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QUILOMBO DO CAMPO GRANDE HISTRIA DE MINAS QUE SE DEVOLVE AO POVO
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QUILOMBO DO CAMPO GRANDE HISTRIA DE MINAS QUE SE DEVOLVE AO POVO
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QUILOMBO DO CAMPO GRANDE HISTRIA DE MINAS QUE SE DEVOLVE AO POVO
QUILOMBO DO CAMPO GRANDE HISTRIA DE MINAS QUE SE DEVOLVE AO POVO
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Capa: H&H Ateli (www.hhcriacao.com.br)
Reviso: Tarcsio Jos Martins e Ieda de Abreu
Editorao: Tarcsio Jos Martins
Martins, Tarcsio Jos http://pt.wikipedia.org/wiki/Tarc%C3%ADsio_Jos%C3%A9_Martins
(M386q)
Quilombo do Campo Grande Histria de Minas que se Devolve ao Povo Edio ampliada
Brasil, Minas Gerais, Histria e Sociologia
Sculo XVIII, Imposto da Capitao,Quilombo do Campo Grande, Genocdio
Registro FBN no 377.570, Livro 700, folha 230.
ISBN 978-85-87042-76-7 CDU 94 (815.1)
Elaborada por Ricardo de Moura Faria CRB-6 n 1006
Impresso no Brasil
SANTACLARA Editora Produo de Livros Ltda.
2008
Copyright - 2006
Todos os direitos reservados ao autor.
Mais informaes, nos sites do autor:
www.tjmar.adv.br/qcgrande/qcgrande.htm
e
www.mgquilombo.com.br
QUILOMBO DO CAMPO GRANDE HISTRIA DE MINAS QUE SE DEVOLVE AO POVO
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AGRADECIMENTOS
Agradeo ao advogado Jos Paulo Dias e ao historiador Gilberto Co-
trim o incentivo que encorajou o iniciante. Agradeo sociloga Maria A.
do Nascimento Arruda a reordenao de temas e sugestes que deram me-
lhor forma primeira edio.
Agradeo aos amigos auditores do BCN e do Banco Ita que doaram
parte do dinheiro ao ex-colega que, com emprstimo obtido junto cunha-
da Maria Tereza dos Santos, permitiu a primeira edio, em 1995, de 3 mil
exemplares pela ousada editora A Gazeta Manica, j que vrias das gran-
des editoras de nosso Pas, nem pagando, aceitaram editar a primeira edio
deste livro maldito. Alis, nem conversar a respeito quiseram.
Agradeo aos historiadores Celso Falabella de Figueiredo Castro e
Jorge Lasmar o incentivo constante com que me fizeram continuar as pes-
quisas que integram esta segunda edio.
Agradeo a etnolingista Yeda Pessoa de Castro, minha irm gmea
no enxergar a presena maior da etnia banto em nossa cultura e sangue,
professora inigualvel que muito me ajudou a desvendar a toponmia banto-
mineira, fonte de informao para a melhor localizao dos acontecimentos
narrados nos documentos dos anos setecentos.
Agradeo aos colegas Paulo Costa Campos, de Trs Pontas, Orlando
Sales Filho, de Nova Resende, e Jos Limonti Jr, de Ibiraci, que muito me
ajudaram e me ensinaram no estudo da geografia quilombola de suas res-
pectivas regies e dos Sertes do Jacu.
Agradeo ao cineasta Flvio Frederico, que acreditou no trabalho do
autor e lhe deu generosa publicidade no documentrio Quilombo, do Cam-
po Grande aos Martins, dentro do festival tudo Verdade de 2008, o mais
importante do gnero na Amrica Latina.
Agradeo, finalmente, minha mulher, Maria Luza Martins, meu
anjo h quase quarenta anos. Nossos filhos Alexandre e sua mulher Julia-
na, Christian e sua mulher Fabiana, Acssia, Mark, Ncolas. Nosso neto,
Miguel.
Deus lhes pague.
O autor.
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APRESENTAO
A primeira edio de 318 pginas, com o ttulo Quilombo do Campo
Grande A Histria de Minas Roubada do Povo, foi impressa e publicada em 1995 pela editora a Gazeta Manica, com registro na Fundao Biblio-
teca Nacional FBN, no 220.424 Livro 84, de 10.01.2001.
A presente edio, aprofundada e ampliada, confirma em suas 1031
pginas praticamente tudo que se afirmou na primeira, indicando suas fon-
tes majoritariamente primrias em notas de rodap, com o objetivo de pro-
piciar a aferio e o aprofundamento no estudo, a ponto de justificar a mu-
dana do subttulo da primeira edio para Histria de Minas que se De-volve ao Povo.
Scio correspondente do Instituto Histrico e Geogrfico de Minas
Gerais, o autor levou s ltimas conseqncias o dstico de Elise Rclus
adotado por esse Sodalcio da Histria Mineira de que A Histria a Ge-ografia no tempo; a Geografia a Histria no espao. Esta edio no tem fotos e nem gravuras. Mas as imagens cartogrficas que cita e discute
podem ser vistas, aferidas e copiadas no site do mgquilombo.
Este livro contm fatos e interpretaes que o leitor provavelmente
no conhece. Recomenda-se que a primeira leitura seja feita do comeo ao
fim, pois, s assim, desvendada a sistematizao em nvel macro, que as
consultas pontuais iro redundar na percepo dos detalhes escondidos pe-
las verses antigas que sucumbiro ao inusitado de um desconhecido todo.
Confira. O autor.
QUILOMBO DO CAMPO GRANDE HISTRIA DE MINAS QUE SE DEVOLVE AO POVO
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QUILOMBO DO CAMPO GRANDE
Histria de Minas Roubada ao Povo
Quilombo do Campo Grande - Histria de Minas que se Devolve ao
Povo, de Tarcsio Jos Martins, j consagrado por outros trabalhos de pes-
quisas, uma obra polmica, eis que, baseada em documentao recolhida
em fontes primrias, busca mostrar outra fase de acontecimentos ocorridos
nas Minas Gerais do Sculo XVIII.
Cioso do que escreve, teve a preocupao de transcrever na ntegra a
papelada pacientemente examinada, se lhe no bastassem as mais de duas
mil setecentas notas de rodap!
No fcil escrever sobre os Quilombos de Minas que exauriram as
foras de Gomes Freire de Andrade, 10 conde de Bobadela, ento governa-
dor da Capitania.
Uma espcie de cortina, por anos e anos deixou margem os qui-
lombos das Gerais e, principalmente, o do Campo Grande, questionvel at
quanto sua localizao.
Abriu-a Tarcsio Jos Martins ao seu jeito: busca da verdade.
Em fontes primrias, confrontao com o que foi escrito sobre a ma-
tria e as concluses a que chegou, tudo isso em 1031 pginas!
Obra de tit, merecedora de anlise, julgamento e respeito por quan-
tos buscam reconstituir a Histria de nossa terra.
Tarcsio Jos Martins, em edio ampliada, devolve ao povo, especi-
almente das Minas Gerais, grande parte da sua Histria.
Antes, com MOEMA, As Origens o Doce, o ilustre historiador levan-
tou o passado de sua terra natal, trouxe a luz necessria para esclarecer o
intrigante episdio dos quilombos.
admirvel o cuidado do historiador na pesquisa sria nas origens e
no desenvolver dos Quilombos, procurando restabelecer a verdade e a im-
portncia do negro na Histria de Minas e do Brasil.
As Origens do Doce poesia, Histria que ameniza excelente tra-
balho do Tarcsio.
Em Quilombo do Campo Grande - A Histria de Minas Roubada ao
Povo, edio de 1995, Tarcsio Jos Martins aparece de modo incisivo, a-
gressivo at, no seu propsito de estabelecer a verdade.
Tomado de justa ira, vem combatendo, sincera e lealmente, os equ-
vocos e os erros, propositados ou no, que se institucionalizaram na Hist-
ria dos Quilombos.
Essa sua lealdade e firmeza de propsitos que enfrentam a luta ingl-
ria da incompreenso, como o heri de Cervantes, obtm o mrito inquesti-
onvel que o historiador aspira: ser sincero consigo e com a realidade.
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Tarcisio surpreende sempre. Procura fundamentar e comprovar suas
afirmaes; no novo livro, no fica em conjecturas ou fantasiosas histrias,
as notas de rodap, mais de duas mil e setecentas, as fontes pesquisadas
reforam nossas afirmativas e do inusitado valor ao livro Quilombo do
Campo Grande Histria de Minas que se Devolve ao Povo. Para se ter uma simples idia do pesado trabalho do autor, basta lem-
brar que a Histria do Brasil, de Pedro Calmon, tem setenta e uma pginas
para bibliografia, autores, obras e documentos citados.
Cada pgina do Quilombo do Campo Grande uma surpresa para o
leitor.
