65
RELATÓRIO TÉCNICO-CIENTÍFICO SOBRE OS REMANESCENTES DA COMUNIDADE DE QUILOMBO BROTAS/ITATIBA-SP Novembro/2004

Quilombo Brotas

  • Upload
    lamcong

  • View
    254

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Quilombo Brotas

RELATÓRIO TÉCNICO-CIENTÍFICOSOBRE OS REMANESCENTES DA

COMUNIDADE DE QUILOMBO BROTAS/ITATIBA-SP

Novembro/2004

Page 2: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

2

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 03

2. QUILOMBO: o processo de ressemantização do termo 05

3. CONTEXTO: Itatiba e região 153.1 Caracterização do Município 153.2 História do Município de Itatiba 17

4. O SÍTIO DAS BROTAS 344.1. Caracterização do Quilombo Brotas 34

I. Planta do Sistema Viário do Município de Itatiba 35II. Mapa do Perímetro Urbano de Itatiba 36

4.2. Histórico da ocupação do território 37I. Mapa de Ocupação Histórica (1872-1900) 39II. Mapa de Ocupação Histórica (1900-1930) 40III. Mapa de Ocupação Histórica (1930-1974) 40IV. Mapa de Ocupação Histórica (1974-1977) 41V. Foto Aérea (década de 90) 41VI. Mapa de Ocupação Histórica (1978-1990) 42

4.3. Religião e Sincretismo: o caso do Terreiro de Umbanda da Tia Lula 46I. Mapa Histórico do Terreiro de Umbanda da “Tia Lula” 52

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 53

6. BIBLIOGRAFIA 55

7. ANEXO 59I. M emorial Descritivo e Planta da área para reconhecimento 60II. Croqui de uso e ocupação do solo da área do Quilombo Brotas 61III. Quadro Genealógico do Quilombo Brotas 62IV. Documentos referentes à terra 63 V. Material Iconográficos (fotos de 1920-2004) 64VI. Estatuto da Associação Cultural do Quilombo Brotas 65

Page 3: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

3

1. INTRODUÇÃO

Este Relatório Técnico-Científico1 é resultado de um trabalho de pesquisa

antropológica que objetivou verificar se o grupo populacional denominado Sítio

das Brotas, situado no município de Itatiba, Estado de São Paulo, constitui-se como

remanescente de comunidade de quilombo a fim de adjudicar-lhe o direito

previsto no artigo nº. 68 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição

Federal de 1988, sob o enunciado: “Aos remanescentes das comunidades de quilombos

que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado

emitir-lhe os títulos respectivos”. Esta verificação segue os requisitos e critérios

estabelecidos pelo Grupo de Trabalho e pelo Grupo Gestor, em obediência ao

referido artigo 68, bem como aos artigos 215 e 216 da Constituição Federal, Decreto

Federal 4887/2003 e ainda à legislação estadual: lei 9757/97 e os decretos

41.774/97 e 42.839/98.

Os membros do Quilombo Brotas ocupam seu território há mais de 120

sendo que essas terras foram compradas por Emília Gomes de Lima e Isaac de

Lima dois escravos libertos num lugar que existia um quilombo antigo. Assim

podemos afirmar que o Quilombo Brotas resiste por mais de dois séculos ao longo

dos quais diversas famílias negras encontraram, nesse local, um abrigo. As famílias

Lima e Barbosa é que permaneceram por mais tempo ocupando esse território. 1 A criação desta categoria de investigação denominada Relatório Técnico Científico, bem como os parâmetros que norteiam, são resultantes dos esforços do Grupo de Trabalho criado pelo Governo do Estado de São Paulo por meio do decreto nº 40.723, de 21 de março de 1996, que tinha por objetivo fazer proposições visando a plena aplicabilidade dos dispositivos constitucionais conferentes do direito de propriedade aos remanescentes das comunidades de quilombos em território paulista. O Grupo foi composto por representantes da Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania, Instituto de Terras do Estado de São Paulo “José Gomes da Silva”, Secretaria do Meio Ambiente, Procuradoria Geral do Estado, Secretaria de Governo e Gestão Estratégica, Secretaria de Cultura, Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico, Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra no Estado de São Paulo, Subcomissão do Negro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil –Secção São Paulo e Fórum Estadual de Entidades Negras. Os trabalhos deste Grupo levaram à criação: a) do Programa de Cooperação Técnica e de ação conjunta para identificação, discriminação e legitimação de terras devolutas do Estado ocupadas por remanescentes de comunidades de quilombos visando sua regularização fundiária, implantando medidas sócio-econômicas, ambientais e culturais e b) de um Grupo Gestor para implementação do Programa. O Programa e o Grupo Gestor forma criados por meio do decreto nº 41.774 de 13 de maio de 1997.

Page 4: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

4

O pedido para o reconhecimento desse grupo como quilombo chegou até a

Fundação Itesp por meio da O.N.G. Fórum Pró Cidadania. Seus membros são

moradores de Itatiba que estão preocupados com o crescimento desordenado da

Cidade. O caso do Quilombo Brotas chamou atenção dessa O.N.G. devido à

destruição de uma área de mananciais que existe dentro do território desse

Quilombo.

O presente relatório buscou analisar dados obtidos tanto da pesquisa direta

com o grupo como de fontes secundárias levantadas por pesquisa documental e

iconográfico (um acervo de fotos antigas) de propriedade dos moradores do

Quilombo Brotas. Possibilitando a reconstrução da história da comunidade e o

resgate de sua origem étnica e da sua identidade grupal, esta última fundamentada

tanto pelas redes de sociabilidade calcadas no parentesco e nas relações de

trabalho e simbólicas que o grupo mantém com a área que ocupa. Assim a

reconstrução interpretativa do modo de vida da comunidade possibilitou nos

compreender como eles constroem coletivamente sua vida sobre uma base

geográfica, física e social formadora de uma territorialidade negra.

Colaborou na elaboração deste relatório Rose Leine Bertaco Giacomini que

tem capacidade e sensibilidade para não se prender aos limites de sua disciplina

(geografia). Participando ativamente de todas as etapas desta pesquisa: da busca

por documentos antigos até a construção do texto final deste relatório.

Page 5: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

5

2. QUILOMBO: o processo de ressemantização do termo

A Constituição Federal de 1988 instituiu no seu Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias no Art. 68:

“Aos Remanescentes das Comunidades dos Quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado, emitir-lhes os respectivos títulos.”

O ato de nomeação oficial de um determinado seguimento social como

quilombo desencadeou um processo de criação de um novo sujeito político. Esse

processo tem início depois da tomada de conhecimento por parte destes grupos

negros dos novos direitos adquiridos pelo Art. 68, passando a cobrar do Estado

que a lei constitucional seja cumprida. Esse é o caso do Estado de São Paulo onde

comunidades negras rurais se organizam para garantir seu direito a propriedade

das terras que ocupam e reivindicam, lutando contra a especulação imobiliária e a

pressão dos fazendeiros ou contra o remanejamento de suas comunidades em

função de grandes empreendimentos, como as polêmicas barragens do Rio Ribeira

do Iguape, no Vale do Ribeira em São Paulo, assim, essas comunidades se

assumem como remanescentes de quilombos e exigem o respeito que lhes é

devido.

Em 1995, Ivaporunduva dá entrada em um processo junto ao Ministério

Público Federal para que fosse cumprindo o Art. 68 da Constituição Federal. O

governo paulista sensível à questão e buscando atender as solicitações da

sociedade civil cria um Grupo de Trabalho com o objetivo de fazer proposições

visando à plena aplicabilidade dos dispositivos constitucionais, que conferem o

direito de propriedade aos remanescentes das comunidades de quilombos em

território paulista. Tem início um esforço por parte do governo paulista para

identificar e reconhecer e titular as terras dos remanescentes de comunidades de

quilombos do Estado. Porém os técnicos responsáveis pelo estudo para o

Page 6: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

6

reconhecimento desses grupos como remanescentes de comunidades de quilombo

se deparam com uma gama variada de situações de ocupação de terras que difere

do imaginário2 que circula em nossa sociedade associado à palavra quilombo. Até

mesmo o movimento negro dos grandes centros na sua representação associam

quilombo a isolamento, fuga/resistência, Zumbi e Quilombo dos Palmares. Porém,

quando percorremos essas comunidades negras rurais nos deparamos com uma

outra realidade, de que cada um desses grupos encerra uma experiência particular

de luta contra o escravismo. Com atitudes originais construíram um espaço

autônomo dentro do regime escravista que possibilitou a sua sobrevivência física e

cultural.

Ao logo do tempo foram vários os sentidos atribuídos ao quilombo não só

por parte do movimento negro como também da legislação colonial e da academia.

A seguir apresento um texto elaborado por técnicos da Fundação Itesp que

procuram discutir o “conceito de quilombo”.

*"Em 1740, reportando-se ao rei de Portugal, o Conselho Ultramarino

valeu-se da seguinte definição de quilombo: “toda habitação de negros fugidos,

que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos

levantados e nem se achem pilões nele”. Essa caracterização descritiva perpetuou-

se como definição clássica do conceito em questão e influenciou uma geração de

estudiosos da temática quilombola até meados dos anos 70, como Artur Ramos

(1953), Edson Carneiro (1957) e Clóvis Moura (1959). O traço marcadamente

comum entre esses autores é atribuir aos quilombos um tempo histórico passado,

cristalizando sua existência no período em que vigorou a escravidão no Brasil, além

de caracterizarem-nos exclusivamente como expressão da negação do sistema

2 Teia de significados produzidos pelos homens e mulheres no decorrer da história (Geerz,1983) e que circulam na nossa sociedade a partir das narrativas, lendas, textos, memórias, iconografias e conversas docotidiano.* Este texto foi elaborado por Alessandra Schmitt, Maria Celina Pereira de Carvalho, Maria Cecília Manzoli Turatti que gentilmente autorizaram sua utilização neste relatório. Sendo que uma versão revista e atualizada foi publicada sobre o titulo: Atualização do Conceito de Quilombo: identidade e território nas definições teóricas. Revista Ambiente e Sociedade, ano V, nº 10. 1º semestre de 2002. São Paulo.

Page 7: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

7

escravista, aparecendo como espaços de resistência e de isolamento da população

negra.

Embora o trabalho destes autores seja importante e legítimo, ele não abarca,

porém, a diversidade das relações entre escravos e sociedade escravocrata e nem as

diferentes formas pelas quais os grupos negros apropriaram-se da terra. Flávio dos

Santos Gomes (1995:36), explicita tal diversidade ao forjar o conceito de “campo

negro”: “uma complexa rede social permeada por aspectos multifacetados que

envolveu , em determinadas regiões do Brasil, inúmeros movimentos sociais e

práticas econômicas com interesses diversos” .

No entanto, foi a produção científica ainda atada a exegeses restritivas e

pouco plásticas que subsidiou a luta política em torno das reivindicações da

população rural negra que, sofrendo expropriações incessantes, se colocava como

um segmento específico no palco dos movimentos sociais. Desta forma, a

denominação quilombo se impôs no contexto da elaboração da constituição de

19883.

Esta visão reduzida que se tinha das comunidades rurais negras refletia, na

verdade, a “invisibilidade” produzida pela história oficial, cuja ideologia,

propositadamente, ignora os efeitos da escravidão na sociedade brasileira

(GUSMÃO:1996) e, especialmente, os efeitos da inexistência de uma política

governamental que regularizasse as posses de terras de grupos e/ou famílias negras

após a abolição, extremamente comuns à época, conforme comprovam os estudos

de CARDOSO (1987).

Ao fazer a crítica do conceito de quilombo estabelecido pelo Conselho

Ultramarino, ALMEIDA (1999:14-15) mostra que aquela definição constitui-se

basicamente de cinco elementos: 1) a fuga; 2) uma quantidade mínima de fugidos;

3) o isolamento geográfico, em locais de difícil acesso e mais próximos de uma

“natureza selvagem” que da chamada civilização; 4) moradia habitual, referida no

termo “rancho”; 5) autoconsumo e capacidade de reprodução, simbolizados na

imagem do pilão de arroz. Para ele, com os instrumentos da observação etnográfica

3 Sobre o fortalecimento da organização política dos grupos negros e a incorporação da questão quilombola ao seu rol de reivindicações, v. Flávio dos Santos Gomes (1996:105).

Page 8: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

8

“se pode reinterpretar criticamente o conceito e asseverar que a situação de

quilombo existe onde há autonomia, existe onde há uma produção autônoma que

não passa pelo grande proprietário ou pelo senhor de escravos como mediador

efetivo, embora simbolicamente tal mediação possa ser estrategicamente mantida

numa reapropriação do mito do” bom senhor “, tal como se detecta hoje em

algumas situações de aforamento” .

O autor exemplifica situações que contrariam esses cinco elementos da

definição, como o caso do quilombo Frechal, no Maranhão, localizado a cem

metros da casa grande, ou casos onde o quilombo esteve na própria senzala,

representado por formas de produção autônoma dos escravos que poderiam ocorrer

– e de fato ocorriam –, sobretudo em épocas de decadência de ciclos econômicos,

fossem agrícolas ou de mineração. Diversos trabalhos mais recentes a respeito de

comunidades negras com origem mais diretamente relacionada à escravidão têm

demonstrado que a economia interna desses grupos está longe de representar um

aspecto isolado em relação às economias regionais da Colônia, do Império e da

República.

Não obstante esta integração das formas mais ou menos autônomas de

atividades produtivas empreendidas pelos escravos à economia geral, é preciso

ressaltar que o trabalho livre sobre a terra não garantiu, de forma alguma, o acesso

dos ex-cativos a ela no momento posterior à Abolição. Ao contrário, a exclusão do

segmento populacional negro em relação à propriedade da terra foi

peremptoriamente estabelecida por meio de uma série de atos do poder legislativo

ao longo do tempo. Ainda durante a escravidão, a Lei de Terras de 1850, veio

substituir o direito à terra calcado na posse por um direito auferido via registros

cartoriais que comprovassem o domínio de uma dada porção de terra. O direito

legítimo adquirido através da posse efetiva é uma noção do “direito costumeiro”4,

que até hoje regeu a relação do campesinato tradicional com a terra, incluindo os

grupos camponeses negros.

