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1ª edição 2015 c

Quanto Vale a Sua Fé

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O presente trabalho oferece uma análise sociológica, antropológica, teológica e, sobretudo histórica sobre a relação entre crença e dinheiro no Ocidente, e que tem se exacerbado em um mundo capitalista como o nosso, do qual faz parte a cidade de Fortaleza.

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1ª edição – 2015 c

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QUANTO VALE A SUA FÉ?

A TENDÊNCIA CAPITALISTA DA FÉ EVANGÉLICA FORTALEZENSE NAS ÚLTIMAS DUAS DÉCADAS

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Conselho Editorial

Bethania Ribeiro de Almeida Santiliano

Mestre em Ciências Veterinárias

Daísa de Lima Pereira

Mestre em Engenharia Biomédica

Eduardo Chaves da Silva

Mestre em Psicologia Clínica e Cultura

Elysio Soares Santos Junior

Doutorando em Linguística (PPGL/LIP/UnB)

Emanuel Neto Alves de Oliveira

Doutorando em Ciências Agrárias

Fabiano Costa Santiliano

Mestre em Biociências e Biotecnologia

Flávia de Matos Rodrigues

Mestre em História Econômica

Franciele Monique Scopetc dos Santos

Doutorando em Educação

Hendrix Alessandro Anzorena Silveira

Mestre em Teologia

Jesiel Souza Silva

Doutorando em Geografia

João Olinto Trindade Junior

Mestre em Letras

Josélia Carvalho de Araújo

Doutorando em Geografia

Júlio César de Souza

Mestre em História

Luiz Antonio Corrêa

Mestre em Engenharia Mecânica

Priscilla Diniz Lima dá Silva Bernardino

Doutorado em Engenharia Química

Rafaela Sanches de Oliveira

Mestre em Ciências Médicas

Robson Lopes de Freitas Junior

Doutorando em Geografia

Verano Costa Dutra

Mestre em Saúde Coletiva

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Duque de Caxias

2015

George Sousa Cavalcante

QUANTO VALE A SUA FÉ?

A TENDÊNCIA CAPITALISTA DA FÉ EVANGÉLICA FORTALEZENSE NAS ÚLTIMAS DUAS DÉCADAS

ESPAÇO CIENTÍFICO LIVREprojetos editoriais

Page 6: Quanto Vale a Sua Fé

_________________________________________________________________________

Ficha Catalográfica

C376 Cavalcante, George Sousa.

aaaQuanto vale a sua fé? A tendência capitalista da fé evangélica fortalezense

nas últimas duas décadas / George Sousa Cavalcante – Duque de Caxias, 2015.

aaa6,24 MB; il.; PDF

aaaISBN 978-85-66434-17-0

1. Protestantismo. 2. Capitalismo. 3. Teologia. 4. Prosperidade. 5. Igreja

evangélica. 6. Neopentecostalimo. 7. Fortaleza. 8. Fé. 9. Marx Weber. 10.

Ricardo Mariano. 11. Consumo. 12. Hibridismo. I. Quanto vale a sua fé? A

tendência capitalista da fé evangélica fortalezense nas últimas duas décadas. II.

Cavalcante, George Sousa.

CDD 200

_________________________________________________________________________

s Este conteúdo pode ser publicado livremente, no todo ou em parte, em

qualquer mídia, eletrônica ou impressa, desde que:

b Atribuição. Você deve dar crédito, indicando o nome do autor e da Espaço

Científico Projetos Editoriais, bem como, o endereço eletrônico em que o livro

está disponível para download.

n Uso Não-Comercial. Você não pode utilizar esta obra com finalidades

comerciais.

Autor: George Sousa Cavalcante

Revisão: Verônica C. D. da Silva

Capa: Francisco Carlos Moreira Junior

Coordenador: Verano Costa Dutra

Editora: Monique Dias Rangel Dutra

Espaço Científico Livre Projetos Editoriais é o nome fantasia da Empresa Individual MONIQUE DIAS RANGEL

11616254700, CNPJ 16.802.945/0001-67, Duque de Caxias, RJ

[email protected] / http://issuu.com/espacocientificolivre /

http://www.espacocientificolivre.com/

C 2015, Espaço Científico Livre Projetos Editoriais

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Page 7: Quanto Vale a Sua Fé

À minha querida mãe que apesar de não saber ler e escrever sempre

me incentivou a valorizar o estudo. Sua garra em superar as

dificuldades que a vida lhe impôs me inspira.

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Trechos deste livro foram publicados anteriormente no livro “Cartografia

do Sagrado e do Profano: religiões, espaço e fronteiras, organizado” por

Oneide Bobsin, Valério Guilherme Schaper e Iuri Andréas Reblin,

publicado pela ABHR (Associação Brasileira de História das Religiões) e

pela Faculdade EST de São Leopoldo RS e no artigo “Quanto vale a

sua fé? – A tendência capitalista da fé evangélica de Fortaleza nos

últimos vintes anos” publicado pela Faculdade Rifidim de Joinville SC.

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RESUMO

O presente trabalho oferece uma análise sociológica, antropológica, teológica e, sobretudo histórica sobre a relação entre crença e dinheiro no Ocidente, e que tem se exacerbado em um mundo capitalista como o nosso, do qual faz parte a cidade de Fortaleza. A partir do víeis da História das mentalidades – campo de pesquisa de teóricos como Marc Bloch, Georges Deby, Lucien Febvre e Robert Mandrou que se dedicaram a esse tipo de investigação (como sub especialidade da História Social); que se propuseram a pesquisar e a descrever as atitudes, os comportamentos, as necessidades, os sonhos motivadores dos seres humanos (em suas motivações conscientes ou inconscientes) de determinados grupos sociais minoritários –, procuro, então, fazer uma abordagem crítica da Tendência Capitalista da Fé Evangélica na cidade de Fortaleza nos últimos vinte anos. Minha fundamentação está apoiada em teóricos que já desenvolveram (e ainda desenvolvem) linhas de pesquisas em áreas afins: Marx Weber – que pesquisou a estrita ligação entre Protestantismo e Capitalismo desde seu nascedouro; Ricardo Mariano – que pesquisa as implicações dos aspectos sociais, culturais e econômicos no Movimento Neopentecostal com sua Teologia da Prosperidade. A hipótese levantada nesse livro é que existe uma tendência a um tipo de crença identificada com muitos aspectos do capitalismo em algumas denominações evangélicas da cidade de Fortaleza; não obstante percebermos uma prática de fé hibrida com suas contradições, conflitos e resistências a essa postura religiosa capitalista – hipótese confirmada pela pesquisa de campo. O livro está dividido em cinco proposições principais: (1) a compreensão da relação entre fé evangélica e dinheiro no contexto maior do Protestantismo; (2) a identificação dos principais perfis da Igreja Evangélica Brasileira a partir das três principais vertentes de sua formação histórica (Protestantismo de Imigração, Protestantismo de Missão e Pentecostalismo – sendo que este último se desdobrou no Neopentecostalismo, surgido nas últimas décadas com forte ênfase na Teologia da Prosperidade e no uso massificado da Mídia televisiva); (3) a constatação da tendência a um tipo de fé identificada com o Capitalismo na prática religiosa de fiéis das igrejas evangélicas escolhidas para a pesquisa de campo; (4) a tentativa de entender essa tendência Capitalista da fé relacionando-a com algumas características do nosso mundo ocidental moderno – a natureza pragmática da mídia, a obsessão da nossa sociedade pela exuberância e a dimensão sagrada do consumo; (5) e, por fim, a reflexão a respeito dos rumos que a Igreja Evangélica tem tomado, e que tem distanciado sua trajetória do Cristianismo na sua “essência”. Palavras-chave: Protestantismo. Capitalismo. Teologia. Prosperidade. Igreja evangélica. Neopentecostalimo. Fortaleza. Fé. Marx Weber. Ricardo Mariano. Consumo. Hibridismo.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 15

CAPÍTULO 1 – CAPITALISMO E PROTESTANTISMO: AS DUAS FACES DA

MESMA MOEDA ........................................................................................................ 21

1.1. FATORES TEOLÓGICOS QUE CONTRIBUÍRAM PARA A TENDÊNCIA

CAPITALISTA DA FÉ ....................................................................................... 21

1.2. FATORES HISTÓRICOS QUE CONTRIBUÍRAM PARA A TENDÊNCIA

CAPITALISTA DA FÉ ....................................................................................... 31

1.2.1. PROTESTANTISMO DE IMIGRAÇÃO OU ÉTNICO ...................... 32

1.2.2. PROTESTANTISMO DE MISSÃO .................................................. 34

1.2.3. PENTECOSTALISMO .................................................................... 37

A - PENTECOSTALISMO CLÁSSICO ............................................ 39

B - DEUTEROPENTECOSTALISMO .............................................. 40

C - NEOPENTECOSTALISMO ....................................................... 42

C.1. EXACERBAÇÃO DA GUERRA CONTRA O DIABO ..... 42

C.2. ÊNFASE NA TEOLOGIA DA PROSPERIDADE ............ 44

C.3. DESECTARIZAÇÃO E LIBERALIZAÇÃO DOS USOS E

COSTUMES ........................................................................... 50

C.4. ESTRUTURA ADMINISTRATIVA EMPRESARIAL E

MERCADOLÓGICA ............................................................... 54

CAPÍTULO 2 – A ONDA CAPITALISTA DA FÉ INVADE AS IGREJAS

EVANGÉLICAS DE FORTALEZA .............................................................................. 59

2.1. TRAJETÓRIA HISTÓRICA DOS EVANGÉLICOS EM FORTALEZA ......... 59

2.2. A TENDÊNCIA MERCADOLÓGICA DA FÉ NAS IGREJAS DE

FORTALEZA ..................................................................................................... 63

CAPÍTULO 3 – ALGUMAS POSSÍVEIS RAZÕES PELAS QUAIS A FÉ EVANGÉLICA

TEM DESENVOLVIDO A TENDÊNCIA CAPITALISTA ............................................. 71

3.1. A NATUREZA PRAGMÁTICA DA MÍDIA .................................................. 71

3.2. A OBSESSÃO DA NOSSA SOCIEDADE PELA EXUBERÂNCIA E PELO

ESPETACULAR ................................................................................................ 77

3.3. A DIMENSÃO SAGRADA DO CONSUMO ................................................ 79

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14

CAPÍTULO 4 – OS POSSIVEIS DESDOBRAMENTOS DA TENDÊNCIA

CAPITALISTA DA FÉ EVANGÉLICA ........................................................................ 89

4.1. AFASTAR-SE CADA VEZ MAIS DA PROPOSTA DE JESUS................... 89

4.2. TRANSFORMAR-SE EM ALGO TOTALMENTE ALIENANTE .................. 91

4.3. DESCARACTERIZAR O CRISTIANISMO DO SEU PERFIL

REVOLUCIONÁRIO .......................................................................................... 92

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 100

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 102

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INTRODUÇÃO

ssa pesquisa parte da minha inquietação com relação a uma das facetas

mais cruéis do capitalismo ocidental: a utilização da religião como forma de

lucro e poder.

Entendemos que as relações mercantis, envolvendo troca e comércio, já existiam há

milhares de anos, desde o período neolítico, quando os grupos humanos passaram a

se organizar em sociedades mais complexas, constituindo-se assim as primeiras

cidades. No entanto, as relações comerciais, elaborada na forma de sistema filosófico

e ideológico, se “absolutizam” e se “sacralizam” com o Capitalismo ocidental moderno.

Nessa perspectiva comenta Max Weber: “O Capitalismo existiu na China, na Índia, na

Babilônia, no mundo clássico e na Idade Média, mas em todos esses casos, como

veremos, o ethos1 particular faltou” (2006:50). E nesse mesmo viés também comenta

François Houtart:

Durante séculos, os grandes sistemas religiosos se difundiram por meio de migrações, da expansão mercantil e das conquistas militares. Foi o caso do hinduísmo, do budismo, do cristianismo, do islamismo, dos Incas e em menor medida, de vários reinos africanos. Entretanto, a maior transformação sociocultural que afetou o status e as funções da religião teve lugar na Europa com o desenvolvimento do capitalismo mercantil, mais tarde o industrial... (2003, p. 28).

Portanto, o comércio, como um sistema articulado – com sua elaboração lógica,

racional, ideológica, religiosa, materialista e consumista – passou a ganhar grandes

proporções no ocidente. É justamente sobre sua influência na religião evangélica que

pretendemos focar este assunto. Delimitamos nossa abordagem à cidade de Fortaleza

como o espaço da pesquisa realizada para a constatação desta hipótese. E as últimas

duas décadas como o recorte de tempo histórico a ser analisado. Partimos do

pressuposto daquilo que nos diz Houtart sobre o domínio do mercado como lei

fundamental do funcionamento das sociedades. E, por conta disso, vemos os

interesses econômicos se expressando também no campo religioso. Sendo que a

religião cumpre, em nosso mundo ocidental materialista, um papel importante na

1 A ethos nesse contexto significa um conjunto de práticas e de comportamentos estabelecido

pelo o sistema em questão.

E

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16

transformação das estruturas sociais, principalmente na América Latina e no Caribe.

(ibid, p.13).

Antonio Flávio Pierucci, comentando sobre a primeira versão d’A Ética Protestante

de 1904, diz que a posição de Max Weber, desde o início de sua obra, no que diz

respeito à estreita ligação entre economia ocidental e religião protestante, era muito

clara e definida. Ou seja, para Weber a economia ocidental e seus diversificados

desenvolvimentos só podem ser explicados se considerarmos os aspectos essenciais

da história cultural, sobretudo da vida religiosa (2003, p. 178,179).

François Houtart nos lembra ainda que a tese contida em A Ética Protestante e o

Espírito do Capitalismo é basicamente a seguinte: “a moral de relativa austeridade

preconizada pelo calvinismo favoreceu a acumulação, base do desenvolvimento do

capitalismo” (2003, p.79).

Questionamos, então, no presente trabalho, se a Igreja Evangélica de Fortaleza –

herdeira dos movimentos de reforma protestante na Europa dos séculos XVI e XVII,

filha do Protestantismo Missionário Norte-americano, e também fortemente

influenciada pelo movimento neopentecostal2 – incorporou de forma consistente toda

essa tendência comercial do capitalismo ocidental.

Levantamos a hipótese de que a mercantilização da fé não se restringe ao Segmento

Evangélico Neopentecostal, mas ela está presente em outras expressões da fé

evangélica de caráter mais tradicional, como por exemplo, as igrejas históricas e

pentecostais.

Essa hipótese surge em cima da constatação de que as várias tendências e

expressões protestantes podem ser encontradas não apenas em igrejas ou

denominações diferentes, mas dentro da mesma denominação. Sobre isso, comenta

Rubem Alves: “E é exatamente a presença de tipos divergentes dentro de uma mesma

organização que explica o aparecimento de conflitos no seu interior” (2005:44).

2 O movimento neopentecostal, conforme o sociólogo Ricardo Mariano, se distingue no meio

evangélico por dois aspectos principais: o cronológico, que caracteriza as igrejas evangélicas das décadas 1980 para cá; e o teológico, que estabelece posturas doutrinárias bem diferentes das demais igrejas evangélicas – como, por exemplo, a exacerbação da guerra espiritual contra o diabo, a ênfase na teologia da prosperidade, a liberalização das práticas conservadoras dos usos e costumes adotadas pelas igrejas pentecostais, e uma estrutura administrativa empresarial com a utilização massificaste dos meios de comunicação.

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17

A partir de tal constatação, procuramos identificar dentro de igrejas evangélicas, que

em sua doutrina se posiciona de forma contrária à tendência do mercado religioso,

expressões de fé totalmente mercadológicas. Objetivando mostrar que o espírito

capitalista se impõe no “modus vivend” evangélico a despeito do seu corpo doutrinário.

Tentamos comprovar essa hipótese lançando mão das fontes orais, procurando assim

constatar nossa tese por meio de entrevistas com fiéis de algumas igrejas. Levando

em conta a afirmação de Ribeiro (2005:136), na qual “a história oral pretende realizar o

registro sistemático de dados coletados nos depoimentos sobre um determinado tema

em comum”, optamos dessa forma por desenvolver entrevistas temáticas, uma vez

que esse tipo de entrevista permitirá que o foco continue mantido no tema central,

considerando as cosmovisões religiosas de cada entrevistado à medida que se

vinculam ao assunto proposto pelo entrevistador.

Vale ressaltar que nestas entrevistas3 demos a preferência aos membros de igrejas

que doutrinariamente se posicionam contra o comércio da fé, com o propósito de

demonstrar que o modelo capitalista religioso que estamos considerando sobrepuja e

transcende qualquer posicionamento doutrinário, linha ideológica ou postura

denominacional.

Para esse fim, entendemos que a forma mais adequada ao tipo de investigação

proposta seria a oralidade. Como nos diz Ribeiro:

[...] A história oral se faz importante na medida em que preenche lacunas que prejudicam a análise histórica face à ausência de documentos escritos. Assim, um dos aspectos da história oral é tornar visíveis experiências individuais e coletivas (2005, p. 136).

Também queremos assinalar que apesar da análise do presente trabalho sugerir,

aparentemente, apenas uma abordagem religiosa ou teológica, isso não invalida seu

caráter sociológico, antropológico e, sobretudo histórico. Estando ela inserida dentro

do campo da história Social – mais especificamente da história das mentalidades.

Sendo que esta, por sua vez, procura descrever os pensamentos e sentimentos

religiosos manifestos ou não manifestos de determinado grupo social (nesse caso

especifico os dos evangélicos de Fortaleza), os quais se traduzem em atitudes, em

comportamentos, em necessidades e em sonhos. Atendendo dessa forma ao

3As entrevistas acima referidas se encontram no capitulo 2 do presente trabalho, no subtópico

que tem como titulo: A tendência mercadológica da fé nas igrejas de Fortaleza – pág. 56-63.

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propósito da historia das mentalidades, conforme nos diz Michel Vovelle. Isso porque

para o citado autor a investigação desse viés histórico está mergulhada na história das

massas anônimas – quer se trate de cultura popular ou de religião popular. Para poder

assim tentar, de alguma forma, seja através da iconografia ou da pesquisa oral,

entender uma história que foge ao quadro das elites tradicionalmente levadas em

conta na história das ideias, da arte ou do sentimento religioso. Segundo Vovelle os

temas abordados pela história das mentalidades variam desde a crise da juventude

até a estrutura hierárquica das famílias de determinado lugar e época; desde atitudes

diante da morte até o tipo de crença de um grupo religioso de determinado lugar e

período (Ideologias e mentalidades: 2004 p. 15,16, 110, 113, 114, 120, 125).

O livro em si se constitui da seguinte maneira. Primeiramente, analisaremos o

nascedouro da Reforma Protestante e suas relações com o Protestantismo no Brasil.

Estarão em questão alguns fatores teológicos e históricos que contribuíram, direta ou

indiretamente, para a formatação da fé capitalista.

No que diz respeito aos fatores teológicos, abordaremos as principais ideias do

Protestantismo Reformado que germinaram uma religião do tipo mercadológica. A

saber, o ascetismo tirado dos mosteiros e levado para o cotidiano; a ideia da Eleição

Divina, relacionada ao propósito soberano que indivíduos abastados e nações

prósperas devem cumprir nesse mundo; e ainda a ideia da disciplina de vida puritana

que, inevitavelmente, levou ao acúmulo de riquezas.

Com relação aos fatores históricos que contribuíram para desenvolvimento da fé

mercantilista, procuraremos identificar e diferenciar as três principais vertentes que

compõem a Igreja Evangélica Brasileira (Protestantismo de Imigração, Protestantismo

de Missão e Pentecostalismo). Estabelecendo assim o perfil de cada uma delas,

relacionando-as com os elementos histórico-culturais responsáveis pela identidade

que cada qual assumiu. Destacaremos o Pentecostalismo, e seus principais

segmentos (principalmente o Neopentecostalismo), como a corrente do Protestantismo

que tem influenciado significativamente os novos rumos da Igreja Evangélica

Brasileira. Dessa forma, compreenderemos melhor o desenvolvimento histórico da

religião evangélica fortalezense, e a característica de mercado que ela passou a ter

em nossos dias.

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19

No segundo capítulo, falaremos sobre o processo de “neopentecostalização” que vem

ocorrendo em algumas denominações protestantes de Fortaleza, cuja linha doutrinária

nada tem em comum com a proposta neopentecostal. Portanto, pelo menos em tese,

seria antagônica a postura capitalista da fé. Entretanto, elas têm, através dos seus

fiéis, assimilado os valores mercadológicos da religião “big bussines”, típicos das

igrejas neopentecostais que assumem essa posição, criando uma espécie de

subversão dos outros valores mais tradicionais do Protestantismo, na qual

percebemos ( na pesquisa de campo realizada) não um abandono completo desses

valores e conceitos originários, mas uma mistura, às vezes contraditória, com os

valores e conceitos dessa nova fé capitalista hibrida, que vem cada vez mais se

configurando no meio evangélico da nossa cidade, a qual pretendemos ao longo do

presente trabalho apresentar. Isso pode ser percebido através dos gráficos e das

entrevistas – algumas transcritas – decorrentes da pesquisa de campo. Por

conseguinte, no terceiro capitulo, procuraremos compreender os motivos dessa

incorporação das crenças neopentecostais por parte dos membros de igrejas que, no

seu credo oficial, através dos seus líderes, combatem essas mesmas crenças. As

razões apresentadas (a natureza pragmática da mídia, a obsessão da nossa

sociedade pela a exuberância, a dimensão sagrada do consumo) tentam nos levar, à

compreensão do fenômeno religioso que vem acontecendo no nosso país (refletindo

na nossa cidade) nessas últimas décadas, a saber, a tendência mercantilista de

alguns setores da Igreja evangélica como algo interdenominacional. Analisaremos

essa questão a partir da abordagem sobre a força que a mídia, o consumo e o

espetáculo exercem sobre todas as dimensões de nossa sociedade – incluindo a

religião evangélica.

E por fim, no último capitulo, apontaremos alguns riscos iminentes que corre o

segmento evangélico, no que se refere à descaracterização do Cristianismo na sua

“essência”4 – justamente por causa dessa tendência capitalista que vem absorvendo a

fé evangélica, cujos desdobramentos serão inevitáveis, caso a igreja não repense

urgentemente sua caminhada.

4 Quando utilizarmos nesse livro a colocação: Cristianismo na sua “essência”, não ignoramos o

sincretismo com outras expressões de pensamentos e crenças que caracteriza essa religião ao longo da sua história. Entendemos que vários elementos culturais dos antigos persas, gregos, germânicos, bizantinos, africanos influenciaram significativamente a Cristandade. Originando assim novas expressões cristãs resignificadas. Entretanto, entendemos que existe algo mais próximo daquilo que Jesus (o autor da fé cristã) estabeleceu como os princípios fundamentais da proposta cristã – conforme as suas principais fontes históricas (evangelhos, cartas apostólicas, manuscritos antigos).

Page 20: Quanto Vale a Sua Fé

20

Assim posto, quero convidar-lhe a uma análise crítica da relação do capitalismo com a

fé evangélica nas últimas décadas.

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CAPÍTULO 1 – CAPITALISMO E PROTESTANTISMO: As duas faces da mesma

moeda

monetarização da relação com o sagrado que tem caracterizado a Igreja

Evangélica não se deu por acaso. Segundo apontam minhas pesquisas, esta

conexão é resultado de alguma forma, ou por assim dizer, é derivada de

outros fatores que conjuntamente atuaram na sua gestação.

Inicialmente, nossa proposta será a de analisar a possibilidade dessa interconexão

que integra a crença ao sistema de mercado capitalista.

1.1. Fatores Teológicos que contribuíram para a tendência capitalista da fé

Penso que, talvez, fosse pertinente compreendermos a tendência evangélica

articulada com os valores do mercado, partindo do contexto histórico mais amplo da fé

protestante. Sendo assim, precisamos lançar nosso olhar para o berço da Reforma há

quase 500 anos atrás.

Apesar das contradições, das discrepâncias entre os movimentos evangélicos mais

recentes e a matriz teológica reformada, não podemos desconsiderar certa

identificação de alguns desses grupos com aquele movimento que se deu na Europa

no século XVI – sendo a causa do grande cisma da Cristandade Ocidental. E que, por

sua vez, influenciou no desenvolvimento da mentalidade capitalista do mundo

ocidental.

Não queremos afirmar com isso que o protestantismo nasceu capitalista. Embora, ele

tenha sido como lembra Kivitz, “uma reação à Cristandade com suas cruzadas, seus

cofres e suas inquisições” (2006, p. 47), constituindo-se, dessa forma, como um

movimento, também, de protesto econômico. E isso pelo fato de haver no bojo da

proposta reformista um elemento “revolucionário” contra a ordem econômica vigente;

A

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22

com seu sistema feudal que privilegiava apenas e sempre as mesmas camadas

sociais: a nobreza e o Clero.

Conforme Hubermam (1986, p. 82-153), a Reforma Protestante foi a primeira das três

batalhas decisivas empreendidas pela nova classe social – a burguesia – na luta longa

e dura contra o decadente Feudalismo no inicio da Idade Moderna, seguida da

Revolução Gloriosa na Inglaterra e da Revolução Francesa. Lembrando que a Igreja

Católica defendia a ordem feudal, sendo uma das principais estruturas desse sistema,

pois era detentora de cerca de um terço das terras da Europa, e sugava dos países

grande parte das suas riquezas. Portanto, antes que a nascente classe média

pudesse destruir o Feudalismo em cada país, tinha que atacar sua principal

organização – a Igreja. E foi o que ela fez. Essa luta de classes (Burguesia X Nobreza

e Clero) pela hegemonia de um sistema econômico (Capitalismo) em detrimento de

outro (Feudalismo), então, ganha uma conotação religiosa denominada de Reforma

Protestante.

A transição do Feudalismo para o Capitalismo, caracterizada pelas profundas

transformações nos meios de produção e de troca, envolveu igualmente uma nova

maneira de pensar a ciência, o direito, a educação, a política e a velha religião. Foi o

que justamente aconteceu com o ensino religioso. O mundo moderno, dominado pelos

comerciantes, fabricantes e banqueiros, exigiu um conjunto de preceitos religiosos

diferentes dos preceitos religiosos do mundo dominado por sacerdotes e guerreiros.

Em decorrência dessas mudanças, Leo Huberman diz que se Igreja Católica –

totalmente comprometida com a economia feudal e manual, na qual o artesão

trabalhava simplesmente para sobreviver – não podia modificar com rapidez seus

ensinos para corresponder à economia capitalista – onde o industrial trabalhava para

ter lucro – então a Igreja Protestante podia. “Ela dividiu-se em muitas seitas diferentes,

mas em todas, e em graus variados, o capitalista interessado nos bens materiais podia

encontrar consolo” (ibid, p. 167-168). Entretanto, não podemos incorrer no erro de

achar que a Reforma Protestante já nasceu articulando a proposta capitalista. Como

bem diz Weber:

O velho protestantismo de Lutero, Calvino e Knox e Voet tinham bem pouco a ver com o que hoje é chamado de progresso. Ele era abertamente hostil a aspectos inteiros da vida moderna que hoje não são contestados nem pelos religiosos mais ferrenhos (2006, p. 45).

Page 23: Quanto Vale a Sua Fé

23

Para exemplificar a grande diferença entre o Protestantismo no seu início e o

Capitalismo dos nossos dias basta citar a questão do trabalho. Na concepção

reformada, o trabalho visava interesse ético e religioso: trabalhar para ganhar dinheiro;

com isso, glorificar a Deus e ajudar o próximo (ibid, p.127). Já na concepção

capitalista hodierna, o trabalho atende interesses individuais de consumo e interesses

pragmáticos do próprio trabalhador. Contudo, há uma semente capitalista na Reforma

e que começou a germinar através do Movimento Puritano dos séculos XVI e XVII5.

