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QUESTÕES SOBRE A METAFÍSICA, DE ARISTÓTELES 1. Qual a importância para Aristóteles da "história da filosofia" desenvolvida nos capítulos 3-6 do livro I da Metafísica? Aristóteles foi um dos primeiros historiadores da filosofia, ao fazer uma apresentação sistemática dos sistemas filosóficos que o precederam, na Metafísica, especialmente no livro I, capítulos 3-6. Mas essa apresentação, longe de ser uma descrição imparcial de teorias, pretende ser também uma crítica aos filósofos anteriores a ele e um mote para a exposição de suas ideias. Inicialmente, é importante destacar que, para Aristóteles, a Metafísica é a mais elevada dentre as ciências teoréticas 1 , justamente porque não está ligada às necessidades materiais. A metafísica não é uma ciência dirigida a fins práticos e empíricos. As ciências dirigidas a tais fins a eles estão submetidas, não valem para em si e para si, mas só à medida que alcançam aqueles fins. [A metafísica, ao contrário, nasce] de um puro amor ao saber, da necessidade, radicada na natureza humana, de conhecer o porquê último; de fato, prescindindo de qualquer vantagem prática que tal saber possa trazer (...). A metafísica é, pois a ciência que tende exclusivamente a 1 No livro (VI) da Metafísica, Aristóteles classifica as ciências em 3 tipos: a) ciências poiéticas ou produtivas, que têm por finalidade a produção de um objeto concreto ou artístico; b) ciências práticas, que "buscam o saber para alcançar, através dele, a perfeição moral" (REALE, 2003, p. 195); c) ciências teoréticas, que buscam o saber por si mesmo e incluem, além da Metafísica (chamada por Aristóteles de Filosofia Primeira), a Teologia e a Matemática. Dentre os três tipos de ciências, o autor considera que as mais elevadas são as teoréticas.

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QUESTÕES SOBRE A METAFÍSICA, DE ARISTÓTELES

1. Qual a importância para Aristóteles da "história da filosofia" desenvolvida nos capítulos 3-6 do livro I da Metafísica?

Aristóteles foi um dos primeiros historiadores da filosofia, ao fazer uma apresentação

sistemática dos sistemas filosóficos que o precederam, na Metafísica, especialmente

no livro I, capítulos 3-6. Mas essa apresentação, longe de ser uma descrição

imparcial de teorias, pretende ser também uma crítica aos filósofos anteriores a ele e

um mote para a exposição de suas ideias.

Inicialmente, é importante destacar que, para Aristóteles, a Metafísica é a mais

elevada dentre as ciências teoréticas1,

justamente porque não está ligada às necessidades materiais. A metafísica não é uma ciência dirigida a fins práticos e empíricos. As ciências dirigidas a tais fins a eles estão submetidas, não valem para em si e para si, mas só à medida que alcançam aqueles fins. [A metafísica, ao contrário, nasce] de um puro amor ao saber, da necessidade, radicada na natureza humana, de conhecer o porquê último; de fato, prescindindo de qualquer vantagem prática que tal saber possa trazer (...). A metafísica é, pois a ciência que tende exclusivamente a apaziguar essa exigência humana do puro conhecimento. (REALE, 1994, pp. 338-339)

Segundo Aristóteles, só se conhece uma coisa quando se conhecem suas causas,

seu "porquê último". Essas causas, sustenta ele, são quatro, a saber: a) formal:

definição, forma, essência; b) material: a matéria de que é feita; c) motora: quem ou

o quê a fez assim; d) final: para quê foi feita.2

Logo após apresentar sua Teoria das Quatro Causas, o filósofo de Estagira faz sua

"história da filosofia", mostrando como os filósofos anteriores a ele não trataram

dessas quatro causas. Muitos pré-socráticos, segundo Aristóteles, sequer poderiam

1 No livro (VI) da Metafísica, Aristóteles classifica as ciências em 3 tipos: a) ciências poiéticas ou produtivas, que têm por finalidade a produção de um objeto concreto ou artístico; b) ciências práticas, que "buscam o saber para alcançar, através dele, a perfeição moral" (REALE, 2003, p. 195); c) ciências teoréticas, que buscam o saber por si mesmo e incluem, além da Metafísica (chamada por Aristóteles de Filosofia Primeira), a Teologia e a Matemática. Dentre os três tipos de ciências, o autor considera que as mais elevadas são as teoréticas.2 Cf. Metafísica I,3.

ser considerados filósofos, pois apenas se ocuparam da physis. Eles seriam, então,

fisiólogos e só teriam descoberto a causa material. Os pitagóricos e os eleatas

teriam se aproximado, ainda que vagamente, da causa formal. Platão, com sua

Teoria das Ideias, tratou das causas material e formal, mas não se ocupou das

causas final e motora.

Por meio de sua história da filosofia, Aristóteles parece mostrar que cabe ao filósofo

dialogar com a tradição para, a partir dela, desenvolver sua própria filosofia, levando

adiante os questionamentos de seus predecessores.

2. Que relação Aristóteles estabelece nesses textos com a Academia (sobretudo Metafísica, I, 6) da qual ele próprio foi discípulo e com os platônicos?

Tendo sido Aristóteles membro da Academia por cerca de vinte anos, devemos

considerar o diálogo que o filósofo estabelece com as teorias platônicas para que

possamos compreender o seu sistema.