Como já foi assinalado por outros autores·, os grupos que hoje são

considerados remanescentes de comunidades de quilombos se constituíram a partir

4 Conceito explicitado por Margarida Maria Moura (1988).

Page 9: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

9

de uma grande diversidade de processos, que incluem as fugas com ocupação de

terras livres e geralmente isoladas, mas também as heranças, doações, recebimento

de terras como pagamento de serviços prestados ao Estado, simples permanência

nas terras que ocupavam e cultivavam no interior das grandes propriedades, bem

como a compra de terras, tanto durante a vigência do sistema escravocrata quanto

após a sua extinção.

Dentro de uma visão ampliada, que considera as diversas origens e histórias

destes grupos, uma denominação também possível para estes agrupamentos

identificados como remanescentes de quilombo seria a de “terras de preto”, ou

“território negro”, tal como é utilizada por vários autores5, que enfatizam a sua

condição de coletividades camponesas, definida pelo compartilhamento de um

território e de uma identidade.

A promulgação da constituição e a necessidade de regulamentação do Artigo

68 provocaram discussões de cunho técnico e acadêmico6 que levaram à revisão dos

conceitos clássicos que dominavam a historiografia sobre a escravidão, instaurando

a relativização e adequação dos critérios para se conceituar quilombo, de modo que

a maioria dos grupos que hoje, efetivamente, reivindicam a titulação de suas terras,

pudesse ser contemplada por esta categoria, uma vez demonstrada, por meio de

estudos científicos, a existência de uma identidade social e étnica por eles

compartilhada, bem como a antigüidade da ocupação de suas terras e, ainda, suas

“práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida

característicos num determinado lugar” 7.

Desta forma, o conceito de quilombo que norteia o trabalho desenvolvido

pela Fundação ITESP é aquele que foi produzido pela Associação Brasileira de

Antropologia (ABA) e ratificado pelo Grupo de Trabalho (vide nota de rodapé 1):

“toda a comunidade negra rural que agrupe descendentes de escravos vivendo da

5 Ver Almeida (1997/1998), Gusmão (1996.), Andrade, (1988) e Acevedo Marin (1995).6 Especialmente no III Encontro Nacional sobre Sítios Históricos e Monumentos Negros (Goiânia: 1992); na Reunião do Grupo de Trabalho sobre Comunidades Negras Rurais, da Associação Brasileira de Antropologia (Rio de Janeiro, outubro de 1994), e na reunião técnica “Reconhecimento de Terras Quilombolas Incidentes em Domínios Particulares e Áreas de Proteção Ambiental” (São Paulo, abril de 1997).7 Cfe. João Pacheco de Oliveira e Eliane Cantarino O’Dwyer. ABA, 1994.

Page 10: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

10

cultura de subsistência e onde as manifestações culturais têm forte vínculo com o

passado”.

Assim, em consonância com o moderno conceito antropológico aqui

disposto, a condição de remanescente de quilombo é também definida de forma

ampla e enfatiza os elementos identidade e território. Com efeito, o termo em

questão indica: “a situação presente dos segmentos negros em diferentes regiões e

contextos e é utilizado para designar um legado, uma herança cultural e material

que lhe confere uma referência presencial no sentimento de ser e pertencer a um

lugar específico”8. Ainda segundo a Associação Brasileira de Antropologia “o

termo não se refere a resíduos ou resquícios arqueológicos de ocupação temporal

ou de comprovação biológica. Também não se trata de grupos isolados ou de uma

população estritamente homogênea. Da mesma forma nem sempre foram

constituídos a partir de movimentos insurrecionais ou rebelados, mas, sobretudo,

consistem em grupos que desenvolveram práticas de resistência na manutenção e

reprodução de seus modos de vida característicos num determinado lugar ”9 .

Este sentimento de pertença a um grupo e a uma terra é uma forma de

expressão da identidade étnica e da territorialidade, construídas sempre em relação

aos outros grupos com os quais se confrontam e se relacionam. Estes dois conceitos

são fundamentais e estão sempre inter-relacionados no caso das comunidades

negras rurais, pois “a presença e o interesse de brancos e negros sobre um mesmo

espaço físico e social revela, no dizer de Bandeira, aspectos encobertos das

relações raciais” (GUSMÃO,1996:14). Estes aspectos encobertos aos quais a

autora se refere são a submissão e a dependência dos grupos negros em relação à

sociedade inclusiva, a qual forma um dia o escravo.

A identidade étnica é um processo de identificação de grupos em situações

de oposição a outros grupos. Frente a esta constatação, OLIVEIRA (1976) elaborou

a noção de identidade contrastiva para embasar as análises que têm como centro

interpretativo à identidade étnica de um grupo social. As situações de oposição

levam os grupos a elaborar os seus critérios de pertencimento e de exclusão.

Quando o confronto se estabelece entre um grupo minoritário e os brancos, 8 Garcia, José Milton, publicado em Quilombos em São Paulo: tradições, direitos e lutas, org. Tânia Andrade (1997:47).9 Documento da ABA, 1994.

Page 11: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

11

temos uma situação de submissão e dominação, de hierarquia de status, a qual o

autor denominou “fricção interétnica”. São justamente estas relações interétnicas

que se estabelece no convívio/confronto das comunidades negras com a sociedade

abrangente.

Ademais, esta submissão é sustentada por representações sociais que

justificam a inferioridade estrutural do grupo minoritário, as quais podemos

identificar como sendo racistas. É um racismo recalcado, escondido atrás de “um

sistema de valores que [...] tanto inibe manifestações negativas na avaliação ‘do

outro’ racial como estimula a apologia da igualdade e da harmonia racial entre

nós” (BORGES PEREIRA, 1996:76). A ocultação do racismo na sociedade

brasileira foi estimulada pelo discurso da democracia racial, da qual Gilberto Freyre

é um grande expoente, na década de 30, e que só começou a ser contestado na

década de 50 por Florestan Fernandes e Oracy Nogueira.

Em tal situação de desigualdade, os grupos minoritários reforçam suas

particularidades culturais e suas relações coletivas como forma de ajustar-se às

pressões sofridas, e é neste contexto social que constroem sua relação com a terra,

tornando-a um território impregnado de significações relacionadas à resistência

cultural. Não é qualquer terra, mas a terra na qual mantiveram alguma autonomia

cultural, social e, conseqüentemente, a auto-estima. Siglia Zambrotti DÓRIA (1985)

salienta que a identidade de grupos rurais negros se constrói sempre numa

correlação profunda com o seu território e é precisamente esta relação que cria e

informa o seu direito a terra.

A maior parte destes grupos que hoje vem reivindicar seu direito

constitucional o faz como um último recurso na longa batalha para manterem-se em

suas terras, as quais são alvo de interesse de membros da sociedade envolvente, em

geral grandes proprietários e grileiros, cuja característica essencial é tratar a terra

apenas como mercadoria. José de Souza MARTINS (1991:43-60) explicita as

características dessa relação dos homens com a terra, mediada pelo capital, em que

esta passa a ser “terra de negócio” em oposição à “terra de trabalho”. Em

conseqüência da cobiça que esta lógica de mercado despertou, os camponeses

foram pressionados com expedientes espúrios, tais como o auxílio do aparato

Page 12: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

12

judicial e violência física direta, que agiram no sentido de negar-lhes o direito de

obter o registro legal de suas posses, invariavelmente muito mais antigas do que o

tempo mínimo requerido pela legislação para a sua transformação em propriedades.

Portanto, não se deve imaginar que estes grupos camponeses negros tenham

resistido em suas terras até os dias de hoje porque ficaram isolados, à margem da

sociedade. Pelo contrário, sempre se relacionaram intensa e assimetricamente com a

sociedade brasileira, resistindo a várias formas de violência para permanecer em

seus territórios ou, ao menos, em parte deles10 ”.

O texto acima marca uma fase dos trabalhos de identificação,

reconhecimento e titulação de áreas quilombolas pelo Governo do Estado de São

Paulo levada a cabo pela Fundação Itesp. Apesar de trazer algumas discussões que

continuam pertinentes sobre o tema, nos últimos anos as diferentes situações

encontradas por nós em relação aos grupos de quilombolas somados a aprovação

do Decreto Federal 4.887/2004 que define no seu Artigo 2º “Consideram-se

remanescentes das comunidades dos quilombos, para fins deste Decreto, os grupos étnicos-

raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de

relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a

resistência à pressão histórica sofrida” provocaram um processo de ressemantização

do termo que gerou uma definição, mas abrangente que possibilitasse o

entendimento das mais diversas situações em que essas populações se encontram.

As discussões iniciais sobre o conceito de quilombo giravam em torno da

necessidade de ultrapassar a definição do período imperial sem cair em uma busca

por vestígios arqueológicos ou ainda perdendo-se nas várias definições existentes

no campo das Ciências Sociais para o conceito de “comunidade”11. Os primeiros

10 Muitas das comunidades rurais negras já pré-identificadas no Estado de São Paulo mantêm uma pequena parcela de seus territórios, estando o restante ocupado por fazendeiros ou posseiros, alguns destes últimos com o consentimento dos próprios grupos quilombola; os primeiros, entretanto, invariavelmente chegaram às terras em questão valendo-se da ingenuidade das comunidades ou mesmo da coerção física para apoderar-se dos territórios negros.11 G.A Hillery realizou uma pesquisa dentro das Ciências Sociais sobre os usos desse termo e encontrou 94 definições diferentes para comunidade. No Vale do Ribeira o termo comunidade é muito utilizados pelos quilombolas devido a influencia da Igreja Católica que ajudou esses grupos na sua luta pela terra, e não

Page 13: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

13

estudos de comunidade nas Ciências Sociais no Brasil já nas décadas de 30 e 40

apontam para a existência de bairros negros situados nas áreas urbanas e

periféricas por onde surgem as escolas de samba, terreiros de candomblé e também

um campesinato negro, identificado como comunidades negras rurais. Esses

estudos introduziram as primeiras formulações sobre “grupo” como uma unidade

coesa, harmônica (ausência de conflitos) e como uma cultura isolada contribuindo

para uma a visão idealizada e estática da vida coletiva, da tradição e da história

desses grupos.

Como defende Ilka Boaventura (2004):

“Para além de uma identidade negra colada ao sujeito ou por uma cultura congelada no tempo, que deve ser tombada pelo patrimônio histórico e exposta à visitação pública, a noção de coletividade é o que efetivamente conduz ao reconhecimento de um direito que foi desconsiderado, de um esforço sem reconhecimento ou resultado, de um lugar tomado pela força e pela violência. Coletividade no sentido de um pleito que é comum a todos, que expressa uma luta identificada e definida num desdobrar cotidiano por uma existência melhor, por respeito e dignidade. É aí por onde a cidadania deixa de ser uma palavra da moda e passa a produzir efeito no atual quadro de desigualdades sociais no Brasil”(2004:11).

Assim nesse trabalho estaremos utilizando uma definição de quilombo

elaborada por nós tendo como referencia a definição da ABA12 e a presente no

texto do Decreto Federal 4.887. Ressalto que essa definição tem apenas por objetivo

facilitar a operacionalização de nosso trabalho, pois o processo de ressemantização

do termo quilombo ainda está em curso.

Dessa forma, definimos os quilombos como sendo grupos étnicos,

predominantemente constituídos pela população negra rural ou urbana e que se

autodefinem como tal a partir das relações com a terra, o parentesco, o território, a

devido ao fato deles se apresentarem como uma comunidade ou até considerarem-se como fazendo parte de uma.12 Associação Brasileira de Antropologia.

Page 14: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

14

ancestralidade, as tradições e práticas culturais próprias. A luta desse povo inicia-

se com seus antepassados que foram trazidos da África como escravos, e hoje

lutam por um pedaço de terra onde possam viver de acordo com suas tradições.

Uma característica marcante é a ocupação do território de acordo com as relações

de parentesco centrado na figura de um ancestral comum.

É importante ressaltar que o debate em torno da questão quilombola em

São Paulo e no Brasil continua. Estamos presenciando a produção de uma nova

realidade criada pela captura da lei pelo movimento social. Sendo assim, se faz

necessário um diálogo entre Estado, juristas, acadêmicos e quilombolas para que

possamos aprimorar um instrumental necessário para tratar dessa temática.

Page 15: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

15

3. CONTEXTO: ITATIBA* E REGIÃO

3.1. Caracterização do Município

O município de Itatiba está situado, geograficamente na região Leste do

Estado de São Paulo, limitando-se ao norte com o Município de Morungaba; ao sul

com os Município de Jundiaí, Louveira e Vinhedo; a Leste com os Municípios de

Jarinu e Bragança Paulista e a Oeste com o Município de Valinhos.

O relevo é bastante acidentado, formado principalmente pela Serra da

Jurema, caracterizado por uma sucessão de morros e colinas possuindo uma altura

média de 732m. O solo em sua maioria é de massapé.

Itatiba situa-se na Bacia Hidrográfica do Rio Piracicaba fazendo parte da

sub-bacia do Rio Atibaia. O ribeirão Jacaré constitui-se num dos principais rios do

município junto com o rio Atibaia.

A área total do município de Itatiba é de 325km² com uma população de

87,220 hab. A maioria esmagadora da população está concentrada no perímetro

urbano 70.648hab em uma área de 39km².

O município de Itatiba insere-se na Região de Governo de Jundiaí, que é

vinculada a Região Administrativa de Campinas. Além, da ligação política e

administrativa a história de Itatiba está muito relacionada com desenvolvimento

desses dois municípios. O entorno de Itatiba se constitui no maior centro produtor

de uvas do país, destacando-se, ainda, as hortaliças, o morango e o caqui. Assim,

nesses municípios o setor agrícola baseado na pequena propriedade apresenta

relativa significância em termos de geração de renda e força de trabalho.

Diferentemente de seus vizinhos Itatiba tomou como modelo para seu

desenvolvimento a cidade de Campinas condicionando suas tendências de

* Vocábulo da língua Tupi que significa ita = pedra e tiba= muita. Ou seja, lugar de muita pedra.

Page 16: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

16

desenvolvimento a periferia do processo mais geral de formação da metrópole de

Campinas. Assim, o modelo de desenvolvimento adotado pela cidade de Itatiba

como outras cidades brasileiras buscou incentivar o setor industrial e valorizar o

espaço “urbano” ao mesmo tempo em que tende a desqualificar e anular a

importância do “rural”. Segundo Wanderley(2003):

“Dependendo da ‘cidade’ o rural se caracteriza pela ausência do poder público no seu espaço e mesmo a ausência da grande maioria dos bens e serviços, naturalmente concentrados nas áreas urbanas mais densamente povoados. A idéia de ‘rural melhor’ é pouco assimilada. O rural quando melhora torna-se urbano”(pg.01).