Tendo como arcabouço teológico as ideias Calvinistas, esse movimento lançou as

bases daquilo que Max Weber chama de “O Espírito do Capitalismo” no mundo

ocidental.

Sem a pretensão de incursionar nas elaborações teológicas do puritanismo, gostaria

de destacar algumas de suas ideias teológicas, que significativamente influenciaram

nesse “espírito capitalista” incorporado pela crença evangélica em nossos dias.

A primeira ideia do Protestantismo Reformado que incidiu sob a elaboração da fé

capitalista ocidental foi o ascetismo vivido em todas as dimensões da vida. O

ascetismo cristão medieval católico, antes isolado em mosteiros e claustro, passou a

ser desenvolvido em estreita relação com o cotidiano e em todas as atividades

ordinárias. Para o sociólogo Antônio Flávio Pierucci, os teólogos puritanos, mormente

calvinistas, fizeram uma desconstrução do conceito sacramental, ritualístico,

extracotidiano e extramundano que possuía a religião cristã antes da Reforma. E

passaram, então, a construir um “novo conceito” intramundano de uma religião

exercida cotidianamente como um dever moral e ético, imiscuída num mundo dos

negócios e do trabalho, atendendo assim seus interesses utilitários (2003, p.207).

Sobre esse ascetismo protestante comenta Max Weber:

O ascetismo cristão, que de inicio se retirara do mundo para solidão, já tinha regrado o mundo ao qual renunciara a partir do mosteiro e por meio da igreja. Mas, no geral, tinha deixado intacto o caráter naturalmente espontâneo da vida laica no mundo. Agora avançava para o mundo da vida, fechando atrás de si a porta do mosteiro: tentou penetrar justamente naquela rotina da vida diária, com sua

5 O movimento puritano foi uma espécie de Reforma da Reforma na Inglaterra dos séculos XVI

E XVII, pois ele se contrapõe a Igreja Anglicana. Muitos partidários desse movimento constituíam o Parlamento inglês, composto por membros da pequena, média e alta burguesia. Eles também tiveram uma participação significativa nas revoluções burguesas dessa nação, tais como: Revolução Puritana e Revolução Gloriosa.

Page 24: Quanto Vale a Sua Fé

24

metodicidade, para amoldá-la a uma vida laica, embora não para e nem deste mundo (2006, p.121).

Todavia, na aplicação desse novo conceito da vocação profissional, segundo André

Biéler, havia uma grande diferença entre os dois principais expoentes da Reforma.

Enquanto Lutero, preso pela tradição escolástica, é totalmente hostil ao

desenvolvimento do comércio e à prática do empréstimo a juros, Calvino, ao contrário,

é plenamente a favor das atividades lucrativas, sob todas as formas, inclusive

acompanhando de perto o desenvolvimento econômico e social da cidade de

Genebra. “É a partir dessa experiência genebrense, sustenta Troeltsch, que o

capitalismo se infiltrou na moral calvinista de todos os países” (1990, p. 628-639).

O puritanismo calvinista acreditava que o trabalho e as riquezas eram maneiras

através das quais Deus poderia ser glorificado. Diferentemente do Catolicismo

Medieval, que os concebiam como uma consequência do pecado original e o caminho

da perdição. A esse respeito, Hubermam faz a seguinte consideração:

Enquanto os legisladores católicos advertiam que o caminho da riqueza podia ser a estrada do inferno, o puritano Baxter dizia a seus seguidores que se não aproveitassem as oportunidades de fazer fortuna, não estariam servindo a Deus... Os ensinamentos de Calvino estavam particularmente dentro do espírito da empresa capitalista. Ao passo que a Igreja católica vira antes com suspeita o comerciante, como alguém cuja ‘ambição de ganho’ era um pecado, o protestante Calvino escrevia: ‘Por que razão a renda com os negócios não deve ser maior do que a renda com a propriedade da terra? De onde vêm os lucros do comerciante, senão de sua diligência e indústria?’ (1986, p.168-169).

O desdobramento disso foi que o trabalho passou a ser intensamente valorizado por

vários movimentos oriundos da Reforma Protestante. Os Quacres, por exemplo,

acreditavam que a prosperidade material era resultado de uma vida santa e

consagrada. Os metodistas, por sua vez, ensinavam que a verdadeira religião levava o

ser humano à produtividade, embora vissem nas riquezas um grande perigo – no que

se refere à desvirtuar o fiel do caminho da santidade. O próprio John Wesley, um dos

grandes nomes do Metodismo, dizia que “não devemos parar de alertar as pessoas

para que sejam laboriosas... devemos estimular todos os cristãos a ganhar tudo o que

puderem, e a economizar tudo o que puderem; ou seja, na realidade, a enriquecer”

(WEBER, 1930 apud WESLEY {s.d.}, {s.n.t}).

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25

Esse ascetismo tirado do claustro e levado para a vida cotidiana, para o espaço mais

“profano” do mundo dos negócios e do trabalho, acabou sendo fundamental na

ideologia calvinista. Por conseguinte, na valorização do empreendimento e do lucro.

O elemento maléfico das riquezas na concepção calvinista estava no ato de fazer da

sua busca um fim em si mesmo. Como também na atitude de ganância e de avareza.

Não obstante a isso, as riquezas eram sinais da benção de Deus para os redimidos

pela fé em Cristo. Como os lembra Weber:

A avaliação religiosa do trabalho sistemático incansável e continuo na vocação secular como o maior elevado meio de ascetismo e ao mesmo tempo, a mais segura e evidente prova de redenção de genuína fé deve ter sido a mais poderosa alavanca concebível para a expansão dessa atitude diante da vida que chamamos aqui do espírito do capitalismo (ibid, p.133-134).

O movimento puritano promove uma espécie de “desencantamento do mundo” –

(PIERUCCI, 2003, p.112-133), deslocando o seu eixo do magismo, do misticismo e do

ritualismo, em torno do qual a fé Cristã gravitava, passando a girar em torno de uma

religiosidade ética, moral e racional, que agora incide diretamente sob a organização

do trabalho e sob a produção industrial.

Contrapondo-se a magia – característica da religiosidade cristã medieval – o

Protestantismo passa, então, a afirmar que a salvação não se dá pelo ritual, mas

através da obediência aos mandamentos éticos de Deus. Não se dá pelo sacrifício,

êxtase místico, ou ido ao templo, mas através de uma vida santa, disciplinada e

conectada com as atividades de cada dia (ibid, p.181).

Na leitura de Pierucci sobre a concepção weberiana, o Capitalismo Moderno é

apontado como algo decorrente desse desencantamento do mundo proporcionado

pela religião reformada, estabelecendo assim uma organização racional e disciplinada

do trabalho, sendo “uma das precondições históricas decisivas para o desdobramento

da moderna ética econômica do ocidente” (ibid, p.169).

A outra ideia da doutrina calvinista que gostaríamos de destacar, como uma semente

fecunda do “espírito capitalista”, é a predestinação. O povo eleito, privilegiado por

Deus para “ser cabeça e não cauda”. Isso, por sua vez, tem toda uma implicação no

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26

conceito de enriquecimento, de dominação, de expansão e de afirmação dos países

capitalistas.

Como nos lembra Weber, o puritano Richard Baxter afirmava que a distribuição das

riquezas, dentro do conceito predestinista, era algo comandado por Deus,

beneficiando apenas alguns. André Biéler em sua obra O Pensamento Econômico e

Social de Calvino, afirma que, na concepção calvinista, a riqueza e a pobreza são

desígnios divinos. Tanto como uma forma de avaliar o caráter daquele que é rico – a

maneira de lidar com os bens materiais na relação com os mais pobres. Quanto como

uma maneira de também avaliar a postura daquele que é pobre – a forma de se

comportar diante da privação, da escassez e da consequente tentação de ceder à

fraude, à cobiça e à revolta. Citamos o próprio Calvino que diz:

Destarte, não atribuímos à sorte, quando vemos que um é rico, outro pobre, antes pelo contrário, reconheçamos que Deus assim o dispõe, e não é isto sem razão. Verdade é que nem sempre veremos claramente por que terá Deus enriquecido a um e a outro terá deixado em sua pobreza; disto não poderemos ter seguro discernimento e , dessarte, quer Deus que freqüentemente baixemos os olhos, a fim de render-Lhe esta honra, que Ele governa os homens à Sua vontade e segundo o seu arbítrio, que nos é incompreensível (...) Deus distribui desigualmente os bens transitórios deste mundo a fim de sondar qual é a disposição dos homens (...)

Eis, ademais, em que condição Deus põe os bens na mão dos ricos; é a fim de que tenham oportunidade, e recursos também, para vir em ajuda ao próximo que esteja em necessidade. O pobre – aquele que é para receber algo de outrem – é, pois, pobre por duas razões. É-o, em primeiro lugar, de modo provisório, por secreta dispensação da Providência que o colocou ao lado do rico para dele receber o que Deus lhe destina (1990, p.420-433).

No conceito calvinista, o trabalho para os eleitos era fruto de uma elaboração racional

e divina. Já para as demais pessoas (as massas) era fruto dos instintos naturais e

humanos. Os eleitos eram agraciados com as riquezas. O restante das pessoas

destinado à pobreza. Os eleitos trabalhavam para progredir e prosperar. Os que não

são eleitos trabalhavam apenas para suprir suas necessidades básicas. Como diz Max

Weber:

Calvino mesmo já emitira a opinião, muitas vezes citadas, de que somente quando o povo, isto é, a massa de trabalhadores e artesãos fosse pobre, conservar-se-ia obedientes a Deus. Na Holanda (Pieter de la Courte e outros) essa idéia foi secularizada, afirmando-se que a massa humana só trabalharia quando a necessidade a forçasse para tal. Essa formulação de uma idéia básica da economia capitalista

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27

entraria mais tarde nas teorias correntes da produtividade por salários baixos (2006, p. 137).

Leland Ryken em seu livro Santos No Mundo – os Puritanos como realmente eram –

nos diz que na visão puritana do trabalho é o próprio Deus que determina cada função

do ser humano na sociedade. Sendo assim, cada indivíduo deve se contentar com seu

quinhão. Por conseguinte, não se deve ambicionar a posição daquele que é mais bem

sucedido, sob pena de cometer o pecado da inveja. Já que o sucesso é benção de

Deus apenas para alguns, e não algo conquistado por esforço (1992, p. 41-48). A

consequência inevitável dessa lógica é a legitimação dos privilégios dos ricos e o

desfavorecimento dos pobres na estratificação socioeconômica.

Este conceito de escolha divina soberana não era aplicado apenas ao indivíduo, mas

igualmente às nações. Oliwer Cromwell, general que comandou a força militar inglesa

durante a revolução puritana (1642-1649), seguiu rigorosamente essa linha de

raciocínio calvinista: a eleição de um povo escolhido em detrimento dos demais. A

propósito, essa concepção acabou servindo como justificativa moral para Cromwell

promover a violenta invasão da Irlanda e da Escócia. Assim também como foi

determinante na política de ampliação do império colonial da Inglaterra, e na

implementação de medidas favoráveis à sua burguesia.

Essa lógica calvinista da prosperidade, exclusiva aos eleitos, inspirou tanto a

expansão do imperialismo inglês, como a dos Estados Unidos das Américas –

respectivamente na idade moderna e contemporânea. Conforme o professor de

História contemporânea da USP, Osvaldo Coggiola: “O imperialismo Inglês, que

dominou o mundo durante 100 anos, abriu caminho para a supremacia dos EUA no

século XX” (História Viva, n.16, {s.d.}: 98).

Tanto o imperialismo inglês, quanto o imperialismo norte-americano foram

impulsionados por essa ideia de escolha divina – nesse caso, algumas nações foram

escolhidas em detrimento de outras para serem beneficiadas com as riquezas, o

progresso e o desenvolvimento.

É a partir dessa concepção que se elabora a ideologia norte-americana do “Destino

Manifesto.” Sob o pretexto de ser a nação predestinada por Deus para liderar as

nações da terra rumo à democracia e ao desenvolvimento, os americanos ocuparam

territórios estrangeiros e trilharam civilizações inteiras:

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28

A expressão destino manifesto surgiu às vésperas da guerra do México em 1946, quando o jornalista John O. Sullivam defendeu a realização do nosso destino manifesto de nos espalharmos pelo continente que recebemos da Providência. Mas a idéia tem raízes mais antigas, que remontam aos puritanos do século 17. Em sua jornada através do atlântico, esses imigrantes se comparavam aos Hebreus do velho testamento, cruzando o deserto em busca da terra prometida... Quando os ingleses chegaram, havia 25 milhões de índios na America do Norte e cerca de 2 mil idiomas diferentes. Ao fim das chamadas guerras indígenas restavam 2 milhões, menos de 10% do total...(Aventura na História, n. 35, julho de 2006, p. 29-31).

Um exemplo mais recente desse imperialismo opressor, movido pela fé calvinista do

Destino Manifesto, foi o da Guerra do Iraque.

O presidente George W. Bush relatou algo semelhante ao falar sobre a política externa para um grupo de autoridades palestinas ‘Deus me disse para atacar a Al Qaida e eu ataquei. Então ele me deu a ordem de atacar Saddam, e foi isso que fiz’ (ibid, p. 29).

Apesar de sabermos que isso foi um pretexto para esconder outros interesses

econômicos dos EUA no Iraque, não podemos ignorar o fato de o ex-presidente Bush

ser um evangélico atuante; de essa atitude contar com o apoio de muitos pastores

evangélicos norte-americanos; e das profundas implicações da doutrina do destino

manifesto na política expansionista e imperialista dos EUA em sua história. Vale

lembrar que o número de civis mortos no Iraque desde o início do conflito com os EUA

chega a 90 mil (jornal Diário do Nordeste 2 de Fevereiro de 2009, p.18).

O conceito do Destino Manifesto gerou entre os nortes americanos um sentimento de

superioridade com relação a outros povos. Fazendo-os acreditar na escolha especial

divina; na outorga da missão de levar a democracia, o Protestantismo e os valores da

civilização ocidental ao mundo inteiro. O que, inclusive, foi usado como alegação para

justificar a anexação do Texas, Oregon e Alaska em meados do século XIX.

Gilberto Cotrim e Jaime Rodrigues nos lembram ainda que as potências europeias

também justificaram a exploração de diferentes povos africanos e asiáticos,

considerados “inferiores” aos europeus, com a ideologia da “missão civilizadora”,

através da qual se pretendia “difundir o progresso pelo mundo”. Na verdade uma

desculpa esfarrapada para respaldar a partilha e conquista da África e da Ásia

empreendidas pelo neocolonialismo no final século XIX e no começo do século XX. Os

interessados pela expansão europeia afirmavam que a suposta superioridade da

civilização ocidental baseava-se em três pontos: o primeiro eram as características

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biológicas da “raça branca” (ou europeia); o segundo era a fé religiosa (Cristianismo –

especificamente o Protestantismo europeu); e o terceiro, o desenvolvimento técnico e

científico alcançado a partir da Revolução Industrial (2009: 184).

É significativo aquilo que o escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano relata sobre

esse imperialismo presente na América do Sul – especificamente no Brasil da década

de 70. No seu livro As Veias Abertas da América Latina ele denuncia (já naquela

época) a presença de várias missões estrangeiras na Amazônia – principalmente

igrejas protestantes dos EUA – que se estabeleceram nos pontos mais ricos em

minerais radioativos, ouro e diamantes. Inclusive, desempenhando um papel de

controle de natalidade da escassa população desse território que é o maior deserto do

planeta habitável pelo homem. Impedindo, assim, a competição e ocupação

demográfica dessa região que é uma das maiores reservas de riquezas minerais,

vegetais e animais do mundo (2005, p.181).

Lembrando que quanto mais uma região for desabitada, mais ela é facilmente

explorada, saqueada e dominada, sem que isso traga tantas repercussões

internacionais.

Portanto, estabelece-se por intermédio do Protestantismo a lógica calvinista da

riqueza, do progresso, do desenvolvimento, ou seja, da prosperidade a qualquer custo

para os “escolhidos de Deus”, passando, então, germinar a semente da injustiça, da

desigualdade, da exploração e da opressão de todo esse sistema capitalista ocidental

moderno.

A terceira ideia da doutrina calvinista – dentro desses fatores teológicos analisados no

momento – que contribuiu para a gestação do capitalismo ocidental, e sua ingerência

no movimento evangélico, é aquela do capital acumulado em virtude de uma vida

regrada e disciplinada.

A ética protestante puritana ensinava aos fiéis um estilo de vida totalmente antagônico

ao vício; ao desperdício de tempo no lazer e no esporte. Gedeon Alencar nos lembra

que o Protestantismo, desde o seu nascedouro, estabeleceu essa ética do trabalho

que se contrapõe ao ócio das festas e dos feriados. “Lutero em sua recomendação à

nobreza alemã dizia que deveria suprimir as festas, feriados e romarias para que

assim o povo tivesse mais tempo para trabalhar” (2007, p. 73).

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Na visão puritana a disciplina da vida voltada para o trabalho é ainda mais

radicalizada. O indivíduo deveria empregar suas energias e tempo para promover

interesses éticos e religiosos. O esporte, por exemplo, só deveria ser praticado com a

finalidade de ajudar em um tratamento, ou em um problema de saúde. De outra sorte

era considerado tão fútil e pecaminoso quanto frequentar tavernas e prostíbulos. Já as

atividades recreativas eram qualificadas como pecado de desperdício do tempo:

atitude que decorria das inclinações inferiores de alguém não redimido pela obra

redentora. André Biéler comentando sobre a luta encarniçada destes religiosos contra

a publicação do “livro dos desportos” de Tiago I e Carlos I – autorizando certas

recreações aos domingos –, nos informa que a censura do puritanismo era na direção

de qualquer empreendimento não útil à glória de Deus e à edificação do indivíduo

(1990:636). Para esse utilitarismo religioso toda espécie de atividade que

proporcionasse apenas prazer, contentamento, gozo e alegria como um fim em si

mesmo, sem que de alguma forma contribuísse para o desenvolvimento espiritual e

material, era algo totalmente repugnante. Biéler nos diz que:

O ascetismo profissional protestante age no desenvolvimento do capitalismo de duas maneiras convergentes e extremamente eficazes: sua moral do trabalho e do ativismo prático estimula a produção e força o enriquecimento; seu ascetismo, porém, oposto a todas as formas de luxo e de prazeres inúteis, freia o consumo de riquezas adquiridas e conduz ao acúmulo do capital. O enriquecimento certo a que esta moral conduz não é um alvo, mas uma conseqüência quase inevitável (1990, p. 637).

A historiadora Liliane Crété nos dá maiores detalhes sobre o estilo de vida dos

puritanos que colonizaram a América do Norte. Vale a pena destacar na íntegra seu

comentário:

O repouso sabbat (como eles chamavam o domingo) deveria ser rigorosamente respeitado e voltado às atividades espirituais. A legislação proibia viagens, visitas, obras, divertimentos e os infratores eram obrigados a pagar multas. Há exemplos bizarros de transgressões: Dez shillings de multa por, no dia do sabbat, ter pescado umas enguias, por colher ervilhas, por ter ido navegar, ou por levar o rebanho ao pasto. O único deslocamento autorizado era o de se encontrar na casa de orações mais próximas para louvar o Senhor. Assim que o sabbat acabava, os habitantes retomavam o trabalho. Para o povo de Massachusette, como, alias, para todo o bom protestante dessa época, o trabalho era um ‘desígnio divino’(...) Na verdade ele dava ao trabalho um valor tal que a ordem do repouso sabático lhe provocava a sensação de que era obrigatório trabalhar todos os outros seis dias... (História Viva, n.17, março de 2005, p. 65).

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31

Em virtude dessa postura radical, com ralação ao lazer e ao divertimento, o trabalho

passou a ser bastante valorizado e intensificado. Quanto ao acúmulo do capital ele era

resultado de uma vida regrada e disciplinada, na qual não se tinha muito com o que

gastar o dinheiro ganho. Na rotina do dia a dia de um legítimo puritano não havia

despesas com bebidas, festas ou atividades recreativas. Hubermam nos diz que os

puritanos calvinistas que se estabeleceram na Nova Inglaterra (hoje Estados Unidos)

para colonizá-la levavam a sério a vida disciplinada, na qual a poupança e o trabalho

árduo eram louvados, enquanto o luxo, a extravagância e ociosidade eram

condenados (1986, p. 169).

Esse estilo de vida acabou favorecendo os interesses capitalistas. Na compreensão do

autor ainda pouco citado “que qualidades poderiam ser mais propícias a um sistema

econômico – no qual a cumulação da riqueza, de um lado, e os firmes hábitos de

trabalho, por outro, constituíam as pedras fundamentais – do que esses mesmos

ideais religiosos transformados em prática cotidiana pelos adeptos de Calvino?”.

De acordo com a tese Weberiana essa maneira de viver calvinista foi uma forma de

criar um “ascetismo que educava as massas para o trabalho, ou, em linguagem

marxista, para a produção da mais-valia6, e esse modo pela primeira vez tornava

possível o seu emprego na relação do trabalho capitalista” (2006, p.232).

1.2. Fatores históricos que contribuíram para a tendência capitalista da fé

A compreensão do desenvolvimento da fé capitalista no Brasil, consequentemente em

Fortaleza, perpassa pela compreensão da formação do Protestantismo com seus

principais desdobramentos em solo brasileiro. Precisamos identificar as três principais

vertentes do Protestantismo Brasileiro para podermos traçar o perfil histórico dessa

religião mercadológica que tem caracterizado o movimento evangélico em nosso país

e em nossa cidade. Para efeito didático, subdividiremos em três tipos o

Protestantismo Brasileiro: o de imigração, o de missão e o pentecostal – e seus

respectivos segmentos.

6 Segundo Karl Marx, o valor do trabalho não pago ao trabalhador é denominado mais-valia – a

parte do valor do trabalho não pago ao empregado para proporcionar um lucro exorbitante ao empregador.

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Entretanto, lembra-nos Gedeon que não existem períodos históricos exatos, fechados

e estáticos (2007:38). Hoje em dia, por exemplo, apesar da hegemonia das igrejas

neopentecostais que se estabeleceram a partir dos anos 1980, temos ainda igrejas de

imigração ou étnicas. Como é o caso da Igreja Evangélica Árabe e da Igreja Nipo-

brasileira. Igrejas cujo período característico é o século XIX. No entanto, continuam no

século XXI marcando presença em algumas regiões do país. Levando isso em

consideração, queremos frisar que o recorte histórico da nossa abordagem é apenas

da vertente que mais se destaca em cada período.

Outra colocação que precisamos fazer, antes de identificarmos as principais vertentes

que formaram o Protestantismo Brasileiro, é que começaremos esse levantamento

historiográfico do movimento protestante aqui no Brasil a partir do século XIX. Sem

considerarmos a presença protestante no século XVI – Os huguenotes, em 1557,

vieram à procura do Pau Brasil e de refúgio religioso na missão de ocupação francesa

do Rio Janeiro, conhecida como França Antártica, comanda por Nicolau Durant

Villegaignon. Também não levaremos em conta a presença protestante holandesa no

século XVII. Por ocasião da ocupação de Pernambuco, de 1630 a 1654, foi

transplantada para o Nordeste Brasileiro a Igreja Reformada da Holanda, que veio no

esteio da Companhia das Índias ocidentais, cujo interesse era o comércio do açúcar.

Tendo feito essas considerações cronológicas, passaremos agora – dentro do nosso

propósito de compreendermos a formação da igreja evangélica atual – a identificar os

três tipos de Protestantismo.

1.2.1. Protestantismo de Imigração ou Étnico

É a partir do século XIX que a presença do Protestantismo no Brasil se torna efetiva e

cada vez mais intensa. Com o Tratado de Comércio e Navegação (Aliança e

Amizade), em 1810, entre Portugal-Ingraterra, envolvendo interesses puramente

políticos e comerciais, levas de imigrantes ingleses vieram para o Brasil, trazendo na

bagagem o Protestantismo. Sobre isso comenta a historiadora Elizete da Silva:

O Tratado de Navegação e Comércio declarava, no seu artigo 12, ‘que os vassalos de S.M. Britânica residentes nos territórios e domínios portugueses não seriam perturbados, inquietados,

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perseguidos ou molestados por causa da religião, e teriam perfeita liberdade de consciência, bem como licença para assistirem e celebrarem o serviço em honra do Todo-Poderoso Deus, quer dentro de suas casas particulares, quer nas suas particulares igrejas e capelas...’ (Nossa História, n.38, dezembro de 2006, p.15).

Todavia, “os súditos ingleses – acatólicos, como eram chamados – podem realizar

seus ofícios religiosos sem templos, sem proselitismo e sem a presença de brasileiros”

(Alencar. 2007:39). Apenas sob essas condições eles poderiam exercer sua fé. Dessa

forma, temos um Protestantismo, literalmente, para inglês ver.

Após a independência do Brasil em 1822 vieram os imigrantes alemães, os quais se

fixaram em maior número no Rio Grande do Sul. Elben Lenz César nos diz que até

1830 já havia cinco mil deles no país, sendo que desse total dois mil e quinhentos

eram protestantes. Tendo o apoio do governo brasileiro, inclusive financeiro, levas de

imigrantes deixaram a Alemanha se estabelecendo em terras brasileiras. Com a lei de

orçamento aprovada no dia 15 de dezembro desse mesmo ano (1830), o governo

imperial cortou qualquer ajuda à imigração, diminuindo consideravelmente a vinda dos

alemães nos quinze anos seguintes. Mas, em 1845, ela recomeça de tal forma que um

ano depois chegaram mil setecentos e quarenta e nove colonos. Já no fim do século

XIX calcula-se, conforme o citado autor, que o Brasil tenha recebido,

aproximadamente, seiscentos mil imigrantes alemães, dos quais trezentos e cinquenta

mil eram protestantes (2000, p. 72-76).

Apesar da independência do Brasil ter proporcionado certa tolerância a outras

expressões de fé que não fossem católicas, a liberdade de outras religiões era

bastante restrita. A própria Constituição imperial de 1824 delimitava os outros credos

proibindo a construção de templos, negando certidões de nascimento, casamento,

óbitos e o direito de ser enterrado em cemitérios, e, ainda, vetando a ocupação de

cargos públicos de representação nacional.

O Protestantismo de Imigração não teve características expansionistas e

evangelizadoras. Isso devido às suas próprias limitações jurídicas; aos seus próprios

interesses étnicos, políticos e econômicos, restringindo-se apenas às colônias

inglesas, e principalmente alemãs que se fixaram aqui na primeira metade do século

XIX. Como nos diz Conrado: “formaram num primeiro momento, igrejas étnicas,

voltadas para a preservação da cultura de origem” (Nossa História, n.38, dezembro de

2006:31).

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34

1.2.2. Protestantismo de Missão

A segunda vertente do Protestantismo Brasileiro é tipificada como aquela que na sua

quase totalidade foi constituída por missões norte-americanas radicadas aqui na

segunda metade do século XIX. A saber, congregacionais (1855); presbiterianos

(1859); metodistas (1867); batistas (1882); episcopais (1890); adventistas (1894). O

Protestantismo de Missão, diferentemente do Protestantismo de Imigração,

desenvolveu igrejas nacionais, deixando de lado a identidade de igrejas étnicas. Com

a proposta de propagar a fé – ou as doutrinas e métodos anglo-saxões, na análise de

Leonard (2002, p. 84) – inaugurou o primeiro “serviço sistemático de evangelização do

país” (CÉSAR, 2000 apud FILHO, 198, p. 15).

