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Prisões, Pais, e Identidade: Uma teoria sobre como a reclusão afeta a identidade paternal dos homens. Com a reclusão e as taxas de reincidência ascendendo, e com o insucesso de vários ex-prisioneiros de reconectarem-se com suas famílias após serem liberados, o custo para a sociedade e para as crianças de pais em reclusão está aumentando rapidamente. Embora a intervenção em nível familiar seja vista como promissora para reduzir a reincidência, afim de guiar a pesquisa e a intervenção efetivamente, a teoria atual deve ser avaliada por sua sensibilidade ao contexto de reclusão e um novo trabalho teórico é necessário para conceituar como a reclusão afeta a identidade paterna. Este artigo propõe usar a teoria das identidades para conceituar como a reclusão influencia a forma como os pais pensam neles mesmos. Utilizando o conceito da teoria das identidades de Burke de 1991, este artigo explora como o contexto único da prisão interrompe o processo de confirmação da identidade paterna, que posteriormente afeta relacionamentos e reconexões familiares. Palavras-chave: Paternidade, reclusão, prisão, envolvimento paterno, identidade. Historicamente a reclusão tem sido uma experiência incomum nos Estados Unidos. No entanto, recentemente o número de pessoas em reclusão está aumentando rapidamente ao ponto de tornar-se um evento normal entre algumas populações. (Wester, Pattillo, & Weiman, 2004). Os efeitos da reclusão são sentidos mais fortemente dentro da família do indivíduo encarcerado – especialmente quando é um pai ou mãe. É estimado que 1.5 milhão de crianças tenha pelo menos um dos pais encarcerado (Martin, 2001), e em 94% dos casos é o pai (Hairston, 1995; Martin, 2001). A vasta maioria desses pais encarcerados (aproximadamente 93%) será eventualmente liberada. A cada ano

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Prisões, Pais, e Identidade: Uma teoria sobre como a reclusão afeta a identidade paternal dos homens.

Com a reclusão e as taxas de reincidência ascendendo, e com o insucesso de vários ex-prisioneiros de reconectarem-se com suas famílias após serem liberados, o custo para a sociedade e para as crianças de pais em reclusão está aumentando rapidamente. Embora a intervenção em nível familiar seja vista como promissora para reduzir a reincidência, afim de guiar a pesquisa e a intervenção efetivamente, a teoria atual deve ser avaliada por sua sensibilidade ao contexto de reclusão e um novo trabalho teórico é necessário para conceituar como a reclusão afeta a identidade paterna. Este artigo propõe usar a teoria das identidades para conceituar como a reclusão influencia a forma como os pais pensam neles mesmos. Utilizando o conceito da teoria das identidades de Burke de 1991, este artigo explora como o contexto único da prisão interrompe o processo de confirmação da identidade paterna, que posteriormente afeta relacionamentos e reconexões familiares.

Palavras-chave: Paternidade, reclusão, prisão, envolvimento paterno, identidade.

Historicamente a reclusão tem sido uma experiência incomum nos Estados Unidos. No entanto, recentemente o número de pessoas em reclusão está aumentando rapidamente ao ponto de tornar-se um evento normal entre algumas populações.

(Wester, Pattillo, & Weiman, 2004). Os efeitos da reclusão são sentidos mais fortemente dentro da família do indivíduo encarcerado – especialmente quando é um pai ou mãe. É estimado que 1.5 milhão de crianças tenha pelo menos um dos pais encarcerado (Martin, 2001), e em 94% dos casos é o pai (Hairston, 1995; Martin, 2001).

A vasta maioria desses pais encarcerados (aproximadamente 93%) será eventualmente liberada. A cada ano aproximadamente 600,000 homens são liberados da prisão, e muitos irão tentar uma reconexão com suas esposas, ex-esposas, parceiros, e filhos (Petersilia 2003). No entanto, após o pai ser liberado, seus esforços para manter ou reestabelecer conexões com sua família e para manter-se ativo na vida de sua família são geralmente mal sucedidos. Além disso, a maior parte desses pais deve esperar enfrentar problemas de conexão repetidas vezes, uma vez que 67,5% dos detentos são presos novamente dentro de três anos (Langan & Levin, 2002).

Muito desse insucesso em reconectar-se com sua família vem sendo atribuído aos comportamentos e atitudes do próprio pai encarcerado – por exemplo; aqueles que cometem crimes são mais propensos a terem comportamentos e atitudes egocêntricos e antissociais (Western, Lopoo, & McLanahan, 2004). No entanto, atenção vem sendo dada ao fato do contexto único do

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encarceramento dificultar a manutenção de laços familiares após a liberação do indivíduo. Erving Goffman observa em asilos (1961) que “instituições inteiras (hospitais psiquiátricos, prisões, etc.) são ... incompatíveis com um elemento crucial de nossa sociedade, a família” (p.11). De fato, em pesquisas recentes sobre as “incompatibilidades” da reclusão com a família tem mostrado possuírem um impacto negativo nas relações familiares. Nurse (2004) descobriu que o contexto único da reclusão geralmente se torna uma forma de cortar laços familiares. O estudo Western, Lopoo, e McLanahan (2004) também apoia essa ideia. Após analisarem por raça, vínculo empregatício, educação, abuso de drogas/álcool, e violência, descobriram que o encarceramento teve um efeito negativo nas relações familiares.

Embora a maioria dos efeitos da reclusão causados à família sejam relativamente visíveis, existem poucas pesquisas e teorias que descrevem como as incompatibilidades entre a prisão e a família impactam as relações familiares (Hairston, 1995). A necessidade de abordar essa escassez no assunto é clara uma vez que o sistema penitenciário nos Estados Unidos tem vivenciado um súbito crescimento nas últimas décadas. De 1972 à 2001, a população nas prisões cresceu de 196,000 para 1.3 milhão (Wester, Pattillo, & Weiman, 2004), e o orçamento federal e estadual destinado aos presídios também aumentou proporcionalmente. O departamento de Estatística da Justiça estima que os gastos dos Estados Unidos com os presídios tenha chegado a mais de $50 bilhões em 2003.

O dano gerado pela reclusão aos laços familiares é particularmente problemático, uma vez que essas conexões (especialmente com crianças) tendem a ser o que evita a reincidência criminal e outros fatores negativos após a liberação do indivíduo. Estudos demonstram que, embora um pai esteja encarcerado, a relação pai-filho é particularmente valiosa porque pode agir como um importante elemento para a reabilitação. Em muitos casos a relação pai-filho age como um “ponto de ruptura” na vida de um detento (Hughes, 1998; Pattillo, Weiman, & Western, 2004). Além disso, o envolvimento paterno tem mostrado possuir efeitos positivos diretos e indiretos no desenvolvimento da criança por diversas vezes (veja Pleck & Masciadrelli, 2004, para uma revisão), e apesar do contexto único do encarceramento, a relação pai-filho continua a ser benéfica para a criança (Kazura, 2001).

