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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Realização curricular cotidiana: uma ecologia de saberes-fazeres-poderes na formação de pedagogos Vitória 2009

Realização curricular cotidiana: uma ecologia de saberes ...portais4.ufes.br/posgrad/teses/nometese_38_MARIA ENEIDA FURTADO... · De contínuas lutas utópicas. É uma poética

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Realização curricular cotidiana: uma

ecologia de saberes-fazeres-poderes na

formação de pedagogos

Vitória

2009

MARIA ENEIDA FURTADO CEVIDANES

Realização curricular cotidiana: uma ecologia de

saberes-fazeres-poderes na formação de pedagogos

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Educação do Centro de Educação da Universidade

Federal do Espírito Santo, como requisito parcial

para obtenção do título de Doutor em Educação, na

linha de pesquisa Escola, Currículo, Sociedade e

Cultura.

Orientador: Profª Drª Janete Magalhães Carvalho.

Vitória

2009

Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

Cevidanes, Maria Eneida Furtado. C424r Realização curricular cotidiana : uma ecologia de saberes-fazeres-

poderes na formação de pedagogos / Maria Eneida Furtado Cevidanes. – 2009.

320 f. Orientadora: Janete Magalhães Carvalho. Tese (doutorado) – Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de

Educação. 1. Pedagogos - Formação. 2. Currículo. 3. Educação. 4. Saberes da

docência. I. Carvalho, Janete Magalhães, 1945-. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação. III. Título.

CDU: 37

MARIA ENEIDA FURTADO CEVIDANES

Realização curricular cotidiana: uma ecologia de saberes-

fazeres-poderes na formação de pedagogos

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da

Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do título de

Doutor em Educação, na linha de pesquisa Escola, Currículo, Sociedade e Cultura.

Aprovada em 27 de novembro de 2009.

COMISSÃO EXAMINADORA

________________________________________ Profª Drª Janete Magalhães Carvalho

Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Orientadora

________________________________________ Profª Drª Regina Helena Simões Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

________________________________________ Carlos Eduardo Ferraço Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

____________________________________________

Célia Linhares Universidade Federal Fluminense (UFF) _____________________________________________ Maria Isabel Cunha Universidade Federal Vale dos Sinos (UNISINOS)

DEDICATÓRIA

Este estudo é fruto do amor, da perseverança, do incentivo da minha mãe, Eneid de Vasconcellos Furtado, ao longo de toda a minha vida. É a ela que dedico este trabalho, com muito carinho e reconhecimento.

1

AGRADECIMENTOS A Deus pela vida e pelos dons Que Ele me dá todos os dias. À minha família pela compreensão. À minha orientadora pelo apoio e ensinamentos. Aos membros da banca pelo aceite em participar. Às colegas professoras, às alunas, às funcionárias pela disponibilidade para nossas conversas. Aos amigos e amigas pelo companheirismo e pela presença. Aos autores pelos textos que fizeram parte da minha caixa de ferramentas. A todos que participaram de algum modo, para que este trabalho fosse realidade.

OBRIGADA!

2

3

1 Componentes da banca (e eu): Célia Linhares, Janete M. Carvalho (orientadora), Maria Isabel Cunha, eu, Regina Simões, Carlos Eduardo Ferraço. 2 Amigos, colegas de trabalho, filhos presentes na defesa. 3 Com o filho Vítor e com as amigas, Penha Sodré e Angélica Cabral.

