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Quarenta Anos de Demografia Histórica

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Texto de Carlos de Almeida Prado.

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  • Quarenta anos dedemografia histrica

    Carlos de Almeida Prado Bacellar*

    Ana Silvia Volpi Scott**

    Maria Silvia Casagrande Beozzo Bassanezi***

    Passadas quase quatro dcadas daintroduo dos estudos de demografiahistrica no Brasil, uma massa crtica deimportncia encontra-se, na atualidade,bastante consolidada. Com seus erros eacertos, os estudiosos da populaobrasileira no passado contriburam de modosignificativo para um melhor conhecimentoda histria do pas. Pela explorao defontes e temas pouco abordados, ampliou-se de modo notvel o conhecimento sobrea famlia livre e a escrava, sobre a criana ea mulher, sobre as relaes de sociabili-dade; fez-se, tambm, algumas anlisescrticas das fontes utilizadas.

    A demografia histrica no especialmente fcil. Por um lado, ela tem toda a complexidadeda moderna demografia; por outro, possui todas as lacunas e incertezas da prpria histria.

    (Hollingsworth, 1977, p. 25)

    O artigo apresenta uma reflexo crtica e no um balano sobre a produonas reas de demografia histrica e histria da populao no Brasil. Levantaquestes relativas definio do campo e aos limites da demografia histrica eda histria da populao, s fontes, s metodologias e escolha do perodo eespaos de anlise. Traa tambm um perfil da produo recente, que apontapara carncias de anlises demogrficas propriamente ditas e uma produoampla e importante de estudos voltados mais para a histria da populao. Porfim, procura apontar alguns caminhos possveis para o desenvolvimento futuroda demografia histrica no pas.

    Palavras-chave: Demografia histrica. Histria da populao. Brasil. Populao.

    Ao longo do perodo, uma srie debalanos foi realizada, buscando caracte-rizar as principais linhas de investigao,apontando os avanos e lacunas e sugerin-do novos caminhos para futuras pesquisas(Samara e Costa, 1984; Marclio, 1997;Motta, 1999; Tupy, 2002). No nossa inten-o, contudo, atualizar o estado das artes,mas fazer algumas reflexes crticas sobrea produo brasileira na rea.

    Essa produo, ampla, diversificada ede boa qualidade, deixa transparecer certosimpasses e discusses ainda em aberto,alguns dos quais refletem debates correntesno contexto internacional, enquanto outros

    * Professor do Departamento de Histria da Universidade de So Paulo (USP).** Pesquisadora do Ncleo de Estudos de Populao (Nepo) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professora daUniABC.*** Pesquisadora do Ncleo de Estudos de Populao (Nepo) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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    so especficos realidade brasileira. Aspolmicas passam por questes amplascomo a prpria definio dos campos e doslimites da demografia histrica, histriademogrfica, histria da populao ehistria da famlia. Dizem respeito, tambm, escolha do espao e do perodo de an-lise, problemtica da mobilidade dapopulao, dificuldade de transposio euso de modelos terico-metodolgicoscriados para outras realidades, deficinciade aplicao dos recursos tcnicos e, atmesmo, escassez do dilogo internacionale interdisciplinar.

    A questo da definio do campo dademografia histrica um debate que vemsendo constantemente travado nas reuniescientficas, especialmente durante os encon-tros da Abep. As dvidas e discordnciasque se revelam no so, contudo, exclu-sivas ao nosso meio; repetem-se, na rea-lidade, em mbito internacional, e no h,reconheamos, um consenso.

    David Reher, importante pesquisadorda demografia histrica ibrica, por exem-plo, defende que falsa a distino entredemografia histrica e histria da popu-lao. Segundo ele, esta distino teriasido forjada principalmente por autoresfranceses, e a sua origem estaria na base deuma guerra subversiva contra a imprecisodos historiadores, indicando que a demo-grafia histrica era uma cincia social e ahistria da populao, um entretenimentopara pessoas pouco preparadas para levara cabo uma anlise rigorosa. Ainda deacordo com Reher, tais autores definiram,assim, que a demografia histrica aplicamtodos prprios da demografia s popu-laes do passado em funo de critrios epreocupaes analticas tpicas da de-mografia, ao passo que a histria dapopulao seria qualquer contexto histricoonde se trata da varivel populao. Taldistino, para Reher, seria inteiramentefalsa, arcaica e desnecessria: a pessoaque escreve sobre, por exemplo, a histriada peste est fazendo tanto demografiahistrica como histria da populao(Reher, 2000). Logo, alerta ele, estaria usan-do as duas expresses, ao longo de seutexto, de maneira quase indistinta.

    Joaquim Manuel Nazareth, demgrafoportugus, por outro lado, distingue os doiscampos. Sobre a histria da populao,admite que um ramo da histria, e no dademografia.