Com os vários potenciais benefícios do envolvimento de um pai em reclusão com seus filhos, várias teorias foram criadas que desenvolvem programas para promover relações pai-filho positivas pré e pós encarceramento (Hairston, 2003; Palm, 2003). Embora poucos desses programas tenham sido avaliados (Bates, 2001; Hairston, 2001, 2003; Jeffries, Menghraj, & Hairston, 2003), aqueles que foram conseguiram resultados com taxas de sucesso apenas parciais (para uma revisão, veja Palm, 2003).

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Um programa que passou por uma avaliação longitudinal é o “Pais a Longa Distância” (Long Distance Dads – LDD), um programa que é utilizado atualmente em 19 estados. Esse programa ajuda os participantes a “tornarem-se pais que se envolvem e apoiam mais seus filhos” (Iniciativa Nacional de Paternidade, n.d.). Embora o programa LLD tenha sido aplicado em diversos locais do país, uma avaliação recente do programa determinou que não houve impacto do mesmo em nenhuma das 20 diferentes possíveis variáveis de resultado (Centro de Pesquisa & Avaliação da universidade de Behrend, 2003). Embora existam diversas razões do porquê essa avaliação falhou em encontrar efeitos positivos do programa, a falta de instrumentos sensíveis ao envolvimento paterno no contexto da prisão é citada como uma delas (Centro de Pesquisa & Avaliação da universidade de Behrend, 2003).

De fato, falta de teoria é uma barreira significante para a criação e avaliação de um programa, uma vez que embasamento teórico é fundamental para criarem-se estratégias de intervenção efetivas (McBride & Lutz, 2004). Embora diversas teorias úteis sejam aplicadas na criação de um programa (Palm, 2003), afim de gerar ferramentas de avaliação e programas de forma mais efetiva, um trabalho teórico se faz necessário. Além disso, a sensibilidade da teoria disponível para com o contexto no qual pais em reclusão se encontram precisa ser avaliada. Afim de avançar na teoria a respeito da influência da reclusão nos relacionamentos familiares, este artigo utiliza da teoria das identidades para descrever os variáveis graus de envolvimento que os pais possuem com seus filhos pré e pós liberação do encarceramento.

Em 1993 Thinger-Tallman, Pasley, e Buehler utilizaram da teoria das identidades para mensurar os variados graus de involvimento paterno após uma mudança dramática de vida para a família (por exemplo: divórcio). Desde então ela tem sido utilizada como um modelo para conceituar o envolvimento paterno com seus filhos (Bruce & Fox, 1999; Maurer Pleck, & Rane, 2001; Minton & Pasley, 1996; Pasley, Futris, & Skinner, 2002; Rane & McBride, 2000). A teoria das identidades é particularmente útil por sua habilidade em conceituar o grau no qual, e o porquê, pais desempenham ou não papéis associados com sua identidade paternal. Ao considerarmos pais encarcerados, a suposição a respeito do papel paternal é um ponto crítico, uma vez que é ligada a baixas taxas de reincidência (Hairston, 1991). Por sua habilidade em descrever como identidades e seus respectivos papéis são desempenhados, discartados, e modificados, a teoria das identidades é vista como promissora por pesquisadores e praticantes tentando desenvolver um melhor entendimento do porquê pais em reclusão são bem ou mal sucedidos em manter e/ou reestabelecer conexões com seus filhos.

Deve-se ter em mente que, no entanto, a ascenção da teoria das identidades tem ocorrido através de estudos de populações mais tradicionais (por exemplo: universitários, famílias de classe média) e falha em considerar muitos dos

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fatores únicos associados com a reclusão. Ao aplicar-se a teoria em “populações exóticas” como os encarcerados (Western, Pattillo & Weiman, 2004), a mesma deve ser examinada cuidadosamente quanto a sua aplicabilidade à distinta natureza de sua população.

O modelo do processo de confirmação de identidade de Burke (1991) será utilizado nesse artigo para conceituar o involvimento dos pais encarcerados com seus filhos, uma vez que descreve os processos de manutenção e mudança de indentidade assim como o que ocorre quando esses processos são interrompidos. Interrupções nos processos de confirmação de identidade são conceituadas como mecanismos altamente influentes para afetar o involvimento paterno. As formas de interrupção causadas pela reclusão não somente afetam níveis de envolvimento mas também estão propensas a mudar as percepções dos pais encarcerados a respeitos deles mesmos como pais. De fato, Clarke entre outros, reportam em suas mostragens que os pais encarcerados mostravam uma “identidade indecisa e fragmentada” (p. 229).

Esse artigo primeiramente descreve a teoria das identidades e a aplica ao que é atualmente conhecido sobre as experiências de pais encarcerados, gerando hipóteses testáveis. Em seguida, as limitações da atual teoria em descrever os mecanismos do envolvimento paterno com seus filhos são discutidas. Finalmente, novas direções são exploradas por pesquisa, prática, e pela teoria das identidades como modelo para examinar o involvimento paterno dos pais encarcerados.

Uma visão geral de identidade e sua confirmação

Burke e Tully (1977) definem uma “identidade” como um conjunto de significados internalizados, aplicados ao “si mesmo” em um papel social. Os significados internalizados definem a personalidade de alguém dentro do papel social, e “esse conjunto de significados serve como um padrão ou referência para quem esse alguém é” (Burke 1991). Por exemplo, um homem pode ter (em relação a seu filho) os papéis de provedor, educador, e amigo. A extensão na qual esse homem desempenha esses papéis é determinante para criar-se “quem ele é” como um pai. Além disso, como o homem sente que deve desempenhar esses papéis gera seu padrão comportamental como pai.

Quando desempenhando papéis signicativos para a identidade, esse padrão (daqui para frente mencionado como “padrão de identidade” de acordo com a terminologia de Burke) torna-se a base na qual são tomadas as decisões a respeito de como desempenhar um papel dado o ambiente onde o indivíduo se encontra. O padrão de identidade é criado, negociado, e modificado pelo indivíduo e pelos partipantes de seu grupo social. De acordo com o modelo de Burke, quando um comportamento (um comportamento dentro de um papel significativo para a identidade) é desempenhado, uma confirmação positiva é estabelecida onde o indivíduo recebe elogios de outrem. Esse conceito é

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similar ao de Cooley (1902) “eu mesmo visto pelo espelho” onde uma pessoa vê seus comportamentos refletidos de volta para si mesma por aqueles em sua volta. A teoria das identidades agrega aos conceitos de Cooley sugerindo que indivíduos vejam o reflexo de seus comportamentos e comparem o que vêem com seus próprios padrões de comportamento.

