88
PROVITA S ÃO P AULO HISTÓRIA DE UMA POLÍTICA PÚBLICA DE COMBATE À IMPUNIDADE, DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS E CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA

Provita São Paulo

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Provita São Paulo

Provita São Paulo

HiStória de uma

Política Pública

de combate à

imPunidade,

defeSa doS

direitoS HumanoS

e conStrução

da cidadania

Page 2: Provita São Paulo
Page 3: Provita São Paulo

PROVITA SÃO PAULO:HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e

cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

InácIO dA SILVA (cOORdenAdOR)eqUIPe TécnIcA dO PROVITA SÃO PAULO

nIcOLAU JOÃO bAkkeR

SÃO PAULO

cdHeP2008

Page 4: Provita São Paulo

Copyright © 2008 – Secretaria Especial dos Direitos Humanos – SEDHImpresso no Brasil

Distribuição Gratuita

“A Reprodução do todo ou parte deste documento é permitida somente para fins não lucrativos e com a autorização prévia e formal da SEDH/PR, desde que citada a fonte”

Silva, Inácio da PROVITA São Paulo: história de uma política pública de combate à impunidade, defesa dos direitos humanos e construção da cidadania / Inácio da Silva, Nicolau João Bakker, Equipe Técnica do PROVITA/SP; Inácio da Silva, (coordenador). -- 1. ed. -- São Paulo: CDHEPCL, 2008.

ISBN 978-85-62106-00-2

1. PROVITA São Paulo: Programa Estadual de Proteção a Testemunhas – História I. Bakker, Nicolau João. II. Equipe Técnica do PROVITA/SP. III. Título.

Autoria:Inácio da Silva (coordenador)Equipe de Sistematização do Provita/SPGrupo de Trabalho de Acesso à Justiça e Combate a ImpunidadeGrupo de Trabalho de Reinserção Cidadã dos UsuáriosGrupo de Trabalho de Rede Solidária de Proteção Nicolau João Bakker

Edição: Denise GomideProjeto gráfico e capa: Luciana Sutil de OliveiraRevisão: Maria Cecília da Costa Aguiar NaimTiragem desta edição: 1.875 exemplares impressos

Secretaria Especial dos Direitos Humanos Edifício Sede do Ministério da Justiça

Esplanada dos Ministérios, Bloco T – sala 420Brasília – DF – CEP: 70.064-900

PROVITA SÃO PAULO: História de uma Política Pública de Combate à Impunidade,

Defesa dos Direitos Humanos e Construção da Cidadania

08-10625 CDD-362.17

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índices para catálogo sistemático:1. PROVITA São Paulo: Programa Estadual de Proteção a Testemunhas:

História: Bem-estar social 362.17

Esta publicação não segue o novo “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa”, promulgado pelo o Decreto 6.583/08 de 29 de set embro de 2008, o qual estabelece que: “a implementação do Acordo obedecerá ao período de transição de 1º de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2012, durante o qual coexistirão a norma ortográfica atualmente em vigor e a nova norma estabelecida”.

Page 5: Provita São Paulo

sumário

Apresentação da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República ..............Perly Cipriano

Agradecimentos da diretoria do CDHEP ...........................................................................................................Marcos José Pereira da Silva

Introdução: O Processo de sistematização do Provita São Paulo .............................................................Equipe de Sistematização

Capítulo 1 – História da construção do Provita São Paulo ..........................................................................Nicolau João Bakker

Capítulo 2 – O Programa de Proteção a Testemunhas como instrumento de acesso à Justiça e combate à impunidade ...........................................................GT de Acesso à Justiça e Combate à Impunidade

Capítulo 3 – A reinserção cidadã dos usuários ...............................................................................................GT de Reinserção Cidadã

Capítulo 4 – A Rede Solidária de Proteção no Provita São Paulo .............................................................GT de Rede Solidária

Capítulo 5 – A relação entre o Estado e a sociedade civil na política pública de proteção a testemunhas ...................................................................................................................................Inácio da Silva

Glossário de siglas .....................................................................................................................................................

6

8

10

18

35

47

60

73

85

Page 6: Provita São Paulo

6 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

apresentação

Constitui motivo de honra realizar a apre-sentação desta publicação do Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Lim-po – CDHEP-CL, organização da sociedade ci-vil, com um histórico de mais de 27 anos de luta pela afirmação, promoção e defesa dos Direitos Humanos.

Ao concretizar esse processo de sistematiza-ção acerca da experiência do Programa de Pro-teção a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas do Estado de São Paulo (Provita/SP), o CDHEP res-gata a compreensão de Paulo Freire ao afirmar que “a prática não pode ater-se à leitura descon-textualizada do mundo, ao contrário, vincula o homem nessa busca consciente de ser, estar e agir no mundo”. Para ele, ainda, “a práxis, porém, é ação e reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo”.

Certamente, ao pensar e repensar sua práxis, o Provita/SP descobriu novos caminhos e no-vas estratégias para aperfeiçoá-la e para prosse-guir investindo sua energia e o saber acumulado na solidificação dessa Política Pública, em parce-ria com a SEDH e com as respectivas Secretarias

Estaduais. Creio que este livro sobre a História de uma

Política Pública de Combate à Impunidade, De-fesa dos Direitos Humanos e Construção da Cidadania configurar-se-á em uma ferramenta importantíssima para subsidiar e qualificar ain-da mais o trabalho de todos os atores do Sistema Nacional, envolvidos com o mister da proteção a testemunhas.

Indubitavelmente, que a metodologia utili-zada pelo Provita/SP para sistematizar a experi-ência vivenciada, qual seja, a da construção em mutirão, representa motivo de aprendizagem e é louvável, por ter conseguido – especialmente em meio ao turbilhão das atividades inerentes a um Programa de Proteção a Testemunhas – priorizar o registro da sua trajetória.

Também merece destaque no conteúdo desta publicação que, diante de todos os desafios en-contrados, as experiências foram sempre per-meadas por uma busca incessante do diálogo, por parte dos representantes de todas as instân-cias que compõem o Programa de Proteção de São Paulo.

Page 7: Provita São Paulo

7HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

apresentação

Compete salientar que as temáticas escolhidas para o registro da práxis revelam algumas das mais relevantes situações vividas pelos usuários no Programa, enfocando desde a situação de pa-vor e de medo que se encontravam em decorrên-cia da coação e das ameaças antes do ingresso no Programa até a sua inclusão, sua contribuição com o deslinde da Ação Penal, a proeminência do apoio recebido da equipe operacionalizadora das medidas de proteção, dos parceiros da Rede Solidária de Proteção (protetores, colaborado-res e prestadores de serviço), da sua reinserção em novo contexto social e construção de novos projetos de vida.

Esta publicação também nos alerta para a im-portância da interação e da co-responsabilidade de todos os atores, tanto do Poder Público quan-to da sociedade civil organizada, no desenvolvi-mento desta Política Pública de Proteção, tão im-prescindível para a preservação da incolumidade física das pessoas ameaçadas de morte, para a construção da cidadania e para a garantia de um testemunho qualificado, tudo em prol da redução

da impunidade em nosso país.Embora tenhamos ainda que percorrer uma

grande trajetória e adotar medidas eficientes e eficazes para a redução dos índices de violência e de casos que por alguma razão fiquem impunes, não se pode afirmar que o Programa de Prote-ção a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas não faça frente a essas questões emblemáticas e ne-las não tenham poder de interferência, uma vez que a experiência e os depoimentos do Provita/SP aqui registrados estão a evidenciar que esta Política Pública de Proteção se constitui hoje, em todo o Sistema Nacional de Proteção, um verda-deiro instrumento de acesso à Justiça e de com-bate à impunidade.

Perly CiprianoSubsecretário de Promoção e

Defesa dos Direitos Humanos Secretaria Especial dos Direitos Humanos

da Presidência da República

Page 8: Provita São Paulo

8 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

agradecimentos

A viabilização da sistematização que resultou nesta publicação só foi possível pela participa-ção e colaboração de um significativo número de instituições e de pessoas, parceiros do Provita/SP. Por isso, é necessário registrar o reconheci-mento e os agradecimentos pela sua inestimável contribuição:

• À Secretaria Especial dos Direitos Huma-nos da Presidência da República – na figura do ministro Paulo Vannuchi, de seu subsecretário, Perly Cipriano, e da coordenadora Geral de Pro-teção a Testemunhas, Nilda Maria Turra Ferrei-ra – que viabilizou financeiramente o processo de sistematização e esta publicação, por meio de convênio firmado com o CDHEP.

• À Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania, por intermédio do seu secretário e presidente do Conselho Deliberativo do Provita/SP (Condel/SP), Luiz Antonio Guimarães Mar-rey, e do seu secretário adjunto, Izaías José de Santana, que tem apoiado o esforço de reflexão realizado no âmbito do Condel/SP.

• À Secretaria de Estado de Segurança Públi-ca, que colabora cotidianamente na proteção dos usuários do Programa por meio do Departamen-to de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e da Corregedoria da Polícia Militar.

• Aos conselheiros e conselheiras do Condel/SP, que contribuíram nos colóquios e seminário

com a reflexão e sistematização da experiência de proteção em São Paulo.

• Aos associados e associadas do CDHEP, que acompanharam e colaboraram com o esforço de sistematização da prática.

• Ao Ministério Público do Estado de São Paulo, parceiro na construção do Provita/SP e na realização do Seminário Provita/SP, em novembro de 2007.

• Aos debatedores e coordenadores das mesas de debate do Seminário Provita/SP:

– Carlos Cardoso de Oliveira Júnior, promotor de justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo e ex-conselheiro do Condel/SP;

– Paulo Sérgio Domingues, juiz federal e con-selheiro do Condel/SP;

– Augusto Eduardo de Souza Rossini, promo-tor de justiça e conselheiro do Provita/SP;

– Marcelo Agra, membro da Coordenação Co-legiada do GAJOP e da Equipe de Monitora-mento da Rede Nacional Provita;

– Alexandra Maria de Jesus Santos, conselhei-ra do Condel/SP e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP);

– Márcia Cristina Gonçalves Conceição, co-ordenadora do Provita/BA e membro da Equipe de Monitoramento da Rede Nacio-nal Provita;

– Nicolau Bakker, associado do CDHEP e ex-conselheiro do Condel/SP;

Page 9: Provita São Paulo

9HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

agradecimentos

– Márcia Heloísa Mendonça Ruiz, delegada da DHPP e conselheira do Condel/SP;

– Inácio da Silva, associado do CDHEP, pes-quisador do Instituto Pólis e conselheiro do Condel/SP;

– Alexandre Amaral Gravonski, procurador da República e ex-conselheiro do Condel/SP;

– Maria do Carmo Alves de Albuquerque, associa-da do CDHEP e pesquisadora do Instituto Pólis.

• Aos entrevistados nas pesquisas qualitativas, realizadas durante o processo de sistematização: usuários e usuárias protegidos pelo Provita/SP; protetores, colaboradores e prestadores de serviço da Rede Solidária de Proteção do Provita/SP; pro-fissionais do Judiciário e do Ministério Público;

• Aos construtores do Programa de Proteção no Estado de São Paulo, em especial a Dermi Azevedo, presidente do Conselho Deliberativo do Provita/SP por sete anos.

Agradecimentos especiais ao conjunto de pro-fissionais do Provita São Paulo – coordenação, administrativo, técnicos, assistentes e equipe de sistematização –, que se desdobraram para pes-quisar, sistematizar, refletir e escrever sobre a experiência desses oito anos e, simultaneamente, dar conta da exigente e cotidiana tarefa de pro-teção às testemunhas, sob responsabilidade do Programa em São Paulo.

Esta primeira experiência de sistematização do Programa de Proteção no Estado de São Paulo não pretende dar conta de todas as dimensões da original e rica experiência de gestão compartilha-da desta política pública, entre Estado e socieda-de civil. Porém, temos certeza que se constitui em marco importante para a qualificação do Progra-ma de Proteção em São Paulo e uma contribuição para o Sistema Nacional de Proteção.

Marcos José Pereira da SilvaPresidente do CDHEP

Page 10: Provita São Paulo

10 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

o processo de sistematização do provita são paulo

introdução

Esta publicação é resultado de um processo de sistematização da experiência do Programa Estadu-al de Proteção a Testemunhas – o Provita/SP – reali-zado ao longo de 2007 e 2008 pelos profissionais do Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo (CDHEP), que atuam na operacio-nalização do Programa. Para tal, contam com apoio de uma equipe de sistematização, constituída exclu-sivamente para dedicar-se a esta tarefa, de membros do Conselho Deliberativo do Provita São Paulo (Condel/SP) e da própria diretoria do CDHEP. Tan-to o processo de sistematização como esta publica-ção foram viabilizados por convênio com a Secreta-ria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH) e pelo constante trabalho realiza-do por todos os envolvidos neste processo.

Nesses oito anos de efetivo funcionamento da política pública de proteção a testemunhas em São Paulo (Provita/SP), já foram protegidas aproxima-damente 500 pessoas. Pela proporção que o Progra-ma de São Paulo representa no Sistema Nacional de Proteção a Testemunhas, pela importância e pelo acúmulo já construído nesse período, impôs-se a ne-cessidade de sistematização dessa experiência. O seu objetivo consiste em produzir conhecimento sobre o Provita/SP no sentido da afirmação dos direitos humanos, da superação da impunidade e do forta-

lecimento da política pública de proteção. Busca-se, assim, analisar criticamente o modelo Provita, com vistas a fortalecer os atores que nele atuam e a qua-lificar o processo de proteção. Constitui-se, ainda, em ótima ferramenta e oportunidade para socializar a experiência já desenvolvida. Com a reflexão siste-mática, pretende-se identificar os avanços, limites e perspectivas desta política pública.

Realizar a sistematização demandou a decisão política do CDHEP e a realização de parcerias com diversos atores que participam desta política públi-ca. Foi fundamental, para isto, a constituição de uma equipe para dedicar-se a esta tarefa e o envolvimen-to, compromisso e dedicação da equipe operacional do CDHEP no Provita. Neste sentido, o conteúdo aqui apresentado é resultado de uma construção coletiva de reflexão e produção do material, escrito a muitas mãos, em meio à intensa e exigente ação cotidiana demandada pelo Programa. É importante destacar, ainda, a participação ativa dos conselheiros e conselheiras do Condel/SP, dos parceiros da Rede Solidária de Proteção e de usuários do Provita para viabilizar este processo. O esforço da sistematização é um instrumento importante para a qualificação do trabalho das equipes e de todos os atores que se en-volveram neste processo. Faz melhor quem pensa a sua prática.

Equipe de Sistematização

Page 11: Provita São Paulo

11HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

Durante o processo, foram realizadas uma série de pesquisas com usuários e colaboradores da Rede Solidária de Proteção e entrevistas com atores do Es-tado e da sociedade civil, que participaram da cons-trução e efetivação da política ao longo desses anos (em especial, de integrantes do Condel/SP) e, por fim, do estudo dos 115 casos protegidos no Estado de São Paulo até agosto de 2007, que envolveram um total de 413 pessoas.

Em novembro de 2007, o Provita/SP promoveu, em parceria com a Secretaria Especial de Direitos Humanos do governo federal, o Ministério Público do Estado de São Paulo e as Secretarias Estaduais de Segurança Pública e da Justiça e da Defesa da Ci-dadania, um seminário com a finalidade de refletir sobre a política pública de proteção a vítimas e tes-temunhas ameaçadas em execução no Estado de São Paulo, identificando seus avanços, limites e desafios. O seminário inseriu-se no processo de sistematiza-ção realizado pelo Provita/SP, por meio do CDHEP, sistematização esta mais do que conveniente após oito anos de experiência. Este livro constitui um dos frutos desta sistematização.

A publicação “Provita São Paulo: história de uma política pública de combate à impunidade, defesa dos direitos humanos e construção da cidadania” é, portanto, apenas um dos produtos desse processo de sistematização e reflexão. Apresenta, contudo, uma síntese desse processo e traz a público as inúmeras reflexões, questões e desafios levantados no decorrer deste trabalho.

Em seu primeiro capítulo, a publicação conta a história do Programa de Proteção a Testemunhas no Estado de São Paulo, contextualizando-o no cenário nacional e já apontando avanços, lacunas e desafios na sua construção. O segundo capítulo reflete so-bre o Programa de Proteção a Testemunhas como instrumento de acesso à justiça e de combate à im-punidade, com base na experiência de São Paulo, apontando conquistas significativas e fragilidades a

serem superadas, na expectativa da sua consolida-ção como política de direitos humanos. O terceiro capítulo discute a reinserção cidadã dos usuários do Programa numa nova realidade, por meio da análise de 115 casos atendidos em São Paulo e de entrevistas com usuários, e leva a refletir sobre as conquistas e os limites desse processo na construção de sua au-tonomia. O quarto capítulo analisa a construção da Rede Solidária de Proteção no Estado de São Paulo e aponta a importância do seu papel na inserção ci-dadã dos usuários e na consolidação deste modelo de proteção. Por fim, o quinto capítulo analisa a rica experiência da relação entre Estado e sociedade civil no âmbito da política pública de proteção a teste-munhas no Estado de São Paulo, apontando as suas peculiaridades, avanços, limites e desafios.

Metodologia do trabalhoA concepção metodológica que orientou o pro-

cesso de sistematização da experiência do Provita/SP privilegiou a construção coletiva do conhecimen-to. Por isto, envolveu muitas pessoas na sua constru-ção e em suas diferentes fases, desde o levantamento dos dados até a construção dos textos. Portanto, são muitos os sujeitos deste processo de sistematização. Foi um processo de construção progressiva de pes-quisa, análise dos dados e construção dos textos. Foi um esforço de articular a pesquisa, o estudo teórico e a reflexão da prática cotidiana da equipe.

A participação de um grande número de pessoas num processo de construção coletiva de conheci-mento não é uma tarefa tão simples e nem sempre tão ágil quanto seria desejável. Porém, o seu resulta-do é com certeza muito importante, na medida em que, fazendo de todas e todos sujeitos deste proces-so, resulta em um aprendizado significativo. A cons-tituição de uma equipe de sistematização ajudou a facilitar, compilar, analisar, organizar e coordenar os trabalhos. Em conjunto com as equipes profissionais do Programa, empenhou-se, ao longo de 2007 e no

Page 12: Provita São Paulo

12 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

início de 2008, no levantamento e na sistematização de dados, bem como na reflexão e na elaboração te-órica sobre estes dados e sobre a experiência de pro-teção já acumulada.

O processo de sistematização foi concebido em quatro fases. A primeira fase consistiu na defini-ção dos temas ou eixos a serem analisados. Foram eleitos cinco eixos: “História do Programa em São Paulo”, “Acesso à Justiça e combate à impunidade”, “Reinserção cidadã dos usuários”, “Rede Solidária de Proteção” e “A relação entre o Estado e a sociedade civil na política pública de proteção”. Para cada tema constituiu-se um grupo de trabalho (GT), composto pelos profissionais das equipes do Provita, da equipe de sistematização e de outros membros do CDHEP.

A segunda fase consistiu no trabalho de cons-trução de instrumentais – questionários e instru-mentos para pesquisas –, para levantar uma série de informações quantitativas e qualitativas sobre o Pro-grama e realizar as pesquisas, com diversos sujeitos envolvidos na sua execução. Esta fase resultou em cinco pesquisas distintas: uma quantitativa e quatro qualitativas. A pesquisa quantitativa constituiu-se no levantamento de uma série de dados sobre 115 casos incluídos no Provita/SP, pela aprovação do Conselho Deliberativo, até agosto de 2007. As pes-quisas qualitativas foram realizadas por meio de en-trevistas que buscaram captar o ponto de vista de usuários do Programa; de parceiros da Rede Solidá-ria de Proteção; de atores que participaram em algu-ma das fases dos processos judiciais, que envolvem testemunhas protegidas; e, por último, de membros do conselho que participaram do processo histórico de criação do Provita/SP.

A terceira fase constou de processamentos, aná-lise e reflexão do material levantado pelas pesquisas. Nessa etapa, cada Grupo de Trabalho (GT) elabo-rou categorias de análise para a leitura e tabulação dos dados, bem como um primeiro esboço de texto, com base no que se realizou nas oficinas de traba-

lho e nos colóquios, em parceria com o Conselho Deliberativo do Provita/SP, para refletir sobre os re-sultados já obtidos, enriquecendo, assim, o processo de análise e leitura das informações. Desse período, fez parte um dos momentos mais importantes do processo de sistematização e reflexão: a realização do Seminário “Provita São Paulo: História de uma Política Pública de Combate à Impunidade, Defesa dos Direitos Humanos e Construção da Cidadania”, do qual participaram aproximadamente 140 pessoas de São Paulo e outros Estados do país – contando inclusive com parceiros da Rede Solidária do Provi-ta/SP, numa participação inédita até o momento em atividades coletivas de formação.

A última fase constituiu-se da elaboração dos textos que compõem esta publicação, por meio da leitura e análise das entrevistas e pesquisas, das dis-cussões feitas nos colóquios, das oficinas, do semi-nário de novembro de 2007 e da própria prática da equipe operacional. Os seus resultados e reflexões serão apresentados ao longo dos textos em forma de tabelas, gráficos ou descritos textualmente.

Algumas considerações acerca da metodologia das pesquisas

Os tópicos a seguir apresentam algumas con-siderações acerca da metodologia e observações sobre os obstáculos enfrentados e as limitações de-correntes.

1. Pesquisa quantitativa Uma das informações imprescindíveis para a re-

flexão sobre o Programa de Proteção a Testemunhas são os principais números referentes aos casos pro-tegidos. Na época em que teve início o projeto de sistematização, no princípio de 2007, o Provita/SP já vinha desenvolvendo um sistema para a criação de um banco de dados informatizado do Programa, mas que, em fase de aperfeiçoamento, ainda não ha-via sido alimentado. Por este motivo, uma primeira

Page 13: Provita São Paulo

13HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

necessidade foi a elaboração de um modelo simples para o registro das principais informações quantita-tivas sobre cada um dos casos protegidos pelo Pro-grama, dentro do menor tempo possível.

Para isso, utilizou-se como modelo as planilhas por meio das quais o Programa presta contas so-bre alguns de seus principais números ao Tribunal de Contas da União, como, por exemplo, o total de usuários protegidos, a quantidade de testemunhas e de familiares por caso, o número de pessoas ma-triculadas na escola, de usuários em idade laboral trabalhando, entre outros. Foi criada, então, uma nova planilha, com as informações sobre a quan-tidade de pessoas – incluindo categorias como gê-nero, faixa etária, etc. –, a origem socioeconômica dos núcleos familiares, as atividades desenvolvidas dentro do Programa (em termos de educação, tra-balho e saúde) e as informações jurídicas sobre o crime testemunhado.

Sobre o universo de amostragem apresentado nos quadros aqui utilizados, é necessário chamar a atenção para alguns detalhes, a seguir expostos.

• Universo pesquisado Em função da disponibilidade do acesso aos da-dos, optou-se por fazer o recorte da pesquisa ape-nas sobre os casos incluídos no Programa pela aprovação do Conselho Deliberativo do Provita/SP – os chamados casos “SPs”. Isto significa que não foram incluídos na pesquisa os dados sobre todos aqueles casos que foram encaminhados para o Provita/SP por outros Estados (os casos de “permuta”) ou pela coordenação nacional (os denominados casos “BRs”) nem aqueles que fo-ram acolhidos pelo Programa na fase de triagem, mas que ao passarem pela avaliação das equipes técnicas e do Conselho Deliberativo, não foram incluídos no Programa. O recorte incluiu, assim, todos os casos “SPs” acolhidos no Provita/SP des-de o início do Programa, em dezembro de 1999,

até os últimos aprovados em agosto de 2007, o que incorpora desde o caso SP01 até o SP115. Nesse período, o levantamento dos dados foi feito com base nos arquivos registrados sobre os casos que já passaram pelo Programa, bem como na consulta às equipes técnicas sobre os dados dos casos que ainda se encontravam sob proteção. Mesmo assim, foram enfrentados alguns obstá-culos para se obter determinadas informações, já que, realizado apenas para os fins do trabalho de proteção, o registro dos dados constante dos ar-quivos do Programa não obedecia a um padrão apropriado para pesquisa: algumas das princi-pais categorias investigadas careciam de padro-nização e continuidade nos registros. Isso ocor-reu, por exemplo, com o nível de renda per capita das famílias antes de ingressarem no Programa – neste caso, ainda que o universo estudado cor-respondesse a 115 núcleos familiares, em apenas 85 deles havia registro sobre essa informação.

• Casos SPs: “núcleo familiar” e casos “jurídicos” Um primeiro detalhe sobre a amostra utilizada na pesquisa quantitativa se deve ao critério ini-cialmente utilizado pelo Programa para a inclu-são de núcleos familiares distintos, referentes a um mesmo “caso de ameaça”. Como será expli-cado com mais detalhes no primeiro capítulo (Histórico), as testemunhas encaminhadas são acolhidas em conjunto com seus familiares e re-cebem abrigo e amparo do Programa, em locais mantidos sob absoluto sigilo. Nesse acolhimento, tanto pode ocorrer de um mesmo núcleo fami-liar possuir mais de uma testemunha – quando duas ou mais pessoas do mesmo núcleo são tes-temunhas do crime – como uma mesma teste-munha demandar a proteção de mais de um nú-cleo familiar (a sua e a de um parente próximo que também esteja ameaçado em decorrência do seu testemunho, por exemplo). Ocorreu que,

Page 14: Provita São Paulo

14 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

para fim de prestação de contas sobre os gastos com o acolhimento e atendimento dos núcleos familiares, optou-se por atribuir uma codificação distinta para cada núcleo. Assim, se a ameaça so-bre determinada testemunha encaminhada ao Programa se estende a um outro núcleo familiar relacionado a ela, o acolhimento, se aprovado, é tratado como um novo caso. No que se refere à pesquisa quantitativa, esse fa-tor implica conseqüências distintas a depender do dado analisado. Para a contabilização dos da-dos sobre o trabalho de reinserção dos usuários, em relação à educação e emprego, por exemplo, o critério é conveniente, já que cada núcleo se insere em uma realidade distinta, em cidades distintas, demanda um atendimento específico a mobilização de parceiros da Rede Solidária que irão acompanhá-los em cada local de proteção, etc. Juridicamente, no entanto, a contagem de 115 casos nessa situação provoca dupla contagem dos dados processuais sobre os crimes cometi-dos, bem como sobre o número e situação dos acusados. Na amostra considerada nesta pesqui-sa, dos 115 SPs analisados, seis deles equivalem a núcleos familiares distintos que, judicialmen-te, se referem ao mesmo caso. Do ponto de vista dos crimes testemunhados, do tipo de acusados e dos processos penais, considera-se, portanto, um universo de 109 casos – ou seja, os 115 casos “SPs” equivalem a 109 casos com processos ou inquéritos distintos.

• Precisão dos dados jurídicos Sobre as informações jurídicas, é necessário, ainda, fazer uma observação. Em primeiro lu-gar, cabe considerar que o Programa promove o acompanhamento jurídico do processo contra o

crime testemunhado; no entanto, não atua dire-tamente no processo, ocupando-se com os aspec-tos necessários ao trabalho de proteção, orienta-ção jurídica e qualificação do testemunho1. Neste sentido, antes da iniciativa deste processo de sis-tematização, não se havia considerado a necessi-dade de registro e arquivamento das informações processuais para além daquelas diretamente rela-cionadas ao papel exercido pelo Programa. Além disso, como esse acompanhamento é realizado durante o tempo de proteção da testemunha, o registro das informações processuais sobre os ca-sos também se restringem a este período, quan-do normalmente a morosidade do sistema penal leva as investigações dos processos a se estende-rem para além do tempo de proteção. Por esse motivo, especialmente em casos de maior complexidade, é difícil obter informações precisas sobre algumas variáveis com base nos arquivos registrados, como dados detalhados sobre os acusados e o desencadeamento de to-das as investigações e processos para os quais o testemunho contribui. Freqüentemente, os do-cumentos judiciais e policiais arquivados eram insuficientes para determinar a situação proces-sual ou mesmo o número de acusados em deter-minado caso de forma precisa e atualizada.

• Denominação dos crimes testemunhados Outro desafio enfrentado, ainda no levantamen-to dos dados, mas que repercutiu especialmente na tabulação dos resultados, foi lidar com ter-mos criminais não contemplados pela legislação, tais como “chacina”, “crime organizado”, “grupo de extermínio”, entre outros. Isso porque como muitas vezes os dados sobre determinados casos eram deduzidos com base nas informações cons-

1Trabalho que se insere na construção de condições objetivas e subjetivas para que a testemunha se sinta segura, tranqüila e bem informada na hora de prestar sua contribui-ção com a Justiça. O tema “qualificação do testemunho” será abordado ainda no capítulo 2 – O programa de proteção a testemunhas como instrumento de acesso à Justiça e combate à impunidade.

Page 15: Provita São Paulo

15HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

tantes dos pareceres técnicos apresentados no conselho, termos desta natureza eram adequados à avaliação da importância do fato em questão, mas não correspondiam à categoria judicial na qual foram enquadrados nos processos ou inves-tigações. Desse modo, para evitar incorrer em equívocos judiciais na categorização dos dados, foi realizada uma adequação dos termos.

• Universo considerado nos quadros Na apresentação dos números relativos à pesqui-sa quantitativa, é discriminado, no canto inferior dos quadros, o universo total a que os dados se referem. Em cada quadro, pode-se identificar ca-tegorias de amostragem diferentes, algumas das quais podem ainda apresentar as seguintes sub-divisões: a) Número de usuários – é o total de pessoas protegidas consideradas pela amostra. Este uni-verso se divide nas seguintes categorias: – Testemunhas e familiares – discrimina,

do total de usuários, quantos efetivamente são testemunhas dos crimes denunciados e quantos são familiares aos quais se estende a proteção;

– Mulheres e homens; – Crianças, jovens e adultos. b) Número de acusados – refere-se às pessoas investigadas, processadas e/ou julgadas pelos cri-mes testemunhados. Não pode ser generalizado pela categoria “réu”, já que parte dos acusados da amostra ainda não chegou à fase de julgamento. Este universo se divide nas seguintes categorias: – Acusados não julgados; – Réus julgados. c) Número de casos – em certas ocasiões, a ado-ção do critério de identificar informações “por caso” foi escolhida, pois permite tipificar os da-dos e evitar certas imprecisões numéricas ao cen-trar atenção em indicadores sobre, por exemplo,

que tipo de acusados estão envolvidos em deter-minado tipo de crime, ainda que não se possa afirmar com precisão o número de acusados ou o número de processos a que cada réu responde. Pode-se identificar, neste sentido, em quantos dos 109 “casos jurídicos” testemunha-se contra acusados relacionados a organizações crimino-sas ou ao narcotráfico (já que em algumas si-tuações é difícil determinar o número exato de pessoas envolvidas no crime testemunhado que, de fato, pertencem a organizações criminosas ou que respondem pelo crime de narcotráfico); ou ainda, dentre os casos de proteção de testemu-nhas de chacina (judicialmente tratados como homicídio múltiplo), quantos envolvem agentes de segurança pública.

