundo, enquanto fragmenta funções subordinadas

e indivíduos, no espaço de múltiplos lugares, feitos de locais cada vez mais segregados e

desligados uns dos outros”150. Assim, a Sociedade em Rede corresponde a uma modificação

qualitativa da experiência humana, mas parece sucessivamente uma “metadesordem social à

maioria dos indivíduos”151. De facto, como precisa o autor, segundo a antiga tradição

sociológica, o social (numa análise elementar) podia ser compreendido como a transformação

do tipo de relações entre a natureza e a cultura. Nesta nova era, a natureza deixa de dominar a

cultura, a cultura sobrepõe-se. Portanto, conjugando a evolução histórica com a modificação

tecnológica, estamos perante um paradigma puramente cultural de interacção e organização

social. Isto ocorre, porque a informação é o elemento fulcral da nossa organização social e os

fluxos de mensagens entre redes representam a ligação basilar da nossa estrutura social.

Consequentemente, “a história está apenas a começar, se por história entendermos o momento

em que, após milénios de uma batalha pré-histórica com a natureza, a nossa espécie tenha

alcançado o nível de conhecimento e de organização que nos permitirá viver num mundo

predominantemente social”152. E este mundo pode ser animador ou desolador.

Manuel Castells avança ainda com uma premissa fundamental, a que a tecnologia e a sociedade

se transformam mutuamente. A Internet mudou o nosso modo de comunicar, tal como, os

indivíduos pela sua utilização modificaram a própria Internet. Desta forma, Jorge Xavier frisa a

relevância de se estudar não só o impacto da Internet na sociedade, como vice-versa, “(…) a

Internet não se confina a uma simples ferramenta, é um meio essencial para a Sociedade em

Rede disseminar a sua lógica. Este é um caso claro de co-evolução entre tecnologia e estruturas

sociais, cujos contornos e implicações importa aferir”153. Ainda, a propósito da Sociedade em

Rede, Wellman indica o que considera ser o fenómeno social emergente com maior importância,

ou seja, o individualismo em rede. Segundo este autor, as TIC modificam a forma de

relacionamento humano, isto é, a Internet (e mais recentemente a Internet sem fios e os

telemóveis) tornam-nos mais independentes do local e mais autónomos face ao grupo. Portanto,

“o indivíduo tornou-se o portal”154. O indivíduo alcança uma maior mobilidade, enquanto 150 Idem, p. 614.151 Ibidem. 152 Idem, p. 615.153 Jorge Xavier, op. Cit., p. 18.154 Barry Wellman, “Physical Place and Cyber-Place: The Rise of Networked Individualism”, International Journal for Urban and Regional Research, 25, 2001.

56

Page 58: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

assume um papel de maior relevância no grupo, constituindo as suas próprias redes de

relacionamento. “Assim, o impacto das TIC tem contribuído para o aumento do individualismo

e para o aprofundar do relacionamento social. Não há aqui qualquer paradoxo. Trata-se apenas

de novas formas de relacionamento, numa rede mais complexa, mais capilar e capaz de

promover uma maior diversidade de comunidades”155. Simultaneamente, o território, o espaço

físico mantêm-se crucial, como poderemos verificar ao longo desta investigação.

2. Iniciativas para a Sociedade da Informação

a. As Políticas Europeias

É fundamental frisar que as iniciativas estruturais para a Sociedade da Informação são

claramente de cariz político. De facto, como refere Nuno Almeida Alves, “(…) entende-se a

construção da Sociedade da Informação e do Conhecimento, em Portugal como em qualquer

outro país, como um processo essencialmente político, de grande intensidade programática, que

procura implementar o procedimento de ajustamento estrutural decorrente da instalação do novo

“paradigma técnico-económico” induzido, enquanto “factor chave”, pelas Tecnologias de

Informação e de Comunicação”156. Portanto, em seguida, alude-se primeiramente às iniciativas e

programas da União Europeia e posteriormente às acções realizadas pelos diferentes governos

portugueses.

As primeiras orientações para o desenvolvimento de uma Sociedade da Informação e a sua

primeira abordagem estratégica surgem, em Dezembro de 1993, no Livro Branco da Comissão

Europeia sobre o crescimento, competitividade e emprego. Este documento nasce da

necessidade de uma estratégia para o combate ao desemprego, já evidenciado no Conselho

Europeu de Copenhaga, enumerando as oportunidades criadas pelos avanços tecnológicos como

um dos indispensáveis elementos a considerar para um desenvolvimento sustentado europeu. De

facto, a última das cinco prioridades estipuladas é precisamente “preparar o futuro e estabelecer

as bases para a Sociedade da Informação”. Esta premissa e a anterior, ou seja, “Criar redes

transeuropeias” são percepcionadas como fulcrais para a competitividade e para o

aproveitamento do progresso tecnológico direccionado para o emprego e para a melhoria de

qualidade de vida dos cidadãos.157

155 Jorge Xavier, Luís Borges Gouveia e Joaquim Borges Gouveia, “Gaia Global – O Cidadão como Umbigo da Cidade Digital”, in Luís Borges Gouveia, Cidades e Regiões Digitais. Impacte nas cidades e nas pessoas, Fundação Fernando Pessoa, Porto, p. 140.156 Nuno Almeida Alves, A Construção de Sociedades da Informação e do Conhecimento no Âmbito do Processo de Mudança Estrutural das Sociedades Contemporâneas, Dissertação de Doutoramento em Sociologia, ISCTE, 2005, p. 227.157 Comissão Europeia, Livro Branco, 1993.

57

Page 59: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Após esta iniciativa, no Conselho Europeu de Bruxelas, realizado em Dezembro de 1993,

solicitou-se a constituição de um grupo de peritos para a elaboração de um relatório sobre a

Sociedade da Informação, documento de trabalho para ser analisado e discutido no Conselho

Europeu de Corfu (Julho 1994). Este grupo de especialistas era presidido pelo Comissário

Martin Bangemann e as suas conclusões foram coligidas no Europe and Global Information

Society – Bangemann Report Recommendations to the European Council. O documento

evidenciava que a revolução da informação era fundamental para a Europa, e embora esta

mudança já estivesse em curso e fosse uma necessidade concorrencial, a Comunidade Europeia

não dispunha ainda de uma estratégia para a Sociedade da Informação. Era visível a

interrogação acerca da capacidade da comunidade de elaborar políticas comuns neste âmbito. As

potencialidades da Sociedade da Informação são devidamente enaltecidas, nomeadamente o

fortalecimento da competitividade; a criação de emprego; novas formas organizacionais de

trabalho; a melhoria da qualidade de vida; a defesa do meio ambiente; o aumento da eficiência e

eficácia dos serviços públicos e a resposta às necessidades sociais, cada vez mais, prementes.

Este importante relatório vai ser a base da formulação de todas as políticas da Europa e dos

Estados Membros, com vista a uma Sociedade da Informação.158

O relatório demonstrava dez elementos-chave ou aplicações da nova era:

Tele-trabalho;

Ensino à distância;

Rede de universidades e centros de investigação;

Serviços telemáticos para as PME;

Gestão do tráfego rodoviário;

Controlo do tráfego aéreo;

Redes para os cuidados de saúde;

Informatização dos concursos públicos;

Rede transeuropeia de administrações públicas;

Auto-Estradas da informação nas cidades.

Assim, para se alcançar estes objectivos, é frisado o tipo de investimento requerido, ou seja, o

sector privado e as forças de mercado serão os elementos propulsores da Sociedade da

158 Bangemann et al., Europe and Global Information Society – Bangemann Report Recommendations to the European Council, 1994.

58

Page 60: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Informação na Europa, quanto ao investimento público, este intervirá na Sociedade da

Informação como adaptador de fundos e não como fonte de maior investimento.159 Se

efectivamente as aplicações enumeradas indicam áreas de actuação ainda cruciais

presentemente, significa que o relatório é actual passados onze anos, ou que a evolução prevista

encontrou obstáculos que atrasaram significativamente o processo. O investimento público,

opostamente ao definido, teve um papel preponderante, até porque, o mercado não estava

preparado para a única impulsão do sector privado. A este propósito, Ângelo Estrela coloca uma

questão capital, isto é, “(…) até que ponto uma estratégia que se pretende impulsionada pelo

mercado se enquadra nos objectivos definidos como prioritários pela Comissão Europeia”160.

Decorrente do Conselho Europeu de Corfu e do relatório Bangemann, a Comissão Europeia

apresenta ainda neste ano a Europe`s Way to the Information Society – An Action Plan, onde

destaca quatro áreas de intervenção, concretamente, o quadro legal e regulamentação; redes,

serviços básicos, aplicações e conteúdos; aspectos sociais e culturais e actividades de

promoção.161 O plano ressalta também a liberalização do mercado e o aumento e a melhoria das

infra-estruturas de comunicações. Dois anos mais tarde, cria-se o Conselho Europeu para a

Sociedade da Informação e um pacote de medidas que visa a liberalização do mercado de

telecomunicações até 1 de Janeiro de 1998. Desta forma, foram determinadas quatro premissas

que originaram o plano de acção Europe at the Forefront of the Global Information Society:

Rolling Action Plan.162

Quadro 4 – Linhas de Acção do “Rolling Action Plan”

Melhoria do Ambiente Empresarial

Baseada na liberalização total do mercado das telecomunicações, transparência de mercado, esforço para a integração das empresas na Sociedade da Informação.

Investir no Futuro Orientação de programas, planos e investigações para a Sociedade da Informação, constituição de políticas para o ensino.

Prioridade à Dimensão Humana

O cidadão é o âmago de todas as políticas tomadas para a Sociedade da Informação, a coesão social, as necessidades, interesses e expectativas dos cidadãos são centrais.

Enfrentar o Desafio Global Promover e garantir a cooperação extra-159 Idem.160 Ângelo Estrela, op. Cit, p. 20.161 Comissão Europeia, Europe`s Way to the Information Society – An Action Plan, 1994.162 Comissão Europeia, Europe at the Forefront of the Global Information Society: Rolling Action Plan, 1996.

59

Page 61: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

comunitária.

Fonte: Comissão Europeia, Europe at the Forefront of the Global Information Society:

Rolling Action Plan, 1996.

A reformulação do plano de acção anterior passou pela elaboração de quatro documentos para o

Conselho Europeu de Dublin (1996), nomeadamente:

“As Implicações da Sociedade da Informação para as Políticas da União Europeia”;

“Viver e Trabalhar na Sociedade da Informação: Prioridade à Dimensão Humana”;

“A Normalização e a Sociedade da Informação”;

“Transparência da Regulação no Mercado Interno dos Serviços da Sociedade da

Informação”.

Em 1999, foi anunciada a comunicação eEurope – Sociedade da Informação para todos, sendo

apresentada no Conselho Europeu Especial de Lisboa, em Março de 2000. Este documento

representou uma adaptação das políticas europeias à realidade da união, em matéria de

Sociedade de Informação, retratando o atraso da evolução dos Estados-Membros neste âmbito.

A iniciativa eEurope foi lançada, consistindo na base da política da Comissão Europeia e de

todos os países membros, marcando a tendência de actuação até aos dias de hoje. No relatório

são indicados os factores que estariam a impedir a União Europeia de aderir rapidamente às

TIC, nomeadamente:

O acesso normalmente dispendioso, inseguro e lento à Internet e comércio electrónico;

Uma insuficiente população em linha e sem competências adequadas;

Falta de uma cultura suficientemente dinâmica, empresarial e orientada para os serviços;

Um serviço público que não tem um papel razoavelmente activo que possibilite o

desenvolvimento de novos serviços e aplicações. 163

Com efeito, estes elementos restritivos tinham já sido encontrados em 1994. Desde essa data até

1999, a inércia era a característica predominante na União. Assim, tal como patenteia o eEurope,

tornou-se necessário determinar uma estratégia de antecipação. Desta forma, os objectivos

delineados eram os seguintes:

163 Comissão Europeia, eEurope – Sociedade da Informação para todos, 1999.60

Page 62: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Colocar todos os cidadãos, todas as famílias e escolas, todas as empresas e todos os

órgãos da Administração Pública na era digital e em linha;

Criar uma Europa digitalmente instruída, apoiada por uma cultura empresarial pronta a

financiar e a desenvolver novas ideias;

Assegurar que todo o processo seja socialmente abrangente, ganhe a confiança dos

consumidores e reforce a coesão social.

Relativamente às acções propostas pela iniciativa em análise, enumeram-se:

Entrada da juventude europeia na era digital;

Acesso mais barato à Internet;

Acelerar o comércio electrónico;

Internet rápida para investigadores e estudantes;

Cartões inteligentes para acesso electrónico seguro;

Capital de risco para as PME´s de alta tecnologia;

eParticipação das pessoas com deficiência;

Cuidados de saúde em linha;

Transportes Inteligentes;

Governos em Linha.164

Desta iniciativa, resultou o plano de acção eEurope 2002, elaborado para o Conselho Europeu

da Feira, que decorreu em Junho de 2000. Este plano foi largamente influenciado pela designada

Estratégia de Lisboa, definida no Conselho Europeu Especial em Lisboa (Março de 2000) onde

se estabeleceu o objectivo de até 2010, se tornar a Europa a economia do conhecimento mais

competitiva e dinâmica do mundo, com melhoria no emprego e na coesão social. O plano

determina três objectivos prioritários para acelerar a Sociedade da Informação, sendo as dez

acções ajustadas às metas do Conselho de Lisboa. O quadro seguinte ilustra a sua estrutura:

Quadro 5 – Estruturas de Acções para o Plano eEurope 2002

OBJECTIVOS ACÇÕES eEUROPE

Uma Internet mais barata,

mais rápida e segura.

Acesso mais barato e mais rápido à Internet Acção 2

Internet mais rápida para investigadores e

estudantes

Acção 4

164 Idem.61

Page 63: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Redes seguras e cartões inteligentes Acção 5

Investir nas pessoas e nas

qualificações

Entrada da juventude europeia na era digital Acção1

Trabalhar na economia do conhecimento Nova

Participação de todos na economia do

conhecimento

Acção 7

Estimular a utilização da

Internet

Acelerar o comércio electrónico Acção 3

Administração em linha Acção 10

Cuidados de saúde em linha Acção 8

Conteúdos digitais europeus para as redes

mundiais

Nova

Sistemas de transporte inteligente Acção 9

Fonte: Ângelo Estrela, op. cit., p.24.

O plano de acção eEurope 2005: Uma Sociedade da Informação para Todos, preparado para o

Conselho Europeu de Sevilha (Junho 2002) substituiu o eEurope 2002. Embora, tenha sido

elaborado em consonância com os objectivos do programa anterior, o eEurope 2005 avaliou as

iniciativas efectuadas entre 2000 e 2002 e adequou novas acções à realidade europeia. As

grandes modificações ocorreram como consequência do aparecimento da banda larga e como

resposta à carência de criação de emprego e serviços.165 Com efeito, avaliando o eEurope 2002,

o documento eEurope 2005 demonstra que:

Quadro 6

165 Comissão Europeia, eEurope 2005: Uma Sociedade da Informação para Todos, 2002.62

Page 64: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Fonte: eEurope 2005

Efectivamente, embora a concretização dos objectivos do eEurope 2002 tenham sido, na sua

maioria, alcançados, a Sociedade de informação tem ainda muitas potencialidades por explorar,

que poderão aumentar a produtividade e melhorar a qualidade de vida dos cidadãos.

Potencialidades estas, que ascendem com os progressos tecnológicos do acesso

multiplataformas e em banda larga. Progressos esses, que criam novas oportunidades

económicas e sociais: novos serviços, aplicações, conteúdos, mercados, emprego e crescimento.

O plano de acção eEurope assenta em dois grupos de acções que se fortalecem reciprocamente.

Assim, por um lado, pretende estimular serviços, aplicações e conteúdos, abrangendo serviços

públicos em linha e negócios electrónicos; por outro, aborda as questões subjacentes da infra-

estrutura e banda larga e da segurança.166 Desta forma, em 2005, a Europa deveria ter:

I -Serviços públicos modernos em linha;

Administração Pública em linha;

166 Idem.63

Page 65: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Serviços de saúde em linha;

Serviços de educação em linha;

II – Um ambiente dinâmico de negócios electrónicos;

III – E como elementos determinantes para estes objectivos:

Disponibilidade generalizada de acesso em banda larga a preços competitivos;

Uma Infra-estrutura de Informação segura.

Para efectivar estes objectivos, o plano de acção contempla quatro ferramentas, nomeadamente:

1. Medidas Políticas;

2. Boas Práticas;

3. Avaliação de Desempenhos;

4. Coordenação Global das Políticas Existentes.

Inicialmente, tomam-se medidas políticas para rever e ajustar a legislação a nível nacional e

europeu, assegurando-se que a legislação não dificulta inutilmente os novos serviços, reforçando

a concorrência e a interoperabilidade, melhorando o acesso a uma diversidade de redes e

reiterando liderança política. O eEurope 2005 demonstra as áreas em que a tomada de medidas

políticas poderá obter valor acrescentado:

Ligação das administrações públicas, escolas e cuidados de saúde em banda larga;

Serviços públicos interactivos, acessíveis para todos e oferecidos em múltiplas

plataformas;

Oferta de serviços de saúde em linha;

Eliminação dos obstáculos à implantação de redes de banda larga;

Revisão da legislação que afecta os negócios electrónicos;

Criação de uma task force para a cibersegurança.

Com efeito, evidenciam-se sete acções prioritárias:

Banda Larga (Broadband);

Segurança (Security);

Inclusão (e-Inclusion);64

Page 66: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Administração Pública em linha (e-government);

Ensino em linha (e-learning);

Saúde em linha (e-health);

Negócios em linha (e-business).

Posteriormente, o eEurope facultaria o intercâmbio de experiências, de boas práticas e de

projectos de demonstração, passando também pela partilha dos ensinamentos oriundos dos

insucessos. Em terceiro lugar, as medidas políticas seriam conduzidas e orientadas através da

avaliação de desempenhos. Por fim, proceder-se-ia a uma coordenação global das políticas

existentes para se encontrar sinergias entre as acções propostas.167 Em Maio de 2004 é publicada

uma actualização do eEurope 2005, onde são enfatizados os grandes objectivos do plano, mas

são acrescentados complementarmente quinze acções. Estas acções propostas não modificam a

estrutura ou orgânica do plano de acção, na medida em que, são formulados para alcançar os

objectivos específicos do eEurope 2005 e para acelerar o seu progresso. Desta forma, enumera-

se:

1. Os novos Estados Membros devem adoptar estratégias nacionais de implementação de

banda larga até ao final de 2004.

2. Durante 2004, a Comissão irá organizar o “Digital Divide Fórum” e produzir um

primeiro relatório em meados de Setembro de 2004.

3. Durante 2004, a Comissão irá analisar o processo do IPv6 (Novo Protocolo de Internet) e

publicar o respectivo relatório.

4. Identificar, no final de 2005, uma lista detalhada das prioridades para uma ampla

utilização e exploração de soluções de TIC para os serviços públicos na Europa.

5. Aplicar um enquadramento de boas práticas para o governo electrónico a meio de 2005.

6. A compilação de uma lista das melhores práticas de interoperabilidade na e-saúde pelo

final de 2005.

167 Idem.65

Page 67: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

7. Estabelecimento, no final de 2005, de um mapa das actividades para promover uma co-

operação mais estreita entre os accionistas de educação, formação, investigação e

industria e o sector público.

8. A Comissão irá apresentar um relatório analisando o processamento e os efeitos da

directiva sobre a assinatura electrónica, com o objectivo de promover a e-assinatura.

9. No final de 2005, será autorizada e certificada a impressão digital para pagamentos

móveis.

10. Durante 2004, o Alto Grupo de Gestão dos Direitos Digitais fornecerá uma visão global

dos desafios tecnológicos, económicos e legais dos direitos digitais e recomendações

estratégicas para se passar do diálogo para a acção.

11. Criar as condições apropriadas para um Centro de Interoperabilidade Empresarial

(Enterprise Interoperability Centre) e para o tornar operacional no final de 2005.

12. Estabelecer, no final de 2005, uma base de dados com as melhores práticas de PMEs no

que diz respeito ao e-negócio (e-business).168

Apesar de uma avaliação positiva do impacto do eEurope 2005, era necessário persistir nestes

objectivos, continuar e desenvolver medidas, reformular directivas e apresentar novas soluções.

Assim, em Junho de 2005, é publicada a versão final da comunicação i2010 – A European

Information Society for growth and employment169, iniciativa que se baseia nas directrizes do

Conselho Europeu da Primavera de 2005, que definiu o conhecimento e a inovação como

grandes motores do crescimento sustentado e considerou essencial o desenvolvimento da

Sociedade de Informação de forma inclusiva, baseada na utilização generalizada das

Tecnologias de Informação e Comunicação nos serviços públicos, nas empresas e nos agregados

familiares. Neste documento, a Comissão Europeia propõe então um novo enquadramento

estratégico, que promove uma economia digital aberta e competitiva e enfatiza as TIC como

motor de inclusão e de qualidade de vida. Funcionando como um elemento chave da renovada

168 Comunicação da Comissão Europeia, eEurope 2005 Action Plan: An Update, 9675/04, Telecom 104, 19 de Maio de 2004.169Comunicação da Comissão Europeia, i2010 – A European Information Society for growth and employment, COM (2005) 229 Final, 1 de Junho de 2005.

66

Page 68: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

estratégia de Lisboa para o emprego e crescimento, o plano i2010 assenta numa abordagem

integrada da Sociedade da Informação e das políticas de media e audiovisual na União Europeia.

Baseando-se numa análise dos desafios da Sociedade da Informação e das anteriores iniciativas

e instrumentos, a Comissão propõe três prioridades:

1. Um Espaço Único de Informação Europeu, que promove um mercado interno aberto e

competitivo para a Sociedade da Informação e Media e oferece ligações de banda larga

seguras e acessíveis, com conteúdos ricos e diversos e serviços digitais (assente na

velocidade, conteúdos, interoperabilidade e segurança).

Assim, o i2010 para o Espaço Único de Informação Europeu irá acelerar os resultados

económicos de uma convergência digital, através das medidas:

Quadro 7 – Medidas para o Espaço Único de Informação Europeu

Fonte: i2010 – A European Information Society for growth and employment.

2. O reforço da Inovação e do Investimento na investigação e desenvolvimento das TIC,

de forma a promover o crescimento e mais e melhores empregos.

67

Rever o enquadramento regulador das comunicações electrónicas (2006), incluindo a definição de uma eficiente gestão estratégica (2005).

Criar um consistente enquadramento para o mercado interno da Sociedade da Informação e dos media através da:

Modernização do enquadramento legal para os serviços áudio – visuais, começando com a proposta da Comissão em 2005 para a revisão da directiva “Televisão Sem Fronteiras”;

Análise e Adaptação (se necessária) para a comunidade acquis que afecta a Sociedade da Informação e os serviços dos media;

Promoção activa, rápida e eficiente da implementação das existentes e actualizadas acquis que governam a Sociedade da Informação e os media.

Suporte continuado para a criação e circulação dos conteúdos europeus.

Definir e implementar uma estratégia para uma Sociedade da Informação Europeia segura (2006).

Identificar e promover acções direccionadas para a interoperabilidade, tendo em particular consideração a gestão dos direitos digitais (2006/2007).

Page 69: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Em suma, o lançamento da agenda i2010 para o crescimento do investimento em investigação e

inovação, a Comissão irá:

Quadro 8 – Medidas para o reforço da Inovação e do Investimento

Fonte: i2010 – A European Information Society for growth and employment.

3. Alcançar uma Sociedade da Informação Europeia Inclusiva, que promova o

crescimento e o emprego, de modo consistente com um desenvolvimento sustentável e

que dê prioridade a melhores serviços públicos e a uma melhor qualidade de vida.

Portanto, para lançar a agenda social i2010, a Comissão efectuará:

Orientação política dos assuntos sobre a e-acessibilidade e cobertura da banda larga

(2005);

68

Propor um aumento de 80% no apoio à comunidade de investigação das TIC até 2010 e convidar os estados-membros a realizar o mesmo.

Priorizar a investigação estratégica em TICs, sobretudo no que respeita os pilares tecnológicos chave do FP7. (7th Framework Programme, é o principal instrumento da U.E. para financiamento de investigação e desenvolvimento. O FP7 irá iniciar-se em Janeiro de 2007 e terminará em 2013, sendo o primeiro FP desde 1984 com sete anos de execução. Tem como grandes objectivos a formação de uma área de investigação europeia assente no desenvolvimento de uma economia e sociedade do conhecimento na União Europeia).

Lançar a pesquisa e o desenvolvimento de iniciativas para ultrapassar os obstáculos que requerem soluções simultaneamente tecnológicas e organizacionais (2006).

Definir complementarmente medidas para encorajar os investimentos privados em investigação e inovação em TIC (2006).

Realizar propostas específicas para uma Sociedade da Informação para todos segundo as Orientações Estratégicas Comunitárias para a Coesão (2007-2013).

Definir políticas para o e-negócio, com o intuito de remover as barreiras tecnológicas, organizacionais e legais para a adopção das TIC, com uma atenção específica nas PMEs.

Desenvolver ferramentas para apoiar os novos padrões de trabalho que

Page 70: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Proposta para uma iniciativa europeia sobre e-Inclusão (2008);

Adopção de um plano de acção para o governo electrónico e orientações estratégicas de

TIC para facilitar os serviços públicos (2006);

Lançamento de projectos-piloto para testar a escala operacional, tecnológica, legal e

organizacional e soluções para colocar os serviços públicos em linha (2007);

Definir três iniciativas modelo da “qualidade de vida” oferecida pelas TIC como passos

iniciais (2007).

O plano de acção i2010 apela inteiramente ao novo ciclo de governação de Lisboa. Com efeito,

a União Europeia deu um novo impulso à Estratégia de Lisboa, enfatizando a importância de

uma parceria para o crescimento e o emprego. Deste modo, o i2010 contribuirá para uma

Europa mais atractiva, em termos de investimento e bens e serviços baseados no conhecimento.

No entanto, cada actor tem um papel específico neste projecto, nomeadamente a Comissão

Europeia, através do Programa Comunitário de Lisboa e particularmente através do i2010, liderá

o desenvolvimento de propostas para actualizar os quadros reguladores para as comunicações

electrónicas, Sociedade da Informação e Media, de forma a explorar todas as potencialidades do

mercado interno; usará os instrumentos financeiros comunitários para estimular o investimento

na investigação estratégica e para superar os obstáculos para a difusão da inovação das TIC e,

por fim, apoiará políticas direccionadas para a e-inclusão e a qualidade de vida.170

Aos Estados-membros (através dos Programas de Reformas Nacionais a serem adoptados em

meados de Outubro de 2005) cabe definir as prioridades da Sociedade da Informação em

consonância com as orientações integradas para o crescimento e emprego, que evidenciam a

importância das infra-estruturas e capacidades das TIC e a importância das TIC para o emprego

e a educação. Estes programas poderão ajudar os países membros a assegurar uma rápida e

meticulosa transposição dos novos quadros reguladores de forma a afectar a convergência

digital com ênfase em mercados abertos e competitivos; a aumentar a investigação sobre as TIC

no orçamento nacional; a desenvolver modernas e interoperáveis TIC que facilitem os serviços

públicos; a usar o seu considerável poder de compra como força para a inovação em TIC e

adoptar metas ambiciosas para o desenvolvimento de uma Sociedade da Informação a nível

nacional. Outros accionistas devem envolver-se num diálogo aberto e construtivo com o

desígnio de apoiar uma inovadora Sociedade do Conhecimento. Uma mensagem especial é

dirigida aos parceiros industriais, que devem contribuir para aumentar os investimentos na

170 Idem.69

Page 71: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

investigação e desenvolvimento das TIC, enquanto esforços construtivos devem ser efectuados

em áreas onde existem barreiras críticas ao desenvolvimento da economia digital.171

Assim, com o i2010, a Comissão lança uma nova aproximação a uma política integrada da

Sociedade da Informação. Totalmente em linha com o novo ciclo de governação da relançada

Estratégia de Lisboa, o i2010 contribuirá para o objectivo fulcral de Lisboa, ou seja, de um

crescimento e emprego sustentável.172

b. As Políticas Portuguesas

Portugal, como Estado-membro, seguiu as políticas europeias definidas, e como tal, tentou

respondeu às pressões da União Europeia, no que diz respeito, ao estabelecimento e

desenvolvimento da Sociedade da Informação. Assim, aplicou as directrizes e orientações dos

planos de acção eEurope, da Estratégia de Lisboa e da nova iniciativa i2010, de forma a

demonstrar a mobilização para a nova era. A primeira abordagem estruturada da Sociedade da

Informação em Portugal ocorre no âmbito do XIII Governo Constitucional (1995-1999).

Contudo, é pertinente sublinhar que, em 1987, nasceu a Fundação para a Computação Científica

Nacional (FCCN), instituição pública que desde a sua génese teve um papel fulcral na

construção da Sociedade da Informação. O XIII Governo Constitucional cria o Ministério da

Ciência e Tecnologia, que tem como responsabilidade o acompanhamento e a dinamização da

Sociedade da Informação. As Grandes Opções do Plano para 1996 determinavam quatro eixos

basilares de desenvolvimento da Sociedade da Informação no nosso país, nomeadamente o

reforço da infra-estrutura tecnológica; o desenvolvimento da oferta e utilização das tecnologias

de informação e comunicação; a utilização das TIC na Administração Pública e a formação.173

Por sua vez, o Ministério solidifica a sua estratégia na Iniciativa Nacional para a Sociedade da

Informação, organizada em torno de quatro grandes eixos de intervenção, o “Estado Aberto”, o

“Saber Disponível”, a “Escola Informada” e a “Empresa Flexível”. São identificadas três áreas

prioritárias, concretamente, a rede científica e académica nacional; a preparação da escola para a

Sociedade da Informação e as relações entre a administração e os cidadãos. O Ministério da

Ciência e Tecnologia institui também a “Missão para a Sociedade da Informação”, criada em

resolução do Conselho de Ministros.174 A Missão para a Sociedade da Informação representava a

primeira estrutura de apoio à Sociedade da Informação. Desta forma, conduziu a elaboração e

171 Idem.172 Ibidem.173 Lei da Assembleia da República, n.º 10-A/96, de 23 de Março.174 Resolução do Conselho de Ministros n.º 16/96, de 21 de Março de 1996.

70

Page 72: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

publicação, em 1997, do Livro Verde para a Sociedade da Informação. Neste documento,

realizou-se um primeiro balanço do estado da Sociedade da Informação na Administração

Pública portuguesa. Foi efectivamente o primeiro grande momento de tomada de consciência do

problema e da oportunidade.175

Entre 1996 e 1999, prosseguiram-se importantes iniciativas, nomeadamente, a criação da Rede

Ciência, Tecnologia e Sociedade (RCTS); o lançamento do Programa Cidades Digitais; a

aprovação de um regime de deduções fiscais para aquisição de computadores, software e acesso

à Internet em casa; a Iniciativa Nacional para o Comércio Electrónico; a aprovação de

legislação sobre a Assinatura Digital e a Factura Electrónica e a Iniciativa Nacional para os

Cidadãos com Necessidades Especiais na Sociedade de Informação. A avaliação das acções do

XIII Governo não se afigura linear, nem rigorosa, uma vez que, muitas das medidas estavam

ainda em execução em 1999 e não se tinha definido a priori indicadores de realização. Contudo,

Nuno Almeida Alves, frisa que a Missão para a Sociedade da Informação evidenciou um papel

pouco interventivo e bastante discreto. Com efeito, apesar de algumas importantes

concretizações, “Do volume de papel impresso e de documentos electrónicos on-line e off-line

produzidos sobram poucas realizações concretas”176. Efectivamente, o Programa Internet na

Escola parece ter sido o que agregou maior índice de realização. No caso das cidades digitais,

destaca-se essencialmente o Aveiro Digital, que reiterou a importância da acção dos agentes

locais, concretamente a Universidade de Aveiro, a Portugal Telecom Inovação e a Câmara

Municipal de Aveiro, em detrimento da iniciativa do Estado Central. De facto, o governo

electrónico local tem um papel crucial no âmbito das cidades e regiões digitais. Neste período,

observava-se a existência de um número bastante diminuto de cidades digitais e respectivos

programas, o que conferiam pouco dinamismo, consistência e orgânica ao projecto.

Ainda durante 1998 e 1999, foi preparado o Livro Branco do Desenvolvimento Científico e

Tecnológico Português (1999-2006), onde se levantaram necessidades e oportunidades de

desenvolvimento científico e tecnológico, abrangendo os elementos relativos à Sociedade de

Informação. Esta iniciativa foi realizada por um vasto processo de participação que abarcou

inúmeros actores, nomeadamente a comunidade científica; profissionais de ciência e tecnologia;

universidades; organismos públicos e privados; empresas; associações empresariais e

profissionais; autoridades locais e regionais e contando particularmente com as contribuições

175 Missão para a Sociedade da Informação, Ministério da Ciência e Tecnologia, Livro Verde para a Sociedade da Informação, 1997, Lisboa.176 Nuno Alexandre de Almeida Alves, op. Cit., p. 242.

71

Page 73: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

recebidas no “Fórum Permanente de Política Científica e Tecnológica” criado, em 1998, na

Internet.177

O XIV Governo Constitucional, que toma posse no último trimestre de 1999, mantém no

Ministério da Ciência e Tecnologia o mesmo Ministro do governo anterior, reforçando a

orientação política e programática iniciada precedentemente. Contudo, a diferenciação da acção

política do XIV Governo assenta na implementação de três programas, nomeadamente a

Iniciativa Internet, o Programa Operacional Sociedade da Informação (POSI) e o plano

europeu eEurope 2002. Estes programas influenciam decisivamente a estruturação da Sociedade

da Informação, assim como, influem nos planos legislativo e institucional. Foi criada a

“Comissão Interministerial para a Sociedade de Informação” e lançada a Iniciativa Internet, que

impulsionou a acção pública e a iniciativa privada, direccionando-se para a inclusão social e

para a dinamização da cooperação internacional. Em paralelo, foi criado um “Sistema de

Informação Estatística” para acompanhamento dos desenvolvimentos no domínio da Sociedade

de Informação. A equipa do Ministério da Ciência e Tecnologia preparou a implementação e

desenvolvimento do eEurope 2002 e a definição e negociação do POSI, que se inseriu no III

Quadro Comunitário de Apoio 2000-2006, aprovado em Julho de 2000.178 As Grandes Opções

do Plano para o ano de 2000 parecem ser a evidência de um novo alento nas políticas para a

Sociedade da Informação. O plano dividia-se em quadro grandes linhas de acção,

“Acessibilidades e Conteúdos”, “Estado Aberto: Modernizar a Administração Pública”,

“Portugal Digital” e “Desenvolver Competências”. 179

Enquadrado no POSI, lançou-se em 2001, o concurso público para a generalização do Programa

Cidades e Regiões Digitais e estabeleceu-se os primeiros Espaços Internet públicos, importantes

meios de acesso à Internet e de formação de competências básicas em TIC. Ainda em 2001 foi

aprovado o Decreto-Lei que criou o “Diploma de Competências Básicas em Tecnologias de

Informação” e a “Comissão Interministerial para a Sociedade de Informação” abriu concurso

para a avaliação dos sítios na Internet de organismos integrados na administração directa e

indirecta do Estado. De acordo, com dados publicados, no final de 2001, todas as escolas do país

estavam ligadas à Internet.180 Em Abril de 2002, o Primeiro – Ministro Eng.º António Guterres

demite-se, o Parlamento é dissolvido e convocam-se eleições legislativas antecipadas. Os dois

177Programa de Acção integrado no Plano Tecnológico do XVII Governo: Mobilizar a Sociedade da Informação e do Conhecimento, Ligar Portugal, http://www.ligarportugal.pt.178 Idem.179 Lei da Assembleia da República n.º 3-A/2000 de 4 de Abril.180 Plano de Acção Ligar Portugal, www.ligarportugal.pt

72

Page 74: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

anos de mandato deste governo e as acções tomadas no que respeita a Sociedade da Informação

evidenciam uma continuidade da orientação governamental anterior. A modificação essencial

diz respeito ao POSI, programa que se mostrou crucial para o desenvolvimento da Sociedade da

Informação no nosso país, e também, à Iniciativa Internet. No entanto, por exemplo, a regulação

dos serviços de telecomunicações e dos prestadores de serviços de Internet ficou por realizar.

Assim, o XV Governo Constitucional (2002-2004), composto pela coligação entre o Partido

Social-democrata e o Centro Democrático Social-Partido Popular, reitera uma modificação na

estratégia de desenvolvimento da Sociedade da Informação no nosso país. No entanto, como

patenteia Nuno Almeida Alves, “(…) é possível observar que as alterações processadas se

inscrevem mais na alteração do discurso e da estrutura de coordenação política do que no

conjunto das políticas efectivamente implementadas”181. Quanto, às Grandes Opções do Plano

para 2003, à semelhança do programa do governo são determinadas cinco linhas de acção,

nomeadamente o governo electrónico; o acesso generalizado à Internet; o desenvolvimento da

Economia Digital; o desenvolvimento das TIC e o desenvolvimento da segurança digital.182 A

tutela política sobre a Sociedade da Informação passa a ser da responsabilidade do Ministro-

Adjunto do Primeiro-ministro. Deste modo, em Novembro de 2002, é criada a “Unidade de

Missão Inovação e Conhecimento” (UMIC), na dependência directa do Ministro-adjunto do

Primeiro-ministro. Sendo a estrutura de apoio ao desenvolvimento da política governamental em

matéria de inovação, Sociedade da Informação e governo electrónico.183 No mesmo período é

instituída a “Comissão Interministerial para a Inovação e Conhecimento”, que integra

representantes de todos os ministérios a quem compete propor, de forma calendarizada,

estratégias e desenvolvimento integrado para a inovação, a Sociedade da Informação e o

governo electrónico. Têm ainda como competência acompanhar a execução do Plano de Acção

e-Europe 2005.

Em 2003, e através da acção da UMIC, são aprovados em Conselho de Ministros, um conjunto

de documentos que orientam as políticas do XV Governo para a Sociedade da Informação,

nomeadamente o Plano de Acção para a Sociedade da Informação; o Plano de Acção para o

Governo Electrónico; a Iniciativa Nacional para a Banda Larga; o Programa Nacional de

Compras Electrónicas e o Programa Nacional para a Participação dos Cidadãos com

Necessidades Especiais na Sociedade da Informação.184 Assim, o Plano de Acção para a 181 Nuno Alexandre de Almeida Alves, op. Cit., p. 256.182 Lei da Assembleia da República n.º 32-A/2002 de 30 de Dezembro.183 Alínea b, n.º 2 da Resolução do CM n.º 135/02 de 20 de Novembro.184 Diário da República n.º 185 de 12 de Agosto de 2003 (I Série – B).

73

Page 75: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Sociedade da Informação, representa a base de todos os outros programas, pretendendo alcançar

um conjunto de objectivos, tais como, aumentar a eficiência e a eficácia do sistema económico,

a competitividade e a produtividade do tecido empresarial; aumentar as habilitações,

competências e conhecimento dos portugueses, principais substratos da capacidade de

desenvolvimento sustentado do país; contribuir para a modernização, racionalização e

revitalização da Administração Pública e do aparelho de Estado; dinamizar a sociedade civil,

promovendo o bem-estar e a qualidade de vida dos cidadãos.185

Este plano de acção apoia-se em sete pilares de actuação:

1. Uma Sociedade da Informação para todos;

2. Novas capacidades;

3. Qualidade e eficiência dos serviços públicos;

4. Melhor cidadania;

5. Saúde ao alcance de todos;

6. Novas formas de criar valor económico;

7. Conteúdos atractivos.

Cada pilar agrega um conjunto de medidas, que correspondem aos vários eixos de

implementação.186 Todavia, de acordo com Nuno Almeida Alves, “O conjunto de dimensões

referido não é substancialmente diferente no contido na Iniciativa Internet, aprovado em 2000,

pelo Governo antecedente”187.

Entre 2003 e 2004, destacam-se os seguintes projectos da UMIC:

Concepção e lançamento do Portal do Cidadão, que mobilizou cerca de 120 entidades

públicas;

Prossecução da estratégia definida para a área de Compras Públicas Electrónicas

(desenvolvimento de Projectos-Piloto em 8 ministérios, conceptualização da Unidade

Nacional de Compras e do Registo Nacional de Fornecedores, desenvolvimento do

Portal compras.gov.pt, estimativa de Poupanças por Categorias, entre outros);

185 Unidade de Missão Inovação e Conhecimento, Uma Nova Dimensão de Oportunidades – Plano de Acção para a Sociedade da Informação, Oeiras, UMIC, 2003.186 Idem, p. 9.187 Nuno Alexandre de Almeida Alves, op. Cit., p. 260.

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Page 76: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Dinamização da Banda Larga em Portugal (ligação da rede escolar em banda larga,

apetrechamento das escolas pré-escolar com computadores e software educativo,

promoção da maior zona de Internet sem fios do mundo (Parque das Nações), criação de

novos Pontos de Acesso Público em Banda Larga e de um Mapa da Internet em Portugal,

arranque da iniciativa Redes Comunitárias, entre outros);

Realização de um projecto-piloto de voto electrónico nas Eleições para o Parlamento

Europeu em 9 freguesias, que contou aproximadamente com 9500 eleitores;

Criação e lançamento da Biblioteca do Conhecimento On-line (B-on), agregando mais

de 3500 revistas científicas;

Criação, lançamento e consolidação da iniciativa e-U/«Campus Virtuais», à qual

aderiram todas as instituições de ensino superior, naquela que é a maior iniciativa do

género a nível mundial;

Criação do Guia de Interoperabilidade da Administração Pública (AP) e Guia de

Racionalização das Comunicações;

Criação do Guia das Cidades e Regiões Digitais e aprovação e lançamento de novos

projectos de forma a assegurar a cobertura da maior parte do território do continente e

Regiões Autónomas;

Promoção da coesão digital nomeadamente através da elaboração e divulgação de um

anexo ao caderno de encargos para que todos os sites a concurso sejam acessíveis para

cidadãos com necessidades especiais e avaliação dos sites da AP;

Produção de indicadores estatísticos sobre a Sociedade da Informação em Portugal;

Reforço do Programa Operacional para a Sociedade da Informação, no âmbito da «mid

term review» do Terceiro Quadro Comunitário de Apoio.

Contudo, em Novembro de 2003, o estudo da “Associação Portuguesa para o Desenvolvimento

da Sociedade da Informação” (APDSI) faz o balanço da Administração Pública portuguesa na

Sociedade da Informação. Aponta obstáculos e acções essenciais para o governo electrónico,

aprofundadas precedentemente no capítulo referente ao governo electrónico.188

Em Junho de 2004, o Primeiro-ministro José Durão Barroso pede a demissão para aceitar o

convite para a Presidência da União Europeia, o que levou à queda do XV Governo

Constitucional, embora não tenham sido convocadas eleições antecipadas, e portanto, continue

no poder o Partido Social-democrata, agora com um novo representante. Relativamente, à

188 www.apdsi.pt 75

Page 77: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

avaliação das actividades do XV Governo Constitucional, observa-se que as políticas para a

Sociedade da Informação foram iniciadas tarde, uma vez que, a criação da UMIC e da Comissão

Interministerial Inovação e Conhecimento, as estruturas de coordenação política e programática,

apenas se efectivaram seis meses após a tomada de posse. Apesar deste início tardio, a definição

de acções e programas foi bastante significativa, embora a taxa de execução dos projectos não

tenham alcançado os 10%. De facto, “O que há a dizer deste conjunto de planos programáticos é

que é notoriamente excessivo, as dezenas ou centenas de medidas e projectos propostos

ultrapassam, de longe, qualquer capacidade de realização, por muito generosos que sejam os

recursos materiais, muito disponíveis e capazes que sejam os recursos humanos, por perfeita que

seja a articulação com a administração pública central e local, o sector empresarial, o sistema de

ensino, o terceiro sector ou mesmo os cidadãos”189. Assim, apesar do exposto, iniciativas

importantes foram empreendidas, nomeadamente o Portal do Cidadão, os “Campus Virtuais” e a

Biblioteca Científica Digital. Contudo, o autor supracitado frisa uma pertinente interrogação

“Compensarão estes casos exemplares a ínfima taxa de realização do conjunto de projectos

(…)?”190.

No início de 2005, a “Unidade de Missão, Inovação e Conhecimento” (UMIC) mudou de nome

e de forma jurídica, passando a chamar-se “UMIC – Agência para a Sociedade do

Conhecimento”, depois de ter realizado um vasto conjunto de programas.191

O XVI Governo Constitucional (2004-2005) define no âmbito da Sociedade da Informação um

programa que assenta na continuidade das acções e orientações do governo anterior. Assim, na

medida “Investir na Qualificação dos Portugueses”, mais concretamente no ponto 5, é abordada

a Sociedade da Informação. Nesta circunstância é frisado que o desenvolvimento da Sociedade

da Informação e do Conhecimento, através do seu impacto estruturante na Sociedade

Portuguesa, actua como alavanca fundamental das capacidades nacionais. Desta forma,

determinam-se os seguintes objectivos:

1. Aumentar a eficácia e eficiência do sistema económico, a competitividade e a

produtividade do tecido empresarial;

2. Aumentar as habilitações, competências e conhecimento dos portugueses, principais

substratos da capacidade de desenvolvimento sustentado do país; 189 Nuno Alexandre de Almeida Alves, op. Cit., p. 265.190 Ibidem.191 Decreto-lei n.º 16/2005, de 18 de Janeiro.

76

Page 78: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

3. Contribuir para a modernização, racionalização, responsabilização e revitalização da

Administração Pública;

4. Dinamizar a sociedade civil, promovendo o bem-estar e a qualidade de vida dos

cidadãos.

Para alcançar estes objectivos, são mantidas e fortalecidas as medidas estratégicas determinadas

pelo XV Governo Constitucional. É reiterada a importância de se instituir preços acessíveis para

a generalização do acesso à Internet de banda larga, mas as acções enumeradas não se focalizam

na concretização deste facto. São também definidas acções para o governo electrónico. Com

efeito, nas Grandes Opções do Plano para 2005, são indicadas nove áreas de actuação que

concretizam a política governamental neste âmbito, mais concretamente:

1. Sociedade da Informação para Todos (massificação da Banda Larga, sensibilização da

sociedade para as TIC, desenvolver a concorrência, promover conteúdos em português,

e-learning, e-inclusão.)

2. Novas Capacidades (que assenta essencialmente na criação de condições para a

massificação, formação e certificação nas TIC, através do estabelecimento de um

Sistema Nacional de Certificação em TIC);

3. Serviços Públicos Orientados para o Cidadão e Administração Pública Moderna e

Eficiente (reforçar o Portal do Cidadão, Reengenharia de processos, Aposta no Governo

Electrónico);

4. Novas Capacidades Tecnológicas e Racionalização de Custos de Comunicação (definir a

Arquitectura tecnológica e de segurança da Administração Pública e uma Política

Nacional de Segurança Digital e criar um Plano de Segurança das Redes e da Informação

para a AP; lançar uma campanha para Divulgação de uma Cultura Nacional de

Segurança, racionalizar custos);

5. Gestão Eficiente de Compras (apoiar os projectos-piloto de Compras Electrónicas

Ministeriais, promover a sua generalização em todos os Ministérios e criar Unidades

Ministeriais de Compras);

6. Melhor Cidadania (propor a realização de um projecto-piloto vinculativo de Voto

Electrónico, acesso gratuito ao DR electrónico);

77

Page 79: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

7. A Sociedade da Informação no Território (descentralização, projectos das cidades e

regiões digitais);

8. I&D e Inovação em TIC (apoiar projectos de inovação e de I&D, lançar um programa

nacional de incentivo ao empreendedorismo na área das TIC);

9. Institucionalizar a Área da Sociedade da Informação (reforçar a capacidade operacional

da UMIC e a sua evolução institucional).192

Pelas circunstâncias ocorridas, ou seja, pela destituição do governo pelo Presidente da República

e pela convocação de eleições antecipadas, este governo não teve tempo para executar as

medidas que propôs. Desta forma, a avaliação das acções concretas deste governo afigura-se

inexequível.193

Em Março de 2005, é aprovado o Programa do XVII Governo Constitucional. Este programa,

tal como, as Grandes Opções do Plano 2005-2009 evidenciam o lançamento do Plano

Tecnológico, responsável pela dinamização da Sociedade da Informação. Com efeito, neste

contexto, a questão da Sociedade da Informação ganha um extraordinário destaque político e

mediático. Tendo como título Mobilizar Portugal para a Sociedade da Informação, são

enquadrados neste programa, os objectivos e prioridades de desenvolvimento neste âmbito.

Assim, é demonstrado que a generalização do acesso à Internet e às TIC é um factor crítico do

projecto do Governo para o desenvolvimento da sociedade portuguesa. É ainda referido, que

juntamente com o apoio à inovação, a aposta nas TIC irá possibilitar a aproximação à fronteira

tecnológica dos países mais avançados. Aliás, é frisado que o atraso português em termos de

utilização de TIC reflecte-se negativamente no índice de competitividade geral. Desta forma,

acentuam-se os seguintes objectivos:

A generalização do uso efectivo da Internet nas actividades educativas;

A generalização a todo o território do acesso à banda larga, a preços idênticos aos dos

países mais desenvolvidos da União Europeia.194

192 Grandes Opções do Plano para 2005, Lei da Assembleia da República n.º 55-A/2004, aprovado em 14 de Outubro de 2004, DR n.º 304 de 30 de Dezembro de 2004 (I Série – A). 193 Programa do XVI Governo Constitucional, http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Governos/Governos_Constitucionais/GC16/Programa/programa_p033.htm

194 Programa do XVII Governo Constitucional, Grandes Opções do Plano 2005-2009, Lei da Assembleia da República, n.º 52/ 2005 de 31 de Agosto.

78

Page 80: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Perante o quadro de diminuta mobilização da sociedade portuguesa para a Era da Informação e

do Conhecimento, o programa supracitado salienta que é fundamental solidificar iniciativas em

curso (como, por exemplo, as transacções electrónicas, cidades e regiões digitais, conteúdos

digitais, campus virtuais), preencher lacunas (por exemplo, o acesso e utilização da Internet em

todas as escolas; partilha de conhecimento e adopção de licenças CC creative commons;

democracia electrónica; promoção de sistemas operativos não proprietários open source sempre

que apropriado; combate à fraude; reforço da privacidade, segurança e fiabilidade; planeamento

estratégico dos sistemas de informação na Administração Pública e nas PME) e impulsionar a

inovação e a criação de novas actividades em áreas de desenvolvimento estratégico

(nomeadamente em computação distribuída Grid, visualização de informação e redes P2P). É

ainda destacado a necessidade de estimular o investimento público e mobilizar o investimento

privado nesta área, abrindo os mercados públicos de telecomunicações e garantindo a

independência da entidade reguladora do sector.195

O programa em análise aponta para a necessidade de reorientar o esforço público de modo a

assegurar a mobilização de uma base social de apoio muito mais alargada que possibilite uma

mais rápida apropriação social e económica das TIC como vector de desenvolvimento do País.

Desta forma, a iniciativa Ligar Portugal, um dos planos estratégicos do Plano Tecnológico do

XVII Governo, insere-se nesta perspectiva e desafio, pretendendo atingir uma ampla

mobilização das pessoas e das organizações para o uso generalizado das Tecnologias de

Informação e Comunicação e para o desenvolvimento em Portugal da Sociedade de Informação

e da economia baseada no conhecimento. Neste programa, que alude a um novo ciclo de

mobilização, são determinadas metas para Portugal Digital 2010, nomeadamente,

Duplicar os utilizadores regulares da Internet, que deverão ultrapassar 60% da população

portuguesa, até 2010 (25% em Portugal e 41% na UE15, em 2004);

Triplicar o número de agregados familiares com acesso à Internet em banda larga para

mais de 50% até 2010 (17% no final de 2004);

Multiplicar o número de computadores nas escolas, de forma a atingir a proporção

média de um computador por cada 5 estudantes até 2010;

195 Idem.79

Page 81: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Assegurar que o preço do serviço de acesso permanente à Internet em banda larga

utilizado pela maioria da população portuguesa deverá situar-se entre os três mais baixos

da UE, em 2010, incluindo tráfego ilimitado e a assinatura de linha telefónica.

Aumentar o número de empregos do sector das Tecnologias de Informação e

Comunicação para 3% do total de emprego (representando cerca de 44.000 novos

empregos);

Aumentar a percentagem de trabalhadores que utilizam computadores ligados à Internet

no emprego para pelo menos 40% (19% em 2004);

Aumentar a utilização de comércio electrónico de forma regular para pelo menos 25% da

população (3% em 2004);

Assegurar a disponibilização on-line de todos os serviços públicos básicos.

No que concerne a educação, aprendizagem e formação são definidas as seguintes metas:

Aumentar o número de pessoas que participam em acções educacionais e de formação

regularmente em 2010 para pelo menos 13% na população com idades entre os 25 e 64

anos (4,8% em 2004);

Aumentar o número de novos graduados em áreas científicas e tecnológicas em 2010

para 12 por 1000 na população com idades entre 20 e 29 anos (8,2 em 2003);

Aumentar o número de novos doutoramentos em áreas científicas e tecnológicas em

2010 para 0,45 por 1000 na população com idades entre os 25 e 34 anos (0,3 em

Portugal e 0,55 na UE15, em 2001);

Triplicar o esforço privado em I&D (que hoje não ultrapassa 0,27% do PIB), criando as

condições de estímulo necessárias;

80

Page 82: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Duplicar o investimento público em I&D, de forma a atingir 1% do PIB (sendo hoje

cerca de 0,6% do PIB).196

No que diz respeito às acções a empreender, salientam-se:

1. Facilitar a utilização de computadores em casa por estudantes, designadamente

através dos seguintes mecanismos:

Reduzir para metade os custos de aquisição de computadores pelas

famílias com estudantes a cargo e que não se encontrem nos escalões de

rendimentos mais elevados, através de dedução fiscal específica à colecta

até 250 €;

Promover a disponibilização progressiva de computadores aos estudantes

mais carenciados, através dos serviços de acção social escolar;

2. Apoiar a massificação de ofertas integradas de computadores e ligação em banda

larga à Internet, especialmente para estudantes;

3. Promover o desenvolvimento do mercado de computadores em segunda mão com

garantia e de computadores usados recondicionados;

4. Assegurar a ligação em banda larga de todas as escolas do País, até ao final de

2005;

5. Duplicar a rede de “Espaços Internet” para acesso público gratuito em banda

larga, com acompanhamento por monitores especializados e condições para

utilizadores com necessidades especiais, estimulando o seu funcionamento como

Centros Comunitários;

6. Criar uma oferta pública de Internet de Cidadania, garantindo o acesso livre e

gratuito a serviços públicos e de interesse público disponibilizados pela Internet,

196 Programa de Acção integrado no Plano Tecnológico do XVII Governo: Mobilizar a Sociedade da Informação e do Conhecimento, Ligar Portugal, http://www.ligarportugal.pt.

81

Page 83: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

os quais deverão abranger a totalidade dos serviços básicos até ao final da

legislatura;

7. Implementar e operar, como rede pública com circuitos próprios, a dorsal da

RCTS (Rede Ciência Tecnologia e Sociedade) e estender as suas ligações às

redes internacionais (Geant2) através de Espanha, garantindo a redundância de

circuitos. Associar a este desenvolvimento a criação da rede nacional de

segurança de toda a administração pública;

8. Estimular a formação profissional a todos os níveis e a I&D em Tecnologias de

Informação e Comunicação, em empresas, instituições de ensino e laboratórios

de investigação, promovendo a concorrência, a emergência de mercados

demonstradores e a colaboração internacional;

9. Lançar a Iniciativa nacional GRID, a exemplo de outros países europeus, para a

investigação e desenvolvimento e para o aproveitamento das oportunidades

económicas induzidas pelo paradigma de computação distribuída;

10. Desenvolver uma política de segurança informática, dotada dos instrumentos

adequados.197

O Plano Ligar Portugal indica também que será criado o “Fórum para a Sociedade da

Informação”, órgão de consulta e concertação para o desenvolvimento das políticas públicas

para a Sociedade da Informação, que reúne os principais actores sociais, públicos e privados e é

aberto, de forma interactiva, à sociedade em geral.198 No estudo que mencionamos em seguida,

as políticas deste governo são avaliadas por um painel de especialistas e actores da área. Com

efeito, a APDSI em colaboração com o Expresso e a Eurosondagens apresentaram em Abril,

Julho e Novembro de 2005, um estudo de opinião sobre a Sociedade da Informação. Desta

forma, enviaram o questionário em anexo a 109 personalidades representativas de entidades e

instituições directamente ligadas ou interessadas no desenvolvimento da Sociedade da

Informação.

197 Idem.198 Ibidem

82

Page 84: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Deste modo, em Abril, dos 30 questionários respondidos, os dados obtidos evidenciam que na

primeira questão “Como avalia a evolução verificada, nos últimos 6 meses, nos seguintes

domínios?”, sendo esses domínios “Actuação do governo e das entidades reguladoras no

estímulo à Sociedade da Informação”; “Nível de competitividade no mercado das TIC”;

“Acessibilidade de bens e serviços TIC (disponibilidade, qualidade e custo)”; “Nível de literacia

base, em TIC, da população”; “Nível de Investimento em TIC”; “Recurso preferencial à Internet

como fonte de informação e meio de comunicação” e por fim, “Adopção de canais electrónicos

e processos de comércio electrónico pelas organizações”, os inquiridos optaram

maioritariamente pela resposta “Aumentou marginalmente” (à excepção do segundo, terceiro e

quarto item, onde a opção “Não Houve Alteração” obteve o valor mais elevado).199

Quanto à segunda questão “Como estima a evolução, nos próximos 6 meses, nos seguintes

domínios?”, sendo esses domínios os itens já enumerados anteriormente, a opção “Aumentar

(marginalmente) ” obtêm os valores mais elevados na maioria das respostas, menos no item 1,

ou seja, “Actuação do governo e das entidades reguladoras no estímulo à Sociedade da

Informação”, onde os inquiridos consideram que vai “Aumentar (significativamente) ” (61,1%)

e no item 2, “Nível de competitividade no mercado das TIC”, que demonstra que a opção de

resposta “Não Haverá Alteração” é a mais cotada (43,3%).200

Comparando a evolução dos últimos seis meses e a evolução estimada pelos inquiridos dos

próximos seis meses, verificamos que as expectativas são positivas, já que, há mais respostas

“Vai Aumentar/Melhorar” e menos “Sem Alteração” e “Vai Diminuir/Degradar-se”.201

AS QUESTÕESÚLTIMOS

SEIS MESESPRÓXIMOS

SEIS MESES

DIFERENÇAS

Diminuiu/Degradou-se significativamente

6 0 -6

Diminuiu/Degradou-se marginalmente 16 1 -15Não houve alteração 81 55 -26Vai aumentar/Melhorar marginalmente

102 117 +15

Vai aumentar/Melhorar 5 37 +32

199 Estudo de Opinião APDSI/Expresso/Eurosondagens, Abril 2005, www.apdsi.pt.200 Idem.201 Idem.

83

Page 85: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

significativamenteTOTAL 210 210 0

Quadro 9 – “Comparação das respostas obtidas na pergunta relativa à evolução dos últimos seis

meses e na pergunta relativa à evolução dos próximos seis meses”

Fonte: Estudo de Opinião APDSI/Expresso/Eurosondagens, Abril 2005, www.apdsi.pt

Em Julho de 2005, (envio e recepção dos questionários em Junho e Julho), dos 36 questionários

respondidos, os resultados demonstram que na primeira questão “Como avalia a evolução

verificada, nos últimos 6 meses, nos seguintes domínios?”, sendo esses domínios “Actuação do

governo e das entidades reguladoras no estímulo à Sociedade da Informação”; “Nível de

competitividade no mercado das TIC”; “Acessibilidade de bens e serviços TIC (disponibilidade,

qualidade e custo)”; “Nível de literacia base, em TIC, da população”; “Nível de Investimento

em TIC”; “Recurso preferencial à Internet como fonte de informação e meio de comunicação” e

por fim, “Adopção de canais electrónicos e processos de comércio electrónico pelas

organizações” os inquiridos optaram maioritariamente pela resposta “Não houve alteração”, à

excepção do primeiro item, onde a opção “Aumentou marginalmente” obteve 33,3% (valor mais

elevado).202 Relativamente à segunda questão “Como estima a evolução, nos próximos 6 meses,

nos seguintes domínios?”, sendo esses domínios os itens já enumerados anteriormente, a opção

“Aumentar (marginalmente)” obtem os valores mais elevados em todas as respostas, menos no

item 4, ou seja, “Nível de literacia base, em TIC, da população”, onde os inquiridos consideram

que não haverá alteração (61,1%). Este facto pode evidenciar algum cepticismo quanto aos

programas de combate à info-exclusão, mas também poderá significar que seis meses não são

suficientes para alterar a situação actual.203

Assim, comparando novamente a evolução dos últimos seis meses e a evolução estimada pelos

inquiridos dos próximos seis meses, observamos que as expectativas são positivas, na medida

em que, na maioria das respostas a opção “Aumentar (marginalmente)” totaliza os valores mais

significativos.204

Quadro 10 – “Comparação das respostas obtidas na pergunta relativa à evolução dos últimos

seis meses e na pergunta relativa à evolução dos próximos seis meses”

202Estudo de Opinião APDSI/Expresso/Eurosondagens, Julho 2005, www.apdsi.pt. 203 Idem.204 Idem.

84

Page 86: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Fonte: Estudo de Opinião APDSI/Expresso/Eurosondagens, Julho 2005, www.apdsi.pt

Em Novembro de 2005 (envio e recepção dos questionários em Outubro), dos 22 questionários

respondidos, os resultados comprovam que na primeira questão “Como avalia a evolução

verificada, nos últimos 6 meses, nos seguintes domínios?”, sendo esses domínios “Actuação do

governo e das entidades reguladoras no estímulo à Sociedade da Informação”; “Nível de

competitividade no mercado das TIC”; “Acessibilidade de bens e serviços TIC (disponibilidade,

qualidade e custo)”; “Nível de literacia base, em TIC, da população”; “Nível de Investimento

em TIC”; “Recurso preferencial à Internet como fonte de informação e meio de comunicação” e

por fim, “Adopção de canais electrónicos e processos de comércio electrónico pelas

organizações” os inquiridos optaram maioritariamente pela resposta “Não houve alteração”, à

excepção dos últimos três itens, onde a opção “Aumentou marginalmente” foi a mais

seleccionada.205

No que diz respeito à segunda questão, “Como estima a evolução, nos próximos 6 meses, nos

seguintes domínios?”, sendo esses domínios os itens já enumerados anteriormente, a opção

“Aumentar (marginalmente)” obtem os valores mais elevados em todas as respostas, menos no

item 4, ou seja, “Nível de literacia base, em TIC, da população”, onde os inquiridos consideram

que não haverá alteração (61,1%). Este facto pode evidenciar algum cepticismo quanto aos

programas de combate à info-exclusão, mas também poderá significar que seis meses não são

suficientes para alterar a situação actual.206Assim, comparando novamente a evolução dos

últimos seis meses e a evolução estimada pelos inquiridos dos próximos seis meses, observamos

205 Estudo de Opinião APDSI/Expresso/Eurosondagens, Novembro 2005, www.apdsi.pt. 206 Idem.

AS QUESTÕES ÚLTIMOS SEIS

MESES

PRÓXIMOS SEIS

MESES

DIFERENÇAS

Diminuiu/Degradou-se significativamente

3 6 +3

Diminuiu/Degradou-se marginalmente

20 8 -12

Não houve alteração 130 5 -45

Vai aumentar/Melhorar marginalmente

88 132 +44

Vai aumentar/Melhorar significativamente

11 20 +9

TOTAL 252 252 0

85

Page 87: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

que as expectativas são positivas, na medida em que, na maioria das respostas a opção

“Aumentar (marginalmente)” totaliza os valores mais significativos.207

Quadro 11 “Comparação das respostas obtidas na pergunta relativa à evolução dos

últimos seis meses e na pergunta relativa à evolução dos próximos seis meses”

AS QUESTÕES

ÚLTIMOS

SEIS MESES

PRÓXIMOS

SEIS MESES DIFERENÇAS

Diminuiu/Degradou-se significativamente 3 3 0

Diminuiu/Degradou-se marginalmente 14 7 -7

Não houve alteração 71 54 -17

Vai aumentar/Melhorar marginalmente 58 78 +20

Vai aumentar/Melhorar significativamente 8 12 +4

TOTAL 154 154 0

Fonte: Estudo de Opinião APDSI/Expresso/Eurosondagens, Novembro 2005

De qualquer forma, todos os dados ilustrados demonstram um cenário nacional com claras

fragilidades no que diz respeito à mobilização para a Sociedade da Informação. No painel

constituído pela APDSI, a terceira questão, que interroga os inquiridos sobre qual dos três temas

será mais importante para os próximos 3/6 meses (Choque tecnológico anunciado por José

Sócrates, Medidas de regulação da Anacom no sector das telecomunicações, Primeiras Medidas

do governo na área da Sociedade da Informação), demonstra em Abril de 2005, que a terceira

opção alcança 80%, enquanto o choque tecnológico obtêm 13,3% e as medidas da Anacom

6,7%; em Julho de 2005, a terceira resposta alcança 50%, enquanto o choque tecnológico obtêm

22,2% e as medidas da Anacom totalizam 27,8%. Em Novembro de 2005, as opções passam a

ser “Impacto das medidas do Orçamento de Estado 2006 (quebra da rubrica Sociedade de

Informação e reforço das verbas à disposição da UMIC)”; “O papel do “open source” na

contenção de despesas em TI na Administração Pública” e “O anúncio da estratégia nacional da

Agenda de Lisboa”, alcançando 68,2%, 13,6% e 18,2% respectivamente.208

C. Governo Electrónico209

207 Ibidem.208 Idem.209 Governo electrónico corresponde à tradução literal de “e-government”. Embora, muitos autores portugueses utilizem o anglicanismo, optamos por usar a expressão em português. No entanto, por exemplo, Luís Borges Gouveia frisa que esta tradução não corresponde totalmente à verdade, “De facto, o que se pretende englobar é mais do que o poder central, em especial o poder político. Desta forma, uma vez que se pretende incluir os serviços, regulação e demais órgãos da Administração Pública. A designação de Administração Pública electrónica parece ser a mais adequada.” Luís Borges Gouveia, Local E-Government – A governação digital na autarquia, Sociedade

86

Page 88: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

1. Aproximação Conceptual

O governo electrónico (“e-government”) pode ser delimitado como a utilização das TIC, para

melhorar os serviços e informação disponibilizados aos cidadãos, com o intuito de aumentar a

eficiência e a eficácia da gestão e administração pública, impulsionando a transparência do

sector público.210 De acordo com o projecto da OCDE sobre governo electrónico, “the term “e-

government” focuses on the use of new information and communication technologies (ICTs) by

governments as applied to the full range of government functions”211.

De facto, como evidenciam André Alves e José Moreira, a noção de governo electrónico emerge

efectivamente para “designar o processo de transformação nas estruturas e relações internas e

externas dos vários níveis do Estado e da Administração Pública, através da incorporação e da

potencialização das TIC”212. Contudo, segundo os mesmos autores, o conceito em análise inclui

ainda progressivamente, a satisfação das exigências de uma Administração Pública menos

burocrática e mais centrada nos cidadãos, “Governo electrónico: conceito que engloba o recurso

às TIC para a obtenção de ganhos de eficiência e eficácia nos vários níveis do Estado e da

Administração Pública, quer no plano das relações internas (G2G), quer no das relações

externas (G2B e G2C), assim como o modo de facultar serviços públicos menos burocratizados

e mais centrados nos cidadãos através da modernização das estruturas de governação”213.

Com efeito, para Luís Borges Gouveia o vocábulo em discussão corresponde à “Utilização das

TIC na Administração Pública, incluindo o impacto das transformações na organização e

prestação de serviços ao cidadão e a quem com ele se relacione, de maior qualidade, que

potencia a operacionalização de políticas públicas de um modo mais eficaz, eficiente e a menor

custo. Adicionalmente, também o poder político é suportado pelas facilidades associadas ao e-

government”214. Assim, no contexto do desenvolvimento exponencial da Internet e das TIC,

além do governo electrónico, conceitos como ciber-gestão e e-administração tornam-se

evidentes à medida que as agências progressivamente se colocam em linha.