Maurer, Pleck, e Rane (2001) dizem que o processo de receber e entender elogios é um processo de interpretação, da pessoa elogiada interpretando o elogio dado. Aqueles dando o elogio e aqueles que o recebem podem ou não compartilhar da mesma interpretação (por exemplo: aqueles recebendo o elogio podem não entende-lo corretamente). Portanto, qualquer elogio dado é mediado pela percepção daquele que o recebe. Além disso, o impacto do elogio é influenciado pelo relacionamento entre a pessoa dando o elogio e o indivíduo. Aqueles mais ligados com a identidade do indivíduo são classificados como grupo de referência primário e (geralmente) seus elogios são os mais influentes. Por exemplo, um outro detento dizendo a um pai encarcerado que ele é um péssimo pai não terá o mesmo impacto que o filho desse pai dizendo que ele é um péssimo pai.

Existem três componentes essenciais no modelo de processo de Burke de 1991 ligando identidade a comportamento: (1) o padrão de identidade, (2) o reflexo do elogio, e (3) o mecanismo que compara o reflexo do elogio com o padrão de identidade. O comportamento do indivíduo é o resultado da diferença entre o reflexo do elogio e do padrão de identidade (veja também Stryker & Burke, 2000). Esse é um processo cibernético onde o estímulo inicial do ambiente (por exemplo: o reflexo do elogio) afeta o que será produzido no mesmo (por exemplo: comportamentos significativos para a identidade). Subsequentemente, novos comportamentos serão elogiados e então comparados com o padrão de identidade, e essa nova comparação entre o elogio e o padrão de identidade é utilizada como referência para comportamentos futuros. Burke utiliza a analogia do termostato para descrever esse processo. Um termostato monitora um cômodo para manter um grau de temperatura específico. Quando a temperatura foge do que é especificado no termostato, o ar condicionado é ativado e continua ativo até que a temperatura ideal seja reestabelecida. Em outras palavras, um indivíduo desejando manter um reflexo de elogio (a temperatura) em congruência com o padrão de identidade (o termostato), ajusta seu comportamento/ou padrão de comportamento até que essa congruência seja atingida. No entanto, Burke nota que a alteração do padrão de comportamento para condizer com o reflexo do elogio ocorre em uma velocidade muito mais lenta que alterações no comportamento para condizer com o reflexo do elogio. Esse processo é conhecido por processo de confirmação de identidade (veja Burke, 2003).

Por exemplo, se um pai que possui o padrão de ser um bom pai (seu padrão de identidade) é acusado de ser um pai ruim (reflexo do elogio), ele irá tentar

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modificar a situação de forma a adequar-se a seu padrão. Ele pode fazer isso mudando seu comportamento ou diminuindo suas próprias expectativas como pai.

Dentro do processo de confirmação da identidade, existem duas situações nas quais o indivíduo pode sentir-se desconfortável: (1) quando há uma discrepância entre os reflexos de elogio e seu padrão de identidade e (2) quando há uma interrupção no processo (ambos discutidos abaixo em maior detalhe). A quantidade de desconforto e a decisão de como reagir a ele depende primariamente do quão saliente a identidade é para o indivíduo. A teoria das identidades vê o indivíduo como uma hierarquia de identidades onde a posição vertical das identidades é referida como a saliência da idendidade (LaRossa & Reitzes, 1993). Quanto mais saliente uma identidade é, maior a chance de comportamentos relacionados a ela serem desempenhados, e contextos em relação àquela identidade serão interpretados com maior facilidade. As identidades mais salientes também tendem a serem mais importantes para o senso do indivíduo de quem ele é. Portanto, rompimentos de identidades mais salientes causam mais desconforto que rompimentos de identidades menos salientes. Da mesma forma, discrepâncias entre o reflexo do elogio e o padrão de identidade em identidades mais salientes causam maior desconforto (como Burke [1991] também cita). Veja, por exemplo, um indivíduo que se identifica fracamente como um membro de um grupo religioso e se identifica fortemente como o provedor de um idoso. A perda (falecimento) do idoso (ou rompimentos no processo de ser capaz de cuidar dele) afetariam o senso de si próprio desse indivíduo e causariam mais desconforto que a perda da filiação (ou rompimentos com as atividades da afiliação) da igreja. O indivíduo perderia mais de seu senso “de quem ele é” sendo incapaz de cuidar do idoso do que sendo incapaz de participar do grupo religioso.

Deve-se notar que o trabalho de Burke representa uma de duas vertentes na teoria das identidades, com Sheldon Stryker liderando a outra. Em um artigo de mútua colaboração Stryker e Burke (2000) resumem as ênfases das duas vertentes dizendo: “a primeira, refletida no trabalho de Stryker e colegas, foca nas ligações das estruturas sociais com as identidades. A segunda, refletida no trabalho de Burke e colegas, foca no processo interno da “auto verificação” (p. 284). Embora as ligações da estrutura social com as identidades sejam importantes para entender-se os efeitos da reclusão na identidade paternal, devido à limitações de tamanho, esse artigo foca primariamente nos mecanismos internos.

Discrepâncias entre o reflexo do elogio e o padrão da identidade

Quando há uma discrepância entre o reflexo do elogio e o padrão de identidade, o indivíduo sente emoções negativas que aumentam de acordo com o grau de discrepância (Burke, 1991; Burke & Stets, 1999; veja também

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Stryker e Burke 2000). Para um exemplo disso, podemos olhar mais cuidadosamente o exemplo do pai que sente que deveria ser um bom pai (seu padrão de identidade) mas recebe o elogio de que é um pai ruim. Nessa situação a discrepância ocorreu entre o padrão de comportamento desse pai e o elogio recebido, portanto o pai sente-se desconfortável. Quanto mais distante for o elogio de seu padrão de paternidade, mais desconfortável ele se sentirá.

Quando essas discrepâncias entre o padrão de identidade e o elogio ocorrem, o indivíduo pode tentar fazer com que o elogio torne-se congruente com o padrão de identidade. Existem cinco métodos que o indivíduo pode começar a fazer com que o elogio e o padrão tornem-se congruentes: (1) ajustar seu comportamento na tentativa de fazer com que os elogios subsequentes sejam congruentes com seu padrão de identidade, (2) mudar de referências, (3) alterar seu padrão de identidade, (4) abandonar sua identidade, ou (5) rejeitar a mensagem do elogio.

Interrupções no processo de confirmação da identidade

Burke (1991) define uma interrupção como “a não confirmação de uma expectativa ou a não realização de uma atividade” (p. 836). A interrupção de uma identidade ocorre então quando há uma quebra no processo cibernético da confirmação da identidade de forma que o processo não é capaz de chegar a uma resolução. Interrupções diferem de discrepâncias no reflexo do elogio no sentido que interrupções não permitem a realização da confirmação da identidade, enquanto discrepâncias nos elogios são vistas como parte da confirmação da identidade.