    Enquanto a histria da populao procurarefletir sobre os dados existentes acerca doestado e dos movimentos das populaesdo passado, a demografia histrica define-se, sobretudo, a partir das fontes que utilizae da metodologia que desenvolve parainvestigar o passado. A histria da po-pulao limita-se utilizao dos dadosdemogrficos para explicar o passado numaperspectiva de dinmica social. Sempre foiuma preocupao dos historiadores, desdeque a histria se afirmou como disciplinaautnoma, conhecer o estado das popu-laes e dos seus movimentos ao longo dotempo, de forma a compreender certosacontecimentos e as suas conseqnciaseconmicas e sociais. Antes do apareci-mento da demografia histrica, a histriada populao utilizava dominantementedados brutos recolhidos diretamente nasfontes manuscritas ou indiretamente nasfontes impressas. Posteriormente, com odesenvolvimento dos resultados obtidos pelademografia histria, a histria da populaopassou a utilizar indicadores mais sofisti-cados. (Nazareth, 2004, p. 50)

    No obstante tais posicionamentosdistintos, haveria um consenso de que definiro que seria a demografia histrica apresentadificuldades diante da crescente incor-porao de novas fontes, objetos eabordagens. Talvez, como prope Nazareth,seria mais produtivo clarificar o sentido desua originalidade, deixando de lado aprocura de novas definies. Para ele,

    a originalidade da demografia histrica re-side no seguinte: no ter estatsticas feitas;as fontes que utiliza no terem sido elabo-radas com objetivos demogrficos; o tra-tamento dessas fontes ter dado origem aoaparecimento de novos mtodos e de novastcnicas (Nazareth, 2004, p. 50).

    No Brasil, tal discusso tem sido cons-tantemente retomada. De uma maneirageral, persiste a polmica, principalmentedurante as reunies do GT Populao eHistria da Abep, sobre o quanto se temproduzido em demografia histrica. Talvezo mais sintomtico diagnstico tenha sidofeito por Iraci Del Nero da Costa: Muito de

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    histria e pouco de demografia, revelandouma carncia em termos de domnio dosmtodos e tcnicas desenvolvidos pelademografia formal (Costa, 1994 e 1999).

    Consideramos, no entanto, que no setrata de uma questo de muito de Histriae pouco de demografia. Na realidade,poderamos dizer que se trata de muito deestudos de populao e pouco de anlisedemogrfica propriamente dita. Os prpriosbalanos efetuados sobre a produobrasileira deixam implcito e no explcito,como seria de se esperar a rarefao deestudos concretos relativos s variveisdemogrficas clssicas natalidade,nupcialidade, mortalidade e mobilidade e relao entre elas e delas com os contextossocioeconmico e cultural. Ao mesmo tem-po, um exame da produo disponvel nosAnais dos encontros nacionais promovidospela Abep e na Revista Brasileira de Estu-dos de Populao refora este diagnstico(Tupy, 2002).

    Ressalta-se, de fato, a carncia de estu-dos que privilegiem a anlise demogrficado passado, diante da proliferao de traba-lhos voltados para o estudo da populaoatual. Temas como a histria da famlia, dacriana e da mulher, a anlise das estruturasdo parentesco, da sociabilidade, do patri-mnio familiar, da composio da fora detrabalho com nfase na mo-de-obraescrava e da imigrao so amplamentedominantes, levando Jos Flvio Motta eIraci Del Nero da Costa a afirmarem que ademografia histrica no Brasil passou porum processo de transbordamento emrelao aos limites tradicionais da disciplina(Motta e Costa, 1997; Motta, 1999).

    No entanto, tais estudos nascidos nocontexto desse transbordamento, compoucas excees, raramente se aventu-raram por uma proposta de anlise demo-grfica estrita, seja pela aplicao dastcnicas e mtodos j existentes, seja pelacriao de novos procedimentos metodo-lgicos, fundamentados nas peculiaridades

    das fontes documentais brasileiras. Taldeficincia dificultou a ampliao doconhecimento do comportamento demogr-fico retrospectivo, seus condicionantes eimplicaes recprocas. Grande parte dostrabalhos que vieram a pblico deu nfase aplicao de mtodos estatsticos bsicosaos dados brutos, muitas vezes sem recorreraos testes que permitem avaliar a con-fiabilidade e a consistncia das fontes.1

    No se trata, portanto, a nosso ver, deum transbordamento da demografiahistrica, mas sim de um efetivo enfoquemajoritrio das anlises em histria dapopulao, se considerarmos o ponto devista defendido por Nazareth e outrosautores. E isto, ressalte-se, sem qualquerdemrito para tais trabalhos. Muito pelocontrrio, essa vasta produo em histriada populao deu uma contribuiofundamental para o melhor conhecimentoda populao brasileira em perspectivahistrica.

    Mesmo assim, os balanos realizados,ao apontarem as lacunas geogrficas etemporais da produo brasileira, ressaltam,na realidade, e talvez um pouco inconscien-temente, a ainda persistente carncia demaiores anlises demogrficas retrospecti-vas. Sintomtico disto so as propostas dese tentar definir uma geografia dos sistemasdemogrficos brasileiros do passado, comoensaiado pioneiramente por Maria LuizaMarclio e, mais recentemente, por SrgioOdilon Nadalin (Marclio, 1984; Nadalin,1994 e 2004).