2. Potencialidades e Implicações do Governo Electrónico

Portuguesa de Inovação, Porto, 2004, p. 20.210 Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação (APDSI), Ponto de Situação do E-Government em Portugal, Convento da Arrábida, 14 de Novembro 2003, www.apdsi.pt . 211 OCDE/PUMA, E-Government: Analysis Framework and Methodology, 16/ANN/REV1, 2001.212 André Alves e José Moreira, Cidadania Digital e Democratização Electrónica, SPI, Porto, 2004, p. 8.213 Idem, p. 9. Nota: G2C (Government to Government) diz respeito às relações internas na Administração Pública, G2B (Government to Business) consiste nas relações externas que englobam a interacção com as empresas, e por fim, G2C (Government to Citizens) concerne as relações externas que envolvem a interacção com os cidadãos. Embora nesta definição, a interacção G2E (Government to Employee) não esteja presente, é largamente usada no contexto da temática em análise.214 Luís Borges Gouveia, Local E-Government – A governação digital na autarquia, p. 21.

Page 89: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Neste enquadramento, “Public Organizations and private-sector firms are reorganizing and

realigning themselves to take full advantage of new information technology and the promise of

the Internet as a medium for rapid communication retrieval and dissemination”215. O governo

electrónico demonstra grandes potencialidades, mas também sérios desafios, como a info-

exclusão e a adaptação e adequação de procedimentos. De facto, a própria Internet acarreta

factores positivos e negativos para a administração pública. Por exemplo, é necessário promover

o uso da Internet para os empregados e clientes, tendo em consideração, a simplificação de

procedimentos, tempos de decisão, qualidade, eficiência e eficácia do serviço público.

Simultaneamente, é imperativo estabelecer políticas para desencorajar o abuso da Internet e a

corrupção por funcionários e clientes. Assim, as tradicionais estratégias e hierarquias

organizacionais podem não ser bem sucedidas em espaços de tele-trabalho. Portanto, “In

particular, the networking potential offered by the Internet and related technologies has the

potential to transform the structures and operation of government”216. Deste modo, é capital

desenvolver orientações meticulosas sobre os comportamentos aceitáveis e não aceitáveis na

World Wide Web.217

Alguns estudos, inclusivamente o realizado pela OCDE, frisam que o governo electrónico tem o

potencial para conduzir a boas práticas de governação. Com efeito, Salvador Parrado enfatiza

que “There is a strong belief (…) that implementation of information systems brings good

management per se”218. No entanto, a Internet implica outras ilações, explicitamente o seu

impacto no local de trabalho e relações que aí se estabelecem. Por um lado, através de correio

electrónico ou comunicação em rede, os funcionários podem seleccionar com quem querem

falar e podem negligenciar o trabalho de equipa, não partilhando informações ou conhecimentos

com os outros colegas de trabalho. Em suma, o individualismo e a despersonalização, tão

usualmente ligados à Internet, podem originar problemas no local de trabalho, por sua vez,

facilmente transparentes para o público. Por outro lado, a Internet pode fornecer um espaço mais

215 Donald Menzel, “www.ethics.ov: Issues and Challenges Facing Public Managers”, Public Administration Review, Vol.58, Iss.5, Set/Out., Washington, 1998, p. 445.216 OCDE/PUMA, E-Government: Analysis Framework and Methodology, 16/ANN/REV1, 2001.217 De facto, as grandes questões éticas são rapidamente definidas: “What can be the ethical or unethical implications of Internet? What will be the impact of e-government on public administration ethics? Who must have full access to websites? What kind of restrictions must be established? Can employees access Internet for their personal use? Can the public access the government data bases harmlessly? Can privacy be at risk? Who can be responsible for ICT errors? What policies must be implemented? What strategies must be followed? How can e-government facilitate reform?”, João Bilhim e Bárbara Neves, “New Ethical Challenges in a Changing Public Administration”, Comunicação na Conferência ASPA/EGPA, First Transatlantic Dialogue, Leuven, Junho 2005.

218 Salvador Parrado, “Transition Problems to E-Administration”, First International Conference: European Experience in e-Government Development, OCDE, Bulgária, 2002.

Page 90: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

aberto, participativo e democrático.219 De facto, esta temática precisa de uma reflexão, discussão

e investigação mais profunda.

Focalizando especificamente o governo electrónico, este pode propiciar, se correctamente

aplicado, relevantes melhorias em várias linhas, nomeadamente um sector público mais aberto e

transparente, ao serviço de todos e mais produtivo (pressupondo menos tempo em filas de

espera, menos erros de funcionamento, mais tempo para a interacção com os seus clientes,

etc.).220 Segundo André Alves e José Moreira, os seus benefícios passam pela simplificação da

prestação de serviços aos cidadãos e empresas; maior rapidez e facilidade na obtenção de

informação e explicação de dúvidas; elevação dos padrões de eficiência e redução de custos da

Administração Pública; ampliação da capacidade de resposta da Administração Pública;

cooperação mais próxima entre os múltiplos níveis do Estado e serviços da Administração

Pública e facilitação da participação da sociedade civil.221

Convém frisar que não só o âmago do governo electrónico não deve ser as TIC (mas a sua

utilização conjunta com mudanças organizacionais e novas competências), como a aplicação das

TIC, por si só, não garante a realização dos objectivos enunciados anteriormente. Neste sentido,

a ONU refere a existência de três tipologias possíveis de desenvolvimento do governo

electrónico, mais concretamente, gerador de desperdícios (que consome recursos sem

optimização), inútil (pode optimizar a actuação operacional do Estado, mas não origina efeitos

expressivos sobre a prossecução dos objectivos prioritários) e significativo (optimizador da

acção estatal, potenciador das capacidades da sociedade civil, incrementador das possibilidades

de real participação política dos cidadãos e suporte de valores basilares).222 Assim, sendo apenas

o último tipo o desejável, é ainda crucial atentar que a implementação do governo electrónico

deve basear-se na aplicação dos princípios de boa governação. O quadro seguinte é elucidativo

desta relação.

219 Donald Menzel, op. Cit., pp. 445-452.220 Comissão Europeia, The Role of E-government for Europe’s Future, Bruxelas, 2003, 567.221 André Alves e José Moreira, op. Cit., p.10.222 ONU, World Public Sector Report 2003: E-Government at the Crossroads, Nova Iorque, 2003, p. 10.

Page 91: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Quadro 12 – Impacto do Governo Electrónico na Concretização dos Princípios de Boa

Governação

Fonte: André Alves e José Moreira, Cidadania Digital e Democratização Electrónica, 2004

Quanto às implicações do governo electrónico para a Administração Pública, este pressupõe

flexibilidade, autonomia e uma exigência de formação e qualificação dos agentes do Estado.

Assim, o elemento humano reveste-se de extrema importância, na medida em que, o papel dos

agentes é fundamental para a implementação, avaliação e funcionamento do governo

electrónico. Efectivamente, a extensão e a complexidade do sistema da Administração Pública

torna a implementação do governo electrónico peculiarmente difícil. Além do seu

estabelecimento representar indubitavelmente um desafio, é ainda necessário considerar as

resistências institucionais, os problemas de segurança, o esforço para a inovação tecnológica e a

questão da qualificação ou desqualificação dos recursos humanos.223

Desta forma, a gestão da informação e comunicação é capital. Neste âmbito, três premissas

impõem-se, nomeadamente a estandardização do tratamento de dados, o alargamento do uso dos

sistemas de informação como suporte à tomada de decisões e um novo enquadramento de

funções. Os autores citados alertam também para a importância de uma minuciosa análise de

risco. Neste contexto, têm que ser definidas estratégias de implementação, não esquecendo o

planeamento estratégico, que se baseiem numa perspectiva de orientação para os resultados

(assentando em objectivos realistas), num processo de simbiose de centralização e

descentralização e num suporte que possa garantir a adesão dos cidadãos. Neste ponto, o

exemplo das agências virtuais é crucial, pois assenta nas relações do governo electrónico com o

G2C, G2B e G2G.224 Com efeito, agência virtual é um “conceito que engloba todas as iniciativas

223 André Alves e José Moreira, op. Cit., pp. 12-28.224 Ibidem.

Princípios de Boa Governação Impacto do Governo ElectrónicoCoerência na concepção das políticas Facilita a coordenação de políticas

entre departamentos ministeriais, agências públicas e níveis da Administração

Democracia participativa ao nível das políticas públicas

Possibilita o envolvimento activo dos accionistas nas políticas públicas

Consistência, eficácia, eficiência na implementação das políticas “O Estado faz aquilo que diz”

Facilita a implementação cooperativa e em rede das políticas de forma mais rápida e económica

Transparência e abertura do processo político no seu conjunto “O Estado informa sobre o que faz”

Disponibiliza a informação de forma acessível e com baixo custo

Page 92: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

de utilização da Internet e de tecnologias relacionadas por departamentos do Estado e serviços

da Administração Pública nas relações G2C, G2B, G2G. Cada agência virtual pode limitar-se a

um departamento ou serviço ou ser o resultado da cooperação de vários. Pode igualmente

limitar-se a funções de front-office ou pressupor uma integração mais ou menos significativa nos

processos de BackOffice.”225 Um dos emblemáticos exemplos de agências virtuais é

indubitavelmente o portal do cidadão.226

3. Governo Electrónico Local

O conceito governo electrónico local, normalmente designado “local e-government”227, apoia-se

em todas as premissas referidas para o governo electrónico, abarcando no entanto, uma maior

proximidade com o cidadão, ou seja, com o munícipe. Efectivamente, a proximidade territorial,

mas também a noção de comunidade em detrimento de sociedade são os factores

diferenciadores.228

Neste âmbito, os conceitos e-autarquia (autarquia digital) e as iniciativas das cidades e regiões

digitais assumem um papel preponderante, na medida em que, a sua existência é crucial para o

desenvolvimento estruturado do governo electrónico local. A autarquia digital concede ao poder

local e aos seus órgãos facilidades ligadas à utilização de Tecnologias de Informação e

Comunicação. “Estas facilidades permitem mediar com base digital as relações entre o cidadão,

ao nível da região, tanto na óptica do munícipe (município), como na do freguês (freguesia). O

cidadão também pode assumir o papel de utilizador ou cliente, mais associado aos equipamentos

e às facilidades públicas, geridos localmente e, por vezes, da responsabilidade das empresas

municipais, agências ou demais figuras no universo autárquico. Está assim em causa o recurso à

meditação de base electrónica com pessoas e organizações externas ao poder local, mas que com

ele interagem”229. Desta forma, a autarquia digital não deve estar somente focalizada na lógica

de integração da circulação de informação, mas no funcionamento da infra-estrutura de decisão

e acção do poder local.230

225 Idem, p. 20.226 www.portaldocidadao.pt 227 Esta é a designação anglo-saxónica, contudo, países como Japão, Nova Zelândia e Austrália usam o e-local government. 228 Luís Borges Gouveia (org.), Cidades e Regiões Digitais: Impacte nas cidades e nas pessoas, Edições Universidade Fernando Pessoa, 2003, p. 189.229 Luís Borges Gouveia, Local E-Government – A Governação Digital na Autarquia, Sociedade Portuguesa de Inovação, 2004, p. 24.230 Idem, p. 25.

Page 93: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Assim, a responsabilidade da implementação e desenvolvimento do governo electrónico local

está a cargo das Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia, já que, são estas entidades que

geram o território, as suas necessidades e a relação com as comunidades que aí vivem.

Efectivamente, esta tipologia de governo electrónico afigura-se como uma espécie de

complemento local do governo electrónico central. As iniciativas locais são percepcionadas por

muitos especialistas como oportunidades de dinamização da democracia local e de modificação

dos serviços realizados pela Administração Pública local. A conjunção do governo electrónico, e

da sua vertente local, assume grande relevância, uma vez que, garantem o envolvimento da

comunidade e subsequentemente da sociedade. Convém frisar que os objectivos do governo

electrónico local ultrapassam a simples colocação em linha, vão desde simples disponibilização

de serviços até serviços complexos. De facto, a tecnologia não corresponde apenas à

oportunidade de modernizar o BackOffice da Administração Pública local, mas também para

reinventar as suas funções face ao território que serve, nomeadamente, modificando serviços

(tornando-os mais acessíveis, fáceis de utilizar e ajustados à comunidade); renovando a

democracia local (através da promoção de discussão e participação de todos os cidadãos na

tomada de decisões) e promovendo a capacidade económica local (pela oferta de melhores infra-

estruturas tecnológicas, pelo investimento na sua manutenção e desenvolvimento, pelo fomento

de competências na área do digital, pela fixação de prestadores deste género de serviços, pelo

estímulo de um mercado de serviços ligado ao digital e pela interacção da comunidade e

autarquia assente no digital).231

No entanto, o governo electrónico local implica mais do que a autarquia digital. As cidades

digitais evidenciam justamente uma lógica de raciocínio que abrange não só a autarquia, mas

também as outras instituições e entidades do território ligados de forma a partilharem

informação e a envolver os indivíduos numa prática que faculte a livre circulação e criação de

informação de suporte à interacção.232 Assim, no enquadramento de uma perspectiva de cidades

digitais, desenvolve-se geralmente uma plataforma ou infra-estrutura comum que faculta a

integração e interoperabilidade entre poder local e Administração Pública local e o sector

privado. Portanto, estes projectos pretendem fomentar uma maior proximidade entre a

Administração Pública local; os munícipes; os grandes utilizadores dos serviços autárquicos; as

instituições de desenvolvimento regional; as associações culturais e desportivas; os

estabelecimentos de ensino; a indústria; o comércio e serviços; os prestadores e utilizadores do

231 Idem, pp. 26-28.232 Luís Borges Gouveia (org.), Cidades e Regiões Digitais: Impacte nas cidades e nas pessoas, Edições Universidade Fernando Pessoa, 2003, p. 191.

Page 94: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

serviço de saúde; os turistas e visitantes do concelho todos os que possam ser consumidores de

informação, estimulando simultaneamente a utilização das TIC.233

As funções do governo electrónico local diferem de acordo com as visões estratégicas

empreendidas. De um modo global, um determinado organismo da Administração Pública local

deve assegurar funções como publicar informação, interagir com o cidadão, realizar transacções

com o cidadão e restante Administração Pública local, integrar informação com a restante

Administração Pública local e transformar informação. As funções devem privilegiar uma

orientação baseada no recurso à informação e que percepcione o cidadão como cliente.234

4. Governo Electrónico Global

Antes de abordarmos o contexto europeu e o português na implementação e evolução do

governo electrónico, torna-se pertinente avançar com alguns dados a nível mundial, de forma a

percepcionarmos o real impacto do governo electrónico a nível global. O relatório das Nações

Unidas Global E-Government Readiness 2005: From E-Government to E-Inclusion, analisa

sítios electrónicos de cento e noventa e um países membros para avaliar o nível de preparação

dos governos mundiais face ao emprego das oportunidades oferecidas pelas TIC, as melhorias

de acesso e uso das TIC, fornecendo os serviços sociais básicos. Utilizando um modelo

estatístico de medição de serviços digitalizados, o estudo considera as iniciativas públicas de

governo electrónico dos países membros de acordo com um índice baseado na avaliação de

sítios electrónicos, infra-estruturas de telecomunicações e recursos humanos (capital humano).235

Os resultados demonstram que um grande número de países solidificou a sua presença on-line,

direccionando-se para áreas mais maduras de distribuição de e-serviço. Aliás, muitos

introduziram a e-participação, ou seja, opções de participação on-line para os seus cidadãos. O

número de países em linha aumentou para 179, ou seja, cerca de 94% dos Membros das Nações

Unidas. Comparando com 2004, dos treze que não estavam on-line na investigação anterior,

doze continuam off-line em 2005. Segundo, o ranking de preparação para o governo electrónico,

os Estados Unidos lideram, seguidos pela Dinamarca, Suécia e Reino Unido. Portugal encontra-

se no 30º lugar. Com efeito, o progresso na difusão das TIC, o desenvolvimento do capital

humano e dos sítios electrónicos dos governos dos Estados Membros entre 2002 e 2005

conduziu a um avanço na média mundial (0.4267 em 2005 comparando com os 0.4120 em 233 Idem, p. 191.234 Luís Borges Gouveia, Local E-Government – A Governação Digital na Autarquia, Sociedade Portuguesa de Inovação, 2004, p. 34.235 ONU, Global E-Government Readiness 2005: From E-Government to E-Inclusion, 2005.

Page 95: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

2004). Observando a segmentação por região, a América do Norte atinge a mais elevada

posição, seguida pela Europa, Oceânia e África.236

Relativamente à e-participação, elemento essencial para o nosso objecto de estudo, embora

muitos países tenham expandido os seus serviços neste campo, alguns continuam limitados na

provisão de ferramentas relevantes e qualitativas para a resposta e interacção dos utilizadores.

De acordo com o Índice de E-Participação, o Reino Unido (tal como no ano anterior) atinge o

topo, seguido pela Singapura e Estados Unidos da América. Nos países em vias de

desenvolvimento, o México, o Chile e a Colômbia encontram-se nos lugares cimeiros.

Cinquenta e cinco (dos 179 países) que mantêm um sítio electrónico governamental,

encorajaram os seus cidadãos a participar na discussão de premissas chave, mas apenas trinta e

dois explicam o que é a e-consulta, a sua importância e onde os cidadãos poderão contribuir,

enquanto somente vinte e oito garantem que o governo toma as contribuições dos cidadãos para

a tomada de decisões. Sem surpresa, o estudo frisa que o governo electrónico parece ter uma

forte relação com o rendimento per capita. A disponibilidade de recursos emerge como factor

crítico inibindo iniciativas de governação electrónica em muitos países. Uma das razões para os

altos níveis de preparação da maioria dos países desenvolvidos assenta no investimento passado

e no desenvolvimento das infra-estruturas. 237

Apesar do perceptível progresso, as disparidades no acesso às TIC permanecem. De facto, existe

uma séria divisão de acessibilidade entre os países desenvolvidos e os em vias de

desenvolvimento. Preocupantes são efectivamente os países africanos e da Ásia central, pois

juntos representam um terço da humanidade. Contudo, a info-exclusão não se observa somente

entre países, é evidente entre as regiões de cada Estado, entre classe social, etnia e mesmo

género. Assim, o estudo reitera recomendações para se alcançar o paradigma da “Socially

Inclusive Governance for the Information Society” assente na e-inclusão. O primeiro imperativo

é reconhecer a importância em oferecer igual oportunidade para a participação na Sociedade da

Informação. Os governos precisam de entender o vasto potencial das TIC, como ferramenta,

benefício e oportunidade. Em segundo lugar, o compromisso e a liderança de uma agenda de

igualdade para um desenvolvimento baseado nas TIC são um pré-requisito fundamental. Em

terceiro, é necessário uma visão direccionada para uma estratégia de desenvolvimento

socialmente inclusiva, que possibilite o empowerment de cada um. Em quarto, os países

precisam de determinadamente definir ou reajustar políticas, programas e resoluções que

236 Ibidem.237 Ibidem.

Page 96: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

estejam ligadas ao potencial da Sociedade da Informação. Por último, é crucial a formulação de

uma estratégia de desenvolvimento baseada numa efectiva e apropriada utilização das TIC, de

modo a que o mercado, o governo e o cidadão tenham um papel mutuamente benéfico,

equitativo e activo.238

Uma outra conhecida investigação de Darrell West, Global E-Government 2005 analisa e avalia

mil e setecentos e noventa e sete sítios electrónicos de cento e noventa e oito Estados. Os

indicadores apontam para um melhor desempenho do governo electrónico, no entanto, o avanço

é limitado em algumas áreas devido a orçamentos e forças burocráticas e institucionais que

limitam a incorporação da tecnologia no serviço público e na sua missão. Os resultados

evidenciam que apenas 19% dos sítios electrónicos governamentais oferecem serviços

totalmente executáveis on-line; 89% dos sites fornecem acesso a publicações e 53% a base de

dados; 18% possuem políticas de privacidade, enquanto 10% têm políticas de segurança; 19%

dos sítios electrónicos facultam alguma forma de acesso a pessoas com necessidades especiais

(invisuais, surdos, etc.) o que representa um acréscimo de 14% face ao ano anterior. Os países

variam enormemente quanto ao desempenho da governação electrónica. Os Estados melhor

classificados são Tailândia, Singapura, Estados Unidos da América, Hong Kong, China,

Canadá, Alemanha, Austrália e Irlanda. Quanto à observação por região, globalmente, os países

da América do Norte atingem o topo, seguidos pela Ásia, Europa Ocidental, Ilhas do Oceano

Pacífico, Médio Oriente, Europa de Leste, América do Sul, Ásia Central, América Central e

África.239

As diferenças entre este estudo e o da ONU relacionam-se não só com a metodologia, mas

também com os objectivos, na medida em que, a presente investigação avalia a qualidade,

funcionalidade, interactividade dos sítios electrónicos governamentais seleccionados

mundialmente, por sua vez, o estudo das Nações Unidas assenta num índice do grau de

preparação para a governação electrónica que abarca a análise de sites, mas também de infra-

estruturas e de capital humano.

Introduzimos, em seguida, o 100-City E-government Website Survey do E-Governance Institute,

National Center for Public Productivity Rutgers da State University of New Jersey, Campus at

Newark e do Global e-Policy e-Government Institute da Sungkyunkwan University, uma

importante análise longitudinal da governação digital. Este estudo, na qual integramos a equipa

de investigação em 2005, foi publicado no Digital Governance in Municipalities Worldwide: A

238 Ibidem.239 Darrell West, Global E-Government 2005, www.InsidePolitics.org/egovtdata.html.

Page 97: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Longitudinal Assessment of Municipal Websites Throughout the World. Esta investigação

replica um estudo realizado em 2003, embora ligeiramente melhorado (para não se colocar em

causa a exequibilidade e consistência de um estudo longitudinal). Deste modo, das 92 medidas

passou-se para 98 e verificou-se algumas mudanças nas cidades seleccionadas. A actual análise

avalia a prática da governação digital em municípios por todo o mundo. De forma simples, a

governação digital inclui o governo digital e a democracia digital. Especificamente, foram

analisados a segurança, a usabilidade, os conteúdos dos websites, o tipo de serviço on-line

oferecido e a resposta e participação dos cidadãos aos sítios electrónicos criados e mantidos

pelos governos.240

A selecção das cem cidades assentou na população total de cada cidade, no número total de

indivíduos que utilizam a Internet e na percentagem dos indivíduos que usam a Internet,

segundo os dados da International Telecommunication Union (ITU), uma organização afiliada

às Nações Unidas. Em 2003, obtiveram-se 98 cidades com mais de 100,000 habitantes on-line,

às quais se juntaram Hong Kong e Macau. Contudo, em 2005, os dados da ITU-UN

demonstravam 119 cidades com uma população on-line superior a 100,000 habitantes. Assim,

foi imposta uma nova marca, ou seja, foram seleccionados os países com mais de 160,000

habitantes on-line o que originou 98 países, adicionando-se novamente Hong Kong e Macau. O

estudo de 2003 avaliou os sítios electrónicos entre Junho e Outubro de 2003 e o de 2005, entre

Agosto e Novembro de 2005. O instrumento de avaliação consistia em cinco critérios: 1.

Segurança e Privacidade; 2. Usabilidade; 3. Conteúdos, 4. Serviços e 5. Participação do

Cidadão. Para cada um dos cinco componentes foram aplicados 28-20 medidas e cada medida

foi codificada numa escala de quatro pontos (0, 1, 2, 3) ou numa dicotomia de dois pontos (0, 3

ou 0, 1). As cinco categorias obtiveram o mesmo peso na análise, apesar do diferente número de

questões em cada uma delas. Para assegurar a confiança do inquérito, cada sítio electrónico foi

avaliado na sua língua original por dois investigadores e quando se observava uma variação

significativa (+ ou – 10%) um terceiro avaliador efectuava a análise.241

De acordo com os dados de 2005, demonstrados nos quadros seguintes, verifica-se uma

contínua cisão no que respeita à governação digital no mundo. A título exemplificativo, embora

a média da avaliação da governação digital nos municípios seja de 33,11 (em detrimento dos

28,49 de 2003), a média nos países da OCDE é mais elevada, 44,35, enquanto nos países fora da

240 Marc Holzer e Seang-Tae Kim (org.), Digital Governance in Municipalities Worldwide: A Longitudinal Assessment of Municipal Websites throughout the World, E-Governance Institute, 2006, pp. 5-6.241 Idem, pp.6-10.

Page 98: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

OCDE o resultado seja de 26,50. Apesar dos valores para os dois grupos terem aumentado, a

distância que os separa também se elevou. Assim, enquanto 25 das 30 cidades do países da

OCDE se encontram acima da média mundial, apenas 11 das 51 cidades fora da OCDE estão

acima desta média. Em adição, 71% das cidades seleccionadas em África, 22% na Ásia e 20%

na América do Norte não tinham estabelecido o seu sítio electrónico oficial. Todas as cidades da

Europa e da América do Sul seleccionadas para este estudo possuíam site oficial. Desta forma, é

urgente diminuir esta cisão através de compreensivas políticas que abranjam a capacidade de

criar dos municípios, incluindo infra-estruturas, conteúdos e aplicações e acesso para os

indivíduos.242

Quadro 13 – Top 20 das Cidades da Governação Electrónica 2005

242 Idem, pp.11-12.

Page 99: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Fonte: Marc Holzer e Seang-Tae Kim (org.) Digital Governance in Municipalities Worldwide:

A Longitudinal Assessment of Municipal Websites throughout the World, E-Governance

Institute, 2006.

Neste quadro que ilustra os dados de 2005, Seul ocupa o primeiro lugar desta tabela com uma

pontuação de 81.70, alcançando o primeiro lugar em todas as categorias (privacidade e

segurança, conteúdos, serviços e participação), à excepção da usabilidade que é ocupada pela

cidade de Nova Iorque, ficando Seul em terceiro lugar. Comparando os dois rankings, o de 2005

e o de 2003, observamos que Seul persiste no primeiro lugar, embora alcance em 2005 uma

melhor pontuação. Verificamos também que algumas das cidades que incluíam o ranking em

2003, não se encontram no top 20 de 2005, nomeadamente, Roma, Auckland, Jerusalém,

Helsínquia, Estocolmo, Talin, Copenhaga, Dubai e Jacarta.

Quadro 14 – Top 20 das Cidades da Governação Electrónica 2003

Page 100: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Fonte: Marc Holzer e Seang-Tae Kim (org.), Digital Governance in Municipalities Worldwide:

A Longitudinal Assessment of Municipal Websites throughout the World, E-Governance

Institute, 2006.

O próximo quadro evidencia as dez cidades cujos sítios electrónicos obtiveram a maior taxa de

participação dos cidadãos, uma categoria que nos interessa particularmente neste estudo. Deste

modo, Seul ocupa o primeiro lugar e Nova Iorque, que atinge a melhor taxa de usabilidade, não

integra este ranking. De facto, não basta um sítio ser fácil de aceder e utilizar para que seja

largamente participado, além de que acesso não significa necessariamente participação. A

surpresa é efectivamente Varsóvia e Bratislava que se encontram no segundo e terceiro lugar

respectivamente.

Quadro 15 – Top 10 das Cidades na Categoria da Participação dos Cidadãos 2005

Page 101: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Fonte: Marc Holzer e Seang-Tae Kim (org.), Digital Governance in Municipalities Worldwide:

A Longitudinal Assessment of Municipal Websites throughout the World, E-Governance

Institute, 2006.

5. Iniciativas Europeias para o Governo Electrónico

As iniciativas da União Europeia para a Sociedade Informação, que já enumeramos

anteriormente, nomeadamente os planos de acção eEurope 2002, eEurope 2005, a Estratégia de

Lisboa 2010 e o i2010 definem linhas e programas para a Administração Pública. Assim,

cronologicamente, em Novembro de 1999, a Comissão da União Europeia lança o eEurope,

sendo um dos seus objectivos basilares colocar em linha a Administração Pública. Em Março de

2000, o Conselho Europeu de Lisboa aprova a estratégia para a U.E. definida até 2010, onde

estabelece que os principais serviços públicos devem poder ser acedidos em linha até 2003. O

plano de acção eEurope 2002, aprovado em 2000, define como uma das três fundamentais metas

o estímulo ao uso da Internet, onde se enquadra o governo electrónico. Em Março de 2001, o

Conselho Europeu de Estocolmo reforça a necessidade das Administrações Públicas dos

Estados-membros usarem as TIC. Recomenda entre outras iniciativas, a criação dos portais de

compras para a Administração. Neste mesmo ano, a reunião dos Ministros da U.E., EFTA e

países candidatos insiste no desenvolvimento rápido do governo electrónico. Ainda neste

período, a União Europeia lança a iniciativa do “E-Government Awards”. Este prémio destina-se

a estimular o esforço das Administrações Públicas nacionais, regionais e locais na introdução do

mesmo.

A avaliação do eEurope 2002 e do subsequente Plano de Acção eEurope 2005: Uma Sociedade

da Informação para todos que visaram modernizar e colocar os serviços públicos em linha, foi

positiva, mas os desafios permanecem. O Plano de Acção i2010 tem como uma das suas três

Page 102: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

prioridades uma Sociedade da Informação Europeia Inclusiva, que promova o crescimento e

o emprego, de modo consistente com um desenvolvimento sustentável e que dê prioridade a

melhores serviços públicos e a uma melhor qualidade de vida. Na agenda deste objectivo chave

encontra-se a adopção de um plano de acção para o governo electrónico e orientações

estratégicas de TIC para facilitar os serviços públicos até 2006, tal como, o lançamento de

projectos-piloto para testar, à escala operacional, tecnológica, legal e organizacional, soluções

para colocar os serviços públicos em linha até 2007. 243

6. O Caso Português: Pressões Exógenas e Elementos Endógenos

Em matéria de governo electrónico, Portugal sofreu as pressões exógenas da União Europeia, na

medida em que, teve que efectivamente aplicar e concretizar todos os planos de acção definidos.

Contudo, o nosso país também empreendeu iniciativas, demonstrando elementos endógenos de

mobilização. Deste modo, cronologicamente, em 1991, lançou o programa INFOCID (Sistema

Interdepartamental de Informação ao Cidadão), que permitiu a integração de mais de 50

departamentos governamentais.

Enquadrado no XIII Governo Constitucional (1995-1999), em 1996, é possibilitado aos

cidadãos entregarem as suas declarações de impostos (IRS) pela Internet (o que aconteceu pela

primeira vez em todo o mundo). Em 1997, nas Grandes Opções do Plano é identificado o plano

dos serviços públicos e da Administração Pública em linha, onde surge como eixo o “Estado

Aberto”, que diz respeito ao equipamento do sector, a uma utilização mais intensiva das TIC e a

uma melhoria das condições de prestação de serviços pela Administração Pública. 244 Ainda

neste ano, a “Missão para a Sociedade da Informação” apresenta o Livro Verde para a

Sociedade da Informação em Portugal. Neste primeiro relatório do estado da Sociedade da

Informação na Administração Pública portuguesa, foram apresentadas algumas metas e

objectivos a alcançar no âmbito da Sociedade da Informação e do governo electrónico.245

As Grandes Opções do Plano para 1998 demonstram a continuidade da estratégia do “Estado

Aberto”. A nível interno, através da qualificação dos recursos humanos e da globalização do

pagamento electrónico. A nível externo (numa perspectiva de interacção baseada no processo de

243 Comissão Europeia, i2010 – A European Information Society for growth and employment, 2005. 244 Lei da Assembleia da República n.º 52-B/96 de 27 de Dezembro.245 Missão para a Sociedade da Informação, Ministério da Ciência e Tecnologia, Livro Verde para a Sociedade da Informação, 1997, Lisboa.

Page 103: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

classificação da informação pública) de programas de informação ao cidadão e da criação de

endereços de correio electrónico para os serviços da Administração Pública.246

Nesta mesma orientação, o XIV Governo Constitucional (1999-2002) inclui no conjunto das

Grandes Opções do Plano para 2000 o “Estado Aberto”, estabelecendo como acções, a

generalização das TIC nos serviços públicos; a concretização do guichet único para cada acto

administrativo; a execução de 25% das transacções do Estado por meios electrónicos e a

disponibilização on-line de toda a informação das entidades públicas.247 Salienta-se, contudo,

dois fundamentais programas, a Iniciativa Internet e o Programa Operacional Sociedade da

Informação (POSI). O primeiro contempla numa das suas sete dimensões o uso de Internet pela

administração pública e pelos cidadãos nas suas relações com o Estado. O POSI, financiado pelo

Quadro Comunitário de Apoio 2000-2006, evidencia num dos seus três eixos prioritários, o

“Estado Aberto: Modernizar a Administração Pública” que se insere no eixo III.

Em termos legislativos, além de aprovada uma peça legislativa referente à adopção de medidas

dirigidas à generalização das práticas de aquisição de bens e serviços por via electrónica pela

Administração Pública,248 destaca-se em 2000, o estabelecimento, no contexto do Infocid (agora

no âmbito do Portal do Cidadão), do Serviço Público Directo, que permitia a solicitação de

emissão de certidões do registo civil, predial e comercial por via electrónica, através de

diferentes modalidades de pagamento electrónico.249 No entanto, como demonstra Nuno

Almeida Alves, foi “(…) criado um processo electrónico em adição ao procedimento habitual

(de visita à conservatória), sem substituição de processos e em que todos os procedimentos de

backoffice são exactamente os mesmos. Para rematar a excelência do procedimento, a prestação

do serviço em regime de solicitação electrónica é ainda mais dispendiosa do que a prestação

normal”250.

Em 2001, as Grandes Opções do Plano consistem praticamente nas iniciativas definidas pelo

POSI.251 No que concerne o governo electrónico, tomam-se três importantes passos,

nomeadamente, é impulsionada a avaliação externa dos sítios electrónicos de organismos da

administração directa e indirecta do Estado; é determinada a divulgação e discussão pública do

relatório sobre aquisição de bens por via electrónica pela administração pública e é estabelecida 246 Lei da Assembleia da República n.º 127-A/97 de 20 de Dezembro.247 Lei da Assembleia da República n.º 3-A/2000 de 4 de Abril.248 RCM 143/2000 de 27 de Setembro.249 Resolução do Conselho de Ministro n.º 156/2000 de 16 de Novembro.250 Nuno Almeida Alves, op. Cit., p.249.251 Lei da Assembleia da República n.º 30-B/2000 de 29 de Dezembro.

Page 104: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

a obrigatoriedade de as entidades empregadoras com dez ou mais trabalhadores efectuarem a

declaração dos ordenados dos mesmos em suporte digital ou pela Internet, nos serviços do

sistema de solidariedade social.252

No ano seguinte e no âmbito do governo electrónico, apenas se acrescenta às Grandes Opções

do Plano para 2002, a entrada de funcionamento faseada do aprovisionamento público

electrónico, tal como, determinado no Plano Nacional das Auto-Estradas da Informação

(aumento das condições de concorrência e de competitividade do mercado de banda larga em

Portugal).253 No entanto, esta medida não foi executada, culminando com a venda pelo Estado

da rede fixa de telecomunicações, o que acabou com qualquer poder de intervenção estatal neste

assunto.254 No plano legal, legislou-se sobre a adopção de planos de aquisição, uso e

actualização de programas de computador; a determinação da referenciação de sítios

electrónicos do Estado e a divulgação de publicidade estatal em outros sítios electrónicos; a

atribuição de relevância jurídica à disponibilização e submissão electrónica dos modelos dos

formulários dos organismos e serviços da administração pública e, por último, a aprovação do

regime de aquisição de bens via electrónica pelos organismos públicos.255

Apesar dos projectos e legislação aprovada, o estudo Processos Básicos de 2002 da APDSI

revela que Portugal baixa no ranking europeu do governo electrónico para o 8º lugar (estando

anteriormente no 5.º lugar), uma vez que, não demonstrou mais iniciativas para satisfazer outras

necessidades básicas dos cidadãos.256 Com efeito, a avaliação deste governo, concretamente da

iniciativa “Estado Aberto”, parece ficar aquém da sua real concretização, apesar dos inúmeros

projectos aprovados. Um dos obstáculos parece estar no facto de se desenhar o governo

electrónico de acordo com os processos da administração tradicional, o que não só impossibilita

a potencialidade das TIC neste âmbito, como emaranha tudo, deixando dúvidas, dicotomias e

contradições.

Em 2002, o XV Governo Constitucional propõe cinco grandes linhas de acção, nas quais se

salienta o governo electrónico, nomeadamente através da determinação de dois projectos, o

“Plano Estratégico Info 2005” e o “Plano Estratégico dos Serviços Públicos Electrónicos”. O

252 RCM 22/2001 de 1 de Março, RCM 32/2001 de 2 de Março e DL 106/2001 de 6 de Abril de 2001 respectivamente. 253 Lei da Assembleia da República nº. 109-A/2001 de 27 de Dezembro.254 Nuno Almeida Alves, op. Cit., p. 254.255 RCM 21/2002 de 31 de Janeiro; RCM 22/2002 de 31 de Janeiro; DL51/2002 de 2 de Março e DL 104/2002 de 12 de Abril de 2002.256 APDSI, Processos Básicos, 2002.

Page 105: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

primeiro, responsável pela realização de um diagnóstico, análise de ganhos e definição da

estratégia de digitalização da Administração Pública. O segundo baseia-se numa estratégia de

negócio electrónico (“ebusiness”) a ser seguida pelos diversos departamentos da administração

pública, através da estruturação de planos de negócio geridos por equipas qualificadas.257 Em

Novembro de 2002, como já referimos anteriormente, é criada a UMIC na dependência directa

do Ministro-adjunto do Primeiro-ministro. É, então, a estrutura de apoio ao desenvolvimento da

política governamental em matéria de inovação, Sociedade da Informação e governo

electrónico. A UMIC assume competências que estavam antes sob a tutela do “Secretariado para

a Modernização Administrativa” (SMA), concretamente quanto à implementação do governo

electrónico.258 É ainda criada a “Comissão Interministerial para a Inovação e Conhecimento”

que integra representantes de todos os ministérios a quem compete propor, de forma

calendarizada, estratégias e desenvolvimento integrado para a inovação, a Sociedade da

Informação e o governo electrónico. Tem como competências a monitorização da evolução de

cada ministério na implementação do governo electrónico.259

Neste enquadramento, a UMIC elabora e aprova em 2003, um conjunto de planos de acção,

nomeadamente a Qualidade e Eficiência dos Serviços Públicos – Plano de Acção para o

Governo Electrónico e o Programa Nacional de Compras Electrónicas, entre outros.260 O Plano

de Acção para o Governo Electrónico identifica sete componentes essenciais de actuação:

1. Serviços públicos orientados para o cidadão,

2. Administração Pública moderna e eficiente,

3. Nova capacidade tecnológica,

4. Racionalização de custos das comunicações,

5. Gestão eficiente das compras,

6. Serviços próximos dos cidadãos,

7. Adesão aos serviços públicos interactivos.261

Contudo, “O discurso é atraente, o verbo é fácil, mas a probabilidade de execução é

diminuta”262. Integrando-se neste Plano de Acção, o Programa Nacional de Compras

257 Programa do XV Governo Constitucional, 2002.258 Alínea b, n.º 2 da Resolução do CM n.º 135/02 de 20 de Novembro259 Diário da República da Resolução de CM n.º 135/2000.260 Diário da República n.º 185 de 12 de Agosto de 2003 (I Série – B).261 Unidade de Missão Inovação e Conhecimento, Qualidade e Eficiência dos Serviços Públicos – Plano de Acção para o Governo Electrónico, Oeiras, UMIC, 2003.262 Nuno Almeida Alves, op. Cit., p. 261.

Page 106: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Electrónicas evidencia como objectivos a “promoção da eficiência do processo aquisitivo

público, garantindo ganhos e poupanças estruturais, facilitando e alargando o acesso das

empresas ao mercado de compras públicas e aumentando a transparência e a qualidade do

serviço prestado” e a criação de “dinâmicas junto de agentes económicos, promovendo a sua

competitividade e produtividade e induzindo a adopção de novas práticas e comércio electrónico

a nível nacional”263. O plano define metas a alcançar em 2006, ou seja, a realização electrónica

de mais de 50% dos processos de compra; a redução dos custos unitários entre 2,5% e 5%

anualmente; a redução dos custos de transacção entre 10% e 20% anualmente e a

disponibilização de informação electrónica sobre 70% a 100% dos processos de compras

públicas.264

Ainda neste ano, entra em funcionamento o Portal do Cidadão, sítio electrónico que agrupa

informação e serviços disponibilizados por vários organismos e entidades da Administração

Pública e é lançada a rede de projecto-piloto de compras públicas electrónicas em oito

ministérios.265 No entanto, em Novembro de 2003, o estudo da “Associação Portuguesa para o

Desenvolvimento da Sociedade da Informação” (APDSI) faz o balanço da Administração

Pública portuguesa na Sociedade da Informação. Neste relatório são definidos como

impedimentos para o governo electrónico nacional:

Reduzida ou mesmo inexistente avaliação das experiências em curso, como dos

projectos anteriores;

Enfoque excessivo na tecnologia e não nos objectivos;

Atraso da transposição para a lei portuguesa de directivas comunitárias criadas para o

incremento do governo electrónico;

Ausência de qualquer legislação para sectores da Administração como a tele-

medicina.

Da mesma forma, reitera um conjunto de acções essenciais para o governo electrónico em

Portugal:

263 Unidade de Missão Inovação e Conhecimento, Programa Nacional de Compras Electrónicas, Oeiras, UMIC, 2003, p. 5.264 Ibidem. 265 www.portaldocidadão.pt ; www.compras.gov.pt .

Page 107: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Necessidade de objectivos mensuráveis, bem como modelos e indicadores para

avaliar esses projectos;

Adequação da legislação e de medidas relacionadas com o governo electrónico,

tendo em atenção as particularidades das diferentes regiões, concretamente das

Regiões Autónomas;

Importância do envolvimento do funcionário público no processo de modernização;

Promoção de projectos transversais entre os diversos sectores da Administração

Pública.

O estudo reconhece que as TIC constituem uma alavanca essencial à transformação e à

progressiva introdução de mecanismos de governo electrónico pró-activos e próximos das

necessidades dos cidadãos e dos agentes económicos. Identifica também que os casos de sucesso

associaram a introdução de TI e reengenharia de processos com novos desenhos de

procedimentos e rotinas simplificadas. Conclui, assim, que o governo electrónico é uma

oportunidade única para Portugal mostrar as suas capacidades ao nível da inovação e do

desenvolvimento.266

Em 2004, a UMIC apresenta em Fevereiro, o renovado Plano de Acção para o Governo

Electrónico, cujos objectivos nucleares são:

Conveniência e Satisfação dos cidadãos;

Eficiência com menores custos;

Transparência do aparelho de estado;

Participação democrática por parte dos cidadãos.

Neste enquadramento, para o desenvolvimento estratégico do governo electrónico foram

definidos sete eixos de actuação:

1. Serviços Públicos orientados para o cidadão;

2. Administração Pública moderna e eficiente;

3. Nova capacidade tecnológica;

4. Racionalização de custos das comunicações;

5. Gestão eficiente das compras;

266 APDSI, 2003, www.apdsi.pt

Page 108: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

6. Serviços próximos dos Cidadãos;

7. Adesão aos Serviços Públicos Interactivos.

Este Plano reiterava a concretização e reforço dos seguintes projectos:

Portal do Cidadão;

Promoção da interoperabilidade;

Racionalização dos custos de comunicação;

Compras públicas electrónicas; criação do Portal da Administração e do Funcionário

Público;

Sistema de Informação Nacional e Único da Segurança Social;

Documento Único do Registo Automóvel;

Sistema Integrado do Registo de Identificação Civil.267

O XVI Governo Constitucional reforça o Programa do Governo anterior, considerando que a

Sociedade da Informação, nomeadamente nos seus vectores da inovação e do conhecimento,

representa uma oportunidade para alterar as relações entre os cidadãos e o Estado e para

reinventar a organização da própria Administração Pública. A estratégia do Plano de Acção

para o Governo Electrónico é reiterada. Efectivamente, nas Grandes Opções do Plano para

2005, particularmente nas nove áreas de actuação destaca-se o ponto três “Serviços Públicos

Orientados para o Cidadão e Administração Pública Moderna e Eficiente”, onde se pretende

melhorar o Portal do Cidadão, executar reengenharia de processos para uma potencial aplicação

do Governo Electrónico; o cinco “Gestão Eficiente de Compras”, que se baseia no apoio aos

projectos-piloto de Compras Electrónicas Ministeriais, na promoção da sua generalização em

todos os Ministérios e na criação de Unidades Ministeriais de Compras); o seis “Melhor

Cidadania” que propõe a realização de um projecto-piloto vinculativo de Voto Electrónico e o

acesso gratuito ao DR electrónico, e por fim, o sete “A Sociedade da Informação no Território”

que visa descentralização com a ajuda das TIC e o reforço dos projectos das cidades e regiões

digitais.268

Ainda neste ano de 2004, salienta-se o relançamento do Portal do Cidadão e a promoção das

compras electrónicas na Administração Pública. Estão, neste período, em fase de projectos-

267 UMIC, Plano de Acção para o Governo Electrónico, 2004.268 Grandes Opções do Plano para 2005, Lei da Assembleia da República n.º 55-A/2004, aprovado em 14 de Outubro de 2004, DR n.º 304 de 30 de Dezembro de 2004 (I Série – A).

Page 109: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

piloto os sítios da Presidência do Conselho de Ministros, do ministério da Defesa Nacional,

Justiça, Educação, Saúde, Segurança Social e Trabalho, Obras Públicas, Transportes e

Habitação.

Em 2005, a “UMIC-Agência para a Sociedade do Conhecimento” (nova denominação da

UMIC) dinamiza o Plano de Acção de forma a:

Melhorar os serviços públicos;

Aumentar a qualificação e produtividade;

Diminuir a burocracia;

Aumentar a inovação.

Neste enquadramento, o Programa do governo seguinte, ou seja, do XVII Governo

Constitucional, realça a disponibilização on-line de todos os serviços públicos básicos, o

lançamento do cartão comum do cidadão e a introdução progressiva do princípio do balcão

único nas relações do Estado com os cidadãos e as empresas, uma vez que, competirá ao serviço

público apropriado (e não ao utilizador) obter de outros serviços públicos os documentos e

informações eventualmente necessários.269 Assim, são prioridades o apoio aos projectos cidades

e regiões digitais, partindo de um agregado de projectos locais e regionais para uma nova

dimensão, Portugal Digital, sustentada em desafios comuns às cidades e regiões digitais actuais

ou em desenvolvimento, nomeadamente em aplicações com fortes economias de rede, como o

funcionamento inter-modal dos transportes ou a tele-medicina e a avaliação independente,

regular e transparente dos sistemas de informação da Administração e dos serviços públicos.270

A iniciativa Ligar Portugal, que se enquadra no Plano Tecnológico, enumera um conjunto de

orientações para a modernização da Administração Pública, que possibilitem:

A generalização do uso do serviço de voz sobre Internet, garantindo mecanismos de

consulta a todos os operadores para a aquisição competitiva da totalidade dos serviços de

telecomunicações pelo Estado e outras entidades públicas;

Assegurar condições de formação a todo o pessoal da Administração Pública,

especialmente o de mais baixas qualificações, certificando-se competências adquiridas,

269 Programa do XVII Governo Constitucional, 2005.270 Ibidem.

Page 110: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

reforçando a formação em tecnologias de informação e promovendo a utilização

crescente de sistemas operativos não proprietários por todos os serviços públicos;

Disponibilizar em local único da Internet todos os concursos da Administração Pública

central ou local para a aquisição de bens e serviços e para a contratação de pessoal,

incluindo o respectivo historial e decisões;

Assegurar o acesso interactivo aos serviços públicos, a possibilidade de completar os

actos administrativos correntes sem deslocações e para além dos horários normais,

usando as tecnologias de comunicação disponíveis (Internet, mas também telefone,

Multibanco, correio), devendo ser controlado e avaliado de forma independente o

desempenho dos serviços públicos na Sociedade da Informação;

Garantir a generalização da facturação electrónica na maioria das transacções

comerciais, obrigando-se o Estado a adoptar a prática da facturação electrónica até final

de 2006;

Estimular e criar as condições para o desenvolvimento do tele-trabalho e da tele-

medicina;

Apoiar a integração de cidadãos com necessidades especiais na Sociedade de

Informação.271

Em conclusão, importa introduzir dados de dois relatórios diferentes, o “On-line Availability of

Public Services: How is Europe Progressing?”, realizado pela Cap Gemini Ernst & Young em

2006, para a União Europeia, que salienta o incrível progresso de Portugal. Em relação à

sofisticação on-line encontra-se no 12º lugar (em 2001, obteve 51 pontos e em 2006, 83 pontos)

e quanto à total disponibilização on-line ocupa o 11º lugar do ranking dos países da União

Europeia (em 2001 tinha 32 pontos e em 2006 alcança 60 pontos).272 Por sua vez, o “E-

Government em Portugal. A oferta digital do Estado Português” da

Vector21/PriceWaterHouseCoopers Consulting demonstra que apesar de nem sempre centrados

no cidadão, os organismos públicos estão em linha significativamente, ou seja, 88% dos

271 Programa de Acção integrado no Plano Tecnológico do XVII Governo: Mobilizar a Sociedade da Informação e do Conhecimento, Ligar Portugal, http://www.ligarportugal.pt. 272 Cap Gemini Ernst & Young/European Comission, On-line Availability of Public Services: How is Europe Progressing?, 2006.

Page 111: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Ministérios; 67% das Direcções Centrais; 85% das Direcções Regionais e 78% dos Institutos

Públicos, o que permite aos autores concluir que o Estado está na Internet como reflexo da sua

estrutura orgânica e não de acordo com os problemas que o cidadão tem para resolver.273

D. Comunidades VirtuaisIntrinsecamente ligado às cidades digitais encontramos o conceito comunidades virtuais. A

proliferação destes grupos deveu-se aos progressos de convergência das tecnologias de

comunicação e computação, que facultaram estabelecer redes entre pessoas, independentemente

das suas diferenças geográficas e temporais. Surgindo nos E.U.A. através de bulletin boards e

newsgroups alargaram-se a todo o mundo evidenciando, no entanto, uma forte componente de

influência cultural norte-americana.

Importa neste enquadramento reiterar a necessidade de se readoptar ou mesmo reinventar

sociologicamente o conceito de comunidade. Embora Max Weber tenha salientado o seu cariz

vago e a sua aglomeração de fenómenos e relações heterogéneas na sua obra Conceitos Básicos

de Sociologia274, autores como Ferdinand Tönies conceptualizavam a comunidade em

contradição com a sociedade, forma de corrupção que deteriorava a comunidade, estado ideal

dos grupos humanos.275 Para Durkheim, tal como para Weber, as relações sociais absorveriam o

símbolo da comunidade e o da sociedade. Aliás, Max Weber nota que a comunidade só existe

aliando um sentimento comum e uma acção conjunta que solidifica esse todo.276 A visão clássica

de comunidade foi sendo substituída, englobando outros critérios, como a pertença, a

territorialidade, a permanência e formas próprias de vivência. De qualquer forma, a sociologia

convencionou a comunidade como um agrupamento humano existente num determinado

território.

Contudo, a Internet e a Comunicação Mediada por Computador (CMC) modificaram a noção de

comunidade. Neste seguimento Rheingold277 foi um dos autores que pioneiramente utilizou o

termo “comunidade virtual” para definir grupos humanos que mantinham relações sociais no

ciberespaço. Efectivamente, as modernas tecnologias de informação originaram comunidades

independentes da localização geográfica dos seus membros, a CMC criou grupos de interesses e 273 Vector 21/ PriceWaterHouseCoopers Consulting, E-Government em Portugal. A oferta digital do Estado Português, 2006. 274 Max Weber, Conceitos Básicos de Sociologia, Editora Moraes, São Paulo, 1987, p. 79.275 Raquel Recuero, “Comunidades Virtuais – Uma abordagem teórica”, V Seminário Internacional de Comunicação, PUC/RS, www.bocc.ubi.pt 276 Ibidem.277 Howard Rheingold, www.rheingold.com

Page 112: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

afinidades comuns, sendo designadas de comunidades virtuais, on-line ou electrónicas. Estas

comunidades virtuais são sinónimas de conceitos difundidos como o de “global village” de

Marshal Mcluhan ou o de “nonplace comunity” de Webber.278 O aspecto territorial e até

temporal são assim reduzidos. Aliás, Aoki frisa que as grandes distinções entre as comunidades

virtuais e as tradicionais, baseiam-se na libertação da restrição geográfica, na acessibilidade de

acordo com a conveniência de cada um e na recuperação de informações/mensagens.279

De facto, como expõe Raquel Recuero são inúmeras as oposições ao vocábulo, na medida em

que, se uns observam que estas são apenas comunidades tradicionais mantidas pela Internet,

outros sublinham que ao não possuírem território, locus concreto, não lhes permite serem

abordadas como comunidades em sentido rigoroso.280 Com efeito, e tentando solucionar a

problemática em questão, Quentin Jones desmonta o conceito em duas direcções: comunidade

virtual como lugar no ciberespaço, ou seja, como suporte da comunidade, o caso do IRC, e

comunidade virtual como novas formas de comunidade desenvolvidas através da CMC.281 O

primeiro sentido é denominado de “virtual settlement” e o segundo de “comunidade virtual” na

sua verdadeira acepção. Nesta linha de pensamento, o “virtual settlement” corresponde a um

ciber-lugar, determinado por um tópico de interesse e por uma considerável interactividade.282

Portanto, uma vez que, estes lugares virtuais conduziriam à formação de colectividades a ele

ligadas é possível identificar e delimitar comunidades virtuais através da sua acção nesses

espaços. Assim, a comunidade virtual também necessita inevitavelmente de um espaço público,

de um locus, que apesar de virtual é limitado, por exemplo, a um canal do IRC. Realmente, a

permanência e a pertença são também aspectos característicos das comunidades virtuais, isto

porque, a estabilidade das relações sociais que se realizam efectivam estas particularidades.

Como demonstra Primo “Os participantes de chats reconhecem-se como parte de um grupo e

como responsáveis pela manutenção das relações”283. Todavia, este sentimento de pertença on-

line é distinguido da ideia de comunidade off-line. Palacios nota a este propósito que, a noção de

comunidade off-line englobava a pertença ligada ao território geográfico, mas mesmo para

278 Kumiko Aoki, “Virtual Communites in Japan”, Ensaio apresentado na Pacific Telecommunications Council Conference, 1994, Universidade do Hawai, http://www.ibiblio.org/pub/academic/communications/papers/Virtual-Communities-in-Japan, p. 3.279 Ibidem.280 Raquel Recuero, op. cit., p. 9.281 Quentin Jones, “Virtual-Communities, Virtual Settlements & CyberArchaelogy – A Theoretical Outline”, in Journal of Computer Mediated Communication, vol. 3, issue 3, Dezembro, 1997.282 Ibidem.283 Alex F. T. Primo, “A Emergência das Comunidades Virtuais”, XX Congresso da Intercom, Santos/SP, 27 de Agosto a 7 de Setembro de 1997, http://usr.psico.ufrgs.br/aprimo

Page 113: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

aqueles que se agregam a uma representação de um espaço territorial real, o sentimento de

pertença, ou seja, de identificação grupal é associado primeiramente à comunidade e não ao seu

território. O autor supracitado aponta uma outra característica da pertença à comunidade virtual,

a da electividade, isto é, no ciberespaço é possível seleccionar a comunidade que se deseja

integrar.284

Se para muitos a comunidade virtual não representa uma nova forma de sociabilização, mas

somente a transposição da comunidade tradicional para um novo suporte, para outros o facto é

uma realidade incontornável. Raquel Recuero demonstra que as afirmações iniciais se prendem

com o facto de muitos encontros on-line promoverem posteriormente a sua reunião off-line.

Porém, mesmo quando tal se realiza, os laços sociais continuam a ser mantidos e solidificados

prioritariamente on-line.285 Aliás, a distância geográfica pode não possibilitar esta passagem

para um plano off-line. Aoki observa que curiosamente os indivíduos que comparecem nos

encontros off-line mencionam que não se sentem estranhos ou reservados, como quando

conhecem alguém pela primeira vez, pois nestes casos as pessoas já lhes são familiares.286 Com

efeito, verifica-se haver um conhecimento profundo, embora a interacção física tenha sido

inexistente. Portanto, delimitam-se grandes discrepâncias entre o espaço, relacionamento,

comunicação e interacção on-line e a tradicional, “diferenças essas que estão directamente

relacionadas com o suporte, mas não se resumem a ele”287.

II. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL E TEMÁTICO PRINCIPAL:

CIDADES DIGITAIS E CIDADANIA

A. Cidades e Regiões Digitais1. Aproximação Conceptual

Perante a presente Era da Informação, a sua constante evolução tecnológica e os desafios que as

cidades contemporâneas enfrentam (megalomania, globalização, fragmentação, a crise de

284 Marcos Palacios, Cotidiano e Sociabilidade no Cyberespaço: Apontamentos para Discussão, http://facom/ufba/br/pesq/cyber/palacios/cotidiano.html 285 Raquel Recuero, op. cit., p. 9.286 Kumiko Aoki, op. cit., p. 7.287 Raquel Recuero, op. cit., p. 9.

Page 114: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

identidade, de cidadania e dos espaços públicos, etc.)288 as cidades sentiram necessidade de se

complementarem numa plataforma on-line, aproveitando todas as especificidades da CMC

(Comunicação mediada por Computador), utilidades do meio e potencialidades do ciberespaço.

A expressão “cidade digital” foi pela primeira vez utilizada em 1994, quando a DDS (De

Degitale Stad – cidade digital) foi criada pela comunidade virtual de Amesterdão. Utilizando

uma metáfora citadina, a DDS combinava características de uma rede comunitária, uma WWW

local e uma plataforma para as comunidades virtuais. Desde então, esta expressão tem sido

usada para ilustrar uma grande variedade de TICs locais, sistemas e projectos.289

Neste sentido, José Luiz Moutinho reflecte sobre esta multiplicidade, “What is a digital city…

Perhaps, their diverse interpretations reflect the relative infancy of this concept. Innovations are

often fuzzy at the beginning, and it takes a while before they establish their own evolutionary

paths from pre-existing ones or simply fade out. Maybe instead, these varied readings about

digital cities simply mirror the different views about real cities and they will still coexist for a

long time”290. Com efeito, a definição de cidade digital está longe de ser consensual e unívoca

entre os vários especialistas. Facto que é evidenciado pela grande diversidade de projectos e

enquadramentos, na medida em que, em alguns contextos, o desígnio é o suporte do governo

electrónico ou de agências/instituições locais, enquanto noutros, os serviços a disponibilizar são

de empresas privadas. Esta circunstância é ainda reforçada pela confusão e miscelânea do uso

indiferenciado de vários termos, nomeadamente, cibercidade, cidade virtual, etc., o que, como

sublinha A. Aurigi, impõe a absoluta necessidade de se definir uma tipologia de cidades sociais,

de modo a dar sentido às diversas abordagens e a impedir que se estude diferentes fenómenos

como idênticos e homogéneos.291

Reconhecendo esta dificuldade, Bastelaer e Lobet-Maris avançam que o vocábulo é utilizado

para qualificar “the rapid growth of information and communication technologies that is

currently transforming advanced industrial cities as well as to designate on-line services –

mostly services available through the World Wide Web – managed by municipal government,

businesses, citizens or users and which either presence local content or use the urban metaphor

288 Cfr. Alessandro Aurigi, Making the Digital City. The Early Shaping of Urban Internet Spaces, Ashgate, 2005, pp. 9-17.289 Peter van den Besselaar, “Local Information and Communication Infrastructures: An Introduction” in Besselaar, Peter van den and Satoshi Koizumi (Eds.) Digital Cities III Information Technologies for Social Capital: Cross-cultural Perspectives, Springer, 2005, p. 4.290 José Luiz Moutinho, “Building the Information Society in Portugal: Lessons from the Digital Cities Program 1998-2000”, 8ª Conferência Internacional de Políticas Tecnológicas e Inovação.291 Alessandro Aurigi, Making the Digital City. The Early Shaping of Urban Internet Space, Ashgate, 2005, p. 32.

Page 115: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

to facilitate user understanding”292. De acordo com José Mamede, “a cidade digital é uma rede

de informação e comunicação constituída por computadores, linhas telefónicas e conexões

electrónico-digitais que interliga cidadãos, sectores públicos e privados em uma localidade de

características sócio-politica, económica e cultural”293.

Segundo uma definição mais ampla, Schuler frisa que uma cidade digital engloba a

transformação ou reordenamento de uma cidade com recurso à tecnologia digital; uma

representação ou um reflexo virtual de alguns aspectos de uma cidade, real ou virtual, e ainda, a

cidadania digital. 294 Com efeito, Gurstein fortalece a importância das comunidades nas cidades

digitais, onde os recursos devem estar disponíveis para desempenhar um determinado número

de solicitações, nomeadamente, acesso à comunidade, interacção com a comunidade e

informação sobre a comunidade. Em adição, o Estado da Arte denota que as cidades digitais

permitem às comunidades locais o desenvolvimento de novas formas para reinventarem o seu

quotidiano, enquanto estão ligadas e interagem numa situação global. Este fenómeno é

designado como “glocalização”, sendo reiterado por Bastelaer e Lobet Maris.295

Para Toru Ishida, “the concept of digital cities is to build an arena in which people in regional

communities can interact and share knowledge, experiences, and mutual interests. Digital cities

integrate urban information (both achievable and real time) and create public spaces in the

Internet for people living/visiting the cities”296. Acrescenta posteriormente que as cidades

digitais “will collect and organize the digital information of the corresponding cities, and

provide a public information space for people living in and visiting them to interact with each

other”297. Segundo o autor, as cidades digitais concedem oportunidade às pessoas de criar um

novo espaço de informação para o seu quotidiano. Isto ocorre, porque as pessoas começam a

integrar a Internet na sua vida diária. Consequentemente, as cidades digitais irão assimilar a vida

quotidiana das pessoas e os negócios na Internet, socorrendo-se de uma metáfora citadina. Com

efeito, como revela o autor supracitado, os norte-americanos gastam 80% dos seus rendimentos 292 Bastelaer B. and Lobet-Maris, in Luís Borges Gouveia, Joaquim Borges Gouveia, “Connecting the Real and the Virtual World: a discussion on measuring digital cities impact”, Workshop sobre Abordagens Sócio-Técnicas em SI, 3ºCAPSI, 21 Novembro, Universidade de Coimbra. 293 Ibidem.294 Doug Schuler, Digital Cities and Digital Citizens, Evergreen State College, Palo Alto, 2001.295 L. Borges Gouveia e J. Borges Gouveia, “Connecting the Real and the Virtual World: a discussion on measuring digital cities impact”, Workshop sobre Abordagens Sócio-Técnicas em SI, 3ºCAPSI, 21 Novembro, Universidade de Coimbra.

296 T. Ishida, “Kyoto Digital City”, Communications of the ACM, 45(7), 2002, pp. 76-81.297T. Ishida, “Bridging Technologies and Humans for Everyday Life”, in van den Besselaar, P. and Koizumi, S., (eds.), Digital Cities III: Information Technologies for Social Capital, Cross-Cultural Perspectives, Springer-Verlag, Berlin, 2005, pp. 166-187.

Page 116: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

num raio de vinte milhas (cerca de 32 km) de sua casa. Assim, apesar da progressiva economia

global ser uma realidade, a vida diária mantém-se local. O investigador conclui que cada cidade

digital defrontar-se-á com transformações, à medida que as tecnologias são melhoradas. Desta

forma, nenhuma cidade digital poderá permanecer inalterável.298

Assim, Jorge Xavier frisa que as cidades digitais não devem ser percepcionadas como metáforas

restritas ao espaço virtual, na medida em que, irão agregar as actividades digitais no seu dia a

dia, entendendo-as como reais e indispensáveis.299 A este propósito, Paulo Teixeira reitera que

“As cidades e organizações locais já não conseguem responder às necessidades e solicitações

multicanal dos seus cidadãos, precisam por isso de adoptar novas estratégias no planeamento e

organização das cidades físicas, que poderão ser complementadas com equivalentes virtuais”300.

Para Firmino, as cidades digitais não devem ser entendidas como elementos isolados, como

representações WEB, devendo englobar os interesses comerciais e cívicos, os utilizadores, as

infra-estruturas e ambos os aspectos físicos e virtuais de uma cidade.301 Cardoso et al reiteram

que a cidade digital encontra-se relacionada com a prestação de serviços em linha por parte de

actores públicos e privados à comunidade e ao público em geral.302 Por sua vez, Furtado frisa

que as cidades digitais têm como intuito desenvolver uma interface tecnológica destinada a

potenciar o desempenho das actividades de uma cidade.303

Acreditando que a prática e a teoria devem estar intrinsecamente relacionadas, numa progressiva

simbiose, introduzimos já neste enquadramento conceptual, dados recolhidos do estudo

empírico, ou seja, as definições dos entrevistados.304 Assim, Sílvio Zancheti, da Universidade

Federal de Pernambuco, evidencia que “A cidade digital é um sistema de pessoas e instituições

conectadas por uma infra-estrutura de comunicação digital (a Internet) que tem como referência

comum uma cidade real. O propósito de uma CD varia muito, podendo incluir um ou mais dos

seguintes objetivos, entre inúmeros outros: criar um espaço de manifestação política e cultural

298 T. Ishida, “Understanding Digital Cities”, Digital Cities: experiences, Technologies and future perspectives, Lecture Notes in Computer science, Vol. 1765, Springer-Verlag, 2000.299 Jorge Xavier, op. Cit., p. 37.300 Paulo Teixeira, Cidades e Regiões digitais: preocupações a nível local, Instituto do Cávado e do Ave, Workshop Cidades Digitais, 4ª Conferência da Associação Portuguesa dos Sistemas de Informação, Porto, Outubro de 2003.301 R. Firmino, “Not Just Portals: virtual cities as complex sociotechnical phenomena”, Journal of Urban Technology, volume 10, número 3, 2003. 302 Paulo Ribeiro Cardoso, Sofia Gaio e João Abreu, “Potencialidades das Cidades Digitais na Promoção do Turismo Urbano”, in Luís Borges Gouveia (org.) Cidades e Regiões Digitais: Impacte nas cidades e nas pessoas, Edições Universidade Fernando Pessoa, 2003, pp. 63-83.303 Gonçalo Furtado, “Considerações sobre o planeamento urbano face à Sociedade da Informação”, in Luís Borges Gouveia (org.) Cidades e Regiões Digitais: Impacte nas cidades e nas pessoas, Edições Universidade Fernando Pessoa, 2003, pp. 237-251.304 Todas as citações dos entrevistados se encontram em anexo nas entrevistas integrais.

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das pessoas e grupos; criar um canal de comunicação entre pessoas e grupos; criar canais de

comunicação e negociação entre a administração municipal e os cidadãos; favorecer uma maior

identificação dos moradores e visitantes com a cidade referência; criar um acervo de

informações, das mais variadas espécies e de fácil aceso sobre a cidade referência”. Linturi, do

Helsinki Arena 2000, sublinha que “A digital city is a combination of the physical city including

the communications infrastructure and the patterns of both physical and virtual interaction that

can be connected to the city. Thus a digital city always can be connected to a physical city but

can include communication patterns between people that are not physically within the city’s

boarders. A digital city is not a service or a computer system and it is not a society of people – it

is a perspective that covers the city and phenomena in communications networks that are

related to the physical city or the image of the city.” Alessandro Aurigi, da Universidade de

Newcastle upon Tyne, refere que a cidade digital é “Nothing. It is just a definition, which is used

in many different ways by many different people. My own current view of the term ‘digital city’

is that this is just a city which has – on top of its traditional functions – electronic functionalities

built-in. Websites, virtual communities etc. are just aspects, fragments of this whole.”

Quanto aos especialistas nacionais, para Luís Borges Gouveia, da Universidade Fernando

Pessoa, “O conceito de cidade digital é (…) que relação é que nós vemos de casamento entre o

território (a parte física) com o digital, que aproveita meios como as TIC para fazer com que as

pessoas interajam e estejam monitorizadas e acolhidas pelo território. E desta forma,

evidenciando dois aspectos que são actualmente essenciais nas economias, que é a informação e

o conhecimento.” Flávio Nunes, da Universidade do Minho, refere que a cidade digital “é um

conceito que procura designar um conjunto de iniciativas muito diversas que visam estimular e

orientar as dinâmicas de transformação urbana, resultantes da interacção das redes e aplicações

telemáticas com as múltiplas dimensões da vivência urbana quotidiana (urbanística, económica,

social, cultural, política, associativa, …).” Para José Luiz Moutinho, “o conceito de cidade

digital é artificial, polissémico e dinâmico, o que dificulta uma resposta imediata (…)”, assim

numa comunicação apresentada na 8ª Conferência Internacional de Políticas Tecnológicas e

Inovação, “Building the Information Society in Portugal: Lessons from the Digital Cities

Program 1998-2000”, este arquitecto frisa “the concept of digital city as a new layer of urban

networked infrastructure, based on telecommunications and computers, to support and augment

everyday life”.

