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SECRETARIA DA JUSTIA E DA DEFESA DA CIDADANIA
FUNDAO INSTITUTO DE TERRAS DO ESTADO DE SO PAULO JOS GOMES DA SILVA
RELATRIO TCNICO-CIENTFICO SOBRE A
COMUNIDADE DE QUILOMBO DA POA,
LOCALIZADA NOS MUNICPIOS DE
JACUPIRANGA E ELDORADO / SO PAULO.
dezembro de 2006
1
SUMRIO
1.OS GRUPOS NEGROS NO VALE DO RIBEIRA ........................................................ 2
2.OCUPAO TERRITORIAL E USO COMUM DO TERRITRIO ........................ 6
3. A POA........................................................................................................................... 13
4.O TERRITRIO DA POA.......................................................................................... 17
5. OS CHEGANTES....................................................................................................... 22
6. AS FAMLIAS RECONHECIDAS PELO GRUPO COMO PERTENCENTES COMUNIDADE DE REMANESCENTES DE QUILOMBO DA POA..................... 25
9.TERCEIROS PRESENTES NA REA ........................................................................ 33
10. INFRAESTRUTURA E ATIVIDADES ECONMICAS ....................................... 35
11. CONCLUSES............................................................................................................. 36
12. CONSIDERAES FINAIS....................................................................................... 39
13. BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 40
ANEXO 1: GENEALOGIA DA COMUNIDADE DA POA ....................................... 42
ANEXO 2: DOCUMENTAO DE ANTEPASSADOS ............................................... 43
ANEXO 3: IMAGENS ....................................................................................................... 45
2
1.OS GRUPOS NEGROS NO VALE DO RIBEIRA
Aps o descobrimento, o povoamento do litoral do Vale do Ribeira teve
incio j nos primeiros anos da colonizao, com o abandono de portugueses e
espanhis degredados nas praias das ilhas do Cardoso e Comprida. O
povoamento do interior teve incio um pouco mais tarde, mas j na primeira metade
do sculo XVI comearam as incurses em busca de ouro. A historiadora Lurdes
Carril nos mostra que j no sculo XVI no era incomum a existncia concomitante
de escravos negros e indgenas nas expedies que partiam para o interior de So
Paulo (Carril, 1995, p. 72).
No sculo XVII, foi encontrado ouro no interior, s margens do rio Ribeira
de Iguape, tendo-se formado o povoamento que deu origem primeira cidade do
interior do Vale, Xiririca (atualmente Eldorado). A descoberta do ouro em Xiririca
deu incio ao primeiro ciclo econmico da regio, apoiado na mo-de-obra de
negros escravizados. Dessa forma, tiveram incio os aquilombamentos e demais
formas patrimoniais que hoje se enquadram como remanescentes de quilombos.
A presena do trabalho do negro escravizado naquele que foi o primeiro ciclo
aurfero do perodo colonial vinha sendo ignorada at a poucos anos pelos
estudiosos do sistema escravista em So Paulo. Carril mostra que os diversos
bairros rurais negros existentes hoje na regio do Vale do Ribeira formaram-se
pela libertao ou simples abandono de cativos aps a decadncia da atividade
mineradora, ou pela fixao de escravos em situao de fuga (Carril, 1995).
A minerao aurfera no vale perdurou at o incio do sculo XIX. Contudo,
a atividade entrou em declnio no final do sculo XVII. No sculo XIX tivemos o
ciclo rizicultor, que teve seu auge na segunda metade desse mesmo sculo e
perdurou at o incio do sculo XX. Assim como a minerao, o ciclo rizicultor
esteve apoiado na mo-de-obra escravizada, e a produo era destinada
sobretudo aos mercados europeus e latino-americanos.
Pequenos produtores, inclusive pertencentes a grupos negros da regio,
tambm estiveram produzindo para o mercado. Sua significativa produo ou era
vendida aos comerciantes locais, ou era levada por eles mesmos aos centros
3
maiores, como Eldorado e Iguape, onde obtinham melhores preos. O rio Ribeira e
seus afluentes constituam-se nos nicos canais de transporte da populao e
escoamento da produo, que era levada rio abaixo em barcos e canoas at o
Porto da Ribeira, em Iguape, de onde era transportada em mulas at o porto de
Iguape.
Com o objetivo de eliminar o trajeto feito no lombo de mulas, no incio da
dcada de 1890 foi construdo o Valo Grande, um canal ligando o rio Ribeira ao
Mar Pequeno. Esse canal, a princpio, tinha apenas quatro metros de largura.
Contudo acabou sendo incrivelmente alargado pela fora e volume das guas do
rio, que terminou por assorear as barras de Icapara, do Ribeira e o prprio porto de
Iguape, impedindo a passagem de barcos maiores. A partir desse fato, o porto de
Iguape entrou em franco declnio. Por essa poca, no fim do sculo XIX, a
produo do ento internacionalmente famoso arroz de Iguape j sofria
concorrncia do arroz de outras regies e, no incio do sculo XX, havia diminudo
bastante. Nesse perodo, a quase total ausncia de estradas contribuiu para o
refluxo pequena produo de excedentes.
Os grupos negros fixados em terras apossadas mato adentro eram,
conforme se pode perceber nos memoriais descritivos de terras realizados na
dcada de 1850, reconhecidos e respeitados por seus vizinhos brancos por serem
fornecedores de produtos para consumo nas fazendas e reserva de mo-de-obra,
participantes da economia local, enriquecendo fazendeiros e detentores de um
saber sobre as tcnicas de navegao nos rios, principal via de comunicao
regional (Stucchi, 2000, 73).
Estudos mais recentes sobre quilombos no Brasil mostram que os mesmos,
ao contrrio de configurarem-se como grupos isolados social e geograficamente,
estavam inseridos numa ampla rede de relaes sociais e econmicas formada
em conjunto com determinados setores da sociedade que tinham interesse em
sua permanncia, sobretudo os comerciantes. Por exemplo, Almeida nos fala do
quilombo Frechal, no Maranho, localizado a cem metros da casa grande, e de
casos onde o quilombo esteve na prpria senzala, representado por formas de
produo autnoma dos escravos que poderiam ocorrer e de fato ocorriam ,
4
sobretudo em pocas de decadncia de ciclos econmicos, fossem agrcolas ou
de minerao (Almeida, 1999). Diversos trabalhos mais recentes a respeito de
comunidades negras com origem mais diretamente relacionada escravido tm
demonstrado que a economia interna desses grupos est longe de representar um
aspecto isolado em relao s economias regionais da Colnia, do Imprio e da
Repblica. Em geral existiu, paralelamente formao do aparato de perseguio
aos fugitivos, uma rede de informaes que ia desde as senzalas at muitos
comerciantes locais. Estes ltimos tinham grande interesse na manuteno
desses grupos porque lucravam com as trocas de produtos agrcolas por produtos
que no eram produzidos no interior do quilombo. Flavio dos Santos Gomes
mostra que os quilombolas da regio de Iguau, no Rio de Janeiro, forneciam
lenha de mangue para o abastecimento dos fornos da corte, alm de disputarem
ou negociarem com os barqueiros locais o controle das vias fluviais da rea, por
onde escoavam os produtos fornecidos para a corte (Gomes, 1996). No
Maranho, Matthias Assuno estuda casos de quilombos que perduraram
durante dcadas favorecidos no apenas pelas condies ecolgicas, mas
principalmente devido s relaes com a sociedade envolvente, comercializando
ouro e produtos de suas roas:
(...) longe de serem comunidades isoladas, os quilombos viviam em uma complexa rede de comunicaes com a sociedade escravista, que lhes fornecia bens materiais e informaes sobre as entradas. Mantinham contatos permanentes com os escravos nas fazendas. Chegaram, em alguns casos, a trabalhar para fazendeiros em preciso de braos. Trocavam ou vendiam produtos de suas roas (fumo e algodo) populao livre (Assuno 1996: 459).
Tambm no Vale do Ribeira, ao contrrio da idia de comunidade fechada,
auto-suficiente e isolada, os grupos rurais negros estiveram historicamente
inseridos na economia da Colnia, do Imprio e do Estado Nacional. As histrias
de origem dos vrios grupos negros dessa regio so diferenciadas entre si,
conforme podemos ver no laudo realizado pelo Ministrio Pblico Federal entre
1997 e 1998, nos relatrios tcnico-cientficos realizados pelo Instituto de Terras
5
de So Paulo a partir de 1999, e tambm em alguns trabalhos acadmicos
(Queiroz, 1983; Paolielo, 1992 e 1999; Mirales, 1998; Carvalho, 2006).
Por exemplo, So Pedro, Galvo, Pedro Cubas formaram-se a partir do
apossamento de terras por homens escravizados em situao de fuga.
Ivaporunduva tem sua origem em rea de minerao cuja proprietria doou as
terras igreja e alforriou seus antigos escravos. Piles e Maria Rosa eram reas
de minerao onde o nvel de violncia, ainda no perodo escravocrata, fez com
que os brancos se retirassem do lugar. J o Nhunguara formou-se a partir da
compra de uma posse e posterior apossamento de reas no entorno. Mandira,
localizada em Canania, no litoral do vale, originou-se a partir da doao de terras
pela filha de um fazendeiro a um meio irmo, nascido da unio entre esse mesmo
fazendeiro e uma de suas escravas. J em Iguape, os moradores de Morro Seco
no fazem referncias a antepassados que tenham sido escravos ou fugitivos da
escravido.
Especialmente na rea entre os municpios de Jacupiranga, Eldorado e
Iporanga, encontramos um nmero significativo de grupos que, embora tenham
histrias diferenciadas, so grupos vizinhos que integram uma mesma rede de
vizinhana e parentesco. Entre os j reconhecidos oficialmente como
remanescentes das comunidades dos quilombos esto Piles, Maria Rosa, So
Pedro, Galvo, Ivaporunduva, Nhunguara, Andr Lopes, Sapatu Pedro Cubas,
Pedro Cubas de Cima. Trocas matrimoniais, materiais e simblicas entre esses
grupos, alm das redes formadas com os comerciantes assentados s margens do
Ribeira e tambm com as cidades mais prximas, permitiram a permanncia e
desenvolvimento.