Certeau4 me inspira no desafio de escrever este texto, assim, como um devir-escrita. Consumo-produção simultâneos. Na caneta, o sangue. O sangue que circula, alimenta E leva vida a todo o meu corpo. O sangue que escreve-inscreve, Nesse mesmo corpo, histórias de Estudos, trabalhos, desejos, vontades, Sonhos, realidades, alegrias, tristezas, Cansaços, fracassos, sucessos. Histórias que fazem desse percurso Momentos possíveis, Vivíveis Na estética e na ética materializadas na arte, Trajetórias de vida e morte. Histórias que fazem desse corpo Um palimpsesto, um corpo-escrevível. Cada palavra escrita na pele, Tatua na alma e na mente, Verdades de consumo-produção De contínuas lutas utópicas. É uma poética escriturística. Operação infindável que se faz escrita, Que se renova, que se altera, que se reescreve. Movimento processual, Incompleto, interminável, infinito. Um pergaminho. Um corpo-escrita-devir. ENEIDA

5

4 Michel de Certeau. 5 Fonte: internet.

RESUMO O presente trabalho, intitulado “Realização curricular cotidiana: uma ecologia de saberes-fazeres-poderes na formação de pedagogos”, expressa minha vivência e inserção com o cotidiano do curso de Pedagogia, em que tive-tenho oportunidade de atuar como docente e minha trajetória como professora-sempre-estudante, ao longo da vida. O tema pesquisado focou a seguinte problemática investigativa: “a compreensão dos modos como professores-formadores e alunos-futuros-pedagogos produzem a rede de saberes-fazeres-poderes que perpassa a realização cotidiana do currículo do curso de Pedagogia”. Neste sentido, teve como objetivo principal, “cartografar a produção de saberes-fazeres-poderes que atravessa o processo de realização cotidiana do currículo do curso de Pedagogia”. Tomei como principal intercessor teórico Boaventura de Sousa Santos, em diálogo com outros autores selecionados em função da temática, dos objetivos e dos achados que emergiam ao longo da investigação. A pesquisa foi realizada com o cotidiano do curso matutino de Pedagogia da UFES, com amostra intencional de professoras, alunas e funcionárias. Os tópicos abordados nas conversas foram decorrentes da temática estudada: currículo, formação, saberes-fazeres-poderes, modos de ensinar-aprender-para-ensinar, artefatos culturais, estratégias e táticas. Para produção de dados foram utilizados: entrevista-conversação, acompanhamento de movimentos processuais de realização do curso, pesquisa bibliográfica e documental. No Projeto Pedagógico de Curso (PPC, 2006) pesquisado, os saberes-fazeres-poderes da formação estão consubstancializados em três núcleos de ensino que constituíram o parâmetro para a tradução, na perspectiva da produção de um novo senso comum emancipatório. A análise dos dados configurou-se, a partir da perspectiva de Santos, na razão cosmopolita, configurada na sociologia das ausências e das emergências, no trabalho de tradução, na ecologia de saberes e das práticas, auxiliados pela hermenêutica diatópica, procedimentos esses, próprios a uma “epistemologia do Sul”. Partindo, assim, do pressuposto que a formação docente implica a produção de subjetividades insurgentes “guiadas” pelos “topoi” da fronteira (político), do barroco (estético) e do Sul (ético), bem como a proliferação de comunidades interpretativas nos contextos onde interagem docentes-discentes, no processo compartilhado de realização curricular. Nessa perspectiva, experiências disponíveis e possíveis foram visibilizadas e podem ajudar a fertilizar os modos de ensinar-aprender-a-ensinar. Conclusões, ainda que provisórias, evidenciam que a discussão da formação de pedagogos deve ultrapassar o espaço doméstico e alcançar outros espaços sociais, pois o currículo implica movimentos transfronteiriços, sendo nesses campos sociais que ocorrem as práticas de produção de conhecimentos e onde vigoram as lógicas de produção da não-existência que devem ser confrontadas pelas ecologias. Considerando os desafios epistemológicos que a formação de pedagogos (docentes e não-docentes) necessita enfrentar e cuidar, este estudo assume uma Pedagogia da Aposta, pretendendo, com ele, contribuir para suscitar inúmeros outros temas de pesquisa, visto que na perspectiva de ciência trabalhada, todo estudo é inconcluso e sempre aberto a novas e múltiplas interpretações e experimentações. Palavras-chave: 1. Pedagogos - Formação. 2. Currículo. 3. Educação. 4. Saberes da docência.