De fato, a pesquisa sobre as informações jurídi-cas dos casos SPs lida com uma limitação na preci-são de alguns dados. Por este motivo, a apresentação dos resultados será acompanhada de considerações a respeito do tipo de conclusões que apontam, sen-do algumas vezes tomados mais como indicadores sobre os impactos do Programa do que como infor-mações exatas sobre a situação dos fatos.

Ainda assim, um grande volume de informações foi levantado e sistematizado em tabelas e gráficos, apresentando indicadores significativos sobre ques-tões relevantes, que contribuem para lançar um olhar crítico sobre o Programa em termos do “acesso à jus-tiça e combate a impunidade”.

2. Pesquisa qualitativa com os parceiros da Rede Solidária de Proteção e com os usuários e usuárias protegidos

Os Grupos de Trabalho realizaram entrevistas com os parceiros da Rede Solidária de Proteção e com os usuários do Programa, com o objetivo de colher informações qualitativas que permitissem avaliar o Programa na perspectiva destes atores. As

Page 16: Provita São Paulo

16 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

perguntas que compõem os questionários de entre-vista nessas duas pesquisas foram elaboradas pelos próprios técnicos do Provita, buscando abordar as questões entendidas como mais pertinentes pelos Grupos de Trabalho constituídos para o projeto de sistematização. Optou-se pela formulação de entre-vistas com perguntas abertas, em vez de restringi-las a alternativas preestabelecidas, para que resultassem em um material mais rico, ainda que tornando mais trabalhosa a análise e a tabulação dos resultados. Isto, tendo em vista que o conteúdo produzido por esse formato de questões permitiria explorar melhor a diversidade de olhares, presentes em cada univer-so de entidades que compõe a rede.

A primeira etapa do processo de entrevistas bus-cou lançar um olhar sobre a atuação da Rede Solidá-ria de Proteção no Provita São Paulo. A escolha dos membros da rede a serem entrevistados procurou retratar a diversidade dos parceiros do Programa, bem como sua distribuição territorial. Chegou-se a uma amostra de oito protetores, dois colaboradores e quatro prestadores de serviço, sendo estes últimos um dentista e três psicólogos. As entrevistas foram aplicadas pelos pesquisadores do projeto de siste-matização, juntamente com o operador de rede, por meio de visitas pessoais aos parceiros da Rede Soli-dária. O registro das entrevistas foi feito por meio de anotações e gravações em áudio autorizadas, para que posteriormente fossem transcritas e disponibili-zadas aos grupos de trabalho.

A pesquisa com os usuários, por sua vez, teve de se submeter a regras mais cautelosas. As entrevistas foram aplicadas pelos próprios técnicos, já que se optou por não colocar os pesquisadores em conta-to direto com os usuários, preservando segurança e sigilo. Além disso, optou-se por não gravá-las em áudio, mas, sim, de forma manuscrita. Após o regis-tro de todas as entrevistas, elas foram codificadas e agrupadas por questão, evitando a identificação dos entrevistados.

Somente após a obtenção desse material resul-tante das entrevistas, tanto da rede como dos usu-ários, deu-se início à análise do conjunto das en-trevistas, com o objetivo de realizar uma tabulação das respostas registradas, com a identificação das principais questões apresentadas pelos entrevista-dos. Este método de tabulação das respostas resul-tou em significativos momentos de reflexão, pois as opiniões de cada entrevistado foram exaustivamen-te debatidas pelo coletivo do GT de Rede e do GT de Reinserção, em conjunto com os coordenadores e pesquisadores da Equipe de Sistematização, até se chegar a categorias que permitissem quantificar padrões nas respostas. Com base nesse trabalho, foi construído um conjunto de tabelas que permitiram explorar tanto a variedade de questões apresentadas pelos entrevistados como a identificação de tendên-cias apresentadas pela concentração de respostas em determinados temas. Em alguns casos, foi possível comparar as tendências apresentadas pelo conjunto das entrevistas com dados absolutos do Programa, que reforçavam a representatividade da amostra.

3. Pesquisa qualitativa com profissionais do meio jurídico e do Provita

As duas pesquisas restantes tiveram por obje-tivo colher depoimentos sobre a participação de alguns atores, em momentos específicos ao longo da história do Provita em São Paulo, bem como a relação de algumas instituições com o Programa, particularmente do meio jurídico. Neste sentido, foram desenvolvidos questionários de entrevista distintos, segundo o conteúdo que se pretendia abordar com cada grupo.

Para a pesquisa com profissionais do meio ju-rídico, foi utilizado um conjunto de questões para colher o depoimento dos parceiros institucionais no Poder Judiciário, no Ministério Público e nas Polícias Civil (DHPP) e Militar.

Para as entrevistas sobre a história do Provita

Page 17: Provita São Paulo

17HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

São Paulo, foram escolhidas algumas pessoas que participaram da construção do Programa com perspectivas distintas, buscando abordar algumas das diversas visões institucionais que acompanha-ram o processo. Para tanto, foram realizadas en-trevistas gravadas pessoalmente, além de algumas enviadas e respondidas por correio eletrônico.

Todas as entrevistas realizadas pessoalmente foram gravadas em áudio e tiveram o seu conteú- do transcrito. No caso das entrevistas com pro-fissionais do meio jurídico, o material foi lido e debatido no GT de Acesso à Justiça e Combate à Impunidade e utilizado como subsídio argumen-tativo na elaboração do capítulo 2 – “O Programa de Proteção a Testemunhas como instrumento de acesso à Justiça e combate à impunidade”, sendo, em certas ocasiões, citados trechos de algumas das entrevistas. A transcrição das entrevistas sobre o histórico do Programa, por sua vez, juntamente

com as respostas obtidas por correio eletrônico, foi utilizada como fonte de informações e citação para a redação do capítulo 1 – “História da construção do Provita em São Paulo”.

AprendizadoUm dos aprendizados mais importantes deste

processo de sistematização é justamente a identi-ficação da necessidade de registrar e arquivar as informações processuais sobre os casos protegidos com maior amplitude e precisão para fins analíti-cos, mesmo após o término do tempo de proteção. Do mesmo modo, constatou-se a necessidade de construção de um modelo mais criterioso de regis-tro de dados como um todo, de forma a padroni-zar as informações arquivadas e possibilitar uma contabilização e análise mais precisa sobre diversos indicadores, resultados e impactos da política de proteção às testemunhas no Estado de São Paulo.

Page 18: Provita São Paulo

18 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

A reação à Ditadura Militar (1964-1985)O Programa de Proteção a Testemunhas, no Es-

tado de São Paulo – o Provita/SP, instituído legal-mente pelo Decreto nº 44.214, de 30 de agosto de 1999 –, não surgiu como solução efêmera das conve-niências momentâneas de um determinado contex-to político. É fruto de um longo processo de amadu-recimento em torno da idéia dos direitos humanos, desencadeado principalmente a partir da ditadura militar, que teve seu primeiro grande contraponto na nova Constituição Federal de 1988.

Apesar de a Declaração Universal dos Direitos Humanos datar de 1948, no Brasil, o tema não con-seguiu aglutinar as forças políticas governamentais e não-governamentais até a década de 1970, em pleno período militar. Foi nesse período, com a supressão de direitos civis e políticos e com uma percepção crescente da imposição de um modelo econômico excludente que avançava sobre os direitos sociais e econômicos da população, que começaram a pipo-car as forças de resistência que levantaram a bandei-ra dos Direitos Humanos.

Sem dúvida, não seria justo atribuir a histórica luta por esses direitos apenas aos grupos que se autodenominaram de “Defesa dos Direitos Hu-manos”. A Igreja Católica em São Paulo, espaço privilegiado de resistência desde o início da dita-dura militar, organizou em várias dioceses a sua “Comissão Pastoral de Direitos Humanos”. Pos-teriormente, muitas dessas comissões evoluíram para organizações não-governamentais, com au-tonomia própria. Essa vertente religiosa deve ser vista como parte de um movimento cidadão mui-to maior, que nas décadas de 1970 e 1980 articu-lou os movimentos estudantil, sindical-operário e popular, transformando-se na avalanche sociopo-lítica que desembocou nas “Diretas Já”, em 1984 , e no fim da ditadura militar, em 1985.

A Constituição de 1988A Assembléia Constituinte e a promulgação

da nova “Constituição Cidadã”, de 1988, signifi-caram um enorme salto qualitativo, que colocou definitivamente o tema dos Direitos Humanos na

História da construção do provita são paulo

1. Contexto histórico

capítulo 1

Nicolau João Bakker*

*Nicolau Bakker é associado do CDHEP e ex-conselheireiro do Condel/SP.

Page 19: Provita São Paulo

19HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

agenda das instâncias – governamentais ou não – que se preocupavam e se preocupam com o fu-turo da nação. Os capítulos I, II e IV – Título II – da Constituição consagram o Estado Democrá-tico de Direito, apresentando um amplo elenco de direitos civis, sociais e políticos. Os direitos e as garantias individuais, além disso, fazem parte do núcleo irreformável do texto constitucional, não abrindo espaço para qualquer emenda restritiva.

Em direitos humanos, porém, mais vale a prá-tica do que a boa intenção. Até hoje, o reconhe-cimento formal não foi suficiente para modificar substancialmente o padrão tradicional das graves violações a estes direitos no País. Como observa Paulo Sérgio Pinheiro:

A Conferência de VienaEm 1993, é realizada em Viena, sob os auspícios

da Organização das Nações Unidas (ONU), a Confe-rência Mundial de Direitos Humanos. O Brasil teve destacada atuação, tendo o privilégio de presidir o comitê responsável pela redação final do documen-to. Consta da Declaração de Viena que “todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, inter-dependentes e inter-relacionados” (art. 5º). Expres-sando-se desta forma, além de revelar um avanço na própria concepção – mais sistêmica, holística – de direitos humanos, o “Programa de Ação” da Confe-rência de Viena abriu espaço para aquilo que muitas organizações não-governamentais, comprometidas com os direitos humanos, têm chamado de “o direi-to à criação de direitos”. A Declaração Universal de

1948 não constituiu o ponto final de um processo temporário, mas o ponto culminante e significativo de um processo permanente. Viena foi muito além da Declaração Universal quando afirmou:

Sob esse ponto de vista, o Brasil fez progresso inegável, especialmente com o restabelecimento da democracia formal, em 1985. Em muitos lugares do país, surgiu um clima mais favorável de diálogo aberto com as entidades de direitos humanos. Em São Paulo e Rio de Janeiro, os governos estaduais, Franco Montoro e Leonel Brizola (1983-1987), to-maram posturas políticas explícitas de defesa dos di-reitos humanos e da necessidade de o Estado contro-lar melhor a violência ilegal dos aparelhos policiais, mediante programas diversificados de formação e atuação, especialmente na área da Polícia Militar.

No início da década de 1990, o governo bra-sileiro ratificou, como manda a Constituição, os principais textos do direito internacional dos direi-tos humanos aos quais os governos militares não aderiram: a Convenção Interamericana para Pre-venir e Punir a Tortura (1989), a Convenção sobre os Direitos da Criança (1990), o Pacto Internacio-nal sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1992), o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1992), a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1992) e a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis e Degradantes (1993).

2PINHEIRO, Paulo Sérgio. Prefácio. In: DIMENSTEIN, Gilberto. Democracia em Pedaços – Direitos Humanos no Brasil. São Paulo, Editora Scharcz Ltda, 1996. p. 18.3CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE OS DIREITOS HUMANOS. Declaração e Programa de Ação de Viena (1993). Pode ser encontrada na Internet, na página da “Procura-doria Federal dos Direitos do Cidadão” (http://pfdc.pgr.mpf.gov.br).

Esse descompasso entre as garantias formais e as violações persiste porque corresponde a outro descompasso entre a letra da Constitui-ção e o funcionamento das instituições encar-regadas de sua proteção e implementação, e as práticas de seus agentes, como polícia e o Judiciário2.

A Conferência Mundial sobre Direitos Huma-nos vê com bons olhos o progresso alcançado na codificação dos instrumentos de direitos humanos, que constitui um processo dinâmi-co e evolutivo, e recomenda vigorosamente a ratificação universal dos tratados de direitos humanos existentes. Todos os Estados devem aderir a esses instrumentos internacionais e devem evitar ao máximo a formulação de re-servas (nº 26)3.

Page 20: Provita São Paulo

20 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

O Programa Nacional de Direitos Humanos São perceptíveis a pressão e o papel preponde-

rante das entidades não-governamentais, nacionais e internacionais, que possibilitaram os evidentes avanços obtidos. No Brasil, a pedido das ONGs brasileiras presentes em Viena, o então ministro da Justiça, Maurício Corrêa, convocou, em 1993, uma série de reuniões entre governo e sociedade civil – as primeiras do gênero na história brasileira – para definir uma agenda nacional de direitos humanos. Outras reuniões com as ONGs já haviam ocorrido no Itamaraty, a convite do então chanceler Fernando Henrique Cardoso, em preparação à Conferência de Viena. De acordo com o texto “A teimosia de acre-ditar na vida”, de Dermi Azevedo, é neste período que referências a um Programa de Proteção passam a fazer parte dos principais documentos, oficiais e não-governamentais, sobre Direitos Humanos no Brasil4. Ainda conforme o mesmo texto, em 1993, um relatório do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP) e da Comissão Teutônio Vilela recomendou:

O relatório de 1995, dessas mesmas entidades,

sugeriu, na sua recomendação 8.4, a criação de um programa federal de proteção a testemunhas, além dos programas em nível estadual.

Deve-se salientar a forte influência do Movimen-to Nacional de Direitos Humanos (MNDH). Fun-dado em 1982, na cidade de Petrópolis (RJ), com quase 400 entidades filiadas, entre as quais, até hoje,

a maioria das ONGs gestoras dos Programas de Pro-teção a Testemunhas, o movimento se torna um dos principais interlocutores na implementação inicial dos Programas. Em 1993, o Movimento iniciou, no Estado do Espírito Santo – onde o crime organizado mais profundamente se infiltrou nos próprios pode-res governamentais –, a Campanha Nacional contra a Impunidade, que seis anos depois gerou o Fórum Permanente contra o Crime Organizado / Reage Es-pírito Santo. Da mesma forma, em outros Estados, o Movimento Nacional de Direitos Humanos sempre se constituiu num ator de peso nas articulações en-tre Estado e sociedade civil.

Com o intuito explícito de pôr em prática uma das recomendações de Viena, o então presidente Fernando Henrique Cardoso, em discurso no Dia da Independência, em 1995, anunciou sua disposi-ção de preparar um “Plano Nacional de Direitos Hu-manos”, a ser elaborado em diálogo com a sociedade civil. Na ocasião, afirmou:

O episódio em Eldorado dos Carajás, no ano seguinte, acalorou ainda mais esse debate. O Pro-grama Nacional de Direitos Humanos, publicado em 1996, em consonância com o clamor da épo-ca, plantou a semente para a criação dos diversos programas de proteção a vítimas e testemunhas no nosso país. O capítulo que trata da “Luta contra a impunidade” estabeleceu a meta de “apoiar a cria-ção nos Estados de programas de proteção a víti-mas e testemunhas de crimes, expostas a grave e atual perigo em virtude de colaboração ou declara-

4AZEVEDO, Dermi. A teimosia de acreditar na vida. Texto apresentado em setembro de 2003, na abertura do VI Seminário Nacional do Provita, em Salvador (BA).

Tanto no massacre da Candelária quanto no de Vigário Geral e em qualquer caso no futu-ro que envolva violência policial, as autorida-des estaduais devem oferecer e providenciar, quando necessário, efetiva proteção para as testemunhas, que podem, do contrário, sen-tir-se intimidadas e não fornecer evidências relevantes.

Eu acho que nós temos violações graves, in-vestigações que não puderam, ainda, chegar a seu termo, no Carandiru, na Candelária, em Vigário Geral, nos jovens desaparecidos de Acari e, mais recentemente, em Corumbiara. E é preciso ter instrumentos que permitam uma punição exemplar.

Page 21: Provita São Paulo

21HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

ções prestadas em investigação ou processo penal”.

A experiência do GAJOP no PernambucoA força-motriz no desenvolvimento da con-

cepção brasileira de política pública de proteção a testemunhas, como também a sua primeira criação e implementação no Estado de Pernambuco, em 1996, sem dúvida, deve ser atribuída ao Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares – o GAJOP, “entidade de direitos humanos que tra-balha com o direito à segurança e à justiça, preocu-pada com a questão da impunidade”5. Um dos fatos geradores para a criação do Provita foi a vinda ao Brasil do senegalês Pierre Sané, secretário geral da Anistia Internacional em Londres. Ao chegar a São Paulo, declarou à imprensa: “É uma coisa inaceitável que o Brasil, com índices de violência e impunidade alarmantes, não tenha nenhum programa de prote-ção a testemunhas”. Pouco depois, assinaria como testemunha do primeiro convênio do GAJOP com o Estado de Pernambuco.

O Estado de Pernambuco, juntamente com di-versos outros Estados do Brasil, viu explodir a esca-lada da violência, nas décadas de 1980 e 1990, quase sempre praticada com a participação de órgãos do Estado destinados ao seu combate. Como exemplo, o documento “Em Defesa da Vida”, do Fórum em Defesa da Vida contra a Violência, da zona sul de São Paulo, trouxe um diagnóstico, fruto de pesqui-sa realizada pelo Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo (CDHEP), em conjunto com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). O documento, de dezem-bro de 1999, constatou, entre outros:

Foi nesse clima que o GAJOP, em vista dos sig-nificativos resultados obtidos em Pernambuco, ce-lebrou, em 1998, um convênio com o Ministério de Justiça, por meio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, com o intuito de sensibilizar outros Es-tados a implantar o Programa, seguindo a diretriz do Programa Nacional de Direitos Humanos. Ainda no mesmo ano, a proposta se tornou realidade nos Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia. Hoje, são 17 Estados, além do Programa Nacional, que atendem os casos com dificuldades específicas nos seus Estados de origem.

A Lei Federal 9.807Após o I Encontro Interestadual, realizado em

5MONTEIRO, Valdênia Brito. PROVITA: uma proposta de política pública. Revista Direitos Humanos GAJOP, Recife, Ano 03, n. 07, p. 15, 2001.6FÓRUM EM DEFESA DA VIDA CONTRA A VIOLÊNCIA. Em Defesa da Vida. Documento apresentado em dezembro de 1999. p. 3-4.

Dos dados colhidos extraímos apenas aque-les que claramente demonstram que a esca-lada da violência na Zona Sul supera todos

os limites imagináveis... Estudo recente da ONU aponta o Brasil como o primeiro do mundo em número de mortes por armas de fogo: são 26 homicídios para cada 100.000 habitantes. A média anual de homicídios na cidade de São Paulo está em torno de 48 por 100.000 habitantes (…). Tradicionalmente a cidade de Cali, Colômbia, era considerada a cidade mais violenta do mundo, com 90 ho-micídios para cada 100.000 habitantes. Em 1995, a ONU declara que Jd. Ângela é o lugar mais violento do mundo, com 110 homicí-dios para o mesmo número de habitantes... De acordo com dados do Serviço Funerário do Município de São Paulo, em 1994, na fai-xa de idade de 15 a 24 anos, o número de homicídios em cada 100.000 jovens, nos melhores bairros, não chega a 10, enquanto, nos Distritos de Jd. Ângela, São Luís e Capão Redondo, a média passa de 200, portanto, 20 vezes mais... Dos Inquéritos Policiais, quan-do feitos, 90% são arquivados. Conforme dados do Departamento de Planejamento e Controle, da Polícia Civil de São Paulo, dos 201.000 crimes ocorridos nos diversos Distritos Policiais nos primeiros 9 meses de 1997, apenas 2,49% foram solucionados. A impunidade generalizada tornou lícito o que era proibido. A máscara caiu6.

Page 22: Provita São Paulo

22 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

Recife, o GAJOP enviou um Projeto de Lei Federal à Secretaria Nacional de Direitos Humanos do Minis-tério da Justiça que, por sua vez, enviou este PL ao Congresso Nacional, em setembro de 1997. Os Pro-jetos de Lei existentes – Nº 610/95, 1.348/95, 3.599-A/97 e 4.264/98 – sofreram modificações posterio-res até se transformarem na Lei Nacional nº 9.807, de 13 de julho de 1999, que

A Lei, regulamentada por Decreto do presidente da República em 20 de junho de 2000, na sua con-cepção mais básica, respeita o princípio de parceria entre Estado e sociedade civil. Respeita também o conceito de “vítima”, expresso na “Declaração dos Princípios Básicos de Justiça para as Vítimas de De-litos e de Abuso de Poder” (Resolução da Assembléia Geral da ONU nº 40/34, de novembro de 1985), a qual reconhece que na expressão “vítima” “estão in-cluídos também, quando apropriado, os familiares ou pessoas dependentes que tenham relação ime-diata com a vítima e as pessoas que tenham sofrido danos ao intervir para dar assistência à vítima em perigo ou para prevenir a ação danificadora”7.

Além de definir normas para a implantação dos programas estaduais, haja vista tratar-se de uma atribuição inserida tanto na competência da União quanto na das Unidades Federativas, o Programa Nacional dispõe também sobre a pro-teção aos réus colaboradores e inova ao inserir no Direito Penal brasileiro o instituto da delação

premiada, previsto em seus artigos 13 e 14. No marco legal do Programa, encontra-se o

seguinte “tripé organizativo”:

1. O Conselho Deliberativo – Cabe a este a direção superior do Programa e a responsabili-dade pelas diretrizes gerais de funcionamento e supervisão. É composto por representantes do Ministério Público, do Poder Judiciário e de ór-gãos públicos e privados relacionados com a se-gurança pública e a defesa dos direitos humanos (art. 4º). O Conselho decide quem entra e quem sai do Programa (art. 6º).

2. A Entidade Gestora – Cabe a esta a opera-cionalização do Programa. É, via de regra, uma entidade da sociedade civil com tradição em de-fesa de Direitos Humanos ou segurança. A enti-dade tem autonomia operacional, sob controle do Conselho. Atua mediante equipe técnica in-terdisciplinar especializada, composta por psicó-logos, advogados, assistentes sociais e assistentes operacionais.

3. A Rede Solidária de Proteção – Cabe a esta a função essencial de “retaguarda” do Programa. É composta de colaboradores, prestadores de serviço e protetores que, voluntariamente, como pessoa ou entidade, se dispõem a colaborar com os usuários do Programa, oferecendo apoios di-versos, sob o compromisso de sigilo rigoroso.

A Lei ainda prevê que o Programa será exe-cutado por meio de convênios entre o governo federal e os governos estaduais, que, por sua vez, delegam, mediante convênio, a execução para uma entidade operacional contratada pelo Con-selho Deliberativo.

7Declaração dos Princípios Básicos de Justiça para as Vítimas de Delitos e de Abuso de Poder, resolução da Assembléia Geral da ONU nº 40/34, de novembro de 1985.

estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de pro-teção a vítimas e a testemunhas ameaçadas, institui o Programa Federal de Assistên-cia a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas e dispõe sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal.

Page 23: Provita São Paulo

23HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

Os antecendentesA criação do Programa de Proteção a Testemu-

nhas no Estado de São Paulo tem alguns “antece-dentes” que não podem ser perdidos de vista, uma vez que seus autores continuaram sendo parceiros imprescindíveis após a criação do “Provita/SP”. Com a necessidade constante de dar proteção a tes-temunhas em situação de risco, o governador Má-rio Covas criou, em 1995, a Delegacia de Polícia de Proteção a Testemunhas8, na Divisão de Proteção à Pessoa do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), a primeira Delegacia deste tipo. Esta Delegacia viria a ser um dos esteios indispen-sáveis ao Programa de Proteção, participando regu-larmente do seu Conselho Deliberativo e mantendo uma relação de parceria permanente com a entida-de gestora, que usa regularmente seus serviços. Da mesma forma, o Programa contou desde o início com o apoio direto e permanente da Corregedoria da Polícia Militar e, ocasionalmente, também com o Centro de Referência e Apoio à Vítima (Cravi), cria-do em 17 de julho de 1998.

O compromisso do governo Mário Covas com a causa dos Direitos Humanos ficou evidente quan-do São Paulo se tornou o primeiro Estado a ter um Programa Estadual de Direitos Humanos. Em 1999, é publicado o II Relatório do Programa Estadual do Estado de São Paulo. Na introdução ao Relatório, o governador diz:

No ponto 3.1 do Programa, que trata do acesso à Justiça e da luta contra a impunidade, consta como ação a ser implementada:

O CDHEP como Entidade OperacionalO Centro de Direitos Humanos e Educação

Popular de Campo Limpo, (CDHEP), São Paulo, fundado em 1981, vinha exercendo uma atuação cada vez mais forte em prol dos Direitos Humanos. Inicialmente, limitado à Diocese de Campo Limpo, tendo o foco principal voltado para a defesa dos direitos civis no contexto da ditadura militar. Pos-teriormente, já com maior autonomia e ampliando sua atuação para a zona sul de São Paulo e municí-pios vizinhos, voltou-se também para a defesa dos direitos sociais, econômicos e culturais. Na década de 1990, com plena autonomia, cumpriu um am-plo leque de programas, sendo os principais uma “Escola de Lideranças”, dedicada à formação per-manente das lideranças dos movimentos sociais e eclesiais da região, bem como um programa de assessoria, organização e acompanhamento dos inúmeros movimentos populares que permeavam o combativo tecido social da zona sul. Participou também, de forma ativa, do Regional Sul I do Mo-vimento Nacional de Direitos Humanos ao qual, até hoje, está filiado.

Chamou atenção especial o programa “Em De-fesa da Vida contra a Violência”, iniciado em 1996, em coordenação conjunta com algumas outras

2. Criação do Provita no Estado de São Paulo

8Atual Delegacia de Proteção de Vítimas, Testemunhas e Acusados (3º Delegacia de Polícia da Divisão de Proteção à Pessoa do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa da Polícia Civil do Estado de São Paulo).

“O Programa Estadual de Direitos Humanos reconhece que a consolidação da democracia exige a garantia dos direitos humanos. Por ou-tro lado, para que estes se tornem realidade, devem ser assegurados canais de participação popular, fortalecendo assim a jovem demo-cracia brasileira”.

“criar programa estadual de proteção a víti-mas e testemunhas, bem como a seus familia-res, ameaçados em razão de envolvimento em inquérito policial e/ou processo judicial, em parceria com a sociedade civil” (ação nº 106).

Page 24: Provita São Paulo

24 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

entidades expressivas da região, e que coroou, de fato, uma linha de atuação que era prioritária para o CDHEP desde o seu início. No final da década de 1990, o Fórum em Defesa da Vida reunia mais de 200 entidades sociais, educacionais e culturais, que, em conjunto, desenvolveram uma ampla mo-bilização popular contra a violência e também apresentaram um elenco expressivo de propostas de combate à violência e à impunidade, reiteradas vezes discutidas em seminários com as Secretarias de Políticas Públicas Estaduais e Municipais. Im-portantes decisões políticas, como a implantação da Polícia Comunitária e dos Centros de Integra-ção da Cidadania (CICs), receberam um apoio significativo deste Fórum. Principalmente por esta atuação, o CDHEP se torna, em 1999, a primeira entidade a receber da Câmara Municipal de São Paulo o “Prêmio Betinho da Cidadania”.

Sem dúvida, foi por causa desse prolonga-do comprometimento com a causa dos Direitos Humanos que o então governador Mário Covas enviou, em 1997, dois emissários, convidando o CDHEP a operacionalizar o Programa de Prote-ção a Testemunhas. Pouco antes, a Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania já havia enviado um assessor aos Estados Unidos para conhecer o Programa de lá e recebido a visita do jurista esta-dunidense Gerald Schur, assessor do Federal Bu-reau of Investigation9 (FBI) nessa área. Foram fei-tas também reuniões com o GAJOP, representado pelo seu então coordenador, o advogado Jayme Benvenuto Jr. – hoje, da coordenação colegiada da organização. A coordenação executiva do proces-so foi entregue ao primeiro presidente do Condel/SP, Dermi Azevedo. Importante decisão tomada foi a inclusão no programa paulista da Secretaria de Segurança Pública.

Seguiu-se um longo período de intensos deba-tes, dentro do CDHEP e com os órgãos envolvidos, sobre a conveniência de aceitar, ou não, o convite. Interlocutores importantes na época foram, além da equipe do CDHEP, Belizário dos Santos Jr., Se-cretário da Justiça e da Defesa da Cidadania, Dermi Azevedo, pelo seu perfil histórico de militante da área dos direitos humanos, e os promotores Carlos Cardoso e Augusto Rossini, ambos indicados pela Procuradoria Geral de Justiça para acompanhar a construção do Provita/SP. O Ministério Público Estadual viria a colaborar de modo especial com o Programa, não apenas pela sua presença no Con-selho Deliberativo, mas também pela colaboração freqüente de órgãos como o Centro de Apoio Ope-racional de Execução (CAEx) e o Grupo de Atu-ação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco).

Observou o então diretor do CDHEP, Inácio da Silva – membro associado do CDHEP e atualmente seu representante no Condel/SP –, em uma entre-vista recente:

9Escritório Federal de Investigação.

O CDHEP, ao ser convidado para gerir o Pro-grama de Proteção, mergulhou em profunda reflexão se devia ou não assumi-lo. Entre ou-tras, as perguntas que nos fizemos foram: É tarefa da sociedade civil executar uma Política Pública com esta complexidade, que envolve risco e responsabilidade sobre a vida de pes-soas? Esta não deve ser uma tarefa típica do Estado, no seu papel de garantir a segurança e a vida das pessoas, inclusive das ameaçadas por serem testemunhas? Assumir não signi-fica substituir o Estado na responsabilidade sobre esta política? Não faz parte de um pro-cesso de terceirização e desresponsabilização do Estado com as políticas públicas? Será que o CDHEP tem condições objetivas de assumir tal responsabilidade, sem colocar em risco a instituição CDHEP, tendo em vista as respon-sabilidades trabalhistas que irá assumir?