Nesse caso, importante a observao de que grupos com formao mais
antiga, como o caso de Ivaporunduva, Piles e Maria Rosa, serviram de apoio
para a constituio de novos grupos, fornecendo a estes bens materiais e
simblicos que permitiram sua instalao e formando com eles uma extensa rede
de parentesco e vizinhana. Levantamentos genealgicos1 mostram a existncia
1 Vide RTCs realizados pela Fundao Itesp.
6
de casamentos entre pessoas pertencentes a diferentes grupos que, desde as
cercanias de Xiririca at Iporanga, ocupam uma extensa rea em ambas as
margens do rio Ribeira de Iguape. Dados presentes nos memoriais descritivos de
terras e no livro de assentos de batismos do sculo XIX mostram os registros de
terras de alguns dos antepassados dos atuais moradores e tambm nos informam
sobre a presena de geraes de antepassados, muitos dos quais nascidos da
unio entre pessoas nascidas em diferentes localidades.
Uma caracterstica fundamental dessa extensa rede de trocas materiais e
simblicas, formada por grupos negros situados entre as cercanias de Xiririca e de
Iporanga, a existncia de mutires agrcolas realizados entre bairros. So
comuns, nessa rea, relatos de grandes mutires que reuniam 50, 60 ou at mais
de 150 pessoas pertencentes a diversos grupos vizinhos entre si. Alm dos
mutires agrcolas, que eram sempre seguidos de festa, as festas dos santos
padroeiros das diversas localidades tambm contribuam para a tecitura e
manuteno dessa rede, uma vez que reuniam, como ainda hoje acontece, grande
nmero de famlias procedentes de bairros vizinhos.
2.OCUPAO TERRITORIAL E USO COMUM DO TERRITRIO
Se, neste incio de sculo XXI, as complexas relaes com tantos agentes
prximos ou distantes tornam insuficientes instrumentais analticos como as
categorias caipira e bairro rural, por outro lado, estas podem ser operadas na
anlise no apenas da ocupao dos bairros negros do Vale do Ribeira mas
tambm do modo como estes vm se perpetuando. Antonio Candido classifica
caipira como um modo de ser, um tipo de vida (Candido, 1971, p. 22) que est
diretamente relacionado a uma cultura rstica, constituda no Brasil a partir da
colonizao. No caso especfico de So Paulo, a expanso geogrfica entre os
sculos XVI e XVIII significou o desbravamento e incorporao de terras e tambm
definiu a cultura caipira, uma variedade subcultural do tronco portugus (Candido,
1971, p. 35), caracterizada por uma vida social de tipo fechado e por uma
economia de subsistncia.
7
A cultura rstica, tal como definida por Candido, caracteriza o bairro, uma
unidade mnima de relaes sociais constituda por grupos de vizinhana e que se
apia no trabalho coletivo, ou seja, a ajuda mtua, sobretudo o mutiro: membro
do bairro quem convoca e convocado para tais atividades (Candido, 1971, p.
67). O autor chama a ateno para a origem familiar que pode caracterizar o
bairro, uma vez que novos herdeiros podem partir para o desbravamento de novas
terras quando a subdiviso da propriedade dos pais torna-se incompatvel com as
necessidades dos grupos.
Mesmo considerando as histrias diferenciadas dos bairros negros do Vale
do Ribeira, podemos constatar que a origem familiar delineou os atuais limites
territoriais desses bairros, nos quais nomes de determinados lugares associam-se
a determinados grupos de parentesco. Esse processo deu-se tanto por
apossamento como por compra. muito significativo que em alguns desses
bairros os filhos sejam chamados tambm de famlia; uma criana uma famlia
em potencial. Por exemplo, se uma pessoa tem 5 filhos, diz-se: fulana(o) tem 5
famlias. Essas famlias costumam formar localidades dentro dos bairros: os filhos
vo casando e erguendo suas casas prximas dos pais.
No entanto, preciso fazer algumas distines entre as definies de
Candido e pesquisas mais recentes na rea. A primeira distino distino diz
respeito idia de isolamento. A intensa relao entre as vilas do mesmo bairro e
tambm entre os bairros nos leva a relativizar a idia de mnimos sociais
(Candido, 1971). Muitas vezes, os mutires chegavam a ter entre 100 e 150
participantes, gente do prprio bairro e dos bairros do entrono, com os quais havia
estreitas relaes de parentesco. Ou seja, o membro do bairro convoca e
convocado para os mutires, mas estas convocaes muitas vezes realizam-se
entre os bairros, e no apenas num restrito mbito interno a um nico bairro. Ao
lado disso, como vimos, as relaes sociais extendiam-se aos comerciantes das
margens do Ribeira e s cidades prximas.
A segunda distino que fao em relao idia de mnimos vitais.
Quem promovia grandes mutires, que poderiam durar dois ou trs dias, precisava
alimentar dezenas de participantes. Muitas vezes os mutires poderiam durar dois
8
ou trs dias, sempre seguidos de festa. Nestes casos, era preciso ter considervel
estoques de alimentos, especialmente arroz, feijo e carne, para alimentar tantas
pessoas por um perodo prolongado (Carvalho, 2006).
Nos bairros negros da rea compreendida entre Eldorado e Iporanga, os
relatos sobre festas e mutires, sempre realizados com fartura de alimentos, assim
como outros relatos sobre tempos difceis provocados por secas, nos mostram que
a produo agrcola poderia ficar acima, ou at mesmo abaixo dos mnimos
necessrios para a obteno dos meios de vida. Podia haver perodos de crise
especialmente secas quando esses perodos de suficincia davam lugar a um
grande sofrimento, sem o alimento da roa e sem poder adquirir bens que no
produziam, especialmente sal e munio para a caa. Desse modo, podemos
distinguir duas diferentes estratgias agrcolas. A primeira, orientada para gerar
fartura, ou seja, estoques acima dos mnimos vitais, pressupe a capacidade de
formar extensas redes de relaes, mobilizadas nos mutires. A segunda,
orientada para garantir satisfatoriamente o mnimo necessrio para a obteno dos
meios de vida em anos normais, em anos de crise poderia gerar insuficincia de
alimentos e de excedentes, cuja venda possibilitaria a aquisio de produtos
necessrios sobrevivncia. Vemos, dessa forma, que a proposta de mnimos
vitais elaborada por Candido, embora encontre equivalncia no modo de vida dos
grupos aqui estudados, no pode ter valor absoluto (Carvalho 2006).
Voltemos formao familiar do bairro caipira. Edmund Leach afirma que os
sistemas de parentesco no tm realidade exceto em relao a terra e
propriedade2 (Leach, 1961, p. 305). Para ele, esses sistemas so apenas um
modo de se falar a respeito de relaes de propriedade. Ellen Woortmann fala do
parentesco como linguagem do uso e da posse da terra (Woortmann, 1995: 258).
Renata Paolielo (1999) aponta para a herana igualitria como estratgia fundiria
nas comunidades negras do Vale do Ribeira. Carvalho (2006) afirma que em So
Pedro e Galvo o direito terra vinculado ao parentesco aparece de duas
maneiras. A primeira relativa ao pertencimento ao grupo de descendentes de do
ancestral fundador. Desse modo, configura-se um grande grupo de pessoas que 2 have no reality at all except in relation to land and property.
9
coletivamente se reconhecem como ocupantes e proprietrios virtuais de uma rea
coletiva. A segunda maneira diz respeito a direitos mais especficos no interior do
grupo, segundo os quais parcelas especficas de terra so transmitidas por
herana de determinados parentes, geralmente pais ou avs.
No entanto, o direito terra vinculado ao parentesco aparece combinado
com uma outra forma, que escapa em princpio teoria de Leach. Trata-se do
direito justificado pela ocupao, e que tambm aparece de duas formas. A
primeira relativa ao trabalho aplicado natureza, ou seja, abertura de reas de
roa, as capuavas. Essa forma originria de apropriao descontnua e em
movimento, afastada do local de moradia, relativamente fixo. A segunda diz
respeito ao direito fundamentado na residncia ou uso continuado do territrio,
segundo o qual quem abandona uma capova por muito tempo ou deixa o bairro,
pode perder o direito sobre ele. Do mesmo modo, quem deixa o bairro e depois
retorna, readquire os direitos de morar e cultivar suas roas, prevalecendo a
consanginidade.
A terra no apenas transmitida por herana, mas tambm introduzida no
sistema de posse pela ocupao originria com o prprio trabalho. A combinao
desses dois princpios de direito terra, o da consanginidade (pertencimento a
um grupo de descendncia) e o da ocupao originria (aquisio da terra atravs
do trabalho prprio), leva a um grupo de descendncia territorializado e em
expanso. Por um lado, a transmisso de direitos, tanto para o grupo como um
todo enquanto descendentes de um ou mais fundadores, como para subgrupos de
ocupantes ligados por descendncia, se d na linguagem do parentesco. Por outro
lado, a aquisio de novos territrios dada pela interveno humana em reas
no ocupadas da floresta mas vistas como pertencentes ao patrimnio coletivo ,
atravs da agricultura itinerante de coivara. Aps a incorporao de uma nova rea
por determinada famlia, esta passa a ser transmissvel por herana, e essas duas
formas de direito aparentemente excludentes mostram-se complementares.
Ainda h um outro modo de acesso terra: a aquisio por compra de
posses, tanto pertencentes a pessoas de fora quanto entre parentes. Alis, a
compra e venda de posses tem sido constante na regio do Vale do Ribeira. Nos
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bairros da rea encontramos inmeras referncias a posses adquiridas por
compra. No entanto, trata-se de uma forma de aquisio que implica no uso da
terra para moradia e trabalho, e no em especulao imobiliria.
comum, em reas ocupadas por populaes tradicionais no Vale do
Ribeira, os mais velhos dizerem que antigamente no tinha dividio de terra,
podia trabalhar em qualquer lugar. Por trs dessa afirmao, encontramos um
complexo sistema de apropriao e uso comum de um territrio coletivo baseado
em sistemas de parentesco combinados com o direito adquirido pelo trabalho
sobre a terra.