Page 118: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Quanto aos responsáveis da cidade e da região digital seleccionadas, Joaquim Borges Gouveia,

Presidente do Conselho de Administração da Energaia, entidade gestora do Gaia Global,

demonstra que “Uma cidade digital tem que representar uma cidade real, transcrever um

conjunto de serviços que o cidadão acaba por necessitar ao longo da sua vida e no seu

quotidiano (…) No fundo, é poder aceder através do digital a todas as necessidades que eu tenha

na minha cidade real”. Ângelo Estrela, gestor do projecto Gaia Global, patenteia que “Para mim

uma cidade digital não é um conceito fechado em si mesmo. Penso que a cidade digital deve ser

vista como a utilização generalizada das TIC, como meios alternativos que facilitem o dia-a-dia

dos cidadãos nesse território”. Lusitana Fonseca da Comissão Executiva do Aveiro Digital

indica que a cidade digital “é uma cidade onde as pessoas e as organizações, através da

utilização adequada das TIC, atingem e mantém elevados níveis de qualidade na

competitividade empresarial, na oferta e consumo dos serviços públicos e privados e na

qualificação contínua dos seus cidadãos, num quadro de desenvolvimento sustentado nos eixos

sociais, económicos e culturais.” Para José Rafael, também da Comissão Executiva do Aveiro

Digital, o enfoque tem que ser colocado no ponto de vista do cidadão, já que, “Uma cidade

digital é aquela que é tanto mais conseguida, quanto mais disponível aos cidadãos for. Falamos

de um conjunto de serviços que estes precisam, numa lógica do processo, ou seja, o cidadão

deve ir a um determinado ponto e resolver aí o problema que tem. Quanto mais destes serviços

houver disponível ao cidadão, em que ele soluciona os seus problemas, estamos a tender para

uma cidade digital.”.

Portanto, de uma forma geral e realizando uma síntese das diferentes definições dos

entrevistados, a cidade digital é delimitada como uma componente, um complemento da cidade

física que utiliza as TIC e que pode ter diversos objectivos, nomeadamente ser um canal de

comunicação, aproximação, interacção, decisão e simplificação entre os cidadãos e as agências

locais e entre toda a comunidade. É ainda visível a multiplicidade de objectivos que uma cidade

digital pode ter o que nos remete novamente para a imprescindibilidade de uma tipologia de

cidades digitais.

Apesar da cidade digital ser um meio para se alcançar os objectivos da comunidade, a questão

da visão utópica ou distópica da Internet também se coloca neste ponto. Se muitos autores se

demonstram significativamente optimistas relativamente a esta temática, outros como Paul

Virílio, consideram que estamos a mergulhar num mundo imaterial, arriscando a desintegração

das cidades físicas, à medida que se processa a desmaterialização em benefício das cidades

Page 119: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

digitais.305 A nossa abordagem das cidades digitais assenta na complementaridade das

plataformas virtuais com as cidades físicas, não obscurecendo a importância crucial de ligar o

virtual ao real, o espaço de fluxos (“space of flows”) com o espaço de sítios (“space of places”),

como demonstra Manuel Castells. Com efeito, embora pareça um paradoxo digital, o território é

um elemento essencial das cidades digitais.306 É num determinado território que a identidade,

interacção e cultura local são estabelecidas e se pretendemos uma ligação entre um habitante de

uma particular cidade ou região com a sua vertente digital, estes aspectos tem que ser centrais.

Os indivíduos vivem, trabalham e constroem o seu significado à volta dos espaços, dos locais,

das suas casas, dos seus bairros, das suas cidades, dos seus países, etc.

De facto, Lalli reitera que “A pessoa como residente de uma determinada cidade adquire um

certo número de características quase-psicológicas associadas a ela. Por exemplo, uma cidade

pode ser “cosmopolita” em contraste com outras “provincianas”, “ricas”, “tradicionais” (…),

enquanto outras são rejeitadas desdenhosamente como “pobres”, “monótonas”, “frias”, etc.”.

Desta forma, estas características transferem-se da imagem da cidade para os seus habitantes,

tornando-se consequentemente parte da identidade pessoal dos indivíduos, fenómeno que Lalli

reitera ser uma “identidade relativa à cidade” (urban-related identity).307 Desta forma, viver num

certo bairro ou determinada casa implica um elemento identificativo, que pode ser positivo ou

negativo, neste último caso, podendo mesmo chegar a ser uma estigmatização e um elemento de

exclusão. Esta identificação com a cidade e um particular espaço conduz a sentimentos de

pertença territorial, a um envolvimento com um restrita comunidade espacial.308 Aliás, como

evidencia Manuel Castells, apesar de inúmeros estudos salientarem a perda do sentido de

comunidade e apontarem para um processo de individualização e atomização das relações

baseadas no espaço, ou seja, no território, a perda de comunidade não implica necessariamente

que o indivíduo não se refira ao seu local como principal fonte de experiência. A organização

social, a representação política e a identidade cultural são predominantemente assentes num

determinado território.309 Da mesma forma, partilhamos com vários investigadores a necessidade

de se superar a dualidade descrita e apontar potencialidades, limites e vantagens das cidades

digitais, características inerentes a qualquer fenómeno e produto social. Assim, não só na nossa

305 Paul Virílio, Cibermundo: A política do pior, Teorema, Lisboa, 2000.306 Cfr. Luís Borges Gouveia, “O digital, a logística e o território”, PowerPoint de 16 de Outubro de 2004 apresentado na Universidade de Aveiro. 307 M. Lalli, op. Cit., p. 573.308 Ibidem.309 Manuel Castells, “Grassrooting the Space of Flows”, pp.19-20, in James Wheeler, Yuko Aoyama e Barey Warf, Cities in the Telecommunication Age, The Fracturing of Geographies, Routledge, 2000.

Page 120: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

análise, como nas entrevistas e e-entrevistas realizadas estes elementos são abordados e

considerados.

a. Tipologias de Cidades Digitais

Efectivamente, os termos “cidades virtuais” ou “cidades digitais” são extensivamente usados na

Internet para expressar uma variedade de informações, interfaces e conteúdos dissimilares.

Aliás, tornou-se quase convencional associar determinados sítios electrónicos à ideia precisa de

espaço público ou território, tal como, praças, avenidas ou até cidades. De facto, inúmeros

vocábulos floresceram ultimamente na World Wide Web, nomeadamente “cidades digitais”,

“cibercidade”, “cidade virtual”, “ciberdistritos”, “praças virtuais”, “agoras electrónicas”, entre

outros, o que permite observar nitidamente que a metáfora espacial funciona muito bem

atribuindo uma identidade aos serviços electrónicos.310 Perante este facto e os diversos contextos

inerentes às cidades digitais uma operacionalização, ou seja, uma tipologia das mesmas impõe-

se devido à necessidade de se definir e estabelecer claramente que tipos de cidades digitais são o

nosso objecto de estudo.

Assim, iniciando com a proposta de Aurigi e Graham, estes autores apontam para duas grandes

categorias de cidades digitais, as enraizadas e as não enraizadas. As primeiras estão vinculadas a

espaços urbanos definidos, sendo actualmente desenvolvidas por agências locais com o

objectivo de promover a qualidade de vida nas cidades físicas. Contudo, estas cidades digitais

tanto podem ser configuradas como espaços promocionais (puramente comerciais), com

nenhuma informação útil para os seus residentes, ou como cívicas, espaços electrónicos públicos

que disponibilizam serviços para os seus cidadãos (que podem ainda complementarmente

evidenciar uma vertente comercial). As precedentes utilizam uma interface familiar às cidades,

mas não têm nenhuma ligação com qualquer cidade, região ou município particular.311

Contudo, Alessandro Aurigi, na sua última obra, refere a necessidade de alargar esta tipologia e

incluir elementos que sejam utilizados para classificar e avaliar sistemas informativos urbanos

baseados na Internet. Desta forma, indica quatro pontos:

1. Posse, Propriedade (“Ownership”),

2. Nível de informação e serviço, (“informativeness and serviceability”),

310 Alessandro Aurigi, Making the Digital City. The Early Shaping f Urban Internet Space, Ashgate, 2005, p. 33.311 Alessandro Aurigi e Stephen Graham, The Crisis in the Urban Public Realm, in B.D. Loader, Cyberspace Divide: Equally, Agency and Policy in the Information Society, Londres, Routledge, 1998, pp. 57-80.

Page 121: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

3. Acesso Social e Participação (“social access and participation”),

4. Enraizamento – a relação com a cidade hospedeira (“embeddedness, the relation with

the host city”).

O primeiro componente “propriedade” conduz à necessidade de se identificar a quem pertence

as diversas iniciativas de cidades digitais disponíveis na Internet. Sabendo a quem pertence e

quem dirige uma determinada cidade digital se poderá (ou não, como frisa o autor) sugerir certas

correlações entre o desempenho desse projecto e o tipo e forma de posse. O segundo aspecto,

evidencia a importância de se analisar e observar o tipo e a riqueza de informação e dos serviços

oferecidos, ou seja, os conteúdos das cidades digitais. O terceiro factor diz respeito ao acesso e à

participação, já que, uma tipologia de cidades digitais terá que incluir como elemento

diferenciador a presença de elementos que possibilitem um satisfatório fluxo de comunicação

bi-direccional. Com efeito, existem várias barreiras que travam o acesso efectivo às novas

tecnologias, tal como, a sua participação. Entre elas, destacam-se os níveis económicos, as

habilitações, a idade, o sexo, a nacionalidade, etc. Por fim, o último ponto corresponde ao grau

de enraizamento, de ligação à cidade física. De facto, Aurigi sublinha o relevo e a importância

da relação entre a cidade “digital” e o seu lado físico e consequentemente a capacidade das

cidades digitais de atraírem comunidades geograficamente assentes e os seus interesses em

detrimento dos grupos electrónicos dispersos. Juntamente, tem sido argumentado que as

iniciativas de TIC urbanas que privilegiam a ligação com a economia local e as suas

comunidades podem ser um factor chave de inovação e regeneração das cidades, em vez de as

tornar mais fracas e obsoletas.312 Assim, observar o enraizamento e a sua relevância local é um

dos elementos fundamentais desta proposta. Tomando em consideração todos estes importantes

elementos, distingue ainda variáveis, como informativas, participativas e enraizadas.313

Ainda neste enquadramento, para o arquitecto Rogério Amoeda, distinguem-se as cidades

digitais comerciais das cívicas. As comerciais usam o espaço para um conjunto de interacções

electrónicas que substituem as actividades urbanas tradicionais, enquanto as cívicas aproximam

os governos locais e os seus cidadãos, facilitam o acesso aos grupos de debate e intervenção

local, estimulam o comércio local e o turismo, contribuem para o renascimento da identificação

312 Alessandro Aurigi, Making the Digital City. The Early Shaping f Urban Internet Space, Ashgate, 2005, pp. 64-67.313 Idem, pp.72-73.

Page 122: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

com a cultura local.314 Do mesmo modo, Dodge, Smith and Doyle categorizaram as cidades

digitais em quatro grupos:

“Web Listing Virtual Cities” que correspondem a sítios electrónicos que se autointitulam de

cidades virtuais, mas são apenas guias, menus e listas das cidades. São frequentemente

criados exclusivamente por motivos publicitários, como promoção turística e não pretendem

corresponder à forma física das cidades. Um dos exemplos apontados pelos autores é o

"Virtual Brighton & Hove", (http://www.brighton.co.uk/).

“"Flat" Virtual Cities” apresentam mapas “flat” de cidades ou edifícios como uma

interface para informação. Um exemplo ilustrativo é a Bolonha Virtual que usa um mapa

estilizado da cidade com as suas delimitações e edifícios específicos, que funciona como um

interface gráfico para aceder a toda a informação disponível on-line,

(http://www.nettuno.it/bologna/MappaWelcome.html).

“3D Virtual Cities” aplicam as tecnologias de realidade virtual para modelar a construção

da forma das cidades, com graus variáveis de exactidão e realismo virtual. Um dos

interessantes casos é o Planet 9 Studios Virtual Tokyo,

(http://www.planet9.com/earth/tokyo/index.htm).

“"True" Virtual Cities” consistem em cidades digitais que são um eficiente equivalente das

cidades reais, oferecendo às pessoas um autêntico sentido de andarem, percorrem e

passearem numa espaço urbano. Para alcançar este desafiante princípio, uma verdadeira

cidade virtual deve ter uma interface de construção da forma da cidade realisticamente

satisfatória, uma rica variedade de serviços, funções e conteúdos informativos, e

decisivamente, capacidades para manter a interacção social. Os investigadores frisam que

estas cidades ainda não foram edificadas, embora a investigação sobre as mesmas seja

significativa em todo o mundo.315

Desta forma, analisando todas estas diferenciações, resta acrescentar que as cidades “enraizadas

cívicas” (conceito de Aurigi e Graham) são visivelmente a tipologia que estudamos. Aliás, em

Portugal, as cidades digitais são institucionalizadas através de programas específicos de

mobilização para a Sociedade da Informação e do Conhecimento. Para o estudo do Gaia Global

314 Rogério Amoêda , “Cidades Digitais: Novos Modos de Habitar?”, Workshop Cidades e Regiões Digitais, Universidade Fernando Pessoa, Porto, 6 de Junho de 2003.315 Martin Dodge, Andy Smith e Simon Doyle, Virtual Cities on the World Wide Web towards a Virtual City Information System, University College London, CASA. Um sítio electrónico detalhado com toda a informação acerca da investigação sobre cidades digitais está disponível em “Virtual Cities Resource Centre”, http://www.casa.ucl.ac.uk/planning/virtualcities.html.

Page 123: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

e do Aveiro Digital socorremo-nos ainda dos quatro elementos destacados por Aurigi,

fundamentais para a sua caracterização e operacionalização.

b. Regiões Digitais

Normalmente utiliza-se de modo indiferenciado os conceitos “Cidades Digitais” e “Regiões

Digitais”. A maioria da literatura sobre esta temática apenas se refere às cidades digitais. De

acordo, com Jorge Xavier, as regiões digitais são um fenómeno mais recente que se originaram

de duas formas, ou no seguimento do desenvolvimento ou geminação de cidades digitais já

existentes ou de raiz, como resultado da estratégia dos seus promotores. Assim, neste último

caso, é fundamental verificar se estas regiões existem de facto e as circunstâncias em que estas

não existem. Segundo o autor supracitado, em Portugal, as regiões não possuem ampla

competência governativa, administrativa e legislativa, como por exemplo, em Espanha.

Consequentemente, Jorge Xavier alerta para o facto dos resultados e asserções sobre cidades

digitais não se poderem aplicar ou adequar às regiões digitais. Isto ocorre sobretudo, quando a

dimensão de região não existe fisicamente, ou seja, quando consiste somente num factor

unificador de um projecto de Região Digital, na medida em que, não se observa uma identidade

e cultura próprias e, por vezes, nem subsiste a respectiva fronteira político-administrativa.

Portanto, a identificação com o território, componente essencial de um projecto desta natureza,

fica comprometida. Aliás, desvirtualiza-se duas componentes essenciais para as regiões digitais

a infra-estrutura física e de comunicações (indissociáveis dos hábitos, usos, costumes e

necessidades dos cidadãos, num dado território) e a infra-estrutura psico-social (necessidades de

identidade e interacção, sendo a cidade e região digital o seu contexto, enquadramento e

motivação). Conclui ainda que não existe uma diferenciação objectiva entre Cidade Digital e

Região Digital, desde que estas últimas existam de facto. Mais uma vez, a importância do

território é enaltecida neste âmbito.316 Logo, como efectivamente Aveiro Digital, congrega

municípios da região a que pertence, esta questão não se coloca contundentemente, o que nos

permite utilizar o termo “cidades digitais” de modo geral nesta investigação, embora seja

reiterado ao longo da mesma, que analisamos uma cidade digital e uma região digital.

c. Considerações Gerais

Como foi frisado inúmeras vezes, a diversidade de projectos e iniciativas e o facto deste ser um

novo campo de análise coloca certos pontos de reflexão, que têm que ser primeiramente

tomados, de forma a se definir com um nível razoável de rigor a investigação que se conduz.

316 Jorge Xavier, op. Cit., pp. 41-43.

Page 124: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Assim, é necessário delimitar o objecto de estudo, as suas características, o suporte teórico e

outras concepções/percepções sobre a temática em análise. Portanto, além de especificar

concretamente que tipo de cidades digitais são estudadas (na tipologia de Aurigi e Graham, as

cidades digitais “enraizadas cívicas”) e a sua respectiva contextualização, é importante

demonstrar e agrupar resumidamente alguns pressupostos, nomeadamente que:

As cidades digitais são um complemento das cidades físicas, apesar das visões mais

futuristas profetizarem a substituição do virtual pelo real. De facto, o território é um

elemento essencial das cidades digitais, por todos os motivos anteriormente indicados,

como a origem da identidade e sentimento de pertença, mas também porque, o ciberespaço

urbano apresenta-se como uma visão idealizada da cidade, representando realidades

semióticas e iconizadas. Consequentemente, não podem ser espelhos puros das cidades

digitais, uma vez que, acabam por seleccionar apenas os aspectos positivos do espaço

físico, e como tal, poderão tornar-se meios de segregação (por exemplo, muitas cidades

digitais têm bases de dados com informação da cidade, mas nunca têm estatísticas de

criminalidade).317 O espaço digital tem que estar ligado ao espaço real e vice-versa se

efectivamente se pretende ter algum impacto na vida dos cidadãos de um determinado

território.

O ciberespaço nunca poderá ser um puro espaço público, nunca irá ser um sítio livre de

comercialização. Aliás, a própria privatização e comercialização não são fenómenos

recentes. De facto, até o agora grego e o fórum romano eram locais de exclusão e controlo.

Ser cidadão na democracia grega clássica encontrava-se restrito a apenas homens livres e

de nacionalidade grega. Assim, o “público” não era extensível às mulheres, estrangeiros

(metecos) e escravos. Levando esta imagem para a Internet, é necessário em primeiro

lugar, acalmar a excessiva idealização do espaço urbano público e reconhecer que a

Internet nunca será consonante com a concepção de livre espaço de comunicação. Com

efeito, as cidades digitais estão a lidar com as questões comerciais, ou seja, com a

alteração do espaço público para algo que se pode vender. Observa-se ainda a coexistência

de forças públicas e privadas que obrigam à definição de um equilíbrio. “Thus a digital

city is likely to be shaped by both public and private interests, and by the interaction

between the two operated through policies and market dynamics”318.

317 Alessandro Aurigi, Making the Digital City. The Early Shaping of Urban Internet Space, Ashgate, 2005, pp. 56-60.318 Idem, p.44.

Page 125: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

O Admirável Mundo Novo potenciado pela Internet não tem apenas vantagens e

potencialidades, na medida em que, coabitam crescentes e complexos problemas de info-

exclusão. Estar em rede pressupõe despesas, mas também um nível de educação e algumas

capacidades. Efectivamente, a participação on-line parece ser largamente dominada por

um reduzido grupo, cujos membros são ricos, homens e com habilitações literárias

superiores. Desta forma, as cidades digitais têm que definir e activar políticas que

previnam a fragmentação social e a polarização. Simultaneamente, as cidades digitais têm

que prevenir o erro de se desenvolverem e mudarem apenas para responder às

necessidades e requisitos de uma comunidade dominante, que acaba por ser elitista. Do

mesmo modo, o mito do livre, rápido e fácil acesso à informação é desconstruido pela

constante necessidade de computadores (actualizados e compatíveis com as inúmeras

tecnologias que surgem a uma velocidade estonteante), de modems, placas de rede

ligações sem fios e fornecedores de ligação à Internet. Alguns sítios electrónicos cobram

ainda pelo seu acesso e/ou descarregamento de informação, situação aumentada pelos

direitos de autor e leis de propriedade intelectual. Em adição, a velocidade de ligação à

Internet depende largamente do ISP (Internet Service Provider), do tipo de acesso e até,

por vezes, da localização geográfica (por exemplo, muitas zonas rurais não têm ligações de

banda larga disponíveis). O “fácil” implica ainda conhecimento. Portanto, é crucial

verificar os bons e os maus aspectos, de modo a harmonizar e corrigir estes últimos.

Assim, a Internet pode ser um admirável mundo novo, mas sofre dos mesmos problemas e

disfunções da criação de Aldous Huxley, é um produto social. As cidades digitais não são

excepção e a tecnologia não é neutra.

A informação não é conhecimento, isto é, ter acesso a uma grande quantidade de

informação não implica a construção de conhecimento, especialmente porque muitas

vezes, a Internet é um excelente meio para informação excessiva e até inútil.

Acesso não é participação, ou seja, ter acesso não implica que participemos. A este

propósito, Aurigi e Graham, demonstraram que a maioria dos sítios cívicos consistiam

somente em bancos de dados, cuja característica principal era um fluxo de informação

unidireccional e uma espantosa falta de promoção do debate público.319 Estabelecer ou

melhorar a comunicação entre cidadãos, e entre cidadãos e os seus governantes é um dos

maiores desafios das cidades digitais.

B. Cidadania319 Alessandro Aurigi e Stephen Graham, The Crisis in the Urban Public Realm, in B.D. Loader, Cyberspace Divide: Equally, Agency and Policy in the Information Society, Londres, Routledge, 1998, pp. 57-80.

Page 126: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

1. Aproximação Conceptual

A cidadania tornou-se numa das mais importantes ideias políticas do nosso tempo. Com efeito,

“Citizenship has an almost universal appeal”320. O conceito é utilizado e adaptado praticamente

por todos os movimentos políticos e partidos, isto na medida em que, a cidadania implica

elementos individualistas e colectivos.321 Realmente, reconhece a dignidade do indivíduo, mas

ao mesmo tempo, reafirma o contexto social onde o indivíduo actua. Assim, a cidadania é para

Keith um bom exemplo da “dualidade da estrutura” enunciada por Anthony Giddens. Para este

sociólogo, o indivíduo e a comunidade não podem coerentemente ser entendidos como ideias

opostas e antagónicas, pelo contrário, são mutuamente dependentes.322 Na teoria política, a

cidadania refere-se aos direitos e aos deveres de um membro de um Estado-nação e de uma

cidade.323

A cidadania moderna é inerentemente igualitária, ou pelo menos, possui essa pretensão.

Contudo, nem sempre evidenciou esta essência. Aliás, como frisa Evelyn Glenn, a cidadania

tem sido um elemento de criação de igualdade e desigualdade. Igualdade, porque, na sua

tradição liberal, todos os que são incluídos num similar estatuto usufruem de uma igual posição,

apesar de diferenças individuais na riqueza, capacidades e posicionamento social.

Desigualdades, porque o processo de definição dos cidadãos engloba a delimitação de distinções

que criam a categoria de “não-cidadãos”, ou seja, aqueles que não gozam dos mesmos

direitos.324 De qualquer modo, a cidadania implica legitimidade e igual integração na sociedade,

ou seja, inclusão, mas também participação. É reconhecida a contribuição de cada indivíduo

para com a comunidade, não deixando de garantir simultaneamente autonomia individual. Keith

indica como característica chave da cidadania, a “ética da participação”, sublinhando que a

cidadania é um estatuto activo e não passivo. O apelo à cidadania pressupõe reciprocamente

deveres e obrigações e não apenas direitos. Estando a cidadania sempre ligada a uma ideia

social, os direitos exigem um enquadramento para o seu reconhecimento. Este enquadramento

social inclui tribunais, escolas, hospitais e parlamentos, requerendo que todos os cidadãos façam

o seu papel para o manter. “Indeed, it is conceivable that society could function justly without a

formal expression of rights. It is, however difficult to imagine a stable human community

without some sense of obligation between its members”325.

320 Keith Faulks, Citizenship, Routledge, Londres, 2000, p. 1. 321 Ibidem.322 Anthony Giddens, The Constitution of Society, Polity Press, Cambridge, 1984, p. 25. 323 Gordon Marshall, op. Cit., p. 71.324 Evelyn Glenn, “Citizenship and Inequality: Historical and Global Perspectives” in Social Problems, vol. 47, n.1, 2000, p. 1. 325 Keith Faulks, op. Cit., p. 5.

Page 127: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

A caracterização do conceito passa por uma análise de diferentes categorias, nomeadamente o

contexto, a extensão, o conteúdo e a profundidade. Além do contexto, crucial para a exploração

da ideia de cidadania, a extensão define quem é incluído e excluído neste estatuto. Por exemplo,

os Estados Liberais têm leis específicas de imigração, impondo controlos sobre quem se torna

residente no seu território e sob que condições podem aí permanecer, isto embora, a cidadania

esteja associada à nacionalidade, sendo os dois termos frequentemente usados mutuamente na

lei internacional. Historicamente, a extensão da cidadania tem sido consequentemente limitada.

Deste modo, para o indivíduo e particularmente para o refugiado ou imigrante, a questão

primária da cidadania é largamente a de integração social. Estar privado da cidadania de um

Estado, quando o Estado é o distribuidor chave dos recursos sociais, é indubitavelmente estar

privado da base dos outros direitos. De facto, um dos direitos consagrados pela “Declaração

Universal dos Direitos Humanos” é precisamente o direito à cidadania. No que diz respeito ao

conteúdo, este é observado em termos de direitos, deveres e obrigações. Quanto à profundidade,

refere-se à própria concepção da cidadania, ou seja, se é espessa (profunda) ou fina.326

Esta última dimensão é largamente tratada por diversos autores. Clarke define a cidadania

profunda como “the activity of the citizen self acting in a variety of places and spaces. That

activity shifts the centre of politics away from the state and so recovers the possibility of politics

as an individual participation in a shared and communal activity”327. Por sua vez, Tilly

contrasta as concepções espessas e finas, ilustrando que a cidadania pode ser fina quando

engloba poucas transacções, direitos e deveres, e espessa quando demonstra uma significante

parte de transacções, direitos e deveres suportados pelos agentes estatais e população que vive

sob a sua jurisdição.328 Pretendendo fornecer uma tipologia que enquadre as duas noções, Faulks

baseando-se em Bubeck, elabora a seguinte tabela:

Quadro 16 – Tipos Ideais das Concepções Densa e Espessa da Cidadania

326 Idem, pp.7-8. 327 P. Clarke, Deep Citizenship, Pluto Press, London 1996, p. 4. 328 C. Tilly, “The Emergence of Citizenship in France and Elsewhere”, International Review of Social History, 40, suplemento 3, 1995, p. 8.

Page 128: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Fonte: Keith Faulks, Citizenship, Routledge, 2000.

2. Abordagem Sociológica da Cidadania

Em sociologia, as recentes teorias inspiraram-se em T.H. Marshall, que definiu a cidadania

como um estatuto que é gozado por uma pessoa que é membro de uma comunidade. Por sua

vez, Turner avançou uma concepção sociológica específica que focaliza a comunidade,

definindo a cidadania como “a set of practices (judicial, political, economic, and cultural)

which define a person as a “competent” member of society”329. A cidadania tem três

componentes, nomeadamente a civil, a política e a social. Os direitos cívicos são necessários

para as liberdades individuais e são institucionalizados pelos tribunais e justiça. A cidadania

política garante o direito de participar no exercício do poder político na comunidade. A

cidadania social consiste no direito de participar num apropriado nível de vida, estando

personificada nos sistemas educacionais e sociais das sociedades modernas. A teoria de

Marshall salienta que há uma permanente tensão e/ou contradição entre os princípios da

cidadania e a acção do mercado capitalista. De facto, o capitalismo envolve inevitavelmente

iniquidades entre classes sociais, enquanto a cidadania implica uma redistribuição de recursos,

pois os valores são partilhados igualmente por todos.330

329 Turner, “Contemporary Problems in the Theory of Citizenship” in Citizenship and Social Theory, Sage Publications, Londres, 1993, p. 2. 330 Idem, p. 72.

Cidadania “Fina” “Cidadania Espessa”

Os direitos são privilegiados Os direitos e as responsabilidades

são mutuamente considerados

Passiva Activa

O Estado como um mal necessário Comunidade política (não

necessariamente o Estado) como a

fundação de uma boa vida

Meramente Estatuto Público Evidencia o Público e o Privado

Independência Interdependência

Liberdade através da escolha Liberdade através da virtude cívica

Legal Moral

Page 129: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

A teoria de Marshall acendeu a discussão. Os críticos apontam que retrata apenas a descrição da

experiência inglesa, não se tratando, portanto, de uma análise comparativa da cidadania, na

medida em que, evidencia uma visão evolucionista e teleológica da indeclinável expansão da

cidadania. Segundo os críticos, Marshall não examina os processos sociais que desafiam a

cidadania; não aborda as diferenças de género (feminino - masculino) na experiência da

cidadania; falha na consideração de outros tipos de cidadania, como a económica e não

esclarece claramente as causas de expansão da cidadania. No entanto, alguns sociólogos

patenteiam que a ilação central de Marshall pode ser salva das críticas se a teoria original for

modificada.331

Existem diferentes tradições de cidadania em diferentes sociedades. A cidadania activa, que se

baseia na obtenção dos direitos através da luta social varia largamente da designada cidadania

passiva, que é gerida pelo Estado.332Por exemplo, como sublinha Evelyn Glenn, a cidadania é

um conceito que não teve grande enfoque na sociologia americana, ao contrário da inglesa,

sobretudo em relação ao Estado-providência moderno.333 Existem ainda grandes dissemelhanças

nos enquadramentos teóricos desenhados para se compreender a estrutura do campo público e

privado nas concepções de cidadania. Para sociólogos, como Talcott Parsons, o crescimento da

cidadania é o resultado da modernização da sociedade, que é baseada em valores universais e de

realização. Estas distintas tradições teóricas são primariamente um produto de duas visões

opostas de cidadania, nomeadamente a que é vista como aspecto do liberalismo burguês (que

pressupõe uma abordagem conservadora da participação social ou é tratada num contexto de

políticas democráticas radicais, assentando na perspectiva de mera reforma capitalista) e a que

suporta que a cidadania é um quadro fundamental da democracia.334

Mais recentemente, os sociólogos superaram estes paradigmas da democracia, liberalismo e

sociedade civil, para colocarem questões acerca das mutáveis relações dos indivíduos,

comunidades e nações, num mundo em que o Estado-nação é crescentemente permeável a

influências de instituições supranacionais. Uma destas interrogações pertence a Bryan Turner,

que sublinha “Irá a globalização substituir a cidadania do Estado com uma concepção

verdadeiramente universal dos direitos humanos?”335.

331 Vide Bulmer e Rees, Citizenship Today: The Contemporary Relevance of T. H. Marshall, 1996. 332 Vide R. Bendix, Nation-Building and Citizenship, 1965. 333 Evelyn Glenn, op. Cit., p. 2. 334 Gordon Marshall, op. Cit., p. 72.335 Ibidem.

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3. Enquadramento Histórico: da Grécia Antiga à Pós-Modernidade

A ideia de cidadania surgiu na Grécia antiga, tendo o trabalho de Aristóteles representado a

primeira tentativa sistemática de desenvolver uma teoria da cidadania, enquanto a sua prática

encontrou a sua primeira expressão institucional na Polis grega, notavelmente em Atenas (do

século V ao IV a.C.).336 Contudo, neste contexto, o conceito de cidadania difere

significativamente da sua acepção moderna. Com efeito, na Grécia clássica, a cidadania estava

limitada aos homens livres, excluindo-se mulheres, metecos e escravos. Os homens livres

tinham o direito de participar no debate político, porque contribuíam com serviço militar para a

subsistência directa da cidade-estado.

Os historiadores dividem o desenvolvimento da cidadania em divergentes estádios, salientando a

evolução do vocábulo desde a Grécia Antiga até à modernidade e posteriormente. Por exemplo,

Riesenberg identifica como a primeira fase da cidadania, o período desde o seu início na Grécia

até aos alvores da modernidade, destacando sobretudo a Revolução Francesa de 1789. A

segunda fase corresponde ao Estado Moderno. Contudo, Keith alerta para o facto destas duas

etapas de Riesenberg serem demasiadamente gerais, englobando todas as diferentes premissas

existentes na Grécia Antiga, em Roma e na Idade Média. Com efeito, e a título exemplificativo,

o instrumentalismo da cidadania republicana de Maquiavel, que pretendia principalmente

assegurar a ordem na medieval Florença, distingue-se expressivamente da cidadania como

expressão política da natureza humana de Aristóteles.337

Assim, é importante não absorver apenas uma concepção pré-moderna de cidadania, tal como, é

pertinente entender que o conceito moderno de cidadania não foi criado isoladamente. Os

valores de universalidade e igualdade, fulcrais para a cidadania moderna, tiveram as suas raízes

nos estudos dos filósofos estóicos gregos e o discurso liberal dos direitos naturais inspirou-se na

universalista tradição das leis naturais romanas.338 A tabela seguinte demonstra algumas das

divergências basilares entre a cidadania na Polis e no Estado Moderno.

Grécia Antiga (Polis) Estado Moderno

Tipo de Comunidade Orgânica Legal/Associação Diferenciada

Escala Pequena Larga

336 Idem, p. 14.337 Ibidem; Vide Held, Models of Democracy, 2ª edição, Polity Press, Cambridge, 1996, pp. 36-69. 338 Idem, p. 15.

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Profundidade da Cidadania Espessa Fina

Extensão da Cidadania Exclusiva, a iniquidade é

natural

Progressivamente inclusiva e

teoricamente igualitária, mas

limitada por contexto estatístico

Conteúdo da Cidadania Obrigações Extensivas Direitos e Deveres limitados

Contexto da Cidadania Escravatura e sociedade de

produção agrícola

Patriarcal, sistema capitalista,

produção industrial

Quadro 17 – Cidadania na Grécia Antiga e no Estado Moderno

Fonte: Keith Faulks, Citizenship, Routledge, 2000.

Efectivamente, a cidadania na Grécia Antiga está intrinsecamente ligada a um âmbito de

pequena escala, ou seja, à comunidade orgânica da Polis. Os cidadãos gerem os seus próprios

assuntos, agindo simultaneamente como legisladores e executores, defendendo-se através de

uma forte consciência de obrigação militar. Aliás, segundo vários especialistas, a modificação

de tácticas militares na Polis influenciou a prática da cidadania. A este propósito, Riesenberg

sublinha a importância da formação militar denominada “phalanx”, efectuada a partir do século

oito a.C. Esta táctica baseava-se na excepcional cooperação entre cada soldado, o que de acordo

com o historiador supracitado, evidenciou um importante passo na concepção relacional da

cidadania (pelo menos para os homens).339

Assim, na Grécia, a ligação entre a guerra, a cidadania e a masculinidade foi claramente

estabelecida e reapareceu repetidamente na subsequente história da cidadania. A cidadania na

Polis estava intrincada numa ideologia que percorria todos os campos da sociedade. Desde o seu

nascimento, os cidadãos assimilavam os valores de uma cidadania activa, determinando

consequentemente o conteúdo e a profundidade da sua prática. De facto, “citizenship and the

polis are one and the same”340. Embora a cidadania grega fosse mais baseada nas obrigações do

que nos direitos, estas não tomavam a forma de deveres estatutários. Pelo contrário, eram

percebidos pelos cidadãos como oportunidades para serem virtuosos e servirem a comunidade.

Apesar de ser verdade que em 594 a. C., quando Sólon reclassificou as várias categorias de

cidadãos atenienses, respondendo a uma crescente solicitação de inclusão, alguns grupos

tivessem maior influência política do que outros. Manville reitera que a cidadania, não era como

muitos especialistas afirmam, determinada pela riqueza, mas pela decisão da comunidade.

339P. Riesenberg, Citizenship in the Western Tradition, Chapel Hill, University of North Carolina Press, 1992, p. 9.340 P. Manville, “Towards a new paradigm of Athenian citizenship”, 1994, p.24, in Keith Faulks, op. Cit, p. 16.

Page 132: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Contudo, vários autores demonstram que a riqueza era um dos primeiros símbolos da influência

política.341

Com efeito, a revisão da Constituição ateniense em 400 a.C. apontou para a importância da

participação política, através do financiamento público de quantias pagas pelos cidadãos que

integravam a assembleia. Portanto, a fundação material da cidadania tornou-se evidente, apesar

de alguma resistência. No entanto, é pertinente salientar que a concepção de cidadania na Grécia

Antiga era de carácter holístico, isto na medida em que, a política e as obrigações eram

entendidas como virtudes e génese de liberdade. A virtude cívica era tão central para os

indivíduos, que a cidadania era igualmente profunda e espessa, no sentido em que a vida e a

identidade eram oferecidas e definidas quase exclusivamente pela Polis. A moralidade e a “boa

vida” eram expressas publicamente através do desempenho da virtude cívica.342

Porém, o estatuto da cidadania era na Grécia Antiga altamente exclusivo. A diferença basilar

entre a cidadania pré-moderna e a moderna é que, na sua prática, quer na Grécia, quer em Roma,

a iniquidade do estatuto em causa era aceite sem questionar. De facto, a cidadania era valorizada

em parte devido à sua natureza exclusiva, como marca de superioridade sobre os não-cidadãos,

mulheres, escravos ou “bárbaros”. Para os gregos, a escravatura e o império eram inteiramente

compatíveis com a cidadania. Em 451-450 a.C., sob a liderança de Péricles, a cidadania

restringiu-se somente aos residentes, cujos pais tinham nascido na Polis.343

O conceito romano de cidadania, em contraste com a exclusividade grega, tornou-se

progressivamente inclusivo no seu alcance, à medida que o seu império se estendia. Na época da

república, a cidadania, tal como na Grécia, era um estatuto privilegiado. Contudo, na Roma

Imperial, a cidadania perdeu gradualmente a sua associação à participação e tornou-se um

instrumento de controlo social e pacificação. Os romanos perceberam que garantir a cidadania

da população do império (que foi alcançado através de um édito pelo imperador Caracala),

legitimava o seu poder como conquistador. Isto implica que os impostos fossem mais facilmente

recolhidos e não houvesse a necessidade de se manter dispendiosamente mais poder militar.344

Todavia, como assevera Nicolet, a cidadania na Roma Imperial significava acima de tudo o

usufruto do designado direito de habeas corpus.345 Para a grande maioria dos cidadãos romanos,

341 Keith Faulks, op. Cit, pp. 16-17.342 Idem, p. 18.343 Idem, pp. 18-19.344 Idem, p.19.345 Nicolet, The World of the Citizen in Republican Rome, Batsford, Londres, 1980, p.19.

Page 133: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

a cidadania estava reduzida a uma salvaguarda jurídica, mais do que a um estatuto que denotava

uma influência política. Como refere Derek Heater, “the Romans [developed] a form of

citizenship which was both pragmatic and extensible in application. Yet that very elasticity was

the cause ultimately of the perishing of the ideal in its noble form”346.

Após o colapso do Império Romano do Ocidente, a importância da cidadania diminui

exponencialmente. De facto, na Idade Média, a demanda pela honra através do exercício da

cidadania foi substituído pela procura da salvação pessoal. Consequentemente, a igreja

substituiu a comunidade política na questão da lealdade e orientação moral. No entanto, a

cidadania também encontrou expressão nesta época medieval, no contexto de várias cidades-

repúblicas italianas, como Florença e Veneza. Estas cidades beberam inspiração dos modelos

republicanos gregos e, particularmente, de Roma. Efectivamente, incluíram uma ética de

participação. De acordo com Max Weber, estas cidades tiveram um importante papel no

lançamento das pedras basilares para a eventual emergência da cidadania moderna. Certamente,

como complementa Faulks, o rótulo que Weber aplicou a estas cidades “fortalezas e mercados”

aponta para similaridades com o contexto em que a cidadania moderna emergiu. O

desenvolvimento de uma economia de mercado e de actividades industriais forneceram

impostos para a construção de uma comunidade baseada na cidadania. O aspecto militar destas

cidades, também proporcionou um essencial sentido de obrigação e de identidade para os

cidadãos. Contudo, é fundamental reiterar que estas cidades eram uma evidente excepção num

enquadramento feudal, onde a cidadania era hierarquizada, não universal e altamente

exclusiva.347

As modernas noções de cidadania estão intimamente ligadas ao desenvolvimento do Estado

liberal, cujos alicerces foram iniciados no final do século XVI. Um dos primeiros teóricos

políticos a considerar a relação entre o individual e a comunidade política neste novo quadro foi

Thomas Hobbes.348 Este filósofo inglês do Iluminismo (1588-1679) viveu na época da Guerra

Civil inglesa e, como tal, as suas obras são interpretadas como uma resposta intelectual à

experiência da instabilidade política e da insegurança pessoal. O seu mais famoso trabalho

“Leviathan” de 1651 oferece uma justificação à autoridade política absoluta que alegadamente é

uma dedução da natureza humana. A percepção da natureza humana de Hobbes é uma

extraordinária aplicação e extensão da ciência mecânica (ensinada por Galileu). Para Hobbes, a

346 Keith Faulks, op. Cit., p.20.347 Idem, p.21.348 Idem, pp.21-22.

Page 134: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

acção humana é governada pelo medo da morte e desejo pelo poder.349 Desta forma, as grandes

preocupações de Hobbes são a segurança e a ordem, focando-se nos direitos do soberano e não

do indivíduo. Com efeito, era um céptico relativamente às teorias de participação da cidadania.

De facto, a sua teoria, que assenta na defesa do direito do soberano de obter poder absoluto,

deixou pouco espaço conceptual para qualquer noção de cidadania. Pelo contrário, apela

exclusivamente à obediência ao Estado. O único “direito” do indivíduo é o da auto-preservação,

que acaba por não ser um direito na sua essência, na medida em que, Hobbes aceita que o

soberano disponha de poder sobre a vida e a morte.350

Todavia, apesar de vários autores acusarem Hobbes de destruir o conceito de cidadania,351 este

foi uma importante figura na história da cidadania, pois várias das suas ideias conduziram a uma

concepção mais desenvolvida de cidadania, patente nos liberais clássicos como Locke.

Efectivamente, na teoria Hobbesiana e antagonicamente ao observado na Idade Média, o

indivíduo têm uma relação directa com o Estado. Hobbes acreditava ainda que os indivíduos

eram essencialmente iguais e, embora a sua preferência pessoal fosse claramente para um

sistema monárquico de governação, a sua tese termina com a assunção que o Estado e o governo

são indivisíveis. Por fim, ao arguir que o soberano deveria ter poder absoluto, o filósofo estava a

advogar a concentração dos meios de violência. Esta premissa rompe com o contexto feudal,

onde havia vários poderes e a violência era exercida por diversos actores. Com esta limitação da

violência ao Estado, era criada a oportunidade para a emergência de métodos de governação

mais consensuais.352

A tradição liberal fundada por Hobbes foi desenvolvida por Locke, que se socorrendo da ilação

da igualdade dos indivíduos e da sua relação directa com o Estado, construiu uma teoria da

cidadania baseada nos direitos. A tese de Locke pretendia equilibrar a preocupação Hobbesiana

com a segurança, a protecção dos direitos da vida, da liberdade e da propriedade, que para a

maioria dos liberais, são o suporte para o alcance do auto-interesse (“self-interest”). No entanto,

a redefinição filosófica da cidadania pelos liberais não explica isoladamente o nascimento da

cidadania moderna. Mudanças sociais concretas, associadas sobretudo à transformação da forma

da comunidade política, demonstra que o estatuto da cidadania começou a ganhar importância.

Com efeito, a partir do século XVIII, as fronteiras entre os Estados foram delimitando-se com

349 Gordon Marshall, op. Cit, p. 280.350 Keith Faulks, op. Cit., p. 22.351 Vide Clarke, Deep Citizenship, Pluto Press, Londres, 1996, p.53; Weiler, “Logos Against Leviathan: The Hobbesian Origins of Modern Antipolitics”, in A. Schedlee The End of Politics?, Macmillan, 1997, pp. 40-56. 352 Keith Faulks, op.Cit., pp. 22-23.

Page 135: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

maior precisão e os seus habitantes preocuparam-se progressivamente com as condições da sua

integração. O estatuto político da cidadania traduziu-se com maior relevância à medida que, o

poder militar e a progressiva burocracia do estado contribuía para eliminar locais competitivos

de poder. A chave para esta situação foi indubitavelmente a laicização. De facto, a carnificina e

a subsequente instabilidade causada pela Reforma conduziu alguns pensadores políticos, como

Bodin e Hobbes, a perspectivar o divórcio da política com a religião. As elites políticas

partilhavam esta visão e a secularização do Estado após o final das guerras religiosas na Europa

permitiram a criação de um espaço para a génese de uma cidadania secular. A Reforma teve um

outro impacto na cidadania, nomeadamente o protestantismo que colocou o indivíduo em

relação directa com Deus, o que foi evidenciado por Locke na utilização do cidadão e do Estado.

Como frisa Faulks, não é coincidência que Hobbes, Marx, Hegel e outros autores modernos,

tenham inicialmente estabelecido comparações entre Deus e o Estado, posicionando

posteriormente o Estado como o ser divino, centro das aspirações dos indivíduos. 353

Uma das consequências deste renovado e mais forte poder do Estado foi que o Estado tornou-se

sucessivamente o ponto fulcral para os pedidos e exigências de alargamento dos direitos.

Segundo Giddens, observa-se um processo de “dialéctica de controlo”. Desta forma, embora as

capacidades de supervisão do Estado sob os seus cidadãos tenham crescido enormemente

através do desenvolvimento da educação pública, o sistema de tribunais e parlamentos,

possibilitou que este processo de controlo funcionasse reciprocamente. Assim, um maior poder

estatal significava que os movimentos sociais podiam utilizar os canais de comunicação criados

pelo Estado para realizarem campanhas e divulgação dos direitos. Portanto, o Estado evoluiu

para uma valorização do modo de governação consensual e desvalorização da força. A cidadania

tornou-se um essencial elemento deste novo sistema de governação consensual.354 Isto embora, a

história da cidadania moderna possa ser compreendida como um conjunto de trocas, onde as

elites procuravam manter o seu poder através da gestão dos efeitos da mudança social e

contendo as exigências dos movimentos sociais, segundo concessões na forma de direitos. Tudo

culminaria com o desenvolvimento dos direitos sociais, sob a formação do Estado-providência,

que se estabeleceu em vários países europeus em meados do século XX.355

Alguns autores, como Mann (1996) e Barbalet (1988) sublinham que os direitos são largamente

o produto de decisão das elites, enquanto outros, como Turner (1986) e Giddens (1985) reiteram

353 Idem, pp. 24-25. 354 Giddens, The Nation-State and Violence, Polity Press, Cambridge, 1985, p. 201. 355 Faulks, op. Cit., p. 25.

Page 136: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

o papel da luta social. Com efeito, Stuart e Held descreveram a história da cidadania como um

conjunto de sucessivas tentativas daqueles que beneficiam da sua restrição, isto é, de limitar a

cidadania a certos grupos. Evelyn Glenn acrescenta um outro lado da história, nomeadamente, a

luta dos excluídos para ganharem direitos.356 Contudo, Keith Faulks salienta que é um erro

privilegiar a luta ou a conveniência política na história da cidadania. Existem simplesmente

demasiadas variáveis para se estabelecer uma teoria geral, que possa ser aplicada a todos os

locais e épocas. Por exemplo, o crescimento da cidadania moderna não pode ser cabalmente

explicado com base no conflito de classes. Giddens afirma que “the class conflict has been a

medium of the extension of citizenship rights” 357, porém como demonstra Keith Faulks esta é

apenas uma parte da história. Com efeito, o desenvolvimento da cidadania desde o século XVIII

englobou conflitos internos e externos, ou seja, dentro de cada Estado, mas também entre os

vários Estados.

Quatro factores impõem-se como cruciais para explicar o caminho que tomou a cidadania. O

significado de cada um destes factores variou indubitavelmente de acordo com as circunstâncias

históricas de cada contexto. Em primeiro lugar, as lutas dos movimentos sociais evidenciaram

incontestavelmente um importante papel na extensão da cidadania. Em segundo lugar, a

ideologia afigura-se fundamental na história da cidadania. O universalismo do liberalismo

forneceu um potencial igualitário. O socialismo, de acordo com Keith Faulks, é capital neste

enquadramento. Em Estados onde o socialismo exerceu grande influência, como a Alemanha, a

Suécia e até a Inglaterra, os direitos sociais (na forma de estabelecimento de serviços públicos)

foram mais extensos que em países como os E.U.A, cuja interferência socialista foi mínima. O

nacionalismo também exerceu um considerável papel em galvanizar apoio para o alargamento

dos direitos, sendo simultaneamente uma força positiva, mas limitada na evolução da cidadania.

A influência do nacionalismo foi claramente ambígua. 358

Em terceiro lugar, os factores económicos, nomeadamente o triunfo do capitalismo, foram do

mesmo modo, responsáveis pela curso da cidadania. Com efeito, não é necessário adoptar uma

análise marxista para aceitar que as elites políticas se baseiam amplamente no desempenho da

economia. Assim, a necessidade de uma economia de mercado influenciou a forma da

cidadania. A literatura sobre esta temática tem discutido se a cidadania é oposta ou suporta o

capitalismo. A este propósito, Marshall identifica a tensão entre os valores de igualdade e a

356 Evelyn Glenn, op. Cit., p. 1.357 Faulks, op. Cit., p. 26. 358 Ibidem, pp. 26-27.

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desigualdade económica inerente ao capitalismo. O autor defende direitos sociais financiados

por impostos para superar os piores aspectos da iniquidade. Contudo, como sublinha Keith F.,

Marshall não considera suficientemente as condições e os interesses que sustêm os direitos

sociais no período em que redigia a sua obra. O ensaio de Marshall foi publicado em 1950, a

infância do Estado-providência na Inglaterra, quando os direitos sociais pareciam irreversíveis.

Para Faulks, o estádio de desenvolvimento que o capitalismo alcançou na época pós-guerra era

de massa, de produção fordista. Este facto facilitou os altos lucros e a organização da classe

trabalhadora. Um clássico exemplo, introduzido por Faulks, mostra que os direitos sociais eram

largamente uma concessão acedida aos trabalhadores em reconhecimento da sua capacidade de

exercer o poder dos sindicatos no local de trabalho. Nos anos oitenta do século passado, o

equilíbrio de poder entre o trabalho e o capital modificou-se a favor do último elemento. Desde

então, as elites políticas definiram estratégias para minimizar os dispendiosos direitos de um

Estado-providência em resposta aos ímpetos do capital. Esta restrição dos direitos pelos

governos neo-liberais denota que, enquanto os mercados podem ter um relevante papel na

promoção da liberdade individual, os imperativos económicos não podem ter precedentes sobre

as decisões políticas da comunidade. Daí Keith advogar a questão do rendimento do cidadão,

pois, tal como, na Grécia Antiga é essencial reconhecer a ligação entre os recursos materiais e o

exercício da cidadania.359

Por fim, a natureza do próprio Estado liberal é indispensável para se compreender a cidadania

moderna. Keith Faulks reitera que o Estado é inerentemente racial e assenta na distinção de

sexo. Isto porque, o Estado não é tão liberal, como quer demonstrar, pelo contrário, tem sido

fundido com uma concepção cultural da Nação que tem sido delimitada em termos étnicos e de

género.360A cidadania na modernidade é efectivamente ambígua. Se por um lado, o liberalismo

defende a natureza igualitária e universal da cidadania, por outro lado, desde o século XVIII, a

cidadania está ligada à instituição do Estado-nação, o que na prática têm actuado como um

“powerful instrument of social closure”361. A extensão da cidadania tem sido determinada pelas

fronteiras entre Estados, conjuntamente físicas e culturais. “Consequently, citizenship has been

about exclusion from, as well as inclusion into the polity”362. Os controlos de imigração e os

requisitos de residência são para os Estados uma importante parte da sua soberania e

representam os aspectos materiais da exclusão. A exclusão cultural tem também o seu papel, na

forma de concepção da nação (por exemplo, refugiados, estrangeiros etc. podem ser entendidos 359 Idem, pp. 27-28.360 Ibidem. 361 Brubaker, Cit. por Keith Faulks, op. Cit., p. 29.362 Keith Faulks, op. Cit., p. 29.

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como cidadãos de segunda pela cultura dominante). As duas ideias de Estado e Nação, que são

para Keith Faulks a base para a exclusão da cidadania, aparecem juntos na noção de Estado-

nação. Assim, um acontecimento fundamental para a criação da cidadania moderna foi a

Revolução Francesa de 1789, na medida em que, fundiu Estado e Nação.363

A Revolução Francesa utilizou o conceito da Nação num progressivo e secular modo, isto é,

substitui a monarquia como soberana pelo povo como soberano. Sieyès aborda o conceito do

terceiro Estado, definindo a nação como as pessoas comuns, a quem estavam a ser negado os

seus direitos por um sistema aristocrático e monárquico. Os direitos deixaram de ser aplicados a

um grupo, para serem usufruídos por cada indivíduo. Esta centralidade dos direitos foi

estabelecida através da publicação da “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” em

1789. Este documento, que englobava direitos como a liberdade de expressão e direito de

justiça, teve uma grande influência nos radicais europeus que lutavam contra o privilégio,

ambicionando alcançar as ideias liberais de igualdade e liberdade. Desta forma, no seio da

revolução emergia um novo conceito de cidadania, assente na igualdade e universalidade do

estatuto. Contudo, nas fases mais radicais da Revolução, a cidadania também englobava servir a

Nação, através do desempenho da virtude cívica da obrigação militar: à liberdade e igualdade

foi acrescentado a fraternidade. Com efeito, “The French Revolution was, as Habermas has

noted, therefore more radical in its conception than the earlier American Revolution of

1776”364.

Sob a influência da “vontade geral” de Rousseau, isto é, de que a comunidade poderia ser unida

por esta ideia, muitos revolucionários franceses percepcionavam a revolução como mais do que

a asserção da independência individual pelos direitos e, deste modo, estavam dispostos a

valorizar os aspectos colectivos da cidadania. Aliás, pelo menos nas etapas iniciais da revolução,

a união dos direitos universais com a Nação eram interpretados numa forma extremamente

ampla e inclusiva. Os estrangeiros podiam tornar-se cidadãos franceses se tivessem um filho

nascido em França, se possuíssem propriedades no país ou se casassem com uma mulher

francesa. Em 1795, Tallien comentava que o único estrangeiro em França era o mau cidadão.365

No entanto, o universalismo da revolução deixava de fora a mulher. Todavia, como reitera Hunt

“without the much maligned universalism of men in 1789, there would have been no demands

for inclusion of new groups”366.363 Idem, pp. 29-30.364 Idem, p. 31.365 Cit. por Brubaker in Keith Faulks, op. Cit., p. 33.366 Hunt, Cit. por Keith Faulks, op. Cit., p. 33.

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Contudo, os aspectos mais inclusivos da cidadania expressos na Revolução acabaram por ser

condicionados pelas próprias circunstâncias em que foram concebidos. Neste sentido, Balibar

identifica factores internos e externos que conduziram a revolução para definições mais

exclusivas de política. Externamente, os revolucionários viram-se envolvidos em inúmeras

guerras com Estados reaccionários como a Prússia, a Inglaterra e a Espanha, que pretendiam

conter e até destruir os alcances da revolução. Assim, através desta experiência de conflito

violento, a ideia de nação e de cidadania tornaram-se militarizadas. A longo prazo, a guerra da

revolução francesa teve o efeito de solidificação das fronteiras que separavam os povos

europeus, o que levou à sua definição em termos de nações distintas.367

Internamente, a ameaça de poderes estrangeiros, acumulado com os inevitáveis problemas

económicos associados a qualquer revolução, alimentou suspeições entre fracções rivais de

revolucionários. De facto, os revolucionários liderados por Robespierre e o seu grupo político os

“Montagnards” solicitavam uma maior inclusão cívica, defraudada pela Constituição de 1791

que dividia os cidadãos activos dos passivos (os cidadãos passivos eram os trabalhadores que

não podiam pagar um imposto cívico de pelo menos 3 dias e a quem era negado a participação

nos processos de tomada de decisão). O subsequente “Grande Terror” (1793-94) tornou-se um

instrumento de perseguição, provocando a morte de milhares de pessoas em nome da

“verdadeira vontade democrática”. Portanto, nas fases iniciais a revolução “politicised the

cultural concept of nationality”368. Todavia, a violência dos últimos anos da revolução conduziu

a uma fusão entre Nação e Estado, o que culturalizou a ideia de cidadania e tornou confusos os

limites entre cidadania e nacionalidade. A Revolução acabou por terminar desastrosamente e

muitas das suas mais radicais aquisições perderam-se nos anos napoleónicos. Como sublinha

Silverman, a França é a clara manifestação das contradições na formação de todos os Estados

modernos.369

Com a edificação do Estado-nação, a cidadania enfrentou algumas contradições, sobretudo de

foro teórico. Para os defensores da identidade nacional, a cidadania só pode ser um estatuto

significante se ligado à ideia da Nação. Com efeito, a universalidade da cidadania barra com a

exclusividade do Estado-nação.370 No século XIX e XX, a cidadania esteve associada com a

construção da nação e o dever militar. Muitos autores reiteram que o Estado-nação é definido 367 Ibidem.368 Heater, Citizenship, Longman, Londres, 1990, p. 57.369 Keith Faulks, op. Cit, pp. 34-35; Silverman, Cit. por Keith Faulks, p. 35.370 Idem, pp. 35-45.

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em termos de sexo e de raça. Desta forma, as mulheres são retratadas como as “mães da nação”,

que devem proteger e manter “puros” os seus defensores masculinos. O uso da violação, como

instrumento militar, utilizado especificamente nas guerras étnicas dos anos oitenta e noventa do

século passado, em países como a Jugoslávia, é exemplificativo da percepção da mulher como

símbolo e posse da nação, em vez de cidadã total como os homens. Efectivamente,

investigadoras femininas elucidam que o “ideal de cidadania” da teoria liberal é essencialmente

masculino.371 Segundo Carole Pateman, o pensamento liberal é baseado numa divisão entre

público e privado, sendo o público definido como o reino da política, direitos etc., enquanto

actividades de manutenção diária, emoções e aspectos relacionados são relegados para o campo

privado. Uma vez que as mulheres se encontravam encapsuladas na esfera privada, a cidadania

foi determinada fundamentalmente em oposição ao mundo das mulheres.372

Do mesmo modo, o Estado assenta também em questões raciais, a aparente neutralidade da

cidadania, por exemplo em França, esconde um profundo racismo e patologia face aos

imigrantes.373 De facto, inúmeros autores374 demonstraram que a cidadania liberal é racializada,

na medida em que, desde os alvores da república, a ideia do branco esteve sempre ligada a

noções de independência e auto-controlo necessários para o governo republicano. Esta

concepção cresceu em consonância com a conquista e colonização de sociedades não-ocidentais

pelos europeus e americanos. Os indivíduos não brancos eram percepcionados como

dependentes e incapazes de uma auto-governação.375 Porém, os grupo excluídos estão

frequentemente entre os mais eloquentes proponentes do ideal de cidadania. Os movimentos de

luta encontraram na linguagem universalista e igualitária da cidadania liberal os dispositivos

retóricos mais eficazes para as suas reivindicações. De acordo com Ruth Lister, o importante é

não abandonar o “potencial emancipador” da cidadania universal.376

Retomando a premissa do Estado-nação e segundo Keith Faulks, não é só a Nação que se

estabelece como obstáculo à cidadania, o Estado também implica esta posição. A separação

entre Nação e Estado, como propõe Oommen, falha na relação interdependente entre os dois.

371Vide Carole Pateman, The Disorder of Women, Stanford University Press, 1989; Susan Okin, Women in Western Political Thought, Princeton University Press, 1979 e Iris Young, “Polity and group difference: A critique of the ideal of universal citizenship”, in Ethics, 99, 2, 1989. 372 Pateman, The Disorder of Women, Stanford University Press, 1989, p. 2.373 Idem, p.166. De facto, basta relembrar os últimos acontecimentos de revolta de imigrantes e franceses de origem árabe. 374 Vide David Roediger, The Wages of Whiteness: Race and the Making of American Working Class, Verso, Londres, 1991; Haney Lopez, White by law: The Legal Construction of Race, New York University Press, 1996 e Reginald Horsman, Race and Manifest Destiny, Harvard University Press, 1981. 375 Evelyn Glenn, op. Cit., p. 2. 376 Ibidem.

Page 141: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Aliás, se a cidadania fosse definida puramente em termos estatais, de acordo com as premissas

de Oommen, os problemas das minorias étnicas ou outros grupos em desvantagem, iriam

manter-se por resolver. Isto, na medida em que, o poder coercivo do Estado seguiria sempre os

interesses do grupo cultural dominante.377

De qualquer forma, Seyla Benhabib reitera que as modernas democracias liberais devem a sua

estabilidade e relativo sucesso à união de dois ideais, originados em distintos períodos

históricos: os ideais da auto-governação e o territorialmente circunscrito Estado-nação. Desde o

século XVII, que a democracia e a consolidação do Estado-nação moderno caminham juntos, às

vezes contradizendo-se, outras vezes, suplementando-se. Com o processo de expansão formal da

cidadania, o modelo da auto-governação foi progressivamente interpretado como a igualdade

formal dos cidadãos que agora pretendiam compreender o valor igualitário das suas liberdades.

O ideal cívico republicano da auto-governação, o exercício da liberdade entre iguais num espaço

público, está relacionado, e segundo Benhabib, necessariamente ligado, ao ideal liberal da

cidadania como prática e usufruto de direitos e benefícios. Neste sentido, as modernas

democracias procuram integrar estas aspirações republicanas e liberais nas práticas de

autonomia “privada” e “pública”. “The private autonomy of citizens pre-supposes the exercise

and enjoyment of liberty through a rights-framework which underwrites the equal value of their

liberty; public autonomy is realized through the institutions of democratic self-governance in

increasingly complex societies”378.

Actualmente, são os Estados que conferem nacionalidade. Assim, porque o Estado é a

instituição de governação pré-eminente, é também ele que atribui os direitos e obrigações dos

cidadãos. A integração do cidadão é feita geralmente por duas orientações. Uma tradição é a da

cidadania cívica, cuja delimitação assenta na partilha de instituições políticas e valores, onde a

sua inclusão está aberta a todos os que residem no território. A outra tradição baseia-se numa

definição etno-cultural, que abarca uma herança e cultura comum, na qual a integração é

limitada àqueles que têm essa herança, através da descendência genética.

Contudo, Seyla Benhabib frisa que o sucesso relativo dos ideais republicanos e democrático-

liberais, ou da pública e privada autonomia, estão hoje em crise. “This crisis is not the crisis of

democracy in the first place, but rather the crisis of the territorially circumscribed nation-state

377 Idem, pp. 35-45.378 Seyla Benhabib, “Borders, Boundaries and Citizenhsip”, in Political Scienc and Politics, Vol.38, Iss. 4, Washington, Outubro 2005, p. 673.

Page 142: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

formation”379. De facto, tornou-se comum, quer no pensamento normativo político, quer nas

ciências sociais, profetizar o fim do Estado-nação. Porém, como demonstra a autora supra-

citada, os desenvolvimentos contemporâneos indicam um cenário mais complicado que o

panorama sugerido pelo prognóstico anterior. Efectivamente, mesmo perante o que parece ser o

colapso das concepções tradicionais da soberania do Estado, o monopólio territorial é exercido

através da imigração e políticas de cidadania. “All pleas to develop “post-Wetsphalian”

conceptions of sovereignty are empty, therefore, if they do not also address the normative

regulation of peoples movement across territorial boundaries”380. Aliás, as migrações

transnacionais apontam para o dilema constitutivo das democracias liberais: entre, por um lado,

as reivindicações da auto-determinação soberana, e por outro, a adesão aos princípios da

“Declaração Universal dos Direitos Humanos”. A título exemplificativo, basta referenciar a

constante tensão, e até contradição, entre as declarações de direitos humanos e as argumentações

de soberania dos Estados para controlar as suas fronteiras e monitorizar a qualidade e

quantidade de admitidos.

Neste sentido, Seyla alega que as práticas de integração política e de participação dos seus

membros pode ser melhor iluminada, através de uma reconstrução interna e crítica destes dois

compromissos. Todavia, frisa que não existem soluções claras para superar estes dilemas.

Assim, seguindo a tradição Kantiana do federalismo cosmopolita, enfatiza a significação da

integração, da constituição de membros dentro de comunidades delimitadas por fronteiras,

defendendo a necessidade de “democratic attachments” que não devem ser apenas

direccionados para as existentes estruturas do Estado-nação. Pelo contrário, “as the institution of

citizenship is disaggregated and state sovereignty comes under increasing stress, sub-national

as well as supra-national spaces for democratic attachments and agency are emerging in the

contemporary world, and they need to be advanced with, rather than in lieu of, existing

policies”381. Contudo, é importante respeitar as premissas das diversas comunidades

democráticas, incluindo as suas percepções e assunções culturais, legais e constitucionais,

enquanto se reforça os seus compromissos para as decorrentes normas de justiça cosmopolita.382

Esta “Eugene Meyer Professor” da Universidade de Yale itera que o federalismo cosmopolita é

um projecto que pretende reinar nas forças da globalização, resistindo simultaneamente ao

alargamento do império e alimentando a cidadania democrática.383

379 Seyla Benhabib, op. Cit., p. 673.380 Idem, p. 674.381 Ibidem.382 Ibidem.383 Idem, p. 676.

Page 143: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

De facto, a fraqueza de muitas teorias tradicionais pós-liberais e contemporâneas pós-modernas

consiste na falta de identificação do problema que o Estado cria para uma cidadania universal.

Embora as reformas empreendidas pelo Estado sejam necessárias para reforçar a democracia e a

natureza inclusiva das instituições, não são suficientes para alcançar o potencial da cidadania.

Assim, Keith Faulks defende uma progressiva cidadania pós-moderna, dissociada da sua

moderna ligação ao Estado. Neste contexto, o conceito de “cidadania múltipla” de Heater parece

ser o mais apropriado, tendo em consideração a pluralidade da actual sociedade e o recente

acréscimo de instituições sociais e políticas direccionadas para o exercício da cidadania. A

flexibilidade de pensamento requerida para desempenhar a cidadania numa variedade de

cenários pode conduzir aos perigos de associar a cidadania com apenas um aspecto da

identidade, como nacionalidade, raça ou grupo. Neste sentido, Faulks contrapõe a cidadania

diferenciada, evidenciada por vários autores, que refere que temos que privilegiar um elemento

da nossa identidade em detrimento de outras identidades também valiosas. O individual e o

colectivo são essenciais. A verdadeira diversidade só pode ser mantida através de direitos

individuais (baseados em escolhas individuais e não em identidades culturais pré-

determinadas).384

Deste modo, a melhor forma de comunidade política para uma cidadania pós-moderna é aquela

onde o patriotismo constitucional, em vez dos laços culturais, gera um sentido de lealdade e

obrigação. Isto não implica que diversas culturas ou a nacionalidade desapareçam. Num futuro

próximo, a cidadania será ainda primariamente exercida a nível local. Mas o que a cidadania

pós-moderna exige é que a divisão entre as comunidades políticas não seja permanentemente

fechada (materialmente e culturalmente) e que muitos dos direitos e responsabilidades da

cidadania ultrapassem os limites administrativos.385 O conflito contemporâneo do Estado é que

a globalização pressupõe a incerteza dos limites, ou seja, onde assenta o Estado.

Adicionalmente, a globalização parece desafiar a relevância actual da cidadania, pois esbate as

fronteiras materiais e psicológicas que tornaram a cidadania expressiva na modernidade. No

entanto, os recentes processos de mudança social, nomeadamente a globalização, parecem estar

a criar oportunidade para o desenvolvimento da cidadania pós-moderna.

