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A presente edição segue a grafia do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa [email protected] www.marcador.pt facebook.com/marcadoreditora © 2014 Direitos da edição portuguesa reservados para Marcador Editora uma empresa Editorial Presença Estrada das Palmeiras, 59 Queluz de Baixo 2730-132 Barcarena Publicado originalmente em língua inglesa por Levant Books Copyright © 2012 Dan Raviv e Yossi Mellman Todos os direitos reservados Título original: Spies Against Armageddon Título: Mossad: Espiões contra o Armagedão Autores: Dan Raviv e Yossi Melman Tradução, notas e Glossário: Oscar Mascarenhas Revisão: Silvina de Sousa Paginação: Maria João Gomes Capa: Épica Prima Ilustrações: © Alejandro Colucci Impressão e acabamento: Multitipo – Artes Gráficas, Lda. ISBn: 978-989-754-090-5 Depósito legal: 1.ª edição: outubro de 2014

Queluz de Baixo Copyright © 2012 Dan Raviv e Yossi Mellman

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A presente edição segue a grafia do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

[email protected]/marcadoreditora

© 2014Direitos da edição portuguesa reservados para Marcador Editorauma empresa Editorial PresençaEstrada das Palmeiras, 59Queluz de Baixo2730-132 Barcarena

Publicado originalmente em língua inglesa por Levant BooksCopyright © 2012 Dan Raviv e Yossi MellmanTodos os direitos reservados

Título original: Spies Against ArmageddonTítulo: Mossad: Espiões contra o ArmagedãoAutores: Dan Raviv e Yossi Melman Tradução, notas e Glossário: Oscar MascarenhasRevisão: Silvina de SousaPaginação: Maria João GomesCapa: Épica PrimaIlustrações: © Alejandro Colucci Impressão e acabamento: Multitipo – Artes Gráficas, Lda.

ISBn: 978-989-754-090-5Depósito legal:

1.ª edição: outubro de 2014

À memória de Benjamin RavivÀ memória de Yitzhak e Anna Melman

Aos queridos Dori, Jonathan e EmmaAos amados Billie, Yotam e Daria

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ÍNDICE

Figuras-chave na espionagem israelita ........................................................................ 7

Prólogo ............................................................................................................................ 9

1. Travar o Irão ................................................................................................................... 192. Doenças infantis ............................................................................................................ 463. Aliança estratégica ......................................................................................................... 594. De Varsóvia com amor ................................................................................................. 685. Maturidade nuclear ........................................................................................................ 826. Harel, o cruzado ............................................................................................................... 98 7. Uma Mossad moderna ................................................................................................ 120 8. Espiando a guerra no horizonte ................................................................................ 1379. Conhecer os vizinhos .................................................................................................. 166 10. Mais do que vingança ................................................................................................. 18011. Armas proibidas .......................................................................................................... 203 12. Surpresas da guerra e da paz ..................................................................................... 22413. Espionagem judia ....................................................................................................... 24414. Exposição a norte ....................................................................................................... 260 15. Um novo inimigo ....................................................................................................... 27116. Penetração biológica ................................................................................................... 28617. Ambiguidade e monopólio ........................................................................................ 30418. Espiando amigos ........................................................................................................ 32319. Encobrimentos e revolta ........................................................................................... 345 20. Esperança e desespero ............................................................................................... 35621. Juntos na frente ........................................................................................................... 36822. Assassinos .................................................................................................................... 380 23. Guerra, perto e longe ................................................................................................. 40424. Impor o monopólio ................................................................................................... 41825. Entrar no futuro .......................................................................................................... 437

Agradecimentos ......................................................................................................... 443

Glossário ...................................................................................................................... 444

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FIGURAS-CHAVENA ESPIONAGEM ISRAELITA

Diretores da Mossad1951-1952 Reuven Shiloah1952-1963 Isser Harel1963-1968 Meir Amit1968-1974 Zvi Zamir1974-1982 Yitzhak Hofi1982-1989 nahum Admoni1989-1996 Shabtai Shavit1996-1998 Danny Yatom1998-2002 Efraim Halevy2002-2010 Meir Dagan2011- Tamir Pardo

Diretores da espionagem militar (Aman)1948-1948 Isser Beeri1949-1950 Chaim Herzog1950-1955 Binyamin Gibli1955-1959 Yehoshafat Harkabi1959-1962 Chaim Herzog1962-1963 Meir Amit1964-1972 Aharon Yariv1972-1974 Eli Zeira1974-1978 Shlomo Gazit1979-1983 Yehoshua Saguy1983-1985 Ehud Barak1986-1991 Amnon Lipkin Shahak1991-1995 Uri Saguy1995-1998 Moshe Yaalon1998-2001 Amos Malka2001-2006 Aharon Zeevi Farkash2006-2010 Amos Yadlin2010- Aviv Kohavi

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DAn RAVIV E YOSSI MELMAn

Diretores da Shin Bet1948-1952 Isser Harel1952-1952 Izzy Dorot1952-1963 Amos Manor1964-1974 Yosef Harmelin1974-1981 Avraham Ahituv1981-1986 Avraham Shalom1986-1988 Yosef Harmelin1988-1995 Yaakov Perry1995-1996 Carmi Gillon1996-2000 Ami Ayalon2000-2005 Avi Dichter2005-2011 Yuval Diskin2011- Yoram Cohen

Diretores do gabinete de ligação científica (Lakam)1957-1981 Binyamin Blumberg1981-1986* Rafi Eitan*Agência desmantelada

chefes da Malmab(Diretores de segurança do sistema de defesa)

1958-1986 Chaim Carmon1986-2007 Yehiel Horev2007- Amir Kain

Diretores da Nativ (para a imigração judia)1952-1970 Shaul Avigur1970-1981 nehemiah Levanon1981-1985 Yehuda Lapidot1986-1992 David Bartov1992-1999 Yaakov Kedmi2000-2006 Zvi Magen2006- naomi Ben Ami

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PRÓLOGO

Prepare-se para, nos capítulos que se seguem, tomar conhecimento do que as agências de espionagem1 de Israel – dirigidas pela Mossad – estão a fazer, dia e noite, para proteger o seu próprio país e, por

extensão, os países ocidentais. De um ponto de vista israelita, trata-se de uma incessante guerra secreta. E os israelitas sentem que não têm alternativa senão vencer sempre.

O Dia da Crise está a chegar. O Irão pode tentar correr para a constru-ção de bombas nucleares; terroristas muçulmanos podem voltar a atacar a América – ou é possível ocorrerem as duas calamidades. O presidente dos Estados Unidos certamente perguntará: «O que dizem os israelitas? O que sabem? O que estão a preparar e que não nos vão dizer? E o que pode a Mossad fazer?»

Tal como a Estátua da Liberdade e a McDonald’s se converteram em sinónimos instantâneos de América, a «Mossad» tornou-se uma imagem de marca israelita internacionalmente conhecida. Mais importante do que isso, com o Médio Oriente quase constantemente à beira de uma con-vulsão, a agência de espionagem no estrangeiro do Estado judeu é prota-gonista de alguns dos maiores, conquanto escondidos, dramas do nosso tempo.

É a Mossad realmente tão boa naquilo que faz? Sim, como o documen-tamos neste livro – especialmente se consideramos a dimensão liliputiana de Israel –, é espantosamente eficaz. Ainda assim, as páginas que se seguem mostrarão que, em mais de 60 anos, a espionagem israelita cometeu o seu quinhão de erros. Tem êxito ou falha devido, na maioria dos casos, à qua-lidade das pessoas. Que são excelentes. Que estão motivadas. Mas que são humanas e, como tal, falíveis.

O nome completo da agência é HaMossad l’Modi’in u’l’Tafkidim Meyu-chadim, designação em hebreu para Instituto de Informações e Tarefas 1 O termo utilizado no original em inglês é, invariavelmente, «intelligence», que, na língua portuguesa, fica insuficientemente traduzido como «serviço de informações» e, à falta de melhor, resulta menos equívoco o uso de «espionagem». (As notas de rodapé e o glossário no fim da obra são da responsabilidade do Tradutor. As notas dos Autores surgem no final de cada capítulo.)

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PRóLOGO

Especiais. Tem uns poucos milhares de empregados e na década passada abriu-se ligeiramente ao público através de uma página web.

A página mossad.gov.il revela que o seu pessoal tem um lema oficial: «Onde não há aconselhamento, o povo cai; mas na multiplicidade de con-selheiros existe segurança.»

O substantivo «aconselhamento» (counsel) está na tradução escolhida pela Mossad para a sua página na Internet em língua inglesa, mas não consegue transportar o aroma da palavra hebreia takhbulot no Livro dos Provérbios, capítulo 11, versículo 14. Pode também ser traduzida por «engano», «ardil», «estratagema» ou mesmo «direção astuta», mas sempre com o objetivo de confundir as intenções do oponente2.

O lema que a Mossad considera inspirador encaminha-nos, portanto, para isto: sem planos ardilosos, Israel cairá; mas quando há bastante infor-mação, Israel encontra a salvação.

Um antigo diretor da Mossad, Efraim Halevy, disse-nos que o lema ainda mais adequado seria: «Tudo se consegue fazer.» Essa atitude encerra o espírito da Mossad.

A reputação da agência pelas suas ações decisivas e hiperatividade con-duziu inevitavelmente à mística: a de que é todo-poderosa, omnisciente, implacável e capaz de penetrar em qualquer canto do mundo.

Israel pode não ter criado intencionalmente a imagem, mas seguramen-te tira proveito dela. Quando certos feitos, alguns dos quais aparentemente inacreditáveis, são atribuídos à Mossad pela imprensa internacional e por políticos, os chefes da espionagem de Israel nada dizem.

A política da ambiguidade amplifica a mística, a qual, por seu turno, aju-da a semear o medo entre os inimigos de Israel. O país não reconhece ter armas nucleares, embora uma quase completa história de como conseguiu esse estatuto – e de como a ambiguidade atómica tem sido preservada – possa ser encontrada nestas páginas.

Há, no entanto, um equívoco. A Mossad é tão-somente uma parte do aparelho de espionagem de Israel, que integra outras agências que não são de todo menos importantes: a doméstica Shin Bet e a militar Aman.

Estas são as três grandes e, de facto, a Aman – espionagem militar – tem os maiores recursos financeiros e humanos e contribui com o maior quinhão para a segurança nacional de Israel.

Este livro também revelará duas partes mais pequenas e especializadas da defesa encoberta de Israel. Uma, que poderia ser chamada «Espionagem judia», ajuda judeus a exercerem o legislado direito israelita de regresso à

2 A tradução portuguesa do versículo também não exprime a equivocidade do conceito: «Por falta de governo, arruína-se o povo; onde há muitos conselheiros, aí haverá salvação.» (ed. Difusora Bíblica – Franciscanos Capuchinhos).

MOSSAD: ESPIÕES COnTRA O ARMAGEDÃO

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antiga terra natal do seu povo – onde lhes é instantaneamente garantida a cidadania – e também os protege quando se envolvem em problemas fora de Israel.

A outra pequena unidade, que foi oficialmente lançada como «ligação científica» e nominalmente desmantelada após Jason Pollard ter sido apa-nhado a espiar nos Estados Unidos em 1985, é tida como a responsável por construir e proteger a mais importante capacidade de dissuasão de Israel: secreta, nuclear e oficialmente não confirmada.

Tal como a ambiguidade nuclear do país, a Mossad escolheu manter-se geralmente na sombra – deixando que outros distorcessem e lhe atribu-íssem erradamente muitos acontecimentos misteriosos. As distorções po-dem localizar-se na glorificação da agência de espionagem, na hostilidade para com Israel ou na mera especulação. Tal como as imaginações correm sem freio, os charlatães publicam o que lhe apetece: que quando o magnata britânico da imprensa Robert Maxwell caiu do seu iate, foi a Mossad que o afogou; que a espionagem israelita causou o acidente de automóvel que ceifou a vida da princesa Diana; que os operacionais da Mossad são acima de tudo artistas do assassínio; que todo o israelita preso por tráfico de droga está ao serviço da Mossad; e, mais absurdamente, que a Mossad arquitetou o 11 de Setembro.

Este livro pretende lançar luz sobre a verdadeira natureza do aparelho de espionagem de Israel, observando o seu desenvolvimento – desde o iní-cio até hoje – através do prisma da excecional história do país.

O Estado judeu tem-se mantido em guerra desde o momento em que David Ben-Gurion declarou a sua condição de Estado em 1948. E os líde-res israelitas consideram-se em guerra todos os dias.