Burke descreve essas interrupções ou devido às ações significativas do indivíduo não tendo efeito algum no ambiente (por exemplo: indivíduos são tratados como “se não estivessem ali”) ou devido ao indivíduo não ser capaz de interpretar corretamente o reflexo do elogio (mesmo que o indivíduo receba elogios que sejam compatíveis com seu padrão de identidade, o mesmo interpreta o elogio como sendo discrepantes). Usando o exemplo do termostato, interrupções ocorrem quando o termostato não consegue ler a temperatura do cômodo corretamente ou quando o sistema de ar é incapaz de afetar a temperatura do cômodo. Quebras no processo de confirmação podem ocorrem também quando o indivíduo é tão rígido em querer que o reflexo do elogio combine com o padrão de identidade que reajustes constantes de comportamentos interrompem outros processos. Por exemplo, um indivíduo pode estar tão preocupado em confirmar uma identidade que exclui outras tarefas ou identidades.

A interrupção da reclusão na confirmação da identidade

A característica central e o objetivo da reclusão é a interrupção. A reclusão tem por objetivo interromper as atividades que a sociedade considera prejudiciais o

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suficiente para remover um indivíduo da sociedade. A interrupção pretende terminar qualquer atividade criminal imediata assim como deter o indivíduo (por meio de isolamento social e, as vezes, esforços para a reabilitação) de cometer futuras atividades criminais. Além da interrupção das atividades criminais, a reclusão também interrompe padrões e processos de relacionamento de um indivíduo. De fato, Goffman (1961) nota que indivíduos institucionalizados, incluindo detentos, “não podem possivelmente manter uma existência doméstica significativa” (p. 12). A habilidade interrompida de manter uma existência doméstica (família) significativa é a característica central do efeito da reclusão na identidade de um homem como pai. Fazemos aqui a hipótese que o contexto único da reclusão então afeta a confirmação de um homem como pai e subsequentemente provoca uma mudança (até mesmo uma crise) em seu senso de si próprio.

Os processos tratados aqui são os de pais encarcerados que possuem uma identidade como pai. É completamente possível que um detento não tenha uma identidade como pai mesmo tendo tido um filho; no entanto, o enfoque desse artigo é naqueles indivíduos que possuem uma identidade como pais e que possuem um processo de confirmação ativo quando entram em reclusão. O processo de confirmação ativo é aqui definido como o pai desempenhando comportamentos significativos para os quais ele é elogiado. Comportamentos subsequentes são então uma função da diferença entre o padrão e o elogio.

Quando um pai entra em reclusão, há uma interrupção do processo de confirmação da identidade paterna. Essa interrupção é dada devido aos limites que são impostos na habilidade do pai de desempenhar papéis significativos para sua identidade como pai. Esses limites, e portanto a interrupção, continuam (em parte ou completamente) até que esse pai seja capaz de voltar a desempenhar os papeis paternos significativos de antes de ser encarcerado (isso se voltar).

Essa interrupção tem o potencial de desestabilizar a identidade como pai de um detento. A reclusão modifica seus comportamentos em relação a seu filho assim como ele é simbólica e fisicamente conectado a seu filho. Essas mudanças são teorizadas como sendo altamente influentes em sua reconexão com sua vida familiar após ser liberado.

Para homens que possuem uma identidade como pais, entrar em reclusão ativa uma comparação entre as consequências de sua situação (o reflexo do elogio) e seu padrão de identidade paterno. Em circunstâncias normais, o pai faz a comparação e, caso existirem discrepâncias, possui a opção de modificar seu comportamento para reduzir a discrepância entre o elogio e o padrão. No entanto, o pai encarcerado é incapaz de alterar seus comportamentos para responder à altura das expectativas. O ciclo de desempenho de comportamentos significativos, receber elogio por suas ações, e comparar os

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elogios com seu padrão de identidade é rompido no momento de desempenhar os comportamentos significativos. Por exemplo, virtualmente todos os pais entrando em reclusão perdem a habilidade de prover seus filhos financeiramente. As ações do pai são elogiadas negativamente porque ele não é capaz de prover, além disso, porque ele está encarcerado, ele não pode modificar seu comportamento para atender as expectativas.

A inabilidade em modificar seu comportamento para adequar-se ao padrão pré-reclusão (separe do fato de simplesmente não atingir o padrão) é também possivelmente elogiado, especialmente se a culpa pela reclusão for colocada sobre o pai. O reflexo do elogio inclui não apenas não atingir o padrão mas também não ser capaz de modificar o comportamento para corrigir seu erro em atingir as expectativas. No exemplo de não ser capaz de prover financeiramente, o reflexo do elogio vem não somente do fato de que o pai não está provendo mas também do fato de que ele se colocou em uma posição onde é incapaz de mudar essa realidade. Em outras palavras, elogios negativos podem vir na forma de: “Você falhou em prover a família” assim como na forma de: “É impossível para você prover a família”. O segundo exemplo é particularmente problemático (e demonstra uma interrupção na identidade) porque o pai não pode modificar seu comportamento para mudar o elogio, apesar de seus esforços.

Essas interrupções tem o potencial de modificar a identidade do detento como pai. Caso o pai seja incapaz de mudar o reflexo do elogio para adequar-se ao padrão, então ele deve modificar seu padrão se deseja fazer com que ambos entrem em congruência. Para ilustrar; se um pai está acostumado a dar carinho a seus filhos e ele não é mais capaz de abraça-los, brincar com eles, ir a seus eventos na escola, etc. Afim de diminuir a discrepância entre o elogio e o padrão (e também diminuir o sentimento de desconforto), ele deve modificar o padrão de identidade.

Ao invés de diminuir a discrepância, um pai pode decidir abandonar completamente a identidade. Embora Hawkins, Christiansen, Sargent, e Hill (1993) conjecturam que o abandono da identidade é um curso de ação pouco provável, discrepâncias prolongadas (como o caso da reclusão) podem aumentar as chances do abandono da identidade. Por exemplo, em um estudo sobre casais recém casados, Cast e Burke (2002) descobriram que aqueles casais que tiveram dificuldade em verificar a identidade de seu parceiro tinham maior risco de divorciarem-se (abandonando a identidade como esposo). Edin, Nelson, e Paranal (2004) descobriram que quase todos os homens que estiveram encarcerados tiveram o relacionamento com a mãe de seus filhos dissolvido durante o tempo de reclusão. Embora seja impossível para um homem deixar de ser um pai biológico, o stress de anos sem atender as expectativas do padrão pode causar alguns pais a “desistirem” de suas identidades como pais.

