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RAIOS CÓSMICOS DETECTADOS ATRAVÉS DE UM TELESCÓPIO DE PARTÍCULAS
Daniel Martelozo Consalter2 , Anderson Campos Fauth2 ,
Luis Fernando Gonzalez2 , Walan Cesar Grizolli2 , Ernesto Kemp2 e Júlio César Penereiro1, 2 e 3,*
1 – CEATEC – PUC-Campinas. 2 – IFGW – UNICAMP. 3 – OMCJN – Observatório Municipal de Campinas Jean Nicolini.
Resumo
As partículas denominadas múons estão relacionadas à radiação cósmica e são conhecidas pela capacidade de penetrarem em grandes espessuras de matéria. Isso ocorre porque elas possuem energias elevadas, uma vida média curta e não interagem facilmente com a matéria. Essas partículas têm importância na medida que precisamos explicar a cascata de partículas cósmicas, também conhecida como Chuveiro Atmosférico Extenso (CAE), que são medidas na superfície da Terra por equipamentos especiais. Neste trabalho descrevemos as várias propriedades dessas partículas (múons) e mostramos em detalhes ‐ através do uso de cintiladores plásticos, fotomultiplicadoras, cabos, conexões e de uma eletrônica aplicada ‐ um detector de partículas o qual denominamos de Telescópio de Múons (TM). Com o TM medimos a freqüência de contagens de múons que chegam na região de Campinas/Brasil (23˚S ‐ 47˚W). Fazendo as devidas correções analíticas devido a abertura do telescópio, ou seja, a região do espaço que o equipamento enxerga, para uma distribuição angular de múons da forma I0.cosn θ e, levando em consideração a eficiência do TM, obtemos como medida do fluxo médio de múons um valor de I0 = 147,12±0,88 (múons.m‐2.s‐1.sr‐1). Essa medida só é possível de ser explicada pelos efeitos previstos na Teoria da Relatividade Restrita de Einstein, em particular a contração do comprimento e a dilatação do tempo, que podem esclarecer de forma satisfatória a chegada dessas partículas na superfície terrestre.
Palavras‐chave: telescópio de múons, detectores de partículas, raios cósmicos, chuveiros cósmicos. (*) e‐mail: jcp@puc‐campinas.edu.br
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I. INTRODUÇÃO
Raios cósmicos são partículas elementares de alta energia que chegam continuamente a Terra e, quando penetram na atmosfera, colidem com as moléculas (principalmente N2 e O2) provocando um fenômeno que intriga os cientistas até os dias de hoje. Essa radiação cósmica primária é composta principalmente por núcleos (~90% prótons, ~9% partículas alfa e o restante são núcleos pesados) e se destacam pela sua altíssima energia [1]. A maior parte dos raios cósmicos possui um caráter relativístico, uma vez que suas energias são da ordem de 1012 a 1018eV. Entretanto, há alguns raios cósmicos que chegam a ser ultra‐relativísticos, pois suas energias podem superar a cifra dos 1019eV. A cadeia de eventos em que é iniciada na interação de um raio cósmico, com energia relativística, com uma molécula da alta atmosfera terrestre é denominada de Chuveiros Atmosféricos Extensos – CAE [2]. Os produtos da primeira interação movem‐se praticamente na mesma direção do primário dando origem a uma cascata de outras interações podendo atingir um número de produtos (os denominados secundários) superior a 106 partículas. Detectar os instantes iniciais do CAE é uma tarefa difícil, mas que possibilita ter uma maior compreensão do “primário” e com isso, responder a várias questões que ainda estão em aberto, como: qual sua origem e de onde provêm? A figura ‐1 procura ilustrar o desenvolvimento de um CAE na atmosfera terrestre para as duas primeiras interações fortes com as moléculas de N2 e O2. Sabe‐se que a primeira colisão produz em sua maioria as partículas denominadas de mésons pi neutros e carregados (π˚, π‐ e π+), apesar de também produzir outros hádrons (K‐méson, prótons, nêutrons e suas antipartículas). O número médio de partículas produzidas nessa interação depende da energia do primário e do parâmetro de impacto da colisão.