    Passadas quatro dcadas da introdu-o da demografia histrica no Brasil, evinte anos da tentativa de sistematizaopromovida por Marclio, Nadalin no podeavanar para alm de consideraes geraise de novos desdobramentos geogrficos.A produo restrita e localizada, no tempoe no espao, de anlises demogrficaspropriamente ditas impediu Nadalin deaprofundar sua proposta, permanecendo nasuperfcie da questo. Sua descrio do que

    1 H, nesse sentido, as importantes excees constitudas pelos pesquisadores reunidos em torno do Ncleo de Estudos emHistria Demogrfica (NEDH), que publicaram alguns trabalhos bastante teis (Servo e Marcondes, 1995; Luna, 2002, dentreoutros).

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    denomina regime demogrfico das secasdo serto um bom exemplo do grau degeneralidade a que foi obrigado a recorrer:

    Dadas as particularidades climticas daregio, seria possvel postular um sistemademogrfico fundado no regime de secas doserto nordestino, articulado s economiasde subsistncia e criao de gado,caracterizado, no principal, pela grandemobilidade gerada pelas fomes peridicasque assolavam a regio. (Nadalin, 2004, p.141)

    Uma descrio, em suma, que noconsegue sequer citar algum elemento daanlise demogrfica que caracterizariaesse sistema para alm da constatao deum movimento emigratrio sobre o qualainda h muito por conhecer.

    Qualquer proposta de tipologia desistemas demogrficos ser barrada pelapouca representatividade dos estudosexistentes fora do eixo So PauloMinasGeraisParanRio de Janeiro, e pelaconcentrao temporal na segunda metadedo sculo XVIII e primeira metade do XIX.Portanto, o que se faz necessrio, hoje, incentivar a produo de anlises sobre ocomportamento demogrfico propriamentedito, ou seja, a produo de trabalhos emdemografia histrica, sem deixar, contudo,de se continuar a pesquisar na profcua eimportante linha da histria da populao.Afinal de contas, preciso que deixemosde nos preocupar em enquadrar todasnossas linhas de pesquisa sob o guarda-chuva da demografia histrica, como quefugindo da denominao de historiadoresda populao.

    Talvez a origem dessa preocupaoesteja relacionada ao que David Reher res-saltou ao vincular o descrdito da histriada populao ao momento de afirmao dademografia histrica como campo aut-nomo de pesquisa: o esforo que algunsdemgrafos historiadores franceses em-preenderam ao procurar acentuar acientificidade desta em detrimento daquela(Reher, 2000). No Brasil, a forte influnciada escola de demografia histrica francesaparece, assim, ter contribudo para a con-servao de um certo olhar de descaso paracom a histria da populao, obrigando os

    pesquisadores a um esforo de intermi-nvel justificao de suas linhas e de suaincluso no mbito da demografia histrica.

    Portanto, conclui-se, pelo visto at aqui,que a carncia maior est na produo deanlises do comportamento demogrficoque, juntamente com a produo significa-tiva de estudos de populao, venham apermitir um melhor e mais amplo conhe-cimento de nosso passado demogrfico.Nesse sentido, gostaramos de apontaralguns fatores que teriam inibido um maiordesenvolvimento dos estudos em demo-grafia histrica, sugerindo opes para oestabelecimento de uma poltica de incen-tivo abordagem demogrfica mais estrita.

    Em primeiro lugar, devemos novamentelembrar que a origem da demografia his-trica brasileira esteve fortemente atrelada chamada escola francesa, que tinha porbase o mtodo de reconstituio de famliasde Louis Henry. Os primeiros resultados sur-giram em So Paulo e no Paran, seja pelafiel aplicao do mtodo (Nadalin, 1978;Burmester, 1981), seja pela sua adaptao,tal como o fizeram Marclio (1986), Scott(1987) e Bacellar (1997). A fidelidade aomtodo entre os pesquisadores paranaen-ses resultou em muitas crticas por parte doshistoriadores, acusando-os de excessivaaridez estatstica em seus trabalhos. J emSo Paulo, por outro lado, apesar das an-lises demogrficas, os autores buscaramrefgio na histria social e econmica ena histria da populao, utilizando osdados demogrficos e o mtodo de recons-tituio de famlias como base para outrasanlises, escapando de crticas mais con-tundentes. Hctor Prez Brignoli, emrecente reflexo sobre as peculiaridades dademografia histrica latino-americana,refora este diagnstico:

    La trayectoria intelectual de Maria LuizaMarclio sigue siendo ejemplar en cuanto alos alcances del impacto de la demografahistrica europea en la historiografalatinoamericana. En su tesis [...] Crescimentodemogrfico e evoluo agrria paulista(1700-1836) [...], utiliz una muestraprobabilstica de las listas nominativas de laCapitania de So Paulo para reconstruir ladinmica de poblacin paulista en relacincon la historia agraria []. En Caiara