Page 25: Provita São Paulo

25HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

A seguir, na mesma entrevista, Inácio respondeu:

De fato, seria incoerente não assumir um progra-ma de direitos humanos pelo qual o Movimento de Direitos Humanos batalhava havia anos. O processo de reflexão que foi feito aprofundou, para a equipe do CDHEP, a própria concepção do Programa de Proteção como política pública. Sem esta política, assumida em conjunto pelo Estado e pela socieda-de civil e considerada por todos como de urgência máxima – uma prioridade –, seria quase impossí-vel romper com a cultura da violência, arraigada nas próprias instituições do Estado, como também realizar um efetivo combate à criminalidade e à impunidade.

O Provita/SP foi instituído oficialmente, em 30 de agosto de 1999, por meio da assinatura do Decre-to nº 44.214 pelo governador Mário Covas. O pri-meiro convênio entre o governo do Estado de São

Paulo e o Ministério da Justiça foi assinado em 31 de agosto de 1999. O primeiro convênio das Secretarias da Justiça e da Defesa da Cidadania e da Seguran-ça Pública do Estado de São Paulo com o CDHEP foi assinado em 14 de dezembro de 1999, após um período de seleção e intenso treinamento da equipe multidisciplinar. O primeiro folheto institucional de divulgação do Programa informou:

As condições negociadasA Lei 9.807/99 deixou em aberto alguns pontos

que o CDHEP colocou como condições “sine qua non” para assumir o Programa. Era preciso ofere-cer aos “funcionários” do Programa toda a garantia das leis trabalhistas. Sem esta condição, o futuro do CDHEP, como instituição, poderia estar ameaçado, e ninguém estava disposto a assumir tal risco.

Outra condição era a questão da autonomia do CDHEP na operacionalização do Programa. A au-tonomia é condição indispensável para a segurança, tanto dos protegidos como da equipe técnica.

Uma última condição, menos aprofundada foi a questão da regularidade do orçamento financeiro. O dia-a-dia do Programa, pouco depois, mostraria o quanto era fundamentada esta preocupação.

Com quase dez anos de funcionamento, o Pro-vita costuma ser caracterizado, nos encontros e se-minários nacionais e estaduais relacionados a ele, como “uma política pública que deu certo”. Talvez, por um lado, possa haver um certo ufanismo nesta constatação, facilmente compreensível pelo fato de

os participantes desses encontros terem sido aque-les que “vestiram a camisa” desta política pública, investindo nela muito tempo, esforço de reflexão, comprometimento e, em muitos casos, dedicação exclusiva.

Por outro lado, exatamente pelo seu alto grau de

3. Provita: os desafios de uma política pública

A decisão de assumir o Programa foi resul-tado da percepção que o CDHEP tinha um papel fundamental na implementação do Pro-grama no Estado de São Paulo. Tínhamos a consciência de que a história de compromisso com a luta pelos direitos humanos nos colo-cava entre as entidades de Direitos Humanos com as melhores condições para responder ao desafio naquele momento. Por isso, era quase impossível nos furtarmos à tarefa que nos foi colocada de contribuir com a implementação de uma política pública, na perspectiva de su-perar o medo, a violência e a impunidade. As-sumimos o Programa e o fizemos, na minha avaliação, acertadamente.

Em julho de 2000, o Provita/SP já havia cum-prido a meta de atendimento a 30 testemu-nhas, prevista para o primeiro ano de traba-lho. Até o final de 2001, a meta do Programa é o atendimento a 100 testemunhas e a seus familiares.

Page 26: Provita São Paulo

26 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

10Como apontado anteriormente, ainda que a Lei Federal que institui o Programa Federal de Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas seja de 13 julho de 1999, em 1998 já haviam sido firmados convênios que instituíram Programas Estaduais nos Estados do Pernambuco, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia.

comprometimento com essa política, os participan-tes do processo puderam construir um modelo que, de fato, se consolidou. Um modelo inovador de par-ceria entre Estado e sociedade civil, que os obrigou a enfrentar os inúmeros desafios próprios dessa re-lação. Um modelo que se consolidou não por acaso, mas por estar ancorado num processo permanente de diálogo entre sujeitos com visões de mundo dife-rentes; com pontos de vista diversos na abordagem dos desafios e problemas, mas coincidentes no ob-jetivo comum: oferecer uma proteção eficaz a teste-munhas, no intuito de superação do grave problema da impunidade.

O relatório de uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), realizada no 2º semestre de 2004 nos programas que constituem a Rede Na-cional Provita, divulgou com certa euforia os resul-tados obtidos, da seguinte forma:

Os desafios nacionais, no entanto, não foram poucos. São elucidativos, nesta perspectiva, os rela-tórios, as atas e “cartas” dos Encontros e Seminários Nacionais, que revelam os pontos mais significativos deste processo de amadurecimento. Esses debates foram realizados anualmente, a partir de 2000, nas seguintes capitais: o primeiro, em Campo Grande/MT (2000); a seguir, em São Paulo/SP (2001), em Belo Horizonte/MG (2002), em Canela/RS (2002), em Manaus/AM (2003), em Salvador/BA (2003), em Florianópolis/SC (2004), em Vitória/ES (2004),

em Belém/PA (2006) e, por fim, o décimo Seminá-rio, em Fortaleza/CE (2007).

Alguns desafios merecem destaque especial, como se verá a seguir.

O desafio financeiroNuma memória do GAJOP sobre o encontro in-

terestadual realizado no Recife, em 22 de outubro de 1999, todas as entidades gestoras presentes (Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Pará, Pernam-buco, Rio de Janeiro e São Paulo), com exceção do Pará, onde o Programa ainda estava em fase de im-plantação, citaram problemas com relação a verbas governamentais em atraso ou reduzidas. O Progra-ma de São Paulo, embora com uma estabilidade fi-nanceira maior, também não escapou de momen-tos de tensão. Nos Encontros Nacionais, o tema foi recorrente. Em diversas oportunidades, o CDHEP levantou a questão sobre a necessidade de um “fun-do de emergência” para cobrir eventuais atrasos das verbas públicas, ocorrência considerada bastante comum e inevitável na realidade política brasileira, mas que não poderia, de maneira alguma, obrigar a entidade gestora a cobrir rombos de forma não au-torizada pelos seus Estatutos.

Em 25 e 26 de novembro de 2002, foi realizada uma Oficina de Trabalho com representantes dos diversos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Proteção, sendo um dos seus objetivos preparar as principais propostas de aperfeiçoamento do Sistema, a serem encaminhadas ao governo de transição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Uma das pro-postas levantadas (nº 4) foi “a criação de um Fundo de Reserva de caráter suplementar aos orçamentos destinados ao Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas”. Por ocasião do Seminá-rio Nacional de Salvador, em setembro de 2003, a

Foi garantida a integridade física de mais de 1.200 pessoas desde o início do Programa em 199810, o que contribuiu para a elucidação de mais de 400 crimes de alto poder ofensivo e repercussão oficial. Ao mesmo tempo, não há registro de nenhuma morte de beneficiá-rios por atentado, tendo ocorrido dois casos de suicídio e um de morte natural (cirrose hepática).

Page 27: Provita São Paulo

27HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

criação deste Fundo de Emergência foi proposta ofi-cialmente por todos os Estados conveniados, com base em 10% do valor dos convênios.

O relatório da já mencionada auditoria do Tribu-nal de Contas da União, falando da sistematização dos repasses financeiros, observou: “As secretarias estaduais não mantêm um repasse regular de recur-sos financeiros para as ONGs. Este fato comprome-te o funcionamento do Programa e desestimula os gestores das entidades executoras estaduais”. Como proposta de encaminhamento, resolveu

Ainda no Encontro Nacional de Fortaleza (2007), o Fórum Permanente do Sistema Nacional apresen-tou como recomendação:

Trata-se, portanto, de um desafio árduo. Não é fácil mexer com as engrenagens da máquina estatal.

O desafio do Sistema de MonitoramentoDesde o início, a então Secretaria de Direitos

Humanos do Ministério da Justiça (hoje Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da Re-pública), com apoio do Programa das Nações Uni-das para o Desenvolvimento (Pnud), se incumbiu da assinatura dos convênios e do controle orçamentá-

rio dos Estados que, aos poucos, foram aderindo ao Programa Nacional. O dia-a-dia da implementação do Programa, porém, era feito pelo GAJOP, que assi-nou um convênio com a Secretaria nesta perspecti-va. Com grande dedicação, acompanhou o processo de implantação nos Estados, cuidou da formação das equipes técnicas responsáveis pela operacionali-zação e manteve contato permanente com a entida-de operacional e as equipes técnicas para solucionar os problemas que surgiram.

Ocasionalmente, no entanto, surgiram dúvidas. Qual o papel específico da Secretaria Especial de Direitos Humanos, responsável, em última análi-se, pelos resultados e pela credibilidade desta nova política pública? O papel de monitorar o Programa não cabe, em primeiro lugar, ao Estado como órgão máximo de planejamento, decisão e implementação financeira? Até onde pode a sociedade civil – por in-termédio do GAJOP ou de alguma outra forma – as-sumir o papel de coordenação do Programa? Ques-tionamentos parecidos foram feitos também pelos Conselhos Deliberativos e pelas Secretarias Estadu-ais de Justiça e Segurança. Até onde o monitoramen-to nacional pode interferir nos programas estaduais, se cabe aos Conselhos Deliberativos a direção geral e a supervisão e, à entidade gestora, a operacionali-zação do Programa?

Um momento emblemático deste processo de amadurecimento aconteceu no início do novo go-verno Luiz Inácio Lula da Silva. A Secretaria Espe-cial de Direitos Humanos havia passado a integrar a estrutura da Presidência da República, por meio do Decreto nº 4.671, de 10 de abril de 2003. Em agos-to de 2003, um grupo de representantes do Fórum Permanente se reuniu em Brasília, com o objetivo explícito, entre outros, de inserir os Programas de Proteção no novo contexto político. A questão do monitoramento, naquela ocasião, era crucial. Perce-beu-se claramente que todos os sujeitos envolvidos sentiram um certo “pisar em ovos”. Com o passar dos

(...) recomendar à Secretaria Especial dos Di-reitos Humanos que discuta com a Secreta-ria Nacional de Segurança Pública (Senasp), como critérios para recebimento dos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública pe-los Estados, a inclusão da regularidade dos repasses financeiros dos governos estaduais para as entidades executoras do Programa no âmbito dos convênios respectivos firmados com a Sedh para a implementação dos Pro-gramas Estaduais de Proteção a Testemunhas Ameaçadas. (nº 9.2).

A União, os Estados e o Distrito Federal de-verão garantir a continuidade dos convênios com a antecedência necessária, de modo a evitar descontinuidade do repasse dos recur-sos, que afetam sobremaneira os usuários e as organizações da sociedade civil que operacio-nalizam o Programa.

Page 28: Provita São Paulo

28 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

dias, no entanto, o clima se tornou bastante agradá-vel. Os pontos de vista divergentes sobre o Sistema de Monitoramento foram discutidos, sem maiores dificuldades, para chegar ao consenso. A Secretaria Especial deixou evidente que não abriria mão “nem um milímetro” de seu papel dirigente – consagrado em Lei nos Estados conveniados – nem de seu papel de responsável maior pela política pública de prote-ção a testemunhas, inclusive mantendo nas mãos o controle do sistema de monitoramento em âmbito nacional. Por sua vez, as entidades gestoras deixa-ram explícito que, dentro do modelo proposto, era perfeitamente possível manter sua autonomia espe-cífica desde que, de ambas as partes, não houvesse a intenção de transformar o “outro lado” num mero executor de serviços ou num mero fornecedor de re-cursos. O que se pretendia era uma real parceria em que Estado e sociedade civil assumissem, do come-ço ao fim e em conjunto, uma determinada política pública, mantendo ambos os lados a sua autonomia e responsabilidade específicas. Foi a partir desse momento que o monitoramento passou a ser de res-ponsabilidade compartilhada entre a Coordenação

Geral de Proteção a Testemunhas e o GAJOP.

Uma política consolidadaNo decorrer do tempo, também no interior do

processo de cada Estado conveniado, muitos outros pontos foram, não raro, motivo de ásperas discussões e confrontos, especialmente por ocasião de mudan-ça de governo, com a entrada de novos sujeitos nem sempre familiarizados com as características exclusi-vas do Programa ou por ocasião de uma nova com-posição do Conselho Deliberativo, que decisivamente necessita de tempo para entender as funções específi-cas e, muitas vezes, sigilosas da entidade operacional ou das equipes técnicas. Em alguns Estados, os atritos levaram à necessidade de troca da entidade operacio-nal ou a alguma forma de re-configuração do Conse-lho Deliberativo. Mais adiante nesta publicação, são expostos alguns detalhes do processo em São Paulo, os quais trarão mais luz sobre a relação Estado e so-ciedade nesta política. Em geral, porém, os embates resultaram num processo de amadurecimento que transformou esta política pública numa política exi-tosa, tanto em âmbito nacional quanto nos Estados.

Indicadores de resultadosO CDHEP, como entidade gestora do Programa

de Proteção a Testemunhas no Estado de São Pau-lo, tendo sido financiado, em boa parte e por longos anos, por agências financiadoras eclesiais e gover-namentais da Europa e acostumado a prestar contas da sua ação diante de auditores externos e internos, sempre se habituou a fazer um meticuloso plane-jamento dos seus projetos, com indicação explícita dos resultados a serem alcançados. Ao assumir o Provita, não deixou de lado esta preocupação.

De alguma forma, era preciso ter à disposição do Programa um banco de dados que possibilitasse um

trabalho sério e permanente de avaliação, análise e planejamento com base em um conjunto amplo de informações disponíveis. Em âmbito nacional, esta mesma preocupação foi ponto de pauta e discus-são em diversas ocasiões. O ideal seria um sistema nacional com integração dos Estados conveniados. Um dos grandes entraves para esta empreitada era encontrar uma assessoria técnica adequada, com possibilidade de montar um programa informatiza-do, que preservasse os sigilos inerentes ao sistema. Na oficina de trabalho das equipes técnicas em Sal-vador (BA), em dezembro de 2007, a construção de um sistema de informatização foi ponto de pauta e

4. O alcance do Programa no Estado de São Paulo

Page 29: Provita São Paulo

29HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

de reflexão. Na demora de avanços mais significati-vos nesta área, o Programa de São Paulo foi criando sua própria metodologia, constituindo o atual pro-cesso de sistematização um dos mecanismos de ob-tenção de dados e de aperfeiçoamento deste sistema de informação.

Quanto aos indicadores de resultado propria-mente ditos, foi muito significativa a Oficina de Tra-balho entre uma equipe do Tribunal de Contas da União e os gestores do Programa Nacional da Secre-taria Especial de Direitos Humanos, por ocasião da auditoria feita em 2004. O único indicador de empe-nho visível, até então, era o chamado “custo unitário de proteção”, obtido pelo valor repassado às ONGs pelas esferas federal e estadual, dividido pelo núme-ro de beneficiários. Este indicador foi considerado demasiadamente limitado, o que ocasionou a reali-zação de um levantamento dos diversos dados gera-dos pelo Programa e, com base nestes, foi definida uma lista muito maior de indicadores de empenho.

No relatório do processo TC Nº 011.662/2004-7, nº 6, são listados os seguintes indicadores: a) custo unitário de proteção; b) custo de proteção do bene-ficiário por Estado; c) tempo médio de permanência no Programa; d) tempo médio de permanência no Programa até o primeiro depoimento; e) porcenta-gem de testemunhas que prestaram depoimento; f) porcentagem de desligamento voluntário; g) por-centagem de processos/inquéritos solucionados nos quais existam testemunhas inseridas no Programa; h) porcentagem de jovens encaminhados para a es-cola; i) porcentagem de beneficiários encaminha-dos para programas de capacitação; j) porcentagem de beneficiários que trabalham; k) porcentagem de beneficiários encaminhados para programas de moradia. Fosse apenas por este avanço nos indica-dores, a auditoria já teria valido a pena.

A seguir, são apresentados alguns dados gerais do alcance do sistema no Estado de São Paulo, le-vando em consideração: número de pessoas prote-

gidas, recursos alocados e os resultados obtidos, de acordo com os respectivos andamentos jurídicos.

Os capítulos posteriores deixarão explícito o quanto esta determinada política pública apresenta de “produção”, em termos de segurança física e psi-cológica, em benefício de pessoas que chegam ao Programa extremamente fragilizadas, geralmente em perigo de vida imediato. É significativo tam-bém o volume de apoio social, psicológico e jurí-dico que é oferecido aos protegidos no decorrer de processos, em geral, demasiadamente longos. É in-calculável, ainda, todo o esforço realizado – antes, durante e depois do ingresso no Programa – para garantir uma efetiva “reinserção cidadã” ao prote-gido ou à protegida, no sentido de possibilitar uma nova vida, com qualidade, em condições inteira-mente diversas das vividas anteriormente.

Número de pessoas protegidasPara uma correta compreensão do quadro que

segue é preciso levar em consideração o “proces-so de admissão” ao Programa. No Estado de São Paulo, o processo é constituído de três fases: pré-triagem, triagem, e inclusão.

Na fase de pré-triagem, a equipe técnica avalia se o/a pretendente ao ingresso possui as condições mínimas para poder ser incluído(a) no Progra-ma. Aceito o caso, este passa para a segunda fase de “triagem”, quando a equipe interdisciplinar do Provita/SP, após uma análise bastante cuidadosa do caso, apresenta o “parecer técnico interdiscipli-nar”, que será submetido ao Condel/SP. A fase da “inclusão” é iniciada com a decisão do conselho de aprovar o parecer da equipe técnica interdiscipli-nar, quando a testemunha é assumida oficialmente pelo Programa e acolhida pela Rede Solidária de Proteção.

Na terminologia do Programa, o caso é chama-do de “SP” quando a testemunha é do Estado de São Paulo; de “BR”, quando provém de um Estado onde

Page 30: Provita São Paulo

30 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

não existe um programa estadual; e de “P”, quando é um caso de permuta entre Programas Estaduais.

O Quadro 1 mostra o número de protegidos pelo

Recursos AlocadosOs recursos alocados ao Programa de Proteção

a Testemunhas, no Estado de São Paulo, mediante convênios inter e intra-governamentais, são pro-venientes de três fontes: 1) a Secretaria Especial de

Resultados jurídicosA razão de apresentar alguns resultados jurídi-

cos deve-se ao fato de serem estes os que melhor in-dicam até onde foram alcançados os objetivos-fim desta política de proteção. Nenhuma política pode

Provita/SP em número de pessoas e de casos (cada caso equivale a um ou mais núcleos familiares pro-tegidos pelo Programa):

PCasos: 14

Pessoas: 44

Casos e pessoas provenientes do Estado de São Paulo

Total:Casos: 563

Pessoas: 1098

Total: 593 Casos / 1.180 PessoasFonte: Provita/SP – 2008

Pré-triagemCasos: 563

Pessoas: 1.098

BRCasos: 16

Pessoas: 38

TriagemCasos: 198

Pessoas: 596

SPCasos: 121

Pessoas: 428

Casos e pessoas provenientes de outros Estados

Total:Casos: 30

Pessoas: 82

Quadro 1. Total de “casos” que passaram pelo Provita/SP entre dezembro de 1999 e fevereiro de 2008

} }

Ano

Fonte: Provita/SP – 2008

20002001200220032004200520062007

R$ 79.000,00 R$ 605.000,00 R$ 413.123,00 R$ 400.000,00 R$ 169.610,00 R$ 520.010,00 R$ 1.023.758,00 R$ 480.000,00

Secretaria Especial de Direitos Humanos

Quadro 2. Recursos alocados ao Programa Provita/SP do início de 2000 até o final de 2007

Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania

Secretaria de Segurança Pública Total por ano

R$ 214.000,00 R$ 617.000,00 R$ 600.000,00 R$ 1.000.000,00 R$ 1.365.000,00 R$ 1.304.750,00 R$ 1.851.250,00 R$ 1.942.000,00

R$ 214.000,00 R$ 600.000,00 R$ 900.000,00 R$ 800.000,00 R$ 810.000,00 R$ 740.000,00 R$ 753.802,84 R$ 991.197,16

R$ 507.000,00 R$ 1.822.000,00 R$ 1.913.123,00 R$ 2.200.000,00 R$ 2.344.610,00 R$ 2.564.760,00 R$ 3.628.810,84 R$ 3.413.197,16

Total: R$ 18.393.501,00

Direitos Humanos da Presidência da República; 2) a Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania do Esta-do de São Paulo; 3) a Secretaria de Segurança Públi-ca do Estado de São Paulo.

fugir à necessidade de submeter-se, regularmente, a uma análise de custo-benefício. A finalidade última do Programa de Proteção a Testemunhas é pôr fim a uma escalada aparentemente interminável de vio-lência e criminalidade, em parte fruto da impunida-

Page 31: Provita São Paulo

31HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

11Conforme o Quadro 8, apresentado no capítulo 2, p. 43.

de generalizada na sociedade e no Estado. A grande questão, portanto, é: qual é o crime efetivamente combatido e quem foi efetivamente processado?

Num levantamento minucioso feito pelo CDHEP em 2007, dos 109 “casos SPs” acompanhados pela entidade, verificou-se que 49,5% das testemunhas que efetivamente testemunharam, acusaram réus que tiveram alguma relação com organizações cri-minosas; 27,5%, acusaram agentes de segurança pública (entre os quais se incluem os chamados “grupos de extermínio”); 9,2%, parlamentares e/ou outros políticos; e 8,3%, servidores públicos11. Nos capítulos posteriores serão apresentados dados mais completos, mas estes já demonstram o quanto

esta política pública enfrenta a criminalidade insti-tucionalizada ou a violência sistêmica.

Dos 109 casos, 52 (47,7%) tiveram réus julga-dos entre os acusados. Destes, 48 casos (92,3%) tiveram réus condenados pela justiça. Estes nú-meros indicam que em mais da metade dos casos não se consegue levar os acusados a julgamento durante o período de proteção das testemunhas. Aqui, fica óbvio que a lentidão da Justiça consti-tui um dos grandes entraves ao Programa. O indi-cador de resultado que neste contexto realmente importa, no entanto, é que em mais de 90% dos casos com acusados efetivamente julgados houve condenação de réus.

Pode-se assegurar que os Programas de Prote-ção, tanto em âmbito nacional quanto em São Paulo, têm-se afirmado como política pública de sucesso, apesar das dificuldades em alguns momentos. Ao re-ver atas, relatórios, cartas e textos publicados desses primeiros nove anos e tendo participado da maioria dos encontros nacionais, a imagem que vem ao Pro-vita/SP é a de uma colcha de retalhos. Cada Estado conveniado apresenta uma cor diferente. Entre tons suaves e mais fortes, o que sobressai é o conjunto da colcha. Uma colcha que merece ser colocada num mostruário.

Existem avanços conquistados e outros a serem feitos. Em São Paulo, é possível ressaltar como re-ais avanços: uma relação mais madura entre Estado e sociedade civil; ampliação e uma relativa estabi-lidade do Conselho Deliberativo, comprometido e paritário; boa relação com os órgãos de segurança, tanto da Polícia Civil quanto da Polícia Militar; salá-

rios adequados em regime do CLT; constituição de um fundo de reserva para rescisão de contrato de funcionários; uma maior experiência e capacitação da entidade gestora; uma maior regularidade nas verbas governamentais; a existência de um operador para a Rede Solidária e ampliação desta rede; uma maior, mas ainda insuficiente, segurança sistêmica; e uma maior capacitação técnica da equipe interdis-ciplinar.

Com relação ao futuro, algumas preocupações persistem: o Programa ainda não se firmou, em vá-rios Estados, como uma política pública prioritária; a divulgação do Programa é considerada deficiente; em muitos Estados, as verbas alocadas são insuficien-tes; ainda não foi instituído o fundo de emergência; há necessidade do permanente aperfeiçoamento do sistema de segurança; a lentidão dos processos con-tinua um dos grandes entraves ao sucesso do Pro-grama e o desafio de uma maior integração com as

5. Avanços e perspectivas

Page 32: Provita São Paulo

32 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

12PLC nº 86, de 2007.13A Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999, institui o Programa Nacional de Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas.

diversas secretarias governamentais ainda persiste. Uma preocupação permanente diz respeito à

segurança. Em uma carta à Revista Época, de 8 de fevereiro de 2000, o GAJOP citou a capacitação téc-nica na área de segurança oferecida por instâncias como o Witness Protection Program (EUA), a Pro-cura Nazionale Antimafia (Itália), a Polícia Mon-tada (Canadá) e o Protection Program da Scotland Yard (Escócia). Em Florianópolis (2004), foi rea-lizada uma Oficina Técnica com as equipes inter-disciplinares dos programas estaduais, coordenada pelo coronel Renato Penteado Perrenoud, da Polí-cia Militar de São Paulo. No entanto, o desafio do seu aperfeiçoamento contínuo perdura. Ainda no último Encontro Nacional de Fortaleza (2007), sete recomendações foram apresentadas para a questão da segurança, no contexto da crescente força do crime organizado.

LegislaçãoEra impossível prever, por ocasião da criação da

Lei Federal nº 9.807/99, as diversas lacunas legis-lativas que logo viriam à tona. Muitas delas foram causa de insistentes apelos nos encontros nacionais. A reunião do Fórum Permanente do Programa, rea-lizada em 4 e 5 de agosto de 2003, em Brasília, reco-mendou à nova administração federal: sanções para quebra de sigilo, fundo de reserva para atraso de verbas, superação da lentidão da Justiça, nova marca legal para o “réu colaborador”, mandatos definidos para os conselheiros, critérios para uma “inclusão provisória” e um sistema de normas para a área de segurança. Para superar a lentidão dos processos na Justiça, os casos do Provita/SP têm, ao menos for-malmente, prioridade no Ministério Público, previs-to no provimento nº 141 da Procuradoria Geral de Justiça, assim como têm os dados processuais prote-

gidos por força do provimento 32/00, da Corregedo-ria Geral de Justiça.

Além disso, está em tramitação no Congres-so Nacional o Projeto de Lei Complementar12 que acresce o artigo 19-A à Lei nº 9.80713, priorizando a tramitação de inquéritos e processos criminais em que figure indiciado, acusados, vítimas ou réus cola-boradores protegidos pelos Programas de Proteção. O PLC nº 86 foi aprovado pela Comissão de Cons-tituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal em fevereiro de 2008, e já havia recebido parecer favorá-vel da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado e da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados, onde tramitou como PL nº 7.711/2007.

A auditoria do TCU já mencionada recomendou que a Secretaria Especial de Direitos Humanos “en-vie Projeto de Lei ao Congresso Nacional, inserindo no Código de Processo Penal dispositivo que priori-ze a celeridade dos processos que tenham testemu-nhas e vítimas em programas públicos de proteção” (nº 9.2). Tendo em vista o aperfeiçoamento geral da legislação, o Encontro Nacional de Fortaleza (2007) ainda indicou: “Retomada do acompanhamento e contribuição ao Projeto de Lei de criação do Sistema Nacional de Assistência e Proteção a Vítimas e Co-laboradores da Justiça, que cria a Política, o Sistema e o Conselho Nacional de Assistência e Proteção a Vítimas e colaboradores da justiça”.

Seminários e Encontros NacionaisNo processo de fortalecimento dos diferentes

Programas de Proteção, os encontros nacionais têm sido de vital importância. Há, evidentemente, o problema dos altos custos, assim como têm ocor-rido discussões sobre a quem cabe o financiamento das diferentes instâncias. É importante, porém, que

Page 33: Provita São Paulo

33HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

se mantenha a disposição de organizar esses en-contros. Praticamente todos os embates, dúvidas e proposituras que foram pontos de preocupação em São Paulo tiveram encaminhamentos muito mais satisfatórios graças à contribuição imensamente rica desses encontros nacionais.

Nem todas as decisões, porém, podem esperar pela realização dos encontros e seminários. Para não perder a agilidade de um Programa cada vez mais complexo, e com o objetivo explícito de desenvolver mecanismos institucionais de aperfeiçoamento do Sistema Nacional de Proteção, o Encontro de Canela (2002) instituiu “Oficinas de Trabalho”. O V Semi-nário Nacional de Manaus (2003) decidiu denomi-nar estas Oficinas de “Fórum Permanente do Siste-ma Nacional de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas”. Têm assento neste Fórum os seguintes representantes: a Gerência Federal do Programa, o Colégio dos presidentes dos Conselhos Deliberati-vos, o GAJOP, o Fórum das Entidades Gestoras e o Movimento Nacional de Direitos Humanos. O úl-timo Encontro Nacional de Fortaleza (2007) trou-xe entre suas recomendações: “Esforço coletivo dos Conselhos Estaduais no sentido do fortalecimento do Colégio Nacional de Presidentes e do Fórum Per-manente, como instâncias importantes do Sistema Nacional de Proteção”.

A concepção de parceriaNesse contexto, destaca-se um ponto que parece

ter um significado especial. Os Programas de Prote-ção, exatamente sob o ponto de vista da “parceria” entre o Estado e a sociedade civil, dentro da história política do Brasil, se constituíram em uma experi-ência inovadora – e muito rica – que vale a pena ser aplicada também em outras modalidades de política pública. Não haverá êxito, no entanto, sem uma no-ção muita explícita dos dois lados desta moeda. Os representantes do Estado e da sociedade civil pro-vêm de “mundos” muito diferentes.

O “mundo” do Estado é marcado pela estabilida-de, enquanto o “mundo” da sociedade civil é mar-cado pela mudança. Quando estes dois sujeitos se encontram, cada um costuma pensar, falar e adotar posturas apropriadas com base no seu mundo par-ticular. Os representantes do Estado, diferentemente dos da sociedade civil, não têm o hábito de priori-zar a mudança da sociedade. O membro do Estado atua dentro das leis e dentro da estrutura do Estado tal como se apresenta. Pode até sonhar com outra sociedade, mas seu papel diário é fazê-la funcionar como, historicamente, se formou. Os representantes de uma parcela da sociedade civil, ao contrário, não têm na sua tradição ou no seu dia-a-dia o hábito de se contentar com o que já foi conquistado. Querem mais. A realidade da exclusão, da opressão, da vio-lência ocasional ou institucional, vivenciada todos os dias, clama por mudança imediata. A preocupa-ção maior não é com a conservação de um deter-minado contexto sociopolítico criado por Lei, mas superar esse contexto e avançar.