O setor rural acaba tendo pouco estimulo por parte do poder público

obrigando levas de trabalhadores a migrar para o centro urbano do município ou

outros municípios vizinhos em busca de trabalho. Apesar de várias indústrias

instaram-se em Itatiba atraídas pelos incentivos fiscais o aumento de empregos não

ocorreu como esperado, pois as empresas trouxeram seus próprios profissionais

restando para os moradores do Município de Itatiba, com pouco estudo e sem

qualificação profissional, apenas serviços como os de segurança, porteiro,

faxineira, etc. O deslocamento da população da área rural para urbana somado a

outros fatores provocou um inchaço na área urbana do município de Itatiba.

Segundo dados do último censo mais de 80% da população do município encontra-

se na área urbana.

O Município Itatiba é famoso pela sua indústria de móveis, porém nos

últimos anos o setor que tem aquecido sua economia é o imobiliário. Esse é um

outro fator que tem favorecido o inchaço urbano e o crescimento desordenado do

Município. O deslocamento de levas de paulistanos em busca de uma melhor

“qualidade de vida” que elegeram essa cidade como seu lugar de moradia levando a

uma valorização das terras e um crescimento da Cidade. Assim, fazendas inteiras

são loteadas, matas derrubadas e o esgoto vêm sendo jogados sem tratamento nos

Page 17: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

17

rios do Município. Todo esse processo tem preocupado uma parte da sociedade

itatibense. No Jornal Folha de Itatiba13 o Juiz eleitoral Dr. Ezaú Messias dos Santos

alerta para o “crescimento desgovernado” da cidade: “Acredito que se continuar

assim, Itatiba terá problemas. É preciso que as autoridades do Executivo e do

Legislativo amparem esse crescimento para que ele seja ordenado. Não se pode

esquecer da população que nasceu aqui e quer viver bem”.

Porém, um outro grupo de moradores e políticos da cidade entendem todo

esse processo como “desenvolvimento” e qualquer um que se oponha a ele torna-se

um obstáculo ao progresso do município. É o caso do Quilombo Brotas que está

situado em uma área valorizada que foi e é alvo de projetos municipais como a

construção da Malha Viário da Cidade que corta o seu território (ver mapa anexo

VIII) e, a transformação dele em área de lazer.

Para podermos entender melhor a relação que Itatiba mantém com sua

população negra, mais especificamente, com os membros do Quilombo Brotas

temos que conhecer um pouco de sua história.

3.2. História da ocupação do Município de Itatiba

Os primeiros habitantes do município foram os índios Guarulhos grupo

cultural dos Guaianazes da etnia Guarani. No século XVI (início da colonização) o

território paulista era ocupado por diversas tribos, representantes das duas

maiores etnias: os Tupis ou Tupinambás e os Guaranis. Segundo John Manuel

Monteiro (1995), antes de 1666 o rio Atibaia era o último refúgio de índios

Guarulhos. Esses índios fugiam de fazendas localizadas ao redor de São Paulo.

“E foi justamente nesse movimento de fuga que os Guaranis –mais especificamente aqueles da tribo dos Guarulhos –chegaram ao território ainda inabitado de Itatiba. Vivendo da caça e da pesca, era natural que esses índios buscassem um

13 Jornal do dia, 01 de novembro de 2002. Caderno do Município pág. 06

Page 18: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

18

grande curso d’água que pudesse lhes proporcionar bom alimento. Assim muitos deles vieram para as margens do Rio Atibaia” (Camargo, 2004:10).

Nessa época Itatiba não existia como cidade. Na região existiam apenas as

Vilas de Jundiaí, Atibaia e São Carlos (atual Campinas) o restante era considerado

sertão que era habitado pelos índios. Até o começo do século XIX essas terras

foram desprezadas, pois eram consideradas perigosas por esconder índios. A

agricultura de exportação era inviável devido à distância dos mercados e custos

para instalação e manutenção. “O deslocamento requeria muitas mãos, e o

estabelecimento no sertão, muitos homens armados para assegurar as terrenos invadidos

das tentativas de reconquista por parte dos índios”(Corrêa,1997:61).

A cidade mais antiga da região é Jundiaí, cujo povoamento teve início, por

volta de 1651. O território da vila era muito extenso englobando a cidade de

Itatiba. Em meados do século XVIII, ocorre uma expansão da economia que

proporcionaria a formação do chamado quadrilátero do açúcar, marcando pelas

regiões de Sorocaba, Piracicaba, Mogi-Guaçu e Jundiaí. O que levou a um aumento

do contingente de mão de obra escrava na região.

Segundo Luís Soares de Camargo14, no final do século XVIII, com a

decadência das minas de ouro muitos homens retornam para as suas cidades de

origem. Porém, a situação em Jundiaí não era das melhores, pois a única forma de

sobrevivência era agricultura. “Mas, grande parte das terras já estavam na posse de

grandes fazendeiros. Especialmente para os jovens que formavam novas famílias, não havia

outra solução senão aquela de se aventurar por terras ainda não

desbravadas”(Camargo,2004:11). Nessa fase Jundiaí viveu um momento de grande

expansão da sua área cultivada levando a formação de novos bairros rurais. Em

1786, surgiu um novo bairro no sertão de Jundiaí: “o Bairro de Atibaya que recebeu

esta denominação por estar localizado nas proximidades do rio de mesmo nome. Chamado

14 Historiador da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo que escreveu sobre a história da cidade de Itatiba e a imigração. Em um artigo publicado no Jornal de Itatiba do dia 14 de março de 2004 apresenta uma nova versão para a fundação da Cidade de Itatiba.

Page 19: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

19

depois de “Belém” ou “Belém de Jundiaí”, hoje é o município de

Itatiba!”(Camargo,2004:11).

A fundação de Itatiba é um tema polemico que tem gerado uma certa

rivalidade entre os historiadores da cidade. Geralmente os debates giram em torno

da data de sua fundação quando os primeiros colonizadores chegaram a região.

Alguns defendem que isso se deu por volta de 1804 ou 1805 já para o historiador

Luís Soares de Camargo seria em 1786. Neste trabalho adotei a versão do

historiador Luís Soares de Camargo que pela pesquisa que realizai no arquivo

público de São Paulo parecer ser a mais coerente. Porém o que interessa nesse

trabalho não é a data de fundação da Cidade de Itatiba, mas quem eram os

primeiros habitantes dessa região: brancos, negros, índios? Como chegaram a esse

lugar e por que fixaram residência ali?

Segundo Diloca Ferraz Sangiorgi:

“Itatiba era um vasto sertão, rico em matas cerradas, fertilíssimas, cortado pelo rio Atibaia. Contaram os primeiros narradores que vários fugitivos (porque eram criminosos) desejavam escapar da justiça das vilas de Atibaia e de Santo Antonio da Cachoeira, atual Piracicaba. Esses fugitivos esconderam-se nestas plagas, embrenhando-se nas densas florestas. Descobertos pela escolta comandada por Lourenço Leme, houve combate no qual morreram vários criminosos e alguns soldados. Os delinqüentes que conseguiram escapar, fugiram e guiados por Salvador Lopes, formaram num núcleo residencial que se chamou Bairro dos Lopes”(Sangiorgi,1969:65).

Os soldados que retornaram as sua vilas levaram a notícia da descoberta

de terras em um local onde o solo era rico e fértil. Essa notícia teve grande

repercussão na região provocando o surgimento de correntes migratórias tanto de

Atibaia como de Jundiaí. Segundo Sangiorgi foi assim que os primeiros moradores

chegaram as terras de Itatiba fundado um povoado. A autora cita o nome dos

primeiros moradores: “José Pereira, Joaquim de Moraes, cabo de ordenanças João de

Assunção, Manoel Francisco e Antonio Rodrigues da Silva” (Sangiorgi,1969:65). Essa

Page 20: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

20

versão sobre a fundação de Itatiba é a mais aceita, mas levanta alguns

questionamentos como: Quem seriam os fugitivos? Que crimes cometeram?

Esses questionamentos somados as leituras e pesquisas que realizei no

Arquivo do Estado de São Paulo reforçaram a minha hipótese de que além dos

índios que foram os primeiros habitantes do município posteriormente vieram os

negros libertos e fugidos que chegaram a formar um quilombo na região.

Vários autores15 relatam a existência de negros aquilombados na região de

Jundiaí desde de o século XVIII. Maria Helena P.T. Machado, Quilombos em São

Paulo, relata vários casos de quilombos que existam na região de Jundiaí. Os casos

de escravos que se revoltavam contra o sistema escravista e fugiam formando os

quilombos eram tratados pelas autoridades da época como criminosos comuns.

Segundo Machado(2002), “ um regimento da Câmara de São Paulo, de 1733,

caracterizava o quilombo como o ajuntamento de ‘mais de quatro escravos vindos em matos

para viver neles, e fazerem roubos e homicídios”(pg.03). Analisando a versão

apresentada por Sangiorgi (1969), podemos supor que talvez esses “fugitivos”

pudessem ser escravos negros que fugiram de alguma fazenda e tentavam

embrenhar-se nos sertões de Jundiaí para buscar refugio ou encontrar com outros

negros ali aquilombados16. Provavelmente, eles devem ter se aliado aos índios o

que não era um fato totalmente estranho para a época17. A aliança entre negros e

índios aparecem em vários momentos na história de Itatiba. Ainda em 1840, o Juiz

de Paz de Itatiba relata a presença de índios que andavam sem destino pelas terras

itatibenses. “Esse mesmo documento deixa transparecer que esses índios eram aliados dos

15 Maria Helena P. T. Machado (2002), Flávio dos Santos Gomes (1997) e Suely Robles Reis de Queiroz (1977).16 Em uma outra versão para essa história com um pouco mais de detalhes afirma-se que esses “fugitivos” ocuparam a margem direita do rio Atibaia onde permaneceram durante meses explorando e cultivando o terreno. Até que foi formada uma escolta que os atacou e tiveram que fugir para a região que corresponde hoje ao município de Itatiba. O que nos interessa dessa versão é que esses “fugitivos” tinham realmente a intenção de se estabelecer naquele local.17 Queroz (19770) relata que em 1746 a associação entre quilombolas e índios carijós. “Ainda que então não fosse avultado o número de negros, os que haviam, associados a carijós e a outros marginalizados, procuravam fazer valer o seu protesto ante a escravidão” (pg.141).

Page 21: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

21

ditos rebeldes e salteadores, que andavam promovendo desordens e roubos pelas fazendas de

Itatiba” (Camargo, 2004:11).

Segundo esse mesmo relato os “fugitivos” que sobreviveram ao ataque da

escolta enviada para captura-los embrenharam-se na mata guiados por Salvador

Lopes formaram um núcleo residencial que se chamou Bairro dos Lopes. Os maços

de população de 1786 uma boa parte dos moradores do Bairro Atibaia (atual

Itatiba) eram pardos e negros muitos deles libertos, existem várias pessoas com o

sobrenome Lopes todos pardos. Assim podemos supor que “os fugitivos” que

foram guiados por Salvador Lopes eram na verdade escravos fugidos que

fundaram um quilombo nos sertões de Jundiaí. Essa hipótese é reforçada pelo fato

que o bairro onde está localizado o Quilombo Brotas pertencia ao Bairro dos Lopes.

Os atuais moradores do Quilombo contam que quando seus antepassados

chegaram no Sítio das Brotas encontraram um rancho, potes de barro e um

monjolo que pertenciam aos escravos que viviam ali. Segundo eles ali existia um

antigo quilombo. Os negros costumavam assaltar pessoas nas estradas e fazendas

escondendo o produto do roubo no quilombo. Assim, eles afirmam terem

encontrado moedas antigas ao construírem o alicerce de uma casa; como também,

correntes e bolas de ferro usado pelos escravos. Uma das moradoras varrendo seu

quintal após um deslizamento de um barranco encontrou uma peça de 3,5 cm de

altura por 2,5 de largura (ver foto anexo nº95). Nessa peça foi aparentemente

esculpida ou moldada, em um material que parece ser pedra ou porcelana, a figura

de uma mulher de uma tribo africana.

O Bairro dos Lopes compreendia uma vasta extensão de terras que

correspondem hoje a diversos bairros do município de Itatiba entre eles o Bairro

das Brotas. Diloca Ferraz Sangiorgi, conta que no Bairro do Brotas, conhecido como

bairro das Brotas existia uma índia Rita Rodrigues e um negro livre de nome

Brotas que ajudavam escravos que fugiam das fazendas da região. Esses dois

personagens escondiam os negros num barracão em uma gleba de terra, que

Page 22: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

22

segundo Sangiorgi, não tinha dono.18 A descrição feita por Sangiorgi da localização

desse quilombo indica que ele existiu onde hoje está situado o Quilombo Brotas.

Segundo a descendente da índia Rita Rodrigues, sua bisavó era muito amiga do

pessoal do Sítio das Brotas e foi ela quem vendeu aquela terra para os negros.

“Em 1900 o Brotas morava nesse agrupamento de pretos onde a Rita Rodrigues mandara construir perto de sua casa, uma capelinha, chegaram a haver nela batizados e casamentos. Ao redor da capela foram construídas novas residências e formou-se então o BAIRRO DO BROTAS”(SANGIORGI, 1969:113).

Segundo os moradores do Quilombo Brotas seus antepassados tinham por

tradição receber em seu sítio todas as pessoas que tinham problemas financeiros e

não tinha um lugar para morar. D. Maria19 conta que sua Avó Amélia costumava

ter casinhas de barrote vazias, mas sempre bem cuidadas que ela emprestava para

quem precisassem morar. “As pessoas ficavam morando aqui um tempo depois que

ajeitavam a vida delas iam embora”( fala de D. Maria). Ao indagar os moradores do

Quilombo Brotas a respeito de um negro de nome Brotas que teria morado no Sítio

obtive dois tipos de resposta: alguns dizem não saber nada a respeito outros dizem

que pode até ter vivido no Sítio, mas que talvez eles não o conhecessem por esse

nome. Pois, muitas pessoas no passado que moraram no Sítio não eram parente,

portando, eles não as conheciam direito.

