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SECRETARIA DA JUSTIÇA E DA DEFESA DA CIDADANIA FUNDAÇÃO INSTITUTO DE TERRAS DO ESTADO DE SÃO PAULO “JOSÉ GOMES DA SILVA” RELATÓRIO TÉCNICO-CIENTÍFICO SOBRE A COMUNIDADE DE QUILOMBO DA POÇA, LOCALIZADA NOS MUNICÍPIOS DE JACUPIRANGA E ELDORADO / SÃO PAULO. dezembro de 2006

Quilombo Poça

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  • SECRETARIA DA JUSTIA E DA DEFESA DA CIDADANIA

    FUNDAO INSTITUTO DE TERRAS DO ESTADO DE SO PAULO JOS GOMES DA SILVA

    RELATRIO TCNICO-CIENTFICO SOBRE A

    COMUNIDADE DE QUILOMBO DA POA,

    LOCALIZADA NOS MUNICPIOS DE

    JACUPIRANGA E ELDORADO / SO PAULO.

    dezembro de 2006

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    SUMRIO

    1.OS GRUPOS NEGROS NO VALE DO RIBEIRA ........................................................ 2

    2.OCUPAO TERRITORIAL E USO COMUM DO TERRITRIO ........................ 6

    3. A POA........................................................................................................................... 13

    4.O TERRITRIO DA POA.......................................................................................... 17

    5. OS CHEGANTES....................................................................................................... 22

    6. AS FAMLIAS RECONHECIDAS PELO GRUPO COMO PERTENCENTES COMUNIDADE DE REMANESCENTES DE QUILOMBO DA POA..................... 25

    9.TERCEIROS PRESENTES NA REA ........................................................................ 33

    10. INFRAESTRUTURA E ATIVIDADES ECONMICAS ....................................... 35

    11. CONCLUSES............................................................................................................. 36

    12. CONSIDERAES FINAIS....................................................................................... 39

    13. BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 40

    ANEXO 1: GENEALOGIA DA COMUNIDADE DA POA ....................................... 42

    ANEXO 2: DOCUMENTAO DE ANTEPASSADOS ............................................... 43

    ANEXO 3: IMAGENS ....................................................................................................... 45

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    1.OS GRUPOS NEGROS NO VALE DO RIBEIRA

    Aps o descobrimento, o povoamento do litoral do Vale do Ribeira teve

    incio j nos primeiros anos da colonizao, com o abandono de portugueses e

    espanhis degredados nas praias das ilhas do Cardoso e Comprida. O

    povoamento do interior teve incio um pouco mais tarde, mas j na primeira metade

    do sculo XVI comearam as incurses em busca de ouro. A historiadora Lurdes

    Carril nos mostra que j no sculo XVI no era incomum a existncia concomitante

    de escravos negros e indgenas nas expedies que partiam para o interior de So

    Paulo (Carril, 1995, p. 72).

    No sculo XVII, foi encontrado ouro no interior, s margens do rio Ribeira

    de Iguape, tendo-se formado o povoamento que deu origem primeira cidade do

    interior do Vale, Xiririca (atualmente Eldorado). A descoberta do ouro em Xiririca

    deu incio ao primeiro ciclo econmico da regio, apoiado na mo-de-obra de

    negros escravizados. Dessa forma, tiveram incio os aquilombamentos e demais

    formas patrimoniais que hoje se enquadram como remanescentes de quilombos.

    A presena do trabalho do negro escravizado naquele que foi o primeiro ciclo

    aurfero do perodo colonial vinha sendo ignorada at a poucos anos pelos

    estudiosos do sistema escravista em So Paulo. Carril mostra que os diversos

    bairros rurais negros existentes hoje na regio do Vale do Ribeira formaram-se

    pela libertao ou simples abandono de cativos aps a decadncia da atividade

    mineradora, ou pela fixao de escravos em situao de fuga (Carril, 1995).

    A minerao aurfera no vale perdurou at o incio do sculo XIX. Contudo,

    a atividade entrou em declnio no final do sculo XVII. No sculo XIX tivemos o

    ciclo rizicultor, que teve seu auge na segunda metade desse mesmo sculo e

    perdurou at o incio do sculo XX. Assim como a minerao, o ciclo rizicultor

    esteve apoiado na mo-de-obra escravizada, e a produo era destinada

    sobretudo aos mercados europeus e latino-americanos.

    Pequenos produtores, inclusive pertencentes a grupos negros da regio,

    tambm estiveram produzindo para o mercado. Sua significativa produo ou era

    vendida aos comerciantes locais, ou era levada por eles mesmos aos centros

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    maiores, como Eldorado e Iguape, onde obtinham melhores preos. O rio Ribeira e

    seus afluentes constituam-se nos nicos canais de transporte da populao e

    escoamento da produo, que era levada rio abaixo em barcos e canoas at o

    Porto da Ribeira, em Iguape, de onde era transportada em mulas at o porto de

    Iguape.

    Com o objetivo de eliminar o trajeto feito no lombo de mulas, no incio da

    dcada de 1890 foi construdo o Valo Grande, um canal ligando o rio Ribeira ao

    Mar Pequeno. Esse canal, a princpio, tinha apenas quatro metros de largura.

    Contudo acabou sendo incrivelmente alargado pela fora e volume das guas do

    rio, que terminou por assorear as barras de Icapara, do Ribeira e o prprio porto de

    Iguape, impedindo a passagem de barcos maiores. A partir desse fato, o porto de

    Iguape entrou em franco declnio. Por essa poca, no fim do sculo XIX, a

    produo do ento internacionalmente famoso arroz de Iguape j sofria

    concorrncia do arroz de outras regies e, no incio do sculo XX, havia diminudo

    bastante. Nesse perodo, a quase total ausncia de estradas contribuiu para o

    refluxo pequena produo de excedentes.

    Os grupos negros fixados em terras apossadas mato adentro eram,

    conforme se pode perceber nos memoriais descritivos de terras realizados na

    dcada de 1850, reconhecidos e respeitados por seus vizinhos brancos por serem

    fornecedores de produtos para consumo nas fazendas e reserva de mo-de-obra,

    participantes da economia local, enriquecendo fazendeiros e detentores de um

    saber sobre as tcnicas de navegao nos rios, principal via de comunicao

    regional (Stucchi, 2000, 73).

    Estudos mais recentes sobre quilombos no Brasil mostram que os mesmos,

    ao contrrio de configurarem-se como grupos isolados social e geograficamente,

    estavam inseridos numa ampla rede de relaes sociais e econmicas formada

    em conjunto com determinados setores da sociedade que tinham interesse em

    sua permanncia, sobretudo os comerciantes. Por exemplo, Almeida nos fala do

    quilombo Frechal, no Maranho, localizado a cem metros da casa grande, e de

    casos onde o quilombo esteve na prpria senzala, representado por formas de

    produo autnoma dos escravos que poderiam ocorrer e de fato ocorriam ,

  • 4

    sobretudo em pocas de decadncia de ciclos econmicos, fossem agrcolas ou

    de minerao (Almeida, 1999). Diversos trabalhos mais recentes a respeito de

    comunidades negras com origem mais diretamente relacionada escravido tm

    demonstrado que a economia interna desses grupos est longe de representar um

    aspecto isolado em relao s economias regionais da Colnia, do Imprio e da

    Repblica. Em geral existiu, paralelamente formao do aparato de perseguio

    aos fugitivos, uma rede de informaes que ia desde as senzalas at muitos

    comerciantes locais. Estes ltimos tinham grande interesse na manuteno

    desses grupos porque lucravam com as trocas de produtos agrcolas por produtos

    que no eram produzidos no interior do quilombo. Flavio dos Santos Gomes

    mostra que os quilombolas da regio de Iguau, no Rio de Janeiro, forneciam

    lenha de mangue para o abastecimento dos fornos da corte, alm de disputarem

    ou negociarem com os barqueiros locais o controle das vias fluviais da rea, por

    onde escoavam os produtos fornecidos para a corte (Gomes, 1996). No

    Maranho, Matthias Assuno estuda casos de quilombos que perduraram

    durante dcadas favorecidos no apenas pelas condies ecolgicas, mas

    principalmente devido s relaes com a sociedade envolvente, comercializando

    ouro e produtos de suas roas:

    (...) longe de serem comunidades isoladas, os quilombos viviam em uma complexa rede de comunicaes com a sociedade escravista, que lhes fornecia bens materiais e informaes sobre as entradas. Mantinham contatos permanentes com os escravos nas fazendas. Chegaram, em alguns casos, a trabalhar para fazendeiros em preciso de braos. Trocavam ou vendiam produtos de suas roas (fumo e algodo) populao livre (Assuno 1996: 459).

    Tambm no Vale do Ribeira, ao contrrio da idia de comunidade fechada,

    auto-suficiente e isolada, os grupos rurais negros estiveram historicamente

    inseridos na economia da Colnia, do Imprio e do Estado Nacional. As histrias

    de origem dos vrios grupos negros dessa regio so diferenciadas entre si,

    conforme podemos ver no laudo realizado pelo Ministrio Pblico Federal entre

    1997 e 1998, nos relatrios tcnico-cientficos realizados pelo Instituto de Terras

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    de So Paulo a partir de 1999, e tambm em alguns trabalhos acadmicos

    (Queiroz, 1983; Paolielo, 1992 e 1999; Mirales, 1998; Carvalho, 2006).

    Por exemplo, So Pedro, Galvo, Pedro Cubas formaram-se a partir do

    apossamento de terras por homens escravizados em situao de fuga.

    Ivaporunduva tem sua origem em rea de minerao cuja proprietria doou as

    terras igreja e alforriou seus antigos escravos. Piles e Maria Rosa eram reas

    de minerao onde o nvel de violncia, ainda no perodo escravocrata, fez com

    que os brancos se retirassem do lugar. J o Nhunguara formou-se a partir da

    compra de uma posse e posterior apossamento de reas no entorno. Mandira,

    localizada em Canania, no litoral do vale, originou-se a partir da doao de terras

    pela filha de um fazendeiro a um meio irmo, nascido da unio entre esse mesmo

    fazendeiro e uma de suas escravas. J em Iguape, os moradores de Morro Seco

    no fazem referncias a antepassados que tenham sido escravos ou fugitivos da

    escravido.

