Upload
others
View
1
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
I
Questões sobre migrações e sobre a crise: Algumas
razões para esta sessão Júlio Mota
Luís Peres Lopes
Margarida Antunes
22 de Novembro de 2010
Este caderno de textos abre com uma reportagem do
Washington Post sobre a realidade chinesa onde o autor é claro
ao considerar que os grandes medos das oligarquias chinesas,
no aparelho de Estado ou fora dele, vêm dos mais pobres da
China rural, os cento e cinquenta milhões de camponeses
chineses, que, sob o regime de migração interna com passaporte
para circular no próprio país (o regime houku — que torna
ilegal no seu próprio país quem não consegue aceder-lhe)
alimentam e sustentam a máquina da fábrica do mundo,
expressão esta que é símbolo do modelo neoliberal levado ao
extremo e à escala planetária. Neste mesmo caderno, seguem-se
pequenos textos que abordam a temática do documentário e
que, sem falta de rigor, seguem na esteira do tema das crianças
deixadas para trás por nós tratado num anterior caderno de
textos de apoio e disponível no nosso site. A terminar o caderno
publicamos um texto de análise sobre o sistema neoliberal à
escala mundial e a forma por este assumida, a sua emanação, na
China, através de um sistema caracterizado pelo capitalismo de
II
Estado Chinês. Esta análise toma como seu suporte a empresa
Foxconn, que só na China emprega 900.000 trabalhadores. Aqui
são analisadas as condições sociais e técnicas de produção, as
condições de repartição do rendimento e de apropriação do
excedente naquela que é inegavelmente um dos mais
emblemáticos ícones do que é a globalização hoje, regida ou
ignorada nos seus efeitos pelas grandes instâncias
internacionais, chamem-se elas Banco Mundial, FMI, OMC, ou
União Europeia.
Ora, sabemos a importância que a China assume hoje na
desertificação dos grandes espaços industriais a Ocidente;
sabemos igualmente que o seu poderio lhe advém sobretudo dos
baixos salários e das deslocalizações de tecnologias, desde as
banalizadas às de “quase de ponta”, as da penúltima geração,
feitas pelo Ocidente; sabemos igualmente que estes baixos
salários são mantidos por fluxos migratórios intensos, legais e
ilegais no interior do próprio país; sabemos igualmente que o
maior volume destes fluxos migratórios são de gente jovem, daí
o poder falar-se de cidades eternamente jovens. A partir disto e
por esta via colocamos então as migrações no centro do debate
sobre a crise económica actual e, com ela, a grave problemática
do emprego a Ocidente, onde já se considera que a geração dos
16 aos 25 anos de hoje é uma geração perdida, uma “lost
generation”.
III
Estranha, muita estranha mesmo, a situação que se
atravessa e as coincidências que a percorrem quanto à
problemática da juventude nas economias de hoje, regidas sob o
modelo económico neoliberal e condicionadas pelos objectivos
do custo mínimo e do lucro máximo a apropriar pelo sistema
financeiro, independentemente dos efeitos sobre a indústria,
sobre o sector industrial propriamente dito, sobre a estrutura
produtiva e sobre o emprego nacional. O exemplo desta lógica
encontramo-lo exactamente na Foxconn, onde os salários são de
miséria e onde a taxa de lucro para uma empresa que mobiliza
um milhão e meio de empregados em todo o mundo, pasme-se,
situa-se na ordem dos 4%, margem bruta de lucro. Os elementos
reguladores aí são as intensidades de trabalho, o aumento das
horas de trabalho e os salários apesar de extremamente baixos,
onde a maioria dos trabalhadores jovens nem sequer direitos de
cidadania tem, nem sequer direitos de trabalhadores na indústria
tem. Aqueles dois objectivos, o de custo mínimo e lucro
financeiro máximo, são a cara e a coroa do actual modelo de
sociedade que a todos está a ser imposto e são estes mesmos
objectivos que determinam e moldam a nossa forma de viver e
de estar. Moldam-na assim desde há décadas, desde que a lógica
neoliberal passou a ser determinante, desde a ascensão de
Thatcher e Reagan ao poder. As violências desta lógica não
param de surgir! Provavelmente hoje o caso mais evidente é o
IV
que se está a passar na Foxconn, na China, com suicídios de
trabalhadores em série que são interpretados como uma forma
brutal de protesto de uma geração que assim estará a assumir as
suas formas mais radicais algumas vezes pensadas contra a
sociedade que lhes rouba o direito a ter futuro. Falamos de
futuro das novas gerações na China. Como se assinala no
caderno de textos de apoio: “As zonas recém-industrializadas e
as cidades na China apresentam numerosos dormitórios
colectivos, onde um prédio de cinco andares pode albergar
várias centenas de trabalhadores. Nas noites ventosas, as roupas
dos trabalhadores, nos corredores do dormitório, esvoaçam
como as bandeiras coloridas das multinacionais nos mastros.
Estas e essas bandeiras são as bandeiras da nova classe de
trabalhadores da China, simbolizando o fluxo de capital sem
fronteiras e a miséria na terra socialista”. Bandeiras espalhadas
por todo um grande país, a China, bandeiras que assinalam
também o sacrifício de uma geração em que os seus anos de
juventude como trabalhadores “são completamente queimados
com o ritmo das máquinas, à medida que as suas peças e
componentes vão funcionando, à medida que estas vão
trabalhando. Os tempos livres e até mesmo as próprias vidas
nisso são sacrificadas”. A juventude encontrará as suas formas
correctas de protesto, aquelas que a História mais cedo ou mais
tarde imporá ou, como assinala o professor Beverly J. Silver,
V
“se os comportamentos do passado podem dar alguma indicação
para o futuro, então poderemos esperar mais vagas, mais ondas,
de mal-estar e de protesto feitas pelos trabalhadores (do tipo das
descritas por Marx) na indústria e a ocorrerem nas regiões que
foram sujeitas a uma mais rápida industrialização e
proletarização”. (Deste ponto de vista, o caso da China é da
mais alta importância histórica a nível mundial)”.
Curiosamente, em Dezembro de 2009, a revista Time ao eleger
o povo chinês como candidato a personalidade do ano afirmava:
“Perto da fábrica encontramos algumas das pessoas que estão a
liderar o mundo no caminho para a recuperação económica:
homens e mulheres chineses, as suas lutas no passado, os seus
pensamentos sobre o presente e os olhos no futuro”.
Pouco tempo depois, muito pouco tempo mesmo,
começaram a verificar-se os suicídios de jovens na fábrica
símbolo do capital total: a Foxconn. A juventude começava a
dar mostras de ver o futuro de forma completamente diferente
do que assinalava e premiava a revista Time, por se começar a
sentir sem futuro.
Estranhas coincidências, dizemos nós, se olharmos agora
para a nossa juventude, que nos parece ser a outra face e do
mesmo modelo aplicado geograficamente em pontos diferentes.
Com efeito, em Abril de 2010, a OCDE, depois a OIT e mais
tarde o FMI e a OIT em conjunto lançaram textos de alarme que
VI
nos mostravam que o modelo de sociedades de hoje está
perigosamente a criar uma “lost generation”, na faixa etária das
pessoas entre os 16-25 anos. Estranha situação quando em nome
do futuro dessa geração, que sente ela mesma que o não tem, se
obrigam agora, sob a tutela das Instituições comunitárias, os
Estados-membros a políticas de austeridade que reduzem os
volumes de emprego, a políticas de austeridade que, pela
mesma lógica, aumentam o tempo de vida activa de quem está a
trabalhar, reduzindo, por essa via, ainda mais a viabilidade de
referida geração vir a ter o direito de ter futuro, a ter trabalho.
Ou será que as Instituições europeias com isto estão a criar
condições para efectivar o mercado único ao nível do trabalho,
ou seja, criando concorrência entre os jovens europeus na
procura de trabalho, constituindo-se por aí o cadinho das novas
migrações no espaço europeu, sonho dos arquitectos da actual
construção da União Europeia?
Qual será então a dinâmica de crescimento do
capitalismo europeu? Será que se quer centrar na mesma
dinâmica da Alemanha, assente nas exportações a partir de uma
política de desinflação competitiva, de contenção dos níveis
salariais? Mas sendo assim, será que o que queremos é ser
competitivos com a China ou antes ser competitivos na China?
Ou em ambas as situações? E quando se fala de aumentos de
competitividade estamos a falar de contenção de custos salariais
VII
por unidade produzida, estamos a falar do aumento da
intensidade de trabalho em que se inscreve a desregulação dos
mercados de trabalho ou estamos a falar dos efeitos do
progresso técnico com melhoria de bem-estar das populações,
as de hoje e as de amanhã? Desta última hipótese, não se está a
falar, seguramente. Por onde passa então a dinâmica do
capitalismo na Europa?
Nas antípodas em termos geográficos, também cá o
modelo neoliberal está a atirar a juventude para becos sem
saída. Todas estas questões de contornos complexos têm que ser
discutidas pela e na sociedade para que se possam encontrar
respostas globais convincentes que ponham em causa a
continuação das bases estruturantes do modelo económico
neoliberal que nos encaminharam para a situação presente e não
respostas como as que têm sido dadas, nomeadamente pela
União Europeia, que não só se inscrevem neste mesmo modelo
como ainda o reforçam. A continuar nesta via, nada de
fundamental e estruturante se irá alterar. A ilustrar o que
acabamos de dizer, basta ver o que se está a passar com a
regulamentação dos hedge funds, agentes especuladores por
excelência e agentes extremamente importantes na dimensão da
crise actual, no âmbito da União Europeia. O que as Instituições
europeias estão a fazer não é nada mais do que dar corpo à ideia
expressa pelo príncipe Fabrízio di Salina, personagem de
VIII
Lampedusa, de que é necessário de que alguma coisa mude para
que tudo possa ficar na mesma. Com efeito, como assinala Jean
Claude Paye:
Ao contrário das instituições financeiras, bancos, seguradoras,
fundos de investimento que utilizam as poupanças obtidas junto do
público, os hedge funds não têm controladores específicos. Estes
podem fazer uma plena utilização das isenções previstas nos textos
legislativos. No entanto, se os hedge funds não são a causa da actual
crise, a facilidade na obtenção do crédito bancário e a criação
monetária que este induz, o risco sistémico que os hedge funds
representam para todo o sistema financeiro, esse foi claro. De facto,
para atingirem elevados resultados, os hegde funds utilizam a
alavancagem. Eles contraem grandes empréstimos junto dos bancos
para compensar a pequena dimensão dos fundos próprios aplicados
em cada acção e, assim, induzem, em caso de problema, um efeito
multiplicador sobre os desequilíbrios. Ao não enquadrar a
possibilidade de recorrerem ao crédito e de criarem bolhas financeiras,
a União Europeia não está a resolver a questão central. A directiva
sobre os hedge funds aponta, formalmente, um bode expiatório para a
crise, os hedge funds, sem que, no entanto, aumente a sua vigilância
sobre os mesmos, antes pelo contrário, elimina, de facto, as
possibilidades de controlo das autoridades nacionais sobre os mesmos.
Não é um passo em frente na criação de um espaço financeiro
europeu. Em vez disso, a directiva estende o nível nacional de
acreditação destes fundos, permitindo que as organizações
IX
domiciliadas num Estado-membro tenham, sem autorização de cada
autoridade nacional, acesso ao conjunto de todo o espaço que constitui
a União Europeia. Ao contrário do efeito anunciado, o texto reforça a
nação dominante ao nível financeiro e, portanto, a posição da City
londrina, que gere a maioria dos hedge funds localizada em solo
europeu.
A directiva é igualmente apresentada como estando inscrita na
luta contra os paraísos fiscais, enquanto, na realidade, através da City,
ela abre as portas da União Europeia, sem qualquer controlo por parte
dos Estados-membros, excepto das autoridades britânicas, bastante
indulgentes.
Que tudo fique na mesma, parece pois ser o lema das
Instituições europeias, quanto aos mercados financeiros. A crise, os
outros que a paguem. E é neste quadro que não se vislumbra uma
política capaz de dar resposta às graves questões do emprego que na
juventude atinge já taxas que rondam o insuportável.Juventude de um
lado, na China, massacrada pelo trabalho até ao limite físico, ao limite
do insuportável, juventude do outro, na Europa, sem futuro por não ter
trabalho, eis a situação que o neoliberalismo no quadro da economia
global nos está a impor, e que são pois as duas faces da mesma moeda.
Contra a globalização económica? Ou contra o modelo que a sustenta?
Ou contra as duas coisas? Dê-se a palavra a um dos mais importantes
ideólogos do neoliberalismo, Pascal Lamy, e sigam-se os seus
conselhos actuais, que ele não segue seguramente:
X
Não, a globalização não é necessariamente uma ameaça à
identidade, um rolo compressor que tudo esmaga, tudo destrói, que
aniquila as identidades. Não, a “identidade de resistência” não é uma
fatalidade. Se as relações entre a globalização e a identidade são
concebidas e discutidas a nível global, com um espírito de abertura e
sensibilidade, se os espaços são reorganizados para permitir que as
identidades se expressem num contexto global, a globalização também
pode ser uma hipótese, uma oportunidade. Uma globalização que
respeite os valores, as culturas, as histórias múltiplas que formam o
tecido social do nosso mundo é possível. Cabe a cada um de nós
trabalhar nesse sentido para uma “identidade de projecto”.
Contra esta globalização seguramente. Uma globalização
respeitadora do homem é possível, mas não é seguramente esta e nisto
estamos de acordo com Pascal Lamy, que agora afirma: “Nos últimos
anos, interrogo-me sobre as raízes culturais e antropológicos do
capitalismo de mercado que é estruturalmente injusto e que tende a
destruir os recursos humanos e naturais”.
Falamos de novo de uma geração perdida no lado de cá, no
lado da Europa, e quanto a isto o que tem vindo a desenhar desde há
anos no quadro europeu? Vê-se, por um lado, uma política de ensino e
formação redutora da juventude, banalizando-a na sua maior parte,
assentando a sua política de ensino e formação na depreciação dos
trajectos escolares e na desclassificação dos diplomas e dos
diplomados que não encontram emprego correspondente à formação
adquirida, e criando profundas desigualdades ao nível do ensino
superior deixando as melhores carreiras a uma elite cada vez mais
XI
pequena. A depreciação da maioria da juventude, vista pela redução
dos seus custos de formação como objectivo de base, é, por outro
lado, inserida num projecto mais vasto de políticas, o projecto ou
modelo que rege globalmente a União Europeia: o modelo neoliberal
em toda a sua dimensão.
Agora, apesar da crise presente, vê-se, por outro lado, que a
política global das instâncias comunitárias continua a ser a de reforçar
e a de endurecer os mecanismos que foram também eles determinantes
na criação da crise da dívida soberana dos seus Estados-membros,
quase todos eles na mesma situação, continuando a virar as costas ao
crescimento económico e, por essa via, também ao emprego decente,
também ao emprego dos mais jovens, a “lost generation”. Face à crise
da dívida soberana resultado ela própria da incapacidade da União em
regular seja o que for nestes mercados, como se viu acima com os
hedge funds. Em vez de fazer como o Banco do Japão ou como o Fed,
as Instituições comunitárias tornam os Estados dependentes dos
mercados de capitais, o que faz disparar as taxas, disparar os encargos,
a bola de neve da dívida pública instala-se e instala-se assim a crise da
dívida soberana. Instalada ou criada a crise da dívida soberana que
querem fazer agora as Instituições comunitárias? Simplesmente mais
austeridade, simplesmente mais desemprego, simplesmente menores
défices públicos, simplesmente menor actividade do Estado na
reconstrução social que a crise dramaticamente abalou, simplesmente
menor peso da dívida pública e esta que há um ano não era
identificada como problema para ninguém, é agora o objectivo
número um destas mesmas Instituições porque foi assim que os
mercados o desejaram. Mas beneficiará a “lost generation”? Vejamos
XII
então, com mais detalhe o que pretendem as Instituições europeias, a
senhora Merkle, o Presidente Sarkosy, o Presidente da Comissão
Europeia, Durão Barroso, e os seus comissários, assim como o
Presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy. Vejamos
pois a lógica de uma proposta da Comissão Europeia aprovada a 18 de
Outubro, que deverá ainda ter o acordo dos Chefes de Estado e de
Governo. Como assinala Sterdyniak, “o risco é grande de que a
proposta aí seja aprovada, uma vez que os países mais pequenos não
quererão ser alvo das iras dos mercados financeiros”, dependentes que
estão dos mercados obrigacionistas e dos seus leilões de títulos. A
Espanha, por exemplo, com um défice público de 11,1% do PIB em
2009 e que tem que recorrer no próximo ano ao mercado de capitais
para levantar 192 mil milhões de euros dos quais 150 mil milhões para
refinanciamento. Qual a sua margem de manobra face ao quadro
institucional que as Instituições europeias deixaram criar?
Possivelmente, estará a fazer um plano B ainda mais restritivo para
acalmar as iras dos mercados e para lhes garantir que em 2011 será
capaz de colocar o défice público em cerca de 6%. Na sequência da
proposta feita pela Comissão e aprovada pelo Conselho de ministros
da Economia e das Finanças, o Ecofin, admitamos um país, com um
ratio da dívida pública relativamente ao PIB de 90%. Pelas regras
agora aprovadas o país terá que reduzir um vinte avos por ano a
diferença existente entre este ratio e o ratio de 60% de referência do
Pacto de Estabilidade e Crescimento; esta mesma diferença, ou seja,
30%, a dividir por 20, leva pois, a que se reduza o ratio da dívida em
1,5% ao ano. Neste caso, este ratio da dívida não poderá ultrapassar
88,5%. Seja então uma taxa de inflação de 2% e uma taxa de
XIII
crescimento de 1%, neste contexto de crise. O ratio da dívida
automaticamente reduz-se para o valor dado para 90% a dividir por
(1+0,2+0,1), ou seja, reduz-se para 87,38%. Como o ratio da dívida
não pode ultrapassar os 88,5% e como a dívida real desce apenas para
87,38% então o défice não poderá ultrapassar a diferença (88,5 -
87,38), ou seja, o ratio do défice público não poderá ultrapassar
1,12% e assim se vai embora até a triste regra dos 3%. Como se
ilustra, esta é a situação que a Comissão quer agora impor com a
proposta recentemente aprovada que é elucidativa da sua submissão
aos mercados financeiros e às agências de rating privadas, cada uma
propriedade de uma família, na sua submissão ao senhor Murdoch
(detentor da Moodys’s), ao senhor McGraw-Hill (detentor da Standard
& Poor’s) ao senhor Marc Ladreit de la Charrière (detentor da Fitch).
Os mecanismos que querem ver aplicados têm associados um
conjunto de parâmetros a ter também em conta, como a
competitividade, o défice externo, a dívida pública e privada, mas
curiosamente nesses parâmetros não está a taxa de desemprego.
Olhemos para os números de taxas de desemprego na Europa
para quem tem menos de 25 anos (dados corrigidos de sazonalidade) e
segundo o EUROSTAT, em Setembro de 2010.
XIV
Taxa de desemprego (%) Setembro de 2010
União Europeia a 27 20,3 União Europeia a 15 19,7 Zona euro 20,0 Bélgica 24,4 Irlanda 29,1 Grécia 32,1* Espanha 42,5 França 24,4 Itália 26,4 Portugal 19,8 Finlândia 21,0 Suécia 24,9 Reino Unido 19,2*
* Dados do mês de Agosto
As taxas de desemprego dos mais jovens são elucidativas, para
não se poder compreender este desejo de submissão total aos
mercados em vez de os regular, o que leva a poder afirmar que cá
como lá e por formas diversas se está a criar uma massa de gente
disponível para percorrer mundo, para migrar à procura de trabalho. É
essa a Europa do mercado único? Não sabemos.
As migrações maciças de gente jovem na China são, afinal,
entre vários, um verdadeiro suporte da não empregabilidade das
camadas jovens correspondentes do outro lado do planeta, na Europa,
possivelmente candidatos também eles a migrantes, agora. De resto, já
não é por acaso que os nossos melhores alunos, os nossos melhores
licenciados, deambulam por essa Europa à procura de fazer carreira,
suprindo as falhas existentes nos outros países, pela mesma má
XV
qualidade do ensino também aí e pela razão, a redução dos custos
sociais ao nível dos Estados, o aumento dos resultados financeiros.
Migrantes desvalorizados de um lado, na China e algures, e potenciais
candidatos a migrantes no outro, na Europa, eis pois uma estranha
situação, mas só na aparência, pois ela é o resultado lógico da
globalização económica dado o modelo de políticas que a sustenta.