A própria Diloca Ferras Sangiorgi chega a visitar20 o Bairro das Brotas e

constata a existência de uma capela primitiva construída, na colina, por Rita

Rodrigues e pelos pretos. Em uma conversa com a zeladora da atual Capela da

18 Porém, em uma conversa com uma descendente da índia Rita Rodrigues e de seu marido Francisco José Rodrigues fui informada de que essas terras pertenciam a essa família. Essa informação foi confirmada pelos registros de terra que encontrei no Arquivo do Estado de São Paulo, onde consta uma grande extensão de terras em nome da família Rodrigues no bairro dos Lopes. 19 Maria do Carmo tem 68 anos é uma das moradoras mais antigas do Quilombo Brotas. Ela é bisneta de Emília Gomes de Lima e Isaac de Lima. 20 A data dessa visita fica difícil de precisar. Pelas informações que pude coletar isso deve ter se dado na década de 50.

Page 23: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

23

Nossa Senhora das Brotas21 fui informada que existia uma capela antiga feita de

taipa e que ficava no topo de um morro próximo ao Sítio das Brotas, porém

quando as terras onde estava situada foram vendidas o novo proprietário parece

não ter gostado do movimento de pessoas no seu pasto que visitavam a capela e

resolveu desmancha-la deixando os santos espalhados pelo pasto. Um morador

antigo do Bairro das Brotas chamado Nadir ficou sensibilizado com aquela

situação e resolveu doar um pedaço de terra para a construção de uma nova capela

para abrigar aquelas imagens de santos. Essa capela existe até hoje e está situada

próxima ao córrego das Brotas fazem quase 50 anos que se encontra nesse mesmo

local. Os moradores do sítio Brotas contam que chegaram a conhecer a capela

antiga, e que iam a batizados e casamentos realizados ali.

A visita de Sangiorgi ao bairro das Brotas provavelmente ocorreu durante

a década de 50. Ela tentou chegar as barrocas (casas feitas de taipa dos negros que

viviam no quilombo), porém o acesso era muito difícil. Assim, ela termina sua

narração sobre a história do bairro das Brotas:

“O Brotas morreu idoso. Sabemos que aqui vivem alguns descendentes daqueles pretos do quilombo, mas são moços, talvez bisnetos daqueles e portanto nada podem informar. E o bairro do Brotas ficou se chamando Bairro das Brotas para todos os efeitos”(1969:113).

Proponho que deixemos de lado a polêmica referente ao bairro das Brotas

ou do Brotas. Voltando nossa atenção para duas questões importantes que nos

ajudam a entender a relação que a sociedade itatibense mantém com sua

população negra e especialmente do Quilombo Brotas. O que chamou a minha

atenção desde o início desta pesquisa foi o fato dos historiadores da cidade

concentrarem sua atenção em relação à data de fundação do Município de Itatiba

sem se preocuparem em saber quem eram os tais “fugitivos” primeiros moradores

21 Nossa Senhora das Brotas é uma santa portuguesa protetora dos olhos dágua. No bairro onde está localizada a capela brotam várias nascentes.

Page 24: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

24

da Cidade de Itatiba. As pessoas22 da cidade com quem conversei sobre o assunto

ficavam surpresas com a possibilidade desses fugitivos serem escravos fugidos.

Alguns chegaram a confessar que haviam pensado nessa hipótese, mas jamais

teriam coragem de afirmar isso em público devido à polêmica que poderia gerar.

Isso me levou a pensar e observar melhor a forma como os negros são tratados nos

relatos de historiadores de Itatiba. A própria Diloca Ferraz Sangiorgi, em seu livro,

ao referir-se ao negro Brotas diz o seguinte:

“Bem, voltemos ao Brotas que era preto no corpo, mas branco na alma, curava os infelizes e arranjava serviços para eles, na fazendinha do sr. Luiz Ribeiro, o qual era um homem compassivo que acolhia os escravos fugidos”(1969:112).

Caberia aqui algum comentário a respeito do preconceito que a

população negra tem enfrentado na Cidade de Itatiba, porém deixarei para faze-los

ao final desse capítulo. Pois pretendo relatar vários outros comentários e episódios

da história de Itatiba que irão compor o contexto no qual está inserido o Quilombo

Brotas.

Assim voltemos um pouco para a história da fundação de Itatiba. As

notícias de terras férteis nos sertões de Jundiaí geraram uma corrente migratória de

famílias que foram morar em Itatiba. Entre essas pessoas estavam Joaquim de

Moraes e José Pereira que povoaram os bairros que até hoje são conhecidos como

bairro dos Coutos e dos Pereiras. Neste período Itatiba tinha como comandante o

cabo de Ordenança João Assunção que vieram residir em Itatiba com a esposa e

seis filhos todos negros. A população de Itatiba nos anos de 1786 e 1789 era muito

diversificada existiam muitos negros (libertos), pardos (libertos) e brancos. A partir

de 1789 começam a surgir os primeiros fazendeiros brancos com escravos. A

produção era basicamente de subsistência sendo que essa situação começou a se

alterar em 1790 quando surgiram os primeiros engenhos de cana – de – açúcar.

22 Alguns historiadores e funcionários do museu da Cidade de Itatiba.

Page 25: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

25

Em 1814, foi construída a primeira capela no Bairro de Nossa Senhora do

Belém, onde hoje está localizado o bairro do Cruzeiro. Posteriormente, com o

aumento da população os habitantes resolveram construir uma Igreja. A

construção da Igreja também teve como propósito conseguir que Itatiba fosse

elevado à condição de Freguesia, pois pelas leis do Governo Imperial um povoado

só poderia ser elevado a condição de Freguesia se tivesse em sua área uma Igreja.

Assim, em 1827 no alto de uma colina foi construída a Igreja do Rosário. “O

reconhecimento do Império viria no dia 9 de dezembro de 1830, criando a Freguesia de

Nossa Senhora do Belém de Jundiahy”(Gabuardi,2004:15). O cemitério acabou sendo

construído ao redor da Igreja do Rosário e permaneceu nesse local durante anos

até que o Imperador D. Pedro II baixou uma lei que os cemitérios fossem

construídos longe das residências. Detalhe interessante é que por volta de 1960 a

Igreja doou uma parte desse terreno para a construção de uma caixa d’água para a

Cidade até que fosse construída uma estação de tratamento de água. E, até hoje, a

água que abastece a Cidade é tratada nesse local.

O aumento da lavoura canavieira ainda que de forma tímida provocou um

aumento da população. A Igreja do Rosário ficou pequena para abrigar todos os

fiéis. Assim, por volta de 1833, os moradores resolveram construir um templo

maior: a Igreja Matriz. Sua construção demorou 20 anos ficando pronta em 1853.

A fase da cana–de-açúcar foi interrompida pela introdução da cultura do

café, em 1836, já existiam fazendas de café com muitos escravos. Uma das maiores

foi à fazenda Nossa Senhora da Conceição que chegou a ter de 200 a 300 escravos.

Segundo Camargo (2002), Itatiba foi uma das maiores cidades em número de

escravos do Estado de São Paulo, em 1886, tinham 2.182 escravos para uma

população de 9.335 habitantes.

A cultura do café trouxe grandes transformações para a Freguesia tornando-

a conhecida e respeitada pelo governador da Província. Em pouco tempo a

produção de café chegou a 200 mil arrobas por ano. Em 1857, com o

desenvolvimento econômico proporcionado pelo café a Freguesia foi elevada para

Page 26: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

26

Vila de Nossa Senhora de Bethlém de Jundiahy tornando-se politicamente

independente de Jundiaí. Foi constituída a primeira Câmara Municipal e as

discussões políticas passaram a fazer parte do cotidiano dos moradores. Os

dirigentes políticos planejaram a transformação da Vila em Cidade o que ocorreu

em 1876, passando a se chamar Cidade Belém de Jundiahy. Foi criada uma

coletoria de rendas gerais e provinciais tornado a Cidade inclusive

financeiramente, totalmente independente de Jundiaí. No ano seguinte os

vereadores resolveram mudar o nome da Cidade para Itatiba.

A produção de café continuou crescendo chegando, em 1876, na casa das

300 mil arrobas, a maior da região. O dinheiro gerado pele café trouxe uma série de

benefícios para a Cidade como a luz elétrica pública que chega em 1873, o telefone

(1893), o telégrafo (1888), inúmeros jornais, a primeira escola pública (1908). As

primeiras indústrias são fundadas por volta de 1893. Em 1929 com a quebra da

bolsa de Nova York e as mudanças geradas pela revolução de 1930 os fazendeiros

de café resolveram empregar seu capital em outros ramos de atividade. Com isso

novos ramos de indústrias foram implantados em Itatiba. Com maior destaque

para o setor têxtil. A partir de 1960 o setor industrial tomou novos rumos com o

surgimento de diversas fábricas de móveis colônias maciços. As fábricas de móveis

tiveram grande sucesso entre os anos de 1970 e 1980. Itatiba chegou a ser

conhecida como a capital do móvel colonial. Em 1990, as vendas começaram a cair

vertiginosamente e com isso o setor de móveis coloniais entrou em decadência.

* * *

Voltemos um pouco ao período da escravidão em Itatiba. Segundo

Rasmussen Gabuardi(2004), a Vila de Nossa Senhora de Bethlém de Jundiahy foi

uma das precursoras do movimento republicano. “Seus moradores tinham idéias

liberais muito fortes, atacavam o escravismo de maneira arrebatadora, tanto que alguns

vereadores foram suspensos da Câmara em razão da ferrenha defesa desses

Page 27: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

27

ideais”(Rasmussen Gabuardi,2004:28). A grande concentração de abolicionista na

cidade para Rasmussen levou Itatiba a construir um capítulo à parte na história da

abolição dos escravos no Brasil. O “ Club Philantropico Itatibense” fazia o trabalho

de defender a idéia abolicionista, dizendo que:

“A mancha da escravidão no Brasil jamais poderia ser apagada. Porém os senhores deveriam libertar seus escravos para darem exemplo ao resto do Brasil. Desta foram, os negros foram sendo libertados aos poucos em Itatiba. No início de 1888, existiam somente oito escravos no município” (Rasmunssen,2004:34).

Itatiba foi o primeiro município brasileiro a libertar seus escravos. No dia 29

de abril de 1888 a Câmara Municipal declarou independência de Itatiba em relação

ao regime Monárquico. Assim a Cidade passava a não mais aceitar as ordens do

Imperador D. Pedro II e conseqüentemente colocava fim a escravidão.

Alguns historiadores da Cidade de Itatiba dão grande destaque ao papel

dos abolicionistas para o fim da escravidão na cidade ou a fatores econômicos.

Dessa forma acabam por não levarem em conta o processo de resistência dos

negros à escravidão. Esse é o caso, por exemplo, do Padre Lima que era membro

do “Club Filantrópico”. Uma figura que se destacou na história de Itatiba e que foi

um ferrenho defensor da causa abolicionista. Ele nasceu em Itu no ano de 1844, era

mulato e chegou a ser exposto na casa de Francisca Rosa de Lima. Estudou no

Seminário Episcopal tornado-se padre trabalhou em várias paróquias: Capivari

Campinas, Descalvado, São João da Boa Vista e Itatiba. Como jornalista dirigiu as

publicações de “O Operário”, “A Gazeta de Itatiba” e o “Monitor Popular”. Um texto

do um Jornal de Itatiba, “Itatiba: 28 e 29 de abril de 1888”, ao se referir ao movimento

abolicionista faz o seguinte comentário: “Apesar da liderança do movimento estar nas

mãos dos brancos (ou quase brancos como o Padre Francisco de Paulo Lima)”(2002:14).

Ora, esse tipo de comentário acaba por desvalorizar a papel importante exercido

por um ex-escravo em busca da libertação de seu povo.

Page 28: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

28

Um outro fator quase sempre omitido por esses historiadores diz respeito às

fugas de escravos que ocorriam na região em cidades como de Jundiaí, Campinas e

em Itatiba. Maria Helena P. T. Machado no texto, Escravidão em São Paulo, descreve

várias delas. Em um dos casos um escravo que havia fugido de um quilombo em

Campinas. Capturado e interrogado “declarou que seu grupo pertencia a um quilombo

maior que se estava formando nestes anos em Jundiaí, quilombo este extensamente descrito

na documentação da polícia e nos jornais dos anos de 1880 e acusado de invadir fazendas e

assassinar moradores” (2002:06). Suely Robles Reis de Queiroz ,”Escravidão Negra em

São Paulo” descreve vários casos de levantes de escravos na região de Campinas.

Um historiador de Sorocaba23 relata que os fazendeiros de café da região de

Campinas eram tidos como muito cruéis com seus escravos. Quando algum dono

de escravo de Sorocaba queira repreender um escravo preguiçoso ou rebelde

ameaçava de manda-lo para as fazendas de café de Campinas. Em Itatiba existiam

vários relatos de escravos que fugiam das fazendas promovendo saques e roubos

nas estradas.

Os abolicionistas não formavam um grupo coeso quanto aos métodos

utilizados para atingir os objetivos. Existiam aqueles que procuravam defender

seus ideais de forma pacífica dentro da lei e existiam aqueles mais “radicais” que

agiam na ilegalidade. E pelo que tudo indica exista em Itatiba uma rede de ajuda

que envolvia brancos, negros escravos e libertos que ajudavam a fuga de escravos.

Esses personagens eram conhecidos como caifazes. Atuavam em todo Brasil e em

especial na região sudeste. Geralmente, era um intelectual que disfarçado

empregava-se nas fazendas.

“Nessa condição, ajudavam os escravos a fugirem e traçavam as estratégias de uma possível revolta. Como possuíam mais conhecimento, os caifazes realizavam um trabalho de doutrinamento – ou convencimento – junto aos escravos, ganhavam as sua confiança e posteriormente promoviam as fugas ou revoltas. Se descoberto pelo dono da fazenda, um

23 Pompílio Rogich Vieira. Sorocaba não esperou o 13 de maio. A luta pela libertação dos escravos no interior paulista. Gráfica Cruzeiro do Sul. Sorocaba,1988.

Page 29: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

29

caifaz também fugia, empregando-se em outra fazenda para reiniciar seu trabalho” (Camargo,1998:05).

Em Itatiba, ocorreram alguns casos em que a atuação dos caifazes pode ser

percebida. Em 1887, um fazendeiro flagrou um dos seus escravos lendo o Jornal “A

Província de São Paulo” para outros escravos. Esse jornal fazia campanha

abolicionista, provavelmente aquele caifaz itatibanse estava lendo as últimas

informações sobre a libertação de escravos e planejando uma revolta ou fuga.

