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QUARTO NÚMERO DEZ: o amor

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Do livro A estalagem das almas

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QUARTO NÚMERO DEZ: o amor

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Caíram estrelas, Naquela noite eu não vi o céu, apesar de termos procurado exaustos de olhos grudados no telescópio. Estrelas cadentes, meteoros,

asteroides, quasares. E você ao meu lado iluminando. Jarret não desistia de dedilhar o piano insistentemente enquanto estrelas invadiam a sua língua em minha boca. Um beijo. E a lua ficou ciumenta. Escondeu-se atrás de nuvens negras rapidamente. Horas e horas repetiu a cena com malícia. Naquela altura sua alma já tinha alcançado altitudes intransponíveis aos olhos curiosos da plateia diurna. Foi então que surgiram estrelas nos cabelos emaranhados de pensamentos estranhos e nos pelos mais íntimos. E meus olhos iluminaram-se diante de tanta beleza. Onde estaria a constelação de escorpião a não ser em você mesma, neste mapa cósmico que é o seu corpo e que vasculho com a paciência sábia de um astrônomo esperando diariamente pela chuva cósmica. Muito além do céu cintilante de Kashmir. Muito além da última nebulosa que contamos. O desenho incerto da alma daquele momento. Como marujos desbravando navios de luzes,

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seguimos como se fôssemos os únicos sobreviventes de imensas embarcações ancoradas no espaço. Arrebataram mares de estrelas no casco. Cravaram-se ostras prateadas em seus cabelos. Dali de sua imensa inércia, uma lua agreste nos fita invejosa. Sereias despejam notas semicirculares como ventos em alto mar, tempestades, bafejos na calada da noite. Nem mesmo todos os radares, os skylabs, os satélites em órbitas poderiam interceptar. O reflexo das estrelas em

teus olhos. O barulho silencioso da lua em tua pupila, ardente. Como direis, ora direis, ouvir lume e luzes de estrelas. Rodopiantes em carrosséis

intergalácticos, o vento amainando beijos, descordenando braços pernas troncos flancos seios nádegas costas imensas em pleno espaço siderado. Não sei bem mais ao certo com clareza se ainda é alma o que tenho pregado junto à carne. O vento leva e traz um tênue fio que nos une. O vento dói. O universo perde a órbita, descarrilha dos trilhos do tempo para mais nenhum telescópio aponta. Os pelos íntimos. Não mais importam. As constelações são muito além. A lua invejosa. Não sei. Marte ou Urano. Areia. O vento é gozo. Um minuto. Um momento. A tempestade nos banha. A externa chuva de estrelas arenosas.

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karen debértolis Fernanda magalhães