Esta diferença entre a realidade dos mundos do Estado e da sociedade civil se observa também ao se analisar, por exemplo, a questão das finanças. Para os interesses do Estado, após séculos de expe-rimentação, o que se impõe é um controle rigoro-so da questão orçamentária. Tudo, mas tudo mes-mo, está ligado a uma determinada “rubrica”. Não existe gasto sem uma rubrica correspondente. Mas o que fazer quando surge algo inteiramente novo, por exemplo, rubricar gastos absolutamente sigilo-sos, algo comum nos Programas de Proteção? Criar uma nova rubrica “invisível”? Mas e a transparência consagrada em Lei? É nessas horas que se percebe as dificuldades, o peso e a lentidão da máquina do Estado. Para inserir um pequeno detalhe, parece ser necessário parar a máquina toda antes de colocá-la novamente em andamento. Quem vive neste mundo não pode ter a mesma pressa de um representante da sociedade civil. A máquina não deixa. Haveria

Page 34: Provita São Paulo

34 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

muitos outros exemplos para ilustrar a realidade desses dois mundos. Por isso, quando se encontram, os embates são inevitáveis. Em determinados mo-mentos, podem ser bastante duros. Este livro tem, entre outras, a finalidade de mostrá-los para que se possa, coletivamente, aprender com eles.

Convém, ainda, um último insight sobre o assun-to, devido à importância do tema para o futuro do Programa. Nada garante que o Provita, a longo pra-zo, sobreviverá aos naturais, mas complicados, em-bates entre Estado e sociedade civil, a não ser que se tome, coletivamente e conscientemente a decisão de enfrentá-los. Na verdade, os dois mundos são como duas placas tectônicas que, por alguns momentos, sacodem o planeta antes de voltar a um novo equi-líbrio. Aliás, é na natureza que as pessoas devem se inspirar melhor. Tem-se o costume de imaginar a

natureza intocada como um paraíso de harmonia e equilíbrio. Mas é preciso reparar na interminável corrente de violências ali dentro, onde todos se de-voram uns aos outros sem o menor dó ou piedade. As pessoas fazem parte dessa mesma natureza e não pairam acima de suas leis e condições. O equilíbrio não acontece “apesar” desta violência, mas “graças a” esta violência. Ela é a própria condição do equi-líbrio, e a convivência humana, em muitos sentidos, é um reflexo de tudo isso. Os embates entre a socie-dade civil e o Estado não são atitudes irresponsáveis de pessoas mal-intencionadas. São visões de mundo diferentes, que, como as placas tectônicas, sacodem momentaneamente a tranqüilidade e a comodidade das nossas idéias e posturas. Somente desse entre-choque pode nascer um novo equilíbrio e os avan-ços que todos buscam.

Page 35: Provita São Paulo

35HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

O ponto de partida deste debate reside, antes de qualquer coisa, na idéia de que o acesso à Justiça é um direito fundamental do cidadão. Institucional-mente, trata-se de um direito reconhecido pela De-claração Universal dos Direitos Humanos de 1948, pela Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 – também conhecida como “Pacto de São José

da Costa Rica”, ratificado pelo Brasil em 1992 – e, finalmente, pela Constituição da República de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXV, que assim dispõe: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

A noção de acesso à Justiça, contudo, não deve restringir-se à idéia de “acesso a juízes e a tribunais”.

o programa de proteção a testemunhas como instrumento de acesso à Justiça e combate à impunidade

1. Direito à denúncia: corolário do direito de acesso à Justiça

capítulo 2

O objetivo deste capítulo14 é situar o debate acer-ca de uma das principais razões de ser do Provita: seu objetivo intrínseco de combater a impunidade e promover o acesso à Justiça a vítimas e testemunhas cerceadas de seus direitos em razão de ameaças.

Dentro da concepção de defesa dos direitos hu-manos na qual está alicerçado, o combate à impuni-dade depende e se articula com outros objetivos do Provita, mas, ainda assim, se constitui como um dos

critérios centrais de avaliação, na perspectiva da sua eficácia.

O direito de acesso à Justiça, por sua vez, é to-mado com o significado de garantir às testemunhas e vítimas ameaçadas o direito de contribuir com a produção da prova, sem que tal ato ponha em risco sua vida ou integridade física, de modo a produzir, de maneira eficaz, os efeitos jurídicos possíveis, con-forme a legislação.

14Os dados e citações apresentados neste capítulo foram levantados com base nas pesquisas detalhadas na metodologia, apresentada na introdução desta publicação.

GT de Acesso à Justiça e Combate à Impunidade

Page 36: Provita São Paulo

36 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

Trata-se, sim, de defender o acesso de todo e qual-quer cidadão a uma ordem jurídica socialmente jus-ta. No mesmo sentido, Antonio Alberto Machado afirma: “acesso à justiça significa o acesso a decisões judiciais que tenham conseqüência efetiva para os interessados, que produzam resultados eticamente aceitáveis e socialmente equânimes”15.

Certamente a garantia formal desse direito não garante que ele seja efetivamente exercido, mas a base legal é ainda um instrumento fun-damental na luta pela universalização dos direi-tos humanos – e também na defesa do direito de acesso à Justiça. Particularmente no que se refere à proteção de testemunhas ameaçadas, a legislação foi e continua sendo um instrumento fundamental na responsabilização do Estado e no estabelecimento de uma política pública que garanta este direito.

Com o advento da Lei Federal que instituiu nacionalmente o Provita16, a testemunha e a víti-ma tiveram a atenção devida pelo Poder Público. A lei estabelece a possibilidade, no trâmite pro-cessual penal, de serem preservadas as pessoas que de alguma forma colaboram com a Justiça, mas que, em virtude disso, têm a sua integridade física ameaçada, bem como a de seus familiares ou pessoas próximas. Isto significa que, por esta Lei, o direito de acesso à Justiça vem revestido de segurança. A lei reconhece também que a teste-munha não será tratada como acessório da Justiça quando mobilizada apenas para colaborar com o exercício do direito de punir, apresentando, neste sentido, medidas que asseguram a preservação da sua integridade física e psicológica, bem como de seus direitos de cidadania17.

Ao longo dos anos de existência deste Pro-grama, é significativa a percepção de que os usuários atendidos pelo Provita são, em grande parte, pessoas com um histórico de vida perme-ado pelo medo da violência, impositivo da “lei do silêncio”. Somente quando se encontram gra-vemente ameaçadas, quando a violência se apre-senta iminente, procuram condições para algum rompimento.

Em entrevista ao CDHEP, o promotor de Jus-tiça Carlos Cardoso, ressaltou:

A situação de acentuado nível de vulnerabi-lidade, descrita por Carlos Cardoso, é de fato partilhada por parte significativa dos usuários do Provita/SP18, que ao longo de suas vidas muitas vezes desempenham atividades informais, resi-dindo em regiões nas quais a violência, junta-mente com a prática criminosa, ocupa e domina muitos espaços e relações sociais. Neste sentido, a professora Suely Souza de Almeida, da Univer-sidade Federal do Rio de Janeiro observa que:

15MACHADO, Antônio Alberto. Prisão cautelar e liberdades fundamentais. Rio de Janeiro, Lumen Júris, 2005. p. 35.16Lei Federal nº 9.807/99. 17Tema que será abordado no capítulo 3 – A reinserção cidadã dos usuários.18Como se verificará no capítulo A reinserção cidadã dos usuários, no qual a origem socioeconômica dos usuários será abordada com mais detalhes (para ver o nível de renda dos usuários do Programa, ver Quadro 16. Renda familiar per capita – por caso).

(...) acredito que o Provita tem um cará-ter essencialmente popular; se fizermos um corte sociológico dos beneficiários do Provita, veremos que a maioria deles são pessoas vindas das camadas mais pobres da população (…) O Programa garante que essas pessoas possam ser retiradas das áre-as de risco e da própria situação de risco a que estão submetidas, e tanto elas como seus familiares sejam amparadas econômi-ca e socialmente. É um programa democrá-tico e popular, tem essa marca. Não exclui segmentos mais privilegiados da popula-ção, mas pela própria característica de sua historia de formação, é um programa com maior inserção nos setores mais populares da sociedade.

Page 37: Provita São Paulo

37HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

19ALMEIDA, Suely de Souza. Violência, Impunidade e Direitos Humanos. Revista Direitos Humanos GAJOP, Recife, edição especial, p. 73, dezembro 1999.20Conforme apontado nas considerações metodológicas das pesquisas apresentadas no capítulo de introdução desta publicação, dos 115 casos “SPs” aqui estudados, o número de “casos jurídicos” (casos com processos ou inquéritos distintos) é 109.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 129, dita que o Ministério Público é o titular da ação penal pública, o que lhe atribui papel de protago-nista nas investigações criminais. No Estado de São Paulo, esta atribuição torna o Ministério Publico es-tadual (MP-SP) um dos principais encaminhadores de testemunhas para proteção, sendo responsável por 52 dos 10920 casos estudados, quase a metade da amostra, como pode ser visto abaixo, no Quadro 3.

Outro participante relevante para o encaminha-mento de casos é o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que apresentou quase um quinto dos casos estudados (20 dos 109 casos). Já as demais delegacias especializadas da Polícia Ci-vil não se aproximaram do Programa da mesma for-ma, representando juntas a metade do número de encaminhamentos feito pelo DHPP. Tal fato é com-preensível pela própria missão do DHPP, a quem são encaminhados os casos de proteção no âmbito da segurança pública. A mesma observação se faz diante da pouca demanda apresentada pela Polícia Federal, com apenas dois encaminhados entre 109 casos “SPs”.

Ainda que, de acordo com o art. 5º da Lei 9807/99, a própria vítima ou testemunha ameaçada possa solicitar sua inclusão no Provita/SP, dirigin-do-se à sede oficial do Programa de forma direta e independente de prévio encaminhamento estatal, dos 109 casos considerados nesta pesquisa, apenas três foram solicitados pelo próprio interessado.

A lei também reconhece o encaminhamento de casos por entidades de defesa dos direitos huma-nos. Contudo, desde a criação do Programa em São Paulo, o conjunto de organizações da sociedade civil tem participado timidamente, com o encaminha-mento de apenas quatro dos 109 casos. Este dado revela que a luta pelo acesso à Justiça e contra a im-

2. Encaminhamento de casos

* Trata-se neste caso de Conselhos Tutelares e do CODH (Conselho Ouvidor de Direitos Humanos e Cidadania).** Em “outros” estão incluídos os casos encaminhados por:CPIs (2); Ministério da Justiça (1); Policia Federal (2); Procuradoria Geral da Republica (2); Procuradoria Geral do Estado (1); Defenso-ria Publica da União (1); Comissão Municipal de Direitos Humanos de São Paulo (1); Relatoria Especial da ONU (1); e Cravi (2).

Fonte: Provita/SP – 2007

Universo: 109 casos

Quadro 3. Encaminhamento de casos ao Provita/SP

A denúncia da violência pelas vítimas do Pro-vita é um ato de coragem, de defesa da vida, que pode simbolizar o exercício da cidadania por parte de segmentos que historicamente

têm sua cidadania negada. É mais do que um fato rotineiro; é um acontecimento que, como tal, envolve uma correlação de forças, via de re-gra, desfavorável a quem efetiva a denúncia19.

Page 38: Provita São Paulo

38 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

3. Combate à impunidade

punidade ainda demanda uma maior participação de entidades sociais, que historicamente cumprem papel importante na denúncia de violações de Direi-tos Humanos, principalmente realizando o controle social na área de segurança pública.

Nesse sentido, a maior aproximação destas orga-nizações com o Programa de Proteção acrescenta-ria elementos importantes para a luta pelos Direitos Humanos. Exemplo disso é que, conforme se pode verificar no Quadro 7 e no Quadro 921, apesar do número significativo de réus agentes de segurança pública, houve pouca demanda de testemunhas ou vítimas de crimes de tortura, abuso de autoridade, concussão ou corrupção. Este é também um indica-dor da necessidade de maior difusão da existência do Programa de Proteção e de seus critérios legais de inclusão e funcionamento, tanto nas instituições públicas como nas diversas entidades de direitos hu-manos espalhadas pelo Estado.

De fato, a divulgação não é um ponto novo de de-bate no que se refere ao Provita: em entrevistas rea-lizadas pelo CDHEP com membros do Condel/SP,

diversos conselheiros mencionam esta necessidade. No entanto, por se tratar de um assunto delicado, não é simples realizar ações para uma difusão mais ampla. O Provita/SP construiu recentemente um novo material de divulgação, que vem servindo para ampliar o conhecimento do Programa no Estado, além de iniciativas como o Seminário “Provita São Paulo”, realizado em novembro de 2007 como par-te do processo de sistematização, que tinha dentre os seus objetivos difundir o trabalho do Provita/SP entre organizações de direitos humanos e outras instituições potencialmente parceiras do Programa. É necessário, porém, um processo permanente de divulgação.

O Conselho Deliberativo tem papel importante nesse aspecto, uma vez que é composto por mem-bros de instituições estatais e entidades sociais. A ampliação da atuação dos conselheiros em suas ins-tituições pode contribuir com a apropriação do fun-cionamento do Programa de Proteção pelo conjunto da sociedade, como uma política pública importante de combate à impunidade.

Tratando-se de um assunto tão recorrente e di-fundido na sociedade, especialmente na mídia e no senso comum, a noção de “impunidade” tem assu-mido conotações diversas, dependendo do contexto e da arbitrariedade de seu uso. Por este motivo, para aprofundar algum tipo de reflexão em torno deste assunto, faz-se necessário um exercício de precisão conceitual, sob o risco de incorrer em usos inade-quados de seu significado.

A palavra “impunidade” vem do latim “impu-nitas, impunitatis”, que deriva do verbo “punior”

– punir, castigar –, o qual, precedido do prefixo de negação “in”, significa não castigar, não punir. Impu-nidade é ainda o gozo da “liberdade” ou da “isenção de outros tipos de pena” por uma determinada pes-soa, apesar do cometimento de uma ação passível de penalidade. É a não aplicação de pena, mas também o não cumprimento, seja qual for o motivo, de pena imposta a alguém que praticou algum delito.

Luiz Flávio Gomes22 relaciona impunidade e criminalidade com base na idéia de que “o fenô-meno da criminalidade está ligado ao fenômeno

21Quadro 7, p. 42 e Quadro 9, p. 43.22GOMES, Luiz Flávio. A Impunidade no Brasil: de quem é a culpa? Como combatê-la? (Esboço de um decálogo dos filtros da impunidade). Revista CEJ, Brasília, n. 15, p. 36, 2001.

Page 39: Provita São Paulo

39HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

da zona escura (campo obscuro da delinqüência), que seria o terreno existente entre a criminalidade real e a criminalidade aparente, aquela registrada oficialmente” .

Sabe-se que a imensa maioria dos delitos ocor-rentes não é noticiada às autoridades policiais pelas vítimas ou por qualquer outro denunciante. Assim, as estatísticas sobre a violência e a criminalidade não logram abarcar esses fatos ocorridos, porém desco-nhecidos, pois não são registrados em Boletim de Ocorrência, denominando-os de zona escura.

O medo de denunciar a ocorrência de um delito e de testemunhar é, sem dúvida, um fator de dis-tanciamento das pessoas em relação às autoridades competentes para a apuração dos fatos, principal-mente pelo desconhecimento dos mecanismos de proteção existentes. Neste sentido, tem sido prática do Programa o registro de Boletim de Ocorrência das ameaças sofridas pelos usuários. Em alguns casos, instauram-se inquéritos para a apuração de eventuais práticas de coação no curso do processo, conforme previsto no artigo 344 do Código Penal, e de ameaça, em seu artigo nº 147.

De acordo com José Eduardo Faria,

Além disso, prova testemunhal é também de suma importância para o processo penal. Vale trazer a lição de Tourinho Filho: “A prova testemunhal no Processo Penal é de valor extraordinário, pois difi-cilmente, e só em hipóteses excepcionais, provam-se

as infrações com outros elementos de provas”24.No mesmo sentido, Xavier de Aquino, segue afir-

mando que “o testemunho é necessário no proces-so penal porque, se não o aceitássemos como meio eficaz de prova, o mais das vezes muitas infrações delituosas ficariam impunes”25.

A criação de um programa de proteção a teste-munhas parte da necessidade da prova testemunhal na apuração de determinados crimes. Ainda que a proteção da testemunha não seja em si uma garantia de condenação dos acusados, sua importância para a produção da prova é mencionada na Lei que insti-tui o Programa e se constitui em um dos critérios de inclusão dos usuários.

É um compromisso assumido pelo Programa trabalhar para que, quando chegar o momento de o usuário prestar sua colaboração à Justiça, ele esteja em condições de apresentar um testemunho quali-ficado, de forma a produzir provas eficientes para a elucidação dos fatos. Neste sentido, os procedimen-tos do Provita, visando à segurança dos usuários e à garantia de seus direitos básicos, inclusive de in-formação sobre o andamento do processo, são fun-damentais para propiciar as condições psicossociais adequadas para o exercício do testemunho. Essas condições permitem que a testemunha esteja tran-qüila e segura no momento de exercer o seu direito de testemunhar.

O acompanhamento do Programa sobre o de-senvolvimento dos inquéritos e processos nos quais as testemunhas protegidas participam se limita, no entanto, ao tempo em que as mesmas se encontram no Programa, como foi mencionado nos aspectos metodológicos descritos na introdução desta publi-cação. De fato, apenas 26,9% dos acusados chegam a ser julgados ainda no período de proteção das teste-munhas, como pode ser visto no Quadro 4:

23FARIA, José Eduardo Campos de Oliveira. Crise de segurança, o grande desafio. Entrevista ao jornal Tribuna do Direito, edição de abril de 2007, ano 14, nº 168. São Paulo: Tribuna do Direito, 2007.24TOURINHO, José Lafaeti Barbosa. Crime de Quadrilha ou Bando e Associações Criminosas. Curitiba, Editora Juruá, 2003.25AQUINO, José Carlos G. Xavier de. A prova testemunhal no processo penal brasileiro. São Paulo, Editora Juarez de Oliveira, 2002. p. 20.

no balanço dos crimes violentos em São Paulo, apenas 4% têm autoria identificada e apenas 2% resultam em condenação. Fazendo uma espécie de cálculo de custo/benefício, muitas pessoas acabam achando que compensa cor-rer risco em transgredir, pois o lucro obtido pela transgressão compensa e a possibilidade de se acabar atrás das grades, condenado, é pequena23.

Page 40: Provita São Paulo

40 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

Por outro lado, é notório verificar que dentre os réus que foram julgados, 82,1% chegam à condenação. Isso leva a crer que o testemunho dos protegidos tem uma importância grande no desfecho dos casos julga-dos. Certamente o seu testemunho tende a ser muito mais qualificado do que o de pessoas expostas às reta-liações das organizações criminosas, às quais os conde-nados são vinculados. Para além dos dados quantitati-vos, membros do Judiciário e do Ministério Público, em contato com os usuários do Programa, corrobora-ram com a importância da proteção das testemunhas e o seu papel na produção da prova. Em entrevista ao CDHEP, a promotora de Justiça Carolina Zanin Guer-ra enfatiza:

Também o promotor de Justiça, Márcio Francis-co, afirma:

Mas se por um lado o combate à impunidade é, de fato, uma das grandes razões de ser do Provita, de outro, sabe-se que o direito penal não possui res-postas para todos os conflitos vivenciados – na rea-lidade, o direito penal foi concebido como “ultima ratio”, ou seja, um recurso a ser utilizado quando to-dos os outros falharam. Com isso, para as questões de segurança e violência, o Provita representa uma solução tão frágil quanto a maioria das políticas de segurança pública, já que tem pouco impacto sobre as raízes desses problemas. Mesmo assim, em sua atuação, o Provita assume a responsabilidade não apenas de proteger os usuários dos agressores que os ameaçam, mas propiciar condições de supera-ção da vulnerabilidade em que muitas vezes se en-contravam antes de ingressarem no Programa. Este tema será aprofundado no capítulo 3 – “A reinserção cidadã dos usuários”.

Fonte: Provita/SP – 2007

Universo: 561 acusados

Quadro 4. Julgamentos ocorridos durante o tempo de proteção das testemunhas

Universo: 151 réus julgados

As testemunhas protegidas têm sido funda-mentais para a produção da prova. Elas sabem muito e justamente por isso, réus perigosos representam um grande risco a essas pesso-as – podem “queimar arquivo”, para usar um linguajar vulgar. Por isso as testemunhas fo-ram encaminhadas ao Provita, e somente com essas condições de segurança elas se sentem com tranqüilidade o suficiente para falar, para contar aquilo que sabem, e isso tem sido de suma importância para o julgamento da cau-sa. Há uma diferença quando a testemunha está no Programa. A testemunha protegida conta realmente o que sabe, não tem receio de, no dia seguinte caminhar pela rua e ser abordada pelo réu ou por parentes do réu; ela não está sob influencia de outros cidadãos da nossa comarca. Já a pessoa que não está sob proteção, muitas vezes fica reticente durante o depoimento, às vezes sabe um pouco mais, mas na hora não conta, tem medo.

Nem toda testemunha que é ameaçada vem a juízo, e quando vem não significa que es-teja à vontade para relatar os fatos como realmente aconteceram. O Provita, através da proteção e da assistência, facilita muito o trabalho da justiça. A testemunha ou a ví-tima vem para narrar os fatos como foram, e com isso evitar a impunidade de pesso-as que cometeram delitos e eventualmente deixam de ser condenadas por falta de pro-vas. Neste sentido, sem dúvida o Programa auxilia o combate à impunidade.

Page 41: Provita São Paulo

41HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

4. Características dos usuários

O quadro referente às características dos usuários do Programa e dos acusados nos processos a ele vincu-lados traz um retrato do seu perfil bastante revelador.

Tem sido tema de debate no Programa de Prote-ção a solicitação para proteção de réus colaboradores ou testemunhas que possuem relação com quadrilhas organizadas, tanto em São Paulo como em outros Es-tados. Ainda que proporcionalmente represente um número pequeno (na amostra apresentada são 2,9% de testemunhas caracterizadas como “réus colabora-dores” e 11,6% de testemunhas que possuem relação com organizações criminosas), este perfil de testemu-nhas constitui-se em permanente e cres-cente desafio para o Programa, por exigir cuidados cada vez mais aprimorados em termos de segurança e fragmentação da informação.

Ao verificar a entrada desse perfil de testemunha no Programa ao longo dos anos, os dados demonstram uma oscila-ção na quantidade deste tipo de casos, que por vezes chega a zero, preponderando em quase todos os momentos o ingresso de “testemunhas comuns” e “vítimas”.

Classifica-se como testemunha comum justa-mente aquela que não declarou envolvimento ou proximidade com as práticas delitivas denunciadas nos casos vinculados ao Programa. Ressalte-se que, com a experiência das equipes do Provita, surgiram elementos importantes que não puderam ser expli-citados pela pesquisa.

As intervenções das equipes técnicas foram revelando que algumas das testemunhas aqui identificadas como “comuns”, por vezes, possuem vínculos com práticas delitivas, ainda que não se-jam ligadas aos delitos que ensejaram a proteção ou que não constem de declaração em documen-tos oficiais. Por outro lado, nota-se também com certa freqüência a existência de relação afetiva ou até mesmo de parentesco entre uma parte das tes-temunhas protegidas “comuns” e as vítimas. São testemunhas da morte de um filho, de um ami-go, etc. Diante disto, é necessário considerar com ressalva o que se interpreta por “testemunha co-mum”, pois nem sempre se trata daquela pessoa que ocasionalmente estava “no lugar errado e na hora errada”.

É interessante registrar, também, a ocorrência de agentes de segurança pública que ingressaram

Fonte: Provita/SP – 2007

Universo: 138 testemunhas

Quadro 5. Caracterização das testemunhas protegidas

Fonte: Provita/SP – 2007

Universo: 138 testemunhas

Quadro 6. Caracterização das testemunhas protegidas, segundo ano de ingresso no Programa

Page 42: Provita São Paulo

42 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

5. Levantamento preliminar dos crimes testemunhados

no Programa nesses anos. Contudo, a experiência desses casos revelou a importância de se promo-ver avanços na legislação, no sentido da preserva-

O Quadro 7 apresenta uma lista dos ti-pos de crimes testemunhados em cada um dos casos protegidos. Na maioria das vezes, nos casos encaminhados ao Provita, o que se nota é que o testemunho de um crime termina por se desdobrar em uma série de outros – diretamente relacionados ao pri-meiro e conhecidos pela testemunha pro-tegida em questão. O resultado disso é que um mesmo caso pode se referir a uma gama variável de crimes.

É importante ressaltar, portanto, que um mesmo caso pode estar considerado em mais de uma das categorias apresentadas. Por este motivo, a leitura deste quadro não permite a soma de dados, já que estaria su-jeita à contagem múltipla das informações.

O quadro revela, por um lado, pouca ocorrência de casos relacionados a con-cussão, corrupção, tortura, abuso de auto-ridade – crimes freqüentemente cometidos em associação com agentes do Estado. Do mesmo modo, os crimes de sonegação fis-cal, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e improbidade administrativa aparecem em um numero reduzido de casos.

Por outro lado, esses números estão em consonân-cia com o demonstrado no Anuário 2004/2005, da Polícia Civil do Estado de São Paulo, Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), onde o delito de homicídio representa o índice maior no

Fonte: Provita/SP – 2007

Quadro 7. Crimes testemunhados nos casos protegidos*

* Um mesmo caso pode se referir a crimes diversos; por este motivo, a leitura deste quadro não permite a soma de dados, já que estaria sujeita a contagem múltipla das informações.** Adulteração de Combustível; Atentado violento ao pudor; Contrabando; Evasão de Di-visas; Falsidade Ideológica; Incêndio; Improbidade Administrativa; Latrocínio; Lavagem de Dinheiro; Lesão Corporal; Ocultação de cadáver; Porte ilegal de arma; Porte ilegal de explosivos; Trabalho escravo; Tráfico de armas.

Universo: 109 casos

ranking dos crimes violentos ocorridos no Estado de São Paulo26.

De fato, não é de se estranhar que os crimes que mais demandam proteção sejam aqueles que repre-sentam maior ameaça à integridade física e à vida das testemunhas e de seus familiares. Ainda assim, nota-se

26Anuário 2004/2005 da Polícia Civil do Estado de São Paulo. Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP).

ção da segurança dessas testemunhas a partir do seu desligamento do Programa, fato abordado no capítulo 3 – A reinserção cidadã dos usuários.

Page 43: Provita São Paulo

43HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

um registro significativo de crimes cometidos por organizações criminosas, ligadas ao nar-cotráfico. E, não se pode deixar de frisar, são crimes freqüentemente relacionados a homi-cídio – “campeão absoluto” no ranking dos casos testemunhados. Na experiência do Pro-vita/SP, cabe ressaltar que os crimes de homi-cídio, em muitos casos, estão relacionados a vários outros crimes. E ainda que, por vezes, seja aquele pelo qual o usuário está testemu-nhando, as investigações desencadeadas por ele podem resultar em processos importantes. É o que mostra o Quadro 8, a seguir, onde se apontam os demais crimes investigados nos casos em que se testemunhou homicídios. Nota-se, portanto, o atrelamento dos casos de homicídio (tentado ou consumado), princi-palmente com os delitos de formação de qua-drilha, narcotráfico, cárcere privado e seqüestro.

No entanto, considera-se importante também em-preender esforços para fazer do Provita um instrumen-to a serviço do combate não apenas aos crimes que são notadamente relacionados à marginalidade, causada

Fonte: Provita/SP – 2007

Quadro 8. Outros crimes relacionados aos casos em que se testemunhou homicídios

Universo: 43 casos em que se testemunhou homicídios

6. Os acusados pelas testemunhas protegidas

O Quadro 9 ajuda a perceber a contribuição do Provita no combate à impunidade, observando os

Fonte: Provita/SP – 2007

Quadro 9. Caracterização dos acusados nos casos testemunhados

* Em “Total de ‘Agentes do Estado’” informa-se a soma dos casos em que há crimes testemunhados contra “Agentes de Segurança Pública”, “Servidores públicos” e “Parlamentares e/ou outros políticos”, com correção sobre a dupla contagem, em que mais de uma categoria diz respeito ao mesmo caso.

Universo: 109 casos

réus declarados membros de organizações crimi-nosas, cidadãos comuns e agentes de segurança

pelas profundas raízes da desigualdade social no Bra-sil, mas também àqueles ditos “crimes de colarinho branco”, que atacam a institucionalidade democrática e o Estado de direito e são historicamente os crimes que gozam de maior impunidade no Brasil.

Page 44: Provita São Paulo

44 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

pública, nesta ordem. É muito expressivo o número de acusados re-

lacionados às organizações criminosas, forte in-dicador da importância do Provita no esforço de desmantelamento do crime organizado no Estado de São Paulo. É também significativa a alta por-centagem de “agentes do Estado” envolvidos nos crimes testemunhados (33,9%), sobretudo o gran-de número de agentes de segurança pública (pre-sentes em 30 dos 109 casos). Estes números apon-tam para a importância que a política de proteção tem para o enfrentamento da impunidade dentro das próprias instituições do Estado.

Nos quadros 10, 11 e 12, a seguir, observa-se o tipo de pessoas acusadas pelos crimes testemu-nhados.

Pode-se verificar que o delito de homicídio é, na maioria das vezes, praticado por pessoas rela-cionadas a organizações criminosas (48,8%) e por cidadãos comuns (44,2%). Cabe destacar, porém,

Fonte: Provita/SP – 2007

Quadro 10. Acusados nos casos em que se testemunha contra crimes de homicídio

* Ver número de casos com crimes de homicídio no Quadro 7, página 42.Universo: 43 casos*

que é também significativo o número de “agentes do Estado” relacionados a homicídios.

Nos casos em que usuários do Programa são testemunhas de chacinas, que por precisão jurí-dica estão caracterizados no Quadro 11 como “homicídio múltiplo”, observa-se que existem três tipos de acusados envolvidos.