Numa fazenda de Morungaba que, na época, fazia parte de Itatiba um escravo

promovia rezas e batucadas baseadas em cultos africanos. Esse espaço religioso

também era utilizado para tramar revoltas contra a escravidão. “Ao ser descoberto,

esse escravo foi julgado e processado. Mais tarde, descobriu-se que ele já havia feito o mesmo

em diversas outras fazendas, provocando distúrbios e fugas”(Camargo, 1998:05). Evaristo

Silva, em um artigo do Jornal à Tribuna de 24 de abril de 1966, conta o caso de

Francisco de Paula Marques conhecido como “Chico Dourador” que havia sido

contratado para decorar a Igreja Matriz.

“Durante o dia trabalhava naquele templo e nas horas vagas, desencaminhava ou furtava escravos dos terríveis escravagistas, sem que estes jamais soubessem de quem partia tão secreto e perfeito serviço. Depois a falta de segurança nas estradas e os constantes ataques as fazendas ou abandono delas pelos escravizados, também influenciaram para que o abolicionistas fossem aumentado e os próprios senhores puderam compreender que lutar era em vão” (pg 1293).

Assim, entre os donos de escravos era grande o medo que se repetisse no

Brasil à revolta de negros ocorrida no Haiti, onde eles tomaram o poder. Itatiba

chegou a ter toque de recolher, em 1870. Quem fosse pego circulando nas ruas

depois dás 21 horas tinha que pagar uma pesada multa e caso fosse escravo era

preso deixando a cadeia apenas quando seu senhor pagasse uma multa. Podiam

com isso descobrir algum escravo fujam. Também era proibido o ajuntamento de

escravos nos armazéns ou tavernas por mais tempo que o necessário para vender

Page 30: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

30

ou comprar mercadorias. Com isso queira se evitar que pudessem tramar revoltas

ou fugas. Segundo Gabuardi, “depois de muitas campanhas, os fazendeiros foram, de

certa forma, forçados pelos políticos a aceitar a hipótese de viver sem escravos negros. A

chegada dos imigrantes a partir de 1880, para trabalhar principalmente nas plantações de

café, facilitou a missão dos abolicionistas” (2004:34). Todos esses fatores somados ao

desejo de ver implantada a República no Brasil fez com que em Itatiba os

fazendeiros dessem, gradativamente, a liberdade para seus escravos.

Mesmo com a libertação, a vida dos ex-escravos era extremamente dura, não

havia trabalho para todos e mesmo quando conseguiam as condições não eram

muito diferentes do período da escravidão. O sonho da maior parte desses homens

e mulheres era conseguir comprar um pedaço de terra para plantar e viver com a

família. Esse também era o sonho de muitos imigrantes. Porém, o tratamento dado

ao ex-escravo era diferenciado. Durante a escravidão existia uma lei que proibia os

escravos de usarem sapatos. Mesmo com o fim da escravidão, em Itatiba, era uma

afronta um negro usar sapatos. Era uma forma de diferenciar negros de brancos. A

Igreja Matriz era freqüentada pela elite branca enquanto o a Igreja do Rosário era

freqüentada pelos negros.

O Largo do Rosário foi palco de grandes e animadas concentrações de

negros no período após a libertação dos escravos. Entre elas a famosa “Festas para

São Benedito” que começavam na noite do dia 12 e seguia noite adentro até o dia 13

de maio. Eram acesas fogueiras ao redor das quais homens, mulheres e crianças

dançavam o “Samba para São Benedito”. Essa festa tornou-se tão tradicional que a

Igreja do Rosário passou a ser chamada de Igreja de São Benedito. Também eram

promovida “Rodas de Samba”, ”Festa dos Pretos”, “Reza de São João” e Congadas. A

maior incentivadora e promotora dessas festas em Itatiba foi Dita Maranhão. “Nos

primeiros anos do século XX Dita Maranhão reunia à sua volta um grande número de

pessoas que lutavam pelos direitos de livres manifestações social e cultural”

(Camargo,2002:06). Era também defensora dos direitos das mulheres acumulando

ainda o atributo de líder feminista. Ela desfilou como Rainha na primeira escola de

Page 31: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

31

Samba de Itatiba. Posteriormente, nas décadas de 60 e 70 surgiu a Escola de Samba

Sete de Setembro fundada por José de Oliveira, filho de Dita Maranhão. Em uma

entrevista com José de Oliveira nos contou que em Itatiba só existia o Clube de

Itatiba e o Grêmio onde negros não podiam entrar. Não exista o carnaval popular

de salão. Então, eles e alguns amigos resolveram fundar em 1972, o Clube Sete de

Setembro. Segundo o S. José: “Aqui sempre teve esse sistema de racismo o negro não

entrava no Grêmio. O negro não entrava no Itatiba. O Sete de Setembro foi feito para

proteger a raça negra. Para o negro ter onde se divertir”.

Relatos como esse nos leva a pensar porque uma cidade como Itatiba onde o

movimento abolicionista foi tão intenso o preconceito contra os negros é o mesmo

de outras cidades que não tiveram um movimento abolicionista expressivo. Um

texto de Celina Maria Marinho de Azevedo, Irmão ou Inimigo o Escravo no Imaginário

Abolicionista dos Estados Unidos e do Brasil, pode nos ajudar a entender qual o

imaginário que essa elite branca que compunham o movimento abolicionista fazia

em relação ao escravo africano. Apesar do movimento abolicionista na sua maior

parte ser constituído por novos grupos sociais como profissionais, comerciante,

pequenos lojistas e empreendedores não podemos esquecer que essas pessoas

“haviam nascido e se formado em grandes fazendas de escravos, mantendo laços familiares e

de negócios com a classe dos grandes proprietários rurais”(1996:102). Quando os

abolicionistas brasileiros tratavam da escravidão falavam do seu interior e

dirigiam-se a pessoas que foram formadas por aquela mesma cultura escravista

que envolvia a todos, inclusive eles. Uma classe diminuta de fazendeiros brancos

governava uma população composta na sua maioria por escravos que compunham

a maioria da população brasileira. Como já foi relatado nesse capítulo as relações

entre senhor e escravo eram conflituosas. Assim construiu-se uma imagem do

escravo como inimigo doméstico.

“No caso do abolicionismo brasileiro, a crítica à escravidão não significava uma ruptura completa com a ideologia escravista. Isso porque essa crítica estava imbuída das imagens

Page 32: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

32

do escravo produzidas pelos próprios senhores ao longo de séculos de escravização de africanos” (1996:104).

A idéia do escravo como inimigo doméstico combina bem com as idéias

liberais herdadas do Iluminismo que influenciaram os abolicionistas brasileiros.

Assim, os abolicionistas constroem uma imagem do escravo com um ser privado

de razão devido ao processo de escravização que tirou sua liberdade, portanto,

situado abaixo da natureza humana uma espécie de besta humana. Isso gerou dois

tipos de escravos: um pacífico que vivia tão resignado quanto um vegetal incapaz

de lutar por sua liberdade; outro violento aquele a quem ninguém conseguiria

impedir de cometer os mais bárbaros crimes. Fica claro que os abolicionistas

brasileiros tinham grande dificuldade para interagir intelectualmente com pessoas

oriundas das senzalas. É preciso reconhecer que a elite branca e a população negra

-livre ou escrava- viviam em dois mundos à parte. Segundo Azevedo (1996), é

difícil encontrar qualquer sentimento de empatia em relação ao escravo e ao negro

em geral, ou sentimento de valorização étnica por parte dos abolicionistas

brasileiros. A quando era citada vez ou outra em seus discursos era sempre devido

a sua miséria, ignorância e feiúra. A África era, irremediavelmente, a terras das

trevas. Azevedo termina seu texto com o seguinte comentário:

“Os abolicionistas brasileiros consideravam o escravo uma vítima, sem dúvida, mas apesar disso viam-no como um elemento mau e perturbador da sociedade, tanto devido à sua condição inferior de cativo, como por pertencer a uma raça inferior” (1996:109).

Esse texto de Azevedo nos ajuda a entender como Itatiba apesar ter sido a

primeira cidade brasileira dar libertar seus escravos a população negra sofre até

hoje com preconceito24.

24 E também nos ajuda a entender uma aparente contradição histórica: como Camilo Pires, abolicionista e republicano, em 1887 ainda mantinha escravo trabalhando em sua fazenda de café, em Itatiba?

Page 33: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

33

O preconceito da sociedade itatibense em relação a sua população negra que

se apresenta não só na forma mais comum como os comentários preconceituosos

de Diloca Ferraz Sangorgi. Como também de forma mais sutil como a total

invisibilidade da população negra. Um município que foi o segundo maior do

Estado em número de escravos negros. O que teria acontecidos com esses negros?

Eles não desapareceram vivem em guetos ou bairros afastados do centro da cidade

com um acesso precário aos serviços públicos. Ignorados pela maioria da

população itatibense e pelo poder público. Somente há poucos anos passaram a

tomar consciência dos seus direitos garantidos no Art. 68 da Constituição, bem

como aos artigos 215 e 216 da Constituição Federal, Decreto Federal 4887/2003 e

ainda à legislação estadual: lei 9757/97 e os decretos 41.774/97 e 42.839/98.

Passando a lutar pela melhoria na qualidade de vida, a preservação do seu

patrimônio cultural e ambiental.

Page 34: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

34

4. O SÍTIO DAS BROTAS

4.1 Caracterização do Quilombo Brotas

O Quilombo Brotas está localizado no Estado de São Paulo, município de

Itatiba, situado à 76 km da capital do Estado, seguindo pela Rodovia dos

Bandeirantes (sentido Jundiaí) pegar a saída para Itatiba. Chegando em Itatiba

seguir pela saída Vinhedos/Valinhos até a Rua Filomena Zupardo no Bairro Santa

Filomena II (ver anexo mapa do perímetro urbano de Itatiba). No final dessa rua

está a entrada principal do Quilombo (ver anexo fotos nº 19 e 20) de frente para ela

do lado direito existem 28 casas que fazem divisas com o lado Norte do Quilombo.

Do lado esquerdo existe uma casa e uma área da Prefeitura localizada a margem

do Córrego das Brotas denominada: Sistema de Lazer da Prefeitura de Itatiba. Do

lado Leste e Oeste do Quilombo faz divisa a empresa Jofege Pavimentação e

Construção Ltda que em parte do terreno de sua propriedade construiu um

loteamento denominado Nova Itatiba II (ver anexo foto nº 73 à 78). Pela descrição e

fotos podemos perceber que o Quilombo Brotas está cercado por casas e um

loteamento.

Os moradores do Quilombo têm acesso a transporte público e escolas de

ensino fundamental e médio. Identificamos as dificuldades que enfrentam no

campo da saúde casos gravíssimos ficam meses sem atendimento, além de

diagnósticos errados e a falta de medicamentos. Eles também não têm acesso

maioria dos programas sociais do Governo Federal como, por exemplo, o Vale Gás

e Renda Mínima. Também não estão incluídos em nenhum programa social da

prefeitura de Itatiba, caso exista algum, pois ao longo do nosso trabalho não

conseguimos obter informações sobre os programas sociais do município.

A média de renda das 32 famílias que residem no Quilombo é de um salário

mínimo por família. Porém, freqüentemente passam por períodos em que a renda

Page 35: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

35

média por família não chega a um salário mínimo devido ao desemprego de

muitos chefes de família. A maioria dos homens exerce atividades como pedreiro,

borracheiro e vigia. Enquanto a maioria das mulheres trabalha como empregada

doméstica.

O acesso ao local é realizado por estradas asfaltadas até a porta do

Quilombo. As moradias são simples construídas com blocos e telhas de amianto.

Eles não possuem sistema de esgoto e água encanada. A luz elétrica é precária,

segundo os quilombolas, por ser uma propriedade particular não foi possível a

instalação de postes de luz no interior do Quilombo25. Porém, os moradores

contaram que em uma das idas a prefeitura para reivindicar postes de luz recebeu

a proposta de trocar os poste de luz pela autorização de passar uma estrada no

meio das terras do Quilombo. Desde a década de 70 existe um projeto Municipal

para construção do Sistema Viário da Cidade de Itatiba sendo que uma das

rodovias passaria por dentro do Quilombo Brotas.

Enquanto isso seus vizinhos têm acesso a toda a infra-estrutura que o

Município pode oferecer. Como, por exemplo, o loteamento Nova Itatiba II que

apesar de não ter moradores residindo no local já possuí luz elétrica, rede de água

e esgoto, ruas asfaltadas e um parque (Sistema de Lazer da Prefeitura de Itatiba).

Esse modelo de desenvolvimento urbano acaba por gerar uma territorialidade

seletiva onde um grupo social tem acesso a uma série de bens e serviços enquanto

que para os vizinhos negros e pobres nada está disponível reforçando, assim, a

segregação social.

Os moradores do quilombo não são agricultores, porém seus antepassados

viviam do que era produzido no Quilombo, porém incentivaram seus filhos e netos

a trabalharem fora, na indústria. Seus antepassados acabaram sendo influenciados

pelo discurso desenvolvimentista que circulava em Itatiba pelos anos 60, segundo o

qual a industrialização era o futuro do Município e da Nação. E com o tempo o

trabalho manual agrícola e o próprio espaço rural desapareceriam. O aumento do

25 Além disso, o valor de um poste é elevado o que inviabiliza a compra do mesmo pelos moradores do local.

Page 36: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

36

número de famílias diminuindo o espaço agricultável e as mudanças que

ocorreram no entorna também favoreceram que esta população tentasse buscar

recursos para sua sobrevivência em outros ramos da economia. Desde 2001, eles

vêm tentando ocupar o pouco espaço livre com a produção de hortaliças em uma

horta comunitária.