    Especialmente na rea entre os municpios de Jacupiranga, Eldorado e

    Iporanga, encontramos um nmero significativo de grupos que, embora tenham

    histrias diferenciadas, so grupos vizinhos que integram uma mesma rede de

    vizinhana e parentesco. Entre os j reconhecidos oficialmente como

    remanescentes das comunidades dos quilombos esto Piles, Maria Rosa, So

    Pedro, Galvo, Ivaporunduva, Nhunguara, Andr Lopes, Sapatu Pedro Cubas,

    Pedro Cubas de Cima. Trocas matrimoniais, materiais e simblicas entre esses

    grupos, alm das redes formadas com os comerciantes assentados s margens do

    Ribeira e tambm com as cidades mais prximas, permitiram a permanncia e

    desenvolvimento.

    Nesse caso, importante a observao de que grupos com formao mais

    antiga, como o caso de Ivaporunduva, Piles e Maria Rosa, serviram de apoio

    para a constituio de novos grupos, fornecendo a estes bens materiais e

    simblicos que permitiram sua instalao e formando com eles uma extensa rede

    de parentesco e vizinhana. Levantamentos genealgicos1 mostram a existncia

    1 Vide RTCs realizados pela Fundao Itesp.

  • 6

    de casamentos entre pessoas pertencentes a diferentes grupos que, desde as

    cercanias de Xiririca at Iporanga, ocupam uma extensa rea em ambas as

    margens do rio Ribeira de Iguape. Dados presentes nos memoriais descritivos de

    terras e no livro de assentos de batismos do sculo XIX mostram os registros de

    terras de alguns dos antepassados dos atuais moradores e tambm nos informam

    sobre a presena de geraes de antepassados, muitos dos quais nascidos da

    unio entre pessoas nascidas em diferentes localidades.

    Uma caracterstica fundamental dessa extensa rede de trocas materiais e

    simblicas, formada por grupos negros situados entre as cercanias de Xiririca e de

    Iporanga, a existncia de mutires agrcolas realizados entre bairros. So

    comuns, nessa rea, relatos de grandes mutires que reuniam 50, 60 ou at mais

    de 150 pessoas pertencentes a diversos grupos vizinhos entre si. Alm dos

    mutires agrcolas, que eram sempre seguidos de festa, as festas dos santos

    padroeiros das diversas localidades tambm contribuam para a tecitura e

    manuteno dessa rede, uma vez que reuniam, como ainda hoje acontece, grande

    nmero de famlias procedentes de bairros vizinhos.

    2.OCUPAO TERRITORIAL E USO COMUM DO TERRITRIO

    Se, neste incio de sculo XXI, as complexas relaes com tantos agentes

    prximos ou distantes tornam insuficientes instrumentais analticos como as

    categorias caipira e bairro rural, por outro lado, estas podem ser operadas na

    anlise no apenas da ocupao dos bairros negros do Vale do Ribeira mas

    tambm do modo como estes vm se perpetuando. Antonio Candido classifica

    caipira como um modo de ser, um tipo de vida (Candido, 1971, p. 22) que est

    diretamente relacionado a uma cultura rstica, constituda no Brasil a partir da

    colonizao. No caso especfico de So Paulo, a expanso geogrfica entre os

    sculos XVI e XVIII significou o desbravamento e incorporao de terras e tambm

    definiu a cultura caipira, uma variedade subcultural do tronco portugus (Candido,

    1971, p. 35), caracterizada por uma vida social de tipo fechado e por uma

    economia de subsistncia.

  • 7

    A cultura rstica, tal como definida por Candido, caracteriza o bairro, uma

    unidade mnima de relaes sociais constituda por grupos de vizinhana e que se

    apia no trabalho coletivo, ou seja, a ajuda mtua, sobretudo o mutiro: membro

    do bairro quem convoca e convocado para tais atividades (Candido, 1971, p.

    67). O autor chama a ateno para a origem familiar que pode caracterizar o

    bairro, uma vez que novos herdeiros podem partir para o desbravamento de novas

    terras quando a subdiviso da propriedade dos pais torna-se incompatvel com as

    necessidades dos grupos.

    Mesmo considerando as histrias diferenciadas dos bairros negros do Vale

    do Ribeira, podemos constatar que a origem familiar delineou os atuais limites

    territoriais desses bairros, nos quais nomes de determinados lugares associam-se

    a determinados grupos de parentesco. Esse processo deu-se tanto por

    apossamento como por compra. muito significativo que em alguns desses

    bairros os filhos sejam chamados tambm de famlia; uma criana uma famlia

    em potencial. Por exemplo, se uma pessoa tem 5 filhos, diz-se: fulana(o) tem 5

    famlias. Essas famlias costumam formar localidades dentro dos bairros: os filhos

    vo casando e erguendo suas casas prximas dos pais.

    No entanto, preciso fazer algumas distines entre as definies de

    Candido e pesquisas mais recentes na rea. A primeira distino distino diz

    respeito idia de isolamento. A intensa relao entre as vilas do mesmo bairro e

    tambm entre os bairros nos leva a relativizar a idia de mnimos sociais

    (Candido, 1971). Muitas vezes, os mutires chegavam a ter entre 100 e 150

    participantes, gente do prprio bairro e dos bairros do entrono, com os quais havia

    estreitas relaes de parentesco. Ou seja, o membro do bairro convoca e

    convocado para os mutires, mas estas convocaes muitas vezes realizam-se

    entre os bairros, e no apenas num restrito mbito interno a um nico bairro. Ao

    lado disso, como vimos, as relaes sociais extendiam-se aos comerciantes das

    margens do Ribeira e s cidades prximas.

    A segunda distino que fao em relao idia de mnimos vitais.

    Quem promovia grandes mutires, que poderiam durar dois ou trs dias, precisava

    alimentar dezenas de participantes. Muitas vezes os mutires poderiam durar dois

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    ou trs dias, sempre seguidos de festa. Nestes casos, era preciso ter considervel

    estoques de alimentos, especialmente arroz, feijo e carne, para alimentar tantas

    pessoas por um perodo prolongado (Carvalho, 2006).

    Nos bairros negros da rea compreendida entre Eldorado e Iporanga, os

    relatos sobre festas e mutires, sempre realizados com fartura de alimentos, assim

    como outros relatos sobre tempos difceis provocados por secas, nos mostram que

    a produo agrcola poderia ficar acima, ou at mesmo abaixo dos mnimos

    necessrios para a obteno dos meios de vida. Podia haver perodos de crise

    especialmente secas quando esses perodos de suficincia davam lugar a um

    grande sofrimento, sem o alimento da roa e sem poder adquirir bens que no

    produziam, especialmente sal e munio para a caa. Desse modo, podemos

    distinguir duas diferentes estratgias agrcolas. A primeira, orientada para gerar

    fartura, ou seja, estoques acima dos mnimos vitais, pressupe a capacidade de

    formar extensas redes de relaes, mobilizadas nos mutires. A segunda,

    orientada para garantir satisfatoriamente o mnimo necessrio para a obteno dos

    meios de vida em anos normais, em anos de crise poderia gerar insuficincia de

    alimentos e de excedentes, cuja venda possibilitaria a aquisio de produtos

    necessrios sobrevivncia. Vemos, dessa forma, que a proposta de mnimos

    vitais elaborada por Candido, embora encontre equivalncia no modo de vida dos

    grupos aqui estudados, no pode ter valor absoluto (Carvalho 2006).

    Voltemos formao familiar do bairro caipira. Edmund Leach afirma que os

    sistemas de parentesco no tm realidade exceto em relao a terra e

    propriedade2 (Leach, 1961, p. 305). Para ele, esses sistemas so apenas um

    modo de se falar a respeito de relaes de propriedade. Ellen Woortmann fala do

    parentesco como linguagem do uso e da posse da terra (Woortmann, 1995: 258).

    Renata Paolielo (1999) aponta para a herana igualitria como estratgia fundiria

    nas comunidades negras do Vale do Ribeira. Carvalho (2006) afirma que em So

    Pedro e Galvo o direito terra vinculado ao parentesco aparece de duas

    maneiras. A primeira relativa ao pertencimento ao grupo de descendentes de do

    ancestral fundador. Desse modo, configura-se um grande grupo de pessoas que 2 have no reality at all except in relation to land and property.

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    coletivamente se reconhecem como ocupantes e proprietrios virtuais de uma rea

    coletiva. A segunda maneira diz respeito a direitos mais especficos no interior do

    grupo, segundo os quais parcelas especficas de terra so transmitidas por

    herana de determinados parentes, geralmente pais ou avs.

    No entanto, o direito terra vinculado ao parentesco aparece combinado

    com uma outra forma, que escapa em princpio teoria de Leach. Trata-se do

    direito justificado pela ocupao, e que tambm aparece de duas formas. A

    primeira relativa ao trabalho aplicado natureza, ou seja, abertura de reas de

    roa, as capuavas. Essa forma originria de apropriao descontnua e em

    movimento, afastada do local de moradia, relativamente fixo. A segunda diz

    respeito ao direito fundamentado na residncia ou uso continuado do territrio,

    segundo o qual quem abandona uma capova por muito tempo ou deixa o bairro,

    pode perder o direito sobre ele. Do mesmo modo, quem deixa o bairro e depois

    retorna, readquire os direitos de morar e cultivar suas roas, prevalecendo a

    consanginidade.

    A terra no apenas transmitida por herana, mas tambm introduzida no

    sistema de posse pela ocupao originria com o prprio trabalho. A combinao

    desses dois princpios de direito terra, o da consanginidade (pertencimento a

    um grupo de descendncia) e o da ocupao originria (aquisio da terra atravs

    do trabalho prprio), leva a um grupo de descendncia territorializado e em

    expanso. Por um lado, a transmisso de direitos, tanto para o grupo como um

    todo enquanto descendentes de um ou mais fundadores, como para subgrupos de

    ocupantes ligados por descendncia, se d na linguagem do parentesco. Por outro

    lado, a aquisio de novos territrios dada pela interveno humana em reas

    no ocupadas da floresta mas vistas como pertencentes ao patrimnio coletivo ,

    atravs da agricultura itinerante de coivara. Aps a incorporao de uma nova rea

    por determinada famlia, esta passa a ser transmissvel por herana, e essas duas

    formas de direito aparentemente excludentes mostram-se complementares.

    Ainda h um outro modo de acesso terra: a aquisio por compra de

    posses, tanto pertencentes a pessoas de fora quanto entre parentes. Alis, a

    compra e venda de posses tem sido constante na regio do Vale do Ribeira. Nos

  • 10

    bairros da rea encontramos inmeras referncias a posses adquiridas por

    compra. No entanto, trata-se de uma forma de aquisio que implica no uso da

    terra para moradia e trabalho, e no em especulao imobiliria.

    comum, em reas ocupadas por populaes tradicionais no Vale do

    Ribeira, os mais velhos dizerem que antigamente no tinha dividio de terra,

    podia trabalhar em qualquer lugar. Por trs dessa afirmao, encontramos um

    complexo sistema de apropriao e uso comum de um territrio coletivo baseado

    em sistemas de parentesco combinados com o direito adquirido pelo trabalho

    sobre a terra.