Porém, estar «em guerra» é completamente diferente da Guerra da Independência de 1948. Também não é a vitória-relâmpago em seis dias de 1967. E o aparelho de espionagem quer assegurar que não haverá repetição do Yom Kippur de 1973, quando um ataque de surpresa dos militares ára-bes poderia ter sido neutralizado se Israel houvesse dado ouvidos a agentes impressionantemente bem colocados no Egito.

Esta é uma época ainda mais perigosa, na qual a guerra acarreta o impac-te letal de mísseis a chegar que podem trazer ogivas nucleares ou químicas, disparados por inimigos que fazem os seus próprios progressos tecnológicos.

Um dos mais importantes papéis da espionagem é, portanto, evitar a guerra total.

O objetivo agora é vencer – ou, pensando no Irão, perturbar e atrasar os planos mais perigosos do inimigo – sem envolver grandes números de tropas e aviões, e sem pôr a maior parte da população de Israel em risco de ataques por forças de vizinhos hostis.

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PRóLOGO

Este livro vai revelar mais do que Israel tem querido declarar publica-mente sobre os assassínios como instrumento, sobre o arrasamento em 2007 de um reator nuclear na Síria e sobre a sabotagem e homicídios apon-tados no sentido de sufocar as ambições nucleares do Irão.

A missão originária da espionagem no eterno e complexo jogo de xa-drez do Médio Oriente centra-se na preparação da próxima guerra. Agora, os chefes da espionagem continuam a dirigir a guerra pela ação furtiva, sabotagem, desinformação e morte.

Os soldados, pilotos e marinheiros das Forças de Defesa de Israel (FDI), entretanto, trabalham de perto e coordenados com as agências de espionagem do país. Os capítulos que se seguem mostrarão como as mo-dernas e altamente adaptáveis FDI não se limitam a enviar soldados com armas. Combatentes em operações especiais, não necessariamente unifor-mizados, vão para missões temerárias no interior de países inimigos. Estes militares, homens e mulheres, são também espiões, não menos do que os operacionais da Mossad.

Israel tem estado cada vez mais a tirar todo o partido dos inovadores drones3, sistemas de escutas e satélites espiões que se tornam parte vital da rede de defesa sempre em ampliação no minúsculo país.

Todo o aparelho de espionagem – não apenas a Mossad – reflete a condição de Israel: um pequeno país, com vizinhos que não aceitam o seu direito a existir, ou no máximo aceitam relutantemente coexistir.

A espionagem israelita desenvolveu, portanto, um estilo corajoso, mas procurando não correr riscos, e que aspira a que seja inovador em todas as ocasiões. Tem de o conseguir com menos e compensa as deficiências da quantidade desenvolvendo a excelência da qualidade.

«O fator humano é o maior e mais crucial para a nossa sociedade e para os nossos serviços de segurança», declarou o falecido Meir Amit, que diri-giu a Mossad, bem como a Aman, nos anos 60.

Tal observação mantém-se válida nos dias de hoje. O «êxito e o cum-primento das complexas tarefas» por parte da Mossad «dependem da qua-lidade das pessoas que nela trabalham, constituem o núcleo e a sua força condutora», escreve no seu website o atual diretor da agência, Tamir Pardo. Ele espera que os colaboradores sejam «apenas as melhores pessoas e as mais adequadas», que vejam o trabalho delas como uma «contribuição para a fortificação da segurança do Estado de Israel», à qual «dediquem as suas competências e os seus talentos, a determinação, a persistência e os valores».

Vários israelitas atualmente a prestar serviço como operacionais da Mossad disseram que a sua principal motivação é proteger o país e as suas 3 Zângãos. São pequenos aviões não tripulados mas armados e telecomandados.

MOSSAD: ESPIÕES COnTRA O ARMAGEDÃO

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famílias. Propendem também a ser o tipo de pessoas competitivas que de-sejam ser excelentes em absolutamente tudo o que fazem.

O website da Mossad convida à candidatura de trabalho de «pessoas que são criativas e desejosas de desafios, que estão à procura de coisas diferentes e de trabalho diferente e especial – um papel que é fascinante, não conven-cional e dinâmico», começando com um ano de treino.

Os candidatos têm de ter «boa capacidade de trabalho em equipa, curio-sidade e abertura para aprender, elevada vocação para a aprendizagem, criatividade e pensamento fora do convencional, alto potencial em línguas estrangeiras, disponibilidade para trabalhar sem horários e realizar frequen-tes viagens ao estrangeiro».

Um facto perturbador para Israel, que a mentalidade do tempo de guer-ra nunca afastou, é a inerente contradição entre democracia e defesa enco-berta.

Israel – muito antes de outras sociedades ocidentais terem enfrentado o assunto na era após o 11 de Setembro – lutou para encontrar algum equilí-brio. É absurdo ter uma subcultura secreta para proteger a liberdade de um país? A coabitação tem sido tudo menos isenta de escolhos.

Durante muitos anos, operacionais de segurança da Shin Bet mentiram em tribunal e estiveram disponíveis para sacrificar valores democráticos no altar do combate ao terrorismo. A maior parte dos israelitas não levantou objeções. Preferiam dormir à noite, sabendo vagamente que estavam a ser protegidos.

As autoridades israelitas desenvolveram as mesmas capacidades de coligir dados da nSA, national Security Agency (Agência nacional de Se-gurança), a entidade norte-americana humilhada e denunciada em 2013, mas, em Israel, as pessoas, em geral, aceitaram a vigilância para travar o terrorismo e procurar infiltrados.

Os abusos foram, diga-se em abono de Israel, denunciados e julgados em tribunal, revelados por meios noticiosos ativos e pelo desejo de uma parte do público por transparência.

Existe uma dissonância adicional. Mesmo que o pessoal de espionagem adira às leis e valores de Israel, o seu trabalho envolve rotineiramente a violação da soberania e dos sistemas legais de outros países – ao ponto de matar individualmente inimigos em capitais estrangeiras.

O cerne desta questão, agora familiar aos Estados Unidos e a outros países, é como honrar e reforçar as nossas liberdades quando se combate contra forças hostis que procuram esmagar os nossos valores.

Os aparelhos de espionagem nas sociedades democráticas têm de en-frentar um beco sem saída. Os «bons rapazes» têm de respeitar a lei, pelo

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PRóLOGO

menos em casa, enquanto os terroristas tiram partido de um sistema que abjuram por completo: processando os seus interrogadores, amarrando tri-bunais a extensos julgamentos e mesmo exigindo que os juízes os soltem da prisão por razões humanitárias. Estas são liberdades que eles, nos seus países de origem, jamais pensariam em assegurar fosse a quem fosse.

Desde o começo, em 1948, os líderes de Israel adotaram como princípio orientador que estão encostados à parede. O seu país é tão pequeno – e, especialmente nas suas fronteiras antes de 1967, tão estreito – que alguns analistas falam em calamidades que poderiam levar à destruição da nação. Poucas bombas nucleares lançadas no centro de Israel chegariam para ma-tar a maior parte da população.

O Armagedão, na tradição cristã, é considerado o local da batalha final entre o bem e o mal. Enquanto a sua localização é apontada num monte junto de Megido, no vale de Esdrelom (Jezreel), no norte de Israel, os ju-deus não estão à espera nem procuram um acontecimento apocalíptico. no entanto, o aparelho de espionagem de Israel – mais do que uma vez – teve a tarefa de se lançar numa guerra secreta visando tirar o país da beira de uma situação medonha. Cometer erros na presente campanha contra o progra-ma nuclear do Irão poderá ser extremamente destrutivo.

Há 22 anos, escrevemos Every Spy a Prince4, uma história da espionagem israelita que abordou alguns destes assuntos. Desde então, muitas coisas aconteceram e muitas figuras-chave e governos foram afastados de cena – alguns pacificamente e muitos violentamente. O Egito, desde que assinou um tratado de paz com Israel em 1979, tornou-se o esteio principal da estabilidade na região, mas a queda do presidente Hosni Mubarak abalou os mais profundos alicerces do Médio Oriente. Muitos países árabes conti-nuam a tremer.

Israel está especialmente concentrado no maior deles, o Egito, e as agências de espionagem israelita têm como papel mais importante man-ter o Cairo tão cooperante quanto possam. Depois de um líder da Irman-dade Muçulmana, Mohamed Morsi, ter sido eleito presidente em meados de 2012, os contactos abertos entre o Cairo e Jerusalém foram mínimos. A Mossad, por isso, empenhou-se numa das suas tarefas tradicionais: agir como um Ministério dos negócios Estrangeiros para o diálogo com gover-nos relutantes em serem vistos como conluiados com sionistas.

Morsi foi surpreendentemente cooperante em novembro de 2012 perante a pressão frontal acrescentada pela secretária de Estado norte- -americana, Hillary Clinton, persuadindo os radicais do Hamas em Gaza a pararem com o lançamento de rockets sobre Israel. Os líderes israelitas 4 Algo como Em cada Espião um Príncipe, ainda sem tradução em língua portuguesa.

MOSSAD: ESPIÕES COnTRA O ARMAGEDÃO

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estavam igualmente satisfeitos, mas advertiram os Estados Unidos de que Morsi – no mínimo – havia demonstrado a proximidade das ligações da sua Irmandade Muçulmana com o Hamas.

A Administração de Barack Obama estava na dúvida quanto ao desfe-cho que preferiria no Egito, mas, quando os militares derrubaram Morsi, em julho de 2013, os israelitas não conseguiram disfarçar a sua alegria. Enviaram, em segredo, mensagens amigáveis ao novo líder de facto, general Abdel Fattah al-Sisi. Os militares e os responsáveis da espionagem já eram conhecidos uns dos outros e iriam continuar a manter uma significativa cooperação.

A espionagem israelita proporcionou informação objetiva de alvos ao exército egípcio quando o general Sisi decidiu tomar medidas enérgicas contra terroristas islâmicos, piratas beduínos e outros agitadores armados que haviam transformado a Península do Sinai – o deserto-tampão entre o Egito e Israel – num faroeste a evitar. Israel também aliviou algumas res-trições do tratado de paz de 1979 para permitir às forças armadas egípcias atuar no Sinai.

Dependendo do resultado das eleições no Egito, em 20145, a espiona-gem israelita acalentou a esperança de que os egípcios iriam ajudar a estran-gular os radicais palestinos na Faixa de Gaza.

O tipo de cooperação entre Israel e o Egito viria a ter grande significado estratégico. Enfraquecer o Hamas poderia mesmo conduzir a uma maior unidade entre palestinos de Gaza e da Cisjordânia e aumentar as hipóteses de um acordo palestino-israelita nas negociações que os Estados Unidos estavam a mediar.

O otimismo nesses objetivos era, no máximo, ténue. Era claro, porém, que a Mossad e o resto do aparelho de espionagem teriam de estar atentos às linhas de batalha, aos combatentes e aos prováveis vencedores.

A princípio, a possibilidade de o presidente Bashar al-Assad cair pare-ceu positiva. O Irão perderia um aliado de vulto.

Estrategos israelitas, no entanto, começaram a temer a crescente pro-babilidade do caos – e de um triunfo para os radicais islâmicos inspirados pela Al-Qaeda.

A Mossad e a Aman continuaram a cumprir o seu dever, proporcionan-do ao primeiro-ministro israelita bastantes informações e avaliações. Um ganho importante para Israel, em 2013, foi a relutante concordância da Síria em desistir de todas as suas armas químicas. A força aérea israelita, apoiada em vigilância rigorosa sobre a Síria, bombardeou vários comboios de camiões e armazéns quando concluiu que tais armas estavam a ser transferidas para as milícias do Hezbollah no Líbano.5 Ganhas em maio pelo general Sisi, com 96,91 por cento dos votos.

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PRóLOGO

O envolvimento diplomático norte-americano com o Irão, começado em 2013, após mais de três décadas de hostilidade gelada, foi visto por muitos israelitas como um potencial realinhamento para a mudança de jogo. Os líderes israelitas estavam extremamente céticos quanto ao novo rosto moderado exibido pelo Irão, e a Mossad passou a ter um conjunto novo de tarefas: seguir a par e passo o que acontece entre o Ocidente e Teerão, ao mesmo tempo que observa intensamente o interior do Irão à procura do prosseguimento dos trabalhos nucleares que podem estar escondidos e ser perigosos.

Depois de os Estados Unidos e outros países ocidentais terem alcan-çado um entendimento provisório com o Irão, cuja implementação se ini-ciou em 2014, Israel manifestou profundas dúvidas – muito por causa de o mundo estar agora de acordo que Teerão tem o direito de enriquecer urânio, embora não a níveis de uso em armas. Quando inspetores nucleares internacionais tiveram acesso a mais instalações no Irão, a espionagem israelita fez questão de se coordenar com eles.