Uma caracterstica importante desse modo de ocupao a existncia, na
maioria das vezes, de dois locais de morada, um mais ou menos fixo, geralmente
nas vilas, e outro provisrio, nas reas de roa, as capuavas, dispersas pelo
territrio ocupado pelo grupo. Enquanto que a moradia nas vilas, agrupada com as
de outros parentes, a casa, a moradia na capuava o paiol ou tapera, de carter
provisrio e relacionada a uma intensa mobilidade. Uma capuava pode durar trs,
quatro anos, ou ento permanecer trs ou quatro dcadas na mesma rea,
alternando-se apenas os lugares das roas e dos paiis. Paolielo analisa a
herana da terra entre camponeses da regio, inclusive no quilombo de
Nhunguara, e fala em um direito possessrio mvel, caracterstico do universo
caipira (Paolielo, 1999, p. 33-34).
Se a formao dos bairros rurais est diretamente relacionada ao
povoamento ocorrido no perodo colonial, podemos considerar a capuava como a
projeo do desbravamento. O termo capuava pode designar tanto capoeira rala,
quanto caipira, como nos mostra o dicionrio Aurlio (1986). Petrone, ao estudar
prticas agrcolas na Baixada do Ribeira, toma o termo capuava como sinnimo do
caboclo, necessariamente posseiro, que pratica a agricultura itinerante ou semi-
itinerante, e afirma ser este o nico povoador em reas de povoamento disperso
(Petrone, 1961, p. 54).
Candido, ao classificar o morador transitrio, responsvel pelo
povoamento de So Paulo nos sculos XVI, XVII e XVIII, como cultivador nmade,
agregado e posseiro, mostra que capuava era a designao corrente de moradia
11
dessas trs categorias de povoadores (Candido, 1971, p.60). Enquanto categoria
local, capuava compreende muito mais do que a simples idia de terra queimada
para agricultura. Esta ltima pode ser resumida no termo capoeira. A capuava o
lugar onde se passa, muitas vezes, a maior parte da vida, e defini-la simplesmente
como espao agrrio seria restringir em muito a compreenso da categoria. onde
o trabalho da vida na mata tem realmente suas possibilidades de realizao,
principalmente do ponto de vista histrico. Ou seja, os bairros negros na regio
vm sendo historicamente reproduzidos enquanto bairros de populaes florestais
agrcolas, seguindo os ritmos da vida na capuava. Se, nos dias de hoje, as
condies de sobrevivncia, em muitos casos, j no so mais garantidas apenas
pelo trabalho na terra, mas tambm pelo trabalho em outros municpios ou em
fazendas da regio, pelo dinheiro enviado por aqueles que saram para trabalhar
fora, e, em alguns casos, pelos salrios de moradores empregados na prefeitura e
por aposentadorias do INSS, certo que as capuavas eram um sinnimo do modo
de viver dos antepassados, e ainda so para muitas famlias. Foi o trabalho
empreendido nelas que possibilitou a manuteno dos grupos e a continuidade das
geraes seguintes. Neste sentido, podemos considerar trabalho e terra segundo a
definio de Polanyi, para quem trabalho e a terra nada mais so do que os
prprios seres humanos nos quais constituem todas as sociedades, e o ambiente
natural no qual elas existem (Polanyi, 1980).
Como diz Alfredo Wagner de Almeida, est-se diante de uma continuidade
da condio camponesa que evidencia o quilombo como unidade produtiva
(Almeida, 1999, p.12). A capuava sempre uma segunda morada, provisria em
relao casa principal, na vila, mas pode ser o local onde a famlia passa mais
tempo, principalmente em pocas de colheita. Pode ser aberta em local nunca
antes queimado, e desde a abertura o lugar j chamado de capova. Ou pode ser
aberta em capoeiras que por muitos anos permaneceram em pousio. A capuava
tambm pode ser uma roa recm abandonada, mas que por algum tempo
continuar a fornecer alguns produtos, principalmente cana-de-acar e razes,
como cars e mandioca. Ou ainda pode tratar-se de locais de antigos roados que
esto h muitos anos em desuso.
12
Como prprio da tcnica de coivara, primeiro feita a roada, e depois
derruba-se as rvores com machado, para a posterior queimada, geralmente no
ms de outubro. Raramente faz-se a roada em reas que esto h menos de trs
anos em pousio. O mais comum, quando h reas disponveis, roar reas em
decanso h mais de dez anos ou, ento, reas de mata virgem . Um ciclo agrcola
costuma ser aberto com o plantio de arroz. Encontramos nessa rea uma
significativa variedade de sementes dos antigos: taporana, arroz grosso,
vermelho, vermelho grosso, entre outros. Tambm h referncias a outras
variedades que foram perdidas ao longo do tempo. importante observarmos que
o plantio do arroz inicia um ciclo anual de diferentes plantios numa mesma rea de
roa. Outras culturas seguiro o arroz, sendo que no ano seguinte, ao final desse
ciclo, uma nova rea contgua a essa roa poder ser derrubada e queimada para
um novo plantio do mesmo.
O plantio de arroz costuma ser combinado com outras culturas. Muitas
vezes, uma parte do aceiro (beirada da roa, no limite com a mata) separada
para o plantio de milho, sendo que os meses prprios para o cultivo do mesmo so
novembro e julho. Ao longo do ano, razes, verduras, rvores frutferas e plantas
medicinais so plantadas ou semeadas, muitas das quais permanecem produzindo
por um longo perodo. Diferentes variedades de car podem ser plantadas. Perto
do paiol, costuma-se plantar abbora, batata-doce, alm de diversas plantas
medicinais, como pico e erva-de-santa-Maria. Diferentes variedades de cana-de-
acar podem ser plantadas no aceiro e dentro da roa.
Quando se trata de uma capuava que est sendo aberta, ergue-se o paiol
enquanto as mudas de arroz esto crescendo, de modo que fique pronto antes do
incio da colheita, em abril. Em julho, conclui-se a colheita do arroz e o plantio de
feijo iniciado, combinadamente com o milho e a mandioca. Aps a colheita do
feijo, em outubro, conclui-se um ciclo agrcola anual, e outro plantio de arroz
iniciado. Uma capuava pode compreender um conjunto de duas ou mais reas de
plantio em fases diferentes, com um, dois ou trs anos de cultivo. Ao entrar em
descanso, uma rea de roa ainda continua fornecendo mandioca, cana-de-
acar, cars, batatas doces, frutos e ervas medicinais por um longo tempo.
13
Isso nos leva a pensar na existncia, alm dos ciclos agrcolas anuais, de
ciclos mais longos, que podem compreender trs ou quatro anos de uso contnuo e
cerca de 15 a 20 anos ou mais de pousio. Algo muito semelhante ocorre entre
camponeses que vivem em reas de floresta no norte do pas. Por exemplo, em
reas do Alto Juru, no Acre, as famlias costumam ter pelo menos trs roados
em uso, em diferentes fases (com um, dois ou trs anos de plantio), que podem
ser abertos em mata bruta, em capoeira velha, em capoeira nova ou ainda
plantados no mesmo local onde se est arrancando as mandiocas mais maduras
(Cunha e Almeida, 2002, p.251-253).
3. A POA
O bairro Poa localiza-se na margem direita do Ribeira, abrangendo reas
dos municpios de Jacupiranga e Eldorado. Chega-se l pela SP 193, sendo que
desde Jacupiranga so aproximadamente18 quilmetros quilmetros at chegar na
estrada de Itapena, uma via no asfaltada que liga a pista de asfalto at o bairro
de Itapena. Nesta estrada de terra, atravessamos cerca de 1,5 quilmetros pelo
bairro Lageado at chegar na Poa. A Poa situa-se, aproximadamente, entre as
coordenadas UTM 788.000, 7278.000; 794.000, 7278.000; 794.000, 7272.000;
788.000, 7272.000, conforme mapa anexo.
Como vimos, nos bairros negros da rea, encontramos histrias de
ancestrais fundadores. No entanto, mais do que a veracidade dessas narrativas, o
que nos interessa o fato de que elas designam a origem do grupo e que
legitimam sua condio presente, tendo assim um papel anlogo ao de um mito de
origem. Na Poa, moradores atuais fazem referncias a um antepassado fundador
chamado Joaquim da Costa Campos, procedente de um dos grupos negros mais
antigos da regio, Ivaporunduva, localizado ribeira acima. Os diversos filhos de
Joaquim e de sua mulher, Rita, uniram-se a moradores j estabelecidos no local e
procedentes dos bairros do entorno. Moradores mais velhos mencionam Belisrio
de Campos e Joaquim Salvador de Campos como sendo filhos do de Joaquim da
Costa Campos. O pertencimento da Poa a uma extensa rede de parentesco e
14
vizinhana formada por inmeros bairros negros pode ser percebido pela presena
de sobrenomes de famlias de diversas comunidades localizadas ribeira acima:
Costa, Pupo, Vieira, Frana, Marinho. Os Pupo, os Costa e os Marinho podem ser
localizados em Ivaporundura j nas duas primeiras dcadas do sculo XIX,
conforme podemos ver no livro de assentos de batismo. Os Vieira esto ligados
fundao de Nhunguara e Andr Lopes. J os Frana esto ligados fundao
dos bairros Galvo e So Pedro. O sobrenome Rosa, presente na Poa h vrias
geraes, aparece indiretamente no memoriais descritivos de terras, quando, em
1856, um homem chamado Joo Antonio de Frana indica a presena de um
agregado nascido nas ditas terras:
Joo Antonio de Frana possue uma sorte de terras na paragem denominada stio rio da Poa, tendo um aggregado nascido nas ditas terras chamado Jos Rodrigues da Rosa, que faz divisa na serra dos meninos com terras de Manuel de Andrade Rezende e Miguel Antonio Jorge, e de outra banda com terras de Salvador Luis de Castro. Xiririca, 21 de janeiro de 1856. Joo Antonio de Frana. O vigrio Joaquim Gabriel da Silva Castro.