    Uma caracterstica importante desse modo de ocupao a existncia, na

    maioria das vezes, de dois locais de morada, um mais ou menos fixo, geralmente

    nas vilas, e outro provisrio, nas reas de roa, as capuavas, dispersas pelo

    territrio ocupado pelo grupo. Enquanto que a moradia nas vilas, agrupada com as

    de outros parentes, a casa, a moradia na capuava o paiol ou tapera, de carter

    provisrio e relacionada a uma intensa mobilidade. Uma capuava pode durar trs,

    quatro anos, ou ento permanecer trs ou quatro dcadas na mesma rea,

    alternando-se apenas os lugares das roas e dos paiis. Paolielo analisa a

    herana da terra entre camponeses da regio, inclusive no quilombo de

    Nhunguara, e fala em um direito possessrio mvel, caracterstico do universo

    caipira (Paolielo, 1999, p. 33-34).

    Se a formao dos bairros rurais est diretamente relacionada ao

    povoamento ocorrido no perodo colonial, podemos considerar a capuava como a

    projeo do desbravamento. O termo capuava pode designar tanto capoeira rala,

    quanto caipira, como nos mostra o dicionrio Aurlio (1986). Petrone, ao estudar

    prticas agrcolas na Baixada do Ribeira, toma o termo capuava como sinnimo do

    caboclo, necessariamente posseiro, que pratica a agricultura itinerante ou semi-

    itinerante, e afirma ser este o nico povoador em reas de povoamento disperso

    (Petrone, 1961, p. 54).

    Candido, ao classificar o morador transitrio, responsvel pelo

    povoamento de So Paulo nos sculos XVI, XVII e XVIII, como cultivador nmade,

    agregado e posseiro, mostra que capuava era a designao corrente de moradia

  • 11

    dessas trs categorias de povoadores (Candido, 1971, p.60). Enquanto categoria

    local, capuava compreende muito mais do que a simples idia de terra queimada

    para agricultura. Esta ltima pode ser resumida no termo capoeira. A capuava o

    lugar onde se passa, muitas vezes, a maior parte da vida, e defini-la simplesmente

    como espao agrrio seria restringir em muito a compreenso da categoria. onde

    o trabalho da vida na mata tem realmente suas possibilidades de realizao,

    principalmente do ponto de vista histrico. Ou seja, os bairros negros na regio

    vm sendo historicamente reproduzidos enquanto bairros de populaes florestais

    agrcolas, seguindo os ritmos da vida na capuava. Se, nos dias de hoje, as

    condies de sobrevivncia, em muitos casos, j no so mais garantidas apenas

    pelo trabalho na terra, mas tambm pelo trabalho em outros municpios ou em

    fazendas da regio, pelo dinheiro enviado por aqueles que saram para trabalhar

    fora, e, em alguns casos, pelos salrios de moradores empregados na prefeitura e

    por aposentadorias do INSS, certo que as capuavas eram um sinnimo do modo

    de viver dos antepassados, e ainda so para muitas famlias. Foi o trabalho

    empreendido nelas que possibilitou a manuteno dos grupos e a continuidade das

    geraes seguintes. Neste sentido, podemos considerar trabalho e terra segundo a

    definio de Polanyi, para quem trabalho e a terra nada mais so do que os

    prprios seres humanos nos quais constituem todas as sociedades, e o ambiente

    natural no qual elas existem (Polanyi, 1980).

    Como diz Alfredo Wagner de Almeida, est-se diante de uma continuidade

    da condio camponesa que evidencia o quilombo como unidade produtiva

    (Almeida, 1999, p.12). A capuava sempre uma segunda morada, provisria em

    relao casa principal, na vila, mas pode ser o local onde a famlia passa mais

    tempo, principalmente em pocas de colheita. Pode ser aberta em local nunca

    antes queimado, e desde a abertura o lugar j chamado de capova. Ou pode ser

    aberta em capoeiras que por muitos anos permaneceram em pousio. A capuava

    tambm pode ser uma roa recm abandonada, mas que por algum tempo

    continuar a fornecer alguns produtos, principalmente cana-de-acar e razes,

    como cars e mandioca. Ou ainda pode tratar-se de locais de antigos roados que

    esto h muitos anos em desuso.

  • 12

    Como prprio da tcnica de coivara, primeiro feita a roada, e depois

    derruba-se as rvores com machado, para a posterior queimada, geralmente no

    ms de outubro. Raramente faz-se a roada em reas que esto h menos de trs

    anos em pousio. O mais comum, quando h reas disponveis, roar reas em

    decanso h mais de dez anos ou, ento, reas de mata virgem . Um ciclo agrcola

    costuma ser aberto com o plantio de arroz. Encontramos nessa rea uma

    significativa variedade de sementes dos antigos: taporana, arroz grosso,

    vermelho, vermelho grosso, entre outros. Tambm h referncias a outras

    variedades que foram perdidas ao longo do tempo. importante observarmos que

    o plantio do arroz inicia um ciclo anual de diferentes plantios numa mesma rea de

    roa. Outras culturas seguiro o arroz, sendo que no ano seguinte, ao final desse

    ciclo, uma nova rea contgua a essa roa poder ser derrubada e queimada para

    um novo plantio do mesmo.

    O plantio de arroz costuma ser combinado com outras culturas. Muitas

    vezes, uma parte do aceiro (beirada da roa, no limite com a mata) separada

    para o plantio de milho, sendo que os meses prprios para o cultivo do mesmo so

    novembro e julho. Ao longo do ano, razes, verduras, rvores frutferas e plantas

    medicinais so plantadas ou semeadas, muitas das quais permanecem produzindo

    por um longo perodo. Diferentes variedades de car podem ser plantadas. Perto

    do paiol, costuma-se plantar abbora, batata-doce, alm de diversas plantas

    medicinais, como pico e erva-de-santa-Maria. Diferentes variedades de cana-de-

    acar podem ser plantadas no aceiro e dentro da roa.

    Quando se trata de uma capuava que est sendo aberta, ergue-se o paiol

    enquanto as mudas de arroz esto crescendo, de modo que fique pronto antes do

    incio da colheita, em abril. Em julho, conclui-se a colheita do arroz e o plantio de

    feijo iniciado, combinadamente com o milho e a mandioca. Aps a colheita do

    feijo, em outubro, conclui-se um ciclo agrcola anual, e outro plantio de arroz

    iniciado. Uma capuava pode compreender um conjunto de duas ou mais reas de

    plantio em fases diferentes, com um, dois ou trs anos de cultivo. Ao entrar em

    descanso, uma rea de roa ainda continua fornecendo mandioca, cana-de-

    acar, cars, batatas doces, frutos e ervas medicinais por um longo tempo.

  • 13

    Isso nos leva a pensar na existncia, alm dos ciclos agrcolas anuais, de

    ciclos mais longos, que podem compreender trs ou quatro anos de uso contnuo e

    cerca de 15 a 20 anos ou mais de pousio. Algo muito semelhante ocorre entre

    camponeses que vivem em reas de floresta no norte do pas. Por exemplo, em

    reas do Alto Juru, no Acre, as famlias costumam ter pelo menos trs roados

    em uso, em diferentes fases (com um, dois ou trs anos de plantio), que podem

    ser abertos em mata bruta, em capoeira velha, em capoeira nova ou ainda

    plantados no mesmo local onde se est arrancando as mandiocas mais maduras

    (Cunha e Almeida, 2002, p.251-253).

    3. A POA

    O bairro Poa localiza-se na margem direita do Ribeira, abrangendo reas

    dos municpios de Jacupiranga e Eldorado. Chega-se l pela SP 193, sendo que

    desde Jacupiranga so aproximadamente18 quilmetros quilmetros at chegar na

    estrada de Itapena, uma via no asfaltada que liga a pista de asfalto at o bairro

    de Itapena. Nesta estrada de terra, atravessamos cerca de 1,5 quilmetros pelo

    bairro Lageado at chegar na Poa. A Poa situa-se, aproximadamente, entre as

    coordenadas UTM 788.000, 7278.000; 794.000, 7278.000; 794.000, 7272.000;

    788.000, 7272.000, conforme mapa anexo.

    Como vimos, nos bairros negros da rea, encontramos histrias de

    ancestrais fundadores. No entanto, mais do que a veracidade dessas narrativas, o

    que nos interessa o fato de que elas designam a origem do grupo e que

    legitimam sua condio presente, tendo assim um papel anlogo ao de um mito de

    origem. Na Poa, moradores atuais fazem referncias a um antepassado fundador

    chamado Joaquim da Costa Campos, procedente de um dos grupos negros mais

    antigos da regio, Ivaporunduva, localizado ribeira acima. Os diversos filhos de

    Joaquim e de sua mulher, Rita, uniram-se a moradores j estabelecidos no local e

    procedentes dos bairros do entorno. Moradores mais velhos mencionam Belisrio

    de Campos e Joaquim Salvador de Campos como sendo filhos do de Joaquim da

    Costa Campos. O pertencimento da Poa a uma extensa rede de parentesco e

  • 14

    vizinhana formada por inmeros bairros negros pode ser percebido pela presena

    de sobrenomes de famlias de diversas comunidades localizadas ribeira acima:

    Costa, Pupo, Vieira, Frana, Marinho. Os Pupo, os Costa e os Marinho podem ser

    localizados em Ivaporundura j nas duas primeiras dcadas do sculo XIX,

    conforme podemos ver no livro de assentos de batismo. Os Vieira esto ligados

    fundao de Nhunguara e Andr Lopes. J os Frana esto ligados fundao

    dos bairros Galvo e So Pedro. O sobrenome Rosa, presente na Poa h vrias

    geraes, aparece indiretamente no memoriais descritivos de terras, quando, em

    1856, um homem chamado Joo Antonio de Frana indica a presena de um

    agregado nascido nas ditas terras:

    Joo Antonio de Frana possue uma sorte de terras na paragem denominada stio rio da Poa, tendo um aggregado nascido nas ditas terras chamado Jos Rodrigues da Rosa, que faz divisa na serra dos meninos com terras de Manuel de Andrade Rezende e Miguel Antonio Jorge, e de outra banda com terras de Salvador Luis de Castro. Xiririca, 21 de janeiro de 1856. Joo Antonio de Frana. O vigrio Joaquim Gabriel da Silva Castro.