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Os mésons π˚, e boa parte dos K˚, decaem antes de interagir originando múons (mésons μ), que devido a sua pequena seção de choque e longo tempo de vida média (~2,19 μs) [3], praticamente atravessam a atmosfera sem interagir e sem sofrerem grandes deflexões. Isso faz com que na superfície terrestre os múons sejam as partículas carregadas da radiação cósmica mais abundante, perdendo no total (partículas neutras e carregadas) apenas para os neutrinos. Os elétrons (e‐) e pósitrons (e+) são representantes com cerca de um quinto das partículas carregadas da radiação cósmica no nível do mar, entretanto as suas trajetórias não são retilíneas e suas energias são bem inferiores quando comparadas com as dos múons. Neste trabalho descrevemos uma atividade experimental que nos permitiu medir o fluxo médio dos múons da radiação cósmica. Na seção II destacamos algumas características dessas partículas produzidas por um CAE. A seção III foi reservada para uma descrição detalhada do equipamento desenvolvido, onde citamos aspectos dos seus componentes principais, dentre os quais os cintiladores, as fotomultiplicadoras, a eletrônica empregada e a eficiência total dos detectores. Na seção IV apresentamos os procedimentos de medidas e as correções geométricas necessárias no TM para obter o fluxo médio de múons. Nesta mesma secção apresentamos os resultados experimentais e os comparamos com medidas realizadas em outras localidades e que se encontram na literatura. Finalizamos o trabalho com as conclusões e apresentamos algumas perspectivas
Fig. – 1: Esquema de desenvolvimento de um CAE (chuveiro atmosférico extenso) na atmosfera terrestre.
π +
π 0
π -
γ
γ e
+
e -
μ +
νμ
μ -
νμγ
γ γ
Partícula primária
14N
16O
Primeira interação
14N
π -
π 0π
+
μ +
νμ
Segunda interação
γ
γ γ
π 0
νμμ -
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para dar seqüência ao uso desse equipamento. II. OS MÚONS DA RADIAÇÃO CÓSMICA
IIa. As características dos múons
Múons são partículas bem conhecidas pela comunidade científica e se caracterizam por serem carregadas (μ e μ‐ +) e por terem uma alta capacidade de penetrarem em grandes espessuras da matéria. Essa última característica ocorre, em parte, por que eles possuem energias elevadas e uma vida média de apenas 2,19 μs, fazendo com que eles não participem de interações hadrônicas. As diversas propriedades dos múons estão detalhadamente listadas por Yau e colaboradores [3]. Citaremos apenas o fato que, por medidas realizadas em diversos experimentos, o fluxo vertical (μ + μ‐ +) atinge seu máximo, de 220 partículas/(m2.s.sr), a uma altura de cerca de 15000 m. Já na superfície terrestre esse fluxo diminui para cerca de 110 partículas/(m2.s.sr).
Os múons decaem espontaneamente através da interação fraca, de acordo com os seguintes esquemas:
μννμ ++→ ++ee (1)
μννμ ++→ −−ee (2)
onde, utilizamos a notação para o pósitron, e para o elétron, +e −e μνν e e para o
neutrino eletrônico e muônico e μνν e e para o anti‐neutrino eletrônico e muônico,
respectivamente. A massa de um múon é 105,658 MeV/c2, enquanto que a sua energia média detectada
em solo (ao nível do mar) é da ordem de 4 GeV, ao passo que a uma altura de 15000 m essa energia chega a ser da ordem de 6 GeV [2 e 3].
Essas características (alto fluxo, trajetória retilínea, alta energia e longa vida média) fazem com que esta partícula seja ideal para as demonstrações dos efeitos relativísticos de dilatação do tempo e contração do espaço.
IIb. Desenvolvimento longitudinal do CAE
Analisemos agora as características do desenvolvimento longitudinal de um CAE baseado no modelo simplificado proposto por [10]. Supondo que uma partícula de energia inicial E0 incida sobre um absorvente (no caso, uma partícula da atmosfera) e supondo que na profundidade X0 emite uma partícula de energia E0/2 e retém uma quantidade de energia E0/2. Depois de ter atravessado uma nova profundidade X0, emite outra partícula de energia E0/4 e retém uma energia de igual valor. A partícula de energia E0/2, depois de atravessar a mesma espessura, cria um par de elétrons, cada um com energia E0/4. Desta maneira, a CAE vai avançando e ao final, o número de partículas N depois de atravessar uma profundidade ξ, será dado por:
ξξ 2=)(N (3)
5
ou seja e a energia de cada partícula será de ( ) ξξ −= 20EE (4)
Supondo que a progressão do chuveiro se tem quando E é igual a uma energia crítica Ec, a profundidade máxima alcançada ( maxξ ) será dada por
( )210
lnlnmax ⎟⎟
⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛=
cEE
ξ (5)
e o número máximo de partículas nesse momento será
cEEN 0=max (6)
Passado o ponto de máxima progressão, podemos assumir uma absorção exponencial do tipo
( ) λξ
ξ1
max
−
= eNN (7) onde: max1 ξξξ −= e λ é denominado de coeficiente de atenuação do CAE.