A hipótese de um ataque militar israelita ao Irão recuou até à quase impossibilidade. Ainda assim, o primeiro-ministro Benjamin netanyahu in-sistiu em que era necessária uma ameaça credível, nem que fosse para somar pressão sobre todas as partes enquanto prosseguissem as conversações com o Irão sobre o nuclear.

Deveria Israel atacar se o Irão retomasse o enriquecimento de alto nível de urânio com a perspetiva de um potencial fabrico de bomba? Um chefe de espionagem aposentado afirmou que os líderes israelitas teriam de dar respostas afirmativas a quatro perguntas-chave, antes de emitirem ordens cruciais à sua força aérea: considera Israel de todo inaceitável que o Irão possua uma bomba nuclear? Pode um ataque ser eficaz? Foram tentados todos os outros métodos, entre os quais ações clandestinas no interior do Irão? E iriam os Estados Unidos, o aliado insubstituível, aceitar e apoiar o ataque israelita?

Ele admitiu que a resposta às terceira e quarta perguntas poderia não ser um claro «sim». O aparelho de espionagem também acreditava firmemente que o Irão haveria de contra-atacar vigorosamente Israel e que isso poderia tornar infernal a vida para a população israelita.

A história do Médio Oriente parece agora correr com o dobro ou o triplo da velocidade. A própria legitimidade do Estado de Israel está em jogo e os Estados Unidos patrocinam novas conversações entre israelitas e palestinos. Enquanto o aparelho de espionagem mantém a tarefa há muito estabelecida de se opor às ameaças dos palestinos radicais, os analistas têm procurado projetar todas as possibilidades das negociações. A esperança declarada era a solução dos dois Estados, e os mediadores dos EUA, no

MOSSAD: ESPIÕES COnTRA O ARMAGEDÃO

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início de 2014, apresentaram propostas de futuras fronteiras, convénios de segurança, uma forma de partilhar Jerusalém, como lidar com os colonatos na Cisjordânia e questões de refugiados6.

Embora a região altamente volátil apresente muitos perigos e desafios ao Estado judeu, os israelitas, que continuam muito atentos às possibilida-des do seu país quanto à continuidade dos êxitos e prosperidade – entre os quais os líderes das agências de espionagem de Israel –, sabem que os re-sultados dos esforços de paz com os palestinos poderiam constituir o mais importante dos fatores.

Com o decurso do tempo, à medida que os desafios de Israel foram mudando, conseguimos maior acesso do que antes. Documentos outro-ra fechados a sete chaves foram disponibilizados, mais pessoas envolvidas nestes dramas se dispuseram a falar; e agências e funcionários, tão clandes-tinos que nem o seu nome podia ser dito legalmente, saíram à luz do dia. Entrevistámos a maior parte dos chefes das agências e muitos operacionais de topo.

A nossa missão é espalhar uma nova luz sobre acontecimentos histó-ricos. Procuramos pôr em perspetiva os desafios que continuam a emergir numa região perturbada e estratégica, mais uma vez à beira de uma grande crise que nos pode afetar a todos.

Dan Raviv Washington

Yossi Melman

Telavive

fevereiro de 2014

6 Os projetos mais esperançosos e otimistas do início de 2014 sofreram um grave revés a partir de 14 de junho, data em que se verificou o desaparecimento e, dias depois, a confirmação do assassínio de três adolescentes israelitas na Cisjordânia. Em seguida, membros de um colonato israelita queimaram vivo um jovem palestino e desencadeou-se uma intensa confrontação, com o Hamas a lançar mísseis da Faixa de Gaza sobre pontos longínquos de Israel e a força aérea e o exército israelita a bombar-dearem Gaza, com o objetivo de destruir a complexa rede de túneis por onde são movimentadas as armas contra Israel. Colateralmente, as forças israelitas tentaram matar líderes do Hamas. Os mísseis lançados de Gaza não causaram estragos de maior em Israel, em virtude de já estar em funcionamen-to efetivo a Cúpula de Ferro, uma barragem de mísseis antiaéreos que protege os principais centros populacionais. Com várias tentativas de diálogo para obter um cessar-fogo, por iniciativa do Egito, a prolongada batalha provocou centenas de mortos do lado palestino – entre guerrilheiros e suas famílias e vizinhos, incluindo idosos, mulheres e crianças – e um número considerável de militares israelitas. Muito dificilmente se ouvirá, nos próximos tempos, falar de projetos de paz consistentes.

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PRóLOGO

nOTAS DOS AUTORES AO PRóLOGO

Informação atualizada e análises dos esforços de Israel para acompanhar os acontecimentos voláteis no Egito, Síria, Líbano, Irão e outros países podem ser encontradas no blogue dos autores, IsraelSpy.com.As quatro perguntas que os líderes israelitas teriam de responder antes de ordenarem um ataque militar ao Irão têm por base declarações de um general da força aérea israelita na reserva, Amos Yadlin, que foi diretor da Aman (espionagem militar) de 2006 a 2010 e agora dirige o Instituto de Estudos de Segurança nacional, em Telavive.O website newRepublic.com publicou a 23 de outubro de 2013, uma entre-vista com Yadlin, na qual consta uma versão das quatro perguntas.

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CaPítulo um

TRAVAR O IRÃO

Visitantes autorizados e empregados que chegam ao terceiro andar da sede da Mossad – no interior de um campus bastante seguro num cruzamento de importantes autoestradas a norte de Telavive – veem

quatro letras na parede que se leem Ramsad. no mundo da espionagem, cheio de abreviaturas e siglas, esta quer dizer Rosh ha-Mossad – Chefia da Mossad.

O gabinete de Meir Dagan, que deteve aquela poderosa função de 2002 a 2010, revelava algumas pistas sobre o seu pensamento e como a sua per-sonalidade fora moldada. Recordações do seu serviço militar, naturalmente, salpicando as paredes, mas a preciosidade era uma fotografia datada dos dias sombrios da II Guerra Mundial.

numa parede estava uma fotografia a preto e branco de uma cena depri-mente: um judeu adulto de joelhos, envolto no seu tallit (xaile para oração) listado, de braços levantados em rendição ou oração, cercado por soldados nazis em zombaria.

Dagan costumava dizer aos visitantes que o judeu era o seu avô mater-no, Ber Ehrlich Sloshny. Contava que o avô fora abatido poucos minutos depois de a foto ter sido feita, quando os alemães liquidaram todos os mi-lhares de judeus na shtetl 7 de Lokov, na Ucrânia.

Embora não habitualmente visto como uma pessoa sentimental, Dagan teve consigo essa foto ao longo da sua carreira. Afixou-a nas paredes onde serviu como oficial do exército. Também a exibiu no seu gabinete de Ramsad.

Ali, tinha um significado acrescido: a lembrança de ameaças existenciais que Israel teve de enfrentar ao longo da sua história, no interior de uma agência governamental encarregada de combater tais ameaças. Dagan sentia que ele tinha o ónus especial de assegurar a continuidade da existência do Estado judeu.

não podia haver carga mais pesada nos seus ombros do que a principal que lhe calhou na liderança da Mossad: como impedir que os virulentos

7 Cidadezinha.

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inimigos de Israel na República Islâmica do Irão produzissem armas nu-cleares.

Dagan, quando questionado, parecia ansioso por contar como conse-guira a foto do seu avô. Explicava que o pai regressara a Lokov vindo da Rússia, depois da guerra, para procurar familiares sobreviventes. Descobriu que ninguém se salvara no Holocausto, mas fora abordado por um vizinho não judeu. O homem disse-lhe que os alemães o forçaram a queimar os corpos de judeus assassinados, e como ele tinha uma câmara consigo eles ordenaram-lhe, presunçosos, que tirasse fotografias. no final da guerra, ele deu a foto ao pai de Dagan, que, por fim, a trouxe consigo para Israel.

Para Dagan, a fotografia continha mais do que o significado simplista que líderes políticos israelitas muitas vezes atribuem quando declaram que os judeus «nunca mais» poderão ser aniquilados e têm de ter o poder de se defender.

Para ele, a fotografia também transmite uma lição moral. Quando Dagan olhou para ela, ficou admirado com o facto de as pessoas se poderem trans-formar tão facilmente em perseguidores e feras. Percebeu que, na prática, isso pode acontecer a qualquer um.

Como chefe da Mossad, com uma ampla variedade de meios sob o seu controlo, essa transformação poderia suceder com ele. O Ramsad poderia ser levado por si próprio a pensar que era quase Deus. Dispunha de um vasto poder nas suas mãos. Podia selar o destino de praticamente qualquer pessoa.

Quando Dagan sopesou os poderes para utilizar, como e quando, na confrontação com o Irão, depararam-se-lhe enormes desafios e dilemas ocasionais. Cerca de dois anos após ter tomado posse, em 2004, quando Dagan concluiu definitivamente que o regime dos aiatolas iria ser a sua prioridade número um, emergiu a necessidade de montar a estratégia que melhor pudesse impedi-los de desenvolver armas nucleares.

As ambições nucleares do Irão precederam a ascensão dos clérigos xiitas e do estabelecimento pelo aiatola Ruhollah Khomeini da República Islâmica, em 1979. Essas ambições surgiram em meados dos anos 50, no reinado do xá Mohamed Reza Pahlevi e a sua tácita nomeação pelos Esta-dos Unidos como o «polícia» da região.

Como monarca do Irão, o xá era de certeza o menino bonito da indústria da energia nuclear dos Estados Unidos. Era um cliente fantástico, compran-do afanosamente unidades de produção feitas nos EUA e entregues «chave na mão». Elas visavam produzir eletricidade, mas o monarca não escondia a esperança de que um dia ele iria utilizar aquela tecnologia com fins militares: construir bombas e ampliar a sua influência hegemónica.

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Daqueles dias que precederam 1979, Israel também queria uma fatia do lucrativo bolo iraniano. O xá e o seu grande regime eram aliados firmes do Estado judeu desde os anos 50. Israel combatia os árabes; e o Irão, apesar da maioria muçulmana, não se via como parte dos povos árabes, e havia fricção entre eles. As aspirações do xá chocavam com as de Gamal Abdel nasser, do Egito, e com a dinastia saudita reinante. O entendimento com Israel era um casamento de conveniência.

A espionagem de Israel treinou a Savak, a brutal polícia secreta e servi-ço de espionagem do xá. Como parte da compensação, o xá permitiu que a Mossad operasse no território dele como base para recrutar agentes no Iraque e noutros países. O Irão proporcionou documentação para amplifi-car as manchetes sobre Israel.

Os fabricantes de armas israelitas fizeram um próspero negócio com o Irão. O xá vendeu petróleo a Israel e financiou joint ventures de armamento, tendo melhorado a versão do míssil terra-terra Jericho, construído por Israel com um design que a França aparentemente partilhou de boa vontade nos princípios dos anos 60.

O projeto conjunto do míssil, com o nome de código Flor, visava pro-porcionar meios de transporte para armas nucleares israelitas. E o xá, com as suas aspirações nucleares, pensava na mesma coisa para o seu futuro arsenal.

Apareceu então Shimon Peres, o responsável da Defesa – e futuro pri-meiro-ministro e presidente de Israel – que foi um dos criadores do progra-ma nuclear secreto do seu país. Peres ofereceu ao xá tecnologia nuclear e a utilização de peritos da Comissão de Energia Atómica de Israel.

Israel, décadas depois, haveria de sentir profundo embaraço e remorso se o xá tivesse dito que sim. Os israelitas estariam a ajudar o seu futuro arqui-inimigo a tornar-se potência nuclear. O xá disse que não. não precisa-va da ajuda de Israel. Já tinha empresas norte-americanas, francesas, alemãs e canadianas a fazer bicha para grandes contratos com ele.

Depois do derrube do xá, em 1979, os novos governantes xiitas não tiveram tempo nem recursos para se dedicarem a um programa nuclear. Estavam amarrados a uma guerra, que se prolongou por uma década, com o Iraque de Saddam Hussein. Esse terrível conflito, que deixou mais de um milhão de mortos nos dois lados, forçou-os a pensar de novo. Os iraquia-nos estavam a utilizar armas químicas e gás venenoso contra os iranianos ao longo da frente, enquanto atingiam as cidades do Irão com mísseis Scud de longo alcance.