A Histria de Minas Gerais e do Brasil ganhou uma obra de extraor-
dinrio valor, descobriu documentos at ento no esquecimento ou mal di-
vulgados, agora ao alcance de qualquer pesquisador ou interessado na His-
tria dos Quilombos.
Aqueles que assimilaram de boa f, ao longo do tempo, os lugares
comuns e repetitivos da Histria que sempre nos impingiram, tero oportu-
nidade de rever fatos e redirecionar conceitos tidos como certos ou verda-
deiros.
Alm da farta bibliografia documental, Tarcisio se mantm dentro
dos parmetros da plausibilidade, no perde a seriedade de vista e foge da
fico histrica.
Merece o reconhecimento dos seus amigos e da crtica sria que, cer-
tamente, vir quando se examinar o tormentoso tema - Quilombos - dentro
da nova realidade exposta por Tarcsio.
Celso Falabella de Figueiredo Castro
Do Inst. Hist. e Geogrfico de M.Gerais
Jorge Lasmar
Do Inst. Hist. e Geogrfico de M.Gerais
QUILOMBO DO CAMPO GRANDE HISTRIA DE MINAS QUE SE DEVOLVE AO POVO
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NDICE
NDICE ............................................................................................................................. 7
PREFCIO PRIMEIRA EDIO (publicada em 1995) .......................................... 14
RAZES PARA RECONTAR ESTA HISTRIA ........................................................ 15
CAPTULO I .................................................................................................................. 16
AS MINAS GERAIS ...................................................................................................... 16
Entradas e Bandeiras aos Sertes ................................................................................. 16
A Descoberta do Ouro .................................................................................................... 21
A Grande Invaso ...................................................................................................................24
A Guerra dos Emboabas ................................................................................................ 27
As Revoltas de Pitangui ................................................................................................. 35
As Revoltas de Vila Rica ................................................................................................ 46
A Inconfidncia dos Escravos ................................................................................................47
A Revolta Reinol Atribuda a Felipe dos Santos ..................................................................48
Acontecimentos Ps-revoltas de Vila Rica ...........................................................................54
A Inconfidncia Mineira ................................................................................................ 56
Planos dos Inconfidentes ........................................................................................................66
O que era a Derrama..............................................................................................................67
O Desfecho da Inconfidncia Mineira ..................................................................................73 Heris de Verdade .............................................................................................................................. 80 Os Negros na Inconfidncia ............................................................................................................... 83
A Revoluo das Elites ...........................................................................................................86
Sntese da Histria de Minas ......................................................................................... 88
CAPTULO II ................................................................................................................. 89
FORMAO POLTICO-GEOGRFICA DAS MINAS GERAIS ............................ 89
Governos .................................................................................................................................89
Comarcas, Vilas e Arraiais ....................................................................................................98
Bispados.................................................................................................................................102 A Igreja nos Primrdios das Minas .................................................................................................. 102 Criao do Bispado de Mariana ....................................................................................................... 105
O Expansionismo Reinol ......................................................................................................111
Caminhos ...............................................................................................................................114 Rumo s Minas Gerais ..................................................................................................................... 114 O Caminho Velho do Rio de Janeiro ................................................................................................ 115 Caminhos da Bahia .......................................................................................................................... 115 O Caminho Novo do Rio de Janeiro ................................................................................................ 117 Os Caminhos de Gois ..................................................................................................................... 120
A Marcha bandeirante .................................................................................................................. 120 A Abertura de Picadas .................................................................................................................. 122
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CAPTULO III ............................................................................................................. 130
A FORMAO SOCIAL DAS MINAS GERAIS ....................................................... 130
A Sociedade Mineira ............................................................................................................130 Os Primrdios .................................................................................................................................. 130
Organizao da capitania ....................................................................................................134
A Disperso para a Vida Rural ...........................................................................................138
Organizao Social ...............................................................................................................145 Organizao Poltico-Administrativa das Vilas ............................................................................... 145 Organizao Militar.......................................................................................................................... 148
As Companhias de Ordenanas .................................................................................................... 148 As Tropas Regulares Chamadas Drages ..................................................................................... 153 Sntese da Organizao Militar .................................................................................................... 154 Os Capites-do-Mato .................................................................................................................... 155
Organizao Religiosa...................................................................................................................... 164 O Comando Geral da Sociedade .................................................................................................. 168 As Irmandades .............................................................................................................................. 176 As Irmandades de Pretos e Pardos ............................................................................................... 178
A Sociedade Subterrnea ................................................................................................................. 188 As Vendas .................................................................................................................................... 188 Os Batuques ................................................................................................................................. 191 Os Garimpos e os Quilombos ....................................................................................................... 195
CAPTULO IV ............................................................................................................. 199
A FORMAO TNICA DAS MINAS GERAIS .................................................... 199
Prembulo .............................................................................................................................199
Isonomia Compartimentada ................................................................................................200
Paulistas e Emboabas ...........................................................................................................205
Reinis, Mazombos, Mulatos e Carijs ..............................................................................209
A Gentalha ............................................................................................................................210
Os ndios................................................................................................................................214 Notcias Novas Sobre os ndios Araxs ........................................................................................... 220 Outros ndios das Minas Gerais ....................................................................................................... 234
Os Negros ..............................................................................................................................236
As Naes Africanas .............................................................................................................238 Os Minas .......................................................................................................................................... 241
Ligaes Brasil/Benin .................................................................................................................. 242 A Costa do Ouro/Gana ................................................................................................................. 246 Mli .............................................................................................................................................. 247 Costa do Marfim........................................................................................................................... 248 Togo ............................................................................................................................................. 249 Nigria .......................................................................................................................................... 249 Camares ...................................................................................................................................... 250 Os Guins ..................................................................................................................................... 251 Sntese Sobre os Minas ............................................................................................................. 252
Os Bantos ou Bantus ........................................................................................................................ 254 O Congo ....................................................................................................................................... 255
Repblica do Congo ............................................................................ 256 Zaire ................................................................................................ 256
Angola .......................................................................................................................................... 257 Moambique ................................................................................................................................. 259
A Escravizao dos Negros ..................................................................................................260
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Sntese Sobre os Negros .......................................................................................................263
Negro Nordestino e Negro Mineiro ..............................................................................265
A Grande Miscigenao .......................................................................................................266
Mapas Populacionais ............................................................................................................270 Pardos e Negros Forros ou Libertos ............................................................................................. 273
Os Povoados de Pretos Livres .............................................................................................280
CAPTULO V ............................................................................................................... 287
O QUILOMBISMO NA HISTORIOGRAFIA MINEIRA ......................................... 287
A Sedio Malsucedida dos Escravos .................................................................................287 Providncias do Conde de Assumar ................................................................................................. 289
A Macabra Lenda do Ambrsio ..........................................................................................292
O Exemplo Antiquilombista de Chico Rei .......................................................................295
O Livro Negros e Quilombos em Minas Gerais .............................................................299
O Ambrsio de Ibi Tombamento Equivocado ..............................................................301
O Mapa do Campo Grande .................................................................................................315