    O livro de assentos de batismos mostra o mesmo Jos Rodrigues da Rosa,

    unido a Joaquina Nbrega, batizando uma filha de nome Jacintha em 1844, sendo

    que os padrinhos foram Joo Antonio de Frana o mesmo que, mais de 10 anos

    depois, declararia possuir terras e ter Jos Rodrigues da Rosa como agregado e

    Damiana de Freitas. Um morador atual da Poa, Jos Pupo da Rosa, nos diz que

    seu bisav, Sebastio Rosa morava na Poa. Um dos filhos de Sebastio, Joo

    Rosa, casou-se com uma das netas de Joaquim da Costa Campos, Maria

    Brasilcia.

    No encontramos referncias ao fundador Joaquim da Costa Campos nos

    memoriais descritivos de terras de 1856. Para Stucchi, a existncia de lacunas nos

    memoriais descritivos de terras de Xiririca nos leva a pensar na existncia de uma

    populao posicionada margem da ordem social:

    Uma frao dessa populao no obteve registro das terras ocupadas em decorrncia das restries prprias do instrumento, expressando as dificuldades de legitimao da posse da terra impostas s camadas mais pobres da populao. Outra frao da

  • 15

    populao predominantemente negra no se faria registrar por fora da necessidade de manter-se oculta aos olhos da polcia local.

    O acesso e uso da terra por pretos livres, ainda que em locais ermos, era baseado em poltica de aliana entre os ocupantes mais recentes e aqueles que os precederam. A legitimao da posse da terra dos negros libertos indica o outro lado de uma aliana unindo mltiplos interesses, na medida em que terras oficialmente registradas eram menos suscetveis fiscalizao, protegendo uma ocupao caracterizada tambm por negros em situao de fuga (Stucchi et alli, 2000, p. 79).

    Uma referncia documental a Joaquim da Costa Campos est na certido

    de nascimento de uma de suas netas, Domingas, na qual ele apontado como av

    paterno, sendo que a av paterna Rita C. de Campos. Os pais de Domingas so

    Belizrio da Costa Campos e Maria Campos da Conceio, conforme podemos ver

    na cpia do documento apresentada em anexo. No livro de assentos de batismo

    do sculo XIX encontramos dois dos filhos de Joaquim da Costa Campos, Belisrio

    da Costa Campos e Joaquim Salvador de Campos, os quais aparecem diversas

    vezes batizando filhos.

    O casal Joaquim Salvador de Campos e Custodia Archangela de Moraes

    aparece 6 vezes batizando filhos, entre os anos de 1871 e 1892: em 12 de

    fevereiro de 1871, batizam a filha Gertrudes, nascida em 15 de novembro de 1870;

    em 16 de maro de 1873 batizam a filha Josefa, nascida em 9 de dezembro de

    1872; em 17 de maio de 1875, batizam o filho Domingos, nascido em 14 de

    fevereiro de 1875; em 1o de julho de 1888, batizam o filho Joaquim, nascido em 1o

    de junho de 1887; em 26 de agosto de 1889, batizam o filho Guilherme, nascido

    em 25 de junho de 1889; e em 16 de abril de 1892, batizam a filha Anna, nascida

    em 24 de novembro de 1891.

    Belisrio da Costa Campos aparece duas vezes, unido a Maria Pereira da

    Assumpo, batizando filhos: em 3 de abril de 1876 batizam a filha Maria, nascida

    em 10 de maro de 1876, sendo que os padrinhos foram Joaquim Salvador de

    Campos e [Custdia] Archangela de Moraes. E em 20 de julho de 1891 batizam o

    filho Benedicto, nascido em 3 de abril de 1891.

  • 16

    Joaquim Salvador de Campos e Custdia tambm aparecem como

    padrinhos de Sebastiana, filha de Antonio Oliveira Marinho e de Gertrudes Maria

    de Jesus e tambm de Isabel, filha de Antonio Baptista dos Santos e de Anna

    Luciana da Rosa. possvel que Gertrudes seja a mesma filha do casal nascida

    em 1870. Sebastio Malaquias, um dos bisnetos de Joaquim Salvador de Campos,

    gentilmente cedeu-nos uma cpia da certido de bito de seu bisav (apresentada

    em anexo), a qual mostra que o mesmo faleceu em 4 de janeiro de 1925 aos 80

    anos. Ou seja, ele nasceu na Poa em 1845. Nesse documento ele aparece como

    Joaquim de Campos, casado com Custodia Archangela de Moraes.

    A senhora Maria de Ftima conta que sua av Domingas, filha de Belisrio

    da Costa Campos, falava a respeito de um dos filhos do fundador Joaquim da

    Costa Campos que foi sorteado para lutar na Guerra do Paraguai e ficou

    escondido numa pequena gruta do lugar:

    Eu no sei quando foi a Guerra do Paraguai, eu no sei em que ano, a naquele tempo, ele foi sorteado. Naquele tempo era sorteado e ele no se apresentou, no foi. O policiamento vieram buscar ele. Essa a histria que meu pai contava e minha me tambm contava. A os pais viram que vinham vindo buscar, esconderam l naquela pedreira, tem um salo. A ponharam uma escada, acho que d uns 5 metros l. Guardaram ele l e l levavam comida para ele. A naquele tempo j tinha zum zum zum, n: Ah, fulano est escondido l, os pais esto levando comida para ele l no mato escondido. A o policiamento foi com os cachorros, pegavam com cachorro naquele tempo. A ele se assustou quando chegaram, ele pulou e quebrou a coluna, e curaram em casa. (...) Isso que minha av contava (Maria de Ftima da Silva, entrevista em outubro de 2006).

    As referncias a fugas de homens negros e solteiros recrutados para lutar

    na Guerra do Paraguai no so incomuns na regio. Por exemplo, o bairro Andr

    Lopes, onde se localiza a Caverna do Diabo, conhecida localmente por Gruta da

    Tapagem, formou-se em funo de moradores do bairro Nhunguara que se

    esconderam na rea dessa caverna para escapar ao recrutamento. Como afirma

    Stucchi,

  • 17

    Principalmente os homens solteiros, sem famlia e desprovidos de terras, os negros, mulatos e pardos, ainda que livres e libertos, estariam entre a massa de recrutveis para o exrcito. Esse contingente compunha as fileiras do exrcito, representando este um espao social subalterno, formado em sua imensa maioria por no proprietrios, recrutados mais por castigo que por vocao, A caserna seria o destino dos considerados desocupados, desqualificados, malfeitores e, sobretudo, dos negros.

    (...)

    O processo de povoamento de localidades habitadas principalmente por populaes negras do Vale do Ribeira, como Nhunguara e Andr Lopes e Sapatu, tambm deve ser analisado luz das fugas dos recrutamentos militares. Uma profuso de relatos sobre zonas de refgio que acolheram inmeras fugas est presente nas narrativas dos informantes (Stucchi et alli, 2000, p 90 e 91).

    4.O TERRITRIO DA POA

    Na Poa, os mais velhos contam que o fundador Joaquim da Costa

    Campos possua uma rea com mais de 500 alqueires e que o bairro ia desde o

    bairro Lageado (vide mapa da rea) at as margens do Ribeira, de onde iam de

    canoa at a antiga vila de Xiririca. H um caminho antigo que leva at as margens

    do Ribeira e que, at as primeiras dcadas do sculo XX, era utilizado tambm

    para levar os mortos at o cemitrio na antiga vila de Xiririca. Dona Maria de

    Ftima fala a respeito do percurso at esse cemitrio:

    Ento, se morria gente aqui, morreu fulano, nem guardar velrio j no tinha. Eles achavam que era longe para levar, eles pegavam uma coberta, l assim, amarrava l assim, ficava igual uma rede, ponhava o defunto, ponhava no pau e dois fulano iam carregando. Quando chegava l na serra, descansava. A j tinha dois paus furados na altura do ombro, preparado. L eles colocavam e deixavam para no arriar no cho. Da descansava para descer a serra pra l. Pra l pra pegar a canoa, pra ir fazer o caixo na beira do rio, e ponhava na canoa para ir l pra essa freguesia. (...) Tinha o caminho deles que passava, o caminho que eles varava l. (...) Agora que melhorou a estrada, acho que at uns cinqenta anos, tinha o caminho que o povo andava, at

  • 18

    uns cinqenta anos, o povo andava por esse caminho (Maria de Ftima, entrevista em outubro de 2006).

    Esse caminho tambm era utilizado pelos convidados para os mutires

    agrcolas, procedentes das diversas localidades do entorno, muitos dos quais

    chegavam de canoa, vindos de localidades mais distanciadas, como o caso do

    Taquari3:

    O pessoal que morava l longe era convidado, sabia que tinha mutiro, ento eles vinham por esse atalho, por esse caminho. Pra l, l na Ribeira, no Taquari, meu pai, minha me moravam l na Ribeira, no Taquari, e eles vieram no mutiro. Era mutiro de colha de arroz, ento, juntava, 20, 30, 40, 50, 60 pessoas para colher arroz, colher arroz com canivete. Ento, depois que vencia a colha do arroz, o dono da casa dava o baile. Dava janta pro povo, almoo caf, de meio dia, de duas horas, janta. A a paga do dia, do povo colher arroz, eles danavam, era baile. (Maria de Ftima, entrevista em outubro de 2006).

    O transporte fluvial certamente ampliava a rede de relaes no lugar,

    possibilitando a participao de vizinhos que chegavam de canoa dos bairros rio

    acima para participar dos mutires.