Para múons, cuja vida média aceita é da ordem de τμ = 2,19μs, e o número de múons pode ser determinado pela equação acima, escrita na forma de decaimento exponencial dado por
μτt
eNN−
= 0 (8) ct=1ξNessa equação, consideramos a profundidade das partículas e o coeficiente
de atenuação das partículas μτλ c= . Na mesma equação, N0 é o número de múons no tempo t=0, ou seja, no topo da atmosfera. [5].
Essa última equação nos possibilita calcular a quantidade de múons (N) que chega na superfície terrestre.
IIc. A dependência angular para a detecção de múons
As linhas de indução do campo magnético terrestre provocam uma assimetria na direção azimutal de incidência de múons. Esse efeito é causado principalmente pelo excesso de cargas positivas da radiação primária. Devido a essa assimetria, ocorre numa direção privilegiada, isto é, no sentido de leste para oeste, e é caracterizada por um excesso de aproximadamente 13% de múons incidindo da direção oeste com energia abaixo de 100 GeV [4]. Para energias superiores a essa não há efeitos significativos do campo magnético terrestre, sendo a incidência azimutal isotrópica. Com relação à incidência zenital, um decréscimo do fluxo com o aumento do ângulo é esperado para baixas energias, enquanto que para altas energias deve ocorrer um acréscimo ocasionado pelo aumento da probabilidade de decaimento dos mésons π e K. Para baixas energias há uma diminuição no fluxo devido aos desvios na trajetória causados pelo campo magnético terrestre que implica no aumento da trajetória das partículas [5]. Desta forma, podemos deduzir que a distribuição angular zenital de múons para ângulos menores que 75˚ pode ser expressa por uma equação do tipo:
6
( ) ( )θθ nII cos0= (9) onde: θ é o ângulo zenital, I0 é o fluxo de múons na direção vertical (θ=0˚) e o expoente n é uma fração do momento dos múons, que para a intensidade integrada à baixas energias tem valor de n = 2 [5 e 6]. Esta equação nos será útil para a determinação correta dos múons através dos detectores do equipamento que desenvolvemos. III. O TELESCÓPIO DE MÚONS (TM)
O equipamento que desenvolvemos (ao qual denominamos de Telescópio de Múons ‐ TM) é constituído de dois detectores de partículas, uma eletrônica composta de fontes de tensão, contadores, discriminadores, osciloscópio, cabos, conexões e um microcomputador. Esses detectores são montados sobre uma estrutura metálica com divisões de alturas fixas, mas que podem ser intercambiáveis.
Fig. ‐2: Imagem do TM em sua configuração
atual. Cada detector, cujo formato se assemelha a uma “raquete”, tem a secção sensível constituída de plástico cintilador onde ocorre a interação do múon e a conseqüente produção de fótons de cintilação. Esses fótons são transportados por guias de luz até um tubo fotomultiplicador onde são convertidos em um sinal elétrico. A figura ‐2 ilustra uma visão global do Telescópio de Múons na sua configuração atual. A seguir, destacamos os principais componentes desse equipamento, inclusive destacando os procedimentos adotados para medir a eficiência de cada detector e as medidas do fluxo de múons.
IIIa. O Cintilador
Um cintilador é constituído por bloco de plástico transparente (Polivinyltolueno) que é dopado com moléculas cintilantes. Para aumentar a intensidade do sinal forramos com papel de alumínio refletor e protegemos da luz externa envolvendo‐o com fita
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adesiva preta. A função das moléculas cintilantes é detectar a passagem de partículas carregadas.