Chama a atenção que, além de 6 dos 12 casos de proteção possuírem o envolvimento direto de organizações criminosas, há também agentes de segurança pública envolvidos em 5 casos. A pes-quisa não permitiu, no entanto, identificar que tipo de acusados compunha o grupo aqui regis-trado como cidadãos comuns. Já os casos ligados ao narcotráfico, apontados no Quadro 12, pos-suem acusados relacionados ao crime organizado, agentes de segurança pública, cidadãos comuns, servidores públicos e políticos.

O Quadro 12 permite verificar que, nos crimes que envolvem o narcotráfico, prepondera o vín-

Fonte: Provita/SP – 2007

Quadro 11. Acusados nos casos em que se testemunha contra crimes de homicídio múltiplo

* Ver número de casos com crimes de homicídio múltiplo no Quadro 7, página 42.Universo: 12 casos*

Page 45: Provita São Paulo

45HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

Fonte: Provita/SP – 2007

Quadro 12. Acusados nos casos em que se testemunha contra crimes relacionados ao Narcotráfico

* Ver número de casos com crimes relacionados ao Narcotráfico no Quadro 7, página 42.Universo: 27 casos*

culo com organizações criminosas (88,9%). En-tretanto, salta aos olhos a quantidade de agentes de segurança pública (37%) que constam como acusados nos casos que envolvem narcotráfico.

Ao analisar a situação processual dos acusados não julgados durante o processo de proteção (73% do total de acusados27), constata-se nitidamente a morosidade processual. Isso confirma a hipótese geral de que realmente o Judiciário brasileiro necessita imprimir maior celeridade no julga-mento de processados.

Contudo, deve-se considerar a inexistência de informações, nesta pesquisa, acerca da fase processual quando da inclusão do usuário. A experiência da equipe aponta que a maioria das testemunhas é incluída no Programa ainda du-rante a fase da investigação policial, de modo que o período de proteção acompanha também o período da instrução processual. Esta cons-tatação da equipe no seu cotidiano explica, em parte, a grande quantidade de processos que se encontram com o processo em fase de instrução (71,5%), como pode ser visto no Quadro 13.

Vale lembrar, ainda, como apontado nas consi-derações metodológicas, que a pesquisa realizada não teve acesso à situação dos processos após o desligamento das testemunhas do Programa, fato que leva a constatar que o Quadro 13 apresenta a situação dos acusados durante o período de pro-teção a testemunhas.

Ainda assim, é preocupante a lentidão de inves-

Fonte: Provita/SP – 2007

Universo: 410 acusados

Quadro 13. Situação processual dos Acusados não julgados

27Quadro 4, p. 40.

Page 46: Provita São Paulo

46 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

tigações, processos e julgamentos de crimes com testemunhas sob proteção. Essa situação se agrava na medida em que a lentidão da Justiça mantém a testemunha mais tempo sob ameaça, exposta ao risco, implicando maior tempo de proteção. Não se pode perder de vista todas as implicações que as normas de segurança de um Programa de Proteção acarretam sobre a vida dessas pessoas e de seus familiares, que além de uma rígida disci-plina de conduta sigilosa, são forçadas a conviver com o medo e o risco iminente de serem desco-bertas28.

Além disso, enquanto tramita o inquérito ou processo, existem ainda situações de exposição provocadas quando ocorre a intimação das teste-munhas, cuja movimentação pode implicar novas ameaças a familiares não protegidos, com o objeti-vo de descobrir o local de moradia da testemunha e transmitir recados ameaçadores aos protegidos por meio destes familiares.

É relevante mencionar o significado desse pro-cesso para os cofres públicos, em razão da neces-sária manutenção da subsistência dos protegidos enquanto perdurar a proteção e não adquirirem

É possível afirmar que a política pública de proteção, nos oito anos de sua execução no Esta-do de São Paulo, tem contribuído para o acesso à Justiça, o empoderamento das testemunhas e o fortalecimento da luta contra a impunidade. No entanto, continuam subsistindo imensos desafios a serem enfrentados, na perspectiva

meios próprios para tal. O Provimento 141/2002, da Corregedoria Geral de Justiça, solicita a ne-cessária celeridade no desenvolvimento dos pro-cessos ou inquéritos com vítimas ou testemunhas protegidas, o que, entretanto, não é viabilizado na prática do Poder Judiciário.

Além disso, como já informado nesta publica-ção, está em tramitação no Congresso Nacional o PLC nº 8629, que, no mesmo sentido do aludi-do provimento, imprime celeridade aos proces-sos vinculados ao Provita. Apesar disso, continua sendo de suma importância o trabalho diário da equipe interdisciplinar, de membros do Conselho e das Secretarias Estaduais, no sentido de con-quistar a celeridade por meio da sensibilização pessoal dos magistrados e demais envolvidos nos atos processuais, principalmente quando em fase recursal.

A produção antecipada de provas também foi utilizada em alguns casos, a fim de se garantir a contribuição à Justiça de protegidos que pediam desligamento voluntário do Programa, ressal-vando-se, sempre, o respeito ao devido processo legal.

de tornar o Provita uma política cada vez mais importante no enfrentamento da criminalidade e da impunidade enraizada na sociedade e nas instituições do próprio Estado. A agilização dos processos na Justiça constitui-se, provavelmen-te, em um dos maiores desafios com vistas a di-minuir a impunidade.

7. Consideração Final

28Para mais detalhes sobre as complicações do convívio dos usuários no Programa de Proteção, ver capítulo 3 – A reinserção cidadã dos usuários.29Lei que prioriza a tramitação de inquéritos e processos criminais em que figure indiciado, acusados, vítimas ou réus colaboradores protegidos pelos Programas de Proteção (ver capítulo 1.5 – “Legislação”, p. 32).

Page 47: Provita São Paulo

47HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

O Programa de Proteção a Testemunhas, na perspectiva dos Direitos Humanos, só se efetiva na medida em que os direitos de cidadania incorporam a sua construção. É sob este ponto de vista que um dos eixos principais de atuação do Programa, e não por acaso, da pesquisa e reflexão desenvolvidas pelo processo de sistematização do Provita/SP, é a rein-serção cidadã dos usuários protegidos. Assim, den-tre os objetivos deste texto, pretende-se desenvolver o que se entende por “reinserção cidadã” no âmbito do Programa Estadual de Proteção a Testemunhas no Estado de São Paulo, bem como a sua importân-cia para a adaptação, a convivência e o exercício da cidadania dos usuários.

A reinserção cidadã é entendida aqui como um processo que contempla inicialmente o direito fun-damental à vida e, com base neste, os demais direi-tos sociais como: o direito à moradia, à alimentação, à educação, à saúde, ao lazer e, progressivamente, a todos os direitos para o exercício pleno da cidada-nia. Mais ainda, aspira-se que os usuários possam construir novas relações de amizade, de trabalho, de religião, em um novo território, com o intento de

que, por meio dessas, possam criar raízes e construir um novo projeto de vida que lhes permita futura-mente, aprimorar a própria autonomia, fortalecen-do vínculos, de forma tal, que não mais retornem ao local dos fatos ou a outras áreas de risco.

Ao compreender a reinserção como processo, parte-se da visão de que as pessoas que ingressam no Programa trazem um histórico de vida que não pode ser desprezado. Pelo contrário, ele continua a permear a trajetória de vida dos usuários no Progra-ma e no pós-Programa, apesar das rupturas ocorri-das por questões de segurança. Desta forma, mais do que proteger a prova de um crime, objetiva-se reinserir as testemunhas e familiares em uma nova cidade, distante do local dos fatos e com cuidados de proteção, de forma a permitir que, em segurança, possam (re)construir um projeto de vida.

Marcelo Agra, no Seminário do Provita/SP, rea-lizado em 12 de novembro de 2007, destacou em sua fala que a reinserção assume no Programa um caráter de medida de segurança, configurando-se como um elemento básico desse modelo, na medida em que é por meio dela que todo e qualquer usuário

a reinserção cidadã dos usuários

1. O que se entende por reinserção cidadã

capítulo 3

GT de Reinserção Cidadã

Page 48: Provita São Paulo

48 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

No processo de reinserção cidadã, é necessário, inicialmente, entender a sofrida situação vivencia-da pela testemunha e familiares ao ingressarem no Programa e, conseqüentemente, as dificuldades que surgirão no processo de proteção. Ao buscarem pro-teção, chegam amedrontadas, com as seqüelas de um período marcado inicialmente pelo medo, pelo risco de morte iminente, que faz com que deixem para trás seus lares, seu trabalho, seus amigos, enfim, uma rede de relações construídas ao longo de uma vida.

Assim, com a finalidade de facilitar a compreen-são, dividiu-se o processo de reinserção cidadã em três fases. De modo geral, procura-se intervir em cada caso, de forma que essas fases ocorram como se propõe, mas considerando a complexidade de even-tos que ocorrem no desenrolar desse trabalho, os ele-

2. Fases do Provita

se sentirá seguro para permanecer em local afastado do risco, principalmente após o encerramento do processo e o desligamento do Programa.

Essa ótica apresenta um olhar mais amplo sobre

a segurança, justifica o investimento que se faz no Programa de Proteção no aspecto da reinserção ci-dadã, pois ela extrapola a visão limitada de proteção da testemunha como mera prova e busca ajudar o usuário a sentir-se protegido de forma integral, nas dimensões objetivas e subjetivas.

Durante toda a permanência no Programa, o trabalho de reinserção cidadã é desenvolvido pela equipe técnica interdisciplinar conjuntamente com os protegidos, que são co-responsáveis por sua proteção. Conta-se, ainda, com o apoio de pessoas da Rede Solidária de Proteção, que têm prestado inestimável contribuição, conforme se verá posteriormente.

Tem-se, então, o desafio de proteger à luz dos direitos fundamentais, em uma situação de tempo definido, em que o fator segurança transitará cons-tantemente no limiar da autonomia com respon-sabilidades e restrições impostas. Porém, busca-se sempre que os usuários e usuárias sejam sujeitos do seu processo, ajudando-os a evoluir de uma si-tuação de vítimas para a de cidadãos, conscientes da importância de seu papel na busca da justiça e do combate à impunidade.

30Marcelo Agra, coordenador do GAJOP, em intervenção no Seminário Provita/SP: “História de uma Política Pública de Combate à Impunidade, Defesa dos Direitos Humanos e Construção da Cidadania”, do qual participou como debatedor na Mesa “O Programa de Proteção a Testemunhas e a Reinserção Cidadã dos usuários”.31ALMEIDA, Suely de Souza. Ética e institucionalidade. Revista Direitos Humanos GAJOP, Recife, Ano 03, n. 07, p. 12, 2001.

(...) nós estamos falando de segurança de ou-tra ordem, segurança emocional, que vai pos-sibilitar a esse usuário ou usuária criar expec-tativas ou possibilidades de fato de se manter afastado do seu local de origem... segurança que o Programa não pode prescindir, porque senão a própria proposta do Programa está em xeque, pois não adiantaria proteger a pes-soa por dois ou três anos e depois ela retornar ao local de origem30.

Trata-se de seres singulares que deixam para trás suas histórias de vida, de relações fami-liares, afetivas, de desafetos, de acomodações e resistências, que abandonam projetos e, ao

fazê-lo, abrem mão de identidades construídas ao longo de suas trajetórias de vidas. Passam a contrair novas relações e assumem novas iden-tidades, são identidades clandestinas em tem-po de normalidade democrática. Ao ingres-sarem no Programa que não é propriamente uma escolha, mas uma tentativa desesperada de autoproteção, testemunhas e/ou vítimas comprometem-se a observar rígidas normas de segurança31.

Page 49: Provita São Paulo

49HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

mentos das fases podem ocorrer simultaneamente. São elas:

1. Pré-triagem: Primeira entrevista, na qual a equipe tem contato com o caso e avalia se preenche os critérios mínimos para ingresso na fase de triagem, como também fornece os elementos necessários para que a testemunha e familiares possam decidir se de-sejam ou não ingressar no Programa.

2. Triagem: Neste período, faz-se uma leitura para verificar se os requisitantes de ingresso conseguiram se adaptar ao Programa. Para tal, colhe-se elementos básicos que referendem o parecer da equipe a respei-to do ingresso, ou não, no Provita. Esse estudo tem como objetivo subsidiar a equipe, conjuntamente com a análise jurídica do caso, na confecção do Pa-recer Técnico Interdisciplinar, que será submetido ao Conselho Deliberativo do Programa, como também trazer as necessidades e possibilidades daquele núcleo familiar, norteando a escolha do local de proteção e o plano de trabalho da equipe interdisciplinar.

A triagem pode ocorrer com as pessoas já no Pro-grama de Proteção, ou não. No Estado de São Paulo, o período de triagem acontece, na maior parte dos casos, com as pessoas já sob proteção do Programa, acolhi-das em local provisório. Ao identificar as expectativas dos protegidos, é importante desmistificá-las quando não condizem com a realidade, bem como trabalhar a conscientização de seus direitos e deveres e a impor-tância de seu papel enquanto sujeitos co-responsáveis pela sua proteção e seu novo projeto de vida.

Ao finalizar a triagem, avalia-se, juntamente com a família, se após esse período em que vivenciou a si-tuação de proteção mantém o interesse em ingressar no Programa. Se a resposta for afirmativa, o caso é submetido ao Conselho Deliberativo e, se aprovado, tem início outra etapa, ou seja, a instalação em local pretensamente definitivo.

3. Inclusão-Instalação em local definitivo: Com a alocação nessa nova cidade, objetiva-se que, além de protegidos, e respeitando os procedimentos de se-gurança necessários a cada caso, os usuários possam retomar atividades como a continuidade ou a retoma-da dos estudos, a busca de uma fonte de geração de renda seja no mercado informal ou formal, tenham mais autonomia em algumas ações cotidianas.

O trabalho de pesquisa analisou quantitativamen-te 115 casos chamados SPs, ou seja, aqueles que pas-saram pelo processo de triagem e tiveram seu ingres-so aprovado pelo Conselho Deliberativo do Provita/SP, no período de 1999, início do Programa, a agosto de 2007. Testemunhas e familiares compreendem 413 pessoas protegidas.

No projeto de pesquisa, avaliou-se como neces-sário ouvir, também, os usuários envolvidos. Como critério, estabeleceu-se que seria entrevistada uma pessoa por núcleo, com pelo menos um ano no Pro-grama, totalizando, dessa forma, 15 entrevistas. Por medida de segurança, as entrevistas foram realizadas pela equipe técnica interdisciplinar dos casos, que utilizou códigos para identificá-las.

A Lei 9.807/99, de 13 de julho de 1999, define em seu Artigo 2°, parágrafo 1º: “A proteção pode-rá ser dirigida ou estendida ao cônjuge ou compa-nheiro, ascendentes, descendentes e dependentes que teriam convivência habitual com a vítima ou

testemunha, conforme o especificamente necessá-rio a cada caso.”

O ingresso de familiares próximos, juntamente com a testemunha, além de protegê-los contra pos-síveis ameaças e retaliações, proporciona à testemu-

3. Um retrato das usuárias e dos usuários

Page 50: Provita São Paulo

50 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

nha maior tranqüilidade no processo de adaptação na rede sigilosa de proteção. Não é por acaso que na pesquisa qualitativa, ao se indagar aos protegidos sobre o que os ajuda a se adaptarem no Programa, a resposta “poder estar com a família” aparece como a terceira mais citada. “Sentir falta da família” é o fator que mais dificulta a estada no Programa, segundo a mesma pesquisa, quando o tema é a dificuldade para se adaptar.

Fonte: Provita/SP – 2007

Quadro 14. Número de Usuários: relação de testemunhas x familiares e divisão de gênero

Universo: 413 usuários

Fonte: Provita/SP – 2007

Quadro 15. Faixa etária dos usuários

Universo: 413 usuários

O primeiro dado da pesquisa revela que o Pro-grama é composto, principalmente, por núcleos familiares. Há situação de pessoas que ingressam sozinhas no Programa, mas ele é preponderante-mente constituído por famílias, o que se percebe pelos 66,6% de familiares presentes, conforme o Quadro 14.

Quanto às questões básicas de gênero, há um equilíbrio entre homens e mulheres, dado que tam-

bém pode ser verificado no Quadro 14.A diversidade de faixas etárias também reforça a

tendência do Programa para aglutinar famílias, con-forme demonstrado no Quadro 15.

Por fim, há de se refletir sobre as condições de renda das famílias atendidas. Apesar de o Programa ser estendido a qualquer pessoa que esteja ameaçada e que se comprometa a colaborar com a Justiça no

sentido de combater a impunidade, 48,2% dos que declararam renda possuíam uma faixa de até um sa-lário mínimo per capita, na ocasião do ingresso no Programa, conforme o Quadro 16.

É importante salientar que das 115 famílias aten-didas, 30 não tinham renda mensal declarada por diversos fatores: há casos de réus colaboradores que vieram para o Programa após obter liberdade, de-

Page 51: Provita São Paulo

51HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

Fonte: Provita/SP – 2007

Universo: 85 casos com renda declarada**

Quadro 16. Renda familiar per capta (por caso) na ocasião do ingresso no Programa

* Salário mínimo.** Não há informação referente à renda familiar de 30 casos.

sempregados que estavam dependendo de parentes ou, ainda, pessoas com subempregos esporádicos e que não forneceram essa informação.

O que se pretende ao ressaltar esses aspectos, não é traçar um crivo de seleção dos que buscam o Pro-grama, mas apresentar dados que revelam que pes-soas com maior poder aquisitivo procuram menos o Programa, talvez porque, a partir do momento em que tomam conhecimento das restrições de segu-rança necessárias para a proteção, optem por outros meios para se protegerem. Ademais, sabe-se que a vulnerabilidade social é um fenômeno complexo, que extrapola a leitura pura e simples da situação de renda, abarcando questões territoriais e o acesso a bens e serviços públicos, o que, por limitações ób-vias, esse levantamento não apreende. Entretanto, cumpre destacar que as conseqüências da violência

são mais duras para os que menos possuem.Assim, os dados da pesquisa corroboram com

uma hipótese da equipe, baseada na observação de entrevistas realizadas por ocasião das pré-triagens: pessoas com mais recursos financeiros possuem mais possibilidades de buscar sua proteção por outros meios, inclusive contando com ajuda de familiares. Entretanto, este não é um critério excludente, e cabe ressaltar que 5,9 % das famílias protegidas possuíam renda per capita mensal superior a cinco salários mí-nimos na ocasião do ingresso no Programa.

Com exceção dos funcionários públicos e pen-sionistas (INSS), ao ingressarem no Programa, os usuários perdem suas fontes de renda. Por este mo-tivo, a Lei 9.807/99 previu em seu artigo 7º, inciso V, “ajuda financeira mensal para prover as despesas necessárias à subsistência individual ou familiar, no caso de a pessoa protegida estar impossibilitada de desenvolver trabalho regular ou de inexistência de qualquer fonte de renda.”

A relevância de tal constatação pode ser averi-guada por meio do grau de importância atribuído à “ajuda financeira” nas respostas obtidas na pesquisa, uma vez que ocupa a segunda posição, perdendo so-mente para a indicação a “o apoio da equipe”, consi-derado fundamental na adaptação ao Programa.

Dessa forma, pode-se observar que o maior nú-mero de pessoas sob proteção no Provita/SP é de usuários de baixa renda, que estão mais expostos à violência e, em sua maioria, se fazem acompanhar de familiares no Programa.

Ao sistematizar os dados sobre o Programa, optou-se por destacar quatro elementos preponde-rantes na reinserção cidadã, presentes neste traba-lho. Admite-se que é possível listar e discorrer sobre inúmeros outros, mas estes quatro tiveram maior

destaque no levantamento realizado.Diante disso, segue um elemento de reflexão so-

bre estes “quatro pilares da reinserção cidadã”: Saú-de, Educação, Trabalho / Qualificação Profissional e Redes de Apoio Socioafetivas.

4. Quatro pilares da Reinserção Cidadã

Page 52: Provita São Paulo

52 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

Fonte: Provita/SP – 2007

Universo: 115 casos

Quadro 17. Casos que demandam tratamento e/ou acompanhamento médico

Fonte: Provita/SP – 2007

Universo: 115 casos

Quadro 18. Casos que demandam tratamento e/ou acompanhamento médico em decorrência de seqüelas

relacionadas ao crime testemunhado

I. SaúdeÉ peculiar a todos que ingressam no Programa

enfrentarem diversas dificuldades e sofrimentos para se adaptar, dificuldades estas que se agravam quando existe um sério problema de saúde. Em al-guns casos, a vítima sobrevivente é transferida dire-tamente de hospitais para o Programa de Proteção. Sobreviventes de tiros de armas de fogo ou outros atentados, inclusive por parte de grupo de extermí-nio, possuem seqüelas físicas e psicológicas decor-rentes da violência sofrida. Nestes casos, aumentam proporcionalmente as demandas na área da saúde.

As demandas relativas à saúde, em geral, podem ser observadas no Quadro 17.

Pode-se notar a grande incidência da necessi-dade de tratamentos médicos em geral e de saúde mental. Das 115 famílias sob proteção, aproximada-mente a metade possui alguma pessoa que necessita de acompanhamento psicológico e ou psiquiátrico.

O pilar Saúde é observado dentro do Programa por meio de dois referenciais: as demandas de saúde ocasionadas diretamente devido à denúncia e as de-mandas de saúde em geral.

Como já destacado anteriormente, o fato de as pessoas ingressarem no Programa não encerra o processo cotidiano de suas vidas. Os problemas de saúde que existiam antes de ingressarem no Progra-ma se manifestam no dia-a-dia da proteção.

O que se constata é que muitos dos núcleos fa-miliares, quando ingressam no Programa, têm de-mandas de saúde acumuladas pela dificuldade de acesso que tinham a serviços públicos e ausência de condições econômicas para equacioná-las por conta própria. Estas demandas vão desde proble-mas odontológicos a cirurgias. Diante deste quadro, resguardando a qualidade que uma política pública deve manter, procura-se equacionar esses problemas principalmente pela rede de serviços públicos. Nos casos em que a urgência é grande ou na ausência do serviço na rede pública, recorre-se à rede particular.

A equipe interdisciplinar faz gestões na constru-ção de uma rede que dê suporte a necessidades como tratamento médico, psiquiátrico e psicológico. Toda e qualquer intervenção neste sentido só ocorre com a anuência do usuário.

Deve-se salientar também os casos que trazem demandas relacionadas ao fato denunciado. Neste plano, estão as demandas físicas associadas à vio-lência vivenciada, como ferimentos, seqüelas de tor-turas, lesões, fraturas, dentre outras. Há também as conseqüências emocionais da ameaça: muitos dos que são inseridos no Programa chegam com qua-dros depressivos, com transtorno de estresse pós-trauma, transtornos alimentares e outros associados

Page 53: Provita São Paulo

53HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

ao medo da morte e à violência sofrida. No Quadro 18, pode-se ter uma visão desses acontecimentos.

II. EducaçãoEstudar, para as famílias brasileiras, é um valor

muito importante, que foi se solidificando a par-tir do século passado. Somam-se a isso as grandes mudanças ocorridas no mercado de trabalho, que, em função das novas tecnologias, passou a exigir, progressivamente, maior escolarização e maior qua-lificação profissional. Nesse cenário, parcelas impor-tantes da população não conseguiram acompanhar tais exigências. Esse panorama pode ser captado também no quadro geral de escolarização das pes-

Fonte: Provita/SP – 2007

Universo: 138 testemunhas

Quadro 20. Grau de instrução das testemunhas

soas atendidas pelo Provita. No Quadro 19, é notável a grande concentração

de usuários com ensino fundamental incompleto ao ingressar no Programa, embora, devido a limitações no detalhamento dos dados, neste número estejam computados tanto os jovens e adultos que não con-seguiram completar os estudos na idade escolar, quanto crianças e adolescentes dentro do nível de escolaridade referente à sua idade.

O retrato ficará mais nítido ao se destacar os dados referentes às testemunhas, como se verá no Quadro 20.

O índice de escolarização fundamental incom-pleto, que era de 70% no universo total de usuários,

é de 63% ao se focar as testemunhas. Aqui, fica ex-plícito grande percentual de jovens e adultos em condições mínimas de escolaridade, no momento de ingresso no Provita.

O Programa de Proteção garante matrícula das crianças e adolescentes, uma vez concretizada a mu-dança para o local definitivo, com a preservação das informações. Este procedimento diz respeito a um direito fundamental assegurado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

O que se observa no Quadro 21 é que a quase to-talidade das crianças e adolescentes em idade esco-lar obrigatória são matriculadas na rede de ensino,

Fonte: Provita/SP – 2007

Quadro 19. Grau de instrução do total de usuários

Universo: 320 usuários em idade escolar ou acima

Universo: 413 usuários

Page 54: Provita São Paulo

54 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

Fonte: Provita/SP – 2007

Universo: 194 adultos

Quadro 22. Adultos que estudam ou estudaram durante permanência

no Programa

Fonte: Provita/SP – 2007

Universo: 194 adultos

Quadro 23. Situação de Emprego entre usuários em idade laboral, antes

do Programa

Fonte: Provita/SP – 2007

Quadro 21. Jovens ou crianças matriculados na escola durante permanência no Programa

Universo: 98 crianças* Universo: 121 crianças e adolescentes de 7 a 18 anos

* 43 crianças de 0 a 2 anos e 55 crianças de 3 a 6 anos

ficando uma pequena margem sem a matrícula, de-vido ao fato de ainda estarem há muito pouco tempo no Programa32 ou de desistirem do Programa pouco depois da sua inclusão.

Também se observa nesse quadro que pouco mais da metade das crianças de 0 a 6 anos está em creche e pré-escola, sendo que a outra metade pode estar sob os cuidados dos pais. Cabe registrar que, embora não seja o objeto da pesquisa, o acesso a creches não aten-de à real demanda da população, independentemente de estarem inseridas ou não no Programa.

Avaliando a importância da educação para a consciência dos direitos e deveres de cidadania, como também para a qualificação na busca de uma atividade de geração de renda, a equipe técnica inter-disciplinar incentiva os jovens e adultos que haviam abandonado a escolarização formal a retomá-la.

O Quadro 22 revela que os números relativos a esse estímulo, ainda que tímidos, já são animado-res, tendo em vista que muitos usuários optam ainda por fazer cursos de qualificação profissional, como será apontado no Quadro 24, adiante.

III. Trabalho e Qualificação ProfissionalO trabalho formal ou informal tem duas impor-

tantes funções para o Programa: de um lado, a busca de autonomia financeira, indispensável na prepara-

32À época em que a pesquisa foi realizada.

Page 55: Provita São Paulo

55HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

ção para o desligamento; do outro, a construção de novas relações, ser produtivo e outros temas direta-mente ligados à auto-estima.

Nessa busca de trabalho, os protegidos enfren-tam as dificuldades comuns a milhares de pessoas em um mercado excludente e competitivo, acresci-das das restrições inerentes a uma situação de pro-teção. Inicialmente, para melhor retratar a situação dos usuários no ato de ingresso no Programa, verifi-cou-se a situação do emprego antes disso, conforme mostram os quadros 23, 26 e 27.

O Quadro 23 destaca a grande concentração de pessoas sem emprego ou realizando trabalho infor-mal entre os usuários, antes do ingresso no Progra-ma. Os números apresentados neste quadro confir-mam a constatação de que os usuários do Programa são provenientes dos segmentos de menor poder aquisitivo.

Partindo sempre de uma concepção de trabalho em que os usuários são sujeitos dos seus projetos de vida, a equipe interdisciplinar estimula-os a saírem de uma postura de vitimização e a serem pró-ativos na busca de possibilidades de capacitação, geração de renda, que possam ajudá-los a buscar autonomia, considerando sempre a não exposição da sua segurança.

O Provita disponibiliza recursos com esse ob-jetivo, incentivando os adultos a fazerem cursos de capacitação ou qualificação pro-fissional. Não é raro ocorrer que o curso de interesse do usuário exija um grau de escolaridade maior do que ele tem, sendo esta exigência trabalhada como mais uma motivação para a retomada dos estudos. A possibilidade de outros cursos também é oferecida a adolescentes com mais de 14 anos, que tenham interesse.

O Quadro 24 aponta os tipos de cursos de qualificação profissional realizados pe-los usuários do Programa e a quantidade de usuários que os realizou.

Cada usuário tem direito a realizar um curso custeado pelo Programa, havendo, no entanto, a possibilidade de se realizar cursos gratuitos através da Rede Solidária ou mesmo do custeio de outros cursos por familiares dos usuários.

Os usuários são incentivados ainda a se dedi-

Fonte: Provita/SP – 2007

Universo: 194 adultos

Quadro 25.Usuários acima de 18 anos que trabalham ou desenvolvem outra atividade

* Refere-se aqui ao trabalho voluntário regulamentado pelo Programa, remunerado por uma bolsa como incentivo aos usuários.

Fonte: Provita/SP – 2007

InformáticaCabeleireiraEnfermagem

Eletricista Manutenção de

microcomputadoresMecânica

Telefonia e telemarketingAdministraçãoCorte e Costura

SoldaOutros*

* Outros 17 cursos, realizados por um usuário cada: administrador de RH; cabista (telecomunicações); crochê; culinária; padeiro; es-tamparia; imobilização ortopédica; injeção eletrônica; manicure e pedicuro; modelagem de confecção; música; pesponto de calçados; pintura; segurança do trabalho; serigrafia; técnico em nutrição; téc-nico em segurança do trabalho.

Cursos

Quadro 24. Cursos de qualificação profissional realizados pelos usuários

nº de usuários que cursou

261063

333222

17

Page 56: Provita São Paulo

56 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

carem ao trabalho voluntário, na perspectiva de se criarem outras possibilidades e oportunidades. Den-tre elas, está a construção de novas relações de ami-zade, que se fazem por meio desta atividade, bem como um melhor conhecimento da comunidade e de seus recursos, além de sua função “terapêutica” no período inicial, quando se encontram bastante ociosos. Trata-se, neste caso, de um trabalho volun-tário regulamentado pelo Programa, em toda a rede nacional, remunerado por uma bolsa como incenti-vo aos usuários que realizem esta atividade de forma

Fonte: CDHEP – 2007

Falta de qualificação profissionalBaixa escolaridade

Preconceito (tatuagens)Desvalorização do trabalho artesanal

Desemprego estruturalFaixa etária (acima 45 anos)

Falta de registro de trabalho de empregos anterioresFalta de experiência profissional

Antecedentes criminaisUniverso: 16 usuários

Tipo de dificuldade

Quadro 27. Percepção do usuário sobre as dificuldades no mercado de trabalho

nº de entrevistados

542222111

sistemática e responsável.Tal possibilidade, quando aceita pelos protegidos,

tem trazido bons resultados, dentre eles, indicações para emprego ou contratação pela própria entidade onde desempenhou a atividade. Das 191 pessoas em idade laboral, 31 desenvolveram, em algum momen-to no Programa, algum tipo de trabalho voluntário (Quadro 25).