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Durante a reclusão é possível que a interrupção da identidade possa ocorrer em múltiplos níveis, desde a interrupção dos rituais que são altamente significativos até a interrupção da rotina diária. Relacionamentos antes baseados em multiplicidades e interações agora são restritos a poucos e possivelmente distantes encontros – interações das quais o tempo, o conteúdo, e o contexto são guiados pelo regulamento do presídio. Embora Day entre outros (esse artigo) apontam para as dificuldades de pesquisadores possuem em definir as relações conjugais dos prisioneiros, é possível que isso seja uma mera sombra da dificuldade que os casais possuem em definir seus próprios relacionamentos. Como um indicador dessa dificuldade, Arditti entre outros (esse artigo) se refere à alta ambiguidade sentida pelos pais encarcerados assim como por seus relacionamentos familiares.

Mudanças na identidade paterna por meio de modificação de padrões, saliências, ou abandono tem implicações consideráveis para os relacionamentos do pai com seus filhos e com aqueles que elogiam a identidade paterna (a mãe da criança, outros membros da família, etc.). Por definição, essas mudanças na identidade paterna indicam mudanças no comportamento ou no comportamento esperado. Como já citado anteriormente, a criação e modificação de um padrão de identidade é um processo de negociação com o si próprio e com aqueles com laços com a identidade. Assim sendo, a pergunta se torna: “Como esse processo de renegociação ocorre dentro do contexto da prisão?”. Como será discutido mais tarde, a teoria atual e o conhecimento a respeito das experiências de pais encarcerados é insuficiente para responder essa questão por completo.

Dentro da interrupção da confirmação da identidade, há alguns fatores aqui conceituados que moderam o grau no qual a interrupção da confirmação da identidade gerada pelo encarceramento afeta a identidade paterna e subsequentemente seu relacionamento com sua família. Os fatores moderadores que serão discutidos aqui são barreiras para o desempenho de comportamentos significativos dentro da identidade paterna, a duração da sentença, a ideologia da prisão de paternidade, e o comprometimento e saliência da identidade paterna antes da reclusão (veja Burke 1991).

Barreiras para a confirmação da identidade paterna

As barreiras da prisão, em uma larga escala, definem o poder que pais encarcerados possuem sobre seus processos de identidade. Pais que já foram capazes de desempenhar e receber elogios por seus papéis como pais são agora confinados dentro das barreiras da prisão que incluem, e serão discutidas, mais do que as regras da prisão.

Quando examinada da perspectiva da confirmação da identidade, as “barreiras” da prisão são aquelas coisas que limitam severamente ou previnem a confirmação de uma identidade (por exemplo: limitando o desempenho de um

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papel ou o recebimento de um elogio). Isso significa que o que bloqueia as experiências de um pai encarcerado (assim como sua confirmação de identidade paterna) depende de quais atividades o pai acredita serem significativas para sua identidade. Se afeição física não é significativa para a identidade de um pai, então não ser capaz de receber um abraço diário de seu filho pode não impactar na confirmação da identidade. No entanto, para um pai que possui uma identidade fortemente ligada à afeição física dada a seu filho (possivelmente mais provável com crianças mais jovens ou bebês), não ser capaz de estar perto de seu filho pode interromper severamente a confirmação da identidade.

Deve ser notado que, mesmo com os significados dos comportamentos sendo constantes, as barreiras são subjetivas. Em outras palavras, embora uma certa atividade possa possuir o mesmo nível de significação de identidade para diversos pais, as barreiras àquela atividade são subjetivas para cada pai. Para um pai uma certa barreira pode ser avassaladora enquanto para outro pai a mesma barreira pode não ser tão nociva. Por exemplo, um pai pode achar a barreira de uma sala de visitas desconfortável o suficiente para não requisitar visitas, enquanto outro pai pode achar essa barreira um simples inconveniente ou até mesmo irrelevante.

As naturezas quantitativas e quantitativas das barreiras da prisão determinam, em larga escala, a quantidade de discrepância entre o padrão de identidade e o reflexo do elogio. Novamente, esse nível de discrepância indica quanto desconforto o pai sentirá, assim como a forma como o padrão de identidade precisaria ser modificado para tornar-se congruente com o reflexo do elogio afim de reduzir o desconforto. Na medida em que as barreiras para desempenhar comportamentos significativos aumentam, também aumenta a dificuldade de manter o padrão de identidade congruente com o reflexo do elogio.

Barreiras para a confirmação da identidade incluem o alto custo para ligar para familiares (ligações podem custar mais de 20 vezes que a taxa normal, de acordo com Hairston, 2003), a inabilidade de escrever cartas devido à não alfabetização, número limitado de visitantes que é permitido a um detento, longas distâncias para a família viajar para visitas, ambiente de visitas desconfortável (Kazura, 2001), e a inabilidade de fazer parte da rotina das crianças (Barry, Ginchild & Lee, 1995), entre muitas outras.

A mudança de prisioneiros de uma instalação para outra e/ou pelos vários níveis de segurança é também outra barreira altamente relevante. Muitos sistemas penitenciários mudam seus detentos regularmente de uma prisão para outra como procedimento ou para separá-los em diversas classificações (Phillips, 2001). A mudança de um detento cria barreiras adicionais para a comunicação familiar uma vez que a família pode precisar ajustar seus horários

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(devido ao fato de precisar viajar para outra localidade, horário de visitas diferente, política penitenciária diferente, etc.) para poder visitar o familiar. Cada mudança pode causar interrupções adicionais na confirmação da identidade, uma vez que os padrões de confirmação recentemente estabelecidos podem precisar mudar também.

Uma das barreiras mais comuns para desempenhar papeis significativos no sistema penitenciário é o grande desequilíbrio de poder (como as decisões quanto à quais interações entre pais e filhos ocorrerão) entre o pai e aqueles que cuidam de seu filho. Afim de desempenhar a maioria dos papeis paternos, o pai depende amplamente (se não totalmente) dos outros (Kazura, 2001). As crianças precisam ser trazidas para o presídio, as cartas precisam ser lidas para as crianças que não sabem ler, ligações à cobrar devem ser recebidas (as chamadas são geralmente à cobrar), etc. Se aqueles de quem o pai depende para facilitar sua interação com seu filho não colaboram, o pai terá poucas oportunidades de desempenhar comportamentos significativos. Por exemplo, não é incomum para o guardião do filho de um pai encarcerado proibir o pai de ter contato com a criança, ou a criança pode ser proibida de escrever para seu pai.