O livro de assentos de batismos mostra o mesmo Jos Rodrigues da Rosa,
unido a Joaquina Nbrega, batizando uma filha de nome Jacintha em 1844, sendo
que os padrinhos foram Joo Antonio de Frana o mesmo que, mais de 10 anos
depois, declararia possuir terras e ter Jos Rodrigues da Rosa como agregado e
Damiana de Freitas. Um morador atual da Poa, Jos Pupo da Rosa, nos diz que
seu bisav, Sebastio Rosa morava na Poa. Um dos filhos de Sebastio, Joo
Rosa, casou-se com uma das netas de Joaquim da Costa Campos, Maria
Brasilcia.
No encontramos referncias ao fundador Joaquim da Costa Campos nos
memoriais descritivos de terras de 1856. Para Stucchi, a existncia de lacunas nos
memoriais descritivos de terras de Xiririca nos leva a pensar na existncia de uma
populao posicionada margem da ordem social:
Uma frao dessa populao no obteve registro das terras ocupadas em decorrncia das restries prprias do instrumento, expressando as dificuldades de legitimao da posse da terra impostas s camadas mais pobres da populao. Outra frao da
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populao predominantemente negra no se faria registrar por fora da necessidade de manter-se oculta aos olhos da polcia local.
O acesso e uso da terra por pretos livres, ainda que em locais ermos, era baseado em poltica de aliana entre os ocupantes mais recentes e aqueles que os precederam. A legitimao da posse da terra dos negros libertos indica o outro lado de uma aliana unindo mltiplos interesses, na medida em que terras oficialmente registradas eram menos suscetveis fiscalizao, protegendo uma ocupao caracterizada tambm por negros em situao de fuga (Stucchi et alli, 2000, p. 79).
Uma referncia documental a Joaquim da Costa Campos est na certido
de nascimento de uma de suas netas, Domingas, na qual ele apontado como av
paterno, sendo que a av paterna Rita C. de Campos. Os pais de Domingas so
Belizrio da Costa Campos e Maria Campos da Conceio, conforme podemos ver
na cpia do documento apresentada em anexo. No livro de assentos de batismo
do sculo XIX encontramos dois dos filhos de Joaquim da Costa Campos, Belisrio
da Costa Campos e Joaquim Salvador de Campos, os quais aparecem diversas
vezes batizando filhos.
O casal Joaquim Salvador de Campos e Custodia Archangela de Moraes
aparece 6 vezes batizando filhos, entre os anos de 1871 e 1892: em 12 de
fevereiro de 1871, batizam a filha Gertrudes, nascida em 15 de novembro de 1870;
em 16 de maro de 1873 batizam a filha Josefa, nascida em 9 de dezembro de
1872; em 17 de maio de 1875, batizam o filho Domingos, nascido em 14 de
fevereiro de 1875; em 1o de julho de 1888, batizam o filho Joaquim, nascido em 1o
de junho de 1887; em 26 de agosto de 1889, batizam o filho Guilherme, nascido
em 25 de junho de 1889; e em 16 de abril de 1892, batizam a filha Anna, nascida
em 24 de novembro de 1891.
Belisrio da Costa Campos aparece duas vezes, unido a Maria Pereira da
Assumpo, batizando filhos: em 3 de abril de 1876 batizam a filha Maria, nascida
em 10 de maro de 1876, sendo que os padrinhos foram Joaquim Salvador de
Campos e [Custdia] Archangela de Moraes. E em 20 de julho de 1891 batizam o
filho Benedicto, nascido em 3 de abril de 1891.
16
Joaquim Salvador de Campos e Custdia tambm aparecem como
padrinhos de Sebastiana, filha de Antonio Oliveira Marinho e de Gertrudes Maria
de Jesus e tambm de Isabel, filha de Antonio Baptista dos Santos e de Anna
Luciana da Rosa. possvel que Gertrudes seja a mesma filha do casal nascida
em 1870. Sebastio Malaquias, um dos bisnetos de Joaquim Salvador de Campos,
gentilmente cedeu-nos uma cpia da certido de bito de seu bisav (apresentada
em anexo), a qual mostra que o mesmo faleceu em 4 de janeiro de 1925 aos 80
anos. Ou seja, ele nasceu na Poa em 1845. Nesse documento ele aparece como
Joaquim de Campos, casado com Custodia Archangela de Moraes.
A senhora Maria de Ftima conta que sua av Domingas, filha de Belisrio
da Costa Campos, falava a respeito de um dos filhos do fundador Joaquim da
Costa Campos que foi sorteado para lutar na Guerra do Paraguai e ficou
escondido numa pequena gruta do lugar:
Eu no sei quando foi a Guerra do Paraguai, eu no sei em que ano, a naquele tempo, ele foi sorteado. Naquele tempo era sorteado e ele no se apresentou, no foi. O policiamento vieram buscar ele. Essa a histria que meu pai contava e minha me tambm contava. A os pais viram que vinham vindo buscar, esconderam l naquela pedreira, tem um salo. A ponharam uma escada, acho que d uns 5 metros l. Guardaram ele l e l levavam comida para ele. A naquele tempo j tinha zum zum zum, n: Ah, fulano est escondido l, os pais esto levando comida para ele l no mato escondido. A o policiamento foi com os cachorros, pegavam com cachorro naquele tempo. A ele se assustou quando chegaram, ele pulou e quebrou a coluna, e curaram em casa. (...) Isso que minha av contava (Maria de Ftima da Silva, entrevista em outubro de 2006).
As referncias a fugas de homens negros e solteiros recrutados para lutar
na Guerra do Paraguai no so incomuns na regio. Por exemplo, o bairro Andr
Lopes, onde se localiza a Caverna do Diabo, conhecida localmente por Gruta da
Tapagem, formou-se em funo de moradores do bairro Nhunguara que se
esconderam na rea dessa caverna para escapar ao recrutamento. Como afirma
Stucchi,
17
Principalmente os homens solteiros, sem famlia e desprovidos de terras, os negros, mulatos e pardos, ainda que livres e libertos, estariam entre a massa de recrutveis para o exrcito. Esse contingente compunha as fileiras do exrcito, representando este um espao social subalterno, formado em sua imensa maioria por no proprietrios, recrutados mais por castigo que por vocao, A caserna seria o destino dos considerados desocupados, desqualificados, malfeitores e, sobretudo, dos negros.
(...)
O processo de povoamento de localidades habitadas principalmente por populaes negras do Vale do Ribeira, como Nhunguara e Andr Lopes e Sapatu, tambm deve ser analisado luz das fugas dos recrutamentos militares. Uma profuso de relatos sobre zonas de refgio que acolheram inmeras fugas est presente nas narrativas dos informantes (Stucchi et alli, 2000, p 90 e 91).
4.O TERRITRIO DA POA
Na Poa, os mais velhos contam que o fundador Joaquim da Costa
Campos possua uma rea com mais de 500 alqueires e que o bairro ia desde o
bairro Lageado (vide mapa da rea) at as margens do Ribeira, de onde iam de
canoa at a antiga vila de Xiririca. H um caminho antigo que leva at as margens
do Ribeira e que, at as primeiras dcadas do sculo XX, era utilizado tambm
para levar os mortos at o cemitrio na antiga vila de Xiririca. Dona Maria de
Ftima fala a respeito do percurso at esse cemitrio:
Ento, se morria gente aqui, morreu fulano, nem guardar velrio j no tinha. Eles achavam que era longe para levar, eles pegavam uma coberta, l assim, amarrava l assim, ficava igual uma rede, ponhava o defunto, ponhava no pau e dois fulano iam carregando. Quando chegava l na serra, descansava. A j tinha dois paus furados na altura do ombro, preparado. L eles colocavam e deixavam para no arriar no cho. Da descansava para descer a serra pra l. Pra l pra pegar a canoa, pra ir fazer o caixo na beira do rio, e ponhava na canoa para ir l pra essa freguesia. (...) Tinha o caminho deles que passava, o caminho que eles varava l. (...) Agora que melhorou a estrada, acho que at uns cinqenta anos, tinha o caminho que o povo andava, at
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uns cinqenta anos, o povo andava por esse caminho (Maria de Ftima, entrevista em outubro de 2006).
Esse caminho tambm era utilizado pelos convidados para os mutires
agrcolas, procedentes das diversas localidades do entorno, muitos dos quais
chegavam de canoa, vindos de localidades mais distanciadas, como o caso do
Taquari3:
O pessoal que morava l longe era convidado, sabia que tinha mutiro, ento eles vinham por esse atalho, por esse caminho. Pra l, l na Ribeira, no Taquari, meu pai, minha me moravam l na Ribeira, no Taquari, e eles vieram no mutiro. Era mutiro de colha de arroz, ento, juntava, 20, 30, 40, 50, 60 pessoas para colher arroz, colher arroz com canivete. Ento, depois que vencia a colha do arroz, o dono da casa dava o baile. Dava janta pro povo, almoo caf, de meio dia, de duas horas, janta. A a paga do dia, do povo colher arroz, eles danavam, era baile. (Maria de Ftima, entrevista em outubro de 2006).
O transporte fluvial certamente ampliava a rede de relaes no lugar,
possibilitando a participao de vizinhos que chegavam de canoa dos bairros rio
acima para participar dos mutires.
