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Duarte da Cruz BuchoDireito da União Europeia 2009-2010 Questões prejudiciais 1.O Tribunal de Justiça e as questões prejudiciais Ao TJ são atribuídas competências jurisdicionais em diversos domínios, sendo um dos quais – o que nos interessa – no domínio da interpretação e aplicação uniformes do Direito Comunitário. Factor predominante no estudo das questões prejudiciais será a inexistência de uma hierarquia entre o TJ e os Tribunais Nacionais: não lhe cabe, em circunstância alguma reformar as decisões proferidas na ordem interna, em que se faça aplicação do Direito da União, ou anular os actos dos Estados contrários ao mesmo. Essa é uma característica eminentemente federalista que (ainda?) não existe na ordem jurídica da União. Acordão HUMBLET: A competência do Tribunal (…) não lhe permite imiscuir-se directamente na legislação ou administração dos EM. O tribunal não tem, pois, competência para anular ou revogar a legislação de um EM ou os actos Administrativos das suas Autoridades. O TJ arroga-se, no entanto, a competência de censurar, embora indirectamente, o desrespeito dos tribunais nacionais no acatamento da regra do 267º, através da acção de incumprimento – 258º e ss. Fala-se, em vez de hierarquia, em cooperação entre os tribunais dos EM e o TJ. Essa necessidade de cooperação é eminente, por força do princípio da aplicabilidade directa, que confere às pessoas a capacidade de se valerem dos direitos que decorram do Direito da União. Tal não postula, no entanto, que o TJ conheça todas as questões e litígios que surjam quando seja invocada a aplicação do Direito da União. O TJ detém apenas uma competência de atribuição. Como corolário do referido princípio da cooperação podemos referir também que não é possível um recurso dos tribunais nacionais para o TJ. No entanto, quando chamados a julgar pleitos que comportem a aplicação do Direito Comunitário, é frequente que o juiz tenha dificuldades na interpretação das normas, ou até que, sendo-lhe posta uma questão que necessite de um juízo de validade sobre uma norma ou um acto da União, este não saiba se é lícito ou não

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1.O Tribunal de Justiça e as questões prejudiciais

Ao TJ são atribuídas competências jurisdicionais em diversos domínios, sendo um dos quais – o que nos interessa – no domínio da interpretação e aplicação uniformes do Direito Comunitário.

Factor predominante no estudo das questões prejudiciais será a inexistência de uma hierarquia entre o TJ e os Tribunais Nacionais: não lhe cabe, em circunstância alguma reformar as decisões proferidas na ordem interna, em que se faça aplicação do Direito da União, ou anular os actos dos Estados contrários ao mesmo.

Essa é uma característica eminentemente federalista que (ainda?) não existe na ordem jurídica da União.

Acordão HUMBLET: A competência do Tribunal (…) não lhe permite imiscuir-se directamente na legislação ou administração dos EM. O tribunal não tem, pois, competência para anular ou revogar a legislação de um EM ou os actos Administrativos das suas Autoridades.

O TJ arroga-se, no entanto, a competência de censurar, embora indirectamente, o desrespeito dos tribunais nacionais no acatamento da regra do 267º, através da acção de incumprimento – 258º e ss.

Fala-se, em vez de hierarquia, em cooperação entre os tribunais dos EM e o TJ.Essa necessidade de cooperação é eminente, por força do princípio da aplicabilidade

directa, que confere às pessoas a capacidade de se valerem dos direitos que decorram do Direito da União. Tal não postula, no entanto, que o TJ conheça todas as questões e litígios que surjam quando seja invocada a aplicação do Direito da União. O TJ detém apenas uma competência de atribuição.

Como corolário do referido princípio da cooperação podemos referir também que não é possível um recurso dos tribunais nacionais para o TJ.

No entanto, quando chamados a julgar pleitos que comportem a aplicação do Direito Comunitário, é frequente que o juiz tenha dificuldades na interpretação das normas, ou até que, sendo-lhe posta uma questão que necessite de um juízo de validade sobre uma norma ou um acto da União, este não saiba se é lícito ou não julgar a validade do acto ou norma em relação às regras de fundo ou forma dos Tratados.

Tais dúvidas e dificuldades não poderiam ser resolvidas a nível nacional, como é óbvio, tendo em conta a necessidade intrínseca e essencial à própria sobrevivência da EU – a uniformidade da aplicação das suas regras. Nas palavras dum presidente do TJ, Lecourt: Sem ela, a Comunidade resolver-se-ía numa simples justaposição de independências, interligadas mediante simples recomendações. Nada poderia ser mais nocivo à integração europeia.

Constata, o Sr.Prof. Fausto de Quadros que este é “um instrumento fundamental da integração jurídica no seio da União e, simultaneamente, da criação de Direito Comunitário por via pretoriana”.

Instituiu-se, assim, o sistema do reenvio prejudicial, ou da acção prejudicial, ou ainda das questões prejudiciais (diferentes terminologias).