Robert Reid Kelley, missionário congregacional, foi o pioneiro no que tange à

implantação da primeira igreja protestante brasileira – A Igreja Evangélica Fluminense,

matriz das igrejas congregacionais no Brasil. Em 11 de junho de 1858, três anos após

Kelley ter iniciado seu trabalho de evangelização, foi batizado o primeiro brasileiro nos

tempos modernos em uma igreja protestante – Pedro Nolasco de Andrade

(LÉONARD, 2002, p.57).

Esse acontecimento acabou deflagrando uma perseguição aos protestantes pelo fato

do convertido brasileiro pertencer à alta sociedade. Por essa razão Robert Kelley

aproximou-se dos grandes juristas da época, assim como do imperador D Pedro II.

Conseguindo, dessa forma, obter o respeito e o reconhecimento de sua atividade civil

e religiosa, pois ele desempenhava a função de médico e pastor (OLIVEIRA, 2004

apud LÉONARD, 2002, p.61).

Esse tipo de evangelização voltada para as elites, excluindo as camadas mais pobres,

estabeleceu um modelo seguido pelos missionários de outras denominações: Ashbel

Simonton (presbiteriano); Junius Newman (metodista); Zacarias Clay Taylor (batista);

Morris e Kinsolving (episcopais).

As missões protestantes instaladas no Brasil durante a segunda metade do século XIX

mantiveram seu foco nas classes mais abastadas da sociedade. Daí o

estabelecimento das escolas protestantes elitizadas como o Mackenzie em São Paulo,

e o Bannete no Rio de Janeiro. Esses colégios acabaram sendo utilizados para

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alcançar as pessoas dessa camada social. Também, seguindo essa mesma

estratégia, foram criados jornais denominacionais – endereçados às elites nacionais –

que apresentavam a modernidade e a educação, trazidas pelos missionários norte-

americanos, como os únicos meios de tirar o país do atraso (ALENCAR, 2007, p.44). A

ideia era mostrar uma versão liberal e moderna do progresso americano trazido pelo

Protestantismo de Missão.

O sociólogo francês Emile Leonard, comentando sobre esse tipo de estratégia

educacional das missões protestantes norte-americanas desse período – diga-se, já

utilizada no Brasil colonial pelos jesuítas –, diz-nos que ela estava muito mais para

aculturação do que para evangelização (2002, p.147). Nesse caso, uma catequização

nos moldes do sistema cultural e econômico dos Estados Unidos.

Essa proposta do Protestantismo de Missão, voltada principalmente para as camadas

sociais mais favorecidas, por um lado surtiu efeito – no que se refere a garantir a

permanência dessas igrejas numa sociedade de leis civis rígidas com outras

confissões religiosas que não fossem católicas. Por outro lado foi um fiasco – no que

diz respeito à uma adesão considerável desse meio. Como bem lembra Paul Freston

que “embora as igrejas históricas tenham investido pesadamente em colégios para

alcançar a elite, o resultado em conversões foi decepcionante” (ALENCAR, 2007 apud

FRESTON, 1993, p. 53).

O que talvez seja mais grave, no que diz respeito a essa proposta elitista do

Protestantismo de Missão, é o seu distanciamento da cultura, da dor, dos anseios e da

vida do povo brasileiro na sua maioria. Algo que as igrejas pentecostais vão saber

explorar muito bem no século XX.

Precisamos também considerar alguns fatores que contribuíram para a vinda dessas

missões norte-americanas na segunda metade do século XIX. O primeiro deles está

relacionado com o fervor evangelistico decorrente do avivamento espiritual ocorrido na

Europa no século XVIII, e que se alastrou pelos EUA. O segundo está vinculado à

questão econômica. Com relação a esse fator, Elizete da Silva faz a seguinte

consideração:

As missões protestantes faziam parte de um movimento de expansão norte-americana na América Latina. Os missionários que vieram para o Brasil eram homens do seu tempo – tempo da expansão capitalista

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dos Estados Unidos. Não por acaso, William Bagby e Ana Luther, os primeiros missionários batistas ao chegarem ao Brasil, desembarcaram no Rio de Janeiro do navio cargueiro da companhia da família Levering, batista, que aqui negociava com café (Nossa História. N. 38, dezembro de 2006:17).

O terceiro fator que trouxe o Protestantismo de Missão para o Brasil foi o sociopolítico.

A Guerra da Secessão (1861-1865) fez com que dois mil, dos dez mil sulistas que

deixaram os Estados Unidos, viessem para as terras brasileiras, trazendo consigo os

ideais de progresso, de desenvolvimento e de prosperidade a qualquer custo. Esses

missionários projetaram no Brasil a terra prometida, a Nova Canaã, na qual os

derrotados da guerra civil americana poderiam reconstruir suas vidas e suas

propriedades (ibid, pág. 16).

Leonard comenta que a Guerra da Secessão não foi apenas uma guerra civil, mas um

choque de duas concepções de vida (2002:84). De um lado, os estados do Sul,

latifundiários, que defendiam a exploração da mão de obra escrava. De outro, os

estados do Norte, industriais, que eram favoráveis à abolição da escravidão, mas

somente para ampliar o mercado consumidor – a exploração da mão de obra

assalariada. Tanto uma concepção de vida, quanto a outra eram movidas pela

ganância e pelo lucro. E ambas “concorreram para a obra missionária protestante no

Brasil” (ibid, pág.85).

Julgamos relevante a citação, na ìntegra, dos comentários de José Carlos Barbosa e

do pastor batista Marcos Davi sobre a vinda desses missionários, por ocasião da

Guerra da Secessão:

Os sulistas norte-americanos ficaram animados com o regime de grandes propriedades escravocratas vigente no Brasil (...) Para muitos, este foi o mais poderoso atrativo em sua vontade de emigrar, impelidos que vieram pelo desejo de aqui, de alguma forma, recriarem o tipo de vida que tiveram na imensa comunidade rural que era o Sul antes da guerra (2002:96). Muitos missionários do Sul dos Estados Unidos sentiam-se à vontade trabalhando no Brasil, pois aqui não eram perturbados por aqueles que achavam a escravidão de negros uma afronta contra o próprio Deus (2004:55).

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37

1.2.3. Pentecostalismo

A terceira vertente que foi determinante na formação do Protestantismo no Brasil é o

movimento Pentecostal, cuja compreensão é imprescindível para entendermos a

tendência mercadológica que a fé evangélica assumiu nos últimos vintes anos.

Sua origem, como nos lembra Ricardo Mariano, remonta às primeiras décadas do

século XX, nas quais esse movimento se consolidou em nosso país. O

Pentecostalismo chegou em solo brasileiro por intermédio de missionários norte-

americanos – semelhante ao Protestantismo de Missão. Porém, distingue-se, tanto

deste tipo de protestantismo, como do Protestantismo de Imigração, pelo fato de se

propagar entre as camadas mais populares, utilizando-se, para isso, de uma grande

identificação com a classe mais pobre da sociedade: na linguagem, na liturgia, nas

estratégias de alcance (2005, p. 29-32). Essa identificação se dá em função do

nascedouro do movimento ter acontecido num bairro de Los Angeles constituído por

pessoas negras e pobres. Nascia ali, na Rua Azuza, número 312, o chamado século

pentecostal que se popularizou entre os excluídos social e economicamente através

da glossolalia7; da cura divina; e da teologia da prosperidade (nas últimas duas

décadas).

A influência pentecostal no Protestantismo Brasileiro, ou até mesmo no protestantismo

mundial, no decorrer do século XX é algo marcante e notório. De acordo com a Word

Christian Database, três de cada quatro protestante da América latina são

pentecostais. Eles são apontados pelas pesquisas como os principais responsáveis

pelo grande crescimento evangélico no Brasil, nas últimas décadas. Segundo o

sociólogo Ricardo Mariano “em 1980, eles eram cerca de três milhões de pessoas. Em

1991, quase nove milhões. Em 2000 quase 18 milhões” (Sociologia, n. 7, 2007, p. 52).

Esses dados por si só seriam suficientes para despertar a curiosidade de investigação

sobre essa importante ramificação do “protestantismo tupiniquim” 8. E que, sem

7 Experiência de batismo no Espírito Santo, na qual, durante um transe religioso, a pessoa

passa a falar em línguas estranhas. 8 Esta expressão é utilizada por Gedeon Freire de Alencar que é mestre em Ciências da

Religião (UMESP), diretor pedagógico do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneo. È membro da Associação Brasileira de História da Religião, Associação de Professores de Missões do Brasil e da Rede de Teológos e Cientistas Sociais do Pentecostalismo na América

Page 38: Quanto Vale a Sua Fé

38

dúvida, foi uma das vertentes de maior influência na sua composição atual. Além do

mais, esse segmento é determinante na configuração do “big businnes gospel” –

característico do Movimento Evangélico em nosso país nos últimos vinte anos.

Tendo em mente sua enorme relevância no cenário evangélico nacional, tentaremos

identificar e diferenciar – diga-se, tarefa bastante complexa – os três principais tipos de

pentencostalismo que se desenvolveram no Brasil, com seus respectivos perfis e

desdobramentos na formatação da fé capitalista.

Antes disso, porém, precisamos fazer algumas considerações importantes sobre as

pesquisas já realizadas a respeito dessa temática. A primeira delas é que, desde a

década de 1960, os sociólogos e pesquisadores da religião se debruçam sobre esse

assunto. A lista, apresentada por Emerson Giumbelli (2001: 91), é exaustiva: Souza

(1969); Brandão (1980); Mendonça (1989); Bittencout (1991); Cedi (1991); Freston

(1993); Mariz (1994); Monteiro (1995); Bobsin (1995); Campos Jr. (1995); Mariano

(1995-1998); Prandi (1996); Gouvêia (1996); Moreira (1996); Pierucci (1996); Oro

(1997); Queiroz (1997); Sieperki (1997); Mafra (1999); Oro e Seman (1999). E esses

são apenas os mais conhecidos. Portanto, não há nenhuma pretensão de tentar

esgotar o assunto, ou apresentar algo inusitado. Nosso objetivo é simplesmente

continuar explorando um assunto tão atual, e que está completamente longe de se

exaurir.

A segunda consideração que queremos fazer é que todos os pesquisadores acima

citados procuraram tipificar e classificar o Movimento Pentecostal no Brasil. No

entanto, muitas dessas classificações se tornaram com o tempo obsoletas devido às

transformações e inovações que se processaram nesse meio nas últimas duas

décadas – movimentos sociais são muito dinâmicos e mutáveis. Conseguintemente,

as classificações que faremos aqui estarão igualmente fadadas a se tornarem

ultrapassadas em pouco tempo. A terceira consideração é que não se pode ignorar a

heterogeneidade e complexidade no momento de classificar as principais ramificações

do Pentecostalismo, pois cada uma delas possui um conjunto de diferenças e

semelhanças, dentro de um universo religioso dinâmico, intrincado e diversificado. E

por último, queremos dizer que em virtude de toda essa dificuldade de tipificação do

movimento pentecostal, optamos pelos três segmentos mais apontados nas

Latina e Caribe. E também autor do livro Protestantismo Tupiniquim: Hipótese Sobre A (não) Contribuição Evangélica Cultura Brasileira.

Page 39: Quanto Vale a Sua Fé

39

classificações desses estudiosos. Preferimos, então, as três classificações do

sociólogo Ricardo Mariano pelo fato de serem compatíveis com as tipificações da

maioria dos pesquisadores: Pentecostalismo Clássico, Deuteropentecostalismo

(segundo pentecostalismo), e o Neopentecostalismo.

Ressaltamos que essas conceituações não correspondem a retratos literais ou

fidedignos dessas ramificações do Movimento Pentecostal, nem as traduzem

completamente; mas são, como lembra Mariano, simplesmente “instrumentos toscos e

generalizantes, pelos quais procuramos pensá-las, ordená-las e compreendê-las”

(2005, p.47).

A - Pentecostalismo Clássico

Esse se estabelece de forma absoluta entre1910 a 1950. Inicialmente, com a

implantação na cidade de São Paulo da Congregação Cristã do Brasil (1910) através

do italiano Luigi Francesco cuja mensagem, num primeiro momento, destinou-se aos

operários imigrantes vindos da Itália e radicados no país. E no ano seguinte, esse

movimento se consolida com o surgimento da Assembléia de Deus (1911) por meio

dos suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren, que iniciam o trabalho em Belém do Pará,

cuja mensagem foi prioritariamente destinada a imigrantes seringueiros nordestinos –

desempregados devido à queda da produção da borracha provocada pelos mercados

asiáticos. Queremos destacar que, embora esses missionários fossem europeus,

tornaram-se pentecostais nos Estados Unidos. Vindo, em seguida, implantar igrejas

aqui no Brasil (Mariano – citado em Sociologia, n. 7, 2007, p. 55).

O perfil desse Pentecostalismo que caracteriza a primeira metade do século XX pode

ser delineado da seguinte forma: ênfase nos dons espirituais, sobretudo no dom de

línguas; postura ascética e sectária, num total desprezo e demonização do mundo

material, sendo “contracultura” – justificando dessa forma sua mensagem escatológica

direcionada apenas para o celeste porvir –, alienando as pessoas dos compromissos

com as transformações do presente. A propósito, com esse tipo de postura apolítica e

antissocial, não é de se admirar que as igrejas pentecostais identificadas com esse

perfil obtiveram grande crescimento em períodos da história do nosso país marcados

pela repressão dos regimes militares, sem que isso trouxesse nenhum incômodo ou

Page 40: Quanto Vale a Sua Fé

40

preocupação para os poderes públicos desses regimes, visto que não falavam contra

as injustiças sociais cometidas pelos detentores do poder.

Contudo, é preciso que se reconheçam as mudanças e transformações pelas quais

vêm passando as igrejas identificadas com esse primeiro segmento pentecostal,

como, por exemplo, a Assembléia de Deus.

Seu recente e deliberado ingresso na política partidária e na TV, em busca de poder, visibilidade pública e respeitabilidade social, ao lado de outras transformações internas, sinaliza de modo irrefutável sua tendência à acomodação social, à dessectarização (MARIANO, 2005, p.30).

B - Deuteropentecostalismo

O nome pode parecer estrambótico, mas se refere ao segundo momento do

Pentecostalismo no Brasil, que vai aproximadamente de 1950 até a primeira metade

dos anos 1970.

Esse segmento do Movimento Pentecostal tem como seus maiores protagonistas a

Igreja do Evangelho Quadrangular (1951); a Igreja Brasil para Cristo (1955); a Igreja

Deus é Amor (1962); a Igreja Casa da Benção e outras de menor porte. As três

primeiras se estabeleceram a partir de São Paulo. Já a última, a partir de Belo

Horizonte. Essas igrejas romperam paradigmas no meio pentecostal: “com mensagens

sedutoras e métodos inovadores e eficientes, atraíram, além de fiéis e pastores de

outras confissões evangélicas, milhares de indivíduos dos estratos mais pobres da

população” (2005, p.30).

O perfil do Pentecostalismo da segunda metade do século XX pode ser identificado

principalmente pelo evangelismo de massa centrado na mensagem da cura divina;

pelas inovações evangelísticas como o uso do rádio, de tendas, do teatro e do cinema;

estes últimos, utilizados como locais de propagação do evangelho. No rastro das

campanhas promovidas pela Cruzada Nacional de Evangelismo – braço de

propaganda da Igreja do Evangelho Quadrangular – surgiram com a mesma proposta

as demais igrejas desse período. Essas características foram preponderantes para a

Page 41: Quanto Vale a Sua Fé

41

diversificação e o crescimento do Pentecostalismo não apenas aqui no Brasil, mas em

toda América latina, Estados Unidos, África e Ásia (2005, p.31).

O antropólogo Emerson Giumbelle nos lembra que esse segundo Momento do

movimento Pentecostal (Deuteropentecostalismo) adaptou-se e aproveitou-se da

crescente urbanização, massificação e comoditizações das relações sociais

decorrentes da década de 1950, apropriando-se assim, de espaços públicos e

seculares – ruas, cinemas, estádios. Igualmente se utilizando dos meios de

comunicação de massa – rádio (2001, p. 104).

Na tipificação tanto de Paul Freston (1993), quanto de Ricardo Mariano (1995), o

critério histórico é um dos fatores decisivos para distinguir o Pentecostalismo Clássico

do Deuteropentecostalismo. Sua diferença seria apenas uma questão temporal que

marca a introdução de ambos no Brasil – o primeiro tipo introduzido no início, e o

segundo tipo introduzido na metade do século XX. Sendo, dessa forma, de acordo

com Mariano, simplesmente um corte histórico-institucional, sem, no entanto, existir

diferenças teológicas consideráveis entre os dois tipos (2005, p.31). Isso significa que

todas as igrejas pentecostais que correspondem ao primeiro e ao segundo segmento

teriam uma relativa homogeneidade teológica, excetuando-se a crença

“predestinacionista” da Congregação Cristã do Brasil, distinta da teologia arminiana9

defendida pelas outras igrejas. Essa semelhança teológica entre as igrejas

pentecostais do início e da metade do século XX se explicaria pelo fato de a Igreja

Quadrangular, pioneira do segundo momento, ter nascido nos Estados Unidos com o

mesmo corpo doutrinário importado para o Brasil pelas igrejas do primeiro momento.

Portanto, conforme Ricardo Mariano, a única diferença seria a distinção de estratégias

evangelísticas – resultado de quatro décadas que separam um tipo do outro – e a

ênfase doutrinária em algum dom espiritual. O Pentecostalismo Clássico enfatiza o

dom de línguas, a glossolalia, enquanto o Deuteropentecostalismo enfatiza a cura

divina (2005:32). É basicamente o que também diz Beatriz Muniz de Sousa ao

pesquisar esses dois segmentos do Movimento Pentecostal que caracterizam a

primeira metade do século XX: “O núcleo doutrinário permanece inalterado em

qualquer dessas duas ramificações pentecostais” (1969, p.103).

9 Corrente teológica defendida pelo teólogo protestante Arminio que ensinava a liberdade de

escolha humana na salvação. Se contrapondo assim a predestinação calvinista.

Page 42: Quanto Vale a Sua Fé

42

C - Neopentecostalismo

Esse segmento teve inicio na segunda metade dos anos de 1970, todavia, ele cresce

e se consolida nas décadas de 1980 e 1990. Seus maiores expoentes são as

seguintes igrejas: Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra (Goiás, 1976); Universal

do Reino Deus (Rio de Janeiro, 1977); Internacional da Graça de Deus (Rio, 1980);

Cristo Vive (Rio, 1986); Renascer em Cristo (São Paulo, 1994); Nacional do Senhor

Jesus Cristo (São Paulo, 1994); Mundial do Poder de Deus (Sorocaba-SP, 1998).

O Neopentecostalismo se diferencia em muitos aspectos do Pentecostalismo

desenvolvido até a primeira metade do século XX – o Clássico e o

Deuteropentecostalismo. Enquanto esses mantêm uma identificação doutrinária,

diferenciando-se apenas nas ênfases dadas aos dons espirituais, o Movimento

Neopentecostal, por sua vez, apresenta inovações teológicas. Para o sociólogo

Ricardo Mariano, no primeiro e no segundo tipo de Pentecostalismo, o que temos é

apenas um corte histórico-institucional, devido à distância cronológica de um para o

outro (40 anos). Já no terceiro tipo, percebemos posturas teológicas, sociais e

comportamentais bastante diferentes (2005, p. 32-37).

Delineando seu perfil, Mariano resume suas principais características em quatro

aspectos: exacerbação da guerra contra o diabo; ênfase na teologia da prosperidade;

liberalização dos estereotipados usos e costumes; estrutura administrativa do tipo

empresarial (ibid, p.36).

Analisemos suas particularidades:

C.1. Exacerbação da guerra contra o diabo

Os ritos do exorcismo e das correntes de oração contra o diabo já eram práticas

comuns no Deuteropentecostalismo. Mariano nos diz que a Igreja do Evangelho

Quadrangular, em meados dos anos 70 – antes do surgimento de igrejas como a

Universal e a Internacional da Graça –, promovia campanhas, às sextas-feiras, para a

resolução de problemas e cura de doenças causadas por espíritos malignos (2005, p.

Page 43: Quanto Vale a Sua Fé

43

43). E onde estaria, nesse caso, a diferença do Deuteropentecostalismo

(Quadrangular) para o Neopentecostalismo (Universal e a Internacional da Graça)?

Justamente na exacerbação, por parte deste, das reuniões de libertação. Concedendo

ao diabo e aos demônios, identificados com os deuses e as entidades do culto afro-

brasileiro, destaques e importância sem precedentes.

É interessante observar a postura pluralista dessas igrejas neopentecostais diante do

catolicismo e das religiões afro. Isso pelo fato de, ao mesmo tempo, antagonizarem e

sincretizarem elementos peculiares a essas religiões rivais. Na disputa por espaço no

mercado religioso, não obstante demonizarem, acabam também incorporando,

estrategicamente, suas crenças e símbolos. Conforme o autor acima mencionado:

Basta um único programa de TV da Internacional da Graça para revelar várias práticas mágicas, similares na forma às da umbanda e de benzedeiras católicas. Citarei três delas: o Pastor Gilberto convida os telespectadores a buscar ‘sabão abençoado’ na congregação de Caxias, com o qual iriam ‘lavar a peça de roupa daquela pessoa que está internada, que está com os exus em cima, está com o tranca rua, com o omolu, alguém que colocou o seu nome lá no cemitério na cabeça do defunto fresco’. Fala ainda da cura do fiel que iria amputar a perna: ’olha a senhora vai pegar três petalazinhas dessa rosa, fazer um chá, um banho e vai durante sete dias de manhã banhar a perna em nome de Jesus com toda a fé. E ela fez isso e não precisou mais cortar a perna. ’ Em resposta a um pedido de oração para cura de epilepsia, R.R. Soares revelou: ‘Eu fui responder a carta (...) me deu uma voz que disse: manda ele colocar essa carta sete dias debaixo do travesseiro. Assim eu pus na carta (...) um tempo depois chegou à resposta (...) Colocamos a carta debaixo do travesseiro da esposa. Aos sete dias saímos para o culto, o demônio deu uma manifestação como nunca. Foi embora e minha esposa curou’ (ibid, p. 134).

Poderíamos ainda citar, como nos lembra Mariano, a prática da Igreja Universal do

Reino de Deus com os saquinhos de sal grosso, arruda, perfume do amor e outra

sorte de objetos benzidos, aos quais se atribuem poderes sobrenaturais, tal como se

vê na umbanda e no catolicismo popular (ibid, p. 134-135).

De fato! O Neopentecostalismo leva ao extremo o confronto contra as forças do mal,

sincretizando-se e rivalizando-se, ao mesmo tempo, com as práticas da umbanda e do

candomblé. Outro exemplo dessa exacerbação da guerra espiritual contra o diabo é a

Teologia do Domínio – baseada nas batalhas espirituais contra demônios hereditários

e territoriais. Essa crença pode ser igualmente identificada em outros segmentos

pentecostais. Entretanto, é no Movimento Neopentecostal que ela ganha uma nova

dimensão nunca antes vista: o enfrentamento não apenas ritualístico e espiritual, mas

Page 44: Quanto Vale a Sua Fé

44

também sociopolítico, no qual se desenvolvem “concepções de recristianização da

sociedade ‘pelo alto’, quer dizer, pela via político-partidária, e acrescentaria, pela mídia

eletrônica” (ibid, p.44).

C.2. Ênfase na teologia da prosperidade

Também conhecida como “Confissão Positiva”, “Palavra da Fé”, “Movimento da Fé”, a

teologia da prosperidade surgiu não no meio do Pentecostalismo, nem muito menos

no Protestantismo. Ela surge dentro de seitas metafísicas e ocultistas dos EUA em

meados do século XX. Portanto, é um legado não da Reforma, mas um produto do

sincretismo das concepções religiosas orientais e ocidentais, no qual se fundiu

crenças esotéricas, espíritas, ocultistas e protestantes.

Algumas perguntas são pertinentes nesse momento: em que se constitui a teologia da

prosperidade? Quais são suas raízes e suas origens?

Inicialmente, precisamos compreender seu surgimento. De acordo com o sociólogo

Ricardo Mariano e o historiador Alderi Sousa de Matos, essa doutrina surgiu entre as

décadas de 1920 e 1940, nos Estados Unidos. Ela foi elaborada por seitas metafísicas

e esotéricas, mas foi em círculos pentecostais e carismáticos que teve maior guarida,

passando, assim, a se tornar um movimento forte nesse meio durante os anos 1970.

Ganhando mais visibilidade, mais notoriedade, principalmente a partir dos anos 1980.

De acordo com estudiosos do assunto, como D.R. Mcconnell – citado por Matos e por

Mariano –, o pai do movimento teria sido Essk William kenyon (1867- 1948). Esse, por

sua vez, mudou-se em 1892 para Boston, onde estudou no Emerson College of

Oratory – uma espécie de centro de preparação transcendental, ou metafísico, que

deu origem a várias seitas, como o Teosofismo, por exemplo, fundado por Mary Baker

Eddy. Os escritos e ensinos desta senhora teriam também influenciado as doutrinas

de kenyon, autor original da Confissão Positiva – um dos princípios doutrinários da

Teologia da Prosperidade. Sobre isso comenta Mariano:

Inclinou-se aos ensinos das ‘seitas metafísicas’ derivadas da filosofia do ‘Novo Pensamento’, formulada originalmente por Phineas Quimby (1802-66). Quimby, que estudara espiritismo, ocultismo, hipnose e parapsicologia para produzir sua filosofia, inspirou e curou Mary Baker Eddy, fundadora da Ciência Cristã. E os escritos de Mary

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45

Baker, por sua vez, teriam influenciado as doutrinas de Kenyon, autor original da Confissão Positiva (2005, p.151).

A identificação da Confissão Positiva com a cosmovisão pentecostal estaria

principalmente na crença no poder da palavra para alterar e controlar a ordem das

coisas (compreendido como o poder da fé). Kenyon – escritor, pregador, radialista de

sucesso nos anos 1930 e 1940 – tinha trânsito livre entre os evangélicos, pois já havia

pertencido a vários grupos protestantes: batista, metodista, pentecostal e outros sem

vínculos denominacionais. Em conformidade com que diz o historiador Aderir Sousa:

Kenyon iniciou o Instituto Bíblico Betel, que dirigiu até 1923. Transferiu-se então para a Califórnia, onde fez inúmeras campanhas evangelísticas. Pregou diversas vezes no célebre templo Ângelus, em Los Angeles, da evangeÍista Aime McPherson, fundadora da Igreja do Evangelho Quadrangular. Pastoreou igrejas batistas independentes em Pasadena e Seattle e foi pioneiro do evangelismo pelo radio, com sua ‘Igreja no Ar’. (...) Cunhou expressões populares do movimento da fé, como ‘o que eu confesso, eu possuo’. Antes de morrer, em 1948, encarregou a filha Ruth de dar continuidade ao ministério e publicar seus escritos (Ultimato, n. 313, julho-agosto de 2008, p. 46).

Entretanto, mesmo Kenyon sendo o idealizador da Confissão Positiva na versão

gospel, ele próprio nunca pregou ou escreveu especificamente sobre prosperidade.

Foi o televangelista Oral Roberts quem criou o conceito de “vida abundante”

enfatizando principalmente o aspecto material, e iniciando, dessa forma, a pregação

da doutrina da prosperidade, prometendo um retorno financeiro sete vezes maior do

que o ofertado. Mariano nos diz que “Roberts passou a dar maior ênfase a tal

mensagem a partir de 1954, quando, ao ingressar na TV, suas despesas aumentaram

consideravelmente” (2005, p.152).