A rea da Poa, portanto, era bastante maior do que a reivindicada hoje por
seus moradores, abrangendo uma extenso que ia desde as proximidades da atual
SP 193 at as margens do rio Ribeira de Iguape. Os relatos indicam que
antepassados dos atuais moradores faziam uso comum da extensa rea que
compunha a Poa, alternando suas roas por todo o territrio. As presses sobre o
territrio iniciaram com a chegada de fazendeiros ainda na primeira metade do
sculo XX, fazendo com que os limites do bairro fosse recuado at a Serra do
Lageado, localmente chamada tambm de serra da Poa. Nessa poca, os
moradores viram-se obrigados a abrir mo da rea compreendida entre esta serra
e o rio Ribeira. Vejamos o depoimento desta moradora:
A, naquela poca que fundaram isso aqui, diz meu pai, no tinha estrada nessa poca, o caminho deles era daqui na ribeira,
3 O Taquari e localidades vizinhas esto representados no mapa da rea.
19
j passa por dentro do mato, subia a serra, tombava para l. Dizia o meu pai que esse terreno aqui ia at a ribeira. A chegou o fazendeiro, naquela poca, a j vinham trazendo tudo pra frente. A quando eles iam ficar sem os terrenos, dividiram o lombo da serra. Esses fazendeiros antigos trabalhavam no terreno e vinham vindo. A, para no ficar sem terra, eles passaram a divisa no lombo da serra. (...) Da divisa daqui, ali no Malaquias, esse trecho que vai para l, mas s que o caminho deles no foi fechado. Eles moravam aqui, mas tinham caminho na Ribeira. Eles moravam aqui, mas tinha canoa na ribeira, l tinha uma pessoa que morava l e tomava conta da casa l deles. O porto deles era l. Queriam sair daqui para fazer uma comprinha, alguma coisa, saiam daqui, pegavam, subiam esse morro e tombavam para l. Hoje mudou muito. O meu pai dizia que tinha o trilho, mas hoje j mudou tudo. Mas o caminho deles era aqui, daqui eles iam na ribeira. O povo antigo, no esse aqui da idade do meu pai, da idade dos mais velhos. (...) A ento o povo j andava por a, mas da idade do meu pai pra c. A j tinha o caminho, aqui era caminho s de tropa, a pegava a estradinha e ia embora. Esse caminho aqui, diz que subia aqui pro compadre Bento, ento l na frente, no morro, tinha um lugar chamado Descanso, ento era o lugar que o povo descansava, subia a serra, descansava (Maria de Ftima, entrevista em outubro de 2006).
O tempo do povo antigo ao qual a moradora se refere um tempo anterior
chegada da cultura da banana no Vale do Ribeira, ainda no comeo do sculo
XX. A partir da introduo da cultura de banana na regio, aumentam as presses
sobre reas mais prximas das cidades. No caso da Poa, tal presso levou ao
recuo dos limites at a serra do Lageado4.
Geraldo Mller (1980) nos mostra que a intensificao do processo de
incorporao do Vale produo de mercado ocorre nas dcadas de 1940/50 com
a ampliao do cultivo de banana e ch. No caso da banana, devido ao aumento
da demanda pelos trabalhadores da industria paulistana por causa do baixo preo
da fruta, e tambm devido demanda de Montevidu e Buenos Aires. Esse
processo foi acelerado na dcada de 1960 com a construo da rodovia BR-102,
atual Rgis Bitencourt.
O mesmo autor tambm nos fala da especulao fundiria deflagrada com o
incio da construo dessa rodovia e a conseqente valorizao de terras no Vale. 4 Localmente, a Serra do Lageado, que pode ser observada no mapa da rea, muda de nome conforme os
bairros que sua extenso abrange, sendo chamada de Serra do Lageado, Serra da Poa e Serra da Lagoa.
20
Por essa poca, inmeros imveis foram adquiridos por empresas paulistas da
construo civil, siderrgicas, metalrgicas, imobilirias, empresas agrcolas e
comerciais. Nas palavras de Mller,
a especulao fundiria na Baixada, como em todo o Vale, mostra-se como mecanismo que permite incorporar terras sem aproveit-las nem povo-las, configurando a mais acabada manifestao de cunho primitivo do modo como as terras caem sob o domnio do acicate da lei do valor. (Mller, 1980, p. 82).
Com pouca densidade populacional, montanhas, cavernas e grandes
extenses de Mata Atlntica, o Vale foi escolhido como local de treinamento do
grupo de guerrilheiros de Carlos Lamarca. Habitado por populao pobre e que,
provavelmente, seria sensvel ao discurso revolucionrio, conforme escreve
Queiroz, a regio da Juria foi o lugar que Lamarca escolheu para se esconder e
preparar a revoluo (Queiroz , 1992, p. 73)5. O receio de que a regio fosse alvo
de novos focos guerrilheiros fez o Estado investir pesado em projetos de
desenvolvimento em fins da dcada de 1960 e na dcada de 1970 (Zan, 1986;
Martinez, 1995). Diversos programas foram implantados no Vale com o objetivo de
desenvolver a regio e livr-la do atraso e do isolamento: aumento da
produtividade agrcola, o estabelecimento de empresas agropecurias, indstrias
de transformao da banana e outras frutas, minerao, implementao da pesca,
cultivo de cacau e de seringueira6. Dentre os projetos de desenvolvimento, houve
tambm a ameaa de instalao de usinas atmicas na rea da Juria (Queiroz,
1992).
Maria Ceclia Martinez nos diz que as culturas caipira e caiara do Vale
eram consideradas o motivo do atraso econmico, devido aos seus modos de
produo e comercializao que no se enquadravam nos moldes capitalistas.
Portanto, o que se queria era substituir tanto o minifndio quanto o latifndio
improdutivo por uma classe mdia rural de tipo empresarial. Havia a necessidade
de implementar os setores de transportes, de comunicaes e de energia para que
a regio se tornasse atraente ao capital privado (Martinez, 1995). Uma srie de
5 Sobre o assunto, ver tambm Mller, 1980; Zan, 1986; e Martinez, 1995.
6 Brando et alli, 1997.
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obras foi realizada para beneficiar setores privados com o uso de verbas pblicas.
Com exceo da banana e do ch, que j estavam implantados desde os anos
trinta, nenhum desses projetos conseguiu de fato industrializar o Vale.
Portanto, os incentivos fiscais e a melhoria das condies de infraestrutura
atraram para a regio, sobretudo na dcada de 1970, especuladores de terras,
cuja presena veio a agravar ainda mais a j complicada situao fundiria.
Fazendas formaram-se a partir da expulso de pequenos posseiros. Em conluio
com os cartrios locais, especuladores produziram escrituras de abrao (cf.
Paolielo, 1992). O mesmo no deixou de acontecer em reas de bairros negros,
sendo que alguns, hoje, tm grande parte de seu territrio nas mos de
fazendeiros.
Assim como ocorre em outros bairros da regio, na Poa encontramos
relatos sobre o uso de violncia para expulsar moradores, obrigando-os a vender
suas posses por preos irrisrios. Vejamos o relato a seguir:
Antroploga: Como que foram as ameaas, faz quanto tempo? Morador: Faz um trinta anos mais ou menos. Foi o pessoal da CBR. Ponhavam jaguno. Aqui mesmo nesse morro tinha jaguno. Moradora: Tinha jaguno a, no podia passar para l. Morador: Tinha jaguno aqui, eles ficavam ameaando o povo para vender terra para a CBR, para sair. Moradora: A depois, sabe aquele povo hoje que t morando l, hoje t tudo povoado, aqui os meninos, que t cheio de gente, a CBR ta pra l, ficou com o trecho tudo pra l e t tudo povoado de gente. (...) A me dele [do marido] tinha terra, o pai dele tinha terra, meu pai tinha um terreninho l. Trabalhava aqui, mas tinha um terreninho l porque no tinha escola aqui. Olha, um alqueire e meio l da tal fazenda Paulista que estavam vendendo, e ele comprou um alqueire e meio de terra, fez uma casinha: olha, vocs ficam aqui para ir para a escola, mas eu vou para o meu cantinho, vou trabalhar l. Passava oito dias aqui e ia l ver como que a gente tava l. Trs filhos, pra ns trs filhos ir na escola (entrevista em outubro de 2002).
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5. OS CHEGANTES
Chegante um termo local que designa moradores que chegaram mais
recentemente, instalando-se no local atravs da compra de lotes ou de parte de
reas tituladas e no descendem de famlias das quais o grupo descendente. Em
muitos casos, filhos de chegantes incorporam-se rede de parentesco local, mas
mesmo que isso no acontea, estes podem ser aceitos no grupo, sendo
considerados como pertencentes ao mesmo e passando a fazer parte da
associao de remanescentes de quilombo.
Na Poa, temos casos de chegantes que so reconhecidos como
pertecentes ao grupo e querem permanecer na rea. Tambm existem casos de
chegantes que, a princpio, queriam ser enquadrados no grupo a ser reconhecido
como remanescente de quilombo, mas que, no decorrer do levantamento
antropolgico, desistiram, embora suas reas estejam sendo apontadas como
pertencentes ao total do territrio atualmente reivindicado pelos moradores da
Poa. A seguir, uma breve descrio dessas famlias de chegantes.
A famlia Lomba Salom
A senhora Lenita da Lomba Salom, de 72 anos de idade, mora na Poa h
pelo menos 52 anos. Sendo parteira, trabalhou no parto de dezenas de crianas do
lugar, e por isso muito considerada e respeitada por todos. O casal Ataliba
Mariano e Isabel Maria Rosa doou a ela e ao marido uma quarta de terra, que
equivale quarta parte de 1 alqueire, sendo que 1 alqueire equivale a 2,42
hectares. Embora ela tenha recebido um documento sob o ttulo de compromisso
particular de compra e venda, a doao no foi registrada em cartrio. Anos mais
tarde, h cerca de 25 anos, os descendentes do casal que doou o terreno
venderam uma rea de terra que inclua a parte doada sra. Lenita. Desde ento,
o comprador, conhecido por Jovalin, passou a persegui-la, tentando impedi-la de
cultivar suas roas e fazendo ameaas para tentar expulsa-la de sua terra. Ela
23
conta que por diversas vezes teve que enfrentar esse fazendeiro, correndo atrs
dele com a enxada.