    A rea da Poa, portanto, era bastante maior do que a reivindicada hoje por

    seus moradores, abrangendo uma extenso que ia desde as proximidades da atual

    SP 193 at as margens do rio Ribeira de Iguape. Os relatos indicam que

    antepassados dos atuais moradores faziam uso comum da extensa rea que

    compunha a Poa, alternando suas roas por todo o territrio. As presses sobre o

    territrio iniciaram com a chegada de fazendeiros ainda na primeira metade do

    sculo XX, fazendo com que os limites do bairro fosse recuado at a Serra do

    Lageado, localmente chamada tambm de serra da Poa. Nessa poca, os

    moradores viram-se obrigados a abrir mo da rea compreendida entre esta serra

    e o rio Ribeira. Vejamos o depoimento desta moradora:

    A, naquela poca que fundaram isso aqui, diz meu pai, no tinha estrada nessa poca, o caminho deles era daqui na ribeira,

    3 O Taquari e localidades vizinhas esto representados no mapa da rea.

  • 19

    j passa por dentro do mato, subia a serra, tombava para l. Dizia o meu pai que esse terreno aqui ia at a ribeira. A chegou o fazendeiro, naquela poca, a j vinham trazendo tudo pra frente. A quando eles iam ficar sem os terrenos, dividiram o lombo da serra. Esses fazendeiros antigos trabalhavam no terreno e vinham vindo. A, para no ficar sem terra, eles passaram a divisa no lombo da serra. (...) Da divisa daqui, ali no Malaquias, esse trecho que vai para l, mas s que o caminho deles no foi fechado. Eles moravam aqui, mas tinham caminho na Ribeira. Eles moravam aqui, mas tinha canoa na ribeira, l tinha uma pessoa que morava l e tomava conta da casa l deles. O porto deles era l. Queriam sair daqui para fazer uma comprinha, alguma coisa, saiam daqui, pegavam, subiam esse morro e tombavam para l. Hoje mudou muito. O meu pai dizia que tinha o trilho, mas hoje j mudou tudo. Mas o caminho deles era aqui, daqui eles iam na ribeira. O povo antigo, no esse aqui da idade do meu pai, da idade dos mais velhos. (...) A ento o povo j andava por a, mas da idade do meu pai pra c. A j tinha o caminho, aqui era caminho s de tropa, a pegava a estradinha e ia embora. Esse caminho aqui, diz que subia aqui pro compadre Bento, ento l na frente, no morro, tinha um lugar chamado Descanso, ento era o lugar que o povo descansava, subia a serra, descansava (Maria de Ftima, entrevista em outubro de 2006).

    O tempo do povo antigo ao qual a moradora se refere um tempo anterior

    chegada da cultura da banana no Vale do Ribeira, ainda no comeo do sculo

    XX. A partir da introduo da cultura de banana na regio, aumentam as presses

    sobre reas mais prximas das cidades. No caso da Poa, tal presso levou ao

    recuo dos limites at a serra do Lageado4.

    Geraldo Mller (1980) nos mostra que a intensificao do processo de

    incorporao do Vale produo de mercado ocorre nas dcadas de 1940/50 com

    a ampliao do cultivo de banana e ch. No caso da banana, devido ao aumento

    da demanda pelos trabalhadores da industria paulistana por causa do baixo preo

    da fruta, e tambm devido demanda de Montevidu e Buenos Aires. Esse

    processo foi acelerado na dcada de 1960 com a construo da rodovia BR-102,

    atual Rgis Bitencourt.

    O mesmo autor tambm nos fala da especulao fundiria deflagrada com o

    incio da construo dessa rodovia e a conseqente valorizao de terras no Vale. 4 Localmente, a Serra do Lageado, que pode ser observada no mapa da rea, muda de nome conforme os

    bairros que sua extenso abrange, sendo chamada de Serra do Lageado, Serra da Poa e Serra da Lagoa.

  • 20

    Por essa poca, inmeros imveis foram adquiridos por empresas paulistas da

    construo civil, siderrgicas, metalrgicas, imobilirias, empresas agrcolas e

    comerciais. Nas palavras de Mller,

    a especulao fundiria na Baixada, como em todo o Vale, mostra-se como mecanismo que permite incorporar terras sem aproveit-las nem povo-las, configurando a mais acabada manifestao de cunho primitivo do modo como as terras caem sob o domnio do acicate da lei do valor. (Mller, 1980, p. 82).

    Com pouca densidade populacional, montanhas, cavernas e grandes

    extenses de Mata Atlntica, o Vale foi escolhido como local de treinamento do

    grupo de guerrilheiros de Carlos Lamarca. Habitado por populao pobre e que,

    provavelmente, seria sensvel ao discurso revolucionrio, conforme escreve

    Queiroz, a regio da Juria foi o lugar que Lamarca escolheu para se esconder e

    preparar a revoluo (Queiroz , 1992, p. 73)5. O receio de que a regio fosse alvo

    de novos focos guerrilheiros fez o Estado investir pesado em projetos de

    desenvolvimento em fins da dcada de 1960 e na dcada de 1970 (Zan, 1986;

    Martinez, 1995). Diversos programas foram implantados no Vale com o objetivo de

    desenvolver a regio e livr-la do atraso e do isolamento: aumento da

    produtividade agrcola, o estabelecimento de empresas agropecurias, indstrias

    de transformao da banana e outras frutas, minerao, implementao da pesca,

    cultivo de cacau e de seringueira6. Dentre os projetos de desenvolvimento, houve

    tambm a ameaa de instalao de usinas atmicas na rea da Juria (Queiroz,

    1992).

    Maria Ceclia Martinez nos diz que as culturas caipira e caiara do Vale

    eram consideradas o motivo do atraso econmico, devido aos seus modos de

    produo e comercializao que no se enquadravam nos moldes capitalistas.

    Portanto, o que se queria era substituir tanto o minifndio quanto o latifndio

    improdutivo por uma classe mdia rural de tipo empresarial. Havia a necessidade

    de implementar os setores de transportes, de comunicaes e de energia para que

    a regio se tornasse atraente ao capital privado (Martinez, 1995). Uma srie de

    5 Sobre o assunto, ver tambm Mller, 1980; Zan, 1986; e Martinez, 1995.

    6 Brando et alli, 1997.

  • 21

    obras foi realizada para beneficiar setores privados com o uso de verbas pblicas.

    Com exceo da banana e do ch, que j estavam implantados desde os anos

    trinta, nenhum desses projetos conseguiu de fato industrializar o Vale.

    Portanto, os incentivos fiscais e a melhoria das condies de infraestrutura

    atraram para a regio, sobretudo na dcada de 1970, especuladores de terras,

    cuja presena veio a agravar ainda mais a j complicada situao fundiria.

    Fazendas formaram-se a partir da expulso de pequenos posseiros. Em conluio

    com os cartrios locais, especuladores produziram escrituras de abrao (cf.

    Paolielo, 1992). O mesmo no deixou de acontecer em reas de bairros negros,

    sendo que alguns, hoje, tm grande parte de seu territrio nas mos de

    fazendeiros.

    Assim como ocorre em outros bairros da regio, na Poa encontramos

    relatos sobre o uso de violncia para expulsar moradores, obrigando-os a vender

    suas posses por preos irrisrios. Vejamos o relato a seguir:

    Antroploga: Como que foram as ameaas, faz quanto tempo? Morador: Faz um trinta anos mais ou menos. Foi o pessoal da CBR. Ponhavam jaguno. Aqui mesmo nesse morro tinha jaguno. Moradora: Tinha jaguno a, no podia passar para l. Morador: Tinha jaguno aqui, eles ficavam ameaando o povo para vender terra para a CBR, para sair. Moradora: A depois, sabe aquele povo hoje que t morando l, hoje t tudo povoado, aqui os meninos, que t cheio de gente, a CBR ta pra l, ficou com o trecho tudo pra l e t tudo povoado de gente. (...) A me dele [do marido] tinha terra, o pai dele tinha terra, meu pai tinha um terreninho l. Trabalhava aqui, mas tinha um terreninho l porque no tinha escola aqui. Olha, um alqueire e meio l da tal fazenda Paulista que estavam vendendo, e ele comprou um alqueire e meio de terra, fez uma casinha: olha, vocs ficam aqui para ir para a escola, mas eu vou para o meu cantinho, vou trabalhar l. Passava oito dias aqui e ia l ver como que a gente tava l. Trs filhos, pra ns trs filhos ir na escola (entrevista em outubro de 2002).

  • 22

    5. OS CHEGANTES

    Chegante um termo local que designa moradores que chegaram mais

    recentemente, instalando-se no local atravs da compra de lotes ou de parte de

    reas tituladas e no descendem de famlias das quais o grupo descendente. Em

    muitos casos, filhos de chegantes incorporam-se rede de parentesco local, mas

    mesmo que isso no acontea, estes podem ser aceitos no grupo, sendo

    considerados como pertencentes ao mesmo e passando a fazer parte da

    associao de remanescentes de quilombo.

    Na Poa, temos casos de chegantes que so reconhecidos como

    pertecentes ao grupo e querem permanecer na rea. Tambm existem casos de

    chegantes que, a princpio, queriam ser enquadrados no grupo a ser reconhecido

    como remanescente de quilombo, mas que, no decorrer do levantamento

    antropolgico, desistiram, embora suas reas estejam sendo apontadas como

    pertencentes ao total do territrio atualmente reivindicado pelos moradores da

    Poa. A seguir, uma breve descrio dessas famlias de chegantes.

    A famlia Lomba Salom

    A senhora Lenita da Lomba Salom, de 72 anos de idade, mora na Poa h

    pelo menos 52 anos. Sendo parteira, trabalhou no parto de dezenas de crianas do

    lugar, e por isso muito considerada e respeitada por todos. O casal Ataliba

    Mariano e Isabel Maria Rosa doou a ela e ao marido uma quarta de terra, que

    equivale quarta parte de 1 alqueire, sendo que 1 alqueire equivale a 2,42

    hectares. Embora ela tenha recebido um documento sob o ttulo de compromisso

    particular de compra e venda, a doao no foi registrada em cartrio. Anos mais

    tarde, h cerca de 25 anos, os descendentes do casal que doou o terreno

    venderam uma rea de terra que inclua a parte doada sra. Lenita. Desde ento,

    o comprador, conhecido por Jovalin, passou a persegui-la, tentando impedi-la de

    cultivar suas roas e fazendo ameaas para tentar expulsa-la de sua terra. Ela

  • 23

    conta que por diversas vezes teve que enfrentar esse fazendeiro, correndo atrs

    dele com a enxada.

    A sra. Lenita resistiu s ameaas do fazendeiro e hoje permanece em sua

    terra, sendo que no stio em que mora esto tambm as casas de dois de seus

    filhos, Maria Jos e Gilmar Salom. Todos concordam em fazer parte da

    Comunidade Remanescente de Quilombo da Poa e, do mesmo modo, so aceitos

    pelos moradores.

    Os Guzanchi

    H cerca de 20 anos o casal Segundino e Ilka Guzanchi, procedentes do

    Estado do Esprito Santo, chegaram na rea juntamente com seus filhos Maria das

    Graas Guzanchi, Mercedes Buzanski, Jos Gonalves Guzanchi, Joo Guzanchi

    e Marlene Guzanchi, sendo que estes dois ltimos se casaram com descendentes

    dos antigos fundadores da Poa. Compraram uma rea de Domingos Belisrio de

    Campos e se estabeleceram no lugar. Todos os filhos de Segundino e Ilka so

    casados e moram no lugar, e mesmo aqueles que se casaram com pessoas de

    fora esto de acordo em fazer parte da Comunidade Remanescente de Quilombo

    da Poa. Do mesmo modo, so aceitos pelos grupo.