Os Elos Perdidos pela Historiografia ..................................................................................318 Participao dos Pretos no Domnio Reinol das Minas Gerais ........................................................ 318 O Grande Apartheid Mineiro - 1725 ............................................................................................... 321 O Imposto da Capitao ................................................................................................................... 323 Quem foi Gomes Freire .................................................................................................................... 327 Como Gomes Freire de Andrade Implantou a Capitao ................................................................. 331 A Disperso dos Pretos Forros e Brancos Pobres............................................................................. 343 Expansionismo ao Norte - Abocanhamento de Fronteiras ............................................................... 351 Expansionismo ao Sul - Extino de So Paulo ............................................................................... 353 Cartas de Sesmaria Centralizao ................................................................................................. 355 Verdades e Mentiras da Carta da Cmara de Tamandu Rainha - 1793 ........................................ 355
CAPTULO VI ............................................................................................................. 364
CAPITAO: ANTECEDENTES, DESFECHO E REAES ............................... 364
As Antecedentes Sedies Negras .......................................................................................364
Vcuo dos Paulistas e a Ocupao quilombola ..................................................................368
Preparao, Implantao e Cautelas Repressivas ............................................................373 Aumento e Redistribuio das Ordenanas ...................................................................................... 375 Reformulao e Aumento da Legislao Repressiva ....................................................................... 378 As Intendncias do Ouro .................................................................................................................. 396
Motins nas Intendncias de Gois e Tocantins ..................................................................398
Os Motins do Serto .............................................................................................................401 Motins de Rio Verde, hoje Pires e Albuquerque, em Bocaiva ....................................................... 404 Motins na Barra do Rio das Velhas, hoje Guaicu, em Vrzea da Palma ......................................... 405 Motins de Montes Claros ................................................................................................................. 406 Motins de Brejo Salgado, hoje Januria, e So Romo, Bispado de Pernambuco ........................... 408 A Represso ..................................................................................................................................... 413
Priso de d. Maria da Cruz e seu Filho ......................................................................................... 415 Suposta Priso do Pe. Antnio Mendes Santiago ......................................................................... 417
Concluso Sobre os Motins do Serto .............................................................................................. 419
Notcias Desconexas de Lutas quilombolas ........................................................................421
Primeira Tomada de Campanha .........................................................................................423
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Susuy e Peropeba Quilombos de 1741 ..........................................................................427
Guerra ao Campo Grande 1743 .......................................................................................431 Segunda Tomada de Campanha Segue o Expansionismo ......................................................... 431 A Guerra aos Quilombos .............................................................................................................. 434
Quilombo do Gondu 80 Casas................................................................ 437 Localizao........................................................................................................................... 437
Quilombo Despovoado .......................................................................... 439 Localizao........................................................................................................................... 439
Quilombo Quebra-P 80 Casas Despovoadas ............................................. 441 Localizao........................................................................................................................... 442
Boa Vista Adonde se fez a Situao o capito Frana ................................... 443 Localizao........................................................................................................................... 445
Concluso Sobre o Ncleo Trs Pontas do Campo Grande ........................... 446
Tomada da Povoao do Tamandu 1744.......................................................................448
CAPTULO VII ............................................................................................................ 454
A PRIMEIRA GRANDE GUERRA AO CAMPO GRANDE ................................ 454
A Grande Guerra de 1746 ............................................................................................ 454
O Quilombo do Ambrsio, Capital do Campo Grande ....................................................454
Razes para os Ataques ao Campo Grande .......................................................................459 Razes Aparentes - Velha Historiografia ......................................................................................... 459 Verdadeiras Razes da Guerra de 1746............................................................................................ 460
Terceira Tomada de Campanha - 1746 ..............................................................................466
A Primeira Grande Guerra ao Campo Grande - 1746 ...................................................473 Antecedentes e Fontes Documentais ................................................................................................ 473
Carta Escrita de Vila Rica, em 01.06.1746 .................................................................................. 474 Carta Escrita de Vila Rica, em 13.06.1746 .................................................................................. 477 Carta Escrita de Vila Rica, em 14.06.1746 .................................................................................. 477 Carta Escrita de Vila Rica, em 27.06.1746 .................................................................................. 479 Carta Escrita do Rio de Janeiro, em 08.08.1746 .......................................................................... 480 Carta Escrita do Rio de Janeiro, em 06.10.1746 .......................................................................... 482 Fontes Manuscritas de Segunda ................................................................................................... 483
Providncias e Oramento em 1746 ....................................................................................485 Protagonistas Brancos da Guerra de 1746 ........................................................................................ 485 Protagonistas Calhambolas da Guerra de 1746 ............................................................................... 490 Armas e Munio Utilizadas pelos Atacantes .................................................................................. 491 Armas e Defesas Utilizadas pelos Calhambolas............................................................................... 493
A Geografia dos Fatos ..........................................................................................................495 Stio dos Curtumes, Onde se Acantonaram as Tropas ...................................................................... 495 Palanque 1746 ............................................................................................................................... 498 Primeira Povoao do Ambrsio/Despovoada ................................................................................. 499
Localizao - Municpio de CRISTAIS ....................................................................................... 500 O Ambrsio Atacado em 1746 foi o de Cristais ........................................................................... 502
A Nome Campo Grande - Abrangncia no Tempo ....................................... 502 B Diviso Minas/Gois Cristais e Ibi .................................................... 504 C Distncia do Stio dos Curtumes ao quilombo atacado em 1746 .................... 505 D Prova Documental de que o Ambrsio de Cristais Fora Atacado em 1746 ........ 507 E Prova que as Relquias do Ambrsio foram atacadas por Diogo Bueno em 1758 509 F Outras Provas Documentais ................................................................ 511 G A Tradio quase Destruda ............................................................... 512
Outro Quilombo em 1746 - Aguanil ............................................................................................ 513 Quilombo Ouro Fala Despovoado ................................................................................................ 514 Quilombo das Pedras .................................................................................................................... 517
Os Fatos .................................................................................................................................519
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Resultado das Operaes .....................................................................................................522
Gomes Freire Acabou com So Paulo! ...............................................................................530 Picada Minas/Gois em 1736 - Relembre .................................................................................... 541 Paracatu, Desemboque e as Aldeias do Pai-Pir .......................................................................... 543 Demarcao da Diviso Minas-Gois .......................................................................................... 545 A Expedio dos Paulistas-reinis, em 1748................................................................................ 548
Nova Demarcao de Fronteiras com So Paulo, Moda Gomes Freire ......................................... 553 Morreu dom Joo V O grupo de Alexandre de Gusmo perdeu poder ..................................... 556
O Mistrio da Primeira Povoao do Ambrsio ................................................................558
CAPTULO VIII .......................................................................................................... 569
LTIMA GRANDE GUERRA AO CAMPO GRANDE .......................................... 569
Extino do Imposto da Capitao .....................................................................................569 A Lei que Restabeleceu as Casas de Fundio ................................................................................. 573 O Ps-Capitao: Efeitos e Tendncias legais ................................................................................. 576
A Populao Forra e os Brancos Pobres ....................................................................................... 583
A Expedio do Padre dr. Marcos Freire - 1752 ...............................................................585
Onda Negra, Medo Branco ..................................................................................................595
Uma Confederao quilombola - 1756 ...............................................................................612 Razes do Medo Branco .................................................................................................................. 616 Primeiras Providncias e Conseqncias das Denncias de Abril de 1756 ..................................... 617
Ataque s Relquias do Quilombo do Ambrsio - 1758 ....................................................618
Ataque ao Campo Grande do Tringulo Goiano ..............................................................627 Antecedentes e Contexto Poltico ..................................................................................................... 627
Aldeia de Santana do Rio das Velhas em 1759 ............................................................................ 629 O Quartel General das Batalhas de 1758/1760 ................................................................................. 634 Protagonistas Atacantes das Batalhas de 1759 ................................................................................. 635
Os Chefes Atacantes ............................................................................ 638 Protagonistas quilombolas ............................................................................................................ 645
Armas e Munies ............................................................................................................................ 648 Utilizadas pelos Atacantes............................................................................................................ 648 Armas Utilizadas pelos Calhambolas ........................................................................................... 650
Geografia dos Fatos .......................................................................................................................... 650 Stio Onde se Acantonaram as Tropas .......................................................................................... 651 Armazns ou Paiis Estratgicos ................................................................................................. 653 Primeira Povoao e Quilombo do Ambrsio .............................................................................. 655