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2.Razões que presidem à cooperação e à existência do art. 234º

Ana Guerra Martins sintetiza:

a) A aplicação descentralizada do direito comunitário – o juiz nacional é-o também de direito comunitário

b) Assegurar a uniformidade do Direito da União na sua aplicação (como foi acima referido)

c) Assegurar a estabilidade do direito derivadod) Favorecer o desenvolvimento do DUE – as grandes decisões jurisprudenciais são, na

sua maioria, resultado do reenvio prejudiciale) Protecção jurídica dos particulares, que podem, assim, conseguir uma correcta

aplicação do direito comunitário

O Sr. Professor Fausto de Quadros e João Mota de Campos falam também numa razão importantíssima, para além das referidas: por uma questão de economia de tempo e racionalidade, seria impossível ao TJ ajuizar todas as questões em que se aplicasse o DUE, ou estaria inconvenientemente sobrecarregado com questões menores.

Esta razão releva também, pois modelou o sistema, presidindo à construção maleável do processo das questões prejudiciais como o conhecemos.

Embora tal razão esteja mais ligada ao reenvio facultativo e à existência de uma cláusula de exclusão de algumas questões que, pela sua insignificância não mereçam ser colocadas ao TJ (art.267º §2) – questões que serão tratadas mais à frente -, parece-me que tal é também uma razão para que o sistema seja o que está instituído.

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3.As questões prejudiciais e o seu sistema

Podemos, desde logo, fazer referência ao artigo 19º do TUE, que no seu nº3, alínea b), que estabelece a competência do TJU para decidir as questões que lhe sejam colocadas a título prejudicial pelos órgãos jurisdicionais nacionais. É como que uma antevisão mais genérica do regime que vem desenvolvido no 267º.

Este artigo vem, em substância, suceder o antigo 220º TCE. O regime referente às questões prejudiciais vem desenvolvido, como foi referido, no artigo

267º do TFUE.

3.1.Âmbito de aplicação do art 267ºTUE:

3.1.1. A expressão “dos Tratados” (al. a))

Podemos dizer que o art. 267º, na expressão “dos Tratados”, na alínea a), veio consagrar as concepções doutrinais que já davam à expressão “do presente Tratado” o mesmo significado. A doutrina entendia que esta última expressão devia ser interpretada latamente, abrangendo já os tratados de Roma, incluindo os de revisão, mas também as declarações, os protocolos e outros instrumentos anexos.

Á luz do Tratado de Lisboa podemos dizer a mesma coisa: a expressão “dos Tratados” abrange todo o direito originário do Tratado da União Europeia e o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, assim como as declarações, os protocolos e demais anexos dos Tratados, o que se pode retirar do art.51º do TUE, que os integra nos respectivos Tratados.

3.1.2. A expressão “actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União” (al b))

Os actos aqui referidos são os actos referidos no 288º, inclusive os actos não vinculativos. Isto é, estão sujeitos à interpretação e apreciação da validade:

- o regulamento;- a directiva;- a decisão;- os pareceres e recomendações (ac. Giordano Fracasseti e ac. Deutsche Shell)- as resoluções e outros actos atípicos (ac. Carl Schluter e ac. Manghera)Foi o Acórdão de 20 de Maio de 1976 que veio fixar tal orientação, pois antes a

concepção acerca do sentido da referida expressão (na versão que se encontrava na altura: “actos emanados das Instituições Comunitárias”) era controversa, opinando uns no sentido que veio a ser fixado, outros no de que apenas se consideravam abrangidos os actos directamente aplicáveis e invocáveis nas ordens jurídicas nacionais, ou ainda outros actos que possam produzir efeitos de direito.

Junto destes actos, o Senhor Professor Fausto de Quadros faz notar que se encontram neste âmbito também os actos de direito interno que remetam expressamente para o DUE. Esta orientação, tomada no Ac. Federconsorzi, não deixa de ir contra a norma do 267º. Mais uma vez, o TJ procede a uma interpretação teleológica das disposições do Tratado.

Incluem-se também aqui: (Ana Guerra Martins, sobre as 2 primeiras alíneas)

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- questões prejudiciais sobre direito não escrito, v.g. princípios gerais de direito;

- dúvidas que o tribunal nacional possa ter sobre o alcance de acórdãos anteriores ou, até, de actos jurisdicionais;

- acordos internacionais em que a Comunidade é parte.Esta última alínea merece um pequeno desenvolvimento.A natureza bilateral e convencional desses acordos faz com que se encontrem

excluídos da interpretação e apreciação de validade por parte do TJUE?A doutrina, baseada na jurisprudência constante do TJUE, ver acórdãos p.114,

responde afirmativamente: um acordo concluído pelo Conselho, nos termos do 217º e 218º do TFUE, com ou sem aprovação do Parlamento Europeu, segundo o Tratado de Lisboa, não deixa de ser um acto adoptado por uma instituição europeia, fazendo parte da sua ordem jurídica quando entra em vigor e, como tal, enquadrar-se-á na previsão do 267º.