A sra. Lenita resistiu s ameaas do fazendeiro e hoje permanece em sua
terra, sendo que no stio em que mora esto tambm as casas de dois de seus
filhos, Maria Jos e Gilmar Salom. Todos concordam em fazer parte da
Comunidade Remanescente de Quilombo da Poa e, do mesmo modo, so aceitos
pelos moradores.
Os Guzanchi
H cerca de 20 anos o casal Segundino e Ilka Guzanchi, procedentes do
Estado do Esprito Santo, chegaram na rea juntamente com seus filhos Maria das
Graas Guzanchi, Mercedes Buzanski, Jos Gonalves Guzanchi, Joo Guzanchi
e Marlene Guzanchi, sendo que estes dois ltimos se casaram com descendentes
dos antigos fundadores da Poa. Compraram uma rea de Domingos Belisrio de
Campos e se estabeleceram no lugar. Todos os filhos de Segundino e Ilka so
casados e moram no lugar, e mesmo aqueles que se casaram com pessoas de
fora esto de acordo em fazer parte da Comunidade Remanescente de Quilombo
da Poa. Do mesmo modo, so aceitos pelos grupo.
Os Dipold
Joo Dipold, aos 72 anos de idade, nos conta que seu pai, Jorge Dipold,
veio da Alemanha para o Brasil na poca da Primeira Guerra Mundial juntamente
com o irmo Henrique Dipold. Henrique e a esposa compraram uma rea na Poa,
mas permaneceram morando em Pariquera-Au. Jorge Dipold passou a morar
nessa rea, da qual tomava conta para o irmo. Nessas terras, ele passou a
cultivar roas nos moldes patrimoniais, participando dos mutires de seus vizinhos
e convidando os mesmos para mutires em suas roas. Joo nasceu na Poa e
casou-se com a sra. Cinira, procedente do bairro Abbora, nas proximidades, com
quem teve os filhos Jos, Ccero, Isabel, Silvio, Silvia, Cibele e Giovani. Continuou
cultivando roas de subsistncia e participando dos mutires de seus vizinhos,
24
como fazia seu pai. Do mesmo modo, os moradores da Poa tambm
compareciam aos seus mutires. Aps a morte do pai e do tio, comprou parte das
terras herdadas por suas primas, filhas de Henrique. O restante das terras foi
vendido pelas herdeiras CBR Companhia Brasileira de Reflorestamento. Aps
essa negociao, a CBR bloqueou um antigo caminho que se iniciava perto dos
limites com o bairro Lageado e dava acesso s terras dos Dipold. Ento, com a
ajuda dos moradores da Poa, foi aberta uma nova trilha para que a famlia
pudesse transitar livremente pelo bairro.
O sr. Joo Dipold atualmente est divorciado da sra. Cinira, sendo que aps
o divrcio foi feita a partilha das terras do casal e a sra. Cinira vendeu a parte que
lhe coube para duas pessoas: um homem chamado Miguel, procedente de So
Paulo, e para Eduardo Pinto, morador no municpio de Eldorado.
Um dos filhos do casal Joo e Cinira, Ccero, casou-se com Sebastiana
Malaquias, descendente de antigos moradores do lugar, sendo que dessa unio
nasceram dois filhos. Atualmente Ccero e Sebastiana esto separados.
Em minha primeira visita Poa, fui conversar com o sr. Joo Dipold e sua
filha Silvia, em companhia do sr. Jos Rosa e de Gilmar dos Santos Marinho, este
ltimo, presidente da Associao dos moradores da Poa. Naquele momento, o sr.
Joo Dipold e os filhos que moram na rea estavam de acordo em fazer parte do
quilombo, considerando principalmente as estreitas relaes de vizinhana e
parentesco existente entre os Dipold e as antigas famlias presentes no lugar.
Outro motivo alegado pelo sr. Joo Dipold para fazer parte do quilombo foi a
exigidade das terras atualmente pertencentes aos moradores da Poa, conforme
estas anotaes feitas em meu caderno de campo no dia 17 de outubro de 2006:
O sr. Joo Dipold e os filhos esto de acordo em fazer parte do quilombo. E, do mesmo modo, so aceitos pelos demais moradores que so da descendncia de Joaquim da Costa Campos. Joo afirma que se a rea no for reconhecida, em breve vo perder tudo para os proprietrios maiores que esto na rea.
Quando retornei rea no ms seguinte, o sr. Joo Dipold havia mudado de
idia e disse que no queria mais fazer parte do quilombo, pois algum havia dito a
ele que se isso acontecesse, ele iria perder suas terras. No entanto, os moradores
25
da Poa continuam afirmando que a rea da famlia Dipold, incluindo as terras
vendidas pelos descendentes de Henrique Dipold CBR e as terras vendidas pela
sra. Cinira a pessoas de fora devem ser includas na rea a ser reconhecida como
remanescente de quilombo.
Alm das famlias Lomba Salom, Guzanchi e Dipold, h vrios anos
morando na Poa, existe o sr. Firmino que, apesar de ter chegado recentemente
Poa, aceito como pertencente comunidade. Moradores contam que o sr.
Firmino, cuja casa est prxima casa da sra. Lenita da Lomba Salom, recebeu
uma pequena rea de terra do fazendeiro Antonio Benedito de Freitas, conhecido
como Ditinho, para assumir a culpa no lugar deste ltimo pelo desmatamento de
uma rea para pasto.
6. AS FAMLIAS RECONHECIDAS PELO GRUPO COMO
PERTENCENTES COMUNIDADE DE REMANESCENTES DE QUILOMBO DA
POA
Existe um nmero consideravelmente maior do que as famlias atualmente
moradoras na Poa que so reconhecidas pelo grupo como sendo pertencentes
comunidade. A parte dessas famlias que est fora, saiu em busca de melhores
oportunidades de trabalho e melhores condies de vida. Todavia, muitas dessas
famlias que saram esto vivendo em condies muito piores do que quando
moravam na Poa e gostariam de voltar. Mas no podem retornar porque suas
terras foram vendidas e no teriam lugar para trabalhar. o caso, por exemplo, do
casal Walter da Rosa e Florinda com seus 5 filhos e filhas, alguns dos quais so
casados e tem filhos. Todos moram no municpio de Cajati e esto vivendo em
pssimas condies.
7. FAMLIAS CONSIDERADAS COMO PERTENCENTES COMUNIDADE
DE REMANESCENTE DE QUILOMBO DA POA
A lista de famlias consideradas como pertencentes Comunidade de
Remanescente de Quilombo da Poa, que me foi passada pelo presidente da
Associao de Moradores, a seguinte:
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1. Gilmar dos Santos Marinho, 37 anos.
Esposa: Neila Marinho da Silva (40 anos)
Filhas: Rafaela Adalgisa Marinho (17 anos); Raneila Adalsa Marinho (15
anos).
2. Jos Paulino da Silva, 73 anos.
Filhos: Ftima Donizete da Silva, 39 anos (fora); Carlos Jos da Silva, 36
anos; Maria Aparecida da Silva, 33 anos; Rosana Matilde da Silva, 30 anos;
Alfredo Reginaldo da Silva, 28 anos; Paulo Rogrio da Silva, 26 anos; Rivaldo
Antonio da Silva, 24 anos; Ronaldo da Guia da Silva, 21 anos; Luis Fernando da
Silva, 16 anos.
3. Jos Pupo da Rosa, 67 anos.
4. Jos Donizete da Costa
Esposa: Geni Ferreira da Rosa Costa, 39 anos.
Filhos: Juliana da Rosa Costa, 20 anos; Jaqueline da Rosa Costa, 17 anos;
Leandro Ferreira da Costa, 15 anos; Henrique Ferreira da Costa, 1 ano.
5. Margarida Balduino da Silva, 71 anos
6. Josu de Paula Frana.
Esposa: Zita Mendes da Guia Ramos
7. Reinaldo de Paula Frana.
esposa: Marlene Guzanchi de Paula
8. Benedita Frana Ferreira.
marido: Aroldo das Neves Ferreira
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9. Neusa da Guia Ramos Mota
marido: Gonalo Aparecido da Mota
10. Lurdes de Paula
marido: Jos Carlos Martins
11. Benedito Elias de Oliveira
esposa: Eva Base de Oliveira
12. Irineu Gonalves de Pontes
13. Marcelo Rosa
esposa: Arlete Teobaldo da Rosa
14. Elaine Rosa
filho: Richard, 3 anos.
15. Nelson de Freitas
esposa: Maria Odete de Freitas
filhos: Nilson; Nivaldo e Nilma
16. Jamir dos Santos Vieira
esposa: Marli Ferreira Vieira
Filhos Anderson, Alice e Alex dos Santos Vieira
17. Joo Pupo Vieira
Filhos: Jamir dos Santos Vieira; Claudemir Pupo Vieira, Aparecida P. Vieira.
18. Gilson Carmo da Silva
esposa: Maria Nita Morato da Silva
filhos: Gislene Cristina da Silva e Weslei
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19. . Maria Aparecida da Silva
marido: Onsio Adelino da Costa
20. Ccero Leomar da Silva
esposa: Marisa de Pontes da Silva
21. Pedro Marinho da SIlva
Maria de Lurdes da Silva
22. Maria das Dores da Costa
marido: Edmar Ferreira
23. Milton Aparecido Rosa
esposa: Jurandir Madalena F. da Rosa
24. Jos Carlos das Dores
esposa: Maria Terezinha da Rosa
filhos: Keli, 15 anos.
25. Ismael Marques de Azevedo
esposa: Edenize Aparecida Pupo da Rosa de Azevedo
filhos: Fabricio e Fabriele
26. Joo Gunzanche Neto
esposa: Maria Edna
filhos: Michel e Beatriz
27. Osmar Adelino da Costa
esposa: Ednia
29
28. Manuel Jos da Silva
esposo: Leordith Guedes
29. Antenor
esposa: Maria de Lurdes da Rosa (falecida)
30. Bento Pupo,
esposa: Bertolina (apelido: Dulce)
filhos do casal: Din Pupo, 27 anos, me de uma menina, mora com os pais.