É ainda pertinente referir que a cidadania pressupõe a existência de condições para que seja

praticada. Keith demonstra que a cidadania só tem sentido e é real na oportunidade de exercício

384 Idem, pp. 166-168.385 Idem, p. 168.

Page 144: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

de direitos e responsabilidades quando reconhecemos que é dependente de recursos. Daí alertar

para o facto de ser crucial existir um rendimento mínimo para cada cidadão.386 Neste contexto,

Evelyn Glenn reforça que a prática actual da cidadania assenta na independência de cada

cidadão, ou seja, que este seja capaz de agir autonomamente. Na tradição liberal, que enfatiza os

direitos individuais, a independência é o que permite aos indivíduos fazerem as suas escolhas no

mercado livre e perseguirem os seus interesses. Na tradição republicana, a independência é

também importante, já que, possibilita aos indivíduos agirem para alcançarem o bem comum,

mais do que propriamente referindo-se à imediata necessidade material, embora esta premissa

seja central nas duas orientações políticas. A autora demonstra que nos Estados Unidos da

América, o conceito independência obteve um peso adicional durante o período revolucionário

que defende a separação da Inglaterra e visa instituir a “cidadania voluntária”. Ora, esta

cidadania voluntária implicava independência política.387

De qualquer modo, a independência manteve-se essencial, sofrendo, no entanto, significativas

transformações. No século XVIII, a independência significava posse de propriedades. No século

XIX, com a continuação da industrialização, a independência passou a referir-se não à posse de

propriedade produtiva, mas ao domínio do seu próprio trabalho e à capacidade de o vender por

uma remuneração. Esta formulação englobou todos os homens brancos “independentes”,

enquanto as mulheres e escravos eram dependentes, uma vez que, não tinham a liberdade para

vender o seu trabalho. Assim, os primeiros a obter sufrágio universal foram os homens

“independentes”. No fim do século em análise, a industrialização capitalista, tinha alargado o

abismo económico entre os que possuíam os recursos produtivos e o resto, tornando mais

aparente a contradição entre iniquidade económica e democracia política. O aumento dos níveis

de pobreza, apesar da expansão da riqueza, alimentou a questão se o rendimento baixo, o

desemprego e/ou a falta de acesso aos cuidados de saúde e outros serviços, diminuiriam os

direitos de cidadania para uma larga fatia da população. A progressiva iniquidade económica

levantou também a dúvida se seria necessário aplicar alguns mecanismos para mitigar as duras

desigualdades criadas pelo mercado.388

Entre os anos da I e II Guerra Mundial, a ideia de T. H. Marshall da designada “cidadania

social” teve grande impacto. De acordo com Marshall, a cidadania social envolve “the right to a

modicum of economic security and to share in the full social heritage and to live the life of a

386 Idem, p. 169. 387 Evelyn Glenn, op. Cit., p. 7.388 Ibidem.

Page 145: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

civilized being, according to the standards prevailing in the society”389. Desta forma, os

problemas sociais e económicos vividos após a I Grande Guerra, conduziram os Estados

europeus a instituir programas para assegurar um determinado nível de segurança económica e a

tomar responsabilidade colectiva pelos “dependentes”, ou seja, as crianças, os mais velhos, os

incapacitados e outros indivíduos inaptos para trabalhar. A maioria dos Estados europeus

ocidentais estabeleceu políticas de benefícios para os desempregados e inválidos, tal como, para

a protecção dos idosos e crianças. Estas linhas foram fortificadas e alargadas depois da II Guerra

Mundial, incluindo uma expansão dos cuidados de saúde, pensões para os mais velhos,

subsídios para as crianças, etc. Para Marshall, o significado destes mecanismos de

“redistribuição” do Estado-providência, repousa na crença que estes elementos possibilitaram à

classe trabalhadora exercer os seus direitos cívicos e políticos. Nesta óptica, a cidadania social

era crucial, porque além de tudo, preenchia o que Marx considerava ser os ocos direitos da

cidadania liberal.390

Numa perspectiva comparada, o conceito de cidadania social tem sido relativamente fraco no

Estado-providência dos E.U.A., quando contrastado com a Europa Ocidental. Ainda que em

1930, os programas do “New Deal”, mais concretamente, os planos de segurança social e de

apoio ao desemprego tenham notavelmente aumentado a segurança económica, continuaram a

ser um padrão de dois níveis do sistema da cidadania social desde 1890. O primeiro grau

considerava os direitos baseando-se no emprego ou serviço militar, isto é, benefícios para os

desempregados, seguro para os idosos e subsídios para os incapacitados, que eram relativamente

generosos e não exigiam comprovação exautiva “means-testing”. O outro nível abrangia várias

formas de assistência, como “Aid to Dependent Children” (que em 1962 passou a denominar-se

“Aid to Families of Dependent Children”), que eram expressivamente miseráveis e requeriam

meios de comprovação e vigilância do Estado.391

Assim, os homens brancos, como classe, agruparam desproporcionalmente o primeiro nível de

direitos pela virtude dos seus registados empregos regulares e bem pagos. As mulheres brancas

tiveram frequentemente que se apoiar no sistema, o que era entendido mais como caridade,

como uma resposta à dependência, do que como uma contrapartida pelas suas contribuições. Os

homens afro-americanos e latino-americanos encontravam-se geralmente excluídos dos

benefícios baseados no emprego, na medida em que, concentravam-se na agricultura, trabalhos

389 T. H. Marshall, Class, Citizenship, and Social Development, Garden City, 1964, p. 78.390 Evelyn Glenn, op. Cit., p. 8.391 Ibidem.

Page 146: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

diários e outras ocupações rejeitadas pelo sistema. Quanto às mulheres afro-americanas e latino-

americanas, estas viam mesmo os direitos do segundo nível negados. Portanto, em confrontação

com a situação da maioria dos países europeus, os E.U.A. evidenciavam um reduzido sentido de

responsabilidade colectiva referente ao cuidado de dependentes. Aliás, educar as crianças não

era reconhecido como uma contribuição para a sociedade e daí a inexistência de benefícios

parentais, vulgares na Europa.392

Na Europa, a linguagem da cidadania usufruiu de um revivalismo através da esquerda para

mobilizar oposição à redução das políticas do Estado-providência, tais como, cuidados de saúde,

educação, reformas e benefícios para as crianças. Como frisa Glenn, nos E.U.A., é visível a falta

de uma tradição de cidadania social, a partir da qual se possa edificar a defesa da provisão

social. Com efeito, a autora sublinha que se não podem apelar à cidadania social, então têm que

articular uma noção de cidadania que se coadune com a linguagem americana dos direitos.393

Isto, na medida em que, se as pessoas têm a responsabilidade, o dever de trabalhar e ganhar, não

terão também que ter o direito correspondente, ou seja, de ter um trabalho e auferir uma

remuneração que lhes permita “to participate fully in the cultural life of the society and to live

the life of a civilized being according to the standards prevailing in the society”394.

4. Cidadania na Era Global

A globalização, numa concepção planetária, implica efectivamente uma grande interrogação, no

que concerne as tradicionais assunções sobre integração social e cidadania. Particularmente, a

tensão entre direitos universais e soberania (que definiu os limites da cidadania na modernidade)

é evidenciada. Verdadeiramente, a confluência de fluxos globais, pela formação de novos

espaços e possibilidades, tem um efeito transformador na cidadania. Numa paisagem

constantemente mutável, configurada por mobilidades e posicionamentos, a noção de cidadania

ligada ao terreno do Estado-nação é questionada. Entretanto, na prática e crescentemente, os

benefícios e direitos são realizados através de específicas mobilizações e argumentos no meio de

uma contingência globalizada. Com efeito, “The movements of global markets, Technologies,

and populations interact to shape novel spaces of political mobilization and claims. As rights

and protections long associated with citizenship are becoming disarticulated from the state, they

are re-articulated with elements such as market-based interests, transnational agencies, mobile

392 Ibidem.393 Ibidem.394 T. H. Marshall, op. Cit., p. 78.

Page 147: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

elites, and marginialized populations”395. Analiticamente, podemos distinguir dois processos

que enfatizam as modificações na cidadania. Por um lado, a emergência de novos espaços

políticos, e por outro, a fragmentação e separação dos componentes da cidadania.396

Presentemente, assistimos a uma mutação dos elementos que compunham o conceito de

cidadania no Estado Moderno. Um indivíduo pode usufruir de direitos de cidadão, sem partilhar

a identidade comum da maioria. Um outro pode ter acesso a direitos e benefícios sociais sem

partilhar a auto-governação e sem ser um nacional. O caso da União Europeia surge como uma

espécie de paradigma, devido à intensidade do efeito da desagregação, na medida em que, os

privilégios de cidadania alargaram-se a todos os cidadãos dos Estados membros, que podem

residir em territórios diferentes da sua nacionalidade.397 Contudo, o conceito de cidadania

europeia surge como complemento ao da cidadania nacional. Com efeito, a cidadania europeia

não substitui a nacional. O valor e conceito de cidadania europeia é consagrado relevantemente

no projecto da Constituição Europeia. Embora a sua origem remonte ao Tratado de Maastricht

de 1992, já antes se observavam direitos inerentes ao nascimento ou posse de cidadania de um

país da Europa comunitária. O direito à livre circulação (que é introduzido no tratado de Roma

de 1957) e permanência em qualquer território dos Estados-membros foi reconhecido em

Maastricht, tal como, o de aceder a cargos públicos sem autoridade pública. No entanto,

Maastricht apresentou um projecto de cidadania mais consistente, declararando a possibilidade

de se ser eleito ou eleger representantes em eleições para o Parlamento Europeu ou para eleições

autárquicas, além de assegurar protecção diplomática e consular aos cidadãos comunitários em

países terceiros e outras correspondências de natureza diplomática. Adicionalmente, o direito de

Petição ao Parlamento Europeu e a Provedoria de Justiça Europeia são outros elementos que

fortaleceram, em Maastricht, o estatuto de cidadania europeia, enquanto instrumentos de apoio e

ao serviço dos cidadãos da União Europeia. A Constituição europeia elaborada pela Convenção,

ainda em projecto, consagra de igual modo a cidadania europeia, fortificando e complementando

toda a legislação elaborada desde o Tratado de Maastricht. Assim, cria uma “Carta dos Direitos

Fundamentais dos Cidadãos Europeus” no texto do Tratado, no qual o primeiro artigo consagra

plenamente a cidadania europeia, ao afirmar-se que a União é "inspirada na vontade dos

cidadãos e dos Estados da Europa de construírem o seu futuro comum".398

395 Aihwa Ong, “(Re) Articulations of Citizenship”, PS, Political Science & Politics, Vol.38, Iss. 4, Washington, Outubro 2005, p. 697.396 Ibidem.397 Seyla Benhabib, Op. Cit., pp. 674-675.398“Cidadania Europeia”, in Infopédia, Porto Editora, http://www.infopedia.pt/E1.jsp?id=132800.

Page 148: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Portanto, os cidadãos da União podem votar para eleições do país onde se encontram e podem

igualmente participar nas eleições para o parlamento europeu. Se forem residentes de longo

prazo no país estrangeiro, têm direito a um equivalente pacote de direitos e benefícios. Embora,

estes parâmetros estejam restritos aos países membros, ou seja, os países fora da União

continuam ligados à sua nacionalidade e raízes culturais, esta situação tem-se modificado. A

Dinamarca, a Suécia, a Finlândia e a Holanda permitem que nacionais de países extra-

comunitários participem em eleições locais e regionais; na Irlanda, podem votar localmente, mas

não regionalmente e no Reino Unido, os cidadãos da Commonwealth podem votar nas eleições

nacionais. Em Espanha e Portugal, o direito a votar nas eleições locais é garantida a alguns

nacionais de países, sobretudo da América Latina. A conclusão mais importante deste novo

enquadramento é que a atribuição de direitos já não depende do estatuto de cidadania, isto é, os

residentes estrangeiros legais são incorporados em regimes de direitos civis e sociais e

protegidos por legislações nacionais e supra-nacionais.399

Apesar da temática do transnacionalismo ser largamente evidenciada nas discussões sobre a

globalização, não se trata de um fenómeno novo, embora ganhe agora um novo impacto e

dimensão. A migração massiva criou uma situação na qual uma significativa parte de pessoas

retém laços e navega entre múltiplas comunidades e nações, complicando a concepção de

cidadania, entendida como a integração, a participação como membro na comunidade onde se

vive. No entanto, na actual economia global, o número e o alcance das comunidades

transnacionais multiplicou-se. De acordo com Roberts et al, as comunidades de migração

transnacional são “groupings of immigrants who participate on a routine basis in a field of

relationships, practices, and norms, that include both places of origin and places of

destination”400. Por outro lado, Portes et al, enfatizam a actividade comercial transnacional, na

qual, os imigrantes mantêm laços e transportam entre países bens, alimentos, música e eventos

culturais do país de origem para as suas comunidades transnacionais co-étnicas, e/ou levando

electrónica e outros bens de consumo para a sua terra materna.401 Esta actividade representa uma

reacção às limitações e restrições impostas ao imigrantes nos locais de destino (por exemplo, a

delegação para empregos de baixa remuneração) e às oportunidades abertas pela globalização.

399 Seyla Benhabib, Op. Cit., pp. 674-675.400 Bryan Roberts, Reanne-Frank e Fernando Lozano-Ascensio, “Transnational migrant communities and Mexican migration in the U.S.”, Ethic and Racial Studies, 22, 1999, pp. 217-237.401 Alejandro Portes, Luís Guarnizo e Patricia Landolt, “Introduction: Pitfalls and promise of an emergent research field”, Ethic and Racial Studies, 22, 1999, pp.238-266, in Evelyn Glenn, Op. Cit., p.10.

Page 149: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Suplementarmente, as comunidades de imigrantes envolvem-se em actividades culturais e

políticas transnacionais, tais como, recolha de donativos para eleger candidatos em eleições das

suas localidades, ajuda na reconstrução de instituições nas suas comunidades de origem e o

patrocínio de grupos musicais, culturais e desportivos.402 O envolvimento económico e político

transnacional têm sido encorajados por mudanças legais que tornam a dupla ou múltipla

nacionalidade acessível para mais pessoas. Contudo, muitos países acreditam que uma cidadania

é suficiente, obrigando à sua escolha. De facto, a transnacionalidade, pode ser uma estratégia

usada pelos indivíduos para maximizar os seus benefícios económicos e sociais. No entanto,

esta estratégia não está igualmente disponível para todos. Os Estados-Nação delimitam

diferentemente fronteiras e regulam a atribuição de cidadania consoante certos interesses

económicos. Este tratamento diferencial introduz novas formas de iniquidade transnacional, de

classe, raça e género.403 De facto, a dinâmica da globalização, sobretudo a migração

internacional, desafiou os enquadramentos tradicionais da cidadania e conduziu os académicos a

desenvolverem novos modelos de pertença, nomeadamente o transnacionalismo e o pós-

nacionalismo. Assim, a tríade, o modelo tradicional, o transnacionalismo e o pós-nacionalismo,

abordam implícita ou explicitamente o controverso tópico da dupla-nacionalidade ou múltipla

nacionalidade. Para avaliar e testar as implicações destes modelos, Irene Bloemraad prosseguiu

um estudo empírico, usando uma fonte de dados estatísticos que pedia aos inquiridos para

reportar múltipla cidadania nas amostras do censo canadiano de 1981, 1991 e 1996.404

Os resultados ofereceram reduzida evidência quanto à adopção pelos imigrantes de uma restrita

visão pós-nacionalista de cidadania, mas revelou as possibilidades do transnacionalismo e a

contínua relevância do enquadramento tradicional. Com o passar dos anos, observou-se o rápido

aumento do nível de agregação da reportada dupla cidadania de 1981 a 1996. Esta provocativa

evidência, diz respeito às teorias do transnacionalismo, na medida em que, este facto deveu-se à

crescente permissão dos países de origem para que os seus nacionais usufruíssem de dupla

nacionalidade. Verificaram também que os indivíduos com melhores condições económicas e

profissionais são os que mais provavelmente abraçam a dupla cidadania. Uma vez que, os níveis

de naturalização ascendem em consonância com a comunicação da dupla cidadania, a

investigação sugere um certo paradoxo: enquanto a múltipla pertença sublinha alguns aspectos

402 Evelyn Glenn, Op. Cit., p.10.403 Idem, pp. 10-11.404 Irene Bloemraad, “Who Claims Dual Citizenship? The Limits of Postnationalism, the Possibilities of Transnationalims and the Persistence of Traditional Citizenship”, The International Migration Review, Vol. 38, Iss. 2, Nova Iorque, Verão 2004, p. 389.

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da convencional soberania do Estado, a dupla cidadania pode ser uma forma para os países

promoverem a ligação e anexação política e legal dos seus imigrantes.405

Ainda a propósito do transnacionalismo é importante referenciar a premissa da cidade global.

“The most strategic instantiation of this unbundling is probably the global city, which operates

as a partly denationalized platform for global capital and, at the same time, is emerging as a

key site for the most astounding mix of people from all over the world. The major cities in the

world are becoming partly denationalized platforms also for immigrants, refugees and

minorities”406. Assim, encontramos duas dinâmicas estratégicas. Em primeiro, a incipiente

desnacionalização de tipos específicos de definições nacionais, particularmente as cidades

globais. Em segundo, a formação de oportunidades conceptuais e operacionais para outros

actores, além do Estado-nação, sobretudo novos actores corporativos globais e outras

colectividades, cuja experiência de pertença não tem sido completa segundo a sua moderna

concepção, nomeadamente, minorias, imigrantes e muitas mulheres. Desta forma, a cidade

global emerge como um sítio estratégico para estes novos tipos de operações.407

A globalização económica parece materializar-se numa grelha mundial de espaços estratégicos,

considerando-se centros financeiros e de comércio internacional. Esta nova geografia económica

de centralidade reproduz parcialmente iniquidades (a centralidade pressupõe a existência de

marginalidade), mas é também o resultado de uma especial dinâmica das actuais formas de

crescimento económico. Portanto, as cidades globais são locais de imensa concentração de

poder económico e centros líderes da economia global, enquanto cidades que foram em tempos

grandes centros de manufactura, sofreram declínios substanciais. A título exemplificativo, estas

novas cidades globais são Nova York, Londres, Tóquio, Paris, Frankfurt, Zurique, Amesterdão,

Sidney, Hong Kong, entre outras. Nesta geografia também se incluem cidades como São Paulo,

Buenos Aires, Bombaim, Banguecoque, Taipei e Cidade do México. A intensidade das

transacções nestes espaços é crescentemente extraordinária.408 De facto, a globalização engendra

espaços contraditórios e é caracterizada pela contestação, diferenciação interna e progressiva

passagem das fronteiras. A cidade global é emblemática desta condição, uma vez que, concentra

uma partilha desproporcionada do poder corporativo global e é um dos locais chave para a sua

405 Idem, pp. 389-426406 Saskia Sassen, “The Global City. Strategic Site/New Frontier”, in Democracy, Citizenship and the Global City, Engin F. Isin, Routledge, p. 48.407 Ibidem.408 Idem, pp. 50-51.

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sobrevalorização. Contudo, também concentra uma partilha desproporcional das suas

desvantagens e é um dos locais chave para a sua desvalorização.

Este cenário conjunto acontece num contexto de uma exponencial globalização económica e da

definição das cidades como espaços estratégicos para o capital global, tal como, de uma resposta

dos grupos marginalizados que encontraram a sua voz e que também fazem exigências e pedidos

à cidade. Se o centro concentra grande poder, a marginalidade, embora possua reduzido poder

económico e político, tornou-se progressivamente presente através das novas políticas culturais

e de identidade e de uma emergente política transnacional, assente na nova geografia da

globalização económica. Ambos os actores, transnacionais e em contestação, encontraram na

cidade o terreno estratégico para as suas operações.409 Glenn reitera ainda que com a

globalização outras temáticas se impõem, nomeadamente com o movimento global de pessoas,

os países experimentam crises de identidade nacional, ou seja, quem pertence e segundo que

critérios é essa pertença atribuída. A mistura de culturas dentro das fronteiras nacionais está a

reanimar debates acerca precisamente destes critérios, se estes deveriam basear-se em preceitos

etno-culturais (por exemplo, a capacidade de falar a língua dominante) ou cívicos (trabalhar e

pagar impostos no território do país).410

Um outro aspecto que se prende com este contexto trata-se, efectivamente, da questão dos

direitos que transcendem o Estado-nação, isto é, o papel do Estado-nação versus as entidades

supranacionais. De facto, com a economia global, os Estado-nação têm menos capacidade de

controlar e regular os fluxos de capitais. Similarmente, os movimentos de pessoas, eram melhor

contidos, quando este volume era menor e os países conseguiam controlar esta situação. Apesar

da referida discussão sobre a relevância dos Estados-Nação na regulação, atribuição e protecção

de direitos é problemático encontrar consensos. Com efeito, os Estados abrem fronteiras para a

circulação de capitais, informação e serviços. Porém, quando se trata de imigrantes e refugiados,

volta a relembrar o seu direito soberano de controlar as suas fronteiras. No entanto, noutras

áreas, a soberania, formalmente domínio do Estado-nação, é redistribuída parcialmente a outras

entidades, que incluem organizações supranacionais, convenções internacionais e regimes

privados internacionais legais.411 A este propósito, Aihwa Ong frisa que “In particular global

assemblages, entities beyond the state such as corporations, religions, and NGOs are becoming

more active practitioners of humanity”412.409 Idem, pp. 58-59.410 Ibidem.411 Idem, pp. 12-14.412 Aihwa Ong, Op. Cit., p. 700.

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No entanto, Wagner evidencia que sob a pressão da globalização somos levados a definir razões

práticas e teóricas para mudar de uma noção de cidadania centrada no Estado e de um

paradigma da governação global, onde os Estados-Nação são as coordenadoras dominantes do

poder, para a reinvenção de um modelo de governação assente na acção civil. Contudo, o autor

supracitado, refere que efectivamente a crença na primazia do Estado-nação encoraja as pessoas

a focalizar soluções burocráticas, em detrimento de percepcionar formas dos membros da

sociedade agirem independentemente. Porém, é também perigoso promover uma sociedade civil

global como um substituto (e não um complemento) de uma cidadania nacional. Actualmente,

os governos locais e regionais, as ONGs nacionais e internacionais, os grupos e associações de

solidariedade, conjuntamente com comunidades comerciais, sindicatos e associações

profissionais possuem os recursos para promover juntamente (e não contra) os governos

nacionais uma cidadania social dentro e para além das fronteiras do território nacional. De facto,

“Left alone, however, a network of civic associations could never accomplish what governments

(and intergovernmental organisations) so fair failed to achieve. Without a treasury and a

legislature (and some may even add “without an army”), civil society is not equipped to

confront the challenges of globalisation and to act in a coherent and coordinated way”413. As

opiniões divergem.

Neste enquadramento de uma era global, Yasemin Soysal sugere que a cidadania seja

substituída pelos direitos humanos, sendo a protecção destes direitos universais a chave para

assegurar a autonomia individual.414 No entanto, Keith Faulks argumenta que embora os direitos

humanos sejam progressivamente mais influentes na sociedade, estes não podem substituir a

cidadania, na medida em que, a governação exige o exercício da participação política, das

responsabilidades e da preservação dos direitos. Assim, nesta era global, a pressão para

melhorar/aumentar a cidadania dentro de cada Estado, deve ser acompanhada por esforços para

criar locais de governação múltiplos, que procurem cumprir a lógica igualitária da cidadania

liberal de formas que superem os limites do Estado. De facto, Keith sublinha que a concepção

da cidadania nestas circunstâncias deve ter um carácter pós-moderno. Em termos de garantir os

direitos e de assegurar o cumprimento das responsabilidades que qualquer modo estável de

governo requer, não é já possível reter a ligação entre cidadania e a forma de comunidade

413 A. Wagner, “Redefining Citizenship for the 21st century: from the National Welfare State to the UN Global Compact”, International Journal of Social Welfare, Blackwell Publishing, vol. 13, 2004, pp. 278-286.414 Yasemin Soysal, Limits of Citizenship, University of Chicago Press, Chicago, 1994.

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política fechada e exclusiva que é o Estado. Isto, independentemente da sua natureza nacional

ou regional.415

Contudo, como reiterado anteriormente, Keith frisa que a globalização parece estar a

desenvolver uma ambiência para o estabelecimento de uma cidadania pós-moderna. Neste

sentido, o aspecto chave da globalização que contribui decisivamente para esta possibilidade

futura é a ameaça colocada por riscos planetários. Segundo liberais como Hobbes, a segurança e

a ordem social, sob que qualquer concepção estável de cidadania deve assentar, é melhor

garantida pelo governo. Os riscos globais desafiam esta relação entre cidadania e o Estado,

enfraquecendo a capacidade do Estado de zelar pela segurança dos seus cidadãos.416 Os teóricos

da democracia cosmopolita sublinham que as instituições de governação, tal como, os direitos e

as responsabilidades, devem estender-se para além do Estado, isto se os elementos básicos da

sociedade humana não forem destruídos pelo desastre ecológico ou pela calamidade nuclear.417

A este propósito, Shaw defende que a globalização ajudou a criar o que ele designa de sociedade

pós-militar. Efectivamente, Keith nota que as formas pré-modernas e modernas de cidadania

estavam fortemente associadas ao dever militar. Com esta concepção, Shaw não proclama que

estamos perante o fim do conflito armado, mas considera que o prenúncio da aniquilação

nuclear e das guerras ao estilo da I e II Grandes Guerras são pouco prováveis. Aliás, os exércitos

massificados do século XX, que estão historicamente ligados à criação do Estado-providência e

portanto ao alargamento da cidadania, já não são necessários. A guerra está agora na

responsabilidade de exércitos profissionais, altamente qualificados, formados e apoiados em

novas tecnologias. Isto sugere que o longo elo entre dever militar, masculinidade e cidadania

encontra-se debilitado.418

A globalização salientou o importante problema das iniquidades materiais, principalmente no

que concerne, a prática da cidadania. As iniquidades globais ameaçam constantemente os

direitos daqueles que vivem no mundo desenvolvido. Em adição, a revolução nas comunicações

e o desenvolvimento de riscos planetários expandiram simultaneamente os perigos e a

consciência destes perigos no ocidente. No contexto da sociedade liberal, K. Faulks patenteia

uma nova abordagem aos direitos sociais que procure alcançar um melhor equilíbrio entre os

imperativos do mercado e as exigências da cidadania. A política que mais satisfatoriamente

poderá garantir que os direitos e deveres não são determinados pelas inerentes iniquidades e 415 Keith Faulks, op. Cit., pp. 133-161. 416 Idem, pp. 168-169.417 Vide Held, op. cit., 1995.418 Keith Faulks, op. Cit., p. 169.

Page 154: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

tendências de exploração do capitalismo é a existência de um rendimento mínimo para cada

cidadão. Todavia, segundo o mesmo autor, caminhos devem ser encontrados para melhorar as

condições materiais dos Estados mais pobres. Tratando-se de uma questão de justiça e auto-

interesse, na medida em que, num contexto de globalização, nenhuma comunidade de cidadania

pode ser assegurada se continuarem a existir profundas iniquidades. Neste sentido, as

migrações, crimes internacionais, conflitos regionais e danos ambientais são alimentados e

estimulados por estas iniquidades e os efeitos destes novos riscos de segurança serão sentidos

nos países desenvolvidos e nos países em vias de desenvolvimento.419

Assim, Keith Faulks reitera que as instituições de governação global devem abandonar a

abordagem da divisa neo-liberal relativa à gestão económica que actualmente incorpora

organismos como o Banco Mundial e o FMI. Os Estados ricos devem igualmente reconhecer

que o sistema mundial económico é gerido em seu favor, representando as suas obtenções,

despesas acrescidas para os países do “terceiro mundo”. Portanto, para Faulks, os Estados e os

organismos, como a U.E., devem honrar as suas responsabilidades para com os países em vias

de desenvolvimento, tal como, oferecer mais ajuda para apoiar o desenvolvimento de

instituições democráticas, essenciais para a prática da cidadania. Numa perspectiva prospectiva,

Keith Faulks frisa que a cidadania tem futuro numa era crescentemente globalizada e pós-

moderna, porque os seus elementos constitutivos, nomeadamente, direitos, responsabilidades e

participação política, são essenciais para a governação humana. Contudo, salienta que temos que

reconhecer que é quebrando as ligações que a modernidade forjou entre a cidadania e noções

restritas, como o Estado e o mercado, que o potencial da cidadania pode ser alcançado.420

5. Cidadania na Era Digital

Num contexto digital, o conceito de cidadania digital emerge contundentemente. Se para muitos

autores, novos paradigmas nascem com o digital, outros consideram que as noções se mantêm

inalteráveis, sendo apenas transportadas para uma nova dimensão. Contudo, uma aproximação

sociológica a estas novas variantes impõe-se como fundamental. De facto, como demonstra

Manuel Castells, os movimentos sociais e os agentes políticos utilizam progressivamente a

Internet como instrumento privilegiado para agir, informar, recrutar, organizar, dominar e

contradominar.421 A partir dos anos 80 e até finais dos 90, várias comunidades locais ligaram-se

à rede, sobretudo através de instituições locais e governos municipais, relacionando no

419 Idem, pp. 169-170.420 Idem, pp. 170-171.421 Manuel Castells, A Galáxia Internet: Reflexões sobre a Internet, Negócios e Sociedade, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, p. 167.

Page 155: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

ciberespaço a democracia de cidadania de base. De acordo com Castells, formaram-se três

grupos diferentes, nomeadamente, os movimentos de base pré-Internet que procuravam novas

formas de se organizarem e consciencializarem, o movimento hacker na sua vertente política e

ideológica e os governos municipais que pretendiam reforçar a sua legitimidade com novos

canais de participação dos cidadãos.422

Com as cidades digitais, os pioneiros exemplos do Programa Iperbole da Câmara Municipal de

Bolonha, da Cidade Digital de Amesterdão (DDS) e da Rede PEN (Câmara Municipal de Santa

Mónica, E.U.A.), estes elementos sócio-políticos desenvolveram-se e estão em constante

mutação. À nova urbanidade associa-se um cidadão digital (individual e colectivo), que tem a

possibilidade de aceder a uma plataforma que lhe permite interagir com a sua comunidade,

usufruir de um conjunto significativo de serviços públicos e intervir activamente nos centros de

decisão. De acordo com Luís Borges Gouveia, o conceito de cidadão digital implica interacção,

participação e relações de cidadania entre pessoas e instituições, tal como, uma ligação entre o

real e o virtual.423 Com efeito, um dos objectivos das cidades digitais, definidos pelo Programa

Operacional da Sociedade da Informação (POSI), é precisamente o proporcionar uma melhor

qualidade de vida ao cidadão. Desta forma, as cidades digital pretendem facultar elementos

essenciais para a cidadania, nomeadamente, a disponibilidade da informação e de serviços e a

simplicidade na usabilidade e na interacção.

Entre os anglo-saxónicos, a denominação corrente é a de “netizen” (literalmente cidadão da

Internet). Esta designação emergiu das comunidades on-line, e embora, comummente

corresponda a qualquer pessoa que utiliza a Internet, diversos autores apresentam uma outra

definição. Com efeito, os Hauben investigaram intensivamente a forma como a Internet era

utilizada, concluindo que netizens não consistiam em todos os utilizadores da rede (no caso da

desta investigação tratava-se da Usenet), mas somente aqueles que discutiam os problemas

construtivamente. Neste sentido, são os indivíduos que participam activamente no

desenvolvimento e aperfeiçoamento da Internet, estando imbuído indubitavelmente numa

essência positiva e de cidadania. “Two general uses of the term Netizen have developed. The

first is a broad usage to refer to anyone who uses the Net, for whatever purpose. Thus, the term

netizen has been prefixed in some uses with the adjectives good or bad. The second usage is

closer to my understanding. This definition is used to describe people who care about Usenet

422 Idem, p. 174.423 Luís Borges Gouveia, Gaia Digital, Ligar o real com o virtual, Cidades e Regiões Digitais, Encontro Nacional 2003, Auditório Municipal de Mirandela.

Page 156: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

and the bigger Net and work towards building the cooperative and collective nature, which

benefits the larger world. These are people who work towards developing the Net. In this second

case, Netizens represents positive activity, and no adjective need to be used”424.

De facto, Mark Poster afirma inclusivamente que o netizen é o sujeito político formado no

ciberespaço, “(..) o netcidadão poderia ser a figura formadora de um tipo novo de relação

política que partilha a fidelidade à acção com a fidelidade à net e aos espaços políticos

planetários por ele inaugurados. Alguns traços estruturais da Internet, encorajam, promovem, ou

pelo menos, permitem trocas através de fronteiras nacionais”425. Sublinha também uma ideia

chave, ou seja, que ninguém vive na rede a tempo inteiro, sendo esta uma actividade de tempo

parcial. Acrescenta ainda, que a arquitectura da Internet é própria de uma rede descentralizada,

pois qualquer ponto pode estabelecer trocas com outro ou com outros, o que torna claramente

difícil, senão impossível, o controlo por parte do Estado-nação.426 No entanto, como lembra

Tomás Patrocínio, a maior parte de utilizações da Internet, isto é, salas de conversação e correio

electrónico, realiza-se entre conhecidos, familiares, amigos e colegas de trabalho.427

Para um melhor entendimento do que poderá ser definido como cidadão digital, Tomás

Patrocínio introduz a concepção ontológica de cidadania, que inclui todas as suas vertentes,

nomeadamente a política, a social e a cívica, evidenciando o cidadão como o ser gregário que

realmente é.428 Assim, no contexto da sociedade tecnológica digital globalizada não evidencia

um sentido estritamente ligado ao espaço residencial ou nacional, mas manifesta uma dimensão

mais global e universal. Desta forma, a perspectiva ontológica da cidadania reveste-se aqui de

extrema importância, na medida em que, a colectividade que a fundamenta conduz à óptica do

cidadão glocal. O termo glocal remete-nos para o indivíduo que vive na sua cidade ou região e

cujo espaço rural ou urbano expõe problemas por solucionar, que não se podem desagregar dos

problemas por resolver a nível global. Actualmente, verificamos indubitavelmente que o local

existe no global e vice-versa.429

424 Michael Hauben e Ronda Hauben, Netizens: On the History and Impact of Usenet and the Internet, 1996, www.columbia.edu/~hauben/netbook/ 425 Mark Poster, Cit. por Tomás Patrocínio, “Educação e Cidadania glocal” in Cidades e Regiões Digitais: Impacte nas cidades e nas pessoas, Org. Luís Borges Gouveia, Fundação Fernando Pessoa, Porto, 2003, pp. 24-25.426 Idem, p. 25.427 Tomás Patrocínio, “Educação e Cidadania glocal” in Cidades e Regiões Digitais: Impacte nas cidades e nas pessoas, Org. Luís Borges Gouveia, Fundação Fernando Pessoa, Porto, 2003, p. 25.428 Idem, pp. 15-17.429 Idem, pp. 17-18.

Page 157: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Reforçando a ideia da pertença activa à vida dos espaços pelos cidadãos “Na sociedade

tecnológica digital, há uma transferência de poder para cada cidadão, na medida em que, temos

o espaço e o tempo nas nossas mãos em frente a um ecrã e ao teclado de qualquer

computador”430. A emergente cidade global não pode ser apenas percepcionada segundo as

cibercríticas ou as ciber opiniões catastróficas e teleológicas.431 Embora, apontem relevantes

elementos negativos da sociedade actual, ao problematizarem alguns aspectos da existência

individual e comum, encaram a sociedade como estatuto e não como um sistema vivo em

permanente mutação, capaz de desenvolver estruturas de auto-regulação e de novas

configurações de constituição da vida em comunidade.432

Portanto, neste ponto, mais do que a cidadania digital é fundamental abordar a cidadania glocal.

A cidade glocal apresenta-se, assim, não só como forma possível, mas ainda como modo repleto

de potencialidades para o ser humano. Isto devido à “ (…) intensificação de relacionamento

entre pessoas próximas e distantes, de modos formais e informais, quer em termos reais, quer

em termos virtuais, em todos os domínios da existência, quer no domínio local e regional, quer

no domínio nacional e global”433. Neste sentido, Gordon Smith patenteia que a sociedade civil

tem vindo a ampliar o seu poder político, uma vez que, “A revolução da informação aumenta

drasticamente a possibilidade de acesso à informação mais actualizada. Os cidadãos comuns

(pelo menos aqueles que pertencem à parcela do mundo que está interligada por uma rede de

infra-estruturas de comunicação) estarão conscientes de tudo o que se passa no mundo e terão

uma maior capacidade para trabalhar com outros cidadãos que partilhem com eles as mesmas

preocupações. Esta disponibilidade catalisa a própria difusão da democracia no mundo e, no

sentido mais básico do termo, estamos envolvidos nas decisões que nos afectam”434.

Contudo, como nota Tomás Patrocínio, esta é uma visão muito optimista, pois não é suficiente

estar informado ou ter acesso à informação para que se esteja consciente. No entanto, o acesso e

o estar informado permite per si uma abertura de horizontes, crucial para o conhecimento e para

a participação. Com efeito, a Internet tem possibilitado grandes acções de cidadania em torno de

causas visivelmente glocais, nomeadamente na contestação à guerra no Iraque ou em pedidos de

amnistias. O cidadão actual é claramente um cidadão worldwide, que perante a

430 Idem, p. 19.431 Vide Paul Virilio, Cibermundo: A Política do Pior, Teorema, Lisboa, 2000.432 Tomás Patrocínio, “Educação e Cidadania glocal” in Cidades e Regiões Digitais: Impacte nas cidades e nas pessoas, Org. Luís Borges Gouveia, Fundação Fernando Pessoa, Porto, 2003, p. 19.433 Idem, p. 20.434 Gordon Smith, “Governação na ausência de governos”, in Alec Stone Sweet et al. Cidadania e Novos Poderes numa Sociedade Global, Fundação Calouste Gulbenkian, Dom Quixote, 2000, Lisboa, pp. 46-47.

Page 158: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

contemporaneidade, tem que estar um pouco para além de si próprio e do seu espaço local,

regional e nacional. Deste modo, o autor supracitado opta, não pela designação de cidadão

digital ou global, mas pela expressão “cidadão da sociedade tecnológica digital globalizada”,

que abarca a perspectiva glocal e virtual.435 Este professor frisa ainda uma relevante reflexão,

será que os que vivem a Internet a tempo parcial, e mesmo os que não a vivem, pelo simples

facto de viverem na sociedade tecnológica digital não deverão ser também apelidados de

cidadãos dessa mesma sociedade global? Apesar de Tomás Patrocínio considerar que a resposta

é positiva, lembramos que a noção de cidadania e cidadão é demasiadamente complexa,

abarcando um conjunto de elementos, que não são inseridos nesta constatação. Por exemplo, a

cidadania pressupõe pertença, intervenção, participação e interacção, tal como, um pacote de

deveres e direitos, que não são contemplados quando pretendemos designar alguém que não se

insere nessa comunidade como cidadão.

No entanto, o modelo do cidadão digital conduz à reflexão acerca da necessidade da existência

de habitantes tecnologicamente alfabetizados o que conduz ao rótulo e à formação dos info-

excluídos. Assim, Luís Vidigal frisa que “A sociedade de hoje coloca-nos problemas de

exclusão maiores do que no século XIX e por isso temos que reaprender novos conceitos de

gestão pública que não se ensinam normalmente nas escolas de gestão mais orientadas para a

competitividade empresarial”436. Como tal, “Cabe ao Estado, como garante da equidade e

promotor do bem-estar para toda a sociedade, ajustar os meios tecnológicos e encontrar os

media e as formas mais adequadas de apresentação aos diversos públicos que necessitam de

informação clara e atempada para o exercício de cidadania e para a sustentação do

desenvolvimento”437. A “Declaração Europeia de Viena” de Novembro de 1998 consagra a

vitalidade da informação de cidadania, que deverá ser gratuita, integrada, sistematizada,

universal, acessível e normalizada, o que pressupõe a utilização de tecnologias transparentes e

de fácil acesso que motivem e impulsionem o seu uso espontâneo por pessoas manifestamente

menos tecnologicamente dotadas e com baixo grau de literacia.438

435 Tomás Patrocínio, op. Cit., pp. 20-22.436 Luís Vidigal, A cidadania Activa e as Novas comunidades Virtuais: o papel das TIC no relacionamento entre o Estado e o Cidadão, http://luisvidigal.no.sapo.pt/Trabalhos/A_Cidadania_Activa/a_cidadania_activa.html. Neste contexto, a experiência de Jun é emblemática. Efectivamente, o município andaluz permitiu, em sessão plenária, que todos os eleitores residentes votassem através da Internet assuntos locais. A “Teledemocracia Activa” espanhola demonstrou que as vantagens do meio podem ser usufruídas pela Administração Pública e direccionadas para o exercício da democracia. Em 1999, Jun possibilitou a todos os seus cidadãos o acesso à Internet, tal como, disponibilizou todos os meios educativos essenciais para que os seus habitantes aprendessem a tirar partido das tecnologias. A democracia electrónica torna-se progressivamente uma meta a atingir.437 Idem.438 Idem.

Page 159: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Nesta investigação, baseamo-nos efectivamente na acepção ontológica de cidadania. A este

propósito, Joaquim Coelho Rosa salienta que não existem direitos humanos completamente

individuais.439 Assim, “a cidadania apela ao empowerment de cada indivíduo enquanto ser

social, independentemente do seu estatuto social de governante ou de governado, de pertencer

ou não a uma maioria censitária”440. A cidadania implica conhecimento, interacção social e

poder de participação activa na vida da cidade. Com efeito, é neste sentido que abordamos as

cidades digitais e questionamos os seus utilizadores e especialistas, tentando perceber se as

cidades digitais podem reforçar a cidadania, quer no espaço virtual, quer no real.

III. ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO E TEÓRICO

A. Problemática, Objectivos e Hipóteses da InvestigaçãoToda a pesquisa é um processo, e como tal, uma sucessão de etapas. Raymond Quivy e LucVan

Campenhoudt indicam na sua obra sete etapas de procedimento, nomeadamente, a pergunta de

partida, a exploração, a problemática, a construção de um modelo de análise, a observação, a

análise de informações, e por fim, as conclusões. 441 As três primeiras fases inserem-se no acto

de Ruptura (rompimento com os preconceitos e falsas evidências), a quarta etapa corresponde ao

acto de Construção (representação teórica que demonstra a lógica que o investigador pensa estar

na base do fenómeno que estuda, correspondendo a uma construção mental que possibilita a

experimentação) e as restantes englobam-se na Verificação (os factos têm que ser verificados

cientificamente).442 Por sua vez, Carlos Diogo Moreira aponta que a primeira fase diz respeito à

elaboração do projecto, que abarca a formulação do problema, o seu enquadramento teórico e

conceptual, a escolha dos métodos de análise e a preparação de uma proposta. A etapa seguinte

são os preparativos da investigação, a terceira o trabalho de campo, a quarta a codificação,

gestão e análise de dados e o último estádio consiste na redacção dos resultados e apresentação

de um relatório.443 O autor Gaston Bachelar resume de forma notável este processo científico,

“O facto é conquistado, construído e verificado”444.

Assim, iniciamos o nosso estudo com a delimitação do problema e a definição dos objectivos da

nossa pesquisa, considerando que o problema é crucial para toda a investigação, tendo que ser

439 Joaquim Coelho Rosa, “Curso de direitos humanos e cidadania”, 2000, in http://phoenix.sce.fct.unl.pt/uied 440 Tomás Patrocínio, “Educação e cidadania glocal”, in Cidades e Regiões Digitais. Impacte nas cidades e nas pessoas, Edições Universidade Fernando Pessoa, 2003, Porto, p. 16.441 Raymond Quivy e LucVan Campenhoudt, Manual de Investigação em Ciências Sociais, Gradiva, 1992, Lisboa, pp. 24-25.442 Idem.443 Carlos Diogo Moreira, Planeamento e Estratégias da Investigação Social, ISCSP, Lisboa, 1994, pp. 19-20.444 Gaston Bachelar, La Formation de l`esprit scientifique, Paris, Librairie philosophique J. Vrin, 1965.

Page 160: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

exequível, claro, preciso, pertinente e interessante. Robert Merton refere que a “detecção do

problema pode dividir-se em três fases essenciais, a criação de questões, (O que é que se

pretende saber?), a fundamentação da pesquisa (Porque é que eu quero saber?) e a especificação

de questões (Que perguntas é necessário investigar para responder ao problema.).445 A

importância da definição do problema está ligada ao facto de este ser o fio condutor de toda a

investigação e daí a necessidade de ser bem pensado e de possuir todas as qualidades que

enunciamos anteriormente. Com efeito, o nosso problema (problematização) encontra-se

condensado na pergunta de partida, nomeadamente “Contribuirão as Cidades Digitais para o

Reforço da Cidadania?”.

Deste modo, a temática da nossa investigação é “As Cidades Digitais e o Reforço da Cidadania”

e os respectivos objectivos são:

I. Caracterizar as Cidades Digitais seleccionadas.

II. Analisar vantagens e limitações das Cidades Digitais.

III. Descrever o perfil dos cidadãos virtuais que acedem às cidades digitais.

IV. Analisar o tipo de utilização realizada pelos cibernautas na cidade digital.

V. Verificar se as cidades digitais satisfazem complementarmente a cidadania,

facultando elementos essenciais para o seu exercício, como a disponibilidade da

informação e de serviços, a simplicidade na interacção, a promoção da participação

e interacção dos seus cidadãos e a formação dos indivíduos para a Sociedade da

Informação.

VI. Observar se houve a formação e desenvolvimento de comunidades virtuais.

VII. Constatar se as cidades digitais permitem a manutenção e o fortalecimento dessas

comunidades.

VIII. Perceber se há uma identificação das cidades virtuais com a cultura local.

445 Robert K. Merton, “Notes on Problem Finding”, in Sociology Today: Problems and Prospects, Harper, Nova Iorque, 1959, p. 9.

Page 161: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

IX. Apurar se essa referência cultural e política impulsiona a interacção do indivíduo

com a sua comunidade e cultura local.

X. Avaliar em que medida a cidade digital estará a contribuir para combater a info-

exclusão.

Relativamente aos conceitos chaves, estes são proposições que orientam a abordagem de um

determinado fenómeno de uma forma muito específica, sendo portanto, instrumentos.

Efectivamente, estes não podem ser confirmados ou refutados, devendo o investigador reunir

todas as acepções e seleccionar ou criar uma definição que melhor se adapte ao seu estudo.

Assim, desenvolvemos todos os conceitos inerentes à nossa pesquisa, não esquecendo a sua

multidimensionalidade.

É ainda crucial revelar as hipóteses, um modo de conduzir com ordem e rigor todo o trabalho,

na medida em que, traduzem “o espírito de descoberta que caracteriza qualquer trabalho

científico, (…) exprime-se como uma pressuposição (…) fornece um fio condutor

particularmente eficaz (…) fornece o critério de selecção de dados”446. Assim, norteiam toda

pesquisa, porque o seguimento da mesma será para testar as hipótese, confrontando-as com os

dados observados e recolhidos. Portanto, redigimos as hipóteses que guiarão toda a

investigação, concretamente:

I. As cidades digitais contribuem complementarmente para a cidadania, facultando

elementos essenciais para o seu exercício, como a disponibilidade da informação e

de serviços, a simplicidade na interacção, a promoção da participação e interacção

dos seus cidadãos e a formação dos indivíduos para a Sociedade da Informação.

II. As cidades digitais são plataformas de interacção social.

III. As cidades digitais promovem a intervenção pública e o debate político.

446 Raymond Quivy e LucVan Campenhoudt, op. Cit., pp. 119-120.

Page 162: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

IV. Nesta fase inicial, as cidades digitais são utilizadas principalmente por utilizadores

com um perfil próprio, que vários autores têm designado como “early adopters”.447

V. No interior das cidades digitais surgem comunidades virtuais.

VI. As cidades digitais fortalecem e permitem o desenvolvimento destas comunidades

virtuais.

VII. As cidades digitais têm impacto no desenvolvimento social e económico nas áreas

que representam.

B. Opções MetodológicasApós todas estas formulações surge a “estrutura operacional de orientação para a

investigação”448, onde seleccionamos os métodos e estratégias de pesquisa. Neste ponto optamos

pelo pluralismo metodológico, na medida em que, a triangulação é a posição mais correcta e

produtiva para um investigador. A triangulação é um termo técnico utilizado na pesquisa, na

estratégia militar e na navegação para clarificar uma técnica, onde dois pontos de referência são

usados para descreverem a posição de um terceiro ponto.449 Em ciências sociais, a triangulação

dos dados corresponde à sua obtenção através de diferentes métodos, técnicas e teorias.

Efectivamente, a triangulação “serves two main purposes: confirmation and completeness”450.

Assim, tendo em conta os objectivos e o objecto do estudo, optamos por um estudo de caso

múltiplo, seleccionando além da inevitável pesquisa bibliográfica e da observação directa dos

conteúdos/serviços dos dois portais analisados e respectiva monitorização, a entrevista semi-

estruturada (aplicada durante o ano de 2005), depois quantificada através de uma análise ao

conteúdo451 das mesmas (cujas categorias foram definidas a posteriori); o inquérito on-line

aplicado, em 2005, aos utilizadores da cidade digital (onde foi possível aplicá-lo, neste caso 447A literatura sobre os “early adopters” (os “aderentes precoces”) é rica na caracterização dos indivíduos que tendencialmente são mais predispostos para aderir ou adoptar uma inovação tecnológica. Com efeito, uma das demonstradas características é a familiaridade com a classe e a vertente técnica dos produtos, sendo maioritariamente “heavy users” de uma determinada categoria de produtos. Assim, o conhecimento informático é crucial, o que evidencia indivíduos com elevadas habilitações literárias. Os estudos reiteram ainda o cariz masculino e jovem (entre 25-45 anos). Cfr. Frederick Williams, Ronald Rice e Evereft Rogers, Research methods and the New Media, The Free Press, Nova Iorque, 1986; Thomas Robertson, Harold Kassarijian, “Innovative Decision Processes”, capítulo 9, in Thomas Robertson e Harold Kassarijian The Handbook of Consumer Behavior, Prentice Hall, New Jersey, 1991; Carolyn Lin, “Exploring Personal Computer Adoption Dynamics”, Journal of Broadcasting Electronic Media, Winter, 1998, pp. 95-112.448 Carlos Diogo Moreira, op. Cit., p. 24.449 Hilary Arksey e Peter Knight, Interviewing for Social Scientists: An Introductory Resource with examples, Sage Publications, Londres, p. 21.450 Idem.

161

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apenas no Gaia Global, www.gaiaglobal.pt); completando com a Matriz Ishida, uma proposta

inovadora de comparação de cidades digitais. Pretendemos assim, conjugar os métodos

quantitativos e qualitativos para que a aproximação, descrição e compreensão da complexidade

abordada seja mais rigorosa.

É ainda pertinente reiterar que escolhemos para submeter às entrevistas, um conjunto de

especialistas de diferentes áreas, mas que se têm dedicado à temática das cidades digitais, o que

nos permitiu uma visão clara, abrangente, interdisciplinar e profícua do tema em questão. Estes

profissionais têm-se destacado na publicação de artigos, livros, investigações e pareceres, sendo

largamente reconhecidos a nível nacional e internacional. Entrevistamos ainda dois responsáveis

de cada um dos objectos de estudo, pois além de serem indubitavelmente especialistas sobre as

cidades digitais, são informadores qualificados de cada uma das plataformas. A análise ao

conteúdo das entrevistas passa por uma simples quantificação das respostas, acompanhadas pelo

aprofundamento qualitativo. Por fim, resta sublinhar que o inquérito colocado aos utilizadores

do Gaia Global, apresentou-se como inquérito on-line e as entrevistas realizadas a especialistas

estrangeiros foi enviada como e-entrevista, estabelecendo-se uma rede de comunicação, que nos

permitiu após a recepção das respostas da entrevista, solicitar por correio electrónico alguns

esclarecimentos e acrescentar alguns pontos à reflexão. Assim, procedemos a uma conjugação

inovadora entre a aplicação presencial das diferentes técnicas e os recentemente denominados

“e-social science research methods”, que aproveitam todas as vantagens das TIC e da CMC.

1. O Estudo de Caso Múltiplo

Para esta investigação, optamos por um estudo de caso múltiplo, pelas inúmeras vantagens que

evidencia face a uma temática tão recente e por explorar como as cidades digitais. De facto,

abordamos projectos muito recentes, os exemplos pioneiros portugueses foram criados em 1998,

mas o programa sofreu um interregno entre 2001 e 2003. A análise tecnológica é abundante,

mas o estudo social encontra-se numa fase praticamente embrionária. Assim, “In general, case

studies are the preferred strategy when “how” or “why” questions are being posed, when the

investigator has little control over events, and when the focus is on a contemporary

phenomenon within some real-life context”452.

451 É pertinente frisar que realizamos uma análise ao conteúdo das entrevistas e não a aplicação da técnica de análise de conteúdo, isto porque, se trata de uma técnica de investigação complexa e o que efectivamente pretendíamos correspondia a uma simples análise das respostas dadas pelos inquiridos. Com efeito, verifica-se a menção do uso de análise de conteúdo de forma claramente simplista e abusiva em vários trabalhos, observando-se que a técnica não é, de facto, usada (segundo todos os parâmetros científicos bem definidos), realizando-se apenas um simples tratamento quantitativo das entrevistas.452 Robert Yin, Case Study Research: Design and Methods, 2ª ed., Sage Publications, p. 1.

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Page 164: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Desta forma, considerando o design da investigação, seleccionamos a opção de “estudos de caso

múltiplos” pela riqueza, não só da análise de dois casos, ou seja, de duas abordagens, como da

possibilidade de comparação de dois exemplos diferentes (um com elevado nível de notoriedade

e outro paradigma de sucesso). As nossas unidades de investigação são então o Gaia Global e o

Aveiro Digital. A qualidade desta formulação é ainda maximizada pela aplicação de quatro

testes, nomeadamente a validade da construção, a validade interna, a validade externa e a

Consistência/Confiança exploradas no seguinte quadro:

Quadro 18 – Tácticas de Estudos de Caso Para Quatro Testes de Design da Investigação

Testes Tácticas Fases da Pesquisa

Validade da Construção Uso de várias fontes de

dados,

Estabelecimento de cadeias

de dados,

Ter o apoio/validação de

informadores chave.

Recolha de Dados

Recolha de Dados

Composição

Validade Interna Realizar correspondências

de padrões,

Realizar construções

explicativas,

Realizar análise de séries

temporais.

Análise de Dados

Análise de Dados

Análise de Dados

Validade Externa Utilizar a lógica de

replicação em estudos de

caso múltiplos.

Formulação da Pesquisa

Consistência/Confiança Elaborar um protocolo de

estudo de caso,

Desenvolver uma base de

dados do estudo de caso.

Recolha de Dados

Recolha de Dados

Fonte: Robert Yin, Case Study Research. Design and Methods, 2.ª ed., Sage Publications.

Desta forma, aplicando à nossa formulação da pesquisa estes quatro testes, observamos que, na

sua maioria, as tácticas foram cuidadosamente adoptadas. No primeiro teste, é clara a nossa

163

Page 165: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

escolha por uma triangulação metodológica, tal como, a criação de uma rede de informantes que

apoiaram todo o desenrolar da pesquisa. No segundo componente, a pretensão explicativa e

compreensiva é um dos nossos fundamentais propósitos. Com efeito, até no caso da validade

externa, embora nesta dissertação não apresentemos uma replicação do estudo, a nossa

investigação pretende realizá-lo, sendo desde já, construída segundo esta lógica. Por fim, no

último teste, cumprimos todas as disposições, realizando um guião/protocolo da investigação e

construindo uma base de dados/diário de notas, resultados e relatórios da investigação, que

apresentamos sob a forma de comunicações em conferências científicas internacionais (e que

nos permitiu submeter o estudo a inúmeros pareceres científicos).

Relativamente ao investigador, algumas qualidades são importantes para a correcta condução

deste tipo de pesquisa, nomeadamente a capacidade de colocar boas questões, de ouvir, de ser

flexível e adaptável, de conhecer apropriadamente a temática em análise e evitar enviesamentos,

como preconceitos.453 De facto, a nossa preparação e treino baseou-se nestas preciosas

orientações. Quanto ao protocolo de investigação, o nosso estudo seguiu um conjunto de

conteúdos determinados, concretamente uma indicação geral do projecto (objectivos, hipóteses,

bibliografia de referência), dos procedimentos de campo (credenciais, acesso a documentação e

aos responsáveis das cidades digitais em análise, guião de entrevista), das questões que

pretendemos que sejam respondidas (tópicos e dúvidas para esclarecimento) e de um guia de

relatório pré-definido. Este protocolo é elaborado simultaneamente com a proposta de projecto.

Efectivamente, “A case study protocol is more than an instrument”454. No que concerne a

recolha de dados para a efectivação deste estudo de caso, optamos pela recolha de

documentação, entrevistas, observação directa e ainda um inquérito on-line, que apenas pôde ser

aplicado a uma das nossas unidades de investigação. Sabemos que o inquérito não permite a

comparabilidade entre o Gaia Global e o Aveiro Digital, mas demonstra-nos interessantes dados

sobre um dos casos em análise, e por esta razão, foi considerado neste estudo.

2. A Entrevista Semi-Estruturada

A entrevista é uma das técnicas de investigação que se mostrou apropriada para este estudo, na

medida em que, como método qualitativo não pretende uma mensuração precisa, mas uma

descrição e compreensão da complexidade em abordagem. De facto, como reitera Judith Bell “A

grande vantagem da entrevista é a sua adaptabilidade. Um entrevistador habilidoso consegue

explorar determinadas ideias, testar respostas, investigar motivos e sentimentos, coisa que o

453 Idem, p. 56.454 Idem, p. 63.

164

Page 166: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

inquérito nunca poderá fazer”455. Com efeito, “Correctamente valorizados, estes processos

permitem ao investigador retirar das suas entrevistas informações e elementos de reflexão muito

ricos e matizados”456. A selecção da entrevista assentou no facto das informações que queremos

recolher serem claramente específicas e especializadas e complementarem toda a pesquisa

bibliográfica com casos concretos e pragmáticos, permitindo ainda observar a variação de

opinião destes especialistas relativamente a determinados aspectos.

Neste enquadramento, optamos pela tipologia semi-estruturada, que evidencia uma conjugação

de elementos retirados do tipo estruturado e não estruturado, embora sejam mais próximas do

último modelo, pois geram também resultados qualitativos por excelência. Neste sentido, o

entrevistador delimita perguntas chaves, mas pode livremente alterar a sua ordem ou inserir

novas questões que considere pertinente para obter mais informação. Este género permite a

adaptação desta técnica ao grau de receptividade e compreensão do entrevistado.457 Este modelo

possibilita-nos, então, a obtenção de informação qualitativa de forma mais versátil e ajustável a

cada entrevistado, tal como, uma certa regulação, não tão rígida como a entrevista estruturada,

mas também não tão livre como a não estruturada. Hilary e Peter enunciam as características

mais importantes deste tipo, concretamente, tendem a assentar em amostras de tamanho médio;

podem socorrer-se das técnicas de aproximação das entrevistas estruturadas ou não estruturadas,

embora frisem que quanto mais longa é a entrevista, mais aconselhável é proceder à elaboração

de amostras do modo das não-estruturadas; os entrevistadores utilizam um guião, que

normalmente é uma miscelânea de perguntas fechadas e abertas, no entanto, o improviso é

considerado sempre que pertinente; metade da entrevista é conduzida pelo entrevistador, a outra

metade é liderada pelo entrevistado; a validade da mesma depende das capacidades do

entrevistador, do tempo disponível e do contacto que estabelece que permita abordar todos os

assuntos pretendidos; a fiabilidade deriva do treino do investigador e da aproximação das acções

do entrevistador aos aspectos formais e centrais da entrevista; prima por uma dificuldade de se

alcançar fidelidade da análise de respostas semi-abertas; combina uma visão positivista do

conhecimento das ciências sociais que advém das estruturadas com uma percepção

construcionista; é complicado assegurar o anonimato dos informantes, já que, há a possibilidade

dos indivíduos serem identificados mesmo que não sejam fornecidos os seus nomes.458

455 Judith Bell, Como realizar um Projecto de Investigação, Gradiva, Lisboa, 1997, p. 118.456 Raymond Quivy e LucVan Campenhoudt, Manual de Investigação em Ciências Sócias, Gradiva, 1992, Lisboa, p. 193.457 Carlos Diogo Moreira, Planeamento e Estratégias da Investigação Social, ISCSP, Lisboa, 1994, p. 133.458 Hilary Arksey e Peter knight, op. Cit., pp. 8-9.

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Page 167: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Relativamente ao guião da entrevista, a sua elaboração assentou na proposta de Loffland e

Loffland, nomeadamente pela delimitação inicial do que há de problemático ou interessante no

tema, os denominados “nós de problemas”, pela colocação de cada nó de problemas numa folha

separada, sendo posteriormente organizadas em grupos, onde cada grupo é um determinado

tópico (podendo ser sempre reordenadas).459 Ponderamos ainda como sugerem os autores

supracitados, nos itens exploratórios, que devem ser redigidos de modo informal e flexível.

Assim, as perguntas principais são depois produzidas em consonância com os respectivos itens

exploratórios, que funcionam como tópicos de resposta. Durante a entrevista o investigador

anota os itens que são referidos pelo informante e questiona sobre os que não são indicados.

Muitas vezes estes itens surgem no percurso da “conversa guiada”, sendo a lista apenas um guia,

isto é, um suporte que orienta toda a interacção. Com efeito, “uma entrevista é essencialmente

uma situação de estímulo-reacção”460.

Um outra questão metodológica essencial é clarificada na seguinte afirmação “While you may be

persuaded that interviewing is the method that is best fitted to your research purpose, you need

to check that you have the qualities necessary to interview effectively, or to be sure that you can

develop them”461. De facto, não só o investigador pode enviesar os resultados, como também o

contacto, ou seja, a relação estabelecida com o entrevistado pode condicionar a qualidade dos

dados.462 Desta forma, o entrevistador deve adquirir um certo número de qualificações, que lhe

permita no curto espaço de tempo da entrevista analisar toda a relação estabelecida, perceber o

entrevistado e “entrar no mundo dessa pessoa e na sua perspectiva”463. No caso da entrevista

semi-estruturada a improvisação é uma qualidade condicionante, já que, “in qualitative

interviews, the interviewer is more like a Jazz musician in a jam session. The key may have been

set and there is an initial theme: thereafter it is improvisation”464. Todas estas qualificações

adquirem-se com a experiência e treino, qualidades que testamos ao longo da licenciatura e do

mestrado, embora a orientação dada por vários docentes e pelo orientador desta investigação

tenham sido indispensáveis.

Após a realização da entrevista, escolhemos a transcrição integral, em detrimento da selectiva,

pois a primeira permite todos os tipos de análise, não implica a perda de dados que poderão

459 J.Loffland e L.Loffland, Analysing Social Settings, Belmont, Cal., Wadsworth, 1984.460 Peter Mann, Método de Investigação Social, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1970, p. 103.461 Hilary Arksey e Peter Knight, op. Cit., p. 38462 L. Measor, “Interviewing: a strategy in qualitative research”, in R. Burgess Strategies of Educational Research: qualitative methods, Falmer Press, Londres, p. 57. 463 Idem, p. 63.464 Ibidem.

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Page 168: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

eventualmente mais tarde serem importantes e possibilita ainda durante a transcrição a

familiarização com termos, conceitos e dados.465 A transcrição integral da entrevista foi depois

enviada a cada um dos informantes para que pudessem observar a precisão do conteúdo das

mesmas. Isto facultou a manutenção de uma relação com os entrevistados, assim como, a

obtenção de dados que foram enviados posteriormente pelos informantes para complementar

toda a investigação. No que concerne o anonimato e a confidencialidade, todos os entrevistados

aceitaram divulgar a sua identidade, sendo no entanto referido, que as informações recolhidas

seriam apenas para usufruto da investigação. É importante evidenciar que as entrevistas

realizadas a especialistas internacionais foram enviadas e respondidas por e-mail, o que limita os

aspectos de enviesamento do entrevistador, mas não possibilita a interacção directa com o

inquirido e a riqueza dessa relação. Contudo, a e-entrevista tem-se tornado uma importante e útil

técnica, integrando já a “e-social sciences research methods”.

3. Inquérito On-line

Uma das opções metodológicas desta investigação corresponde à aplicação de um inquérito on-

line aos utilizadores das cidades digitais. Com efeito, pretendíamos abordar os “cidadãos

digitais” destas cidades para perceber quem eram, que tipos de utilização efectuavam e que

impacto social, cultural e político advinham, no seu entender, destes projectos virtuais. No

entanto, apenas conseguimos colocar os questionários no portal do Gaia Global

(www.gaiaglobal.pt), porque se trata claramente de um portal do cidadão de Gaia, onde este tem

acesso a um largo conjunto de informações e serviços. Por sua vez, o sítio electrónico do Aveiro

Digital evidencia uma diferente perspectiva do que poderá ser uma cidade digital. Um dos

objectivos principais do Gaia Global é estabelecer uma infra-estrutura pública de comunicação,

de mediação de informação entre os diversos actores (além da modernização autárquica e

dinamização e inovação local) e daí a importância crucial do portal. O objectivo principal do

Aveiro Digital é qualificar as pessoas e as organizações na Região da AMRia. De facto, apesar

de oferecer serviços básicos em TIC (a criação de contas de e-mail e páginas principais), o

Aveiro Digital é essencialmente um portal que agrega a informação da região, do projecto e dos

seus beneficiários (instituições e empresas), sendo ainda uma plataforma de interacção interna

entre estes beneficiários. Desta forma, não só não nos foi autorizado o acesso a estes

beneficiários, como efectivamente não se enquadravam na definição do “utilizador comum”, do

cibercidadão da cidade digital, isto é, aquele que acede a um portal para usufruir de um

465 Cfr. Carlos Diogo Moreira, op. Cit., p. 142.167

Page 169: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

determinado número de informação e serviços. Estas diferenças são exploradas mais

aprofundadamente na descrição de cada um destes projectos.

Assim, para recolher alguns indicadores sobre os utilizadores do portal do cidadão do Gaia

Global, introduzimos um inquérito on-line que foi respondido por quarenta usuários, trinta e

sete registados no sítio electrónico. Foi colocado no portal de 15 de Setembro a 15 de Outubro

de 2005, período em que o sítio contabilizava 628 registados. É fundamental tecer um conjunto

de considerações metodológicas sobre estes questionários, em primeiro lugar, sabemos o

número de registados, mas não sabemos definir o número de utilizadores; em segundo lugar, não

possuímos quaisquer dados sócio-demográficos sobre estes registados, uma vez que, para

efectuar registo no portal é apenas solicitado o nome e o endereço físico e virtual; em terceiro

lugar, é pertinente evidenciar os limites de resposta/retorno de um inquérito colocado on-line;

em quarto lugar, que o portal foi lançado publicamente em 2004, ou seja, um ano antes deste

inquérito o que reitera o seu nível iniciático; por fim, resta evidenciar que mesmo se tratando de

uma amostra por conveniência, não representativa do universo (que aliás não conhecemos), os

resultados obtidos permitem-nos observar o que poderão ser as opiniões e as sensibilidades dos

utilizadores sobre o portal, os serviços e conteúdos disponibilizados pelo Gaia Global e sobre

questões relacionadas com a informação, participação, interacção e cidadania. Resta acrescentar

que o tratamento dos dados dos questionários foi realizado com o auxílio do SPSS, embora

utilizando apenas as funcionalidades de frequências descritivas. Efectivamente, pelas

características supra-citadas (nº reduzido de respostas, desconhecimento do universo, falta de

representatividade, etc.) não existe qualquer possibilidade de se realizar correlações

significativas ou explicativas.

4. A Matriz de Ishida

Apesar da dificuldade de se estabelecer bases de comparabilidade entre as cidades digitais,

sobretudo devido à grande multiplicidade e variedade de projectos, Toru Ishida apresenta uma

inovadora proposta de análise comparativa.466 Esta matriz assenta na avaliação de quatro

elementos, nomeadamente objectivos, tecnologia, arquitectura e organizações. Quanto ao

primeiro componente, cada cidade possui os seus próprios objectivos, definidos aquando da sua

criação. A tecnologia e arquitectura correspondem às opções tecnológicas de cada plataforma e

ao seu design urbano. As organizações dizem respeito às entidades/pessoas que dirigem e gerem

a cidade digital. Estes quatro componentes permitem não só definir melhor cada cidade, tal

466 Toru Ishida, “Understanding Digital Cities”, in T. Ishida and K. Isbister Eds. Digital Cities: Experiences, Technologies and Future Perspectives, Lecture Notes in Computer Science, Vol. 1765, Springer-Verlag, 2000.

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Page 170: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

como, demonstrar esquematicamente as suas diferenças e semelhanças, através da utilização de

indicadores compatíveis e caracterizadores de qualquer projecto. Para validar a sua proposta,

Ishida compara quatro cidades digitais segundo um quadro, que introduzimos e aprofundamos

posteriormente na parte referente aos paradigmas internacionais.

C. Contributos Teóricos1. Sociologia Urbana

Na abordagem desta temática foi fundamental contar com as contribuições da sociologia urbana

ou das cidades467, concretamente no que diz respeito, aos seus esforços para a compreensão das

cidades, para o entendimento e monitorização da sua evolução e dos seus processos sociais.