O Ac. 4.7.2000 veio consolidar esta ideia.Vem, no entanto, levantar problemas a apreciação da validade de disposições de

acordos internacionais, caso sejam declaradas inválidas na sequência de uma questão prejudicial.

3.1.3. Actos nacionais

A conformidade dos actos de direito nacional com o direito comunitário não pode ser apreciada a título de questão prejudicial. (Acs. Adlerblum, Eggers, Bonfait, etc.)

O TJUE pode, no entanto, facultar todos os elementos ao juiz para que ele faça essa apreciação (Rewe Zentrale V, Sodiprem, Kefer)

Os actos nacionais puramente internos não podem ser objecto de reenvio prejudicial, e bastava, para isso, que se invocasse o princípio da especialidade das atribuições da EU. Tal retira-se também da letra do 267º. Um fenómeno curioso regista-se, no entanto, a este nível: a jurisprudência do TJUE considera que, caso voluntariamente um Estado adeqúe a sua legislação à orientação Europeia, mesmo que a nível estritamente interno, existe um interesse comunitário na interpretação futura uniforme dessas disposições. (Acs. Leur-Bleon e Andersen)

Ainda dentro do tema, o Senhor Professor Fausto de Quadros refere, singularmente dentro da doutrina lida para o tema, que, a exemplo do que a jurisprudência no Simmenthal vem consagrar, o TJUE pode ter como ponto de referência a norma nacional que esteja em causa. Isto na medida em que, avaliando-se, por exemplo, o problema do primado do direito da União sobre os direitos nacionais, é impossível deixar de ter em conta a norma nacional que bole com a norma da União.

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3.2. A expressão “interpretação”

O juiz nacional tem competência no sentido de julgar questões de aplicação de Direito da União, como foi referido acima.

Para aplicar uma norma, seja que norma for, é sempre necessário um processo de interpretação, mais ou menos complexo, conforme a clareza ou não da norma em jogo, de forma a extrair um sentido exacto e unívoco.

No caso de as disposições serem claras e facilmente determináveis para o juiz nacional, então este poderá, sem reenviar a questão, decidir. A sua decisão poderá, sempre, ser objecto de recurso para um tribunal superior, como será dito à frente.

No entanto, pelo facto de ser um direito novo, dinâmico e recheado de conceitos e princípios que lhe são muito próprios, é frequente que surjam dúvidas na sua interpretação.

Há, aqui, uma questão inerente à própria ciência do Direito que se prende com a ténue linha que separa a interpretação da aplicação do direito. Podemos até referir a doutrina de Castanheira Neves ou de Baptista Machado, assim como a orientação geral da Escola de Coimbra, que considera a existência de um continuum no direito, desfazendo essa fronteira. Parece desadequado a uma avançada ciência do direito considerar que existe uma fronteira entre a aplicação e a interpretação. Parece impossível que, através de um critério formal, se determine essa fronteira, desconsiderando a complexidade dos processos psicológicos e valorativos atinentes a uma determinada questão. É um problema complexo e extravasa o tema em discussão.

Mesmo assim, a problemática levanta questões práticas que são reconhecidas pela jurisprudência, nomeadamente no famoso Acórdão Costa/Enel. Como será visto à frente, esta polémica tem repercussões reais: o TJUE apenas se considera competente para interpretar o DUE a título prejudicial, deixando essa aplicação para os tribunais nacionais.

MOTA CAMPOS resolve sinteticamente a questão: o tribunal nacional aplica as normas comunitárias conforme a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça e, em contrapartida, compete ao TJUE extrair da fundamentação do reenvio os elementos de direito da União que necessitam de interpretação, tendo em conta sempre o objecto do litígio (Ac.Tissier, p.e.).

Há portanto, uma repartição de competências inevitável, tendo em conta o princípio da cooperação judiciária, consagrada pelo 267º. A questão é objecto de considerações jurisprudenciais no Acórdão PIGS MARKETING BOARD: é da competência exclusiva do juiz nacional o conhecimento dos aspectos de facto e dos argumentos das partes. É também sua a competência de apreciar a pertinência das questões de direito suscitadas pelo litígio e de verificar a necessidade do reenvio.

Não obstante esta limitação do TJUE, tem sido prática comum da jurisprudência interpretar a palavra interpretação (passe a redundância) de uma forma lata bastante para contornar o problema, nomeadamente: decidindo que uma norma é directamente aplicável, afirmando a primazia do Direito da União, definindo critérios de interpretação, estabelecendo os efeitos dos actos comunitários. Nomeadamente, fixando o campo de aplicação da norma em razão do tempo, do sujeito e da mateira, decidindo os seus efeitos…

Ainda quanto ao problema da interpretação versus aplicação, é imperativo referir que é muito difícil que os acórdãos se dissociem totalmente do contexto factual do processo, na medida em que estes se confundem necessariamente com a questão-de-direito que foi

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submetida ao TJUE pelo tribunal nacional. Tem de haver um diálogo construtivo e complexo entre o TJUE e os tribunais nacionais, de modo a efectivar a cooperação judiciária.