Quando uma partícula carregada atravessa uma quantidade de matéria ela perde parte da sua energia para o meio que atravessou. Assim, essa energia é absorvida pelos elétrons das moléculas desse meio, que transitam para um nível de maior energia. Quando estes elétrons retornam de novo ao estado fundamental re‐emitem a energia absorvida sob a forma de luz visível. No caso dos cintiladores usados em nosso TM a luz emitida é no comprimento de onda do violeta (λ ~ 430 nm). Esta luz propaga‐se ao longo do plástico do cintilador, é refletida nas folhas de alumínio, sendo recolhida por guias de luz. Um guia de luz é também uma peça de plástico transparente mas que é cortada com uma forma geométrica especial de maneira a focar a luz numa área pequena. O guia de luz é colocado numa das extremidades do cintilador de modo a conduzir a luz na direção da fotomultiplicadora (figura ‐3a).
Fig. –3b: Esquema da amplificação de um sinal luminoso que entra pela janela (parte superior), através de dínodos que são alimentados por divisores de tensão. (fonte: www.lip.pt).
Fig. –3a: A propagação de sinais luminosos dentro das raquetes e direcionando‐os para o guia de luz. (fonte: www.lip.pt).
IIIb. A Fotomultiplicadora
Uma fotomultiplicadora tem a função de converter a luz em sinal elétrico. A
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intensidade do sinal elétrico é tanto maior quanto maior for a quantidade de luz detectada. Esta conversão baseia‐se num fenômeno da Física Quântica denominado efeito fotoelétrico. Basicamente, a luz que provem do guia de luz entra na fotomultiplicadora por uma janela e incide sobre uma superfície designada fotocátodo. Aí é absorvida pelos elétrons atômicos os quais adquirem energia suficiente para se libertarem da atração do núcleo. Os elétrons libertados sofrem a ação de uma elevada diferença de potencial e são acelerados para uma placa designada dínodo. Ao chocarem com o dínodo liberam‐se novamente elétrons atômicos multiplicando o sinal elétrico inicial. Este processo de aceleração/multiplicação é repetido ao longo de uma cadeia de dínodos e quando os elétrons atingem o ânodo da fotomultiplicadora formam uma corrente elétrica detectável. (figura ‐3b). O sinal de saída da fotomultiplicadora é posteriormente analisado utilizando um osciloscópio.
Em resumo, quando uma partícula carregada (por exemplo: μ‐ + μ+) atravessa um cintilador (empregamos o tipo: NE102A) deposita nele uma quantidade de energia que é convertida em luz. Esta luz atravessa o cintilador e é focada por um guia de luz numa fotomultiplicadora (usamos: PMT2232B‐Philips). Na fotomultiplicadora a luz é convertida em corrente elétrica, a qual é usada para assinalar a passagem das partículas de um CAE. Esse sinal é encaminhado ao módulo eletrônico do TM que será descrito mais abaixo.
IIIc. A eletrônica empregada no TM
Os módulos de eletrônica empregados no TM são módulos no padrão NIM e descritos em detalhes por Leo [11]. A figura ‐4 ilustra um esquema básico da eletrônica de aquisição de dados desenvolvida para a contagem de partículas carregadas. Basicamente, o sistema eletrônico recebe o sinal analógico de cada detector (via fotomultiplicadora) que é levado a este sistema através de cabos coaxiais de 50 Ω, com 30 m de comprimento, o que impõe um atraso sistemático de 10 ns em cada detector. Um módulo discriminador (usamos o modelo CAEN mod. 96) recebe esse sinal e emite um pulso lógico com 90ns de largura quando os pulsos de entrada superam –20mV. Esses pulsos são então levados a um módulo de coincidência temporal (empregamos o modelo CAEN mod. 81A) que emite um sinal de saída quando ocorre sinal em ambos detectores dentro da janela (90ns) de coincidência.
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Fig. –4: Ilustração sobre o esquema da eletrônica de aquisição de dados empregada no TM.
Dentro desta janela a coincidência se deve a múons da radiação cósmica. O sinal é
então levado para um contador e para um gerador de áudio (opcional). Todos esses periféricos, além da fonte de tensão (utilizamos o modelo TCH3000), estão acoplados num CRATE NIM (Lecroy: modelo 1403). A figura ‐5 mostra todo o sistema eletrônico modular acoplado no CRATE. Utilizando dois canais de um osciloscópio (HP modelo 5461B), podemos estabelecer a diferença temporal entre o registro da partícula no primeiro (superior) e no segundo (inferior) detector.
Fig. ‐5: Parte da eletrônica (CRATE) utilizada na identificação das medidas do fluxo de múons.