Com efeito, a maioria das cidades digitais pretende basear-se nos elementos físicos, sociais,

culturais e económicos das cidades que representam, criando uma plataforma digital paralela. O

nosso interesse alarga-se praticamente a todos os campos de pesquisa desta disciplina,

nomeadamente os focos que abordam a cidade como fenómeno económico, político, social,

cultural e territorial (embora evidentemente a sociologia urbana tenha mais interesses, como a

questão demográfica). De facto, “A cidade é simultaneamente território e população, quadro

físico e unidade de vida colectiva, configuração de objectos físicos e nó de relações entre os

seres sociais”468.

De uma forma simples, podemos avançar a seguinte definição da sociologia urbana “(…) é uma

linha de pesquisa situada no âmbito das disciplinas sociológicas e tem como elemento de

particularidade interessar-se pelas cidades nos seus aspectos sociais. E esses aspectos referem-se

ao comportamento dos indivíduos que compõem a população urbana, às relações que instauram

entre si e com os indivíduos externos, à formação de grupos sociais, movimentos, instituições,

organizações, às ligações de complementaridade ou de competição existentes entre todas estas

entidades, até à configuração da própria cidade como sistema social”469. No entanto, Alfredo

Mela refere também que esta descrição é insuficiente para clarificar a natureza do objecto de

estudo e da disciplina em questão, isto porque, a própria definição de cidade, sobretudo se a

entendermos como sistema social, é amplamente difícil e problemática.470

467 Se alguns autores como Yves Grafmeyer designam esta corrente como “Sociologia Urbana”, outros sociólogos como Alfredo Mela intitulam-na “Sociologia das Cidades”. 468 Yves Grafmeyer, Sociologia Urbana, Publicações Europa-América, 1994, p. 13.469 Alfredo Mela, A Sociologia das Cidades, Editorial Estampa, 1999, p. 14.470 Ibidem.

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Page 171: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Com efeito, como reitera Yves Grafmeyer “A realidade territorial do facto urbano complica-

se”471. Por isso, não faz sentido delimitar a esfera de competências da sociologia urbana

assentando na divisão (cada vez mais ambígua) entre a cidade e o campo. De facto, actualmente

a cidade é uma evidência em toda a parte, “(…) senão na sua materialidade, pelo menos

enquanto facto de sociedade. (…) Transversal a outras divisões em campos especializados (…),

esta disciplina debruça-se sobre a dimensão propriamente urbana dos diversos aspectos da vida

social”472. A cidade é uma totalidade, ou seja, uma realidade multidimensional. Assim, a

sociologia urbana partilha a sua temática de análise com muitas outras disciplinas.

Consequentemente, a sociologia urbana emerge como um aglomerado heterogéneo de conceitos

e resultados empíricos, na medida em que, expõe um “estatuto epistemológico fraco” pois a “a

sociologia urbana não apresenta uma estrutura científica unitária, nem a sua história pode ser

representada como uma acumulação progressiva de teorias e análises empíricas que convergem

para formar um corpo orgânico”473.

De facto, nos diversos países, existem diferentes tradições, distintas formas de descrever a

história da disciplina e variadas atribuições de fundadores ou autores clássicos. Assim, é

possível delimitar duas tradições, a americana (partilhada pelos países anglófonos) e a europeia-

continental que engloba a sociologia francesa, alemã e italiana (embora cada uma com

manifestações bastante próprias). A primeira tradição indica como génese da sociologia urbana

o estabelecimento de uma escola da Universidade de Chicago que assenta na aplicação de

conceitos e premissas inferidos das economias vegetal e animal à análise da cidade. Assim,

surge uma corrente ecológica e empírica “(…) representada pelo interesse prevalecente para o

estudo da articulação social do espaço urbano e para as suas transformações no tempo”474.

Na tradição europeia que, no entanto, atribui a importância devida à escola de Chicago, as

origens da disciplina remontam ao oitocentista-tardio, concretamente ao debate sobre a oposição

entre a sociedade moderna e a tradicional e entre a comunidade rural e a cidade industrial, que

possibilitou avançar com uma definição de cidade como espaço onde se encontravam os

elementos sociais e culturais representativos da modernidade. Em adição, o estudo sociológico

da cidade manteve-se em contacto com a análise filosófica, nomeadamente com o historicismo,

o marxismo, o estruturalismo e a fenomenologia. Contudo, apesar de partilharem elementos 471 Yves Grafmeyer, op. Cit., pp. 9-10.472 Ibidem. 473 Alfredo Mela, op. Cit., p. 20.474 Idem, p. 21.

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Page 172: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

comuns a sociologia urbana europeia apresenta diferenças a nível nacional, destacando-se o

contexto francês, que nos anos 60 e 70, teve um importante papel na internacionalização do filão

crítico de origem marxista; a sociologia alemã que aludiu continuadamente a temáticas

filosóficas, mas igualmente à programação social e territorial e a italiana que se baseou na sua

realidade social para a definição de temas de pesquisa.475 No entanto, é pertinente referir que

vários autores europeus, como Marcella Della Dona, atribuem o nascimento da sociologia

urbana à escola de Chicago. Com efeito, a autora explica que o acto oficial de nascimento da

disciplina ocorre em 1925, quando a “American Sociological Society” organiza um congresso

sobre sociologia urbana, cujas actas são publicadas no ano seguinte por Ernest Burgess em The

Urban Community, que coroava o trabalho da escola de Chicago desde 1916.476

Assim, a temática das cidades digitais pode-se inscrever na sociologia urbana, embora

represente uma nova problemática.

a. A Cidade Contemporânea

Falar das cidades é cada vez mais difícil e complexo, não só porque administrativamente são

determinadas diferentemente por cada país (segundo o nº de habitantes), mas também porque

alcançaram níveis de extrema complexidade e a própria noção de cidade sofre grandes

indefinições. A cidade é um fenómeno social total e deve ser sempre contextualizada segundo as

suas múltiplas dimensões.

1. A crise das cidades contemporâneas

Ultimamente, inúmeros autores evidenciam que as cidades contemporâneas se encontram em

crise. Assim, para muitos investigadores o ciberespaço representa uma nova oportunidade para

as cidades. Com efeito, o maior problema identificado por Lewis Mumford, nos anos 60, foi o

gigantismo da cidade do século XX, que conduzia à megalopolis e consequentemente à

necropolis, ou seja, à morte da cidade.477 No entanto, num contexto contemporâneo, não

precisamos de considerar apenas grandes áreas metropolitanas para encontrar sinais de crise de

identidade e de cidadania, assim como, muitos outros problemas sociais ligados ao desemprego,

condições multi-culturais e multi-raciais e à falta de comunicação entre as pessoas. De facto,

esta crise não corresponde meramente a uma questão de tamanho, “It is not only because the

475 Idem, pp. 21-22. 476 Marcella Delle Donne, Teorias sobre a Cidade, Edições 70, 1979, p. 37.477 Alessandro Aurigi, Making the Digital City. The Early Shaping of Urban Internet Space, Ashgate, 2005, p. 9.

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Page 173: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

city, as a whole, has grown too much. Actually, it is also because the city is not a “whole”

anymore or, perhaps, it is not like the majority of us expect a “whole” to be”478.

Efectivamente, as fronteiras entre a cidade e o campo e entre os próprios bairros esbate-se à

medida que novos limites se criam no seu seio. Assim, a fragmentação é a palavra-chave para

caracterizar o espaço urbano contemporâneo. A cidade passa a ser um conjunto de espaços

divididos por brechas sociais e culturais, onde a comunicação se torna praticamente impossível.

Logo, verifica-se a crescente crítica ao planeamento urbano e ao design urbano. Por um lado,

observa-se a existência de partes comercializáveis (tornadas produtos) e altamente controladas

da metrópole, como centros comerciais, edifícios de escritórios, aeroportos e locais de

entretenimento; por outro, são estas partes da cidade que enfrentam problemas ligados à

dificuldade de manterem as suas características locais e culturais, tendo que coabitar com

privação e isolamento das zonas saudáveis. A este propósito, Sorkin sublinha o espaço

“desparticularizado” da cidade, “Obsessed with the point of production and the point of sale, the

new city is little more than a swarm of urban bit jettisoning a physical view of the whole,

sacrificing the idea of the city as the site of community and human connection”479.

Esta falta de conectividade é então uma evidência. O território tende a ser organizado em zonas

cada vez mais desconectadas, sendo denominadas de “sistemas fechados”. Daqui nasce

suspeição e hostilidade entre diferentes áreas residenciais, onde as comunidades locais tendem a

fechar-se a estranhos ou a diferentes grupos sociais, culturais ou económicos. Assim, por todas

estas mudanças, as formas tradicionais de governação urbana são enfraquecidas, “City

government are no longer the key locus for integration of urban relationship, but merely one of

many actors competing for access to resources and control of agenda”480. Deste modo, as

tendências neo-liberais, promovendo o conceito de uma mais “leve” administração pública,

encorajaram estratégias de privatização e desregulação.481 Se, por um lado, emergem novas

oportunidades para os indivíduos e para as minorias, devido a uma crescente ausência de

controlo central; por outro lado, a fragmentação pode afectar tudo o que anteriormente era

percepcionado como um “todo”, pois as comunidades locais podem viver uma contínua

condição de crise, deixando espaço para a influência de grupos de pressão bem organizados.482

478 Idem, p. 10.479 Sorkin, Variations on a theme park: the new American city and the end of public space, The Noonday Press, Nova Iorque, 1992, p.xiii. 480 Davoudi, “Dilemmas of Urban Governance”, in Healy et al., Managing Cities, The New Urban Context, Wiley and Sons, Londres, 1995, p. 226.481 Alessandro Aurigi, Making the Digital City. The Early Shaping of Urban Internet Space, Ashgate, 2005, p. 12.482 Ibidem.

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Page 174: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Desta forma, com a globalização e um crescente marketing urbano, as cidades tornaram-se ainda

arenas mais complexas, onde um diminuto controlo sobre os indivíduos e os grupos

marginalizados tem a sua contrapartida, visível na notável influência das grandes empresas,

corporações e lobbies privados (que poderão até não ter quaisquer “raízes” nessa específica

realidade) nas decisões mais importantes da gestão urbana. De facto, as cidades são

progressivamente vistas como espaços que podem atrair investimentos, em vez de estes serem

produzidos endogenamente. Em adição, a falta de financiamento público e o reduzido controlo

público conduz a espaços que se tornam meros produtos, que são comprados por investidores e

consumidores.483 Com efeito, “The perception of crisis is producing an explosion of interest in

the city. Much of this is informed by the belief that the quality of a city can become an economic

asset in the struggle to capture and retain mobile globalising company investment”484. Neste

enquadramento, Mingione salienta que o expansivo papel dos não residentes (homens de

negócio, investidores, turistas, estudantes, etc.) complica a vida urbana e produz um novo tipo

de ambiente sócio-económico, que já não depende exclusivamente do número de residentes

permanentes. É neste sentido, que a fractura entre os interesses dos contribuintes

(maioritariamente residentes e negócios locais) e os interesses de um marketing urbano

(maioritariamente orientado para a captura, a qualquer preço, de um crescente número de

utilizadores urbanos e visitantes investidores regulares.) expande-se rapidamente e, em alguns

casos, assume maior importância que os tradicionais conflitos de classes.485

Este conflito de interesses entre a cidade como espaço e a cidade como produto, tem

significativos efeitos nas partes da cidade que pertenciam à comunidade e que agora são

utilizadas para produzir dinheiro e para promover a imagem da cidade para os visitantes.486

Neste contexto, é interessante introduzir o exemplo de Elizabeth Wilson que refere que “The

Parc de la Villete is designed for tourists rather than for the hoarse-voiced, red-handed working

men and women who in any case no longer work or live there. Thus it is in the great cities of the

world at least, but also certainly in any smaller cities that can capitalized on an historic past, or

an industrial peculiarity – not only is the tourist becoming perhaps the most important kind of

inhabitant, but we all become tourists in our own cities…”487. A autora reitera que muitos destes

espaços “pós-urbanos”, como os centros comerciais, são raramente verdadeiras zonas abertas. O 483 Alessandro Aurigi, Making the Digital City. The Early Shaping of Urban Internet Space, Ashgate, 2005, p. 13.484 Healy et al., Managing Cities, The New Urban Context, Wiley and Sons, Londres, 1995, p. 7.485 E. Mingione, “Social and Employment Change in the Urban Area”, in Healy et al., Managing Cities, The New Urban Context, Wiley and Sons, Londres, 1995, p. 197.486 Alessandro Aurigi, Making the Digital City. The Early Shaping of Urban Internet Space, Ashgate, 2005, p. 13.487 E. Wilson, “The Rhethoric of Urban Space”, New Left Review, 209, 1995, p. 157.

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acesso é cuidadosamente controlado e protegido, resultando em áreas fechadas com poucas

ligações e relações com a cidade exterior. Concludentemente, o espaço público exterior diminui,

enquanto o espaço comercial se torna uma fortaleza. A este propósito, Christine Boyer define a

cidade da ilusão, quando apelidamos de espaço público o que realmente não o é, focando na

provisão de espaços luxuosos no centro da cidade e ignorando muitos dos seus espaços

intersticiais.488 Deste modo, paralelamente aos apelos a uma redefinição do espaço e da sua

gestão, a tecnologia tem sido objecto de entusiásticas abordagens que tende a ver os seus

desenvolvimentos como soluções para os problemas do fragmentado espaço urbano. O advento

das TIC parece ter aberto novas perspectivas para a gestão das cidades.489 No entanto, também

surgem novas ameaças e dilemas como iremos analisar no subsequente ponto.

2. A cidade na Era da Informação

Iniciando esta exposição, pelo capitular impacto das telecomunicações, a vida urbana tem-se

apresentado mais volátil e acelerada, mais incerta e mais fragmentada desde o final do século

XIX. Centrais a estas transformações encontram-se as telecomunicações. Desta forma, uma

grande parte das mutações urbanas contemporâneas parecem envolver, pelo menos de modo

significativo, a aplicação de novas infra-estruturas telecomunicacionais e serviços para

transcender instantaneamente as barreiras espaciais. As mudanças operam-se a todos os níveis,

nomeadamente económico, social, cultural e geográfica, uma vez que, a própria forma física e

paisagem da cidade é redesenhada. 490

Assim, inúmeras metáforas foram definidas para caracterizar a cidade desde a era das

telecomunicações, em 1964, Webber introduz o conceito “non-place urban realm”; em 1978,

Martin cunha a “cidade virtual”; em 1980, Pool enuncia a expressão “comunidades sem

fronteiras”; em 1981, Toffler frisa a “electronic cottage”; em 1987, Dutton et al. falam da

“cidade ligada”, Harris da “cidade na era electrónica”, Hepworth da “cidade da informação” e

Paul Virílio da “cidade sobreexposta”; em 1988, Dematteis indica a “metrópole fraca” e Robins

e Hepworth descrevem a cidade como “espaços electrónicos”; em 1989, Castells apresenta a

“cidade informacional” e Knight a “cidade baseada no conhecimento”; em 1990, Batty alude à

“cidade invisível” e Poster às “comunidades electrónicas”; em 1991, Fathy aponta para a

“telecidade” e Piorunski para a “teletopia”; em 1992, Latterasse demonstra a “cidade

488 Christine Boyer, “The City of Illusion: New York’s Public Places”, in Knox, The Restless Urban Landscape, Prentice Hall, 1993, pp. 113-114.489 Alessandro Aurigi, Making the Digital City. The Early Shaping of Urban Internet Space, Ashgate, 2005, p. 17.490 ? Stephen Graham e Simon Marvin, Telecommunications and the City. Electronic spaces, urban places, Routledge, Londres, 1996, p. 2.

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Page 176: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

inteligente”; em 1993, Hilman define a “flexicity” e em 1994, Rheingold reitera a “comunidade

virtual” e Von Schuber a “cyberville”.491

Neste seguimento, as novas tecnologias e mais precisamente o seu peso nas transformações

vivenciadas pela transição de uma economia baseada na manufactura para uma economia

baseada nos serviços criou uma colossal e permanente mudança na cidade. Um conjunto

diminuto de centros urbanos emergiu nesta economia avançada, sendo denominadas de “cidades

globais”, devido à intensa utilização de global e interdependentes TIC. Esta tipologia de cidades,

como Nova Iorque, Tóquio, entre outras, não são necessariamente os maiores centros urbanos

mundiais, mas aí residem núcleos de actividade capitalista, sobretudo multinacionais e

corporações transnacionais, assim como, concentrações governamentais, institucionais e

educacionais. No entanto, ainda que as comunicações instantâneas via fibra óptica e satélite

impliquem grandes potencialidades a todos os níveis, apenas um número restrito de cidades

alcançam este estatuto. Apesar das possibilidades de emancipação geográfica oferecidas pelas

comunicações electrónicas, somente alguns países e locais desenvolveram as infra-estruturas

necessárias e possuem os requisitos para a ampla troca de informação. Em vez de ser criado um

sistema de fluxo informacional independente das distâncias, a verdade é que se observou a

concentração num conjunto limitado de locais, fontes do génesis de informação e do

conhecimento.492

De facto, as telecomunicações não só influíram na vertente económica da cidade, como na social

e cultural. A reestruturação económica e a globalização telemática das cidades têm sido

associadas à profunda mudança social e cultural citadina. Como demonstram Stephen Graham e

Simon Marvin, as mudanças económicas (suportadas pelo liberalismo) forçaram a uma

polarização geográfica e social dentro das cidades. As formas como as novas telecomunicações

e as inovações telemáticas se apresentam na vida social das cidades tende a reflectir e a apoiar

esta polarização. Por um lado, as elites, por outro, os “guetos de informação”. Para os autores

em questão, as crescentes divisões entre áreas ricas e zonas pobres pode conduzir a um aumento

do medo de crime, à transformação dos bairros em fortalezas através de sistemas de vigilância e

a um crescimento de uma cultura urbana mais doméstica, onde as pessoas trabalham, compram,

acedem a serviços e interagem socialmente através de suas casas, em detrimento da interacção

nos espaços públicos das cidades. Em relação a esta polarização, muitos investigadores

491 Idem, p. 9.492 James Wheeler, Yuko Aoyama e Barey Warf, Cities in the Telecommunication Age, The Facturing of Geographies, Routledge, 2000, Introduction, pp. 4-6.

175

Page 177: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

consideram que as tecnologias reforçam esta divisão, outros patenteiam que podem servir para

quebrar o isolamento de grupos minoritários e/ou marginalizados.493

Apesar das diversas interpretações, sejam elas positivas, críticas ou convergentes, restam

reduzidas dúvidas quanto à necessidade de redefinição da ideia das cidades. As transformações

referidas criam o que Graham e Marvin denominam de um “sentido global de espaço”, que

desafia todas as concepções sobre a vivência numa cidade, região ou país. Contudo, isto não

elimina a ligação das pessoas aos espaços urbanos e ao seu território específico. Pelo contrário,

emerge uma complexa interacção entre intercâmbios culturais telemediados em espaços

electrónicos e espaços urbanos.494 São as complexas interacções que se estabeleceram nas

cidades e as redes de grande mobilidade (TIC, infra-estruturas, transportes, as redes

institucionais de corporações transnacionais, fluxos mediáticos, etc.) que modelam a vida urbana

e o desenvolvimento das cidades.495

Neste âmbito, surge o que conhecemos como ciberespaço, termo já definido no enquadramento

conceptual desta investigação. Relacionando as cidades com o ciberespaço, James Wheeler e

outros, demonstram que “Considerable confusion about the real and potential impacts of

telecommunications on cities in part reflects the exaggerated claims made by “post-industrial”

theorists ( for instance, Toffler, 1980), which often hinge upon a simplistic, utopian,

technological determinism that ignores the complex, often contradictory, relations between

telecommunications and urban form”496. Com efeito, as repetidas proclamações que as

telecomunicações permitiriam a todos realizar tele-trabalho, dispersando todas as funções,

evidenciando a obsolescência das cidades, tornaram-se pouco credíveis face ao crescimento

persistente dos locais urbanizados. Para os autores supracitados, as telecomunicações são

geralmente pobres substitutos para relações face a face, sendo este o meio através do qual a

maioria das inter-relações sensíveis entre as corporações ocorrem, sobretudo quando a

informação envolvida é irregular e não estandardizada.497

De qualquer forma, permitindo às empresas multinacionais manter-se em contacto com as suas

operações e filiais em todo o mundo, as telecomunicações contribuíram para a centralização de

actividades chave em cidades globais, como Nova Iorque, etc., que assentam nas suas extensas

493 Stephen Graham e Simon Marvin, op. Cit., pp. 36-37.494 Idem, p. 38.495 Idem, p. 71.496 James Wheeler, Yuko Aoyama e Barey Warf, op. Cit., p. 7.497 Idem, pp. 7-8.

176

Page 178: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

ligações às infra-estruturas globais para servir como centros nevrálgicos da economia mundial.

Em suma, não existe uma razão a priori que fundamente que as TIC conduziram

inevitavelmente a uma dispersão ou desconcentração das funções, possibilitando a

descentralização de tarefas rotineiras. Efectivamente, as TIC facilitaram simultaneamente a

concentração e desconcentração de actividades económicas.498

Assim, o ciberespaço contribuiu para uma significativa reconstrução do espaço urbano, criando

um ambiente social, no qual ser digital é crescentemente crítico para o conhecimento, estatuto,

riqueza e poder.499 De acordo com Graham e Aurigi, as grandes cidades, que no passado, se

baseavam largamente em partilhas e trocas face a face nos espaços públicos, estão a dissolver-se

e a fragmentar-se em webs de relações indirectas e especializadas.500 Aliás, enquanto o papel das

tecnologias no espaço urbano levaram, de modo geral, a um reforço da existente hierarquia

urbana, o seu impacto no espaço industrial é menos claro.501

a. Espaço de Fluxos e Espaço de Sítios

Neste enquadramento, é essencial inserir o conceito de “espaço de fluxos” introduzido por

Manuel Castells como um modelo de organização espacial da Era da Informação. O sociólogo

frisa que, em termos territoriais, a idade da Informação não é apenas a “era da dispersão

espacial”, mas também a “era da urbanização generalizada”. Desta forma, as cidades irão

partilhar uma lógica espacial específica, ou seja, o modelo que enuncia. Por “espaço de fluxos”

o sociólogo entende ser “the material arrangements that allow for simultaneity of social

practices without territory contiguity”502. Não se trata apenas de um puro espaço electrónico,

como o ciberespaço, embora este seja uma componente do espaço de fluxos. Em primeiro lugar,

é constituído por todas as infra-estruturas tecnológicas de sistemas informáticos,

telecomunicações e linhas de transporte. No entanto, é também constituído por redes de

interacção. Assim, a capacidade e as características da infra-estrutura, mas também os

objectivos e tarefas de cada rede estabelecem e configuram o espaço de fluxos.503

498 Ibidem. 499 Cfr. S. Graham, “The Role of Cities in Telecommunication Development”, Telecommunication Policy (Abril), 1992, pp. 755-781; S. Graham e S. Marvin, Telecommunications and the City: Electronic Spaces, Urban Places., Routledge, Londres, 1996; N. Negroponte, Being Digital, Knopf, Nova Iorque, 1995. 500 S. Graham e A. Aurigi, “Virtual Cities, Social Polarization and the Crisis in Urban Public Space”, Journal of Urban Technology, 4, 1997, pp. 19-52.501 James Wheeler, Yuko Aoyama e Barey Warf, Cities in the Telecommunication Age, The Facturing of Geographies, Routledge, 2000, Introduction, p. 10.502 Manuel Castells, “Grassrooting the Space of Flows”, p.19, in James Wheeler, Yuko Aoyama e Barey Warf, Cities in the Telecommunication Age, The Facturing of Geographies, Routledge, 2000.503 Idem, pp. 19-20.

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Page 179: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Este espaço de fluxos é ainda feito de nódulos e núcleos. São estes elementos que estruturam as

ligações e as actividades chave num determinado local ou locais. Por exemplo, nódulos ou nós

são Wall Street ou Ginza; Berkeley, Stanford e MIT. Os núcleos são sítios comunicacionais,

aeroportos, portos, estações de comboio ou de autocarros que organizam trocas de todos os

tipos, à medida que, estão crescentemente interligados e espacialmente relacionados. Todavia, o

que caracteriza o novo papel destes núcleos e nós é que estão dependentes da rede, ou seja, a sua

lógica depende da sua posição na rede, sendo locais onde se processam sinais que não são

originados de nenhum local específico, mas das interacções intermináveis e recorrentes da rede.

Em terceiro lugar, o espaço de fluxos é instituído pelos habitats dos actores sociais que operam

nestas redes, nomeadamente espaços residenciais subjacentes aos nódulos, espaços de consumo,

espaços protegidos e reservados ou corredores globais de segregação social, como lounges VIP,

escritórios virtuais e hotéis internacionais estandardizados. Por fim, o espaço de fluxos

compreende espaços electrónicos, como sítios electrónicos; espaços de interacção e espaços de

comunicação unidireccionais, interactivos ou não, como sistemas informáticos. Uma grande

parte da actividade advém da Web. Desta forma, Manuel Castells desenha uma nova estrutura

espacial da Sociedade da Informação.504

Porém, frisando que nem todo o espaço é organizado em volta do espaço de fluxos, Castells

desenvolve o conceito de “space of places” (espaço de sítios, de locais). De facto, os indivíduos

vivem, trabalham e constroem o seu significado à volta dos espaços, dos locais, das suas casas,

dos seus bairros, das suas cidades, dos seus países, etc. Apesar de inúmeros estudos

demonstrarem a perda do sentido de comunidade e apontarem para um processo de

individualização e atomização das relações baseadas no espaço, no território; a perda de

comunidade não implica necessariamente que o indivíduo não se refira ao seu local como

principal fonte de experiência. Aliás, a organização social, a representação política e a

identidade cultural são predominantemente assentes num determinado território. Assim, para

Castells o espaço de locais é a mais usual forma de existência espacial humana. O sociólogo

frisa, então, que enquanto as dominantes actividades (fluxos financeiros, gestão de serviços e

produção das grandes corporações, redes de firmas, media, lazer, desportos profissionais,

ciência e tecnologia, religião institucionalizada, poder militar e a economia criminal global) são

construídas em torno da lógica do espaço de fluxos, a maioria da experiência e da interacção

social foi e é organizada em relação aos locais.505

504 Ibidem. 505 Ibidem.

178

Page 180: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

No entanto, Manuel Castells acrescenta a toda a esta apresentação dois pertinentes pontos,

nomeadamente que o espaço de fluxos inclui também alguns locais, não sendo meramente

electrónico (os espaço electrónicos são uma das dimensões do espaço de fluxos) e que quer os

espaços electrónicos, quer o espaço de fluxos não são exclusivamente organizados em redor ou

pela dominação social, económica e cultural. Efectivamente, as sociedades não são sistemas

fechados, mas processos abertos caracterizados pelo conflito, ou seja, onde há dominação, há

resistência à dominação. Também na Sociedade da Informação existe o popular. Portanto,

apesar do espaço de fluxos manter-se como o espaço onde as actividades dominantes são

operadas espacialmente, vivencia simultaneamente uma crescente influência e pressão da

inserção de um sentido pessoal pelos actores sociais, num processo que pode alterar as

dinâmicas culturais e políticas da sociedade e ulteriormente mudar o próprio espaço de fluxos.506

Deste modo, Manuel Castells indica algumas dimensões de uma expressão autónoma de um

sentido social no espaço de fluxos, com ênfase nos espaços electrónicos, mas em interacção com

o espaço de locais. Primeiro sublinha a interacção pessoal, isto é, os indivíduos utilizam a

Internet e o correio electrónico como forma de comunicação. Surgiram salas de conversação,

fóruns, blogs, grupos de discussão e as pessoas começaram a construir as suas próprias páginas

e sítios electrónicos. Assim, habitam e transformam o espaço de fluxos. A este propósito

Castells reitera “Am I talking about a small global elite? Well, not so small, and not so elite”507.

Em segundo, uma comunicação horizontal que ocorre entre pessoas e países e estabelece

sistemas de informação alternativos aos media, como “news bulletin”. Em terceiro, assiste-se a

um incremento exponencial de redes de solidariedade e cooperação na Internet.508

A quarta dimensão é os movimentos sociais. A Internet é crescentemente utilizada por

movimentos sociais de todo o tipo como espaço de organização e meio privilegiado de levar a

sua causa ao mundo. Um emblemático exemplo é o dos Zapatistas dos Chiapas, que difundiram

informação, obtiveram comunicação interactiva entre vários grupos de solidariedade e de apoio

e agendaram acções conjuntas através da Internet. De facto, as mobilizações em determinados

sítios solicitadas através da Internet evidenciam que o espaço de fluxos não se encontra apenas

na Internet. Em quinto lugar, as ligações entre os indivíduos e as instituições num processo

interactivo. É o caso das cidades digitais, que segundo Castells, estão a renovar e a reabilitar o

governo local, a cidadania e a democracia. Contudo, embora a análise de Aurigi e Graham

506 Idem, p. 21.507 Idem, p. 22.508 Idem, pp. 22-23.

179

Page 181: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

mostre que as cidades digitais sejam somente espaços de comunicação uni-direccional, não

sendo verdadeiras plataformas de democracia participativa, Castells sublinha que estas estão a

evoluir e a mudar.509

Assim, diferentes iniciativas e projectos evidenciam novas dimensões da Sociedade da

Informação e patenteiam que as pessoas estão a aceder à Internet sem se desligarem e

desenraizarem dos seus espaços. Além da resistência à dominação do espaço de fluxos de

capital e informação que começou inicialmente a construir-se em torno dos espaços, uma nova

dinâmica emerge no espaço de fluxos, concretamente a interpenetração de uniformização e

autonomia, de dominação e resistência. “So, the geography of the new history will not be made,

after all, of the separation between space and flows, but out of the interface between places and

flows and between cultures and social interests, both in the space of flows and in the space of

places”510.

b. Teorias das Relações entre a Cidade e as Tecnologias de Informação e Comunicação

É ainda pertinente aludir, de forma sumária, às teorias que abordam a relação entre as TIC e a

cidade. Com efeito, como nota Westrum, esta análise corresponde a uma parte do alargado

processo que estuda a relação entre a tecnologia e a sociedade.511 Assim, quatro perspectivas tem

sido tomadas, implícita ou explicitamente, para retratar a interacção entre a tecnologia e as

cidades. Estas contrastantes e dominantes teorias advêm de diferentes posições ideológicas nas

ciências sociais e tecnológicas, nomeadamente o determinismo tecnológico, o futurismo/utopia,

a distopia e a “Social Construction of Technology” (SCOT).512

O determinismo tecnológico agrupa várias visões que patenteiam que as tecnologias causam

directamente mudança urbana. Portanto, tende a visionar a relação entre a cidade e as TIC como

uma simples, directa e linear série de causas tecnológicas e efeitos urbanos. Desta forma, à luz

do determinismo assiste-se à descentralização, ou mesmo dissolução das cidades; à livre

disponibilidade de comunicações e tecnologias de alta capacidade em todos os locais; à

mudança das economias das cidades assentes na informação; ao crescimento de uma e-cultura,

baseada nas interacções on-line; à mutação para uma vida urbana “imaterial”, entre outras

assunções. Neste enquadramento, o determinismo tecnológico sustenta que a mudança

tecnológica é de importância extrema e directa na transformação da sociedade e que as forças 509 Idem, p. 24.510 Idem, p. 27.511 Westrum, Cit. por Stephen Graham e Simon Marvin, op. Cit., p. 78.512 Stephen Graham e Simon Marvin, op. Cit., pp. 78-80.

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Page 182: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

que derivam das TIC são percepcionadas como significativamente autónomas dos processos

sociais e políticos.513 Fenómeno que Hill designa como “the apparent intrinsic technological

inevitability”514, normalmente retratada por grandes vagas e revoluções.

Relativamente ao futurismo e à perspectiva utópica, estas duas linhas de pensamento são

introduzidas conjuntamente, na medida em que, o futurismo se baseia essencialmente numa

previsão dos efeitos das mudanças tecnológicas radicais nas cidades e visto que as suas

previsões tendem globalmente a demonstrar uma óptica optimista dos futuros impactos das TIC

nas cidades e na vida urbana. Aliás, mesmo quando efeitos negativos são evidenciados, é

argumentado que podem ser solucionados com o recurso a nova tecnologia. Assim, o futurismo

encontra-se, de forma geral, fortemente ligado à utopia, já que, os utópicos procuram

radicalmente novas e melhores formas de vida, atacando os aspectos negativos das cidades

industriais (poluição, sobrepovoação, degradação moral e desintegração social) e encontrando

nas tecnologias soluções para estes problemas. As telecomunicações e a tecnologia são

consideradas como o “technical fix” para os problemas físicos, ambientais e económicos das

cidades. A título exemplificativo, os limpos e desmaterializados espaços electrónicos acabariam

com a poluição e a congestão urbana e a sociedade viveria numa cidade virtual, assente na

utilização de tecnologias de comunicação. Uma outra premissa, claramente sublinhada nos

escritos futuristas e utópicos, é que a natureza transcendente do tempo e do espaço nos espaços

electrónicos significaria que estamos a caminhar para um mundo, onde toda a informação estaria

disponível ilimitadamente para todas as pessoas, um mundo mais igualitário e democrático. Um

dos elucidativos trabalhos é indubitavelmente a “Terceira Vaga” de Alvin Toffler.515 Segundo o

autor, a revolução da terceira vaga fundamenta-se nas novas capacidades informáticas e

comunicacionais que suportam a descentralização geográfica, económica e política da sociedade

urbana.516

Um terceiro grupo de abordagens analíticas das relações telecomunicações-cidade pode ser

agrupado numa visão distópica e numa vertente da economia política urbana. Neste sentido, o

desenvolvimento das tecnologias não se encontra separado da sociedade, pelo contrário, está

imbuído nas relações sociais, políticas e económicas do capitalismo. Assim, as relações entre as

TIC e a cidade não podem ser compreendidas sem se considerar as relações políticas,

económicas, sociais e culturais da avançada sociedade industrial e a forma como se processa 513 Winner, Cit. por Stephen Graham e Simon Marvin, op. Cit., p. 83.514 Hill, Cit. por Stephen Graham e Simon Marvin, op. Cit., p. 83.515 Cfr. Alvin Toffler, A Terceira Vaga, Livros do Brasil, Colecção Vida e Cultura, 1984.516 Stephen Graham e Simon Marvin, op. Cit., pp. 85-93.

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Page 183: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

essa mutação. As relações entre a cidade e as TIC parecem ser conduzidas pelas forças

económicas do capitalismo e para reflectir e perpetuar as altamente iníquas relações sociais do

capitalismo. Portanto, as telecomunicações não são neutrais e podem ser modeladas para

beneficiar específicos interesses e classes sociais, reproduzindo apenas a iniquidade já existente

nas sociedades.517 Segundo os autores desta perspectiva, a mobilidade e a flexibilidade das

novas tecnologias representam novos modos de controlo que servem o capitalismo, “(…) the

development and deployment of advanced telecommunications networks can be interpreted as a

part of a process by which “Fordist” enterprises are attempting to regain control over their

own organizations and labour forces, their suppliers and their markets”518.

Da mesma forma, as TIC promovem o desenvolvimento de cidades mais polarizadas e

fragmentadas. A maioria dos trabalhos distópicos assenta numa óptica pós-moderna e na crítica

do determinismo e do futurismo/utopia, abordando, por vezes, de forma bastante perturbante e

anti-utópica, a vida urbana e o seu futuro, no que concerne as telecomunicações. Os distópicos

frisam que os deterministas, futuristas e utópicos evidenciam visões simplistas, técnicas e até

tecnocratas, defendendo uma brilhante ideologia para a era da informação, onde todos

beneficiam deste futuro assente nas novas tecnologias de informação e comunicação.519 A este

propósito, Kevin Robins e Mark Hepworth atacam a “Infatile Utopia”, desmontando as

perspectivas futuristas que acreditam que as TIC destroem os problemas de espaço e de

distância e desconstruindo ainda a ideia dos lares autómatos.520

A “Construção Social da Tecnologia” (SCOT), que abordamos em seguida mais

aprofundadamente, na medida em que é um dos suportes teóricos desta investigação, também

emergiu como rejeição ao determinismo tecnológico. Tal como na economia política urbana, os

investigadores que patenteiam esta perspectiva declinam que as telecomunicações possuam uma

espécie de autonomia “lógica”, cujos “impactos” nas cidades são vistos como forças externas.

Da mesma forma, rejeitam as grandes metáforas que descrevem os “impactos” sociais das TIC

de modo simplista, unidimensional e claramente determinista.521 Contudo, a SCOT tende

também a recusar muitos dos argumentos da economia política urbana, nomeadamente a sua

focalização central na importância da estrutura do capitalismo e no poder fulcral das forças

517 Idem, pp. 94-96518 Andy Gillespie, “Advanced communications networks, territorial integration and local development”, in Camagni, Innovation Networks, Belhaven, 1991, p. 214.519 Stephen Graham e Simon Marvin, op. Cit., pp. 99-105.520 Kevin Robins e Mark Hepworth, “Electronic Spaces: New Technologies and the Future of the Cities”, Futures, Abril, 1988, pp. 155-176.521 Gökalp, Cit. por Stephen Graham e Simon Marvin, op. Cit., p. 104.

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Page 184: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

políticas e económicas na moldagem de como as telecomunicações se desenvolvem nas cidades.

Esta abordagem argumenta que não existe uma única lógica ou um caminho exclusivo para o

desenvolvimento e adopção da tecnologia, já que, todos os níveis de escolha existem nas formas

de design, desenvolvimento e adopção de tecnologia. De facto, “Technology does not spring, ab

initio from some disinterested fount of innovation. Rather, it is born of the social, the economic

and technical relations that are already in place”522. Portanto, um dos principais objectivos da

SCOT é justamente evidenciar como é que a sociedade influencia a tecnologia. Os processos

sociais da agência humana, a nível micro, são também um dos focos desta teoria. Indivíduos,

grupos sociais e instituições têm alguns graus de escolha no desenho, desenvolvimento e

aplicação das tecnologias em casos particulares. 523

Assim, a abordagem SCOT pretende identificar, analisar e explicar as relações casuais entre

factores sociais, institucionais e políticos e o desenvolvimento e aplicação das tecnologias. O

desenvolvimento tecnológico é, então, um profundo processo social e político, não sendo pré-

definido. Os seus efeitos são indetermináveis, os seus impactos impossíveis de definir de forma

única e determinista e as relações entre a tecnologia e a mudança urbana variáveis de forma

complexa no tempo e o espaço. Porém, analisar o processo pelo qual as telecomunicações são

construídas socialmente é difícil de alcançar, não só pela sua complexidade, mas também pela

crescente fusão entre seres humanos e máquinas e tecnologias, fenómenos que quebram as

antigas separações entre ciência e tecnologia, entre os ambientes reais e os simulados. As

dificuldades no estudo destas mudanças justificam um grande de número de trabalhos

descritivos.524

Analisando estas quatro teorias, Stephen Graham e Simon Marvin realizam uma avaliação

crítica, frisando que apesar da utilidade das duas primeiras abordagens na descrição do geral e

das mudanças históricas, a nível macro, da orientação tecnológica da sociedade urbana, tendem

a reduzir a complexidade das relações entre a tecnologia e as cidades a simples e homogéneos

modelos de tecnologias e impactos na vida urbana. Em seguida, partem de algumas premissas

das duas últimas perspectivas para definir uma abordagem mais sofisticada e integrada das

cidades e das telecomunicações. Embora reconheçam algumas limitações das teorias

seleccionadas, nomeadamente que a economia política urbana geralmente exagera os efeitos

conservativos das estruturas do capitalismo na formação da tecnologia, negligencia o nível no

522 Bjiker e Law, Cit por Stephen Graham e Simon Marvin, op. Cit., p. 105.523 Stephen Graham e Simon Marvin, op. Cit., pp. 104-105.524 Idem, pp. 105-107.

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Page 185: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

qual os processos sociais podem modificar o desenvolvimento das telecomunicações e atribui

poderes ilimitados a macro estruturas capitalistas, enquanto omite as estruturas que são criadas

por inúmeros indivíduos e instituições através do tempo; a SCOT, por sua vez, pode ser tão

minuciosa nos modos como as elites sociais modelam a tecnologia, a nível micro, que pode

esquecer as diferenças de poder da sociedade, ignorando aqueles que são excluídos deste

processo devido à pobreza, desemprego ou marginalização; valorizam o facto de ambas

abordagens demonstrarem que as telecomunicações desenvolvem-se e são aplicadas na

sociedade e não fora dela, sendo portanto, um processo social, político e cultural, em detrimento

do puramente tecnológico.525

Assim, evidenciam que esta nova teoria que consideram essencial deverá centrar-se nas tensões

funcionais e materiais entre a fixação dos espaços urbano e a mobilidade suportada pelas

telecomunicações e espaços electrónicos; as lutas sociais que se desenvolvem na moldagem dos

espaços urbanos e electrónicos; por fim, os aspectos que envolvem as representações sociais, a

identidade e a percepção nas cidades e telecomunicações.526

2. “Social Construction of Technology” (SCOT)

Esta investigação apoia-se ainda na perspectiva teórica denominada “Construção Social da

Tecnologia” (SCOT), que surgiu como rejeição ao determinismo tecnológico. Assim, em

detrimento de uma visão da tecnologia como algo autónomo da sociedade, esta teoria sublinha

que “the competing nature of much technological change is best explained by seeing technology

not as outside of society, as technological determinism would have it, but as inextricably part of

society”527. Desta forma, o basilar objectivo da SCOT é precisamente demonstrar como é que a

sociedade influencia a tecnologia, pretendendo identificar, analisar e explicar as relações casuais

entre factores sociais, institucionais e políticos e o desenvolvimento e aplicação das tecnologias.

O propósito da investigação, na tradição SCOT, é entender como é que a tecnologia e os seus

usos são social e politicamente “construídos”, através de complexos processos de interacção

pessoal e institucional, onde diferentes actores e agências interagem durante períodos de tempo.

Neste enquadramento, Woolgar evidencia que os artefactos tecnológicos são efectivamente

525 Idem, pp. 112-113.526 Idem, p. 113.527 Mackenzie e Wajcman, Cit. por Stephen Graham e Simon Marvin, op. Cit., p. 104.

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Page 186: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

construções sociais.528 O desenvolvimento tecnológico é, então, um profundo processo social e

político, não sendo pré-definido e cujos efeitos são indetermináveis.

Deste modo, a abordagem SCOT oferece um enquadramento bastante efectivo da relação entre a

cidade e a tecnologia, que pode ser usado para investigar processos de desenho, criação,

desenvolvimento e estabilização das tecnologias, parecendo muito adequado a estudos

multidisciplinares.529 De facto, a relevância desta perspectiva é claramente sublinhada por

Sorensen, “First, it offers a new way of rising issues of democracy and public participation in

matters related to technology. Second, this focus means that technology policy itself becomes

more central as an object of social shaping research. Third, the “consequences” of Technology

policies may be studied, not only in terms of invention and innovation, but also with reference to

social change and social stability”530.

Contudo, como qualquer paradigma, a SCOT é apenas um modelo explicativo da realidade e

analisar o processo pelo qual a tecnologia é construída socialmente é difícil de alcançar, não só

pela sua complexidade, mas também pela crescente fusão entre seres humanos e máquinas e

tecnologias, fenómenos que quebram as antigas separações entre ciência e tecnologia, entre os

ambientes reais e os simulados. As dificuldades no estudo destas mudanças justificam um

grande de número de trabalhos descritivos.531 Como frisa Alessandro Aurigi “It can be argued,

however, that a social constructivist perspective, or at least using elements from this approach,

can be extremely effective and enlightening, though possibly harder to carry out, in real-time

scenarios, when a new development is just going to happen. The insight that these kind of

studies can provide could indeed help in explaining technological development as it happens,

and above all draw suggestions on ways to improve the processes that are at the base of the

establishment of a determinate technological system”532.

Na condução da investigação de novas implementações tecnológicas nas cidades, torna-se

benéfico olhar não só para o próprio sistema, mas também para o que gera a sua necessidade,

que problemas é suposto resolver, que soluções pretende disponibilizar, que visões e quem está 528 Woolgar, “Reconstructing Man and Machine: A Note on Sociological Critiques of Cognitivism”, p. 311, in Bijker Wiebe E., Hughes Thomas P. & Pinch Trevor, The Social Construction of Technological Systems, MIT Press, 1989. 529 Alessandro Aurigi, Making the Digital City. The Early Shaping of Urban Internet Space, Ashgate, 2005, p. 28.530 Sorensen, “Social Shaping on the move? On the Policy Relevance of the Social Shaping of Technology Perspective”, p. 22, in Sorensen Knut H. & Williams Robin, Shaping Technology, Guiding Policy: Concepts, Spaces and Tools, Cheltenham, 2002. 531 Stephen Graham e Simon Marvin, op. Cit., pp. 105-107.532 Alessandro Aurigi, Making the Digital City. The Early Shaping of Urban Internet Space, Ashgate, 2005, p. 29.

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Page 187: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

a promovê-lo ou a apontar alternativas. Neste sentido, Pinch e Bjiker sublinham que “Having

identified the relevant social groups for a certain artefact, we are especially interested in the

problems each group has with respect to that artefact. Around each problem, several variants of

solution can be identified”533. Portanto, existem diferentes formas de ver e interpretar a

realidade, “The interpretative flexibility of an artefact can be demonstrated by showing how, for

different social groups, the artefact presents itself as essentially different artefacts”534. A

tecnologia não pode ser considerada como um “self-standing fact”, pois qualquer pedaço de

tecnologia, aparentemente revolucionária ou inovadora, é muito provavelmente, o produto de

um processo de interpretação e negociação entre visões e necessidades concorrentes. Isto

envolve a presença e a influência das tecnologias anteriores, das experiências pioneiras e das

práticas aceites que podem ser projectadas no novo artefacto ou sistema.535

Assim, é reiterado a importância das dinâmicas sociais, o que leva Alessandro Aurigi a mostrar

que “This concept of “interpretative flexibility” and the social dynamics related to it, seems

most important for approaching an investigation of Internet-based urban information systems,

given the fact that a “digital city” is very much a concept- and a technological object-in need of

a definition, and that this definition is likely to come during the development and deployment of

a cyber city itself”536. Por fim, esta teoria que pretende produzir uma compreensão mais

profunda do processo de mudança tecnológica foi bastante profícua para a nossa análise das

cidades digitais e do seu possível impacto social. Além da explicação da relação entre a

tecnologia e sociedade, fundamental para esta investigação, o paradigma construcionista é um

dos nossos contributos teóricos, uma vez que, através das visões, opiniões e respostas dos vários

especialistas, intervenientes e utilizadores inquiridos da cidade digital é construída a nossa

percepção e abordagem da temática em análise.

3. Cibersociologia, Sociologia da Internet

O estudo da Internet insere-se habitualmente na área da sociologia da ciência e da tecnologia.

No entanto, esforços têm sido criados para o desenvolvimento de uma cibersociologia ou

533 Pinch T. e Bjiker W., “The Social Construction of Facts and Artifacts: Or How the Sociology of Science and the Sociology of Technology Might Benefit Each Other” in Bjiker E, Hughes T. and Pinch T., The Social Construction of Technological Systems, MIT Press, Cambridge, 1987, p. 35.534 Bjiker W., “The Social Construction of Fluorescent Lighting, or How an Artifact Was Invented in Its Diffusion Stage”, in Bjuker W. e Law J. (eds), Shaping Technology/Building Society: Studies in Sociotechnical Change”, MIT Press, 1992, pp. 75-76.535 Alessandro Aurigi, Making the Digital City. The Early Shaping of Urban Internet Space, Ashgate, 2005, p. 30.536 Ibidem.

186

Page 188: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

sociologia da Internet. De acordo com Albert Benschop da Universidade de Amesterdão,

“CyberSociology is the study of social action of human individuals in virtual communities and

networks, organizations and personal relations. These new virtual entities are no longer defined

by geographic or even semiotic boundaries. Instead, communities and networks, organizations

and personal relations are being constructed in cyberspace on the basis of common affiliative

interests”537. Assim, a cibersociologia “is an inconvenient, troublesome discipline because it has

to shoot at fast moving objects with a permanently changing character”538. É ainda um

programa e um desafio, na medida em que, “It is a research programme that operates on

assumptions that still have to be clarified and for which the theoretical foundation still has to be

laid. That's exactly the reason why cybersociology is a challenge for social scientists who find it

exciting to get into a plane that travels through a space that doesn't exists in our physical

reality, nobody knows how long it will take and where the plane will land.” Apesar de alguma

indefinição conceptual e teórica desta Sociologia da Internet, acreditamos que esta investigação

poderá inserir-se neste ramo em construção.

De facto, esta disciplina não representa um contributo conceptual e operacional para esta

investigação, dado o seu carácter embrionário, no entanto, é aqui introduzida não só como forma

de aludir a todos os estudos realizados sobre a Internet (claramente evidenciados e explorados

nesta dissertação), como modo de contribuição para a sua formulação e maturação.

IV. CIDADES DIGITAIS: AS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS E

NACIONAIS

537 Albert Benschop, “Peculiarities of Cyberspace. Building Blocks for an Internet Sociology”, http://www.sociosite.org/index_en.php.538 Idem.

187

Page 189: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

A. Paradigmas Internacionais

O conceito de cidade digital foi sendo utilizado e modificado pelas diferentes iniciativas que,

por todo o mundo, se apropriavam do vocábulo. Nos Estados Unidos da América, a American

on-line (AOL) avançou inovadoramente com um serviço de informação regional (Digital City)

para as grandes cidades norte-americanas. No oriente, o Japão apresentou o Quioto Digital, um

emblemático projecto, mas que já não se encontra em funcionamento. Na Europa, destaca-se o

pioneiro DDS, Amesterdão Digital, (que também já se não se encontra em funcionamento) e o

Helsínquia Virtual. É ainda pertinente aludir à TeleCities, uma organização mundial criada na

Europa em 1993. A TeleCities, agora denominada Eurocities Knowledge Society Forum-

TeleCities, integra a EuroCities, organização criada em 1986, que constitui a rede das maiores

cidades europeias (rede que une os governos locais de mais de 120 grandes cidades em cerca de

30 países europeus).539 A EuroCities Knowledge Society Forum – TeleCities oferece às cidades e

aos seus parceiros uma plataforma para partilha de boas práticas e para cooperação nas

importantes questões das políticas públicas num enquadramento europeu. Esta associação foca-

se presentemente em:

Garantir o desenvolvimento de uma inclusiva Sociedade do Conhecimento, tornando as

TICs e serviços on-line disponíveis a todos os cidadãos;

Promover a modernização das Administrações Públicas locais através do uso das TIC;

Enfatizar o papel das cidades no desenvolvimento de uma Sociedade do Conhecimento,

através da promoção do uso das TIC e do estímulo à inovação;

Fomentar a economia direccionada para a Sociedade do Conhecimento.540

Retomando a temática das cidades digitais, a multiplicidade de projectos é uma evidência

gritante, o que torna bastante problemático o estabelecimento de bases de comparabilidade. No

entanto, Ishida propõe uma matriz que compara quatro emblemáticas cidades digitais (AOL,

Quioto, Amesterdão e Helsínquia), que aqui são incluídas como alguns dos importantes modelos

internacionais, fazendo parte da recente história das cidades digitais no mundo. Assim,

introduzimos estudos de caso internacionais, que evidenciam diferentes abordagens e nos

possibilitam extrair proficientes lições e reflexões sobre este tema.

As cidades da American On-Line (AOL)

539 http://www.eurocities.org/main.php 540 Idem.

188

Page 190: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

A génese e o desenvolvimento das cidades digitais nos Estados Unidos da América estão

intrinsecamente ligados à American On-Line (AOL). Assim, cada cidade digital AOL agrega

informação turística e comercial da correspondente cidade. Além desta informação, a AOL

fornece oportunidade de publicidade local para mercados verticais que incluem os sectores

automóvel, imobiliário, emprego e saúde. A Cidade Digital AOL é o maior e mais popular

serviço informativo local nos Estados Unidos da América. Embora existam serviços similares

como o Yahoo.local, que agrupa informação local para algumas cidades, a AOL é um líder neste

âmbito. O sucesso das cidades digitais AOL demonstra que efectivamente as pessoas precisam

de serviços de informação regional para o seu dia-a-dia.541

Figura 4 – AOL

www.digitalcity.com

Amesterdão Digital (De Digital Stad, DDS)

No Verão de 1993, um conjunto de especialistas reuniu-se para criarem um domínio virtual

público. Desta forma, nos alvores de 1994, inspirando-se nos modelos de Internet de livre

acesso e redes comunitárias norte-americanas e canadianas, estabeleceu-se uma experiência

digital conduzida por activistas da comunicação social e hackers, cujo objectivo era

precisamente melhorar a comunicação entre os cidadãos e os políticos.542 Assim, colocaram-se

541 Toru Ishida, “Understanding Digital Cities”, in T. Ishida and K. Isbister Eds. Digital Cities: Experiences, Technologies and Future Perspectives, Lecture Notes in Computer Science, Vol. 1765, Springer-Verlag, 2000, p. 2.542 Peter van den Besselaar, “Local Information and Communication Infrastructures: An Introduction” in Besselaar, Peter van den and Satoshi Koizumi (Eds.) Digital Cities III Information Technologies for Social Capital: Cross-cultural Perspectives, Springer, 2005, p. 7.

189

Page 191: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

terminais (computadores e modems) em espaços públicos, como bibliotecas, o que permitia aos

cidadãos o envio de mensagens para o município. O sucesso desta iniciativa aumentou o

interesse dos cidadãos pela Internet. Com efeito, nas primeiras dez semanas, 10 000 pessoas

registaram-se e 100 000 pessoas acederam aos conteúdos desta cidade digital. Desta forma,

rapidamente se tornou um portal de informação local, um sítio de experimentação on-line e uma

plataforma de suporte a uma variedade de comunidades.543

A DDS viveu de Fevereiro de 1994 a Julho de 2001. Rustema aponta quatro fases neste

nascimento e morte, nomeadamente a:

Fase experimental, que corresponde ao ano de 1994;

Fase da sua institucionalização como fundação, em 1995;

Fase de sobrevivência, quando enfrentava grande concorrência, entre 1996 e 2000;

Fase comercial, quando se tornou um simples ISP em 2000.544

Do mesmo modo, Besselaar e Beckers indicam quatro fases, que no entanto, apresentam

algumas diferenças em termos de divisão temporal relativamente à proposta de Rustema:

Da ideia à experiência bem sucedida, da metade de 1993 ao início de 1994;

Período de institucionalização e de crescimento, de 1994 a 1996;

Da estabilização ao crescimento da concorrência e declínio, de 1997 a 1999;

Privatização, a luta pela sua posse, alternativas e o seu fim de 2000 a 2001.545

De acordo com Rustema, “What has come out of the ruins of DDS is the demonstration that the

open design of the internet has been the best way to ensure the goals of the community

networking movement (…)The only thing that can be a hindrance to that end are organisations

that do not use the open protocols the internet is built on accordingly, but strive to direct the use

of this technology into some desired way with interfaces that are not continuously open for

improvement and adaptation by the users themselves”546. De facto, Besselaar e Becker referem

543 Toru Ishida, “Understanding Digital Cities”, in T. Ishida and K. Isbister Eds. Digital Cities: Experiences, Technologies and Future Perspectives, Lecture Notes in Computer Science, Vol. 1765, Springer-Verlag, 2000, p. 3544 Reinder Rustema, The Rise and Fall of DDS. Evaluating the Ambitions of Amsterdam`s Digital City, Dissertação de Doutoramento em Ciências da Comunicação, Universidade de Amesterdão, 2001, p. 6, disponível na versão em inglês em http://reinder.rustema.nl/dds/rise_and_fall_dds.pdf 545 Peter van den Besselaar and Dennis Becker, “The Life and Death of Great Amsterdam Digital City” in Besselaar, Peter van den and Satoshi Koizumi (Eds.) Digital Cities III Information Technologies for Social Capital: Cross-cultural Perspectives, Springer, 2005, p. 67.546 Reinder Rustema, op. Cit., p. 48.

190

Page 192: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

um conjunto de ideias sobre o que pode ser aprendido sobre a vivência de sete anos da DDS.

Assim, a DDS desenvolveu-se como uma infra-estrutura de informação social, fornecendo

informação acerca de uma cidade real. Apesar de um bom início, a extensão e manutenção do

repositório informativo foi negligenciado, o que impediu a DDS de conservar uma posição de

liderança como portal de referência. Aliás, enquanto a Internet explodiu em tamanho, a DDS

cresceu apenas a um ritmo e taxa moderada. Outra das lições está relacionada com o facto da

DDS ter também começado como uma plataforma, onde os cidadãos se podiam conhecer e

interagir. Também aqui, o nível de actividade diminuiu. Portanto, mesmo que as redes

electrónicas alimentem a interacção, isto não implica que conduzam a uma sociedade mais

democrática, participativa e inclusiva.547

A DDS começou essencialmente como uma experiência para melhorar a democracia local e a

participação, porém não funcionou muito bem a este nível, na medida em que, havia discussões,

mas a sua qualidade era pobre. Os políticos e líderes de opinião não participavam, nem as

organizações cívicas eram muito activas na cidade digital. Contudo, a DDS alcançou um dos

seus objectivos, isto é, ser um espaço de livre acesso, onde todos pudessem experimentar o

ciberespaço. Embora, os seus membros não fosse representativos da população holandesa,

afigurou-se como a primeira possibilidade dos holandeses aprenderem a usar e a tirar proveito

da Internet na sua própria língua. Esta cidade digital, foi ainda a primeira a oferecer grandes

oportunidades públicas para se criar comunidades virtuais de interesses e no seu período inicial

realmente foi utilizada para este fim. Por último, a cidade digital pode ser um prático recurso

para ajudar a organizar a vida quotidiana, sobretudo na forma de comunidades de interesses.

Neste sentido, a cidade digital é um meio de comunicação que influencia as redes pessoais dos

seus cidadãos digitais.548

O sucesso inicial da cidade digital de Amesterdão foi altamente contextual, na medida em que, o

acesso e utilização geral da Internet apenas foram lançados na Holanda depois da entrada em

funcionamento da DDS. Após a apresentação da DDS emergiram inúmeras cidades, regiões e

aldeias digitais, que, contudo, acabaram por falhar, isto é, tornaram-se marginais ou

simplesmente traduziram sítios electrónicos com informação municipal, em vez de espaços

públicos virtuais. É ainda pertinente referir que durante o declínio desta cidade digital, o número

de visitantes por dia continuava a ser significativo. Todavia, estes eram maioritariamente 547 Peter van den Besselaar and Dennis Becker, “The Life and Death of Great Amsterdam Digital City” in Besselaar, Peter van den and Satoshi Koizumi (Eds.) Digital Cities III Information Technologies for Social Capital: Cross-cultural Perspectives, Springer, 2005, pp. 92-93548 Ibidem.

191

Page 193: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

“turistas” (na terminologia da própria DDS), que visitavam um sítio electrónico dentro do

domínio da DDS que tinham procurado ou marcado através de um motor de busca. Assim,

praticamente ninguém acedia às funções comunitárias específicas que oferecia a DDS. Portanto,

nos últimos anos, a cidade digital passou de espaço público virtual a um modesto fornecedor de

conteúdos. Com a competição de outros sítios com serviços iguais ou melhores, os cidadãos

digitais partiram à procura de uma melhor qualidade de vida virtual.549

Entretanto, a DDS quis tornar-se comercial, tirando vantagem do grande número e portfolio de

membros para atrair investidores privados. Infelizmente, para os novos proprietários o boom da

Internet terminou e a estratégia falhou. Mesmo se esta cidade digital se tivesse tornado

comercial mais cedo, o seu êxito teria sido difícil, uma vez que, ser comercial requer um

mercado bem definido e é questionável se um espaço público virtual pode servir tal mercado.

Como frisam Besselaar e Beckers, o factor que mais determinou o declínio da cidade digital foi

a falta de posse dos seus utilizadores. Com efeito, ao ser institucionalizada, os cidadãos

deixaram de moldar e desenvolver o projecto e consequentemente diminuiu a participação e o

compromisso. Do mesmo modo, a própria identidade da DDS mudou. Desta forma, o que

emerge deste exemplo é que um vivo domínio virtual público necessita de uma colaboração

activa entre muitos indivíduos e organizações, sem uma estrutura hierárquica que desencoraje a

participação e a criatividade.550

Figura 5 – Cidade Digital de Amesterdão

www.dds.nl

Helsínquia Virtual

O projecto Helsínquia Arena 2000 iniciou-se nos alvores de 1996, sob a iniciativa da companhia

telefónica de Helsínquia (HPY). O objectivo do projecto era construir a próxima geração da rede

metropolitana. Esta rede permitiria aos cidadãos comunicar entre si através de vídeo

bidireccional em directo. A título exemplificativo, permitia aos membros de uma comunidade de

549 Ibidem.550 Idem, p.94.

192

Page 194: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

automóveis clássicos usar esta funcionalidade para cooperarem nas reparações dos seus

veículos.551 Paralelamente ao desenvolvimento de redes de alta velocidade, pretendeu-se

desenvolver uma cidade virtual 3D, proposta por Risto Linturi em 1995. Como é evidente, esta

cidade digital tinha propósitos comerciais, já que, a empresa de telefones pretendia catalizar um

rápido desenvolvimento tecnológico, uma generalizada adopção e fornecimento de conteúdos

para Internet de banda local, fixa e móvel. Contudo, ambicionavam igualmente activar os

cidadãos locais e fornecedores de conteúdos locais. Um consórcio foi criado para este fim,

agrupando a Nokia, o município da cidade de Helsínquia, IBM, empresas de media finlandesas,

as maiores companhias de tecnologia e os mais reputados bancos, tal como, todas as

universidades locais.552

De facto, como a companhia de telefones estava sobretudo interessada em fornecer uma

plataforma e ferramentas para o acesso, colocação e manutenção de conteúdos, este consórcio

satisfazia-a, pois todos trabalharam activamente em projectos, criando valor acrescido ao

partilharem interessantes ideias. Muitas tecnologias e funcionalidades foram testadas, tendo sido

seleccionadas as que globalmente suportavam modelos de participação local em detrimento de

serviços massivos de conteúdos. Do mesmo modo, inúmeras iniciativas foram tomadas para

criar conteúdos multimédia e activar grupos de negócio e grupos de interesse para fornecer

conteúdos às redes. De acordo com Linturi e Simula, o Helsínquia Arena 2000 foi um projecto

bem sucedido, embora não tenha alcançado as suas visões mais vanguardistas. O desenho da

rede focada na participação foi comercializado e encontra-se activo em vários projectos

paralelos. O projecto é reconhecido mundialmente e a Finlândia encontra-se no topo do mundo

digital.553

Figura 6 – Helsínquia Virtual

551 Toru Ishida, “Understanding Digital Cities”, in T. Ishida and K. Isbister Eds. Digital Cities: Experiences, Technologies and Future Perspectives, Lecture Notes in Computer Science, Vol. 1765, Springer-Verlag, 2000, p. 4.552 Risto Linturi e Timo Simula, “Virtual Helsinki. Enabling Citizen, Linking the Physical and the Virtual” in Besselaar, Peter van den and Satoshi Koizumi (Eds.) Digital Cities III Information Technologies for Social Capital: Cross-cultural Perspectives, Springer, 2005, pp. 113-115.553 Ibidem

193

Page 195: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

www.hel.fi

Quioto Digital

Em Outubro de 1998, iniciou-se o desenvolvimento de um protótipo de uma cidade digital, cujo

objectivo era criar uma infra-estrutura informativa para a cidade de Quioto, ou seja, um suporte

à vida diária dos cidadãos. Esta é uma iniciativa baseada na investigação, sendo conduzida pelas

universidades e por laboratórios de pesquisa (Universidade de Quioto e o NTT –

Communication Science Laboratories).554 Assim, o “Digital City Kyoto Experimentation

Forum” foi lançado em 1999. Este fórum incluía diversas universidades; autoridades locais;

várias empresas fabricantes de computadores e tecnologias; jornais locais; templos históricos, tal

como, fotógrafos; programadores; estudantes; voluntários, etc. Investigadores e designers de

outros países também se integraram no projecto.555 A cidade digital de Quioto tornou disponível

diferentes metáforas citadinas, nomeadamente mapas 2D e um espaço virtual 3D, ambos de fácil

utilização para todos. Uma arquitectura de três camadas foi proposta, composta por um nível

informativo, uma interface e um grau de interacção.556

Um número bastante representativo de páginas electrónicas foi associado, enquanto a

informação sensorial de tempo real da cidade física é mapeada para a plataforma digital. Como

interface humana, a rua Shijo (de 2 km de comprimento) foi implementada num espaço virtual

3D, com o apoio da comunidade comercial dessa rua. A cidade digital disponibiliza informação

554 Toru Ishida, “Understanding Digital Cities”, in T. Ishida and K. Isbister Eds. Digital Cities: Experiences, Technologies and Future Perspectives, Lecture Notes in Computer Science, Vol. 1765, Springer-Verlag, 2000, p. 5.555 Toru Ishida, “Activities and Technologies in Digital City Kyoto”, in Besselaar, Peter van den and Satoshi Koizumi (Eds.) Digital Cities III Information Technologies for Social Capital: Cross-cultural Perspectives, Springer, 2005, p. 166.556 Toru Ishida, “Understanding Digital Cities”, in T. Ishida and K. Isbister Eds. Digital Cities: Experiences, Technologies and Future Perspectives, Lecture Notes in Computer Science, Vol. 1765, Springer-Verlag, 2000, p. 5.

194

Page 196: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

sobre o tráfego automóvel, condições meteorológicas, transportes, sítios de estacionamento

livres, compras, educação e lazer. Promovia também a interacção entre residentes e turistas. Foi

ainda desenvolvido para os visitantes que acediam à cidade de outros países, um autocarro

digital com um guia em várias línguas.557 A experiência durou três anos, ou seja, a cidade digital

viveu de 1998 a 2001.558

Tal como no caso da DDS, algumas lições técnicas e sociais desta iniciativa são dignas de nota.

A excitação experimentada nos três anos do projecto ultrapassou largamente as expectativas

esperadas. A Quioto 3D revitalizou a rua comercial, tornando-a a principal zona comercial na

cidade. Foi a primeira cidade japonesa a oferecer um Internet café, a usar cartão de débito e a ter

linhas instaladas em todas as lojas para a ligação à Internet. A comunidade criou inclusivamente

um comité denominado “informatization initiative”. De facto, apesar da maioria das lojas serem

de comércio tradicional, com muitos anos de história e de não compreenderem precisamente o

impacto das TIC, o projecto foi aprovado. Em poucas semanas, a iniciativa foi aplicada a mais

dez ruas comerciais em Quioto. As solicitações para outra rua virtual 3D surgiram de uma

comunidade de vizinhança, Gion. Assim, como frisa Ishida, os grupos tradicionais parecem ser,

mais do que seria previsível, os mais enérgicos relativamente à inovação.559

O Fórum foi constituído por inúmeras pessoas e entidades da cidade, o que permitiu o

desenvolvimento de várias ideias e projectos. Contudo, os únicos projectos que alcançaram

algum sucesso foram os criados por pequenos grupos de pessoas (bastante ligadas entre si) e não

pelos grandes grupos que se estabeleceram a partir de discussões no Fórum. Apesar de todas as

potencialidades da cidade digital de Quioto, vários obstáculos foram encontrados,

nomeadamente do governo municipal da cidade, já que, não apreciaram a ideia de se

envolverem num portal comercial local. Acreditavam que o papel das autoridades era apenas

fornecer infra-estruturas básicas para serviços informativos. A NTT mostra-se preocupada com

a concorrência entre cidades digitais e os seus próprios portais; as comunidades das ruas

comerciais e os jornais são cooperativos, mas não querem assumir o papel principal na cidade

digital; os voluntários e as universidades não estão qualificados para gerir a cidade digital.

Portanto, “The key to making Digital City Kyoto a success seems whether or not different

557 Ibidem. 558 Toru Ishida, “Activities and Technologies in Digital City Kyoto”, in Besselaar, Peter van den and Satoshi Koizumi (Eds.) Digital Cities III Information Technologies for Social Capital: Cross-cultural Perspectives, Springer, 2005, p. 166.559 Ibidem.

195

Page 197: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

organizations with different goals can see the common benefits of creating a digital version of

Kyoto”560.