Com efeito, “a China pode ser a fábrica do mundo [e a Foxconn, a
fábrica de material electrónico do mundo], a Índia pode ser o
escritório do mundo, mas nós, os ingleses e os americanos, somos o
centro dos capitais do mundo. E isto não foi por acaso, foi por opção”,
disse em tempos Gordon Brown enquanto primeiro-ministro da
Inglaterra. É essa opção que uns e outros continuam a impor na
Europa e na China. Na Europa, pelo capital financeiro e pelas
Instituições comunitárias; na China também, pelo capitalismo de
Estado associado ao capital internacional e, porque não dizê-lo, pela
repressão. É essa opção que gera os desempregados jovens do lado de
cá, também eles sem futuro. É esta opção que gera os jovens
esmagados pelo trabalho, do lado de lá, que na lógica da actual divisão
internacional do trabalho e do modelo export led-growth imposto e
depois aceite, estão eles também a deixar que o seu futuro seja
destruído pelo trabalho intenso das máquinas da fábrica do mundo. É
contra esta globalização económica que todos estamos contra até
porque desde há muito tempo que defendemos os pontos de vista
subjacentes nas declarações de Pascal Lamy.
XVI
3
Economia Global, Capitalismo de Estado e
Neoliberalismo (O exemplo da Foxconn)
PARTE I
Na China, o que interessa é a prosperidade, não a
liberdade David Ignatius
Washington Post
21 de Outubro, 2010
Beijing
Na semana em que a liderança da China desvenda a identidade do
próximo possível presidente do país, eu encontro-me com grupos de
estudantes do ensino secundário, empresários, jornalistas e
académicos chineses. O estranho é que políticos quase nunca
aparecem.
Por vezes, os americanos assumem que uma China mais rica irá
brevemente exigir maior liberdade e democracia. Não apostem nisso:
O que os chineses repetem aos visitantes estrangeiros, das várias
maneiras que tornam frases pré-feitas credíveis, é algo como isto: Nós
gostamos do que temos; nós estamos preocupados em perder isso; nós
queremos estabilidade mesmo que isso implique menos liberdade e
franqueza.
4
Os chineses não parecem saber muito acerca de Xi Jinping, o homem
que esta semana se tornou o sucessor aparente do Presidente Hu
Jintao, para além do facto de que ele é um filho do poder e é casado
com uma cantora famosa. Isto faz dele um homem susceptível de
manter o estatuto – e talvez reformar o sistema e difundir a riqueza a
nível suficiente para manter alguns discordantes calados. Para a
maioria dos Chineses com que me deparei, estas qualidades parecem
ser suficientes.
“Eu não encontro muitos idealistas na China actualmente,” diz Alan
Guo, antigo empregado da Google que criou um negócio de compras
online aqui. “É mais importante resolver um engarrafamento em
Beijing do que votar para escolher o presidente.”
Há protestos na China, com certeza, mas é sobretudo acerca de
questões económicas e de propriedade. A agenda de liberdade de
Tiananmen Square em 1989, simbolizada hoje pelo prémio Nobel
preso, Liu Xiaobo, foi na maior parte estrangulada. Por entre a elite
das cidades ricas da China, o medo dos camponeses no interior parece
ser uma bem maior preocupação do que a opaca liderança do Partido
Comunista.
Para uma breve previsão do futuro da China, falem com os estudantes
da Beijing High School 101. Vestidos nos seus uniformes azuis e
brancos para receber os jornalistas ocidentais (organizado pelo Comité
dos 100, um grupo privado dos EUA que promove o diálogo sino-
americano), as crianças são incrivelmente brilhantes e falam bem
inglês. Mas, mesmo aqui no topo da pirâmide, há uma fragilidade.
Eles são todos o produto da política chinesa do filho único, e sente-se
bem as pesadas expectativas dos seus pais: estuda, tem sucesso e
5
prosperidade, não percas o teu lugar no comboio para a riqueza, para a
prosperidade.
Um menino com um fio de bigode preocupa-se que o fosso entre ricos
e pobres na China esteja a aumentar e que os ricos “só queiram jogar
golfe.” A sua colega concorda: Nesta sociedade, o materialismo
prevalece. As pessoas correm atrás da riqueza. “Mas estas crianças
não parecem capazes de romper com esta mentalidade. Muitos olham
com estranheza quando os visitantes os aconselham a seguir os seus
sonhos na escolha de uma carreira.
Na universidade de Tsinghua, um estudante chamado Yin Wang dá-
nos uma frase surpreendente mas directa: “Os jovens não se
preocupam com quem irá suceder a Hu Jintao, eles preocupam-se sim
com quem irá suceder a Michael Jackson”.
Um tema recorrente aqui é censurado pela própria população que não
quer arriscar cruzar os limites da “liberdade” de expressão. Os
estudantes frequentam a escola de jornalismo em parte para ficarem a
saber quais são os assuntos «proibidos». Os jovens repórteres que
pesquisam para além da versão oficial ficam marcados como sendo
pessoas «indignas de confiança» e perdem boas oportunidades de
trabalho
O governo controla a Internet, e os consumidores e produtores
chineses não se queixam. Um dos maiores Web sites chineses
emprega mais de 100 pessoas para pesquisar a proliferação de micro-
blogs. Os pais evitam falar aos filhos sobre Tiananmen com medo que
eles façam ainda mais perguntas e arranjar problemas.
A ameaça para esta vida urbana vem das pacatas e ainda pobres
províncias rurais. A revolução chinesa começou entre camponeses, e
6
há um medo, algo tangível, que a desigualdade crescente na China
possa desencadear outra revolta. É uma razão para as pessoas estarem
nervosas sobre a democracia: Não querem emancipar os camponeses
fortemente descontentes. O partido comunista aprovou esta semana
um plano quinquenal que promove o “crescimento interno”, com uma
maior fatia para as nervosas áreas rurais.
No banquete no Grande Salão do Povo, um oficial chinês chamado
Nan Zhenzhong explica que apesar de as cidades costeiras se
assemelharem à Europa, o interior chinês parece-se mais com África.
Ele repete a palavra estabilidade tão frequentemente que mais parece
uma oração.
Em quase duas horas de conversa, Nan nem uma só vez menciona o
novo líder, Xi, que era nomeado nesse mesmo dia. Outro sinal desta
apatia política. Talvez apenas um país nascido numa revolução podia
ser tão cauteloso com a mudança.
Disponível em http://www.washingtonpost.com/wp
dyn/content/article/2010/10/20/AR2010102004820.html
7
PARTE II
Sobre o filme O Último Comboio Para Casa (The Last
Train Home)
Curta Introdução
Todas as Primaveras as cidades chinesas mergulham no caos, quando
de uma só vez, a vaga de êxodo humano tenta regressar a casa por
comboio. É o Novo Ano Chinês. Esta onda humana é composta por
milhões de trabalhadores fabris, e os seus destinos, as suas vilas rurais
e famílias que estes abandonaram para procurar emprego nas grandes
cidades costeiras. É um espectáculo de proporções épicas que mostra a
crescente mudança Chinesa, de um país altamente tradicional para
uma sociedade moderna e integrada na economia global.
O Último Comboio para Casa é um filme emocionante e belo em
termos visuais realizado por Lixin Fan, que mostra a vida de um
migrante chinês apanhado neste turbilhão de indivíduos que como ele
procuram chegar a casa nesta altura do ano.
Há dezasseis anos atrás, os Zhangs deixaram os seus filhos e família
para procurarem emprego na cidade, apoiados na esperança de que os
seus salários iriam proporcionar uma vida melhor aos seus
descendentes. No entanto, e com um toque de ironia, os seus desejos
para o futuro não são alcançados pela própria ausência familiar. Qin, a
criança deixada para trás, é agora uma adolescente atormentada pelo
“abandono” dos pais, que num acto de rebeldia desiste dos estudos.
Também ela irá tornar-se, para tormento dos pais, uma trabalhadora
migrante.
8
Num estilo cinematográfico vérité style, O Último Comboio para
Casa segue os Zhangs nas suas tentativas para mudar a vida da filha e
reparar a família destroçada. Íntimo e sincero, o filme mostra o lado
humano da rápida modernização chinesa. Identificamo-nos com os
Zhangs à medida que estes tomam duras decisões para sobreviverem
numa sociedade “presa” entre o antigo e a nova realidade.
Conseguirão eles ultrapassar as dificuldades e ainda assim reparar os
estragos que a sua família sofreu?
Sinopse
Todas as Primaveras as cidades chinesas mergulham no caos, quando
de uma só vez, a vaga de êxodo humano tenta regressar a casa por
comboio. É o Novo Ano Chinês. Esta onda humana é composta por
milhões de trabalhadores fabris, e os seus destinos, as suas vilas rurais
e famílias que estes abandonaram para procurar emprego nas
indústrias citadinas. As breves férias são o seu meio de escape das
sufocantes realidades das fábricas, uma curta oportunidade para
recordarem o que deixaram para trás. É um espectáculo de proporções
épicas que mostra a crescente mudança na China, de um país
altamente tradicional para uma sociedade moderna e integrada na
economia global.
O Último Comboio para Casa é um filme emocionante e belo em
termos visuais realizado por LIxin Fan, que mostra a vida de um
migrante chinês apanhado no movimento entre a cidade e o campo. O
filme começa com cenas desconfortantes e incompreensíveis: uma
multidão desesperada a chorar e a gritar, à espera dos comboios que
podem ou não chegar. Os bilhetes são limitados dada a procura de
9
dimensões astronómicas, e os indivíduos estão determinados a voltar a
casa a qualquer custo. O controlo ténue de uma situação que parece
rebentar a qualquer momento é assegurado por um punhado de
polícias visivelmente assustados.
O filme permite-nos observar esta migração massiva pelos olhos de
um casal de meia-idade: os Zhang. Carregando os seus pertences, o
casal consegue entrar num comboio em Guangzhou e para fazer uma
viagem, que foi um autêntico pesadelo, de cinquenta horas pelo país
para conseguirem voltar a ver os seus filhos. Há dezasseis anos atrás
deixaram a sua aldeia ancestral e a sua filha pequena para encontrar
emprego na cidade. Trabalharam em fábricas de vestuário pouco
ventiladas e iluminadas, confortados apenas pela hipótese de que com
os seus salários poderiam pagar a educação dos seus filhos e
proporcionar-lhes uma vida melhor. Ironicamente, as suas
desesperantes esperanças são goradas pela sua própria ausência da
vida familiar. Qin, a criança deixada para trás para ser criada pela avó,
cresceu até à adolescência com um sentimento de abandono, longe dos
pais, não segue qualquer conselho destes e desiste dos estudos em acto
de desafio. Atraída pelo brilhar do dinheiro da cidade, também ela
tornar-se-á uma trabalhadora migrante. Tal decisão é um duro golpe
para os seus pais. Num estilo cinematográfico vérité style, O Último
Comboio para Casa segue os Zhangs nas suas tentativas para mudar a
vida da filha e reparar a família destroçada.
Qin é uma entre milhões de crianças que crescem sem os pais. Em
quase todas as aldeias rurais chinesas, parece haver falta de uma
geração e famílias divididas. Os avós cuidam de netos e dos campos,
enquanto os pais trabalham na cidade e enviam os seus salários. O
10
incrível crescimento chinês baseia-se na exploração intensiva e a
baixo custo dos trabalhadores que emigram do meio rural. O
resultado, são famílias divididas, crianças iletradas e uma instabilidade
social que rompe com os tradicionais valores familiares e culturais
chineses. Os Zhang são um “microcosmos” de uma sociedade
apanhada entre a antiga e a nova realidade.
Neste contexto, a rebelião de Qin toma um significado especial, pois
rejeita não só os desejos da família, como também os valores morais
chineses de auto-sacrifício. Neste novo ciclo, o dinheiro e a liberdade
que este oferece substituem os valores familiares. À medida que
acompanhamos Qin desde estar a trabalhar num campo, passando por
trabalhar numa fábrica e mais tarde a servir bebidas num bar,
partilhamos a confusão que as mudanças rápidas trouxeram à China. É
uma confusão e frustração também, patente em outras personagens do
filme, que lutam para atribuir um papel à sua vida num contexto em
que novos valores estão em jogo num país em que se produzem roupas
baratas, brinquedos e produtos electrónicos para o mercado mundial.
Intimista e cheio de ternura O Último Comboio para Casa humaniza o
custo destas mudanças que ocorrem ao longo de toda a China. Ao
longo do filme, identificamo-nos com os pais enquanto estes tomam
decisões difíceis mas cruciais para a sua vida. Conseguirão eles
reparar a sua família? O filme é tenso e melancólico, mas não há falta
de esperança. À medida que observamos Qin e os seus amigos
adolescentes a brincar e a rir nos dormitórios da fábrica, uma réstia de
esperança parece nascer e acredita-se que uma saída deste ciclo pode
surgir da energia e atitude da juventude chinesa.
11
A família Zhang
Zhang Changhua (pai)
Nascido numa aldeia rural na provincial de Sichuan, Changhua, tem
trabalhado com a sua mulher nas indústrias da província de
Guangzhou desde os dezassete anos. Autorizou o realizador e a sua
equipa a mostrar a dura realidade da vida do casal. Trabalhadores
migrantes como os Zhangs são considerados cidadãos de segunda na
China. Desprezados pelos citadinos, estes indivíduos têm de viajar
para longe para ocuparem os empregos mais difíceis e mais “custosos”
da economia em crescimento e por salários baixíssimos. O “sistema de
registo familiar” Chinês (o sistema hukou) exclui-os do sistema de
saúde pública e da segurança social. Os seus filhos também não
podem frequentar as escolas públicas das cidades. Vivem em
condições deploráveis e são discriminados diariamente.
Conduzido pela necessidade de voltar e rever os seus filhos, Changhua
paga o triplo do bilhete normal para conseguir um almejado lugar no
comboio que o irá conduzir durante vários dias pela China, gastando
um ano das suas poupanças e com os seus pertences em risco de se
perderem. Apesar de serem extremamente pobres, os Zhang tentam
compensar os filhos com dinheiro e brinquedos pelos anos de
ausência. Mas Changhua vai sentir extremas dificuldades em aceitar e
ultrapassar o impacto que a rebelião da sua filha adolescente lhe
causa.
12
Zhang Qin (filha)
Qin é a mais velha de dois filhos. Com dezassete anos no tempo das
filmagens, foi criada pela avó na aldeia rural. Pela lei chinesa, tanto
ela como o irmão estão impedidos de acompanhar os seus pais
migrantes, dado que não iriam ter autorização de residência na cidade,
e assim estariam impedidos de frequentar as escolas públicas na
cidade. Qin apenas vê os seus pais uma vez por ano, durante o Ano
Novo Chinês. Rancorosa, acredita que os seus pais se importam mais
com o dinheiro do que com ela. Não lhes consegue perdoar.
A vida de Qin é simples, e gira entre uma agricultura de subsistência e
a escola da aldeia. Atraída pelo dinheiro e pela vida excitante da
cidade, deixa a escola contra a vontade dos pais, viaja para Guangzhou
para se juntar à vaga de trabalhadores migrantes das fábricas. Começa
aqui a trabalhar catorze horas por dia, recebendo apenas cinco dólares
e vivendo num quarto de um dormitório com mais doze pessoas. Qin é
o estereótipo de um adolescente que desiste da escola na China, um
país onde pelo menos um terço dos 120 milhões de trabalhadores
migrantes são mulheres dos dezassete aos vinte e cinco anos. Ingénua,
acredita que “ganhar” dinheiro é mais importante que a escola na
sociedade actual, apesar do sonho chinês excluir aspirações de
mudança de estatuto para os migrantes. No fim do filme, o futuro de
Qin continua incerto.
13
Chen Suqin (mãe)
No início do filme, e com grande dificuldade, Chen conta-nos como
deixou a sua filha recém-nascida para acompanhar o marido e
procurar trabalho na cidade. Não via os seus filhos desde há três anos.
Destroçada pelo sentimento de culpa, admite ao realizador que não foi
uma boa mãe, mas que tinha de fazer o que teve de fazer. O Último
Comboio para Casa documenta o desesperante desejo de reatar
relações com a sua filha rebelde e o esforço para a conduzir em
direcção a um futuro melhor e diferente. Nas cenas finais do filme,
Chen deixa o seu marido a trabalhar sozinho na cidade, volta para a
aldeia na esperança de impedir que o seu filho mais novo siga as
pegadas da irmã.
A família Zhang é um exemplo de inúmeras famílias chinesas cujas
relações e valores foram destruídos por um crescimento desenfreado
na era de uma economia altamente globalizada.
Comentário do Realizador
Trabalhei em várias estações de TV na China. Durante esses tempos
viajei pelo país, e pude verificar a grande diferença entre as cidades e
as zonas rurais. Escondida pelo glamour das metrópoles modernas, a
pobreza nas zonas rurais é profundamente chocante. Enquanto viajava,
comecei a concentrar-me nos trabalhadores migrantes que, para mim,
foram os que mais contribuíram para o crescimento espantoso da
China, sendo no entanto os que menos beneficiaram com isso. À parte
de outras dificuldades, os trabalhadores têm de suportar também o
14
facto de terem deixado para trás as famílias. Decidi por isso fazer um
documentário sobre a vida deste grupo social que têm um papel
extremamente activo e único na China.
O êxodo migratório anual entre as cidades e os meios rurais durante o
Ano Novo Chinês proporcionou-me a oportunidade perfeita para
filmar e examinar de perto o empenho dos trabalhadores. A história
dos Zhangs assemelha-se à de milhões de outros indivíduos. O filme
explora a iniquidade social criada pelo desempenho industrial do país,
bem como os efeitos da globalização tanto a nível humano como
social. Ao observar os destinos de uma família, espero conseguir
mostrar o choque entre a ambição de uma nação em elevado
crescimento e o impacto na cultura, sociedade e indivíduo.
Culturalmente, o valor confuciano do “respeito geracional” (respeito
pelos mais velhos e antepassados) tem desde há muito um papel
relevante na vida chinesa. Estar longe da família é desencorajado, mas
as mudanças na mentalidade da sociedade tornou esta abordagem mais
pragmática, de agora melhorar a vida material. Os pais trabalham
agora longe de casa, enviam as poupanças para os avós e filhos.
Infelizmente, o conforto material isolado não se traduz em afecto. Sem
a presença dos pais e sem laços emocionais, os filhos deixados para
trás não se identificam com os primeiros, criando uma separação, uma
distância, cada vez maior e com menos hipótese de reparação entre
pais e filhos.
A nível nacional, a China caminha rapidamente para um nível de
riqueza nunca antes alcançado. Mas devemos questionar-nos se a
tradição, a moral e a solidariedade humana devem ser arrastadas para
este turbilhão. Para o governo, manter um equilíbrio entre crescimento
15
económico e riqueza para todos os cidadãos é o derradeiro objectivo
nestes tempos de mudança. Na filosofia taoista, sabemos que na
Natureza os opostos coexistem em harmonia. O equilíbrio entre
opostos cria as melhores condições possíveis de bem-estar e harmonia.
“Yin e Yang”. É o que esperamos para o futuro.
Perguntas e Respostas com o realizador Lixin Fan Ed Moy
LA Asian American Movie Examiner
6 de Setembro, 2010
P: Porque é que escolheu a situação difícil dos trabalhadores
migrantes chineses como tema do seu primeiro filme? Este
assunto teve alguma influência na sua vida?
R: Nasci numa família normal. O meu pai era professor universitário e
a minha mãe era contabilista. Estudei na universidade na minha terra
natal, e assim não tive grande experiência como emigrante. No
passado, quando trabalhava na televisão e viajava, ficava sempre
muito incomodado pela pobreza e miséria das zonas rurais ofuscadas
pelo glamour das metrópoles modernas. Comecei a reparar que estes
trabalhadores, responsáveis pela prosperidade actual do país viam ser-
lhes negadas as necessidades sociais básicas. Tinham de suportar um
constante mal-estar afectivo pela ausência das suas famílias. Decidi
fazer o filme para mostrar quer a crescente importância deste grupo
16
social no crescimento chinês quer a maneira como são afectados por
este mesmo crescimento.
P: Como encontrou as personagens? Foi difícil convencer a
família a participar?
R: Na cidade de Guangzhou visitei mais de trinta fábricas. Tudo aí é
fabricado: brinquedos, roupa, componentes electrónicos, tudo…
Passeei pelos bairros residenciais dessas fábricas e falei com os
trabalhadores que conheci. São geralmente simpáticos, mas também
cautelosos quando falam com estranhos. Numa população que está em
constante mudança pela migração desenfreada, demora-se tempo a
ganharmos a sua confiança. Por simples acaso conheci os Zhang. No
inicio estavam reticentes em falar comigo, no entanto, com o passar
do tempo tornámo-nos amigos e concordaram em participar no filme.
Ao fazer parte de muitos momentos marcantes das suas vidas ficámos
grandes amigos, e agora a equipa trata-os como irmãos. Éramos como
uma grande família.
P: Alguma vez se sentiu tentado a largar a câmara e ajudar os
Zhangs com as suas crescentes dificuldades?
R: Penso que esta é a questão que qualquer realizador de um
documentário acaba por pôr a si próprio. A escolha é sempre difícil.