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    (1986) [] aplic con xito el mtodo dereconstitucin de familias, utilizando los datosde las listas nominativas []. Ambos librosmuestran bien que la ms brillanteespecialista en demografa histrica de Brasilbusc, desde muy temprano, salidas haciala historia econmica y social. Dicho de otromodo: la justificacin y perspectiva deambos estudios se localiza fuera de lademografa. (Prez Brignoli, 2004)

    Acusados de excessivo empirismo, ospioneiros da demografia histrica deramorigem, mesmo assim, a linhas de pesquisabastante fecundas. Estas, de uma maneiraou de outra, abrigaram-se, mesmo que in-conscientemente, nos domnios da histriada populao e da histria social, levandoao contnuo crescimento da produo. Istofica claro ao se observar o volume cada vezmaior de inscries de trabalhos no GTPopulao e Histria nos ltimos encon-tros da Abep.

    Aparentemente, as crticas que o m-todo de reconstituio de famlias recebeuno exterior escassa representatividadeestatstica, baixo rendimento vieram sesomar s dificuldades em aplic-lo ao casobrasileiro, devido qualidade desigual denossas fontes e extrema mobilidade denossa populao.2 Alm disso, os prazoscada vez menores impostos para osprogramas de ps-graduao colocammais obstculos ao desenvolvimento depesquisas nessa linha.

    No entanto, ao contrrio do que ocorreuno exterior, a demografia histrica brasileirano buscou desenvolver metodologiasalternativas para superar tais obstculos,tal como aconteceu na Inglaterra, em tornodo Cambridge Group e de Peter Laslett; noCanad, em torno de Hubert Charbonneau,na Universidade de Montreal; nos EstadosUnidos, em torno da chamada escola deBerkeley, com Woodrow Borah e SherbuneCook, e do projeto de Princeton, dirigidopor Ansley J. Coale; e, mais recentemente,na Espanha e Portugal, com a Asociacinde Demografia Histrica (ADEH), em torno

    2 De fato, o mtodo de reconstituio de famlias de Henry foi concebido a partir da realidade das populaes francesas, queapresentavam um grau de mobilidade espacial relativamente diminuto e localizado. No Brasil, a elevada mobilidade e a longadistncia impunham dificuldades na abrangncia do mtodo, uma vez que parcelas significativas da populao tendem a ficar defora da anlise.

    principalmente de David Reher e MariaNorberta Amorim, e na Itlia, com a Societdi Demografia Storica (Sides), com MassimoLivi-Bacci e Carlo Corsini.

    De todos estes centros, talvez a maiorinfluncia sobre os brasileiros tenha vindode Peter Laslett e seu importante trabalhode anlise do grupo domstico, que teve umrelativo sucesso entre os pesquisadores noBrasil. Em geral, contudo, as novas propos-tas tcnicas e metodolgicas surgidasnesses grupos permaneceram poucoconhecidas entre ns. Ancoradas em fortetrabalho interdisciplinar, com intenso uso dosmodernos recursos da demografia, da es-tatstica e da informtica, as novidadeselaboradas no exterior no tiveram reper-cusso significativa no Brasil. Basta umsimples olhar para o volume organizado porDavid Reher e Roger Schofield ainda em1993, Old and new methods in HistoricalDemography (Editora Oxford), para perce-bermos o descompasso em que nosencontramos.

    A ausncia de novas propostas tcnico-metodolgicas e de trabalho interdisciplinarpor aqui pode ser um reflexo da inexistnciade fortes grupos institucionalizados, comacesso a recursos materiais e humanos. Apulverizao da pesquisa em pequenosgrupos regionais ou at mesmo em indiv-duos dificultou o dilogo e impediu taisinovaes. Como conseqncia, e devidoao fato de a maioria esmagadora dessespesquisadores terem formao em histria,o caminho mais acessvel mostrou ser o dahistria da populao, que exigia menosem termos estatsticos e tcnicos. Se aproduo historiogrfica assim alcanada profcua e de qualidade, e como tal vemsendo reconhecida, padece, como j res-saltado, da escassez de anlises de cunhodemogrfico estrito.

    Esta realidade criou uma relativa ambi-gidade na definio do frum a ser ocu-pado pelos pesquisadores interessados noestudo da populao. Com a carga negativa

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    que a demografia histrica ainda carregaentre alguns historiadores, herana dostempos pioneiros, o pblico que se renena ANPUH, a associao nacional doshistoriadores, por exemplo, tem poucointeresse e muita resistncia abordagemdemogrfica, situao revertida apenasquando oferecemos anlises respaldadasem estudos da famlia e da populao quecontribuam para a histria social e econ-mica. Logo, no caberia alegar que traba-lhar com histria da populao no tem rele-vncia, nem pblico. Cabe, a esse respeito,o comentrio de David Reher:

    O pblico que l histria da populao um pblico de historiadores e, em menormedida, de outros estudiosos das cinciassociais. Boa parte deste pblico leitor nocompreende ou l com muita dificuldadeestudos que se utilizam de tcnicassofisticadas de anlise estatstica. (Reher,1997, p. 118)

    Outro espao de discusso de nossostrabalhos , evidentemente, a Abep. Apesarda crescente oferta de trabalhos para oGT Populao e Histria, percebe-se,claramente, a dificuldade de dilogo entreo GT e os demais abepianos. Tal dificuldadereside na fraca presena de trabalhoscalcados na anlise demogrfica e emalguns dos temas dominantes no interior daAbep. Some-se a isso a nossa forte produoem histria da populao, o que faz com quenos sintamos mais como historiadores doque como demgrafos historiadores nointerior da Abep. Se nossos trabalhos soconsiderados muito importantes e interes-santes, o que nos garante excelente aco-lhida no espao dos encontros anuais, poroutro lado tal interesse no evolui para umdilogo interdisciplinar.

    Se a formao acadmica dos dem-grafos historiadores e/ou dos historiadoresda populao esmagadoramente emhistria, preciso reconhecer que temosdificuldades em lidar com os conceitos e como arsenal tcnico-metodolgico da demo-grafia e da estatstica, e maiores dificuldadesainda em tentar adapt-los s necessidadesespecficas da demografia histrica. Se noexterior este dilogo foi frutfero, no Brasilele ainda est por ser implementado.

    Somados, a deficincia no domnio dosconceitos e das tcnicas estatsticasdemogrficas, a formao quase queexclusiva em histria e as reservas iniciaisdos historiadores para com os estudos dedemografia histrica resultaram em en-foques que privilegiaram a histria dapopulao. Como j vimos, mesmo aquelesque se valeram das fontes, tcnicas emtodos da demografia histrica, emborase interessassem em ampliar o conheci-mento demogrfico, estavam muito preocu-pados em responder a questes postaspela histria. Da muitos trabalhos teremfeito da demografia histrica um instru-mento refinado para subsidiar suas an-lises da sociedade e economia brasileirasdo passado. o caso, por exemplo, dostrabalhos de Scott (1987), Bacellar (1997)e Andreazza (1999), que, apesar de apli-carem o mtodo de reconstituio defamlias, no centraram sua anlise naquesto demogrfica.

    Nessa mesma perspectiva podem serenquadrados diversos estudos sobre apopulao escrava. Apesar da diversidadee riqueza dos trabalhos, centrados primordi-almente em torno da anlise da estruturada posse de cativos, pouco se conhece, ain-da hoje, acerca das variveis demogrficasdeste grupo, principalmente no que diz res-peito mortalidade e mobilidade interna.No tocante fecundidade e nupcialidade,temos os trabalhos de Slenes (1976), Lunae Costa (1981), dentre outros. Surpreende,contudo, o escasso uso dos abundantesregistros paroquiais que, cruzados comoutras fontes utilizadas nesses trabalhos(matrculas de escravos, listas nominativase inventrios, entre outras), poderiam am-pliar ainda mais o conhecimento sobre ademografia da escravido.

    Os balanos historiogrficos at hojerealizados no se preocuparam com tal pro-blemtica, mas sim em detectar as lacunas,em termos de abrangncia temporal, espa-cial e temtica, que devem ser completadaspara se conhecer melhor a populao brasi-leira do passado. Os questionamentos nes-se sentido foram estritamente genricos,simplesmente recomendando uma maior co-bertura do territrio brasileiro e dos quinhentos

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    anos de histria; mas, o que notvel, noh cobranas no sentido de reorientar o en-foque dos pesquisadores, mesmo que paraa explorao de sries temporais bsicas.

    Isto se reflete, por exemplo, quando dascobranas de uma maior abrangncia es-pacial dos estudos de demografia histrica.Ora, se patente a concentrao dos pes-quisadores na regio Sudeste, resultandoda uma inflao de temas de pesquisaigualmente centrados nessa regio, poroutro lado surpreendente a rarefao deprojetos de levantamento dos registros vitaisde nascimento/batismo, casamento e bito.Talvez o fato de nessa regio estarem dis-ponveis as listas nominativas de habitantestenha contribudo para uma certa prisodos pesquisadores a esta fonte to rica, noos estimulando a buscar uma das fontestradicionais da demografia histrica, isto ,os registros paroquiais.

    Mesmo a questo da m distribuiotemporal das pesquisas est intimamenterelacionada presena dessas mesmas listasnominativas para o intervalo entre 1765 e1836. O avanar para alm desse intervalo,que seria plenamente possvel, no tem sidosistemtico, ficando restrito aos estudossobre imigrao internacional e populaoescrava, apesar da crescente disponibilidadede registros paroquiais e civis ao longo dossculos XIX e XX.

    Como conseqncia, apesar de sernotria a produo na rea, tal como foiapontado nos diversos balanos, a dificul-dade de se propor snteses, modelos esistemas demogrficos persiste.