A nível tecnológico, também relevantes leituras se destacam, particularmente que a tecnologia

para integração informativa é essencial para acumular e reorganizar informação urbana. Neste

seguimento, a tecnologia para a participação pública é única para as cidades digitais, na medida

em que, ao permitir a inúmeros indivíduos e organizações participar na construção das cidades

digitais, implica um sistema flexível e adaptativo. Para se desenhar uma interface humana que

suporte a criação de conteúdos e a interacção social, é necessária uma nova tecnologia que

encoraje as pessoas com diferentes antecedentes a se juntarem na plataforma digital. Ishida

sugere que os “agentes sociais” podem ser elementos chave na atracção das pessoas, levando-as

a participar no desenvolvimento e na vida da cidade digital. Por fim, a tecnologia para a

segurança da informação torna-se cada vez mais premente à medida que mais pessoas se ligam à

cidade digital. Do mesmo modo, que existem leis sociais nas cidades físicas (como o

voyeurismo), as cidades digitais devem introduzir orientações sociais que garantam aos cidadãos

a segurança que precisam para se sentirem confortáveis com o acesso e inserção no espaço

virtual.561

Figura 7 – Quioto Digital

www.digitalcity.gr.jp

560 Idem, pp. 178-179.561 Idem, pp. 184-185.

196

Page 198: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Estas quatro cidades digitais são comparadas por Ishida, através de uma matriz que engloba

quatro elementos essenciais, nomeadamente objectivos, tecnologia, arquitectura e organização.

Pela sua pertinência e porque nos socorremos desta proposta para tentar estabelecer alguma

comparação entre os nossos objectos de estudo, introduzimos em seguida o quadro comparativo

elaborado pelo investigador japonês.

Quadro 19 – Matriz de Ishida: Comparação de Quatro Cidade Digitais

Fonte: Toru Ishida, ‘‘Understanding Digital Cities,’’ Toru Ishida and Katherine Isbister Eds. , Digital Cities: Experiences, Technologies and Future Perspectives, Lecture Notes in Computer Science, Springer-Verlag, 2000.

B. A Abordagem Portuguesa

AOL Amesterdão Helsínquia Quioto

ObjectivoMercado vertical.

Espaço público de comunicação.

Nova geração da rede metropolitana.

Infra-estrutura de informação social de suporte à vida quotidiana dos cidadãos.

ArquitecturaAcumulação de informação urbana.

Pouco ligada à cidade física;Plataforma para redes comunitárias.

Rede de elevada capacidade;Estritamente ligada à cidade física.

Altamente ligada à cidade física;Arquitectura de 3 camadas: informação, interface e interacção.

Tecnologia WEB;Chat.

Metáfora citadina para a participação pública.

Cidade Virtual 3D;Tecnologia de rede.

Cidade Virtual 3D;Tecnologia de integração de informação;“Agentes sociais virtuais”.

Organização Organização lucrativa.

Organização não lucrativa.

Consórcio iniciado pela HTC (Companhia de Telefones de Helsínquia).

Fórum da Cidade Digital (Universidades, empresas e entidades governamentais locais).

197

Page 199: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Em Portugal, foi criada uma iniciativa nacional para a Sociedade da Informação (que

desenvolvemos no capítulo de enquadramento preliminar referente às políticas e iniciativas

portuguesas neste âmbito), onde se inserem as cidades digitais. De facto, “(…) a generalidade

dos países europeus optou por incorporar a Sociedade da Informação de modo transversal, isto

é, como um tema horizontal ou em combinação com outras prioridades verticais, essa não foi,

contudo, a opção de Portugal, Grécia e Espanha. Esta opção acaba por se compreender, porque

sobretudo nos casos de Portugal e Grécia, os sistemas são mais centralizados e as competências

e capacidades regionais são limitadas. Por outro lado, no caso espanhol, os governos regionais

autónomos têm competências legais e administrativas significativas. Na verdade, em Espanha,

as autoridades regionais têm outra maturidade. Os níveis mais elevados de autonomia, as

competências administrativas a nível regional, combinados com uma superior maturidade das

instituições, permitem que seja adoptada uma aproximação mais centrada na região, com

iniciativas que surgiram de baixo para cima, com origem nas próprias regiões”562.

As primeiras experiências nacionais iniciaram-se em Fevereiro de 1998, sob o “Programa

Cidades Digitais”, financiado pelo governo português, o XIII Governo Constitucional (que

contribuiu com 25% do total do investimento através da Fundação para a Ciência e Tecnologia)

e pela União Europeia que atribui os restantes 75%, através do Fundo Europeu de

Desenvolvimento Regional. Este programa contemplava cinco pequenas e médias cidades,

nomeadamente, Aveiro, Bragança, Guarda, Marinha Grande e Castelo Branco, e duas áreas

rurais, Trás-os-Montes e Alentejo. Devido ao seu contexto, ou seja, serem regiões agrícolas que

sofrem de uma grande interioridade, os projectos do Alentejo e de Trás-os-Montes foram

desenhados para criar novas oportunidades para a população local, diminuindo as disparidades

sociais e económicas, promovendo redes regionais e fornecendo os serviços electrónicos da

Administração Pública a freguesias periféricas. Aveiro uniu esforços para o desenvolvimento de

uma imagem inovadora e empreendedora, em estreita ligação com a Universidade e a Portugal

Telecom. Por outro lado, a Marinha Grande está particularmente ligada a tradicionais e

intensivas indústrias de moldes e plásticos, e como tal, o projecto digital foi promovido através

de uma rede industrial local. Ambos os projectos investiram sobretudo em competitividade local

e desenvolvimento de competências. No que concerne Bragança, Guarda e Castelo Branco, as

suas abordagens assentaram no apoio à adopção das TIC por indivíduos, empresas, entidades,

associações, o governo local e outras organizações públicas. De uma forma global, os objectivos

principais do programa eram:562 Jorge Xavier, op. Cit., p. 70.

198

Page 200: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Melhorar a qualidade de vida nas cidades;

Contribuir para o desenvolvimento de áreas periféricas;

Melhorar a economia local e o emprego;

Combater a info-exclusão e integrar cidadãos com necessidades especiais.

Metas em consonância com os objectivos do Livro Verde para a Sociedade da Informação,

aprovado, em Abril de 1997, pelo Conselho de Ministros.563

Após esta embrionária fase, o “Portugal Digital” foi considerado como um dos eixos cruciais do

Programa Operacional para a Sociedade da Informação (POSI), que em 2000, considerou um

conjunto de Cidades e Regiões Digitais. Deste modo, lançou-se em 2001, o concurso público

para a generalização do Programa Cidades e Regiões Digitais e estabeleceu-se os primeiros

Espaços Internet públicos, importantes meios de acesso à Internet e de formação de

competências básicas em TIC. De facto, com a aprovação do Quadro Comunitário de Apoio III,

o Programa Cidades e Regiões Digitais foi integrado na Intervenção Operacional Sociedade da

Informação [medida 2.2 – Projectos Integrados: das Cidades Digitais ao Portugal Digital],

abrindo-se assim à iniciativa de todas cidades e regiões portuguesas.564

O projecto Cidades e Regiões Digitais tem como principal meta “desenvolver a Sociedade de

Informação ao nível regional de forma a criar competências regionais aplicadas que criem valor

económico para a região, aumentem a qualidade de vida dos seus cidadãos e promovam a

competitividade das suas empresas e o seu desenvolvimento sustentado”565.

Os objectivos do programa encontram-se subdivididos em:

Dinamização Regional (Conteúdos e Serviços Digitais);

Governo Electrónico Local em Banda Larga (A modernização da Administração Pública é um tema central no desenvolvimento da Sociedade da Informação.);

Acessibilidades (A realização da "Sociedade da Informação para Todos" passa, em primeiro lugar, pela aposta na generalização do acesso e da utilização das Tecnologias de

563 MCT, Iniciativa Internet, Ministério da Ciência e Tecnologia, Lisboa, 1997.564 http://www.posi.pcm.gov.pt/ 565 www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id

199

Page 201: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Informação e Comunicação a todos os portugueses. Assim, os projectos de “Cidades e Regiões Digitais” devem promover o acesso à Internet em Banda Larga através de espaços públicos e a adesão do público em geral à Banda Larga.);

Infra-estruturas (A infra-estrutura tecnológica que dará suporte ao portal regional e ao governo electrónico local é um dos componentes básicos da candidatura. No âmbito das “Cidades e Regiões Digitais”, esta infra-estrutura deve ser considerada na perspectiva da sua usabilidade, percepção e utilização efectiva. Outros aspectos complementares relacionados com a gestão da mudança e o nível de qualidade do serviço prestado aos utilizadores devem também ser considerados.);

Subprojectos Sectoriais e Locais (Deverão ser considerados neste agrupamento, pelos Promotores das Candidaturas “Cidades e Regiões Digitais”, os subprojectos cujo desenvolvimento demonstre ser de interesse particular de um sector ou local, por atender a características específicas ou endereçar problemas com elevado carácter de especificidade da região.);

Subprojectos de Sensibilização e Mobilização (A “animação e dinamização” dos cidadãos e agentes económicos para a participação activa na construção da Sociedade da Informação é um dos aspectos mais relevantes a ter em consideração nos projectos de “Cidades e Regiões Digitais”.)566

Em Setembro de 2002, a nova gestão do POSI observou que existiam inúmeras candidaturas à

medida 2.3 de entidades pertencentes aos mesmos espaços geográficos. Desta forma, esforços

foram tomados para se evitar sobreposições territoriais entre candidaturas. Assim, foi

apresentado dia 15 de Janeiro de 2003, no CCB, um documento estratégico relativo às cidades

digitais. Surge, então, o Guia de Operacionalização das Cidades e Regiões Digitais, publicado

em Setembro de 2003, sendo a referência para a constituição de projectos de Cidades e Regiões

Digitais portuguesas. O POSI e a UMIC (Unidade de Missão Inovação e Conhecimento)

decidiram produzir conjuntamente este Guia considerando:

a elevada complexidade da temática “Cidades e Regiões Digitais”;

a experiência e aprendizagem obtida por todos os intervenientes desde o início do

programa;

566 www.cidadesdigitais.pt 200

Page 202: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

a apresentação do Plano de Acção para a Sociedade de Informação, em Junho de 2003,

o principal instrumento de coordenação estratégica e operacional das políticas do XV

Governo Constitucional para o desenvolvimento da Sociedade da Informação em

Portugal (www.umic.gov.pt).567

Os objectivos do documento são:

· Alinhar a estratégia da iniciativa Cidades e Regiões Digitais com o Plano de Acção

para a Sociedade de Informação (PASI);

· Garantir a implementação coerente dos Projectos a nível nacional, de forma a assegurar as

metas e serviços mínimos a nível regional e um maior impacto estrutural a nível nacional;

· Assegurar a sustentabilidade económico-financeira das candidaturas;

· Facilitar a apresentação de propostas pelos promotores e a sua avaliação e acompanhamento

pelo Gabinete do POSI.568

Desta forma, são destacados nas candidaturas/projectos os seguintes elementos:

Enumeração das metas\serviços mínimos propostos;

Sustentabilidade futura dos projectos;

Modelo de gestão da Entidade Coordenadora Regional;

Auscultação pública da Sociedade Civil e Empresarial.569

Portanto, “Os Projectos a promover no âmbito da Iniciativa “Cidades e Regiões Digitais”

deverão ser o veículo integrador de uma visão estratégica de desenvolvimento regional baseada

na Sociedade de Informação, com os vários instrumentos de financiamento do Programa

Operacional para a Sociedade de Informação, nomeadamente nas Medidas:

1.1– Diploma de Competências Básicas (no domínio das Tecnologias de Informação e

Comunicação);

2.1 – Acessibilidades (criação de Espaços Internet);

567 POSI, UMIC, “Guia de Operacionalização das Cidades e Regiões Digitais”, Setembro de 2003, pp. 3-5.568 Idem, p. 5.569 Ibidem.

201

Page 203: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

2.3 – Projectos Integrados: das Cidades Digitais ao Portugal Digital;

2.4 – Acções Integradas de Formação.”570

O Programa Cidades e Regiões Digitais conta já com vinte e sete projectos, integrando-se

actualmente no Programa Operacional Sociedade do Conhecimento (POS_C), no plano Ligar

Portugal e na estratégia europeia, nomeadamente no i2010 e segundo as orientações da

designada agenda de Lisboa. Em Setembro de 2006571, o “Lisboa Digital”, “Serra da Estrela

Digital”, “Metropolis Digital”, “Coimbra Digital”, “Vale do Ave Digital”, “Lima Digital”

encontravam-se em candidatura.572

Portanto, como é frisado no sítio electrónico do POSI, agora POSC, “Esta iniciativa, de grande

impacto territorial, quer contribuir de forma decisiva para a modernização das regiões e nelas,

da administração municipal, do tecido produtivo e de forma geral de todos os parceiros

interessados. A desburocratização é um elemento importante no desenvolvimento regional e

local que pode ser incluído nesta temática e tem sido até hoje um factor de falta de

competitividade nacional. A relação com a comunidade, através do uso da Internet, representa

um potencial de inovação que não deve ser menosprezado e pode ser potenciado pela

componente de formação de quem participa nos projectos incluídos nesta iniciativa. A iniciativa

“Cidades e Regiões Digitais” destina-se a projectos integrados onde devem participar entidades

diversificadas de âmbito regional e local e enquadra-se nas medidas 2.3 e 2.4”573.

1. Os Projectos Pioneiros

Aveiro Digital (www.aveiro-digital.pt/)

A cidade de Aveiro foi uma das primeiras cidades digitais portuguesa, sendo actualmente um

caso de sucesso e de referência no programa. O projecto foi promovido e coordenado por um

conjunto de entidades, nomeadamente o governo local, a Universidade local e a Portugal

Telecom. A iniciativa focou-se em seis objectivos, concretamente a melhoria da qualidade de

vida da cidade; a estimulação da participação democrática dos seus cidadãos; o acesso a

informação digital e serviços públicos e privados; a modernização da Administração Pública

local; a contribuição para um desenvolvimento inclusivo e um crescimento sustentado e a 570 Ibidem. 571 Data em que finalizamos a redacção desta dissertação. 572 Cfr. http://www.posi.pcm.gov.pt/documentos/pdf/coordenadasCidades.pdf573 http://www.posi.pcm.gov.pt/?&accao=paginaf&pag=destaque-cidades&pbanner=regioesdigitais

202

Page 204: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

criação de emprego e aprendizagem contínua. O ciclo de financiamento completo era

inicialmente de oito anos, com a primeira fase a começar em Fevereiro de 1998 e terminar em

Dezembro de 2000, totalizando um investimento de 5.590.000€. A segunda fase, que estava

originalmente planeada para Janeiro de 2001, apenas arrancou em Junho de 2003, finalizando

em Dezembro de 2006.574 Por ser um dos nossos objectos de estudo, todo o seu desenvolvimento

é aprofundado pormenorizadamente no capítulo subsequente.

Bragança Digital (www.braganca-digital.pt)

Em Bragança, a colaboração do respectivo Instituto Politécnico e outras entidades públicas e

privadas da cidade visou a construção de um modelo de criação de infra-estruturas,

acompanhamento e estímulo ao uso generalizado das TIC nas instituições locais, na saúde, na

educação e nas agências de emprego local. Outras iniciativas incluíam o fornecimento de

produtos locais, através do www.rural.net e de negócio e comércio electrónico. A missão do

projecto assentava no combate à interioridade, através da renovação de todo o tecido local no

quadro da Sociedade da Informação.575

Guarda Digital (www.ipg.pt/adsi/)

O projecto foi promovido por uma organização formada pelo governo local, institutos de ensino,

associações e a PT. Foram lançados, pelos vários agentes locais, projectos-piloto em diferentes

áreas:

No campo da educação, o Programa Internet na Escola, foi estendido às escolas do 1º

ciclo do ensino básico da Guarda, tendo sido criado um Ponto de Presença (PoP) da Rede

Ciência, Tecnologia e Sociedade (RCTS) no Instituto Politécnico da Guarda, para apoiar

todas as escolas do distrito da Guarda, que se encontravam ligadas à Internet através do

PoP da Universidade da Beira Interior.

No campo da saúde, foi desenvolvido um sistema de tele-consultas de cuidados de saúde

primários ligando alguns centros de saúde em simultâneo e permitindo a prestação de

alguns serviços médicos à distância, nomeadamente, através do estabelecimento de

videotelefone/RDIS, com emissão remota de receitas, reconhecidas pelas farmácias. Este

574 Câmara Municipal de Aveiro, Universidade de Aveiro, Portugal Telecom S.A, Programa Aveiro – Cidade Digital”, 1998, www.aveiro-digital.pt; Equipa de Coordenação de Aveiro Cidade Digital, Relatório Global da 1ª Fase do Programa Aveiro Cidade Digital 1998-2000, 2001, www.aveiro-digital.pt. 575 Associação para o Desenvolvimento de Bragança Cidade Digital, Relatório Final Bragança Cidade Digital, 2001, www.braganca-digital.pt.

203

Page 205: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

sistema visava, igualmente, contactos médicos a qualquer hora e em situações de

emergência.

No campo do tele-trabalho, foi instalado um centro na cidade da Guarda que permitia uma

experiência neste domínio a jovens recém-formados. Pretendia-se incentivar novas

práticas de trabalho e implementar novas abordagens de desenvolvimento.

No domínio empresarial, incentivou-se o uso das TIC numa amostra de empresas dos

sectores económicos de maior impacto na região: têxtil, turismo, agro-alimentar e granito

da região da Guarda. Por exemplo, estimulou-se a elaboração de páginas dessas empresas

na Internet, com a possibilidade de recurso ao comércio on-line, visando um aumento da

capacidade tecnológica e uma promoção dos produtos e serviços das empresas da

região.576

Marinha Grande Digital (www.marinhagrandedigital.com)

Este projecto foi proposto e gerido pelo governo local e pelo centro tecnológico associado às

indústrias de moldes e plásticos, pretendendo-se o desenvolvimento técnico e organizacional; o

reforço da competitividade económica do sector, através de processos avançados de

telecomunicações e de novos serviços digitais e sistemas de CAD/CAM e de comunicação que

permitissem o trabalho simultâneo de concepção e análise entre clientes e fornecedores situados

em todo o mundo. Portanto, um dos grandes objectivos foi a criação de uma Extranet que

disponibilizasse informação dos serviços e conteúdos das empresas e que funcionasse como uma

plataforma de comunicação. Outras iniciativas incluíam um centro avançado de

telecomunicações para a promoção do uso da Internet.577

Alentejo Digital (www.alentejodigital.pt)

O Alentejo Digital foi constituído por quarenta e sete municípios e três agências regionais com o

objectivo de criar uma rede de informação regional que disponibilizasse serviços e conteúdos

locais para os seus cidadãos e empresas locais. Assim, foi desenvolvida uma intranet que uniu

todas estas entidades. Os objectivos principais estabeleciam a formação dos funcionários

públicos em TICs, tal como, o uso e a promoção das novas tecnologias, sobretudo a gestão de

redes informáticas e a produção e publicação de conteúdos digitais. Mais de cinquenta pessoas

foram recrutadas de listas de desemprego locais e formadas para actuar como agentes locais, que

576 www.ipg.pt/adsi 577 www.marinhagrandedigital.com

204

Page 206: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

produziam, recolhiam e publicavam conteúdos locais relevantes no portal. A iniciativa terminou

em Julho de 2001.578

Trás-os-Montes Digital (www.espigueiro.pt)

A primeira fase deste projecto permitiu criar e implementar, a título experimental e para um

número reduzido de entidades piloto, um conjunto de serviços dirigidos à relação entre a

administração local e regional e os cidadãos. O projecto foi conduzido pela Universidade de

Trás-os-Montes e Alto Douro que lançou, posteriormente, e em estreita colaboração com as

autarquias da região e outras entidades públicas, o Serviço Cooperativo de Extensão em Trás-os-

Montes e Alto Douro actualmente designado Trás-os-Montes Digital / SCETAD. Este projecto

pretendia colocar a telemática ao serviço do desenvolvimento regional e da melhoria da

qualidade de vida das populações. O portal desenvolvido agrega conteúdos e serviços de trinta e

um municípios e inclui oportunidades de emprego e negócio, informação geo-referenciada e

tecnologia para coordenar os serviços médicos nas áreas rurais. Uma das importantes

características deste projecto é a rede de apoio de oitenta e quatro centros dispersos pela região

que disponibilizam acesso público à Internet, tal como, monitores que ajudam a interacção dos

cidadãos com as novas tecnologias.579

Castelo Branco Digital (www.cm-castelobranco.pt/cb_digital/)

Os objectivos do projecto Castelo Digital passavam, de forma global, por dotar todas as

instituições públicas e associações locais de ligações à Internet, fornecendo uma rede de

informação integrada para os cidadãos e turistas. Assim, pretendiam equipar as escolas do

primeiro ciclo do distrito com computadores multimédia e acesso à Internet; auxiliar a Câmara

Municipal na reorganização e modernização dos seus serviços; apoiar a comunidade

empresarial; contribuir para a melhoria dos serviços de saúde e possibilitar o contacto em linha

com a actualidade da região.580

Destes sete projectos pioneiros, apenas Aveiro e Trás-os-Montes persistiram. Castelo Branco

integrou-se na “Beira Baixa Digital”, Marinha Grande no “Leiria Digital” e o Alentejo

apresentou outra candidatura, agora como “Litoral Alentejano Digital”. Assim, Bragança e

Guarda cessaram a sua existência digital, pelo menos, nos moldes do programa “Cidades e

Regiões Digitais.”

578 www.alentejodigital.pt 579 www.espigueiro.pt 580 www.cm-castelobranco.pt/cb_digital

205

Page 207: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

2. Os Projectos em Execução

Em seguida, são indicados os actuais vinte e sete projectos, realizando-se uma pequena

descrição sobre cada um dos objectivos evidenciados por estas iniciativas aquando da sua

candidatura ao programa.

Açores Digital (www.azoresdigital.pt)

Esta região digital agrupa dezanove municípios e pretende contribuir não só para a

modernização da Comunidade Açoreana, como também promover o enraizamento da

população, fomentando os laços entre os munícipes e as Autarquias. Simultaneamente, e uma

vez que, contempla a simplificação de processos e a melhoria da eficiência no modo de

relacionamento entre as Câmaras Municipais, os seus Parceiros, Empresas e Cidadãos, é

expectável que contribua para um aumento dos Investimentos na Região, bem como para um

crescimento do Turismo. Foi homologado a 17 de Maio de 2004.581

Algarve Digital (www.algarvedigital.pt)

Com este projecto, que agrega dezasseis municípios, pretende-se aproveitar as oportunidades

oferecidas pelas Tecnologias da Informação e Comunicação como instrumento para a

modernização, desenvolvimento e afirmação da região. A âncora de referência do “Algarve

Digital” é um portal regional que integra os diversos subprojectos. Uma das prioridades é a

estruturação e agilização do acesso a um conjunto de serviços na área das competências da

Administração Pública (central e autárquica), representando o portal regional um ponto de

encontro “inteligível” para os utilizadores, entre a Administração Central e a Administração

Autárquica. A actividade turística na região justifica a importância do papel que é conferido ao

sector, nomeadamente pela constituição de um sub-portal de turismo. Para além da vertente de

promoção da região e da oferta turística disponível, serão apoiados projectos-piloto na esfera

empresarial (reservas on-line, etc.). A dinamização da sociedade civil é valorizada, através do

apoio a várias iniciativas, particularmente do sector associativo. Foi homologado em 30 de Abril

de 2004.582

Almada Cidade Digital (www.almadadigital.pt)

581http://www.cidadesdigitais.pt/index.php? option=com_content&task=category&sectionid=21&id=147&Itemid=134 582 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=23&Itemid=92

206

Page 208: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Almada Cidade Digital é um projecto criado por um conjunto de entidades públicas e privadas

(Câmara Municipal de Almada, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de

Lisboa, MadanParque - Parque de Ciência e Tecnologia Almada/Setúbal, Novalmadavelha -

Agência de Desenvolvimento Local que gere o projecto e os Serviços Municipalizados de Água

e Saneamento de Almada.), que visa, através da generalização do uso das Tecnologias de

Informação e Comunicação, contribuir para os seguintes objectivos:

1. Democratizar o acesso às Tecnologias de Informação e Comunicação, facilitando

a sua utilização pelos cidadãos;

2. Melhorar os níveis de serviço prestados pelas entidades públicas locais aos

respectivos utentes e contribuir para a sua modernização administrativa;

3. Diversificar a rede de canais informativos e participativos e reforçar a produção

de conteúdos sobre a realidade local;

4. Reforçar a competitividade do tecido empresarial local.

Através de 18 subprojectos, pretende-se, por um lado dotar as entidades promotoras dos

recursos técnicos, humanos e organizacionais que lhes permitam garantir uma oferta de serviços

mais adequada e eficiente aos seus respectivos utentes (munícipes, alunos e população em geral)

e, por outro, assegurar a disseminação do acesso a estes recursos pela Comunidade Local, com

vista a evitar os fenómenos de info-exclusão. Foi homologado a 3 de Abril de 2004.583

ALO Digital (www.cm-loures.pt, www.cm-vfxira.pt, www.cm-odivelas.pt, www.cm-amadora.pt )

O ALO Digital é constituído por quatro municípios, Amadora, Loures, Odivelas e Vila Franca

de Xira. Este é um projecto que evidencia o envolvimento global das Câmaras nesta iniciativa,

como um factor dinamizador da sua notoriedade e visibilidade junto das populações e agentes

económicos. É igualmente considerado como um factor determinante no combate à info-

exclusão e um importante instrumento de modernização acelerado dos municípios, assim como,

uma forma de rentabilizar investimentos, melhorar, normalizar e homogeneizar a qualidade dos

serviços prestados pelas autarquias aos seus munícipes e agentes económicos sedeados nos seus

respectivos Concelhos. Foi homologado a 22 de Dezembro de 2004.584

583 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=38&Itemid=239 584 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=50&Itemid=263

207

Page 209: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Beira Baixa Digital (www.beira-baixa-digital.org)

O projecto da Beira Baixa Digital é constituído por doze municípios e tem como missão

impulsionar os processos de transformação social, urbana e económica, através da disseminação

das novas tecnologias, do acesso à informação e de um empenhado esforço de comunicação e

interacção com os cidadãos. A sua meta é consolidar o posicionamento inovador da Beira Baixa

no contexto das regiões digitais, reforçando a especificidade dos seus recursos na área das

Tecnologias de Informação e de Comunicação. Os seus objectivos são:

1. Mobilizar a população para a participação activa na Sociedade da Informação;

2. Criar novas oportunidades para os cidadãos e as empresas da região na economia do

conhecimento;

3. Projectar a Beira Baixa a nível nacional e internacional, promovendo o turismo e

atraindo população jovem e investidores para a região;

4. Disponibilizar via Internet os serviços da Administração Pública local;

5. Diversificar, modernizar e expandir as actividades económicas através do uso

generalizado das Tecnologias de Informação e de Comunicação;

6. Fomentar o emprego e melhorar as qualificações profissionais com recurso às

Tecnologias de Informação e Comunicação;

7. Promover a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, a valorização do património

histórico e cultural e a defesa do ambiente;

8. Diminuir as assimetrias geográficas e sociais e promover a integração social através do

acesso à informação e ao conhecimento.

Foi homologado a 24 de Junho de 2004.585

Beja Digital (Sítio electrónico em construção)

É um projecto formado pela Associação dos Municípios do Distrito de Beja, que conta

precisamente com 13 municípios. Foi homologado a 30 de Abril de 2004. Os seus objectivos

são utilizar as TIC, tendo em vista:

585 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=27&Itemid=96208

Page 210: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

1. Melhoria da qualidade de vida das Populações;

2. Reforço da visibilidade da região do Baixo Alentejo em Portugal e no Mundo;

3. Melhoria das condições de competitividade e potenciação do alargamento de

mercados para os agentes económicos locais;

4. Modernização da administração local;

5. Desenvolvimento do governo electrónico local como forma de melhorar e alargar (em

termos de oferta e disponibilidade) os serviços prestados pelas autarquias, bem como

desenvolver processos de “e-thinking” e “e-decision” de forma a agilizar a gestão

autárquica.586

Braga Digital (www.cm-braga.pt)

Esta iniciativa promovida pela Câmara Municipal de Braga, pelo IDITE-Minho (Instituto de

Desenvolvimento e Inovação Tecnológica do Minho) e pela Universidade do Minho tem por

missão proporcionar aos Munícipes, Empresas e visitantes um ambiente favorável ao

desenvolvimento da Sociedade da Informação e do Conhecimento. Os objectivos gerais são:

1. O desenvolvimento sustentado da cidade;

2. A promoção do bem-estar dos cidadãos;

3. O exercício da cidadania;

4. A promoção e facilitação do acesso à informação, à cultura e à formação;

5. A melhoria dos serviços da Administração Local e do atendimento ao cidadão;

6. Promoção do emprego, da Info-inclusão, igualdade de oportunidades e da justiça social.

Foi homologado a 3 de Abril de 2003.587

Entre o Douro e Vouga Digital (www.edvdigital.pt)

Este projecto é dinamizado pela ADReDV – Agência de Desenvolvimento Regional do Entre

Douro e Vouga, sendo formado por cinco municípios, Arouca; Oliveira de Azeméis; Stª Maria

da Feira; São João da Madeira e Vale de Cambra. Os seus objectivos são contribuir para a

criação da melhoria da qualidade de vida, do ensino, da prestação de serviços à comunidade, do

acesso à cultura e ao conhecimento, bem como da melhoria da competitividade das empresas

586 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=28&Itemid=97 587 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=29&Itemid=98

209

Page 211: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

dos Concelhos da Região do Entre Douro e Vouga, proporcionadas pelas novas Tecnologias de

Informação e de Comunicação.588

Évora Distrito Digital (www.evoradistritodigital.pt)

O projecto pretende projectar uma imagem positiva do Distrito, através da colaboração entre os

diversos actores da região no sentido da valorização dos seus produtos, gentes e património e

ainda contribuir efectivamente para a melhoria de vida das populações. Esta iniciativa tem como

principais objectivos:

1. Contribuir para a melhoria da qualidade de vida das populações, combatendo a info-

exclusão e a interioridade;

2. Projectar uma imagem positiva da região atraindo investimento e competências;

3. Reforçar a competitividade económica e a empregabilidade das empresas, projectando-

as nos mercados nacional e internacional;

4. Modernizar e focar a administração pública local na prestação de serviços de qualidade,

numa perspectiva dos eventos da vida do cidadão;

5. Criar e fixar na região as infra-estruturas e competências (rede comunitária de acesso à

banda larga e Centro de Tecnologias Digitais) que permitam a boa execução do projecto

e a sua sustentabilidade pós-POSI;

6. Dinamizar a região através da divulgação dos seus valores e saberes a nível nacional e

internacional;

7. Provocar o desenvolvimento de competências a nível público e privado que constituam

focos de disseminação das TIC e de competências (inovevora, etc.);

8. Estabelecer interfaces com outros sistemas de índole regional, nacional e internacional.

Foi homologado a 9 de Setembro de 2004 e conta com catorze municípios.589

Leira Digital (www.leiriaregiaodigital.pt)

588 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=64&Itemid=274 589 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=30&Itemid=99

210

Page 212: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

O projecto LRD, formado por seis municípios, pretende ir para além da implementação de infra-

estruturas tecnológicas, do aumento da acessibilidade ou da disponibilização de conteúdos e

serviços úteis para os habitantes e visitantes da região. O projecto irá catalizar as capacidades de

inovação e mudança da região e, através da construção de competências e da difusão de

conhecimento, proporcionar as condições para o reposicionamento da região no competitivo

ambiente empresarial do século XXI. Foi homologado a 24 de Junho de 2004.590

Litoral Alentejano Digital ( www.regi.pt)

Os cinco municípios que constituem a Associação de Municípios do Litoral Alentejano

(AMLA), Alcácer do Sal, Grândola, Odemira, Santiago do Cacém e Sines, pretendem que este

projecto seja instrumental, maximizando a sua função de utilidade para a concretização do

conceito estratégico de desenvolvimento desta região, nas suas várias vertentes:

1. Dinamização das actividades económicas com maior impacto para a competitividade

regional (plataforma portuária, logística e industrial, com especial ênfase na logística;

diversificação e qualificação do turismo; produção agro-florestal);

2. Valorização do capital humano (educação para o conhecimento, formação de

competências em tecnologias de informação, promoção de uma cultura de inovação,

solidariedade e cidadania);

3. Valorização e salvaguarda do património natural, cultural e construído (ordenamento

do território, valorização do ambiente urbano e natural, desenvolvimento rural);

4. Criação do governo electrónico local, mais eficiente e aberto, criando um novo

paradigma de relacionamento entre a Administração Pública local e as empresas, os

cidadãos e os serviços desconcentrados da administração central.

Pretende-se que o conjunto dos projectos contribua para a afirmação dos factores dinâmicos de

competitividade económica da sub-região do Alentejo Litoral; valorização das suas

competências e recursos e diminuição das debilidades estruturais. Foi homologado a 9 de

Setembro de 2004.591

Madeira Digital (www.madeiradigital.pt)

O “Madeira Digital”, formado por onze municípios, propõe-se a financiar a execução de

projectos que, mais do que criar infra-estruturas e sistemas, contribuam para a evolução dos

hábitos e dos comportamentos dos cidadãos e das instituições ao nível da Sociedade de

590 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=48&Itemid=241 591 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=56&Itemid=243

211

Page 213: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Informação, para que seja possível criar uma base capaz de preparar a Região Autónoma da

Madeira (RAM) na transição para uma economia baseada no conhecimento. O seu grande

objectivo é melhorar a qualidade de vida dos madeirenses. O projecto foi homologado a 18 de

Junho de 2003.592

Maia Digital (www.maiadigital.pt)

A Câmara Municipal da Maia assumiu-se como dinamizadora de um consórcio de instituições

locais e regionais que elaboraram este projecto com o objectivo comum de contribuir para a

melhoria da qualidade de vida, do ensino, do acesso à cultura e ao conhecimento, assim como,

da melhoria da competitividade das empresas no Concelho da Maia, proporcionadas pelas

Tecnologias de Informação e de Comunicação. Foi homologado a 18 de Junho de 2003.593

Médio Tejo Digital (Sítio electrónico em construção)

Este projecto que conta com dez municípios, pretende impulsionar os processos de

transformação social, urbana e económica, através da disseminação das novas tecnologias, do

acesso à informação e de um empenhado esforço de comunicação e interacção entre as

organizações e os cidadãos. Assim como, consolidar o posicionamento do Médio Tejo como

Região Digital reforçando a especificidade dos seus recursos na área das Tecnologias de

Informação e de Comunicação. Os seus objectivos são:

1. Disponibilizar via Internet os serviços da Administração Local, quer autárquica, quer

desconcentrada.

2. Diversificar, modernizar e expandir as actividades económicas através do uso

generalizado das Tecnologias de Informação e de Comunicação.

3. Fomentar o emprego e melhorar as qualificações profissionais por recurso às TIC.

Foi homologado a 24 de Junho de 2004.594

Oeste Digital (www.oestedigital.pt)

Tendo em consideração o nível reduzido de participação dos munícipes nas actividades

promovidas pelas Autarquias de Alcobaça, Alenquer, Arruda dos Vinhos, Bombarral, Cadaval,

Caldas da Rainha, Lourinhã, Nazaré, Óbidos, Peniche, Sobral de Monte Agraço e Torres Vedras

592http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=33&Itemid=102 593 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=34&Itemid=103 594 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=35&Itemid=104

212

Page 214: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

e respectivas decisões, criaram-se estruturas para a difusão de informação e conhecimento,

tendo em vista, fomentar a participação dos seus cidadãos no desenvolvimento do seu território

e da sua comunidade. Desta forma, a associação Oeste Digital, constituída pelas Autarquias

supra citadas, elabora o projecto com a criação do Portal Oeste Digital, um portal regional que

pretende dinamizar a participação e o relacionamento entre as Autarquias, cidadãos, empresas e

entidades da sociedade civil a nível regional (com a disponibilização de conteúdos informativos

e e-serviços), promovendo a generalização da Sociedade da Informação na Região Oeste. Foi

homologada a 9 de Setembro de 2004.595

Portalegre Digital (www.portalegredigital.pt)

O Projecto envolve quinze municípios, pretendendo-se que o atendimento dos Munícipes, seja

gradualmente complementada por serviços prestados através da Internet, atendendo aos

seguintes objectivos:

1. Reduzir os custos financeiros e sociais da deslocação à Câmara Municipal num território

extenso, em que a rede de transportes públicos não se encontra disponível nas condições

mais favoráveis, melhorando assim a acessibilidade dos cidadãos aos serviços

municipais;

2. Melhorar o serviço prestado aos imigrantes, disponibilizando informação correcta e

actualizada, assim como, serviços municipais na Internet.

3. Melhorar a eficácia no tratamento interno dos processos.

4. Integrar os diferentes níveis da Administração Pública Local numa óptica de

rentabilização de recursos e descentralização de competências aproximando-a cada vez

mais do cidadão. Prevê-se a integração das Juntas de Freguesia neste objectivo global,

sensibilizando-as para que se instituam como Centros de Atendimento ao Cidadão, ou

Mini-Lojas do Cidadãos, divulgando estas possibilidades de atendimento junto dos

munícipes da sua freguesia, incentivando a sua utilização e assegurando a sua boa

usabilidade.

5. Promover uma cultura de exigência.596

Porto Digital (www.cm-porto.pt)

O projecto tem como princípio orientador base contribuir para a evolução para uma Sociedade

da Informação e do Conhecimento ao alcance de todos. Na concepção da iniciativa 595 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=36&Itemid=105596 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=37&Itemid=106

213

Page 215: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

consideraram-se quatro preocupações fundamentais: o Indivíduo, a Sociedade, o Mercado e a

Tecnologia.597

Ribatejo Digital (www.ribatejodigital.pt)

O Ribatejo Digital será um Portal Regional integrador das diferentes competências municipais,

no qual serão disponibilizados conteúdos e serviços, criando-se verdadeiros Centros de

Processamento de Dados On-line. As dificuldades ao nível da disponibilização eficaz, eficiente

e permanente de Informação e Serviços, vitais para a melhoria dos seus procedimentos e da

interacção com os cidadãos, conduziram à necessidade de se elaborar e desenvolver uma infra-

estrutura para disponibilização de informação e serviços municipais na Internet, suportado pelo

Backoffice existente em cada uma das onze Câmaras Municipais. A sua reprogramação foi

aprovada a 12 de Janeiro de 2005.598

Seixal Digital (www.cm-seixal.pt/seixaldigital)

O projecto pretende ir para além da implementação de infra-estruturas tecnológicas, do aumento

da acessibilidade ou da disponibilização de conteúdos e serviços úteis para os habitantes e

visitantes da região. Assim, irá catalizar as capacidades de inovação e mudança do Município do

Seixal e, através da construção de competências e da difusão de conhecimento, proporcionar as

condições para o seu reposicionamento no competitivo ambiente empresarial da presente Era.

Identifica como principal desafio e oportunidade a mobilização da sociedade civil, através do

governo local electrónico, com ênfase nos factores que proporcionam as condições necessárias

para o aumento de produtividade da autarquia e da competitividade do município. Foi

homologado a 9 de Setembro de 2004.599

Setúbal Digital (www.peninsuladigital.com.pt)

A Península de Setúbal Digital, que envolve sete municípios, promovida pela Associação dos

Municípios de Setúbal (AMDS), Associação Empresarial da Região de Setúbal (AERSET) e

Instituto Politécnico de Setúbal (IPS), considerou os seguintes objectivos:

1. Aproveitar o projecto para promover e desenvolver sinergias entre os seus Parceiros;

2. Aproveitar a elaboração do projecto como catalisador de novos projectos;

597 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=7&Itemid=50598 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=42&Itemid=250 599 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=57&Itemid=251

214

Page 216: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

3. Aproveitar a inclusão de diferentes tipos de gestores e académicos, de forma a

ouvir sugestões que possam contribuir para a superação das dificuldades de Setúbal;

4. Avaliar a necessidade de investimentos nas áreas de organização, processos e

sistemas de informação;

5. Apontar para soluções técnicas que garantam a acessibilidade democrática à

informação electrónica;

6. Procurar novas vias para utilizar a Internet na promoção da actividade

económica;

7. Contribuir para a evolução tecnológica na Península de Setúbal;

8. Garantir a compatibilidade das soluções encontradas com outras regiões;

9. Trazer a inovação ao debate público;

10. Dar maior visibilidade à Península de Setúbal.

Foi homologado a 24 de Junho de 2004.600

Trás-os-Montes Digital (www.espigueiro.pt)

A grande missão do projecto é colocar ao alcance de toda a população da região de Trás-os-

Montes e Alto Douro um conjunto alargado de produtos e serviços, que contribuam para

melhorar as suas condições de vida, recorrendo para tal ao uso massificado das novas

Tecnologias de Informação e de Comunicação. Com a sua implementação vai certamente ser

melhorado o acesso à comunicação, disseminada de forma mais transparente a informação entre

os cidadãos e as respectivas administrações locais e disponibilizados serviços vitais para o

encurtamento das distâncias existentes nesta matéria, entre o litoral e o interior transmontano. O

primeiro passo neste sentido, foi dado com a criação do SCETAD – Serviço Cooperativo de

Extensão em Trás-os-Montes e Alto Douro, implementado pela UTAD – Universidade de Trás-

os-Montes e Alto Douro, que beneficiou de uma ampla parceria com os actores regionais,

designadamente os trinta e dois Municípios de TMAD e outras entidades, parceria que assumiu

600 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=39&Itemid=108

215

Page 217: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

um papel fundamental na promoção e divulgação do desenvolvimento da região. Desta forma,

os objectivos do projecto são:

1. Continuar e ampliar algumas acções que foram financiadas pelo MCT e pela IOT.

É contemplada, em particular,  a expansão das acções a mais 20 Câmaras

Municipais e a mais 30 Juntas de Freguesia;

2. Empreender novas acções no âmbito de outros sectores de forte impacto social e no

desenvolvimento da região;

3. Criação de mais 60 “Gabinetes de Apoio ao Cidadão” (GACs), que se juntam aos

20 criados na Fase 1, o que permite assegurar uma distribuição territorial mais

abrangente.601

Vale do Minho Digital (www.valedominho.pt)

Este projecto, promovido pela Comunidade Intermunicipal do Vale do Minho, tem como

missão:

1. Reforçar o capital social da região,

2. Estimular a aprendizagem contínua;

3. Embeber as tecnologias de informação na rotina diária do governo local e da

sociedade civil.

Os projectos a implementar têm como principal objectivo aliar a região às vantagens decorrentes

da Sociedade da Informação, para que esta se torne no reflexo de uma maior atractividade e

qualidade quanto à sua capacidade de resposta face aos factores de competitividade e a uma

presença mais dinâmica e eficaz por parte de todos os sectores e áreas envolvidas no processo.

Assim, de um modo geral, os objectivos da iniciativa “Vale do Minho Digital” são:

1. Aumentar e facilitar a eficiência da interacção entre os vários níveis de

administração, as populações e os  agentes  económicos;

2. Apoiar o sistema de ensino através da criação de conteúdos de apoio à actividade

pedagógica;

3. Promover o uso das TIC para a prestação de melhores cuidados de saúde;

601 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=61&Itemid=262

216

Page 218: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

4. Apoiar o desenvolvimento de projectos em núcleos empresariais, nomeadamente no

fomento de formas de comércio electrónico;

5. Dinamizar a cultura e o turismo na região através da sua divulgação e

disponibilização via novas tecnologias;

6. Integrar na Sociedade da Informação os cidadãos com necessidades especiais sem

quaisquer tipos de restrições nem discriminações.

Foi homologado a 13 de Setembro de 2005.602

Vale do Sousa Digital (www.valsousa.pt)

Esta região digital é promovida pela “Comunidade Urbana do Vale do Sousa”, congregando seis

municípios, nomeadamente os concelhos de Castelo de Paiva, Felgueiras, Lousada, Paços de

Ferreira, Paredes e Penafiel. O “Vale do Sousa Digital”, que visa promover e dinamizar a

Sociedade da Informação na região, deu os seus primeiros passos em Janeiro de 2005, altura em

que foi constituída a equipa do projecto. Os seus objectivos são:

1. Simplificação e agilização da vida quotidiana dos Cidadãos e Empresas no seu

relacionamento com os serviços públicos locais e regionais;

2. Modernização das autarquias locais a nível de funcionamento interno e de

relacionamento com os munícipes;

3. Fomento da participação dos Cidadãos na vida sócio-cultural e política dos Municípios e

da Região;

4. Melhoria do nível de qualificação dos Cidadãos e Emprego;

5. Promoção do ecossistema empresarial e clusters industriais da Região;

6. Dinamização das actividades económicas e o mercado regional;

7. Criação de oportunidades de emprego atractivas para os jovens;

8. Modernização da actividade empresarial e industrial.603

Valimar (www.valimar.org)

No sítio electrónico do programa “Cidades e Regiões Digitais” é introduzido este novo projecto,

contudo não está disponível nenhuma informação sobre o mesmo, o que pode ser justificado

pela sua recente formação. De qualquer forma, o projecto foi promovido pela Comunidade

602 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=71&Itemid=310 603 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=40&Itemid=255

217

Page 219: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Urbana Valimar, que engloba seis municípios, nomeadamente Arcos de Valdevez, Caminha,

Esposende, Ponte da Barca, Ponte de Lima e Viana do Castelo.

Viseu Digital (www.viseudigital.pt)

O projecto, que engloba dezasseis municípios e é promovido pela Lusitânia (Agência de

Desenvolvimento Regional), pretende dinamizar um portal, isto é, “uma porta de entrada para a

região”, disponibilizando conteúdos e serviços à volta de um directório regional indexado e

categorizado. O nível da sua utilização pelos habitantes/visitantes da região será a principal

medida de sucesso, sendo que o Conteúdo (informações e serviços), a Interactividade e a criação

de Comunidades são os aspectos que mais frequentemente mobilizam o público no sentido da

consecução deste objectivo. Este projecto inclui 4 subprojectos:

- Descobrir e Divulgar a Região – informações e serviços relacionados com a região e com a

vida local, directório de links para empresas, associações e outras organizações públicas ou

privadas, Administração Pública electrónica, bolsa de emprego e de oportunidades.

- Empreender na Região (vertente externa) – portal empresarial com informações e serviços

relacionados com aspectos económicos da Região.

- Empreender na Região (vertente interna) – rede de informação direccionada para o aumento da

competitividade regional através do estímulo à criação, à acumulação e à difusão de

conhecimento relacionado com a economia local, nomeadamente ligações entre as empresas e as

universidades, politécnicos e laboratórios de I&D, certificações, feiras e eventos profissionais.

- Participar na Região – Disponibilização de um conjunto de serviços para permitir a

participação dos cidadãos na vida pública local, bem como de ferramentas para criação,

publicação e alojamento de páginas Internet.

Os objectivos da iniciativa são:

1. Promover a competitividade territorial através da promoção da inovação e do

empreendedorismo entre os principais actores e agentes de mudança da região.

2. Mobilizar a população para o uso das novas Tecnologias de Informação e de

Comunicação, combater a info-exclusão e diminuir as disparidades regionais a nível

nacional e internacional.

218

Page 220: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

3. Criar novas oportunidades para os habitantes e as empresas da região

4. Projectar nacional e internacionalmente a região através da utilização das novas

tecnologias de informação.

5. Servir o cidadão e o visitante da região como cliente, fornecendo conteúdos relevantes e

prestando serviços de qualidade.

Foi homologado a 22 de Dezembro de 2004.604

Portanto, como podemos observar, todas as iniciativas se centram na mobilização e formação

para a Sociedade da Informação; na modernização regional, na competitividade, na inovação e

na disponibilização de informação e serviços ao cidadão. Os projectos são todos promovidos por

agências locais, maioritariamente autarquias (governo electrónico local). Nesta descrição, falta

apenas acrescentar o projecto Gaia Global e Aveiro Digital, iniciativas que abordamos em

profundidade no próximo capítulo, uma vez que, se tratam dos objectos de estudo desta

investigação.

C. Vantagens e Limitações das Cidades DigitaisAs experiências introduzidas, sobretudo internacionais, são como tivemos a oportunidade de

observar, profícuas para a delimitação de importantes lições, nomeadamente quanto aos

obstáculos para a implementação, manutenção e desenvolvimento de cidades digitais. De

qualquer forma, os vinte e sete projectos mencionados consideraram na sua formulação e

respectiva candidatura, vantagens, mas também limitações destas iniciativas. Para complementar

esta informação, a nossa escolha por uma análise integrada das vantagens e limitações das

cidades digitais conduziram-nos ao questionamento destes elementos aos entrevistados. Assim,

através das opiniões e experiências dos especialistas indicamos o que poderão ser os benefícios

e os obstáculos destas iniciativas virtuais.605 Deste modo, os benefícios apontados são:

Promoção de uma melhor qualidade de vida dos cidadãos;

Promoção de uma melhor qualificação dos cidadãos;

Promoção de uma cidadania mais activa;

Disponibilização de acesso à informação e serviços;

604 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=42&Itemid=111605 As entrevistas integrais encontram-se anexo.

219

Page 221: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Contribuição para a estruturação de novas práticas;

Contribuição para a reorganização da cidade física;

Apresentação de uma nova condição de participação e representação;

Apresentação de um novo canal de interacção;

Promoção da cooperação e desenvolvimento da comunidade;

Ligação entre o Virtual e o Real e vice-versa, mobilizando para a Sociedade da Informação;

Aumento dos serviços disponíveis por parte do governo, da autarquia local ou da região e o

consequente acréscimo da sua qualidade e dos níveis de eficiência;

Promoção do desenvolvimento económico e social local;

Promoção de uma melhor gestão local e um melhor planeamento espacial e móvel.

De uma forma geral, as vantagens apontadas pelos entrevistados correspondem a potenciais

benefícios ou objectivos expectáveis do tipo de cidade digital em estudo. Assim, como frisa

Alessandro Aurigi na e-entrevista, “They can be none at all!”606. Neste enquadramento, Luís

Borges Gouveia clarifica que “Depende. Não há pronto-a-vestir nas cidades digitais, e como não

há, depende muito.” De qualquer modo, as vantagens são focalizadas no cidadão, passando por

uma melhor qualidade de vida, pois segundo Joaquim Borges Gouveia, “O benefício é poder ir

sem lá estar. Poder ter acesso à informação, sem ter que lá ir, e assim, poder resolver um

conjunto de assuntos sem me deslocar e sem atafulhar o ponto de atendimento dos serviços

físicos. E, desta forma, diminuir o tempo das deslocações, aumentando o meu tempo disponível

para outras actividades de lazer e de diversão.”

Contudo, acrescenta-se a qualificação, interacção e exercício da cidadania, mas também a

mobilização para a Sociedade da Informação. Neste contexto, José Luiz Moutinho salienta que

“O principal benefício do conceito de cidade digital é cristalizar uma nova visão do fenómeno

urbano no âmbito da Sociedade da Informação. Da mesma forma que os conceitos de “cidade

jardim” e a “cidade industrial” representaram a seu tempo uma visão até certo ponto utópica da

sociedade, mas que acabaram por perder o seu significado ao longo do tempo, a ideia de uma

cidade digital pode indicar caminhos para responder aos desafios e oportunidades do papel das

cidades na Sociedade da Informação, sobretudo quando a totalidade do crescimento da

606 As citações deste ponto “Vantagens e Limitações das Cidades Digitais” são retiradas das entrevistas realizadas, que se encontram em anexo.

220

Page 222: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

população mundial até 2030 (estimado em 2,1 mil milhões de novos habitantes) vai se

concentrar nas áreas urbanas.”

Por fim, as vantagens englobam ainda a reorganização da cidade física e das suas estruturas

político-administrativas. A este propósito, Flávio Nunes salienta “o especial contributo para

estruturar novas práticas colaborativas entre os principais agentes de intervenção urbana.

Nomeadamente por via da estruturação de plataformas interactivas onde se procura reunir e

sistematizar informação permanentemente actualizada sobre os diversos domínios de acção

urbana (transportes, cultura, educação, comércio, …).”

Quanto às suas limitações:

Complexidade dos processos de mudança;

Info-exclusão;

Organização fixa das estruturas;

Alteração das estruturas organizativas e dos seus objectivos;

Falta e cortes de financiamento;

Custos;

Auto-sustentabilidade dos projectos;

Falta de/ou reduzida participação da sociedade civil na definição e desenvolvimento dos projectos;

Modelos desenvolvidos numa perspectiva de determinismo tecnológico;

Falta de uma abordagem interdisciplinar e pesquisa reflectiva.

Portanto, os obstáculos apontados são vários, nomeadamente a complexidade dos processos de

mudança, porque efectivamente, como ilustra Lusitana Fonseca “O desenvolvimento de novos

estádios culturais duma comunidade exige um planeamento rigoroso baseado em sólidas

metodologias e investimentos elevados e continuados, pois a incorporação de novos hábitos na

vida das pessoas e das organizações só é possível quando, depois de percebidos os benefícios, se

alteram sustentadamente processos e práticas.”. Isto é o que José Luiz Moutinho indica ser a

“capacidade de aprendizagem colectiva adaptada à Sociedade da Informação”, para a qual

“Novas políticas públicas, quadros reguladores mais inovadores e fortes incentivos são

221

Page 223: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

fundamentais para criar condições de aproximação às sociedades mais desenvolvidas e mitigar a

incerteza associada ao processo de ajustamento.” A info-exclusão é largamente evidenciada, tal

como, o acesso às infra-estruturas. Neste sentido, Sílvio Zancheti sublinha que “Uma vez que a

efetivação de uma CD depende em grande parte dos elementos materiais que a suporta (redes de

comunicação, computadores, etc.) e dos meios de interação entre os usuários (as interfaces), os

desafios na sua construção passam pela questão material - acessibilidade às infra-estruturas - e

pela interface.”

São também mencionados, a pouca flexibilidade das estruturas que suportam estas iniciativas

(no caso das autarquias e governo central) e a sua constante alteração. Com efeito, como reitera

José Rafael, “Em termos de organização, o País organiza-se de determinada forma e se

queremos ter um cidade digital direccionada para o cidadão e para os serviços à comunidade, ela

vai ser um pouco transversal à organização das sociedades, porque elas organizam-se

verticalmente e não são muito corporativas, pois são muito ciosas das suas áreas. Portanto,

responder a isto é uma limitação natural. Temos que ter flexibilidade para responder ao cidadão,

porque por vezes, temos que atravessar áreas transversais, o que nos coloca problemas

organizativos.”

Além destes elementos, surgem os problemas de financiamento, os alargados custos e a

capacidade de auto-sustentabilidade de projectos que necessitam de uma intervenção contínua e

a longo prazo para alcançarem alguns dos efeitos a que se propõem. De facto, Flávio Nunes

destaca a “dificuldade sentida ao nível da garantia de auto-sustentabilidade dos projectos

específicos dinamizados no âmbito das cidades digitais, devido sobretudo a interrupções de

financiamento e a alterações das estruturas organizativas e dos seus objectivos. Tratam-se na sua

grande maioria de projectos que visam uma alteração de práticas, rotinas e modos de

procedimento, deste modo apenas a continuidade de uma acção permanente e sistemática

poderia induzir uma apropriação generalizada das aplicações telemáticas pelos diferentes

cidadãos.” José Luiz Moutinho alerta para a falta de/ou reduzida participação da sociedade civil

na definição e desenvolvimento dos projectos, uma vez que, “Não existe qualquer participação

da sociedade civil no desenho, na implementação e na avaliação das políticas públicas e por

isso, não existe um mecanismo de feedback para corrigir e/ou fazer evoluir as políticas, os

incentivos e os projectos ao longo do tempo de do espaço. É necessário criar urgentemente

espaços de participação da sociedade civil no desenvolvimento da Sociedade da Informação.”

222

Page 224: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

São ainda anotadas dificuldades de base, isto é, relativas ao modelo basilar da cidade digital.

Assim, o determinismo tecnológico, a falta de uma abordagem interdisciplinar e reflectiva são

percepcionados como limitações essenciais das iniciativas digitais. Como demonstra José Luiz

Moutinho, “Inovações tecnológicas são socialmente construídas, ou seja, as cidades digitais são

sistemas sócio-técnicos que estão inseridos num contexto social, humano, cultural, histórico,

económico, etc., que influencia e é, por sua vez, influenciado por diferentes trajectórias

tecnológicas. No entanto, os projectos de cidades e regiões digitais são frequentemente

concebidos numa perspectiva de determinismo tecnológico, ou seja, consideram que a simples

disponibilização de infra-estruturas será suficiente para mobilizar a Sociedade da Informação.”

Luís Borges Gouveia reitera que “se nós colocarmos toda a aposta ou demasiadas esperanças, se

não tivermos uma estratégia, uma ideia de território, uma identidade e uma direcção, as cidades

digitais apenas permitem-nos chegar mais depressa a sítio nenhum.” Linturi esclarece que, neste

âmbito, “It is beneficial to view a city in its totality.”

223

Page 225: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

V. ESTUDO DE CASO MÚLTIPLO: GAIA GLOBAL E AVEIRO DIGITAL

A. GAIA GLOBAL

1. Vila Nova de Gaia

Evidenciando a necessidade da ligação entre o virtual e o real, iniciamos este capítulo com uma

sintética apresentação da cidade física. Assim, Vila Nova de Gaia insere-se no distrito e na área

metropolitana do Porto, situando-se na margem esquerda do rio Douro, em frente à cidade do

Porto. De acordo, com os últimos dados do INE, Gaia é o maior dos oito concelhos que agrupam

esta segunda maior área metropolitana do país, com uma área aproximada de 168,7 km2,

repartindo-se actualmente por 10 freguesias, com um concelho que agrupa 24 freguesias. A

população residente na cidade de Gaia é de 177.172 habitantes, ocupando uma área de 56,3 km.

O concelho de Gaia possui uma população residente de 288 749 mil pessoas. Vila Nova de Gaia

é actualmente o concelho mais populoso de toda a região norte, apresentando a maior variação

absoluta entre 1991 e 2001, com um aumento de 39 mil habitantes.607

Quadro 20 – Indicadores Demográficos de Vila Nova de Gaia

607 INE, http://www.ine.pt/prodserv/censos_definit/censos_definit.asp?quadro=1&R1=V1&x_nut=1_1_4_13_17&importar=0

224

Page 226: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

O concelho de Vila Nova de Gaia contém uma extensa marginal fluvial e uma faixa litoral, que

se alonga até ao concelho de Espinho. Tem demonstrado um enérgico crescimento urbano, o que

justifica a coabitação de zonas fortemente urbanizadas com espaços rurais. Como já mencionado

engloba 24 freguesias, nomeadamente Arcozelo, Avintes, Canelas, Canidelo, Crestuma, Grijó,

Gulpilhares, Lever, Madalena, Mafamude, Olival, Oliveira do Douro, Pedroso, Perosinho,

Sandim, Santa Marinha, São Félix da Marinha, São Pedro da Afurada, Seixezelo, Sermonde,

Serzedo, Valadares, Vilar de Andorinho e Vilar do Paraíso. Esteve, desde sempre, ligada à

história do Vinho do Porto e aos seus tradicionais Barcos Rabelos, utilizados para o transporte

do vinho ao longo do Rio Douro. Possui um património reconhecido, salientando-se a Serra do

Pilar, classificada como património mundial, a zona ribeirinha e as caves do Vinho do Porto.

Vila Nova de Gaia é cada vez menos uma "cidade dormitório" do Porto, como é inúmeras vezes

designada, criando progressivamente a sua própria dinâmica de crescimento, concretamente

através do desenvolvimento de indústrias e empresas que contribuem para o aumento

significativo de postos de trabalho.608

Figura 8 – Mapa do Concelho de Vila Nova de Gaia

Fonte: Infopedia

Figura 9 – Vila Nova de Gaia

608 Vila Nova de Gaia., in Infopédia, Porto Editora, http://www.infopedia.pt/E1.jsp?id=93912. 225

Page 227: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Fonte: http://www.pbase.com/image/32956803

2. A Cidade Digital de Vila Nova de Gaia

Passando para o nível digital, o Gaia Global (www.gaiaglobal.pt) é o projecto de Cidade Digital

de Vila Nova de Gaia. A cidade digital de Vila Nova de Gaia conjuga um conjunto de sítios

electrónicos, a nível de atendimento, o da Câmara Municipal, Águas de Gaia, Gaianima, Gaia

Social, Gaiaurb, Parque biológico de Gaia, Energia e a nível de informação e interacção, o

portal do cidadão de Gaia (sítio que analisamos), o novo portal da juventude de Gaia e o Mapa

Interactivo de Gaia. Com efeito, “O Gaia Global é a marca aglutinadora do conceito de cidade

digital para o território de Vila Nova de Gaia, não se resumindo a um único portal, nem apenas a

um conjunto de portais. É uma iniciativa de âmbito local, onde vários intervenientes participam

e trabalham em conjunto tendo em vista o aproveitamento das capacidades da Sociedade da

Informação para a promoção do desenvolvimento sustentável”609.

A opção pelo termo “Global” em detrimento do “Digital” demonstra a preocupação em não se

associar determinadamente à tecnologia, mas à comunicação com os cidadãos, pois “O Gaia

Global assume-se como uma infra-estrutura de informação social orientada para os cidadãos e

agentes económicos do território”610. Evidencia igualmente a estratégia multi-canal adoptada.

Mais do que o recurso a computadores e redes e mesmo à Internet, o que se pretende, segundo

os responsáveis, é proporcionar a todos, uma infra-estrutura digital que reúna informação e

esforços para o desenvolvimento de competências para a Sociedade da Informação. Portanto,

um dos objectivos é precisamente colocar a tecnologia ao serviço das pessoas, promover a

inovação e a partilha de informação e conhecimento. Complementarmente, disponibilizam-se as 609 Gaia Global, http://www.gaiaglobal.org/index.php?id_categoria=1 610Gaia Global, http://www.gaiaglobal.org/?id_categoria=6&id_item=52

226

Page 228: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

tecnologias de informação e comunicação para fomentar o exercício da cidadania. Deste modo,

as grandes opções do Gaia Global são a estratégia multi-canal (que contrapõe uma iniciativa

centrada na Web, recorrendo a outros canais, incluindo os tradicionais); baseado no território

(que visa o desenvolvimento e a criação de uma nova centralidade digital em Gaia); inclusão e

cidadania (busca a inclusão e cidadania procurando a criação e fomento de um mercado digital)

e criar um espaço de comunicação que ligue todos com todos.611

O Gaia Global foi homologado pelo Programa Operacional para a Sociedade da Informação

em Maio de 2002, com uma duração prevista de três anos. O projecto obteve um financiamento

de 5.909.049 €, num investimento total de 8.441.499 €.612 O Gaia Global inicia a fase de

implementação, após ter completado um ano em que foram realizados os trabalhos de análise e

especificação do modelo, nomeadamente, da sua infra-estrutura digital e do Plano Director

Digital. A entidade coordenadora e gestora do projecto é a Energaia, Agência Municipal de

Energia de Gaia (www.energaia.pt), criada em 1999, através do programa SAVE II da Comissão

Europeia. Tendo-se assumido, desde então, como centro de competências em energia, ambiente

e informação no Concelho de Gaia.613 Assim, o modelo de gestão do Gaia Global assenta em

três níveis, nomeadamente:

Nível de Acompanhamento, que cabe à Câmara Municipal de Gaia, que o exerce

directamente ou através das empresas municipais e fundações na sua dependência que se

incluem na implementação do projecto;

Nível de Coordenação e Gestão, da responsabilidade da Energaia.

Comité Consultivo constituído por entidades que participam na gestão/animação das

diferentes “praças” que compõem o projecto e por um conjunto de personalidades de

reconhecido prestígio no desenvolvimento da Sociedade de Informação.614

O objectivo estratégico deste projecto é “Mediar no espaço digital a troca de informação, bens e

serviços com origem ou destino em Gaia, através da criação de um espaço digital, composto por

611 Gaia Global, http://www.gaiaglobal.org/?id_categoria=6&id_item=57 612 Gaia Global, http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=49&Itemid=240 613 Luís Borges Gouveia e Joaquim Borges Gouveia, “Autarquias Digitais promessas e desafios”, in Luís Borges Gouveia, Cidades e Regiões Digitais. Impacte nas cidades e nas pessoas, Fundação Fernando Pessoa, Porto, pp.192-193.614 Gaia Global, http://www.gaiaglobal.org/index.php?id_categoria=3

227

Page 229: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

um conjunto de estruturas digitais complementares, cada uma com um grafismo e identidade

próprias e um processo de recolha e disseminação de informação associado.” As principais

acções baseiam-se no investimento em pessoas, em acções e em organizações, sobretudo no que

concerne, o desenvolvimento das competências para a Sociedade da Informação:

“Facilitar e incentivar o acesso de todos os cidadãos e munícipes, individuais ou

entidades, residentes ou de passagem, a informação, bens e serviços originários no

concelho (Gaia Global como um intermediário de informação respeitante a GAIA no

espaço digital);

Promover a comunicação entre a Autarquia e os Cidadãos e, desta forma,

democratizar e universalizar o acesso à informação e melhorar a qualidade de vida

dos cidadãos através da facilitação da prestação de serviços;

Fomentar a economia local através da motivação das empresas para o comércio

electrónico, criando-lhes as condições para a necessária revolução organizacional e

cultural.”615

Assim, como refere Luís Borges Gouveia e Joaquim Borges Gouveia, “São objectivos do Gaia

Global, a preparação dos indivíduos com as competências para o digital, o proporcionar de uma

economia que incremente a sua base electrónica, mas acima de tudo, a melhoria da qualidade de

vida e de cidadania, propondo o projecto constituir-se como um espaço ideal de troca de

informação e partilha de conhecimento – “Gaia Global, um espaço ideal” (...) Face ao lema

“Gaia Global, um cálice de ideias”, a inovação e a participação dos cidadãos e das instituições

são uma preocupação central do projecto”616. A este propósito, Jorge Xavier sublinha que “O

Gaia Global assume-se como uma infra-estrutura de informação social orientada para os

cidadãos e demais agentes do território”617.

O conceito do projecto assenta-se na inclusão de todas as entidades presentes, numa perspectiva

de complementaridade e representação do território. Desta forma, a estratégia do Gaia Global

evidencia quatro premissas:

615 Memória Descritiva do Projecto, disponível em http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=49&Itemid=240 616 Luís Borges Gouveia e Joaquim Borges Gouveia, “Autarquias Digitais promessas e desafios”, in Luís Borges Gouveia, Cidades e Regiões Digitais. Impacte nas cidades e nas pessoas, Fundação Fernando Pessoa, Porto, p. 192.617 Jorge Xavier, op. Cit., p.72.

228

Page 230: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Baseado na sociedade civil e na interacção digital;

Baseado nas pessoas e não na tecnologia;

Baseado na facilitação do ciclo de vida da informação;

Orientado ao conteúdo e à actividade e não ao processo.618

Relativamente aos benefícios do projecto, são sublinhadas as seguintes vantagens:

Fortalece a visibilidade externa do concelho;

Insiste sobre as áreas onde se revelam mais carências, concretamente na saúde, educação

e ambiente;

Desenvolve as condições para um maior investimento económico no concelho, através

da dotação de uma infra-estrutura tecnológica capaz e moderna;

Contribui para a melhoria da qualidade de vida dos seus habitantes e para o reforço dos

meios de cidadania e de participação na vida pública.619

Com a formulação do Gaia Global atentou-se nos vários obstáculos a ultrapassar,

nomeadamente na perspectiva do cidadão, onde se observou que a informação existente em

formato digital era claramente dispersa e pouco orientada às suas necessidades; a insuficiência

de processos e serviços transaccionais em ambiente digital, que se constituam como alternativas

aos canais presenciais; a fraca ligação entre a oferta de informação e o território e a deficiente

gestão do relacionamento com o cidadão, por parte das entidades locais. Na perspectiva de quem

tem informação e serviços para oferecer; quem tem interesse em oferecer informação e serviços,

mas não domina a tecnologia; não tem capacidade de projecto e nem dimensão para estar

presente em ambiente digital. Desta forma, a resposta do Gaia Global assenta na construção de

uma plataforma que faculte:

Informação orientada às necessidades do cidadão;

618 Joaquim Borges Gouveia, Luís Borges Gouveia e Jorge Xavier, “Gaia Global – 1º Ano do Projecto. Conceitos e Diferenciação”, Brochura de apresentação do projecto Gaia Global, Vila Nova de Gaia, Maio de 2003.619 Memória Descritiva do Projecto, disponível em http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=49&Itemid=240

229

Page 231: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Forte ligação ao território;

Instrumentos para a gestão do relacionamento com o cidadão;

Acesso, dimensão, estrutura e regulamentação para os diferentes agentes a actuar no

território;

Informação, serviços e aplicações que facilitem a presença no ambiente digital, a todos

aqueles que estão interessados em oferecer informação e serviços aos cidadãos de Gaia.