ABSTRACT

This Doctoral Dissertation, entitled “Routine Curriculum: an Ecology of knowing-doing-empowering In Teacher Education”, expresses my experiences and engagement in the Pedagogy-Teacher Licensure Programs at UFES (Federal University of the State of Espirito Santo, in southeast Brazil), where I work as an university professor. It is also based upon my on-going experience of teacher-always-student throughout my professional life. The key problem of investigation was understanding the ways in-service teachers (university professors) and students-to become teachers (undergraduate students) produce the knowledge-doing-empowering networks which underlie the daily routine curriculum implementation in the Pedagogy course (major) at UFES. The investigation's major objective was to map these knowledge-doing-empowering, according to the descriptions made by faculty and students in the Program. The framework for interpretation was based on the work of Boaventura de Sousa Santos and other selected authors, according to the emerging theme, the objectives and major findings. The research itself was conducted using a purposeful sample of professors, students and staff personnel at the Pedagogy Program at UFES. The informal conversation-interviews topics were defined according to essential dimensions of the investigated problem: curriculum, teacher training, knowledge-doing-empowering, modes of teaching-learning to teaching, cultural artifacts, strategies and teaching methods. Data were collected through a combination of approaches: conversation-interviews, on-going continuing observation of activities that illustrated the teaching learning approaches, bibliographic and primary sources. Data analysis was also based upon Santos theoretical framework. Major conclusions indicate that the discussion about the preparation of pedagogos (graduates from the Pedagogy program in Brazil) should go further than the so-called domestic space in order to achieve other social spaces, since curriculum implies bordering movements where the knowledge production take place and where the production of the non-existence may be confronted by the ecologies. Therefore, considering the epistemological challenges derived from the training of pedagogos, this study proposes a Pedagogy of Gambling. This may contribute for new research themes, considering that in the scientific approach used in this study, every investigation is an open-ended recollection of findings, always open to new and varied interpretations and experimentations.

Key words: 1. Teachers - Teacher Training. 2. Curriculum. 3. Education. 4. Teaching Knowledge.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..............................................................................................13 Para início de conversa......................................................................................................13

Movimentos para delinear a tese..............................................................................18 Contextualizando o estudo......................................................................................25 Novos modos de fazer ciência..................................................................................28 Síntese dos capítulos...............................................................................................37

Anexos............................................................................................. .........................39 CAPÍTULO 1..................................................................................................41 A “Pedagogia” e o curso de Pedagogia..............................................................................41

O curso de Pedagogia na UFES..............................................................................43 O novo currículo de Pedagogia................................................................................44 Percorrendo outros contextos....................................................................................48 A realização curricular: dobrar, desdobrar, redobrar..............................................49 Quem endereça e a quem é endereçado o currículo.................................................55 O olhar de si e o olhar do outro.................................................................................58 Refletindo.................................................................................................................69

CAPÍTULO 2.................................................................................................73 Compartilhando um novo currículo.................................................................................73

A participação no processo.......................................................................................73 O que é o currículo?..................................................................................................78 Mecanismos de distorção da realidade....................................................................80 Subjetividades insurgentes: guiadas por três topoi...............................................83 Cartografando o currículo: olhar, sentir, dizer......................................................87 Características curriculares.....................................................................................91 Outros aspectos do PPC............................................................................................99 Afinal, que formação?...........................................................................................121 Refletindo sobre o compartilhamento...................................................................127 Anexo...................................................................................................131

CAPÍTULO 3...............................................................................................133 Constelações de saberes-fazeres-poderes da formação...............................133

Que saberes-fazeres-poderes da docência?.............................................................139 Então, o que ensinar-aprender-para-ensinar?......................................................143 Os três núcleos de conhecimentos (PPC)..............................................................156