Com vistas a aprofundar a discussão sobre as difi-culdades na busca de trabalho, perguntou-se aos pro-tegidos entrevistados na pesquisa qualitativa sobre as

Fonte: CDHEP – 2007

Falta de referência/ indicação/ relações(ser conhecido e conhecer pessoas) na cidade de proteção

Não ter telefoneCondições emocionaisHistória de Cobertura

Impedimento de divulgação de currículo pela internetNão ter com quem deixar os filhos - ( falta familiares e creches)

Impossibilidade de ter conta bancária (local proteção)Medo de ser descoberto

Impossibilidade/restrições a profissões que expõe a risco (por segurança)

Universo: 16 usuários

Tipo de dificuldade

Quadro 26. Percepção do usuário sobre as dificuldades na busca de trabalho inerentes à situação de proteção

nº de entrevistados

922212111

Page 57: Provita São Paulo

57HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

possibilidades de recoloca-ção no mercado de traba-lho e quais as três maiores dificuldades. As respostas apresentadas foram dividi-das em duas categorias.

A percepção do usuá-rio acerca de suas dificul-dades na busca de traba-lho ligada à sua situação de proteção (Quadro 26) e a sua percepção sobre as dificuldades no mercado de trabalho (Quadro 27) indicam, respectivamen-te, a falta de referência na nova cidade, a falta de qualificação profissional e a baixa escolaridade, como os elementos impor-tantes para a recolocação no mercado de trabalho. Estas constatações reforçam a importância do in-centivo e do investimento na escolarização e qua-lificação profissional.

Nos 115 casos analisados, que compreendem 413 pessoas, das quais 194 são adultas, existe uma variável que tem grande influência no processo de reinserção cidadã: o tempo de permanência no Programa. Os casos incluídos poucos meses antes da realização da pesquisa ainda estavam em fase de mudança para o local definitivo, portanto, não é possível apresentar resultados comparáveis àqueles que estavam havia quatro anos no Programa e sobre os quais se tem uma expectativa muito maior.

O Quadro 28 evidencia que um maior tempo de permanência no Programa tem uma correspondên-cia, na idade laboral, ao maior acesso ao trabalho e à capacitação profissional. Nos casos em que o tempo de permanência é maior do que dois anos, o acesso a programas de capacitação profissional é de 75,9%, ante os 13,3% dos usuários até o primeiro ano e os 34,3%, até os dois anos. O trabalho com emprego

formal ou informal, que correspondia a 36,7% até o primeiro ano, e 43,3% até o segundo ano, chega a 50% depois de dois anos. Na mesma direção, o tra-balho voluntário que até o segundo ano correspon-dia a 14,9%, chega a 34,5% depois de dois anos.

IV. Redes de apoio socioafetivasEntende-se por rede de apoio socioafetiva os vín-

culos que os protegidos estabelecem com pessoas significativas ao longo do processo de permanência no Programa de Proteção.

A necessidade de vincular-se de forma gregária aos iguais é parte da condição humana, pois é junto aos pares significativos que se dá a construção do significado da existência de homens e mulheres. Por outro lado, o isolamento e a afirmação da cultura do individualismo têm sido sinais de alerta do esfacela-mento das relações na contemporaneidade.

Essa valorização do vínculo emergiu no levanta-mento realizado sobre o Programa de diversas for-mas, deixando explícita a importância dada pelos usuários a essas redes.

Ao serem questionados sobre o que mais ajuda na adaptação ao Programa, a grande maioria dos usu-

Fonte: Provita/SP – 2007

Quadro 28. Acesso a Trabalho e Qualificação Profissional em relação ao tempo de permanência no Programa

Universo: 194 adultos

Page 58: Provita São Paulo

58 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

O trabalho de reinserção dos usuários do Pro-grama precisa lidar, cotidianamente, com inúmeros desafios para os quais os procedimentos preestabe-lecidos não são suficientes, pois a situação que se impõe a estes usuários obriga a elaboração de so-luções alternativas para os problemas mais comuns. Neste sentido, a capacidade criativa, sempre visando a assegurar as garantias de segurança e sigilo, é parte fundamental do trabalho de proteção e acompanha-mento dos usuários. Há, no entanto, situações par-ticulares, em que a própria lei e instituições públicas dificultam medidas necessárias para essas garantias. Esses são desafios que o Provita necessita enfrentar, para criar alternativas viáveis, de modo a respeitar a institucionalidade, mas garantindo os direitos e o bem-estar daqueles que contribuem com a Justiça.

Entre outros, destacamos três desafios:Adolescente desacompanhado: A Lei 9.807/99

previu não só a proteção da testemunha, mas tam-bém a de familiares próximos e que sejam impor-tantes para o bem-estar deste, para que reconstrua sua vida e possa contribuir com a Justiça e o com-bate a impunidade.

É relevante a grande dificuldade com relação a testemunhas adolescentes que estão ameaçadas e cuja família não aceita ingressar no Programa, desejando delegar ao “Estado” a proteção do filho. Primeiramente, deve-se considerar a necessidade de apoio familiar ao adolescente, a importância dos vínculos afetivos e também a responsabilida-de da família. Entretanto, não é possível determi-nar que a família ingresse no Programa, porque qualquer medida protetiva deverá sempre contar com a anuência da pessoa. Cria-se, então, um impasse, pois o que está em questão é o risco de morte do jovem ameaçado e, portanto, o seu di-

5. Desafios especiais

ários entrevistados mencionou o apoio da equipe. Entende-se que este apoio vai além da intervenção: ele se traduz na presença e no vínculo que se estreita cotidianamente no acompanhamento dos núcleos. É nesse contato, nesse encontro, que os usuários do Programa podem dialogar sobre tudo o que se pas-sou com eles, o que não é possível diante de outras pessoas, considerando-se as implicações do sigilo, que deve ser mantido por questão de segurança. Dessa relação dialógica, permeada de angústias, de incertezas e de apreensões, vão-se tecendo possibi-lidades de construir perspectivas mais duradouras diante do processo de reinserção.

Em contrapartida, o que foi identificado pelos protegidos como maior dificuldade para a adapta-ção é a falta da família, aqui entendida como famí-lia de origem. A família é a ancora de socialização

primária, das primeiras redes sociais que se integra. De modo mais amplo, não se pode esquecer que a família é um grupo, no qual se estabelecem redes em torno de pautas, histórias, segredos, relações de poder, dentre outras. Mas é também na família que se encontra um ambiente propício para dar e rece-ber afetos, não estando em questão uma perspecti-va valorativa da qualidade desses afetos. Acercar-se da família de origem dos usuários do Programa e de outros familiares que não ingressaram tem aju-dado a preservar esses vínculos, apesar das rup-turas que acontecem na vida dos protegidos. Esse cuidado, que se efetiva nas ligações telefônicas, nas correspondências e nos encontros familiares pro-porcionados, são fundamentais para o bem-estar dos usuários e a permanente construção da sua identidade.

Page 59: Provita São Paulo

59HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

reito fundamental à vida.Na experiência de São Paulo, a equipe empenha

esforços na busca de alternativas e tem experiência com lar substituto e abrigamento, não sem enfren-tar diversos obstáculos.

Quando a única opção é o abrigamento, por segurança, isso se dará em outra cidade, longe do local dos fatos. Surge, assim, novo conflito entre os direitos do adolescente. O ECA define que os adolescentes que necessitam desse tipo de prote-ção (abrigamento) devem ficar em local próximo à família, para que recebam visitas e para que o fortalecimento dos vínculos familiares possa ser trabalhado. A situação de proteção específica do Programa exige que isto ocorra em local seguro e sigiloso.

Baseado no princípio da proximidade da famí-lia, o atendimento a adolescentes é municipalizado e cada cidade deve cuidar de seus jovens, havendo grande resistência em receber o/a adolescente de outro local, ainda que ameaçado.

Nesses casos, a equipe tem empreendido esfor-ços para sensibilizar responsáveis pelo abrigamen-to e juízes locais a contribuir com o Programa e proteger adolescentes vindos de outros municí-pios. Cabe registrar que, apesar de casos resolvidos com sucesso, inúmeros problemas surgem, prin-cipalmente quando os protegidos, que nesta faixa etária demonstram dificuldades em seguir normas, quebram regras locais, gerando a solicitação de re-moção daquele município.

Funcionário Público: A Lei 9.807/99 previu em seu artigo 7º, inciso VI, que o servidor público ou militar que ingresse no Programa terá suspensão temporária de suas atividades, sem prejuízo dos respectivos vencimentos ou vantagens.

Não se registra no Estado de São Paulo nenhum caso em que tenha havido dificuldades no afasta-mento dos funcionários públicos e no recebimento

dos seus direitos. Entretanto, a grande dificuldade tem sido o desligamento dessas pessoas do Progra-ma. Na maioria dos casos, os protegidos que são funcionários públicos não querem deixar seus car-gos, relatando todo o empenho que tiveram para que fossem aprovados em um concurso público, não tendo interesse em pedir exoneração. Têm ex-pectativa de conseguir transferência para outro ór-gão público, para que possam retomar suas ativida-des em segurança. Ocorre que cada órgão público tem suas próprias normas para remoção, apresen-tando resistência em abrir exceção sob a alegação de não haver previsão legal para tanto.

Assim, o Provita depara-se com casos em que funcionários públicos que contribuíram com o combate à impunidade – denunciando servidores envolvidos com tortura, extorsão, corrupção, etc. – vêem-se em uma situação na qual, encerrado o período de proteção, são orientados a voltar a trabalhar no mesmo local e, portanto, em área de risco. Importante sugestão dos agentes envolvidos na proteção é que se faça revisão na legislação que criou o Programa, garantindo por força de lei que todo funcionário público que for ameaçado por ter contribuído com a Justiça possa ter sua transferên-cia, para outra cidade ou órgão público, assegurada e sob sigilo.

Habitação: Existe uma parcela de usuários pro-veniente de áreas de posse, que ao ingressarem no Programa tem sua moradia ocupada por outras pessoas, e dificilmente conseguem obter algum va-lor pelo local. Também não é raro estarem incluí-dos em lista de espera de Programas habitacionais. Em razão da sua contribuição com a Justiça, não poderão retornar a esses locais ou áreas. Conside-rando esta situação, bem como prepará-los para o desligamento, faz-se necessário articular uma po-lítica pública de habitação com acesso seguro dos protegidos em programas habitacionais.

Page 60: Provita São Paulo

60 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

a rede solidária de proteção no provita são paulo

capítulo 4

Dentre os aspectos que tornam o Provita um modelo inovador de política pública de prote-ção a testemunhas, a Rede Solidária de Proteção se destaca como um dos seus elementos centrais. Trata-se de um instrumento que, do início até hoje, contribui para fortalecer e consolidar este modelo de proteção em todo o território nacional. Por este motivo, o processo de sistematização que resul-tou nesta publicação dedicou atenção especial ao estudo, levantamento de dados e reflexão sobre o seu papel e significado no Programa de Proteção do Estado de São Paulo. Tomou-se, contudo, um cuidado especial com a relação entre os integrantes da Rede Solidária, a equipe executora e os usuários do Programa.

O exercício de ir além da relação cotidiana com esses parceiros – na proteção das testemunhas e na construção da própria rede –, para torná-la objeto de reflexão, tem-se constituído uma tarefa necessária e desafiadora. Em primeiro lugar, porque após oito anos de execução do Provita no Estado de São Paulo

faz-se necessário refletir sobre os principais avanços e limites da Rede Solidária, na perspectiva do seu aprimoramento. Igualmente importante e necessá-rio vem sendo a possibilidade de ouvir os parceiros da Rede Solidária sobre sua atuação no Programa, as suas considerações, seus anseios e suas críticas.

As entrevistas realizadas para este estudo cons-tituíram-se, nesse sentido, num instrumento im-portante não só para a equipe técnica, mas também para os próprios integrantes da Rede Solidária de Proteção do Estado de São Paulo, na medida em que lhes propiciou a reflexão sobre o seu papel e a sua atuação no Programa.

O conteúdo aqui apresentado é, portanto, fruto de um árduo e gratificante trabalho, que envolve a própria construção da rede, a criação dos instru-mentos de levantamento, a leitura e a reflexão dos dados. Neste sentido, tem-se por objetivo não so-mente dar a conhecer a importância da Rede Solidá-ria para o Programa, como também propiciar a sua qualificação por meio da análise e reflexão.

GT de Rede Solidária

Page 61: Provita São Paulo

61HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

A atual concepção de Rede Solidária de Proteção, que auxilia a operacionalização da proteção de víti-mas e testemunhas do Estado de São Paulo, é fruto do conjunto de fatores que constituiu a primeira ex-periência de proteção no Estado de Pernambuco33. Com a imperiosa necessidade de garantir a inte-gridade física de vítimas e testemunhas ameaçadas naquele Estado, sem contar com instrumentos insti-tucionais que lhes oferecessem proteção, buscou-se o apoio de pessoas solidárias à causa dos Direitos Humanos, que oferecessem suporte a uma estratégia de segurança dos protegidos em relação àqueles que os ameaçavam.

Como essa estratégia era baseada fundamental-mente no sigilo e no distanciamento do local dos fatos, fazia-se necessária a constituição de uma rede de aliados confiáveis e sigilosos, assim como ter em vista uma variedade de locais adequada para garan-tir o afastamento geográfico. Além disso, na medida em que o Programa de Proteção passou por aprimo-ramentos, até chegar ao formato hoje conhecido por Provita, novas demandas geradas pelo trabalho de proteção repercutiam na necessidade de ampliar as relações do Programa com parceiros que pudessem oferecer suporte a este trabalho progressivamente mais exigente.

Nesse sentido, o reconhecimento da necessidade de proporcionar uma reinserção cidadã aos prote-gidos nos novos locais de vida incidiu diretamen-te sobre o papel da rede. Nos locais de proteção, o Programa necessita de um apoio fundamental para que os usuários possam superaar traumas físicos ou psicológicos, causados pelos fatos testemunhados, como o desenraizamento territorial e a ruptura de laços sociais e familiares, impostos pelas condições

de sigilo. Aumentam, portanto, as atribuições da equipe técnica e a necessidade de obter auxílio de organizações da sociedade civil e suas redes, assim como de instituições públicas e privadas, que pas-sam a colaborar com as tarefas assumidas por este Programa.

Dessa atuação nasce o conceito de Rede Solidá-ria, que fundamentará o Sistema Provita de Proteção a Testemunhas – para o qual a sociedade civil e suas redes sociais podem e precisam criar mecanismos e estratégias de proteção, que garantam a segurança e os direitos de cidadania das vítimas e testemunhas ameaçadas.

A materialização do conteúdo, por sua vez, se re-aliza pela articulação de uma rede de parceiros vo-luntários, empenhados na garantia de um local de moradia seguro, acesso a políticas públicas e supor-te necessário para a manutenção de uma vida digna aos usuários do Programa, mantendo sob sigilo ab-soluto quaisquer informações que possam tornar a sua localização vulnerável.

Com base nessa formulação, emprega-se o termo Rede Solidária de Proteção para um modelo de po-lítica de proteção a testemunhas, caracterizado pelo esforço de reinserção social das testemunhas prote-gidas por meio da assessoria jurídica, da assistência social e psicológica. Um modelo que se diferencia das principais referências internacionais de progra-mas de proteção, como o norte-americano, o cana-dense e o italiano, ao afirmar a solidariedade como estratégia de proteção. Neste sentido, a vida e os di-reitos de cidadania das vítimas ou testemunhas pro-tegidas é o objetivo primário de sua atuação, não se resumindo em um mecanismo destinado à proteção das provas de um crime.

1. A construção do modelo de Rede Solidária

33Sobre a experiência protagonizada pelo GAJOP no Pernambuco, veja o capítulo 1 – História de construção do Provita em São Paulo.

Page 62: Provita São Paulo

62 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

O tema proteção a testemunhas por si só já é re-pleto de complexidades. De acordo com o modelo, a Rede Solidária de Proteção é um dos principais elementos do sistema, ocupando lugar fundamen-tal na execução de várias ações que auxiliam na garantia de sigilo e proteção. Isso porque somente com a existência de uma “rede de proteção” é que se pode garantir o funcionamento de determina-dos mecanismos e estratégias para esta proteção.

É a Rede Solidária que permite um núcleo de operação centralizado em uma extensão territorial ampla, como o Estado de São Paulo. Por intermé-dio dela, o Programa se estende para além da atua-ção das equipes multidisciplinares no acompanha-mento e atendimento de demandas cotidianas dos usuários, inclusive no acesso a serviços públicos e privados, garantindo a preservação de estratégias de proteção. A solidariedade, como um princípio, é a fonte que alimenta a sinergia necessária ao estabe-lecimento de parcerias para atuarem nos locais de proteção.

O termo rede sugere um tecido constituído por fios que se encontram, entrelaçam e se estendem a várias direções. É neste sentido que redes sociais podem proporcionar o exercício de solidariedade em situações diversas. Essas redes são formadas por pessoas e instituições, que se articulam como par-tes constituintes do Programa de Proteção. O dife-rencial da Rede Solidária de Proteção em relação às redes sociais conhecidas é o cuidado necessário e conseqüente com o anonimato e o sigilo que protege os participantes.

As redes sociais distinguem-se em duas catego-rias, pelos diferentes tipos de vínculo que estabele-cem: uma, se dá por relações interpessoais; a outra, é estabelecida entre instituições. Na construção da Rede Solidária de Proteção, as duas formas são ne-

cessárias para o atendimento de todas as demandas dos usuários acolhidos pelo Programa. Em qualquer delas, sempre há de se considerar os critérios fun-damentais da segurança e do sigilo, tanto dos seus integrantes quanto dos usuários atendidos.

O grande desafio apresentado pelas redes inte-rinstitucionais é a administração desse sigilo. Isto porque existe uma variável de difícil controle, que é a natural e provável rotatividade dos seus elos, na maioria das vezes estabelecidos por pessoas res-ponsáveis pelas instituições ou por um segmento delas. Já nas redes interpessoais, esta variável é de mais fácil controle, porque pode se basear em rela-ções mais estáveis.

O Provita articula-se com três tipos de parceiros, que compõem a Rede Solidária de Proteção:

I. Colaboradores: são parceiros com amplas re-des de relacionamentos e contatos, que contribuem com o Provita indicando pessoas e instituições para atuarem como protetores ou prestadores de serviço na Rede Solidária.

II. Prestadores de serviço: podem ser de dois tipos, a saber:

a) profissionais liberais, médicos, assistentes so-ciais, psicólogos, advogados, dentistas entre outros, que prestam serviços gratuitos ou a baixo custo ao Programa, auxiliando na solução das dificuldades vividas pelos protegidos;

b) relações institucionais, por meio do estabele-cimento de convênios e demais parcerias com insti-tuições responsáveis pela implementação de políti-cas públicas.

III. Protetores: pessoas que fazem o acompa-nhamento dos usuários do Programa em seus novos locais de moradias e reconstrução da vida, contri-buindo no processo de adaptação e reinserção social dos protegidos.

2. Conceito e constituição da Rede Solidária

Page 63: Provita São Paulo

63HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

Um dos grandes desafios na execução do Provita refere-se à construção e manutenção da Rede Soli-dária de Proteção, necessária para a sua consolida-ção. Nos dois primeiros anos do Programa em São Paulo, a tarefa de construção desta rede era atribui-ção das equipes técnicas, não havendo um membro designado especificamente para tal. Com o passar dos dois primeiros anos e a conseqüente aquisição de mais experiência, a equipe reflete sobre a impor-tância desta rede e elabora vários documentos, pro-pondo soluções para avançar na sua construção.

Dessas reflexões, surge a idéia da criação de uma

Costumeiramente, a equipe executora das me-didas protetoras afirma que a Rede Solidária é fun-damental para o sucesso do Programa, o que a ca-racteriza como um dos eixos centrais nesta política pública. Isto implica, porém, uma série de desafios a serem enfrentados na sua construção, manutenção e aperfeiçoamento.

O desafio inicial é colocado pela própria carac-terização dos parceiros da rede e pela dificuldade de recrutamento que ela implica: pessoas que, por algum tipo de motivação, aceitam o convite para se dedica-rem voluntariamente a uma atividade que envolve ris-co, disciplina e pouco reconhecimento público deste ato. Ou seja, pessoas em geral mobilizadas por algum tipo de causa, (tanto por meio da militância em orga-nizações e movimentos sociais, como pela adoção de uma postura pessoal ativa em relação a uma determi-nada visão de mundo) e dispostas a um certo nível de sacrifício pela satisfação de contribuírem com a

função específica com atribuição e tarefa de constru-ção, articulação e manutenção da Rede Solidária de Proteção. Esse incremento é proposto pelo CDHEP ao Conselho Deliberativo do Provita/SP (Condel/SP), instituindo a figura do operador de rede. Este cargo assume a responsabilidade pela construção e manutenção da Rede Solidária em tempo integral, ainda que sem assumir exclusivamente a sua res-ponsabilidade, mas desonerando significativamente a equipe técnica desta função, propiciando-lhe mais tempo para o atendimento adequado aos usuários do Programa.

sociedade em que vivem. Isto tudo, apesar da atual desmotivação e descrença nas instituições políticas, além da inexistência de uma tradição de intervenção da sociedade civil em políticas públicas na área de se-gurança, seja pela ausência de canais ou pela sua pou-ca permeabilidade à participação.

Para refletir sobre a experiência da Rede Solidá-ria de Proteção no Provita/SP, foi realizada uma pes-quisa qualitativa com os seus integrantes, buscando aprofundar a compreensão de seu papel, avanços e desafios. A metodologia utilizada na pesquisa é apresentada no item “Considerações metodológi-cas” da introdução desta publicação.

A maior parte dos entrevistados está participan-do da rede de dois a quatro anos e a sua percepção sobre o Programa se manteve, do início até hoje, praticamente inalterada. As considerações feitas pe-los entrevistados enfatizam a importância e a neces-sidade da existência deste Programa, sua eficiência e

3. Operação da Rede Solidária: construção e manutenção

4. Papel, potencialidades e desafios da Rede Solidária de Proteção no Provita/SP

Page 64: Provita São Paulo

64 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

competência. Avaliam, também, que o Programa é bem-estruturado e possui um formato adequado ao objetivo e contexto em que se insere.

Aparecem críticas que remetem ao impacto so-cioeconômico que o Programa pode exercer sobre as pessoas protegidas, revelando a preocupação, por parte dos entrevistados, de que a assistência oferecida não represente um contraste radical com as condições de vida do usuário anterior ao seu in-gresso no Programa. Particularmente os protetores

Enquanto alguns se definiram como um “freelance” ou um “dente na engrenagem”, outros se percebem como “um parceiro”, “um prestador de ajuda humana”. Apesar das diversas percepções, em decorrência dos variados papéis que exercem no Programa (colaboradores, protetores ou pres-tadores de serviço), é notório um aspecto comum, ou seja, o seu compromisso com o Provita.

Os protetores potencializam o trabalho de reinserção cidadã dos usuários do Programa quando estimulam a capacidade dessas pessoas para superar estigmas que marcam suas vidas, as-sim como enfrentar a marginalização e a discri-minação. No seminário realizado em São Paulo, Márcia Cristina – coordenadora do Provita Bahia – relatou o trabalho do protetor de um adolescen-

perceberam mudanças positivas ocorridas no Pro-vita, em relação a sua ampliação e avanço ao longo desses anos.

Nesse trabalho de pesquisa, um dos principais temas tratados foi o entendimento, por parte dos entrevistados, sobre o seu papel na Rede Solidária e a sua percepção sobre o Programa. No Quadro 29, pode-se ver a percepção, mencionada pelos entre-vistados, sobre o papel que exercem no Programa de Proteção:

te sobrevivente de chacina que, forçado a deixar o centro urbano em que se deflagraram os fatos, passou a contar com o apoio de um protetor da Rede Solidária.

Outra questão que trouxe elementos impor-

Fonte: CDHEP – 2007

a) Ser um facilitador da inserção dos usuários na cidade; ser um apoio, um colaborador/parceiro do Programa na cidade;

b) Fazer o acompanhamento dos usuários;c) Ser uma referência pessoal para o usuário;

d) Papel profissional, de prestar um serviço ao usuário.

Universo: 14 entrevistados

Alternativas

Quadro 29. Papel da rede junto ao Provita

Respostas34

9134

34Os números apresentados correspondem à quantidade de entrevistados cuja resposta contempla o item descrito, sobre o universo total de entrevistados considerados no qua-dro. Desta forma, no Quadro 29, o número apresentado como “9” significa que de 14 entrevistados considerados no universo deste quadro, nove contemplam o item referido em suas respostas. Um mesmo entrevistado pode contemplar vários itens em sua resposta; por este motivo, as tabelas são cumulativas.35Dra. Márcia Cristina da Conceição, coordenadora da equipe Bahia e membro da equipe de monitoramento, em intervenção no Seminário Provita/SP: “História de uma Polí-tica Pública de Combate à Impunidade, Defesa dos Direitos Humanos e Construção da Cidadania”, quando participou como debatedora na Mesa “Rede Solidária de Proteção: sociedade civil no Provita”.

(...) esse adolescente chegou no Programa e estava só; foi então colocado junto a um prote-tor, que era uma liderança de movimento so-cial. Algum tempo depois, conversando com este protetor, ele nos disse que não encarou o garoto a partir de sua história de vida, e sim a partir do potencial que ele trazia. Foi assim que, apesar de vir de uma vivência urbana, o adolescente aprendeu a plantar, a fazer horta, e estava naquele momento ensinando a outras pessoas o que aprendeu. O vínculo que este protetor estabeleceu com o adolescente foi o que motivou esse menino a sair daquela situa-ção de rua, daquele estigma de drogadição35.

Page 65: Provita São Paulo

65HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

Fonte: CDHEP – 2007

a) Segurança – as pessoas se sentem mais seguras;b) Acesso à cidade, à estrutura/infra-estrutura;

contatos, emprego; adaptação e enraizamento na nova cidade;c) Referência pessoal para os usuários.;

Os protetores Estabelecem vínculos, relações de confiança, oferecem um obro amigo; d) Apoio e referencia para o Programa;

Os protetores são a “ponta do Programa”;e) Apoio na resolução de problemas / emergências;

f) Prestação de serviço ao usuário.

Universo: 14 entrevistados

Alternativas

Quadro 30. Impacto da atuação da rede sobre o usuário protegido

Respostas

4

7

67

23

tantes sobre o papel dos membros da rede, nas entrevistas qualitativas, apareceu quando lhes foi perguntado se acreditavam que sua participação fazia diferença na vida das pessoas que acompa-nham. As respostas apresentadas se concentraram nos seguintes elementos:

Tanto no Quadro 30 como no Quadro 29, cha-ma a atenção o entendimento dos entrevistados sobre seu papel para as dimensões concretas da inserção dos usuários no município onde estão protegidos, como o acesso à cidade e aos servi-ços públicos: se tomadas em conjunto, represen-tam o aspecto mais importante apontado pelos protetores.

Outro elemento que merece destaque é a im-portância atribuída pelos protetores ao estabe-lecimento de um contato pessoal com o usuário (Quadro 29, item c, e Quadro 30, item c), aponta-do por grande parte dos entrevistados como um papel importante por eles exercido. Ser uma refe-rência pessoal, estabelecer vínculos e relações de confiança também é entendido, portanto, como um elemento essencial para a reinserção social destas pessoas.

O entendimento sobre seu papel de transmitir

segurança se destaca entre os protetores. A ques-tão de “segurança” refere-se a duas vertentes: a principal, se deve à questão direta sobre o risco e necessidade de proteção. A segunda, porém, con-templa também questões de confiança na rede, que por sua vez muito contribui para a sensação/percepção dos protegidos de estarem seguros.

Essas questões, de uma maneira geral, revelam que no entendimento de seu papel, a Rede Solidá-ria absorve a orientação da equipe sobre os ele-mentos fundamentais do Programa: a proteção e a reinserção social dos usuários.

Os prestadores de serviço reconhecem a si mesmos por seu papel profissional no Programa. No entanto, juntamente com os colaboradores, destacam também o entendimento deste papel enquanto uma extensão do Programa na cidade onde os usuários estão protegidos (Quadro 30, item d – “a ponta do Programa”), revelando um sentimento de pertencimento ao Provita, e não a prestação de um serviço “terceirizado”.

Quando abordada a questão se os entrevistados acreditam que os protegidos se sentem apoiados pelo Programa, igualmente importantes foram os resultados:

Page 66: Provita São Paulo

66 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

Fonte: CDHEP – 2007

a) Os usuários se sentem apoiados por uma relação não apenas institucional, pois existe um nível de pessoalidade na relação com o Programa que a torna mais confortável e

confiável; o Programa é uma referência e é presente;b) Sentem um apoio estrutural e financeiro (“logístico”) para a sua subsistência, o atendimento de suas

necessidades cotidianas, o acesso aos serviços (públicos ou privados) e a própria adaptação a uma nova cidade;

c) Sentem confiança e segurança no Programa; o Programa tem regras muito rigorosas e limites bem estabelecidos, que garantem a segurança.

d) Os usuários percebem a eficiência e a agilidade do programa. Basta um sinal para mobilizar a equipe e resolver o problema.

e) O usuário demonstra uma visão utilitarista do programa em relação à sua proteção/não reconhece o Programa como um apoio, e sim como apenas um recurso

para a obtenção de provas.f) Os usuários nem sempre estão satisfeitos / criam uma expectativa acima daquilo

que o Programa oferece de fato.

Universo: 14 entrevistados

Aspectos positivos

Aspectos negativos

Quadro 31. Percepção dos usuários sobre o apoio do Programa em suas vidas

Respostas

Total

5

7

6

2

1

2

Ao tomar todos os entrevistados como referência, o aspecto de maior destaque quanto ao sentimento dos usuários é o apoio estrutural e financeiro garan-tido pelo Programa, que permite tanto a manuten-ção das condições de subsistência como a adaptação à nova realidade em que são inseridos.