31. Cacilda Marinho Guedes, 29 anos
marido: Paulo Srgio Guedes
1 filho: Paulo Srgio Guedes Jr.
32. Jamil Guedes, 40 anos
esposa: Aparecida das Dores marinho Guedes
1 filho: Cau
33. Neide Guedes, 39 anos
34. Leonide Guedes, 37 anos
1 filha: Maria Vitria
35. Luis Carlos Guedes, 29 anos
esposa: Lucinete
1 filho: Juan Lucas Guedes
36. Janete Guedes, 29 anos
marido: Milton Muniz
1 filha
30
37. Genilda Aparecida Guedes, 25 anos
1 filha
38. Reginalva Guedes
39. Gisele Fernanda Guedes
40. Jos Luis Dias (Zinho, procedente de Pedro Cubas)
esposa: Merielen
2 filhos: Rian
41. Walter Rosa
esposa: Florinda criada por Antonia Rita
1 filho de 11 anos
42. Csar da Rosa casado.
43. Alcione da Rosa casada
44. Sonia da Rosa casada.
45. . Stfani da Rosa casada.
46. Vanessa Tatiane da Silva
marido: Valtencir Pedrosa Frana
47. Cleusa Aparecida da Silva
marido: Paulo Aparecido Pereira
3 filhos: Rassa, Kiko e Joo Vitor Pereira da Silva
48. Flvio Pupo da Silva
esposa: Maria da Conceio da Costa
49. Edenilson da Cunha
50. Osmar Adelino da Costa
esposa: Ednia (irm de Edenilson
1 filha: Emily
31
51. Jos Lencio da Silva (vivo)
52. Nilzo Tavares da Costa
esposa: Neiva (nascida em Cajati)
53. Sebastio Malaquias
esposa: Conceio Tavares
3 filho: Vanessa Aparecida da Costa, Da Guia Tavares da Costa (1 filho:
Diego de Ponte Costa) e Diego de Ponte Costa
54. Sebastiana Malaquias
esposo: Dinaldo
55. Pedro Pupo
esposa: Maria
56. Nelson Pupo
57. Antonio Pupo
esposa: Margarida Frana Pupo
58. Aristides Adelino da Costa
59. Alzira de Campos Pupo
As 59 famlias listadas acima so, como dissemos, consideradas como
pertencentes Comunidade de Remanescente de Quilombo da Poa, incluindo
descendentes do fundador que moram no bairro e outros parentes que esto
morando fora.
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8. FAMLIAS DE MORADORES ATUAIS
As famlias de moradores atuais so 41, conforme levantamento realizado
em campo. A lista a seguir representa as famlias localizadas no mapa da rea:
1. Lenita da Lomba Salom 2. Maria Jos da Lomba Salom 3. Gilmar da Lomba Salom 4. Nilzo Tavares da Costa, Neiva Maria de Pontes da Costa; filhos: Tales
Henrique de Pontes Costa e Jean Marcos de Pontes Costa 5. Sebastio Malaquias da Costa e Conceio Tavares 6. Sebastiana Antonia da Silva Dipold, Dinaldo Vieira Pereira, Rafael
Aparecido Dipold, Mnica Aparecida Dipold 7. Elenice da Hora Cunha, Edenilson da Hora Cunha, Elisngela da Hora
Cunha 8. Osmar Adelino da Costa, Ednia da Cunha, Emili Vitria da Hora Cunha
Costa 9. Gilson Carmo da Silva, Maria Anita Morato da Silva, Gislene Cristina da
Silva Weslei Morato da Silva, Irineu Pupo Gonalves 10. Margarida Balduino da Silva 11. Ccero Leomar da Silva e Marisa de Pontes da Silva; filhos: Welington
Gonalves de Pontes Silva, Graziele de Pontes Silva e Grazilene de Pontes Silva
12. Onsio Adelino da Costa, Maria Aparecida Silva Costa, Keila da Costa, Alessandro da Costa
13. Reinaldo de Paula Frana e Marlene Guzanchi, Romrio Guzanchi de Paula, Reginaldo Guzanchi de Paula
14. Gonalo Aparecido da Mota, Neusa da Guia Ramos, Jssica da Mota, Helen da Mota, Karen da Mota
15. Benedita Frana Ferreira e Aroldo das Neves Ferreira 16. Maria das Dores Costa e Edmar Ferreira 17. Milton Aparecido da Rosa e Jurandir Madalena Ferreira Rosa; Lucas
Ferreira Rosa, Franciele Ferreira Rosa 18. Jos Pupo da Rosa e Elaine Rosa; Richard Luigi Rosa Guzanchi 19. Jos Carlos das Dores e Maria Terezinha da Rosa, Keli Aparecida das
Dores 20. Ismael Marques de Azevedo, Edenize Aparecida Pupo da Rosa Azevedo,
filhos: Fabrcio Rosa de Azevedo, Fabriele Aparecida de Azevedo 21. Joo Guzanchi, Maria Edna da Rosa Guzanchi, Michel da Rosa Guzanchi,
Camila Rodrigues de Macedo, Beatriz da Rosa Guzanchi 22. Bento Pupo, Bertolina Jorge Pupo, Din Pupo Jorge Pupo, Carolina da
Mota Pupo 23. Manuel Jos da Silva, Leordith Guedes 24. Josu de Paula Ramos, Zita Mendes da Guia Ramos, Viviane Mendes
Ramos, Alison Mendes Ramos, Tain Mendes Ramos 25. Lurdes de Paula Frana, Jos Carlos Martins, Giovani Martins
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26. Jamil Guedes, Aparecida das Dores Marinho Guedes, filho: Cau Victor Guedes
27. Gentil Guedes, Maria Frana Guedes, Gisele Fernanda Guesdes, Genilda Aparecida Guedes, Andr Luis Guedes Frnaa, Wagner Frana
28. Maria de Ftima Ferreira, Mrcia Ferreira de Freitas, Renam Ferreira de Freitas
29. Valtencir Pedrosa, Vanessa Tatiana Guedes 30. Paulo Srgio Guedes e Cacilda Marinho Guedes; filho: Paulo Srgio
Guedes Jr. 31. Benedito Elias de Oliveira, Eva Base, Sheila Base de Oliveira, David Base
de Oliveira, Michael Base de Oliveira 32. Marcelo Rosa, Arlete Teobaldo Rosa, Bruno Rosa 33. Jos Luis Dias, Merielen Aparecida Costa, Rassa Rodrigues Dias, Juan
Gustavo da Costa Dias, Robson Mateus da Costa Dias 34. Joo Pupo Vieira, Claudomir Pupo Vieira 35. Pedro marinho da Silva, Maria de Lurdes Costa, Fabio da Silva, Adriana
Aparecida da Silva, Fabiana Aparecida da Silva 36. Jamir dos Santos Vieira, Marli Ferreira Vieira, Alice dos Santos Vieira,
Anderson dos Santos Vieira 37. Jos Paulino da Silva, Maria de Ftima da Silva, Carlos Jos da Silva,
Maria Aparecida da Silva, Rosana Matilde da Silva, Paulo Rogrio da Silva, Ronaldo da Guia da Silva, Luis Fernando da Silva
38. Jos Donizete da Costa e Geni Ferreira da Rosa Costa, Juliana da Rosa Costa, Jaqueline da Rosa Costa, Leandro Ferreira da Costa, Henrique Ferreira da Costa
39. Gilmar dos Santos Marinho, Neila Marinho da Silva, Rafaela Adalgisa Marinho, Raniela Aldasa Marinho
40. Antonio Nelson de Freitas, Maria Odete de Freitas, Aparecida Euzete Pupo, Nilson Luis de Freitas, Nivaldo Antonio de Freitas, Nilma Matilde de Freitas
41. Flvio Pupo da Silva, Maria da Conceio Costa, Cristina da Silva (moram no bairro Lagoa, a aproximadamente 1 quilmetro de distncia da divisa com a Poa, sendo que Flvio trabalha no bairro Poa em bananal arrendado de parente).
9.TERCEIROS PRESENTES NA REA
Os terceiros presentes na rea, alm da famlia Dipold acima mencionada,
so as pessoas da lista a seguir, conforme pode ser verificado no mapa da rea.
1. Adolfo Rubio Morales, rea comprada da famlia de Ataliba Mariano e Isabel Maria Rosa.
2. Jovali Orozimbo de Oliveira, rea comprada da famlia de Ataliba Mariano e Isabel Maria Rosa.
3. Domingos Zacarias, rea comprada da famlia de Joo Pupo.
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4. Antonio Benedito de Freitas (Ditinho), reas que pertenciam a Antonio Viana e a Jos Lencio. Este ltimo,deu uma rea a um comerciante de Eldorado, de nome Geg, como pagamento de uma dvida contrada em seu estabelecimento comercial, sendo que Geg vendeu a rea para Ditinho.