Resolvendo este problema, o TJ, nas palavras do Senhor Professor Fausto de Quadros “tem privilegiado uma posição de equilíbrio” entre a excessiva abstracção do TJ em relação aos factos e a demasiada aproximação do mesmo a estes. Será, então, a solução que o TJ forneça a interpretação da norma ou acto em termos tais que permita às jurisdições internas “tirar dela as consequências adequadas à aplicação” do direito, decidindo materialmente o litígio.

Outra solução “desvirtuaria o sistema de repartição de competências entre a jurisdição comunitária e a jurisdição dos tribunais nacionais”, fazendo cair essas actuações numa tendência hierarquizadora do sistema judiciário europeu e, portanto, federalista, que nenhum proveito traria ao nível de integração actual.

3.3. A expressão “apreciação de validade”

Esta expressão, presente na al b), refere-se exactamente aos mesmos actos que foram enunciados no nº2 deste capítulo. Como tal, exclui-se automaticamente a apreciação de validade de disposições dos Tratados, não fosse o TJ um órgão jurisdicional criado pelos próprios tratados. Um tribunal constitucional também não avalia a validade da própria constituição…

Isto dito, devem ser feitas três ressalvas importantes:

- as sentenças do TJ não podem ser apreciadas quanto à sua validade, como podiam ser interpretadas – despacho Wunsche;

- os actos de conteúdo individual (decisões, p.e.) susceptíveis de recurso de anulação não poderiam, segundo a orientação do TJ, ser objecto de apreciação de validade, caso os sujeitos legítimos para recorrer não o fizessem nos termos do 263º (Ac. Textilwerke Deggendorf e Wiljo). O Ac. Accrington Beef veio limitar o ponto de vista anterior da jurisprudência, que excluía totalmente a invocação da invalidade de uma norma de DUE perante o tribunal nacional que já tivesse sido possível perante o TJUE em sede de recurso de anulação, permitindo que seja reenviada a questão prejudicial sobre uma directiva ou regulamento. Tal não procede, como explica o Senhor Professor, na medida em que se confunde a perda subjectiva de um direito com a situação objectiva da cooperação judiciária, isto é, quando se impossibilita o reenvio prejudicial da apreciação de validade, está-se a proibir o tribunal e não o particular. Se o particular perdeu o direito de recorrer à anulação, o tribunal nacional não deve perder, ainda assim, a possibilidade de colocar a questão prejudicial perante o TJUE. A proibição recai, assim, reflexamente, no tribunal nacional e não no particular que perdeu o prazo.

- caso o TJ decida pela invalidade de uma norma internacional, tal poderá apenas ter efeitos a nível interno, ou cair-se-á na responsabilidade pelo incumprimento estabelecida pela Convenção de Viena. (Ac. International Fruit)

A apreciação de validade é feita em relação ao bloco de legalidade constituído por:

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- Direito originário (disposições dos Tratados)- Direito derivado;- Tratados internacionais a que a U.E. se encontra vinculada;- Princípios gerais de direito;- Princípios gerais da UE;- Princípios gerais de Direito internacional, principalmente os codificados na

Convenção de Viena.

À expressão “validade” dá o TJ uma interpretação lata, tendo tal concepção grandes efeitos práticos, ora veja-se: há uma limitação no 263º relativa à legitimidade dos particulares, que apenas permite o recurso directo dos particulares que são destinatários dos actos ou que lhes digam directa e individualmente. Esta norma fechou ainda mais a legitimidade do anterior artigo 230º, que admitia que fosse legítimo a alguém recorrer de um acto ainda que só fosse implicitamente destinatário. Já o 267º permite que os particulares invoquem a todo o tempo a ilegalidade/invalidade de fundo ou de forma de qualquer acto das Instituições da União Europeia. Como tal, temos neste artigo uma legitimidade alargada.

3.3.1. As causas de Invalidade

São susceptíveis de invocação contra um acto adoptado pelas Instituições as seguintes causas de invalidade:

1º - Incompetência da Instituição que adopta o acto;2º - Vícios de forma (formalidades essenciais)3º - Desvio de poder4º - Violação da legalidade comunitária (i.e. do bloco de legalidade que

acima foi referido)

Coincidem, estas causas, com as que podem ser invocadas em sede de recurso de anulação, nos termos do 263º.

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3.4. A expressão “órgão jurisdicional”

Chegados a este ponto, já sabemos que são os tribunais nacionais, isto é, os órgãos de jurisdição interna, que suscitam a questão prejudicial junto do TJUE.

O problema que se depara, aqui, é que, com a diversidade de organizações judiciárias nos Estados-Membros, era necessário estabelecer os critérios que permitem atribuir a classificação de órgão jurisdicional a um determinado órgão. Para tal, poderia seguir-se um de dois critérios: ou se considerava que os órgãos jurisdicionais eram aqueles que eram considerados como tal à luz do direito nacional, ou haveria que estabelecer uma noção comunitária de “jurisdição”.