Como já referi, uma razão pela qual quis fazer este filme foi para
divulgar e tentar melhorar as vidas dos trabalhadores. Há momentos
em que o bem-estar de um indivíduo entra em conflito com o processo
de filmagem. Por exemplo, quando o pai bate na filha, será que devia
ter baixado a câmara, ou devia ter filmado o momento emocional para
17
dar uma narrativa mais forte e para ter mais impacto junto da
audiência e iniciar mudanças? Neste conflito ético todos somos
pressionados para decidir de forma sensata. Naquele momento, eu
estava noutro quarto, e o meu operador de câmara estava a gravar.
Ouvi barulho e entrei em cena para acalmar toda a gente. Os chineses
acreditam que o mundo em que vivemos não é um mundo a preto e
branco. Como Tao argumenta com o ying e o yang: toda a acção cria
uma contra-acção natural. Como o símbolo Tao mostra, há preto no
branco, mas também, há branco no preto.
P: Porque é que acha que a China tem este maciço movimento
migratório?
R: A migração do trabalhador rural começou no inicio dos anos
oitenta quando o país abriu a sua economia. A entrada de capital
estrangeiro criou imensas fábricas nas zonas costeiras do sul. Uma
crescente procura de trabalho atraiu milhões da sua terra natal rural
para as fábricas. Uma redução nas restrições de movimentos entre
regiões do país, permitiu encontrar oportunidades de melhoria de vida.
Salários baixos e a falta de direitos impede-os de trazer as famílias das
terras natal para as cidades, mesmo depois de décadas de trabalho.
P: Que região atrai mais trabalhadores, e de onde é que eles
vieram?
R: A tendência geral da migração é do Oeste não desenvolvido para
um Este mais desenvolvido e litoral Sul. Pessoas de zonas densamente
populadas como Henan, Sichuan, Hubei e Hunan são os que mais
procuram a emigração para as grandes cidades.
18
P: Pensa que o sistema de transportes na China pode ser
melhorado, como?
R: Desenvolver o sistema de transportes do país está no topo das
prioridades de Pequim. Assim este “festival” está mais relacionado
com políticas sociais do que com o sistema de transportes. De facto,
não interessa quantas estradas são construídas, é impossível
transportar uma quantidade enorme de passageiros de uma só vez e
numa só direcção. Uma solução mais racional seria a implementação
de legislação laboral, garantindo cuidados sociais e apoiar a
deslocação das famílias para as cidades. A China definiu o objectivo
de urbanizar metade da sua população em 2020 e setenta por cento em
2050.
P: O que pensa dos cuidados inter-geracionais (avós a cuidar de
netos)? Qual o impacto na nova geração?
R: Os avós tendem a mimar os netos porque hoje em dia a maioria dos
casais só tem um filho. Como os netos são mais desobedientes com os
avós, tornam-se os chamados “pequenos imperadores”, o que é bom e
é mau. A nova geração tem mais liberdade para pensar e fazer o que
quer, o que pode transitar para uma força positiva de mudança. Por
outro lado, os miúdos mimados têm muitas vezes a falta de vontade de
mudança, e a falta de consideração para com os outros, o que é mau.
P: Como é que o fenómeno de migração dos trabalhadores afectou
os valores tradicionais da família chinesa?
R: É verdade que a virtude confuciana do “respeito geracional” tem
um papel histórico na sociedade chinesa. Estar longe da família nunca
19
foi encorajado pelos valores tradicionais. Agora numa sociedade em
mudança são tomadas decisões mais pragmáticas e de carácter
material. No entanto os chineses não estão a perder completamente os
valores tradicionais. Por exemplo, no filme, os pais trabalham longe
de casa mas enviam as suas poupanças para os seus pais e filhos. Eu
penso que apesar do modo de vida ter mudado, os valores mais
profundos mantêm-se.
P: Quem é que influenciou o seus estilo artístico?
R: Eu admiro o realizador chinês Jia Zhangke. Ele é calmo,
meticuloso, sensível e a sua forma especial de olhar para uma China
em mudança de um ponto de vista humano num contexto histórico
mais alargado deu-me muita inspiração. Ele utiliza a paisagem e o
ambiente para definir o tema. Também aprendi muito com o meu
grande amigo Yung Chang, realizador de Subindo o Rio Yangtzé.
P: Ao realizar este filme, o que é que de mais importante
aprendeu?
R: Uma coisa que aprendi é que uma relação próxima entre o
realizador e o objecto é essencial para fazer uma representação forte e
realista da vida. Durante a produção, a equipa e as personagens
falaram sobre tudo. Pressenti como realizador que não se pode apenas
pensar no que se pode retirar do objecto, é necessário partilhar ideias e
emoções. Muitas vezes, conseguia uma grande filmagem quando
sentia que estava ligado emocionalmente às personagens.
20
Vivo o momento com as personagens, o meu coração sente a sua dor,
o seu amor, a sua tristeza e a sua coragem. Mas ao mesmo tempo,
penso sempre de forma racional.
Devem ver no IDFA DOC: “O Último Comboio para
Casa” Eugene Hernandez
indieWIRE
25 de Novembro, 2009
Programadores passam meses a viajar pelo mundo à procura de filmes
para as audiências sempre de acordo com os interesses e ideias
dominantes neste sector. De vez em quando, alguns filmes despertam
curiosidade, mas raramente algum é considerado memorável.
Se há algum filme que definitivamente deve ser visto no festival de
Cinema IDFA é O Último Comboio para Casa, um filme do
realizador Lixin Fan. O filme é um documento excepcional sobre a
vida dramática de uma família chinesa mas que representa igualmente
os grandes desafios que uma nação em mudança está a enfrentar num
mundo perturbado
Cerca de 130 milhões de trabalhadores chineses viajam para a sua
terra natal uma vez por ano para celebrar o ano novo chinês. Os mais
velhos tomam conta das crianças enquanto os pais vão trabalhar para
as fábricas para poderem assegurar os cuidados às suas famílias
enquanto produzem bens vendidos no mercado internacional. A única
21
forma dos pais conseguirem ajudar as famílias e quebrar o ciclo de
pobreza é deixar a família para trás.
O Último Comboio para Casa é extremamente emocional. O rosto de
um pai, as palavras de uma mãe, a dor de uma filha.
Os bebés dormem em longas mesas enquanto as mães costuram em
máquinas por perto, trabalhadores sentam-se numa pilha de “jeans” à
medida que fazem mais calças, um operário carrega caixas de cartão
onde está impresso “made in China”.
Literalmente um mar de seres humanos tentam embarcar num número
limitado de comboios. Nem todos o conseguirão…
“É tudo pelos nossos filhos, pelos nossos pais, é a nossa vida”, diz um
trabalhador chinês.
“Queres filmar verdadeiramente o que eu sou?! Isto é realmente o que
eu sou!” grita um adolescente irado ao pai enquanto o operador tenta
capturar o momento intenso de confronto entre pai e filha.
Com uma fotografia e montagem de altíssima qualidade, o filme
mostra o trabalho do realizador que mergulhou na vida do casal, os
Zhangs, para captar a história da sua família. Muitos momentos neste
filme são altamente sensibilizadores. O drama da história pessoal dos
Zhangs, e a sua luta para simplesmente voltar a casa, é extremamente
mordaz e de tal modo que, por vezes, parece que é interpretado por
muitíssimos bons actores desconhecidos.
“Eu aproximei-me primeiro, e eles deixaram que me aproximasse e
entrasse na vida deles”, explicou o realizador no Festival Internacional
de Documentários em Amesterdão onde o filme teve a sua estreia
internacional. Estreou no inicio deste mês e ganhou um premio no
Rencontres Internationales du Documentaire em Montreal.
22
Fan, que trabalhou para o canal CCTV Chinês antes de se mudar para
o Canadá, voltou à China para trabalhar com a EyeSteelFilm no
documentário Subindo o Rio Yangtzé antes de pegar no seu projecto.
Ele disse que o seu filme foi inspirado na curiosidade da ideia de uma
mãe que não via a filha à três anos. Ganhou a confiança e a estima
com os Zhang, convencendo-os de que a sua história podia mudar uma
situação mais profunda.
“Gostava que o meu público se identificasse com os trabalhadores”
disse Fan antes da estreia no Canadá. “Hoje, todo o mundo está
interligado. Somos realmente uma totalidade, uma unidade. A maneira
como vivemos a nossa vida no Ocidente tem um laço muito próprio
com a forma como se vive nos países em desenvolvimento”.
No entanto, na sequência de vários comentários positivos Lixin
explicou a razão principal para fazer o filme: “Gostaria de agradecer
às pessoas que labutam nas fábricas e que fazem tudo o que
utilizamos”. Reiterando ainda: “É sobre emigrantes, é sobre o país, é
sobre a maneira como funciona o mundo”.
Disponível em http://www.last-train.com/category/press/
23
PARTE III
Os suicídios como protesto para as novas gerações de
trabalhadores migrantes chineses: Foxconn, Capital
Global e o Estado Jenny Chan e Ngai Pun
The Asia-Pacific Journal
13 de Setembro, 2010
Síntese
Surpreendentemente 13 jovens trabalhadores da Foxconn tentaram ou
suicidaram-se nas suas duas instalações fabris no sul da China entre
Janeiro e Maio de 2010. Podemos interpretar os seus actos como uma
forma de protesto contra um regime de trabalho global que é
amplamente praticado na China. As suas mortes são uma exigência e
um verdadeiro desafio para que a sociedade reflicta sobre os custos de
modelo de desenvolvimento promovido por um capitalismo de Estado
em que se sacrifica a dignidade humana em proveito dos lucros das
grandes empresas e em nome do crescimento económico. As
condições de trabalho dos migrantes na China são geridas pelo Estado,
são moldadas por um conjunto de forças interligadas: em primeiro
lugar, as principais marcas internacionais têm adoptado práticas de
compra com desrespeito total pela ética, resultando daí condições
precárias nas suas cadeias de fornecimento global de produtos
electrónicos. Em segundo lugar, os gestores têm utilizado métodos
abusivos e ilegais de modo a aumentar a eficiência do trabalhador,
provocando queixas generalizadas e resistências no local de trabalho.
24
Em terceiro lugar, as autoridades chinesas locais, em conluio com os
gestores das empresas, sistematicamente negligenciam os direitos dos
trabalhadores, resultando daí uma pobreza generalizada e um enorme
aprofundamento das desigualdades sociais. A tragédia humana na
Foxconn levanta uma série de profundas questões sobre as condições
de trabalho da nova geração de trabalhadores migrantes chineses. Isto
também contesta a actual política estatal baseada na utilização
intensiva de trabalhadores rurais migrantes, cujos direitos de trabalho
e cidadania têm sido sistematicamente violados.
Morrer é a única maneira de testemunhar que de facto já vivemos
Talvez para os trabalhadores da Foxconn e para trabalhadores como
nós
-- nós, a quem chamam nongmingong, trabalhadores rurais migrantes,
na China –
A morte serve apenas para certificar que estivemos vivos, sem dúvida,
e que foi apenas no desespero que sempre vivemos.
-- De um blogue operário (depois do 12º salto na Foxconn) (1)
25
Introdução
Hon Hai Precision Industry Company, mais conhecida pelo seu nome
comercial de Foxconn (Fushikang), foi criada em Taipei em 1974 (2).
A Foxconn é actualmente a maior fabricante do mundo em produtos
electrónicos a trabalhar em regime de contratos, o que significa que
faz a maioria do seu volume de negócios como fabricante em regime
de subcontratação com terceiros e não pela venda de produtos de
marca própria. A empresa está em condições de garantir a produção de
mais de 50 por cento do valor global em produtos electrónicos para a
indústria de serviços em 2011. (3) Sob a liderança do seu fundador e
actual presidente, Terry Gou, a Foxconn considera-se "o parceiro mais
fiável e preferido em todos os aspectos de outsourcing global em
material electrónico para ajudar os clientes nos seus negócios."(4)
Tragicamente, nos primeiros cinco meses deste ano até 27 de Maio de
2010, lamentável e inesperadamente, 13 jovens trabalhadores
suicidaram-se ou tentaram fazê-lo nas duas instalações de produção da
Foxconn em Shenzhen, uma cidade no sudeste da China, abrindo uma
crise de relações públicas e uma crise ao nível da responsabilidade das
empresas quanto à imagem e à consciência moral de praticamente
todos os clientes da Foxconn, incluindo a Apple, HP, Dell, IBM,
Samsung, Nokia, Hitachi e outros gigantes da electrónica. Dez
trabalhadores migrantes chineses morreram e três sobreviveram aos
ferimentos. Todos tinham entre os 17 e os 25 anos, estavam pois no
auge da sua juventude. A sua morte deve levar a sociedade tanto a
chinesa como a internacional a tomar consciência e a reflectir sobre os
custos de um modelo de desenvolvimento que sacrifica a dignidade
em nome do crescimento económico.
26
O sucesso da Foxconn testemunha o dinamismo no modelo de
crescimento assente nas exportações da Zona Económica Especial de
Shenzhen, no âmbito da política de abertura da China, conhecido
como modelo export-led growth. Nos seus mais de 20 anos desde o
seu investimento inicial em 1988, a Foxconn tem crescido de tal modo
que é o maior exportador da China. O fabricante de material
electrónico tem uma força de trabalho de 900.000 pessoas no país, 85
por cento das quais são jovens vindos das áreas rurais.(5) Podemos
mesmo dizer que a Foxconn é um microcosmos da vida dos
trabalhadores migrantes chineses. Quando a revista Time escolheu os
trabalhadores da China como candidatos a «Personalidades do Ano»
de 2009, o chefe de redacção dessa revista referiu que os trabalhadores
chineses tinham contribuído para tornar mais brilhante o futuro da
humanidade ao «encabeçarem a marcha do mundo pela via da
recuperação económica»."(6) A nova geração de trabalhadores
migrantes chineses (xinshengdai nongmingong), porém, parece tomar
consciência de que está ela própria a perder o seu futuro. A tragédia na
Foxconn tem sido considerada como um "suicídio em série" pelos
media chineses.(7)
Podemos interpretar que os empregados da Foxconn se tenham
suicidado em protesto contra um regime de trabalho global em que a
China fornece a parte mais violenta e mais dura. No âmbito da política
de reforma e de portas abertas, a economia chinesa está orientada para
a exportação e mostra assim que é capaz de garantir o seu crescimento
económico. As empresas investiram na Ásia e os fabricantes nacionais
na China Continental cresceram rapidamente para se tornar
fornecedores e subcontratados das empresas multinacionais
27
ocidentais, com base na exploração dos baixos salários dos
trabalhadores migrantes. Nas fábricas, o stress no trabalho associado
com a concorrência desenfreada e os métodos de gestão da produção
just-in-time, o modo de gestão na produção, é imenso. O suicídio é,
sobretudo, a manifestação extrema do que sentem as suas centenas de
milhões de trabalhadores nas suas vidas. Alguns suicídios podem ter
sido provocados por problemas pessoais, como a direcção da Foxconn
gostaria que aceitássemos. Mas há um contexto social mais amplo
partilhado pelos seus trabalhadores e por muitos outros mais que está
subjacente nas acções individuais desesperadas.
Este artigo revê e analisa a questão dos recentes suicídios na Foxconn
como um meio para investigar as condições de trabalho e de vida da
nova geração de trabalhadores migrantes chineses. Partilhamos a visão
dos investigadores chineses e internacionais, que assinaram uma carta
sem precedentes mostrando a sua preocupação para com as vítimas da
Foxconn, em Junho de 2010, para chamar a atenção para a
necessidade de aplicar as normas sobre o trabalho na Foxconn e em
muitos outros locais de trabalho global.(8) Entrevistámos vários
trabalhadores da Foxconn no decorrer da nossa investigação fora das
instalações da Foxconn na China meridional e oriental, que iniciámos
em Maio de 2010, a fim de saber quais as suas condições de trabalho.
Obtivemos também informações a partir de fontes quer da indústria,
quer do governo, sobre as características e as mudanças de pontos de
vista dos trabalhadores mais jovens sobre os trabalhadores mais
velhos. Ao proporcionar-nos um olhar para o interior do regime de
trabalho global na China, através de estudo empírico do sistema de
trabalho na Foxconn, o nosso estudo levou-nos a sublinhar a
28
necessidade urgente de reformas progressistas. Os jovens
trabalhadores migrantes, que foram colocados na “melhor” área dos
dormitórios da fábrica Foxconn, (9) pareciam apenas mostrar maior
ansiedade, e viam menos alternativas do que os seus colegas. Os
esforços para remediar a situação devem assentar fundamentalmente
na participação dos trabalhadores directamente envolvidos nas
situações e nas decisões que lhes digam respeito, no trabalho e para
além dele.
A seguir, analisamos as condições do aparecimento do regime de
trabalho global na China desde 1980. Os empregados da Foxconn são
uma muita boa representação da nova geração de trabalhadores
migrantes chineses. Eles querem mudar a sua dagong(10), a sua
identidade de género e de classe que surgiu depois de Mao e que é a
de trabalho fabril para a pessoa que tem o estatuto de patrão na cidade,
mas nisso enfrentam dificuldades intransponíveis. A empresa Foxconn
é uma forma extrema dessa situação de trabalho, como mostraremos a
seguir, quando falarmos sobre o que está na origem da Foxconn se
tornar "a fábrica de produtos electrónicos do mundo." A partir daí,
propomos um triplo quadro explicativo das causas estruturais dos
suicídios na Foxconn. Primeiro, as principais marcas internacionais
têm adoptado práticas de compra de produtos aí fabricados que não
são eticamente aceitáveis, resultando daí condições precárias nas suas
cadeias de abastecimento. Em segundo lugar, a direcção da Foxconn
utilizou métodos abusivos para aumentar a eficiência do trabalhador,
gerando queixas generalizadas e muitas resistências. Em terceiro
lugar, as autoridades chinesas locais foram coniventes com empresas
como a Foxconn para privar os trabalhadores dos direitos legítimos e
29
do seu bem-estar, do que resultou um aprofundamento das situações
de pobreza e em que aumentou a desigualdade social. Para muitos
jovens trabalhadores afigura-se impossível lutar pela melhoria da vida
quotidiana em que vivem e, eventualmente, consideram impossível
realizar os sonhos que têm para o futuro.
A partir daí, concluímos que a tragédia humana na Foxconn levanta
questões profundas sobre a sustentabilidade do modelo de
desenvolvimento da China e da produção global. O centro do maior
problema, sugerimos, é que os trabalhadores na China não têm
estruturas sindicais que façam ouvir a sua voz. Ao nível mais baixo da
cadeia de fornecimento internacional de mercadorias, as commodities,
milhões de trabalhadores migrantes chineses estão permanentemente a
serem privados quer de salários quer de benefícios sociais decentes.
Os trabalhadores jovens com origens rurais (hukou, é o registo interno
oficial, com passaporte interno igualmente), tal como os seus pais, são
cidadãos marginalizados. Estes, os jovens, agora com melhor nível de
escolaridade, anseiam por uma vida em sintonia com os tempos e a
cidade é o local onde tudo está a acontecer. Quanto maiores as suas
aspirações de um futuro melhor, mais óbvio se torna o contraste com a
sua dura realidade. Através de várias formas de protesto, de que o
suicídio é a expressão mais desesperada, os jovens estão a tentar
recuperar os seus direitos e a sua dignidade.
30
Regime de Trabalho Global
Num cenário habitual, num dormitório de trabalhadores numa zona
industrial de Shenzhen, a cidade de mais rápido crescimento na China,
com uma população, em 2008, oficialmente estimada em 14 milhões,
nós fomos rodeados pelos trabalhadores da Foxconn, que estavam a
conversar e a assistir a um programa de novelas numa mercearia, no
verão de 2010. Era uma área aberta onde os jovens trabalhadores
rurais migrantes, a maioria sem família, passava as suas poucas horas
de lazer. O complexo fabril estava fechado e para lá do portão,
estavam situados mais de dez edifícios de dormitórios a sul das
instalações de produção da empresa. Cá fora do portão, viviam mais
de 50.000 trabalhadores em casas do bairro, transformando-os em
dormitórios colectivos. Impedidos de viverem na cidade onde eles
vendem a sua força de trabalho, os trabalhadores têm de encontrar um
sítio para viver próximo do seu empregador ou vivem em dormitórios
da empresa. As zonas recém-industrializadas e as cidades na China
apresentam numerosos dormitórios colectivos, onde um prédio de
cinco andares, pode albergar várias centenas de trabalhadores. Nas
noites ventosas, as roupas dos trabalhadores, nos corredores do
dormitório, esvoaçam como as bandeiras coloridas das multinacionais
nos mastros. Estas e essas bandeiras são as bandeiras da nova classe
de trabalhadores da China, simbolizando o fluxo de capital sem
fronteiras e a miséria na terra socialista.