O aiatola Khomeini reparou que o mundo estava em silêncio peran-te estes crimes de guerra, e o intensamente pensativo clérigo ficou lívido ao descobrir que os Estados Unidos apoiavam o Iraque. O supremo líder

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espiritual tinha-se oposto a armas não convencionais, com o fundamento religioso de que os inocentes são as vítimas preferenciais da destruição em massa. Mas depois da guerra, Khomeini mudou de ideias, concluindo que o Irão tinha de ombrear com os seus inimigos – nem que fosse para os dissuadir.

no princípio dos anos 90, após a morte de Khomeini, o Irão retomou o seu programa de construção da bomba atómica. Teve alguma ajuda da Rússia e da China, mas acima de tudo do mal-afamado vendedor ambulan-te atómico Abdul Qadir Khan, do Paquistão8.

Os iranianos confinaram-se a si próprios à compra de desenhos e ma-nuais de instruções para a construção de «cascatas» de centrifugadoras, para serem utilizadas no enriquecimento do urânio. As centrais de enriqueci-mento tinham de ser construídas, mas o Irão sentia-se capaz de o fazer – ao contrário dos líbios, que, em 1992, compraram a A. Q. Khan todo um projeto pronto a usar.

Espantosamente, nessa altura, a espionagem israelita e o Ministério da Defesa não encaravam o Irão como uma ameaça. Chegaram a permitir que empresas israelitas e intermediários vendessem equipamento de segurança e militar aos aiatolas.

Os negócios, porém, eram secretos, em parte para os esconder dos Estados Unidos. Os norte-americanos ter-se-iam oposto vigorosamente a esses negócios, por causa da humilhação aos seus 52 diplomatas feitos reféns em Teerão desde finais de 1979 até princípios de 1981.

O conjunto de transações mais preocupante e de maior alcance envol-veu nahum Manbar. O homem de negócios israelita viajou até à Polónia nos finais dos anos 80 e começou a vender armas polacas ao Irão, que estava desesperado por reconstituir o seu arsenal depois da penosa guerra com o Iraque. Estabelecendo sólidos contactos no Ministério da Defesa iraniano, Manbar forneceu matérias-primas da China e da Hungria que o Irão utilizou para produzir armas químicas.

A agência de espionagem britânica MI-6 detetou as atividades dele, algu-mas conduzidas em solo britânico, mas não conseguia acreditar que um is-raelita trabalhasse tão intimamente com iranianos. Os analistas da espiona-gem concluíram naturalmente que Manbar era um operacional da Mossad com a missão de penetrar nos segredos químicos e de defesa do Irão. não era.

na realidade, a Mossad e o serviço de informações doméstico Shin Bet – o equivalente israelita ao FBI – acabavam de concluir que o Irão não

8 Cientista nuclear nascido em Bhopal (1936), então Índia Britânica, considerado o pai da bomba ató-mica paquistanesa. Em 2004, foi preso por envolvimento numa rede de vendas de segredos e armas nucleares à Coreia do norte, Líbia e Irão. Em 2009, o tribunal paquistanês libertou-o.

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deveria ser ajudado nas suas ambições militares. Tolerar transações de armas não fazia sentido. Em parte por causa das preocupações manifes-tadas pelos Estados Unidos, Manbar foi colocado sob vigilância. Espiões israelitas ficaram atentos a quaisquer contactos pessoais ou telefónicos com agentes do Governo iraniano.

Durante uma missão de vigilância em 1993, em Viena de Áustria, dois homens da Mossad que se deslocavam numa motocicleta ao frio de uma noite cerrada fizeram uma curva errada. A motocicleta embateu num carro e os dois espiões morreram. Relatos públicos disseram apenas que dois tu-ristas israelitas tinham morrido. A Mossad conduziu uma investigação para se certificar de que o condutor do automóvel não era um agente inimigo.

Conquanto não houvesse razão para culpar Manbar pelas mortes, o inci-dente reforçou a determinação da Mossad em punir o comerciante israelita de armas químicas.

Foi preso em 1997 e julgado em Israel sob a lei do silêncio e censura militar para impedir qualquer menção ao caso pela habitualmente hiperativa imprensa do país. A lei da mordaça era um meio rotineiro de lidar com um caso que envolvesse agências de espionagem e negócios estrangeiros sensí-veis. Manbar foi condenado a 16 anos de prisão por fazer negócio com um país inimigo.

A colocação, por Dagan, do Irão no topo da sua lista de prioridades estava plenamente dentro do espírito do primeiro-ministro Ariel Sharon quando, em 2002, nomeou o seu velho amigo e antigo camarada general do exército. Dagan foi encarregado de tornar a Mossad numa organização ágil, musculada e orientada num sentido claro das duas missões primárias.

Dagan achava que a sua agência ficara sem imaginação e por vezes mes-mo preguiçosa. O seu objetivo, falando metaforicamente, era restaurar uma Mossad «com faca nos dentes». Em vários momentos bem escolhidos, a faca seria habilmente espetada no Irão.

Tanto a Mossad como a agência militar de espionagem, Aman, tinham concluído que o programa nuclear do Irão avançava em dois sentidos. Um era civil, para gerar eletricidade e para investigação de apoio às necessidades médicas e agrícolas. Ao mesmo tempo, cientistas iranianos avançavam clan-destinamente na pista militar, muitas vezes utilizando o trabalho civil como disfarce para desenvolver uma capacidade para construir bombas nucleares. Da mesma forma que algum equipamento era de «uso dual», muitos dos peritos também o eram. Docentes universitários e investigadores também faziam parte do programa da bomba.

Sharon instruiu Dagan no sentido de ser um «gestor de projeto» de topo – termo para designar a arte da organização do trabalho de espionagem.

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O chefe da Mossad coordenaria pessoalmente um vasto leque de esforços de Israel para enfrentar o Irão: politicamente, economicamente, psicologi-camente, e quase tudo secretamente.

Os passos mais benignos envolviam a pressão diplomática sobre o Irão. Os aiatolas e o seu Governo tinham de receber mensagens através de países terceiros que lhes dissessem para parar com o lado militar do seu programa nuclear, a par de ameaças de ações enérgicas se não o fizessem.

O nível seguinte centrava-se na persuasão junto dos principais parceiros económicos para que impusessem sanções visando prejudicar a economia iraniana. Estes eram na sua maioria países europeus, que tinham de ser con-vencidos de que os programas de armamento e de mísseis do Irão também poderiam constituir uma ameaça para eles. A esperança era a de que os líderes iranianos decidissem que não era compensatório aspirar a ter armas nuclea-res, porque as sanções sobre certas mercadorias, transações financeiras e via-gens fariam o seu povo sofrer. A avaliação da espionagem israelita era a de que, embora o Irão pudesse parecer uma rígida ditadura religiosa, o seu Go-verno estava na realidade bem consciente da necessidade de apoio popular.

A Mossad e o próprio Dagan dedicaram bastante energia a aprender tudo quanto lhes fosse possível acerca da opinião pública doméstica no Irão e das pressões no interior da sociedade iraniana. Enquanto metade da população do Irão é persa, o país era uma tapeçaria multiétnica feita de curdos, azeris, árabes, balúchis e turquemenos. As minorias eram todas oprimidas, em maior ou menor grau, e podiam ser encaradas como elos fracos da cadeia iraniana.

Tais tensões poderiam ser exploradas pela guerra psicológica, para agi-tar o descontentamento dentro do Irão. Identificar cidadãos profundamen-te desgostosos também forneceria uma reserva de potenciais informadores pagos da Mossad.

As ações secretas poderiam assumir muitas formas: recrutamento de agentes de alta qualidade na liderança iraniana e dentro do programa nu-clear, sabotagem de instalações nucleares e assassínio de figuras-chave do programa. A filosofia geral deste abrangente plano de ação – na análise de Dagan, expressa por ele e outros na Mossad – era «definir e utilizar os ins-trumentos para mudar a mentalidade de um país».

Iranianos ao mais alto nível tinham de ser persuadidos, por ações e não apenas por palavras, de que a aspiração a armas nucleares seria um tiro pela culatra. Precisavam de ser convencidos de que isso iria proporcionar ao regime menos condições de sobrevivência, não mais. na mentalidade da Mossad, pressão e persuasão – de modo algum sempre gentil – seriam de longe uma melhor estratégia do que um raide aéreo em massa sobre insta-lações nucleares.

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Israel não tinha comunicação direta com os líderes iranianos, mas diver-sos governos europeus e asiáticos podiam passar mensagens para um lado e para o outro. E, de tempos a tempos, os Estados Unidos e os seus aliados mantinham conversações com o Irão acerca do seu programa nuclear.

Resultados positivos, se os havia, eram quase invisíveis. Desagradados com a falta de progresso e com um amontoar de falsidades, os países oci-dentais, em 2011 e 2012, endureceram significativamente as sanções econó-micas dirigidas a indivíduos e organizações-chave no Irão.

Os líderes políticos de Israel, enquanto estimulavam a Mossad a pro-curar métodos muito aquém de uma guerra aberta, faziam frequentemen-te declarações belicosas para consumo do público. Descobriram que, ao deixarem no ar a ideia de que poderiam enviar a força aérea bombardear instalações iranianas, o resto do mundo acordaria e tomaria a consciência urgente do trabalho nuclear do Irão. Já em 2002, quando instalou Dagan na Mossad, a esperança de Sharon era a de que outros países tomassem a iniciativa na aplicação de pressão sobre o Irão. Tinham bastante mais peso económico, e os norte-americanos, em particular, muito mais poderosas capacidades militares.

Sharon, mais tarde sucedido como primeiro-ministro por Ehud Olmert e mais robustamente por Benjamin netanyahu, repetidamente declararam todos que o Irão não era apenas um problema de Israel, mas internacional. Dagan absorveu esse credo e, na batalha muito privada que travava, tentou reunir o máximo de apoio possível dos serviços de segurança de outros países.

O diretor da Mossad teve efetivamente problemas em persuadir as agências de espionagem de outros países de que o Irão corria para criar armas nucleares. Era uma missão difícil. Os analistas militares na Aman tinham por diversas vezes gritado lobo na sua anual Avaliação nacional de Informações. nos meados dos anos 90, a Avaliação previu que o Irão iria conseguir ter armas nucleares nos alvores do novo milénio. Essa data foi adiada para 2003 e mais tarde modificada para 2005.

A tese israelita – de que o programa nuclear iraniano era um assunto imenso e urgente – foi severamente desautorizada por outra avaliação, a que o aparelho de espionagem norte-americano entregou ao presidente George W. Bush em 2007. nela se dizia, com elevada confiança, que o Irão parara o seu programa de armas nucleares em 2003, talvez numa reação um tanto assustada à invasão do Iraque pelos Estados Unidos nesse ano.

Por isso, porque haveria o mundo de acreditar que a análise israelita era mais precisa? Os governos, por todo o lado, estavam céticos em relação a tudo quanto tocasse em segredos do Médio Oriente. As agências de espio-nagem norte-americana e britânica estavam queimadas por terem declarado

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com toda a certeza em 2002 que Saddam Hussein tinha armas de destruição maciça – e essa informação errada foi um dos pilares da dispendiosa e impo-pular guerra no Iraque.

Dagan aprofundou laboriosamente as relações com numerosas agên-cias de espionagem na Europa, Ásia, África e América. Ele queria primeiro persuadi-las de que o perigo iraniano era real, e apresentou as provas mais recentes com dados pormenorizados. Diferentemente do passado Israel, com a reputação de ser avarento com a informação – querendo obter bas-tante sem dar muito em troca –, Dagan mostrava uma vasta coleção de factos que davam sentido a um programa nuclear iraniano de longe maior do que Teerão alegava ser o necessário para fins pacíficos.

O chefe da Mossad viajou com frequência para se encontrar com par-ceiros de países que tinham relações de espionagem com Israel, instando--os a aceitar que causar problemas ao programa nuclear iraniano era algo que eles deveriam querer fazer e deviam fazer. Dagan advogou-o particu-larmente bem com os quatro diretores da CIA que foram seus parceiros norte-americanos durante os seus oito anos no cargo: George Tenet, Porter Goss, Michael Hayden e Leon Panetta.

Para reforçar a abordagem da compilação – e depois da ação pertinen-te – da maior parte da informação presente disponível, a Mossad fez equipa com a unidade de tecnologia da Aman e da Comissão da Energia Atómica de Israel. Compilaram uma lista de todos os componentes de que Israel precisaria para construir uma bomba nuclear.

A Comissão de Energia Atómica era capaz de utilizar a experiência ga-nha na aquisição de tudo o que o programa nuclear de Israel – um projeto secreto de que os responsáveis se recusaram sempre a falar – tinha precisa-do. Elencaram 25 mil artigos, desde minúsculos parafusos a peças de motor de míssil: uma espantosamente vasta lista que incluía metais especiais, fibra de carbono, válvulas, cablagens, computadores rápidos, painéis de controlo e muitas coisas mais.