A maior parte do território do Quilombo Brotas está situado no perímetro

urbano da Cidade de Itatiba (ver mapa urbano da Cidade). Apesar disso as 32

famílias que residem ali se consideram moradores de um sítio. Sendo que até o ano

de 2001 foi pago I.T.R. (Imposto Territorial Rural) do Sítio das Brotas. Conhecendo

o modo de vida dessas pessoas somos levados a concordar com eles. Sua comida é

feita em fogão de lenha, a água consumida nas casas é retirada de poços artesianos,

as ruas do Quilombo não tem iluminação elétrica muitas famílias esquentam água

para o banho no fogão a lenha. Considerando urbanização como “incremento de

alocação de equipamentos urbanos”, ou seja, concentração em certos espaços de

recursos técnico-científicos gerados e geridos segundo a expansão da racionalidade

tecno-científica (Frochlich & Monteiro, 2004) fica difícil simplesmente “classificar”

esse grupo como urbano ou rural, pois o que está em jogo são as relações sociais

definidas no interior do campo político(Gusmão, 1995: 40). Segundo Margarida M.

Moura no artigo “Camponeses” da série Princípios de 1988 “a perspectiva urbana

reforça enganosamente a idéia de que a divisão física/geográfica/de espaços – rural e urbano

– seja também uma divisão definitiva na natureza das relações sociais dos grupos que

habitam, trabalham, vivem nesses espaços distintos, não é a cidade que por oposição define o

campo e seus habitantes, mas sim o Estado”. Dessa forma, compreendemos que o fato

do território do Quilombo Brotas estar dentro do perímetro urbano da Cidade

Itatiba deve-se ao crescimento desordenado da Cidade com o surgimento de novas

casas e loteamentos na região.

Os membros do Quilombo Brotas ao se identificaram como moradores de

um sítio buscam com isso criar uma estratégia de ocupação do território que os

possibilitem defender-se da especulação imobiliária, e conseqüentemente, evitar o

Page 37: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

37

risco de serem expropriados. É justamente por isso que um dos membros desse

grupo resolveu não fazer o inventário dos bens de Amélia de Lima, o qual levaria

inevitavelmente ao esfacelamento do seu território e a perda de suas terras.

Quando Amélia faleceu seu filho, Claro de Lima Barbosa, que era o responsável da

família pelos documentos do Sítio resolveu não fazer o inventário de sua mãe. Sua

filha Maria do Carmo conta que seu pai dizia que somente ele poderia tocar o

processo de inventário e que ele não ia faze-lo porque “ os homens do Sitio são muito

fracos e logo iriam vender sua parte por uma garrafa de pinga e as mulheres e crianças

ficariam na rua sem ter onde morar”. E acrescentou: Quando eu morrer não terá mais

ninguém que poderá mexer com isso e vai ficar tudo do jeito que está e as mulheres e

crianças vão ficar amparadas.” Dessa forma, entendemos que esse grupo elaborou ao

longo dos anos um sistema de uso da terra, entendido enquanto sistema de posse

comunal, com o uso comum de uma terra e de seus recursos específicos que têm na

apropriação familiar e no usufruto comum a base de sua organização e defesa

perante a sociedade.

4.2. Histórico da Ocupação do Território

A história do Quilombo Brotas cruza com as linhas narrativas que

compõem outras histórias como a da formação Cidade de Itatiba e a história das

mulheres quilombolas que ao longo do tempo formaram um matriarcado neste

pequeno território, mas grande o suficiente para servir de abrigo a todos que dele

precisaram ao longo de dois séculos.

A ocupação do território do Quilombo Brotas começa como servindo de

abrigo para escravos fugidos das fazendas das regiões de Campinas, Atibaia e

Jundiaí que aliados aos índios criaram nos sertões de Jundiaí um quilombo. Essa

parte da história do Quilombo Brotas foi longamente discutida no Capítulo I deste

estudo, portanto, não me deterei mais nela.

Page 38: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

38

A saga das mulheres do Quilombo Brotas começa com Maria Emília

Modesto e sua filha Emília Gomes que eram escravas em uma fazenda no Rio de

Janeiro. Foram vendidas e vieram para o mercado de escravos na cidade de Santos.

Um fazendeiro comprou Maria Emília, mas não quis levar a filha que foi separada

de sua mãe. Algum tempo depois Emília foi vendida para um fazendeiro de

Itatiba.

Pela pesquisa realizada no arquivo do Estado de São Paulo e por alguns

relatos de Maria Emília Barbosa de Lima filha de Amélia de Lima chegamos a

conclusão que esse fazendeiro pertencia a família Pupo sendo provavelmente

Antonio Silveira Pupo ou um dos seus filhos que era dono da Fazenda São

Benedito. Em 1836, ele figura no Maço de População como tendo vários escravos e

inclusive libertos26que moravam com sua família.

Provavelmente, Emília conheceu seu marido Isaac de Lima na fazenda São

Benedito onde trabalhavam como escravos, aproximadamente, pelos anos de 1850.

Tiveram vários filhos (ver anexo III Quadro Genealógico), dentre eles, Amélia de

Lima que não era mais escrava ao nascer (em 1876), pois foi beneficiada pela lei do

ventre livre. Com a morte do dono da fazenda Emília e Isaac ganharam a

liberdade, como era costume alguns fazendeiros deixavam em seu testamento

orientações para a família dar a liberdade para determinados escravos quando ele

viesse a falecer. Libertos Emília, Isaac e os filhos saem pelas estradas a procura de

um lugar para morar, trabalhar e criar os filhos. A vida do escravo não era fácil

mesmo livre precisava arranjar uma forma de sobreviver em uma sociedade

escravocrata na qual a mão de obra livre assalariada era pouco utilizada. Assim

buscaram refúgio com os amigos Rita Rodrigues e José Francisco Rodrigues que

ofereceram um lugar para plantar e morar no Bairro dos Lopes27. Pelo que tudo

indica existia em Itatiba uma rede de relações que envolviam os quilombolas e

outros grupos sociais. Assim os quilombos mantinham redes de comércio, relações

26 Termo que aparece depois do nome de ex-escravos em registros como os livros de batismo e casamento da Igreja Católica e também no registro de Maço de Populações do Arquivo Público do Estado de São Paulo. 27 Atualmente Bairro Santa Filomena II.

Page 39: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

39

de trabalho, de amizade, parentesco, envolvendo escravos que ainda vivam nas

senzalas, negros livres e libertos, comerciantes mestiços e brancos28. Essas redes

eram inclusive utilizadas para facilitar a fuga de escravos. Ana Tereza, neta de

Amélia, conta que sua avó falava muito do período da escravidão e como era a

vida na fazenda onde seus pais eram escravos. Certa vez ela contou que a esposa

do dono da fazenda que eles chamavam de Sinhá costumava reunir as crianças da

fazenda levando-as para passear enquanto suas mães trabalhavam. Durante o

passei ela especulava as crianças, filhos de escravos, para saber o que acontecia na

senzala à noite. Amélia contou para sua mãe sobre os passeios com a Sinhá. Sua

mãe recomendou: “Minha filha haja o que houver você não viu e nem ouviu nada”. E a

caso a Sinhá insistisse ela deveria dar a seguinte resposta: “Não vi, não sei, não se

escreve, não se agrava ninguém”. Pelos relatos dos descendentes de Emília e Isaac eles

faziam parte dessa rede de relações e graças à ajuda de dois membros dela

conseguiram ir morar no Sítio das Brotas. Por meio de um acordo com o

proprietário das terras trabalharam e juntaram dinheiro para comprar o Sítio o que

deve ter ocorrido, aproximadamente, entre os anos de 1878 e 188529. Ana Tereza,

neta de Amélia, lembra com foi difícil para seus antepassados comprarem essas

terras. Segundo ela, Amélia contava que trabalhava com o pai na roça de sol a sol.

Tinham somente um muda de roupa para vestir às vezes chovia na roça e ficavam

molhados e não tinha outra muda de roupa seca para vestir e Amélia acabava

chorando devido aquela situação. Seu pai, Issac, tentava consola-la dizendo:

“Tenha paciência minha filha. Isso daí é pra nós pagar o lugar pra gente morar. Pra

pertencer pra tudo mundo. Pra tudo que tiver meu sangue ter um lugar pra morar”.

Nessas terras também vieram morar os irmãos de Isaac que se chamavam

Pedro, Davi, Geraldo e Adão, porém os moradores do Quilombo não sabem

28 A existência de reder de relações que união diversos grupos negros e brancos foi apresentada por Gomes(1996) no livro “Liberdade por um fio”, no qual essa situação é chamada pelo autor de campo negro.29 Não conseguimos ver o documento de compra e venda do Sítio Brotas. Segundo seus moradores ele deveter se perdido ou ficou arquivado junto como processo de inventário da família (em anexo cópia do registro em cartório das terras do Quilombo Brotas).

Page 40: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

40

explicar o paradeiro de seus descendentes. Além de outras pessoas que vieram

morar no Quilombo, que não eram parentes, mas recebiam ajuda dos moradores30.

Com o passar do tempo os irmãos de Isaac saíram dessas terras, assim

como, alguns de seus filhos como Felipe e Pedro. Esse último foi morar na Rua

Campos Sales que na época chamava-se Rua Alegre. Nesse local os moradores da

rua faziam as festas do Largo do Rosário e o carnaval da Cidade fundando a

primeira escola de samba de Itatiba. Grande liderança nessa época era Dita

Maranhão que era compadre de Pedro. O pessoal do Quilombo Brotas participava

ativamente do carnaval (ver anexo V fotos nº 49 e 50).

Amélia de Lima permaneceu na terra trabalhando ao lado de seus pais. Era

uma jovem muito inteligente e com idéias muito avançadas para sua época. Ela

não queira se casar e seu grande sonho era se tornar uma modista31, porém com o

passar do tempo ela acabou cedendo a vontade de seu pai e casando com um

amigo da família. Ela costurou (ver anexo foto nº 93 da máquina de costura de

Amélia) seu vestido de casamento e contrariando a tradição da Cidade de Itatiba,

pela qual negro casava descalço, ela casou com sapatos.

Com o falecimento de Isaac permaneceram no território apenas Emília, sua

filha Amélia de Lima e o marido Fabiano Barbosa. Amélia e Fabiano tiveram nove

filhos dos quais descendem os atuais moradores do Quilombo Brotas. O marido de

Amélia faleceu no começo do século XX, e ela teve que trabalhar sozinha para

sustentar seus filhos sem abandonar suas terras. Amélia viveu no Quilombo por

toda a sua vida sendo que os atuais moradores são seus descendentes.

Devido à desinformação e falta de dinheiro eles não registraram as terras

que haviam comprado o que provou um verdadeiro reboliço na família por volta

30 Um dos casos de pessoa que foi ajudada pelos moradores do Quilombo Brotas e morou nas terras desse grupo durante algum tempo chegando a se casar com o filho de um dos irmãos de Issac foi o de uma moça chamada Ana. Ninguém sabe ao certo quando isso acontece, mas os moradores do Quilombo contam que Ana trabalhava para um patrão que a maltratavam mantendo-a acorrentada com os pés cheios de feridas. Um dos filhos de Amélia ficou sabendo do caso e resolveu roubar a moça dos patrões levando-a para morar no Quilombo Brotas. Onde viveu até seu casamento com João Fazendeiro filho de Adão que era irmão de Issac de Lima. Eles se casaram e a moça foi morar nas terras do marido (ver anexoV foto 01).31 Desenhar e costurar roupas finas.

Page 41: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

41

de 1960 quando, segundo eles, veio uma carta da Prefeitura dizendo que teriam

pagar uma multa altíssima caso contrário perderia suas terras. Amélia ficou

desolada e conseguiu unir alguns de seus filhos para pedir um empréstimo para

pagar a multa. Posteriormente, tiveram que plantar eucalipto para como o dinheiro

pagar o empréstimo. Essa é a versão que circula no Quilombo Brotas sobre o

assunto não sabemos se os fatos deram-se dessa maneira, pois esse episódio é até

hoje motivo de brigas e desavenças familiares. O que sabemos é que em 1969 foi

feito o inventário de Isaac e Emília sendo o primeiro registro em cartório dessas

terras.

Até 1970 esse grupo viveu da economia de subsistência. O excedente era

trocado na Cidade por itens que não eram produzidos no sítio como o sal. Eles

plantavam feijão, mandioca, batata doce, milho, cana-de-açúcar, arroz, café e

amendoim. Tinham um pomar com diversas frutas como a pêra, melancia, goiaba,

amora, manga e abacate (ver anexo V foto 12 e 30). Além disso, a criação de cabras,

galinhas e porcos (ver anexo V foto 07). Com o passar do tempo os filhos e netos de

Amélia saíram das terras para procurar trabalho na indústria, principalmente, em

Jundiaí e São Paulo. Depois de várias idas e vindas uma parte dos descendentes de

Amélia, principalmente, aqueles que com dificuldades econômicas, não

conseguindo emprego e um lugar para morar, resolveram se estabelecer no

Quilombo onde vivem até hoje. O período de maior crescimento populacional no

Quilombo foi depois que chegou a energia elétrica no Bairro, no início dos anos 90.

Na última década esse grupo tem vivenciado uma grande mudança no

espaço em torno do seu território. Pela foto aérea (data aproximada década 90), na

próxima página, podemos notar que em 15 anos o entorno do Quilombo Brotas foi

modificado com o surgimento de loteamentos e destruição de área de mata que

provocou o deslocamento de parte dessa fauna para o Quilombo, último refúgio de

mata e fonte de água para esses animais. Assim, podemos encontrar no território

do Quilombo várias espécies de animais como aves, esquilos, porco espinho e

sagüis (ver anexo foto nº 79 e 80).

Page 42: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

42

A região onde está localizado o Quilombo Brotas é rica em recursos

hídricos. As águas que abasteciam a cidade de Itatiba até a primeira metade do

século XX vinham dessa região. Dentro do território do Quilombo Brotas existem

vários afloramentos de água que deram origem ao nome do Sítio32. Os moradores

têm necessidade dessa água, pois todas as casas têm um poço. No entanto, desde

2001, quando teve início a construção do loteamento Nova ItatibaII, que é vizinho

do Quilombo Brotas, essa comunidade passou a sofrer as conseqüências das obras

para escoamento das águas da chuva e esgoto do loteamento (ver anexo foto 81 a

86). Uma delas, foi o assoreamento de um córrego que é formado por várias

nascentes, sendo que a principal, nasce dentro do território quilombola

provocando o desaparecimento de peixes e crustáceos33. Segundo os moradores do

Quilombo, quando as obras do loteamento começaram, eles não se deram conta do

que poderia acontecer com suas nascentes e com o córrego. Quando perceberam o

que estava acontecendo resolveram conversar com os donos do loteamento Nova

ItatibaII. Foi nessa época que dois membros da comunidade apresentaram-se para

essa conversa. O primeiro foi Paulo Sergio Marciano e o segundo Marcos Antonio

Gomes; porém eles não foram bem sucedidos nas suas tentativas. E Associação do

Quilombo Brotas buscou ajuda de uma O.N.G. – Forúm Pró-Cidadania que

denunciou o caso para o Ministério Público Estadual, e posteriormente, o

Ministério Público Federal. No dia, 18 de março de 2004, o Procurador do

Ministério Público Federal Dr. José Ricardo Meirelles visitou o Quilombo Brotas.