    Os Dipold

    Joo Dipold, aos 72 anos de idade, nos conta que seu pai, Jorge Dipold,

    veio da Alemanha para o Brasil na poca da Primeira Guerra Mundial juntamente

    com o irmo Henrique Dipold. Henrique e a esposa compraram uma rea na Poa,

    mas permaneceram morando em Pariquera-Au. Jorge Dipold passou a morar

    nessa rea, da qual tomava conta para o irmo. Nessas terras, ele passou a

    cultivar roas nos moldes patrimoniais, participando dos mutires de seus vizinhos

    e convidando os mesmos para mutires em suas roas. Joo nasceu na Poa e

    casou-se com a sra. Cinira, procedente do bairro Abbora, nas proximidades, com

    quem teve os filhos Jos, Ccero, Isabel, Silvio, Silvia, Cibele e Giovani. Continuou

    cultivando roas de subsistncia e participando dos mutires de seus vizinhos,

  • 24

    como fazia seu pai. Do mesmo modo, os moradores da Poa tambm

    compareciam aos seus mutires. Aps a morte do pai e do tio, comprou parte das

    terras herdadas por suas primas, filhas de Henrique. O restante das terras foi

    vendido pelas herdeiras CBR Companhia Brasileira de Reflorestamento. Aps

    essa negociao, a CBR bloqueou um antigo caminho que se iniciava perto dos

    limites com o bairro Lageado e dava acesso s terras dos Dipold. Ento, com a

    ajuda dos moradores da Poa, foi aberta uma nova trilha para que a famlia

    pudesse transitar livremente pelo bairro.

    O sr. Joo Dipold atualmente est divorciado da sra. Cinira, sendo que aps

    o divrcio foi feita a partilha das terras do casal e a sra. Cinira vendeu a parte que

    lhe coube para duas pessoas: um homem chamado Miguel, procedente de So

    Paulo, e para Eduardo Pinto, morador no municpio de Eldorado.

    Um dos filhos do casal Joo e Cinira, Ccero, casou-se com Sebastiana

    Malaquias, descendente de antigos moradores do lugar, sendo que dessa unio

    nasceram dois filhos. Atualmente Ccero e Sebastiana esto separados.

    Em minha primeira visita Poa, fui conversar com o sr. Joo Dipold e sua

    filha Silvia, em companhia do sr. Jos Rosa e de Gilmar dos Santos Marinho, este

    ltimo, presidente da Associao dos moradores da Poa. Naquele momento, o sr.

    Joo Dipold e os filhos que moram na rea estavam de acordo em fazer parte do

    quilombo, considerando principalmente as estreitas relaes de vizinhana e

    parentesco existente entre os Dipold e as antigas famlias presentes no lugar.

    Outro motivo alegado pelo sr. Joo Dipold para fazer parte do quilombo foi a

    exigidade das terras atualmente pertencentes aos moradores da Poa, conforme

    estas anotaes feitas em meu caderno de campo no dia 17 de outubro de 2006:

    O sr. Joo Dipold e os filhos esto de acordo em fazer parte do quilombo. E, do mesmo modo, so aceitos pelos demais moradores que so da descendncia de Joaquim da Costa Campos. Joo afirma que se a rea no for reconhecida, em breve vo perder tudo para os proprietrios maiores que esto na rea.

    Quando retornei rea no ms seguinte, o sr. Joo Dipold havia mudado de

    idia e disse que no queria mais fazer parte do quilombo, pois algum havia dito a

    ele que se isso acontecesse, ele iria perder suas terras. No entanto, os moradores

  • 25

    da Poa continuam afirmando que a rea da famlia Dipold, incluindo as terras

    vendidas pelos descendentes de Henrique Dipold CBR e as terras vendidas pela

    sra. Cinira a pessoas de fora devem ser includas na rea a ser reconhecida como

    remanescente de quilombo.

    Alm das famlias Lomba Salom, Guzanchi e Dipold, h vrios anos

    morando na Poa, existe o sr. Firmino que, apesar de ter chegado recentemente

    Poa, aceito como pertencente comunidade. Moradores contam que o sr.

    Firmino, cuja casa est prxima casa da sra. Lenita da Lomba Salom, recebeu

    uma pequena rea de terra do fazendeiro Antonio Benedito de Freitas, conhecido

    como Ditinho, para assumir a culpa no lugar deste ltimo pelo desmatamento de

    uma rea para pasto.

    6. AS FAMLIAS RECONHECIDAS PELO GRUPO COMO

    PERTENCENTES COMUNIDADE DE REMANESCENTES DE QUILOMBO DA

    POA

    Existe um nmero consideravelmente maior do que as famlias atualmente

    moradoras na Poa que so reconhecidas pelo grupo como sendo pertencentes

    comunidade. A parte dessas famlias que est fora, saiu em busca de melhores

    oportunidades de trabalho e melhores condies de vida. Todavia, muitas dessas

    famlias que saram esto vivendo em condies muito piores do que quando

    moravam na Poa e gostariam de voltar. Mas no podem retornar porque suas

    terras foram vendidas e no teriam lugar para trabalhar. o caso, por exemplo, do

    casal Walter da Rosa e Florinda com seus 5 filhos e filhas, alguns dos quais so

    casados e tem filhos. Todos moram no municpio de Cajati e esto vivendo em

    pssimas condies.

    7. FAMLIAS CONSIDERADAS COMO PERTENCENTES COMUNIDADE

    DE REMANESCENTE DE QUILOMBO DA POA

    A lista de famlias consideradas como pertencentes Comunidade de

    Remanescente de Quilombo da Poa, que me foi passada pelo presidente da

    Associao de Moradores, a seguinte:

  • 26

    1. Gilmar dos Santos Marinho, 37 anos.

    Esposa: Neila Marinho da Silva (40 anos)

    Filhas: Rafaela Adalgisa Marinho (17 anos); Raneila Adalsa Marinho (15

    anos).

    2. Jos Paulino da Silva, 73 anos.

    Filhos: Ftima Donizete da Silva, 39 anos (fora); Carlos Jos da Silva, 36

    anos; Maria Aparecida da Silva, 33 anos; Rosana Matilde da Silva, 30 anos;

    Alfredo Reginaldo da Silva, 28 anos; Paulo Rogrio da Silva, 26 anos; Rivaldo

    Antonio da Silva, 24 anos; Ronaldo da Guia da Silva, 21 anos; Luis Fernando da

    Silva, 16 anos.

    3. Jos Pupo da Rosa, 67 anos.

    4. Jos Donizete da Costa

    Esposa: Geni Ferreira da Rosa Costa, 39 anos.

    Filhos: Juliana da Rosa Costa, 20 anos; Jaqueline da Rosa Costa, 17 anos;

    Leandro Ferreira da Costa, 15 anos; Henrique Ferreira da Costa, 1 ano.

    5. Margarida Balduino da Silva, 71 anos

    6. Josu de Paula Frana.

    Esposa: Zita Mendes da Guia Ramos

    7. Reinaldo de Paula Frana.

    esposa: Marlene Guzanchi de Paula

    8. Benedita Frana Ferreira.

    marido: Aroldo das Neves Ferreira

  • 27

    9. Neusa da Guia Ramos Mota

    marido: Gonalo Aparecido da Mota

    10. Lurdes de Paula

    marido: Jos Carlos Martins

    11. Benedito Elias de Oliveira

    esposa: Eva Base de Oliveira

    12. Irineu Gonalves de Pontes

    13. Marcelo Rosa

    esposa: Arlete Teobaldo da Rosa

    14. Elaine Rosa

    filho: Richard, 3 anos.

    15. Nelson de Freitas

    esposa: Maria Odete de Freitas

    filhos: Nilson; Nivaldo e Nilma

    16. Jamir dos Santos Vieira

    esposa: Marli Ferreira Vieira

    Filhos Anderson, Alice e Alex dos Santos Vieira

    17. Joo Pupo Vieira

    Filhos: Jamir dos Santos Vieira; Claudemir Pupo Vieira, Aparecida P. Vieira.

    18. Gilson Carmo da Silva

    esposa: Maria Nita Morato da Silva

    filhos: Gislene Cristina da Silva e Weslei

  • 28

    19. . Maria Aparecida da Silva

    marido: Onsio Adelino da Costa

    20. Ccero Leomar da Silva

    esposa: Marisa de Pontes da Silva

    21. Pedro Marinho da SIlva

    Maria de Lurdes da Silva

    22. Maria das Dores da Costa

    marido: Edmar Ferreira

    23. Milton Aparecido Rosa

    esposa: Jurandir Madalena F. da Rosa

    24. Jos Carlos das Dores

    esposa: Maria Terezinha da Rosa

    filhos: Keli, 15 anos.

    25. Ismael Marques de Azevedo

    esposa: Edenize Aparecida Pupo da Rosa de Azevedo

    filhos: Fabricio e Fabriele

    26. Joo Gunzanche Neto

    esposa: Maria Edna

    filhos: Michel e Beatriz

    27. Osmar Adelino da Costa

    esposa: Ednia

  • 29

    28. Manuel Jos da Silva

    esposo: Leordith Guedes

    29. Antenor

    esposa: Maria de Lurdes da Rosa (falecida)

    30. Bento Pupo,

    esposa: Bertolina (apelido: Dulce)

    filhos do casal: Din Pupo, 27 anos, me de uma menina, mora com os pais.

    31. Cacilda Marinho Guedes, 29 anos

    marido: Paulo Srgio Guedes

    1 filho: Paulo Srgio Guedes Jr.

    32. Jamil Guedes, 40 anos

    esposa: Aparecida das Dores marinho Guedes

    1 filho: Cau

    33. Neide Guedes, 39 anos

    34. Leonide Guedes, 37 anos

    1 filha: Maria Vitria

    35. Luis Carlos Guedes, 29 anos

    esposa: Lucinete

    1 filho: Juan Lucas Guedes

    36. Janete Guedes, 29 anos

    marido: Milton Muniz

    1 filha

  • 30

    37. Genilda Aparecida Guedes, 25 anos

    1 filha

    38. Reginalva Guedes

    39. Gisele Fernanda Guedes

    40. Jos Luis Dias (Zinho, procedente de Pedro Cubas)

    esposa: Merielen

    2 filhos: Rian

    41. Walter Rosa

    esposa: Florinda criada por Antonia Rita

    1 filho de 11 anos

    42. Csar da Rosa casado.

    43. Alcione da Rosa casada

    44. Sonia da Rosa casada.

    45. . Stfani da Rosa casada.