Como o Senhor Professor afirma, o TJ considera que cabe ao Direito da União construir um conceito comunitário de “tribunal”. Uma exigência, sem dúvida, da uniformidade na interpretação e na aplicação, que, como já referimos, é essencial à própria existência da U.E.

Para chegar ao conceito, o TJ utiliza 2 tipos de requisitos: de natureza orgânica e de natureza funcional.

Requisitos orgânicos:

A questão pôs-se quando um órgão holandês, o “Scheidsgerecht”, que não era considerado pela ordem jurídica interna holandesa, suscitou a questão de ser ou não legítimo o reenvio prejudicial.

Na análise a esta questão, o TJ considerou que este podia considerar-se um órgão de jurisdição, na medida em que preenchia os requisitos. Para isso, teve de definir os mesmos:

- origem legal do organismo;- autonomia em relação às partes;- carácter permanente;- carácter obrigatório;- respeito do princípio o contraditório;- no julgamento têm de ser aplicáveis regras de direito;- o acto que o órgão adopta deve ter carácter jurisdicional.

Esta decisão ficou consagrada no acórdão Vaassen-Gobbels.Posteriormente, vários acórdãos confirmaram estes requisitos, aumentando

ou diminuindo a exigência, mas nunca fugindo muito à jurisprudência estabelecida pelo acórdão referido supra. (Osterreichischer, Broekmeulen, Poloti, Dorsch Consult, Galbafrisa…)

O Acórdão Doris Salzmann vem acrescentar o requisito da independência, que já estava implícita no Vaassen-Gobbels.

Posteriormente o acórdão Corsica Ferries vem tornar dispensável o princípio do respeito pelo contraditório.

Indispensável será sempre o requisito do “acto que o órgão adopta deve ter carácter jurisdicional”.

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3.4.1. O problema dos tribunais arbitrais

A admissibilidade do reenvio prejudicial feito por um tribunal arbitral merece ser tratado com algum cuidado e, como o Senhor Professor refere, não pode ser considerado um problema despiciendo, na medida em que grande parte dos EM caminham no sentido de ter cada vez mais este género de tribunal. O facto de os tribunais arbitrais terem uma natureza variável e não uniforme faz com que tenha de haver uma decisão para cada caso concreto.

A jurisprudência tem decidido maioritariamente no sentido de aceitar o reenvio prejudicial destes tribunais, desde que cumprindo os requisitos do Vaassen –Gobbels.

É exemplo desta exigência a situação do acórdão Nordsee, em que as partes atribuem a um órgão estabelecido pela vontade das partes a competência da decisão, sendo que essa decisão teria carácter jurisdicional e o órgão teria de decidir de acordo com a lei. O TJ considera que, não havendo obrigatoriedade, então não poderia ser considerado um órgão jurisdicional: os EM não podem delegar a competência do reenvio prejudicial em entidades privadas, como vem a ficar consagrado no Ac Broekmeulen.

Posteriormente, a questão é resolvida de maneira diferente: o Ac. Handels vem confirmar a natureza casuística do problema. Cumprindo os requisitos, então o reenvio foi autorizado.

Questão diferente, tratada por alguma doutrina mas que ainda não teve sagração jurisprudencial é a de saber se os “tribunais constitucionais” de cada país têm esta competência.

3.4.2. Requisitos funcionais

Limitando, por outro lado, o conceito de órgão jurisdicional da União, temos o requisito de que um órgão, para ter esta classificação, deve exercer a função jurisdicional. A amplitude deste requisito acabou por ser bastante grande, havendo inclusivamente o acórdão em que parece que é desrespeitado (Haaga).

Ficam, no entanto, de fora, os órgãos com mera competência administrativa.

Um último corolário destas limitações será a impossibilidade que é inerente a qualquer órgão internacional de poder suscitar prejudicialmente ao TJ qualquer questão.

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3.5. Questões prejudiciais facultativas e obrigatórias

De entre vincular os tribunais a reenviar sempre as questões prejudiciais ou então nunca terem de o fazer, a solução foi a de não decidir nem num nem noutro sentido. De facto, estabeleceu-se um sistema equilibrado, que permite uma economia de tempo, racionalidade e sempre o garante da uniformidade na interpretação e aplicação do direito da União.

Deu-se aos tribunais inferiores a possibilidade, a faculdade, de o fazer (já veremos se com limitações ou não) e aos tribunais máximos, onde já não seja possível recurso, a obrigatoriedade de reenviar.

Tomaremos, então, de seguida, cada uma das hipóteses,

3.5.1. O reenvio prejudicial facultativo

Os tribunais de instâncias inferiores têm a faculdade de reenviar prejudicialmente a questão aquando estejam em causa normas de DUE, bastando para isso que tenham dúvidas na sua aplicação, ou estão sujeitos a algum limite.