O Quilombo do Ambrsio de Pamplona ................................................... 656 O Quilombo do Ambrsio do IPHAN ...................................................... 657 O Stio Ambrosiano Ibi-Campos Altos ................................................... 658 O Quilombo do Ambrsio Despovoado do Mapa do Capito Frana ........... 658
Quilombo da Pernaba Casas 70 ................................................................................................... 663 So Gonalo Despovoado ............................................................................................................ 665
Quilombo de So Gonalo II, o de Pamplona ................................................ 667 Quilombo So Gonalo I do Mapa do cap. Frana .......................................... 667
Quilombo do Inda Casas 200 ...................................................................................................... 668 Quilombo da Marcela ................................................................................................................... 671 Quilombo do Mammo Casas 150 ................................................................................................ 672 Ajud Despovoado ....................................................................................................................... 676
Os Fatos .................................................................................................................................677
Ataque ao Campo Grande do Sapuca ............................................................................699 O Mistrio do Quilombo do Sapuca ................................................................................................ 699 A Geografia do Sapuca do Campo Grande ..................................................................................... 707 Os Sertes do Rio Grande e Jacu e o Mapa do Capito Frana ...................................................... 710
Quilombo das Goiaveyras Casas 90 ............................................................................................. 719
QUILOMBO DO CAMPO GRANDE HISTRIA DE MINAS QUE SE DEVOLVE AO POVO
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Quilombo do Xapeo Casas 137 Nova Angola ........................................................................... 723 Quilombo Boa Vista (II) Casas 200 - Pinho ou Chapu (Santana) ............................................. 724 Quilombo Nova Angola Casas 90Cala-Boca ............................................................................. 726 Quilombo do Pinho Casas 100 - Zondum ................................................................................... 728 Quilombo do Caet Casas 90 Boa Vista II ................................................................................ 728 Quilombo do Zondu Casas 80 Caet ou Chapu. ...................................................................... 730 Quilombo do Cala-Boca Casas 70 Caet ou Pinho .................................................................. 731 Quilombo do Careca Casas 220 ................................................................................................... 733 Quilombos no referidos no Mapa de Frana ............................................................................... 736
Quilombo do Marimbondo ...................................................................... 737 Quilombo do Muzambo.......................................................................... 737
Os Fatos do Sapucahy Sertes do Jacuhy ....................................................................738 As ltimas Posses de Terras quilombolas ........................................................................................ 754 Tomada do Cabo Verde .................................................................................................................... 756 Fatos que Antecederam o Ataque ao Cascalho ................................................................................ 757
Ataque Final - Quilombo do Cascalho................................................................................759 Fontes e Protagonistas da Expedio de 1760 .................................................................................. 759 Os Fatos de 1760 .............................................................................................................................. 761
A Geografia dos Fatos do Ataque ao Cascalho ............................................................................ 771
Encerramento das Operaes de Bartolomeu Bueno do Prado .......................................776
Resultado das Operaes de 1758-1760 ..............................................................................780 Providncias e Oramento desde 1756 ............................................................................................. 780 Custo das Operaes Desde 1756 .................................................................................................... 782 A Populao do Quilombo do Ambrsio ......................................................................................... 784 O Nmero de quilombolas Assassinados ......................................................................................... 792 Outros Ganhos dos Atacantes........................................................................................................... 804 Continuidade da Resistncia ............................................................................................................ 809
A Herana de Gomes Freire ................................................................................................815 Morte de Gomes Freire .................................................................................................................... 815
Ressurreio da Capitania de So Paulo ............................................................................822 A Armadilha da Derrama ................................................................................................................. 824
A Primeira e nica Derrama das Minas Gerais ........................................................................... 827 A Contenda do Sapuca Atuao de Luiz Diogo Lobo ................................................................. 832
A Tomada do Sapuca e Sertes do Jacu ..................................................................................... 833 Mais uma Tentativa de Abocanhar o Tringulo Goiano .................................................................. 856 ltimas Notcias quilombolas dos Anos Setecentos ........................................................................ 863
CAPTULO IX ............................................................................................................. 872
CAMPO GRANDE X- OUTROS CONFLITOS COLONIAIS ................................ 872
Sntese da Luta quilombola na capitania ...........................................................................872
Campo Grande -X- Guerra dos Emboabas........................................................................883
Campo Grande X As Revoltas de Pitangui ....................................................................885
Campo Grande X A Revolta de Felipe dos Santos ........................................................886
Campo Grande X A Inconfidncia Mineira ...................................................................887
Respostas s Perguntas da Primeira Edio ......................................................................891
CAPTULO X ............................................................................................................... 894
ORIGENS DO TUPINIQUISMO ............................................................................... 894
O Negro Mineiro Avano e Recuo ...................................................................................894
O Fenmeno Pardismo .....................................................................................................911
O ndio e a Conquista da Cidadania ...................................................................................921
QUILOMBO DO CAMPO GRANDE HISTRIA DE MINAS QUE SE DEVOLVE AO POVO
13
CAPTULO XI ............................................................................................................. 925
A GUERRA LITERRIA ........................................................................................... 925
A Luta Abolicionista ............................................................................................................925
A Literatura Indianista ........................................................................................................928
A Literatura Abolicionista ...................................................................................................930
A Bodarrada de Luiz Gama ................................................................................................932
O Branqueamento do Sul.....................................................................................................936
Os Heris de Joaquim Felcio dos Santos ...........................................................................941
Meu Brasil Tupiniquim........................................................................................................945
Os Imigrantistas Paulistas ...................................................................................................946
Mulatos, Tupiniquins ou Macunamas ? ............................................................................951
CAPTULO XII ............................................................................................................ 956
ANEXOS DE ESTUDOS ESPECFICOS .................................................................. 956
ANEXO 1 Lenda Mineira Indita ....................................................................................956
ANEXO 2 Viagem de Pamplona .....................................................................................981
FONTES PESQUISADAS .................................................................................... 1022
1 - PRIMRIAS (MANUSCRITAS) ............................................................................ 1022
2 - BIBLIOGRFICAS (AUTORES/LIVROS) .............................................................. 1023
QUILOMBO DO CAMPO GRANDE HISTRIA DE MINAS QUE SE DEVOLVE AO POVO
14
PREFCIO PRIMEIRA EDIO (publicada em 1995)
Mineiro, advogado pela USP, auditor profissional, Tarcsio Jos
Martins uma personalidade rara cuja vida est repleta de fatos e feitos in-
teressantes. De todos, entretanto, testemunhamos aqui sua paixo profunda
pelo ofcio de historiador, que o levou a promover longas e obstinadas pes-
quisas sobre a realidade brasileira.
Fruto desse alentado e meticuloso trabalho, nasceu essa obra ex-
traordinria que conta a verdadeira histria do Quilombo do Campo Gran-
de, to importante quanto o de Palmares, resgatando amplos aspectos do
contexto histrico de Minas Gerais no sculo XVIII.
Que tipo de histria Tarcsio construiu nestas pginas? Antes de
responder, faamos uma reflexo prvia.
J se acreditou que o historiador pudesse ser um cientista absolu-
tamente imparcial. Em seu trabalho, deveria analisar os documentos com
plena iseno de esprito e, depois, extrair deles um relato preciso e fiel dos
acontecimentos. No lhe caberia o direito de escolher ou selecionar fatos,
mas examinar todos, tendo em vista a elaborao de uma histria objetiva,
vlida para todo o sempre, livre das paixes e presses de seu tempo.
Em que medida esse trabalho possvel ao esprito humano? Pode
o homem libertar-se plenamente do presente em que vive - suas idias, suas
lutas, seus sonhos - para mergulhar no passado sem a bagagem de seus sen-
timentos e de suas convices?
Atualmente, esse ideal de frieza tem sido considerado to irrealista
quanto desnecessrio ao trabalho cientfico. Por mais que busquemos uma
perspectiva totalizadora, no podemos deixar de olhar o passado seno do
nosso prprio ponto de vista. O resultado que a objetividade da pesquisa
orientada pelos objetivos do pesquisador.
Se o leitor, entretanto, insistir em acreditar que o historiador deve
ser um homem frio e imparcial, no o aconselhamos a ler esta obra. Pois
esse livro no fruto da frieza, mas da paixo de uma vida. Por isso mes-
mo, conseguiu aliar saber com sabor, tecendo uma brilhante frmula narra-
tiva capaz de combinar rigor cientfico com uma explcita no-neutralidade
emocional. Neste sentido, o objetivo do autor cristalino: interromper a
voz da histria tradicional mineira sempre preocupada em glorificar a ver-
so dos poderosos. Rasgar, enfim, sua mscara oficial, construda para o-
cultar a face do povo brasileiro.
Recuperar a viso dos vencidos e devolver a Minas a histria roubada do povo, eis o objetivo grandioso desse livro.
Gilberto Cotrim1
1 Prof. de histria pela USP, advogado, autor de livros didticos de Histria.
QUILOMBO DO CAMPO GRANDE HISTRIA DE MINAS QUE SE DEVOLVE AO POVO
15
RAZES PARA RECONTAR ESTA HISTRIA
Um povo, para surgir como nao, mister que se una num passado comum e que tenha suas leis, tradies e heris para cultuar. Mister que tenha
uma histria. Esta, no entanto, s os que tm as luzes do saber que a podem
escrever, preservar e cultuar. Os mortos - mesmo os heris - no rememoram os
seus feitos e a oralidade corrente que pode ser facilmente quebrada. Por isto
que os brancos, nesta capitania e no mundo, sendo os que estas luzes possuem,
s outras raas dominam, como Deus assim o determinou, sempre. A intrnseca
superioridade branca inabalvel. A prpria anatomia dos negros, como o tm
revelado as cincias, circunscreveu-lhes um crebro muito inferior, o que explica
a sua natural boalidade.
As rebelies, revoltas e sublevaes de pretos e gentalhas no havero de
manchar a histria desta terra. As ctaras e as penas havero de cantar e escre-
ver somente os gloriosos feitos e conquistas dos homens-bons, legando ao esque-
cimento os infelizes sucessos que, neste sculo, atribulam estas Minas. O passar
do tempo, os castigos justos, a ausncia de luzes e a vida curta havero de en-
caminhar esta gentalha e pretos pacfica servido e aquiescncia ao generoso
domnio de el-rei, cuja magnanimidade outras coisas no quer a no ser o bem
comum e a salvao dessas miserveis almas para o reino de Deus, por interces-
so da Santa Madre Igreja e de seus Santos2. Assim prescreveram os cronistas da sculo XVIII, e assim escreveram -
e ainda escrevem - os arautos do poder constitudo incumbidos de esconder ao
povo a verdade e de roubar-lhe o rosto antepassado e a prpria histria.
