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Quem manda aqui sou nenhum nome ligado à Fórmula l, a categoria mais importante do auto- mobilismo mundial, atraiu tantos holofotes quanto Bernie Ecclestone, o poderoso presidente da Formula One Management (FOM), a associação que organiza o campeonato de pilotos e equipes. Nem mesmo o inglês Jenson Button, que venceu com folga cinco das seis corridas realizadas em 2009. Ecclestone é a força Em entrevista exclusiva à DINHEIRO, Bernie Ecclestone desafia as equipes de F-l e fala do futuro da categoria econômica por trás de uma das mais polêmicas mudanças de regra da história do esporte. Para tornar a disputa mais equilibrada e sustentável, ele quer esti- pular um limite de gastos anuais para as escuderias a partir do ano que vem. Significa que uma McLaren, que levou o inglês Lewis Hamilton a vencer o campeo- nato do ano passado, desembolsaria o mesmo para construir seu carro quanto, digamos, uma Force índia, última colocada na temporada de 2008. As grandes equipes chiaram como poucas vezes se viu no mundo

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Quem mandaaqui sou

nenhum nome ligado à Fórmula l, acategoria mais importante do auto-mobilismo mundial, atraiu tantosholofotes quanto Bernie Ecclestone,o poderoso presidente da Formula

One Management (FOM), a associação que organiza ocampeonato de pilotos e equipes. Nem mesmo oinglês Jenson Button, que venceu com folga cinco dasseis corridas realizadas em 2009. Ecclestone é a força

Em entrevista exclusivaà DINHEIRO, BernieEcclestone desafia asequipes de F-l e fala dofuturo da categoria

econômica por trás de uma das mais polêmicasmudanças de regra da história do esporte. Para tornara disputa mais equilibrada e sustentável, ele quer esti-pular um limite de gastos anuais para as escuderias apartir do ano que vem. Significa que uma McLaren,que levou o inglês Lewis Hamilton a vencer o campeo-nato do ano passado, desembolsaria o mesmo paraconstruir seu carro quanto, digamos, uma Force índia,última colocada na temporada de 2008. As grandesequipes chiaram como poucas vezes se viu no mundo

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da F-l. A Ferrari, único time presente desde a pri-meira corrida, em 1950, ameaçou abandonar a catego-ria e criar uma competição paralela - o que seria equi-valente à Seleção Brasileira de Futebol abdicar daCopa do Mundo. No centro da polêmica, Ecclestonefalou por telefone com a DINHEIRO, em sua primei-ra entrevista para uma publicação brasileira desdeque a confusão veio à tona.

O tom de voz baixo e a tran-qüilidade inabalável contrastamcom o barulho que ele vem pro-vocando. A Ferrari, ícone maiorda história do automobilismo,pode deixar as competições?Ecclestone parece não estarpreocupado. "A Fórmula l nãoquer perder a Ferrari", diz. "Mas a Ferrari tambémnão quer perder a Fórmula 1." O estilo seco, direto,revela o que no fundo ele pensa a respeito: as escu-derias, por mais que esbravejem, não têm coragempara abandonar a competição. Nos últimos anos, o

domínio de Ecclestone sobre o esporte atingiuníveis jamais vistos. Todas as mudanças promovi-das recentemente no regulamento pela FederaçãoInternacional de Automobilismo (FIA), como oretorno dos pneus lisos e o fim do controle de tração,só passaram após receber o aval de Ecclestone, ohomem do dinheiro. Por vezes, ele e o presidente da

FIA, Max Mosley, entraram ematrito sobre essas mudanças,mas sua opinião sempre prevale-ceu. "Mudamos as regras sem-pre, não é nada demais", dizEcclestone, "É só uma formadiferente de fazer as coisas."

As principais equipes alegamque uma possível mudança no

orçamento para 2010 coloca em risco o futuro da cate-goria. O limite de gastos que Ecclestone propõe, nacasa dos US$ 60 milhões anuais por escuderia, eqüiva-le a um corte de 80% no orçamento de uma time comoa Ferrari, segundo declarou recentemente seu presi-

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dente, Luca di Montezemolo.Pela proposta de Ecclestone,quem não aceitar esse limitepoderá gastar quanto quiser,mas terá de abrir mão de umasérie de vantagens tecnológicase, possivelmente, das chances deganhar corridas. Montezemolousa a força da marca Ferraripara fazer pressão. A saída daequipe de Maranello representa-ria uma enorme diminuição nointeresse do público pela catego-ria. Com menos pessoas assistin-do às corridas, cairia também ointeresse dos anunciantes. Desdeque Collin Chapman decidiu pin-tar a primeira Lotus, nos anos1960, com as cores de uma marcade cigarros, são esses mesmospatrocinadores que sustentamfinanceiramente a Fórmula 1. Aameaça da Ferrari reverberoutanto que, às vésperas da corridade Mônaco, no domingo 18, todasas outras equipes anunciaramapoio a sua causa, inclusive aque-

las favoráveis à restrição de gas-tos, como a Brawn. MasEcclestone não cede um milíme-tro em sua posição. Segundo ele,todos os símbolos sagrados doesporte vão, sim, alinhar seuscarros para o campeonato de2010. Nem que para isso eletenha que recorrer à Justiça, exi-gindo que os italianos cumpramo contrato que prevê a perma-nência da Ferrari na Fórmula lpelo menos até 2012. "Vai sermuito difícil entender os moti-vos da Ferrari para não aceitargastar menos com seu time naF-l", diz, com ironia.