A China, uma vez que é caracterizada pela existência de relações
sociais não-capitalistas,(11) é hoje o maior caso da reprodução
alargada do capital no século XXI. Recentemente, a China enfrentou a
31
pior crise económica do pós-guerra e tornou-se entretanto a segunda
maior economia do mundo, ultrapassando o Japão. Com o capital
transnacional e privado a invadir as zonas industriais costeiras e
algumas cidades e vilas do interior a China tem estado a ter, desde a
década de 1970, o mais rápido crescimento a nível mundial quer das
suas importações quer das suas exportações.(12) "Made in China",
uma referência, um rótulo, que não corresponde à actual distribuição
da riqueza na cadeia da produção global, tem contribuído para a
crescente importância da China na economia global.
Os Salários Chineses
A competitividade da China pela via dos salários é atractiva tanto para
os capitais nacionais como para os internacionais e é o resultado das
políticas do governo chinês. (13) Durante o período entre meados dos
anos 1980 e 2004, os planos estatais de desenvolvimento tinham, na
verdade, levado à banca rota as zonas rurais do interior, daí que estas
tenham registado saídas maciças de trabalhadores.(14) O "excedente"
de trabalhadores partiram para as mais prósperas cidades costeiras e
outras cidades em busca de trabalho através das suas redes de amigos
e familiares dispersos pelo país. Enquanto isso, os governos locais
incentivam o trabalhador rural a deslocar-se para bairros urbanos das
zonas industriais através dos projectos de "redução da pobreza" e,
desta forma, adicionalmente levavam, para fora, os trabalhadores mais
bem formados e mais capazes que eram os jovens que seriam mais
necessários para a reconstrução da economia rural.(15) Sob esta
dicotomia entre estruturas sociais rurais e urbanas, os salários
32
industriais na China permaneceram muito baixos, e não foi ainda em
2005-06 que testemunhámos nenhum significativo aumento.(16) O
grande volume de migração rural é orientado por um modelo
económico de largo enviesamento a favor da indústria. Embora os
resultados da política do filho único na família implementada a partir
dos anos 1970 tenham sido importantes para as mudanças
demográficas a longo prazo na população nacional de trabalhadores as
gerações sucessivas de migrantes das zonas rurais para as zonas
urbanas, o conjunto potencial dos migrantes no meio rural têm sido e
ainda é enorme. Os trabalhadores migrantes chineses têm sido
incorporados num regime de trabalho industrial global.
Os salários da indústria transformadora na China como uma
percentagem dos correspondentes salários dos EUA,(17) em
comparação com os do Japão e dos tigres do Sueste Asiático, como a
Coreia do Sul e Taiwan nos primeiros anos da sua descolagem
económica, têm-se mantido constantemente sempre baixos. Os
economistas Erin Lett e Judith Banister (2009) estimaram que o custo
médio de remuneração horária dos trabalhadores industriais da China
em 2006 foi de apenas 0.81 dólares americanos.(18) A revista The
Economist afirmava, em Julho de 2010, que os trabalhadores
migrantes da China "ainda se tinham tornado mais baratos... apenas
2,7 por cento do custo das suas contrapartes americanas".(19) Com
base em estatísticas do governo, a parte dos salários no produto
interno bruto da China (PIB) caiu de 56,5 por cento em 1983 para 36,7
por cento em 2005; por contraste, muitos países da OCDE mantiveram
a parte dos salários no PIB em cerca de 60 por cento ou mais, para o
período comparável de 1978-2008 (20) Se os salários, particularmente
33
os salários dos migrantes rurais têm permanecido baixos, os lucros das
empresas na China têm rapidamente aumentado, com um crescimento
de cerca de 20 por cento entre 1978 e 2005, com a única excepção da
recessão que acompanhou a crise financeira e a crise das moedas na
Ásia de 1997-1998.(21) O sector de exportação transforma a maioria
de seus lucros em poupanças das empresas, dividendos e
reinvestimentos, ao invés de partilhá-los com os trabalhadores.
O rendimento dos trabalhadores rurais migrantes é, diríamos, à justa
para fazer face a uma vida em condições mínimas em áreas urbanas.
Um relatório de 2004 do Ministério do Trabalho e da Segurança
Social revelou que o salário mínimo mensal aumentou tão pouco
como 68 yuan nos últimos 12 anos, na região do Delta do Rio das
Pérolas na província de Guangdong, o núcleo central da "fábrica do
mundo" (22). Pior ainda, o não-pagamento de salários e os tratamentos
injustos continuam a ser um mal geral, enquanto os conflitos laborais
têm vindo a aumentar desde os anos 90.(23)
Em resposta, o novo governo liderado por Hu Jintao e Wen Jiabao
tomou várias medidas de apoio tendo como alvo os camponeses e
trabalhadores migrantes rurais. O Ministério do Trabalho e da
Segurança Social, codificou as exigências do salário mínimo através
da aplicação das disposições sobre o salário mínimo em 1 de Março de
2004 (Zuidi Gongzi Guiding), com uma tentativa de reforçar a
protecção oferecida aos trabalhadores através do salário mínimo (24).
Em Junho de 2007, o Comité Permanente da Assembleia Popular
Nacional (APN) promulgou a Lei do Contrato de Trabalho com o
objectivo de proteger o direito legítimo dos trabalhadores aos seus
salários, benefícios sociais, bem-estar e à segurança no emprego. Os
34
investigadores têm considerado a lei como a parte mais significativa
da legislação sobre o trabalho na China desde há mais de uma
década.(25) Este ano, o Comité Central do Partido Comunista da
China (PCC) e do Conselho de Estado, emitiram em conjunto o
"Documento Central No.1" (Zhongyang wenjian yihao) pretendendo
uma melhor coordenação das reformas urbanas e rurais e que responda
às necessidades da nova geração de trabalhadores migrantes.(26) Estes
esforços de reequilíbrio entre os diferentes níveis de governo,
juntamente com os protestos espontâneos dos trabalhadores, tiveram
algum impacto sobre ambos os rendimentos, sobre os salários dos
trabalhadores rurais e sobre os salários dos trabalhadores
migrantes.(27)
Mas a crise financeira mundial resultou na falência de dezenas de
milhares de fábricas no final de 2008 e no início de 2009 e atingiu os
trabalhadores migrantes de forma particularmente dura.(28) A
vulnerabilidade do modelo económico chinês, que continua muito
dependente do sector exportador, foi claramente posta em evidência.
O sociólogo Ho-Fung Hung (2009) usa uma imagem provocadora da
China como o empregado-chefe da América dirigindo outros
empregados, como o Japão, os Tigres originais (Coreia do Sul,
Taiwan, Singapura e Hong Kong), e exportadores que apareceram
mais tarde, como a Tailândia, as Filipinas e Indonésia, e assim se
fornecem produtos baratos para os mercados consumidores dos EUA
através de grande volume de exportações e se adquirem títulos do
Tesouro americanos.(29) A China e os seus parceiros comerciais na
rede global de produção estão cada vez mais prisioneiros das
vicissitudes dos mercados internacionais instáveis e das
35
vulnerabilidades dos mercados financeiros internacionais, enquanto o
capital internacional se apropria dos lucros obtidos com os baixos
salários na China.
A nova geração de trabalhadores migrantes chineses
Os trabalhadores migrantes rurais são o sustentáculo da força de
trabalho utilizada na indústria da China. Em Março de 2010 o
inquérito divulgado pela China National Bureau of Statistics (NBS),
com base numa amostra nacional que cobre mais de 7.100 aldeias e
vilas espalhadas pelas 31 unidades a nível provincial do país, o
número de trabalhadores migrantes chegou quase a 230 milhões em
2009, cerca de 1,9 por cento mais do que no ano anterior (30). Um
sub-grupo de 145 milhões de trabalhadores migrantes tinham emprego
fora das suas aldeias e vilas (nongmingong waichu), registando-se um
aumento de 3,5 por cento anualmente.(31) Desse grupo de imigrantes,
a maioria (61,6 por cento) está na faixa etária entre os 16 e os 30 anos
de idade (ver Tabela 1). A maioria dos 100 milhões de migrantes
chineses das novas gerações - com uma média de idade de 23 anos,
são solteiros(32) e, com as dificuldades financeiras e sociais a que
estão sujeitos, estes migrantes mais jovens têm muitos problemas em
se conseguir casar, ter filhos, ter uma casa na cidade e apoiar as
famílias da aldeia.
36
Tabela 1. Trabalhadores migrantes chineses por idade, 2009 (total=100)
Percentagem 16-25 41,6% 26-30 20% 31-40 22,3% 41-50 11,9% 50 e mais anos 4,2%
Fonte: NBS (2010: secção 3, ponto 1) [em chinês] Os jovens trabalhadores migrantes rurais (nongmingong Qingnian)
estão a enfrentar uma enorme discrepância entre as suas expectativas e
a realidade, e entre os rendimentos do seu trabalho e os ganhos
obtidos por melhores salários pagos aos trabalhadores urbanos,
profissionais e aos empregados governamentais.(33) A central sindical
do Município de Shenzhen e a Universidade de Shenzhen com base
num inquérito conjunto feito a 5.000 jovens trabalhadores migrantes
na cidade de Shenzhen, entre Abril e Junho de 2010, constatou que o
salário dos entrevistados em média mensal era de apenas 1.838,6
yuans (ou seja 267 dólares), ou seja, menos de metade (47 por cento)
do montante do que os empregados residentes em Shenzhen ganham.
(34) Este montante constituído por um montante fixo, o salário de
base, e por prémios extras, bastante duros de ganhar, mal cobre as
despesas mínimas e pouco fica para despesas "extra", para os seus
estudos ou para actividades de lazer. Apesar do forte desejo dos
trabalhadores migrantes inquiridos em comprarem casa na cidade, o
preço de habitação mais barata na maioria das cidades designadas
(jianzhi zhen) é de 5.000 yuans por metro quadrado, um nível muito
além do que podem dispor. (35) Como titulares inscritos com o
37
estatuto de agregados familiares rurais (hukou nongcun), os jovens
migrantes mostram profundos sinais de ansiedade quanto ao emprego
e mostram igualmente muita frustração quanto ao seu futuro, e tudo
isto é um produto de se sentirem permanentemente bloqueados em
empregos de salário mínimo, com poucos benefícios e poucos direitos.
Entre Março e Maio de 2010, a Federação Chinesa de Sindicatos
(ACFTU) investigou as condições sociais e económicas dos jovens
trabalhadores migrantes em 10 cidades das províncias de Guangdong,
Fujian, Shandong, Liaoning e de Sichuan. (36) Em Junho, a equipa da
central sindical nacional, a ACFTU, publicou um relatório em que
mostra que "a geração pós-80" é diferente da dos seus pais ou dos
emigrantes trabalhadores mais velhos no que se refere à sua exigência
de condições dignas de trabalho. Estas crianças, filhos da reforma, têm
crescido. Eles vieram de áreas rurais, com aspirações de viver o sonho
chinês na cidade. Alguns jovens foram criados em áreas urbanas,
quando eles acompanharam as suas famílias nas suas migrações
durante a sua infância (liudong ertong, traduzido literalmente como
"crianças móvel"), isto é, eles são moradores urbanos da segunda
geração, mas a sua residência oficial continua a ser na aldeia. (37) Um
maior número deixou as suas aldeias ou cidades (xiangzhen)
imediatamente após terem terminado a escola para procurar emprego
nas cidades. O emprego assalariado nas grandes cidades tornou-se o
principal meio de ganhar a vida para os jovens migrantes.
A nível nacional, os dados apresentados pelo BNE de 2009 mostraram
que 65,1 por cento da população rural migrante é do sexo masculino.
(38) O casamento reduz a probabilidade de saída do trabalho,
especialmente se houver crianças pequenas. Embora a segmentação de
38
género no mercado de trabalho é persistente, as mulheres jovens,
solteiras, e cada vez mais homens são recrutados nas fábricas do
sector de exportação onde a procura de trabalhadores não qualificados
e de baixo custo está a crescer. Os investigadores da ACFTU
verificaram que a nova geração de trabalhadores migrantes está cada
vez mais preocupada com o ambiente de trabalho global, com os
salários e os benefícios sociais, bem como as oportunidades de
desenvolvimento pessoal. Os trabalhadores migrantes são empregados
principalmente na indústria transformadora e serviços, conforme
demonstrado na Tabela 2.
Tabela 2. Trabalhadores migrantes chineses por emprego, 2004 e 2009 (total=100)
2004 (%) 2009 (%) Indústria Transformadora
33,3 39,1
Serviços 21,7 25,5 Construção 22,9 17,3 Outros 22,1 18,1
Fonte: ACFTU (2010: secção 2, ponto 5) [em chinês]
Os jovens migrantes estão cada vez mais conscientes das questões
sobre as igualdades e os direitos, e têm expectativas mais altas quanto
à possibilidade de conseguir boas oportunidades de trabalho justo,
emprego e bem-estar social e outros serviços públicos básicos. Isto é
em parte explicado pela sua mais elevada formação. Dos 145.330 mil
trabalhadores migrantes, com base nos dados do inquérito de 2009
feito pelo NBS, quase um terço (31,1 por cento) têm entre 21 e 25
anos de idade e são titulares de diplomas do ensino médio ou superior.
39
(39) Eles têm aspirações mais altas quanto à sua progressão na carreira
do que os trabalhadores migrantes mais velhos. Em 2007, a China
Youth and Children Research Center publicou um relatório, com base
em inquéritos a 4.673 jovens trabalhadores migrantes empregados em
quatro sectores de construção em Beijing City, nas minas da cidade de
Tangshan, nas fábricas da província de Shandong, e serviços na cidade
de Chengdu, em que reflecte o desejo dos entrevistados em obterem
conhecimentos e formação profissional especializada (69,7 por cento),
formação jurídica (54,7 por cento), e cultura geral (47,8 por
cento).(40)
Os trabalhadores que foram classificados como trabalhadores
migrantes, incluindo os de segunda geração que vivem e trabalham
nas cidades, são categoricamente tratados como parte da população
rural, mesmo que trabalhem e vivam nas zonas urbanas, desde há
muitos anos. Nas suas vidas do dia-a-dia, enfrentam inúmeras
dificuldades no acesso aos serviços da comunidade de base, porque
não são reconhecidos como moradores da região. Os seus legítimos
direitos não são efectivamente protegidos: o estudo da ACFTU
constatou que apenas 34,8 por cento dispõem de cuidados médicos
básicos, 21,3 por cento de seguro de reforma, e apenas 8,5 por cento
são elegíveis para a obtenção de subsídios de desemprego.(41) Os
patrões, muitas vezes protegidos pelas autoridades locais ligadas às
questões do mundo do trabalho assim como pelos departamentos
judiciais, frequentemente negligenciam as responsabilidades legais
para com os trabalhadores. O Direito Chinês do Trabalho, muitas
vezes homenageado quando é desrespeitado, exige não só a cobertura
completa, a 100 por cento, nestes três tipos de seguro social, mas
40
também a protecção obrigatória e os benefícios ligados a acidentes do
trabalho, doenças profissionais e nascimento de filhos (artigo 73). A
colaboração entre as autoridades locais e os gestores das unidades
fabris, no entanto, permite que muitas empresas se esquivem às suas
responsabilidades legais para com os trabalhadores.
O regime de trabalho global está enraizado e assente na privação dos
direitos dos trabalhadores migrantes e dos seus direitos de cidadania.
Um tema de discussão geral, se não a sua crítica pura e simples, ligado
à nova geração de trabalhadores é a sua incapacidade para "engolir a
amargura" (chi-ku). Costuma-se dizer que aqueles que nasceram
depois de 1980, já na economia de mercado e na nova sociedade, não
são suficiente fortes para suportar as pressões, as privações. Eles são
emocionalmente ou psicologicamente vulneráveis a pressões. O que
eles precisam é de trabalhar diligentemente e de melhorar as suas capacidades. Os grupos de elite do governo e os empregadores têm
interesse neste tipo de discurso, uma vez que precisam de
trabalhadores disciplinados e de baixo custo, como combustível para a
economia chinesa assente nas exportações. Mas à medida que se
intensifica a exploração, desencadeiam-se fortes protestos locais,
como o explica magistralmente o especialista dos mercados de
trabalho Beverly Silver (2003).(42)
Foxconn: "A fábrica de material electrónico do mundo"
A subsidiária Foxconn é um produto da empresa-mãe, a Hon Hai,
especialista em produção em massa de material electrónico desde a
década de 80 quando o mercado de computadores pessoais ganhou
41
visibilidade.(43) Em 1988, o presidente e fundador Terry Gou investiu
na produção a baixo custo na China continental, mantendo as
estruturas de investigação e desenvolvimento (I&D) nas suas
instalações de Taiwan.(44) Desde o início dos anos 90, a empresa
instalou mais de 40 fábricas e centros de I & D na Ásia (Índia,
Vietname, Tailândia, Malásia, Singapura, Japão, Coreia do Sul e
Austrália), Rússia, Europa (República Checa, Eslováquia, Hungria,
Dinamarca, Holanda, Finlândia, Reino Unido e Turquia), e na
America.(45) O grupo dispõe de tecnologia que oferece aos seus
clientes "a melhor rapidez, qualidade, serviços de engenharia,
eficiência e valor acrescentado ", chamando ao conjunto “as cinco
competências fundamentais”. (46) Mas o que é que tem feito pelos
450 mil trabalhadores em grande parte trabalhadores migrantes que
produzem os produtos nas suas duas fábricas de Shenzhen ou noutros
lugares? Os resultados sugerem um crescimento continuado e altos
lucros gerados possivelmente pelos trabalhadores chineses, a maioria
dos quais continuam a trabalhar ao nível dos salários mínimos
decorrentes da determinação dos governos locais tendo visto muito
pouco ou mesmo nenhum ganho decorrente do crescimento da
empresa.
Em 2001, a Hon Hai tornou-se a maior empresa do sector privado de
Taiwan, em termos de volume de vendas, gerando uma receita de 4,4
mil milhões de dólares.(47) A Business Week, em 2002, considerava
Terry Gou "o rei do outsourcing" (48), quando Foxconn Electronics
ainda estava muito atrás dos líderes de produtos electrónicos como
Solectron (18,7 mil milhões de USD) (49) e de Flextronics (12,1 mil
milhões de USD) (50). Desde 2003, que a empresa sediada em Taiwan
42
é o maior exportador da China. (51) Em 2008, as receitas de Foxconn
atingiram os 61,8 mil milhões de dólares, (52) do quais 55,6 mil
milhões de dólares foram de exportações e representaram cerca de 3,9
por cento de todas as exportações da China.(53) Apesar da forte
contracção da procura americana e europeia em produtos electrónicos
de consumo durante a recente crise económica, a receita gerada em
2009 pela Foxconn foi de 59,3 mil milhões de dólares americanos com
apenas uma ligeira queda nas vendas de 4,1 por cento face ao ano
anterior (ver gráfico 1)(54).
Gráfico 1. Rendimento da Foxconn, 1996-2009
Fonte: Foxconn corporate and environment report (2008); Fortune Global 500 (2010).
Na sequência de uma recuperação económica global, a empresa
Foxconn tem vindo a crescer rapidamente. No final dos primeiros seis
meses de 2010, as vendas da empresa aumentaram 48 por cento
43
relativamente a um ano antes para cerca de 37,43 mil milhões de
dólares e o lucro líquido aumentou de 22 por cento 1,08 mil milhões
de dólares. (55) A Foxconn, apesar da má publicidade no país e no
estrangeiro que se seguiu à sequência dos 13 suicídios de
trabalhadores até Maio e apesar da pressão para aumentar os salários
em Shenzhen e aos apelos mundiais para um boicote aos produtos
Foxconn, incluindo o iPhone da Apple, durante o mês de Junho, (56)
registou um aumento das suas exportações. No mercado da indústria
transformadora de material electrónico, o volume de receitas da
Foxconn é quase três vezes maior ao do seu rival mais próximo,
Flextronics, fabricante em Singapura.
Foxconn produtos e serviços
Os executivos da Foxconn fazem um forte e agressivo controle de
gastos relacionados com os custos em trabalho e com a redução do
tempo de entrega dos produtos para o mercado. A Foxconn lança no
mercado uma vasta gama de produtos desde a gama baixa até
aos produtos de tecnologia sofisticada, para as principais
marcas mundiais. Esta também oferece serviços de
engenharia de projecto e de ferramentas mecânicas.
O grupo tecnológico expandiu a sua gama "3C -computadores,
comunicações e consumo final" (57) - computadores (desktop, laptop
e computadores portáteis), equipamento de comunicações (telefones
portáteis e smartphones), e produtos de consumo (players de música
digital, câmeras digitais e consolas de jogos) para incluir mais três
"C's": carros (produtos electrónicos para automóveis), canais ou
44
interfaces (para produtos electrónicos e de computador, como placas-
mãe), (58) e conteúdo (e-book leitores, uma plataforma de software e
hardware para ecrãs de e-books).(59) A diversidade reforça a
competitividade dos produtos da Foxconn no mercado. A empresa está
a avançar para o topo de gama (high-end) nas áreas de nanotecnologia,
transferência de calor, ligações sem fios, ciências de materiais e de
processos de tecnologias "verdes". (60) O gigante na electrónica tem
acumulado mais de 25.000 patentes a nível mundial. (61)
A Foxconn encurta a sua cadeia de fornecimento com a produção das
suas componentes internamente. O seu porta-voz, Arthur Huang (62)
explicou a estratégia de redução de custos da empresa:
“Nós, tanto encomendamos a produção de componentes a outros
fabricantes como podemos conceber e produzir internamente as nossas
próprias componentes. Temos até mesmo contratos com outros
fabricantes que estão localizados perto das nossas fábricas.”