A partir dessa eletrônica, faz‐se uma programação lógica com base na coincidência dupla dos dois detectores que enviam os sinais para contadores (usamos o tipo: SEM Scaler Type 150 com capacidade para 950 MHz), como ilustra a figura ‐4.
10
Para avaliarmos a eficiência de cada detector realizamos várias medidas adotando a seguinte sistemática: realizamos a programação lógica que fazia a coincidência dupla dos detectores acima e abaixo do detector cuja eficiência estava sendo medida. Também medimos a coincidência tripla dos três detectores, e a mesma era registrada. As medidas foram repetidas três vezes para cada tensão fixa e estabilizada, e eram feitas com tempo de exposição fixo em 60 segundos (marcados através de um cronômetro digital Technos modelo CR‐2032X1).
Fig. ‐6: Diagrama de aquisição para medida da
eficiência. Através de uma análise detalhada das figuras ‐7 podemos estimar a melhor tensão a ser empregada na alimentação das fotomultiplicadoras. No caso assumimos que ela ficou em torno de 1600 Volts, o que corresponde a uma eficiência média de 87% para cada detector.
Fig. ‐7a, b e c: Eficiências dos detectores empregados no experimento TM.
IV. RESULTADOS EXPERIMENTAIS
IVa. Aquisição e correções dos dados
As medidas das eficiências dos detectores que operamos no TM são levadas em consideração na medida real dos fluxos de múons que realizamos variando a distância entre eles desde 0,105 até 2,105 m. Nesse intervalo de distância foram realizadas doze medidas para alturas diferentes. Como cada detector possui uma eficiência de 87% e como empregamos dois detectores para medir cada evento em modo de coincidência, então a eficiência efetiva do TM é o produto da eficiência dos dois detectores, o que resulta um
11
valor em torno de 75,7%. Para efeitos de medidas, na prática fixamos um tempo de integração em 180 segundos, sendo o número de múons coincidentes que passou neste intervalo de tempo (isto é, registrado em ambos detectores) anotado numa planilha EXECEL do microcomputador. Para cada altura entre os detectores realizamos de quatro a cinco integrações no mesmo intervalo temporal, sendo calculada a média e o desvio padrão associada àquela distância. Uma correção importante nas medidas do fluxo real de partículas é dada pela região espacial útil definida pelo TM. Essa região é denominada de abertura equivalente (Ab) do dispositivo e está relacionada à geometria da colocação superposta dos dois detectores. As medidas físicas dos detectores que utilizamos são fixadas em: X=0,41 m, Y=0,38 m (para as laterais) e Z=2,105 m (para a máxima altura entre os detectores). No caso das medidas do fluxo de múons empregamos um arranjo composto por dois detectores planos. A figura ‐8 ilustra um esquema que possibilita encontrar geometricamente o termo Ab, que nada mais é do que a fração que o telescópio consegue “enxergar” em todas as direções possíveis. Essa medida depende do arranjo geométrico entre os detectores. Para resolver essa questão fundamental recorremos o conceito de ângulo sólido aplicado ao arranjo experimental [12]. No detector‐1 (superior) temos o elemento de área dado por:
rddydxdA ˆ1111 ⋅== σr . E, da mesma forma, para o detector‐2 (inferior) temos:
rddydxdA ˆ2222 ⋅== σr . Expressamos o termo Ab do TM empregando a equação abordada em [12] como:
∫∫ ⋅=12
1SS
nb rddA ˆ)(cos σωθ r
(10) Analisando a figura ‐8 identificamos que a equação (10) pode ser re‐escrita na forma:
'')(cosˆ)(cos dydydxdxZ
rddAX X Y Y
n
S S
nb θσωθ ∫ ∫ ∫ ∫∫ ∫ +=⋅=
0 0 0 0
421
1
2 1
r (11)
As soluções explícitas para esta equação, fazendo n = 0, 1, 2, 3 e 4, podem ser encontradas em [7]. No caso do TM que trabalhamos, o mesmo possui uma simetria retangular com dois detectores de dimensões X, Y e altura entre eles dada por Z. Neste caso, encontra‐se uma expressão do tipo:
( ) ( )
}
{21 2222
⎥⎦
⎤⎢⎣
⎡⎟⎠⎞
⎜⎝⎛⋅+⎟
⎠⎞
⎜⎝⎛⋅−
−⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛⋅⋅++⎟
⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛⋅⋅+⋅=
ZYarctgY
ZXarctgXZ
RYarctg
RYXR
RXarctg
RXYRA
xxx
yyyb
(12)
12
sendo: e .