Fritz Teixeira Salles, no entanto, em Vila Rica do Pilar, ousou regis-trar: A longa histria dos quilombos de Minas, talvez a maior e mais bela epo-pia dos sertes brasileiros, no raro apresentando certos aspectos que revelam
o barbarismo dos brancos e o primitivismo dos negros, espera o seu grande his-
toriador3. As penas dos grandes historiadores, no entanto, por jornal ou por erro,
continuam bastante ocupadas somente com os assuntos de maior interesse dos
homens-bons. Assim, tentarei eu mesmo - apesar de gentalha ou bode4 - glosar-
lhes certos feitos histricos e contar um pouco da Histria do povo, a qual sem-
pre quiseram esconder. Caro Leitor:
VERITAS QUAE SERA TAMEN
LIBERTE-SE
2 SESMARIA Cruzeiro, o Quilombo das Luzes, p. 16-17.
3 Vila Rica do Pilar, Itatiaia-EDUSP - l982, p. 108
4 No sentido dado por Luiz Gama na poesia Quem Sou eu, em Lus Gama e Suas Poesias Satricas, p.190-
194.
QUILOMBO DO CAMPO GRANDE HISTRIA DE MINAS QUE SE DEVOLVE AO POVO
16
CAPTULO I
AS MINAS GERAIS
Entradas e Bandeiras aos Sertes
Desde o incio da Colonizao, organizaram-se expe-
dies para o interior da terra brasileira. Estas expedies e-
ram oficiais e se chamavam Entradas. Por serem oficiais - ti-
nham o apoio ou a iniciativa do prprio governo - no ultra-
passavam a linha imaginria de Tordesilhas. quela poca,
dois teros das terras do Brasil de hoje pertenciam Espanha.
As mais conhecidas entradas foram as de Amrico Vespcio e
de Antnio Dias Adorno5.
Sobre a regio em estudo, destacam-se:
A Entrada de Andr Leo que, em 1601 (governo es-
panhol), a mando do governador dom Francisco de Souza,
tentou encontrar as minas de prata. Por nove meses percorreu
5 Histria e Conscincia do Brasil, p. 101-104.
QUILOMBO DO CAMPO GRANDE HISTRIA DE MINAS QUE SE DEVOLVE AO POVO
17
o interior de So Paulo, cruzou o rio Paraba6, subiu a serra da
Mantiqueira e atingiu as cabeceiras7 do rio So Francisco. Em
tal expedio no se descobriram as minas de prata, mas se
abriu caminho a novas expedies.
A Bandeira de Belchior Dias Carneiro saiu em 1606
(governo espanhol) e, por dois anos, andou pelo serto. Em
1608, falecido o chefe Belchior, o comando foi passado a An-
tnio Raposo, o Velho, que regressou a So Paulo, em 1609,
com apenas uma parte do contingente.
As Bandeiras eram particulares e no respeitavam a
linha de Tordesilhas. Os bandeirantes, no perodo em que Por-
tugal ficou sob o domnio de Espanha, 1580 a 1640, aprovei-
taram para conquistar os dois teros de nossa terra que, ento,
pertenciam Espanha.
A maioria das Bandeiras partia de So Paulo e de ou-
tras localidades vizinhas, a exemplo de Taubat, Itu, Soroca-
ba, Porto Feliz etc. Cada Bandeira era uma verdadeira cidade
ambulante, composta do capito, que era o chefe, dos mame-
lucos (mestios de ndio e branco) que eram bons guias e pro-
fundos conhecedores das matas, ndios mansos (carijs), mu-
latos e negros, alm de padres, mulheres e at crianas. Essas
cidades ambulantes, algumas compostas de milhares de pes-
soas, deslocavam-se principalmente a partir dos rios Tiet8,
Paraba, Paran etc. A rudeza da vida, os ataques de ndios e
de animais ferozes, alm das doenas e da fome, ceifavam
muitas e muitas vidas, dizimando as Bandeiras. Apesar disto,
penetraram milhares de quilmetros no interior do Brasil, a-
tingindo terras espanholas que mais tarde viriam a ser incor-
poradas ao nosso territrio.
Ao libertar-se do domnio espanhol, em 1640, Portugal
estava na misria. Precisava achar ouro e outras riquezas em
suas colnias para recuperar as finanas reais. Caso houvesse
6 Altura de Taubat, Guaratinguet.
7 Ou sejam, as nascentes; no caso, a serra da Canastra.
8 Que, ento, se chamava Anhambi em todo o seu curso.
QUILOMBO DO CAMPO GRANDE HISTRIA DE MINAS QUE SE DEVOLVE AO POVO
18
ouro no Brasil, quem estaria mais apto para encontr-lo, sem
dvida, seriam os bandeirantes paulistas que sempre moraram
na boca da mata, no Planalto do Piratininga.
O perfil desse brasileiro do Piratininga, chamado de
paulista, apesar do muito que j se escreveu sobre ele, me-rece destaque nos seguintes aspectos: a) - a vila de So Paulo
desenvolveu-se mais no perodo em que Portugal esteve sob o
domnio de Espanha 1580/1640. b) - A Vila surge e se de-senvolve sombra de um colgio jesuta que, alm da lngua
oficial (espanhol e portugus no perodo de 1580 a 1640), en-
sinava com muita nfase, tambm, a lngua geral9; c) portanto,
os paulistas do povo10 no falavam a lngua portuguesa e sim
a lngua geral, um misto de tupi-guarani com espanhol e por-
tugus. Apenas a nobreza paulista sabia falar bem e escrever
em portugus11.
A mais bela e lrica obra literria que h sobre a Epo-
pia bandeirante continua sendo a de Paulo Setbal12; relatos
documentados, h vrios, destacando-se a obra de Afonso E.
Taunay.
Os novos reis de Portugal, agora da dinastia de Bragan-
a, prometeram aos paulistas que lhes dariam muitas recom-
pensas e honrarias, caso descobrissem minrios preciosos nos
sertes. Os paulistas foram luta; agora, no mais para escra-
vizar ndios, mas busca de ouro e pedras preciosas13.
Em 1674 teve incio a Bandeira de Ferno Dias Pais
Leme que partiu de So Paulo procura de esmeraldas. Du-
9 Anchieta sistematizara e escrevera dicionrio e gramtica da lngua geral; Artes de Gramtica da Lngua
Mais Usada na Costa do Brasil, pe. Joseph de Anchieta, S.J. edio fac-similar, Loyola, 1990.
10 Assim como os baianos, pernambucanos etc.
11 Mtodo Moderno de Tupi antigo, a lngua do Brasil dos primeiros sculos, Eduardo de Almeida Navarro,
editora Vozes, 1998.
12 Livros: Ensaios Histricos; O Romance da Prata; O Sonho das Esmeraldas; A Bandeira de Ferno Dias;
El-Dorado; O Ouro de Cuiab e Os Irmos Leme, todos republicados pela editora Nacional, centenrio do
autor, em 1993.
13 Sugesto de leitura: El Dorado e O Romance da Prata, ambos de Paulo Setbal, editora Nacional, 1993,
centenrio do autor.
QUILOMBO DO CAMPO GRANDE HISTRIA DE MINAS QUE SE DEVOLVE AO POVO
19
rante cerca de sete anos percorreu quase todo o interior de
Minas Gerais. Ferno Dias contou com a ajuda de Borba Ga-
to, seu genro, Matias Cardoso de Almeida e Francisco Pires
Ribeiro, entre outros. Aps ter mandado instalar entrepostos
pelo caminho - casas, roas, criaes de animais etc. - a Ban-
deira partiu levando 40 homens e quatro tropas. Ferno Dias
acabou, como se sabe, morrendo s margens do rio das Ve-
lhas, pensando ter encontrado as esmeraldas, quando o que
encontrou foram apenas turmalinas. Sua Bandeira, sem dvi-
da, foi a mais importante porque, povoando caminhos e plan-
tando roas, permitiu, efetivamente, a explorao do interior
de Minas Gerais14.
Sobre negros, veja que interessante: como registra o
prof. Waldemar de Almeida Barbosa, em cada feitoria dei-xava um capito com alguns soldados, alm de uns negros e
negras, nome com que designavam os ndios15. Diogo Grasson, na oitava 27 de seu panegrico a Fer-
no Dias, registra: Lendo-a (a carta de el-rei), Fernando a-chou que el-rei mandava dar-lhe ajuda e favor para esta em-
presa. E em juntar mantimentos se empenhava com zelo libe-
ral, rara grandeza. Mas porque exausta a terra ento se a-
chava, e convinha o socorro ir com presteza, mandou-lhe cem
negros carregados, custa de seus bens e seus cuidados16. sabido que os primeiros paulistas apresadores de n-
dios, chamavam-nos de negros da terra e, com o tempo, ao documentarem a venda desses cativos para o Nordeste, a eles
se referiam, para escapar vigilncia dos jesutas, como se
fossem negros simplesmente. Da o fato de ser corrente a interpretao do prof. Waldemar de Almeida Barbosa; porm
havia na Bandeira de Ferno Dias alguns mulatos e negros a-
fricanos e crioulos. No iria, Ferno Dias, em uma correspon-
dncia a el-rei, usar o vocbulo NEGRO para se referir aos 14 Sugesto de leitura: O Sonho das Esmeraldas e A Bandeira de Ferno Dias, ambos de Paulo Setbal, edito-
ra Nacional, 1993, centenrio do autor.