A restrição no envolvimento de um pai com seus filhos causada por uma terceira pessoa é um tema tratado em muitos artigos sobre paternidade, focando primariamente na mãe. A restrição do envolvimento de um pai pela mãe é comumente referido como “controle materno” (veja Allen & Hawkins, 1999 e Fagan & Barnett, 2003 para uma maior elaboração quanto ao controle materno). Fagan e Barnett definem o controle materno como “preferências maternas e tentativas de restringir e excluir os pais do processo de educação das crianças e de envolverem-se com elas” (p.1021). Do ponto de vista das barreiras para a confirmação da identidade durante a reclusão, essa restrição possui um papel significativo. Embora o regulamento do presídio limite o contato entre pais e filhos, as mães ou outros guardiões podem restringir esse contato ainda mais. Arditti entre outros (esse artigo) nota diversas situações onde a mãe restringe o contato do pai com seu filho. Por exemplo, um pai indica que gostaria de ser visitado por seu filho, mas a mãe não permite. “... devido ao fato da mãe não concordar [em deixa-lo ser visitado, basicamente não há como a criança vir sem o consentimento da mãe, portanto a visita não pode ser feita” (Arditti entre outros, esse artigo, p. 282).

Duração da sentença na prisão

Em um capítulo de seu livro, Travis (2004) diz que “em geral, sentenças mais longas fazem com que ajustes [no âmbito familiar] sejam mais difíceis após a libertação da prisão” (p.251), mas admite que essa associação positiva entre a duração da sentença e dificuldades em ajustar-se são meramente uma conjectura, com pouco suporte empírico disponível. A respeito da duração da

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sentença, a teoria das identidades é capaz de explicar os processos de como o tempo em reclusão afeta a identidade de um pai e subsequentemente sua vida familiar.

Como dito anteriormente, quando um pai entra em reclusão, há um potencial para ocorrer uma maior discrepância entre o reflexo do elogio e o padrão de identidade. O efeito da discrepância e o subsequente desconforto que se é causado é, no entanto, moderado pela quantidade de tempo que essa discrepância dura. Burke, referindo-se à uma visão longitudinal do processo de confirmação da identidade, diz que a longo prazo o “sistema de identidade move-se em direção à congruência entre percepções e padrões de identidade” (Burke, 2003, p.199). Em outras palavras, discrepâncias iniciais entre o padrão de identidade e o reflexo do elogio podem não causar mudanças significativas nem no padrão nem no comportamento. No entanto, se a discrepância continuar, com o tempo comportamentos e padrões se ajustarão afim de entrarem em congruência com os elogios. Portanto, se o tempo da sentença é longo o suficiente, a discrepância entre o padrão de identidade e o reflexo do elogio é teorizada a diminuir gradativamente. Enquanto o pai não puder alterar seu comportamento para atender ao padrão de identidade por causa da interrupção da confirmação da identidade causada pela reclusão, o pai irá modificar o padrão de identidade.

Comprometimento com, e saliência da identidade paterna antes da reclusão

Nessa sessão comprometimento é inicialmente conceituado e então ligado a sua influência moderadora nas interrupções da confirmação da identidade. Na teoria das identidades o comprometimento é geralmente conceituado como tendo dois componentes: extensão e intensão (Pasley, Futris, & Skinner, 2002; Stryker, 1987). A extensão do comprometimento é definida pelo número de relacionamentos ligados a uma identidade. A extensão do comprometimento de um pai em desempenhar seus papéis paternos é uma função de quantos relacionamentos seriam afetados negativamente caso o pai não desempenhasse tais papéis. Por exemplo, em virtude de ser um pai, um homem está possivelmente ligado à mãe e aos avós da criança.

A intensão do comprometimento para com uma identidade é a profundidade dos relacionamentos adquiridos em virtude de uma identidade. A intensão do comprometimento de um homem para com sua identidade paterna é medida pela profundidade ou valor que o pai considera terem os relacionamentos que ele possui com seu filho, com a mãe da criança, com os avós da criança, e com outros conectados com ele porque ele é um pai. Se o pai possui pouco ou nenhum relacionamento com esses indivíduos, ele provavelmente teria menos intensão de comprometimento para com sua identidade paterna que um pai que possui fortes laços com eles.

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Burke (1991) diz: “A interrupção do processo de identidade causa grande desconforto quando a identidade interrompida é uma com a qual a pessoa é altamente comprometida” (p.841). Se um pai entrando em reclusão possui uma alta extensão e intensão de comprometimento para com sua identidade paterna, o desconforto será provavelmente severo. Não apenas o relacionamento com a criança é interrompido, mas também cada um dos relacionamentos que o pai possui em virtude de sua identidade paterna, criando mais desconforto. O desconforto causado pela interrupção de uma identidade com a qual o pai é altamente comprometido não é provável de ser sentido da mesma maneira pelos indivíduos. Por exemplo, o desconforto de um pai pode causar com que ele sinta-se mais motivado em manter contato com sua família, mas para outro pai, o desconforto pode causar com que ele se desligue da família para evitar o mesmo. Caso o desconforto e as barreiras da prisão enfraqueçam relacionamentos com esses indivíduos ligados à identidade paterna, o comprometimento para com a identidade diminui. A medida em que o comprometimento com a identidade paterna é afetado (para mais ou para menos), também serão afetadas as decisões do pai para com a identidade. É teorizado que a quanto mais o comprometimento diminui maiores são as chances do pai escolher refazer o padrão de identidade com pouca ou nenhuma negociação do grupo referente.

Burke também sugere que o desconforto sentido quando uma identidade é interrompida é positivamente associado com a saliência daquela identidade. Embora exista uma variedade de definições para saliência, o tema central é que a “saliência” de uma identidade é a medição do quão importante ou central aquela identidade é para o senso de si próprio do indivíduo. Quanto maior a saliência, maior a probabilidade de outras identidades e situações serem interpretadas tendo em vista aquela identidade e é mais provável também que os comportamentos da identidade sejam ativados através do tempo e situações (LaRossa & Reitzes, 1993). Um homem com uma saliente identidade paterna, por exemplo, pode ver os regulamentos da prisão primeiramente no sentido de como elas afetam o seu papel como pai ao invés de como elas afetam suas amizades. Por outro lado, um outro pai pode estar mais preocupado que as barreiras da prisão interrompam suas atividades ilegais.

Interromper uma identidade paterna saliente por meio da reclusão causa grande desconforto porque previne pais de agirem de maneiras significativas para seus internos de “quem são”.

Ideologia da prisão sobre a paternidade

Se o pai encarcerado modifica seu padrão de paternidade, como moldado o novo padrão? Tirado da conceptualização sócio estrutural de Stryker da identidade, o indivíduo adota significados de identidade de suas novas interações sociais (por exemplo: por suas interações com outros detentos e

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funcionários do presidiário). Na medida em que a nova identidade do indivíduo como pai é interrompida, seu novo contexto social dita novas normas de comportamento dentro da identidade paterna. Normas, mais que meras diretrizes, são regras sociais que criam sustentações para a interação. Em seu estudo sobre a vida dos homens, Townsend (2002) notou que era exigido dos homens confrontar normas de masculinidade existentes sempre que escolhiam aceitar normas, rebelarem-se contra elas, ou propor alternativas.