Ecclestone refuta a tese deque as novas regras podem afas-tar patrocinadores. Além dereduzir dramaticamente os cus-tos, o que vem a calhar nestes

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tempos de crise, ele acredita que o teto orçamentáriovai tornar a categoria mais rentável. "Na verdade, asnovas regras devem melhorar os negócios, pois recebe-remos patrocinadores menores, que antes não entra-vam por conta do alto custo desse investimento", diz.Na sua lógica, a injeção de recursosserá ampliada de forma expressiva, jáque o limite de gastos torna a Fórmulal mais acessível para novas escuderias.A propósito, essa previsão já começa ase confirmar, com pelo menos três equi-pes de categorias menores do automo-bilismo alegando interesse em partici-par da F-l em 2010. "Não vai havernenhuma mudança no interesse dospatrocinadores pela categoria", dizEcclestone, do alto de décadas passadasna Fórmula 1. Ele já foi dono de equipe,a Brabham, que deu ao brasileiroNelson Piquet dois de seus três títulosna Fórmula 1. Além disso, sua ligaçãocom o mundo das carros é antiga - foium eficiente vendedor de automóveisusados na Inglaterra, onde nasceu.

O mesmo otimismo em relação aofuturo da Fórmula l é observado entreos homens que enxergam o esportecomo um negócio. "Poderá haver atéum gasto maior em ações publicitáriasfeitas pelas escuderias", disse àDINHEIRO Simon Berger, organiza-dor do Fórum de Negócios em F-l,evento que reúne investidores e patrocinadores doautomobilismo. De acordo com as novas regras daFIA, os gastos com promoções não entram no teto deUS$ 60 milhões. Significa que as equipes podem torrarquanto quiserem para expor suas marcas, pois o limitede gastos só vale propriamente para o desenvolvimen-to do carro. Como elas gastarão pouco com a constru-ção de seus bólidos, a tendência é de que mais recursossejam destinados para outras áreas. Entre os patroci-nadores também há confiança. A chinesa Lenovo, umadas principais parceiras da McLaren, afirma que, inde-pendentemente de existir ou não um teto de gastos, asequipes sempre precisarão de tecnologia. Assim, seu

acordo com a McLaren está garantido. A Lenovo dizque seu comprometimento com a categoria é de longoprazo e a empresa não se deixa influenciar por turbulên-cias. "Aprendemos ao longo dos anos a não reagir exa-geradamente a especulações", disse à DINHEIRO odiretor mundial de comunicações da Lenovo, RayGorman. Segundo ele, não há qualquer hipótese de aLenovo deixar de ser uma parte importante do dia a diada McLaren - com ou sem as novas regras.

Para Tamas Rohony, há 30 anos organizador doGrande Prêmio Brasil de F-l, a resistência das equipestem um motivo bem definido. Hoje dominados por gran-

des montadoras, os times não querempermitir a entrada de competidoresmenores e mais eficientes que, nas pis-tas, poderiam deixar seus caríssimoscarros para trás. Para evitar isso, abu-sam do poder econômico e "gastam riosde dinheiro em tecnologias às vezesinúteis", diz Rohony. Ecclestone com-partilha a mesma opinião "A F-l conti-nuará altamente tecnológica e nuncadeixará de ser assim", afirma o dirigen-te. "Os times terão que gastar em tec-nologias que realmente façam senti-do. Há muito dinheiro sendo gastosem necessidade. Queremos racionali-zar esse tipo de despesa."

Embora tenha no DNA muito desua ex-dona, a gigante japonesaHonda, a novata Brawn GP mostraque não é imprescindível um gastoelevado para obter resultados na F-l.Criada às pressas no início do anopara ocupar o lugar da Honda nogrid, a equipe de Ross Brawn, ex-chefe de equipe da Ferrari na eraSchumacher, é a força a ser batida naF-l. Hoje patrocinada apenas pelo

conglomerado britânico Virgin, de Richard Branson,a Brawn já dá sinais de que está procurando um novoparceiro, que aceite pagar mais que o valor atual,considerado baixo diante do desempenho impressio-nante da escuderia nas pistas. Nos últimos dias, ficouevidente que Ecclestone está vencendo a batalha. Nasegunda-feira 25, a Williams, alegando que não pode-ria deixar seus patrocinadores na mão, apresentousua inscrição à FIA para o campeonato de 2010.Muita gente acha que a tendência é de que a Ferrariacabe sozinha nessa briga e que, cedo ou tarde, teráde rever sua posição. Então Ecclestone, mais umavez, terá provado que é ele quem manda. H

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OSSE, José Sergio. Quem manda aqui sou eu. Istoé Dinheiro, São Paulo, ano 12, n. 608, p. 50-53, 3 jun. 2009.