As redes de compras iranianas, a operar em cinco continentes num esfor-ço sistemático guiado pelos líderes do programa nuclear, tentavam deitar a mão a tudo o que o programa precisava. Como primeiro passo ativo, Dagan instou junto das agências parceiras para que encontrassem meios legais nos respetivos países para parar os carregamentos para o Irão. Teve uma tarefa fácil com a CIA, o MI6, a alemã BnD, a francesa DGSE e algumas outras que compreenderam o perigo e tinham seguido o projeto nuclear iraniano.

Em breve, mesmo os serviços secretos relativamente pequenos de paí-ses como a Polónia aderiram à coligação informal das agências de espiona-gem. Passos conjuntos envolveram a barragem e o confisco de cargueiros. Com base em pistas da Mossad, da CIA e do MI6, dezenas de redes de

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compras iranianas foram descobertas. Carregamentos com destino ao Irão oriundos de países como Tanzânia, Itália, Bélgica, Espanha, Ucrânia, Azer-baijão ou Turquemenistão foram confiscados por autoridades europeias ou de outros Estados.

A Mossad reforçou as suas relações de intermediação com agências de espionagem de antigos países comunistas na Europa do Leste, uma vez que elas possuíam contactos nos países do Médio Oriente que eram diferentes – e frequentemente mais úteis – dos que tinham as ocidentais. Quando um homem de negócios ou outro viajante do antigo bloco sovié-tico estava no Irão, as autoridades mostravam-se menos suspeitosas do que quando chegavam ocidentais. Israel conseguia ter um quinhão nas informações coligidas pelos visitantes, entre os quais estavam espiões sob disfarce.

As ligações amigáveis ficaram ilustradas quando Dagan recebeu pré-mios de diversos países, entre os quais uma cidadania honorária que lhe foi concedida pela ex-comunista Polónia. O gesto foi comovedor, à luz da trágica história da sua família em solo polaco, e também saudava operações conjuntas com a Mossad no presente.

O Irão começou a sentir a picada, por causa das ruturas na cadeia de abastecimento, mas o programa nuclear não foi dissuadido.

O esforço internacional tinha de subir de grau. Esperando beneficiar do facto de ter as nações Unidas como base central para a pressão, Israel e as agências estrangeiras cooperantes precisavam de ter mais provas para demonstrar as verdadeiras intenções do Irão. Isso foi conseguido pela coordenação de esforços de espionagem da Mossad, CIA, MI6 e BnD. Forneceram continuamente informação sensível à Agência Internacional de Energia Atómica das nações Unidas.

Foi a Agência de Energia Atómica, com sede em Viena, que determinou a monitorização do programa do Irão. A agência comprou imagens de saté-lite a empresas privadas e enviou inspetores a diversas instalações iranianas, onde foram instaladas câmaras das nações Unidas.

Embora o trabalho de campo dos inspetores tenha sido bastante bom, eles foram impedidos de dizer toda a verdade. Burocratas internacionais, liderados pelo diretor-geral da Agência de Energia Atómica, o antigo diplo-mata egípcio Mohamed ElBaradei, rascunharam os relatórios e diluíram-nos, de modo que as conclusões saíram moles em vez de fortes. Responsáveis israelitas sentiram que ele estava muito mais perto de negociar um acordo que permitisse aos iranianos continuar a enriquecer urânio.

Quando relatórios trimestrais eram emitidos nas reuniões da Agência de Energia Atómica, Viena transformava-se numa cena do filme de 1948 de

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Orson Welles, O Terceiro Homem. As cercanias da «Cidade da OnU» junto ao rio Danúbio estavam fervilhantes de espiões da Mossad, da CIA e de outros países – tipicamente deslocando-se com técnicos de interceção de sinais de espionagem (sigint 9). Tentavam recrutar membros da delegação iraniana e escutavam as suas conversas. Aquilo era, de alguma maneira, uma rara oportunidade para abordar funcionários governamentais iranianos fora das fronteiras muito restritivas dos seus países. Alguns deles eram cientistas seniores e gestores da Organização de Energia Atómica do Irão.

ElBaradei, que genuinamente temia que a sua agência estivesse a ser ma-nipulada por interesses ocidentais, era obstinado. Recusava-se a sucumbir à pressão deles ou precipitar-se ao ponto de apontar o dedo ao Irão. Entre o seu pessoal internacional estavam cerca de 20 iranianos, e a convicção israe-lita de que a agência das nações Unidas estava infestada de espiões do Irão e de outros países. A agência era um corpo cheio de buracos.

A Mossad compilou um volumoso dossiê sobre ElBaradei, alegando um relacionamento confortável com o Irão, e entregou-o a Omar Su-leiman, o chefe da espionagem do presidente Hosni Mubarak. Mubarak não era adepto do Irão e Suleiman cooperava bastante com Israel em vários projetos. no entanto, não houve sinais de o Governo ter mantido ElBaradei com rédea curta.

Operacionais da Mossad contemplaram diversas ideias para causar embaraço ao diretor da Agência de Energia Atómica, na esperança de que tivesse de se demitir. Um desses planos era entrar na sua conta bancária e depositar-lhe dinheiro cuja origem ele não pudesse explicar. O departamen-to de guerra psicológica deveria então difundir rumores junto dos jornalis-tas de que ElBaradei estava a receber subornos de agentes iranianos. Afinal, isso não se concretizou. na verdade, o seu prestígio cresceu quando ele e a Agência de Energia Atómica ganharam em conjunto o Prémio nobel da Paz em 2005.

ElBaradei, de facto, tornou-se mais duro com o Irão, por essa altura, quando informação sólida fornecida por agências ocidentais de espionagem deixou pouca margem para a imaginação. Era agora claro que o Irão estava a enganar os inspetores. Ao mesmo tempo que enriqueciam mais urânio do que precisariam para produzir isótopos medicinais ou para produzir eletri-cidade – as intenções oficialmente declaradas –, os iranianos tentavam tam-bém alcançar o último patamar do programa nuclear: a produção de armas. Isso significaria juntar todos os componentes, incluindo material físsil em esferas de metal de dimensão precisa e detonadores com interruptores de alta velocidade. 9 Abreviação de signals intelligence, um serviço especializado na captação ou sabotagem de infor-mações transmitidas por redes de espionagem.

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Estavam também a trabalhar em cálculos complexos sobre como deto-nar uma bomba nuclear e qual seria a altitude ótima para ser lançada.

Isso tornou-se claro – os responsáveis ocidentais viram-no como ine-gavelmente verdadeiro – quando um computador portátil que continha um vídeo incriminador de três minutos em língua persa chegou à posse da Agência de Energia Atómica. O computador, aparentemente, pertencera a um iraniano, que o havia carregado com observações matemáticas, fotos de laboratórios e de oficinas e pormenores de uma maqueta de uma ogiva num míssil. Só possuía uma característica memorável: sempre que o vídeo era visto, tocava a música do filme premiado com um óscar Momentos de Glória10.

A Mossad conseguira deitar a mão a esta arma ainda fumegante em 2004 e partilhou-a com outras agências ocidentais de espionagem, que a passaram aos inspetores internacionais. Houve algumas suspeitas de que a Mossad pudesse ter fabricado os ficheiros de Momentos de Glória, mas a CIA considerou-os genuínos.

Armados com essa e outras provas, os países ocidentais conseguiram persuadir os outros países da Agência de Energia Atómica a aprovar a reso-lução de 2005 que acusou o Irão de «incumprimento». O veredicto oficial passou a ser que o Irão não foi transparente e se recusou a obedecer aos apelos para a paragem no enriquecimento de urânio.

A Agência levou então o seu confronto com o Irão para um nível mais elevado ao remeter o relatório do incumprimento para o Conselho de Segu-rança das nações Unidas em fevereiro de 2006. A China, que comprava 15 por cento do seu petróleo ao Irão, e a Rússia, que mantinha fortes relações e estava a construir uma instalação nuclear de produção de eletricidade na cidade iraniana de Bushehr, apresentaram grandes reservas. Mas, em de-zembro de 2006, as sanções das nações Unidas foram impostas ao Irão.

nos anos que se seguiram, foram aprovados mais pacotes de sanções. Elas apontavam para responsáveis militares, líderes dos Guardas da Revo-lução, peritos científicos e empresas associadas aos programas nuclear e de mísseis. As suas viagens foram proibidas e congeladas as contas bancárias fora do Irão. O mundo ficou interdito de negociar com aqueles indivíduos e empresas.

As agências de espionagem israelita e norte-americana avaliaram as res-trições e, no entanto, consideraram que eram demasiado brandas. O con-ceito era que apenas ações mais fortes e incapacitantes poderiam ter efeito na liderança do país.

Parecia que o tipo de passo a dar era a proibição de aquisição de petró-leo bruto iraniano e seus derivados. A China e a Rússia recusaram-se a dar 10 Chariots of Fire (1981), de Hugh Hudson. A música de Vangelis tornou-se o hino da maratona e dos maratonistas em todo o mundo.

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a mão a esta iniciativa. Por isso, as sanções não estavam a fazer claudicar a determinação dos líderes do Irão em manter a sua atividade nuclear.

A Mossad percebeu que eram necessárias medidas mais drásticas. O plano de batalha de Dagan exigia que se seguisse uma sabotagem. Isso as-sumiu várias formas. Logo em 2003, a Mossad e a CIA trocaram ideias para afetarem a prestação de serviços e as linhas de fornecimento das instalações nucleares do Irão. Os planos foram traçados no sentido de colocar bombas na rede elétrica de alimentação da unidade de enriquecimento de urânio em natanz.

Dagan – apostado em estreitar ligações de espionagem com os Estados Unidos, à luz do que acontecera a 11 de setembro de 2001 – estimulou mais planeamento conjunto e, posteriormente, operações conjuntas nos campos clandestinos de batalha do Médio Oriente.

Outra sugestão da CIA foi enviar ao Irão um físico, um russo que se mudara para os EUA, para oferecer o seu conhecimento ao programa nu-clear iraniano. A trapaça foi ridiculamente mal preparada: a CIA alterou um conjunto de planos de ogivas nucleares que o físico levava consigo, mas não teve o cuidado de o informar. Os iranianos teriam recebido desinforma-ção prejudicial. Desafortunadamente, para este esquema, o ex-russo deu-se conta dos erros e disse aos iranianos que qualquer coisa não batia certo. Ele simplesmente não sabia que a CIA queria que ficasse calado e se limitasse a passar aqueles materiais.

Apesar das imperfeitas penetrações, a princípio, o conceito global de «envenenamento», tanto da informação como do equipamento, era atraente; e a Mossad, a CIA e os britânicos continuaram a fazê-lo. As agências cria-ram empresas de fachada que estabeleceram contacto com as redes de com-pras iranianas. Para aumentar a confiança, venderam aos iranianos alguns componentes genuínos. no entanto, numa fase posterior, introduziram – entre as peças boas, como tubos de metal e disjuntores de alta velocidade – muitas peças más que danificaram o programa do Irão.

Os resultados desta sabotagem internacional começaram a surgir. O Irão descobriu que estava em dificuldades para manter o controlo do equi-pamento que comprara no estrangeiro.

O cume destas operações de sabotagem foi um brilhante e inovador verme informático11 que viria a ser conhecido como Stuxnet. Embora a sua origem nunca tenha sido oficialmente anunciada, resultou de um pro-grama conjunto da CIA, da Mossad e da unidade de tecnologia da Aman.

11 Um verme informático (worm) é um programa que pode autorreproduzir-se e movimentar-se atra-vés de uma rede sem precisar de ter um suporte físico (disco rígido, por exemplo) ou lógico (um programa). Por outras palavras, é um vírus de rede.

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O software malicioso foi especificamente concebido para perturbar um sis-tema de controlo computorizado de fabrico alemão que geria as centrifu-gadoras em natanz.

O projeto exigiu o estudo preciso, através de uma engenharia reversiva, de como o painel de controlo e os computadores funcionavam e qual o seu efeito nas centrifugadoras. Para esse fim, a BnD alemã – muito amigável para com Israel, em parte na esperança de apagar as memórias do Holo-causto – conseguiu a cooperação da Siemens, a empresa germânica que vendera o sistema ao Irão. Os diretores da Siemens poderão ter sentido re-bates de consciência, ou estavam apenas a reagir à pressão pública, quando os jornais denunciaram que a empresa era a maior parceira comercial do Irão na Alemanha.

Para um melhor entendimento do processo de enriquecimento iraniano, velhas centrifugadoras – que Israel havia obtido muitos anos antes – foram montadas num dos edifícios em Dimona, uma instalação nuclear israelita não muito secreta no sul do deserto de negev. Eram quase idênticas às cen-trifugadoras que estavam a enriquecer urânio em natanz.