No início de abril, os funcionários do loteamento retomaram as obras de um

encanamento que vai despejar suas águas em uma área alagadiça onde existe um

pequeno reservatório de peixes e uma horta. Os funcionários do loteamento ao

serem questionados por Manuel Roberto Barbosa (Presidente da Associação do

Quilombo Brotas) a respeito de quem haviam autorizado aquela obra afirmaram

32 A palavra brotas quer dizer olho d’água. 33 Segundo os moradores do quilombo Brotas existiam peixes e caranguejos que habitavam esse córrego. Inclusive os moradores mais antigos costumavam fazer um prato chamado “mariscada” com arroz e peixinhos e caranguejos pescados nesse córrego.

Page 43: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

43

que o D.P.R.N. (Departamento Estadual de Proteção aos Recursos Naturais) havia

dado autorização para que as obras continuassem.

Ressalto que o assoreamento desse córrego também teve um forte impacto

sobre as práticas religiosas dessa comunidade. No território do Quilombo Brotas

existe um terreiro de Umbanda cuja Mãe de Santo é a mais antiga moradora do

lugar, conhecida como Tia Lula. O córrego que foi assoreada era usado pelo grupo

para realização de trabalhos para o “povo d’água”. Tendo, inclusive em sua margem

um altar para essas divindades.

Devido a esse fato envolver questões muito específicas ligadas ao meio

ambiente e legislação sobre loteamentos solicitamos que um membro do Grupo de

Gestão Ambiental da Fundação Itesp visitasse o Quilombo Brotas e produzisse um

Relatório Técnica de Apoio ao R.T.C do Quilombo Brotas. A seguir apresento cópia

do mesmo.

Page 44: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

44

RELATÓRIO DE APOIO TÉCNICO

Page 45: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

45

Pelo relatório apresentado acima percebemos como a preservação das

nascentes é vital para a sobrevivência física e cultural do Quilombo Brotas. Na luta

para não perderem esse patrimônio os membros desse grupo reivindicaram uma

área que faz parte do Quilombo antigo que existia naquelas terras, mas não

pertence à área que foi comprada por Issac e Emilia. Pois uma das nascentes que

alimentam o Córrego das Brotas aflora em um terreno vizinho o qual será

provavelmente transformado em loteamento gerando impacto sobre o Córrego das

Brotas. Assim essas terras fazem parte do território desse grupo (ver anexo I).

Ressalto que esse grupo tem sofrido constantes ameaças de destruição de seu

patrimônio cultural e ambiental. Como o assoreamento do Córrego das Brotas,

casas antigas estão sendo alteradas, peças e fotos antigas perdidas ou

simplesmente queimadas. Tudo isso sem o consentimento dos membros da

Associação do Quilombo Brotas (ver anexo VI o Estatuto da Associação)

aparentemente numa tentativa de “apagar” a história desse grupo. Uma solução

possível para essa situação poderá ser no futuro o tombamento do Quilombo

Brotas.

Chegamos ao final desse capítulo e gostaria de termina-lo ressaltando o

papel que as mulheres desempenham no Quilombo Brotas. A palavra matriarcado

não foi utilizada por acaso no começo desse capítulo. Nesse grupo quem detém o

poder são as mulheres nos diferentes espaços desde as relações familiares, na hora

definir as normas internas do grupo ao até mesmo discutir questões de terras

sempre são as mulheres que dão a última palavra. É devido a forças dessas

mulheres que esse grupo conseguiu se manter ao longo do tempo em seu território.

São elas as guardiãs da história do grupo começando com a escrava Maria Emília

Modesto que contou para Emília Gomes que contou para Amélia de Lima que

contou para a filha, netas e bisnetas Maria Emília Barbosa, Maria da Conceição,

Ana Tereza Barbosa da Costa, Ana Maria Marcelino de Lima, Rosemeire Barbosa,

além de outras mulheres desse quilombo que nos ajudaram a contar sua história.

Page 46: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

46

Graças as suas narrativas pudemos conhecer um pouco mais da história da

população negra do nosso país.

4.3. Religião e Sincretismo: o caso do Terreiro de Umbanda da Tia Lula

Atualmente, a população do Quilombo esta dividia entre algumas religiões

como a Católica, Nazareno, Deus é Amor e a Umbanda. Há oito anos atrás vários

membros do Quilombo Brotas eram da Umbanda, porém devido a diversas razões

foram abandonando essa religião e tornando-se evangélicos.

Pelos relatos dos moradores do Quilombo pudemos perceber que suas

práticas religiosas - todos se definiam como católicos no início do século XX - eram

permeadas por elemento da Umbanda e do Candomblé.

Maria do Carmo, neta de Amélia de Lima, conta que sua avó era uma

mulher muito católica que era responsável em fazer a “reza de defunto”,

provavelmente, fazia parte da Irmandade de São Benedito34. Amélia de Lima

freqüentava a festa para São Benedito do Largo do Rosário. Segunda a sua bisneta

Ana Maria essa festa era conhecida como Samba do dia 12 de maio ou Samba para São

Benedito nessa festa a pessoa dançava e bebia pinga era fechada somente para

especialistas cada um na sua especialidade. Maria Emília, filha de Amélia, chegou

a acompanhar a mãe, quando era criança, a essas festas e tinha muito medo não

sabem bem ao certo do que? Ela relata que sua mãe ficava rodopiando com a saia

ao vento em volta das fogueiras ao som de batuques. A festa começava no dia 12

de maio e terminava no dia 13 com as congadas vindas dos bairros dos “Pereiras” e

“Cocais”.

Nessas festas também tinha O Ponto que, segundo Maria do Carmo, era um

desafio cantado, um começava e o outro respondia geralmente cantavam sobre a

34 Essas irmandades eram muito comuns e espalharam se por todo país procuravam juntavam dinheiro para fazer o enterro daqueles que eram necessitados, composta por negros que formavam um grupo a parte dentro da Igreja Católica, pois as irmandades de brancos não se misturavam com a dos negros.

Page 47: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

47

vida das pessoas, ou seja, assuntos dos mais variados como o resultado da colheita,

fofocas e brincadeiras. No meio do grupo existiam os macumbeiros que ninguém

sabia quem eram e que tinham muita força e aproveitavam O Ponto para lançar

seus feitiços. Maria conta que ocorreu um caso de um puxador de samba que ficou

sem voz na hora do desfile da escola. “Foi macumba que fizeram pra ele aí o pessoal

desfez a macumba”, disse ela. Assim pelos relatos acima percebemos que nas

praticas religiosas desse grupo um sincretismo35 com elementos da religião

Católica, Umbanda e Candomblé.

Segundo Pradi (1996):

“Desde o início as religiões afro-brasileiras se formaram em sincretismo com o catolicismo, e em grau menor com religiões indígenas. O culto católico aos santos, numa dimensão popular politeísta, ajustou-se como uma luva ao culto dos panteões africanos” (pg.67).

No processo de formação das culturas afro-brasileiras predominou a

reinvenção, a mistura fina de valores e instituições várias, a escolha de uns e o

descarte de outros recursos culturais trazidos por diferentes grupos étnicos

africanos ou aqui encontrados entre os brancos e índios (Reis, 1996). Um caso

narrado por João José Reis sobre o Quilombo Limoeiro, no Maranhão, em 1877,

ilustra o que queremos dizer:

“Foram encontradas pela expedição repressora, segundo seu comandante, duas casas de santos; sendo uma com imagens de Santos, e outra onde encontramos figuras extravagantes de madeira, cabaças com ervas podres e uma porção de pedras que em tempos remotos os indígenas se serviam como machado, as quais a maior parte dos mocambeiros venera como a invocação de Santa Bárbara” (pg. 20).

35 Essa palavra sofreu mudanças de significado, com o tempo, a distinção entre sua definição objetiva e subjetiva tem raízes históricas. Na Antigüidade, conforme seu sentido etimológico, significa “junção de forças opostas face ao inimigo comum”.

Page 48: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

48

Os quilombolas desenvolveram habilidades em mesclar culturas o que

possibilitou a formação de alianças sociais, pois se fazia necessário compor como

outros grupos sociais. O que inevitavelmente gerou transformações e

interpenetrações culturais.

As religiões afro brasileira, até os anos 30, poderiam ser incluídas na categoria

das religiões étnicas ou de preservação de um patrimônios culturais dos antigos

escravos e seus descendentes, pois mantinham vivas tradições de origem africana

(Pradi,1996:65). Com o passar do tempo tornaram-se bastante diversificas

propiciando o desenvolvimento de novas religiões como é o caso da Umbanda que

teve sua formação no Brasil originado-se do encontro de tradições africanas,

espíritas e católicas. Originou-se segundo Pradi (1996), do Candomblé de Angola e

o de Caboclo. No Candomblé de Angola tem fundamental importância o culto dos

caboclos, “que são espíritos de índios, considerados pelos antigos africanos como sendo os

verdadeiros ancestrais brasileiros, portanto os que são dignos de culto no novo território em

que foram confinados pela escravidão” (pg.66).

O primeiro terreiro de Umbanda surge no Rio de Janeiro aproximadamente em

1920. Os rituais da Umbanda são “muito próximos do candomblé dos ritos angola e

caboclo... Seu panteão tem à frente orixás-santos dos candomblés e xangôs de destaque que

está ocupado por entidades desencarnadas semi-eveméricas, à moda Kardecista e a africana,

ou encantados de origem desconhecida, à moda dos cultos de maior influência indígena: os

catimbós, os candomblés de caboclos, as encantarias, de onde também se originam certas

práticas rituais, como o uso de bebida alcoólicas e tabaco. A umbanda é a religião dos

caboclos, baiadeiros, pretos velhos, ciganas, exus, pombagiras, marinheiros,

crianças”(Pradi,1996:70). “ A Umbanda se divide numa linha da direita, voltada para a

prática do bem e que trata com entidades desenvolvidas, e numa linha da esquerda, a parte

que pode trabalhar para o mal. Também chamada de quimbanda, e cujas divindades,

atrasadas ou demoníacas, sincretizam-se com aquelas do inferno católico ou delas são

tributárias... Assim estão do lado direito os orixás, sincretizados com os santos católicos, e

que ocupam no panteão o posto de chefes de linhas e de falanges, que são reverenciados, mas

Page 49: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

49

que pouco ou nada participam do trabalho da umbanda, isto é, da intervenção mágica no

mundo dos homens para a solução de todos os seus problemas, que é o objetivo primeiro da

umbanda enquanto religião ritual. Ainda do lado do bem estão o caboclo (que representa a

origem brasileira autêntica, o antepassado indígena) e o preto-velho (símbolo da raiz

africana e marca do passado escravista e de uma vida de sofrimentos e purgações de

pecados). Na esquerda estão os exus masculinos e as pombagirias, sincretizados com

demônios, sempre dispostos a trabalhar para o mal, visando sempre o bem de seus adeptos,

amigos e clientes” (Pradi,1996:73).

No Quilombo Brotas o terreiro de Umbanda foi criado por Maria Emília

Barbosa Gomes, filha de Amélia, por volta de 1950. Maria Emília nos contou que

desde crianças tinha visões e ouvia batuques que ninguém via ou ouvia. Com

catorze anos foi trabalhar em São Paulo como empregada doméstica. Ali ela

começou sua iniciação no Candomblé, porém como o processo todo era muito

oneroso ela resolveu mudar para a Umbanda. Comparado com o Candomblé o

processo de iniciação da Umbanda é muito mais simples e menos oneroso

(Pradi1996:67)36. Por volta de 1950, ela volta a morar no Quilombo Brotas onde

começa a realizar alguns trabalho para parentes e conhecidos. Montando sua

Tenda em uma casa de taipa (ver anexo V foto nº 23) próxima a casa de sua mãe.

Logo sua fama espalha-se pela Cidade de Itatiba e muitas pessoas a procuram para

os mais diversos fins. Com a morte de sua mão ela torna-se a grande matriarca do

Quilombo Brotas qualquer decisão a respeito do território passa pela sua

aprovação. Conhecida por todos na Cidade de Itatiba como Tia Lula. Sua

identidade se fundiu ao território que ocupa são comuns expressões do tipo

“Barroca da Tia Lula” ou até preconceituosas como “Buraco Quente da Lula” se

referindo ao Quilombo Brotas. Os moradores do entorno do Quilombo Brotas tem

sentimentos muito diferentes a respeito do mesmo. Alguns têm um misto de medo

e respeito enquanto outros transferem todo peso do preconceito racial em relação

36 Um dos fatores que levou muitos moradores do Quilombo Brotas a mudar de religião foi devido à falta de dinheiro para comprar os produtos necessários para os rituais.

Page 50: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

50

ao negro para a sua cultura. O primeiro grupo relata casos como o de um menino

que morava vizinho do Quilombo que estava empinado uma pipa que caiu dentro

da mata do Quilombo Brotas no lugar onde são realizados os trabalhos para os

caboclos. Como o menino não sabia disso entrou na mata para buscar sua pipa sem

pedir autorização para ninguém. Ao ver sua pipa abaixou-se para pegar quando

levantou sua cabeça estava rodeado por vários homens os quais não conhecia e que

o olhavam fixamente vestidos com roupas estranhas. Ele saiu rapidamente do

lugar e nunca mais voltou. Já o segundo grupo tem posições contraditórias para

eles o Quilombo é totalmente invisível, ou melhor, seus moradores, eles

consideram o lugar um terreno baldio onde jogam o lixo de suas casas. Esse

mesmo grupo considera o Quilombo um lugar sujo e ligam insistentemente para a

Prefeitura para que faça a limpeza do lugar.