A integração de negócios é fundamental para a expansão e
desenvolvimento da Foxconn. Na integração vertical, ela sintetiza
duas características especialidades para oferecer aos clientes as
vantagens de custo-benefício:(63)
Existem duas categorias de fabricantes de tecnologia da informação e
comunicação na cadeia de abastecimento global (TIC). A primeira
concentra-se no projecto e montagem de componentes electrónicas,
tais como placas de circuito, armazenamento de dados ou ecrãs. A
segunda categoria concentra-se em fabricar os elementos estruturais
45
dos produtos electrónicos (as caixas para os produtos electrónicos). A
Foxconn tem integrado estas duas características anteriormente
separadas para criar um novo modelo de negócios mais eficientes
A Foxconn bate assim os seus concorrentes no preço, na rapidez de
entrega e na qualidade dos seus produtos acabados.
Os clientes da Foxconn
A Foxconn possui uma grande equipa de engenheiros e gestores de
marketing para responder à sua base de clientes no mundo inteiro. A
empresa foi classificada em 112 º lugar na lista anual da Fortune
Global 500 em 2010, maior do que algumas das empresas para as
quais produz, tais como Microsoft, Nokia, Dell, Apple, Cisco
Systems, Intel ou Motorola (ver tabela 3)(64). Tomando como base o
volume de vendas a HP continua a ser a maior empresa do segmento
de computadores pessoais, servidores e impressoras.
Tabela 3. Rendimentos de clientes seleccionados da Foxconn e o seu ranking na Fortune Global 500, 2010 Rendimentos (mil
milhões) Ranking Global
500 Hewllet-Packard (HP) 114,552 26 Sansung Electronics 108,927 32 Hitachi 96,593 47 International Business Machine
95,758 48
Panasonic 79,893 65 LG 78,892 67 Sony 77,692 69
46
Toshiba 68,731 89 Microsoft 58,437 115 Nokia 56,966 120 Dell 52,906 131 Apple 36,537 197 Cisco Systems 36,117 200 Intel 35,127 209 Motorola 22,063 391 Fonte: Global 500 (annual ranking of the world’s largest corporations), 2010
O crescimento dos lucros da Foxconn, porém, não é comparável ao
das grandes marcas como Apple e Microsoft. Com base na
capitalização de mercado, em Maio de 2010 Apple (237 mil milhões
de dólares americanos) ultrapassou a Microsoft (que obteve 221 mil
milhões dólares) aparece como o número um mundial na indústria das
novas tecnologias.(65) A empresa Apple tornou-se assim a nível das
tecnologia da informação mundial como a mais importante empresa
do mundo.(66) No conjunto dos diversos tipos de empresas, a Apple
quanto a capitalização de mercado está em segundo lugar, apenas
ultrapassada pela empresa gigante do petróleo Exxon Mobil (que está
em 315 mil milhões de dólares americanos). Até ao final do ano fiscal
de 2010, a Apple, em volume de vendas, tem como projecção crescer
46 por cento, para 62,6 mil milhões de dólares(67) movendo-se
rapidamente para o top 100 das empresas globais segundo a
classificação pela revista Fortune.
A Foxconn depende e em muito das encomendas feitas pelas empresas
de tecnologia de ponta (e cada vez mais das marcas de automóvel).
Beneficiando de fortes encomendas durante a recuperação económica,
a Foxconn produziu mais de 6 milhões de notebooks no primeiro
47
semestre de 2010(68). As vendas de Foxconn, de notebooks para a HP
poderá alcançar 10 a 12 milhões de unidades até ao final deste ano, e o
total de remessas para a HP está projectada aumentar para 20 milhões
de unidades em 2011. (69) Em Julho de 2010, a Foxconn já
ultrapassou a Quanta Computer ao tornar-se o terceiro maior
fornecedor de notebooks para a Dell (apenas atrás da Wistron e da
Compal Electronics). Foxconn irá produzir 4 a 5 milhões de
notebooks para a Dell em 2011(70).
Para lidar com esse mercado em expansão, Foxconn utiliza uma
enorme força de trabalho em todo o mundo, incluindo cerca de
900.000 trabalhadores somente na China. Espera-se que a empresa vá
ainda crescer mais de 40 por cento e passe a utilizar cerca de 1,3
milhões de trabalhadores chineses(71), muitos deles jovens migrantes
rurais e estudantes estagiários, em 2011.
A produção de Foxconn na China
A Foxconn aproveitou-se das vantagens das políticas
macroeconómicas da China ao expandir os seus investimentos. A
empresa tecnológica tem instalações fabris em quatro regiões
geográficas estratégicas em todo o país: o Delta do Rio Pérola
(Shenzhen, Dongguan, Foshan, Zhongshan e), o Delta do Rio Yangtze
(Xangai, Kunshan, Hangzhou, Ningbo, Nanjing, Huaian, Jiashan, e
Changshu), a área do Golfo de Bohai no Norte da China (Pequim,
Langfang, Qinhuangdao, Tianjin, Taiyuan, Yantai, Yingkou e
Shenyang) e as cidades da zona central e ocidental (Chongqing,
Chengdu, Zhengzhou, Wuhan, Jincheng e Nanning) (72) O acesso da
48
Foxconn aos recursos e aos talentos nas principais cidades chinesas é
fundamental para o seu crescimento.
Embora o governo chinês tenha congelado o salário mínimo ao longo
de 2009, em resposta à crise económica, desde o início de 2010 uma
série de cidades e províncias aumentaram o salário mínimo de 10 a 30
por cento.(73) Na China, em suma, não há salário mínimo nacional,
mas um leque de salários mínimos ao nível das províncias e das
cidades. É interessante notar que Pequim e Tianjin mantêm o salário
mínimo bem abaixo daqueles que são estabelecidos para Shenzhen e
Xangai, enquanto as cidades do interior como Chengdu, Chongqing
ou Zhengzhou procuram atrair os investimentos com salários mínimos
que são ainda muito menores. A falta de trabalhadores migrantes (ou
yonggong mingong huang huang) no Delta do Rio Pérola e Yangtze
River Delta tem estimulado à existência de salários mais altos para
atrair migrantes dada a concorrência para obter trabalhadores. Em
contrapartida, os investidores, como a Foxconn, consideram as
cidades do interior cada vez mais atractivas porque oferecem terras
mais baratas e com melhores infra-estruturas, com salários e com
custos de segurança social mais baixos do que as regiões a leste e a sul
do litoral e estas foram as zonas que inicialmente asseguraram o
crescimento económico assente nas exportações. Tabela 4. Salário mínimo legal por cidades chinesas, em Agosto de 2010 Salário (yuan renmimbi/mês) Chengdu, Província de Sichuan
450 ou 550 ou 650 (específico à localização)
Zhengzhou, Província de 600 ou 700 ou 800 (específico à
49
Henan localização) Chongding 680 Taiyuan, Província de Shanxi
850
Beijing 900 Langfang, Provícia de Hebei 900 Wuhan, Província de Hubei 900 Tianjin 920 Yantai, Província de Shandon
920
Kunshan, Província de Jiangsu
960
Hangzhou, Província de Zhejiang
1.100
Shenzen 1.100 Shangai 1.120 Fonte: Ministério dos Recursos Humanos e Segurança Social da China, 2010 Diante do escândalo do suicídio de trabalhadores e das campanhas
contra a exploração intensiva do trabalho a visar a Foxconn quer
internamente quer externamente, a Foxconn aumentou os salários dos
trabalhadores de Shenzhen para 1.200 yuans (176 dólares) por mês
com início a 1 de Junho de 2010.(74) Quando comparado com o
padrão do salário mínimo estabelecido em Shenzhen (em vigor desde
1 de Julho de 2010), a Foxconn ajustou a base de pagamento em cerca
de apenas 9 por cento acima do mínimo legal.(75) Ainda assim, este
insuficiente aumento de remuneração para os seus 450.000
empregados, metade dos efectivos da empresa que totalizou 900 mil
pessoas no país, tornou os directores e accionistas das empresas
Foxconn sensíveis ao custo para acelerar o ritmo de deslocalização das
fábricas. Ao mesmo tempo, ao enfrentarem um crescente clamor quer
50
dos consumidores quer do público em geral, a Foxconn anunciou um
segundo aumento a pagar a trabalhadores "qualificados" até 2.000
yuans (293 dólares EUA) por mês, a partir de 1 de Outubro.(76) Os
seus directores, no entanto, recusaram revelar os detalhes da revisão a
fazer daqui a três meses, que poderá permitir que alguns trabalhadores
venham a ganhar salários mais altos. Ao mesmo tempo, ainda não há
nenhuma indicação de como é que muitos dos trabalhadores de
produção poderão eventualmente beneficiar da nova política
salarial.(77) Enquanto isso, em Junho, após o primeiro aumento de
salário, a Foxconn parou de contratar nas suas maiores unidades, nos
seus principais campus de Shenzhen.(78) Nos próximos cinco anos, de
acordo com fontes da empresa, o número de trabalhadores nas suas
instalações de Foxconn em Shenzhen serão reduzidos em mais de 30
por cento, para cerca de 300.000 pessoas. (79) Os trabalhadores de
Foxconn em Shenzhen estão agora a ser transferidos para outros
campus.
A Foxconn está activamente a transferir a produção para as cidades do
interior e para o norte para economizar em custos e para explorar
novas oportunidades de negócios. China Newsweek (Zhongguo
Xinwen Zhoukan) (80) publicou uma reportagem que na capa
intitulava " A luta para manter a Foxconn" (Zheng Fushikang Qiang)
na sua edição de Julho 2010, no auge de uma nova ronda de esforços
coordenados dos governos locais para atrair a Foxconn. Muitas
cidades do interior e do norte já concorriam agressivamente pela
oportunidade de ser sede de uma base da Foxconn, proporcionando-
lhe baixos salários e subsídios que reduzam os custos de
deslocalização.
51
Já no início de 2009, a Foxconn e outros fabricantes de material
electrónico (81) obtiveram do governo um pacote de estímulos fiscais
para a criação de novas instalações no município de Chongqing, a
maior cidade e de mais rápido crescimento da China ocidental.
Chongqing lançou o seu plano de estímulo Warm Winter [na
sequência da crise financeira global de 2008], gastando grandes
somas, inclusive com programas de crédito para permitir que muitos
dos seus 3,5 milhões de trabalhadores desempregados pudessem
iniciar os seus próprios negócios, fornecendo empréstimos e garantias
de crédito às pequenas empresas, organizando o lançamento de início
de parques industriais para novas empresas, fornecendo subsídios
directos para 1.500 empresas.(82)
No quadro promocional de investimentos e do emprego, as
autoridades de Chongqing concederam a Foxconn uma redução na
taxa de imposição fiscal de 15%, 10% mais baixa que a taxa de base, a
taxa de referência. (83) Além disso, o governo local irá prolongar a
pista do aeroporto em 400 metros para responder a necessidades
crescentes de transporte e de logística. (84) Em Junho de 2010,
Foxconn assinou um acordo com 119 escolas profissionais de
Chongqing para organizar estágios de estudantes e de emprego na sua
empresa local.(85) A empresa Foxconn planeia recrutar cerca de 100
mil pessoas na cidade, cujo salário mínimo é uma fracção do salário
de Xangai e de Shenzhen.
Foxconn vai continuar a aumentar o investimento na parte ocidental
da China, especialmente em Chengdu, capital da província de
Sichuan. Em Junho de 2009, as autoridades municipais e provinciais
de Sichuan Chengdu lideraram uma delegação à sede da Foxconn, em
52
Taiwan para assinar um memorando de cooperação. Em 2010, a
Foxconn registou-se para criar as empresas Futaihua Precision
Electronics (Chengdu) e Hongfujin Precision Electronics (Chengdu),
centradas na produção de computadores em forma de tablete e de
montagem de set-top box digitais. (86) As autoridades locais
prometeram atrair outras indústrias a deslocalizarem-se e a virem para
o Oeste "Go West" para impulsionar o seu crescimento económico.
Em 2 de Agosto de 2010, a Foxconn começou a produção em
Zhengzhou, capital da província de Henan, no centro da China. Um
funcionário do governo local disse publicamente, "Nós oferecemos
muitas vantagens à Foxconn para se localizar aqui, como a abertura de
uma via rápida para a importação das suas instalações e dos materiais
de construção." (87) A Foxconn alugou uma fábrica renovada e
dormitórios ao governo local para os seus 100.000 empregados. As
autoridades concederam-lhe terreno para construir uma fábrica de raiz
com uma capacidade final de 300 mil trabalhadores, onde a primeira
fase de construção irá abranger 133 hectares. (88) A Secretaria de
Estado da Educação de Henan, as escolas profissionais, as faculdades
e as universidades "mobilizaram" os estudantes para participar em
programas de estágio na Foxconn, o que teria sido uma exigência para
completar a sua formação profissional.(89) Quer os estudantes
trabalhadores temporários quer os outros trabalhadores são
responsáveis por produzir os iPhones da Apple, e em que atingirá uma
produção diária de 200.000 unidades no total da capacidade.(90)
É óbvio que a Foxconn visa consolidar as suas linhas de produção na
China para construir uma rede com custos fortemente competitivos.
Os incentivos que o governo local ofereceu à Foxconn ao longo destes
53
mais de 20 anos contribuíram fortemente para o seu sucesso
económico. A partir do Outono de 2010, a empresa planeia abrir lojas
de vendas ao público para vender aparelhos electrónicos de consumo
domésticos. (91) Esta iniciativa é destinada a sua diversificação a
partir do seu modelo de actividade até aí assente na dinâmica das
exportações.
Jovens Trabalhadores: Lutam dentro da "Cidade Foxconn"
A Foxconn descreve o local da sua fábrica de Shenzhen Longhua,
como estando sub-dividido em 11 zonas assinaladas por ordem
alfabética, de A a K, como um campus. É o maior parque tecnológico
na China, onde 300.000 trabalhadores trabalham, ou seja um terço da
sua força de trabalho da Foxconn na China. Segundo o perfil expresso
pela empresa e relatado pelos media (92) o campus de 2,3 quilómetros
quadrados inclui:
fábricas, residências, bancos, hospitais, correios, bombeiros, com dois
carros de bombeiros, uma rede de televisão exclusiva, um instituto de
ensino, livrarias, campos de futebol, zonas de basquete, atletismo,
piscinas, supermercados, e um conjunto de cafés, pastelarias e
restaurantes.
O nosso trabalho de campo confirma que a maioria dos trabalhadores
da Foxconn na China são jovens migrantes que trabalham e vivem nos
campus. Esses trabalhadores produzem e montam os produtos
electrónicos de alta qualidade. Num slogan da propaganda Foxconn
54
sobre recrutamento em todo o mundo lê-se: "A marca Foxconn é o
talento dos seus trabalhadores " (no original chinês, rencai shi Hon
Hai de pinpai). (93) Os factos sugerem, contudo, que a empresa está a
perder o seu talento mais precioso. Até ao final de Maio, 12
trabalhadores Foxconn tinha saltado ou caído para a morte e o
décimo-terceiro, um trabalhador de 25 anos, cortou os pulsos depois
de ter sido impedido de saltar de um dormitório (vide tabela 5). Dados
os recentes acontecimentos, o termo usado para se referir aos
trabalhadores, "o povo da Foxconn" ou Fu Kang ren, soa com uma
muito amarga ironia, uma vez que estas palavras em chinês, traduzidas
à letra, significam as pessoas "ricas" e "saudáveis".
Tabela 5. Suicídios na Foxconn em Shenzenn, Janeiro a Maio,
2010. Sexo Idade Local de
nascimento Data Nota
1 Ma Xianqian* M 19 Henan 23-01-10 Queda de um
edifício2 Li(sobrenome) M 20s Henan 11-03-10 Salto do
5º andar3 Tian Yu # F 17 Hubei 17-03-10 Salto do
4º andar4 Liu Zhijun M 23 Hunan 29-03-10 Salto do
14º andar5Rao Leqin # F 18 Jiangxi 06-04-10 Salto do
7º andar6 Ning Ling# F 18 Yunnan 07-04-10 Salto de
um edifício
7 Lu XIn M 24 Hunan 06-05-10 Salto do 6º andar
8 Zhu Chenming F 24 Henan 11-05-10 Salto do
55
9º andar9 Liang Chao M 21 Anhui 14-05-10 Salto do
7º andar10 Nan Gang M 21 Hubei 21-05-10 Salto do
4º andar11 Li Hai M 19 Hunan 25-05-10 Salto do
4º andar12 He (sobrenome) M 23 Gansu 26-05-10 Salto do
7º andar13 Chen Lin # M 25 Hunan 27-05--10 Cortou os
pulsos depois de
uma tentativa de salto falhada
* Os media Chinese locais relataram a morte de Ma Xianqian como a “primeira” das 13 tentativas de suicídio falhadas desde Janeiro de 2010 nas instalações da Foxconn en Shenzhen. # Sobreviveu com ferimentos Fonte: News reports Foxconn publicita visitas feitas por psicólogos com a sugestão
vergonhosa de que o número de suicídios nos seus dois locais de
trabalho em Shenzhen está abaixo do nível nacional, (94) numa fria
tentativa feita tanto para evitar a responsabilidade como para esconder
o problema. Nenhum estudo científico genuíno se iria basear em tal
comparação que deixa fora de consideração que os suicídios na
Foxconn foram de jovens empregados na cidade Foxconn.(95) Nem se
considera como "norma" que os trabalhadores chineses cometem
suicídio a lutar por péssimas condições de trabalho.
Aqui apresentamos a nossa recolha de dados, análises sobre a
indústria, e relatórios de investigação feitos e publicados pelos media
e por grupos de defesa dos direitos dos trabalhadores para assim se
56
conseguir uma melhor e mais profunda compreensão dos problemas.
Concluímos que os três principais autores a saber (as grandes
empresas internacionais de marca, a Foxconn e os governos locais e
nacionais) deveriam agir com responsabilidade para acabar com esta
tendência dos trabalhadores da Foxconn escolherem acabar com as
suas vidas.
Outsourcing, os lucros da Apple e os baixos salários
Do ponto de vista da cadeia de oferta global relativamente ao poder de
compra, as principais marcas internacionais têm uma enorme
influência sobre os fabricantes com quem contratam. Ainda agora,
descobrimos que a Apple e as outras empresas globais estão a
pressionar os seus fornecedores em todo o mundo com muito pouca
preocupação quanto aos efeitos das suas acções sobre as pessoas que
produzem esses produtos. A Apple já expandiu e diversificou os seus
investimentos na produção na Ásia. (96) Os analistas do sector
estimam que as margens de lucro operacionais entre os principais
fornecedores de produtos electrónicos terão sido, na melhor das
hipóteses, entre 4 a 5 por cento, em média, em 2007.(97) Por
segmento de produto, a concorrência pela obtenção de encomendas
leva a que se espere taxas brutas ainda menores para os fabricantes de
notebooks " em 2011 a partir do nível já reduzido de 4 por cento em
2010.(98)
A Apple, que teve lucros recordes no meio de uma enorme crise
económica, continua a aproveitar todas as oportunidades para tentar
conseguir os preços mais baixos dos fornecedores. De facto, fontes
57
deste sector da indústria sugeriram que a Apple fez encomendas à
Foxconn para o seu iPhone depois da Foxconn ter concordado em
vender partes a "lucro zero".(99) A Foxconn provavelmente aceitou o
acordo a fim de manter outros contratos mais lucrativos com a Apple e
para vencer os seus concorrentes. Ofereceu um preço o baixo possível
e imbatível dado a sua enorme dimensão do seu mercado para garantir
uma posição líder na indústria. As receitas da Apple para o trimestre
fiscal de 2009 pela primeira vez ultrapassaram os 10 mil milhões de
dólares.(100)
A Foxconn monta os dispositivos móveis de maior sucesso da Apple,
tal comos os iPod, o iPhone 4 (o mais recente projecto de smartphones
da marca Apple) e iPads (computadores de mesa que são mais finos e
mais leves que netbooks ou mini-notebooks). Segundo a empresa de
pesquisa de mercado iSuppli, o custo das componentes e
montagem(101) de uma versão iPhone de 16 Giga é de 187,5 dólares,
ou seja menos de um terço (31,3 por cento) do preço de venda dos
EUA que é de 599 dólares. Estima-se que a Apple tem margens brutas
na ordem dos 50 por cento sobre o iPhone, em comparação com 20
por cento a 40 por cento para os produtos concorrentes de outros
produtores.(102)
A Apple encaixa fortes margens de lucro sobre o seu hardware dada a
sua supremacia no mercado, ficando com a parte do leão do montante
dos lucros. O IPAD foi colocado à venda em 3 de Abril de 2010. Em
Junho, a Apple anunciou que vendeu 3 milhões de iPads nos 80 dias a
seguir à sua introdução nos Estados Unidos. (103) A iSuppli considera
que o custo de fabricação de um iPad é só de 9 dólares, ou 1,8 por
cento de do menor preço nos Estados Unidos, 499 dólares pelo IPad, e
58
que o custo dos materiais está estimado em 250,6 dólares, ou seja,
cerca de 50,2 por cento do preço de venda.(104) Com menos de 2 por
cento do custo do mais barato Ipad por unidade a ficar nas mãos do
fabricante, os trabalhadores da produção da Foxconn ficam ainda
mesmo com menos.