Não se pode compreender Aristóteles senão começando por estabelecer qual foi sua posição em relação a Platão (...). Diógenes Laércio, ainda na antiguidade, escrevia: "Aristóteles foi o mais genuíno dos discípulos de Platão." Uma avaliação exata, se entendermos os termos no seu justo sentido: "discípulo genuíno" de um grande mestre não é certamente aquele que fica repetindo o mestre, e sim aquele que, partindo das teorias do mestre, procura superá-las indo além do mestre, mas no espírito do mestre... (REALE, G.; ANTISERI, D., 2003, p. 191).

De fato, em várias obras aristotélicas encontramos referências diretas ou indiretas à

filosofia platônica, como uma tentativa do discípulo de ir além de seu mestre. Na

Metafísica, dentre os diversos trechos que se poderiam citar, destacam-se as

críticas à teoria das ideias nos capítulos 6 e 9 do livro I.

Aristóteles rejeita o dualismo platônico representado pela teoria das ideias e

apresenta diversos argumentos para sustentar sua tese. Em uma de suas críticas, o

filósofo considera que a essência das coisas não está em outro mundo, o mundo

inteligível, mas nas próprias coisas. Cabe à Filosofia conhecer essas essências, por

meio de um processo que se inicia nas sensações e alcança a intelecção3.

A principal objeção de Aristóteles, porém, se refere à relação entre o mundo

inteligível e mundo sensível. Essa relação, segundo Platão, era uma relação de

participação; mas "o que esta participação ou imitação das ideias será, esqueceram

todos de o dizer" (Metafísica I, 6) – comenta Aristóteles. Por meio da lógica,

entendemos que toda relação necessariamente deve ser de um dos dois tipos:

interna (a existência de elementos comuns entre os dois mundos) ou externa (um

terceiro elemento faria a ligação entre os mundos). No entanto, ambos os tipos de

relação são problemáticos para explicar o conceito de participação da teoria das

ideias. Se considerarmos que a relação entre o mundo inteligível e o mundo sensível

é de natureza interna, diremos que há algo em comum entre os dois mundos, o que

não é o caso, segundo a teoria platônica. Por outro lado, se considerarmos que essa

relação é externa então, diremos que é necessário um terceiro elemento que faça a

ligação entre os dois mundos; para estabelecer a relação entre os dois mundos e o

terceiro elemento, será estabelecido um quarto elemento; e, assim, seria necessário

um número infinito de pontos de ligação externos. (MARCONDES, 2010, pp. 70-71).

3. Como você interpreta a afirmação de Aristóteles de que “todo homem tem por natureza o desejo de conhecer” (Metafísica I, 1)?

Logo no início do texto da Metafísica podemos perceber o diálogo que Aristóteles

trava com seu mestre, Platão. Platão, na alegoria da caverna4, afirma que o

processo de aquisição de conhecimento é doloroso e ocorre por meio do esforço do

indivíduo, sendo experimentado apenas por poucas pessoas. Aristóteles, ao

contrário, afirma que o desejo de conhecer faz parte da natureza humana como um

elemento necessário à auto-realização do indivíduo.

Para justificar sua tese, o filósofo considera que o conhecimento é um processo

acumulativo que se desenvolve por etapas. A primeira é a dos sentidos ou das

sensações, tratados por Platão como sendo pouco confiáveis. Para Aristóteles,

3 Metafísica I, 1.4 Conf. A República, VII.

contudo, os sentidos são o ponto de partida do processo de conhecimento por

proporcionarem um contato direto com o mundo. É interessante, ainda, notar que o

conhecimento proporcionado pelos sentidos é prazeroso, o que pode ser o motivo

inicial pelo qual os homens buscam o conhecimento.

Uma vez que o conhecimento dos sentidos é instantâneo, o indivíduo precisa da

memória para reter os dados recebidos através dos sentidos. Essa é a segunda

etapa. À capacidade de estabelecer relações entre os dados sensoriais retidos na

memória Aristóteles chama de experiência, o primeiro nível de conhecimento que

distingue os homens dos animais, pois apenas aquele chega a esse ponto. As

etapas seguintes são a da arte ou técnica (téchne) e a da ciência (episteme), a

última e mais elevada etapa do processo de conhecimento.

4. Qual a relação entre episteme e techné na Metafísica I,1?

A techné pode ser traduzida por arte ou técnica, já que os gregos não faziam

distinção entre os dois conceitos. É um conceito ligado ao conhecimento de técnicas

produtivas, um "saber fazer", de tal modo que a techné "consiste não apenas em um

conhecimento prático, mas já em um conhecimento das regras que permitem

produzir determinados resultados" (MARCONDES, 2010, p. 81).

Já a episteme (ciência) é a etapa mais elevada do conhecimento, pois ela busca

conhecer o real em seu sentido mais amplo, buscando as causas primeiras, os

princípios que fundamentam e governam a realidade (arché). A episteme,

diferentemente da techné, não tem por objetivo alcançar fins práticos; antes se

apresenta como o puro desejo de conhecer tão característico da natureza humana,

segundo Aristóteles5.

E é justamente por ter esse caráter contemplativo, abstrato e generalista que

Aristóteles considera a episteme superior à techné, pois esta, sendo um saber

aplicado, se restringe aos limites de um fim específico, de um resultado esperado. Já

o saber científico, na concepção aristotélica, é um saber gratuito, desvinculado de

aplicação prática, o que o torna mais livre.

5 Metafísica I, 1.