Na medida em que a identidade paterna desestabilizada interage com as normas do contexto da prisão, novos significados de comportamento paterno começam a emergir. O estudo recente de Phillips (2001) é um exemplo marcante sobre as normas da prisão afetarem a identidade. Phillips entrevistou prisioneiros afim de entender como sua identidade masculina era influenciada pela prisão. Ela descobriu que a cultura da prisão possuía normas distintas de como um homem ideal deveria agir. Os detentos que Phillips entrevistou referiram-se ao homem ideal como sendo um “durão”. O homem durão era definido por sua prontidão para lutar, evasão dos funcionários do presídio, e estoicismo. Esse tipo ideal de norma influenciou como os detentos se comportavam uma vez que aqueles que seguiam essas normas eram recompensados e aqueles que não seguiam eram sancionados. A forma como um detento era visto pelas normas da prisão determinava como seria tratado. As recompensas e sanções eram poderosos motivadores para conformar-se às normas de masculinidade. A violação das normas de masculinidade na prisão aparentavam trazer à tona sanções além do que pode-se esperar em outros contextos. Phillips descobriu que prisioneiros que violavam as normas eram geralmente subjugados à agressão física ou sexual, roubo, ou outras ações degradantes.

Embora Phillips não tenha examinado como a paternidade em particular foi afetada, é nítido por seu estudo que as normas de masculinidade da prisão possuem sérias implicações para o envolvimento do pai por tornarem-se a base para um novo padrão de paternidade enquanto outros padrões começam a mudar. As normas que Phillips observou em seu estudo, se adotadas, muito provavelmente levam o pai encarcerado para longe de uma identidade que apoia o desenvolvimento positivo de uma criança. Além disso, Further, Clarke, entre outros (esse artigo) especulam que identidades forjadas na prisão irão “remanescer” após a soltura e dificultarão relacionamentos familiares. A ideologia da prisão e suas normas podem também ser consideradas uma fonte de interrupção em potencial para a confirmação de identidade pois pais podem ficar relutantes em desempenhar papéis paternos que provocariam sanções de outros detentos.

Uma proposição feita por Ihinger-Tallman entre outros (1993) pode ser usada para se fazer uma conexão entre a ideologia da prisão e o comprometimento. Eles propõe que “quanto mais um pai é incorporado em uma rede de

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relacionamentos que baseiam-se nele sendo um pai e quanto mais esses relacionamentos forem importantes para ele, mais comprometido com o status paterno e seus papéis ele estará” (p.561). Um pai incorporado em uma cultura penitenciária que vê a paternidade como algo não importante terá menos chances de ser comprometido com sua identidade paterna (mantendo todos os outros fatores iguais) que um pai em uma cultura penitenciária que vê a paternidade como importante.

Limitações da e novas direções para a teoria das identidades

Embora a atual teoria das identidades forneça um modelo muito necessitado para conceituar a relação pai-filho antes e depois da reclusão, há muitas lacunas para serem preenchidas para se fazer uso completo dessa teoria. Essas lacunas são o resultado da população da qual a teoria das identidades é gerada e para que ela é geralmente aplicada (alunos universitários e famílias de classe média) assim como a conceptualização inicial das interrupções de identidade. Os conceitos de Burke (1991) sobre como interrupções ocorrem nos estágios do processo de confirmação (tanto no “desempenhar de novos comportamentos” quanto no “receber reflexos de elogio”) não são inclusivas à interrupção que é teorizada ocorrer durante a reclusão. Além disso, muitas das proposições de Ihinger-Tallman entre outros (1993) de como mudanças na identidade ocorrem também não são suficientemente inclusivas para serem aplicadas a pais encarcerados.

Burke (1991) considera o que ocorre quando um comportamento significativo não possui efeito algum em uma situação (pessoas tratando o indivíduo “como se ele não estivesse ali”). No entanto, o que Burke não considera é o que ocorre quando um indivíduo não é mais capaz de desempenhar comportamentos significativos. É verdade que essas duas situações (ser tratado como se não estivesse ali e não ser capaz de desempenhar comportamentos significativos) constituem uma quebra no insumo para a confirmação da identidade (pela definição de Burke) e produzem o mesmo resultado de não receber o reflexo do elogio. No entanto, as implicações psicológicas e consequências para a identidade são possivelmente drasticamente diferentes. Entender essas diferenças é essencial para entender como a reclusão afeta os pais.

A conceituação de Burke (1991) sobre interrupções ocorrendo durante a etapa do “recebimento de elogios” do processo de confirmação da identidade não é inclusivo para a situação do pai encarcerado uma vez que inclui apenas o indivíduo não sendo capaz de interpretar o elogio. O pai encarcerado pode desempenhar um comportamento significativo (escrevendo uma carta ou adquirindo habilidades que melhorem sua habilidade em ser um pai), mas o grupo de referência é incapaz de dar elogios da forma usual. Por exemplo, um pai pode escrever uma carta para seu filho, mas o filho pode não ser capaz de

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responder porque seu guardião não o permite. Ou o elogio usual para comportamentos significativos pode ser um abraço, mas é impossível para o pai receber esse elogio. O processo de confirmação é então quebrado devido à inabilidade de receber elogios da forma usual.

Ao conceituar como os pais ajustam (ou não) sua identidade como pais após o divórcio, Ihinger-Tallman entre outros (1993) enfatiza a escolha. “Sugerimos que os pais reforcem, reconfirmem, ou mudem sua identidade paterna escolhendo entre vários comportamentos alternativos baseados no feedback de seus entes queridos” (p. 561). Embora o trabalho de Ihinger-Tallman entre outros acentue as escolhas que são dadas a um pai após o divórcio, a situação do pai encarcerado acentua a escassez de opções disponíveis. Pais encarcerados estão severamente limitados em sua habilidade de desempenhar comportamentos e receber feedback a respeito deles.

Ihinger-Tallman entre outros (1993) diz: “Um pai fará escolhas favorecendo o desempenho do comportamento do papel de pai ... quando o status de pai for mais saliente que outros status” (p.562). Para o pai encarcerado, no entanto, pode ser que todos os papéis salientes tenham sido removidos do reino de desempenho. Como o pai ajusta sua identidade paterna se percebe que não há comportamentos paternos salientes dos quais escolher? Esse dilema pode não estar limitado a pais encarcerados. Pais que perdem a guarda ou os direitos de visita podem também compartilhar dessa experiência.

Implicações para a prática e questões adicionais

A elaboração da teoria das identidades aqui tem como intenção ajudar a guiar a pesquisa, a prática, e a regulamentação. Embora existam inúmeras aplicações para cada, duas implicações práticas em particular serão mencionadas juntamente com várias questões de pesquisa.

Implicações para a prática

Muitas das intervenções mencionadas aqui não são novas; no entanto, ao trazê-las ao modelo da teoria das identidades nos dá entendimento de como essas estratégias podem ser efetivas e nos empresta sugestões específicas de como elas podem ser melhoradas para melhores resultados.