Na externalização da produção (outsourcing) a Apple é a mais
lucrativa das empresas de tecnologia de ponta. No seu terceiro
trimestre fiscal de 2010, a Apple registou uma receita recorde de 15,7
mil milhões, com uma grande margem bruta de lucro de 39,1 por
cento.(105) O comunicado da empresa descreve o "trimestre fabuloso
que superou todas as nossas expectativas, incluindo o lançamento do
produto mais bem sucedido na história da Apple, o iPhone 4. O IPad,
está a ter um óptimo começo... e nós pretendemos que novos produtos
ainda comecem a ser comercializados este ano." Um analista da
DigiTimes diz que a Apple encomendou 24 milhões de unidades do
iPhone 4 só para este ano à Foxconn,(106) e espera-se que haja
também muitas mais encomendas para os iPads.
Os compradores de produtos Foxconn querem que os seus iPhones e
computadores sejam rapidamente fabricados para responder à procura
global. Por exemplo, a Apple está a tentar obter os seus modelos de
cor branca de iPhone 4 para colocar no mercado, sem qualquer
demora, mantendo-se com a disponibilidade de modelos de cor
preta.(107) Tudo isto pressiona quer a produtividade quer a qualidade,
tudo isto pressiona fortemente os trabalhadores da Foxconn. As peças
e componentes electrónicos são montados rapidamente e
movimentam-se 24 horas sobre 24 horas nas cadeias de transporte, os
tapetes rolantes, e de montagem, sem paragem. Ao mesmo tempo, a
59
juventude e o suor dos jovens trabalhadores são gastos a trabalhar com
máquinas e ritmos implacáveis.
A Foxconn ganha quer com a entrada de encomendas de grande
volume quer com o trabalho duro dos jovens trabalhadores migrantes.
No entanto, o lucro não é em nada comparável ao das principais
grandes marcas. Sob a pressão directa da Apple e de outros
compradores e dada a ganância por cada vez mais lucros, a Foxconn, a
partir de 31 de Maio de 2010, pagou aos 450 mil trabalhadores da
linha de produção das suas duas fábricas em Shenzhen apenas 900
yuan (132 dólares) por mês e com 40 horas de trabalho por semana.
Por outras palavras, a Foxconn estabeleceu o seu salário de base
máximo ao nível do salário mínimo local.
Mas quanto é que os trabalhadores realmente ganham? Os jornalistas
da Qingnian Bao de Pequim (Beijing Youth Daily) publicaram um
esboço do salário de um trabalhador da Foxconn em Shenzhen do mês
de Novembro de 2009 a 7 de Junho de 2010 (108). Estes mostram
claramente:
O rendimento total mensal do trabalhador é 2.149.5 yuans. O salário
de base é de 900 yuans, que é o salário mínimo local obrigatório para
um mês normal de trabalho de 21,75 dias. Todo o rendimento restante
do trabalhador é o pagamento de 136 horas de trabalho extra
[precisamente 100 horas acima do mínimo legal limite máximo de
horas extras].
Neste exemplo, 60 por cento do salário mensal total ganha-se a fazer
horas extraordinárias. O trabalhador não está em minoria na Foxconn.
Segundo um estudo sobre 5.044 pessoas, conduzido por Shenzhen
Human Resources and Social Security Bureau, 72,5 por cento da força
60
de trabalho da Foxconn é colocada com horas de trabalho extra muito
para além dos limites legais para conseguir ganhar um pouco mais de
rendimento.(109)
Para salvaguardar os direitos dos trabalhadores e garantir as condições
mínimas de subsistência, os grupos de estudantes e professores
defensores dos direitos humanos baseados em Hong Kong, Students
and Scholars Against Corporate Misbehavior (SACOM)), calcularam
que a base de salários em Shenzhen deverá ser de 2.297 yuans (337
dólares) por mês. (110) China Labor Bulletin também defende que um
salário base de 2.000 yuans por mês é "absolutamente necessário", em
Shenzhen, na fronteira de Hong Kong.(111) A direcção da Foxconn
não mudou os seus métodos de gestão, na sequência dos suicídios
havidos. Os sindicatos de Taiwan e grupos de trabalhadores
protestaram na sede da Foxconn perguntando: "Qual é o preço de um
corpo humano" (rou xue ele AIJ)? (112) Numa conferência de
imprensa em Taipé, alguns professores leram uma carta aberta
assinada por 180 universitários de Taiwan em 13 de Junho de 2010.
Nesta afirmava-se que "os recentes aumentos salariais [na Foxconn]
não resolvem o problema... nós pensamos que o conjunto de suicídios
na Foxconn é uma amarga acusação feita com 13 vidas de jovens
contra o regime de exploração desumana."(113)
Na base do problema estão as marcas globais, tais como a Apple com
a sua pressão sobre os seus fornecedores, como a Foxconn, colocando-
os em concorrência uns contra os outros em termos de preços, de
qualidade e de tempos de entrega. Para garantir os contratos, a
Foxconn minimiza os custos e transfere a pressão das baixas margens
de lucro para os trabalhadores da linha de frente. A pressão para se
61
manter em linha com preços competitivos face a novas ordens de
encomenda leva os trabalhadores da Foxconn a novos níveis de
exaustão.
Os empregados da Foxconn têm bem experiência das suas longas
horas de trabalho repetitivo com baixos rendimentos. Eles submetem-
se ao controlo de gestão do trabalho e os seus baixos rendimentos e
fracos tempos livres restringem as suas opções na forma de estar e de
viver fora do trabalho. Muitos trabalhadores, homens e mulheres
jovens, raramente deixam de trabalhar, excepto para comer e dormir,
simplesmente para poderem fazer face às suas despesas. O resultado é
uma comunidade de pessoas sob stress intenso, com poucos recursos,
ou seja, uma situação propícia à depressão.
A gestão da Foxconn, a disciplina do trabalho e as pressões
Os gestores da Foxconn continuaram a insistir que o tratamento dado
aos trabalhadores é o que se faz ao "nível mundial" (114), mesmo
depois do oitavo salto para a morte desde o início do ano até 11 de
Maio de 2010. Respondendo a perguntas da imprensa internacional, a
Foxconn insistiu que a empresa "tem proporcionado aos trabalhadores
um ambiente muito melhor e mais benefícios do [que] a indústria
transformadora como um todo." (115) As críticas vindas a público da
China Labor Watch (Nova Iorque) (116) e da China Labor Bulletin
(Hong Kong)(117) sublinhavam não as instalações em si, mas a saúde
dos trabalhadores e o seu bem-estar. O seu Presidente Terry Gou,
finalmente quebrou o seu silêncio sobre o suicídio de dez
62
trabalhadores a em 24 de Maio, mas apenas para negar que ele estava
a dirigir “fábricas de sangue e de suor".(118)
O número recorde de suicídios, diz Foxconn, não está relacionado
nem com o seu estilo de gestão, nem com as condições de trabalho
nem com as políticas de salários. O seu porta-voz Edmund Ding disse
à imprensa que alguns dos trabalhadores tiveram "problemas
pessoais".(119) Assim, a Foxconn criou um centro de cuidados de
saúde e criou uma linha telefónica de apoio permanente aos
empregados, 24 sobre 24 horas para ajudar os trabalhadores a manter a
sua"saúde mental".(120). Os trabalhadores podem estar a socar em
sacos sobre fotos dos seus supervisores para descarregar as suas raivas
e frustrações no recém-inaugurado ginásio para libertação do
stress.(121) A direcção também convidou um grupo de psicólogos
para tentarem sugerir maneiras para os 300 mil trabalhadores jovens
da Foxconn das fábricas de Longhua aprenderem a lidar com "as
necessidades emocionais e psicológicas."(122) Enquanto isso, a
Foxconn trouxe também monges com a tentativa de libertar as almas
dos trabalhadores falecidos do seu sofrimento e para dissipar os
infortúnios.(123) A realização do ritual religioso, no entanto, não pode
parar o 11 º, o 12 º e o 13º salto para a morte. Depois da tentativa de
suicídio em 27 de Maio, a Foxconn começou a instalar 3.000 mil
metros quadrados de redes de segurança entre os edifícios que serviam
de dormitórios para impedir que os trabalhadores se matassem
atirando-se para o chão. O Presidente Terry Gou apelidado de "ai Xin
Wang ", o que traduzido à letra significa “ redes com um coração
amoroso."(124) Mas a questão é: "podem as redes realmente ajudar a
salvar vidas?”
63
Questionamos o enquadramento feito pela Foxconn relativamente aos
suicídios como sendo casos isolados e individuais num típico exemplo
de tentar culpar as vítimas. Depois de uma sequência de suicídios dos
empregado nas duas fábricas de Shenzhen, a Foxconn anunciou que
iria testar os empregados aquando da sua admissão na fábrica para
identificar eventuais questões de "saúde mental"(125) não visíveis e
em todas as suas unidades fabris que tem em toda a China. A direcção
alegou que as mortes estavam principalmente relacionadas
principalmente com a imaturidade e o frágil estado de espírito dos
jovens migrantes rurais. A sua abordagem de culpar as vítimas leva a
sugerir que Foxconn continua relutante em avaliar os problemas de
base dos locais de trabalho e em avaliar também o seu impacto
negativo sobre o estado físico e mental dos seus trabalhadores.
Cultura militar
"Um líder", diz Terry Gou, (fundador da Foxconn) deve ter a coragem
suficiente para ser "um ditador para o bem comum" (ducai wei
gong).(126) Sob a sua liderança, a Foxconn Longhua construiu a sua
própria “cidade”em Shenzhen, onde os gestores de empresas e agentes
de segurança detêm um controlo supra-governamental sobre seus
funcionários. Um exemplo extremo é que as chamadas de emergência
feitas à polícia através de telefones da fábrica são automaticamente transferidas para o departamento de segurança da Foxconn
privada!(127) Parece que não há uma via alternativa para os
trabalhadores procurarem ajuda.
64
A empresa contratou mais de 1000 seguranças para manter a ordem
dentro da Foxconn Longhua (não há lixo, não há desrespeito, ninguém
pisa o risco) e para impedir que pessoas não autorizadas entrem nas
áreas consideradas restritas.(128) Os trabalhadores vestem uniformes
de cores diferentes de acordo com o seu departamento. Todos os
edifícios da fábrica e até o dormitório têm postos de segurança, com
guardas 24 horas por dia.
Todos os funcionários, estejam eles a caminho da casa de banho ou de
uma pausa para comer, devem ser revistados. Todo o staff tem de
passar cartões electrónicos nas portas, enquanto os trabalhadores de
outras empresas que entrem em contacto com a fábrica, como os
camionistas, deixam as suas impressões digitais nos scanners.(129)
Para impedir tentativas de espionagem industrial, os funcionários
estão proibidos de trazer leitores de música ou telemóveis para o andar
das vendas, e serem revistados é algo que faz parte da rotina. Os
homens devem tirar os cintos que tenham fivelas de metal e as
mulheres os sutiãs com aro antes de passarem pela segurança.
A Foxconn é conhecida e criticada por ter “mão pesada” no que toca
ao tratamento dos seus funcionários. Existem inúmeros relatos de
fontes oficiais e meios de comunicação social sobre a detenção, abuso
e uso da violência pelos seguranças. Um exemplo trágico foi a morte
de Sun Danyong na fábrica da Foxconn em Longhua a 16 de Julho de
2009. Sun um jovem de 25 anos de idade formado no Instituto de
Tecnologia de Harbin, foi responsável pela perda de um dos 16
protótipos do iPhone da Apple de quarta geração. Posteriormente
saltou do 12º andar do seu prédio. A Foxconn emitiu um
comunicado:(130)
65
Independentemente do motivo que levou ao suicídio do Sun, ele é em
certa medida um reflexo das deficiências internas de gestão da
Foxconn, especialmente no que toca a ajudar os jovens trabalhadores a
lidar com as pressões psicológicas da vida profissional na empresa.
As "pressões psicológicas" incluíram a suspeita de roubar, um
interrogatório brutal, o isolamento e a revista da sua casa. Ele foi
ainda alegadamente espancado e humilhado. As suas últimas
conversas online com os amigos revelam tanto a sua agonia como o
seu alívio: "Só de pensar que não vou ser intimidado amanha, que não
vão continuar a fazer de mim o bode expiatório, sinto-me muito
melhor."(131)
Os escândalos sobre o uso abusivo da força por parte dos seguranças
da Foxconn chegaram às primeiras páginas apenas algumas semanas
após o suicídio do jovem empregado da empresa. A localização desta
nova história foi em Pequim, num dos locais principais de produção
de material para a Nokia e para a Motorola. Na fábrica da Foxconn em
Pequim, de acordo com um relatório(132), os guardas envolveram-se
num confronto com os trabalhadores a 6 de Agosto de 2009.
Comentadores e analistas, baseando-se nos vídeos publicados online
do desacato e nas entrevistas aos envolvidos asseguram que a
violência física e verbal é uma constante no seio da Foxconn.(133) Os
trabalhadores são perseguidos e agredidos sem motivo aparente. Um
gerente respondeu à comunicação social, afirmando que "o incidente
foi um mal entendido." (134) A terem havido acções disciplinares
contra os trabalhadores, estas não foram publicamente divulgadas.
66
De modo a manter o sigilo absoluto para os seus compradores, como a
Apple, Nokia e Motorola, a Foxconn mantém um verdadeiro exército
de agentes de segurança privada. O alto nível de segurança de 24
horas por dia instalado na Foxconn justifica-se pela sua
responsabilidade contratual de garantir os direitos de propriedade
intelectual aos seus clientes. A fuga de "informações comerciais"
resultaria em enormes perdas financeiras.(135) Por isso, as
multinacionais ligadas às produções de elevada tecnologia têm feito
imensa pressão de modo a garantir a segurança do seu trabalho. Isto
leva a que os trabalhadores da Foxconn sejam vigiados quer dentro
quer fora da linha de produção.
O desespero e a falta de esperança
A geração do pós 80 e 90 de trabalhadores migrantes tem maiores
expectativas de vida do que as gerações anteriores, o que os faz sentir
mais desapontados com cada fracasso. Com 19 anos, Li Hai saltou do
5º andar do centro de treino da empresa a 25 de Maio de 2010 (foi
apelidado de “o 11º saltador”). A polícia encontrou uma nota de
suicídio na qual pede desculpas à sua família. A nota indicava que Li
tinha "perdido a confiança no seu futuro." (136) Nela pode-se ler: “As
minhas expectativas do que eu poderia fazer no trabalho e para a
minha família vão muito para lá do que eu poderia alcançar.”
Li nasceu em 1991 numa aldeia pobre da província de Hunan. A sua
família arrendou uma pequena fazenda de apenas três “mu”, o que
corresponde a apenas 0,4 hectares. O seu primo disse que ele poderia
ganhar dinheiro se trabalhasse na Foxconn. Depois de vender a mota
67
por 300 yuan (cerca de 33€) para comprar um bilhete de comboio,
viajou para o sul. (137) Na fábrica Guanlan Shenzhen, durante os 42
dias de trabalho, terá sido repreendido pelo seu supervisor de linha
quase todos os dias. Na sua nota de suicídio continua:
Eu gosto de desenhar, como o faz a Xiao Ye, mas realmente eu não
gosto de ….[fushikang]
Li, um recém-formado, ficou desiludido com o modo de vida em
Foxconn. Vindo do campo, ele encontrou no processo de adaptação à montagem robotizada a alta velocidade e com uma precisão extrema
uma grande dificuldade. Sentindo-se incapaz de voltar para casa, ele
pôs termo à sua vida no início da manhã. Shenzhen acabou por
mostrar não ser o mundo de oportunidades que nela havia visto.
Lu Xin, também ele natural de Hunan, saltou do 6 º andar no
apartamento da Foxconn em Shenzhen no dia 6 de Maio de 2010 (o
“7º saltador”).(138) Como Li Hai, Lu precisava de dinheiro para
melhorar as condições de vida da sua família. Sendo formado, Lu, tem
uma remuneração base a partir de 2.000 Yuan (222€), mais do o dobro
de trabalhadores da linha de montagem. Durante os oito meses de
trabalho, ele conseguiu enviar para casa mais de 13.000 Yuan
(1446€), tendo para isso feito uma quantidade excessiva de horas
extra. No seu blog data um post escrito a 26 de Outubro de 2009,
citado pela China Central Television (CCTV), no qual se lê (139):
Eu vim para esta empresa por dinheiro. E foi aí que me apercebi, isto é
um desperdício da minha vida e do meu futuro. Logo na primeira
etapa da minha vida adulta eu fui pelo caminho errado. Estou perdido.
68
Lu foi designado para o departamento de produção, e não para a
unidade de investigação e desenvolvimento como preferia. Em Abril
de 2010, ele trabalhava todos os dias até as 21horas. De acordo com a
lei chinesa, a jornada de trabalho não deve exceder 8 horas por dia e
40 horas semanais (artigo 3 º do Regimento do Conselho de Estado
sobre o Horário de Trabalho) e as horas extraordinárias não deverão
exceder 3 horas diárias (artigo 41 da Lei do Trabalho). Lu não viu
qualquer esperança para si ou perspectivas para o futuro. Noutro post
online datado de 14 de Março de 2010 lê-se:(140)
Se eu realmente pudesse, escreveria música todos os dias. Eu não
tenho dinheiro para comprar hardware necessário para música. Eu
nem quero gastar dinheiro num computador. Não consigo sequer
encontrar uma produtora. A juventude desaparece muito rápido. Aos
24 anos, será que eu ainda posso fazer isso?
Lu adorava música e queria ser um cantor profissional. Ele chegou
mesmo a participar no concurso de canto da empresa e ficou em
segundo lugar. Mas na vida real ele era responsável por tarefas
monótonas na oficina de montagem. No início de Maio estava à beira
de um colapso. Ele apresentou sintomas de delírios como "ser seguido
e ameaçado por alguém que queria matá-lo" Naquela noite de insónia,
o seu colega de universidade e de trabalho, recordou as palavras finais
de Lu:(141)
69
Ele disse que ia olhar para a paisagem e mal acabou a frase abriu a
janela e foi para a varanda, depois saltou. Não hesitou em momento
algum. Tentei agarrá-lo, mas só consegui tocar na roupa do seu braço
esquerdo e ele esquivou-se da minha mão.
A função do Lu era o controlo de qualidade. Se ele não conseguisse
monitorizar correctamente a qualidade dos produtos, não só ele como
cada funcionário do departamento seriam punidos.(142) Como
resultado desta medida, ele estava sempre muito nervoso com as taxas
de aprovação de produtos, com medo da punição ou de um corte no
bónus.
A nova geração de trabalhadores migrantes melhor educados quer uma
vida nova, mas não vê perspectiva em trabalhar dia e noite nas linhas
de montagem padronizada. Eles enfrentam uma enorme discrepância
entre as expectativas crescentes e a dura realidade que é a vida nas
fábricas.(143) Apenas alguns dias após o suicídio de Lu Xin, de 24
anos, a trabalhadora Henan Zhu Chenming atirou-se também do
telhado do apartamento (apelidado de "8º saltador"). Um amigo
contou os seus sonhos de fama como uma super modelo:(144)
Ela tem 1,74m. Antes de entrar na Foxconn aprendeu sobre moda. A
sua aspiração era viajar para o estrangeiro para estudar.
Na noite de 11 de Maio de 2010, o corpo de Zhu foi encontrado no
chão. Todo o glamour com que sonhava se havia dissipado.
Os trabalhadores vindos do meio rural são marginalizados e excluídos
material e culturalmente. Sentem-se inseguros, especialmente os mais
jovens, pois nem são da cidade nem são já capazes de voltar para a
vida do campo. Todos os dias, centenas de jovens trabalhadores
70
abandonam o seu emprego e deixam a empresa. Mas aqueles que se
mudam para outras fábricas em pouco tempo estão a ser explorados
sensivelmente da mesma forma como acontecia na Foxconn. A
carreira de alguns chega ao fim devido a acidentes de trabalho.145
Outros tentam desesperadamente seguir uma outra vida.(146)
Nove professores universitários da China e de Hong Kong fizeram
uma declaração pedindo que a Foxconn e que o Governo sejam justos
para com a nova geração de trabalhadores migrantes.(147) A
declaração diz:
A partir do momento que eles [a nova geração] passam para lá da
porta de casa nunca pensam em voltar para a agricultura, como os seus
pais. Nesse sentido, eles não vêem outra opção quando entram na
cidade para trabalhar. Quando a possibilidade de construir uma casa
na cidade graças ao seu próprio trabalho se esvanece, esvanece-se
também o próprio significado desse mesmo trabalho. O caminho
adiante é bloqueado, e o caminho de regresso a casa está fechado.
