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19/12/2014 PLENRIO
RECURSO EXTRAORDINRIO 422.349 RIO GRANDE DO SUL
VOTO
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:Anote-se, inicialmente, que o acrdo recorrido foi publicado em
5/11/03, conforme expresso na certido de fl. 129, o que afasta a exigncia de demonstrao da existncia de repercusso geral das questes constitucionais trazidas no recurso extraordinrio, conforme decidido na Questo de Ordem no AI n 664.567/RS, Pleno, Relator o Ministro Seplveda Pertence, DJ de 6/9/07.
Pleitearam os recorrentes que lhes fosse reconhecido o direito de usucapir imvel urbano sobre o qual exercem posse mansa e pacfica desde o ano de 1991 e onde, ademais, edificaram uma casa, na qual residem, acrescentando que no possuem outra propriedade imobiliria.
Contudo, o pedido declaratrio, com fundamento constitucional, foi rejeitado pelo Tribunal de origem, sob o argumento de que tinha por objeto imvel com rea inferior ao mdulo mnimo definido pelo Plano Diretor do respectivo municpio para os lotes urbanos, muito embora tenha aquela Corte reconhecido, expressamente, naquela deciso, que os recorrentes, de fato, preenchiam os requisitos legais impostos pela norma constitucional instituidora da assim denominada usucapio especial urbana para, por seu intermdio, terem reconhecido o direito de propriedade sobre o aludido imvel.
Sem razo, contudo, a deciso recorrida.Para o acolhimento de uma pretenso como essa, basta o
preenchimento dos requisitos exigidos pelo texto constitucional, no podendo ser erigido obstculo outro, de ndole infraconstitucional, para impedir que se aperfeioe, em favor de parte interessada, o modo originrio de aquisio de propriedade.
Tendo ficado estabelecido, pelas instncias ordinrias, que os recorrentes efetivamente preenchiam os requisitos constitucionais
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formais, no seria possvel rejeitar, pela interpretao de normas hierarquicamente inferiores Constituio, a pretenso que deduziram com fundamento em norma constitucional.
No se pode perder de vista, ademais, que o imvel em tela est perfeitamente identificado e localizado dentro da rea urbana do respectivo municpio, alm de se encontrar regularmente reconhecido pelo poder pblico municipal, que sobre ele faz incidir e recebe, regularmente, os competentes tributos.
Tampouco se pode descurar da circunstncia de que a presente modalidade de aquisio da propriedade imobiliria foi includa em nossa Carta como forma de permitir o acesso dos mais humildes a melhores condies de moradia, bem como para fazer valer o respeito dignidade da pessoa humana, erigido a um dos fundamentos da Repblica (art. 1, inciso III, da Constituio Federal), fato que, inegavelmente, conduz ao pleno desenvolvimento das funes sociais da cidade, alm de garantir o bem-estar de seus habitantes (art. 182, caput, da Constituio Federal).
Assim, a desconformidade de sua metragem com normas e posturas municipais que disciplinam os mdulos urbanos em sua respectiva rea territorial no podem obstar a implementao de direito constitucionalmente assegurado a quem preencher os requisitos para tanto exigidos pela Carta da Repblica; at porque ressalte-se trata-se de modo originrio de aquisio da propriedade.
H que se destacar, ainda, a existncia de firmes posicionamentos doutrinrios a corroborar a concluso a que aqui se chegou.
Representativo desse entendimento doutrinrio, o seguinte excerto da magistral obra Tratado de Usucapio, volume I, Editora Saraiva, 2008, de autoria do eminente jurista Benedito Silvrio Ribeiro: Cabe ressaltar que a funo social da propriedade pode levar a contornar requisitos urbansticos e mesmo do plano diretor da cidade, sem o rigor inerente ao parcelamento do solo (p. 942).
Discorrendo sobre a norma do referido artigo e posicionando-se contra a fixao, por lei municipal, de limite mnimo para esse tipo de
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usucapio, disserta o aludido autor, em ensinamento aplicvel tambm para a hiptese inversa, que a retratada nestes autos, que no se trata de atropelar preceito sobre postura municipal, de vez que norma constitucional deve-se atribuir mxima eficcia, cedio tambm que competente a Unio para legislar nesse particular, conforme o inciso I, do artigo 22 da CF (op. cit., p. 945).
H que se ressaltar que no se est, nesta oportunidade, declarando a inconstitucionalidade de qualquer norma municipal, a qual, ressalte-se, jamais foi revelada nos autos. Tanto a sentena como o acrdo que julgou a apelao no fazem referncia especfica a uma determinada lei municipal. A deciso objurgada deixou, simplesmente, de aplicar o disposto no art. 183 da Constituio Federal, sob os seguintes argumentos, que passo a transcrever:
Ora, no Municpio de Caxias do Sul, est afirmado nos autos sem contestao, o mdulo mnimo de parcelamento do
solo urbano de 360 m2. Esta a vontade manifestada pela populao pela sua Casa Legislativa Municipal, a qual est autorizada a sobre a matria se manifestar por fora do que dispe o artigo 30, incisos I, II e VIII, da Constituio Federal.
Alis, tambm a legislao infraconstitucional, especificamente a j citada Lei n 10.257, de 10 de julho de 2001, dispe, quando se refere ao Plano Diretor, que
Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua funo social quando atende s exigncias fundamentais de ordenao da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidados quanto qualidade de vida, justia social e ao desenvolvimento das atividades econmicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2 desta Lei.