Posteriormente, de acordo com o relato de Alderir, temos nos anos 1970 a

continuidade dessa proposta religiosa da prosperidade através de nomes como Allen

Lindsay, T. L. Osborn, Glória Copeland, Kenneth Hagin. Estes dois últimos

radicalizaram prometendo um retorno cem vezes maior do que fosse dizimado e

ofertado. Mas, o grande divulgador dessa teologia e da Confissão Positiva foi Kennth

Hagin. Reunindo crenças sobre cura, prosperidade e o poder das palavras, ele deu

visibilidade a esse movimento, difundindo-o para outros grupos evangélicos, inclusive

em outros países. Hagin começou seu ministério como evangelista da Igreja Batista

em 1934. Três anos depois (1937) associou-se aos pentecostais, sendo licenciado

pastor das Assembléias de Deus, pastoreando várias igrejas no Texas. Em 1949,

como ainda nos informa Alderir, tornou-se pregador itinerante unindo-se a outros

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46

pregadores independentes de cura divina. Finalmente, em 1962, fundou seu próprio

ministério, estabelecendo quatro anos depois (1966) a sede de sua atividade em

Oklahoma. Ao longo dos anos, seu ministério se constituiu em um seminário

radiofônico da fé, no Centro de Treinamento Bíblico Rhema e na revista Word of Faith

(Palavra da Fé). Outros recursos foram utilizados na difusão de suas ideias, como fitas

cassetes e mais de cem livros e panfletos. Sua caminhada ministerial foi caracterizada

por transes, visões, profecias, revelações e experiências espirituais arrebatadoras. O

próprio Hagin alega ter “tido oito visões de Jesus Cristo nos anos 50, bem como

diversas outras experiências fora do corpo” (Ultimato, n.313, julho-agosto de 2008,

p.47). Ele declara que nas suas experiências místicas entre os anos de 1950 e 1959,

pelo menos em oito ocasiões, teve uma conversa pessoal com Jesus, sendo algumas

vezes no céu e outras no inferno (Mariano, 2005, p.151). Embora declare que seus

ensinos tenham sido transmitidos diretamente pelo próprio Jesus, no entanto, o D. R.

McConnell demonstrou, em sua tese de mestrado, que na verdade não passavam de

plágio dos escritos de Kenyon. Hagin, ao se explicar com relação a isso apelou para a

“jesuscidência”, dizendo que o Espírito Santo havia revelado as mesmas coisas aos

dois.

Os ensinos de Kenneth Hagin, segundo Matos (Ultimato, n.313, julho-agosto de 2008,

p.48), influenciaram muitos pregadores norte-americanos e de outros países. A

começar por Kenneth Copeland, seu herdeiro presuntivo. Foram também seus

seguidores Benny Hinn, Frederik Price, Jonh Avanzini, Robert Tilton, Robert Schüller,

Marilyn Hickey, Charles Capps, Hobart Freeman, Jery Savelle e Paul (David) Yonggi

Cho, entre outros. No final dos anos 1970, e principalmente nos anos 1980, os ensinos

da Confissão Positiva e do Evangelho da Prosperidade chegaram ao Brasil por

intermédio de alguns desses pregadores. Sendo o primeiro a difundí-lo Rex Humbard,

seguido por Marilyn Hickey, Jonh Avanzini e Benny Hinn, que participaram de

conferências promovidas pela Associação de Homens de Negócios do Evangelho

Pleno (ADHONEP). Pastores e pregadores brasileiros abraçaram essa teologia, como

o Tio Cássio do Ministério Cristo Salva, em São Paulo; o “apóstolo” Miguel Ângelo da

Igreja Evangélica Cristo Vive, no Rio de Janeiro; o missionário R.R. Soares da Igreja

Internacional da Graça – responsável pela publicação da maior parte dos livros de

Hagin no Brasil; a pastora Valnice Milhomens, líder do Ministério Palavra da Fé – que

conheceu os ensinos da Confissão Positiva quando foi missionária na África do Sul.

Algumas Igrejas, como nos lembra Alderir, também adotaram a Teologia da

Prosperidade e a Confissão Positiva como carro chefe de suas doutrinas. Dentre as

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47

quais, figuram: a Igreja Universal, do bispo Edir Macedo; a Igreja Renascer em Cristo,

do “apóstolo” Estevão e da bispa Sônia Hernandes; a Comunidade Evangélica Sara

Nossa Terra, do bispo Robson Rodovalho; a Nova Vida, fundada pelo missionário

canadense Walter Robert McAlister – de onde saíram Edir Macedo e seu cunhado R.

R. Soares; e a Igreja Mundial do Poder de Deus, fundada pelo apostolo Valdemiro

Santiago – oriundo da Igreja Universal do Reino de Deus, da qual foi bispo.

Importante salientar que cada um desses líderes e dessas instituições, como lembra

Mariano, adotará o “evangelho da prosperidade” de diferentes modos. Enfatizarão

certos aspectos, deixando de fora outros. Recusarão pontos doutrinários mais

controversos, no que diz respeito àqueles tradicionalmente consensuais no meio

evangélico. Aceitarão plenamente pontos doutrinários incompatíveis e estranhos à fé

protestante. Sincretizarão a Confissão Positiva com outras expressões religiosas do

Catolicismo e do culto afro (2005. p.157). Enfim, cada um, à sua maneira, e atendendo

os seus próprios interesses, dará uma cara bem particular e diversificada à Teologia

da Prosperidade aqui no Brasil.

Tendo conhecido suas origens, agora precisamos compreender em que essa doutrina,

importada dos EUA, se constitui. Basicamente seu ensino consiste na crença de que

pelo poder da palavra proferida – “o que eu confesso, eu possuo” – e pelo rito mágico

realizado – relação causa e efeito: “é dando que se recebe” – se obtém saúde,

riqueza, sucesso e poder terreno. Ficando Deus, assim, comprometido e obrigado a

conceder essas coisas. Isso porque pelas palavras pronunciadas e pelos rituais feitos

Ele fica compelido a agir. O senador Marcelo Crivella, também bispo da Universal,

afirma que Edir Macedo “nunca aceitou ensinar o povo a cantar ‘eu sou pobre, pobre,

pobre, de marré, marré, marré’” (Ultimato, n.313, julho-agosto de 2008:23). E o próprio

Edir Macedo diz:

As pessoas não devem dar ofertas para ajudar a igreja, mas para ajudar a si próprias. Quando dá está fazendo um investimento para si, na sua vida. É o que mostra a Bíblia. Quem dá tudo recebe tudo de Deus. É inevitável. É toma lá, dá cá (...) Quando alguém faz um sacrifício financeiro, Deus fica sem opção. Ele tem a obrigação de responder, porque é sua promessa. É a fé. Basta seguir o que Deus disse: ‘Provai-me nos dízimos e nas ofertas’ (O Bispo, 2007, p. 207-215).

A afirmação de que Deus tem prazer em prosperar seus filhos, a princípio, não é tão

incompatível com a ética protestante trazida pela Reforma do Século XVI e XVII,

Page 48: Quanto Vale a Sua Fé

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através da qual o trabalho era apresentado como uma vocação que deveria ser

encarada para glória de Deus (como já vimos anteriormente). Porém, à medida que

nos aprofundamos nos conceitos e valores da Teologia da Prosperidade, percebemos

seu distanciamento da matriz protestante. Quando, por exemplo, ela estabelece como

parâmetro de espiritualidade o tamanho da conta bancária; as posses; a aquisição e

exibição de bens. Vejamos:

O pastor assevera que a oferta é espontânea. Mas, em seguida, afirma que aquele que dá, recebe multiplicado. Exemplifica com um desafio a ser imitado: uma fiel tinha pouquíssimos pertences, ainda assim deu tudo o que possuía à igreja, ao mesmo tempo que, pela fé, pediu a Deus uma casa com piscina e dois carros. Em duas semanas, milagrosamente, recebeu a visita de uma tia da Itália, a qual nem sequer conhecia, que lhe deu de presente uma casa com piscina e dois carros na garagem (proferido em um culto da Universal no dia 07/03/1989, Santa Cecília, citado em Mariano, 2005, p.170).

A distância da matriz protestante estabelecida pela Teologia da Prosperidade pode

igualmente ser percebida quando ela propõe a divinização do ser humano.

‘Quando o homem nasce de novo, ele toma sobre si a natureza divina e torna-se, não semelhante, mas igual, exatamente igual em natureza com Deus. A única diferença entre o homem e Deus torna-se a magnitude, Deus é infinitamente divino e nós ainda finitamente divinos. O crente é uma encarnação de Deus exatamente como Jesus de Nazaré’, defende Kenneth Hagin (...) ‘você não tem Deus morando dentro de você. Você é Deus’, afirma Kenneth Copeland (citado em Gondim, 1993, p. 83,85). Nós perdemos muitas bênçãos de Deus por não conhecermos a Palavra de Deus (...) se você tem a palavra de Deus, você é poderoso. Se você não é poderoso, Deus não está com você. Nós somos seres humanos, mas quando assumimos a Palavra de Deus é como se nós fossemos deuses poderosos. O crente tem que agir, operar, como se fosse um Deus (sermão do R. R. Soares, 07/12/1991, citado em Mariano, 2005, p. 155).

Esses conceitos são bastante estranhos aos ensinos tradicionais tanto dos

protestantes, como dos pentecostais, para os quais a fé não é aferida pelos bens

exibíveis, mas sim, pela reta conduta em conformidade com os mandamentos éticos e

morais do Cristianismo. E, tampouco, estes consideram os crentes como semideuses,

mas apenas como vasos ou templo do Espírito Santo. Indubitavelmente, os

pregadores da Teologia da Prosperidade e da Confissão Positiva afastaram-se

“teologicamente do Protestantismo da Reforma, para não dizer do Cristianismo” (ibid,

p.155).

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49

Outro aspecto da Teologia da Prosperidade contrastante com a teologia pentecostal é

a respeito da crença de que o verdadeiro cristão deveria ser alguém materialmente

pobre, ou pelo menos desinteressado das coisas e valores terrenos. Até os anos 1960,

nos círculos pentecostais, se concebia a ideia de que as promessas divinas –

excetuando a salvação, a cura, o exorcismo, o batismo no Espírito Santo – só se

concretizariam no além. E de que o crente deveria buscar somente as coisas do alto, e

não as daqui da terra. Porém, dois fatores concorreram para a mudança de eixo

dessa proposta escatológica do celeste porvir para as benesses desfrutadas aqui e

agora.

O primeiro deles foi a modernização e urbanização do país nos anos de 1970,

trazendo mais acesso e mobilidade social para os fiéis em uma sociedade do

consumo; dos serviços de créditos; dos apelos da indústria de entretenimento e de

moda. Além disso, nas duas décadas seguintes (anos 1980 e 1990) houve a adesão

de muita gente da classe média alta, de artistas e de atletas ao Movimento Evangélico.

Consequentemente, essas igrejas que surgiram nesse período acabaram adaptando

seu discurso à nova conjuntura socioeconômica que se formava. E a Teologia da

Prosperidade, conforme Ricardo Mariano, encaixou-se como uma luva tanto para os

mais pobres – a grande maioria – como para os mais ricos – sempre a minoria. Para

estes, legitimando seu estilo de vida abastado e esbanjado. Para aqueles, oferecendo

soluções ritualísticas e imediatistas de problemas financeiros; assim como

possibilidades de satisfação dos desejos consumistas (2005, p.149).

O segundo fator que levou a Teologia da Prosperidade a mudar o foco da felicidade do

além para a felicidade no aqui e no agora foi o alto custo, crescente, da mídia

televisiva que se constitui o carro chefe do marketing neopentecostal. À medida que

aumenta a competitividade entre os televangelistas crescem também os custos, e o

horário na TV torna-se cada vez mais caro. O preço pago pelos programas sobe mais

que a audiência. O investimento pesado na mídia televisiva e radiofônica – inclusive

na compra de emissoras de rádio e de TV – faz com que a pregação intensifique mais

ainda o objetivo de levantar fundos para poder bancar toda essa mega estrutura

midiática. De modo que a Teologia da Prosperidade acaba atendendo aos interesses

financeiros de todo esse empreendimento. Só para se ter uma idéia disso, o

investimento mensal da Internacional da Graça em programação de TV chega à

fabulosa cifra de 600 mil dólares, algo em torno de US$ 7 milhões ao ano. Já a Igreja

Universal adquiriu por US$ 45 milhões de dólares a Rede Record de rádio e de TV em

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50

1989 – trazendo consigo uma dívida de 300 milhões de dólares, posteriormente

quitada (MARIANO, 2005, p. 66-100). A Igreja Mundial do Poder de Deus – a igreja

evangélica que mais cresce no Brasil atualmente –, por sua vez, ocupa 22 horas

diárias na programação da Rede 21, que pertence ao grupo Bandeirantes, ao custo de

R$ 6 milhões mensais. Com mais R$ 101 mil por mês, pago à Multichoice, empresa

sul-africana distribuidora de sinal, também está no ar em Angola, Moçambique, Guiné-

Bissau, São Tomé e Príncipe, Líbia, Zimbábue e Botswana. Na África do Sul, a

Mundial possui uma hora de programação na TV Soweto, ao custo de R$ 59 mil

mensais (Revista Isto É – Fevereiro/2011, Ano 35, N° 2151, p. 54).

C.3. Desectarização e liberalização dos usos e costumes

Tanto o Pentecostalismo Clássico, quanto o Deuteropentecostalismo, adotaram

modelos estereotipados de usos e costumes por meio dos quais se reconheceriam

símbolos de conversão, prova de regeneração e sinais de santificação. A ética de

proibições legalistas “estende-se a várias formas de diversão, como cinema, televisão,

rádio, prática de esportes, participação ou assistência a jogos de futebol, boxe,

baralho, etc.” (MARIANO, 2005 apud SOUZA {s.d}, {s. n. t.} ).

Para o crente pentecostal mostrar-se santificado, ele precisa assumir posturas de

ascetismo e de sectarismo, abrangendo vários aspectos da vida social. Ricardo

Mariano nos apresenta um gráfico – resultado de uma pesquisa feita em 1992 com

cerca de 100 fiéis, pertencentes majoritariamente ao Pentecostalismo e ao

Deuteropentecostalismo – que demonstra essa realidade (2005:195). Vejamos:

Page 51: Quanto Vale a Sua Fé

51

pode Não pode depende Não

respondeu

Fumar

Beber álcool

dançar

Sexo extraconjugal

ir a festa

pular carnaval

frequentar boates

frequentar bares

ir à motel com cônjuge

ir à praia/ piscina

ir ao cinema

ir ao teatro

ver TV

4

9

7

1

30

2

6

22

19

60

20

21

34

93

87

62

95

4

94

89

72

65

32

39

31

13

-

22

-

60

-

-

-

-

-

37

43

48

3

4

9

4

6

4

5

6

16

8

4

5

5

Salientamos, como bem nota Mariano, que muitos desses grupos originários da

primeira metade do século XX, têm revisto algumas destas proibições legalistas nas

últimas duas décadas, adaptando-se aos novos valores, hábitos e gostos dos fiéis.

Caminhando, dessa forma, para uma dessectarização e liberalização em distintas

esferas da vida social. Essa flexibilização da “contracultura” pentecostal tem se dado

Page 52: Quanto Vale a Sua Fé

52

basicamente por dois motivos. Primeiro, por causa da sua interpenetração nos

estratos mais privilegiados da sociedade. E em segundo, devido às gerações de

pastores e líderes mais jovens. Podemos ver igrejas como a Assembléia de Deus, a

Quadrangular acomodando-se, adaptando-se cada vez mais aos padrões e aos

valores da sociedade hodierna. Contudo, tem sido um processo lento, tenso e

conflitante entre as velhas e as novas gerações de adeptos, prejudicando inclusive seu

crescimento nos últimos anos. E isto pelo fato de ainda carregar aquela velha herança

sectária.

Quanto aos neopentecostais, mais liberais e recentes, sequer chegaram a adotar o

tradicional legalismo pentecostal dos usos e costumes. Segundo Mariano, as pessoas

pertencentes a esse grupo vão à praia, à piscina, ao cinema, ao teatro. Decidem o

corte, o comprimento e o penteado de seu cabelo. Ouvem rádio e TV. Frequentam

festas. Praticam esportes. Usam brincos, colares, pulseiras e cosméticos, embora

continuem austeros e conservadores no que diz respeito ao uso de drogas, ao sexo

fora do casamento, aos jogos de azar e à embriaguez (2005, p.210).

No Neopentecostalismo temos uma quase total conformação aos padrões

comportamentais da sociedade. Seja por princípio religioso, seja por estratégia de

inserção social. Igrejas como a Universal, Internacional da Graça, Vida Nova, Sara

Nossa Terra, Renascer em Cristo já nasceram com uma postura totalmente contrária

àquela ética sectária, ascética e de contracultura que caracterizou as pentecostais até

a metade do século. Isso, por sua vez, teve desdobramentos em várias esferas da

vida, como, por exemplo, na musicalidade.

A propósito, a Igreja Renascer em Cristo foi responsável pelo movimento gospel aqui

no Brasil. E, por meio deste, proporcionou uma mudança radical na música evangélica

em nosso país. Transformação pela qual a música religiosa deixa de ser sacra e passa

a ganhar muitos outros ritmos: rock, funk, blues, rap, pop, reggae, jazz, baião, samba,

pagode, forró, sertanejo, lambada, balada, heavy metal, White metal, dance music. De

modo que a “gospel mania” traz consigo toda uma quebra de paradigmas no meio

evangélico a partir dos anos 1980. Concertos de rock nos templos. Bloco dos crentes

no carnaval. Funkeiros e forrozeiros de Jesus agitando e pregando nos bailes, e nas

casas de shows.

Page 53: Quanto Vale a Sua Fé

53

Outro desdobramento dessa dessectarização do Movimento Neopentecostal é sua

participação ostensiva na política partidária. Sem se ressentir do peso da tradição

sectária e apolítica do Pentecostalismo Clássico, seus líderes entraram no jogo político

para valer, não demonstrando nenhum constrangimento perante seus fiéis. A postura

de autoexclusão deliberada – marca distintiva das igrejas pentecostais até mais ou

menos 1970 – foi substituída pela postura de militância e de engajamento partidário na

década de 1990. O lema apolítico “crente não se mete em política” deu lugar ao lema

corporativista “irmão vota em irmão” (Sociologia, n. 7, 2007, 57-59). Excetuando as

igrejas Congregação Cristã no Brasil e Deus é Amor, que permanecem afastadas da

política partidária, as demais (pentecostais) também se politizaram. Mara Figueira nos

dá conta do aumento considerável de parlamentares evangélicos dos anos 1980 para

cá, afirmando que antes dessa década havia somente dois deputados federais

pentecostais. Duas décadas depois, 2003, formou-se uma frente parlamentar

evangélica que reuniu 60 deputados federais e 4 senadores, formando a terceira maior

bancada do Congresso Nacional (ibid, p.59). As eleições municipais da cidade de

Fortaleza, em 2008, contaram com um candidato que é pastor da Assembléia de

Deus, inclusive tendo todo apoio da sua convenção nacional.

Vale salientar, como nos lembra Mara, que esse engajamento político não tem sido

norteado por ideais nobres, mas por interesses corporativistas e ocupação de poder,

objetivando concessões de rádio e de TV, buscando privilégios fiscais e garantias

jurídicas para seus projetos religiosos, desejando participação na distribuição do bolo

da verba social – que até hoje está a cargo dos católicos –, procurando

reconhecimento na esfera pública. Enfim, movidas por essas e outras ambições

mesquinhas, as igrejas evangélicas têm adentrado cada vez mais no mundo político

(ibid, p. 59).

A Universal do Reino de Deus, por exemplo, como diz Mariano, não restringe sua

participação apenas às eleições proporcionais; procura influenciar também nas

majoritárias, utilizando-se de todo o aparato midiático, da disciplina e do carisma dos

seus pastores; e da obediência de boa parcela dos fiéis (2005. p.91). Não tem nenhum

escrúpulo em se utilizar do clientelismo, do fisiologismo e das negociatas políticas para

atender seus interesses. Não hesita um instante sequer em demonizar seus

adversários políticos. Na campanha presidencial de 1994, Edir Macedo, através da

Folha Universal – jornal semanal de circulação nacional –, além de identificar o

candidato petista com o demônio – a Universal apoiava o candidato “tucano” – fez todo

Page 54: Quanto Vale a Sua Fé

54

tipo de acusações ao partido da oposição. Acusou o PT de querer legalizar o aborto e

o casamento gay. Mostrou uma foto do Lula com a bandeira brasileira sem a

expressão ordem e progresso. E outra foto na qual o ex-líder sindical pousava ao lado

de uma mãe de santo, destacando a manchete que ele estava apelando para o

candomblé, ou seja, para o próprio diabo (ibid, p. 93-94).

Contudo, esse tipo de postura política antiética, interesseira e inescrupulosa não é

exclusividade da Igreja Universal. Podemos constatá-la em outros círculos

evangélicos. Mara Figueira nos recorda a trajetória ascendente, no entanto pontuada

por escândalos que têm marcado o meio político evangélico brasileiro. Cita escândalos

como o das sanguessugas em 2006, caracterizado por fraudes nos processos de

licitações para compra de ambulâncias. E que contou com o envolvimento de 28

deputados evangélicos – quase metade da bancada no Congresso – dentre os quais a

maioria pertencia à Universal e à Assembléia de Deus (2007, p.59). Curiosamente,

são igrejas que pertencem ao Neopentecostalismo e ao Pentecostalismo Clássico, que

têm se notabilizado nas últimas décadas pela participação ostensiva na militância de

política partidária, se contrapondo assim a postura apolítica dos pentecostais até 1970.

C.4. Estrutura administrativa empresarial e mercadológica

A performance de empresa com fins lucrativos, integrada ao sistema de marcado, é

uma das últimas características que pretendemos elencar dentro do perfil

neopentecostal delineado por Ricardo Mariano.

Nas sociedades ocidentais industrializadas, afirma Wallis (citado por Mariano), a

religião para sobreviver à concorrência e superá-la, deixa de ser um fim em si,

transformando-se num meio para atingir fins definidos por demandas e necessidades

dessas mesmas sociedades industrializadas e urbanizadas. Ficando, assim a mercê

das vicissitudes e desejos do consumidor religioso (2005, p.223). Na atual conjuntura,

como nos lembra o teólogo Valdir R. Steuernagel, a religião também sucumbe a força

do mercado no qual ela se torna um produto a mais a ser absorvido “nesse bacanal

multinacional do consumo desenfreado que vai da religião ao sorvete, do sexo ao

correio eletrônico” (2003: 19). Parece ser esse o caso, bem especifico, do

Page 55: Quanto Vale a Sua Fé

55

Neopentecostalismo que apresenta a fé religiosa muito mais como mercadoria de

consumo do que como valores espirituais.

As estratégias de crescimento adotadas por muitas igrejas evangélicas nas últimas

duas décadas, ao estilo corporativo e empreendedor, estão conferindo-lhes tremenda

vantagem na luta por participação no mercado religioso. É o que afirma Roger Frink,

professor de sociologia da Universidade da Pensilvânia – coautor de A Igreja nos

EUA, 1176-2005: vencedores e perdedores na nossa economia religiosa. Ele diz que a

expansão dessas igrejas, muitas vezes, é moldada no setor empresarial, tomando

emprestadas ferramentas que vão do marketing de nicho à contratação de

profissionais com MBA, buscando sempre um número maior de adeptos. De acordo

com o artigo “Igreja Evangélica é um grande negócio nos EUA”, escrito na

Business Week por William C. Symonds, Brian Grow e Jonh Cady, a Igreja

Comunitária de Willlow Creek, em Illínois, criou um braço de consultoria, através do

qual faturou 17 milhões em 2004, em parte com a venda de consultoria de marketing e

administração para 10.500 igrejas-membros de 90 denominações. Essa mesma Igreja,

segundo o referido artigo, está entre as 250 maiores marcas dos EUA, junto com a

Nike e a Jonh Deere. A estrutura empresarial dessas igrejas é algo tão gigantesco que

os métodos de expansão da Willow Creek viraram caso de estudo na Harvard

Business School.

Mas, esta acomodação ao sistema de mercado empresarial não é privilégio apenas

das igrejas evangélicas norte-americanas, pois no Brasil temos visto isso também

ocorrer, principalmente no meio das igrejas neopentecostais. Afinal de contas, o Brasil

é um ávido importador de modelos enlatados vindos dos Estados Unidos. Igreja como

a Universal – uma das maiores expressões do Neopentecostalismo – possui hoje a

segunda maior emissora de TV do país e várias emissoras de rádio. Além disso, nos

informa Mariano, ela conta com toda uma rede empresarial composta por: o Banco de

Crédito Metropolitano (adquirido por três milhões de dólares em 1991); o jornal A

Folha Universal (com a tiragem de mais de um milhão de exemplares); a Unimetro

Empreendimentos; Cremo Empreendimentos; New Tour (agência de viagens); Uni

Line (processamento de dados); Unitec (construtora); Uni corretora (seguradora); Line

Records (gravadora); Frame (produtoras de vídeos); Investholding Limited (uma

holding com sede nas ilhas Cayman); Gráfica Universal (editora); Ediminas S/A

(fábrica de móveis); LM Consultoria Empresarial (2005, p.67).

Page 56: Quanto Vale a Sua Fé

56

A Igreja Internacional da Graça não ficou muito atrás no que se refere a esse modelo

empresarial. Bem menor em termos de estrutura do que a Universal, porém possui,

além de canais de TV (abertos e por assinatura), gráficas e editoras – Graça Editorial,

em cujo catálogo consta quase uma centena de livros (ibid, p.99). Entrando também

no mercado fonográfico, a igreja montou sua própria gravadora: a Graça Music com

vários títulos lançados. E mais recentemente anunciou a Faculdade do Povo, que

contará com os cursos de publicidade, jornalismo, rádio e TV. A data prevista para o

funcionamento é a partir de março – de acordo com o missionário R.R. Soares no

programa exibido em 23.02.2009.

Nessa mesma linha empresarial figura ainda a Igreja Renascer em Cristo com seu

aglomerado patrimonial constituído por: emissoras de rádio; de TV UHF; RGC

(produtora); Gospel Records (gravadora que lançou mais de cem títulos); Editora

Renascer (com mais de trinta títulos); Gospel New (jornal cuja tiragem ultrapassa

sessenta mil exemplares); Instituto Renascer (colégio que oferece cursos do maternal

até o 4° ano do Fundamental I); Gospel Rock Café (casa noturna com música ao vivo,

mas desguarnecida de bebidas alcoólicas e cigarros); Cartão Gospel Bradesco Visa;

lojas de souvenires (ibid, p.102). Não podemos esquecer o faturamento da Renascer

em cima da marca patenteada Gospel, aqui no Brasil, da qual é detentora.

Outra igreja neopentecostal de destaque, que também desponta como igreja empresa

S/A, é a Mundial do Poder de Deus. O programa de TV “Domingo espetacular” do dia

18 de Março de 2012, veiculado pela Rede Record, apresentou uma matéria a respeito

do abastado patrimônio que pertence a referida Igreja, na qual mostrou terras a perder

de vistas, milhares de cabeça de gado, mansões, piscinas, pistas de pouso que

constituem fazendas riquíssimas encravadas no coração do pantanal. Cuja extensão,

segundo a reportagem, chega a ser de 26. 134 hectares, avaliados, aproximadamente,

em R$ 50 milhões de reais. Documentos registrados em cartório, constando a

escritura de compra e vendas das propriedades, foram apresentados pelo o reporte

que fazia o programa. Conforme o mesmo, todo esse milionário patrimônio da Mundial

foi adquirido através de uma pequena empresa (registrada no nome do apóstolo

Valdemiro, da bispa Francileia e do bispo Josivaldo) de CDs, DVDs e livros: W. S.