No acórdão Rheinmuhlen, o TJUE decide claramente no sentido de não se poder colocar internamente qualquer entrave ao reenvio prejudicial. Tal nitidamente resulta do princípio do primado do direito da União. Apenas um limite se estabelece: a questão colocada pela instância inferior não poderia ser materialmente idêntica a uma já colocada pelo órgão jurisdicional de última instância.

Nem mesmo um Tribunal Constitucional poderia colocar entraves a esta faculdade, o que resulta já, claramente, do Simmenthal.

É, neste sentido, dever do juiz ignorar qualquer norma interna, por mais elevada hierarquicamente que seja, que ponha em causa os princípios da aplicabilidade directa e do primado.

Mais recentemente, em 1991, o ac. Mecanarte reitera esta posição.

Há, no entanto, limitações ao reenvio: havendo um recurso interno com efeito suspensivo ou revogatório, então o tribunal interno que efectuou o reenvio deverá avisar o TJUE de tal ocorrência, devendo este tirar da informação as devidas consequências, podendo adiar ou abandonar a questão. Isto porque qualquer decisão que fosse tomada pelo TJUE seria inútil.

O TJUE pode, também, considerar que a questão colocada é inútil, não tendo relevância para a decisão do litígio, porque é uma questão geral, hipotética ou fictícia, originando que a resposta não seja de qualquer relevância para a resolução do caso concreto. Muito embora esta seja a orientação geral, em vários acórdãos excepcionaram-se soluções: no ac. Costa/Enel, por exemplo, que era uma simulação

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de processo entre as partes; ou no ac. Bertini, em que, mesmo com dúvidas da utilidade da resposta à questão, o TJUE, deixando isso expresso, responde.

A questão pode ser suscitada pelas partes ou pelo juiz em qualquer fase do processo, desde que decorra mesmo um processo, competindo ao juiz avaliar a pertinência da questão a reenviar.

3.5.2. O reenvio prejudicial obrigatório

Torna-se obrigatório para o juiz suscitar a questão prejudicial junto do TJUE sempre que, havendo dúvidas na interpretação, validade e aplicação do direito da União, não seja possível recorrer da decisão do órgão jurisdicional ao qual o juiz pertence. A teleologia desta obrigação é impedir a formação de jurisprudência nacional contrária ao DUE.

Há que precisar alguns pontos em relação ao reenvio obrigatório.

Antes de mais, será necessário definir o conceito de “recurso judicial de direito interno”. O recurso deve ser ordinário e interposto na mesma organização hierárquica. Deverá ser de direito interno, não cabendo aqui qualquer recurso possível a tribunal internacional. Se cada uma das partes puder, livremente, pedir o reexame do litígio a outro tribunal, então existe recurso judicial, independentemente de ser esse o nome ou não que lhe é atribuído na ordem interna.

Em relação ao problema de saber quais os tribunais sujeitos a reenvio obrigatório, a doutrina diverge, apresentando duas teorias:

- a orgânica, em que só os tribunais que se encontram no topo da hierarquia judiciária, i.e., os supremos tribunais, estão obrigados ao reenvio;

- a do litígio concreto, em que o tribunal só tem de ser supremo no litígio em concreto.

MOTA CAMPOS subscreve a primeiraAna Guerra Martins e o senhor Professor consideram que procede apenas a

segunda, como fixou a jurisprudência no caso Costa/Enel e Hoffman – La Roche, pois só ela assegura e efectiva a uniformidade da aplicação do direito da União.

A título de exemplo, podemos referir alguns dos tribunais supremos dos diferentes países:

- Em Portugal: o STA, o STJ;- Na Alemanha: o Bundesgerichtshof, o Bundessozialgericht, o

Bundesfinanzhof…- Na França, Itália e Bélgica: Tribunal da Cassação e Conselho de

Estado;- Na Holanda: o Hoge Raad, o Raad Van State, o Colégio Van Beroep…- No Luxemburgo: o Tribunal Superior de Justiça e o Conselho de

Estado;

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- No Reino Unido: a Câmara dos Lordes;- etc.

Questão controversa tem sido a de saber se os órgãos jurisdicionais fiscalizadores da constitucionalidade estão sujeitos a esta obrigação. O tribunal alemão pronunciou-se em sentido positivo, enquanto o italiano pronunciou-se negativamente. O Tribunal Constitucional porrtuguês considera-se abrangido por esta obrigação.

Outra posição não pode ser admitida, parece-me - e a doutrina depõe também nesse sentido. O primado das normas de DUE sobre o direito interno, mesmo o constitucional, é imperativo e essencial para o correcto funcionamento da ordem jurídica europeia. Excepções a este princípio não devem ser admitidas, mesmo que se trate duma decisão ao nível do Tribunal Constitucional. Apenas concepções agarradas ao princípio da soberania total do Estado podem negar tal posição, e estarão redondamente enganadas e desenquadradas. Um tribunal constitucional tem de estar sujeito ao reenvio obrigatório, caso contrário uma decisão a este nível, que tem até, tantas vezes, efeitos retroactivos e força obrigatória geral, poderia acabar por contrariar o DUE. Uma prática frequente neste sentido originaria uma quebra na uniformidade da aplicação do direito, com os efeitos nocivos e destruidores referidos supra.