222 ZXRx += 222 ZYRy +=
dA2
dA1
r Z
r ̂
r ̂
θ
θ
y2 – y1x2 – x1
d σ2
d σ1
Fig. ‐8: Esquema da geometria espacial do arranjo de detectores empregado para determinação da abertura (Ab) do telescópio de múons.
Assim, uma estimativa de Ab para o TM pode ser encontrada ao substituirmos os valores de X, Y e Z. Na Tabela listamos os valores de Z (distância entre os detectores em m), os valores de Ab para diferentes alturas (em m2.sr) e as medidas coletadas para as freqüências e os respectivos erros (em Hz) para cada uma das doze distâncias diferentes.
TABELA: Medidas realizadas por meio das coincidências.
Características do Telescópio
Medidas
Distância
Abertura
Freqüência ± erro
Fluxo (Φ) .s(múons.m‐2 ‐
1(m) (m2.sr) (Hz) .sr ) ‐1
2,105 0,0053 0,66±0,03 100,98 1,885 0,0065 0,77±0,03 118,74 1,715 0,0078 0,94±0,06 122,45 1,475 0,0104 1,24±0,07 100,98 1,215 0,0149 1,54±0,04 118,74 1,085 0,0182 2,13±0,09 122,45
13
0,915 0,0245 2,84±0,08 100,98 0,675 0,0400 4,60±0,12 118,74 0,510 0,0595 6,94±0,18 122,45 0,345 0,0931 10,22±0,34 100,98 0,275 0,1138 12,77±0,28 118,74 0,105 0,1852 20,64±0,27 122,45
Φmédio = 111,37±0,80 (múons.m .s .sr ) ‐2 ‐1 ‐1
IVb. Resultados a respeito do fluxo de múons
Quando o sistema eletrônico infere uma coincidência, isso representa uma contagem útil ou um evento (portanto, um múon foi detectado). Trabalhamos com o TM dentro do prédio em que se encontra o Laboratório do Léptons do DRCC do IFGW‐UNICAMP. Como dissemos anteriormente, empregamos um intervalo de tempo de integração fixado em 180 segundos, onde fizemos várias integrações (geralmente 4 ou 5) para medirmos as contagens numa determinada distância (Z) entre os detectores. Essas distâncias foram variadas e os correspondentes valores de Ab foram calculados, além das medidas em freqüências e seus desvios. Os fluxos (múons.m .s .sr‐2 ‐1 ‐1) correspondentes a cada altura Z também estão listados na Tabela abaixo. Essas medidas foram realizadas através do uso da relação:
bAtN⋅Δ
=Φ
(13)
sendo: N o número de eventos coincidentes, Δt o tempo de integração e Ab a abertura equivalente. A partir desses dados, geramos a figura ‐9 que reflete o comportamento das freqüências (contagens/seg.) com as distâncias entre os detectores (m). Analisando o ajuste das medidas fica fácil de perceber que, na medida em que afastamos os detectores um do outro a freqüência de partículas (ou seja, as coincidências) vai diminuindo gradativamente.
14
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,50
5
10
15
20
25
30
Chi2 = 0.06432R2 = 0.99894
Freq
uênc
ia [c
onta
gens
/seg
.]
Distância entre os detectores [m]
Fig. ‐9: Comportamento da freqüência com a distância entre os dois detectores
Através de um ajuste pelos pontos da figura ‐9 encontramos a medida do fluxo médio em:
Ф = 111,37±0,80 (múons.m .s .sr ) ‐2 ‐1 ‐1médio
Do que discutimos na secção anterior, esse fluxo deve ser corrigido pela eficiência de detecção (que foi de ~75,7%). Assim, encontramos como melhor valor para o fluxo médio de múons:
Ф = 147,12±0,88 (múons.m .s .sr ) ‐2 ‐1 ‐1
IVc. Comparações dos resultados
A figura ‐10 é uma adaptação do trabalho de Eidelman e colaboradores [9] e representa o fluxo vertical dos raios cósmicos secundários (onde também inclui‐se os múons carregados: μ+ + μ‐) em relação à altura e a profundidade atmosférica. Analisando essa figura estimamos que a uma altura de 15000 m o fluxo vertical de múons tem um valor próximo a 220 múons.m .s .sr‐2 ‐1 ‐1, enquanto que para uma altitude de 640 m acima do nível do mar (mais ou menos onde se se localiza Campinas – local da coleta das medidas aqui analisadas), esse valor passa a ser da ordem de 107 múons.m .s .sr . ‐2 ‐1 ‐1
Porém, com o TM que empregamos foram detectados cerca de 147 múons.m .s .sr‐2 ‐1 ‐1, o que representa um valor ~37,5% superior ao que seria esperado da literatura [9].