Music LTDA, que conta apenas com 50 funcionários e um capital de apenas R$ 50 mil

reais – capital totalmente insuficiente para adquirir todas essas terras no pantanal

matogrossense. De acordo com a matéria apresentada pelo “Domingo espetacular”, o

valor de todo o patrimônio da Igreja Mundial é mais do que a maioria dos prêmios da

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57

mega cena acumulada. Capital suficiente para comprar 20 Ferraris zero Km (o carro

mais caro do Brasil); e 10 coberturas em Nova Iorque (a cidade mais cara mundo).

Em 2010, a Revista Época já havia listado outros bens e patrimônios da Mundial do

Poder de Deus: um jato Citation Excel, avaliado em R$ 18, 5 milhões, alugado por

cinco meses; um helicóptero menor, Bell Jet Ranger 206B3, avaliado em R$ 1, 3

milhão (de acordo com a Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC –, ele já

pertenceu a apresentadora Xuxa); e um helicóptero grande, Agusta A109-C,comprado

em Setembro de 2009, por R$ 5, 1 milhões ( este helicóptero é um dos mais potentes,

luxuosos, seguro; e um dos mais cobiçados do segmento)10.

Não podemos esquecer as megas igrejas que povoam as grandes capitais do nosso

país. Mesmo elas não tendo tanta notoriedade, em temos de Brasil, quanto àquelas

que acabamos de mencionar, no entanto, se caracterizam igualmente pelo

aglomerado patrimonial que vai desde hospitais até cemitérios privados; desde

grandes fazendas até condôminos de luxo; desde casa de shows até faculdades

particulares.

Indiscutivelmente o segmento Neopentecostal, incorporando métodos de publicidade e

de markentig, acabou assimilando a lógica da operação e da expansão encontrada no

mundo empresarial, estando perfeitamente conectada com os valores do mercado.

Procuramos demonstrar até aqui as fortes afinidades entre o Capitalismo e o

Protestantismo desde seu início. E vimos que a exacerbação dessa relação se dá no

Neopentecostalismo, ao ponto da Teologia da Prosperidade transformar o conceito

ascético do uso das riquezas – característico da Reforma – em algo absolutamente

consumista, individualista e materialista. Todavia, ressaltamos que o sistema

econômico Capitalista não é algo defendido, articulado e impulsionado

deliberadamente pela teologia, ou muito menos pelos religiosos.

Mesmo assim, é incontestável que a Teologia da Prosperidade, nascida nos Estados

Unidos da América “não tece uma única crítica sequer ao Capitalismo, nem à injustiça

e desigualdades sociais, nem aos desequilíbrios econômicos do mundo globalizado.

Mais pró-capitalista impossível” (ibid, p.185).

10

Telacrente org/2012/03/19/rede-record-revela-patrimonio-de valdemiro-santiago /

Page 58: Quanto Vale a Sua Fé

58

Cabem aqui algumas perguntas despretensiosas: Será que essa tendência

mercadológica de fé evangélica é algo peculiar apenas às igrejas Neopentecostais?

Como se posicionam as outras expressões do meio evangélico em face de um mundo,

inclusive religioso, cada vez mais materialista, consumista e capitalista?

Até que ponto essa influência, ou onda mercantilista da fé, tem penetrado em círculos

evangélicos que se posicionam, oficialmente, contrários a essa tendência?

Tentaremos responder essas perguntas a partir da pesquisa de campo realizada em

algumas igrejas de Fortaleza. E por meio das entrevistas feitas com os fiéis,

procuraremos compreender até que ponto vai a tendência capitalista da fé evangélica.

É o que passaremos a ver a seguir.

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CAPÍTULO 2 – A ONDA CAPITALISTA DA FÉ INVADE AS IGREJAS

EVANGÉLICAS DE FORTALEZA

o presente capítulo, propomos levantar a questão sobre como o aspecto

capitalista da fé tem sido absorvido e reproduzido por diferentes vertentes do

Protestantismo fortalezense. Até mesmo aquelas igrejas contrárias a essa

tendência vêm se apropriando de crenças e valores que antes eram restritos quase

somente ao circuito neopentecostal. Constituindo-se, dessa forma, uma subversão

dos fiéis no que tange à doutrinação recebida dos seus líderes. Fundamentaremos

nossa hipótese em entrevistas e pesquisas de campo. Lembrando (correndo o risco

de generalizações) que a igreja evangélica de Fortaleza acaba sendo um reflexo da

Igreja evangélica brasileira.

No entanto, antes de entrarmos no mérito dessa questão precisamos registrar

resumidamente a trajetória percorrida pela Igreja Evangélica fortalezense desde o seu

principio. Salientando que esse resumo cronológico destacará apenas algumas

expressões das igrejas Históricas, Pentecostais e Neopentecostais que constituem o

Protestantismo na capital cearense.

2.1. Trajetória histórica dos evangélicos em Fortaleza

O Presbiterianismo foi a primeira denominação protestante que implementou seu

trabalho de evangelização no Ceará. No ano de 1875, o Dr. J. R. Smith visita

Fortaleza. Em 1881 manda o pregador leigo João Mendes Pereira Guerra para

desenvolver o trabalho no território cearense. Porém, a Igreja Presbiteriana neste

Estado só começa em 1882. De acordo com a Revista de História da UFC – Dossiê:

Religiosidade – os primeiros evangelizadores protestantes de Fortaleza foram

enviados para cá em setembro de 1882 (Trajetos, n.8, publicação semestral de 2006,

p.126). Já a Revista da Sociedade Cearense de Geografia e História nos diz:

O Rev. Wardlaw aportou a Fortaleza a 27 de setembro. Foi recebido pelo cap. do porto, Sr. Antônio Nunes e sua esposa, pelo chefe dos correios. Dr. José de Oliveira, e pelo Sr. José de Oliveira, e pelo Sr.

N

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60

José Damião de Sousa Melo. Hospedou na pensão Rendal. Era domingo e o missionário realizou o seu primeiro culto à noite na praça dos mártires, onde estava hospedado. Estiveram presentes ao culto as pessoas que o receberam a bordo do Pará (Dezembro de 1999, p.120).

Em 8 de julho de 1883, em conformidade com a mesma revista a pouco mencionada,

o Rev. De Lacy Wardlaw batiza os primeiros conversos em terras cearenses. A igreja

de fortaleza foi organizada no dia seis de agosto de 1890. A construção do templo na

Rua Sena Madureira foi iniciada em 1898 e durou até 1919 – data da sua inauguração

(ibid, p.121).

A implantação do Protestantismo na cidade de Fortaleza, como informa a Revista da

Sociedade Cearense de Geografia e História, acontece justamente em função do

contexto político, social, econômico e religioso no qual se encontrava o país. No

aspecto político temos nesse período a religião oficial – a Igreja Católica – enfrentando

sérios problemas com o Estado. Essa crise da Igreja já vinha ocorrendo desde o final

do Governo Imperial em virtude da crença maçônica de D. Pedro II, que não fora

digerida pelo Vaticano. O conflito se agravou durante o Regime Republicano – período

em que o Protestantismo se instala definitivamente em Fortaleza – por conta da

separação entre a Igreja e o Estado. Esta separação, consequentemente, proporciona

o incentivo ao pluralismo religioso. Acrescenta-se a isso, no que diz respeito ao

aspecto religioso, o fato da organização interna do catolicismo estar em frangalhos.

Por um lado, havia uma porção do clero que reclamava mais autonomia para a Igreja

no Brasil. Por outro, lado o desprestígio e a falta de caráter atribuída aos sacerdotes

abatiam profundamente a face imponente da igreja. E ainda existia o problema da

insuficiência numérica dos padres para atender as grandes massas populacionais de

um território tão vasto: um grande número de pessoas vivia carente de assistência

espiritual. No que se refere ao fator socioeconômico, existia aqui no Brasil – de forma

retardatária – todo um processo de transição do Sistema Feudal para o Capitalismo.

Por conseguinte, o interesse de uma maior cooperação para o progresso. Foi

exatamente em um momento histórico “onde tudo o que é novo e diferente do

tradicional é o bom, que o Protestantismo se enraíza definitivamente em território

brasileiro...” (Ibid, p.112).

Apresentando o Protestantismo como antítese da cultura do atraso e da ignorância, os

presbiterianos adotaram um modelo de evangelização em Fortaleza – entre 1882-1915

– contrapondo a Igreja Católica. Dentro dessa proposta, foi fundado em 1933 o

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61

Ginásio 7 de Setembro dirigido pelo presbítero Dr. Edílson Brasil Soares.

Segundo Robérico Américo de Sousa, os missionários protestantes procuravam

demonstrar que a fé católica estava:

Imersa em hábitos e comportamentos contrários não apenas ao evangelho de Jesus Cristo, mas também ao necessário progresso da sociedade (...) O protestantismo, por sua vez, irá figurar como religião de renovação, que reaproxima o homem de Cristo, sendo ainda a base da verdadeira civilização, pois estimula o desenvolvimento do conhecimento e do trabalho, entendendo-os como vontade de Deus para os homens. Dessa maneira, o discurso missionário, veiculado, sobretudo através de artigos nas páginas do jornal O Libertador, procura criar relação direta entre modernidade, civilização e liberalismo (político e econômico) com a fé protestante, ao mesmo tempo em que identifica o Catolicismo com pré-moderno, com o atraso e ignorância (Trajetos, n. 8, publicação semestral de 2006:128).

Portanto, na pesquisa sobre o Protestantismo no Ceará é necessário que se leve em

conta a inter-relação dos conceitos teológicos e doutrinários, trazidos pelos

missionários norte-americanos, com os valores de progresso e de desenvolvimento

socioeconômico das suas respectivas sociedades (Revista da Sociedade Cearense de

Geografia e História, dezembro de1999: 130). Digam-se, valores estes profundamente

anelados pela sociedade desse período.

A revista que acabamos de citar assinala também à penetração dos evangelizadores

batistas no Ceará que acontece em 1908, quando o missionário Eurico Nelson tentou

estabelecer uma igreja, sem, no entanto, conseguir atingir sua meta. Mas, 22 anos

depois dessa primeira tentativa, foi implantada a primeira Igreja Batista em nosso

Estado. Sendo inaugurada no dia 10 de agosto de 1930. Entre os membros

fundadores encontraram-se Dr. Arnoldo Hayes, Alfredo Mignac, Fernando Rodrigues,

Dessalina Melo, Sabino Pires, dentre outros. A primeira Igreja funcionava num salão

alugado na Rua Floriano Peixoto, nas proximidades da Avenida Duque de Caxias

(1999, p. 126).

Conforme Barbosa, o início da Igreja Assembléia de Deus no Estado do Ceará se dá

em 1914 com a chegada de Maria de Nazaré – vinda de Belém do Pará para visitar

seus parentes em Uruburetama (1997, p.87). Ela inicia um trabalho, meio que

despretensioso, de difusão da doutrina pentecostal. Teve a adesão de uma Igreja

Presbiteriana Independente. Em agosto de 1922, segundo o autor acima citado,

Page 62: Quanto Vale a Sua Fé

62

desembarca em Fortaleza o pastor José Texeira Rego – na época apenas um alfaiate

vindo do Rio de Janeiro. Juntamente com Antônio Borges, alugou uma casa em São

João do Tauape, onde realizavam cultos aos domingos e às quartas-feiras, das 19hs

às 20hs. Em 1923 chegaram duas missionárias suecas: Ingrid e Ester Anderson.

Alugaram uma boa casa na Avenida Tristão Gonçalves, na qual passaram a realizar

os cultos. No mesmo ano, nos relata o autor acima citado, chegou o pastor Bruno

Skolimosky, também vindo do Pará. Foi, então, alugado o primeiro salão da

Assembléia de Deus em Fortaleza, que ficava entre a Rua D. Isabel e o bonde do

Alagadiço, próximo à travessa Meton de Alencar. Em julho de 1923, são realizados os

primeiros batismos dessa igreja na lagoa do Tauape. Em fevereiro de 1933 – já como

pastor da igreja em Fortaleza – José Texeira Rego aluga um salão por cento e oitenta

mil réis mensais, na Rua Tereza Cristina n. 673; onde até hoje está localizado (ibid,

p.108 -111).

O processo de desmembramento da Assembléia de Deus em vários ministérios inicia-

se, na cidade de Fortaleza, a partir de 1962. De sorte que, como diz Barbosa, até o

ano de 1964 já havia quatro igrejas independentes: Caucaia, Oficinas, Itaoca (hoje

montese) e Bela Vista (1997, p.54). O motivo dessas emancipações, na opinião dele,

era a ambição de cada grupo pelo o poder. Em algumas ocasiões, como lembra o

referido autor, as disputas pelo patrimônio nessas divisões transformavam os cultos

em verdadeiras badernas, chegando ao ponto de os fiéis de cada partido ir aos

templos “armados de facas, revólveres e a maioria com cassetes de madeira. Muitas

vezes, a rádio patrulha foi solicitada para apartar as brigas” (ibid, p.51).

Já as igrejas neopentecostais se instalaram em Fortaleza a partir das últimas décadas.

Temos a Igreja Universal do Reino de Deus se fixando em solo alencarino em meados

de 1980, alugando um salão na Rua Dr. João Moreira em frente ao Passeio Público.

Já na década 1990 alugou um enorme galpão entre as avenidas Tristão Gonçalves e

Imperador. E a partir da década de 2000 construiu sua sede própria – a catedral da fé

– próximo ao antigo Lord Hotel, situado entre a Rua 24 de Maio e a Avenida Tristão

Gonçalves. A Igreja Internacional da Graça, por sua vez, chegou à nossa cidade no

dia 18 de maio de 1997, realizando seus cultos na Avenida Tristão Gonçalves em um

galpão onde até hoje está localizada. E a Igreja Mundial do Poder Deus se estabelece

em Fortaleza entre os anos de 2004 e 2005, alugando um galpão também na Avenida

Page 63: Quanto Vale a Sua Fé

63

Tristão Gonçalves. Posteriormente transfere sua sede para a Rua Senador Pompeu,

próximo ao hospital público conhecido como Frotão11.

2.2. A tendência mercadológica da fé nas igrejas de fortaleza

Chegamos ao ápice da nossa proposta no presente trabalho. É aqui que procuraremos

constatar a hipótese sobre as práticas e crenças da fé capitalista terem se instaurado

em outras denominações protestantes; de não ser algo apenas exclusivo das igrejas

neopentecostais, mas também ser uma tendência presente dentro de grupos históricos

e pentecostais. Tentaremos demonstrar essa realidade por meio da pesquisa oral com

membros desses mesmos grupos – atores sociais, verdadeiros protagonistas da Igreja

Evangélica. Quero salientar que procuramos ouvir nessas entrevistas pessoas comuns

e não os lideres, os pastores ou os teólogos. A propósito, é pertinente registrarmos o

que nos diz François Laplantine sobre inversão temática pela qual tem passado as

ciências humanas em vários campos: na antropologia o foco foi redirecionado das

grandes estruturas e práticas culturais para o estudo do infinitamente pequeno e

cotidiano; na arqueologia os estudos se deslocaram dos palácios, templos e túmulos

imperiais para o conjunto do meio ambiente construído (inclusive o mais humilde),

sendo este a expressão de uma cultura que se procura compreender nos seus

mínimos detalhes; na história também percebemos, sob a influência dos Annales, a

atenção se voltando do público para o privado, dos grandes personagens para os

atores anônimos, dos grandes eventos para o cotidiano. E nas ciências religiosas,

conforme Laplantine (citando Jean Delumeau), não se considera mais o Cristianismo

“ao nível das doutrinas e dos doutores, e sim das multidões anônimas” (Aprender

Antropologia, 2007, p. 155).

Não obstante ao fato de que igrejas como a Presbiteriana, a Betesda, a Batista, a

Assembléia de Deus ministério Templo Central e a Assembléia de Deus Canaã

(igrejas pesquisadas) se posicionem de forma contrária, em sua doutrina oficial, à

11

O histórico da Igreja Mundial do Poder de Deus na cidade de Fortaleza, assim como o da Universal do Reino de Deus, não foi fornecido pelos pastores das respectivas igrejas. Eles se negaram a dar qualquer tipo de informação, alegando que suas denominações religiosas sofriam perseguições da mídia. Obtivemos as informações através do cruzamento de dados por intermédio de fiéis, de ex-pastores, de vendedores ambulantes e de comerciantes que desenvolvem suas atividades comercias nas proximidades dos prédios onde essas igrejas funcionam.

Page 64: Quanto Vale a Sua Fé

64

visão mercadológica da fé, compreendemos, por outro lado, que as pessoas, a

despeito de pertencerem a qualquer segmento, não são totalmente obedientes e

passivas ou totalmente conformadas ao sistema no qual estão inseridas. Como nos

lembra Michel de Certeau, toda a produção difundida ou imposta pelos dominantes,

quer seja de cunho material ou cultural, acaba sofrendo uma espécie de reapropriação

e resiginificação por parte dos dominados. Essa atitude (que Certeau chama de

antidisciplina e subversão) não ocorre de forma institucional, articulada e ideológica.

Mas de maneira sutil, silenciosa, despretensiosa, e quase que imperceptível. Ela não

rejeita ou modifica, necessariamente, o que vem das elites e do poder constituído, mas

utiliza-o para fins totalmente estranhos àquilo que julgavam obter os detentores desse

poder, com seus objetos e valores (A invenção do Cotidiano, 2007, p. 38-41).

Partindo, então, desse pressuposto buscaremos comprovar nossa hipótese através

das entrevistas temáticas realizadas com pessoas de cinco diferentes denominações

evangélicas da cidade de Fortaleza.

A pesquisa de campo indicou que os evangélicos das igrejas selecionadas, em sua

quase totalidade, mesmo seguindo os princípios doutrinários de suas denominações,

incorporaram também alguns valores neopentecostais. Nesse caso específico, não é

uma total absorção de um conjunto de crenças em detrimento de uma total negação

de outro conjunto de crenças; mas, uma espécie de resignificação e de reapropriação,

onde valores, princípios e posturas de várias crenças se misturam e se confundem. É

o que podemos ver no depoimento de Cristiano Sobrinho – membro de uma Igreja

Batista – no qual assume uma postura contundente contra a visão empresarial

adotada pelos programas evangélicos de rádio e TV:

Tem pastor que sempre criticou o fato da comercialização do cristianismo. E hoje está fazendo propaganda do Cd, está fazendo propaganda do Dvd... Onde é que está a fé dele? Será que a fé dele mudou porque ele tem que sustentar o programa? O que eu quero dizer com isso é que ninguém pode colocar tudo como se fosse um comércio. Acho que a fé tem que vir em primeiro lugar. Tudo o que for ao limite da sua crença você tem que fazer. Mas se for para o programa acabar, acho que tem que acabar. É a fé que tem que prevalecer (entrevista, 10.05.2009).

Entretanto, Cristiano é telespectador de um programa de TV evangélico, cujo formato

é totalmente no molde empresarial. Indagado sobre o tipo de programa que costuma

acompanhar, ele respondeu “– O Programa do R.R. Soares”. Embora seja um

acompanhamento que classifica como “acidental” pela falta de tempo. Já outro

Page 65: Quanto Vale a Sua Fé

65

entrevistado, José Elielde Oliveira Moreira, membro da Igreja Batista Nova Esperança,

diz não haver nenhuma relação entre a prática do dízimo e uma vida financeira

próspera. Porém, acredita que a aproximação de Deus, via conversão, leva

imprescindivelmente a pessoa a sair da miséria material.

Entrevistador – Você acha que há alguma relação entre a prática do dízimo e uma vida financeira prospera? Entrevistado – Acho que uma coisa não se relaciona a outra. Porque há pessoas que são fiéis nos dízimos, no entanto não são bem sucedidas financeiramente (...) Não acredito na relação da pessoa dá o dízimo e por causa disso se tornar próspera financeiramente. Entrevistador – Você acredita que a aproximação de Deus determina a saída da miséria? Entrevistado – Sim! Porque Deus não deixa (a Bíblia fala claramente) seus filhos mendigarem o pão. Entrevistador – Então a salvação determina também a saída da miséria? Entrevistado – Sim! Quando você é salvo já saiu da miséria espiritual. Entrevistador – E da miséria financeira? Entrevistado – Com certeza, com certeza... A Palavra de Deus é fiel, Ele jamais deixará o justo mendigar o pão (entrevista, 21.05.2009).

Outro caso típico desses paradoxos percebidos entre os fiéis de igrejas

tradicionalmente históricas foi constatado na entrevista com Cleonardo Mesquita

Goes, da Igreja Presbiteriana. Apesar das suas críticas ao comércio da fé existente

nas igrejas neopentecostais, todavia, admite e concorda com a visão empresarial

gospel empregada pela mídia televisiva e radiofônica – visão que prefere chamar,

eufemisticamente, de profissional.

Entrevistador – Qual sua opinião sobre o uso que os evangélicos fazem da mídia televisiva e radiofônica? Entrevistado – Penso que utilizam de todas as formas possíveis. De uma forma mais ética (...) Como também de forma bastante capitalista (...) Tem alguns programas, através dos seus apresentadores, que tem um único fim de tentar ajudar as pessoas, de transmitir verdadeiramente a Palavra de Deus. Têm outros que carregam a venda de produtos. Entrevistador – Qual sua análise sobre a visão empresarial que os programas evangélicos, de um modo geral, têm adotado? Entrevistado – Eu penso que eles não têm opção. Ou se adaptam a esse meio, que é um meio capitalista. E tem que ter dinheiro para bancar a programação, ou infelizmente não vai haver o programa. Aí eles têm que se prender a essa parte da comercialização do meio evangélico. Entrevistador – Então, você a considera necessária para poder sobreviver nesse meio? Entrevistado – Sim! Assim como em uma casa a gente precisa trabalhar para conseguir pagar conta de água, luz, telefone, alimentação. Eles também têm que dá os pulos deles para tentar manter suas programações.

Page 66: Quanto Vale a Sua Fé

66

Entrevistador – Essa característica empresarial que os programas têm adotado, você vê como necessária para poder bancar essa realidade de um alto custo? Entrevistado – Eu tiraria a palavra empresarial e colocaria a palavra profissional. Estamos em um mundo profissional... Então, nós temos que viver de acordo com as regras que o mundo dita em determinados setores. (entrevista, 05.05.2009).

Na entrevista com Geni Martins, também da Igreja Presbiteriana, podemos, mais uma

vez, perceber essas contradições vivenciadas por aqueles que fazem parte de um

segmento do Protestantismo que nada tem a ver com o Neopentecostalismo. Isso

porque, à medida que rejeitam as posturas neopentecostais, absorvem igualmente

seus ensinos.

Entrevistador – Você costuma acompanhar programa de rádio e TV? Entrevistada – principalmente de TV. De rádio nunca. Entrevistador – Qual o de sua preferência? Entrevistada – Sem dúvida alguma é a da RiT; missionário R.R. Soares com sua pregação bem popular e simples. Entrevistador – qual sua opinião sobre o uso da mídia televisiva e radiofônica por parte dos evangélicos? Entrevistada – Acho muito positivo. Eu acho que como qualquer grupo social os evangélicos devem ter um espaço na mídia. Só não fico muito satisfeita é... [silêncio] Não sei nem se devo falar, mas vou falar. Só não fico muito satisfeita é com a forma como eles fazem à capitação dos recursos. Aquela insistência apelativa que cansa bastante. Entrevistador – Como você vê a postura empresarial que os programas evangélicos têm adotado? Entrevistada – Eu vejo esse comportamento como mercantilista (...) tem determinados programas, tem determinados pregadores que eu nem mais consigo ouvir. Porque é mais petição de fundos do que mesmo pregação. É lógico que chega um momento que isso satura (entrevista, 07.05.2009).

Essas mesmas constatações foram feitas em entrevistas com membros da

Assembléia de Deus (Templo Central), Betesda e Canaã.

Entrevistador – O que fazer para a Igreja ser bem sucedida? Entrevistado – A igreja hoje tem que tomar uma nova postura diante da sociedade... Qual é o setor de marketing da mocidade? Quais são os consultores da mocidade? Então, a gente tem que mudar alguns padrões dentro da própria igreja para acompanhar a sociedade... As pessoas que trabalham no mercado de vendas, de tele marketing têm um jargão que diz: “A propaganda é a alma do negócio.” Não que a igreja seja um negócio voltado para a questão financeira. Mas se nós não cuidarmos da imagem da Igreja e a divulgarmos, as pessoas não serão atraídas para vir. Então, tem que ter marketing na Igreja –

Page 67: Quanto Vale a Sua Fé

67

Humberto Araújo: Igreja Assembléia de Deus (entrevista, 10.05.2009). Entrevistador – Uma campanha de oração proporciona uma vida financeira prospera? Ela tem efeito nesse aspecto? Entrevistada – acho que sim! Acontece de o irmão estar passando por uma dificuldade. Nem todos os crentes vivem financeiramente bem. E aí eu acho que é necessário a pessoa fazer uma campanha de oração para melhorar sua vida financeira. Acho que Deus ajuda sim! Entrevistador – Na sua compreensão Deus sempre premia com saúde e com prosperidade àqueles que o servem, que o seguem, que o amam? Entrevistada – Acho que sempre! Sempre, sempre, sempre... Entrevistador – Por quê? Entrevistada – Por experiência própria. Desde que eu entrei na igreja só tenho recebido bênçãos – Deyvia Silvia: Igreja Assembléia de Deus (entrevista, 06.06.2009). Entrevistador – o que é preciso fazer para a pessoa prosperar economicamente? Entrevistada – primeiro de tudo ser fiel a Deus. Em tudo o que ganha separar aquilo que é do Senhor em primeiro lugar. Fazendo isso não há como a pessoa não ser abençoada, não ser próspera. Além do dízimo, da oferta alçada, a gente deve abençoar com ofertas especiais. Entrevistador – A senhora acha que uma pessoa que serve a Deus é sempre premiada com a saúde e a prosperidade? Entrevistada – Com certeza. Aquele que realmente é fiel a Deus, é dedicado, voltado para Deus, Ele sempre dá o seu prêmio. Sempre honra e sempre está dispensando uma benção para cada uma dessas pessoas – Fátima Holanda: Igreja Betesda (entrevista, 19.05.2009). Entrevistador – Há alguma relação entre dá o dízimo e uma vida financeira próspera? Entrevistado – Tem! Até porque Deus diz: “Fazei prova de mim, se eu não abrir as janelas do céu...” Isso quer dizer também que Deus vai abrir as portas em relação ao financeiro da pessoa... O que Deus promete é dar em dobro naquilo que a pessoa está sendo fiel de coração ali naquele momento... Uma pessoa que é fiel a Deus, eu acredito que de nada ela tem falta. Até porque o salmo 23 relata: “O Senhor é meu pastor e nada me faltará.” Isso engloba tudo – Paulo Magalhães: Igreja Betesda (entrevista, 17.05.2009). Entrevistador – O senhor acha que uma campanha de oração tem algum efeito, no sentido de melhorar a situação financeira de alguém? Entrevistado – Eu creio que sim! Eu acredito plenamente nisso aí. Por que senão o que adiantaria eu estar dentro de uma igreja? Para que adiantaria as pessoas me pedirem oração? Para que orar? Eu oro para que o Senhor venha abençoar as pessoas, tipo: em uma cura, em uma resolução da situação financeira de alguém que está completamente falido. Entrevistador – o que o senhor acha da ideia daqueles que servem a Deus sempre serem premiados com a cura e com a prosperidade? Entrevistado – também creio! Não vou dizer para você que nós como cristãos, como servos de Deus somos livres de tudo. Vivemos em um mundo em que todos vivem. Então, estamos sujeitos a tudo

Page 68: Quanto Vale a Sua Fé

68

isso aí. Mas, com certeza estamos sob proteção divina. Eu sinto dores, passo por problemas, tenho enfermidades normalmente. Mas, minha fé está sempre firmada no Senhor; nesse propósito que Deus vai me curar, vai me proteger, vai me livrar. Então, se eu creio em Deus, tenho que acreditar nessas coisas – Aroldo Oliveira: Igreja Canaã (entrevista, 19.05.2009). Entrevistador – Você acha que Deus sempre premia com saúde e com prosperidade àqueles que o servem e que o amam? Qual sua opinião sobre isso? Entrevistado – Sim, sim! Porque você está obedecendo a Palavra de Deus. E com certeza virão bênçãos: abrir portas de empregos... E em todas as áreas você é abençoado. Entrevistador – Você vê alguma relação da miséria material com forças do mal que precisam ser exorcizadas? A miséria, a favela, estão relacionadas com algum mal espiritual? Têm relação, ou não há nenhuma relação? Entrevistado – Tem! Tem que expulsar mesmo o mal, não é? Tem uma força maligna que prende a pessoa na miséria. Em diversos bairros existe essa miséria. Pessoas que não buscam a Deus. Estão sempre no pecado, no pecado... Com certeza isso acaba tendo relação com a miséria. Não só aqui no Brasil, mas também na África, na Etiópia, nos Camarões... São lugares muito idólatras que oferecem suas ofertas a um demônio, às entidades malignas. E tem que expulsar mesmo. Entrevistador – Então você acha que os locais onde a miséria impera, seja em bairro ou em países, estão debaixo da influência de forças malignas? Seria isso? Entrevistado – Seria isso! Porque existem as forças do bem e as forças do mal. Então nossa luta não é contra carne e o sangue, e sim contra principados e potestades do mal no mundo tenebroso. Então precisam ser expulsos em nome de Jesus. Porque há poder no nome de Jesus – Fernando de Oliveira: Igreja Canaã (entrevista, 16.06.2009).