15 O Caador de Esmeraldas, p. 15.
16 Corografia Histrica da Provncia de Minas Gerais(1837), v. 01, p.70.
QUILOMBO DO CAMPO GRANDE HISTRIA DE MINAS QUE SE DEVOLVE AO POVO
20
ndios. Os paulistas, em sua lngua geral, designavam os negros por tapanhana, tapanhuna ou tapanhuno17.
A data provvel da introduo do NEGRO no Brasil
o ano de 1532, data da fundao de So Vicente-SP18 e da in-
troduo da cana-de-acar no Pas. Em 1548, por ocasio da
criao do Governo Geral, chegou ao Brasil a primeira grande
leva de escravos. Em 1550, chega a Salvador a primeira gran-
de partida de escravos para o Nordeste. Durante e em conse-
qncia do domnio de Espanha (1580/1640) ocorreram: a in-
vaso holandesa, onde um negro chamado Henrique Dias,
comandando um exrcito de pretos em defesa do poder consti-
tudo lusitano, atuou decisivamente na expulso dos batavos
em 1654 e no combate contra Palmares.
O quilombo dos Palmares fustigou holandeses e por-
tugueses no perodo de 1630 a 1695, quando foi destrudo pe-
lo bandeirante Domingos Jorge Velho. Os paulistas adquiri-
ram muitos negros capturados e as praas do Recife, Salvador
e Rio de Janeiro venderam muitas peas advindas da Guerra
de Palmares, inclusive para as Minas Gerais19. Portanto - in-
crvel tornar-se necessria a afirmao de fato to evidente -
negros, os havia sim, em pequena quantidade entre os paulis-
tas20 e, como se ver, alguns deles tambm estiveram presen-
tes s Entradas e Bandeiras, isto, sem prejuzo de que, na do-
cumentao de transaes escravistas com ndios apresados,
os paulistas a eles se referiam, como se fossem negros, mes-
mo porque, 90% de sua escravaria era composta mesmo de
negros da terra, ou seja, de ndios.
17 Cdice Costa Matoso, v. 2, p. 124.
18 Portanto, a cidade mais antiga do Brasil So Vicente e no Salvador ou qualquer outra cidade da Bahia,
como pensam muitos baianos.
19 Histria e Conscincia do Brasil, p.70-71 e 84-93.
20 Segundo Gilka Vasconcelos Ferreira de Sales, citando Alfredo Ellis Jr, in Gois Colnia, p. 93, Nos
sculos XVI e XVII (anos 1500 e 1600), para 8000 ndios havia 265 africanos em So Paulo.
QUILOMBO DO CAMPO GRANDE HISTRIA DE MINAS QUE SE DEVOLVE AO POVO
21
A Descoberta do Ouro
Sobre a descoberta de 1692, baseado em fontes primi-
tivas, assim relata Diogo de Vasconcelos: (...) subiu sem de-mora, em 1692, Antnio Rodrigues Arzo com cinqenta
companheiros em marcha para Itaverava21 (...). Chegando a
Itaverava22, porm, as mesmas dvidas cercaram a nova dili-
gncia; e pois decidiu o chefe prosseguir na forma combina-
da, e foi ter serra do Guarapiranga, de onde pela manh
avistou os pncaros agudos de Arrepiados, por efeito da luz
oriental parecendo mais prximos. Descendo nessa direo,
encontrou Arzo o rio Piranga, em seu melhor brao, des-
cendente das serras aurferas e com indcios esperanosos;
quando tambm deparou com ndios da nao puri23, que lhe
deram notcia de mais rico manancial, o do Casca, originrio
da cordilheira, que o vinha atraindo (...) avanou chegando
ao Casca, cujas areias efetivamente as pintas de ouro (...).
Sua comitiva quase toda havia desaparecido, morta de febres,
de cansao e de combates24. O achado de Arzo, no entanto, no passou de trs oi-
tavas, cerca de dez gramas de ouro25.
Em 1693, Borba Gato descobrira ouro para valer, no
entanto, somente em 1700 por ter ficado proscrito pela mor-te do fidalgo dom Rodrigo que pde dar a conhecer os seus descobertos26. Destacaram-se, segundo a histria, neste
achado, tambm Bartolomeu Bueno da Silva, o segundo A-
nhanguera, que se estabeleceu entre o rio das Velhas e Par,
21 Vocbulo da lngua geral que significa pedra luzente Cdice Costa Matoso, v.1, p. 170.
22 Hoje, municpio de Itaverava-MG, Cdice Costa Matoso, v. 2, p. 162.
23 Segundo Dicionrio Aurlio, povo indgena extinto, da famlia lingstica puri, que habitava as margens
do rio Paraba do Sul (SP), a margem direita do rio Doce, do S. de MG at o N. do RJ e o S.O. do ES. Note-se
que os puris no falavam nem tupi e nem guarani e, muito menos, a lngua geral.
24 Episdios da Guerra dos Emboabas e sua Geografia, p.41-42.
25 Corografia Histrica da Provncia de Minas(1837), v. 1, p.77.
26 Dicionrio de Bandeirantes e Sertanistas do Brasil, p. 182.
QUILOMBO DO CAMPO GRANDE HISTRIA DE MINAS QUE SE DEVOLVE AO POVO
22
alm de seus primos Joo Leite da Silva Ortiz e Domingos
Rodrigues do Prado, entre outros27.
Antonil escreve antes de maro de 1711, portanto, pas-
sados 18 do fato: H poucos anos que se comearam a des-cobrir as minas gerais dos Catagus, governando o Rio de
Janeiro Artur de S; e o primeiro descobridor, dizem que foi
um MULATO que tinha estado nas minas do Paranagu e
Curitiba. Indo a este serto com um paulista a buscar ndios
e, chegando ao serro do Tripu, desceu abaixo com uma ga-
mela para tirar gua do ribeiro que hoje chamam do Ouro
Preto e, metendo a gamela na ribanceira para tomar gua e,
roando-a pela margem do rio, viu depois que haviam nela
granitos da cor de ao, sem saber o que eram, nem os com-
panheiros, aos quais mostrou os ditos granitos (...)28. Mais-culas, nossas.
Tendo participado da bandeira de Bartolomeu Bueno de Siqueira, os Camargos parentes de Siqueira empreen-deram nova entrada em 1695-1696, que deve ter deixado tar-
diamente So Paulo, e da qual ter feito parte o mulato Duar-
te Lopes, que ganhara experincia de minerao em Parana-
gu. O capito-mor desta bandeira h de ter sido Jos de
Camargo Pimentel, que chegou ao Morro de So Sebastio
(Tripu, em Ouro Preto) a 20 de janeiro de 169629. Pelas notcias que deram em So Paulo os primeiros sertanistas, que vieram do descobrimento das esmeraldas,
com o capito-mor Fernando Dias Paes, e principalmente pe-
la dum Duarte Lopes, que fazendo experincia em um certo
ribeiro, que disse desaguava no rio Guarapiranga30, de que
com uma bateia tirava ouro, (...)31. Augusto de Lima Jnior mudou o nome e, sem dar sua
fonte, definiu a parte branca da etnia do mulato: Quando o 27 Relato de Bento Fernandes Furtado, de 1750, in Cdice Costa Matoso, v. 1, p. 185- 191.
28 Cultura e Opulncia do Brasil, p. 164.
29 Tarqunio J. B. de Oliveira, em Corografia Histrica da Provncia de Minas Gerais (1837), v. 1, p.81.
30 Guarapiranga, quer dizer guar, um pssaro; piranga, vermelho Cdice Costa Matoso, v. 1, p. 180.
31 Relato do Mestre-de-campo Jos Rebelo Perdigo, in Relatos Sertanistas, p. 172.
QUILOMBO DO CAMPO GRANDE HISTRIA DE MINAS QUE SE DEVOLVE AO POVO
23
mulato que estivera nas minas do Pernagu, na expresso de
Antonil, ou seja o cristo novo32 Duarte Nunes apareceu em
So Paulo, com os granetes da cor de ao e que se verifica-ram ser ouro do melhor, amiudaram-se as expedies aven-tureiras por essas serras, que abriram, ento, uma srie de
epopias annimas, e (...)33. Grifos, nossos. Fritz Teixeira Sales registrou que O mulato desceu o morro, meteu a gamela no ribeiro do Tripu, que corria em-
baixo e bebeu da sua gua. Esta deve-lhe ter sabido bem, pois
so frescas e puras as guas nascidas em regio de pedras e
granitos. Deliciosa sempre foi a gua de Ouro Preto. Ao ma-
tar a sede, o homem encontrou no fundo da bateia ou gamela,
umas pedrinhas negras e duras. Gostou dessas pequenas pe-
dras, guardando-as consigo. E para Taubat voltou com seus
granitos. Chegando em sua casa, vendeu os ditos a um tal
Miguel de Souza, que logo depois desapareceu da histria. A
venda foi feita por meia pataca e uma oitava. Algum mandou
algumas dessas pedrinhas ao governador do Rio de Janeiro,
Artur de S e Menezes, (...). Esse Artur (...) levou boca as
pedrinhas, trincando-as com os dentes, o que as descobriu da
crosta negra, revelando o rutilar do ouro, metal que possui o
dom de enlouquecer a todos, particularmente aos governado-
res34. Entre os paulistas cujos escravos eram geralmente ndios - os negros e pardos, apesar de poucos, geralmente se
tornavam forros em breve tempo. Entre os habitantes de Ma-
riana, ao final do sculo XVII, informa um annimo que havia
um pardo muito rico, que tirava ouro em tachos, Manuel de Lima35 era seu nome. Como se viu, um mulato mestio de negro e branco chamado Duarte Lopes, foi quem realmente encontrou o a- 32 Judeu convertido ao catolicismo. (!).