5. Emerson Santana da Silva, rea que pertencia a Joo Clmaco e foi vendida a Joo Anastcio, pai de Emerson.
6. Jos Pereira (Jos Tanque), rea que pertencia a Joo Clmaco. 7. Valdecino Dias de Aguiar, rea que pertencia a Joo Clmaco. 8. Ded (filho de Jos Pereira, conhecido por Jos Tanque), rea que
pertencia a Joo Clmaco. 9. Mauro (casado com a sobrinha de Valdecino), rea que pertencia a Joo
Clmaco. 10. Amadeus Pereira, rea que pretencia a Joo Clmaco. 11. Gilberto (casado com a irm de Valdecino), rea que pertencia a Joo
Clmaco. 12. Valdir (irmo de Valdecino), rea que pertencia a Joo Clmaco. 13. Bolvar (filho de Jos Pereira, conhecido por Jos Tanque), rea que
pertencia a Joo Clmaco 14. Benedito Muniz (camarada de Bento Pupo) 15. Ezequiel (camarada de Bento Pupo) 16. Aparecido Medeiros Gomes (Nen), rea que pertencia a Jos Pupo da
Rosa. 17. Sidnei Muraoka, rea que pertencia a Maria do Rosrio e a Domingos
Belisrio de Campos. 18. Joo Batista de Freitas, rea que pertencia a Antonio Jorge. 19. Ado Jos Gonalves 20. Izlio Gonalves Dias, rea que pertencia a Joo Pupo. 21. Ado Jos Gonalves, rea que pertencia a Antonia Rita Gomes, vendida
por um de seus filhos. 22. Bruno Ungarato, rea que pertencia a Ablio Guedes. 23. Miguel Brasques, rea vendida pela sra. Cinira, ex-esposa do sr. Joo
Dipold. 24. Joo Gonalves Dias, rea que pertencia famlia Dipold. 25. Joo Dipold 26. Silvia Dipold 27. Ccero Dipold 28. Jos Dipold 29. Augusto Lopes de Souza, comprou deJulinho, rea que pertencia famlia
Dipold. 30. Herdeiro de Eduardo Fernandes Pinto, rea vendida pela sra. Cinira, ex-
esposa do sr. Joo Dipold. 31. Maria das Graas Guzanchi, Ademir Schader, Mariane Guzanchi Schader 32. Jos Gonalves Guzanchi, Clia Regina Pereira Pinto, Wellington Pereira
Guzanchi
35
33. Mercedes Buzanski, Marcos Rogrio Buzanski Santana, Mari Elen Buzanski Santana, Joo Vitor Buzanki Silva, Joice Akemi Santana Muraoka, Ilka Gonalves Guzanchi
10. INFRAESTRUTURA E ATIVIDADES ECONMICAS
Desde meados do sculo XX, os moradores da Poa foram paulatinamente
substituindo o sistema de policultura pelo cultivo da banana, de modo que esta
ltima predomina nas reas atualmente agricultadas. A grande maioria das famlias
vive da comercializao de banana, que vendida a atravessadores que, por sua
vez, revendem o produto em So Paulo. Uma dificuldade dos moradores para
comercializar a banana a falta de infra-estrutura e equipamentos, pois os
atravessadores so aqueles que possuem os tratores necessrios para transportar
o produto a partir das reas de cultivo at as reas onde so carregados os
caminhes.
Alguns moradores ainda conseguem reservar espao para o cultivo de roas
de feijo. No entanto, muitos que gostariam de cultivar feijo e outros produtos que
seriam destinados ao consumo familiar no conseguem faz-lo ou pela exigidade
de terras ou porque a aplicao de agrotxicos nos bananais maiores de alguns
fazendeiros com a utilizao de avies prejudica o desenvolvimento de produtos
da policultura tradicional. Atualmente, cerca de dez famlias esto trabalhando num
projeto de cultivo de maracuj, promovido pela prefeitura de Eldorado.
O bairro bastante carente de infra-estrutura. As estradas de terra que
cortam a rea so muito precrias. No h servios de gua e esgoto, sendo que o
esgoto das casas lanado diretamente no rio da Poa. Este rio tambm sofre
contaminao de agrotxicos, uma vez que a gua utilizada para lavar grandes
quantidades de banana dos proprietrios maiores tambm lanada diretamente
nele. Por causa dessa contaminao com esgoto domstico e com agrotxicos, o
rio da Poa, que antes era consideravelmente piscoso, h cerca de 20 anos deixou
de ter peixes. A gua que chega s casas procede de nascentes locais, no
tratada e transportada atravs de mangueiras. No entanto, o desmatamento feito
por fazendeiros tem diminudo consideravelmente o volume de gua dessas
36
nascentes, dificultando o abastecimento. O fornecimento de energia eltrica
tambm bastante precrio e atinge apenas uma minoria de casas.
O bairro servido por uma linha de transporte municipal que faz a ligao
com a rea urbana de Eldorado, sendo que o nibus passa trs vezes ao dia. O
lugar possui uma pr-escola. As crianas e adolescentes que freqentam desde o
primeiro ano do ensino fundamental at o terceiro ano do ensino mdio, vo
estudar na cidade, em Eldorado, utilizando o transporte escolar da prefeitura.
11. CONCLUSES
A Comunidade da Poa faz parte de um conjunto maior de inmeras
comunidades rurais negras existentes no Vale do Ribeira. Suas origens remontam
histria dos ciclos minerador, iniciado na regio no sculo XVII, e rizicultor, que
teve seu pice no sculo XIX, ambos apoiados na mo-de-obra de homens e
mulheres negros escravizados. Escravos fugitivos ou libertos e seus descendentes
fundaram grupos que deram incio a um processo de acamponesamento,
resultando no adensamento populacional negro na regio.
Ao contrrio da idia de comunidade fechada, auto-suficiente e isolada, as
comunidades negras do Vale estiveram historicamente engajadas com a
economia da Colnia, do Imprio e do Estado Nacional, o que certamente
constituiu um dos principais fatores que favoreceram a fixao dessas
comunidades em seus territrios, e sua reproduo no espao e no tempo.
evidente a importncia das comunidades negras na economia do Vale, seja em
relao ao mercado regional, seja na produo de alimentos para outras
localidades do pas, como foi o caso do arroz, que no auge de seu ciclo
econmico tornou-se o internacionalmente conhecido arroz de Iguape, famoso
por sua alta qualidade.
Essas comunidades podem ser classificadas como populaes florestais
camponesas. Trata-se de um grupo social articulado a uma sociedade mais ampla
e que possui um sistema social e econmico prprio, embora sem estar margem
37
do sistema capitalista. Possuem semelhanas estruturais com as demais
populaes rurais da regio, que Maria Isaura Pereira de Queiroz (1973) chama
de bairros rurais. Contudo, diferenciam-se destes ltimos pelo passado
relacionado escravido, pela memria carregada de sentido tnico, e pela
conscincia de sua histria, marcada pelo preconceito, pela discriminao ainda
hoje vigentes tendo sido, num passado no muito distante, considerados prias
pela sociedade branca dominante.
Neste sentido, as comunidades rurais negras no apenas no Vale, mas
em diversos lugares do pas vm (re) elaborando e fortalecendo sua identidade
quilombola com vistas a reivindicar o direito titulao de seus territrios previsto
no artigo no 68 do ADCT. Este e suas posteriores regulamentaes como
legislao imperativa, apresentam-se como mecanismo ativo capaz de saldar,
ainda que parcialmente, a dvida social e moral de toda uma nao com um
segmento tnico que, escravizado, foi responsvel por grande parte das riquezas
acumuladas pelo pas e permanece alijado das benesses deste empreendimento.
Relatos de moradores e pesquisa documental mostram que os que hoje
moram na Poa so descendentes de vrias famlias que se instalaram na rea no
incio do sculo XIX: Costa, Pupo, Vieira, Frana, Marinho, Rosa, entre outros.
As comunidades quilombolas dessa rea sempre se guiaram por um
conjunto de regras de herana e de parentesco que evitavam a fragmentao do
territrio comunitrio garantindo o seu meio de trabalho e a continuidade da
descendncia das famlias. Desse modo, pde ser mantida a ntima relao entre
parentesco e territrio, caracterstica da ocupao quilombola no Vale do Ribeira.
No entanto, a especulao imobiliria deflagrada no vale principalmente a
partir da dcada de 1960 associada desarticulao da policultura e introduo
da monocultura de banana, propiciou a entrada de fazendeiros na rea e a
drstica reduo do territrio tradicionalmente ocupado pelos antigos moradores
da Poa. Assim sendo, encontra-se em risco a prpria continuidade dessa
comunidade quilombola. Como j disseram os antroplogos do Ministrio Pblico
Federal:
38
V-se que, ao tomar a terra como territrio socialmente ocupado, estamos diante da discusso chave para a vida de qualquer sociedade. O que nos leva a indicar as desastrosas implicaes que, por ventura, possam ocorrer ao suprimir da discusso da terra e territrio o sentido vital que essas comunidades lhe conferem. Caso isso acontecesse, estaramos correndo um srio risco de alimentar um processo de morte social, pois no se levaria em conta que estamos diante de um territrio sob o qual a prpria comunidade l e narra sua prpria histria (Stucchi et alli, 2000, p. 57; grifo dos autores).
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12. CONSIDERAES FINAIS
Considerando que o trabalho de pesquisa antropolgica no deixa dvidas
sobre a origem quilombola da comunidade da Poa, formada por descendentes de
ex-escravos que passaram por um processo de acamponesamento num contexto
de acentuada subordinao sociedade envolvente;
Considerando que o mesmo procedimento antropolgico tambm
comprovou a utilizao pretrita de toda a extenso territorial reivindicada, da qual
grande parte hoje encontra-se sob domnio de terceiros;
Considerando a vontade poltica e viso social do governo paulista de
atender e interpretar o mandamento constitucional, no s como obrigao estatal
imposta pela lei, mas principalmente como um ideal da democracia, de proteo
aos direitos humanos e respeito s minorias, a ser perseguido permanentemente
(...) (GT, p. 5);
Conclumos:
que os membros da Comunidade da Poa so remanescentes de
comunidade de quilombo, de acordo com as definies que embasam os critrios
oficiais de reconhecimento adotados pelo Estado de So Paulo, e devem,
portanto, gozar dos direitos que tal identificao lhes assegura;
que por ocasio da titulao das terras a Procuradoria do Estado,
juntamente com o ITESP e o INCRA, devem promover amplos debates com a
comunidade a respeito do tratamento a ser dado pelo Estado aos pequenos
posseiros e proprietrios que moram e trabalham no lugar para que o processo de
titulao no implique num ato de expulso inconseqente e, possivelmente,
trgico para os mesmos.
______________________________ Maria Celina Pereira de Carvalho
antroploga
40
13. BIBLIOGRAFIA
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42
ANEXO 1: Genealogia da comunidade da Poa
43
ANEXO 2: Documentao de antepassados
44
45
ANEXO 3: Imagens
Figura 1. Sr. Jos Pupo da Rosa
Figura 2. Projeto de cultivo de maracuj
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Figura 3. Residncia na Poa