Presa nesta situação, a nova geração de trabalhadores migrantes
enfrenta uma séria crise de identidade, o que aumenta os problemas
psicológicos e emocionais. Ao estudar mais aprofundadamente estas
condições sociais e estruturais, compreendemos e sentimos mais
profundamente a ideia de que não há um caminho de regresso a casa
para os funcionários da Foxconn.
A pressão de estar longe de casa e de sentir que há muito pouca
preocupação e justiça pelo lado da sociedade foi um dos principais
factores que esteve por detrás dos suicídios.(148) Milhões de
trabalhadores migrantes como os da Foxconn são deixados numa
situação de profunda contradição. Eles rejeitam aceitar as duras
71
dificuldades que os seus antecessores sentiram e viveram como sendo
trabalhadores de baixos salários e de serem considerados cidadãos de
segunda. Eles revoltam-se contra a sua condição de marginalizados e
contra o facto de terem uma vida sem sentido. Assim sendo a sua
única opção é, segundo um especialista no tema, “deixar de ter
preocupação com os seus próprios corpos e destruí-los, como sinal de
frustração e desconfiança.(149) Ao cometerem suicídio de modo a
desafiar e a provocar esta realidade, apelam à sua pátria e ao resto do
Mundo para que se faça algo, antes que mais vidas se percam.
Conclusão
A emergência da China como potência económica global não se
poderia ter dado sem o árduo esforço das gerações mais velhas e mais
novas de trabalhadores migrantes. Os suicídios dentro da Foxconn
receberam muita atenção dos media e ainda há muitos outros
trabalhadores que trabalham sob condições igualmente terríveis.
Acreditamos que o trabalho e questões de direitos humanos suscitadas
por esta tragédia humana vão muito além das condições específicas da
Foxconn, e exigem mudanças abrangentes na indústria e a nível
governamental.
A supressão da possibilidade de subida dos salários em indústrias
orientadas para as exportações na década de 80 trouxe um grande
influxo de investimentos estrangeiros para a China. Acelerado na
década de 90, as empresas transnacionais e os contratantes de Taiwan
têm terciarizado a produção de baixo valor agregado para os
72
fabricantes chineses. Milhões de fábricas orientadas para as
exportações estão sujeitas a especificações de multinacionais
Ocidentais e Asiáticas. As margens de lucro no decorrer do trabalho
permanecem pequenas. A nível internacional, os produtores do
Vietname, Índia, Camboja, Bangladesh e outros países em
desenvolvimento são confrontados contra a China numa batalha para
se tornarem fornecedores de segunda escala na cadeia global de
fornecimento de mercadorias. Nas fábricas, os trabalhadores carregam
o peso das pressões para cortar nos custos.
Jovens trabalhadores oriundos do meio rural saem das suas terras e
tornaram-se na espinha dorsal das indústrias urbanas de exportação da
China. São mal pagos e muito lhes é exigido. Os grandes compradores
preocupados com a sua imagem e os seus fornecedores expressam por
vezes preocupação no tratamento e nas condições dos trabalhadores.
Mas muitas vezes isso parece simples retórica visando a
responsabilidade social empresarial (RSE). Os críticos apontam a
realidade por trás da retórica:(150)
As promessas de programas de RSE - hoje um negócio de cerca 40
mil milhões de dólares/ano nos EUA - foram minados por um
"triângulo de ferro": menor preço por unidade possível, maior
qualidade possível e tempos de entrega mais rápidos. Contudo as
fábricas mais pequenas que fornecem as grandes empresas não são
subsidiadas para suportar políticas de RSE, e ainda enfrentam
reduzidas margens de lucro e custos adicionais que só podem ser
combatidos reduzindo/cortando ainda mais na sua própria força de
trabalho.
73
Os anos de juventude dos trabalhadores são completamente
queimados com o ritmo das máquinas, à medida que as suas peças e
componentes vão funcionando, à medida que estas vão trabalhando.
Os tempos livres e até mesmo as próprias vidas nisso são sacrificadas.
A estratégia da Foxconn de produção de baixo custo, e desprezo pelos
direitos dos trabalhadores não é nem economicamente sustentável nem
moralmente defensável. Como o maior fabricante de material
electrónico no mundo, a Foxconn lança no mercado grandes volumes
de mercadorias, concebidos por empresas multinacionais. Apesar de
ter margens de lucro pequenas, os seus lucros totais e quota de
mercado são grandes. Ainda assim, a empresa não fornece aos seus
funcionários um salário adequado, condições de trabalho aceitáveis,
nem benefícios sociais adequados. Horas extraordinárias excessivas,
alto nível de stress relacionado com o trabalho, e desrespeito dos
direitos dos trabalhadores à representação sindical estão embutidos no
sistema de gestão da Foxconn. Sob estas condições extremas, pelo
menos 13 funcionários da Foxconn decidiram por termo às suas vidas
nos últimos cinco meses deste ano.(151) Para evitar que tragédias
semelhantes aconteçam na Foxconn e noutras fábricas é fundamental,
em primeiro lugar, assegurar os direitos dos trabalhadores para que se
organizem democraticamente e negoceiem colectivamente. Reforçar a
participação dos trabalhadores na gestão das empresas vai ajudar a
melhorar as condições de trabalho. Encorajamos as organizações
independentes não-governamentais (ONGs) e dirigentes sindicais
credíveis para darem sessões de esclarecimento sobre os direitos dos
trabalhadores no local de trabalho. Além disso, nós defendemos que o
acompanhamento conjunto dos mecanismos de reclamações sobre a
74
empresa seja conduzido por parte dos governos locais e entidades
externas, excluindo aqueles que estão ligados a interesses
corporativos.
Estamos preocupados com o papel dos estados nacionais e regionais
no que diz respeito à protecção da nova classe trabalhadora. A
utilização de um grande grupo de jovens trabalhadores migrantes para
alimentar a economia chinesa orientada para as exportações, acarreta
um grande custo humano. As necessidades básicas dos trabalhadores
como a habitação, segurança social e educação para os seus filhos não
são acautelados pelo governo local. Enquanto estes problemas não
forem resolvidos, os problemas mentais ou psicológicos que até aqui
têm aumentado nunca irão desaparecer. O governo deve redistribuir o
rendimento e garantir que haja benefícios para os residentes rurais e
para os trabalhadores migrantes com vista a melhorar a sua qualidade
de vida. A discriminação institucional contra trabalhadores migrantes,
baseada no lugar onde residem, e outras políticas também, devem ser
eliminadas para facilitar mobilidade laboral e reduzir a segmentação
do mercado e a discriminação dos trabalhadores oriundos do meio
rural. A participação dos trabalhadores na reforma social e laboral vai
construir os alicerces na comunidade para reduzir suicídios. Em geral,
é fundamental que haja um modelo de desenvolvimento urbano-rural
mais equilibrado para a estabilidade social e económica.
O suicídio é a forma mais desesperada de protesto. Não deve ser
utilizado como meio de resistir à injustiça social. Devem ser tomadas
medidas no sentido de melhorar as condições na Foxconn, mas o
trabalho não deve ficar por aí. Desde Maio de 2010, eventos de
condolências às vítimas e suas famílias Foxconn foram organizados
75
em Shenzhen, Beijing, Hong Kong, Taipei, Nova York, Washington
DC, São Francisco, Boston, Canadá, México, República Checa,
Berlim, Amesterdão, Suíça, França, Austrália, Coreia do Sul, Índia e
outros lugares pelo mundo.(152) A 22 de Julho, dois dias
imediatamente após o suicídio de um trabalhador-estudante de 18 anos
na fábrica de Foshan, na província de Guangdong,(153) uma
coligação de 45 investidores institucionais em todo o mundo emitiu
uma declaração pública no sentido de pedir investimento, ética e
melhores condições fabris em toda a cadeia global de produção.(154)
No dia 4 de Agosto, apesar da instalação de redes de segurança em
torno das instalações do edifício, um de 22 anos de idade, Liu, caiu de
um dormitório na instalação de Kunshan em Jiangs, na província
oriental.(155)
Enquanto ainda se estavam a verificar novos casos de suicídio de
jovens trabalhadores, neste Verão, a Foxconn organizou uma sessão
para aumentar a auto-estima dos seus jovens funcionários num estádio
em Longhua Shenzhen no dia 18 de Agosto de 2010. Alguns
trabalhadores estavam vestidos com uniformes da empresa, t-shirts
cor-de-rosa com uma frase a vermelho que diz “amo-te Foxconn”.
Outros, com roupas de líderes de claque, empunharam cartazes
enormes do Presidente da Foxconn, Terry Gou, em que dizem "Adoro-
me, adoro-te, adoro o Terry."(156) Na altura, todos os 20.000
participantes se levantaram e gritaram palavras de ordem, comandados
pelos organizadores da empresa. Um gerente gritava palavras de
motivação para os jovens: "Dê valor à sua vida, ame a sua
família!"(157) E mais importante ainda, gritavam: "Cuidemos uns dos
outros no sentido de construir um futuro maravilhoso."(158)
76
Sem reforçar a protecção dos direitos fundamentais dos trabalhadores
de modo a lutar por um trabalho digno, qualquer que o esforço da das
empresas, parece quase certo que vamos assistir a um crescimento
nominal de mortes.
77
BIBLIOGRAFIA
All China Federation of Trade Unions. 2010. Research Report on
Problems of the New Generation of Chinese Migrant Workers [em
chinês].
Andreas, Joel. 2008. “Changing Colors in China.” New Left Review 54
(Nov/Dez): 123-42.
Becker, Jeffrey e Manfred Elfstrom. 2010. The Impact of China’s
Labor Contract Law on Workers. International Labor Rights Forum
(ILRF).
Brown, Garrett. 2010. “Global Electronics Factories in Spotlight.”
Occupational Health & Safety (4 de Agosto).
Chan, Jenny. 2009. “Meaningful Progress or Illusory Reform?
Analyzing China’s Labor Contract Law.” New Labor Forum 18(2):
43-51.
Chan, Kam Wing. 2010. “The Global Financial Crisis and Migrant
Workers in China: ‘There is No Future as a Laborer; Returning to the
Village has no Meaning.’” International Journal of Urban and
Regional Research (Julho): 1-19.
China Youth and Children Research Center. 2007. Research report on
development conditions and generational differences of the new-
generation Chinese migrant workers [em chinês].
China’s Ministry of Labor and Social Security. 2004. A Survey Report
on Migrant Labor Shortage [em chinês].
China’s National Bureau of Statistics. 2010. Monitoring Survey of
Migrant Workers in 2009 [em chinês].
China’s No.1 Central Document [2010]. 31 December 2009. Opinions
of the CPC Central Committee and the State Council on exerting
78
greater efforts in the overall planning of urban and rural development
and further solidifying the foundation for agricultural and rural
development [em chinês].
Day, Alexander e Matthew A. Hale. 2007. “Guest Editors’
Introduction.” Chinese Sociology and Anthropology 39(4): 3-9.
Gallagher, Mary E. 2005. Contagious Capitalism: Globalization and
the Politics of Labor in China. New Jersey: Princeton University
Press.
Hung, Ho-Fung. 2009. “America’s Head Servant? The PRC’s
Dilemma in the Global Crisis.” New Left Review 60 (Nov/Dez): 5-25.
Knight, John, Deng Quheng, e Li Shi. 2010. “The Puzzle of Migrant
Labor Shortage and Rural Labor Surplus in China.” Discussion Paper
Series, No. 494 (Julho). Department of Economics, Oxford
University.
Lee, Ching Kwan. 1998. Gender and the South China Miracle: Two
Worlds of Factory Women. Berkeley: University of California Press.
Lee, Ching Kwan. 2007. Against the Law: Labor Protests in China’s
Rustbelt and Sunbelt. Berkeley: University of California Press.
Lett, Erin e Judith Banister. 2009. “China’s Manufacturing
Employment and Compensation Costs: 2002-06.” Monthly Labor
Review (Abril): 30-38.
Pun, Ngai. 2005. Made in China: Women Factory Workers in a
Global Workplace. Durham: Duke University Press and Hong Kong:
Hong Kong University Press.
Pun, Ngai e Lu Huilin. 2010. “Unfinished Proletarianization: Self,
Anger, and Class Action among the Second Generation of Peasant-
workers in Present-day China. Modern China 36(5): 493-519.
79
Shenzhen Federation of Trade Unions and the Institute of Labor Law
and Social Security Law of Shenzhen University. 2010. A survey on
the lives of the new generation of migrant workers in Shenzhen [em
chinês].
Silver, Beverly J. 2003. Forces of Labor: Workers’ Movements and
Globalization since 1870. Cambridge: Cambridge University Press.
So, Alvin Y. 2009. “Rethinking the Chinese Developmental Miracle.”
Pp. 50-64 in China and the Transformation of Global Capitalism,
edited by Ho-Fung Hung. Baltimore: The Johns Hopkins University
Press.
Solinger, Dorothy J. 1999. Contesting Citizenship in Urban China:
Peasant Migrants, the State, and the Logic of the Market. Berkeley:
University of California Press.
Wang, Haiyan, Richard P. Appelbaum, Francesca Degiuli, e Nelson
Lichtenstein. 2009. “China’s New Labor Contract Law: Is China
Moving Towards Increased Power for Workers?” Third World
Quarterly 30(3): 485-501.
Yan, Hairong. 2008. New Masters, New Servants: Migration,
Development, and Women Workers in China. Durham: Duke
University Press.
NOTAS
1. Tradução de extractos de um blog datado de 27 de Maio de 2010.
2. Hon Hai Precision Industry, Ltd, website
3. iSuppli, 27 de Julho 2010, Foxconn rides partnership with Apple to
take 50 percent of the EMS market in 2011.
80
4. Descrição da empresa em Hon Hai Precision Industry informação
datada de 26 Abril de 2010.
5. Sun Yaping. 20 Maio 2010. Foxconn spokesperson responds to “9
consecutive jumps,” acknowledging management problems.
Zhongguo Qingnian Bao (China Youth Daily) [in Chinese].
6. Austin Ramzy. 16 Dezembro 2009. Runners up: the Chinese
worker. Time
7. Wang Yi (Net Ease). 9 Abril 2010. Who can bring the Foxconn
“suicide express” to a halt? [em chinês].
8. Appeal by concerned international scholars: create humane labor
standards at Foxconn and end “stealth manufacturing” in information
technology! 8 Junho 2010.
9 De acordo com uma cronologia das etapas importantes no site da
Foxconn, em 2006, a empresa foi nomeada uma das "melhores
empregadoras na China"
10 Dagongmei / dagongzai (feminino / masculino de trabalhador
migrante) é uma nova identidade de género e de classe que apareceu
na era pós-Mao, na China. Dagong é definida por contraste com
gongren. Dagong refere-se aos residentes rurais que migram para as
cidades onde trabalham com ou sem contratos de trabalho temporário,
habitualmente para empresas privadas por oposição a gongren em que
se tem, pelo menos nominalmente contratos para a vida com empresas
estatais e se tem igualmente registo urbano de habitação. Ver Ching
Kwan Lee. 1998. Gender and the South China miracle: two worlds of
factory women. Berkeley: University of California Press; Pun Ngai.
2005. Made in China: women factory workers in a global workplace.
Durham: Duke University Press and Hong Kong: Hong Kong
81
University Press; Yan Hairong. 2008. New masters, new servants:
migration, development, and women workers in China. Durham: Duke
University Press.
11. Joel Andreas. 2008. Changing colors in China. New Left Review
54 (Nov/Dez): 123-42.
12. Mary E. Gallagher. 2005. Contagious capitalism: globalization
and the politics of labor in China. New Jersey: Princeton University
Press.
13. Alvin Y. So. 2009. Rethinking the Chinese developmental miracle.
Pp. 50-64 in China and the transformation of global capitalism,
editado por Ho-Fung Hung. Baltimore: The Johns Hopkins University
Press.
14. Alexander Day and Matthew A. Hale. 2007. Guest editors’
introduction. Chinese Sociology and Anthropology 39(4): 3-9.
15. Dorothy J. Solinger. 1999. Contesting citizenship in urban China:
peasant migrants, the state, and the logic of the market. Berkeley:
University of California Press.
16. O crescimento do salário real do trabalhador migrante chinês
calculado através do índice nacional dos preços ao consumidor parece
ser positivo desde 2005 até 2009. Ver quadro 2 em John Knight, Deng
Quheng, and Li Shi. 2010. The puzzle of migrant labor shortage and
rural labor surplus in China. Discussion paper series, No. 494 (July).
Department of Economics, Oxford University.
17. Ho-Fung Hung. 2009. America’s head servant? The PRC’s
dilemma in the global crisis. New Left Review 60 (Nov/Dec): 5-25. Os
dados sobre os salários na indústria transformadora durante o processo
de convergência, 1950-2005, são mostrados na figura 5
82
18. Erin Lett e Judith Banister. 2009. China’s manufacturing
employment and compensation costs: 2002-06. Monthly Labor
Review (Abril): 30-38.
19. The Economist. 29 Julho 2010. The next China.
20. Zeng Xiangqun. 4 Agosto 2010. Labor’s share of Chinese GDP
fell for 10 consecutive years [em chinês]. Renmin Wang (People Net).
21. Zhang Jianguo, All China Federation of Trade Unions (ACFTU)’s
Director of the Collective Contracts Department, citado in China
Daily. 12 May 2010. Os dados mostram que a parte das remunerações
do trabalho no PIB caíu na China pelo 22º ano consecutivo.
22. Ministério do Trabalho e da Segurança Social da China 2004. A
survey report on migrant labor shortage [em chinês]
23. Ching Kwan Lee. 2007. Against the law: labor protests in China’s
rustbelt and sunbelt. Berkeley: University of California Press.
24. Artigo 3 de China’s Provisions on Minimum Wage (2004) estipula
que aos empregados devem ser pagas as férias anuais, feriados,
casamento ou funeral e período maternal.
25 Ver por exemplo, Haiyan Wang, Richard P. Appelbaum, Francesca
Degiuli, e Nelson Lichtenstein. 2009. China’s new labor contract law:
Is China moving towards increased power for workers? Third World
Quarterly 30(3): 485-501; Jenny Chan. 2009. Meaningful progress or
illusory reform? Analyzing China’s labor contract law. New Labor
Forum 18(2): 43-51; Jeffrey Becker and Manfred Elfstrom. 2010. The
impact of China’s labor contract law on workers. International Labor
Rights Forum (ILRF).
26. No.1 Central Document [2010]—Opiniões do Comité Central do
Partido Comunista e do Conselho de Estado para que se façam mais
83
esforços na planificação global do desenvolvimento das áreas rurais e
urbanas e na solidificação do desenvolvimento da agricultura e das
áreas ruaris. 31 Dezembro de 2009. O parágrafo 23 pretende mesmo
que haja mais rápido desenvolvimento de pequenas e médias cidades e
vilas e que haja também uma reforma do sistema de registo das
famílias.
27. Mary E. Gallagher. 23 Agosto 2010. “We are not machines:” teen
spirit on China’s shopfloor. The China Beat.
28. Kam Wing Chan. 2010. The global financial crisis and migrant
workers in China: ‘There is no future as a laborer; returning to the
village has no meaning.’ International Journal of Urban and Regional
Research (Julho): 1-19.
29. O excedente comercial chinês, por seu lado, é utilizado na compra
de títulos americanos da dívida pública, financiando assim o
endividamento crescente dos americanos em produtos importados de
baixo custo. Ver Ho-Fung Hung. America’s head servant? The PRC’s
dilemma in the global crisis.
30. China’s National Bureau of Statistics (NBS). 2010. Monitoring
survey of migrant workers in 2009 [em chinês].
31. Em termos nacionais, 84,45 milhões de trabalhadores migrantes
chineses estão a trabalhar em empregos rurais não agrícolas (bendi
nongmingong or jiudi zhuanyi nongmingong). Estes têm estado a
trabalhar em empresas nas suas cidades e vilas (xiang zhen) há mais
de 6 meses, aquando do inquérito. Em 2009, o número deste sub-
grupo de trabalhadores rurais migrantes decresceu cerca de 0.7 por
cento anualmente.
84
32. A Federação All China Federation of Trade Unions (ACFTU).
2010. Research report on problems of the new generation of Chinese
migrant workers [em chinês]. O departamento de investigação da
Central Sindical, a ACFTU, estimou que em 2009 somente 20 por
cento dos jovens trabalhadores migrantes estavam casados. De todos
os grupos etários, 56 por cento dos 145,33 milhões de trabalhadores
migrantes chineses tinham casado, segundo o inquérito realizado por
NBS.