    46. Vanessa Tatiane da Silva

    marido: Valtencir Pedrosa Frana

    47. Cleusa Aparecida da Silva

    marido: Paulo Aparecido Pereira

    3 filhos: Rassa, Kiko e Joo Vitor Pereira da Silva

    48. Flvio Pupo da Silva

    esposa: Maria da Conceio da Costa

    49. Edenilson da Cunha

    50. Osmar Adelino da Costa

    esposa: Ednia (irm de Edenilson

    1 filha: Emily

  • 31

    51. Jos Lencio da Silva (vivo)

    52. Nilzo Tavares da Costa

    esposa: Neiva (nascida em Cajati)

    53. Sebastio Malaquias

    esposa: Conceio Tavares

    3 filho: Vanessa Aparecida da Costa, Da Guia Tavares da Costa (1 filho:

    Diego de Ponte Costa) e Diego de Ponte Costa

    54. Sebastiana Malaquias

    esposo: Dinaldo

    55. Pedro Pupo

    esposa: Maria

    56. Nelson Pupo

    57. Antonio Pupo

    esposa: Margarida Frana Pupo

    58. Aristides Adelino da Costa

    59. Alzira de Campos Pupo

    As 59 famlias listadas acima so, como dissemos, consideradas como

    pertencentes Comunidade de Remanescente de Quilombo da Poa, incluindo

    descendentes do fundador que moram no bairro e outros parentes que esto

    morando fora.

  • 32

    8. FAMLIAS DE MORADORES ATUAIS

    As famlias de moradores atuais so 41, conforme levantamento realizado

    em campo. A lista a seguir representa as famlias localizadas no mapa da rea:

    1. Lenita da Lomba Salom 2. Maria Jos da Lomba Salom 3. Gilmar da Lomba Salom 4. Nilzo Tavares da Costa, Neiva Maria de Pontes da Costa; filhos: Tales

    Henrique de Pontes Costa e Jean Marcos de Pontes Costa 5. Sebastio Malaquias da Costa e Conceio Tavares 6. Sebastiana Antonia da Silva Dipold, Dinaldo Vieira Pereira, Rafael

    Aparecido Dipold, Mnica Aparecida Dipold 7. Elenice da Hora Cunha, Edenilson da Hora Cunha, Elisngela da Hora

    Cunha 8. Osmar Adelino da Costa, Ednia da Cunha, Emili Vitria da Hora Cunha

    Costa 9. Gilson Carmo da Silva, Maria Anita Morato da Silva, Gislene Cristina da

    Silva Weslei Morato da Silva, Irineu Pupo Gonalves 10. Margarida Balduino da Silva 11. Ccero Leomar da Silva e Marisa de Pontes da Silva; filhos: Welington

    Gonalves de Pontes Silva, Graziele de Pontes Silva e Grazilene de Pontes Silva

    12. Onsio Adelino da Costa, Maria Aparecida Silva Costa, Keila da Costa, Alessandro da Costa

    13. Reinaldo de Paula Frana e Marlene Guzanchi, Romrio Guzanchi de Paula, Reginaldo Guzanchi de Paula

    14. Gonalo Aparecido da Mota, Neusa da Guia Ramos, Jssica da Mota, Helen da Mota, Karen da Mota

    15. Benedita Frana Ferreira e Aroldo das Neves Ferreira 16. Maria das Dores Costa e Edmar Ferreira 17. Milton Aparecido da Rosa e Jurandir Madalena Ferreira Rosa; Lucas

    Ferreira Rosa, Franciele Ferreira Rosa 18. Jos Pupo da Rosa e Elaine Rosa; Richard Luigi Rosa Guzanchi 19. Jos Carlos das Dores e Maria Terezinha da Rosa, Keli Aparecida das

    Dores 20. Ismael Marques de Azevedo, Edenize Aparecida Pupo da Rosa Azevedo,

    filhos: Fabrcio Rosa de Azevedo, Fabriele Aparecida de Azevedo 21. Joo Guzanchi, Maria Edna da Rosa Guzanchi, Michel da Rosa Guzanchi,

    Camila Rodrigues de Macedo, Beatriz da Rosa Guzanchi 22. Bento Pupo, Bertolina Jorge Pupo, Din Pupo Jorge Pupo, Carolina da

    Mota Pupo 23. Manuel Jos da Silva, Leordith Guedes 24. Josu de Paula Ramos, Zita Mendes da Guia Ramos, Viviane Mendes

    Ramos, Alison Mendes Ramos, Tain Mendes Ramos 25. Lurdes de Paula Frana, Jos Carlos Martins, Giovani Martins

  • 33

    26. Jamil Guedes, Aparecida das Dores Marinho Guedes, filho: Cau Victor Guedes

    27. Gentil Guedes, Maria Frana Guedes, Gisele Fernanda Guesdes, Genilda Aparecida Guedes, Andr Luis Guedes Frnaa, Wagner Frana

    28. Maria de Ftima Ferreira, Mrcia Ferreira de Freitas, Renam Ferreira de Freitas

    29. Valtencir Pedrosa, Vanessa Tatiana Guedes 30. Paulo Srgio Guedes e Cacilda Marinho Guedes; filho: Paulo Srgio

    Guedes Jr. 31. Benedito Elias de Oliveira, Eva Base, Sheila Base de Oliveira, David Base

    de Oliveira, Michael Base de Oliveira 32. Marcelo Rosa, Arlete Teobaldo Rosa, Bruno Rosa 33. Jos Luis Dias, Merielen Aparecida Costa, Rassa Rodrigues Dias, Juan

    Gustavo da Costa Dias, Robson Mateus da Costa Dias 34. Joo Pupo Vieira, Claudomir Pupo Vieira 35. Pedro marinho da Silva, Maria de Lurdes Costa, Fabio da Silva, Adriana

    Aparecida da Silva, Fabiana Aparecida da Silva 36. Jamir dos Santos Vieira, Marli Ferreira Vieira, Alice dos Santos Vieira,

    Anderson dos Santos Vieira 37. Jos Paulino da Silva, Maria de Ftima da Silva, Carlos Jos da Silva,

    Maria Aparecida da Silva, Rosana Matilde da Silva, Paulo Rogrio da Silva, Ronaldo da Guia da Silva, Luis Fernando da Silva

    38. Jos Donizete da Costa e Geni Ferreira da Rosa Costa, Juliana da Rosa Costa, Jaqueline da Rosa Costa, Leandro Ferreira da Costa, Henrique Ferreira da Costa

    39. Gilmar dos Santos Marinho, Neila Marinho da Silva, Rafaela Adalgisa Marinho, Raniela Aldasa Marinho

    40. Antonio Nelson de Freitas, Maria Odete de Freitas, Aparecida Euzete Pupo, Nilson Luis de Freitas, Nivaldo Antonio de Freitas, Nilma Matilde de Freitas

    41. Flvio Pupo da Silva, Maria da Conceio Costa, Cristina da Silva (moram no bairro Lagoa, a aproximadamente 1 quilmetro de distncia da divisa com a Poa, sendo que Flvio trabalha no bairro Poa em bananal arrendado de parente).

    9.TERCEIROS PRESENTES NA REA

    Os terceiros presentes na rea, alm da famlia Dipold acima mencionada,

    so as pessoas da lista a seguir, conforme pode ser verificado no mapa da rea.

    1. Adolfo Rubio Morales, rea comprada da famlia de Ataliba Mariano e Isabel Maria Rosa.

    2. Jovali Orozimbo de Oliveira, rea comprada da famlia de Ataliba Mariano e Isabel Maria Rosa.

    3. Domingos Zacarias, rea comprada da famlia de Joo Pupo.

  • 34

    4. Antonio Benedito de Freitas (Ditinho), reas que pertenciam a Antonio Viana e a Jos Lencio. Este ltimo,deu uma rea a um comerciante de Eldorado, de nome Geg, como pagamento de uma dvida contrada em seu estabelecimento comercial, sendo que Geg vendeu a rea para Ditinho.

    5. Emerson Santana da Silva, rea que pertencia a Joo Clmaco e foi vendida a Joo Anastcio, pai de Emerson.

    6. Jos Pereira (Jos Tanque), rea que pertencia a Joo Clmaco. 7. Valdecino Dias de Aguiar, rea que pertencia a Joo Clmaco. 8. Ded (filho de Jos Pereira, conhecido por Jos Tanque), rea que

    pertencia a Joo Clmaco. 9. Mauro (casado com a sobrinha de Valdecino), rea que pertencia a Joo

    Clmaco. 10. Amadeus Pereira, rea que pretencia a Joo Clmaco. 11. Gilberto (casado com a irm de Valdecino), rea que pertencia a Joo

    Clmaco. 12. Valdir (irmo de Valdecino), rea que pertencia a Joo Clmaco. 13. Bolvar (filho de Jos Pereira, conhecido por Jos Tanque), rea que

    pertencia a Joo Clmaco 14. Benedito Muniz (camarada de Bento Pupo) 15. Ezequiel (camarada de Bento Pupo) 16. Aparecido Medeiros Gomes (Nen), rea que pertencia a Jos Pupo da

    Rosa. 17. Sidnei Muraoka, rea que pertencia a Maria do Rosrio e a Domingos

    Belisrio de Campos. 18. Joo Batista de Freitas, rea que pertencia a Antonio Jorge. 19. Ado Jos Gonalves 20. Izlio Gonalves Dias, rea que pertencia a Joo Pupo. 21. Ado Jos Gonalves, rea que pertencia a Antonia Rita Gomes, vendida

    por um de seus filhos. 22. Bruno Ungarato, rea que pertencia a Ablio Guedes. 23. Miguel Brasques, rea vendida pela sra. Cinira, ex-esposa do sr. Joo

    Dipold. 24. Joo Gonalves Dias, rea que pertencia famlia Dipold. 25. Joo Dipold 26. Silvia Dipold 27. Ccero Dipold 28. Jos Dipold 29. Augusto Lopes de Souza, comprou deJulinho, rea que pertencia famlia

    Dipold. 30. Herdeiro de Eduardo Fernandes Pinto, rea vendida pela sra. Cinira, ex-

    esposa do sr. Joo Dipold. 31. Maria das Graas Guzanchi, Ademir Schader, Mariane Guzanchi Schader 32. Jos Gonalves Guzanchi, Clia Regina Pereira Pinto, Wellington Pereira

    Guzanchi

  • 35

    33. Mercedes Buzanski, Marcos Rogrio Buzanski Santana, Mari Elen Buzanski Santana, Joo Vitor Buzanki Silva, Joice Akemi Santana Muraoka, Ilka Gonalves Guzanchi

    10. INFRAESTRUTURA E ATIVIDADES ECONMICAS

    Desde meados do sculo XX, os moradores da Poa foram paulatinamente

    substituindo o sistema de policultura pelo cultivo da banana, de modo que esta

    ltima predomina nas reas atualmente agricultadas. A grande maioria das famlias

    vive da comercializao de banana, que vendida a atravessadores que, por sua

    vez, revendem o produto em So Paulo. Uma dificuldade dos moradores para

    comercializar a banana a falta de infra-estrutura e equipamentos, pois os

    atravessadores so aqueles que possuem os tratores necessrios para transportar

    o produto a partir das reas de cultivo at as reas onde so carregados os

    caminhes.