1) Núcleo de estudos básicos.............................................................................156 2) Núcleo: aprofundamento e diversificação de estudos.................................162 3) Núcleo de estudos integradores....................................................................165

Saberes-fazeres-poderes: dimensões ética, estética e política...............................167 Uma constelação de saberes: refletindo................................................................175 Anexo......................................................................................................................177

CAPÍTULO 4...............................................................................................179 Ensinar-aprender-a-ensinar: Uma caixa de ferramentas........................179

As artes de saberes-fazeres-poderes........................................................................184 A cada lógica uma ecologia!...................................................................................189 Constelações de práticas: modos de saber-fazer-poder...........................................194 Girando o caleidoscópio!.........................................................................................198

O que dizem as professoras?..........................................................................199 O que dizem as alunas..................................................................................224

Choque de realidade!..............................................................................................228 É preciso paixão!.....................................................................................................238 Aprendizagens formativas para a docência........................................................242

CAPÍTULO 5................................................................................................250 Douta ignorância: a formação que temos-fazemos-queremos..................250

A ecologia de saberes: uma proposta de inteligibilidade.................................253 1) A tradução de saberes-fazeres-poderes.....................................................254 2) A artesania das práticas..........................................................................258 3) A Pedagogia da aposta.............................................................................261

Nos interstícios do cotidiano: o que ver-potencializar?.......................................265 1) Experiências disponíveis no Centro de Educação (CE).........................267 2) Experiências possíveis no Centro de Educação (CE)..............................273 3) Limites, possibilidades, dificuldades e desafios...................................276

Por uma Axiologia do Cuidado..............................................................................290 Outros aspectos relevantes.....................................................................................299 Considerações finais: por uma Pedagogia da Aposta!.........................................305 Anexo......................................................................................................................313 Referências.............................................................................................................314

Nas “boaventuranças” Vou buscando fundamentos Para sustentação das minhas teorizações. Segundo as “boaventuranças”, não existe certeza de um mundo melhor, Mas podemos contribuir para que isso aconteça, Produzindo um conhecimento emancipatório, Que implique a trajetória da ignorância, o colonialismo, Para o saber, a solidariedade; um conhecimento Que se assuma ante o conhecimento-regulação, Que seja “um conhecimento prudente para uma vida decente”. Prudência e decência no atual contexto transglobalizado em transição?! Onde prevalece injustiça, fome, corrupção, deseducação, exploração, silenciamento?! O pensamento utópico, realista, plural, crítico Aciona, então, um permanente movimento Transmoderno para encontrar respostas Que a modernidade não conseguiu dar. A sociedade continua almejando Igualdade, liberdade, fraternidade e paz. Boaventura6 propõe como alternativa, Uma razão cosmopolita feita Pela ecologia dos saberes, com a articulação Das sociologias das ausências, Das sociologias das emergências E do procedimento de tradução e da artesania das práticas, Para se contrapor à indolência da Razão metonímica e da razão proléptica. Entra em ação a hermenêutica diatópica Que possibilita o diálogo intercultural. Não para chegar a consenso. Não para fazer a cabeça de ninguém. Mas para compreender que Todas as culturas são incompletas. E que essa incompletude, composta da diversidade cultural, social e epistemológica do mundo, pode ser um jeito de encontrar novos possíveis, Quem sabe, o utópico mundo melhor. Fazer, assim, a sonhada emancipação social. ENEIDA

6 Boaventura de Sousa Santos.

13

INTRODUÇÃO

PARA INÍCIO DE CONVERSA...

Afinal, “[...] que podemos cada um de nós fazer sem transformar nossa inquietude em uma história? [...] para esse alívio, acaso contamos com outra coisa a não ser com restos desordenados das histórias recebidas?” (LARROSA, 2006, p. 22). “Pois um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao passo que o acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas uma chave para tudo o que veio antes e depois” (BENJAMIN,1993).