Diante desse quadro, podemos perceber que a Igreja Evangélica de Fortaleza – um

retrato da Igreja Evangélica brasileira – apresenta uma nova feição. De forma que

suas desaprovações e aprovações das práticas, dos valores neopentecostais se

misturam e se confundem nessa nova tendência da fé dos crentes. Diga-se, uma fé

que cada vez mais assume contornos e perfis capitalistas.

Os gráficos abaixo – resultado da pesquisa realizada em 2009 com cerca de quarenta

membros das igrejas acima citadas – demonstram essa realidade.

Page 69: Quanto Vale a Sua Fé

69

Aprova Não aprova

Não aprova, mas acha necessário.

Não respondeu

Aprovação da postura empresarial pela mídia evangélica.

18 15 6 1

Total Parcial Nenhuma relação

Não respondeu

Crença na relação entre a prática do dizimo e uma vida financeira prospera.

8 22

10 -

Total Parcial Nenhuma relação

Não respondeu

Crença na relação entre a pobreza e forças espirituais malignas que precisam ser exorcizadas.

6 11 21 2

Regularmente Esporadicamente Acompanha programas, mas não de igrejas neopentecostais

Não acompanha nenhum tipo de programa

Acompanhamento da mídia televisiva neopentecostal.

14 5 6

17 3

Baixos Razoáveis Abusivos Não respondeu

Opinião sobre os preços dos artigos evangélicos no mercado.

- 16 22 2

Regularmente Esporadicamente Nunca consome

Não respondeu

Consumo desses artigos evangélicos.

12 23 5 -

Pedidos por si mesmo

Pedidos pelos outros

Pedidos por si mesmo e pelos outros

Não respondeu

Prioridades nos pedidos de orações.

15 6 17 2

Page 70: Quanto Vale a Sua Fé

70

Prospera materialmente e

profissionalmente

Prospera na área moral, espiritual e

na relacional

Prospera em todas as dimensões da vida

Não respondeu

Definição de uma pessoa abençoada por Deus.

- 27 9 4

Page 71: Quanto Vale a Sua Fé

71

CAPÍTULO 3 – ALGUMAS POSSÍVEIS RAZÕES PELAS QUAIS A FÉ EVANGÉLICA

TEM DESENVOLVIDO A TENDÊNCIA CAPITALISTA

omo temos constatado até então, o Protestantismo nas suas mais diferentes

vertentes vem apropriando-se, reproduzindo à sua maneira novas crenças e

posturas que eram identificadas apenas no meio neopentecostal. Não

obstante as diferenças – o que também podemos perceber na pesquisa – esse

processo de “neopentecostalização” nas igrejas vai brevemente “diluir muitas das

diferenças agora existentes entre elas” (2005, p.39). E esta “neopentecostalização” no

meio evangélico ocorre, possivelmente, por algumas razões. No presente capítulo,

apresentamos pelo menos três delas.

3.1. A natureza pragmática da mídia

É a primeira razão desse fenômeno. Por pragmatismo queremos dizer a concepção

filosófica que estabelece seus valores na perspectiva da utilidade e da funcionalidade.

Para William James – um dos grandes expoentes em torno do qual esse movimento

se originou (final do séc. XIX) – o conceito de verdade, por exemplo, é algo totalmente

instrumental, ou seja, relacionado com sua operacionalidade (2005, p.52-53). Ele

define o pragmatismo como “a atitude de olhar além das primeiras coisas, dos

princípios, das ‘categorias’, das supostas necessidades; e de procurar pelas últimas

coisas, frutos, consequências e fatos” (ibid, p.48). Portanto, não são valores morais e

éticos que definem as ações, nesse caso. Mas a funcionalidade, a praticidade e a

utilidade.

E a mídia, principalmente a radiofônica e a televisiva, que surgiu no final da primeira

metade do século XX, absorve muito desse pragmatismo. Há quase meio século

Marshall McLuhan, um dos magos das comunicações nos Estados Unidos, escreveu:

“Hoje em dia, quando a tecnologia do poder dominou todo o ambiente global para

manipulá-lo como material de arte, a natureza desapareceu com a poesia da natureza.

Passamos agora da produção de artigos empacotados para o empacotamento de

C

Page 72: Quanto Vale a Sua Fé

72

informações” (2001, p. 38). Essa veiculação de informação por parte da mídia tem um

compromisso muito maior com fatores econômicos do que com a verdade, tornando-

se também um produto comercializado no mercado. E como qualquer produto de

consumo acaba procurando atender aos interesses pragmáticos.

Sobre o poder que a mídia possui, e sua natureza pragmática, ninguém melhor para

falar do que Genésio Lopes. Jornalista há vinte e cinco anos, escritor, colunista,

articulista do jornal Última hora, do Rio de Janeiro e de São Paulo. Participou

ativamente da vida política do país nos últimos cinquenta anos, lutando

obstinadamente pela sua redemocratização. Chegou a conhecer a censura e o cárcere

militar durante a Ditadura. Em seu livro O Superpoder – o raio X da Rede Globo –

Genésio faz uma crítica social ao império da ganância e da lucratividade midiática aqui

no Brasil. Ele classifica a mídia como um quarto poder, tendo inclusive proeminência

sob os outros poderes.

E a Nação, que sempre identificara nos Três Poderes da República a imagem mais clara do equilíbrio institucional e da força da Cidadania, espanta-se agora ao ver suas pulsações políticas e econômicas reguladas por algo estranho, insólito, e com o cinismo de todo usurpador: Um Superpoder (...) Contudo, se os verdadeiros Poderes da República dobram-se diante do Tacão Global, abdicando legitimidade, deveres e responsabilidades históricas, quem poderá reavivar a força desses valores morais e institucionais no coração da nossa gente? (ibid, 17-21).

O citado autor ainda nos diz que a mídia (Rede Globo) estabelece seu domínio sob

todas as esferas da vida social: da política ao futebol; da magistratura ao

empresariado; das elites às classes populares (ibid, p.16-17). Também critica a forma

inescrupulosa e voraz com que ela veicula as informações. Quase sempre visando à

lucratividade e à popularidade. E quase nunca à verdade e à ética. Sobre isso ele

comenta:

Como um Baal Fenício, que se alimentava de crianças de colo, esse complexo de comunicação devora dinheiro, costumes, tradições, inclusive a inata capacidade de reflexão das pessoas, despejando-lhes diária e repetidamente ‘pacotes de informações’ sobre a origem das quais sua consciência interrogativa jamais terá acesso... E nesse diapasão, movido pela impiedade política e publicitária, ‘a mentira acaba transformando-se na mais pura verdade’ como reflexo puro das táticas ‘goebellsianas’ (ibid, p. 49).

A natureza da mídia é absolutamente pragmática. E quanto à mídia evangélica? Ela

também se enquadra nesse perfil? De acordo com a análise do sociólogo Alexandre

Page 73: Quanto Vale a Sua Fé

73

Brasil Fonseca, parece-nos que sim. No seu artigo sobre Lideranças Evangélicas na

Mídia: Trajetórias na Política e na Sociedade Civil, ele analisa o trajeto do pastor Caio

Fábio D’Araújo Filho, uma das principais lideranças evangélicas do Brasil nos últimos

cinquenta anos. A relação de Caio Fábio com a mídia evangélica é bastante

emblemática pelo fato dela ser divisora de águas no que tange a um envolvimento e

participação maior do protestantismo histórico e pentecostal na televisão – espaço que

antes era ocupado apenas pelos neopentecostais. É a partir dessa relação que a visão

midiática empresarial se estabelece também entre outros segmentos do

Protestantismo. Vale ressaltar que isso ocorre no final da década de1980, e vem se

consolidando nas últimas duas décadas. Conforme Alexandre, o pastor Caio desponta

na mídia através da Vinde (Visão Nacional de Evangelização), entidade que mais

tarde se torna uma holding de outras sete organizações, algumas empresas e outras

sem fins lucrativos. Com uma emissora de rádio, uma revista e uma TV a cabo ela se

consolida, em pouco tempo, como uma empresa na área de comunicações. O referido

autor traça a trajetória do pastor acima citado da seguinte forma:

Seu início em Manaus (1974-1980) e desenvolvimento pessoal na televisão e rádio; sua mudança para o Rio de Janeiro com a consolidação de sua liderança entre ‘evangélicos de esquerda’ (1980-1987); sua aproximação com um público melhor situado economicamente (1988-1992), o que ocorre principalmente após o período que reside nos Estados Unidos; por fim, seu envolvimento em uma série de movimentos de cidadania, iniciando projetos sociais de vulto, tornando-se significativa figura da sociedade civil organizada (1993-1998). O ano de 1999 será um ano central na trajetória de Caio Fábio, pois demarca o início de uma nova etapa após seu envolvimento na divulgação do ‘Dossiê Cayman’ (1998, p. 95).

Ariovaldo Ramos, uma espécie de braço direito do presidente da Vinde na época,

aponta mudanças na ênfase do discurso de Caio Fábio depois da sua ida para os

Estados Unidos:

Ele ganha a filosofia empresarial por meio da convivência com Leighton Ford, Billy Graham Ministries e outros ministérios americanos personalistas... O Caio, até 87, era um cara assumidamente de esquerda. Com aquela visão que nós temos de mudar, promover justiça nesse país, a situação tem que mudar, a igreja tem que se engajar... E a TV era vista como grande difusora dessas idéias... Nos anos 90 começa uma nova fase no ministério do Caio, se aproximando de muitos empresários... Tudo começa a mudar, a perspectiva dos congressos muda. Nós tínhamos aquela visão de que você tinha que fazer uma coisa com custo baixo para trazer mais pastores e vender a mensagem da Vinde, que era uma mensagem bem Lausanne, bem evangelical... Caio agora fala uma linguagem mais empresarial e menos social – Ariovaldo Ramos, 3/3/1997 (citado em Fonseca, 1998, p. 99-101).

Page 74: Quanto Vale a Sua Fé

74

A mudança da “visão romântica” para a “visão empresarial”; do “Kibutz judaico” para a

“missão-empresa” – nas palavras de Ariovaldo – acaba ocorrendo. Isso porque dos

quinze funcionários que a Vinde possuía até 1990, em 1997 ela multiplica para

quatrocentos. Alterando também significativamente toda estrutura dos seus

congressos, passando a ser realizados em hotéis de cinco estrelas com custos

elevadíssimos. E coincidentemente ou não, isso se dá à medida que vários homens de

negócios e setores economicamente bem situados foram se achegando a Caio Fábio,

levando a Vinde a mudar o target de sua ação. O que nas próprias palavras de Caio

significa: “Vamos fazer uma missão que seja gerida empresarialmente e vamos fazer

empresas que tenham uma visão missionária. O lado missionário vai ser gerido

empresarialmente, e o lado empresarial vai carregar um coração e um objetivo

missionário” (ibid, p. 100 apud Caio Fábio 10/4/1997).

Por um lado, o pastor Caio Fábio dimensionou muito bem seu ministério midiático. Já

que – conforme Ortiz (1988) – a mentalidade empresarial é imprescindível tanto na

mídia eletrônica, quanto nas empresas de marketing e publicidade, pois sem ela seria

impossível se perpetuar nas selvas das comunicações. Por outro lado, o pastor não

calculou o custo moral e ético desse empreendimento empresarial. Como bem lembra

Debord, o desenvolvimento de qualquer empresa depende necessariamente de

técnicas, valores e meios da sociedade do espetáculo. E que a desonestidade faz

parte desse jogo não como opção, mas como necessidade de sobreviver no mercado

(2007, p. 222- 223). Ou ainda como nos diz Houtart:

Um empresário que desconsiderasse a concorrência não continuaria por muito tempo como diretor de uma empresa, e um banqueiro que não procurasse obter o melhor rendimento dos capitais a ele confiados não teria a confiança de seus clientes. Uma grande montadora de automóveis que priorizasse o bem-estar de seus trabalhadores no processo da produção seria rapidamente superada no processo da concorrência. Tudo isso tem muito pouco a ver com a excelência moral dos seus atores individuais que, além disso, com muita frequência encontram inúmeras razões para legitimar suas práticas. Podemos acrescentar que não há nada pior que um mau sistema operado por atores eticamente corretos – grifo meu (2003:60).

O sistema capitalista no qual vivemos não se importa muito com o que é certo, ou

errado; com o bem ou o mal. Mas unicamente com aquilo que pode gerar lucro. Essa é

a natureza pragmática do mundo empresarial ao qual a mídia pertence, e que foi

absorvida, de certa forma, pela Vinde – primeiro modelo de missão-empresa não

Page 75: Quanto Vale a Sua Fé

75

neopentecostal – no fim dos anos oitenta. Esse mesmo modelo tem sido reproduzido

pela igreja evangélica nos seus programas de rádio e de TV. Vale ressaltar a pesquisa

de campo, demonstrada nesse trabalho, realizada com pessoas que não fazem parte

de igrejas neopentecostais, na qual a maioria aprovou essa postura empresarial.

Talvez sem se dá conta dos comprometimentos éticos e morais que envolvem esse

meio.

É no mínimo curioso observar como os programas evangélicos de TV que, pelo menos

em tese, não são identificados com o Neopentecostalismo, têm adotados posturas e

práticas totalmente comerciais e mercantilistas. É o caso do televangelista, pastor da

Igreja Assembléia de Deus, Silas Malafaia. No programa Vitória em Cristo, exibido no

dia 13 de junho de 2009, ele entrevistava outro pastor que comentava sobre como

adquirira certa propriedade, cujo valor era bem acima de suas condições. O referido

pastor atribuía essa aquisição a uma oferta que tinha destinado ao programa do Silas.

Na verdade a atitude tinha sido da sua esposa, sendo que apenas, dizia o pastor, “–

peguei carona na sua fé”. Esse gesto, segundo ele, estava resultando em vários

benefícios materiais e espirituais, tanto para sua própria vida, quanto para sua igreja.

Durante toda sua fala foram enfatizadas e repetidas as seguintes expressões: “– É

preciso que você semeie para ter uma grande colheita...” “Quem semeia uma semente

recebe várias vezes mais...” “Faça como eu: dei o meu melhor para Deus e Ele deu o

melhor para mim...” “Talvez com esse dinheiro aí você nem consiga resolver seu

problema, então invista no Reino de Deus (entenda-se com isso investir nos projetos

ministeriais e no programa de TV do pastor Silas Malafaia)”.

Obviamente isso contou com a total aprovação do pastor Malafaia. Que vez por outra

interferia com frases: “– Eu concordo! amém!”, aproveitando para sensibilizar os

telespectadores falando dos altos custos que mantinham seu programa no ar, e que

ele não tinha ajuda de nenhuma igreja. Inclusive, prometendo criar um novo quadro na

programação com depoimentos desse tipo para mostrar como Deus está

“abençoando” (entenda-se prosperando materialmente) as pessoas que tem lhe

ajudado a custear as despesas com a TV, e com as suas megas cruzadas

evangelísticas.

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76

Há uma matéria de capa da revista Época, agosto de 2010, sobre Os novos

evangélicos12, na qual é mencionado um vídeo na internet “em que o pregador

americano Moris Cerullo, no programa do pastor Silas Malafaia, prometia uma ‘unção

financeira dos últimos dias’ em troca de quem ‘semear’ um ‘compromisso’ de R$

900...” (2010: 91 e 92).

E no programa de Silas exibido no dia 8 de janeiro de 2011, o pregador, também

americano, Mike Murdock dizia que iria pedir a Deus 1189 milagres para aqueles

próximos 15 minutos. Garantia um dos 1189 milagres (segundo ele o número de

capítulos da Bíblia) aos que ligassem para o programa fazendo determinada

contribuição financeira. Dizia também, sob forma de uma suposta revelação

sobrenatural, que havia telespectadores envolvidos em uma transação imobiliária, e

que precisariam, conforme Mike Murdock, “semear” algo em torno de 10 a 25 mil reais

para que a transação imobiliária lhe fosse favorável. Na ocasião ele também – com a

corroboração do Pr. Malafaia – divulgava seu livro Sabedoria para Vencer,

enfatizando frases do livro como: “decisões decidem riquezas”; “riquezas é uma

recompensa divina para aqueles que seguem suas leis”; “você pode ter uma vida sem

dívidas”; “eu tenho uma casa linda e não devo um centavo”; “um homem certa vez me

disse: quando eu oro não espero nada de Deus. Então eu lhe disse: você é um

homem estúpido”.

Vale salientar que em meio a essas frases, pontuadas em sua fala, durante o

programa, Murdock desafiava as pessoas a se filiarem ao clube de um milhão de

almas – projeto evangelístico do Pr. Silas Malafaia –, contribuindo com mil reais.

E por mais que o pastor Silas tenha tentado remediar no final do programa, afirmando

que não estava pregando uma “prosperidade louca e inconsequente”, fica patente que

o discurso e a postura daqueles que não se identificam doutrinariamente com o

neopentecostalismo, acabam se misturando e se confundindo com suas principais

ideias. É o preço da natureza absolutamente pragmática da mídia – até mesmo da

mídia evangélica.

É interessante notar a semelhança entre os discursos dos programas de TV como

esses do pastor Silas Malafaia, e aqueles discursos dos programas de TV da Igreja

12

Um movimento de fiéis que critica o consumismo, a corrupção e os dogmas das igrejas, e propõe uma nova reforma protestante.

Page 77: Quanto Vale a Sua Fé

77

Universal, da Igreja Mundial e da Igreja da Graça. Qualquer semelhança não é mera

coincidência e sim a necessidade de pagar os altíssimos custos da televisão. E

também, como diz Mariano, a grande influência exercida pelas igrejas neopentecostais

sob as outras; no que diz respeito à obtenção do sucesso, da visibilidade, do domínio

da mídia e das práticas que agradam as massas (2005:39).

Queremos esclarecer que a razão de termos mencionado o pastor Silas Malafaia

nessa argumentação foi única e exclusivamente o fato de nossa pesquisa mostrar sua

grande audiência ao lado do programa do missionário R.R. Soares na preferência dos

crentes entrevistados de várias igrejas evangélicas da nossa cidade. Sendo assim, a

intenção foi demonstrar, através disso, o surgimento, nas últimas décadas, de uma

tendência evangélica na mídia cada vez mais identificada com os valores capitalistas

da fé. Seja por meio dos programas de televisão tipicamente neopentecostais (como o

do R.R. Soares), ou por meio daqueles programas (como o do Silas) que não se

identificam doutrinariamente com essa linha. Porém, cujo discurso e postura se

misturam e se confundem com aqueles praticados no neopentecostaslismo.

3.2. A obsessão da nossa sociedade pela exuberância e pelo espetacular

Tal obsessão consiste a segunda razão dessa onda capitalista da fé – ou

“neopentecostalização” – que tem invadido as igrejas evangélicas. Guy Debord, um

dos mais importantes pensadores do século para a imprensa francesa, faz uma

análise crítica da moderna sociedade de consumo na sua célebre obra A Sociedade

do espetáculo. Nela, ele diz que nunca a tirania das imagens e a submissão alienante

ao império da mídia – fiéis promotoras do capitalismo e do consumismo – foram tão

fortes como agora. Debord fala do sistema de dominação espetacular da nossa

sociedade. Comenta que a lógica da sociedade do espetáculo, fundamentada no

capitalismo, se alastra e se afirma em toda parte: Da política ao crime organizado; da

ciência à tecnologia; do comércio à crença; das ideologias aos valores morais; da

cultura à mídia. E afirma que “já não existe nada na cultura e na natureza que não

tenha sido transformado e poluído segundo os meios e os interesses da indústria

moderna” (2007, p.173). Lembra-nos ainda que essa sociedade prefere a exuberância

do que a simplicidade; a ficção ao invés da realidade. A respeito disso nos diz:

Page 78: Quanto Vale a Sua Fé

78

A lógica do espetáculo comanda em toda parte as exuberantes e diversas extravagâncias da mídia (...) Aquilo que o espetáculo deixa de falar durante três dias é como se não existisse. Ele fala, então, de outra coisa, e é isso que, a partir daí, afinal, existe (...) O juízo de Feurbach a respeito de sua época que preferia ‘a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade’ foi inteiramente confirmado pelo século do espetáculo (ibid, p.171-207).

Nessa sociedade, o mundo evangélico passa a supervalorizar cada vez mais as

celebridades que volta e meia surgem em seu reduto; os megas templos suntuosos

que despontam pela cidade; os grandes eventos religiosos com todo o aparato da

publicidade e do marketing; as gigantescas cruzadas evangelísticas com a estrutura

das melhores empresas de eventos do país; e os excepcionais shows da fé com seus

“milagres’’ que impressionam as multidões. E tudo isso sob o pretexto de que “Jesus

merece o melhor”. E de que “temos que fazer coisas grandes para Deus”.

Consequentemente, o que passa ser prioridade é a imagem, a aparência, a

visibilidade – que possam impressionar de forma espetacular. A realidade, então,

acaba sendo confundida com aquilo que é mostrado. A fé com aquilo que pode ser

visto. E a credibilidade com aquilo que é evidenciado (ou que está em evidência). É

aquilo que o pensador e historiador francês Michel de Certeau diz no seu livro A

Invenção do cotidiano. Quando fala que as instituições (inclusive as religiosas) de

nossos dias tentam compensar a falta de credibilidade diante da qual se encontram

com técnicas de marketing, e tentando falsear a realidade com aparências (2007: 279,

280,281). Em decorrência disso, afirma Certeau que a crença na modernidade não é

algo mais invisível; que se esconde por detrás dos signos e do inacessível. Mas algo

que precisa ser visto, tocado e comprovado: “A invisibilidade do real, postulado antigo,

cedeu lugar à sua visibilidade (...) O visto é identificado com aquilo que se deve crer...”

(ibid, p.288- 289).

Numa sociedade da exuberância e do espetáculo a concepção antiga da crença – crer

naquilo que não vê – é substituída pela concepção contemporânea – crer apenas

naquilo que pode ser mostrado de forma impressionante. E é nesse contexto que os

valores neopentecostais do sucesso, da visibilidade, da presença ostensiva na mídia,

da prosperidade e da cura imediata e sensacional (ou sensacionalista) se estabelecem

e se afirmam no meio evangélico.

Page 79: Quanto Vale a Sua Fé

79

3.3. A dimensão sagrada do consumo

É a terceira e última razão que apresentamos aqui para tentarmos entender essa

tendência capitalista que tem tomado conta da crença evangélica. Antes de explicar

esse fenômeno, temos que compreender como nasceu essa sociedade do consumo.

Entendemos que a natureza do consumo não é algo exclusivo da sociedade moderna

industrial, pois, como nos lembra a antropóloga Diana Nogueira, “em todas as

sociedades e em todos os momentos da história os homens consomem e consumiram

objetos” (2010, p. 7). A antropóloga nos mostra que a atividade humana de adquirir,

dar, receber e retribuir objetos não é algo apenas ligado a fatores de ordem econômica

e material, mas algo, muitas vezes, carregado de significados socialmente

construídos. A prática de consumo não pode ser entendida apenas pelo viés

socioeconômico, mas também deve ser compreendida pelo viés sociocultural. E isso

pelo fato, conforme a autora acima citada, da constatação de que “a troca e uso de

objetos são práticas que criam e mantêm vínculos entre os membros de uma

sociedade e que, ao mesmo tempo, operam para fornecer sentido e ordenar a vida

coletiva em uma totalidade” (ibid,p.8-9).

Entretanto, é notório que o consumo de bens assume uma forma desproporcional na

sociedade ocidental moderna e industrializada. Tanto no volume, quanto na

diversidade de produtos – conforme nos diz Diana. E essa forma de consumo

exagerado está ligada diretamente à Revolução Industrial – transformações ocorridas

na Europa Ocidental nos séculos XVIII e XIX relacionadas à substituição da

manufatura pela maquinofatura; da produção artesanal pela produção fabril. Com isso

a produção que antes era em pequena escala passa a ser em grande escala. E ganha

proporções mundiais por meio de uma nova compreensão política e econômica, na

qual a propriedade privada consolida o capitalismo pela livre iniciativa da oferta e da

procura; e pela exploração do trabalho da classe operária – considerado apenas mais

uma mercadoria. E isso se dá no esteio de um liberalismo político e econômico

fundamentado pelos seus teóricos como John Locke (1632-1704), Adam Smith (1723-

1790), Thomas Malthus (1766-1834), David Ricardo (1772-1823). Só que em pouco

tempo surge o problema da superprodução, ou seja, dos bens excedentes produzidos.

Para, então, poder preencher essa lacuna entre produção e consumo, sem com isso

diminuir os lucros, a indústria passa a incentivar a aquisição desses bens além do que

era necessário. É o que nos diz Osvaldo Coggiola – professor de história

Page 80: Quanto Vale a Sua Fé

80

contemporânea da USP: “A expansão do modelo mundial, na segunda metade do

século XIX deu vazão ao capital supérfluo inglês...” (2007,p.98).

A partir dessas transformações sociais, políticas e econômicas surge o consumismo

como uma ferramenta da produção industrial para escoar os excedentes do capital

amealhado. Dessa forma, a indústria tem garantido até hoje o escoamento do que ela

produz. Seja pelas estradas de ferro do início da Revolução Industrial. Seja pela

internet, ou pela mídia dos nossos dias. Não importa! Ela sempre sobreviveu da

exploração do proletariado e do consumo exacerbado. Nesse diapasão, passa a ser

elaborado todo um conceito da felicidade proporcional ao acúmulo de bens

consumidos. Por conseguinte, todas as empresas de marketing e propaganda passam

a existir. Um artigo interessante da revista Christianity Today (Cristianismo Hoje) cita

um trecho do que se chamou Thompson Red Book on Advertising (O Livro Vermelho

sobre a Propaganda por Thompson), de 1901. Nele, há uma pequena frase que

descreve a propaganda na virada do século XX: “A propaganda tem o objetivo de

ensinar as pessoas que elas têm desejos que não reconheciam antes, que esses

desejos podem ser supridos”. Portanto, como nos lembra Gondim, o Capitalismo tem a

necessidade não apenas de gerar nas pessoas a compulsão para comprar, mas

também meios de concretizar seus desejos (1996, p. 39).