    Alguns moradores ainda conseguem reservar espao para o cultivo de roas

    de feijo. No entanto, muitos que gostariam de cultivar feijo e outros produtos que

    seriam destinados ao consumo familiar no conseguem faz-lo ou pela exigidade

    de terras ou porque a aplicao de agrotxicos nos bananais maiores de alguns

    fazendeiros com a utilizao de avies prejudica o desenvolvimento de produtos

    da policultura tradicional. Atualmente, cerca de dez famlias esto trabalhando num

    projeto de cultivo de maracuj, promovido pela prefeitura de Eldorado.

    O bairro bastante carente de infra-estrutura. As estradas de terra que

    cortam a rea so muito precrias. No h servios de gua e esgoto, sendo que o

    esgoto das casas lanado diretamente no rio da Poa. Este rio tambm sofre

    contaminao de agrotxicos, uma vez que a gua utilizada para lavar grandes

    quantidades de banana dos proprietrios maiores tambm lanada diretamente

    nele. Por causa dessa contaminao com esgoto domstico e com agrotxicos, o

    rio da Poa, que antes era consideravelmente piscoso, h cerca de 20 anos deixou

    de ter peixes. A gua que chega s casas procede de nascentes locais, no

    tratada e transportada atravs de mangueiras. No entanto, o desmatamento feito

    por fazendeiros tem diminudo consideravelmente o volume de gua dessas

  • 36

    nascentes, dificultando o abastecimento. O fornecimento de energia eltrica

    tambm bastante precrio e atinge apenas uma minoria de casas.

    O bairro servido por uma linha de transporte municipal que faz a ligao

    com a rea urbana de Eldorado, sendo que o nibus passa trs vezes ao dia. O

    lugar possui uma pr-escola. As crianas e adolescentes que freqentam desde o

    primeiro ano do ensino fundamental at o terceiro ano do ensino mdio, vo

    estudar na cidade, em Eldorado, utilizando o transporte escolar da prefeitura.

    11. CONCLUSES

    A Comunidade da Poa faz parte de um conjunto maior de inmeras

    comunidades rurais negras existentes no Vale do Ribeira. Suas origens remontam

    histria dos ciclos minerador, iniciado na regio no sculo XVII, e rizicultor, que

    teve seu pice no sculo XIX, ambos apoiados na mo-de-obra de homens e

    mulheres negros escravizados. Escravos fugitivos ou libertos e seus descendentes

    fundaram grupos que deram incio a um processo de acamponesamento,

    resultando no adensamento populacional negro na regio.

    Ao contrrio da idia de comunidade fechada, auto-suficiente e isolada, as

    comunidades negras do Vale estiveram historicamente engajadas com a

    economia da Colnia, do Imprio e do Estado Nacional, o que certamente

    constituiu um dos principais fatores que favoreceram a fixao dessas

    comunidades em seus territrios, e sua reproduo no espao e no tempo.

    evidente a importncia das comunidades negras na economia do Vale, seja em

    relao ao mercado regional, seja na produo de alimentos para outras

    localidades do pas, como foi o caso do arroz, que no auge de seu ciclo

    econmico tornou-se o internacionalmente conhecido arroz de Iguape, famoso

    por sua alta qualidade.

    Essas comunidades podem ser classificadas como populaes florestais

    camponesas. Trata-se de um grupo social articulado a uma sociedade mais ampla

    e que possui um sistema social e econmico prprio, embora sem estar margem

  • 37

    do sistema capitalista. Possuem semelhanas estruturais com as demais

    populaes rurais da regio, que Maria Isaura Pereira de Queiroz (1973) chama

    de bairros rurais. Contudo, diferenciam-se destes ltimos pelo passado

    relacionado escravido, pela memria carregada de sentido tnico, e pela

    conscincia de sua histria, marcada pelo preconceito, pela discriminao ainda

    hoje vigentes tendo sido, num passado no muito distante, considerados prias

    pela sociedade branca dominante.

    Neste sentido, as comunidades rurais negras no apenas no Vale, mas

    em diversos lugares do pas vm (re) elaborando e fortalecendo sua identidade

    quilombola com vistas a reivindicar o direito titulao de seus territrios previsto

    no artigo no 68 do ADCT. Este e suas posteriores regulamentaes como

    legislao imperativa, apresentam-se como mecanismo ativo capaz de saldar,

    ainda que parcialmente, a dvida social e moral de toda uma nao com um

    segmento tnico que, escravizado, foi responsvel por grande parte das riquezas

    acumuladas pelo pas e permanece alijado das benesses deste empreendimento.

    Relatos de moradores e pesquisa documental mostram que os que hoje

    moram na Poa so descendentes de vrias famlias que se instalaram na rea no

    incio do sculo XIX: Costa, Pupo, Vieira, Frana, Marinho, Rosa, entre outros.

    As comunidades quilombolas dessa rea sempre se guiaram por um

    conjunto de regras de herana e de parentesco que evitavam a fragmentao do

    territrio comunitrio garantindo o seu meio de trabalho e a continuidade da

    descendncia das famlias. Desse modo, pde ser mantida a ntima relao entre

    parentesco e territrio, caracterstica da ocupao quilombola no Vale do Ribeira.

    No entanto, a especulao imobiliria deflagrada no vale principalmente a

    partir da dcada de 1960 associada desarticulao da policultura e introduo

    da monocultura de banana, propiciou a entrada de fazendeiros na rea e a

    drstica reduo do territrio tradicionalmente ocupado pelos antigos moradores

    da Poa. Assim sendo, encontra-se em risco a prpria continuidade dessa

    comunidade quilombola. Como j disseram os antroplogos do Ministrio Pblico

    Federal:

  • 38

    V-se que, ao tomar a terra como territrio socialmente ocupado, estamos diante da discusso chave para a vida de qualquer sociedade. O que nos leva a indicar as desastrosas implicaes que, por ventura, possam ocorrer ao suprimir da discusso da terra e territrio o sentido vital que essas comunidades lhe conferem. Caso isso acontecesse, estaramos correndo um srio risco de alimentar um processo de morte social, pois no se levaria em conta que estamos diante de um territrio sob o qual a prpria comunidade l e narra sua prpria histria (Stucchi et alli, 2000, p. 57; grifo dos autores).

  • 39

    12. CONSIDERAES FINAIS

    Considerando que o trabalho de pesquisa antropolgica no deixa dvidas

    sobre a origem quilombola da comunidade da Poa, formada por descendentes de

    ex-escravos que passaram por um processo de acamponesamento num contexto

    de acentuada subordinao sociedade envolvente;

    Considerando que o mesmo procedimento antropolgico tambm

    comprovou a utilizao pretrita de toda a extenso territorial reivindicada, da qual

    grande parte hoje encontra-se sob domnio de terceiros;

    Considerando a vontade poltica e viso social do governo paulista de

    atender e interpretar o mandamento constitucional, no s como obrigao estatal

    imposta pela lei, mas principalmente como um ideal da democracia, de proteo

    aos direitos humanos e respeito s minorias, a ser perseguido permanentemente

    (...) (GT, p. 5);

    Conclumos:

    que os membros da Comunidade da Poa so remanescentes de

    comunidade de quilombo, de acordo com as definies que embasam os critrios

    oficiais de reconhecimento adotados pelo Estado de So Paulo, e devem,

    portanto, gozar dos direitos que tal identificao lhes assegura;

    que por ocasio da titulao das terras a Procuradoria do Estado,

    juntamente com o ITESP e o INCRA, devem promover amplos debates com a

    comunidade a respeito do tratamento a ser dado pelo Estado aos pequenos

    posseiros e proprietrios que moram e trabalham no lugar para que o processo de

    titulao no implique num ato de expulso inconseqente e, possivelmente,

    trgico para os mesmos.

    ______________________________ Maria Celina Pereira de Carvalho

    antroploga

  • 40

    13. BIBLIOGRAFIA

    ALMEIDA, Alfredo Wagner, Alfredo. 1999. Os quilombos e as novas etnias. In LEITO (org.) Direitos Territoriais das Comunidades Negras Rurais. So Paulo, Instituto Socioambiental.

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    QUEIROZ, Maria Isaura P. 1967. Vale do Ribeira: Pesquisas Sociolgicas. So Paulo, D.A.E.E. - USP.

  • 41

    QUEIROZ, Renato S. 1983. Caipiras negros no Vale do Ribeira: Um Estudo de Antropologia Econmica. So Paulo, FFLCH/ USP, Antropologia 1.

    QUEIROZ, Ruben Caixeta. 1992. Atores e reatores na Juria: Idias e Prticas do

    Ecologismo. Campinas, IFCH/UNICAMP, dissertao de mestrado.

    STUCCHI, Deborah, OLIVEIRA JUNIOR, Adolfo N., CHAGAS, Miriam F.,BRASILEIRO, Sheila dos S. 2000. Laudo Antropolgico. Comunidades negras de Ivaporunduva, So Pedro, Pedro Cubas, Sapatu, Nhunguara, Andr Lopes, Maria Rosa e Piles. In ANDRADE, Tnia (ed.) Negros do Ribeira: reconhecimento tnico e conquista do territrio. So Paulo, ITESP.

    WOORTMANN, Ellen. 1995. Herdeiros, Parentes e Compadres. So Paulo, Hucitec.

    ZAN, Jos Roberto. 1986. Conflito de Terra no Vale do Ribeira. Estudo Sobre Pequenos Posseiros em Luta Pela Terra no Municpio de Sete Barras. So Paulo, FFLCH/USP, dissertao de mestrado.

  • 42

    ANEXO 1: Genealogia da comunidade da Poa

  • 43

    ANEXO 2: Documentao de antepassados

  • 44

  • 45

    ANEXO 3: Imagens

    Figura 1. Sr. Jos Pupo da Rosa

    Figura 2. Projeto de cultivo de maracuj

  • 46

    Figura 3. Residncia na Poa