    Tomemos, por exemplo, duas questesbsicas para a demografia histrica: as ta-xas de legitimidade e a sazonalidade donascimento. Embora no passem de sim-ples contagens de dados vitais, norequerendo qualquer anlise estatsticamais sofisticada, continuam muito poucoconhecidas, mesmo para o Sudeste brasi-leiro. Quarenta anos aps, resta difcilenumerar uma dezena de comunidades emtodo o Brasil para as quais se conheam osfenmenos da ilegitimidade e da presenade crianas abandonadas. Tais resultados,espacialmente pulverizados em um con-texto histrico heterogneo, no permitem

    a constatao de quaisquer tendncias numaspecto que fundamental para a com-preenso da populao e sociedade brasi-leiras do passado.

    Portanto, no se trata apenas de ex-pandir a cobertura geogrfica e temporal,como defendem os autores dos diversos ba-lanos, mas, principalmente, de reorientarnossa preocupao, mesmo na rea maisestudada, o Sudeste. As fontes so abun-dantes, mas faltam pesquisadores motiva-dos nessa direo e devidamente instru-mentalizados para tanto. Se recuamos paraos sculos XVI e XVII, permanece um desafioquase intransponvel, pela rarefao dasfontes; j os sculos XVIII, XIX e mesmo oXX nos legaram uma massa documentalexpressiva. Embora no se conhea muitobem o que est disponvel e onde, a simplesconsulta ao Guia brasileiro de fontes para ahistria da frica, da escravido e do negrona sociedade atual (1988) e ao Roteiro defontes para a histria da imigrao em SoPaulo (Bassanezi et al., no prelo) deixa entre-ver a enorme e rica variedade documentalpassvel de explorao pelos estudiosos dapopulao.

    J h vinte anos, Maria Coleta F.A. deOliveira, fazendo uma avaliao sobre ostrabalhos apresentados na sesso Proces-sos socioeconmicos e demogrficos numaperspectiva histrica, no IV EncontroNacional da Abep, em 1984, chamava aateno para essas mesmas lacunas:

    a. Comportamento e condies/causas damortalidade nos sculos XVIII, XIX e XX esuas relaes com a fecundidade (porexemplo, condicionantes da infertilidadetemporria e permanente);

    b. Avaliao do impacto demogrfico damigrao internacional, especialmente emsuas interaes com a mortalidade e afecundidade;

    c. Avaliao do comportamento das va-riveis intermedirias tomadas comodeterminantes prximos da fecundidade,especialmente a nupcialidade;

    d. Demografia da escravido, envolvendoreconstituio da famlia, fecundidade,mortalidade e migraes nas diversasregies;

    e. Sistemas de transmisso da propriedadee suas relaes com a dinmica de-mogrfica, quer como causa, quer comoefeito. (Oliveira, 1984, vol. VI, p. 2.118)

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    Passados vinte anos, muito pouco seavanou nessas direes. A expanso ereorientao dos estudos faz-se, portanto,imperiosa. Seja na prpria regio Sudeste,j preferencialmente contemplada, seja noBrasil como um todo, preciso multiplicar otrabalho e, principalmente, formar pesqui-sadores. Para tanto, fundamental que sebusque, no mbito do GT Populao eHistria da Abep, a to cobrada, mas nuncaconcretizada, padronizao dos procedi-mentos. Os estudos hoje disponveis reve-lam uma clara disparidade de critrios paraa agregao de dados, especialmente noque diz respeito s faixas etrias e faixasde posse de escravos. Os resultados dificil-mente so comparveis entre si devido aoscritrios diferenciados adotados por cadapesquisador. Se os estudos so pontuais e,ainda por cima, de difcil comparao, preciso adotar, conjuntamente, algumasnormas orientadoras, e o GT Populao eHistria da Abep deveria ser o locus dessaao, possibilitando a discusso nas maisvariadas instncias e momentos.

    No se trata, contudo, de exigir a padro-nizao, mas, ao menos, de propor prticasque permitam contornar tal obstculo. Umasada possvel seria, certamente, que osautores buscassem disponibilizar, em ane-xos, seus dados brutos, que possibilitassemo rearranjo da informao, tornando-acomparvel. Mesmo assim, um esforo nosentido de uma padronizao mnima, e aomenos referenciada nos critrios usuais prpria demografia, seria salutar.

    muito provvel que essa falta de pa-dronizao reflita, de fato, tanto a ausnciado dilogo entre os pesquisadores nacionaisquanto o pouco contato com experinciasde pesquisadores do exterior, quer no quediz respeito s realidades estudadas, querno que tange s tcnicas e mtodos depesquisa. Nosso histrico de uma socie-dade escravista, de dimenses continen-tais, populao dispersa, heterognea, ecom elevados ndices de mobilidade espa-

    cial pouco tem a haver com as sociedadesdo Velho Mundo, leia-se Frana e Inglaterra,que sempre serviram de modelo e refern-cia para nossas anlises. Seria funda-mental, nesse sentido, que se buscassemas experincias mais prximas de nossocontexto colonial, tal como o Canad, osEstados Unidos e a Amrica Hispnica,assim como aquelas especficas Penn-sula Ibrica e ao continente africano. Issoinclui, tambm, as experincias relaciona-das ao fenmeno imigratrio comum aocontinente americano.