33 A Capitania das Minas Gerais, p. 25, onde, como na maioria das vezes, Lima Jnior no cita qual fonte
daria fidedignidade ao informe que registra.
34 Vila Rica do Pilar, p.22.
35 Cdice Costa Matoso, v. 1, p. 218.
QUILOMBO DO CAMPO GRANDE HISTRIA DE MINAS QUE SE DEVOLVE AO POVO
24
chado de Ouro Preto. Evidente, ento, que os negros e pardos
tambm participaram da descoberta das Minas Gerais. Esse
fato, no entanto, quase desconhecido na historiografia de
Minas Gerais.
A Grande Invaso
Aos primeiros gritos de ouro, as Minas Gerais se en-
cheram de gentes vindas de todos os lugares do Brasil e da
Europa. Em 1705 teve incio a grande emigrao de portugue-
ses para a regio das Minas. O nmero de lusos que deixou o
reino foi to grande que el-rei passou a proibir a sada de vas-
salos temendo o esvaziamento de Portugal36.
Dom lvaro da Silveira Albuquerque, governador da
Repartio Sul, em carta dirigida ao governador da Bahia, da-
tada de 5 de maio de 1704, registra: (...) Eu cada dia me a-cho mais s, assim de soldados como de moradores, porque o
excesso com que fogem para as minas nos d a entender que
brevemente ficaremos sem ningum. Tambm suponho que V.
S. assim o experimenta porque das minas me escreve o cne-
go Gaspar Ribeiro que tanto o excesso de gente que entra
pelo serto da Bahia que brevemente entende se despovoar
essa terra (...)37. El-rei, primeiramente a 26 de novembro de 1709 e 19
de fevereiro de 1711, restringiu a emigrao atravs da exi-
gncia de passaportes, licenas e ordens especiais para qual-
quer portugus que quisesse passar s Minas. Sem obter ne-
nhum efeito, promulgou uma nova lei em 20 de maro de
1720: (...) Fui servido resolver que nenhuma pessoa, de qualquer qualidade ou estado, que seja, possa passar s refe-
ridas capitanias, se no as que forem despachadas com go-
vernos, postos, cargos e ofcio de justia e fazenda, as quais,
36 A Capitania das Minas Gerais, p. 35-38.
37 Museu do Arquivo Nacional - Coleo dos Governadores do Rio de Janeiro, livro XIII, A. F. 273-v.
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no levaro mais criados que a cada um competir conforme
sua qualidade e emprego, sendo estes portugueses (...)38. Antonil registra: Cada ano, vm nas frotas quantida-des de portugueses e de estrangeiros, para passarem s mi-
nas. Das cidades, vilas, recncavos e sertes do Brasil, vo
brancos, pardos e pretos, e muitos ndios de que os paulistas
se servem39. A mistura de toda a condio de pessoas
(...)40. A descoberta do ouro, em breve espao de tempo,
trouxe a escassez de alimentos e a carestia de todos os gne-
ros, inclusive do brao escravo africano. Antonil registra os
preos de escravos em 1711: Por um negro bem feito, valen-te e ladino, trezentas oitavas41; por um moleco, duzentas e
cinqenta oitavas; por um moleque, cento e vinte oitavas; por
um crioulo bom oficial, quinhentas oitavas; por um bom
trombeteiro, quinhentas oitavas; por uma mulata de partes,
seiscentas e mais oitavas (!)42; por uma negra ladina cozi-
nheira, trezentas e cinqenta oitavas (...)43. O Brasil deslocou-se todo para as Minas, deixando pa-
rados os engenhos, roas e outras atividades44. De Portugal,
que tinha uma populao de cerca de dois milhes de habitan-
tes, vieram, em menos de um sculo, cerca de oitocentos mil
portugueses45.
A esta poca, os portugueses j habitavam as ilhas da
costa oeste da frica, com amplo domnio no continente de norte para o sul - at os atuais territrios de Angola e Mo-
ambique. Assim, a sangria populacional imposta aos dom-
38 A Capitania das Minas Gerais, p. 37; idem, Cdice Costa Matoso, v.1, p. 355.
39 Como se v, a maioria dos escravos dos paulistas era mesmo de ndios.
40 Cultura e Opulncia do Brasil, p. 167.
41 Ou sejam, 1,076 kg de ouro!
42 Ou sejam, 2,152 kg de ouro!
43 Cultura e Opulncia do Brasil, p. 171.
44 Esse fato, a meu ver, que deve marcar o fim da era dos senhores de engenho nordestinos; o engenho que
ressurgir no final do sculo XVIII outro; outra era.
45 O Abastecimento da Capitania das Minas Gerais no sculo XVIII, p. 45-46.
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nios africanos no foi s de escravos como se pensa; grande
nmero de portugueses e pretos livres dessas regies tambm
vieram tentar a sorte no Brasil. Desconfio que muitos dos to
falados ilhus, ou portugueses das ilhas, eram, na verdade, brancos e pardos africanos natos. Esse tema, no entanto, pre-
cisa ser mais bem estudado46.
O trabalho, de qualquer espcie que fosse, era, no sis-
tema escravista da poca, considerado ignominioso e man-
chava a reputao de um homem livre, principalmente se fos-
se europeu e portugus: Calcada em crescente distancia-mento do autntico sentir da Igreja, procurou, sob as aparn-
cias de entranhada fidelidade a ele, servir, acima de tudo, ao
trono portugus e a seus interesses, a esse mesmo trono que
exigia de seus sditos prestes a seguirem para as colnias o
acintoso e blasfemo juramento: juro que no farei nenhum
trabalho manual enquanto conseguir um s escravo que tra-
balhe para mim, com a graa de Deus e do rei de Portu-
gal47. Quanto ao processo migratrio interno do Brasil, v-
rios foram os decretos que, inutilmente, procuraram impedir a
fuga do brao escravo do engenho e das roas para as Minas.
Inicialmente, limitou-se a 200 o nmero mximo de escravos
que, anualmente, poderiam passar s Minas. Depois, passou-
se a restringir, diretamente, que escravos da lavoura pudessem
ser vendidos nova capitania. Porm, o nico efeito disto re-
sultante, alm do aquecimento do comrcio interno de negros,
foi o de fomentar com uma intensidade jamais vista o comr-
cio de negros atravs das possesses portuguesas na frica,
inundando de escravos a nova capitania.
As Minas Gerais nasceram falando a lngua geral dos
paulistas e demais brasileiros. Pouca gente, nos primrdios,
falava portugus. Prova disso, alis, a prpria toponmia em
46 Ver livro Compndio Histrico das Possesses de Portugal na frica, escrito em 1836 por Raimundo Jos
da Cunha Matos.
47 A Abolio em Minas, p. 15.
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lngua geral, deixada no s em Minas, mas nas outras regies
descobertas e povoadas por paulistas e demais brasileiros48,
onde os ndios locais falavam outras lnguas e no o tupi ou o
guarani.
Num curto espao de tempo o nmero de portugueses
ultrapassou, nas Minas, o nmero de paulistas e demais brasi-
leiros e, num de repente, o burburinho das vozes nas catas e
nas vilas revelava a quem de longe prestasse boa ateno que j se falava muito mais a lngua portuguesa do que a ln-
gua geral dos brasileiros.
Tambm os escravos africanos dos portugueses, em
sua maioria, j sabiam falar a lngua portuguesa, entendendo-
se bem com seus senhores que, muitas vezes, tendo passado
pela frica, j conheciam os dialetos bantus dos negros. De
uma forma ou de outra, para o africano, era mais fcil e vanta-
joso aprender a falar o portugus do que a lngua geral. A et-
nolingista Yeda Pessoa de Castro confirma que (...) o afri-cano adquiriu o portugus como segunda lngua e foi o prin-
cipal responsvel pela difuso da lngua portuguesa em terri-
trio brasileiro49. O paulista foi ficando cada vez mais isolado e reduzi-
do a estrangeiro dentro da prpria terra que descobrira e po-
voara.