Essa sociedade do consumo consequentemente influencia o meio evangélico. O

crescimento do número de fiéis em todas as classes sociais nos últimos anos tem

permitido a expansão e diversificação de um mercado direcionado para esse público

consumidor. Fazendo com que floresça um novo ramo na cadeia produtiva brasileira: a

indústria gospel. Nesse mercado, nos diz Marcos Stefano, é possível encontrar, além

dos consolidados livros e CDs – imbatíveis nas vendas – produtos como bonés,

chaveiros, canetas, pulseiras, porcelanas, imãs de geladeiras, broches, quadros,

porta-retratos, adesivos e uma infinidade de artigos para todos os gostos e idades. E

apesar do discurso religiosamente correto do anúncio da Palavra de Deus através

desses meios, conforme Marcos, grande parte dos empresários evangélicos procura

mesmo é garantir seu “santo lucro”. Eles próprios admitem que exploram

comercialmente essa dimensão sagrada do consumo. “Vivemos numa sociedade de

consumo, que prioriza essa comercialização”, reconhece Samuel Eberle dos Santos,

superintendente da empresa Luz e Vida, detentora dos direitos do Smilinguido e sua

turma – a formiguinha mais famosa do mundo gospel aqui no Brasil (Eclésia, n. 67,

junho de 2001, p.36). Até mesmo empresários não evangélicos já perceberam que é

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81

um bom negócio investir nesse segmento. É o caso da empresária nacionalmente

conhecida Marlene Matos que transformou a Xuxa – a rainha dos baixinhos – numa

mina de ouro. Ela criou a Amém Records, produtora musical, que fazia parte do

megagrupo Xuxa Produções, e que passou a investir na rentável música gospel. “Não

me preocupo com questões religiosas, o meu interesse nesse tipo de música é apenas

financeiro”, admite Marlene (Vinde n. 9, julho de 1996:22). No que diz respeito aos

consumidores evangélicos, eles não são exclusivamente da classe média abastada. E

nem poderiam ser. “Cerca de 70% dos crentes brasileiros têm renda mensal de até

cinco salários mínimos. É gente que só dispõe de uns poucos reais quando sai às

compras” (Eclésia, nº. 67, junho de 2001, p.38).

Parece-nos que esse mercado gospel está aí mesmo para ser explorado. Nossa

pesquisa revelou que a maioria dos entrevistados, mesmo considerando abusivos os

preços dos artigos evangélicos disponíveis na praça, costuma comprá-los

regularmente ou esporadicamente. É perceptível que o consumismo tem se tornado

um estilo de vida do povo evangélico brasileiro. Como denuncia o pastor José Pontes:

“Somente com brindes, CDs, camisas, decalques e etc., os crentes brasileiros gastam

três bilhões de reais por ano” (Revista ISTO É, nº. 314, Set. de 2003 citada em Todos

Nós, n.2, {s.d}). É pertinente também citar, na íntegra, o comentário feito pelo

sociólogo Ricardo Mariano sobre o grande filão que se tornou o consumo de artigos

religiosos nesse meio.

Além da ampliação do número de gravadoras, surgiram produtoras de programas de TV, empresas de Software, fábrica de brinquedos, agências de turismo (para a ‘terra santa’), emissoras de rádio. Multiplicaram-se as confecções, com camisetas, estamparias, e demais peças de vestuário, e as lojas de instrumentos, CDs e partituras musicais. Diversificou-se a variedade de material escolar e de objetos de uso pessoal e doméstico com mensagens cristãs. Surgiram bonecos de brinquedos do pastor Davi, do profeta Moisés e da Arca de Noé, bonés, fitas de vídeo com desenhos animados, CD-ROM com jogos interativos para crianças e adultos e videogames com histórias e personagens bíblicos. Em 1988, a Beleza Cristã, do grupo Embeleze, baseada numa pesquisa com 800 crentes, lançou 180 produtos da linha cristã para o mercado evangélico, entre os quais xampus, colônias, cremes, potes de gel, loções, desodorantes, óleos aromáticos para unção, balas e drops (2005, p. 213-214). O Brasil está em segundo lugar no ranking dos países que mais consomem música gospel norte-americana. Ultrapassou diversos países de língua inglesa. O mercado brasileiro só perde mesmo para os EUA, líder mundial do segmento, não só em consumo, mas também em produção (Vinde, nº. 17, abril de 1997).

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82

Com o estabelecimento da sociedade consumista, os desejos e sonhos se

multiplicaram de tal forma que o supérfluo toma o lugar do essencial; a insatisfação

sobrepuja o contentamento. Nasce, então, a necessidade de experimentar o maior

número possível de opções para não frustrar a necessidade do consumo. É o que

Gondim chama de “estado de supermercado”:

Como o homem pós-moderno passou a acreditar que merecia o maior número de produtos, criou-se juntamente com o mercado o sentimento que ele tem que viver em ‘estado de supermercado’, como um consumista compulsivo. Da mesma maneira, necessita igualmente que as idéias, sistemas, e religiões estejam ao seu inteiro dispor. Quando lhe são oferecidas todas essa opções, elas chegam sem um valor intrínseco superior. Todas são válidas e passíveis de serem escolhidas, dependendo apenas da percepção subjetiva do indivíduo (1996, p.40-41).

Esse desejo intenso de consumir que impregna nossa sociedade, de experimentar

todas as opções possíveis – inclusive as opções religiosas –, tem implicação direta na

“neopentecostalização” das igrejas evangélicas não neopentecostais. De que forma

isso ocorre?

Primeiro através das identidades múltiplas. Stuart Hall, dissertando a respeito da

identidade cultural na pós-modernidade, diz que diferente do homem da sociedade

moderna – com sua identidade bem definida e localizada no mundo social e cultural –

hoje, vemos uma espécie de fragmentação que desloca cada vez mais as identidades

centradas e fechadas. Tornando, dessa forma, as fronteiras cada vez menos definidas,

provocando certa crise de identidade. Ele aponta a globalização como o principal

fenômeno responsável pela fragmentação de códigos culturais; pela multiplicidade de

estilos e pela exacerbação do efêmero, do flutuante e do “impermanente”. Segundo

Stuart, quanto mais a vida social estiver sendo mediada através do mercado global,

das viagens internacionais, da mídia e dos meios de comunicação globalmente

interligados, mais “as identidades se tornam desvinculadas – desalojadas – de

tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem flutuar livremente...”.

Somos, então, confrontados por uma variedade de identidades, “cada qual nos

fazendo apelos, ou melhor, fazendo apelos a diferentes partes de nós, dentre as quais

parece possível fazer uma escolha...”. Lembra-nos ainda que:

Os fluxos culturais, entre as nações, e o consumismo global criam possibilidades de ‘identidades partilhadas’ – como ‘consumidores’ para os mesmos bens, ‘clientes’ para os mesmos serviços, ‘públicos’ para as mesmas mensagens e imagens – entre as pessoas que estão

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83

bastantes distantes umas das outras no espaço e no tempo (...) Foi a difusão do consumismo, seja como realidade, seja como sonho, que contribuiu para esse efeito de ‘supermercado cultural’. No interior do discurso do consumismo global, as diferenças e as distinções culturais, que então definiam a identidade, ficam reduzidas a uma espécie de língua franca internacional ou moeda global, em torno das quais todas as tradições específicas e todas as diferentes identidades podem ser traduzidas (2007, p.73-76).

Em um mundo de consumo globalizado as identidades são partilhadas por pessoas

que fazem parte de grupos, de culturas, de tradições e de lugares diferentes. No

entanto, como afirma Hall, são consumidoras dos “mesmos bens, clientes para os

mesmos serviços, públicos para as mesmas mensagens...”. É significativo o fato do

nosso gráfico de pesquisa ter demonstrado que a maioria dos evangélicos

entrevistados – não filiados às igrejas neopentecostais – acompanha a mídia

neopentecostal: “... público (diferente) para as mesmas mensagens.” O que confirma

ainda mais essa tese das identidades terem se tornado, nesse mundo pós-moderno,

cada vez menos centradas, fechadas, unificadas, e cada vez mais diversificadas,

abertas, pluralizadas.

Entretanto, Stuart nos lembra que não devemos pensar esse fenômeno da identidade

na pós-modernidade como algo simples e dualístico do tipo: triunfo do global e

derrocada do local. Ou algo como: heterogeneidade e assimilação em detrimento da

homogeneidade e tradição. Isso porque a sociedade pós-moderna é contraditória e

confusa, pois à medida que constatamos as fronteiras desaparecendo pela

globalização e pluralização, as presenciamos ressurgindo intensamente pelo

fundamentalismo e etnocentrismo; à medida que as distâncias se encurtam, as

relações se tornam superficiais; à medida que as etnias se redescobrem, os conflitos

étnicos se multiplicam. Em outras palavras, por um lado, um avião a jato, a TV ou a

internet encurtam as distâncias entre pessoas, aproximam etnias distantes e

dissolvem fronteiras. Por outro lado, um Hezbollah, uma Al Qaeda, um Taleban, um

grupo de skinreds, uma torcida organizada ou um “inglesismo13” separam os

indivíduos e criam novas fronteiras.

Portanto, o que temos não é o desaparecimento total das identidades locais ou

grupais. E sim, o surgimento daquilo que Stuart classifica como identidade híbrida –

13

Inglesismo: movimento étnico inglês que procura resgatar e unificar a identidade britânica “ameaçada” pela presença ostensiva de imigrantes, principalmente da Ásia e do Oriente médio, dentro dos seus territórios.

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84

constituída de diversos tipos de identidades resignificadas e traduzidas, sem que com

isso ocorra uma total assimilação das novas identidades proporcionadas pela

globalização. E também, sem que haja uma plena desintegração das identidades de

origem. O que faz com que essa identidade híbrida do homem pós-moderno seja “o

produto de várias histórias e culturas interconectadas”, pertencendo assim, “ao mesmo

tempo, a várias casas e não a uma casa particular” (ibid, p. 88-89).

Nestor Garcia (em seu livro Culturas Hibridas) também explora essa ideia de

hibridismo sobre a qual se refere Stuart Hall. Ele explica que esse termo – transferido

da biologia para as análises socioculturais – remete a um conceito de mestiçagem (em

questões antropológicas), de sincretismo (em questões religiosas) e de fusão (em

questões musicais). Entretanto, assinala o autor acima citado, que não se deve pensar

em hibridação14 como se fosse algo sem contradições, sem conflitos e sem

resistências no processo de mistura e de interculturalidade. Garcia faz uma afortunada

observação de que uma compreensão não ingênua desse fenômeno classificado

como hibrido é inseparável de uma consciência critica dos seus limites, ou seja, do

que não se deixa, ou não quer ou não pode ser hibridado. Também considerou que a

intensificação das interculturalidades migratórias, econômicas e midiáticas nesse

mundo globalizado nos leva a perceber cada vez mais a prática da hibridação como

um acontecimento, muitas vezes, não planejado e não previsto; sendo decorrente da

criatividade individual e coletiva – aquilo que Michel de Certeau denomina da

“invenção do cotidiano”. De forma que, para Garcia, os membros de cada grupo se

apropriam dos repertórios heterogêneos de bens e mensagens disponíveis nos

circuitos estabelecidos por essas relações interculturais e geram novos modos de

produções, de representações, de significações e de saberes. Assim, nos lembra que

a hibridação relativiza em nossos dias a noção de identidades “puras” ou “autênticas”.

Sugerindo deslocar o objeto do estudo da identidade para heterogeneidade e

hibridação interculturais. Portanto, é necessário atentar, como explicam François

Laplantine e Alexis Nouss (citados por Nestor Garcia), que não há somente “a fusão, a

coesão, a osmose e, sim, a confrontação e o dialogo” (2001, p. XVII – XL).

Algo semelhante ao que acontece em termos culturais também ocorre, pontua Nestor

Garcia, com a passagem das misturas religiosas a fusões mais complexas de crenças.

É o que nos mostra mais claramente Jaqueline Hermann em seu livro Virando

14

Um processo sociocultural no qual estruturas e práticas discretas, que existem de forma separadas, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas.

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85

Séculos: 1580-1600 – o sonho de salvação. No qual ela discorre sobre a hibridação

resultante do encontro entre os elementos culturais e religiosos dos portugueses e dos

tupis no Brasil colonial. Isso é bem emblemático, segundo a citada autora, no

Movimento de Santidade, organizado no interior do Recôncavo baiano no inicio dos

anos de 1580. Percebe-se nesse caso, assinala Jaqueline, uma combinação dos

aspectos da fé católica pregada nos aldeamentos (juízo final, céu, inferno) com os

aspectos da mitologia tupi (terra sem mal; terra de fortuna; de felicidade e juventude

eterna; terra de homens-deuses, habitadas pelos heróis ancestrais).15 E tudo isso

misturado com elementos religiosos de um movimento messiânico português

conhecido como Sebastianismo (crença milenarista de alguns portugueses que

projetavam o retorno triunfante de D. Sebastião – rei de Portugal – que desaparecera,

por ocasião de um confronto com os mulçumanos no Norte da África na batalha de

Alcácer Quibir, em 1578, onde os portugueses foram derrotados em uma tentativa

frustrada de retomar antigas possessões coloniais).16 Nos diz ainda, a historiadora

acima citada, que uma simples análise nos documentos inquisitoriais do Santo Oficio

de 1591 nos faz perceber “... um complexo e impressionante amálgama das crenças

católicas e tupinambás, forjando um compósito hibrido e em muitos aspectos

indecifrável.” E também nos remete a compreensão de que “da mistura de elementos

de culturas e religiosidade europeia e gentílica surgiu o que se pode caracterizar como

catolicismo-tupinambá, hibridismo forjado no trópico e que nos remete à complexidade

dos dilemas e impasses da colonização.”

Esse tipo de hibridação de crenças pôde ser constatado na nossa pesquisa de campo.

Onde observamos que os valores, os conceitos e práticas dos grupos que não são

classificados como Neopentecostais, muitas vezes se misturam; se contrapõem e se

confundem com os valores; com os conceitos e com as práticas do

Neopentecostalismo. Como demonstramos anteriormente, os entrevistados, em alguns

15

Essa crença tupinambá sofreu transformações com a chegada dos portugueses. E através de todo o flagelo imposto pela colonização – escravidão indígena, catequese dos jesuítas, extermínio pelas doenças dos brancos - ela acabou sendo resignificada. De modo que as expectativas da utopia nativa de um mundo melhor ganharam a urgência daquele momento histórico para os tupis, reordenando o deslocamento deles para o interior do território brasileiro (se bem que não existia ainda Brasil) na busca da terra sem mal. Já que o litoral onde eles habitavam se tornou lugar de perseguição, escravidão, doenças e morte.

16

Segue-se a esse trágico acontecimento para os portugueses a União Ibérica na qual Portugal passa a ser dominado pela Espanha em um período que durariam 60 anos (1580-1640). Isso, por sua vez, vai contribuir significativamente para a construção das expectativas messiânicas pela quais os portugueses passam a acreditar em um retorno triunfante do rei sumido (D. Sebastião) para libertar e restaurar o reino Lusitano, estabelecendo-o como um grande Império Mundial, ou, o Quinto grande Império na História.

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86

momentos, mantinham-se fiéis às doutrinas de seus respectivos grupos

denominacionais, apresentando certa resistência diante de algumas posturas da

vertente Neopentecostal identificada com a tendência capitalista da fé. Porém, em

outros momentos, revelaram-se identificados com as doutrinas neopentecostais,

embora apresentando, às vezes, contradições entre as duas concepções

amalgamadas. Isso, por sua vez, nos faz perceber o surgimento de uma nova prática

religiosa hibrida da Igreja evangélica, que mesmo rejeitando (em alguns dos seus

círculos) a mercantilização da fé, no entanto acaba desenvolvendo um modelo de

crença com feições ortodoxamente capitalista. São as contradições típicas da pós-

modernidade.

Numa sociedade assim já não há mais identificação denominacional tão criteriosa. Em

função disso nos diz Kivitz :

Os movimentos da missão integral e da espiritualidade, da Teologia da Prosperidade e da batalha espiritual, as ondas de igrejas em células e o badalado G 12 se espalharam por igrejas locais e conquistaram líderes cristãos, independente de sua identidade (ou falta de identidade) denominacional (batista, metodista, presbiteriana, entre outras). (2006, p.209).

Na luta pela sobrevivência no mercado religioso as igrejas se adaptam rápida e

constantemente às novas tendências que vão surgindo para poder atender o gosto do

cliente, que por sua vez muda também rapidamente. E neste “supermercado” da fé, os

indivíduos se percebem como consumidores predispostos a comprar qualquer nova

ideia adaptável às suas necessidades e desejos, sem levar tão a sério valores como

compromisso, fidelidade, constância e pertencimento. Enfim, devido a esse fenômeno

das identidades múltiplas a “Igreja Evangélica é hoje uma grande Babel que reflete um

espírito de época, e se organiza tal e qual qualquer mercado: pela via da

segmentação” (ibid, p. 209).

O outro fator pelo qual a sociedade do consumo contribui para a tendência

mercantilista da fé evangélica é o imediatismo. A atitude consumista se encaixa no

mundo do instantâneo, no qual os cartões de créditos possibilitam às pessoas

comprarem o que quiserem, adquirindo instantaneamente, para pagar depois. Por que

esperar? Compre o que você quer agora! Vivemos em um mundo onde a TV

estabelece que tudo o que realmente importa é o agora. John Benton aponta para um

aspecto da televisão, como o “Mundo do Instante”, que merece nossa ponderação:

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87

Tudo é imediato. Os filmes e a televisão se concentram na faculdade da visão. Naturalmente, a única coisa que podemos ver é este exato momento. Tudo que podemos ver é o agora. Com nossos olhos, não podemos ver o ontem nem o que acontecerá daqui a dois anos. Tudo o que podemos ver é este momento. Podemos nos lembrar do que aconteceu ontem, mas a lembrança não é o que vemos. A visão é uma faculdade do ‘agora’. Daí, a televisão tem uma segunda mensagem subliminar: ela está sutilmente dizendo que agora é o único momento que importa (2002, p.61-62).

E esse imediatismo é também um elemento que tem construído a crença evangélica

nesses últimos vinte anos. A Teologia da Prosperidade surge, então, para atender as

expectativas e os interesses de uma sociedade ávida pelo consumo imediato: do

agora e não do depois, do aqui e não do além. Para Ricardo Mariano ela “se encaixa

como uma luva tanto para a demanda imediatista de resolução ritual de problemas

financeiros e de satisfação de desejos de consumo dos fiéis mais pobres... como para

a demanda dos que almejam legitimar seu modo de vida, sua fortuna e felicidade”

(2005, p. 149).

Por último, temos ainda o utilitarismo como outra forma pela qual a sociedade de

consumo influencia na neopentecostalização das igrejas evangélicas. Por utilitarismo

queremos falar do conceito que condiciona o valor de algo à sua utilidade. Tudo,

então, passa a ser instrumentalizado para atingir fins pessoais. Como nos lembra

Ruben Alves – citando e comentando o livro do filosofo Martin Buber “Eu-Tu” –, a

nossa relação com as pessoas, inclusive com o próprio Deus, não é mais interpessoal

(eu e tu). Mas sim instrumental e utilitarista (eu e isso). Ele diz:

Há um tipo de relação que transforma tudo em objetos mortos. Uma mulher que se transforma em objeto para o homem que faz uso dela para ter prazer. Um homem se transforma em objeto para a mulher que o usa para obter status ou segurança. Uma criança se transforma em objeto quando seus pais a manipulam para realizar seus sonhos. Para um professor que só pensa no cumprimento do programa, todos os seus alunos são objetos. Para quem está atrás de milagres, Deus é um objeto que faz milagres. O eleitor é um objeto que o político usa para ganhar poder. Um doente, para o médico, pode ser apenas ‘um portador de uma doença’. (Ah! Os professores e alunos, à volta de um doente sobre quem nada sabem, nem mesmo o nome, numa enfermaria de hospital! Ali não está um ser humano! Ali está um caso interessante...) Buber deu a esse tipo de relação o nome de ‘eu-isso’. Tocadas pela relação eu-isso, todas as coisas, pessoas, animais, árvores, Deus se transformam em coisas que eu uso para atingir os meus propósitos. Eu sou o centro do mundo. Tudo o que me cerca são utensílios que eu uso para os meus propósitos (2003, p.96).

Page 88: Quanto Vale a Sua Fé

88

Nesse conceito utilitarista a contemplação do divino acaba se perdendo, surgindo em

seu lugar a instrumentalização divina. A aproximação do sagrado deixa de ser algo

envolvido em mistério, espanto e reverência, tornando-se apenas técnicas de como

acionar e manipular Deus.

Esse tipo de relação utilitária, como bem colocou Ruben Alves, “transforma tudo em

objetos mortos”. Inclusive Deus! Talvez sem se aperceber a igreja evangélica O

matou. Nem tanto como Nietzsche em “Assim Falou Zaratustra”, negando a sua

existência. Mas, de outra forma, os evangélicos também mataram Deus,

transformando-O em um mero objeto para atingir seus propósitos mais mesquinhos e

egoístas. Isso porque quando nós transformamos pessoas em objetos, a natureza em

objeto, o trabalho em objeto, Deus em objeto, acabamos assim destruindo os

sentimentos, o meio ambiente, a vocação e a verdadeira espiritualidade.

Page 89: Quanto Vale a Sua Fé

89

CAPÍTULO 4 – OS POSSIVEIS DESDOBRAMENTOS DA TENDÊNCIA

CAPITALISTA DA FÉ EVANGÉLICA

ual o futuro da Igreja Evangélica? Mesmo sabendo dos riscos de previsões

alarmistas e equivocadas – típicas de futurólogos e adivinhos –,

apontaremos algumas posturas que o Movimento Evangélico poderá assumir

nas próximas décadas.

4.1. AFASTAR-SE CADA VEZ MAIS DA PROPOSTA DE JESUS

Não é preciso ir muito longe para perceber o quanto os evangélicos estão se

afastando dos ensinos de Cristo. Basta tomar como exemplo o conceito de felicidade.

De acordo com aquilo que Jesus ensinou no Sermão da Montanha, felicidade se

consiste em um viver piedoso no caminho da retidão. A palavra que ele utiliza no

Evangelho de Mateus (cap. 5) para “bem-aventurados” – felizes – é a palavra hebraica

Ashréi. Essa palavra que se repete 43 vezes na Bíblia, e que aparece em várias

passagens do Antigo Testamento, tem como significado “conduzir-se pelo caminho

reto”. No livro de Provérbios, esse conceito é bastante difundido: “Não siga pela

vereda dos ímpios, nem ande pelo caminho dos maus” (cap. 4. 14 – NVI). E também

diz: “Ouça meu filho e seja sábio, guie seu coração pelo bom caminho” (cap. 23. 19 –

NVI). Os verbos “seguir”, “andar” e “guiar” que aparecem nestas referências é o

mesmo verbo hebraico “ashar”, do qual deriva a palavra “Ashréi”, utilizada por Jesus

no Sermão da Montanha.

Portanto, o conceito de felicidade ensinado por Cristo nada tem em comum com o

nosso conceito de felicidade. Isso porque no mundo ocidental em que vivemos, a

felicidade é proporcional ao acúmulo de bens de consumo e realização imediata –

Inclusive esse é o conceito de felicidade que tem sido propagado em muitas igrejas

evangélicas. Já na concepção oriental de Jesus, felicidade é uma caminhada no Reino

de Deus, afastando-se sempre do mal, mantendo-se constantemente na trilha do bem.

No nosso conceito materialista, consumista e capitalista a felicidade é um lugar aonde

Q

Page 90: Quanto Vale a Sua Fé

90

conseguimos chegar: no que se refere à posição, ao status, a condição econômica e à

realização pessoal. Porém, de acordo com os ensinamentos de Jesus nas “bem-

aventuranças” a felicidade não é um lugar aonde se chega, mas sim o jeito como se

caminha pela vida. Como bem lembra Kivitz, esta é a “felicidade mais simples e

singela, menos hollywoodiana (...) felicidade de andar sempre, não desistir nunca,

seguir a trilha que Jesus deixou e conduz ao Reino eterno” (2006:192).

Em nossa compreensão a felicidade está ligada apenas ao prazer biológico, orgânico

e fisiológico. No entanto, na proposta de Cristo, articulada nas “bem-aventuranças” e

registrada em Mateus capítulo 5, a felicidade tem a ver com a humildade; com a

sensibilidade; com a mansidão; com a justiça; com a misericórdia; com a santidade;

com a paz; com o ser coparticipante nos sofrimentos dos profetas e de Cristo – estes

sofreram pelo fato de se oporem ao “status quo” dominante dos seus respectivos dias.

Na nossa elaboração ocidental moderna, a felicidade se resume basicamente em

eliminar o sofrimento, e satisfazer-se plenamente em todo tempo; a qualquer preço.

Entretanto, Jesus entendia felicidade como viver prioritariamente para fazer a vontade

do Pai celeste. Mesmo quando essa vontade incluir a dor, o sofrimento e a renúncia da

nossa própria vontade. Pois, ao contemplar o seu sofrimento que estava preste a se

manifestar, em um momento de intensa angústia, Jesus orou da seguinte forma: “...

Pai, tudo te é possível. Afasta de mim esse cálice; contudo não faço o que eu quero,

mas sim o que tu queres” (Marcos cap. 14.36 – NVI).

Para Jesus, o mais importante no final da jornada de cada ser humano não é o quanto

ele conseguiu amealhar, ou quantos bens conseguiu acumular, ou quantos momentos

prazerosos conseguiu desfrutar, ou quantas conquistas conseguiu efetivar, ou ainda

quantas posições conseguiu galgar. Mas sim o que ele fez da sua vida; que tipo de

pessoa se tornou; o que fez com as pessoas à sua volta; o que fez com as pessoas

que o amam; que contribuição deixou para o bem-estar da raça humana; e qual rastro

deixou na sua caminhada. Isto, de fato, segundo os evangelhos, é o que define para

Jesus a felicidade. Felicidade centrada no “ser” e não no “ter”. E a diferença entre

essas duas lógicas não se trata apenas do choque de valores entre culturas diferentes

(oriental x ocidental), mas de acordo com Fromm é a “diferença entre uma sociedade

centrada em torno de pessoas e outra centrada em torno de coisas” (1982: 38,39).

Page 91: Quanto Vale a Sua Fé

91

4.2. TRANSFORMAR-SE EM ALGO TOTALMENTE ALIENANTE

Ao longo da história, o Cristianismo tem levado a pecha de instrumento de alienação.

Em alguns momentos, este rótulo foi um tanto quanto injusto; porém, algumas vezes

foi totalmente merecido. E isso porque as conformações históricas do cristianismo, em

muitas ocasiões, afastaram os fiéis da realidade social à sua volta, colocando-os em

mundo de ilusão.