    A especificidade de nossa sociedadedificulta, por outro lado, a transposio dastcnicas e mtodos desenvolvidos combase nas experincias histricas francesae inglesa, que foram a principal refernciapara nossos estudos. No caso, por exemplo,do mtodo de reconstituio de famlias deLouis Henry, as dificuldades vo desde aausncia de regras para a transmisso denomes de famlia elemento bsico domtodo at a elevada mobilidade espacialda populao brasileira colonial.

    Um outro exemplo dessas dificuldadesfoi a utilizao da conhecida tipologia declassificao de domiclios proposta porPeter Laslett, que no previa a presena deagregados, escravos, ou mesmo a situao,comum nossa sociedade, de mulheressolteiras com filhos ilegtimos. Como con-seqncia, neste caso especfico, tivemosas mais variadas respostas: alguns optarampela adoo da tipologia em sua formaoriginal, apenas diferenciando os domiclioscom ou sem escravos, enquanto outrosoptaram pela adaptao da tipologia, resul-tando em anlises de difcil comparaoentre si. Alm disso, preciso reconhecerque se a adoo dessa tipologia levou constatao do predomnio dos domiclioscom famlia nuclear, ao mesmo tempo levouao questionamento da existncia da cha-mada famlia patriarcal, como que to-mando esta como sinnimo de domiclioextenso ou mltiplo.3

    3 No caberia, aqui, entrar mais a fundo nessa discusso. Resta constatar, no entanto, que a tipologia de Laslett no suficientepara derrubar a noo de famlia patriarcal proposta por Gilberto Freyre, pois as fontes documentais no permitem captar asrelaes de sociabilidade e/ou dependncia existentes no seio de uma comunidade. O mtodo permite, portanto, a anlise daestrutura e composio do domiclio, mas no das relaes internas entre os co-residentes ou das relaes entre os domiclios.Alm disso, a tipologia no contempla a questo do estudo do ciclo de vida da famlia e do grupo domstico, sendo, por isso, alvode crticas severas j em finais da dcada de 1970 (Berkner, 1972 e 1975; Fine-Souriac, 1975 e 1977; Collomp, 1974).

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    De qualquer maneira, essas duas es-colas analticas moldaram grande parte daproduo nacional em demografia histria,histria da populao e histria da famlia.Todo o desenvolvimento posterior dessasreas no exterior foi pouco explorado pelopesquisador brasileiro.

    Exemplo concreto disso pode serpercebido pela quase total ausncia dedilogo entre a produo do pas e osresultados mais recentes e expressivosda demografia histrica em Portugal eEspanha. O substantivo avano alcanadopelas pesquisas desenvolvidas sobre aspopulaes ibricas em perspectivahistrica virtualmente desconhecido dohistoriador da populao brasileira, queinsiste em citar e comparar com a EuropaNorte-Ocidental. preciso, destarte, buscaras nossas razes ibricas, de modo a evitara caracterizao de nossas populaescoloniais como anmalas ou especficasperante a realidade europia, j queestudos vm demonstrando que muitas dascaractersticas de nossa sociedade estavampresentes em certas reas das sociedadesmetropolitanas. o caso, por exemplo, dapresena significativa de domiclioschefiados por mulheres, da importncia doconcubinato e das unies consensuais, bemcomo dos elevados ndices de ilegitimidade,comuns ao Brasil e ao noroeste portugus.

    Cabe, portanto, aos demgrafos histo-riadores e aos historiadores da populaoe da famlia explicar tal constatao. Asexplicaes tradicionais, que atribuam taiscomportamentos desviantes heteroge-neidade da sociedade colonial, dispersoda populao e falta de controle da Igrejasobre as comunidades, no mais se susten-tam. No noroeste de Portugal, por exemplo,encontramos uma populao homognea quase integralmente branca e catlica ,concentrada em espaos territoriais exguose com um controle efetivo da Igreja, exercidomediante visitas pastorais praticamenteanuais, e que apresenta os mesmos compor-tamentos desviantes (Scott, 1999, 2000,2001 e 2002). O dilogo , portanto, urgente,seja para dar sentido ao que j conhecemos,seja para abrir novos questionamentos, sejapara incentivar novas pesquisas.

    O dilogo, contudo, no se deve limitarao mundo ibrico, devendo ser aberto, igual-mente, para a Amrica. Afinal, todo umcontexto histrico colonial, de sociedadesescravistas, heterogneas, que receberamgrandes fluxos migratrios compulsrios eespontneos, de fronteiras abertas e decontatos com populaes autctones. Quedilogo temos, por exemplo, com a amplaproduo canadense, capitaneada porHubert Charbonneau? Ou com os trabalhosrelativos Amrica Hispnica de CecliaRabell, Hctor Prez-Brignoli, Robert McCaa,Dora Celton, Hernan Otero, Ren Salinas-Meza e outros tantos pesquisadores latino-americanos?