Devido à interrupção causada pela reclusão, pode ser impossível para um homem desempenhar papéis significativos para sua identidade como pai. No entanto, é claro que ao levarem a resultados positivos entre pai e filho esses papéis devem ser mantidos como parte da identidade do detento. Isso significa avaliar esses papéis positivos que um pai associa com sua identidade e descobrir novas formas de desempenhá-los. Por exemplo, pode ser benéfico encorajar pais a não sentirem que o fato de estarem presos impossibilita sua habilidade de prover sua família. Aprendendo novas habilidades por meio de

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programas na prisão e estudo pessoal pode ser considerado seu trabalho, no qual eles trabalham para “prover” sua família. Esse novo “sustento” vem da ideia de que ao ganhar novas habilidades eles podem encontrar um emprego ao serem libertados. Embora algumas prisões permitam que os detentos sejam pagos por algum tipo de trabalho, se os pais não são bem recompensados (muitos programas de trabalho pagam menos que um dólar por hora) e/ou se o pais não está desenvolvendo nenhuma habilidade, o trabalho pode apenas ajudar a passar o tempo e pode ter pouco ou nenhum efeito em manter ou melhorar a identidade paterna de um homem.

Além do papel de provedor, também pode ser possível estabelecer padrões regulares de desempenho do papéis de parceiro, educador, e exemplo a ser seguido. Genisio (1996) reporta um programa pai-filho no qual pais em reclusão puderam manter relações com seus filhos ao lerem para eles. Além disso, como uma maneira de ser um exemplo a ser seguido, um pai pode escrever em um diário (ou em outra forma de comunicação) sobre como ele é capaz de “fazer o melhor” em sua difícil situação, portanto sentindo que está contribuindo com um exemplo positivo para seu filho.

Alguns pais podem reagir melhor a uma rotina “normal” de desempenhar sua identidade. Eles podem iniciar se “trabalho” em um horário regular durante a manhã, e quando tiverem terminado na parte da tarde, podem fazer algo que desenvolva outro papel paterno (como parceiro, educador, etc.). Embora longe de corresponder à rotina diária do presídio, isso pode dar ao pai o sentimento de que está atuando em seus papéis em congruência com seu padrão de identidade.

Embora o que foi descrito acima possa ajudar o pai a continuar a desempenhar os papéis que são significativos para sua identidade, a teoria das identidades postula que isso é apenas metade do processo de confirmação. O pai precisa também receber elogios de seu grupo de referência primário, a família. Nesse o praticante tem muito menos influência, mesmo que receber elogios encorajadores da família seja crítico para estabelecer uma identidade paterna positiva. Se a família não der elogios positivos para as tentativas do pai de desempenhar seus comportamentos paternos, grandes são as chances dele descontinuar esses comportamentos. Uma forma importante que pode aumentar as chances de elogios positivos da família é se a família e o pai negociarem juntos os padrões para a paternidade enquanto em reclusão. Novamente, uma das formas chave para os padrões de identidades serem criados é por meio de interações com o grupo de referência. De fato, pode ser incorreto pensar que um padrão de identidade para a paternidade pode ser criado pelo pai e praticante. O padrão de identidade paterno é hereditariamente ligado à criança e possivelmente à mãe da criança. Sem a assistência da família, a criação de um novo padrão de identidade paterno pode ser simplesmente superficial.

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Questões de pesquisa adicionais

É reconhecido que este artigo somente toca a superfície da teoria das identidades e os assuntos relacionados à reclusão do pai. Também, esse artigo tem tratado a reclusão do pai apenas pela perspectiva do pai. Outras questões cruciais são: Como a reclusão do pai afeta a identidade da criança em relação ao pai? Como a criança recebe elogios? Quais fatores afetam o senso de identidade da criança quando está cara à cara com o pai? Além disso, pesquisas qualitativas mais aprofundadas são necessárias para entender as diferentes formas nas quais os pais moldam sua reclusão assim como as crianças e como isso muda durante o curso de reclusão. Embora esse artigo tenha usado a hipótese de Travis (2004) que quanto mais longa a sentença mais difícil será para manterem-se laços familiares, podem haver casos em que a força dos laços familiares aumente durante o período de reclusão. De fato, no estudo de Maruna (2001) sobre detentos libertos, muitos reportaram que enquanto estavam na prisão eles “viam a luz” e que a reclusão foi um ponto de equilíbrio para que eles pudessem “seguir em frente”. Isso sugere uma linha de pesquisa interessante para teoristas da identidade, explorando como a reclusão pode influenciar as identidades dos detentos a seguirem normas sociais. Isso, então, gera a questão de como a família irá reagir ao “novo” pai. Um pai que não mais está drogado, por exemplo, pode desenvolver um senso de consciência novo e muito maior sobre seus filhos enquanto estiver na prisão. Como a família irá se adaptar se esse pai que pode não ter sido envolvido antes da reclusão se esforçar para se envolver após sua liberação? A família irá continuar a esperar por comportamentos similares aos de antes, ou irão esperar novos comportamentos? E, como as expectativas dessas famílias são criadas? E como influenciam a reconstrução do processo de confirmação após a libertação?

Finalmente, se há uma mudança na identidade paterna de um detento, é importante, como mencionado anteriormente, entender como essa mudança se desenvolve quando ele é libertado. As mudanças de identidade são relativamente estáveis, ou são simplesmente um sintoma de estar em uma instituição que promove certas identidades? E, uma vez libertado, um a identidade de um ex detento voltar ao que era antes da reclusão?

Conclusão

Embora a reclusão de fato, no senso imediato, geralmente seja bem sucedida em interromper atividades escusas do encarcerado, ela também interrompe a continuidade ou assunção de várias atividades que são benéficas para a sociedade. De fato, pais são incapazes de desempenhar vários dos papéis de suporte que antes desempenhavam enquanto encarcerados. Isso não apenas impacta a criança negativamente mas também possui um grande potencial para um impacto negativo no pai uma vez que ele é incapaz de confirmar sua

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identidade como pai.

O contexto da reclusão tem iluminado várias formas nas quais o processo de confirmação da identidade pode ser quebrado que não foram ainda exploradas. As implicações dessas interrupções são provavelmente consideráveis, no entanto, muita pesquisa é necessária para entender seus efeitos. Infelizmente, com o aumento do encarceramento, não houve um aumento proporcional em entender como ele afeta o indivíduo e a família. Esse artigo é o primeiro passo para entender como o contexto único da reclusão afeta a identidade de um pai e consequentemente seu envolvimento com seu filho. Esforços estão sendo feitos para ajudar pais encarcerados a melhorarem seus relacionamentos com seus filhos, mas até que mais modelos teóricos sejam elaborados e testados, a habilidade de sistematicamente melhorar esses esforços é seriamente limitada.