Dos oito protetores entrevistados, cinco des-tacam a importância do estabelecimento de uma relação pessoalizada entre o Provita e os usuários, porque acreditam que, no sentimento dos usuários, esta forma de relação confere maior confiabilidade ao Programa do que uma relação puramente insti-tucional e impessoal.

No entanto, chama a atenção que um aspecto ain-da mais mencionado pelos protetores é o sentimen-to de segurança que os usuários atribuem ao rigor das regras e dos procedimentos do Programa, citado pela maioria dos protetores entrevistados (seis, dos oito entrevistados).

Vale destacar que, entre os entrevistados, apenas os prestadores de serviço que oferecem tratamento psicológico mencionam a percepção de aspectos negativos no sentimento dos usuários em relação ao Programa. Deve-se levar em conta, neste caso, que entre o prestador de serviço da rede e o usuário se estabelece uma relação de terapeuta e paciente. Nesta relação, desenvolve-se um tipo de comunica-ção diferenciada, que permite ao parceiro da rede explorar com maior profundidade as dificuldades e os anseios vivenciados pelo usuário do Programa, na sua situação de protegido. Portanto, esta parti-cularidade provavelmente se deve ao nível de in-formações e à continuidade das ações do terapeuta com o protegido.

Os profissionais que oferecem tratamento psico-lógico aos protegidos revelam ainda que, algumas vezes, os usuários explicitam problemas de diversas ordens, na expectativa de que o Programa os solu-

Page 67: Provita São Paulo

67HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

cione, de forma que transmitem a sensação de de-samparo ou insatisfação com as ações do Programa.

Quanto à importância dos protetores para a adaptação ao Provita, 13 protegidos foram questio-nados. O critério de seleção considerou os prote-gidos que estão no mínimo um ano sob proteção. Assim, obteve-se os seguintes resultados:

Os quatro que indicaram a importância de ter um contato na cidade, principalmente para as questões de trabalho e ocupação, retratam temas imprescindíveis para a reinserção social. Já os dois que tratam das relações pessoais referem-se a um ponto de apoio, igualmente significativo para a tranqüilidade em saber que alguém na cidade sabe quem são e os motivos para o reinicio num novo lugar, precisando recriar diversas áreas da vida, in-clusive as relações pessoais.

Quanto aos aspectos negativos, quando seis usu-ários respondem que o protetor é ausente, a experi-ência da equipe conduz a levantar algumas hipóte-ses, que ajudem a entender a aparente contradição

Fonte: CDHEP – 2007

a) Contato na cidade: trabalho, ocupaçãob) Acesso à cidade: localização

c) Comunicação com equipe do Provitad) Sentimento de segurança: ter alguém conhecido

e) Presença de alguém de confiançaf) Amizade, relações pessoais

g) Prestador de serviço corresponde mais às expectativas do que o protetorh) Protetor deu apenas contribuições pontuais

i) Pode contar se precisarj) Protetor é ausente

k) Possui uma expectativa de presença não concretizadal) Não tem protetor

m) Protetor não é necessário

Universo: 14 entrevistados

Aspectos positivos

Aspectos negativos

Quadro 32. Percepção dos usuários sobre importância dos Protetores para sua adaptação ao Programa

Respostas

421112

2216121

entre a percepção dos usuários e a dos protetores acerca dos seus papéis. O próprio sentido da palavra “ausente” certamente tem significado diferente para cada um. De modo geral, as expectativas dos prote-gidos podem ser muito distintas da relação concreta estabelecida com os protetores. Os protegidos, na sua solidão, têm a expectativa de uma relação mais cotidiana e constante, o que em muitos casos, por orientação da própria equipe, não é recomendado. Além disso, muitas vezes os protetores “represen-tam” a equipe, o que pode carregar consigo aspectos invasivos, à medida que se trata de mais uma pessoa acompanhando sua vida.

Por outro lado, ao analisar esses dados, a equi-pe concluiu que muitas vezes apresenta a solução de uma problemática ou um encaminhamento de alguma demanda do protegido, mas não o per-curso, a forma e os contatos necessários e utili-zados para tal. Assim, algumas vezes o trabalho desempenhado pelos protetores pode não apare-cer. Então, a equipe pode e deve enaltecer e iden-

Page 68: Provita São Paulo

68 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

tificar mais o trabalho dos protetores. Os dois casos que não possuem protetores de-

vem-se a dois motivos: ou pela avaliação de que não se fazia necessário o protetor para aquele caso, ou porque houve remoção do usuário e ainda não havia se constituído novo protetor ou nova protetora.

No trabalho de pesquisa realizado, não houve uma pergunta específica sobre o papel do Estado em rela-ção ao Programa ou mesmo sobre a atuação do Pro-grama como de combate direto à impunidade. Con-tudo, em respostas diversas, vários parceiros trataram desse tema. De forma emblemática, alguns acreditam que o Programa atua sobre os sintomas: “o Programa deveria cuidar não só da vítima, mas garantir que a justiça seja feita, até porque se o criminoso não for preso, de nada adianta o Programa manter a teste-

munha protegida por dois ou três anos, pois o risco continuará existindo”; “Há falência moral, descrédito. Se o Estado pecou em algum momento, agora está reparando”. Contudo, em vários momentos, os entre-vistados citam a eficácia do Provita como um todo, sugerindo ainda sua ampliação.

É interessante perceber que a entrevista propor-cionou uma “voz” a esses membros da sociedade que, por meio de seu profissionalismo, disponibi-lidade, interesses ideológicos ou ainda da busca de uma sociedade mais justa, atuam no Provita/SP.

Os entrevistados foram questionados sobre qual foi a maior motivação que os levou a aceitar o con-vite para colaborar com o Programa de Proteção às Testemunhas e, com as respostas, foi possível tipifi-cá-las entre as seguintes alternativas:

Fonte: CDHEP – 2007

a) Motivação Político-ideológica; compromisso com a luta pela justiça social;b) Motivação religiosa / convicções cristãs

c) Motivação da defesa dos Direitos Humanosd) Motivação ética, humanista, sentimento de dever de cidadão, compromisso

com o a justiça (enquanto combate à impunidade)e) Motivação por ser indicado por alguém de confiança

f) Desafio / desafio profissional

Universo: 14 entrevistados

Motivações

Quadro 33. Motivação dos parceiros da Rede para participarem do Programa

Respostas

235

734

As respostas dos parceiros da Rede Solidária de Proteção revelaram o profundo compromisso que os move nesse trabalho. O compromisso com a so-ciedade, na perspectiva da Justiça e dos Direitos Humanos, é a motivação central que os impulsio-na. Algumas das respostas ilustrativas neste senti-do foram:

Outros dados da pesquisa são igualmente impor-tantes quanto à tipificação da Rede Solidária de Pro-teção. Foi perguntado aos entrevistados sobre outras formas e espaços de atuação que eles têm na defesa dos Direitos Humanos e na construção da cidada-nia, além da sua colaboração com o Provita. Apenas um dos 14 entrevistados, participante da rede como

36Falas extraídas das entrevistas feitas com parceiros da Rede Solidária de Proteção.

… minha motivação é auxiliar pessoas que estão colaborando com a sociedade e comi-go de alguma forma, denunciando crimino-

sos (…).… acredito no Programa como um instru-mento de promoção da justiça (…).36

Page 69: Provita São Paulo

69HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

prestador de serviço a usuários do Programa, não mencionou nenhuma outra atividade neste sentido. Entre protetores e colaboradores, nove dos dez en-trevistados atuam em algum tipo de movimento ou organização da sociedade civil. Esse perfil da rede reflete uma motivação ética, política e humana ex-tremamente rica e comprometida com a construção dessa política pública.

É necessário apontar aqui que esse “rosto” da Rede Solidária de Proteção, por um lado, guarda uma relação estreita com os critérios adotados pela entidade gestora do Programa em São Paulo, no processo de mapeamento e escolha dos parceiros. Por outro lado, uma boa parte dos parceiros desta rede se dispõe a integrá-la, por se identificar com os princípios e lutas da entidade gestora (o CDHEP), de longa atuação na defesa e afirmação dos Direitos Humanos em São Paulo.

O processo de identificação de um participante da rede, seja como protetor, colaborador ou presta-dor de serviço, não é uma tarefa simples. Demanda muito tempo a construção de laços de confiança, necessários para o caráter sigiloso da sua atuação. Tanto o processo de construção da parceria com esses sujeitos como o seu acompanhamento é um constante processo de aprendizagem, formação e qualificação do seu papel na rede.

Considerando o tema da reinserção cidadã en-quanto promoção do acesso aos direitos de cida-dania e construção da autonomia dos usuários e usuárias desta política pública, os entrevistados sentem dificuldade em opinar sobre os seus resul-tados finais. O principal limitador é, em muitos casos, a impossibilidade de acompanhar o prote-gido após o seu desligamento ou, em outras si-tuações, há a troca do usuário acompanhado. Os limites no exercício do seu papel são encarados como sendo inerentes a este trabalho e, portanto, não invalidam a importância do mesmo. A opinião apresentada por um dos protetores entrevistados

é ilustrativa: “(...) acho que não é o Programa que pode resolver algo que a própria sociedade não consegue garantir; o Programa não tem de assu-mir a obrigação de garantir um final feliz”.

Entre os aspectos positivos, as respostas se concentram na idéia de que o Programa aumenta as chances dos usuários reconstruírem suas vidas. Entre os aspectos negativos do Programa, parti-cularmente entre os protetores, o mais apontado refere-se às normas de segurança como limitado-ras da reinserção cidadã. De fato, esta é uma das questões com que cotidianamente as instâncias do Programa, particularmente a equipe, se defron-tam: como compatibilizar segurança e reinserção cidadã? Como viabilizar a autonomia dos usuá-rios, o exercício pleno da cidadania, se há uma série de limitações que se impõem para garantir a segurança e a vida dos protegidos?

Perguntou-se também sobre as implicações des-te trabalho para a vida dos membros da rede. Entre as implicações para a vida pessoal e as implicações para a instituição ou organização da qual fazem par-te, foram relacionadas as seguintes respostas:

É notável entre respostas sobre as implicações do trabalho no Programa sobre a vida pessoal dos parceiros da rede a concentração nos aspectos po-sitivos. Em geral, percebe-se que o trabalho da rede corresponde a uma visão de mundo desses parcei-ros do Programa e, especialmente entre os proteto-res, este trabalho significa reafirmar essas convic-ções e complementar sua atuação no mundo.

É possível verificar também que, em geral, o contato entre o Programa e a rede se estabelece mais em âmbito pessoal do que institucional, já que a maioria dos parceiros afirma que suas insti-tuições não têm conhecimento da sua colaboração com o Programa ou nem sequer as mencionam em sua resposta. Se por um lado isso corresponde às cautelas necessárias ao sigilo e à segurança, con-forme estabelecido pelo Provita, também indica o

Page 70: Provita São Paulo

70 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

Fonte: CDHEP – 2007

a) A instituição sabe que colabora com o Provita e apóia essa opçãob) Não afeta em nada/não sabem do trabalho no Provita; Possui uma relação

pessoal com o Programa, não institucional.c) Não menciona instituição

Universo: 14 entrevistados

Instituição

Quadro 35. Implicações da atuação na rede para a instituição em que o parceiro atua/trabalha

Respostas

34

7

Fonte: CDHEP – 2007

a) É um trabalho gratificante / tem muito prazer e satisfação em ajudar;b) Reafirma as convicções pessoais/políticas; complementa a militância política/social;

c) Inicialmente já teve receio/medo, mas hoje não afeta em nada;

d) Despende tempo, preocupação / afeta a rotina pessoal;e) Afeta emocionalmente, porque se envolve/cria laços de afeto com o usuário;

f) Não afeta em nada.Universo: 14 entrevistados

Aspectos positivos

Aspectos negativos

Quadro 34. Implicações da atuação na rede para a vida pessoal do parceiro

Respostas

Total de aspectos positivos

Total de aspectos negativos

473

21

10

3

2

desafio de aprofundar a articulação do Programa com as instituições.

Nessa direção, destacam-se as dificuldades em trabalhar a transversalidade da política de proteção a testemunhas com outras políticas públicas, como Habitação, Educação e Saúde, no sentido de estabe-lecer parcerias institucionais37.

Esse resultado também aponta que o CDHEP, por sua longa trajetória de atuação de 27 anos, pode explorar mais o estabelecimento de parcerias ins-titucionais, na perspectiva da constituição de uma rede operacional e política mais ampla e forte. Esta questão tem sido pautada em outras instâncias do

Programa Nacional, nas quais vem sendo enfatiza-da a necessidade de uma rede política de suporte ao Provita. Quanto ao fortalecimento da rede da sociedade civil como suporte desta política pública, destaca-se a experiência do Provita na Bahia, que tem construído, por intermédio da Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais (AATR), uma parceria e um compromisso político bem fecundo no âmbito da sociedade civil38.

Fica explícito que a construção da rede tem uma relação direta com a credibilidade da entidade ges-tora no seio da sociedade civil e, particularmente, com as instituições da sociedade civil comprometi-

37Sobre o desafio da articulação da política de proteção com outras políticas públicas, veja o capítulo 3 – A Reinserção cidadã dos usuários.38A AATR é a Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais da Bahia e atua como entidade gestora do Programa de Proteção a Testemunhas no Estado da Bahia. A ONG realizou, ao longo de 2006, uma série de encontros em todo o Estado, com entidades sociais e movimentos, na perspectiva de fortalecer uma rede política da sociedade civil de acompanhamento da política pública de proteção a testemunhas, resultando, naquele mesmo ano, no lançamento de uma cartilha com orientações para a constituição da Rede Solidária no Estado.

Page 71: Provita São Paulo

71HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

das com os Direitos Humanos e com uma socieda-de justa e solidária.

Para além da identificação e construção da Rede Solidária, é de suma importância o seu acompa-nhamento e a sua manutenção. O acompanhamen-to é realizado tanto pelo operador de rede como por toda a equipe e é a garantia da sustentação da relação com os parceiros, tanto das pessoas como das instituições.

Na maioria das vezes, a forma de acompanha-mento ocorre por meio de visitas, quando, então, os assuntos são conversados. Segundo grande par-te dos entrevistados, o número de contatos com a equipe é suficiente e a discussão “resolve o assun-to”. Menos da metade indica problemas referentes a períodos em que a equipe não mantém contato

com os protetores e na troca de informações entre a rede e a equipe, frisando a necessidade de apro-fundamento em diversos temas.

Existem alguns pontos que necessitam de aper-feiçoamento. Os entrevistados indicam que o tra-balho desenvolvido constitui um desafio relacio-nal, em decorrência do envolvimento pessoal com o protegido, o que, por sua vez, exige sensibilidade e constante qualificação/capacitação para atender melhor às demandas implícitas de proteção dos usuários. Assim, sugerem que, além do maior di-álogo com a equipe, sejam realizadas atividades de formação e de capacitação. A presença e a partici-pação de integrantes da Rede Solidária no seminá-rio do Provita/SP, em novembro de 2007, foi um importante momento nesta direção.

Ao longo deste texto, foi possível refletir sobre muitos aspectos que se destacam na Rede Solidá-ria de Proteção no Estado de São Paulo e sobre as várias questões que se constituem em desafios. Atualmente, esta rede é bastante significativa em sua amplitude e pelo seu papel na “engenharia” de proteção.

O Provita percebeu que o sucesso da proteção, para além das medidas tomadas e da co-responsa-bilidade do protegido, depende muito da atuação da Rede Solidária. Sua constituição revela uma “engenharia social” fundamental neste modelo de proteção. A existência de uma rede que atua de forma solidária, além de ser um diferencial de outros programas de proteção, tem-se constituído em instrumento cada vez mais estratégico, parti-cularmente no processo de reinserção cidadã.

Outro destaque é a “horizontalidade” da rede na sua forma de funcionamento: é constituída por

pessoas com diferentes tarefas, papéis e atuação, articuladas pela equipe operacional, com estraté-gias e compartilhamento das informações neces-sárias à proteção. A rede se articula com o Provita de forma horizontal e não subordinada ao restan-te do Programa, ainda que a equipe técnica tenha o papel orientador e articulador deste processo.

Outras características que se destacam são a disponibilidade e o comprometimento dos par-ceiros da Rede Solidária (colaboradores, proteto-res e prestadores de serviço) com a construção do Programa, bem como a sua dedicação às ativida-des de sua responsabilidade. Percebendo-se como “dente da engrenagem”, têm compreensão do seu papel na sociedade e na afirmação dos Direitos Humanos, na promoção da justiça e no enfrenta-mento da impunidade. Além disso, reconhecem a importância que têm na vida das pessoas protegi-das, que precisam “recomeçar numa terra estra-

5. Considerações Finais

Page 72: Provita São Paulo

72 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

nha”. Neste sentido, a participação no processo de sistematização fortalece a atuação dos parceiros da Rede Solidária na construção e ampliação da Rede Solidária de Proteção.

Entre os desafios que se colocam para a qua-lificação da Rede Solidária de Proteção está a ne-cessidade continuada de formação e capacitação, amplamente demandada pelos integrantes da própria rede.

Outro desafio continua sendo a urgência de avançar na construção da transversalidade das políticas públicas, por meio da participação das

instituições públicas na rede de proteção. Como já dito, a política de proteção a testemunhas exige o acesso às outras políticas públicas – como Edu-cação, Saúde, Habitação, entre outras, de forma diferenciada, para preservar o sigilo necessário à proteção das testemunhas.

Finalmente, continua sendo um desafio a constituição de uma rede suficientemente ampla e diversificada, para dar conta da demanda cres-cente de casos que vêm procurando o Programa de Proteção, assim como da diversidade e pecu-liaridades das necessidades dos usuários.

Page 73: Provita São Paulo

73HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

a relação entre o estado e a sociedade civil na política pública de proteção a testemunhas

capítulo 5

A relação entre Estado e sociedade civil constitui-se em uma das dimensões importantes da política pública de proteção a testemunhas, na experiência vivenciada em oito anos da sua execução no Esta-do de São Paulo. O esforço de sistematização desta experiência permite constatar importantes avanços, limites e desafios, sobre os quais se procurou refletir neste texto.

O Programa de Proteção às Testemunhas foi gestado no seio da sociedade civil, na perspectiva de afirmação dos Direitos Humanos e de enfrenta-mento da impunidade, com base na experiência de-senvolvida pelo Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP), organização não-governamental que atua no Estado de Pernambuco39. A iniciativa desta política pública veio da sociedade civil e tem sido progressivamente implementada nos Estados da Federação. Ainda que a legislação brasi-leira, por meio da Lei nº 9.807/1999, não determine um único modelo de proteção, o Provita tem sido

o modelo de programa implementado nos Estados brasileiros, com exceção do Rio Grande do Sul. Ele é, portanto, o modelo de referência na proteção a testemunhas no Brasil.

É pertinente perguntar: por que uma política pú-blica de proteção a testemunhas, com a complexida-de e os cuidados que a mesma inspira, não é gerida e operacionalizada pelo próprio Estado, particular-mente pelas suas instituições especializadas em Se-gurança Pública? A resposta não é simples. Porém, considera-se que há duas razões mais importantes. O modelo Provita, pelo qual a sociedade civil com-partilha a gestão e operacionaliza a proteção às tes-temunhas é, por um lado, decorrência do reconheci-mento dos limites do Estado brasileiro para fazê-lo e, por outro, da crescente participação da sociedade civil, nas últimas décadas, na proposição, controle e implementação de políticas públicas.

As razões históricas que levaram o Provita a nas-cer dessa forma lhe conferiram características muito

*Inácio da Silva é associado do CDHEP, pesquisador do Instituto Pólis e conselheiro do Condel/SP. 39Sobre a implantação do Provita no Estado de Pernambuco, em São Paulo e no Brasil, ver capítulo 1 – História da construção do Provita em São Paulo – nesta publicação, p. 18.

Inácio da Silva*

Page 74: Provita São Paulo

74 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

A construção do marco legal e o financiamento da política pública são duas dimensões fundamen-tais para garantir a sua efetivação. A política de pro-teção a testemunhas não é diferente. A sua institu-cionalização e o seu financiamento constituem-se em medidas da sua real situação no País e nos Esta-dos onde está implementada.

A importância do marco legal na política de proteção

O marco legal da política pública de proteção a testemunhas é importante na medida em que possi-bilita a sua efetiva implementação, com definição de responsabilidades, papéis, operacionalização, finan-ciamento, espaços de deliberação e controle social.

No âmbito nacional, a legislação citada definiu os elementos mais gerais do funcionamento da políti-ca de proteção a testemunhas. Este marco legal tem permitido constituí-la como uma política em mui-

tos Estados da Federação. Ainda lhe falta um caráter mais sistêmico, o que está sendo proposto pelo Pro-jeto de Lei que prevê a criação do Sistema Nacional de Proteção40.

No Estado de São Paulo, o marco normativo da política de proteção começou a ser construído a par-tir de 1998, resultado de um processo do qual parti-ciparam o Ministério Público estadual, o Executivo estadual – por intermédio da Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania e da Secretaria de Segurança Pública – e a sociedade civil, particularmente por meio do CDHEP –, bem como de outras institui-ções de Direitos Humanos, entre as quais as que hoje integram o Conselho Deliberativo do Provita/SP.

A institucionalização do Programa de Proteção no Estado de São Paulo – e, em especial, o proces-so de construção dos termos da sua regulação, com base no Decreto nº 44.214 –, já construída em efetivo diálogo entre Estado e sociedade civil, conferiu-lhe

1. A implementação do Programa de Proteção como política pública no Brasil e em São Paulo: marco legal e financiamento

inovadoras em relação a outros programas de prote-ção a testemunhas conhecidos no mundo. Os mais conhecidos, como os dos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e Itália, são operados pelas suas respecti-vas polícias e têm como característica central a pro-teção das testemunhas enquanto prova de acusação. A idéia de ser um instrumento de acesso à Justiça e combate à impunidade por meio da proteção das tes-temunhas, numa perspectiva de Direitos Humanos, e, simultaneamente, promover e possibilitar o pleno exercício da cidadania dos protegidos, com suporte de uma Rede Solidária de Proteção, são característi-

cas do Provita. Esta peculiaridade do Programa bra-sileiro tem uma relação direta com o protagonismo exercido pela sociedade civil comprometida com a defesa dos Direitos Humanos e a democracia na construção desta política de proteção.

A política pública de proteção a testemunhas tem outras características muito específicas e pecu-liares, por seu caráter sigiloso e reservado. Tanto na sua execução cotidiana como na sua instância deli-berativa – o Conselho Deliberativo –, esta política proporciona e exige uma relação contínua e intensa entre muitos sujeitos do Estado e da sociedade civil.

40Encontra-se em construção a proposta de projeto de lei federal para a criação de um Sistema Nacional de Proteção, que deverá articular diversos programas relacionados com a proteção, incluindo a proteção a testemunhas, a proteção a crianças e adolescentes vítimas de violência, a proteção de defensores de Direitos Humanos e a proteção a pessoas vítimas de violência.

Page 75: Provita São Paulo

75HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

potencialidade para tornar-se uma política pública com estabilidade e continuidade. Esse processo, pre-cedendo o início efetivo do Programa, permitiu su-perar problemas e fragilidades e incorporar avanços em relação aos programas de proteção que já fun-cionavam em alguns Estados.

Dentre os avanços incorporados, pode-se des-tacar aspectos relativos aos direitos trabalhistas, ao financiamento e à composição do Conselho. O Decreto definiu que a contratação da equipe técnica deve seguir o regime da Consolidação das Leis Tra-balhistas (CLT), assim como a criação de um Fundo de Reserva para questões trabalhistas. A contratação pela CLT, acompanhada por um salário compatível com as peculiaridades do trabalho de proteção, foi uma opção adotada para, por um lado, propiciar uma maior estabilidade e tranqüilidade na atuação da equipe técnica contratada e, por outro, possibi-litar o respeito aos direitos trabalhistas por parte da entidade gestora. Não seria possível a construção de uma política pública de acesso à Justiça e voltada ao combate à impunidade, operacionalizada por uma entidade de Direitos Humanos, que não respeitasse os direitos trabalhistas. São Paulo serviu de referên-cia para que Programas de Proteção de outros Es-tados também assumissem a CLT como regime de contratação das equipes técnicas.

De um outro ângulo, a ausência ou a insuficiente regulamentação desta política poderia propiciar, em momentos conjunturais desfavoráveis, como crises ou mudanças abruptas no Executivo, uma fragili-dade que colocaria em risco as pessoas protegidas, comprometendo a sua efetividade.

Ao longo dos oito anos do Provita/SP, houve vá-rias modificações nas duas Secretarias, que são par-tes convenentes e compartilham a gestão da política de proteção. Nesse período, houve seis mudanças de secretários na pasta da Justiça e Defesa da Cidadania e de três secretários na Pasta da Segurança Públi-ca. Essas substituições, de alguma forma, afetaram

o Programa, na medida em que demandaram dos novos ocupantes das pastas e de suas assessorias a compreensão e apropriação desta política pública. A aproximação e o grau de compromisso com a polí-tica em questão deu-se de maneira diferenciada em cada gestão. É natural que tenha havido momentos mais tensos e outros períodos mais tranqüilos na re-lação do Poder Público com a entidade gestora. No entanto, diante dessas mudanças, foi fundamental a existência do referencial legal para orientar o fun-cionamento da política pública, garantindo a sua continuidade e estabilidade, elementos essenciais para a segurança e a proteção da vida dos usuários e da própria equipe do Programa.

O Conselho Deliberativo, aprimorando os instru-mentos legais que regem o Programa, elaborou um Regimento Interno que define procedimentos neces-sários para o seu bom funcionamento e, na mesma direção, definiu a ampliação da sua composição, o que demandou mudanças no Decreto que o rege.

Toda e qualquer política pública está sujeita a mudanças e aprimoramentos, especialmente no pe-ríodo inicial de sua implementação. Porém, a políti-ca de proteção a testemunhas tem especificidades e requer cuidados especiais no que tange à sua conti-nuidade e estabilidade. É uma política que não pode ser fragilizada na sua capacidade de garantir plena-mente a proteção e a vida dos usuários, da equipe técnica e da Rede Solidária, sob pena de comprome-ter o próprio sentido da sua existência. É assim que, após oito anos de execução, torna-se conveniente transformar o Decreto que criou o Provita/SP em uma Lei Estadual de Proteção a Testemunhas, que possibilite a sua consolidação como política pública. Na medida em que o funcionamento do Programa de Proteção a Testemunhas tiver o seu marco jurídi-co consolidado na letra da Lei, maior será a sua esta-bilidade e a garantia da sua continuidade enquanto uma política pública eficiente e eficaz no combate à impunidade.

Page 76: Provita São Paulo

76 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

O financiamento da política de proteçãoDimensão fundamental para a efetivação de uma

política é o seu financiamento. A importância dada para determinada política pública está diretamente ligada à destinação de recursos orçamentários ne-cessários para a sua efetiva implementação.

Na maioria dos 17 Programas de Proteção a Tes-temunhas, o financiamento é feito pela União, que, em regra, destina a maior parte dos recursos neces-sários para a sua viabilização. Em geral, os Estados entram com uma contrapartida menor. Em São Pau-lo, a União participa com a menor parte e o Estado, com a contrapartida maior, financia cerca de 80% da política pública de proteção a testemunhas.

Como já visto, o Provita/SP definiu em sua le-gislação a contratação da sua equipe com base na CLT, com a destinação de recursos específicos para tal. A criação de um Fundo de Reserva, com o obje-tivo de garantir os direitos trabalhistas pelas entida-des gestoras também foi incorporada na legislação da política de proteção. A experiência na execução do Programa, em muitos Estados, tem evidenciado que, não disponibilizar às entidades da sociedade civil que operam o Programa de Proteção os ins-trumentos e meios necessários, tanto legais como financeiros, para garantir os direitos trabalhistas das equipes, fragiliza não só a própria entidade como também o Programa de Proteção e seus usuários.

Há, por exemplo, o caso de uma entidade gesto-ra do Programa cujo único patrimônio – a sua sede própria – encontra-se hipotecado para pagar ações trabalhistas, porque não tinha as condições para honrar os direitos trabalhistas da sua equipe técni-ca. O resultado é que, por um lado, essa entidade de direitos humanos, com uma longa e importante his-tória de atuação e defesa dos Direitos Humanos no seu Estado, acha-se hoje em uma situação de muita

fragilidade, tanto na operacionalização do Provita como de outros trabalhos e situações, que requerem a sua atuação. Por outro lado, o próprio Programa de Proteção encontra-se extremamente debilitado e comprometido.

A fragilização da sociedade civil organizada num programa de responsabilidade compartilha-da é prenúncio do fracasso deste modelo de gestão, principalmente em se tratando da política pública de proteção, com as peculiaridades e cuidados que a mesma inspira.

Cabe ainda destacar que o Provita no Estado de São Paulo tem tido, ao longo desses anos, um fluxo de financiamento compatível com o crescimento do Programa. Somente em um período houve estagna-ção do Programa por limites orçamentários e trans-tornos com atrasos em repasses de recursos previstos no orçamento, nos primeiros meses do ano. Houve, naquele período, decisão do Conselho Deliberativo de retardar o acolhimento de novos casos, o que ge-rou uma situação bastante delicada.

O financiamento insuficiente de políticas públi-cas sempre causa problemas sérios para a população usuária destas políticas, na medida em que limita o acesso aos direitos conquistados e construídos. Po-rém, no caso da política de proteção a testemunhas, a descontinuidade no repasse ou a não destinação de recursos tem como agravante o risco iminente à vida das pessoas protegidas, uma vez que fragiliza as condições de proteção.

O grande desafio para a política de proteção a testemunhas é dar-lhe, progressivamente, nas várias esferas de governo, o caráter de política de Estado, com estabilidade para conviver com mudanças de governo, criando mecanismos e instrumentos que garantam seu financiamento, condição indispensá-vel para garantir a sua continuidade.