A Guerra dos Emboabas
A minerao era atividade regulamentada havia mui-
tos anos na legislao de Portugal. Especificamente para o sul
do Brasil, as vilas e povoaes mineradoras ficaram contem-
pladas no Regimento dos Ouvidores-gerais do Rio de Janeiro,
de 166950; depois, no Regimento dos Ouvidores de So Paulo,
48 Falares Africanos na Bahia, p. 49. Razes do Brasil, p. 88/96.
49 Falares Africanos na Bahia, p. 78.
50 Cdice Costa Matoso, v. 1, p. 330-336.
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de 170051; tambm o Regimento dos Guardas-mores de 1702
tratou do assunto52; o prprio rei, especificando funes, da-
va instrues diretas, gerais ou pessoais, como se v de carta
autorizando datas tambm para os scios do descobridor,
170353; como se v de uma outra carta permitindo ao guarda-
mor e seus oficiais o exerccio da minerao, cortando-lhes,
no entanto, os salrios, 170354; outra carta, nominativa, auto-
rizou o desembargador Jos Vaz Pinto, portugus nobre, a
nomear, do Rio de Janeiro, guardas-substitutos e seus escri-
ves, 170355; igualmente, outra carta autorizou o desembar-
gador Jos Vaz Pinto a dar as datas para quem quisesse explo-
r-las de meias com a Real Fazenda56. A grande invaso e a legislao, como se v, acabaram
colocando os portugueses e estrangeiros em vantajosa superi-
oridade relativamente aos da terra.
Os paulistas, por terem sido os descobridores e pionei-
ros das Minas, em que pesem as promessas que lhes havia fei-
to o rei, julgavam-se no direito de dirigir os trabalhos de mi-
nerao, principalmente quanto ao registro e distribuio de
datas: pequeno lote de terra mineral; cada escravo possudo
dava ao dono o direito a duas braas e meia de terra57. Os em-
boabas, protegidos nesta primeira fase tambm pelo governo
da Capitania da Bahia, passaram a receber melhores benesses,
o que desagradou aos paulistas.
O culto taubateano Bento Fernandes Furtado de Men-
dona denunciou58 que Correndo os tempos em 1709 para 1710, houve um pernicioso levantamento (...) dos ingratos fi-
51 Cdice Cosa Matoso, v. 1, p. 341-346.
52 Cdice Costa Matoso, v. 1, p. 311-324.
53 Cdice Costa Matoso, v.1, p. 324-325.
54 Cdice Costa Matoso, v. 1, p.325-327.
55 Cdice Costa Matoso, v. 1, p.327-328.
56 Cdice Costa Matoso, v. 1, p. 329-330.
57 Pargrafo 5 do Regimento do Superintendente, guardas-mores e mais oficiais deputados para as minas de
ouro (...), in Cdice Costa Matoso, v. 1, p.315.
58 Em manuscrito que deixou, datado de 1750.
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lhos da Europa contra os famosos descobridores destes have-
res, para remdio de tantos desvalidos europeus e contra os
paulistas, no menos empregados nos mesmos descobrimen-
tos e benefcios aos mesmos ingratos, nome este de paulistas
odioso entre aqueles que os no puderam imitar nem deixar
de receber destes os favores, que os constituram ingratos,
prprias aes a que arroja a inveja, em que no permane-
cem merecimentos e sobra a ambio de senhorear o alheio
por meios violentos e ou menos razoveis59. Uma das verses reinis desses fatos encontra-se na
narrao que Jos lvares de Oliveira, reinol e testemunha
ocular, fez em Vila Rica, no ano de 175060. As narraes rei-
nis so mais apaixonadas que as dos brasileiros, ficando isto
evidente nos nmeros, onde dezenas viram centenas e cente-
nas, milhares, ou, ao contrrio, os nmeros ficam exagerada-
mente encolhidos, na medida em que queiram aumentar ou
diminuir a glria reinol ou paulista.
Os brasileiros das Minas, alm de terem que pagar os
quintos sobre o ouro que conseguissem achar, eram explora-
dos tambm na compra de vveres, tais como o fumo, a carne,
aguardente, roupas e utenslios, dado a que o monoplio da
venda dessas mercadorias coube aos portugueses, no caso,
dois frades gananciosos.
Um outro desses portugueses, Manoel Nunes Viana,
ao contrrio do que inculcam alguns historiadores, era apenas
um servial, procurador de d. Isabel Maria Guedes de Brito,
viva do capito Antnio da Silva Pimentel e filha sucessora
do mestre-de-campo Antnio Guedes de Brito61. Espadachim
e assassino de aluguel, foi incumbido de represent-la junto
ao vasto latifndio que o rei doara a seu pai, abrangendo 60
lguas de terras (indo do morro do Chapu at as nascentes do
rio das Velhas), com a finalidade de tom-las, e o que mais
59 Cdice Costa Matoso, v. 1, p. 177.
60 Cdice Costa Matoso, v. 1, p. 227-242.
61 Relato de annimo, 1750, in Cdice Costa Matoso, p. 294-295.
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fosse possvel, para, sem dvida, anexao Capitania da
Bahia62. Dono do monoplio da carne, em nome de sua patroa
e aparentemente contra as ordens do rei - que era representado
por Borba Gato63 - passou a explorar os brasileiros que habi-
tavam as Minas Gerais.
Outros exploradores dos brasileiros, como se disse, e-
ram o frei Francisco de Menezes64 e seu comparsa, frei Con-
rado, religiosos de pssima reputao, detentores do estanco
(monoplio) da cachaa e do sal65.
O governador do Rio de Janeiro (Capitania do Rio de
Janeiro, So Paulo e Minas Gerais), dado o envolvimento po-
ltico da questo - decorrente dos interesses do governo da
Bahia e da luta surda entre grupos econmicos na corte e no
Conselho Ultramarino - nada podia ou queria fazer; alm do
mais, de fato, tinha sobre as Minas uma autoridade apenas
nominal. As Minas Gerais viraram terra de ningum.
Assim, Manoel Nunes Viana, uma vez feito chefe dos
emboabas, arvorou-se governador das Minas Gerais. As hosti-
lidades se exacerbaram e prosseguiram parte a parte.
Os paulistas, numericamente inferiorizados, foram
sendo rechaados; prosseguiram os combates nas matas e va-
les. Nunes Viana mandou que um contingente emboaba cer-
casse os paulistas que estavam acampados s margens do rio
das Mortes. Pegos de surpresa - na verdade, nem tanta - os
paulistas iniciaram o combate. Bento do Amaral Coutinho,
personagem de passado criminoso no Rio de Janeiro, a servi-
o dos emboabas, prometeu a Valentim Pedroso de Barros66,
chefe do contingente paulista, que respeitariam suas vidas ca-
62 Dicionrio de Bandeirantes e Sertanistas do Brasil, p. 433-434.
63 Relato do emboaba Andr Gomes Ferreira, Sabar, 1750, Cdice Costa Matoso, v. 1, p. 212.
64 Em carta de 10 de fevereiro de 1709, ministros das minas do Rio das Velhas pediram a expulso do frei
Francisco de Menezes e outros padres, dado a que no obedeciam as ordens do rei IMAR/MG AHU, v. 1,
doc. 11, p.17.
65 Relato de Bento Fernandes Furtado, 1750, in Cdice Costa Matoso, p. 192-193.
66 Nobre paulista que, assim como seu irmo Jernimo, era vaidoso, egosta e mau carter, segundo Bento
Fernandes Furtado, 1750, in Cdice Costa Matoso, p. 193.
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so se rendessem. Os paulistas depuseram as armas e foram
massacrados a tiros de arcabuz. Este episdio ficou conhecido
como O Capo da Traio. Alguns historiadores afirmam que
o total de mortos neste conflito atingiu 300; outros, reduzem
esse nmero para 50. Mesmo a data da chacina incerta; teria
ocorrido em janeiro ou fevereiro de 1709. Um coisa, porm
mais nebulosa; os historiadores paulistas no tocam no assun-
to: o chefe do contingente era mesmo Valentim Pedroso; a
proposta de rendio teria ou no sido dirigida a ele. Mas, de
uma forma ou de outra, como se ver mais frente, esse falso
heri paulista permaneceu vivo.
Nunes Viana nunca foi o heri em que alguns bahia-
nistas67 o quiseram transformar. Tanto que, ao final, seria de-
posto e expulso pelos prprios reinis, conforme registrou
um annimo de Mariana, em 1750: (...) levanta-se o Sabar contra Manuel Nunes Viana, que intentava que no houvesse
cortes de gado mais que por sua conta, o qual levantamento
lhe tinha movido o vigrio que ento paroquiava, por nome o
padre Campos, a quem acompanhou a maior parte daquele
povo e j apeado [Manuel Nunes Viana] da senhoria e do
nome de governador, que no levantamento geral lhe davam,
(...)68. Outro emboaba relatou que Manuel Nunes Viana foi fazendo muitos absurdos e convenincias, logo de