O método de trabalho é designado como NVAT, que corresponde às siglas de Necessidades,

Valor, Arquitectura e Tecnologia. Este método baseia-se no cidadão e nas suas necessidades. O

modelo permite ainda a criação de uma solução escalável, reprodutível, modular e flexível.620 Da

implementação deste método, desenvolveu-se o Plano Director Digital (PDD) que, tal como, os

Planos Director Municipal (PDM) que delimitam a organização do espaço físico, define a

organização e infra-estrutura da cidade digital. Assim, o Gaia Global determina o seu PDD, de

acordo com três camadas diferenciadas, nomeadamente:

Infra-estruturas (modelo independente da tecnologia e do canal assente em três pilares:

GC - Gestão de conteúdos, SIG – Sistema de Informação Geográfica e CzRM - Citizen

Relationship Management, Gestão da Relação com os Cidadãos.);

Organização (entidades);

Necessidades (navegação).

Portanto, é instituído um modelo organizacional direccionado para os utilizadores, usufruindo

de todas as vantagens do espaço virtual e infinito inerente às cidades digitais.621

Figura 10 – Método NVAT

620 ENERGAIA, Nova Base, Quatro e Gaia Digital, NVAT* Método de Implementação, Dezembro 2002.621 ENERGAIA, Nova Base, Quatro e Gaia Digital, PDD – Plano Director Digital, Dezembro 2002.

230

Page 232: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Fonte: Memória Descritiva do Gaia Global

Deste modo, o Gaia Global assenta em três camadas, na primeira encontra-se o CRM, GIS e

GC, na segunda plataforma os serviços, que envolve um conjunto de funcionalidades

disponíveis para o desenvolvimento das aplicações da terceira camada, destinada aos

cidadãos.622

Figura 11 – As três camadas do Gaia Global

Fonte: Memória Descritiva do Gaia Global

O projecto tem diferentes áreas de intervenção, concretamente:

Informação, serviços municipais e governo electrónico;

622 Memória Descritiva do Projecto, disponível em http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=49&Itemid=240.

231

Page 233: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Educação;

Saúde;

Comércio e Indústria;

Ambiente, Qualidade de Vida e Património Cultural;

Desporto e Lazer.623

Estas áreas de intervenção assentam na estrutura do projecto que é criado segundo a ideia de

“Praça”, definindo-se:

Praça do Município;

Praça da Educação;

Praça do Comércio e Indústria;

Praça da Saúde;

Praça do Ambiente, Qualidade de Vida e Património Cultural;

Praça do Desporto e Lazer.

Em cada “Praça”, que representa o portal de acesso a cada uma das áreas temáticas do Gaia

Digital, existem os “Edifícios”, ou seja, os projectos específicos propostos nessa área. Com o

intuito de facultar a circulação no espaço do projecto desenvolvem-se quatro importantes

“Artérias”, de acordo com as seguintes formas de infra-estruturas tecnológicas:

Acesso via Internet;

Disseminação de informação por tecnologia Wi-fi, GPRS, e futuramente, UMTS;

Implementação de quiosques multimédia de acesso ao Gaia Global espalhados pela

cidade, incluindo no interior de espaços públicos, como serviços camarários ou cafés

e restaurantes;

Postos de atendimento remotos, a instalar nas instituições e serviços.

Pretendendo estimular a participação dos cidadãos desenham-se os “Espaços do Cidadão”,

nomeadamente a criação em cada “praça” de um “fórum digital” de discussão e de uma zona de

623 www.gaiaglobal.org 232

Page 234: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

chat, o “Café Digital”. Será também criado um serviço de “sondagens on-line”, continuamente

dinâmico sobre temas de relevância para o concelho de Gaia. Por fim, as tarefas de gestão e

coordenação de projectos asseguram-se através de “Acções Horizontais”624

Figura 12 – A metáfora da cidade digital: as praças de uma cidade física simbolizam a

interacção entre os cidadãos e os edifícios dessas praças constituem as aplicações e serviços

existentes.

Fonte: Memória Descritiva do Gaia Global

O Gaia Global conjuga um conjunto de sítios electrónicos, sendo o principal o portal do cidadão

de Gaia (www.gaiaglobal.pt) que agrega todas estas ligações. Este site disponibiliza toda a

informação local:

624 Gaia Global, http://www.gaiaglobal.org/index.php?id_categoria=4

233

Page 235: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Classificados;

Notícias;

Eventos;

Utilidades (farmácias de serviço, contactos úteis e alterações de trânsito);

Menus de pesquisa e de informação por temas;

Newsletter semanal enviada para os registados.

Possui ainda um espaço de serviços on-line, um espaço reservado à Área Pessoal de cada

utilizador, um espaço para participação e sugestões do cidadãos e a indicação de uma linha

verde de apoio. Quanto aos serviços on-line, dispõe de:

Consulta de processos urbanísticos;

Acesso a plantas de localização;

Descarregamento de formulários, reclamações, sugestões e pedidos de informação ou

serviços ao Município de Gaia, ao Gaiurb e ao Parque Biológico E.M.;

Acesso ao balcão virtual das Águas de Gaia;

Pedido do cartão do cidadão de Gaia.

O Gaia Global possui ainda um sítio electrónico institucional, acessível em

www.gaiaglobal.org.

Figura 13 – Portal do Cidadão de Gaia

234

Page 236: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

www.gaiaglobal.pt

Figura 14 – Portal do Cidadão de Gaia

235

Page 237: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

www.gaiaglobal.pt

Figura 15 – Portal Institucional Gaia Global/ Portal da Juventude Gaia Global

www.gaiaglobal.org www.juventude.gaiaglobal.pt

236

Page 238: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

As opções ou os valores fundamentais de concretização do projecto correspondem, segundo

Ângelo Estrela, ao potencial teórico do mesmo. Estas opções são “de todos e para todos”,

“projecto aberto”, “inclusão e cidadania” (promovendo “a participação de todos, numa tentativa

pró activa de identificação do indivíduo e das organizações com o território”), “baseado no

território”, “multi-canal” e “objectivos nobres”, sendo estes últimos, a valorização do território e

da melhor qualidade de vida dos cidadãos e não apenas a preocupação com o desenvolvimento

das TIC.625 Do mesmo modo, a mobilização para a Sociedade da Informação é conseguida de

forma inovadora, na medida em que, a sua formulação supera a tradicional visão de um projecto

vertical. De facto, o envolvimento de várias entidades, parceiros e do público constituem

factores chave da sua estratégia. Precisa ainda de uma solidificação, mediatismo e notoriedade,

que passa efectivamente pelo reconhecimento público.626

Para complementar toda esta informação, introduzimos, em seguida, os dados obtidos nas

entrevistas realizadas627 a Joaquim Borges Gouveia, Presidente do Conselho de Administração

da Energaia e a Ângelo Estrela, Gestor do projecto. Assim, considerando os elementos mais

importantes do Gaia Global, Joaquim Borges Gouveia frisa na entrevista efectuada que um dos

elementos mais relevantes do projecto é a sua representação. Com efeito, “O modelo com que

representamos a cidade é caracterizador, pois mapeamos a cidade digital seguindo o modelo

físico, como o conceito de uma praça, o local onde as pessoas convivem e onde estão e se

encontram com os outros. Essa praça tem edifícios, que representam um projecto que tem, por

sua vez, actividades. Portanto, esta é a estrutura da cidade digital. Depois temos um modelo de

governação e de gestão, que se define na interacção com a autarquia e com a cidade. Na

interacção com a autarquia, temos o plano director municipal digital e na ligação com a cidade,

o projecto da assembleia municipal digital.”

Por sua vez, Ângelo Estrela, Gestor de Projecto, refere na entrevista realizada que “As nossas

acções dividem-se, neste momento, em duas vertentes: dinamização regional e a uma outra, que

podemos designar de governo electrónico, que claramente está orientada para a modernização

autárquica, aumento de eficiência e redução de custos, sempre com o objectivo final de servir

melhor o cidadão. (…) Na parte da dinamização regional, essa sim, é direccionada para a

produção de conteúdos e aplicações para dinamizar a região. Neste enquadramento, estamos a

625 Ângelo Estrela, op. Cit., p.93.626 Idem, pp.93-94.627 Entrevistas em anexo.

237

Page 239: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

falar da vertente de combate à info-exclusão, da produção de conteúdos locais, da vertente do

empreendedorismo, facilitação da criação de empresas, de emprego próprio, etc.”

Segundo Joaquim Borges Gouveia, o objectivo essencial do Gaia Global é criar um novo

modelo de funcionamento das autarquias com o conceito digital. Este modelo centrado nos

munícipes/clientes implica que a definição de serviços, a sua qualidade e a evolução urbana seja

determinada pelos próprios. Simultaneamente, possibilita um mais ajustado planeamento, uma

vez que, permite um melhor conhecimento do território e das reais dimensões das freguesias.

Com efeito, “Como está tudo digitalizado, tudo pode ser facilmente reutilizável e tornado num

produto ou serviço ao cidadão. À medida que vamos digitalizando o território, vamos

solidificando o planeamento, novas actividades da autarquia e dos cidadãos, como também, a

gestão e operação dos serviços. Para além de imediatamente saírem indicadores de gestão, de

planeamento e de utilização, porque tudo fica registado.”

Ângelo Estrela enfatiza ainda que o Gaia Global disponibiliza três níveis de serviços,

nomeadamente conteúdos e serviços on-line (nos portais); serviços internos e serviços de infra-

estrutura e acesso. No primeiro nível, inserem-se os conteúdos informativos dinâmicos sobre o

território. O portal do cidadão de Gaia distribui uma síntese à Quarta noticiosa e à Sexta de

eventos que ocorrem em Gaia, enviada para os registados que aderiram a esta newsletter. Existe

depois um conjunto de conteúdos mais estáticos, que no caso do portal do cidadão de Gaia

consiste nos menus superiores “Viver”, “Visitar”, ”Aprender” e “Negócios” que foram

elaborados na perspectiva da necessidade do cidadão. Portanto, qualquer evento da vida de um

indivíduo está presente no portal com indicações úteis. Possui ainda um directório de

organizações, que é muito mais do que umas páginas amarelas da região, pois além dos básicos

contactos, possibilita a actualização e de informação de conteúdos e serviços das próprias

entidades. A título exemplificativo, uma colectividade pode colocar on-line um formulário de

novos sócios. “Estamos a falar de participação activa das organizações na própria construção do

portal.”

Quanto aos serviços internos, o Gaia Global tem por missão trabalhar com as diversas entidades

municipais para que estas, em conjunto, partilhem informação e implementem mecanismos mais

eficientes para a prestação do serviço ao cidadão. Um dos exemplos é a criação de uma intranet

urbanística partilhada, que evite a duplicação de informação e esforço e garanta a uniformidade

de informação a todos os colaboradores. No que concerne as infra-estruturas e acesso, o Gaia

238

Page 240: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Global disponibiliza um “data center” para todas as aplicações do projecto (perspectiva

interna), tal como pontos de acesso à informação para utilização livre pelo cidadão (perspectiva

externa).

Atentando na importância desta cidade digital para o desenvolvimento económico e social da

região onde se inserem, Joaquim Borges Gouveia refere que o Gaia Global é uma marca,

subsequentemente uma organização dos próprios serviços e da própria cidade. Efectivamente a

digitalização implica uma reengenharia de processos dos serviços e da própria cidade, assim

como, a formação dos indivíduos. Ângelo Estrela frisa que conjugando todas as vertentes, o

projecto pode ter um grande impacto, sobretudo se consideramos a modernização autárquica e o

combate à info-exclusão.

Considerando a info-exclusão, Joaquim Borges Gouveia frisa a importância da iniciativa dos

Espaços Internet628, espaços gratuitos com computadores, acesso à Internet, monitores e

formação (um dos componentes do POSC), promovidos pelo Gaia Global, mas alerta para a

imprescindibilidade de um trabalho social e não meramente digital neste âmbito. Ângelo Estrela

reforça a importância dos referidos espaços, mas refere que o Guia de Operacionalização das

Cidades e Regiões Digitais, não está orientado especificamente para o combate da info-

exclusão, estando esta prioridade investida em outras medidas, ou seja, nas medidas

relacionadas com a formação para as TICs e criação dos Espaços Internet. Contudo, para o Gaia

Global esta é uma grande preocupação, realizando acções, como os dois grandes eventos

efectuados, um no centro comercial e outro na ribeira de Gaia, onde foi montada uma tenda com

computadores e distribuídas mono-folhas para atrair as pessoas a utilizar este espaço. Segundo

Ângelo Estrela, conseguiram mobilizar pessoas dos 10 aos 70 anos, que não sabiam o que era a

Internet e aderiram à iniciativa. Logo, “A nossa grande prioridade neste tipo de acções são essas

pessoas, ou seja, não nos interessa muito divulgar o portal, por exemplo, no meio académico,

pois sabemos que as pessoas são muito activas nessa área. Portanto, estamos a falar de atrair

pessoas com baixo nível de formação, possivelmente com dificuldades a nível social e

económico e consequentemente grandes problemas no acesso às tecnologias.” Indica ainda que

estão a programar um conjunto de acções com monitores que vão percorrer o território com

meios para facultarem a estas pessoas a possibilidade de experimentarem e de saberem onde

podem aceder a computadores e Internet.

628 www.espacosinternet.pt 239

Page 241: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Realizando uma avaliação geral dos objectivos concretizados, Ângelo Estrela sublinha que ainda

falta alcançar bastante, mas que operacionalmente irão conseguir efectivar tudo o que foi

proposto. Assim, indica que o projecto propõe desenvolver:

Na vertente de dinamização regional: o portal do cidadão de gaia

(www.gaiaglobal.pt), o mapa interactivo (www.gaiaglobal.pt/mapa), os pontos

infoiniciativa (conteúdos para criação de emprego), o GaiaJoy (portal da

juventude) e o portal os nossos pequenos artistas (conteúdos para as crianças);

Na vertente de governo electrónico: desenvolver portais para os organismos

municipais (www.cm-gaia, www.parquebiologico.pt, Gaianima, GaiaSocial,

Energaia e juntas de freguesia), colocar o máximo de serviços on-line e reestruturar

processos internos dos organismos municipais (intranet urbanísticas, compras

electrónicas, etc.);

Na vertente de pontos de acesso em banda larga: disponibilizar 49 pontos de acesso

livre para a utilização da Internet;

Na vertente da plataforma tecnológica regional: foi desenvolvida uma plataforma

tecnológica que é partilhada por todos os subprojectos do GaiaGlobal,

nomeadamente ao nível de ferramentas CRM, gestão de conteúdos, informação

geográfica, bilhética, alojamento, segurança, etc. Será ainda desenvolvida a rede

municipal de banda larga, que permitirá a partilha de informação entre todos os

organismos municipais com níveis de desempenho e segurança adequados;

Na vertente de sensibilização e mobilização para a Sociedade da Informação: são

realizadas campanhas permanentes de sensibilização e formação, assim como

acções de promoção dos vários subprojectos à medida que a sua conclusão se

efectua. Será ainda disponibilizada uma carrinha com computadores, que

percorrerá todo o território com o objectivo de sensibilizar a população para a

utilização das TIC.

Joaquim Borges Gouveia adiciona na entrevista que o projecto tem três anos de funcionamento e

um ano de atraso do financiamento. Portanto, quanto às dificuldades do Gaia Global, estas

240

Page 242: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

baseiam-se nos entraves ao alcance de um determinado nível de maturidade, que engloba a

capacidade de execução das suas iniciativas e do seu impacto real, tal como, os atrasos de

financiamento e os obstáculos que advirão do fim do co-financiamento. A estas dificuldades

acrescentamos também o problema da info-exclusão e consequentemente o impedimento de se

alcançar todo o espectro da sociedade Gaiense, assim como, da necessidade premente de

continuidade. De qualquer forma, trata-se de um projecto que se encontra ainda numa fase

bastante inicial, demonstrando, no entanto, importantes passos para a concretização dos seus

objectivos.

3. Os utilizadores do Gaia Global: Resultados dos Questionários On-Line aplicados aos

Utilizadores do Portal do Cidadão de Gaia (www.gaiaglobal.pt)

No que concerne os utilizadores do portal do Gaia Global, Ângelo Estrela evidencia na

entrevista realizada a sua diversidade. Assim, sublinha um conjunto de utilizadores generalistas

(bastante dispersos no território e que abrangem outros concelhos) e uma gama de utilizadores

especializados, como arquitectos e engenheiros, que usam sobretudo os serviços urbanísticos

disponibilizados e outros que se socorrem essencialmente da informação geo-referenciada, ou

seja, os mapas, como meio de trabalho, como é o caso do sector imobiliário. Relativamente ao

que é mais acedido pelos utilizadores, Ângelo Estrela sublinha as notícias e o mapa interactivo.

A nível de serviços, o registo do cidadão e a consulta de processos urbanísticos são as

componentes mais utilizadas.

Utilizando o inquérito on-line aplicado (de 15 de Setembro a 15 de Outubro de 2005), no portal

do cidadão de Gaia, apresentamos, em seguida, elementos caracterizadores dos utilizadores e do

portal, já que, os dados relativos às questões da cidadania foram desenvolvidos

precedentemente. Assim, dos quarenta inquiridos, trinta e sete, ou seja, 92,5% estão registados

no portal. Destes indivíduos, 50% teve conhecimento do portal nos últimos seis meses, 35% há

um ano, 7,5% no último mês e os restantes 7,5% na semana anterior ao inquérito. De facto, o

portal lançou-se on-line em 2004, sendo claramente uma iniciativa recente. No entanto, apesar

de não serem a maioria, 35% dos inquiridos refere conhecer o Gaia Global há um ano, o que

pode evidenciar a questão dos “early adopters”, ou seja, que os utilizadores correspondem a um

perfil validado como os primeiros usuários digitais, concretamente, adultos jovens, do sexo

masculino com habilitações académicas superiores.

241

Page 243: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Gráfico 5 – “Está registado no Gaia Global?”

N=40

Gráfico 6 – “Há quanto tempo conhece o projecto Gaia Global?”

N=40

Quanto à forma como tiveram conhecimento da existência do mesmo, 27,5% responde ter sido

através de amigos. Com efeito, a rede social mais significativa para os indivíduos, da qual fazem

parte os amigos, tem elevado impacto na partilha de conhecimento e de experiências, facto

largamente observado no mundo virtual. Em seguida, 17,5% fala de informação municipal, 15%

de sites locais, 12,5% de publicidade local, 12,5% de meios de comunicação e os remanescentes

15% através de outros meios. Deste modo, o Gaia Global tem que apostar numa estratégia de

comunicação e notoriedade para alcançar cada vez mais cidadãos, sobretudo através de

informação e publicidade municipal. Isto, na medida em que, a rede social a que aludimos

corresponderá certamente à rede de indivíduos com apetência para a utilização da Internet no

seu quotidiano. Portanto, se se pretende abranger um número diversificado de utilizadores e

promover a info-inclusão, a própria cidade digital e os seus parceiros terão que apostar nesta

divulgação.

242

Page 244: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Gráfico 7 – “Como teve conhecimento do Gaia Global?”

N=40

À questão “Quando começou a utilizá-lo?”, a maioria indica nos “últimos seis meses” (47,5%),

em seguida, “há um ano” (25%), no “último mês” obtem 17,5% e, por fim, na “última semana”

10%. Relativamente à frequência de utilização, a maioria aponta “mais do que uma vez por

mês” (32,5%), seguido de “uma vez por semana” (25%) e “mais do que uma vez por semana”

(17,5%).

Gráfico 8 – “Quando começou a utilizá-lo?”

N=40

243

Page 245: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Gráfico 9 – “Com que frequência acede ao portal?”

N=40

No que diz respeito às áreas mais acedidas pelos utilizadores, a página principal é seleccionada

33 vezes, seguida do mapa interactivo, escolhido 25 vezes, e das newsletters e serviços on-line,

11 vezes respectivamente.

Gráfico 10 – “Que áreas mais acede no portal?”

N=40

Quanto aos temas mais pesquisados, a cultura e lazer encontra-se no topo (escolhido 18 vezes),

seguido de desporto (13 vezes seleccionado), educação, serviços e rua (12 vezes

respectivamente).

244

Page 246: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Gráfico 11 – “Que temas mais pesquisa no portal?”

N=40

Portanto, de modo global, os utilizadores do portal conhecem-no há seis meses e usam-no há

seis meses, embora a percentagem seja diferente nas duas questões, 50% e 47,5%

respectivamente. Conheceram-no através de amigos e actualmente acedem mais do que uma vez

por mês. Acedem mais à página principal e ao mapa interactivo e pesquisam mais sobre a

cultura e lazer e desporto.

Solicitamos ainda aos utilizadores que realizassem uma avaliação do sítio electrónico. Assim, no

que diz respeito ao design e estética, 65% considera ser bom, 20% muito bom, 12,5% razoável e

2,5% não sabem ou não respondem. Em termos da organização do portal, 50% avança ser bom,

15% muito bom, 30% razoável, 2,5% mau e os restantes não sabem ou não respondem.

Gráfico 12 – “Como avalia o design e estética do portal?”

N=40

245

Page 247: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Gráfico 13 – “Como avalia a organização do portal?”

N=40

Com efeito, estes dois elementos, estética e organização, são normalmente os que mais impacto

têm na primeira impressão de um portal. Neste caso, a avaliação é bastante positiva, uma vez

que, os dois componentes são classificados com bom.

Analisando os conteúdos disponíveis, 65% considera serem bons, 20% razoáveis, 10% muito

bons e 2,5% maus. Atendendo na actualização dos conteúdos, 47,5% concorda que é boa, 30%

razoável, 20% muito boa e 2,5% não sabem ou não respondem. Portanto, os resultados parecem

demonstrar que os utilizadores estão satisfeitos com a informação disponibilizada no sítio

electrónico e com a sua actualização. De facto, a actualização de um sítio é um dos principais

indicadores da sua qualidade.

Gráfico 14 – “Como avalia os conteúdos disponíveis no portal?”

N=40

246

Page 248: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Quanto aos serviços on-line disponíveis, 45% aponta serem razoáveis, 37,5% bom, 7,5% mau,

5% muito bom e 5% não sabem ou não respondem. Relativamente à eficácia dos serviços on-

line disponíveis, 42,5% sublinha ser boa, 40% razoável, 5% muito boa, 2,5% má e os restantes

NS/NR. Avaliando a resposta on-line às solicitações realizadas no portal, 35% responde ser

razoável, 32,5% boa, 10% muito boa, 5% má e 17,5% não sabem ou não respondem. Desta

forma, embora a maioria aponte que os serviços disponíveis on-line são razoáveis, o somatório

da opção “Bom” e “Muito Bom” contabiliza 42,5%, valor muito próximo dos 45%. Do mesmo

modo, na questão da eficácia dos serviços, os valores relativos ao “Bom” e “Razoável” são

bastante próximos, 42,5% e 40% respectivamente. O mesmo acontece com a avaliação da

resposta on-line às solicitações efectuadas. Aliás, a resposta razoável alcança o valor mais

elevado, ou seja, 35%, mas é ultrapassada pelas respostas “Bom” e “Muito Bom” que juntas

totalizam 42,5%. É ainda pertinente referir, sobretudo nesta última questão, que o valor dos

indivíduos que não sabem ou não respondem a esta interrogação é considerável (17,5%), que

pode significar que nunca efectuaram nenhuma solicitação no portal. Assim, apesar da avaliação

ser positiva, é importante não só aumentar o número de serviços disponíveis on-line, como

melhorá-los. De facto, como podemos verificar subsequentemente, a única temática que, nesta

avaliação, não alcança globalmente o bom, é precisamente esta parte dos serviços.

Figura 16 – “Como avalia os serviços disponíveis no portal?”/ “Como avalia a eficácia dos

serviços on-line disponíveis no portal?”/ “Como avalia a resposta on-line às suas solicitações?”

N=40

Realizando, por último, uma avaliação do desempenho global do portal, 57,5% dos inquiridos

considera ser boa, 22,5% razoável, 12,5% muito boa, 2,5% má e 5% não sabem ou não

respondem. Portanto, destaca-se claramente uma boa avaliação.

247

Page 249: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Gráfico 15 – “Como avalia o desempenho global do portal?”

N=40

Agregando todos os resultados maioritários deste conjunto de avaliações, podemos desenhar o

seguinte quadro:

Quadro 21 – Avaliação do Portal www.gaiaglobal.pt

ELEMENTOS AVALIADOS CLASSIFICAÇÃO

Avaliação do Design e Estética Bom

Avaliação da Organização Bom

Avaliação dos Conteúdos Disponíveis Bom

Avaliação da Actualização dos Conteúdos Disponíveis

Bom

Avaliação dos Serviços Disponíveis Razoável

Avaliação da Eficácia dos Serviços Bom

Avaliação da resposta on-line às solicitações.

Razoável

Desempenho Geral Bom

248

Page 250: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Em termos de dados sócio-demográficos, este inquérito possibilita-nos traçar o perfil do que

poderão ser os utilizadores do Gaia Global. Neste enquadramento, são maioritariamente homens

(80%), entre os 25 e os 44 anos (25-34, 37,5%; 35-44, 25%), casados ou unidos de facto

(62,5%), com habilitações literárias superiores (65%). De facto, a caracterização global dos

utilizadores activos da Internet, como podemos verificar na primeira parte desta dissertação,

corresponde exactamente a este perfil. Embora, seja normal nos primeiros tempos, os portais

atraírem exclusivamente o que muitos autores designam como “early adopters” ou “elite

tecnológica”, o Gaia Global terá que não só promover, desde cedo, a info-inclusão de todos os

cidadãos gaienses (aliás, tem evidenciado esta preocupação, empreendendo iniciativas como os

Espaços Internet, acções de sensibilização e mobilização, etc.), como não cair no erro de se

desenvolver apenas para responder às exigências deste grupo dominante.

Gráfico 16 – Sexo dos Inquiridos Gráfico 17 - Inquiridos por Faixas Etárias

N=40 N=40

Gráfico 18 – Estado Civil dos Inquiridos Gráfico 19 - Habilitações Literárias

N=40 N=40

249

Page 251: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

B. AVEIRO DIGITAL

1. A Cidade/Região Física

Na primeira fase, isto é, entre 1998-2000, o projecto cingiu-se à cidade de Aveiro. Cidade, sede

de concelho e capital de distrito, Aveiro situa-se na foz do rio Vouga, sendo banhada por este rio

e pelo oceano Atlântico. O concelho localiza-se na Região do Centro (NUT II) e do Baixo

Vouga (NUT III), abrangendo uma área de 199,9 km2, onde se estabelecem 14 freguesias,

nomeadamente Aradas, Cacia, Eirol, Eixo, Esgueira, Glória, Nariz, Oliveirinha, Requeixo, São

Bernardo, São Jacinto, Vera Cruz, Santa Joana e Nossa Senhora de Fátima. Segundo o censo de

2001, o concelho apresentava 73 521 habitantes. O distrito possui 19 concelhos, concretamente

Águeda, Albergaria-a-Velha, Anadia, Arouca, Aveiro, Castelo de Paiva, Espinho, Estarreja,

Feira, Ílhavo, Mealhada, Murtosa, Ovar, Oliveira de Azeméis, Oliveira do Bairro, São João da

Madeira, Sever do Vouga, Vagos e Vale de Cambra.629

Contudo, na fase actual, 2003-2006, Aveiro Digital é uma região digital. Assim, a região digital

de Aveiro congrega os municípios localizados na área envolvente da ria, nomeadamente

Águeda, Albergaria-a-Velha, Aveiro, Estarreja, Ílhavo, Mira, Murtosa, Oliveira do Bairro, Ovar,

Sever do Vouga e Vagos. Isto corresponde geograficamente a uma área de 1647 Km2 que

contabiliza 350 000 habitantes e administrativamente à AMRia, a Associação de Municípios da

Ria.630 Para estas cidades a Ria sempre representou uma riqueza económica, ambiental e

cultural. No entanto, a Ria é o nome por que são impropriamente conhecidos os diversos braços,

esteiros, vales e canais formados pela junção das águas do Vouga e seus afluentes com as do

oceano Atlântico junto à cidade de Aveiro, que se estendem em sentido norte-sul do concelho de

Ovar ao de Mira, numa extensão de quase 50 km, sendo de cerca de sete a sua largura

máxima.631

629Aveiro in Infopédia, Porto Editora, disponível em http://www.infopedia.pt/E1.jsp?id=93492. 630 www.amria.pt 631 Aveiro in Infopédia, Porto Editora, 2003-2006, disponível na http://www.infopedia.pt/E1.jsp?id=93492,

250

Page 252: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Figura 17 – Ria de Aveiro

Fonte: Infopedia

Figura 18 – Mapa da Área de Intervenção da AMRia

Fonte: http://www.amria.pt

251

Page 253: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

2. A Cidade Digital (1998-2000)

A cidade de Aveiro foi uma das primeiras cidades digitais portuguesas, sendo actualmente um

caso de sucesso e de referência no programa “Cidades e Regiões Digitais”. O projecto foi

promovido e coordenado por um conjunto de entidades, nomeadamente o governo local, a

Universidade local e a Portugal Telecom. A sua finalidade era funcionar como instrumento

mobilizador da sociedade (de todos os agentes locais e cidadãos), tendo como missão a melhoria

da qualidade de vida na cidade. Assim, “A iniciativa Aveiro — Cidade Digital perspectiva uma

oportunidade para acelerar o desenvolvimento sustentado da comunidade nos eixos sociais,

económicos e culturais, num cenário de congregação de todos os agentes do desenvolvimento

local para a construção duma comunidade digital que irá contribuir para melhorar a qualidade de

vida e o bem-estar dos seus cidadãos”632. Neste seguimento, os seus objectivos globais são:

Promover o bem-estar dos cidadãos;

Encorajar a participação no exercício da cidadania e da democracia;

Incrementar e melhorar o acesso à informação e aos serviços;

Aumentar a eficácia da administração pública local e central;

Reforçar o crescimento sustentado;

Contribuir para a igualdade de oportunidades;

Promover o emprego, a justiça social e a aprendizagem ao longo da vida;

Favorecer a inclusão das pessoas com necessidades especiais;

Favorecer a inclusão de grupos socialmente desfavorecidos;

Identificar as melhores práticas de introdução das TIC no desenvolvimento de cidades sustentadas;

Conseguir o efeito de difusão das melhores práticas para outras regiões.

O programa dividia-se em oito áreas de intervenção, cada uma com metas precisas:

Área de Intervenção 1: Construir a Comunidade Digital

1. Facilitar e incentivar o acesso de todos os cidadãos e entidades aos serviços e à

informação;632 Coordenação do Programa Aveiro Cidade Digital (PACD), Relatório Global da 1ª Fase do Programa Aveiro Cidade Digital, p. 10.

252

Page 254: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

2. Disponibilizar uma base cartográfica digital;

3. Fomentar as transferências electrónicas de dados;

4. Reorganizar e modernizar os serviços e a gestão pública e qualificar os recursos

humanos para a Sociedade da Informação;

5. Promover o tele-trabalho;

6. Desenvolver o conceito de Cidade Digital.

Desta forma, nesta área dinamizaram-se os projectos “DIGIPRAÇA – Metáfora Digital da

Praça Central da Cidade”; “DIGIBAIRROS – Metáfora Digital dos Bairros da Cidade”;

“EIRÓ – Sistema Integrado de Difusão e Acesso Público à Informação para os Cidadãos em

Aveiro”; “MINERVA – Intranet do Tribunal Judicial de Aveiro” e “ESTALEIRO – Gestão

Técnica do Programa Aveiro – Cidade Digital”.

Área de Intervenção 2: Autarquia e Serviços de Âmbito Concelhio

1. Dotar o Concelho de Aveiro de um cadastro predial rústico e urbano digital;

2. Introduzir os sistemas de informação geográfica no planeamento e na gestão do

território;

3. Automatizar e integrar a gestão do tráfego urbano e dos transportes públicos;

4. Modernizar os sistemas de prevenção e de protecção civil;

5. Monitorizar a qualidade do ambiente;

6. Melhorar a mobilidade dos cidadãos no espaço urbano;

7. Promover a comunicação entre a Autarquia e os cidadãos.

Nesta área, concretizaram-se as iniciativas “CARTAVE – Cartografia Digital de Aveiro”;

“SIGIM – Sistema Integrado de Gestão e de Informação Municipal”; “SICOSMA – Sistema de

Informação e Comunicação dos SMA” e” SIMOQUA – Sistema de Monitorização da Qualidade

do Ambiente”.

Área de Intervenção 3: Escola e Comunidade Educativa

1. Apetrechar os estabelecimentos escolares para a Sociedade da Informação;

2. Consolidar a Internet na escola;

3. Apoiar os docentes na sua actividade;

4. Fomentar a info-alfabetização;

5. Promover a inserção de cidadãos em idade pré-escolar;

253

Page 255: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

6. Promover a criação da comunidade educativa.

Os projectos concretizados foram “CACEED – Cacia Escola na Era Digital”; “VERA-RIA –

Vera-Cruz num Abraço da Ria”; “REI – Rede Educacional Interactiva”; “TIC-TAC-TIC para

Trabalhar, Aprender e Criar”; “C.P.J. – Ciber-Parque de Jogos”; “ESVIR – Escola Virtual”;

“MALTINHA – A Cidade da Malta”.

Área de Intervenção 4: Universidade e Comunidade Universitária

1. Facilitar o acesso dos alunos aos serviços e à informação;

2. Reorganizar e modernizar os serviços e a gestão e qualificar os recursos humanos

para a Sociedade da Informação;

3. Criar a biblioteca digital universitária;

4. Fomentar a utilização das TIC na formação inicial;

5. Promover a formação contínua aberta e à distância;

6. Promover a utilização das TIC nas actividades de I&D;

7. Promover a ligação entre a Universidade e a comunidade.

A iniciativa realizada, neste âmbito, foi a “BIOREDE – Biologia em Rede para as Escolas e a

Comunidade”.

Área de Intervenção 5: Serviços de Saúde

1. Facilitar o acesso dos cidadãos aos serviços de saúde;

2. Criar uma rede de telemedicina;

3. Modernizar o planeamento e a prevenção na saúde;

4. Criar uma rede de serviços de emergência.

Nesta área desenvolveu-se o “SAÚDE-NET – Rede para integração de Serviços de Saúde”.

Área de Intervenção 6: Solidariedade Social

1. Introduzir as TIC ao nível das instituições de solidariedade social;

2. Promover a produção de conteúdos multimédia adaptados aos cidadãos com

necessidades especiais;

3. Criar centros de apoio remoto para pessoas com necessidades especiais;

4. Flexibilizar os sistemas da SI;

5. Promover a modernização do sistema de segurança social;

254

Page 256: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

6. Promover a integração na comunidade dos grupos socialmente desfavorecidos.

Nesta área realizou-se a “RESEA – Rede de Serviços da APPACDM”; “IST – Integração Social

por Tele-trabalho”; “NET ALIMENTAR – Rede do Banco Alimentar Contra Fome em Aveiro-

IPSS” e “MEU – Mobilidade no Espaço Urbano”.

Área de Intervenção 7: Tecido Produtivo

1. Dinamizar as indústrias dos conteúdos, do software e do audiovisual;

2. Dinamizar a utilização das TIC pelo tecido produtivo;

3. Dinamizar o comércio electrónico no tecido produtivo;

4. Estimular a competitividade e a capacidade de internacionalização do tecido

produtivo;

5. Promover a modernização do Porto de Aveiro Meta;

6. Dinamizar o mercado de trabalho;

7. Promover o comércio e os serviços locais.

Nesta área efectivou-se os projectos “SICATE – Sistema de Informação e Comunicação de

Apoio ao Tecido Empresarial”; “DIGITALDOCKS – Infraestruturas de

Comunicações/Serviços”; “ÍNDIAS – Rota das Índias”; “EABL.NET – Suporte Digital de

Informação Pecuária”; “FORMVIRTUAL – Formação à distância na Cidade Digital”;

“AVEIROMEGASTORE – Comércio On-Line”.

Área de Intervenção 8: Informação, Cultura e Lazer

1. Capacitar os média para a SI;

2. Apoiar as associações culturais e as colectividades de cultura, desporto e recreio;

3. Promover o desenvolvimento de mediatecas e de bibliotecas digitais;

4. Promover a divulgação turística e de acontecimentos públicos;

5. Promover a realização de acontecimentos sociais virtuais.

Por fim, nesta área efectuaram-se as iniciativas “A.N.M. – Aveiro – Net Média”; “O.A.D.G.V. –

Oficina de Artes Digitais – Galeria Virtual”; “ORQUITAL – Orquestra Digital”; “AVEIRANA

– História e Cultura da Cidade de Aveiro”; “CAMARINHA – Reserva Natural de S. Jacinto

ONLINE”; “SMART TV – Ilha experimental de Serviços de "Televisão Interactiva"”; “NET

MOLICEIRO – Net Moliceiro – Rede da Associação dos Amigos da Ria e do Barco Moliceiro”;

255

Page 257: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

“RAP-HITS – Rádio a pedido – Mega Hits na net”; “CIBERDANÇA – Companhia de Dança de

Aveiro” e o “CEM – Criação e Edição de Conteúdos Multimédia”.

De acordo com o relatório final do projecto, a sociedade civil e as entidades públicas e privadas

da cidade responderam dinamicamente, através da execução de 38 projectos, no valor global de

1 milhão e 120 mil contos e com uma comparticipação financeira global de 61% no valor de

731.583 contos. Os 38 projectos realizados cobriram todas as Áreas de Intervenção. No entanto,

a distribuição orçamental elegeu algumas áreas, nomeadamente a 7, 2, 1 e 3, ou seja, Tecido

Produtivo, Autarquia e Serviços de Âmbito Concelhio, Construindo a Comunidade Digital e

Escola e Comunidade Educativa respectivamente (ver figura seguinte). Os indicadores de

execução ultrapassaram largamente os números planeados, o que evidencia o sucesso do

projecto, mas igualmente a necessidade da sua continuidade (ver quadro seguinte).633

Figura 19 – Distribuição Orçamental por Áreas de Intervenção

Fonte: Coordenação do PACD, Relatório Global da 1ª Fase do Programa Aveiro Cidade Digital.

Quadro 22 – Planeado e Realizado no PACD 1998-2000Orçamento N.º de utilizadores N.º Serviços N.º Sites N.º de Cd- N.º de PC`s

633 Idem, pp. 105-105. 256

Page 258: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Planeado directos planeados Planeados Planeados Roms

Planeados

Planeados

1.192.327

c.

311+200

(formação)

55 28 6 315

Orçamento

Realizado

N.º de utilizadores

directos realizados

N.º Serviços

Realizados

N.º Sites

Realizados

N.º de Cd-

Roms

Realizados

N.º de PC`s

Realizados

1.121.054

c.

2614+4700/mês

(Montra ACD) +

567 (formação).

73 32 8 446

Fonte: Coordenação do PACD, Relatório Global da 1ª Fase do Programa Aveiro Cidade Digital, 1998-2000.

Portanto, “O progresso é visível e mensurável em muitas Metas do programa, mas também é

certo que, dum modo cabal e pleno, são ainda poucas as situações de impacto directo e

comprovado na modernização dos processos e na oferta de serviços úteis aos cidadãos…A

dimensão temporal dos projectos amputou, aqueles que se propõem alterar processos

organizacionais, da sua fase de operação e validação experimental … Por outro lado, Metas há

que não foram objecto de qualquer investimento…embora confirmando-se como fundamentais à

construção do conceito de Cidade Digital”634. Contudo, o ciclo de financiamento completo era

inicialmente de oito anos, com a primeira fase a começar em Fevereiro de 1998 e terminar em

Dezembro de 2000, totalizando um investimento de 5.590.000€. A segunda fase, que estava

originalmente planeada para Janeiro de 2001, apenas se iniciou em Dezembro de 2003. 635

3. A Região Digital (2003-2006)

Nesta nova fase, o Aveiro Digital passa a ser uma região digital agrupando onze municípios,

nomeadamente Águeda, Albergaria-a-Velha, Aveiro, Estarreja, Ílhavo, Mira, Murtosa, Oliveira 634 Idem, p. 105.635 Câmara Municipal de Aveiro, Universidade de Aveiro, Portugal Telecom S.A.Programa Aveiro – Cidade Digital”, 1998, www.aveiro-digital.pt; Equipa de Coordenação de Aveiro Cidade Digital, Relatório Global da 1ª Fase do Programa Aveiro Cidade Digital 1998-2000, 2001, www.aveiro-digital.pt.

257

Page 259: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

do Bairro, Ovar, Sever do Vouga e Vagos. Assim, o Programa Aveiro Digital 2003-2006

(www.aveiro-digital.pt) assume-se como um motor do desenvolvimento social, económico e

cultural, perspectivando a modernização dos serviços e a qualificação das pessoas na região da

Associação de Municípios da Ria. Com efeito, “Esta abrangência geográfica permite ainda uma

maior partilha de serviços e soluções, facilitando a difusão de processos e práticas por um vasto

conjunto de agentes do desenvolvimento regional, expandindo o impacto dos investimentos e

propiciando o efeito multiplicativo”636. Esta nova etapa foi homologada em Fevereiro de 2003,

contando com um custo total aprovado de 22.007.993€ e uma comparticipação comunitária de

9.458.866,44€.637 A sua gestão é conjuntamente efectuada pela AAD – Associação Aveiro

Digital e da AMRIA – Associação de Municípios da Ria. A sua execução assenta na

contratualização dos projectos seleccionados através de Concursos Públicos, apresentados pelas

entidades adequadas e beneficiárias em cada Área de Intervenção.638

Desta forma, enumeram-se oito áreas de intervenção (e respectivos projectos) ligadas aos

sectores de actividade e segmentos da população representativos da Comunidade Regional,

última Beneficiária do Programa e respectivos planos e indicadores:

AI1: Comunidade Digital

1. Espaços Internet Aveiro Digital na AMRia;

2. Serviços Básicos Aveiro Digital;

3. Gestão e Coordenação do Programa Aveiro Digital;

4. Marketing e Promoção para Ganhar a Massificação;

5. Aprender e Partilhar Aveiro Digital;

6. Serviço de Certificação em Competências Básicas nas TIC.

AI2: Autarquias e Serviços Concelhios

1. Sistema de Informação Cadastral de Vagos, Ílhavo e Mira;

2. Sistema de Informação Geográfica (SIG) para os municípios da Ria;

3. Gestão Ambiental na Região da Ria;

4. Mobilidade na Região da Ria de Aveiro;

5. Segurança na Região da Ria de Aveiro;

6. AEI Digital;

7. Serviços Autárquicos Locais – On-line;

636 Comissão de Execução Aveiro Digital (CEAD), Programa Aveiro Digital 2003-2006, 2003, p. 4.637 Quadro de Orçamento em anexo.638 Idem, pp. 4-5.

258

Page 260: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

8. Sever Município Digital;

9. Vagos Município Digital;

10. Ria-on-line.

AI3: Escolas e Comunidades Educativas

1. Escolas da Ria;

2. Curricula Digital de Português e Matemática;

3. Serviços de Formação à Distância e Portal do Professor;

4. Conselho Municipal de Educação em Rede;

5. Rede Intermunicipal de Apoio à Educação.

AI4: Universidade e Comunidade Universitária

1. e-UAProcurement;

2. Sistema Integrado de Tele-trabalho da UA;

3. Sistema de Contacto e Interacção com a UA;

4. Sistema Integrado para Bibliotecas e Arquivos Digitais;

5. NARTURAL: Natureza e Arte;

6. Rede de Aprendizagem Interactiva.

AI5: Serviços de Saúde

1. Rede Digital de Saúde da Ria;

2. Rede Telemática da Saúde.

AI6: Solidariedade Social

1. Sistema de Apoio às

Instituições de Solidariedade Social;

2. Conteúdos Pedagógicos

Acessíveis;

3. Serviço de Apoio

Domiciliário – SOS;

4. Portal para Todos;

5. Inclusão Social na

Sociedade da Informação.

259

Page 261: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

AI7: Tecido Produtivo

1. GeoInvest Marketing;

2. Tecnologias de Informação e Comunicação para Disponibilização de Serviços na

Região de Turismo Rota da Luz;

3. GeoInvest – Dinamização de Zonas Industriais de Nova Geração;

4. Abril Século XXI;

5. As TIC e o Melhoramento Genético dos Bovinos Leiteiros;

6. IntraNet....ual;

7. Estorágueda Global;

8. FIG – Fábrica de Plásticos em Rede;

9. Gestão Documental e de Processos via Web;

10. Inovortal;

11. Produtividade sem Papel;

12. Onda Vídeo – Webização dos Sistemas/Serviços;

13. Rede de Empreendedores Digitais de Aveiro;

14. Gestão de Processo e Expedição;

15. Sistemas de Informação do Porto de Aveiro;

16. Serviço Melhoramento Inseminação Artificial;

17. Aproximação Cliente;

18. Abimota Digital;

19. Sistema Integrado de Informação para Atletismo;

20. Braxen – Antecipando o Futuro;

21. Caderno Digital;

22. Comunicação e Imagem na Web;

23. 5ª Potência Digital – Um Passo para o Futuro;

24. Sistema de Informação HFA;

25. Extranet de Gestão de Produção para Clientes;

26. A Webização do Diagnóstico à Gestão da Formação;

27. Uma Imagem do Século XXI;

28. Janeves – Um Futuro Digital;

29. Sistema Integrado de Informação da Semiar;

30. Sistemas de Informação da Ponto C;

31. Gestão Integrada de Processos e Clientes da VLM Consultores.

260

Page 262: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

AI8: Informação, Cultura e Lazer

1. Biblioteca Digital dos Municípios da Ria;

2. Informatização, Digitalização e Produção de Conteúdos do Museu Marítimo de

Ílhavo;

3. Museu Egas Moniz Digital;

4. Juiz de P@z;

5. Rumos Cruzados/Esteios;

6. Sistema de Gestão de Recintos Desportivos;

7. Academia de Artes Digitais;

8. Plataforma de Informação através de RDS;

9. Associações Digitais da Ria de Aveiro;

10. Aveiro Associativo Digital;

11. Portal On-line Multimédia da Academia De Aveiro. 639

No que concerne o modelo de gestão, execução e avaliação, as entidades promotoras são a

Administração da Associação Aveiro Digital e a Administração da Associação de Municípios da

Ria, que constituíram uma Comissão Executiva, a quem compete a coordenação geral do

projecto, a sua representação e a sua gestão estratégica, tal como, a orientação metodológica e

operacional para a execução dos projectos ligados à Área de Intervenção 1, isto é, à

Comunidade Digital, área de alavancagem por excelência do projecto. A direcção operacional

dos projectos das restantes Áreas de Intervenção é da responsabilidade dos agentes respectivos,

que através de Concurso Público, se comprometem pela sua execução perante a Comissão

Executiva do Programa Aveiro Digital. É ainda contemplado, neste modelo, um sistema de

avaliação e auditoria externa.640

No programa do projecto são reiterados, além deste modelo, elementos fundamentais como a

sustentabilidade. Neste elemento, é frisado que a essência dos projectos propostos por Área de

Intervenção, se direccionam especialmente ao desenvolvimento de backOffices e à

informatização dos serviços, contribuindo para a eficiência e modernização das organizações.

Assim, os objectivos expectáveis são demonstrados pela redução de despesas, e pelo aumento

das receitas. Contudo, as Áreas de Intervenção “Comunidade Digital “ e “Solidariedade Social”

afectam investimentos que vão contribuir para qualificar a comunidade, quer pelo acesso

universal aos serviços e à informação, quer pela aplicação das TIC para a construção de uma

639 http://www.aveiro-digital.pt/default.asp?func=2 640 Idem, p. 31.

261

Page 263: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

sociedade mais solidária e inclusiva. Deste modo, tal como evidenciado pelo própria Comissão,

nestas áreas os impactos dos investimentos implicam uma avaliação de médio e longo prazo.641

O programa é financiado através do POSI (agora POSC) por três medidas, nomeadamente

Medida 1.1 – Competências Básicas, Medida 2.3: Projectos Integrados: das Cidades Digitais ao

Portugal Digital e Medida 2.4: Acções Integradas de Formação. Para obter uma visão integrada

das três medidas, formulou-se um modelo para o Plano Técnico e Financeiro, que funciona

como uma referência base para as candidaturas e que depois da aprovação dos projectos, se

impõe como compromisso de execução de cada projecto, onde se demonstram respectivamente

resultados e orçamentos contractualizados com a CEAD. Este Plano possui quatro tarefas,

concretamente gestão, concertação, avaliação e formação.642

Como indicado no relatório de actividades de 2004, relativamente à Medida 1.1, a Certificação

em Competências Básicas em TIC (CCBTIC) é um dos elementos basilares do projecto. Assim,

é evidenciado o objectivo de se alcançar 45 000 certificações em competências básicas (a

residentes na região da AMRia). Os 72 projectos aprovados têm o compromisso de certificar

25.272 pessoas (direccionado para o segmento da população de cada uma das 7 Áreas de

Intervenção), cabendo à CEAD a responsabilidade de executar as restantes, através das

Iniciativas Horizontais planeadas para toda a Região da AMRia e baseada nos 11 Espaços

Internet Municipais. De acordo com o relatório, no último trimestre de 2004, dos 72 projectos

verticais, 40 tinham alcançado a fase de execução da formação e certificações, prevendo-se que

os restantes o atingissem no segundo semestre de 2005. Quanto à Medida 2.3, o relatório prova

que no último trimestre de 2004, se contabilizavam 78 projectos que envolviam 223 Entidades

Beneficiárias, executando 25% do orçamento total do Aveiro Digital. Nestas duas Medidas,

incluem-se os Espaços Internet (neste ano encontravam-se em funcionamento 11 EI, registando-

se 35 200 utilizadores). No que diz respeito à Medida 2.4, a Formação é reiterada como parte

integrante do sistema de qualificação das organizações, sendo da responsabilidade dos 72

projectos aprovados neste âmbito a formação de 20 026 formandos. A situação dos 72 projectos

é já testemunhada nas conclusões da Medida 1.1. 643

No relatório de actividades de 2005, na Medida 1.1 actualiza-se o número de projectos

aprovados, ou seja, 71 a quem cabe a certificação de 25.491 pessoas. Na Área de Intervenção 1, 641 Idem, p. 32.642 Comissão de Execução Aveiro Digital (CEAD), Relatório de Actividades 2004 do Programa Aveiro Digital 2003-2006, 2005, pp. 6-7.643 Idem, pp. 17-145.

262

Page 264: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

cabe à CEAD 19.509 certificações, realizadas através das iniciativas dos Espaços Internet

Municipais e das Entidades Beneficiárias credenciadas pela CEAD para a CCBTIC. Durante

2005 foram executadas 10 487 CCBTIC.644 Quanto à Medida 2.3, demonstra-se um significativo

nível de execução técnica e financeira, pois no final de 2005, despendeu-se 61% do orçamento

total, com 77 projectos e 303 Entidades Beneficiárias.645 Nestas duas Medidas integram-se,

como já referido anteriormente, os Espaços Internet, que em 2005, eram 91, isto é, 79 EIAD de

freguesia, 11 EI municipais e mais um espaço que aderiu durante este ano, ou seja, o EIAD da

área militar de São Jacinto. Contabilizaram-se 68 007 utilizadores dos EI. Por fim, na Medida

2.4, totalizam-se 71 projectos e 16 626 formandos. No último trimestre de 2005, 24 projectos

iniciaram a formação, prevendo-se que os restantes o efectuassem no primeiro semestre de

2006. Até ao final de 2005, tinham sido ministradas 144 acções de formação, qualificando 2 089

indivíduos, através de 20 222 horas em Serviços e Aplicações e 16 845 horas de formação em

TIC. 646 Assim, de forma geral, as metas têm sido notoriamente alcançadas, perspectivando-se a

concretização de todos os objectivos propostos pelo programa.

Figura 20 – Aveiro Digital (www.aveiro-digital.pt)

No que concerne os serviços básicos disponibilizados no sítio electrónico www.aveiro-digital.pt,

o seu objectivo é “facilitar o acesso a serviços de Internet de forma livre, gratuita e fiável ao

público geral, às famílias, aos utilizadores dos Espaços Internet Aveiro Digital, às escolas e às 644 Comissão de Execução Aveiro Digital (CEAD), Relatório de Actividades 2005 do Programa Aveiro Digital 2003-2006, 2006, p. 24.645 Idem, p. 129.646 Idem, p. 180.

263

Page 265: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

associações culturais, recreativas e sociais”647. Assim, em termos de conteúdos, o site desta

região digital:

Apresenta e divulga todas as actividades desenvolvidas, destacando-se o suporte às

diversas iniciativas;

Difunde a lista de EIAD (Espaços Internet Aveiro Digital);

Permite o acesso ao Sistema de Gestão dos Espaços Internet Aveiro Digital (GEIAD);

Permite o acesso à Gestão e Coordenação do Programa Aveiro Digital (GCAD) que

disponibiliza uma lista de endereços electrónicos; serviços de chat moderado, baseado

num servidor de IRC, onde se debatem as temáticas relacionadas com as Áreas de

Intervenção; serviço “O que é que a Internet tem para si?” de acordo com os diferentes

segmentos;

Permite o acesso ao SAVAD (Sistema de Acompanhamento e Avaliação Aveiro Digital);

Divulga um conjunto de eventos, acontecimentos, notícias e iniciativas do programa e

dos projectos publicados on-line pelo MARKAD (Marketing e Promoção para Ganhar

Massificação), a um acervo de documentos relevantes no âmbito do projecto, colocados

e actualizados pelo APAD (Aprender e Partilhar Aveiro Digital);

Disponibiliza a serviços.net, ou seja, a uma extranet (www.aveiro-digital.net) que

oferece serviços de páginas pessoais e de correio electrónico com a extensão @aveiro-

digital.net com 10MB. Para promover a utilização massiva destes serviços realizou-se

uma sistemática monitorização e disponibilizou-se um help-desk para responder em

tempo útil às dúvidas dos utilizadores.648

O sítio electrónico www.aveiro-digital.pt totalizou em 2004, uma média de 172 mil acessos por

mês e os serviços básicos www.aveiro-digital.net contabilizaram 498 páginas pessoais, o que

indica um aumento de 32% relativamente a 2003, e 6992 caixas de correio electrónico.649 Em

2005, o portal AD contabilizou 73 mil acessos por mês, e em Dezembro deste ano, estavam

alojados nos serviços www.aveiro-digital.net 491 páginas pessoais e 7968 caixas de correio

electrónico com utilização regular, o que representa um acréscimo de 847 caixas de correio

electrónico em relação a 2004.650

647 Idem, p. 45.648 Comissão de Execução Aveiro Digital (CEAD), Relatório de Actividades 2005 do Programa Aveiro Digital 2003-2006, 2006, p. 49.649 Comissão de Execução Aveiro Digital (CEAD), Relatório de Actividades 2004 do Programa Aveiro Digital 2003-2006, 2005, p. 43.650 Comissão de Execução Aveiro Digital (CEAD), Relatório de Actividades 2005 do Programa Aveiro Digital 2003-2006, 2006, pp. 41-48.

264

Page 266: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Figura 21 – Serviços Básicos do Aveiro Digital

www.aveiro-digital.net

Com o intuito de complementar esta informação, introduzimos as respostas obtidas nas

entrevistas realizadas a dois elementos da CEAD, nomeadamente à Eng.ª Lusitana Fonseca e ao

Prof. Doutor José Rafael. Interrogando sobre os elementos mais importantes do Aveiro Digital,

Lusitana Fonseca refere “A Geografia e o Modelo de Execução: um Desafio aos Agentes do

Desenvolvimento Regional” e “Os Projectos em Curso: uma Dinâmica Social Confiante e

Alargada”. A este propósito, José Rafael enfatiza a qualificação do tecido económico e social,

mas também o modelo. Isto porque, “Neste modelo, os fornecedores não são candidatos, isto é,

não executam os projectos. As entidades que beneficiam do projecto são os próprios cidadãos

que apresentaram iniciativas e as executam. São as próprias entidades que desenvolvem estes

projectos. A longo prazo é preciso procurar a sustentabilidade financeira e daí a importância da

qualificação. Nas outras cidades digitais há um entidade promotora que gere todo o projecto, no

Aveiro temos a Comissão Executiva do Aveiro Digital, que apenas executa a área 1, a área dos

serviços básicos, supervisionando as restantes sete áreas. Assim, este nosso modelo promove a

contribuição dos cidadãos na própria definição do paradigma, sendo simultaneamente motivador

e mobilizador.”

Considerando os objectivos do Aveiro Digital, Lusitana Fonseca reforça a qualificação das

pessoas e das organizações na região da AMRia. José Rafael realiza uma avaliação da

concretização desses objectivos e refere que o primeiro ano foi difícil em termos de definição de

execução, de candidatura, de transição de governo e do contexto do país; 2004 foi um ano de

execução e de início; 2005 foi o ano de consolidação do projecto e 2006 evidenciará esta total

265

Page 267: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

realização. Quanto aos utilizadores da região digital, Lusitana Fonseca sublinha que “O

Programa contempla 77 Projectos, agregados por 8 Áreas de Intervenção, envolvendo 303

Entidades Beneficiárias associadas aos sectores de actividade e segmentos da população,

representativos de toda a Região onde habitam 350.000 pessoas, últimas Beneficiária do

Programa. Os investimentos Aveiro Digital vão contribuir directamente para qualificar as

pessoas e os serviços na Região e os métodos de gestão e de trabalho onde participam 560

pessoas, com um volume de trabalho de 4195 HM vão ter um significativo impacto nas

organizações envolvidas.”

José Rafael frisa que os utilizadores do Aveiro Digital são todos os cidadãos ou potencialmente

todos, na medida em que, “Primeiro, há uma área transversal, a comunidade digital, onde se

inserem os Espaços Internet, que são de facto para todos. Do ponto de vista de cobertura

geográfica, temos 95 espaços, que alcançam todo o território. Depois, todos podem aceder à

Internet, criar uma conta de correio electrónico. Nós fornecemos e promovemos todos estes

serviços básicos. Temos áreas de intervenção que abrangem grande parte do tecido social e

produtivo da região, executadas pelas entidades beneficiárias. Portanto, desta forma, atingimos

todo o espectro da nossa comunidade.” Reforça ainda que “Parece-me que muitas pessoas dão

um valor que não é real a coisas como a serviços com a utilização de SIGs, etc., o impacto que

isto tem na população em geral é reduzido, porque só vão utilizar estes serviços, os arquitectos e

os engenheiros. Estes são uma minoria, na população. Claro que, as cidades digital devem ter

projectos mais técnicos, mas isso deve ser complementado com iniciativas que cheguem a toda a

população, que sejam úteis para todo o cidadão.”

Relativamente à formação de comunidades virtuais, Lusitana Fonseca aponta para a existência

de um conjunto relevante de comunidades virtuais “formalmente explícitas nos Planos técnicos

e financeiros dos Projectos integrados na Área de Intervenção 3: Educação e Comunidades

Educativas, Área de Intervenção 5: Serviços de Saúde, Área de Intervenção 6: Solidariedade

Social e na Área de Intervenção 8: Informação cultura e Lazer. Complementarmente e integrado

na Área de Intervenção 1: Comunidade Digital há um projecto de investimento em serviços

básicos que estimulam e favorecem a criação de muitas comunidades virtuais completamente

informais.”

No que diz respeito à importância desta região digital para o desenvolvimento económico e

social da região onde se insere, Lusitana Fonseca patenteia que “Tendo uma visão integrada e

266

Page 268: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

sistémica do desenvolvimento, considera-se que o Programa Aveiro Digital, dado os seus

impactos múltiplos na qualificação da Região e pela intervenção activa e alargada das Entidades

Beneficiárias, se confirma já como um dos motores de desenvolvimento regional.” Ilustra ainda

que os cidadãos poderão verificar os impactos através dos resultados concretos dos projectos,

tais como, o acesso público aos serviços via Espaços Internet, a inscrição das crianças nas

secretarias das escolas, a entrega de requerimentos camarários via Internet ou ainda o acesso

remoto a diagnósticos médicos especializados. Neste enquadramento, José Rafael reitera a

qualificação das pessoas e das organizações, a disponibilização de serviços que têm um impacto

directo na vida das pessoas e o investimento financeiro associado.

267

Page 269: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

C. GAIA GLOBAL E AVEIRO DIGITAL

Embora a dificuldade da comparabilidade das cidades digitais tenha já sido largamente aflorada,

encontramos algumas bases de comparação na matriz de Ishida. Desta forma, inserimos a

proposta do investigador japonês que nos permite de modo metódico contrapor as duas cidades,

tendo em consideração, quatro elementos, concretamente os objectivos, arquitectura, tecnologias

e organização. Por fim, inserimos ainda os elementos propostos por Aurigi, úteis para a

caracterização das cidades digitais.

Quadro 23 – Matriz Ishida Aplicada ao Gaia Global e ao Aveiro Digital

Com efeito, um dos objectivos primordiais do Gaia Global é criar uma estrutura de

intermediação de informação, entre quem procura e quem pretende oferecer informação, ligando

os cidadãos, o município e todos os agentes locais De acordo com Jorge Xavier, o projecto em

Gaia Global Aveiro Digital

Objectivo Infra-estrutura de Comunicação;Dinamização Regional;Modernização Autárquica.

Qualificar as pessoas e as organizações na Região da AMRia.

Arquitectura Ligada à cidade física: mapeamento da cidade digital segundo o seu modelo físico (praças);Modelo assente nas diversas etapas da vida do indivíduo.

Muito pouco ligada à região física;Plataforma que agrega serviços básicos em TIC (criação de contas de e-mail e páginas pessoais), informação regional e todos os projectos e entidades beneficiárias.

Tecnologia Convergência de tecnologias;Infra-estrutura digital assenta em três camadas, na primeira encontra-se o CRM, GIS e GC, na segunda plataforma os serviços, que envolve um conjunto de funcionalidades disponíveis para o desenvolvimento das aplicações da terceira camada, destinada aos cidadãos.

Infra-estrutura digital que permite criação de contas de e-mail e páginas pessoais;Acesso a sistemas de verificação e gestão do projecto.

Organização Nível de acompanhamento: Câmara Municipal de Gaia;Nível de coordenação e gestão: Energaia, Agência de Energia de Gaia;Comité Consultivo.

Associação Aveiro Digital e Associação de Municípios da Ria (Governo local, Universidade e empresas),Comissão de Execução Aveiro Digital.

268

Page 270: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

análise aproxima-se do modelo de Amesterdão e de Quioto. No entanto, como frisa o autor, o

Gaia Global distingue-se do primeiro, uma vez que é claramente mais centrado no território e na

sua identidade, e do segundo, pois não tem como intuito financiar uma infra-estrutura de

informação social para o apoio ao dia-a-dia dos cidadãos, mas antes disponibilizar os meios e as

plataformas para que a própria sociedade o realize.651 Não deixa, no entanto, de ser um suporte à

vida quotidiana dos seus cidadãos. Assim, a importância do conjunto de sítios electrónicos desta

cidade digital, da informação e dos serviços disponibilizados, são expressivamente

evidenciados. A dinamização regional, que corresponde à produção de conteúdos, aplicações e

acções para dinamizar a região numa perspectiva da Sociedade da Informação e a modernização

autárquica, que assenta na definição de um novo modelo de funcionamento das autarquias com

o digital, são também metas essenciais desta iniciativa. Todos estes objectivos estão

direccionados para o cidadão. São efectuados para ele, mas também se pretende que estes

participem na definição e evolução da própria cidade digital.

No que diz respeito, ao Aveiro Digital, o seu principal objectivo é qualificar as pessoas e as

organizações na região da AMRia. Desta forma, o projecto contempla 77 projectos que

envolvem 303 entidades beneficiárias representativas de toda a região, onde vivem 350 000

pessoas. Portanto, o financiamento é dirigido para qualificar os habitantes, os serviços e os

métodos de trabalho nesta região. A Comissão de Execução Aveiro Digital (CEAD) executa a

área de Intervenção I, relativa à disponibilização de serviços básicos (criação de contas de e-

mail, Espaços Internet, etc.), e supervisiona as restantes áreas. Assim, as remanescentes sete

áreas são dinamizadas por projectos apresentados pelos cidadãos/organizações da região.

Portanto, o Aveiro Digital é essencialmente construído pelos próprios cidadãos.

Quanto à arquitectura do Gaia Global, esta parte da representação da cidade real, ou seja,

empreendeu-se um mapeamento da cidade digital segundo o seu modelo físico, visível na

estrutura das praças demonstrada anteriormente. Portanto, o território é fundamental para o

design, definição e organização do Gaia Global. A arquitectura é ainda orientada para as

necessidades do cidadão, na medida em que, se baseia num modelo orientado em torno de

eventos da vida, nomeadamente os menus “Viver”, “Visitar”, ”Aprender” e “Negócios” que

disponibilizam indicações úteis. Assim, esta arquitectura é pensada, para que o cidadão alcance

de modo mais rápido e simples o que procura, possuindo os meios para satisfazer as suas

necessidades. Simultaneamente, este modelo considera uma estrutura de intermediação para que

651 Jorge Xavier, op. Cit., p. 88.269

Page 271: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

os distintos parceiros do projecto, possam disponibilizar informação e serviços. A arquitectura

do Aveiro Digital, em termos de sítio electrónico, não se encontra muito ligada à região física,

ou seja, o seu design digital não corresponde à representação física da região. O portal agrega

disponibilização de serviços básicos em TIC, informação regional e todos os projectos e

entidades beneficiárias.

Considerando a tecnologia, o Gaia Global assenta numa convergência de tecnologias, possuindo

uma infra-estrutura digital assente em três camadas, na primeira encontra-se a Gestão do

Relacionamento com Cidadão (CRM), Sistemas de Informação Geográfica (SIG) e Gestão de

Conteúdos (GC); na segunda plataforma os serviços, que envolve um conjunto de

funcionalidades disponíveis para o desenvolvimento das aplicações da terceira camada,

destinada aos cidadãos. O Aveiro Digital possui uma infra-estrutura digital, onde disponibiliza a

informação regional e sobre o projecto, e onde se acede a sistemas de verificação e

acompanhamento, nomeadamente o Sistema de Gestão dos Espaços Internet Aveiro Digital

(GEIAD); a Gestão e Coordenação do Programa Aveiro Digital (GCAD) e o Sistema de

Acompanhamento e Verificação Aveiro Digital (SAVAD). Todas as candidaturas dos projectos

são efectuadas na plataforma digital, tal como, os relatórios de progresso e a divulgação dos

resultados dos mesmos. O Aveiro Digital tem ainda uma extranet (www.aveiro-digital.net), que

permite a criação de contas de e-mail e outros serviços básicos.

Por fim, na organização, o Gaia Global evidencia um nível de acompanhamento realizado pela

Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia; um nível de coordenação e gestão, da

responsabilidade da Energaia, Agência de Energia de Gaia e ainda um nível de “consultadoria”,

ou seja, possuem também um comité consultivo que apoia, sempre que necessário, a execução

do projecto. O Aveiro Digital nasce da cooperação entre o governo local, a Universidade e

empresas, como a PT. Assim, a sua organização é da responsabilidade da Associação Aveiro

Digital e da Associação de Municípios da Ria, que criaram uma Comissão de Execução Aveiro

Digital, que coordena e gere todo o projecto.

É ainda importante, como referido anteriormente, completar esta matriz com os quatro

elementos de Aurigi, já definidos na tipologia das cidades digitais:

Posse , a propriedade das cidades digitais analisadas corresponde à “organização” de

Ishida;

270

Page 272: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Nível de informação e serviços, que varia entre o Gaia Global e Aveiro Digital,

contudo, em termos globais, o Gaia Global evidencia um nível mais elevado de

informação e serviços disponíveis on-line;

Acesso social e participação, que alcançam uma maior visibilidade no Aveiro Digital;

Enraizamento , ou seja, a relação com a cidade hospedeira é patente nos dois projectos,

sobretudo no que diz respeito aos conteúdos e acções, embora em termos digitais (de

representação), seja apenas notório no Gaia Global.

Deste modo, abordando os três tipos de cidades digitais clarificados por Aurigi, nomeadamente

a informativa, a participativa e a enraizada, observamos que a cidade e a região digital

analisadas inserem-se em cada um destes tipos, embora evidentemente, com diferentes graus.