33. Pun Ngai and Lu Huilin. 2010. Unfinished proletarianization: self,
anger, and class action among the second generation of peasant-
workers in present-day China. Modern China 36(5): 493-519.
34. Shenzhen Federation of Trade Unions and the Institute of Labor
Law and Social Security Law of Shenzhen University. 2010. A survey
on the lives of the new generation of migrant workers in Shenzhen [em
chinês]. Os 5.000 migrantes inquiridos nasceram depois de 1980..
35. Na China, uma aldeia ou vila, a town (jianzhi zhen), em termos de
casas significa mais 2.500 residentes locais permanentes, dos quais
mais que 70 por cento não estão empregados na agricultura. A central
sindical All China Federation of Trade Unions (ACFTU). 2010.
Research report on problems of the new generation of Chinese
migrant workers [em chinês].
36. All China Federation of Trade Unions (ACFTU). 2010. Research
report on problems of the new generation of Chinese migrant workers
[em chinês]..
37. O inquérito NBS mostra-nos que menos de 30 mihões de
trabalhadores migrantes à escala nacional se juntaram às suas famílias.
Nos anos recentes o problema social de liushou ertong ou crianças
85
deixadas para trás no interior do país (pelos pais, a trabalharem longe)
começou a ter grande importância.Mas as efectivas soluções estão
ainda por aparecer..
38. Para cerca de 145 milhões de trabalhadores migrantes que
deixaram as suas terras, as suas casas, as suas localidades, em 2009,
não havia ventilação realizada pelo NBS por idade e por género.
39. China’s National Bureau of Statistics (NBS). 2010. Monitoring
survey of migrant workers in 2009 [em chinês].
40. China Youth and Children Research Center. 2007. Research
report on development conditions and generational differences of the
new-generation Chinese migrant workers [em chinês].
41. All China Federation of Trade Unions (ACFTU). 2010. Research
report on problems of the new generation of Chinese migrant workers
[em chinês].
42. Beverly J. Silver. 2003. Forces of labor: workers’ movements and
globalization since 1870. Cambridge: Cambridge University Press.
Nas palavras de Silver (2003: 169), “Se os comportamentos do
passado podem dar alguma indicação para o futuro, então poderemos
esperar mais vagas, mais ondas, de mal estar e de protexto feitas pelos
trabalhadores (do tipo das descritas por Marx) na indústria e a
ocorrerem nas regiões que foram sujeitas a uma mais rápida
industrialização e proletarização. (Deste ponto de vista, o caso da
China é da mais alta importância histórica a nivel mundial.)”
43. Subsidiárias de Hon Hai em Taiwan e na China, ver a lista
Foxconn International Holdings (FIH) de Hong Kong..
44. Foxconn Technology Group [em chinês].
45. Foxconn Technology Group. 2010. Global distribution..
86
46. Foxconn Technology Group. 2009. Corporate social and
environmental responsibility report 2008. P. 8.
47. Foxconn Technology Group. 2009. Corporate social and
environmental responsibility report 2008. Pp. 10-11.
48. Bloomberg BusinessWeek. 8 July 2002. Terry T.M. Gou,
Chairman, Hon Hai Precision Industry.
49. Julie M. LaNasa. 2002. Solectron: building customer teams to
deliver on your company’s value proposition.
50. Flextronics. 2008. Apresentações (webcast). Em Junho 2007,
Flextronics adquiriu Solectron. Ver Flextronics. 4 Junho 2007.
Flextronics to acquire Solectron.
51. Foxconn Technology Group. 2009. Corporate social and
environmental responsibility report 2008. P. 10.
52. Foxconn Technology Group. 2009. Corporate social and
environmental responsibility report 2008. P. 11.
53. Foxconn Technology Group. 2010. Group profile.
54. Fortune Global 500. 2010. Hon Hai Precision Industry—rank 112
(anteriormente era nº 109).
55. Tim Culpan. 30 Agosto 2010. O rendimento líquido de Hon Hai
erra quanto às estimativas depois da subida dos salários na China.
Bloomberg Businessweek.
56. Estudantes e Professores contra o mau comportamento das grandes
empresas - Students and Scholars Against Corporate Misbehavior
(SACOM). 27 Maio 2010..
57. Foxconn Technology Group. 2009. Corporate social and
environmental responsibility report 2008. P. 8.
58. Foxconn Technology Group. 2010. Channel business.
87
59. Amazon é um cliente de Foxconn (ver Kindle na Wikipedia). Ver
também Radio Taiwan International. 20 Julho 2010. Amazon: as
vendas de Kindle ultrapassam os livros impressos.
60. Foxconn Technology Group. 18 Agosto 2006. Foxconn social and
environmental responsibility update.
61. Foxconn Technology Group. 2010. Company introduction.
62. O porta-voz de Hon Hai, Arthur Huang, citado em David Barboza.
6 Julho 2010. iPhone supply chain highlights rising costs in China.
New York Times.
63. Foxconn Technology Group. 2009. Corporate social and
environmental responsibility report 2008. P. 10.
64. Fortune Global 500. 2010. Annual ranking of the world’s largest
corporations (by revenues).
65. New York Times. 27 Maio 2010. Apple and Microsoft’s tug of war.
66. iSuppli. 28 Junho 2010. Apple rides high-margin hardware to
competitive supremacy.
67. an Sherr. 22 Julho 2010. Apple building teams to push sales to
small business. The Wall Street Journal.
68. Yen-Shyang Hwang, Ninelu Tu, and Joseph Tsai. 5 Agosto 2010.
A Foxconn embarcou cerca de 6 milhões de notebooks in 1H10.
Digitimes.
69. Reuters. 22 Julho 2010. O embarque de laptops na Hon Hai em
2011 foi para acima de 70 por cento.
70. Yen-Shyang Hwang and Joseph Tsai. 22 Julho 2010. As empresas
Wistron e Compal ainda são os primeiros fornecedores de notebooks
para a Dell in 2011; Foxconn avança para ser o terceiro. Digitimes.
88
71. Gillian Wong. 19 Agosto 2010. Foxconn gets the pompoms out to
raise morale at “suicide factory.” The Independent.
72. Foxconn Technology Group. 2010. Company introduction.
73. Xinjing Bao (New Beijing News). 18 Agosto 2010. Já vinte e sete
províncias aumentaram o salário mínimo neste ano, muitas delas para
mais de 30 por cento.
74. David Barboza. 2 Junho 2010. After spate of suicides, technology
firm in China raises workers’ salaries. New York Times.
75. Efectivamente no dia 1 Julho 2010, o salário mínimo em Shenzhen
foi aumentado para 1.100 yuans por mêsh. AFP. 9 Junho 2010. China
export hub Shenzhen to raise minimum wage.
76. Sean Hollister. 6 Junho 2010. Foxconn oferece uma subida
adicional de 66 por cento durante, durante uma misteriosa revisão de
resultados. Engadget.
77. China Labor Bulletin. 7 Junho 2010. Foxconn’s latest pay offer
comes with strings attached.
78. Kathrin Hile. 28 Junho 2010. Foxconn to shift some of Apple
assembly. Financial Times.
79. Louis Woo, assistente especial do presidente da Foxconn, citado
por Eilot Van Buskirk. 18 Agosto 2010. Foxconn rallies workers,
leave suicide nets in place. Wired.com.
80. Zhongguo Xinwen Zhoukan (China Newsweek). 2010. Fight to
grab Foxconn. No. 27 (Julho) [em chinês].
81. The China Post. 1 Julho 2010. HP, Foxconn, Quanta, Inventec
escolhem Chongqing para base.
82. Robert Dreyfuss. 18 Novembro 2009. Chongqing: socialism in one
city. The Nation.
89
83. Song Jingli. 5 Agosto 2009. HP, Foxconn to build laptop
manufacturing hub in Chongqing. China Daily.
84. Tong Hao. 6 Agosto 2009. HP, Foxconn to set up laptop unit.
China Daily.
85. Hu Yinan and Wang Yu. 29 Junho 2010. Foxconn mulls move
northward. China Daily.
86. China International Investment Promotion Platform. 28 Julho
2010. Foxconn investe 64 milhões de dólares em Zhengzhou e
Chengdu.
87. Figura do governo de Zhengzhou citada em Xinhua. 2 Agosto
2010. A nova fábrica da Foxconn na China central começa a sua
produção com esperança de paz e prosperidade.
88. Xinhua. 30 Junho 2010. Xinhua insight: Foxconn’s inland moving
a win-win solution.
89. Hu Yinan. 26 Junho 2010. Students “forced” to work at Foxconn.
China Daily.
90. CNTV (China Central TV). 4 Agosto 2010. Foxconn moves
factories further inland in Henan.
91. China Daily. 27 Julho 2010. Foxconn to open IT chainstores in
central China.
92. Xinhua. 26 May 2010. Foxconn’s president initiates media tour at
Shenzhen plant.
93. Recursos humanos em Hon Hai.
94. Em 2007, O Ministério da Saude na China estimou que houve 25
suicídios por cada 100.000 pessoas no país. Dados citados em China
Daily. 8 Abril, em 2010.
90
95. China Economic Review. 28 Maio 2010. Crunching the suicide
statistics at Foxconn.. Ver também People’s Daily. 25 Junho 2010.
Suicide rates up among Chinese urban men; Global Times. 16
Setembro 2009. Os velhos procuram o suicídio como solução. As
taxas de suicídio estão a aumentar entre os residentes nas cidades,
especialmente entre os mais velhos, de acordo com o Ministério da
Saúde.
96. Evertiq. 14 Julho 2010. Apple to go for additional manufacturing
partner.
97. Bloomberg Businessweek. 5 Junho 2007. Flextronics’ merger
muscle.
98. Yen-Shyang Hwang, Ninelu Tu, e Joseph Tsai. 5 Agosto 2010.
Foxconn ships over 6 million notebooks in 1H10. Digitimes.
99. Stephanie Wong, John Liu, and Tim Culpan. 3 Junho 2010. Why
Apple and others are nervous about Foxconn. Bloomberg
Businessweek.
100. Apple. 21 Janeiro 2009. Apple reports first quarter results. Os
resultados trimestrais de Apple que se concluiram a 27 Dezeembro de
2008, foram de 10.17 mil milhões de dólares..
101. Um 16Gbyte Apple iPhone, desmontado por iSuppli para a sua
análise de custos tem principalmente como peças de electronica e
componentes: aplicação de processadores, módulo de memória,
receptor de frequências de radio, alimentação, fichas de ligação,
controlador de ecrã, bateria e outras componentes eléctricas e electro-
mecânicas. O custo total das suas componentes é estimado em 187.51
dólares.. Ver iSuppli. 28 Junho 2010. iPhone 4 carries bill of
materials of US$187.51.
91
102. iSuppli. 28 Junho 2010. Apple rides high-margin hardware to
competitive supremacy.
103. Apple. 22 Junho 2010. Apple sells three million iPads in 80 days.
104. iSuppli. 7 Abril 2010. User-interface-focused iPad changes the
game in electronic design.
105. Apple. 20 Julho 2010. Apple reports third quarter results
(concluído a 26 Junho 2010): all-time record revenue, earnings
increase 78 percent.
106. Rik Myslewski. 18 Maio 2010. Apple said to order 24 million
iPhone 4Gs. The Register.
107. Arik Hesseldahl. 23 Julho 2010. Apple: white iPhone 4 delayed
again. Bloomberg Businessweek.
108. Beijing Qingnian Bao (Beijing Youth Daily). 7 Junho 2010.
Dissect Foxconn: respect “Made-in-China” human dignity [em
chinês].
109. Os resultados do inquérito do Governo são citados em Lu
Xiaohong. 17 Junho 2010. Foxconn raised wages for 5 times in 6
years but with no substantial change: only the ratio of overtime
premiums increases. Diyi Caijing Ribao (China Business News) [em
chinês].
110. Students and Scholars Against Corporate Misbehavior
(SACOM). 25 Maio 2010. Grupos em Hong Kong propuseram à
Foxconn fazer luto pelas mortes, Foxconn recusou responder.
SACOM propôs um salário decente em Shenzhen, considerando os
seguintes elementos: despesas em alimentação de 613 yuans por mês,
um coeficinete de Engel de 0.5, e um rácio de dependência de 1.87
92
(um trabalhador suporta em média 1.87 membros da familía) [em
chinês].
111. Geoffrey Crothall, director de China Labor Bulletin, citado por
Reuters. 2 Junho 2010. Dez trabalhadores nas fábricas chinesas
suicidaram-se para se obter 30 por cento de aumento salarial.
112. Coolloud (Bitter Labor). 28 Maio 2010. Taiwan protestors
outside Hon Hai headquarters [em Chinês].
113. Apelo feito em Taiwan por 180 professores a 13 Junho 2010.
“End to sweatshops, safeguard labor and human rights”!.
114. Xinhua. 13 Maio 2010. Foxconn ‘regrets’ suicide cluster.
115. Tania Branigan. 17 Maio 2010. Latest Foxconn suicide raises
concern over factory life in China. Guardian.
116. China Labor Watch. 18 Maio 2010. “We are extremely tired,
with tremendous pressure,” said Foxconn workers.
117. China Labor Bulletin. 9 Abril 2010. Foxconn suicides highlight
the pressures on young factory workers in China.
118. Evertiq. 24 Maio 2010. Terry Gou: “No blood and sweat shop.”
119. Cindy Sui. 18 Maio 2010. Foxconn calls on monks and
counselors to stem suicides. BBC.
120. Wang Qian. 13 Maio 2010. Foxconn invites monks in wake of
six suicides. China Daily.
121. Barbara Demick and David Sarno. 27 Maio 2010. Suicides roil
factory in China. Los Angeles Times.
122. Nanfang Zhoumo (Southern Weekend). 12 Maio 2010. Break the
suicide “spell” of Foxconn employees [em chinês].
123. Sina. 13 Maio 2010. Foxconn responds to hiring monks:
blessings for workers [em chinês].
93
124. Mingpao Daily. 17 Agosto 2010. Foxconn removes protective
nets from all its facilities in the country [em chinês].
125. Wang Xiang. 5 Agosto 2010. Foxconn seeks “mature” workers
for its Wuhan plant. Shanghai Daily.
126. Renmin Wang (People Net). 12 Setembro 2010. Brief profile of
Terry Gou [em chinês].
127. Li Kecheng. 26 Maio 2010. Foxconn: life in the 10 billion-tax
“lonely island.” Dongfang Zaobao (Oriental Daily) [em chinês].
128. Jason Dean. 11 Agosto 2007. The forbidden city of Terry Gou.
The Wall Street Journal.
129. Yanzhao Dushi Bao (Yanzhao Metropolis Daily). 9 Junho 2010.
Upstream companies exploitations, supplier Foxconn the king falls
from the heavenly grace [em chinês].
130. Li Jinming, director geral da Foxconn, citado por Zhongguo
Xinwen Wang (China News Net). 22 Julho 2009. Foxconn deeply
entrapped in ‘suicides,’ general manager reviewed internal
management deficiencies [em chinês].
131. Sun Danyong, ermpregado da Foxconn,citado por Cheng Wen.
21 Julho 2009. O empregado saltou para a morte e suspeita-se por
estar sobre muita pressão. Nanfang Dushi Bao (Southern Metropolis
Daily) [em chinês].
132. Foxconn Technology Group. 20 Maio 2010. Announcement on
behalf of company subsidiary..
133. China Review News. 20 Maio 2010. Foxconn Beijing tens of
security guards accused of beating employees [em chinês].
134. China.org.cn. 21 Maio 2010. Foxconn confirms guards beat up
workers.
94
135. James Pomfret and Kelvin So. 17 Fevereiro 2010. For Apple
suppliers, loose lips can sink contracts. Reuters.
136. Xinhua. 25 Maio 2010. Another Foxconn employee falls to death
at Shenzhen factory; uma nota encontrada.
137. Deng Fei. 13 Junho 2010. Inside story of Foxconn: cruelty of the
13 young people. Fenghuang Zhoukan (Phoenix Weekly) [em chinês].
138. Nanfang Dushi Bao (Southern Metropolis Daily). 7 Maio 2010.
One more Foxconn employee jumped from building, allegedly
followed by a killer [em chinês].
139. Lu Xin, empregado da Foxconn, citado por CCTV. 11 Maio
2010. Foxconn “seven consecutive jumps” incident. [narrado em
Mandarim, com legendas em chinês].
140. Zhongguo Pinglun Xinwen Wang (China Review News). 13 Maio
2010. Eight consecutive jumps, why? Foxconn eventually reflected on
it [em chinês].
141. Zeng Hongling, Foxconn employee and former university
classmate of Lu Xin, citado em CCTV Xinwen 1+ 1 (News 1 + 1). 11
Maio 2010. Foxconn: “seven consecutive jumps” mystery. [narrado
em Mandarim, com legendas em chinês].
142. Zhou Hongquan, Yang Yan, and Xia Xiong. 17 Maio 2010. Lu
Xin a graduate from Xiangtan University lost his soul at Foxconn, is
domination by machines the root cause for his death? Renmin Wang
(People Net) [em chinês].
143. Jonathan Adams. 14 Junho 2010. China workers suicides: a lost
generation? GlobalPost.
144. Xiao Li, irmão do trabalhador da Foxconn, Zhu Chenming,
citado por CCTV Jingji ban xiaoshi (Economy for half-an-hour). 23
95
Maio 2010. Foxconn “ten consecutive jumps” mystery. [narrado em
mandarim].
145. Jonathan Adams and Kathleen E. McLaughlin. 2009-2010.
Silicon sweatshops (a series of feature stories about workers in
Taiwan and mainland China). GlobalPost; ver também Students and
Scholars Against Corporate Misbehavior (SACOM). 18 Agosto 2010..
146. Mark Lee. 26 May 2010. Suicides among China factory workers
surge, labor group says. Bloomberg Businessweek.
147. As nove assinaturas do texto de 18 Maio 2010 são: Shen Yuan
(Tsinghua University), Guo Yuhua (Tsinghua University), Lu Huilin
(Peking University), Pun Ngai (Hong Kong Polytechnic University),
Dai Jianzhong (Beijing Academy of Social Sciences), Tan Shen
(China Academy of Social Sciences), Shen Hong (China Academy of
Social Sciences), Ren Yan (Sun Yat-sen University), and Zhang
Dunfu (Shanghai University). Veja-se também o texto completo em
Sina Tech [em chinês].
148. Li Ping, Secretário geral do Governo em Shenzhen, citado por
The Mail. 28 Maio 2010. Décimo terceiro empregado na fábrica da
China Foxconn onde se produz o iPhone tentou suicidar-se no meio de
grande polémica sobre as condições de trabalho existentes.
149. Russell C. Leong. 27 Maio 2010. Blood in exchange for gold?
UCLA U.S.-China Comunicado.
150. Garrett Brown. 4 Agosto 2010. Global electronics factories in
spotlight. Occupational Health & Safety.
151. No meio de intensa investigação dos jornalistas sobre os
suicídios na Foxconn em Maio 2010, veio a público a morte de Rong
Bo com 19 anos. Em 8 Janeiro 2010, Rong saltou de um andar do
96
dormitório no campus da Foxconn Langfang na província de Hebei.
Veja-se fonte oficial segundo Xinhua. 21 Maio 2010. O 11º salto para
a morte trouxe a Foxconn para os focos dos media.
152. Veja-se, por exemplo, os artigos relevantes acerca dos suicídios
da Foxconn organizados por Students and Scholars Against Corporate
Misbehavior (SACOM), United Students Against Sweatshops
(USAS), China Study Group (CSG), GoodElectronics, makeITfair,
procureITfair, International Metalworkers’ Federation (IMF), Maquila
Solidarity Network (MSN), Maquiladora Health & Safety Support
Network (MHSSN),GreenIT, and Talking Union.
153. A male student-worker died from falling in Foxconn Foshan
plant on 20 Julho 2010. Xinhua. 20 Julho 2010. Another Foxconn
worker falls to death.
154. Boston Common Asset Management, Trillium Asset
Management Corporation, As You Sow, Domini Social Investments,
and Interfaith Center on Corporate Responsibility. 22 Julho 2010.
International investor coalition urgently calls for improved working
conditions in electronics manufacturing facilities.
155. BBC. 6 Agosto 2010. China Foxconn factory confirms another
worker death.
156. Sophie Beach. 18 Agosto 2010. Foxconn rallies China workers
amid suicide concerns (with photos and a video). China Digital Times.
97
157. Gillian Wong. 19 Agosto 2010. Foxconn gets the pompoms out
to raise morale at “suicide factory.” The Independent.
158. Gillian Wong. 18 Agosto 2010. iPhone maker Foxconn holds
rallies after suicides. The Globe and Mail.
Disponível em http://japanfocus.org/-Jenny-Chan/3408