15
Fig. ‐10: Intensidade vertical de múons secundários da radiação cósmica em função da altitude [9]. Os símbolos são dados experimentais para múons negativos e a linha representas muons (μ+ e μ ) calculados a partir do fluxo de nucleons primários. ‐
Tomando como outra base de comparação a principal referência em física de
partículas, que é a publicação bienal do Particle Data Group [3], ela traz como um valor para o fluxo de múons no nível do mar a cifra de 90 (múons.m‐2.s .sr ). ‐1 ‐1
Essas diferenças se devem ao fato de que o valor expresso pela literatura [3 e 9] ser uma referência para o hemisfério norte da Terra. Em Campinas (~23˚S ‐ ~47˚W) o valor experimental obtido neste trabalho reflete o diferente corte geomagnético imposto pelo campo magnético terrestre às partículas carregadas. Neste sentido, vale lembrar que a intensidade vertical de múons em Nova York é de 98,8 múons/(m2.s.sr) e para Brasília é de 150,2 múons/(m2.s.sr), conforme consta publicado em [8]. V. CONCLUSÕES
Neste trabalho apresentamos de forma sucinta algumas características relacionadas aos raios cósmicos, em particular aos Chuveiros Atmosféricos Extensos (CAE) e a uma das partículas que se originam desse fenômeno – os múons da radiação cósmica. Montamos um experimento capaz de detectar o fluxo de múons na superfície terrestre. Descrevemos em detalhes esse experimento (o qual denominamos por telescópio de múons – TM), no que se refere aos cintiladores plásticos, fotomultiplicadoras, fontes de alta tensão, osciloscópio, cabos e conectores, além de uma eletrônica modular no padrão NIM capaz de inferir sinais em pequeno intervalo de tempo. Analisamos as correções necessárias para a correta medida do fluxo de múons que, basicamente, estão relacionadas
16
à abertura equivalente (devido aos dois detectores) e a eficiência mútua dos detectores. Após todas as correções necessárias detectamos um fluxo médio de 147,12±0,88
(múons.m‐2.s‐1.sr‐1). Essa informação experimental foi comparada com os dados disponíveis na literatura e, comprovamos que a medida inferida para a região de Campinas é aceitável, pois se encontra no intervalo esperado para a intensidade vertical de múons no hemisfério sul da Terra.
Devemos lembrar que os múons são partículas relativísticas (deslocam‐se com velocidades próximas à da luz), assim, dependendo de que sistema de referência que escolhermos para fazer as medidas, a detecção dessas partículas pelo TM ilustra uma realidade física prevista na Teoria da Relatividade Restrita, seja através da dilatação do tempo, ou da contração do comprimento, como é discutida na literatura [13]. A perspectiva deste trabalho está em poder envolver‐se com tópicos em física moderna e em astrofísica de alta energia. É nosso intuito continuar realizando medidas do fluxo de múons para: a) verificar possíveis variações devido à dependência com o campo magnético terrestre e b) a influência da variabilidade na atividade solar frente à atmosfera terrestre e o fluxo de múons detectável. Esperamos também poder levar o equipamento junto às feiras de ciências, observatórios, planetários e escolas; para não só passar conteúdos e conhecimentos da física moderna e da astrofísica, mas também mostrar para as pessoas um outro tipo de informações proveniente do espaço (fora da região visível do espectro eletromagnético) e, assim, motivá‐las no estudo de ciências. VII. AGRADECIMENTOS
JCP agradece parte dos recursos vindos através do DGRH e da PROPESQ da PUC‐Campinas e da PMC através do OMCJN. LFGG agradece ao SAE da UNICAMP. DMC agradece ao CNPq pela bolsa de iniciação científica concedida.
VIII. BIBLIOGRAFIAS
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