Art. 41. O plano diretor obrigatrio para cidades:I - com mais de vinte mil habitantes; (fato notrio no
que toca ao Municpio de Caxias do Sul).
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Portanto, no somente a rea que o autor pretende ver declarada a usucapio, para esses efeitos, claro, no considerada jurdica e legislativamente terreno ou lote, como tampouco a procedncia da ao, acaso se viesse a ocorrer, estaria respeitando o conceito jurdico de funo social da propriedade.
O fato, para que no se perca de vista o foco do debate, que os autores, malgrado tenham estabelecido composse em
um terreno urbano de 360 m2, inclusive erigindo no local uma residncia, pretendem fracionar lote urbano em total violao lei.
Assim sendo, conquanto reconhea-se que vivemos momentos onde solues judiciais prticas e corajosas urgem, pois a superpopulao das cidades esto na mesma proporo das demandas para regulamentao das aquisies imobilirias, o artigo 183 da Constituio Federal no se oferece como apangio para todos os males. Tem ele lugar em situaes diversas da ora sob anlise, cuja discusso acadmica sequer disputa lugar nestes autos, que trata de caso especfico.
Por esses motivos, ESTOU NEGANDO PROVIMENTO AO RECURSO.
Oportuno se faz apontar a correo do respeitvel parecer ministerial ofertado antes do julgamento dessa apelao. Vide os pertinentes argumentos jurdicos:
A sentena negou a pretenso sob o fundamento de que a
rea do imvel usucapiendo, que de 360 m2, mostra-se
superior ao permitido por lei - 250 m2.Primeiramente, diga-se que os autores, em momento
algum, postularam a declarao de domnio sobre a rea de
360 m2. Segundo a inicial, pretendem usucapir a poro de
225m2 destacada de um todo maior, dividida em composse com Jos Roque Maia Pereira[,] o qual, citado, no ofereceu
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contestao. A propsito, o Juiz de Direito (RS) Gilberto Schfer, em elucidativo artigo publicado na Revista da Ajuris, vol. 89, maro de 2003, p. 71, leciona: H discusso se pode haver a usucapio de rea de 250 metros dentro de um todo maior - por exemplo de 300 metros. Apesar de polmica, a resposta afirmativa, pois o que a norma exige que se tenha posse de 250 metros, a qual dever ser afirmada e provada dentro desse parmetro. No importa o tamanho da rea no registro, mas a rea em que o usucapiente exerce posse (tem poder ftico).
Depois, inexiste proibio legal de que ocorra prescrio aquisitiva de rea dentro de um todo maior, alm de que eventual composse no impede o exerccio do direito por parte de um dos compossuidores, o que deflui do disposto no artigo 488 do Cdigo Civil revogado. De acordo com a Doutrina (Caio Mrio da Silva Pereira, Instituies de Direito Civil, vol. IV, P. 35), a composse obviamente temporria e pode cessar em trs hipteses, uma das quais "quando um compossuidor, ainda que arbitrariamente, mas sem oposio dos demais, exerce poderes exclusivos sobre parte certa e determinada da coisa, estabelecendo-se, assim, uma situao de fato que no incompatvel com o prprio conceito de posse. (os grifos no constam no original) (fls. 113 e 114 - negrito nosso).
Aponta o saudoso professor Celso Bastos, em sua obra Comentrios Constituio do Brasil (Saraiva, 1990. v. 7, p. 347) - a despeito de ter tratado de usucapio constitucional rural, pois a tese plenamente aplicvel hiptese dos autos -, que reas inferiores ao tamanho fixado na norma constitucional tambm podem ser objeto desse tipo de usucapio, refutando a aplicao ao caso da legislao referente a mdulos, na medida em que es[s]es tm em mira o desdobramento comum da propriedade, mas no nosso entender no podem funcionar como obstculo para que um instituto constitucional atinja o seu desiderato. So, portanto, usucapveis mesmo as reas de propores inferiores ao mdulo rural da regio.
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Nessa conformidade, a deciso recorrida, por negar vigncia ao comando exarado na norma do art. 183 da Constituio Federal, no pode subsistir, devendo ser reformada, de modo que se acolha o pedido formulado pelos recorrentes.
Por derradeiro, dada a relevncia da questo do ponto de vista social e jurdico, proponho o reconhecimento da repercusso geral do tema, com a aprovao da seguinte tese: preenchidos os requisitos do art. 183 da Constituio Federal, o reconhecimento do direito usucapio especial urbana no pode ser obstado por legislao infraconstitucional que estabelea mdulos urbanos na respectiva rea em que situado o imvel (dimenso do lote).
Ante o exposto, conheo do recurso e a ele dou provimento para reconhecer aos autores da demanda o domnio sobre o imvel descrito na petio inicial, dada a implementao da usucapio urbana prevista no art. 183 da Constituio Federal, devendo o Juzo de origem encetar as providncias necessrias para a formalizao do ato. Condeno os rus, vencidos, ao pagamento das custas processuais e dos honorrios de advogado, que so arbitrados, nos termos do art. 20, 4, do Cdigo de Processo Civil, em 20% do valor dado causa.
como voto.
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