Os israelitas observaram de perto o que o verme informático podia fazer num processo industrial. Os ensaios, parcialmente conduzidos num laboratório do Governo dos EUA em Idaho, duraram dois anos.

Armas de destruição virtual como o Stuxnet podem ser enviadas por e-mail para a rede de computadores que se definiu como alvo, ou podem ser instaladas pessoalmente pela introdução de uma flash drive. Escondido numa mensagem eletrónica ou injetado por um agente da Mossad, o verme cor-rosivo chegou ao sistema de controlo da instalação de natanz algures em 2009. O Stuxnet entrou no sistema mais de um ano antes de ter sido deteta-do pelos peritos iranianos da ciberguerra. nessa altura, estava a transmitir às centrifugadoras instruções confusas que deram cabo da sincronização precisa que era necessária. Deixou de haver rotação a compasso, e à medida que o equipamento acelerava e abrandava repetidamente, os rotores que produziam o movimento ficaram deveras estragados.

A verdadeira beleza deste verme informático era que os operadores do sistema não faziam a mais pequena ideia de que alguma coisa corria mal. Tudo, a princípio, parecia normal – e quando se aperceberam do problema, já era demasiado tarde. Cerca de mil centrifugadoras – perto de quase um quinto das que operavam em natanz – ficaram fora de serviço.

A espionagem iraniana e os peritos informáticos estavam chocados. O programa nuclear abrandava, quase não avançando e ficando muito para trás dos prazos programados. O Stuxnet, mais do que qualquer outra coisa, fez os iranianos compreender que estavam sob ataque numa guerra na som-bra, com muito pouca capacidade para responderem.

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nos finais de 2011, anunciaram mais dois ciberataques. Um verme, que os analistas informáticos chamaram Duqu12, dando sinais de ter sido criado pelos mesmos hackers de sofisticado alto nível que conceberam o Stuxnet: a espionagem dos Estados Unidos e de Israel.

Como se isso não fosse suficiente, como as Dez Pragas que caíram sobre o Egito, os iranianos foram atingidos por outro golpe – desta vez, letal. De 2007 a 2011, cinco cientistas iranianos de topo foram assassina-dos por vários métodos. Um foi alegadamente intoxicado por monóxido de carbono de um aquecedor em casa. Os outros quatro foram mortos à bomba.

Três dos quatro atentados à bomba foram feitos com potentes mag-netos que continham uma carga concebida de um modo especial – uma bomba pequena que apontava toda a sua energia destruidora numa só di-reção – quando fixada na porta de um automóvel. Os explosivos eram colocados por operacionais muito rápidos a deslocar-se em motocicletas – e as motocicletas eram quase uma marca registada da unidade de assassínios da Mossad.

Houve uma sexta tentativa, utilizando o método de fixar magnetica-mente uma bomba à porta de um carro, mas como por milagre o alvo sobreviveu. Fereydoon Abbas-Divani, talvez por causa dos instintos que apurou quando Guarda da Revolução, pressentiu o perigo e saltou do seu automóvel. O regime iraniano, para demonstrar o seu desafio – depois de publicamente culpar «os sionistas e a América» pela série de ataques –, pro-moveu Abbas-Divani a chefe da Organização de Energia Atómica do Irão.

O traço comum foi que todos os alvos eram figuras-chave do programa nuclear do Irão, pelo menos algumas delas na área do armamento. Eram também professores ou investigadores em departamentos de ciência das mais importantes universidades do Irão.

Todos os assassínios ocorreram de manhã, quando os alvos iam a cami-nho do trabalho. Os operacionais, deslocando-se em motocicletas, mostra-vam uma firmeza e cabeça fria ao mais alto nível. Claramente, estas mortes foram obra de profissionais, que tinham informações precisas sobre as mo-radas e rotinas diárias dos cientistas-alvo.

no meio destes assassínios, houve outro incidente – diferente, mas mui-to grande. Uma explosão maciça destruiu a maior parte da base de ensaio de mísseis perto de Teerão em 2011. Dezenas de pessoas foram mortas, en-tre as quais um general dos Guardas da Revolução encarregado de mísseis de longo alcance que podiam atingir Israel e mais longe. O major-general 12 Um «descendente» do Stuxnet e que ficou com este nome – atribuído por cientistas húngaros que o detetaram – por incorporar as letras DQ nos ficheiros que corrompia.

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Hassan Moghadam era também responsável pela ligação com a Síria e o Hezbollah, e decidia quais os mísseis que deveriam ser enviados pelo Irão aos militantes no Líbano.

Tal como acontecera com os assassínios dos cientistas, ninguém reivin-dicou a autoria da morte do general e dos outros na unidade de produção de mísseis. O próprio Irão desmentiu que aquela explosão tivesse sido resultado de sabotagem, mas essa contenção deveu-se provavelmente à relutância em admitir que uma importante instalação militar tivesse sido infiltrada.

Por outro lado, numa certa expressão de desejo de que fosse verdade, alguns exilados iranianos antiaiatolas propagandearam que os seus irmãos combatentes pela liberdade estavam a levar à prática estes atos de vio-lência. Os exilados, frustrados pelo endurecimento do regime islâmico, queriam acreditar que dissidentes políticos tinham constituído um ativo grupo clandestino que poderia atingir o programa nuclear e de mísseis com coragem e precisão.

Verdade, embora Israel tencionasse nunca o confirmar, era que estes ataques foram obra do longo braço da Mossad. Por mais difíceis que fos-sem as missões, a espionagem israelita já tinha uma longa história de sabo-tagem e de matança. O nome do jogo, tal como o Livro dos Provérbios e o lema da agência sugeriam, era destruir os planos dos países inimigos.

Foi também digno de nota os EUA desmentirem liminarmente qual-quer envolvimento. Responsáveis norte-americanos chegaram ao ponto de criticar os assassinos desconhecidos por desbaratarem as esperanças diplo-máticas, porque as hipóteses de negociações com o Irão ficaram mais estreitas ao fim de cada ataque. Os norte-americanos, em privado, diziam que estavam a ralhar com Israel.

Quanto a outros suspeitos, apesar de a espionagem alemã estar preocu-pada com o Irão, esta geração de espiões de Berlim felizmente não mostra-va qualquer apetência pelos homicídios. E o MI6 britânico largou o ramo do assassínio após o negociado, conquanto frágil, fim do conflito na Irlanda do norte em 1998.

Vários jornalistas deram a entender que a Mossad agia apenas como um mandante de assassínios no Irão. Julgaram que os homicidas eram recru-tados pelos israelitas em grupos oposicionistas iranianos como Mujahedin e-Khalq (MEK) ou um grupo muçulmano sunita, Jundallah (Soldados de Deus), também conhecido pelo Movimento de Resistência Popular no Irão – na província do Baluchistão daquele país.

É verdade que Dagan traçara um plano de batalha que envolvia grupos da minoria desafeta. num telegrama do Departamento de Estado de 2007, obtido e divulgado pela WikiLeaks, o chefe da Mossad era citado como tendo dito a um alto funcionário norte-americano que o descontentamento

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entre as minorias balúchi, azeri e curda podia ser explorado pelos Estados Unidos e por Israel. Dagan também sugeriu o apoio a ativistas estudantis pró-democracia, pelo menos para causarem perturbação no interior do Irão.

A mensagem oficial também dizia que Dagan tinha a certeza de que os EUA e Israel conseguiriam «mudar o regime em vigor no Irão e a sua atitude em relação a apoiar os regimes de terror», que «podíamos fazê-los atrasar-se no seu projeto nuclear».

Segundo o telegrama, Dagan afirmava: «A economia está ferida e isso está a provocar uma crise real entre os líderes do Irão.» Os grupos minoritá-rios que a Mossad e a CIA poderiam apoiar ou explorar estavam «a levantar a cabeça e mostram-se tentados a recorrer à violência».

O elevado desemprego entre os homens no Irão podia ser – na pers-petiva da Mossad – extremamente útil no recrutamento de aliados, agentes capazes de serem treinados ou mesmo mercenários ou exércitos rebeldes.

nos anos que se seguiram, surgiram pistas a indicar que ativistas do MEK, Jundallah e alguns outros grupos dissidentes no Irão serviam de fon-te de informação a Israel. Além disso, quando a Mossad queria lançar uma contrainformação sobre o Irão nos media internacionais, frequentemente canalizava histórias para o MEK ou outro grupo rebelde que depois eles apregoavam como notícia. Isso, de algum modo, constituía «lavagem» de informação para proteger fontes e métodos de recolha.

A Mossad também beneficiou razoavelmente de entradas e saídas segu-ras do Irão atravessando países cujos serviços de segurança eram cooperan-tes – nomeadamente a zona autónoma curda do norte do Iraque. Espiões israelitas haviam desenvolvido excelentes relações com curdos em posições de relevo em diversos países durante décadas, com raízes no apreço com que este grupo minoritário registou a ajuda de Israel contra os árabes que continuavam a oprimi-los. no Médio Oriente, o inimigo do meu inimigo é meu amigo.

no entanto, para uma missão tão sensível, perigosa e arriscada como uma série de assassínios na capital do Irão, a Mossad não podia ficar depen-dente de atiradores mercenários. Eles eram considerados de longe menos confiáveis, e de maneira alguma a Mossad iria revelar a não israelitas alguns dos melhores métodos das suas brigadas de assassínio.

Estas eram, de facto, operações «azuis e brancas» – o termo da espio-nagem de Israel para projetos totalmente israelitas, referindo-se às cores da bandeira nacional. Do pouco que foi tornado público, ficou evidente que eram quase perfeitas na sua execução: arriscadas, inovadoras, e saídas dire-tamente do manual do gabinete da Ramsad.

A Mossad mostrava – mais do que qualquer outra organização ociden-tal de espionagem – o seu empenho em tomar medidas drásticas e arriscar

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a vida dos seus melhores operacionais. Por seu turno, aqueles homens e muito poucas mulheres estavam a demonstrar a sua disponibilidade para o sacrifício. Mais do que certo, se apanhados, seriam enforcados na praça pública no Irão. Espiões israelitas encontraram esse final torturado no pas-sado, algumas vezes depois de terem mantido vida dupla em países inimigos durante anos.

naturalmente, ninguém em Telavive falava dos pormenores operacio-nais sobre como os israelitas entravam e saíam do Irão – nem onde ficavam quando no interior da República Islâmica.

Havia muitas possibilidades. Obviamente, os operacionais israelitas viajavam com passaportes de outros países, tanto utilizando documentos falsos como genuínos. Esse facto foi inadvertidamente revelado diversas vezes ao longo de muitos anos. Além disso, a Mossad sempre manteve casas seguras no Irão, desde os anos anteriores a 1979, nos tempos do xá. Foi um investimento no futuro, típico da espionagem israelita.

A Mossad também tinha um tesouro humano: dezenas de milhares de ex-iranianos viviam agora em Israel. Os judeus iranianos haviam fugido, especialmente após a revolução de 1979, e muitos dos seus filhos estavam familiarizados com a língua e os costumes persas. Os indivíduos que fossem corajosos o bastante – selecionados e treinados pela Mossad – poderiam regressar ao Irão e servir secretamente Israel.

Operacionais israelitas no interior do Irão estavam disponíveis para todo o tipo de espionagem e mesmo, se e quando chegasse a altura, para indicar a localização de alvos para ataques aéreos. A Mossad sabia, aliás, que todo o programa de armamento do Irão não seria desmantelado através do assassínio de cientistas nucleares e responsáveis militares. Esses indivíduos seriam substituídos.

no entanto, qualquer atraso significava um cometimento. O pensamento estratégico da Israel – posto em prática no Iraque, no Egito e noutros luga-res – considerava que perturbações temporárias de projetos perigosos de um inimigo eram razão suficiente para correr riscos significativos.

Isto era ainda mais verdadeiro quando se tratava de matar especialistas iranianos, que trabalhavam em projetos excecionais que requeriam anos de estudo. Esses homens não estavam disponíveis num fornecimento abun-dante, apesar de a infraestrutura de tecnologia avançada do Irão ser relati-vamente grande.

Os assassínios tinham também um forte objetivo psicológico: enviar uma mensagem alto e bom som aos cientistas iranianos e de outras na-ções que trabalhar para um programa nuclear era perigoso. A Mossad estava a dizer-lhes, na verdade: fiquem nas vossas salas de aula. Façam trabalho académico. Publiquem as vossas investigações. Desfrutem a

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vida universitária. Mas não ajudem o Irão a tornar-se uma potência nu-clear. Quando não, as vossas carreiras podem ser abreviadas por uma bala ou por uma bomba.

na verdade, a espionagem israelita observou que a campanha de assas-sínios estava a dar frutos com aquilo a que chamou «deserções brancas»: os cientistas ficaram preocupados, muitos consideraram a possibilidade de abandonar o programa e alguns realmente fizeram-no. não saíram do Irão e não desertaram para o outro lado, mas dissociaram-se do programa nu-clear. Houve também sinais de cientistas que se mostraram relutantes em aderir ao programa, apesar das condições lucrativas oferecidas pelo regime.