3.5.3. As excepções à obrigação de reenvio

A obrigação de reenvio da última instância pode não existir se se verificar alguma das seguintes excepções: (Ac. Cilfit)

-A questão não é necessária nem pertinente para a formação da decisão do litígio concreto, sendo que cabe ao juiz decidir se o litígio é mesmo resolvido à luz do direito da União ou à luz do direito interno;

- Há uma decisão interpretativa anterior do TJUE, isto é, o TJUE já se pronunciou sobre a interpretação da norma ou normas invocadas para a resolução do caso concreto ou sobre a sua validade. (Ac. Da Costa) Se a questão for materialmente idêntica à que já foi objecto de análise pelo TJUE, então o tribunal estará dispensado de reenviar a questão.

Note-se, no entanto, que, não sendo obrigatório, o reenvio é ainda possível, se o tribunal nacional não se der por satisfeito quanto à decisão anterior, ou se achar que esta não é suficientemente clara, de modo a resolver directamente o caso concreto.

Repare-se, aqui, que o Tribunal poderá agir de duas maneiras:. ou decide em sentido contrário;. ou mantém a decisão, podendo simplificar o processo de julgamento.

- Por último, se o acto a interpretar ou a apreciar a validade for claro e evidente, não suscitando dúvidas quanto à sua aplicação, então o juiz pode não efectuar o reenvio prejudicial. Como foi acima referido, há sempre interpretação, não procedendo o velho brocardo in claris non fit interpretatio. O que pode haver é situações em que essa interpretação seja de tal modo simples que não será racional nem plausível que haja reenvio, podendo o juiz simplesmente aplicar a norma de direito da União. A esta teoria são ainda apostas outras duas críticas: que pretende

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tornear a repartição de competências e que é um obstáculo à aplicação uniforme do direito da União. Na dúvida, o juiz deverá sempre reenviar a questão. A invocação indevida desta excepção origina uma acção por incumprimento.

3.5.4. Uma excepção ao regime: os tribunais de instâncias inferiores também podem estar sujeitos à obrigação de reenvio

Da letra do artigo 267º seria impossível retirar outra coisa que não fosse a simples faculdade ou possibilidade dos tribunais inferiores colocarem a questão prejudicial ao TJUE, não estando nunca a isso obrigados.

Tal não acontece: estes tribunais não são competentes para julgar e declarar a invalidade de uma norma ou acto comunitário, mesmo que os particulares possam, depois, pedir recurso perante tribunal superior. Esta concepção provem do acórdão Foto-Frost. Repare-se, nesta situação, como se assiste a uma elaboração pretoriana do direito com evidente relevância para o funcionamento da ordem jurídica europeia.

Esta é uma verdadeira criação jurisprudencial contra legem. Como é que uma construção jurisprudencial pode ir tão contra o que é letra do Tratado?

Argumenta o TJUE, no célebre Foto-Frost:-que tal não estava resolvido no 177º (actual 267º);-que o juiz pode julgar pela validade do acto comunitário, se considerar

que a causa de invalidade invocada não procede.

De facto, se o juiz nacional pudesse declarar a invalidade de um acto de direito da União, então daria origem a divergência profundas na aplicação do direito da União, algo que a própria norma pretende evitar. Estariam em causa os princípios da uniformidade e da segurança jurídica da própria ordem jurídica da União.

Além disso, este sistema permite que O TJUE controle com mais acuidade a legalidade dos actos, estabelecendo-se, assim, um “sistema completo de recursos”.

Não deixa também de ser uma exigência da coerência do sistema, pois é apenas o TJUE que pode, também, em sede de recurso de anulação, nos termos do 263º, anular um acto.

Como o Senhor Professor bem refere, há uma “privação de liberdade” dos tribunais de instâncias inferiores.

É de criticar esta verdadeira revisão judiciária, que não apresenta argumentos de maior para ir contra a letra do 267º. Ainda mais, repare-se, porque com a revisão de Lisboa não foi inscrita esta construção jurisprudencial que derroga parcialmente a letra do artigo.

Mesmo que se compreendam os argumentos que depõem em favor desta jurisprudência, seria de esperar que, por razões evidentes de clareza e de segurança jurídica, esta tivesse sido plasmada na letra do tratado durante a revisão.

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4. Efeitos dos Acordãos Prejudiciais

4.1. Efeitos materiais

Desde logo, é fácil constatar que o tribunal nacional que colocou ao TJUE a questão prejudicial não pode resolver o caso concreto indo contra o que foi decidido pelo TJUE. O mesmo raciocínio se aplica aos tribunais dos EM em que suscitem a mesma questão. Mais uma vez, é a exigência de uniformidade que está em jogo. Admitir a liberdade do juiz na aplicação do direito após a emissão do acórdão do TJUE seria atentar contra o próprio sistema das questões prejudiciais. Essa vinculação do juiz atinge, não só a decisão mas também a sua fundamentação.