    O I Encontro da Associao Latino-Americana de Populao (Alap), realizadoem Caxambu (MG), em setembro de 2004,deixou patente a inexistncia de uma inter-locuo. A nica sesso de comunicaesem demografia histrica no contou combrasileiros, e deixou claro que os colegaslatino-americanos seguem linhas distintasdas nossas, voltando-se muito mais para ademografia retrospectiva do que para ahistria da populao. Reforou, alm domais, a necessidade de travarmos esse con-tato, que permitiria a troca de experinciase de resultados. Essa ausncia de dilogonos faz muita falta.

    A integrao torna-se possvel e gran-demente facilitada, na atualidade, com apromissora criao da Alap. A implemen-tao dos contatos entre os diversospesquisadores da regio ir possibilitar,num primeiro momento, a identificao, nombito latino-americano, de quem estproduzindo o qu e onde.

    Se os desafios no mbito internacionalvo na direo da interlocuo, quais soos desafios que dizem respeito demo-grafia histrica brasileira? Em primeirolugar, faz-se urgente a viabilizao de umarede de discusso em nvel nacional, certa-mente atravs da Abep. Tal rede deveria sepropor, desde o incio, a identificar pes-quisadores individuais e/ou grupos, suaslinhas temticas e sua produo, e a tornaresta acessvel on-line. Tambm deveria seruma prioridade o esforo no sentidode mapear a disponibilidade de fontes

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    documentais especficas a cada regio.Teramos aqui a oportunidade de realizar,progressivamente, um inventrio de fontes, semelhana do j realizado em Portugal(Mendona, 1993), dando conta da exis-tncia, qualidade e disponibilidade deregistros paroquiais e outras fontesseriadas em todo o territrio nacional. Taliniciativa no somente apontaria parapossibilidades de pesquisa, mas tambmcolaboraria no sentido da preservaodesse tipo de patrimnio documental,comumente em risco de desaparecimento.

    A partir desses passos iniciais, seriaimperioso o estabelecimento de um projeto,congregando pesquisadores de diversoscentros nacionais, com vistas a promover acoleta sistemtica e ampla dos atos vitaisem nvel nacional ou pelo menos ondetais fontes sobreviveram , possibilitandoalcanar, pela primeira vez, indicadoresgerais referentes populao brasileira dopassado. O levantamento sistemtico desries vitais de batizado, casamento, bito,e tambm de censos, dentre outras, permi-tiria que se detectassem as eventuais varia-es regionais e temporais, dando subs-dios mais concretos para se pensar em siste-mas demogrficos no passado brasileiro etambm sobre a questo fundamental datransio demogrfica no pas.

    Uma tentativa nesse sentido foiensaiada h poucos anos a partir de umainiciativa articulada pelo Instituto dePesquisa Econmica Aplicada (Ipea), que

    pretendia estabelecer uma rede depesquisadores em algumas universidadesbrasileiras com vistas a coletar fontes seriaispara o estudo da populao brasileira edisponibiliz-las on-line. Houve a previso,inicialmente, de se coletar, em vriasregies, registros paroquiais de batizado,casamento e bito, listas nominativas dehabitantes, mapas de populao, censos,inventrios e testamentos, processoscrimes e cveis, enfim, toda uma vasta gamadocumental normalmente utilizada pelosestudiosos da populao. A proposta, noentanto, no se concretizou como haviasido prevista, ficando restrita a trs projetos,cujos primeiros resultados ainda no foramdivulgados.

    guisa de concluso, seria importantefrisar que existe, de fato, uma produocientfica considervel, centrada muito maisem histria da populao e histria dafamlia do que em demografia histricapropriamente dita. Tal produo trouxecontribuio inegvel para o conhecimentoda populao brasileira no passado, masno permitiu reconstituir, com um mnimode segurana, os sistemas demogrficosento vigentes. Assim, acreditamos sernecessrio estimular a produo de estudosde demografia retrospectiva, usando todoo arsenal tcnico-metodolgico disponvelou por desenvolver, numa perspectivainterdisciplinar, contando com a parceriatanto dos demgrafos de formao quantodos historiadores.

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    Abstract

    Forty years of historical demography

    The article consists of a critical reflection on Brazilian historical demography and the history ofpopulation in Brazil. The authors discuss issues related to the definition and limits of historicaldemography and of the history of population, as well as to sources, methods and choice ofspecific periods and spaces for analyses. Attention was also directed to an analysis of importantrecent literature in the area and indicates the lack of specific demographic analyses. Finally,the article suggests proposals for the future of historical demography in Brazil.

    Key words: Historical demography. Population history. Brazil. Population.

    Recebido para publicao em 04/04/2005.Aceito para publicao em 24/06/2005.