A campanha de intimidação teve um impacte decisivo em estrangei-ros. Enquanto no passado, chineses, russos, paquistaneses e alguns outros aceitavam alegremente os convites – e o elevado salário – para trabalhar no Irão, os únicos que pareciam agora atraídos eram os norte-coreanos.

Dagan estava contente com as missões e com a «limpeza» na sua exe-cução: sem pistas, sem impressões digitais, nem sequer motocicletas deixa-das para trás. As autoridades iranianas podiam apenas deitar-se a adivinhar quem atacava, em plena luz do dia, na sua capital.

O modo como o chefe da espionagem de Israel conduzia a guerra era invulgarmente audacioso. Além das operações no interior do Irão, tinha envia-do assassinos para eliminarem palestinos radicais e o esquivo chefe operacio-nal do partido libanês Hezbollah. O novo elemento nos assassínios atribuído à Mossad sob a liderança de Dagan era que mais assassínios do que nunca ocorressem em países-alvo – Líbano, Síria, Irão e Emirados Árabes Unidos.

Dagan estava orgulhoso dessa mudança. Era isso a «faca nos dentes» que o seu patrono, Sharon, pedira. nos anteriores 40 anos, com poucas exceções, as operações tinham sido conduzidas em países considerados «bases seguras». A Mossad, por exemplo, participara na «guerra dos fan-tasmas» contra militantes palestinos nos anos 70. Tiros e bombas haviam transformado partes da Europa em campo de batalha de médio-orientais e os israelitas tinham um quartel-general continental em Paris que transferi-ram depois para Bruxelas. Só raramente foram feitas excursões homicidas nos países árabes.

no que dizia respeito a Dagan e à Mossad, os assassínios eram uma tática legítima, mas não um objetivo em si próprio. Tinham de ser conside-rados parte de uma estratégia mais vasta, um dos muitos instrumentos na multifacetada batalha contra o Irão.

numa reunião em 2007 com um responsável dos EUA, Dagan não for-neceu pormenores de quaisquer atos de violência. Mas instou que a Amé-rica aderisse de imediato a um plano de «cinco pilares» para desestabilizar

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o regime dos aiatolas. Os pilares foram enumerados como «abordagem po-lítica», «medidas secretas», «contraproliferação», «sanções» e «forçar a mu-dança de regime».

Estimulando o departamento de investigação da Mossad a não deixar a análise de alto nível só para a Aman – de modo a que pudesse ouvir aquilo que a Bíblia chamava a «multiplicidade de conselheiros» –, Dagan envolveu a sua equipa na discussão de todos os fatores a considerar.

Dagan acreditava bastante no poder da pressão internacional, em espe-cial nas sanções. Dizia aos elementos da Mossad, nas discussões de análise, que os fatores económicos no mundo moderno são poderosos. Explicou que havia estudado cuidadosamente as motivações dos presidentes norte- -americanos na formulação da política internacional e compreendera que os Estados Unidos foram – duas vezes – para a guerra com o Iraque por causa de interesses energéticos.

Chegou então à conclusão de que os EUA não iriam permitir que o Irão tivesse armas nucleares – não só pela preocupação de que o regime messiânico xiita pudesse usar a bomba ou intimidar Israel, mas sobretudo porque o Irão poderia tornar-se o país mais poderoso entre os produtores de energia.

Calculou que um Irão nuclear iria expandir vastamente a sua esfera de influência para sul e para oeste, para envolver países do Golfo como a Arábia Saudita, o Iraque e os Emirados Árabes Unidos, e também para norte e leste, para nações muçulmanas seculares como o Azerbaijão e o Turquemenistão.

Segundo este cenário, o Irão poderia então controlar 60 por cento do mercado global de energia. Os Estados Unidos, no mundo tal como Dagan o via, não iriam permitir que tal acontecesse.

Em qualquer eventualidade, as capacidades militares dos EUA eram muitas vezes mais poderosas do que as de Israel. Dagan apoiava, e até pre-via, uma situação em que Israel não precisaria de estar sozinho. Se não hou-vesse outra forma de parar – ou continuar a atrasar – os iranianos, então a melhor solução seria, para ele, que as gigantescas tropas norte-americanas atacassem as instalações nucleares.

Depois de Dagan se reformar, em dezembro de 2010, disse aos media noticiosos israelitas – quebrando anos de silêncio – que se Israel estivesse para atacar o Irão, isso seria «a coisa mais estúpida que alguam vez teria ouvido». Apenas um ano depois, declarou ao programa 60 Minutes, da CBS, que confiava no presidente Barack Obama. «A opção militar está sobre a mesa e ele não vai consentir que o Irão se torne um Estado nuclear», disse então Dagan.

Dagan acrescentou que o assunto «não é um problema israelita: é um problema internacional». Confirmou também que, se quisesse alguém

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para atacar o Irão, «preferirei sempre que sejam os Estados Unidos a fazê-lo».

Obama, no entanto, parecia adiar quaisquer movimentações militares tanto quanto podia. no entanto, em parte porque encarava a sua reeleição em 2012, o presidente alinhou-se com Israel ao declarar que seria inacei-tável que o Irão – um país opressivo apoiante de grupos terroristas – pos-suísse armas nucleares.

Embora ele tivesse conflitos de personalidade e de política com o pri-meiro-ministro Benjamin netanyahu, quando proferiram discursos em se-parado no Comité de Assuntos Públicos Americano-Israelitas (o poderoso lóbi pró-israelita AIPAC), em Washington, em março de 2012, Obama pra-ticamente fez-se eco da preocupada análise dos líderes israelitas: se o Irão se tornasse uma potência nuclear, outros países no Médio Oriente correriam a construir os seus próprios arsenais de contrapartida. A Turquia, talvez o Egito, a Arábia Saudita e alguns emirados iriam querer a segurança aparente de um guarda-chuva nuclear. A mais volátil região do globo ficaria então repleta das mais perigosas armas da humanidade.

Obama também declarou que «não estava a fazer bluff» quanto a um possível recurso à «opção militar» contra o Irão.

Comandantes militares norte-americanos optaram por dizer pouco so-bre o que poderia ser feito contra o Irão, e os líderes no Pentágono conti-nuavam a insistir em que havia «tempo e espaço» para tentar todas as outras opções antes de recorrer à força das armas.

Os responsáveis israelitas trabalhavam dentro do frenesim retórico de que a sua paciência para com o Irão estava a esgotar-se. Mesmo mais ur-gente, segundo indicaram, era o facto de que Israel dispunha de um número limitado de mísseis, aviões e bombas de destruição de bunkers que conseguia penetrar em instalações iranianas subterrâneas e blindadas. Isso significava que a janela de oportunidade de Israel estava rapidamente a fechar-se em 2012.

O ministro da Defesa, Ehud Barak, que já fora primeiro-ministro e anti-go militar comando com numerosas missões irregulares por trás das linhas do inimigo, criou a expressão «zona de imunidade» – uma maneira de suge-rir que se o seu país esperasse muito tempo, seria demasiado tarde para que um ataque de Israel sobre o Irão produzisse efeito.

Os comentários de Barak e de netanyahu faziam parte de uma cam-panha concertada para manter os media norte-americanos, os políticos e o público largamente envolvidos nesta questão, bem como para fazer ganhar consistência a noção de que alguém tinha de bombardear o Irão. Partilhando dados de espionagem com os seus parceiros dos EUA, os dois políticos

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israelitas sublinharam que, mesmo que o Irão comprasse mais tempo, con-cordando com negociações, estavam a avançar secretamente no enriqueci-mento de urânio, na conceção da bomba e construção de mísseis.

Manobrando alguns poderes de persuasão e ajudados pelo acesso ao Congresso do lóbi AIPAC, os israelitas continuaram a recordar aos Estados Unidos que o Irão constituía uma ameaça crescente. Os líderes israelitas tentavam manipular a opinião pública e a tomada de decisão governamen-tal; porém, isso poderia também ser encarado como instar a América a que prestasse atenção a algo de grande, mas que de algum modo poderia passar despercebido com o forte ruído de fundo do Iraque, do Afeganistão, do terrorismo e das questões económicas.

A mensagem oficial israelita era que o programa nuclear do Irão punha em perigo os interesses em todo o Médio Oriente, as linhas de transporte de petróleo e mesmo alvos na Europa que poderiam ser alcançados por mísseis iranianos. A Mossad juntou-se para inculcar a mensagem – em Washington – de que se Israel concordasse em conter-se e não fazer nada às claras, então os EUA garantiriam que os norte-americanos fariam tudo o que fosse necessário para tomar conta do problema.

O lance era parcialmente destinado a intimidar os líderes iranianos, na-turalmente, de modo a que acreditassem que a recusa em parar o seu pro-grama nuclear poderia desencadear ataques devastadores. A mensagem era também dirigida à Europa, sobretudo à Rússia e à China, relutantes em endurecer as sanções contra o Irão. Decerto não queriam que Israel pas-sasse à ação militar, com todas as consequências para os abastecimentos de petróleo e outras perturbações.

A Mossad, mesmo antes da reforma de Dagan nos finais de 2010, aju-dou a liderar uma campanha para deixar escapar a informação sobre os laboratórios nucleares clandestinos e fábricas de armamento. Mas Dagan achava que netanyahu e Barak diziam demasiado em público. não lhe pa-recia útil ser demasiado alarmante, arfando e bufando, mas talvez nunca conseguindo derrubar com o sopro a casa do inimigo.

O diretor da Mossad continuava a entender que os atrasos ou a destrui-ção deviam ser completados por sabotagem, guerra secreta de baixa inten-sidade e mais esforços para derrubar o Governo islâmico radical de Teerão. Previa que se Israel fosse bombardear o Irão, o povo desse país «juntar-se-ia em torno dos mulás», e isso seria um desaire para a esperança de uma mu-dança de regime que tornasse o Irão mais amigável.

Dagan de certeza que concordava que um Irão nuclearmente armado, com um Governo islâmico radical, constituiria uma ameaça à existência do seu país. Ele procurara sempre honrar a memória do avô e de outras víti-mas do Holocausto assumindo uma posição firme contra inimigos do povo

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judeu. no entanto, juntamente com os seus analistas na Mossad, o chefe da agência concluiu que Israel não devia ficar sozinho na linha da frente numa guerra contra o Irão.

Ele fazia-se eco de uma diretiva repetida pelo seu patrono, Sharon: reduzir a visibilidade. Como generais do exército extremamente criativos, Sharon e Dagan eram excelentes a esconder as suas tropas até chegar o momento de entrarem em ação.

A verdade era que Dagan, como militar que assistira aos horrores da guer-ra, era muito relutante a ver nações envolvidas em conflito armado. Conside-rava que essa guerra total, especialmente contra o Irão, deveria ser um último recurso – apenas quando «temos a espada encostada ao pescoço», dizia.

Segundo Dagan, como diretor da Mossad, as ações secretas contra o Irão tinham sido bastante eficazes. Recusou-se a elucidá-lo em público, mas o verme informático Stuxnet fizera um trabalho tremendo. E os arriscados assassínios e sabotagens em Teerão foram missões cumpridas. Dagan esti-mou que os atrasos causados ao programa nuclear do Irão, todos somados, totalizavam entre os cinco e os sete anos.

Ele estava seguro de que os líderes iranianos tencionavam ter uma bom-ba nuclear entre 2005 e 2007, mas continuavam com um bom par de anos de atraso. Para Dagan, o grande cometimento no seu tempo de diretor da Mossad foi atrasar o Irão na sua tentativa de rebentar os portões do clube nuclear.

Quando deixou essas funções, de algum modo desapontado porque netanyahu não lhe prolongou o mandato, Dagan foi substituído por um dos seus antigos adjuntos: Tamir Pardo. Pardo era um veterano com muitos anos de operações da Mossad e esperava-se que continuasse o equilíbrio de Dagan entre ser cuidadoso e atento, e ao mesmo tempo enfaticamente ativo.

Muitos dos comandantes de topo das FDI, entre as quais a Aman, con-cordavam com a análise de Dagan de que uma campanha internacional para colocar pressão não violenta sobre o Irão precisava de mais tempo – embo-ra fosse necessário agregar às sanções duras o máximo de sabotagem possí-vel no interior do Irão. E, embora sem reconhecimento oficial, a sabotagem deveria ser agregada a atos selecionados de violência.