No século XIX, por exemplo, devido às condições sociais perversas da Europa, nas

quais o trabalhador vivia uma situação um pouco melhor do que a do escravo, Karl

Marx rotulou o Cristianismo como o “ópio do povo”. Por que esse rótulo? Pelo fato do

Cristianismo da época, aliado a aristocracia europeia, ter desempenhado um papel

alienante, no que diz respeito a prometer um mundo melhor apenas para a vida Além

Túmulo, anestesiando assim as pessoas quanto à opressão social. Roubando-lhes a

condição de lutarem para a transformação da realidade opressora do presente. Era

praticamente o que ocorria com os usuários de ópio17 (droga mais usada na época).

Eles ficavam entorpecidos e anestesiados a qualquer tipo de dor. Tendo essa

realidade em mente, Marx cunhou sua célebre frase: “A religião é o ópio do povo”.

A partir dessa ideia, o teólogo contemporâneo Ricardo Gondim reflete sobre as

práticas de fé alienantes que a Igreja Evangélica Brasileira tem desenvolvido – no que

tange à alienação que a tendência capitalista da fé tem provocado. Ele diz que o

Movimento Evangélico está mais para a “cocaína do povo” do que para o ópio do

povo. Argumenta:

No ocidente, a proposta religiosa vem crescentemente se tornando mais parecida com outro tóxico: a cocaína. O Neoliberalismo, pai desse materialismo consumista tão bem expressado no fascínio pelos shoppings e pelas grifes, entorpece como o ópio. Por outro lado, a religião como é praticada hoje procura excitar e produzir sensações de poder parecidas com a da cocaína. Assim, o crente que frequenta os cultos da prosperidade recebe semanalmente uma injeção de cocaína espiritual no sangue, fazendo que se sinta o dono do mundo. Mesmo que apenas por alguns minutos de culto, sonham com tudo o

17

Droga extraída de uma planta denominada papoula, que afeta o sistema nervoso de quem consome, deixando-o em um estado de entorpecimento e anestesiados a qualquer tipo de dor real. Essa planta foi muito cultivada nas colônias inglesas da Índia e da então Birmânia, da qual era extraída a droga vendida aos chineses. Quando as autoridades do governo chinês decidiram reprimir o comércio ilegal do ópio, os ingleses entraram em guerra contra a China – a Guerra do Ópio (1840-1842).

Page 92: Quanto Vale a Sua Fé

92

que seus olhos gulosos viram as empresas de marketing anunciarem na televisão (...) E, depois de espoliados, são devolvidos à dura realidade da vida, obrigados a encarar a rebordosa da segunda-feira. Dependurados nos trens suburbanos ou numa fila burocrática sofrem tristes e deprimidos, assim como foliões do carnaval voltam para o seu destino na madrugada da quarta-feira de cinzas. Enfrentam sozinhos a dura realidade de que não são reis, nem rainhas, apenas subempregados, com a tarefa de viverem com um salário miserável (...) Por isso, fé e cocaína se parecem muito; dão uma falsa sensação de poder e geram pessoas artificialmente soberbas. Mas, a ressaca da cocaína, como da fé pós-moderna é horrível, pois vem sempre acompanhada de depressão e desengano (...) E se algum outro filósofo ateu afirmar que essa religião pragmática que se espalha no ocidente combina com o narcótico da moda, também seremos obrigados a concordar (2004: 40,41).

Esta longa e oportuna citação expressa muito bem o caminho que a fé evangélica tem

tomado nas últimas décadas, a saber, a trilha da alienação e, consequentemente, da

frustração. Onde as pessoas, através da negação, são levadas a fugirem de uma

realidade existencial, social e econômica da qual não querem admitir.

4.3. DESCARACTERIZAR O CRISTIANISMO DO SEU PERFIL REVOLUCIONÁRIO

Uma das marcas bem distintas da proposta de Jesus de Nazaré é justamente seu

caráter subversivo, no que se refere a uma postura de ruptura, de contestação e de

enfrentamento do “status quo” opressor. Podemos ver isso, por exemplo, na sua

apresentação de um “novo” Reino no qual Ele se diz Senhor. Talvez alguns entendam

esse discurso do Reino de Deus apenas como uma forma de expressão poética

utilizada por Jesus. Acontece que essa era uma declaração profundamente

comprometedora e que confrontava a autoridade opressora da época – o Império

Romano. Naqueles dias, Roma se constituía e se estabelecia como o maior poderio

político, militar, cultural e econômico. Apresentava-se como um reino “indestrutível”,

“eterno” e para o qual toda história deveria convergir. Todo esse poder era

reivindicado pelo senhorio absoluto dos césares – títulos atribuídos aos imperadores

que assumiam o trono. “Kúrios Kaiser”, ou “César é Senhor” significava lealdade

política exigida de um modo não muito diferente do “Heil Hitler” exigido durante os

anos de 1930 e início de 1940 na Alemanha nazista.

É nesse contexto que surge um anônimo carpinteiro judeu, sem credenciais, sem

posição social, sem um exército, sem uma milícia ou mesmo uma arma. Sem título de

nobreza ou riquezas. Sem nem mesmo um pedaço de terra ou casa própria. Tendo

Page 93: Quanto Vale a Sua Fé

93

como seguidores um grupo de homens igualmente anônimos e inexpressivos. Alguns

deles pescadores rústicos e iletrados. Acompanhado também por um séquito

considerável de mulheres que não tinham vez e não tinham voz – nem mesmo nas

mais desenvolvidas sociedades da época, como na polis grega. E esse judeu, com

esse tipo de seguidores, proclama um reino que prevalece não pela força das armas,

mas pela força do amor; que se caracteriza não pela opressão e privilégios, mas pela

liberdade e igualdade; que avança não pela violência e nem pelo o derramamento de

sangue, mas pela fé e pela justiça, como fermento na massa, como semente no solo.

Um Reino eterno que transcenderia o tempo e o espaço, do qual ele reivindica ser o

verdadeiro Senhor – “Kúrios Yeshua” ou “Jesus é o Senhor”. Por conseguinte, isso era

politicamente revolucionário pelo fato de dizer que há um poder em Jesus mais

importante do que o poder do líder da superpotência daqueles dias. Dizer que “Jesus é

o Senhor” era afirmar a autoridade de um rabino judeu sem nenhuma expressão, sem

poder, pobre e marginalizado, sobre o poder do próprio César com todas as suas

riquezas, status, exércitos, espadas, lanças, carruagens e cruzes.

Este perfil revolucionário de Jesus Cristo se revela não apenas perante o poder

político dos seus dias, mas igualmente diante do poder religioso. Podemos perceber

isso quando ele decide romper com as barreiras étnicas, morais e religiosas impostas

pelo judaísmo, acompanhando-se de prostitutas, publicanos18 e pecadores. Inclusive

fazendo refeições com eles19·. Ou mesmo quando ele curou alguns gentios20,

chegando a declarar que alguns deles exerciam uma fé maior que a dos judeus.

Esse tipo de comportamento e de declarações, na compreensão de John P. Méier,

incomodou a maioria dos grupos religiosos dos seus dias, como, por exemplo, os

fariseus. Estes “insistiam na completa separação entre judeus e gentios. Eram

provavelmente hostis a Jesus e não deviam entender porque ele comia na mesma

mesa dos impuros” (Super Interessante, n° 234, dezembro de 2006:88).

A outra maneira através da qual Jesus contrariou o sistema religioso dos seus dias foi

através das curas que realizou. De acordo com muitos historiadores e pesquisadores,

havia, naqueles dias, uma estreita ligação dos males do corpo (doenças) com os

males do espírito (pecados). Ou seja, a causa das doenças era atribuída aos pecados.

18

Fiscais do Estado romano que extorquiam os judeus nos impostos. 19

Ato considerado na cultura judaica como demonstração de intimidade e companheirismo. 20

Pessoas que não eram de Israel e professavam a religião pagã.

Page 94: Quanto Vale a Sua Fé

94

Isso, por sua vez, acabava favorecendo a elite judaica, pois a cura do corpo e da alma

passava pela mediação ritualística dos sacerdotes no templo em Jerusalém. Essa

casta sacerdotal detinha o monopólio de conduzir os fiéis aos rituais de purificação –

que, na época, incluía o sacrifício de animais, vendidos no templo para este fim.

Garantindo, dessa forma, uns trocados para os sacerdotes. “Afinal, para se curar, o

doente tinha que pagar mais taxas e oferecer mais sacrifícios no templo”, diz o

historiador John Dominic Crossan. “Isso gerava para o doente um ciclo interminável de

sofrimento e dívidas” (ibid, pág.88).

Portanto, não é difícil imaginar como os lideres religiosos judeus se sentiram

afrontados quando tomaram conhecimento de que um carpinteiro pobre e rude andava

curando (salvando) as pessoas das suas doenças com um simples toque, ou com uma

simples palavra, sem a necessidade de sacerdotes, de animais (sacrifícios) e de taxas

extras. “Hoje é difícil de entender como um ato desses era radicalmente subversivo”,

comenta o historiador Richard Horsley. A maioria dos pesquisadores concorda que

atos subversivos como esses seriam suficientes para levar alguém à crucificação.

A postura revolucionária de Jesus, frente à religião de seus dias, caracteriza-se ainda

pela resignificação da concepção de Messias. Os judeus alimentavam a expectativa

da vinda de um messias que libertasse Israel da dominação política, militar e

econômica estabelecida pelos romanos. Na verdade, fazia séculos que lutavam contra

o domínio de povos estrangeiros. Antes dos romanos chegarem, no ano 63 a.C., eles

haviam sido subjugados por assírios, babilônios, persas, macedônios, selêucidas e

ptolomeus. Os judeus sonhavam com a ascensão de um monarca (Messias) forte,

vitorioso e conquistador como o rei Davi, que por volta do século 10 a.C. inaugurou um

tempo de conquistas e de prosperidade para o povo de Israel. Esta expectativa,

misturada com nostalgia, tornou-se tão intensa ao ponto de produzir certa resistência

inútil, diga-se de passagem, à subjugação romana – o que seria equivalente em

nossos dias, mais ou menos, ao Iraque resistir à dominação norte americana. E essa

resistência aos romanos se dava por meio de vários movimentos, dentre os quais se

destacavam: os zelotes, que se apresentavam como um movimento messiânico

militarmente armado; os essênios, que esperavam o messias de forma mais pacífica,

reunidos em comunidades monásticas isoladas das “impurezas” dos grandes centros;

e os movimentos apocalípticos que o aguardavam através de uma intervenção

sobrenatural e iminente de Jeová. Todos estes grupos sonhavam com o dia em que

Page 95: Quanto Vale a Sua Fé

95

Deus enviaria o seu messias para trazer prosperidade, justiça e paz à região. Portanto,

aguardavam um messias forte, guevarista, vencedor, libertador e conquistador.

Mas, então Jesus se manifesta anunciando que Ele é o Messias Prometido e

esperado. No entanto, seria derrotado, condenado e morto pelo Império Romano,

provocando uma mudança drástica na compreensão messiânica, na qual se concebia

um herói com vitórias retumbantes, fantásticas e supra-humanas. A figura do Messias

é, então, redesenhada. Passando a ser, segundo Jung Mo Sung, caracterizado não

mais pelas suas vitórias, ou por proporcionar bem-estar político, econômico e social,

“mas sim pela sua fidelidade plena à missão recebida de Deus de anunciar a

dignidade radical de todos os seres humanos e em nome dessa verdade enfrentar até

à morte as forças idolátricas dos impérios”. (1998:41).

Diante disto não dá para conceber Jesus como aquela figura que geralmente é

apresentada na escola dominical, ou nas aulas de catequese. Aquele cara legal, fino,

gentil, calmo, frágil e que agrada a todos. Suas palavras e atitudes, como diz Brian D.

Maclaren, ”vão muito além das reivindicações de um típico sacerdote, poeta ou filósofo

– e até mesmo além das ousadas palavras de um profeta ou de um reformador

comum. Estas são as palavras e as atitudes fundamentais de um revolucionário, que

inspiram, provocam rupturas, aterrorizam, chocam e enchem de esperança; que têm

por objetivo derrubar a ordem estabelecida em praticamente todas as esferas

imagináveis” (2007:50,51).

A mensagem revolucionária de Jesus é percebida claramente nas suas reivindicações,

nas suas afirmações e na sua proposta de uma sociedade alternativa (Reino de Deus)

em um sistema opressor, que se considerava a única forma possível de mundo. Ela é

identificada na maneira como ele desconstruiu ideias religiosas que excluíam,

monopolizavam, alienavam e geravam nas pessoas falsas expectativas,

proporcionando, assim, uma leitura mediocrizada e amesquinhada do Reino de Deus,

reduzindo-o a um mero reino humano.

Indubitavelmente, o Cristianismo na sua essência é subversivo e revolucionário.

Principalmente quando se encontra diante de uma conjuntura social, política,

econômica e religiosa opressora, monopolizadora, alienante e que rouba da vida

humana sua dignidade.

Page 96: Quanto Vale a Sua Fé

96

Onde entra, neste caso, a descaracterização do Cristianismo promovido pela

tendência capitalista da fé evangélica? Quem melhor responde essa pergunta é o

teólogo católico Jung Mo Sung em seu livro Desejo, Mercado e Religião, no qual,

numa abordagem muito consistente, ele afirma que o Capitalismo sacraliza a injustiça,

a exploração, a desigualdade e o desejo ilimitado que se confunde com necessidade,

onde sempre falta e nunca sobra para partilhar. Legitimando assim a exclusão social,

o sofrimento dos desempregados e a fome de milhares como “sacrifícios necessários”

exigidos pelas leis do mercado (1998:98).

Por estas razões, o Capitalismo se constitui hoje como um sistema opressor, injusto,

alienante, desumano e que rouba das pessoas sua dignidade e seus diretos básicos.

Diante de tal sistema qual seria a postura de Jesus? De conformação ou de

contestação? Deixo com você a resposta.

Mas, talvez, alguém possa perguntar: como pode um sistema econômico

descaracterizar o Cristianismo? O que tem a ver economia com religião? E

especificamente com a religião evangélica?

Outra vez Jung responde esses questionamentos quando diz que é ingenuidade

pensar que a secularização das sociedades modernas aboliu a presença do sagrado

das esferas política e econômica. E que, o fato do fundamento da ordem social deixar

de ser tradicionalmente religioso, não significa que o novo fundamento (o Capitalismo)

não reivindique para si as características antes atribuídas à esfera religiosa e sagrada.

Segundo o referido autor, a dessacralização da sociedade moderna não pode ser

entendida como a eliminação do sagrado, mas apenas como um deslocamento de

eixo da esfera da Igreja para a esfera mercadológica (ibid, pág. 63,64). Inclusive, com

uma promessa de paraíso. Só que não mais como algo para além da história e

intermediado pela Igreja; e sim, como uma realidade dentro da história, resultado do

progresso, do desenvolvimento econômico, do acúmulo ilimitado das riquezas que

satisfarão todos os desejos. E tudo isso mediado pelo mercado, contendo ainda todo

um sistema sacrificial como nas religiões. Sistema esse que está escondido por trás

da cultura do consumo exacerbado. Sacrificando o meio ambiente; sacrificando os

valores humanos; sacrificando os mais fracos; sacrificando os mais pobres;

sacrificando os menos adaptáveis à concorrência. Esta lógica perversa acaba por

depredar a natureza, excluir e exterminar seres humanos. E tudo em nome do

“desenvolvimento econômico”. Ressaltamos que, como nos lembra Jung, a ciência

Page 97: Quanto Vale a Sua Fé

97

econômica não possui apenas o nível da operacionalidade, “mas ela possui também

implicitamente uma filosofia e, portanto, uma ética” (ibid, pág. 21).

É importante também destacar que existe toda uma cultura de insensibilidade gerando

certa conformação das pessoas a essa realidade opressora produzida pela “idolatria”

do Capitalismo. Vale a pena, mais uma vez, fazer uma longa citação do autor acima

mencionado:

Essa cultura de insensibilidade, que beira o cinismo, não nasceu e nem cresce por acaso. È fruto de diversos fatores históricos e sociais, além de outros de ordem antropológica (...) Existe, nas nossas sociedades, uma ideia da inevitabilidade das desigualdades e exclusões sociais (grifo meu). Esta tese recebeu um grande impulso com a queda do bloco comunista. Com a falência do modelo alternativo, a tese de que o Capitalismo, com sua ideologia neoliberal, representava o “fim da história” ganhou um impulso antes não imaginado. Com a disseminação da tese de que não há nenhuma alternativa possível, a atual situação social passou a ser vista como inevitável. Não só inevitável, mas também justa. Cresce entre nós o que Galbraith chamou de “cultura do contentamento”: a noção de que os “bem” integrados no mercado “não estão fazendo mais do que auferir o seu justo merecimento” (grifo meu) e que, portanto, “se a boa fortuna é merecida ou se é uma recompensa do mérito pessoal, não há justificativa plausível para qualquer ação que possa vir a prejudicá-la ou inibi-la – que venha a reduzir aquilo que é ou poderá ser usufruído”. O outro lado da moeda é que os pobres são vistos como culpados da sua pobreza e tendo justo merecimento (grifo meu). Assim, os atuais mecanismos concentradores e excludentes do mercado são vistos como “encarnações” de um juiz e de uma justiça transcendentais. Esta é uma versão secularizada da Teologia da Retribuição (grifo meu), “uma doutrina que é cômoda e tranquilizadora para quem possui grandes bens neste mundo, e ao mesmo tempo, consegue uma resignação com sentido de culpa dos que carecem de bens”, e que foi tão criticada por Jesus e pelos reformadores através da Teologia da Graça. Para ambientes mais eclesiásticos, existe a versão religiosa moderna da Teologia da Prosperidade – grifo meu. (ibid, pág.95,96).

É pertinente dizer que não se trata aqui de uma “demonização” do Capitalismo, pois

como diz Jung “não é possível, principalmente em sociedades complexas, organizar a

economia sem relações mercantis”. Mas, uma constatação do “processo de

absolutização, sacralização, de uma instituição humana que exige sacrifícios de vidas

humanas em troca de promessas redentoras” (ibid, pág. 99,100). Também não se trata

de uma apologia contra o progresso, e contra o desenvolvimento da economia, mas,

um protesto contra um programa de crescimento econômico voltado apenas para a

acumulação da riqueza nas mãos de uma elite, e não para a superação da pobreza,

Page 98: Quanto Vale a Sua Fé

98

possibilitando uma vida digna para toda a população. Cabe, nesse momento, uma

pergunta despretensiosa: seria possível um crescimento econômico que possibilitasse

a superação da miséria no mundo? Segundo o Relatório sobre o Desenvolvimento

Humano da ONU21, de 1997, a erradicação da pobreza no mundo tem um custo menor

do que muita gente imagina: em torno de 1% da renda global e não mais do que 2% a

3% da renda dos países não-pobres (ibid, pág.17). Estes recursos poderiam vir, por

exemplo, do corte nos bilhões de dólares gastos anualmente com as Forças Armadas

do mundo. Ou dos 25 trilhões de dólares movimentados com desenvolvimento

tecnológico – fator causador de muito desemprego. Ou ainda dos 15 trilhões de

dólares em torno dos quais gira o mercado financeiro, sendo que apenas uns 15%

deste total estão ligados ao sistema produtivo.

Contudo, o que mais preocupa é ver o Cristianismo, através do segmento evangélico,

conformar-se com toda essa lógica perversa e desumana do Capitalismo. A

“neopentecostalização” que vem ocorrendo nas igrejas evangélicas é um claro

exemplo dessa conformação, sobre a qual falamos continuamente neste livro. No

entanto, vale ressaltar a ideia da “retribuição” comentada por Jung no texto ainda a

pouco citado, que pode ser encontrada tanto no capitalismo, quanto na Teologia da

Prosperidade. Ambas fundamentadas em um “justo merecimento” de uma

concorrência, na qual somente os “mais capazes”, os “mais fortes”, os “mais

competentes”, os “mais perspicazes”, os que “mais investem (ofertam)”, os que “usam

melhor sua fé” obterão o lucro, ou, na linguagem evangeliquê, a “benção”. Isso acaba

sendo uma forma de legitimação e de sacralização dos privilégios de uma minoria.

Assim também como uma maneira de culpar as massas, excluídas das riquezas (ou

das bênçãos), pelo seu fracasso, digo, pela sua “falta de fé”. Entretanto, o Deus da

Graça não está por trás dessa lógica cruel de sofrimento, de injustiças, de privilégios,

de retribuição, de exclusão, de concorrência, de merecimento conforme o que se

investiu. A Graça de Deus significa: favor imerecido.

Lembramos ainda que, assim como no Capitalismo, essa tendência mercadológica da

fé evangélica deslocou o eixo da proposta escatológica do celeste porvir para as

benesses desfrutadas aqui e agora, em uma clara identificação com o paraíso

terrestre prometido pelo Capitalismo, no qual se desfrutará do desenvolvimento

21

Sigla pra designar a Organização das nações Unidas – fundada após a Segunda Guerra Mundial (1945) e que teve como objetivo instituir uma entidade de abrangência mundial, que pudesse intervir diplomaticamente na mediação de conflitos entre os países, evitando que as guerras viessem a ocorrer. .

Page 99: Quanto Vale a Sua Fé

99

econômico, e do acúmulo ilimitado das riquezas que, por sua vez, satisfarão todos os

desejos.

Pouco a pouco, Capitalismo e religião evangélica se confundem e se misturam ao

ponto de se tornar cada vez mais difícil distinguir um do outro. Consequentemente,

nós temos uma desfiguração do perfil revolucionário da mensagem de Jesus Cristo,

pelo simples fato do Reino que Ele veio trazer ser incompatível com as condições

desumanas, perversas, excludentes e opressoras desse tipo de “religião econômica”;

desse tipo de “tendência capitalista da fé”.

Page 100: Quanto Vale a Sua Fé

100

CONSIDERAÇÕES FINAIS

inalizamos esse trabalho deixando bem claro que nossa intenção, abordando

a tendência capitalista da fé evangélica em Fortaleza nas últimas duas

décadas, não foi tecer uma crítica mordaz ao Movimento Evangélico. Muito

menos atribuir qualquer juízo de valores a essa nova maneira de expressão da fé

evangélica. Como bem lembra Max Weber, “não cabe a aquele que se dedica à

atividade da investigação acadêmica formular critérios valorativos últimos com relação

à sua pesquisa22”. Nosso propósito foi apenas poder contribuir com uma reflexão

sobre os rumos que Igreja Evangélica fortalezense tem seguido nos últimos anos,

procurando, assim, focar alguns aspectos. Primeiro, no que se refere ao aspecto

teológico, ajudar a identificar uma proposta extremamente capitalista e mercadológica

que se infiltrou, se instaurou e se escondeu de maneira intensa por detrás da teologia

cristã evangélica nos últimos anos. Já que é uma estratégia do sistema capitalista,

desde o seu início, utilizar-se de questões éticas e religiosas para se legitimar nas

suas injustiças, privilégios, exclusões e desigualdades. Em segundo lugar, quanto ao

aspecto sociológico, mostrar todas as influências sociais e culturais desse sistema

capitalista, o qual tem sido absorvido pela prática de fé evangélica (alguns setores da

Igreja), principalmente nos últimos vinte anos, e especificamente na cidade de

Fortaleza. E como resultado disso, chamar a atenção para a verdadeira vocação social

da Igreja de Jesus aqui na terra – que não é a de ensinar as pessoas como ser bem

sucedidas, ou como prosperar, mas como construir uma sociedade mais fraterna, mais

justa, mais humana para todos. Uma sociedade onde a economia deve existir em

função da vida de todas as pessoas, e não as pessoas em função de leis econômicas

cujo propósito é apenas a ostentação e a acumulação de riquezas.

E por último, tentar contribuir com uma análise histórica sobre a relação entre crença e

dinheiro no Ocidente; relação esta que tem se exacerbado em um mundo capitalista

como o nosso, do qual faz parte nossa cidade, e no qual a fé em Deus tem adquirido

feições – para alguns segmentos religiosos – cada vez mais consumista, individualista

e materialista.

22

CARVALHO, Alonso Bezerra de. Educação E Liberdade Em Max Weber. Ijuí – RS, Editora Unijuí. 2004, p. 269.

F

Page 101: Quanto Vale a Sua Fé

101

Espero que todo esforço empreendido nesse sentido tenha alcançado tais objetivos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Jornais Diário do Nordeste (02/02/2009)

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CAVALCANTE, George Sousa. Quanto vale a sua fé? A tendência capitalista da fé evangélica fortalezense nas últimas duas décadas. 1ª edição: Duque de Caxias: Espaço Científico Livre Projetos Editoriais, 2015.

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ESPAÇO CIENTÍFICO LIVREprojetos editoriais

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ESPAÇO CIENTÍFICO LIVREprojetos editoriais

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Quanto vale a sua fé? Com esse instigante questionamento o autor George Sousa Cavalcante nos

convida a refletir sobre os intrincados (des)caminhos entre o capitalismo e o protestantismo. Em busca

de respostas percorre o universo de sua pesquisa: as igrejas evangélicas da cidade de

Fortaleza/Ceará. Nesse trajeto, dialoga com os sujeitos em foco, os fiéis que depositam sua fé na

chamada teologia da prosperidade. Admitindo ser este um cenário complexo e, portanto passível de

contradições e paradoxos o autor desvela o papel da mídia evangélica; o processo de mercantilização

da fé e as múltiplas e híbridas identidades em jogo. Leitura bem-vinda e necessária em tempos de

debates e embates político-religioso.

Vera Regina Rodrigues da Silva Professora adjunta no Instituto de Humanidades e Letras da UNILAB- Universidade da Integração Internacional

da Lusofonia Afro-brasileira. Membro do Grupo de Pesquisa Oritá e Coordenadora da Linha de Pesquisa

"Identidades e Políticas Públicas". Doutora em Antropologia Social pela USP - Universidade de São

Paulo (2012); Mestre em antropologia social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2006) e Bacharel

em Ciências Socias (2004).

O presente texto de George Cavalcante se alia a um grupo significativo de estudiosos da religião que

nestas últimas décadas buscaram explicar a performance e as transições no quadro religioso brasileiro.

Os leitores encontrarão nas páginas seguintes um conteúdo que une de um lado a análise sociológica

ancorada em categorias acadêmicas amplamente reconhecidas e em pesquisa de campo; mas também

identificarão a inserção de preocupações de inconfundível natureza teológica. De modo geral a

discussão das ideias aqui contidas se situa no campo de estudos da relação entre religião e economia,

tema, diga-se desde já, inspirou e desafiou os estudiosos da religião desde Max Weber. Se nestes

últimos anos os estudos sobre a religião no Brasil têm constituído um caminho amplamente percorrido e

em razão da soma de esforços tenha ficado como legado um acervo valioso de análise e contribuições,

sobretudo no campo empírico, o mesmo não se pode dizer acerca do protestantismo no Ceará e

particularmente de Fortaleza. Nesse aspecto o presente texto – Quanto vale sua fé? A tendência

capitalista da fé evangélica fortalezense nas últimas duas décadas consiste singular contribuição. O

texto possui uma linguagem agradável e amplamente acessível e, além disto, aborda um quadro

contemporâneo de interesse geral.

Alexandre Carneiro de Souza Atualmente é professor da Faculdade Integrada da Grande Fortaleza, da Faculdade Cearense e da Faculdade

Farias Brito. Área de pesquisa: sociologia da religião com ênfase nas categorias: política, cultura,

pentecostalismo, mercado e transição religiosa. Doutorado em Sociologia pela UFC – Universidade Federal do

Ceará (2003). Mestrado em sociologia pela UFC - Universidade Federal do Ceará (1996). Graduado em Ciências

Sociais pela UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1990).

QUANTO VALE A SUA FÉ?

A TENDÊNCIA CAPITALISTA DA FÉ EVANGÉLICA FORTALEZENSE NAS ÚLTIMAS DUAS DÉCADAS

George Sousa Cavalcante