Minha palavra inicial, neste texto, é dedicada às professoras, às alunas, às funcionárias que

participaram da pesquisa. É uma palavra de agradecimento, de louvor, de respeito, pela

colaboração, pelo despojamento, pela coragem de falar, de se expor, na perspectiva de

construir um novo curso, de estabelecer novos modos de se relacionar entre si, com

instituições educacionais como a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), o Centro de

Educação (CE) e a Educação Básica (EB), de consumir-produzir saberes-fazeres-poderes, de

buscar modos instituintes de produção de vida, como diria Linhares (2002). Em decorrência

dessa participação livre e disponível, pude reunir um material valioso para a produção deste

trabalho que é polifônico, fruto das múltiplas vozes que aqui se fazem presentes. Meu papel

foi provocar os encontros, as conversações, ouvir atentamente, perceber emoções,

(in)certezas, reticências, sonhos, alegrias, esperanças e muito mais. E, depois, fazer

escrileituras, traduscritas e escrever, escrever, pois “O ato de contar resgata a memória para

infinitos encontros que se realizam nas histórias” (MAIRESSE, 2003, p. 267).

Foram muitas escutas das gravações, silenciosas e reflexivas, para entendê-las e transcrevê-

las, para sentir seus significados e poder trabalhar com elas, com documentos oficiais, com

14

autores, acompanhar movimentos processuais cotidianos e escrever esta tese, que espero

possa contribuir com os estudos acerca da formação de pedagogos. Larrosa (2006, p. 39)

propõe que “[...] ler e escrever (escutar e falar) é colocar-se em movimento, é sair sempre para

além de si mesmo” e, penso que as participantes e eu, fizemos isso: colocamo-nos em

movimento para construir um caminho, uma viagem. Segundo Pais (2003, p. 51, 54), fazer

sociologia do cotidiano é, pois, desenvolver a capacidade de flâneur, de passeante ocioso; é

recuperar o olhar impressionista, que faz sobressair nas narrações, “o exotismo, o

desconhecido, o surpreendente, o enigmático”. O processo escriturístico me faz concordar

com Larrosa (2006, p. 47) que diz: “O escritor não inventa, nem desmascara, nem descobre. O

que o escritor faz é reencontrar, repetir e renovar o que todos e cada um já sentimos e

vivemos, [...]”. Foi o que procurei fazer e espero ter conseguido.

Escrevi-escrevo este trabalho num processo contínuo de ir e vir, sem estar presa a um ou a

outro capítulo. Isso me possibilita múltiplos movimentos de desterritorialização e de

reterritorialização, que só enriquecem a mim e ao texto e, ainda, ajudam a aliviar meu

pensamento e minha alma. Essa forma de trabalhar, me permitiu-permite, escrever vários

capítulos ao mesmo tempo. Esse jeito de manipular o pensamento cria enredamentos, mas

propicia independência; parece-me uma forma rizomática de escrever, sem começo e sem fim,

podendo começar a ler o texto de qualquer um dos capítulos. Transformo em palavras, os

sentimentos que me atravessam nesse processo de produção de conhecimentos, de saberes-

fazeres-poderes da formação de pedagogos. Assim, desenhei-desenho este meu percurso

almejando que seja significativo não só para mim, para o curso de Pedagogia, mas para

contribuir de modo mais abrangente e relevante com a pesquisa e a reflexão na-com-sobre a

formação de pedagogos. É um estudo que perpassa e é perpassado por uma multiplicidade de

textos, vozes, eus, elas, pensamentos, vivências, utopias que povoam a minha trajetória de

estudante-professora-sempre-estudante.