As FDI traçaram fielmente planos para atacar instalações iranianas, para estarem prontas no caso de os líderes políticos israelitas lhes ordenarem que atacassem, mas os militares tinham severas dúvidas quanto aos danos que um ataque israelita poderia causar. Estavam também preocupados com a provável retaliação por parte do Irão e dos seus aliados regionais, o Hez-bollah no Líbano e os terroristas palestinos do Hamas em Gaza. A vida em grande parte poderia transformar-se num inferno vivo, com mísseis a chover como nunca, se rebentasse a guerra.

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Conquanto as conclusões da espionagem israelita tivessem, por vezes, divergido das da CIA, os dois aliados estavam, em 2012, de acordo sobre o que os iranianos seriam capazes de conseguir – e quando. O Irão poderia construir um engenho nuclear em 2013, mas, no máximo, seria uma bom-ba tosca e grosseira. Teria de se esperar por 2015 para que fosse feita uma bomba iraniana suficientemente pequena para encaixar numa ogiva de um míssil Shihab que pudesse alcançar Israel.

Por outras palavras, a espionagem israelita estava a dizer aos seus chefes políticos que ainda havia espaço para uma solução sem terem de ir para a guerra. Os peritos da Mossad queriam ver o que poderia ser alcançado através de sanções mais duras, entre as quais a decisão de grande número de países europeus de pararem de comprar petróleo iraniano no verão de 2012, juntamente com mais episódios de sabotagem por parte de Israel e dos seus aliados secretos.

netanyahu e Barak consideraram errada a análise da espionagem. nos seus discursos, nos briefings em off-the-record, com jornalistas e em entre-vistas, continuavam a fazer soar os tambores de guerra. Agiam como se não tivessem dúvidas sobre a capacidade de Israel esmagar o programa nuclear do Irão. Mas a sua mensagem primária parecia apontada aos nor-te-americanos: fariam melhor em estar em cima disto. Se não agirem, fá--lo-emos nós!

Era isto uma ameaça genuína, ou bluff israelita? Responsáveis dos EUA continuavam a pedir planos específicos e queriam ser previamente informa-dos de qualquer ataque de Israel. Washington ansiava por não ser surpreen-dida. no entanto, parecia que os políticos israelitas de topo queriam deixar a América na expectativa.

As divisões entre os aparelhos de segurança e político de Israel espelha-vam conflitos a emergir no Irão. Havia sinais de que o povo iraniano so-fria com as sanções – desemprego crescente, cortes nos subsídios estatais, preços exorbitantes e escassez de combustíveis – e muitos atribuíam a sua desgraça ao programa nuclear.

Segundo analistas da Mossad, os escalões superiores do Irão estavam enredados num debate crítico. A questão central era a sabedoria de conti-nuar ou desistir no trilho nuclear.

Os líderes do Irão queriam armas nucleares como um instrumento para assegurar a sobrevivência do seu regime. Olhavam para a Coreia do norte e viam que, ao ter armas nucleares, o país trapaceiro criara um manto de imu-nidade para si. As potências mundiais não se atreveriam a atacar a Coreia do norte, e os seus ditadores – Kim Jong-il e mais tarde o seu filho, Kim Jong-un – conseguiram quase tudo o que desejavam.

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O ponto de vista iraniano também teve em conta o destino de Muammar Kadhafi. O líder líbio iniciara um programa nuclear, mas jamais construí-ra uma bomba. Depois havia docilmente desmantelado o seu programa nuclear com vista a restabelecer relações diplomáticas com o Ocidente. Poucos anos depois, no entanto, os aviões norte-americanos e outros oci-dentais apoiavam uma rebelião contra ele; Kadhafi foi derrubado, caçado como um cão e assassinado ignominiosamente. Zero bombas significava proteção zero. Os iranianos da linha dura juraram nunca cometer esse erro.

Havia outra fação no Irão, porém, junto da qual a Mossad esperava ter crédito no argumento. Eram iranianos seniores entre os clérigos muçulma-nos, os Guardas da Revolução e o Governo que defendiam que, se Israel ou a América ou os dois atacassem, isso poderia acarretar uma calamidade para a República Islâmica.

Pesquisando um percurso retórico iraniano para o abandono de um programa de armamento nuclear, os analistas da Mossad registaram com grande interesse que diversos clérigos seniores – entre os quais o Líder Supremo, o aiatola Ali Khamenei – emitiram éditos em que declaravam que tais armas eram anti-islâmicas.

Os peritos israelitas sabiam que isso poderia ser simplesmente uma mentira e que também os líderes religiosos no Irão seriam capazes de de-cretar que circunstâncias excecionais justificariam a construção de bombas nucleares. Mas os analistas mantinham-se na esperança de que os líderes iranianos pudessem chegar a uma conclusão menos agressiva: a de que, em lugar de proteger o regime, a construção de armas nucleares poderia acele-rar a sua queda.

A espionagem israelita sentiu que tinha uma informação muito boa e atualizada do círculo próximo em torno de Khamenei, o qual, em última análise, teria de tomar a decisão. Era o sucessor de Khomeini, o místico e carismático fundador da República Islâmica do Irão. no entanto, Khamenei era um político moderno com cortesãos politicamente faladores em seu redor na cidade sagrada de Qom.

O departamento de proliferação nuclear da Mossad acreditava que os cientistas do Irão, em 2012, informariam Khamenei – e o presumido e loquazmente radical presidente Mahmoud Ahmadinejad – de que esta-riam em breve prontos para um «avanço», uma corrida precipitada para utilizar o urânio enriquecido para criar uma bomba. Esse processo deveria levar um ano a completar-se e, de caminho, o Irão iria decerto expulsar os inspetores atómicos.

nesse sentido, Israel e os Estados Unidos dispunham ainda de algum tem-po para um ataque para interromper e atrasar a movimentação fatal do inimigo.

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O agora reformado Dagan opinou que os líderes iranianos eras «racio-nais» e conseguiam calcular as consequências das suas decisões e ações. Ele e os atuais responsáveis pela espionagem israelita esperavam fervorosamen-te – embora não pudessem prever as decisões do principal zelote do Irão – que Khamenei rejeitasse o conceito de que as bombas nucleares fossem a via para garantir a sobrevivência do regime.

A estratégia israelita para uma via pacífica para a saída da crise era levar Khamenei a aderir ao ponto de vista mais duro: o de que um avanço na bomba iria provavelmente desencadear um ataque contra o Irão – talvez um gigantesco bombardeamento pela América. Em lugar de proteger a Re-pública Islâmica, esse avanço poderia, ironicamente, desencadear o derrube do regime.

A Mossad queria manter a pressão alta, sem guerra total. A pressão já integrava ações que a espionagem de outros países nunca consideraria: introduzir israelitas no Irão, definir indivíduos iranianos como alvo de assassínio, e uma multiplicidade de formas de violar os cânones do direito internacional.

Para um estranho, muitas destas operações secretas poderiam parecer indignas. Mas, para o aparelho de espionagem de Israel, tudo isso fazia imenso sentido – em particular, quando as alternativas eram ou bombardear o Irão ou o Irão ter a bomba.

Os passos seguintes de Israel provariam ser mais decisivos, arriscados e potencialmente destruidores do que qualquer coisa que o país enfrentou desde a declaração da independência em 1948.

nos finais de 2013, netanyahu ficou irritado por causa de um progresso diplomático entre o Irão e o Ocidente. Lideradas pelos Estados Unidos, as potências mundiais concordaram em aligeirar as sanções que estavam a pa-ralisar a economia do Irão. Os iranianos prometeram retardar partes do seu programa nuclear, pelo menos durante os seis meses do acordo provisório.

Os dirigentes israelitas continuavam a insinuar que ainda deviam ata-car. no entanto, os preparativos para a guerra – mesmo a distribuição de máscaras de gás aos civis israelitas – foram visivelmente reduzidos. Durante alguns anos, pelo menos, a campanha de assassínios no interior do Irão fora suspensa. Considerou-se demasiadamente arriscado persistir em pôr assassinos «azuis e brancos» em perigo.

As ações desencadeadas contra o Irão, até agora, trouxeram a marca exclusiva das agências de espionagem de Israel. A recolha de informação, a sabotagem, os assassínios, a guerra psicológica – e outras medidas que foram mantidas em ainda maior segredo – refletiam o modelo de operação concebido, desenvolvido e executado por agências de segurança israelitas durante mais de 60 anos de tentativa, erro e êxito.

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TRAVAR O IRÃO

As estratégias e os passos arriscados de hoje radicam-se numa história escondida. A melhor forma de entender as decisões de agora é voltar até 1948, e aprender alguma coisa sobre as motivações e os métodos das pes-soas no interior da espionagem israelita.

nOTAS DOS AUTORES AO CAPÍTULO UM

Meir Dagan, imediatamente antes de ter deixado a Mossad, em 2010, con-vidou 30 jornalistas para a sala de acolhimento em Glilot e apresentou-lhes os seus pontos de vista. A intenção era a de que a conversa decorresse em off-the-record13, mas, em poucas horas, extensas narrativas estavam nos media. Depois disso, ele apareceu em vários encontros públicos e fez declarações consideradas controversas que desagradaram ao primeiro-ministro Benjamin netanyahu e ao ministro da Defesa Ehud Barak. Pormenores sobre os seus pontos de vista também apareceram no Forum Saban da Brookings Institu-tion, em dezembro de 2011, em Washington, DC., capital dos Estados Uni-dos.Acerca das ambições nucleares do xá do Irão, ver Yossi Melman e Meir Jave-danfar, The Nuclear Sphynx oh Tehran (A Esfinge nuclear de Teerão), Carroll & Graf, 2007, Capítulo 5, «The grandfather of Iran’s bomb» (O avô da bomba do Irão).Mohammed ElBaradei, antigo presidente da Agência de Energia Atómica, apresenta as suas perspetivas nas suas memórias, The Age of Deception: NuclearDiplomacy in Treacherous Times (A Era da Trapaça: Diplomacia nuclear em Tempos Traiçoeiros), Metropolitan Books, 2011.Sobre vários planos concebidos pela espionagem da CIA e de Israel para parar o programa nuclear do Irão, entre os quais uma conspiração para fornecer plantas defeituosas de bombas a Teerão, ver James Risen, State of War: The Secret History of cIA and the Bush Administration (Estado de Guerra: A História Secreta da CIA e da Administração Bush), Free Press, 2006.Um artigo que relata a cooperação entre a espionagem de Israel e da CIA na produção do vírus Stuxnet apareceu em The New York Times, a 15 de janeiro de 2011. Um analista de vírus da rede de segurança da firma Symantec, sediada na Califórnia, falou com um dos autores do presente livro em abril de 2012 acerca do Stuxnet e do seu primo de código de computador Duqu.Ao comentar a enorme explosão de uma base de mísseis iraniana em de-zembro de 2011, o vice-primeiro-ministro de Israel responsável por assuntos estratégicos e antigo chefe do Estado-Maior das IDF, Moshe (Boogie) Yaalon, afiançou que a base estava a produzir um míssil com alcance de dez mil quiló-metros visando ameaçar os Estados Unidos. Falou em briefings para jornalistas e peritos em nova Iorque em janeiro de 2012.O encontro de Dagan com nicholas Burns, subsecretário de Estado norte- -americano, em agosto de 2007, foi resumido num telegrama aparentemente

13 Sem registo de apontamentos nem atribuição de afirmações aos presentes.

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autêntico do Departamento de Estado, divulgado pela WikiLeaks em novem-bro de 2010. Dagan é referido como tendo apresentado o seu plano em cinco partes para desestabilizar o Irão e persuadir aquele país a parar com o progra-ma de armas nucleares.Dagan concedeu a sua primeira entrevista à televisão norte-americana quan-do falou para o programa 60 Minutes, da CBS news, emitido a 11 de março de 2012. Então previu publicamente que um ataque aéreo de Israel ao Irão levaria os iranianos a apoiar o seu regime islâmico, durante um painel de uma conferência do Jerusalem Post em nova Iorque a 29 de abril de 2002.O presidente Barack Obama e netanyahu afirmaram os seus pontos de vis-ta sobre o programa nuclear do Irão em discursos na conferência anual em Washington sobre a política da Comissão de Assuntos Públicos Americano- -Israelitas a 4 e 5 de março de 2012, respetivamente. Obama disse que «não estava a fazer bluff», quando entrevistado por Jeffrey Goldberg, correspondente nacional de The Atlantic, como refere theatlantic.com a 2 de março de 2012.