Page 77: Provita São Paulo

77HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

Como já afirmado anteriormente, a gestão com-partilhada e a operacionalização da política públi-ca de proteção a testemunhas pela sociedade civil têm como uma das suas razões o comprometimen-to histórico do Estado brasileiro com a violação dos Direitos Humanos e a sua permissividade em relação à impunidade. Apesar disto, em última ins-tância, deve ser do Estado a responsabilidade pela política de proteção a testemunhas. É sua a compe-tência e o dever constitucional de garantir a pro-teção e a integridade física e psicológica dos seus cidadãos e cidadãs, inclusive dos ameaçados por serem testemunhas.

Entretanto, o processo de democratização no país, nas últimas décadas, vem alterando a parti-cipação da sociedade civil e de suas organizações na esfera pública, particularmente a sua incidência em políticas públicas, na sua proposição, controle, acompanhamento da implementação e avaliação. Marco referencial fundamental da ampliação da de-mocracia representativa para uma democracia par-ticipativa foi a Constituição de 1988, na qual foram garantidos vários direitos e mecanismos de partici-pação. Ao longo desses anos, a sociedade civil tem ampliado e qualificado a sua capacidade de inter-venção na luta por políticas públicas de direitos e na democratização do País. Eis aí outra razão que levou as organizações que lutam pelos Direitos Humanos a proporem a política pública de proteção às teste-munhas e que as desafiou a compartilhar sua gestão e implementação41.

O Provita, enquanto política pública pela qual o Estado e a sociedade civil compartilham responsa-bilidades de gestão, constitui-se em espaço privile-giado de experimentação de novas formas de rela-ção entre Estado e sociedade. Neste caso, o papel da sociedade civil não é só de executor, na medida em que seu protagonismo se deu desde a proposição, formulação, acompanhamento, monitoramento e controle social desta política pública.

Esta experimentação desafia a reflexão sobre o papel do Estado e da sociedade civil na garantia do direito à proteção. Hoje, vive-se o conflito entre dois paradigmas: um paradigma democrático, de construção e afirmação de direitos, e um paradigma neoliberal, de destituição de direitos.

Na visão neoliberal, a sociedade civil é um “ter-ceiro setor” – nem Estado, nem mercado –, a quem se delega ou se “terceiriza” a execução de serviços. Este “terceiro setor” é considerado apolítico. Não têm papel político, não é protagonista, não deveria debater e construir a política pública. Portanto, teria o papel de um mero executor de serviços públicos terceirizados. O seu caráter e o seu papel são me-ramente técnicos. Não é sujeito político e nem lhe cabe o papel político. Por isto, instâncias de controle e deliberação não devem fazer parte do seu papel.

Já na perspectiva da construção democrática, da democracia participativa, a sociedade civil tem a sua origem na luta, na defesa e na afirmação de direi-tos. Origina-se justamente nas lutas pelos Direitos Humanos, por políticas públicas de direitos, por um

2. Estado e sociedade na execução da política pública: responsabilidades e competências

41As razões para a participação da sociedade civil nos Programas de Proteção foram debatidas no Seminário “Provita São Paulo: História de uma Política Pública de Combate à Impunidade, Defesa dos Direitos Humanos e Construção da Cidadania” (2007), na Mesa “O Provita como política pública: desafios da relação Estado e sociedade civil na sua execução”, com a participação de Inácio da Silva – conselheiro do Provita São Paulo, membro do CDHEP e educador do Instituto Pólis – como palestrante, e dos debatedores Maria do Carmo Alves de Albuquerque – doutora em políticas públicas para América Latina pelo Prolam-USP, pesquisadora do Instituto Pólis e membro do Conselho do Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo – CDHEP e dr. Alexandre Gravonski, procurador da República no Ministério Público Federal de São Paulo e membro do Conselho Deliberativo do Provita São Paulo. A mesa foi coordenada pela dra. Márcia Heloísa Mendonça Ruiz – delegada da Delegacia de Proteção à Pessoa de São Paulo e membro do Conselho Deliberativo do Provita São Paulo.

Page 78: Provita São Paulo

78 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

Estado comprometido com a afirmação de direitos para todas as pessoas. Nesta concepção, a sociedade civil é protagonista na construção da política públi-ca, tem papel político, participa e se compromete com todas as fases da política pública: na proposi-ção, na consolidação, no acompanhamento da im-plementação, no controle e avaliação. A sociedade civil não se propõe a ser mera executora de serviços terceirizados que o Estado não queira realizar ou de-legue para a sociedade civil42.

Em uma visão democrática, o papel do Estado na gestão compartilhada dos Programas de Proteção não pode ser entendido na perspectiva da agenda neoliberal, que propõe a transferência para a socie-dade das suas responsabilidades públicas, principal-mente as responsabilidades sociais. Não é aceitável, portanto, a idéia de terceirização da política de pro-teção a testemunhas.

Em tempos de crise dos modelos de Estado, é necessário ter atenção a projetos na direção da des-responsabilização do Estado. A terceirização com-prometeria a proposta inovadora desta política em andamento no País e a própria viabilidade do mo-delo Provita. Este modelo necessita de um Estado forte, que assuma o seu papel essencial de gestor, no

financiamento, na articulação dos sujeitos e das po-líticas necessárias para o seu bom funcionamento, na construção e no aperfeiçoamento da política.

Nesse sentido, é interessante notar que o Provita é, provavelmente, a única política pública na área da Segurança Pública da qual a sociedade civil partici-pa intensamente e em que há uma relação cotidiana com as Polícias Civil e Militar. Em São Paulo, esta relação se dá com o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa – Divisão de Proteção à Pessoa e a Corregedoria da Polícia Militar.

Foi nesse contexto e com essa perspectiva que nasceu a responsabilidade compartilhada entre Es-tado e sociedade civil na gestão da política pública de proteção a testemunhas, em que cada um tem o seu papel e responsabilidade, definidos pela Lei fe-deral, pelas Leis e Decretos estaduais, convênios e regimentos internos.

Dessa forma, a parceria entre Estado e sociedade civil na construção da política pública de proteção a testemunhas, desde o início, foi concebida no espíri-to do compartilhamento de responsabilidades para a efetivação do direito à proteção dos que desejavam testemunhar, assegurando-lhes a integridade física e psicológica.

O sentido último da parceria entre o Estado e a sociedade civil para a efetivação da política pública de proteção é a garantia do direito à proteção das testemunhas ameaçadas, a viabilização do seu teste-munho qualificado e sua (re)inserção cidadã.

Na construção da política pública de proteção, Estado e sociedade têm responsabilidades e compe-

tências diferentes, inclusive definidas por força de Lei. O exercício destas responsabilidades e compe-tências deve dar-se na sinergia, na soma de esforços, com base nas peculiaridades e potencialidades da cada um.

Diante disso, as competências legais devem orientar- se pelos parâmetros da Justiça e do bom

3. Estado e sociedade civil: relação de sinergia e autonomia

42A reflexão acerca do papel da sociedade civil na perspectiva neoliberal e na perspectiva democrática teve uma contribuição importante do debate realizado no Seminário “Provita São Paulo: História de uma Política Pública de Combate à Impunidade, Defesa dos Direitos Humanos e Construção da Cidadania”, na Mesa “O Provita como política pública: desafios da relação Estado e sociedade civil na sua execução”.

Page 79: Provita São Paulo

79HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

senso. Por exemplo, é da competência do Estado efe-tivar mudanças no marco legal que rege a política pública de proteção. Porém, na proposta da gestão compartilhada e da democracia participativa, é fun-damental que o Conselho Deliberativo, como ins-tância de deliberação e controle, e a entidade gesto-ra da sociedade civil debatam e compartilhem dessa decisão, interferindo no processo legislativo.

Também a relação entre os sujeitos que com-põem o Conselho Deliberativo do Provita deve dar-se na sinergia, tendo em vista os diferentes sa-beres, experiências e olhares. A experiência desses anos tem mostrado como é importante essa soma de esforços. Desde a construção do Decreto es-tadual, antes do efetivo início do Programa, até a elaboração recente do Regimento interno do Pro-vita/SP, levou-se em consideração os olhares dos diferentes sujeitos na perspectiva de consolidar-se uma política pública de proteção consistente. Des-de o início, houve a sensibilidade e a percepção de que era fundamental criar condições operacionais e mecanismos de salvaguarda, para que a entidade gestora pudesse operacionalizar com segurança e estabilidade o Programa de Proteção. Exemplo dis-so foi a definição pioneira, em São Paulo, da con-tratação por CLT e a criação do fundo de reserva para as questões trabalhistas, o que propiciou uma segurança importante para o CDHEP e para a pró-pria equipe. Outro exemplo foi a sensibilidade do Conselho na criação de novas funções, até então inexistentes no Programa, inclusive em âmbito na-cional. A figura do operador de rede43, função es-sencial para a constituição de uma Rede Solidária ampla, diversificada e comprometida com a pro-teção a testemunhas, na perspectiva dos direitos humanos e da luta contra a impunidade, foi uma criação do Programa em São Paulo.

Uma dupla dimensão: a político-institucional e a técnico-operacional

A relação entre Estado e sociedade civil deve ser pautada por duas dimensões: a político-institucio-nal e a técnico-operacional. Assim como o papel do Estado não pode se restringir a mero repassador de recursos financeiros, o papel da entidade gesto-ra não pode ser entendido e reduzido à mera exe-cução técnica de um programa ou de um serviço terceirizado.

A dimensão técnico-operacional se dá mais in-tensamente no espaço cotidiano da operacionaliza-ção do Programa, entre a equipe gestora e os agentes públicos, nas suas áreas de competência. A dimen-são político-institucional se dá, de forma privilegia-da, nos espaços criados pelo Estado e pela sociedade civil para esta finalidade e no âmbito do Conselho Deliberativo, no qual paritariamente compartilham a responsabilidade política do Programa de Prote-ção a Testemunhas e todos os protagonistas respon-sáveis por sua gestão e execução têm assento.

Os canais político-institucionais de diálogo sem-pre foram fundamentais para a relação entre a enti-dade gestora e operacional do Programa de Prote-ção com as Secretarias Estaduais, da Justiça e Defesa da Cidadania e a Secretaria de Segurança Pública, partes do convênio. Da mesma forma, tem sido fun-damental o estabelecimento de canais, mecanismos e instrumentos operacionais de colaboração e soli-dariedade, particularmente entre a equipe técnica e os agentes do Estado que atuam em políticas espe-cíficas. Por exemplo, há uma relação sistemática da equipe técnica com a Polícia Civil e com a Polícia Militar, nas operações especiais que demandam ins-trumentos de segurança ostensivos para a proteção do usuário e da equipe técnica. Esse processo, no âmbito da Corregedoria da Polícia Militar e do De-

43Ver capítulo 4, item 3. Operação da Rede Solidária: construção e manutenção, nesta publicação.

Page 80: Provita São Paulo

80 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

partamento de Proteção à Pessoa, tem-se dado de forma muito colaborativa, baseado na confiança e no respeito ao papel de todas as partes envolvidas. Essa vivência de relação das Polícias Militar e Civil com a equipe técnica da sociedade civil, na opera-cionalização do Provita, constitui-se, muito pro-vavelmente, em uma experiência única no âmbito da política pública de Segurança na perspectiva da defesa dos Direitos Humanos, pela qual esses sujei-tos compartilham responsabilidades. Constitui-se, portanto, em uma experiência que merece ser mais refletida e aprofundada, para que se possa extrair aprendizados.

A concepção que orientou a construção do modelo Provita de proteção, desde o seu início, é a da demo-cracia participativa. Nela, a sociedade civil é a protago-nista política central, ao lado do Estado, participando diretamente da construção e influindo na concepção da política pública. Sua experiência e acúmulo na pro-moção dos Direitos Humanos e nas lutas pela cidada-nia orientaram a escolha política do modelo Provita de política de proteção e a construção da “tecnologia” de proteção na sua dimensão operacional.

É esta compreensão política e técnica que tem orientado a sociedade civil desde o início da política de proteção a testemunhas, especialmente o GAJOP, de forma pioneira em Pernambuco, e o CDHEP, no Estado de São Paulo, e todas as entidades de direitos humanos que no Brasil assumiram esta tarefa e res-ponsabilidade, decorrente do seu compromisso com a defesa dos Direitos Humanos e com a luta contra a impunidade.

A autonomia na relação entre Estado e

sociedadeOs protagonistas que constituem o tripé de sus-

tentação e viabilização da política pública de prote-ção a testemunhas são: o Estado, a entidade gestora da sociedade civil e o Conselho Deliberativo. Os três protagonistas devem ser fortes e autônomos entre

si. A autonomia é condição indispensável para que cada um possa contribuir com todas as suas poten-cialidades na construção da política pública.

Somente um Estado forte tem condições de assu-mir o seu papel gestor e responsável pela viabilização dessa política. Somente uma entidade da sociedade civil autônoma e forte é capaz de gerir com compe-tência os recursos públicos e operar com qualidade o Programa de Proteção na perspectiva da reinser-ção cidadã dos usuários e da afirmação dos Direi-tos Humanos. Somente um Conselho Deliberativo forte consegue exercer, com sabedoria, equilíbrio e qualidade, o seu papel de deliberação, fiscalização e qualificação da política pública.

Respeitar a autonomia relativa dos três prota-gonistas exige o reconhecimento do papel de cada um na efetivação da política. Cada sujeito tem uma contribuição específica a dar. Por exemplo, a prote-ção definitiva das testemunhas, em locais seguros e onde elas possam reconstruir o seu projeto de vida, é competência exclusiva da equipe técnica da enti-dade gestora, com apoio dos protetores.

O Estado é insubstituível no seu papel de garan-tir financiamento continuado e de articular e garan-tir uma ação integrada de seus diferentes órgãos e secretarias, na perspectiva de propiciar o acesso dos usuários às diferentes políticas públicas, tendo em vista as particularidades do Programa.

Somente o Conselho, como o espaço deliberativo e de controle do Programa, com composição paritá-ria, pode decidir sobre o ingresso e a exclusão dos usuários. Além disso, o Conselho tem a possibili-dade de se constituir como espaço de reflexão, de debate, de aperfeiçoamento e aprimoramento da po-lítica pública de proteção.

Na experiência de São Paulo e do Provita em ou-tros Estados, momentos de crise muitas vezes se ca-racterizaram por desequilíbrios na relação entre os protagonistas, ferindo a sua autonomia. Foi muito comum no início da construção desta política públi-

Page 81: Provita São Paulo

81HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

ca uma confusão nos papéis, resultando em atitudes que feriam a autonomia de um ou de outro.

A título de exemplo, aqui em São Paulo hou-ve crises no início do Programa, porque não ha-via entendimento suficiente sobre a relação que o Conselho Deliberativo devia ter com a equipe técnica. Uns queriam um “controle” cotidiano da equipe, outros afirmavam que os procedimentos cotidianos eram da competência da entidade ges-tora. Também membros do Poder Público bus-caram interferir na atuação rotineira da equipe técnica. Além disso, houve, por parte do monito-ramento nacional, sob responsabilidade do GA-JOP, algumas posturas de interferência no coti-diano da equipe técnica. Por sua vez, a entidade gestora (CDHEP) afirmava que esta interferência era inadequada e inaceitável, pois feria sua auto-nomia e fragilizava as condições de gerir o Pro-grama, conforme definido pela Lei federal, pelo Decreto estadual e pelo Convênio assinado entre CDHEP e Estado de São Paulo, que garantem a autonomia dos diferentes protagonistas envolvi-dos. A conseqüência foi uma crise, que resultou na troca de quase toda a equipe técnica, vítima da

confusão de papéis e atribuições das várias ins-tâncias que compõem o Programa. O conflito e a crise, ainda que desgastantes, contribuíram para amadurecer e delimitar os papéis e competências. Seguiu-se uma fase muito mais amadurecida na construção do Programa em São Paulo.

As experiências de diferentes Programas de Pro-teção a Testemunhas nos Estados têm ensinado que toda vez que algum dos sujeitos se fragiliza – o Con-selho que não funciona adequadamente, o Estado que não assume seu papel, a sociedade civil submis-sa ou sem clareza de sua competência –, as conse-qüências recaem sobre o Programa como um todo, afetando a qualidade da sua execução.

Para garantir a autonomia entre os diferentes protagonistas do Provita, essencial para o bom de-sempenho da política pública de proteção, as atri-buições devem estar definidas em instrumentos le-gais que orientem o funcionamento desta política: Leis, Decretos, regimentos, manual de procedimen-tos. Quanto melhor as regras estiverem definidas, garantindo a autonomia e responsabilidades de to-dos os sujeitos envolvidos, maior é a possibilidade de sucesso.

Não foram poucos e nem insignificantes os con-flitos e tensões na relação entre os sujeitos nesses oito anos do Programa de Proteção no Estado de São Paulo. Entretanto, mais importante do que os conflitos foi a capacidade, tanto da sociedade civil como do Estado, de enfrentá-los, superá-los e, com base neles, construir novo patamar de qualidade na gestão e execução do Provita São Paulo.

No âmbito do Conselho Deliberativo, houve vários momentos de conflitos, debates, embates de

posições e concepções, absolutamente legítimos, em se tratando do espaço privilegiado para exercício da democracia participativa. É o espaço que tem como atribuição deliberar e fazer o controle da política de proteção. O Conselho Deliberativo de São Paulo sempre tem sido um espaço de debate, reflexão e de-liberação, na maioria das vezes amadurecidas e con-sensuais e, quando necessário, por decisão da sua maioria. É fundamental que o Conselho Delibera-tivo esteja sempre atento e crie condições e espaços

4. O conflito como oportunidade de aprimoramento da política de proteção

Page 82: Provita São Paulo

82 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

As características peculiares do Programa de Proteção demandam alguns cuidados “especiais” que são fundamentais para que seus objetivos sejam atingidos. Em outras palavras, a política de proteção a testemunhas requer garantias e condições objeti-vas e subjetivas de funcionamento que determinem o seu bom funcionamento, o que implica risco maior ou menor para a vida dos protegidos pelo Programa. Entre estas condições está o financiamento, a manu-tenção do sigilo, a segurança, a Rede Solidária, as condições de trabalho, a articulação de políticas so-ciais e o acesso diferenciado. Cuidar destes elemen-tos é uma tarefa que cabe ao conjunto de envolvidos na efetivação desta política pública: do Estado, da entidade gestora e do Conselho Deliberativo.

O Programa de Proteção de São Paulo não su-portaria a descontinuidade no seu financiamento, pela dimensão e pelo número de protegidos e pela necessidade de ações cotidianas ágeis para garantir a integridade física e psicológica, tanto dos usuários como da própria equipe. Seria também muito com-plicado não ter um espaço de trabalho adequado, que proporcione segurança e tranqüilidade para a

equipe técnica, responsável pela sua operacionali-zação. É ainda fundamental o apoio operacional da Polícias Militar e Civil nas operações especiais, nos momentos de apresentação das testemunhas para audiências e depoimentos. Da mesma forma, é es-sencial a ação do Estado para a garantia do acesso dos protegidos às políticas sociais e, quando neces-sário, na viabilização de acesso diferenciado e segu-ro aos usuários. Nesse sentido, vive-se uma fase im-portante de atuação da Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania, cujo objetivo é viabilizar canais com outras Secretarias Estaduais. É importante, ainda, a credibilidade da entidade gestora para a constituição da Rede Solidária de Proteção, essencial para a pro-teção dos usuários do Programa. É fundamental ter uma ampla rede de proteção, que permita, de forma ágil, resolver e fazer os procedimentos de proteção.

Para além das condições objetivas relativas ao financiamento, infra-estrutura, segurança, é mui-to importante que haja condições subjetivas pro-pícias, necessárias para que o trabalho de proteção seja desempenhado com tranqüilidade e segurança pela entidade gestora da sociedade civil, por meio

5. Condições objetivas e subjetivas para o bom funcionamento do Programa

para a discussão e o enfrentamento dos conflitos, a fim de garantir as condições necessárias para a con-tinuidade do Programa com qualidade.

Na relação entre a entidade gestora – CDHEP – e as Secretarias Estaduais, partes convenentes, tam-bém houve momentos de tensão e conflitos, ine-rentes ao processo de construção desta parceria de gestão compartilhada da política pública. De forma distinta, em cada gestão das Secretarias Estaduais, sempre se encontrou mecanismos para enfrentá-los.

Cabe destacar que, na atual gestão da Secretaria de Justiça, que também preside o Conselho Delibera-tivo, há canais de interlocução, técnicos e políticos, ágeis e eficazes.

Com a experiência de gestão compartilhada, apren-deu-se que as tensões e conflitos devem ser rapidamen-te enfrentados, garantindo sempre espaços políticos e técnicos e instrumentos ágeis de diálogo entre os secre-tários estaduais e a entidade gestora da sociedade civil, responsáveis por esta política pública.

Page 83: Provita São Paulo

83HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

A reflexão realizada ao longo do processo de sistematização do Provita São Paulo sobre a sua experiência revelou aprendizados importantes na relação entre Estado e sociedade civil. Estes apren-dizados constituem-se em referencial de uma expe-riência de política pública inovadora, emblemática e bem-sucedida.

Inovadora, porque vem compartilhando a res-ponsabilidade entre o Estado e a sociedade civil na gestão de uma política pública, na área de se-gurança pública, em que praticamente não existem experiências referenciais, além da restrita permea-bilidade à participação da sociedade.

Emblemática, porque incorpora na efetivação da política pública o respeito e a afirmação dos direitos humanos como referencial e horizonte fundamental. É muito recente e ainda incipiente a incorporação da perspectiva dos direitos humanos na implementação de políticas públicas por parte do Estado brasileiro.

Bem-sucedida, porque conseguiu consolidar-se como uma política pública e um instrumento cada vez mais relevante para sujeitos e instituições que atuam e lutam contra impunidade e na construção da justiça.

Para a sociedade civil, particularmente para o CDHEP, esses anos de construção e execução da política de proteção em parceria com o Estado proporcionaram aprendizados muito importan-tes. Estes aprendizados continuamente se recolo-cam como desafios na perspectiva da qualificação e da consolidação da política pública de proteção a testemunhas. Dentre os muitos aprendizados destacam-se:

• A execução da política pública de proteção com competência e eficiência, administrando os recursos públicos com responsabilidade, nos parâ-metros da Lei e preservando o sigilo e a segurança, constitui-se num grande aprendizado. Para viabili-zá-la, foi fundamental a contribuição permanente e efetiva de técnicos e gestores públicos com experi-ência nos trâmites e fluxos da coisa pública.

• Outro aprendizado importante foi constatar que na gestão compartilhada da política de pro-teção, seja no cotidiano da sua execução como no âmbito do Conselho Deliberativo, é fundamental encontrar o equilíbrio entre o olhar do Estado e o olhar da sociedade civil. É fundamental dar uma dimensão pedagógica aos conflitos e tensões, pró-

6. Aprendizados e desafios

da sua equipe técnica. Proporcionar estas condições subjetivas significa, por exemplo, preservar a equipe técnica dos conflitos inerentes à relação sociedade e Estado. Isto demanda que os parceiros estabeleçam canais de resolução dos conflitos, ágeis e eficazes, sem envolver desnecessariamente o conjunto da equipe técnica, que deve ter seu foco na proteção em si. Significa ainda que a equipe possa ter, além da sua qualidade técnica, condições emocionais equili-bradas para fazer com tranqüilidade o seu trabalho. Isso demanda cuidar para que o ambiente de traba-

lho seja saudável, colaborativo e de confiança, tendo em vista a tensão inerente ao tipo de trabalho que é executado. Pode, ainda, significar a propiciação de suporte para a equipe lidar com a tensão que é inerente ao tipo de trabalho desenvolvido. Significa, também, proporcionar uma situação de tranqüilida-de e segurança trabalhista e salarial.

Enfim, as condições de trabalho objetivas e subjetivas constituem-se em elementos funda-mentais para o bom desempenho do Programa de proteção.

Page 84: Provita São Paulo

84 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

prios da relação destes sujeitos, que resultem em sínteses que incorporem o saber de ambos, obje-tivando a efetivação do direito à proteção na pers-pectiva da Justiça e do combate à impunidade e a sua consolidação como política pública de Estado.

• É importante a relação de autonomia entre Es-tado e sociedade na gestão e execução da política pública de proteção, que potencializa o papel e as contribuições próprias de cada um, para garantir os resultados que a política de proteção demanda;

• O referencial da democracia participativa po-tencializa o Estado e a sociedade civil para a gestão compartilhada da política pública de proteção e a garantia do direito à proteção, na medida em que

soma capacidades e proporciona mecanismos de transparência e controle mútuo.

• Os aprendizados que decorrem da relação en-tre a equipe técnica da sociedade civil e as Polícias Militar e Civil na execução desta política pública, apontam na perspectiva de constituição de políti-cas de segurança pública referenciados na afirma-ção dos Direitos Humanos.

• A postura de compromisso de todos os sujei-tos envolvidos na política de proteção é fundamen-tal para a permanente recriação de instrumentos e mecanismos que garantam a segurança e a prote-ção dos usuários e de todos os envolvidos na polí-tica de proteção.

Page 85: Provita São Paulo

85HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

CAEx – Centro de Apoio Operacional de Execução (ór-gão do Ministério Público do Estado de São Paulo)

CDHEP – Centro de Direitos Humanos e Educação Po-pular de Campo Limpo (ONG sediada na cidade de São Paulo, que atua como órgão executor do Provita/SP)

CGPT – Coordenação-Geral de Proteção a Testemu-nhas (órgão da Subsecretaria de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República)

CIC – Centro de Integração da Cidadania (programa da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do gover-no do Estado de São Paulo)

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho (norma legislativa brasileira referente ao Direito do trabalho e o Direito processual do trabalho)

Condef – Conselho Deliberativo Federal do Provita (instância de direção superior do Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas)

Condel/SP – Conselho Deliberativo do Provita/SP (ins-tância de direção superior do Programa de Proteção a Testemunhas do Estado de São Paulo)

Cravi – Centro de Referência e Apoio à Vítima (progra-ma da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo)

DHPP – Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (departamento da Polícia Civil do Estado de São Paulo)

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

FBI – Federal Bureau of Investigation, em português Escritório Federal de Investigação (órgão investigativo do Departamento de Justiça dos Estados Unidos)

Gaeco – Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (órgão do Ministério Público do Estado de São Paulo)

GAJOP – Gabinete de Assessoria Jurídica às Organi-zações Populares (ONG sediada na cidade de Recife -PE), responsável pela execução do Provita/PE, e compõe a coordenação do Monitoramento Nacional do Provita)

MNDH – Movimento Nacional de Direitos Humanos

MP-SP – Ministério Público do Estado de São Paulo

NEV-USP – Núcleo de Estudos da Violência da Univer-sidade de São Paulo

ONG – Organização não-governamental

ONU – Organização das Nações Unidas (organismo multilateral internacional formada, até 2008, por 192 Estados independentes)

PL – Projeto de Lei

PLC – Projeto de Lei Complementar

PEDH – Programa Estadual de Direitos Humanos

PNDH – Programa Nacional de Direitos Humanos

Pnud – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvi-mento (órgão da Organização das Nações Unidas)

Provita/SP – Programa de Proteção a Testemunhas do Estado de São Paulo

PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

SEDH – Secretaria Especial dos Direitos Humanos (secretaria com status de ministério, vinculada direta-mente à Presidência da República)

TCU – Tribunal de Contas da União (órgão auxiliar do Congresso Nacional)

USP – Universidade Estadual de São Paulo

Glossário de siglas

Page 86: Provita São Paulo

86 HISTóRIA de UmA POLíTIcA PúbLIcA de cOmbATe à ImPUnIdAde, defeSA dOS dIReITOS HUmAnOS e cOnSTRUçÃO dA cIdAdAnIA

Formas de ingresso no Provita/SP:O encaminhamento de testemunhas ameaçadas ao Provita pode ser feito por meio do Ministério Público,

do Poder Judiciário, de autoridades Policiais, de Organizações não-governamentais ou ainda pelo próprio interessado.

Passos para a inclusão no Programa:Para ingressarem efetivamente no Programa, os casos de proteção encaminhados ao Provita precisam

passar pelos seguintes procedimentos de avaliação:1. Parecer do Ministério Púbico; 2. Parecer jurídico e psico-social da equipe interdisciplinar do Programa, que deverá subsidiar a decisão do Conselho Deliberativo do Programa de Proteção.3. Decisão do Conselho Deliberativo. • Os casos aprovados pelo Conselho Deliberativo serão acolhidos definitivamente na Rede de Prote-

ção Provita. • O tempo de proteção é de até dois anos, podendo haver prorrogação por continuidade da situação

de risco. • O desligamento ou a exclusão pode ocorrer por solicitação do protegido, pelo fim da situação

de risco ou pela infração das normas de conduta exigidas pelo Programa.

Condições de ingresso e permanência no Programa:O Conselho Deliberativo delibera sobre o ingresso ou exclusão dos casos encaminhados ao Programa

de Proteção, segundo os seguintes critérios: • Situação de risco à integridade física e psicológica da pessoa; • Dificuldade de prevenir ou reprimir as ameaças pelos meios convencionais; • A relação entre o risco e a colaboração em investigação ou instrução criminal;• Personalidade e conduta compatíveis; • Inexistência de restrições à liberdade da pessoa solicitante; • Anuência da pessoa protegida às normas do Programa.

Page 87: Provita São Paulo
Page 88: Provita São Paulo

Realização Apoio

Esta publicação resulta do processo de pesquisa e sistematização realizado ao longo de 2007 e 2008, acerca da experiência de proteção a testemunhas no Estado de São Paulo. O Provita São Paulo, nos seus oito anos de funcionamento, protegeu aproximadamente 500 pessoas e construiu acúmulos importantes, sobre os quais procurou refletir criticamente.

O objetivo da sistematização da experiência é produzir conheci-mento para fortalecer os Direitos Humanos, a luta pela superação da impunidade e a política pública de proteção a testemunhas ameaça-das. Busca-se, assim, analisar o modelo Provita, identificar avanços, limites e perspectivas desta política pública.

Sob a responsabilidade do Centro de Direitos Humanos e Edu-cação Popular de Campo Limpo – CDHEP - o processo contou com a participação de muitas pessoas e instituições. Nesse sentido, o conteúdo da publicação é resultado de uma construção coletiva. Foi escrito a muitas mãos e em meio a uma intensa e exigente ação coti-diana de proteção.

Faz melhor quem pensa a sua prática. Nesta perspectiva, a publica-ção é um dos produtos desse processo de sistematização, que pretende contribuir com a reflexão e a qualificação do trabalho de proteção.

Secretaria Especial dos Direitos Humanos