Assim, de modo sintético, o Gaia Global e o Aveiro Digital evidenciam algumas semelhanças:

têm como missão dinamizar a região, modernizar a autarquia e as instituições locais, mobilizar

para a Sociedade da Informação e combater a info-exclusão, mas distanciam-se em inúmeros

aspectos, nomeadamente nos objectivos principais e na própria definição, arquitectura e

execução da cidade/região digital. O Gaia Global criou um conjunto de sítios electrónicos, uma

rede digital da cidade que possibilita ao seu cidadão aceder a um número extenso de informação

local, serviços municipais e locais e a uma plataforma de interacção e comunicação entre os

cidadãos, o governo local e as organizações do território. O Aveiro Digital baseia-se

essencialmente em projectos apresentados pelos cidadãos/organizações locais que visam a

qualificação e a certificação para a Sociedade da Informação. A sua plataforma digital introduz

a iniciativa; todos estes projectos; informação regional; mas também disponibiliza serviços

básicos (como a criação de contas de endereço electrónico e páginas pessoais) com o objectivo

de “facilitar o acesso a serviços de Internet de forma livre, gratuita e fiável ao público geral, às

famílias, aos utilizadores dos Espaços Internet Aveiro Digital (que agora são 91), às escolas e às

associações culturais, recreativas e sociais”652.

Os próprios utilizadores diferem nas duas iniciativas, uma vez que, no Gaia Global

correspondem a usuários generalistas e especialistas que acedem o portal (www.gaiaglobal.pt)

para verificar informação local e usufruir dos serviços on-line, enquanto no Aveiro Digital, os

utilizadores são particularmente e essencialmente os 77 Projectos, que envolvem 303 Entidades

Beneficiárias. É claro, que possui também utilizadores que acedem ao portal para consultarem

652 Comissão de Execução Aveiro Digital (CEAD), Relatório de Actividades 2005 do Programa Aveiro Digital 2003-2006, 2006, p .45.

271

Page 273: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

informação local, as suas caixas de e-mail/páginas pessoais criadas na extranet e os inúmeros

Espaços Internet. No Aveiro Digital, são estas entidades beneficiárias (cidadãos) que executam

a maioria dos projectos, no Gaia Global, os cidadãos e organizações podem contribuir para a

formulação da plataforma digital, deixando, por exemplo, sugestões, reclamações e colocando

formulários on-line para a criação de novos sócios. O projecto de uma assembleia digital é um

dos próximos objectivos desta cidade digital.

Quanto à importância da cidade e da região digital para o desenvolvimento económico e social

da região onde se inserem, introduzimos em seguida, um quadro que compara as respostas dadas

nas entrevistas realizadas pelos responsáveis destes projectos, que complementa toda a

informação anterior:

Quadro 24 – “Qual é o impacto do GG/AD para o desenvolvimento económico e social da cidade/região que representam?”

Joaquim Borges GouveiaGaia Global

Ângelo EstrelaGaia Global

José RafaelAveiro Digital

Lusitana FonsecaAveiro Digital

Gaia Global é uma marca, depois uma organização dos próprios serviços e da própria cidade.

Fundamental na digitalização reengenharia de processos e formação da cidade e dos seus cidadãos.

A modernização autárquica e o combate à info-exclusão (objectivos do Gaia Global) poderão ter um grande impacto para o território.

Qualificação das pessoas;

Disponibilização de serviços que têm um impacto directo na vida das pessoas;

Investimento no desenvolvimento económico regional;

Participação pública;

Actividades físicas que unem a comunidade.

O Programa Aveiro Digital dado os seus impactos múltiplos na qualificação da Região e pela intervenção activa e alargada das Entidades Beneficiárias é um dos motores de desenvolvimento regional;

Como resultados concretos dos projectos pode se indicar, por exemplo, o acesso público aos serviços via Espaços Internet, a inscrição das crianças nas secretarias das escolas, a entrega de requerimentos camarários via Internet ou ainda o acesso remoto a diagnósticos médicos especializados.

VI. CIDADES DIGITAIS E CIDADANIA

A. Resultados das Entrevistas

272

Page 274: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

A importância desta ligação tem sido evidenciada ao longo desta exposição. No capítulo anterior

demonstramos os objectivos e acções concretizadas pelos dois objectos de estudo neste sentido.

Com efeito, o nosso propósito basilar é precisamente perceber se as cidades digitais podem

complementar o exercício da cidadania. Assim, neste ponto que relaciona as cidades digitais

com a cidadania, importa introduzir os resultados das dez entrevistas realizadas (em anexo) a

especialistas nacionais e internacionais e a responsáveis pela cidade digital e pela região digital

seleccionada. As entrevistas foram quantificadas com categorias definidas a posteriori, sendo

continuamente aprofundadas qualitativamente. Nestas entrevistas semi-estruturadas são

incluídos elementos directamente relacionados com a prática da cidadania, nomeadamente a

intervenção, a discussão pública, a participação, a cultura e a comunidade numa perspectiva

local, mas também a importância da cidade digital para o desenvolvimento económico e social

da região onde se insere e iniciativas das cidades digitais para diminuir a info-exclusão.

Desta forma, analisando a questão “As Cidades Digitais satisfazem complementarmente

algumas necessidades sociais (interacção, identidade) e políticas (exercício da cidadania) dos

seus cidadãos?” verificamos que a maioria dos entrevistados (5) concorda com esta capacidade

das cidades digitais. Dois entrevistados referem que depende do modelo da cidade digital, dois

consideram que as cidades digitais são potenciais nestes sentido e outro que, neste momento,

muito pouco é concretizado neste sentido.

Gráfico 20 – “As Cidades Digitais satisfazem complementarmente algumas necessidades

sociais (interacção, identidade) e políticas (exercício da cidadania) dos seus cidadãos?”

N=10

Abordando os entrevistados que consideram que as cidades digitais satisfazem

complementarmente algumas necessidades sociais e políticas dos seus cidadãos, Linturi

evidencia que “It is clear that the perspective that a digital city adds can be very helpful in all

273

Page 275: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

these issues. Helsinki Arena 2000 provided clearly identity to many citizens of Helsinki. It

motivated people, affected legislation and included all people as subjects and creators in the

digital city instead of just actors in a play that someone else has created. This self organizing

attitude is common in the internet and in my kind of a digital city perspective, this kind of

democratic attitude is also allowed to spread.” Luís Borges Gouveia sublinha que as cidades

digitais têm que complementar esta satisfação, sobretudo porque a participação é fundamental

na componente do governo electrónico e nas sociedades em rede. Com efeito, “Como as

sociedades novas são muito baseadas em redes, na interacção e na aprendizagem, aquilo que

está à nossa volta tem um impacto directo e representa também um forte condicionalismo.” José

Rafael, do Aveiro Digital, frisa que “As Cidades e as Regiões Digitais devem ser dirigidas aos

cidadãos e portanto direccionadas para as suas necessidades.”

Quanto aos responsáveis do Gaia Global que também indicaram que as cidades digitais

satisfazem algumas necessidades apontadas, Joaquim Borges Gouveia alerta, no entanto, para o

facto de “Numa população esclarecida e na classe alta, provavelmente pode ter um impacto

maior (…) A questão está em como é que este tipo de interrogações podem diminuir a

percentagem, nas classes info-excluídas, o número de cidadãos sem acesso, transportando-os

para um grau de conhecimentos e competências superiores que lhes permitam ter uma melhor

integração social e até um melhor emprego no futuro.” Ângelo Estrela sublinha que “Em meios

urbanos, as cidades digitais podem, sem dúvida, facilitar essa satisfação, ou seja, determinadas

necessidades que o cidadão tem podem ser facilitadas no seu acesso através da cidade digital.

Por outro lado, permitem também que determinadas tarefas que o cidadão tem que fazer no seu

dia-a-dia, sejam feitas mais rapidamente através deste meio, o que lhe cria tempo adicional para

desempenhar outras tarefas que contribuam eficazmente para a sua qualidade de vida ou até para

desempenhar um papel mais activo no exercício da cidadania.”

Abordando os inquiridos que frisam que esta satisfação depende do modelo em questão, Sílvio

Zancheti demonstra que estas necessidades são satisfeitas pelas cidades digitais “que permitem

complementar os conhecimentos nas atividades de formação, sensibilização e na tomada de

decisões de responsabilidade tanto do governo local, organizações e instituições intermediárias,

como da sociedade civil no exercício de seus direitos e deveres para com a cidade que habitam. ”

Por sua vez, José Luiz Moutinho esclarece que “A cidade digital, conforme já mencionado

anteriormente, é uma construção social e pode (ou não) contribuir para a satisfação das

necessidades sociais e políticas dos seus cidadãos, depende da sua utilização e do contexto

274

Page 276: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

social e humano. Existem países, como por exemplo Burma, China e Irão653, onde as infra-

estruturas digitais são efectivamente utilizadas pelo Estado para limitar a criação de redes

sociais ou para controlar a participação política.”

Lusitana Fonseca justifica que esta potencialidade existe, pois “Ambientes sociais inclusivos e

qualificados estimulam a participação cívica e social. Se as cidades e regiões digitais atingirem

o objectivo maior da qualificação das pessoas e organizações será naturalmente expectável um

maior e mais activo exercício de cidadania.” Flávio Nunes refere que “Os projectos

desenvolvidos no âmbito das cidades digitais emergem da especificidade do contexto local,

deste modo, podem surgir aplicações telemáticas com a preocupação de atingir patamares mais

avançados de integração social, a título de exemplo refira-se a exploração das potencialidades da

informática e das telecomunicações para o desejado envelhecimento activo.”

Por fim, Alessandro Aurigi reitera que “It is not just that they can. Electronic communication

already does this, regardless of whether this is planned and ‘designed’ within an initiative, or

not. People use electronic communication, and interact (also) via mobile phones, internet etc.

As far as citizenship is concerned, the big issue is “what is citizenship?” in an era where

municipalities call citizens ‘clients’ and treat them as customers for certain services? I believe

that e-government, as it is conceived at the moment, can do very little for citizenship and

identity, whilst e-governance can.”

Na interrogação “As Cidades Digitais promovem o debate e a intervenção pública?” as respostas

dividem-se, sendo as opções “sim” e “depende do modelo” as mais escolhidas, como observável

na tabela:

Quadro 25

653 http://www.opennetinitiative.net/ 275

Page 277: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Gráfico 21 – “As Cidades Digitais promovem o debate e a intervenção pública?”

N=10

Iniciando pelos entrevistados que consideram que as cidades digitais promovem o debate e a

intervenção pública, Lusitana Fonseca demonstra que “Os instrumentos de participação cívica e

social já não são problema ou obstáculo ao debate e à intervenção pública. Estão generalizados e

acessíveis a todos os cidadãos.” Contudo frisa que o “Problema é a credibilidade dos processos

de participação pública e social, que só uma sociedade mais qualificada pode resolver.” Sílvio

Zancheti concorda, “sobretudo aquelas (cidades digitais) que são capazes de criar canais de

comunicação e negociação entre a administração municipal e os cidadãos; de promover a

formação de redes diversas (de sociabilidade, de negócios); que disponibilizam um espaço para

debate sobre a cidade e permitem a participação nas decisões na cidade (liberação e consulta).”

Flávio Nunes acrescenta ainda exemplos, “em alguns casos este conceito está associado a

ambientes urbanos virtuais, geralmente incluindo tecnologias 3-D de simulação da realidade,

que visam estimular e permitir a participação do cidadão no processo contínuo de planeamento

urbano. Nesta perspectiva o conceito de cidade digital pode ser entendido como uma

metodologia de planeamento participativo, destinada a fomentar níveis mais avançados de

envolvimento do cidadão com as opções tomadas ao nível do desenvolvimento urbano.”

“As Cidades Digitais promovem o debate e a intervenção pública?”

Entrevistados

Sim 3Não 1Muito Pouco 1Potenciais 2Depende do Modelo 3

276

Page 278: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Quanto aos especialistas que entendem que depende do modelo, Linturi reitera que depende do

modelo e da organização da cidade digital, mas remete-nos para a “ilusão da transparência” de

Bourdieu, pois “The former is the kind of participation you get from sheep and the other can be

the participation you get from wolves. Some people consider it democratic that once every four

years they elect a new dictator.” Jose Luiz Moutinho enfatiza que “O modelo de governo das

cidades é o principal aspecto crítico na criação de espaços de cidadania apropriados ao debate e

à participação pública, as cidades digitais são apenas extensões destes espaços.” José Rafael

refere que, de facto, depende do modelo, mas que “Um modelo como nós temos, ou seja, o do

Aveiro Digital é onde isso pode mais facilmente acontecer. O modelo que usamos promove mais

esta intervenção pública. Esta segunda fase do Aveiro digital lutou para que a participação

pública, ou seja, da comunidade fosse elevada. O facto de haver um programa que engloba as

iniciativas e projectos dos próprios cidadãos valoriza estes aspectos. Com esta abertura, numa

primeira fase aos públicos inerentes ao projecto e numa segunda fase ao público em geral, a

execução encontra-se aberta a todos. Com efeito, estamos num processo de construção de uma

Região Digital, que abrange um público cada vez maior, com passos sucessivos que nos

permitam uma discussão e intervenção pública progressivamente mais alargada, até ao nível da

própria utilização. Quanto mais é descentralizado o processo de formação do projecto, mais

promove a discussão. Esta é necessária, porque o projecto é para o cidadão, logo só ele sabe o

que precisa, não vamos decidir por ele. Daí a importância da sua participação.”

Alessandro Aurigi demonstra que esta promoção do debate e da intervenção pública é muito

reduzida, sobretudo devido a perspectivas baseadas no determinismo tecnológico, “Current

examples and experiments? Very little. There is very little evidence that public discourse and

participation is properly supported and encouraged by most ‘digital city’ experiments around

Europe and beyond. This is mainly because in the majority of cases, the approach towards these

issues has been very technocratic and deterministic, thinking naively that a few

computers/websites would solve a problem which is indeed very big.”

Joaquim Borges Gouveia sublinha esta potencialidade, enfatizando o nível embrionário dos

projectos. Ângelo Estrela reitera o potencial de criação de meios que facultem um maior debate

e a intervenção pública, mas alerta para o facto de “Ter meios que permitam facilitar essa

cidadania não representa por si só o aumento da participação.”

277

Page 279: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Luís Borges Gouveia clarifica que esta promoção do debate e da intervenção pública não cabe à

tecnologia “Não é pelo facto de termos telemóveis, que os usamos para discutir coisas com

conteúdo. Provavelmente quem passa a vida a conversar sobre coisa nenhuma tem agora um

meio mais interessante de o fazer.”

Na questão “As Cidades Digitais são espaços de cidadania?” a maioria dos inquiridos (6)

responde afirmativamente. É ainda de notar que a opção que evidencia que são potenciais neste

âmbito obtém três respostas.

Gráfico 22 – “As Cidades Digitais são espaços de cidadania?”

N=10

Introduzindo os entrevistados que responderam afirmativamente a esta questão, Linturi

esclarece que “A digital city certainly contains spaces of citizenry. It should be that remote

citizenry is also possible. A citizen in a digital city should not always be required to be a citizen

of the physical city as the digital city is an extension. And you must separate between citizens

and tourists or guests if you allow for democratic rights.” Luís Borges Gouveia frisa que as

cidades digitais representam mais uma oportunidade de interacção. “E cidadania, na minha

maneira de ver, passa muito pela interacção, pela consciência que cada um de nós tem que

quando sai de casa e falou com os outros e interagiu com os outros ganhou alguma coisa no

processo, aprendeu, passando também a ideia da comunidade. Numa sociedade, muito

dificilmente haverá exemplos de cidadania, até porque há interesses. Numa comunidade, pode e

deve existir exemplos de cidadania, porque esse é o registo. A cidade digital é claramente um

espaço de aprendizagem, essencialmente se for feita com as pessoas.”

Neste seguimento, Joaquim Borges Gouveia frisa que “Tem que ser criado um espaço sempre de

debate entre as pessoas; entre as pessoas e as instituições; estas e os políticos. De alguma forma,

278

Page 280: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

isto tem sido feito através dos chats e dos e-mails. Mas, acho que tem que ser algo mais visível.

Uma das nossas questões, quando o projecto chegar a seu tempo, é a criação de uma Assembleia

Municipal Digital, que será presidida por uma figura de relevo da Sociedade local, mas em que

o Presidente da Câmara também deverá ter um papel fundamental. Todos os grupos sociais e

pessoas que representam Vila Nova de Gaia vão estar presentes.” Ângelo Estrela reitera que esta

“oportunidade tem que ser promovida e trabalhada pelas pessoas que organizam a cidade digital,

olhando para a questão da cidadania como uma questão social e não meramente de

disponibilização de ferramentas para a sua promoção.” José Rafael reitera que as cidades

digitais só podem ser espaços de cidadania. Flávio Nunes patenteia que “Reconhecendo que a

cidadania tem como pressuposto uma vivência política activa em comunidade, reveste-se por

isso de uma dimensão de inclusão/exclusão consoante o nível de envolvimento do cidadão e da

sua participação na vida comunitária urbana. As cidades digitais na medida em que visam

integrar criativamente as redes telemáticas de informação nas vivências e políticas urbanas,

facilitam por isso o acesso à informação e a formas inovadoras de democratização das

decisões.”

Alessandro Aurigi opta pela potencialidade desta situação, referindo que estes espaços de

cidadania podem ser parte das cidades digitais e “Not just a virtual replacement for urban space

and for the urban experience of a ‘citizen’.” Lusitana Fonseca reforça que “Mais do que a visão

das “cidades e regiões digitais” como ambientes sociais qualificados, onde as práticas de

cidadania e aprendizagem permanente estão embebidas nos hábitos sócio-culturais, é o próprio

processo de construção das “cidades e regiões digitais” que deve ser concebido como um

instrumento de aprendizagem colectiva onde a partilha solidária de saberes, entre os agentes de

desenvolvimento local e regional, favorecem o estabelecimento das redes de confiança

necessárias para a mudança social.” José Luiz Moutinho e Sílvio Zancheti consideram que

depende efectivamente do modelo seguido.

Além da maioria dos inquiridos indicarem que as cidades digitais permitem o nascimento e

desenvolvimento de comunidades virtuais, seis dos dez entrevistados considera que as cidades

digitais se identificam com a cultura da sua região e sete dos dez especialistas que as cidades

digitais impulsionam a interacção do indivíduo com a sua comunidade e cultura local.

279

Page 281: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Figura 22

“As Cidades Digitais identificam-se com a cultura da sua região?”/ “As Cidades Digitais impulsionam a interacção do indivíduo com a sua comunidade e cultura local?”

N=10

Sílvio Zancheti enuncia que “As plataformas virtuais oferecem novas formas de representação e

comunicação, específicas de comunidades virtuais, identificadas segundo seu conjunto de

sistemas simbólicos. São, portanto, conjuntos de códigos, representações e símbolos que podem

estar reunidos de acordo com uma cultural local, caso a comunidade virtual se constitua com

base numa comunidade territorialmente definida. Embora novos sistemas simbólicos sejam

elaborados, há nas comunidades virtuais uma forte apropriação de sistemas simbólicos da

realidade de partida.” Contudo, só nas cidades digitais onde se observa a disseminação do uso

de comunicação digital para o desenvolvimento da comunidade local se verifica uma divulgação

da cultura local e um maior envolvimento das comunidades e dos indivíduos.

Luís Borges Gouveia indica que se a cidade digital não se identifica com a cultura da sua região

é um implante, “E mais tarde ou mais cedo, na medida em que, falta dinheiro o implante é

rejeitado.” Da mesma forma, sublinha que as cidades digitais impulsionam a interacção do

indivíduo com a sua comunidade e cultura local, apresentando um exemplo do Gaia Global,

nomeadamente a iniciativa que divulga todas as semanas uma personagem de Gaia, enfatizando

que “Nós temos que perceber que uma comunidade vive muito da sua proximidade, a sociedade

é que vive muito daquilo que lhe é exterior que é para ser referenciado de forma séria.”

Flávio Nunes frisa que “dificilmente pode ter sucesso qualquer tentativa de criar uma

comunidade virtual que não se identifique com a realidade local, com as preocupações e 280

Page 282: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

motivações dos seus actores e instituições.” Com efeito, “Importa ter presente que a criação de

uma cidade digital é, acima de tudo, um processo de modernização urbana e mobilização social,

deste modo o sucesso destas iniciativas deveria ser avaliado em termos da participação e

mobilização dos cidadãos e instituições para a Sociedade da Informação. No entanto, em muitos

casos a implementação das cidades digitais tem privilegiado a preferência pelo investimento em

infra-estruturas TIC’s ou a produção de conteúdos efémeros, o que por si só acaba por estar

associado a efeitos negativos em termos de uma limitada participação e envolvimento dos

cidadãos.”

Joaquim Borges Gouveia sublinha, no entanto, que no caso da cidade de Vila Nova de Gaia,

embora tenha cerca de 280 mil habitantes e seja uma das maiores cidades portuguesas, é um

espaço de atravessamento e um espaço aberto. Porém as pessoas gostam mais da cidade, porque

tem uma marca e consequentemente se afirma mais. Considera igualmente que as cidades

digitais impulsionam a interacção do indivíduo com a sua comunidade e cultura local.

Ângelo Estrela justifica que “a nossa grande preocupação (do Gaia Global) no espaço de

conteúdos que é gerido e criado no Gaia Global é claramente orientado para o local. Nós damos

grande enfoque a tudo que é actividades culturais das colectividades e temos uma rubrica que eu

considero muito interessante, que é uma entrevista semanal a uma personagem de Gaia que se

tenha destacado na região.” Do mesmo modo, a interacção do indivíduo com a sua comunidade

e cultura local “É uma preocupação constante para a equipa disponibilizar informação que lhe

proporcione um maior conhecimento do território e das suas actividades, induzindo o cidadão a

uma maior participação local. O caso de Vila Nova de Gaia assume uma importância particular,

já que, sofre do facto de fazer fronteira com uma cidade com muitos mais meios e factores de

atracção para as pessoas. O papel da cidade digital passa também por desmistificar este

conceito, mostrando tudo o que um cidadão pode fazer de interesse em Vila Nova de Gaia.”

José Rafael Nascimento evidencia que está convencido que o Aveiro Digital está a alcançar esta

identificação, esta identidade local e portanto só pode impulsionar esta interacção.

Linturi demonstra que depende do modelo da cidade digital em questão, evidenciando, no

entanto, que “Virtual communities within digital cities should mainly result in building bridges

between different people and attitudes within a single city. We have seen that this is an

increasing problem with increasing mobility assisted tribalism”. Quanto à interacção do

281

Page 283: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

indivíduo com a sua comunidade e cultura local “This was one of the aims in Helsinki Arena

2000. To provide a common façade to the city and a story in the digital realm that all people in

Helsinki who use the internet can be proud of. This common identity must come first and the

common norms and other social cohesion comes later. I have attended many virtual

communities in the net and after initial grave disagreements and different styles of

communication – social cohesion has grown to mutual respect. But this requires some common

identity.”

José Luiz Moutinho reforça que a cidade digital é uma construção social e pode ou não

contribuir para a identificação com a cultura local ou regional. Depende, então, da sua utilização

e do contexto social e humano. Contudo, acrescenta ainda que “A Internet, enquanto fenómeno

global, reflecte uma cultura dominante e pode, por exemplo, contribuir para o enfraquecimento

de culturas locais.”

Lusitana Fonseca reitera que “Como ambiente socialmente qualificado a “cidade e região

digital” vai promover e estimular o conhecimento da cultura…própria e dos outros. Se o

contexto digital propicia o conhecimento e o usufruto da cultura universal … também não será

menos significativo o impacto da “cidade e região digital” na criação cultural individual e

colectiva.”

Alessandro Aurigi mostra que as plataformas virtuais não se encontram bem desenvolvidas e

aprofundadas para beber o suficiente da cultura. Isto porque, as cidades digitais “tend to be

aimed mainly at marketing the city to an external audience of either tourists, investors and

qualified workforce, and therefore tend to use a rather standardised, global language and

discourse.” Refere que, na maioria dos casos, a promoção da interacção entre o indivíduo e a

sua comunidade e cultura local verifica-se muito pouco.

Abordando a importância das cidades digitais para o desenvolvimento económico e social da

região onde se insere, factores de grande relevância para o exercício da cidadania, Alessandro

Aurigi evidencia que as cidades digitais poderiam fazer mais neste enquadramento, “From the

point of view of economic development, the ‘quick and dirty’ solution of using ICT for marketing

places and conveying the same – almost standard – image of the forward-looking city that is

well-endowed with technology, has been adopted in a majority of cases. Little has been done to

actually boost local businesses and economic sectors, whilst ICT initiatives could be key in

promoting local innovation clusters and ideas, new business ideas (for instance the culture 282

Page 284: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

industry of micro-enterprises as Manchester tried to do). Instead of using the net to ‘sell’ the

city, it could be used more to foster new ideas and partnerships within the city.” Linturi

evidencia que “without good networking capabilities and active citizens you do not create a

productive society. Also without social cohesion or with a big digital divide and separation of

identities and communication routes, you create much social trouble.” Sílvio Zancheti salienta

que “As propostas de Cidades Digitais muitas vezes procuram gerar ou aperfeiçoar serviços,

processos de gestão, programas de apoio à cultura, controle ambiental, dentre outras atividades,

e em alguns casos tem seu propósito voltado para extrapolações de mercado, em expandir a

oferta de produtos, serviços, tecnologia e informação. De um modo geral a formação de redes de

municípios por si só visa melhorar o modo de utilização dos recursos de cada localidade e criar

sinergias no conjunto das cidades da rede.”

Quanto aos especialistas nacionais, Luís Borges Gouveia ilustra que a importância da cidade

digital para o desenvolvimento económico e social da região onde se insere é enorme,

socorrendo-se de uma analogia “se um território não tiver árvores, os incêndios são explícitos a

mostrar as fragilidades desse território. Este, perde aquela fina camada de terra que lhe permite

ter actividade biológica, ter vida, se perder essa, mais tarde ou mais cedo, desertifica, pois não

tem capacidade de retenção de água e do que quer que seja. As árvores são os elementos

essenciais para garantir as raízes, o solo e a vida. Para não termos zonas de desertificação de

qualificação de pessoas, áreas de desertificação cada vez mais difíceis de recompor, nós

precisamos de infra-estruturas, que podem constituir-se como árvores nesse sentido.” A este

propósito, José Luiz Moutinho salienta que no início dos projectos das cidades e regiões digitais

os mecanismos de mercado não parecem funcionar, o que comprometem expressivamente a

sustentabilidade das redes de conhecimento. Desta forma, é necessário conjugar apoios público-

privados a longo prazo e demarcar sempre que possível os projectos de cidades e regiões digitais

com a promoção de sistemas regionais de inovação. As cidades digitais são ainda sistemas

socio-técnicos que carecem de programas de gestão da mudança equilibrados e contínuos,

nomeadamente a construção de competências locais para a absorção de novas tecnologias, tal

como o estímulo à inovação e a diferenciação regional para promover a competitividade

territorial. Refere ainda que um dos elementos que normalmente influi claramente no

desenvolvimento económico e social é o desenvolvimento de uma indústria sustentável de TICs,

que pode criar empregos e estimular o crescimento económico numa perspectiva de Sociedade

da Informação. De facto, Flávio Nunes reitera que “Em Portugal, as cidades digitais têm surgido

como iniciativas políticas de desenvolvimento da Sociedade da Informação à escala local e

283

Page 285: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

intermunicipal, visando em última análise a difusão das suas múltiplas aplicações e benefícios a

todo o país.”

Abordando as entrevistas dos responsáveis pela cidade e região digital seleccionadas, Joaquim

Borges Gouveia salienta que o Gaia Global começa por ser uma marca, depois uma organização

dos próprios serviços e da própria cidade. Ângelo Estrela demonstra que associando todas as

vertentes as cidades digitais poderão ter um grande impacto a este nível. No caso do Gaia

Global, são elementos fundamentais neste sentido. Lusitana Fonseca evidencia que o Programa

Aveiro Digital, pelo seu impacto na qualificação da região e pela intervenção das entidades

beneficiárias é já um dos motores de desenvolvimento regional. José Rafael frisa, no caso do

Aveiro Digital, a qualificação das pessoas, a disponibilização de serviços que têm um impacto

directo na vida das pessoas e o investimento financeiro.

Interrogando sobre como as cidades digitais poderão contribuir para combater a info-exclusão,

já que, podem representar também um factor de criação e aumento da divisão digital,

Alessandro Aurigi demonstra algumas contribuições, nomeadamente a promoção do uso da

Internet não meramente numa perspectiva orientada para o consumidor, mas também orientada

para a comunidade; promover iniciativas para educar as pessoas, no sentido de as ensinar a usar

a Internet para o seu próprio benefício (e não apenas ensiná-las a “surfar”) e fornecer

computadores e pontos de acesso à Internet para os segmentos mais desfavorecidos da

população. Todavia, “this is vain unless the major issue of contents – what people really can or

cannot do within the digital city – is taken into account.” Linturi refere que as cidades digitais

poderão combater a info-exclusão tornando mais fácil possível às pessoas que vivem no espaço

de fluxos uma identidade ligada a uma cidade física. Do mesmo modo, tornar o mais fácil

possível às pessoas interessadas nos espaços de sítios alcançar esses locais através da Internet.

Isto, segundo o especialista, foi conseguido pelo Helsínquia Arena 2000. Sílvio Zancheti destaca

que, no que diz respeito à info-inclusão “As estruturas virtuais aumentam enormemente a

possibilidade de diferentes comunidades compartilharem processos políticos, sociais e culturais

distintos e específicos de cada uma delas e, ao colocar em contato essas comunidades, torna-as

mais ativas nos processos políticos, sociais e culturais, na criação de símbolos e valores.”

Luís Borges Gouveia fala da importância, neste âmbito, de elites, modelos de referência e

orientação. “Obviamente que ela (info-exclusão) não se resolve dando peixe, mas canas de

pesca, e isso significa assumir que temos que ter modelos, referências e elites que possam ser

284

Page 286: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

faróis. Se um projecto cidade e região digital poder dar um suporte, uma base logística a esses

faróis é excelente, um bom potencial. Não peçam é para ser um farol que isso é um mau

princípio.” José Luiz Moutinho sublinha que “Vários estudos sobre a desigualdade digital

sugerem que as políticas públicas localizadas exclusivamente na criação de infra-estruturas

digitais e na acessibilidade universal, se por um lado ignoram frequentemente os padrões

comportamentais recorrentes na adopção de inovações tecnológicas (por exemplo, as assimetrias

transitórias iniciais na difusão da televisão ou do telefone fixo ou móvel), por outro lado podem

aumentar os custos globais para os utilizadores pioneiros e para o arranque do mercado. Assim

sendo, estas políticas, eventualmente, não só retardam o ritmo da disseminação das tecnologias

de informação e comunicação, como também acabam por se transformar em investimentos não

sustentáveis do ponto de vista social, político ou económico. As desigualdades relacionadas com

minorias étnicas, escalões etários ou sexo tendem a diminuir naturalmente enquanto que as

desigualdades decorrentes dos diferentes níveis salariais e educacionais parecem esbater-se mais

dificilmente ao longo do tempo e do espaço, indicando que os principais obstáculos não são as

questões tecnológicas, mas sim os reflexos do contexto socio-económico no qual os indivíduos e

as organizações estão inseridos. O desafio fundamental está, portanto, em criar condições

necessárias e suficientes para embeber as tecnologias de informação e comunicação na rotina

diária das pessoas e das organizações.” Com efeito, Flávio Nunes, demonstra que nas fases

iniciais de uma cidade digital um dos seus objectivos é familiarizar os cidadãos com a utilização

das TICs.

Joaquim Borges Gouveia acentua que não existem políticas únicas, enaltecendo o trabalho

realizado com os Espaços Internet. Ângelo Estrela aponta que as cidades digitais poderão ter um

grande papel no combate da info-exclusão, no exemplo do Gaia Global, sublinha-se a criação de

Espaços Internet, a formação para as TICs e acções de sensibilização de rua para a utilidade do

uso de computadores e acesso à Internet. Lusitana Fonseca considera que “A “cidade e região

digital” almeja ser um ambiente social onde todos os cidadãos terão qualificações e condições

de acessibilidade às Tic e aos Serviços. Por isso a construção das Cidades Digitais deve

contemplar como investimento prioritário a criação de um serviço universal de acesso às Tic e

aos Serviços na Internet, a Formação básica e complementarmente deve lançar medidas

específicas para os segmentos da população com maior probabilidade de info-exclusão:

desempregados, idosos, imigrantes, mulheres …etc.” José Rafael reitera que neste sentido, o

Aveiro Digital possui a Área 1 do projecto, que difunde serviços básicos; os noventa Espaços

Internet para noventa e cinco freguesias e onze municípios com monitores, programas

285

Page 287: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

específicos para faixas etárias e horário alargado; alguns serviços específicos e transversais,

como a entrega do IRS na Internet, com ajuda disponibilizada aos cidadãos e o financiamento de

projectos relacionados com a info-inclusão.

Por fim, de forma global, os especialistas consideram, na sua maioria, que as cidades digitais

promovem complementarmente a cidadania, a interacção, a identificação e são espaços de

cidadania. Contudo, os entrevistados consideram que as cidades digitais fomentam o debate e a

intervenção pública, mas também, em igual número, que depende do modelo de cidade digital.

Com efeito, são espaços de cidadania, mas ainda não promovem o debate e a intervenção, ou

seja, ter acesso não significa participação. Do mesmo modo, segundo as respostas maioritárias,

as cidades digitais identificam-se com a cultura da sua região e impulsionam a interacção entre

os cidadãos e essa cultura e comunidade. De acordo com todos os inquiridos as cidades digitais

evidenciam potencialmente um papel importante para o desenvolvimento económico e social da

região onde se inserem. De facto, a riqueza das entrevistas é demonstrada neste capítulo, onde se

patenteiam diferentes opiniões sobre a temática em análise, se reflecte a variedade dos projectos

existentes (indicado pela opção “depende do modelo”), se tecem críticas e propostas, mas

também se enaltece a potencialidade destes projectos num enquadramento de prática de uma

cidadania activa para a Sociedade da Informação e do Conhecimento.

B. Resultados do Inquérito On-line aos Utilizadores do Gaia GlobalSocorrendo-nos do inquérito on-line aplicado ao Portal do Cidadão de Gaia, importa demonstrar

o que poderão ser as percepções dos utilizadores do Gaia Global sobre esta temática. À questão

“O Gaia Global permite-lhe estar mais perto do seu governo local?”, dos quarenta inquiridos,

72,5% responderam que sim, 17,5% que não e 10% não sabe ou não responde. Neste

alinhamento, à interrogação “O Gaia Global permite-lhe estar mais perto das instituições e

empresas locais?”, 75% responderam afirmativamente, 18% negativamente e os restantes não

sabem ou não respondem. 92,5% dos indivíduos considera que o Gaia Global lhes permite

aceder à informação, bens e serviços de Gaia e 7,5% não sabe ou não responde.

286

Page 288: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Figura 23 – “O Gaia Global permite-lhe estar mais perto do seu governo local?”/ “O Gaia

Global permite-lhe estar mais perto das instituições e empresas locais?”

NS/NRNÃOSIM

30

25

20

15

10

5

0NS/NRNÃOSIM

30

25

20

15

10

5

0

N=40

Gráfico 23 – “O Gaia Global permite-lhe aceder à informação, bens e serviços de Gaia?”

NS/NRSIM

40

30

20

10

0

N=40

No que diz respeito aos conteúdos e serviços do Gaia Global, 77,5% dos utilizadores refere que

este lhes permite aceder a serviços municipais on-line, 12.5% considera que não e 10% não

sabem ou não respondem. 47,5% dos inquiridos respondem que o Gaia Global possibilita

resolver assuntos com o município mais rapidamente, 37,5% que não e os restantes não sabem

ou não respondem. À questão “O Gaia Global” permite-lhe esclarecer dúvidas com o seu

município mais rapidamente?”, 50% considera que sim, 35% que não e 15% não sabe ou não

responde.

Gráfico 24 – “O Gaia Global permite-lhe aceder a serviços municipais on-line?”

287

Page 289: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

NS/NRNÃOSIM

30

20

10

0

N=40

Figura 24 – “O Gaia Global permite-lhe resolver assuntos com o seu município mais

rapidamente?”/ “O Gaia Global permite-lhe esclarecer dúvidas com o seu município mais

rapidamente?”

NS/NRNÃOSIM

20

15

10

5

0

NS/NRNÃOSIM

20

15

10

5

0

N=40

Na interrogação “O Gaia Global permite-lhe intervir activamente na sua cidade?”, 53%

respondeu afirmativamente, 30% negativamente e os restantes não sabem ou não respondem. Na

questão “O Gaia Global permite-lhe exercer a sua cidadania?” 63% dos indivíduos considera

que sim, 20% que não e 17% não sabe ou não responde.

Gráfico 25 – “O Gaia Global permite-lhe intervir activamente na sua cidade?”

288

Page 290: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

NS/NRNÃOSIM

25

20

15

10

5

0

N=40

Gráfico 26 – “O Gaia Global permite-lhe exercer a sua cidadania?”

NS/NRNÃOSIM

25

20

15

10

5

0

N=40

85% dos inquiridos considera que o Gaia Global permite estar mais em contacto com o que se

passa na sua região, enquanto 2,5% considera que não e os restantes não sabem/não respondem.

Na questão relacionada com a qualidade de vida, 70% indica que o Gaia Global possibilita uma

melhor qualidade de vida, 17,5% aponta que não e 12,5% não sabe ou não responde. Na

interrogação “O Gaia Global permite-lhe conhecer pessoas?” 42,5% sublinha que não, 37,5%

que sim e os restantes não sabem ou não respondem.

289

Page 291: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Gráfico 27 – “O Gaia Global permite-lhe estar mais em contacto com o que se passa na sua

região?

NS/NRNÃOSIM

40

30

20

10

0

N=40

Gráfico 28 – “O Gaia Global permite-lhe ter uma melhor qualidade de vida?”

NS/NRNÃOSIM

30

25

20

15

10

5

0

N=40

Gráfico 29 – “O Gaia Global permite-lhe conhecer pessoas?”

NS/NRNÃOSIM

20

15

10

5

0

N=40De uma forma conclusiva, podemos evidenciar que a maioria dos utilizadores inquiridos do

portal do Gaia Global considera que este alcança os objectivos de fomento da cidadania, da 290

Page 292: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

melhoria de qualidade de vida, de aproximação dos mesmos ao governo local, às entidades e

empresas locais e à própria comunidade. A única resposta que alcançou maioritariamente o

“não” foi a que interroga se o Gaia Global lhe permite conhecer pessoas. Esta questão foi

introduzida por dois motivos, porque na altura em que o questionário foi colocado em linha, o

sítio disponibilizava um chat/fórum e porque queríamos saber se o sítio permitia efectivamente

aos seus utilizadores conhecer novos membros da comunidade e criar grupos de interesse. É

ainda pertinente reiterar que estes resultados correspondem ao primeiro ano de aplicação do e-

questionário, sendo um dos nossos propósitos, aplicar o mesmo inquérito durante este ano e o

próximo para constatar evoluções e acompanhar o desenvolvimento destes cibernautas.

CONCLUSÃO

291

Page 293: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Esta investigação pretendeu abordar as cidades digitais, no sentido de verificar se estas

iniciativas reforçam o exercício da cidadania e elementos associados à perspectiva ontológica

seguida, nomeadamente, a interacção e a participação. Assim, a construção do nosso modelo de

análise baseou-se numa triangulação metodológica que engloba a observação dos portais;

entrevistas a especialistas nacionais e internacionais; o estudo de caso múltiplo; o inquérito on-

line (que apenas pôde ser aplicado ao portal do cidadão de Gaia, Gaia Global) e a matriz Ishida,

utilizada para a comparação dos dois objectos de estudo. Do mesmo modo, e holísticamente,

procuramos ainda analisar exemplos internacionais, os projectos nacionais e consequentemente

demonstrar vantagens e limitações das cidades digitais. É pertinente salientar novamente654 que

a nossa aproximação às cidades digitais é realizada numa perspectiva de complementaridade das

cidades físicas, enaltecendo a importância do território. Desta forma, resta realizar um balanço

concludente da investigação, aludindo heuristicamente às nossas hipóteses de trabalho e

apresentando considerações finais sobre a temática em estudo.

Com efeito, as cidades digitais são indubitavelmente sistemas sócio-técnicos, e como tal,

demonstram vantagens e limitações. Os benefícios/vantagens das cidades digitais passam pela

disponibilização do acesso à informação e serviços, pela apresentação de uma nova condição de

representação da cidade/região e da autarquia e das organizações locais e pela apresentação de

um novo canal de interacção e participação entre o governo local e os cidadãos e entre estes e a

sua comunidade. Da mesma forma, as cidades digitais contribuem para a estruturação de novas

práticas (concretamente da autarquia local), para a transparência de processos e para a

reorganização, melhor gestão e planeamento da cidade/região física. Assim, ligando o virtual e o

real e vice-versa (o território e o ciberespaço, o “space of flows” e o “space of places”) e

mobilizando os cidadãos para a Sociedade da Informação, permitem a promoção de uma melhor

qualidade de vida dos cidadãos (tendo, por exemplo, serviços on-line que facilitam e

simplificam a vida quotidiana dos seus habitantes); de uma melhor qualificação dos cidadãos; da

cooperação e desenvolvimento da comunidade e consequentemente do desenvolvimento

económico-social local. Logo, as cidades digitais podem complementar e reforçar a prática da

cidadania, tornando-a mais pró-activa.

No entanto, promover tais melhorias, não significa necessariamente que estas sejam usufruídas e

aproveitadas pelos cidadãos. Considerando as suas limitações, podemos evidenciar a info-

exclusão; a dificuldade inerente à mudança de práticas e comportamentos; os custos; os cortes

654 Cfr. Ponto das “Considerações Gerais”. 292

Page 294: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

de financiamento e a auto-sustentabilidade dos projectos. Igualmente, a falta ou a reduzida

participação da sociedade civil na definição e desenvolvimento dos projectos e os modelos

desenvolvidos numa perspectiva de determinismo tecnológico são manifestos obstáculos para a

concretização dos objectivos definidos por cada uma das plataformas digitais. De facto, o estudo

internacional de Graham e Aurigi mostra que as cidades digitais correspondem apenas a bases

de dados de uma determinada cidade ou região, não sendo uma verdadeira esfera pública, ou

seja, uma real plataforma de interacção e comunicação.655 Para já, apenas parecem conseguir

atrair uma minoria, a designada elite tecnológica. Como Trenor clarifica “a typical telecity

project is made off a union of local politics, organizations and enterprises (…) The project,

generally, serves the educated partners of the dominant group. In any definition, they are elite

projects”656.

Recordando a nossa problematização e a nossa hipótese central, e de acordo com os resultados

empíricos, podemos concluir que a cidade e a região digital analisada contribuem

complementarmente para a cidadania, facultando elementos essenciais para o seu exercício,

como a disponibilidade da informação e de serviços, a simplicidade na interacção, a promoção

da participação e interacção dos seus cidadãos e a formação dos indivíduos para a Sociedade da

Informação. Todavia, este reforço da cidadania é ainda efectuado numa escala bastante

reduzida, concretamente, no que diz respeito à participação, interacção e intervenção pública

dos cidadãos. Os projectos têm uma execução temporal diminuta e carecem incontestavelmente

de uma continuidade e sustentação para alcançar as metas preestabelecidas.

O Gaia Global evidencia como objectivos principais o estabelecimento de uma infra-estrutura

digital de comunicação, a modernização autárquica e a dinamização e inovação local. Assim,

criou um conjunto de sítios electrónicos, uma rede digital da cidade que possibilita ao seu

cidadão aceder a um número extenso de informação local, serviços municipais e locais e a uma

plataforma de interacção e comunicação entre os cidadãos, o governo local e as organizações do

território (tendo ainda um call centre para atender dúvidas). Dispõe também de Espaços

Internet, para o acesso à rede e para a formação dos indivíduos para a Sociedade da Informação.

A maioria dos utilizadores inquiridos do Gaia Global (portal do Cidadão de Gaia) considera que

este alcança os objectivos de fomento da cidadania; de melhoria de qualidade de vida; de

aproximação dos mesmos ao governo local, às entidades e empresas locais e à própria

655 Alessandro Aurigi e Stephen Graham, “The Crisis in the Urban Public Realm”, in B.D. Loader, Cyberspace Divide: Equally, Agency and Policy in the Information Society, Londres, Routledge, 1998.656 Trenor, www.trnordoc.pt

293

Page 295: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

comunidade. São maioritariamente do sexo masculino (80%), têm entre 25 e 34 anos de idade,

são casados e possuem habilitações literárias superiores.

O Aveiro Digital tem como propósito principal a qualificação das pessoas e organizações na

região que representa. Desta forma, baseia-se essencialmente na execução de vários projectos

(actualmente 77 projectos e 303 entidades beneficiárias associadas aos sectores de actividade e

segmentos da população, representativos de uma região que contabiliza 350.000 pessoas,

últimas beneficiárias do projecto) apresentados pelos cidadãos/organizações locais que visam a

qualificação e a certificação para a Sociedade da Informação. A sua plataforma digital introduz

a iniciativa, todos estes projectos, informação regional, mas também disponibiliza serviços

básicos em TICs como a criação de contas de endereço electrónico e páginas pessoais. Em

adição, os seus Espaços Internet são importantes espaços de info-inclusão e qualificação.

Neste sentido, remetendo-nos para o estudo de caso múltiplo, observamos que o nível de

informação e serviços varia entre o Gaia Global e o Aveiro Digital, contudo, em termos globais,

o Gaia Global evidencia um nível mais elevado de informação e serviços disponíveis. Porém,

no que diz respeito ao acesso social e participação, o Aveiro Digital alcança uma maior

visibilidade. É crucial evidenciar que acreditamos que os cidadãos têm que ser também

criadores das cidades digitais, e isto, observa-se, embora de forma distinta, nos dois projectos

analisados. No Aveiro Digital, são essencialmente as entidades beneficiárias

(cidadãos/instituições) que executam a maioria dos projectos, no Gaia Global, os cidadãos e

organizações podem contribuir para a formulação da plataforma digital, deixando, por exemplo,

sugestões, reclamações e colocando formulários on-line para a criação de novos sócios.

Portanto, as cidades digitais são expressamente potenciais para o complemento da cidadania,

apresentando as ferramentas, mas necessitando de ininterruptas acções para alcançar todos os

cidadãos. Ter acesso não significa participação (embora, o acesso e o estar informado permita

per si uma abertura de horizontes). É imprescindível que se crie os instrumentos, mas que

igualmente se desenvolva a apetência e a vontade (e claro, conhecimentos) para os utilizar. De

facto, os especialistas entrevistados, referem na sua maioria, que as cidades digitais promovem

complementarmente a cidadania, a interacção, a identificação e são espaços de cidadania. No

entanto, consideramos que não são (pelo menos ainda) autênticas plataformas de interacção

social, de fluxos comunicacionais bi-direccionais.

294

Page 296: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Embora os inquiridos do Gaia Global frisem maioritariamente que a iniciativa digital lhes

permite intervir activamente na sua cidade, o que corrobora que as cidades digitais promovem a

intervenção pública, não podemos validar que estes projectos o realizem ainda muito

significativamente, sobretudo relativamente ao debate público, na medida em que, não

encontramos nenhuma evidência relevante, inclusivamente na observação directa das

plataformas, que suporte esta enunciação. Efectivamente, os entrevistados também se dividem

quando se interroga se consideram que as cidades digitais promovem a intervenção pública e o

debate político, pois em igual número, indicam que sim, mas que também depende do modelo

de cidade digital. De qualquer forma, sabemos que, por exemplo, um dos próximos projectos do

Gaia Global é precisamente a criação de uma assembleia municipal digital.

Quanto ao perfil dos utilizadores, mantêm-se a confirmação dos designados “early adopters”

(homens jovens com elevadas habilitações literárias), especificamente no Gaia Global, já que,

no caso do Aveiro Digital, os utilizadores são essencialmente as entidades beneficiárias dos

projectos, embora também se incluam os utilizadores da sua extranet e dos Espaços Internet.

Neste enquadramento, ainda não se verifica o crescimento de comunidades virtuais no seio das

iniciativas, apesar de no caso do Aveiro Digital, estas comunidades corresponderem às entidades

beneficiárias. As cidades digitais têm que prevenir o erro de se desenvolverem e mudarem

apenas para responder às necessidades e requisitos de uma comunidade dominante, que acaba

por ser elitista, e simultaneamente precisam de alcançar sucessivamente todo o espectro da

comunidade, atraindo, qualificando e incluindo os cidadãos na sua definição e evolução. Só,

assim, conseguiram ser plataformas de reforço da cidadania, interacção e participação.

As cidades digitais reflectem a cultura local (seja através da representação digital ou de

conteúdos disponibilizados) e evidenciam um crescente impacto no desenvolvimento social e

económico nas áreas que representam, seja através da modernização administrativa, da

dinamização regional ou da qualificação dos cidadãos e empresas. Este ponto é mais notório no

Aveiro Digital, pois enumeram-se acções concretas, como a inscrição das crianças nas

secretarias das escolas da região através da Internet e o acesso remoto a diagnósticos médicos

especializados. Todavia, é pertinente referir que apesar das diferenças de abordagens entre o

Gaia Global e o Aveiro Digital e algumas semelhanças, a disparidade temporal de execução dos

projectos é significativa, na medida que, Aveiro foi Cidade Digital em 1998-2001 e região

digital em 2003-2006, enquanto Gaia colocou o seu portal em linha em 2004.

295

Page 297: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Assim, é importante enfatizar algumas ideias gerais que advém das conclusões desta

investigação, concretamente que é fundamental que as cidades digitais e o governo electrónico

se focalizem nos cidadãos e não unicamente na tecnologia; que os cidadãos sejam

percepcionados também como clientes e consumidores; que as TIC sejam introduzidas como

uma mais valia e uma ferramenta no dia-a-dia dos indivíduos e das organizações; que se entenda

que a democracia e a participação não se fazem pelas TIC; que as cidades e regiões digitais não

passem de espaço público a um modesto fornecedor de serviços, sendo capital que se tornem um

verdadeiro espaço de “citizenry”, o conceito que Verba criou para acentuar uma cidadania em

acção (diferenciando-se do termo “citizenship”)657 e, por fim, que se reconheça que as cidades

digitais enfrentam inúmeros desafios, que podem inclusivamente ameaçar o seu futuro.

Estes desafios correspondem ao problema da info-exclusão; ao estado embrionário dos

projectos; à sustentabilidade financeira e operacional dos projectos; ao planeamento incessante e

acompanhado da cidade física e da virtual e à crucial necessidade de continuidade das

iniciativas, pois só a longo-prazo conseguirão alcançar um impacto e efeito relevante na

comunidade. Com efeito, mesmo que as redes electrónicas alimentem a interacção, isto não

implica, que conduzam a uma sociedade mais democrática, participativa e inclusiva. Neste

enquadramento, Alessandro Aurigi, Professor da Universidade de Newcastle upon Tyne,

sublinha na entrevista dada, que existem inumeráveis e complexos desafios, peculiarmente a

necessidade de uma pesquisa reflectiva e de abordagens interdisciplinares, tal como, “Getting

away from technocratic perspectives of ‘better infrastructure solves everything’: ceasing to

conceive these initiatives as IT-only things. The physical and the ‘digital’ aspects of the city

have to be planned and designed together.” Por sua vez, José Luiz Moutinho, do IST, destaca

que a mera disponibilização de infra-estruturas digitais não é suficiente para estimular os

indivíduos e a comunidade, sendo então crucial assegurar conteúdos e sistemas de informação

ligados à vida diária e rotina das cidades. Simultaneamente, as TIC devem ser integradas nas

cidades segundo numa perspectiva mais aberta.

Atendendo aos responsáveis pela cidade e região digital estudada, Joaquim Borges Gouveia,

Presidente do Conselho de Administração da Energaia, entidade gestora do Gaia Global,

destaca os atrasos nos financiamentos e as dificuldades oriundas da instabilidade política do

governo central. Enfatiza que as cidades digitais precisarão de, pelo menos, vinte anos para

alcançar estabilização e ter impacto crucial na vida dos cidadãos. Ângelo Estrela, gestor de

657 Verba, Cit.por Alfredo Mela, op. Cit., p. 121.296

Page 298: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Projecto do Gaia Global, acredita que os desafios estabelecem-se em três níveis, o primeiro, é

que as pessoas que trabalham nestes projectos o façam de forma conveniente, e os outros dois,

são o trabalho contínuo e como levar o investimento a todos os cidadãos. Do Aveiro Digital,

Lusitana Fonseca da CEAD (Comissão de Execução Aveiro Digital), afirma que o maior teste

das cidades digitais é serem capazes de assumir e de operacionalizar os processos da efectiva

qualificação das pessoas e das organizações. José Rafael, também do CEAD, explica que cada

região é um caso e evidencia os seus próprios problemas e especificidades. Contudo, para este

Professor, o maior desafio é claramente a participação dos cidadãos.

Aliás, a própria análise do impacto social destas plataformas digitais é um proeminente

problema e desafio. Os modelos de análise são ínfimos e muito recentes, logo imaturos,

encontrando-se essencialmente em validação; os projectos também e os estudos efectuados

baseiam-se primordialmente na tecnologia. Desta forma, esta dissertação usufrui das vantagens

e das desvantagens de pretender ser uma das pioneiras abordagens sociais desta temática: do

benefício do terreno virgem por desbravar, mas da limitação da exploração iniciática, do suporte

teórico, metodológico e mesmo conceptual. A recente existência destes projectos representa

forçosamente uma clara restrição a este estudo. A investigação implica escolhas, deixando

trilhos por percorrer. Assim, não só é fundamental motivar e incentivar o seguimento da

investigação neste campo, como as perspectivas futuras de estudo são ilimitadas. As hipóteses

apontadas devem ser mantidas em estudos posteriores, assim como, o modelo de análise

construído se encontra inacabado e deve progredir. De qualquer modo, apesar de todos os

obstáculos, conseguimos, como propõe Goethe, citado no início da dissertação, ir e ver mais

longe. Enaltecendo a interdisciplinaridade, também introduzimos uma célebre expressão de

Einstein, que frisa, que quando comparamos a investigação com a realidade, esta é tão imatura e

incompleta, mas é tudo o que temos e devemo-nos alegrar pelo que alcançamos em cada passo.

Por isso e pelas questões levantadas estamos muito gratos.

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305

Page 307: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Portugal:

Missão para a Sociedade da Informação, Ministério da Ciência e Tecnologia, Livro Verde para a Sociedade da Informação, Lisboa, 1997.Unidade de Missão Inovação e Conhecimento (UMIC), Uma Nova Dimensão de Oportunidades – Plano de Acção para a Sociedade da Informação, Oeiras, UMIC, 2003.Unidade de Missão Inovação e Conhecimento, Qualidade e Eficiência dos Serviços Públicos – Plano de Acção para o Governo Electrónico, Oeiras, UMIC, 2003.UMIC, Plano de Acção para o Governo Electrónico, 2004.Programa de Acção integrado no Plano Tecnológico do XVII Governo: Mobilizar a Sociedade da Informação e do Conhecimento, Ligar Portugal, disponível em http://www.ligarportugal.pt.

Fontes Documentais: Estatísticas

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Fontes Documentais (Legislação Portuguesa)

Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º 16/96, de 21 de Março de 1996.Lei da Assembleia da República, n.º 10-A/96, de 23 de Março.Lei da Assembleia da República n.º 52-B/96 de 27 de Dezembro.Lei da Assembleia da República n.º 127-A/97 de 20 de Dezembro.Lei da Assembleia da República n.º 3-A/2000 de 4 de Abril.RCM 143/2000 de 27 de Setembro.RCM n.º 156/2000 de 16 de Novembro.Lei da Assembleia da República n.º 30-B/2000 de 29 de Dezembro.Diário da República da Resolução de CM n.º 135/2000.RCM 22/2001 de 1 de Março.RCM 32/2001 de 2 de Março DL 106/2001 de 6 de Abril de 2001.Lei da Assembleia da República nº. 109-A/2001 de 27 de Dezembro.RCM 21/2002 de 31 de JaneiroRCM 22/2002 de 31 de JaneiroDL 51/2002 de 2 de Março DL 104/2002 de 12 de Abril de 2002.RCM n.º 135/02 de 20 de Novembro.Lei da Assembleia da República n.º 32-A/2002 de 30 de Dezembro.Programa do XV Governo Constitucional, 2002.Alínea b, n.º 2 da Resolução do CM n.º 135/02 de 20 de NovembroDiário da República n.º 185 de 12 de Agosto de 2003 (I Série – B).Lei da Assembleia da República n.º 55-A/2004, aprovada em 14 de Outubro de 2004DR n.º 304 de 30 de Dezembro de 2004 (I Série – A).

306

Page 308: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Grandes Opções do Plano para 2005, Lei da Assembleia da República n.º 55-A/2004, aprovado em 14 de Outubro de 2004, DR n.º 304 de 30 de Dezembro de 2004 (I Série – A).Programa do XVII Governo Constitucional, Grandes Opções do Plano 2005-2009, Lei da Assembleia da República, n.º 52/ 2005 de 31 de Agosto.Programa do XVII Governo Constitucional, 2005.

Sítios Electrónicos

Gaia Global, www.gaiaglobal.pt Aveiro Digital, www.aveiro-digital.pt Projecto Cidades e Regiões Digitais, http://www.cidadesdigitais.pt/ “The One-Dimensional Network Society of Manuel Castells”, www.thechronicle.demon.co.uk/tomsite/castells.htmPrograma do XVI Governo Constitucional, disponível http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Governos/Governos_Constitucionais/GC16/Programa/programa_p033.htm Howard Rheingold, www.rheingold.com Eurocities, http://www.eurocities.org/main.phpINE, www.ine.pt OCDE, www.ocde.ptAPDSI, www.apdsi.p Infopédia, www.infopedia.pt

ANEXOS307

Page 309: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

LISTA DE ENTREVISTADOS

Prof. Doutor Alessandro Aurigi, Universidade de Newcastle upon Tyne;

Eng.º Ângelo Estrela, Gestor de Projecto do Gaia Global;

Prof. Doutor Flávio Nunes, Departamento de Geografia da Universidade do Minho;

Prof. Doutor Joaquim Borges Gouveia, Presidente do Conselho de Administração da

Energaia (Gaia Global)

Mestre José Luiz Moutinho, do Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas

de Desenvolvimento do Instituto Superior Técnico;

Prof. Doutor José Rafael, Aveiro Digital

Prof. Doutor Luís Borges Gouveia, Universidade Fernando Pessoa;

308

Page 310: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Engª Lusitana Fonseca, Aveiro Digital

Prof. Doutor Risto Linturi, Helsínquia Virtual;

Dr. Sílvio Zancheti, do Centro de Conservação Integrada Urbana e Territorial da

Universidade Federal de Pernambuco.

GUIÃO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA – Especialistas

I. O que é uma cidade digital?

II. Quais são os seus benefícios / mais valias?

III. E as suas limitações?

IV. Quem considera serem os utilizadores das cidades digitais?

V. As cidades digitais satisfazem complementarmente as necessidades sociais e

políticas dos seus cidadãos?

VI. As cidades digitais promovem o debate e a intervenção pública?

VII. São espaços de cidadania?

309

Page 311: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

VIII. Como definiria o novo e emergente conceito de cidadania digital?

IX. As cidades digitais permitem o nascimento e o desenvolvimento de comunidades

virtuais?

X. Estas plataformas virtuais identificam-se com a cultura local, da sua região?

XI. Esta referência cultural e política impulsiona a interacção do indivíduo com a sua

comunidade e cultura local?

XII. Qual é o impacto das cidades digitais no desenvolvimento económico e social das

regiões onde se inserem?

XIII. Como pode a cidade digital contribuir para combater a info-exclusão?

XIV. Que desafios se colocam às cidades digitais?

Semi-Structured Interview

Experts

“Digital Cities and the Reinforcement of Citizenship”

1. What is a digital city?

2. Which are digital cities’ benefits?

3. And their limitations?

4. Who are the digital cities users?

5. Can digital cities additionally provide for some social and political needs (like

interaction, identity, citizenship exercise) of their citizens?

6. Are they promoting debate, public intervention and participation?

7. Are they spaces of citizenry? 310

Page 312: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

8. How can you define the new and emergent concept of digital citizenship?

9. Can digital cities allow the birth and development of virtual communities?

10. Do you think that these virtual platforms identify themselves with the local culture, the

region they represent?

11. This cultural and political reference provides the interaction of people with their

community and local culture?

12. Which is the digital cities impact on the social and economical development of the

regions they represent?

13. How can a digital city contribute to bridge the digital divide, fighting info-exclusion?

14. Which are the challenges for digital cities?

GUIÃO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA RESPONSÁVEIS DAS CIDADES DIGITAIS SELECCIONADAS

1. O que é uma Cidade Digital?

2. Quais são os seus benefícios/ mais valias?

3. E as suas limitações?

4. As cidades digitais satisfazem complementarmente as necessidades sociais e políticas

dos seus cidadãos?

5. As cidades digitais promovem o debate e a intervenção pública?

6. São espaço de cidadania?

7. Como definiria o novo conceito de cidadania digital?

8. A cidade digital identifica-se com a cultura da sua região?

311

Page 313: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

9. Neste sentido, impulsiona a interacção do indivíduo com a sua comunidade e cultura

local?

10. Como pode a cidade digital contribuir para combater a info-exclusão?

11. Quais são os elementos mais importantes da sua cidade digital?/ Como a caracterizaria

em particular?

12. Quais são os objectivos deste projecto? (o que já foi alcançado e o que ainda falta

alcançar)

13. Quem são os utilizadores desta cidades digital (caracterização)?

14. No início do projecto quem eram estes utilizadores? (Houve evolução de perfis?)

15. Que serviços disponibiliza esta cidade digital?

16. O que é mais acedido pelos utilizadores?

17. Observaram a formação e desenvolvimento de alguma comunidade virtual específica na

vossa cidade? Qual?

18. (Se sim) As cidades digitais permitem a manutenção e o fortalecimento dessas

comunidades?

19. Qual é a importância desta cidades digital para o desenvolvimento económico e social

da região onde se insere?

20. Numa perspectiva geral, considerando o desenvolvimento das cidades e regiões digitais

em Portugal, como caracterizaria o panorama (estádio) actual?

21. Qual foi o impacto das cidades e regiões digitais na Sociedade da Informação nacional?

E a nível local?

22. Desafios para as cidades digitais?

1. Está registado no Gaia Global? (assinale com uma cruz)

1. Sim 2. Não

2. Há quanto tempo conhece o projecto Gaia Global?

1. Há 1 Ano2. Últimos 6 Meses3. Último Mês4. Última Semana

312

Page 314: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

3. Como teve conhecimento da sua existência?

1. Informação Municipal (Câmara Municipal, Junta de Freguesia) 2. Sítios electrónicos locais3. Publicidade local4. Meios de comunicação5. Amigos6. Outro meio. Qual? ______________________________________

4. Quando começou a utilizá-lo?

1. Há 1 Ano2. Últimos 6 Meses3. Último Mês4. Última Semana

313

Page 315: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

5. A que áreas acede mais no Portal www.gaiaglobal.pt ?

1. Página Inicial2. Viver3. Visitar4. Aprender5. Negócios6. Serviços on-line7. Área Pessoal8. Classificados9. Chat/Fórum10. Newsletters11. Mapa interactivo;

6. Que temas pesquisa mais?

1. Alojamento 2. Atracções3. Bares e Discotecas4. Compras5. Cultura e Lazer6. Desporto7. Educação8. História e Monumentos9. Indústria10. Natureza11. Passear12. Religião13. Restauração14. Rua15. Serviços16. Saúde17. Serviços18. Transportes19. Turismo20. Outros21. Nenhum

7. Com que frequência acede ao Portal?

1. Uma vez por ano 2. Uma vez de seis em seis meses3. Uma vez por mês4. Mais do que uma vez por mês5. Uma vez por semana6. Mais do que uma vez por semana7. Todos os dias8. Mais do que uma vez ao dia

8. O Gaia Global permite-lhe:

314

Page 316: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

1. Estar mais perto do seu governo local. SIM NÃO

2. Estar mais perto das instituições e empresas locais. SIM NÃO

3. Aceder à informação, bens e serviços de Gaia. SIM NÃO

4. Aceder a serviços municipais on-line. SIM NÃO

5. Resolver assuntos com o seu município mais rapidamente. SIM NÃO

6. Esclarecer dúvidas com o seu município mais rapidamente. SIM NÃO

7. Intervir activamente na sua cidade. SIM NÃO

8. Exercer a sua cidadania. SIM NÃO

9. Estar mais em contacto com o que se passa na sua região. SIM NÃO

10. Ter uma melhor qualidade de vida. SIM NÃO

11. Conhecer pessoas. SIM NÃO

9. Como avaliaria o portal www.gaiaglobal.pt, em termos de design, de estética?

1 – Muito Bom2 – Bom 3 – Razoável4 – Mau 5 – Muito Mau

10. Como avaliaria este portal, em termos de organização, de facilidade de encontrar o que procura?

1 – Muito Bom 2 – Bom 3 – Razoável4 – Mau5 – Muito Mau

11. Como avaliaria este portal, em termos de conteúdos disponíveis?

1 – Muito Bom2 – Bom3 – Razoável4 – Mau5 – Muito Mau

315

Page 317: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

12. Como avaliaria este portal, em termos de actualização dos conteúdos?

1 – Muito Bom 2 – Bom3 – Razoável4 – Mau5 – Muito Mau

13. Como avaliaria este portal, considerando os serviços on-line disponíveis?

1 – Muito Bom2 – Bom3 – Razoável 4 – Mau5 – Muito Mau

14. Como avaliaria este portal considerando a eficácia/eficiência dos serviços on-line disponíveis?

1 – Muito Bom2 – Bom3 – Razoável 4 – Mau5 – Muito Mau

15. Como avaliaria este portal, em termos de interacção, de resposta on-line ás suas solicitações?

1 – Muito Bom2 – Bom3 – Razoável 4 – Mau5 – Muito Mau

16. Como avaliaria globalmente o Portal www.gaiaglobal.pt ?

1 – Muito Bom 2 – Bom 3 – Razoável4 – Mau 5 – Muito Mau

316

Page 318: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

17. Elementos Sócio-Demográficos:

Idade:

1. 18/24 2. 25/343. 35/444. 45/545. 55/646. 65 e mais

Sexo:

Masculino Feminino Estado Civil:

Solteiro (a) Casado (a)/União de facto Divorciado (a)/ Separado (a) Viúvo (a) Habilitações Literárias:

Instrução Básica Ensino Secundário Curso Superior

Profissão_______________________________________

MUITO OBRIGADOFicha técnica:

QUESTIONÁRIO ON-LINE AOS UTILIZADORES DA CIDADE DIGITAL

GAIA GLOBAL2005

Este questionário insere-se numa investigação realizada no âmbito de uma tese de dissertação de mestrado em Sociologia do ISCSP – UTL. Este estudo é financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. Os dados são anónimos e confidenciais, sendo apenas utilizados como suporte metodológico da pesquisa.

317

Page 319: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

AVEIRO DIGITAL

Homologação Custo Total Aprovado Despesa Pública Total Aprovada

Comparticipação Comunitária

Aveiro Digital

Medida 2.3

20 - Fev - 2003 

 20.000.000 €   20.000.000 €  9.458.000 €

Aveiro Digital

Medida 2.4  1.807.993€  1.349.960€ 784.400€

Aveiro Digital

Medida 1.1  200.000 €  150.000€ 82.040€

Municípios Envolvidos:11                                                         Fonte: INE

Nome População Área

Águeda 49.168 335,3

Albergaria-a-Velha 24.924 155,4

Aveiro 73.332 199,9

Estarreja 28.080 108,3

Ílhavo 37.874 73,5

Mira 12.914 124,1

Murtosa 9.465 73,3

Oliveira do Bairro 21.583 87,3

Ovar 55.715 147,4

Sever do Vouga 13.014 129,6

318

Page 320: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Vagos 22.492 164,7

TOTAL  348.561 1.598,8

http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=50&Itemid=261

GAIA GLOBAL

Homologação Custo Total Aprovado Despesa Pública Total Aprovada

Comparticipação Comunitária

Gaia Digital

11-Mar-2002 8.441.500,00 € 8.441.500,00 € 5.909.050,00 €

Municípios Envolvidos: 1                                                        Fonte: INE

Nome População Área (Km2)

Vila Nova de Gaia 293.301 168,7

  293.301 168,7

http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=49&Itemid=240

319

Page 321: PROPOSTA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA

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