A difícil dialéctica entre 2 pólos adversos - a liberdade de decisão do litígio, em nome do princípio da repartição de competências entre o TJUE e os tribunais nacionais, que espelha o sistema de cooperação judiciária estabelecido; e a uniformidade de interpretação e aplicação do direito da União –, tão essencial à coerência do sistema levou a que o TJUE construísse um sistema de equilíbrio, que acabou por se mostrar semelhante ao sistema da common law, instituindo a regra do precedente.

Explicitando: o tribunal que suscitou a questão e os restantes tribunais do espaço europeu estão vinculados às conclusões do acórdão prejudicial – como ficou estabelecido no ac. Milch-, Fett-, und Eierkontor; ainda assim, caso a questão seja novamente colocada, a decisão anterior pode ser revista ou modificada, alterando o conteúdo e o sentido do acórdão anterior – Ac. Barber.

Nomeadamente quanto ao acórdão interpretativo podemos dizer que este se incorpora na norma que interpreta, vinculando a sua aplicação no sentido e alcance que foi definido pelo acórdão.

No âmbito da apreciação de validade, caso o acto seja declarado inválido, mesmo assim não desaparece da ordem jurídica. Vincula, no entanto, quer os tribunais, quer os órgãos da EU quer os EM a desaplicar o acto em causa, estabelecendo um dever de eliminação do acto em causa da ordem jurídica da União Europeia. (Ac Quellmehl e Gritz mais).

O acto declarado inválido origina no particular o direito de invocar a excepção de ilegalidade e a acção de responsabilidade (arts. 268º e 340º)

O acto que seja declarado válido produz efeitos obrigatórios e vincula o juiz, que não pode recusar a sua aplicação ao caso concreto.

4.2. Efeitos no tempo

Dos acórdãos interpretativos:A regra será a produção de efeitos ex tunc, ou retroactividade dos efeitos do acórdão

interpretativo. A doutrina apresenta fundamentações diversas, mas chega, na sua maioria, à mesma conclusão. Para PLOUVIER, adepta da teoria de que os acórdãos interpretativos consistem numa forma de interpretação autêntica, tal conclusão é óbvia e necessária, à luz das

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regras de direito. Outros consideram que uma norma não pode valer com um determinado sentido até uma certa altura, alterando-se depois do acórdão interpretativo. Outros, ainda, como o Sr. Professor Fausto Quadros, concluem que tal acontece porque a interpretação do TJUE se incorpora na norma, tomando esta um determinado sentido que deverá considerar-se como em vigor desde o surgimento da norma, sob pena de termos tantas normas diferentes quanto interpretações do TJ – há uma exigência de unidade de interpretação. (Ac Salumi, Denkavit Italiana, Mireco)

Não podemos, no entanto, tomar essa retroactividade no seu sentido extremo: não afectará o caso julgado, a prescrição, e devem ser ponderadas razões de segurança jurídica, de situações de confiança legítima, de elevadas reparações monetárias de danos, do desaparecimento do suporte material da norma…

A regra excepcional, mas admitida, será a não retroactividade ou produção de efeitos ex nunc.

Esta atenuação da produção de efeitos ex tunc tem apoio no ac. Defrenne II, em que ponderações de ordem somente económica e de segurança jurídica sobrepõem-se a valores importantes de justiça e igualdade.

Só o TJUE é competente para determinar os efeitos do acórdão no tempo, sendo que tal deve ficar inscrito obrigatoriamente no conteúdo do acórdão. Esta é uma excepção ao princípio da separação de competências, mas uma separação absolutamente necessária, que impede uma arbitrariedade dos tribunais nacionais e uma diversidade incompreensível no que toca à aplicação do acórdão no tempo.

Dos acórdãos de apreciação de validade:- Em que há uma declaração de validade: é óbvio que produz efeitos ex tunc, na

medida em que não há qualquer alteração na validade da norma;- Em que há uma declaração de invalidade: o acto, antes de ser declarado inválido,

presume-se legal. Ora, considerar que a declaração de invalidade produz efeitos ex tunc seria fazer a presunção oposta. Assim, é de notar que, por razões de segurança e certeza jurídica e de protecção de situações jurídicas constituídas quando a norma era presuntivamente legal, isto é, do princípio da boa-fé ou da confiança legítima, a invalidade da norma só poderá valer para o futuro. Assim, não há retroactividade erga omnes, sendo que poderá produzir tais efeitos apenas no caso concreto sobre o qual foi suscitada a questão prejudicial, sendo que, ainda assim, por considerações semelhantes sobre os princípios acima referidos, poderá o TJ pronunciar-se em sentido contrário. Como foi dito, cabe ao TJ, e só a ele, delimitar a produção de efeitos do acórdão prejudicial no tempo.