Para entendermos melhor a relação desse grupo com seu território construímos

um croqui das manifestações religiosas do terreiro de Umbanda de Tia Lula (ver

no final do capítulo). Segundo ela, os trabalhos eram abertos às 21 horas na Tenda

(ver anexo V foto 87 a 91), onde recebiam os guias de luz como os pretos velhos e

as crianças. Depois vão para o Terreiro onde são acesas as fogueiras e realizados

trabalhos para o Boiadeiro, o Baiano e os Exus. No terreiro era realizado o sacrifico

de um boi e seu sangue utilizado para trabalhos com os exus. Nesse local existem

vários coqueiros e árvores que foram cruzadas para as entidades. Esse trabalho

seguia até de madrugada quando eram incorporados os caboclos – que são os

índios - e seguiam para a mata onde eram feitas as oferendas (ver anexo V foto 52 a

55). Depois são feitos os trabalhos para os povos d’água no Córrego que foi

assoreada. Como comenta Maria Emília: “Agora passou máquina aí, bagunçou

tudo, precisa arrumar. Tinha um lugarzinho, um conga37 na beira d’água a gente

trabalhava lá. Aí terminava os trabalhos lá pelas 8 ou 9 horas”. Nesse local

também eram realizados os batizados do terreiro. Também existiam as festas do

37 Altar com várias imagens de santos. O conga que ficava na margem do Córrego das Brotas foi destruído. Dentro da Tende existe um conga maior.

Page 51: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

51

Boiadeiro, São Cosmo e São Damião, do 13 de Maio, etc. Nessas festas vinham

pessoas de outros terreiros como do Rio de Janeiros e São Paulo. Tia Lula lembra

dessa data com muita alegria e saudade. “ O Sito ficava cheio de gente dos terreiros,

para tudo canto fazendo trabalho, não sei os outros mas eu gostava muito. Ficava tudo um

terreiro só”.

O curioso no caso do Quilombo Brotas é que sua territorialidade foi construída

tendo como elemento intermediário à religião (a Umbanda) que possibilitou a

elaboração de uma identificação do grupo com seu território totalmente inusitada.

Pois mesmo aqueles que não são umbandistas tem como referencia para dar

sentido as suas práticas cotidianas elementos da Umbanda, como por exemplo, ao

comentarem sobre os ensinamentos da sua atual religião (Deus é Amor e

Nazareno) usam casos relacionados a Umbanda que ocorreram no território do

Quilombo Brotas para justificarem a veracidade desses ensinamentos. Um caso

curioso foi narrado por Rosemeire Barbosa. Ela nos contou que seu pastor ensinou

que ao repreender uma criança deve-se ter cuidado com o que se diz, pois a

palavra tem muita força. Então ela contou um caso ocorrido no Quilombo Brotas

para confirmar aquilo que foi dito pelo pastor. Segundo Rosemeire existia uma

mulher que tinha um filho muito arteiro e a mãe sem paciência com as artes do

menino viviam dizendo “para de encher a paciência, não sei porque você não vai para o

inferno”. Um belo dia o menino desapareceu sua mãe procurou por todo canto sem

sucesso. Até que alguém veio avisar que tinha encontrado o garoto preso no meio

dos espinhos. Como ninguém conseguiu tira-lo dali resolveram chamar Tia Lula

que fez algumas rezas e tirou o menino do meio dos espinhos. E advertiu a mãe

dizendo que a palavra de mãe tem muita força e que nunca mais devia usar

aquelas palavras para repreender seu filho, pois os espíritos atenderam seu pedido

e queiram leva-lo embora. Assim Rosemeire termina sua narração concluindo que

o pastor tinha razão e que, pois aqui já havia acontecido no Quilombo.

Dessa forma percebemos como a categoria território é complexa, pois envolve

um espaço geográfico que é apropriado – territorialização- lócus de co-existência

Page 52: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

52

do diverso: natureza, cultura, cooperação, conflito, individualidade e coletividade.

O território também enseja identidades – territorialidades – “que estão inscritas em

um processo sendo, portanto, dinâmicas e mutáveis, materializando em cada momento uma

determinada ordem, uma determinada configuração territorial, uma topologia social”

(Gonçalvez, 2002:230). O processo de territorialização vivido por esse grupo

transformou as terras que habitam em sagradas o que possibilitou a construção de

uma territorialidade específica – um sentimento (intersubjetividade) que emana da

consciência de pertencer a um grupo e a um território (caráter objetivo).A

territorialidade é uma construção do espaço que dando sentido ao lugar que se

habita, ao qual se pertence através de práticas cotidianas, como a realização do

trabalho do Terreiro nas terras do Quilombo Brotas, que possibilitaram a esse

grupo reproduzir sua cultura.

A luta por um território propiciou tomada de consciência por parte desse

grupo de seus direitos culturais e a defesa dos mesmos, principalmente, em relação

ao caso do Córrego Brotas que foi assoreada. Levando-os buscar a preservação do

seu patrimônio cultural e ambiental, assim como, o respeito da sociedade local em

relação ao seu modo de ser e viver em determinado lugar.

Page 53: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

53

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estivemos durante meses fazendo uma pesquisa de campo e documental

que possibilitaram a reconstrução da história deste grupo, bem como, de sua

identidade étnica, essa última fundamentada pelas redes de sociabilidade calcadas

no parentesco, nas relações de trabalho e simbólicas que o grupo mantém com a

área que ocupa. Constatamos que a Comunidade Brotas é realmente constituída

por descendentes de escravos, que compraram um sítio há aproximadamente 120

anos e onde seus descendentes constituíram um território quilombola. Assim, com

base no estudo técnico-científico desse grupo considero que os trabalhos

antropológicos não deixam dúvidas sobre a origem quilombola da mesma.

A situação fundiária do Quilombo Brotas trouxe uma questão inusitada

para a Fundação Itesp. Pois esse grupo apesar de ter o registro em cartório de sua

terra e estarem na posse da mesma. Nunca conseguiram fazer o inventário da

propriedade. Ao longo dos anos depois de diversas ameaças de perderem seu

território e devido à destruição de seu patrimônio cultural e ambiental essa

população começou a buscar uma forma de resolver essa questão. Assim tomaram

conhecimento das leis estaduais e federais para quilombos e perceberam que o

título coletivo seria uma saída para seus problemas. Pois possibilitará que esse

território permaneça com sua família e que seu patrimônio cultural e ambiental

seja preservado conforme o que está previsto nos Artigos 215 e 216 da

Constituição.

Concluímos:

- que os membros do grupo denominado Quilombo Brotas são remanescentes

de comunidade de quilombos, de acordo com as definições que embasam os

critérios oficiais de reconhecimento adotados pelo Estado de São Paulo, e

devem, portanto, gozar dos direitos de tal identificação lhes assegura.

Page 54: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

54

- que se faz urgente à regularização fundiária do território quilombola aqui

demonstrado, de área 12,4839 ha.

______________________________________

PATRICIA SCALLI DOS SANTOSANTROPÓLOGA

Page 55: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

55

6. BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, Alfredo W. B. de. (1987). Terras de preto, terras de santo e terras de índio – Posse Comunal e Conflito. In HUMANIDADES, Ano V, nº 15.

_______________________ (1999). Os quilombos e as novas etnias. In LEITÃO, Sérgio (org). Documentos do ISA, nº 05, Instituto Sócio-Ambiental.

ANDRADE, Tânia (org.). (1997). Quilombos em São Paulo: tradições, direitos e lutas. São Paulo, IMESP.

ARRUTI, José Maurício Andion. (1997). A Emergência dos ‘Remanescentes’: Notas para o Diálogo entre Indígenas e Quilombolas. In Estudos de Antropologia Social, vol. 3, nº 2. PPGAS.

ARRUTI, José Maurício Andion. (2002). “Etnias Federais”: O processo de identificação de “remanescentes” indígenas e quilombolas no Baixo São Francisco . Tese de Doutorado. UFRJ/ Museu Nacional.

ARRUTI, José Maurício Andion. (2003). Relatório Técnico-Científico Sobre Os Remanescentes da Comunidade de Quilombo do Cangume/Itaóca -SP.

ASSUNÇÃO, M. R. (1996).Quilombos Maranhenses. In Reis, J. J. & F. S. Gomes (orgs.): Liberdade Por um Fio. História dos Quilombos no Brasil. São Paulo, Cia. das Letras.

AZEVEDO, Celina Maria Marinho. (1996). Irmãos ou inimigos: o escravo mo imaginário abolicionista dos Estados Unidos e do Brasil. In Revista da USP. nº 28. São Paulo, EDUSP.

BANDEIRA, M. L. (1988). Território Negro em Espaço Branco. Estudo antropológico de Vila Bela. São Paulo, Brasiliense/CNPq.

BARTH, Frederik. (1976) Los Grupos Etnicos y sus Fronteras. México, Fondo de Cultura Econômica.

BORGES PEREIRA, João Batista. (1996) Racismo à brasileira. In MUNANGA, K. (org) Estratégias e Políticas de Combate à Discriminação Racial. São Paulo, Edusp.

CAMARGO, Luís Soares.(2004). Itatiba 218 anos: as origens da cidade. In Jornal de Itatiba- Diário. Domingo,14 de março.

Page 56: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

56

CORRÊIA, Dora Shellard. (1997). Paisagens Sobrepostas – Posseiros e Fazendeiros nas matas de Itapeva (1723-1930).Tese de Doutorado. FFLCH-USP.

CONSORTE, Josildeth Gomes.(1991) A questão do negro: velhos e novos desafios.In São Paulo em perspectiva. Fundação SEADE, 5(1), jan./mar.

DÓRIA, Síglia Zambrotti. (1995). O Quilombo do Rio das Rãs. In Terra de Quilombos. Associação Brasileira de Antropologia.

DUCHE, Denys.(1999). A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru, Edusc.

FROCHLICH, José Marcos e MONTEIRO, Rosa Cristina. (2004). Reconstrução social do espaço rural no contexto de transição para a sustentabilidade. Memo.

GOMES, F. S.(1996): Liberdade Por um Fio. História dos Quilombos no Brasil. São Paulo, Cia. das Letras.

_______________(1996). Ainda sobre os quilombos: repensando a construção de símbolos de identidade étnica no Brasil. In REIS, E., ALMEIDA, M. H. T. & FRY, P. (orgs.) Política e Cultura – visões do passado e perspectivas contemporâneas. São Paulo, HUCITEC/ANPOCS.

GONÇALVES, Carlos Walter Porto.(2002). Da geografia às geo-grafias: um mundo em busca de novas territorialidade. In. CECENA, ANA ESTHER Y SADER, EMIR(ORG.). La guerra infinita. Hegemonia y terror mundial. Buenos Aires, Ed. Clacso.

GUSMÃO, Neusa M. de. (1992). A Dimensão Política da Cultura Negra no Campo: uma luta, muitas lutas. Tese de doutoramento, USP/FFLCH.

____________________ (1995). Os Direitos dos Remanescentes de Quilombos. In Cultura Vozes, nº 6, nov/dez São Paulo, Vozes.

LEITE, Ilka B. (org). (1996) Negros no Sul do Brasil: invisibilidade e territorialidade. Florianópolis, Letras Contemporâneas.

LEITE, Ilka Boaventura.(2000). Os Quilombos no Brasil. Questões Conceituais e Normativas. In Textos e Debates, nº07. Santa Catarina, UFSC.

Page 57: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

57

MACHADO, Maria Helena P.T.(2002). Escravidão em São Paulo. In Cadernos Paulistas –XXXVIII. São Paulo, Imprensa Oficial.

MARTINS, José de Souza. (1991). Expropriação e Violência – a questão política no campo. São Paulo, Hucitec.

_____________________(1995). Os Camponeses e a Política no Brasil. Petrópolis, Vozes.

MONTEIRO, Duglas T. (1974). Os Errantes do Novo Século, São Paulo, Duas Cidades.

MOURA, Margarida M. (1998). Os Deserdados da Terra. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil.

MUNANGA, K. (1996). O anti-racismo no Brasil. In MUNANGA, K. (org). Estratégias e Políticas de Combate à Discriminação Racial. São Paulo, Edusp/ Estação Ciência.

NORA, Pierre. (1981). Entre Memória e História a Problemática dos Lugares. In PROJETO HISTÓRIA: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). São Paulo, SP-Brasil.

OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. (1976). Identidade, Etnia e Estrutura Social. São Paulo, Pioneira.

PRADI, Reginaldo.(1996). As religiões negras do Brasil. In Revista da USP. nº 28. São Paulo, EDUSP.

QUEIROZ, Maria Isaura P. (1973). Bairros Rurais Paulistas – dinâmica das relações bairro rural-cidade. São Paulo, Duas Cidades.

QUEIRÓZ, Suely Robles Reis. (1977). Escravidão negra em São Paulo: um estudo das tensões provocadas pelo escravismo no século XIX. Rio de Janeiro, J. Olympio, Brasília.

RASMUSSEN GABUARDI, Lucimara.(2004). Itatiba a na história: 1804-1959. São Paulo, Bobst Group.

REIS, João José. (1996). Quilombos e revoltas escravas no Brasil. In Revista USP, nº 28. São Paulo. EDUSP.

Page 58: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

58

SANGIORGI, Diloca Ferraz.(1969). Conheça sua cidade. Um pouco da História de Itatiba. São Paulo, Ed. Vanguarda.

SILVA, Valdélio Santos. (2000). Rio Rãs à Luz da Noção de Quilombo. In Revista Afro-Ásia, nº 23. Bahia.UFB.

SCHMITT, CARVALHO, TURATTI. (2002). Atualização do Conceito de Quilombo: identidade e território nas definições teóricas. In Revista Ambiente e Sociedade, nº10 1º semestre de 2002. Campinas. Oficinas Gráficas da Universidade Estadual de Campinas.

WOORTMANN, Klaas. (1990). Com Parente Não se Neguceia. O Campesinato como ordem Moral. In Anuário Antropológico, 87.

WOORTMANN, Ellen F. (1983) O Sítio Camponês. In OLIVEIRA, Roberto C. (org.) Anuário Antropológico/81. Rio de Janeiro, Edições Tempo Brasileiro.

Page 59: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

59

7. Anexo

Page 60: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

60

I. Memorial Descritivo e Planta da área para reconhecimento

Page 61: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

61

II. Croqui de uso e ocupação do solo da área do Quilombo Brotas

Page 62: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

62

III. Quadro Genealógico do Quilombo Brotas

Page 63: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

63

IV. Documentos referentes a terra

Page 64: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

64

V. Fotos (1920-2004)

Page 65: Quilombo Brotas

ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)

65

VI. Estatuto da Associação do Quilombo Brotas