15

Como professora e pedagoga da Escola Básica que fui por longos anos e, agora, como

professora do curso de Pedagogia, sou-continuo desafiada, diariamente, na minha tarefa de

contribuir para a formação de futuros-pedagogos. Esse desafio me (im)pulsiona na

continuidade da minha própria formação que é inconclusa e está em permanente processo,

porque é devir. Assim, a escriturística desta tese de doutorado está inserida, encarnada na

minha trajetória de estudante-professora-sempre-estudante que viveu-vive em permanente

processo de ensinar-aprender-ensinar. A pesquisa que realizei no/do/com o cotidiano do curso

de Pedagogia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)7 pode ser sintetizada na

seguinte problemática investigativa: “compreensão dos modos como professores-

formadores e alunos-futuros-pedagogos produzem a rede de saberes-fazeres-poderes

que perpassa a realização cotidiana do currículo do curso de Pedagogia”.

Algumas questões demarcaram o campo de estudo: qual a orientação do Projeto Pedagógico

do Curso (PPC/CE/UFES, 2006) em relação à formação do pedagogo? Que artefatos,

estratégias e táticas inventivas o professor-formador utiliza para realizar o seu trabalho

docente, para ensinar e ajudar a aprender-para-ensinar, para relacionar teoria e prática, para

associar ensino e pesquisa, para produzir uma rede de conhecimentos? Como discentes,

futuros-pedagogos, produzem e se apropriam de saberes-fazeres-poderes necessários à sua

formação? Defini alguns objetivos que orientaram este trabalho: o objetivo geral, “cartografar

a produção de saberes-fazeres-poderes que atravessa o processo de realização cotidiana do

currículo do curso de Pedagogia”. E os objetivos específicos, a) problematizar conversações

de docentes e discentes sobre a utilização de artefatos, estratégias, táticas inventivas para

produção de saberes-fazeres-poderes na realização do currículo do curso de Pedagogia; b)

indagar sobre processos de saberes-fazeres-poderes que atravessam e enredam a formação de

pedagogos.

A pesquisa foi realizada no-do-com o cotidiano do curso de Pedagogia da UFES, em 2007/02,

2008/01 e em 2008/02 e início de 2009/01, no turno matutino, com professoras-formadoras,

alunas e funcionárias8. Para produção de dados utilizei entrevista semi-estruturada, mais do

que entrevista, uma conversação (gravada), conforme roteiro9. Trabalhei na perspectiva de

pequena e grande escala para abranger o cotidiano estudado, em aspectos mais amplos e em

aspectos mais detalhados. Procurei cartografar movimentos processuais de realização do curso

7 Em Vitória, no Estado do Espírito Santo, Brasil. 8 Uso da forma feminina, sempre que me referir às participantes da pesquisa, porque a grande maioria é do sexo feminino e uso do masculino quando generalizo. 9 Anexo neste capítulo.

16

como: Abertura do Ano Letivo, Semana Pedagógica (docente), Recepção de Calouros,

Semana da Pedagogia (discente), Reuniões de Colegiado do Curso e de Departamento, aulas,

apresentação de seminários, fóruns, montagem de Exposições no corredor do prédio IC IV10,

bem como, momentos de conversações com as turmas do currículo novo, com pequenos

grupos de alunas dessas turmas e com as responsáveis por diversos núcleos do Centro de

Educação (CE) e da biblioteca.

Conversei com dezessete professoras e um professor em suas salas de planejamento-estudo ou

na minha. Foram conversações agradáveis e enriquecedoras, com muita disponibilidade por

parte delas e dele, considerando o excesso de encargos que assoberbam docentes do CE,

UFES. Ainda assim, abriram um espaço em suas agendas para me atender. São quatorze

docentes efetivos (todos doutores) e quatro substitutos (com mestrado ou especialização), que

atuam nas turmas do currículo novo do curso de Pedagogia, no turno matutino. Entre os

efetivos, estão incluídas a diretora e a vice-diretora do CE, a coordenadora e a

subcoordenadora do Colegiado e a coordenadora do PPGE. Em nossas conversas falamos

sobre o currículo, saberes-fazeres-poderes, modos de ensinar-aprender-para-ensinar, artefatos,

estratégias, táticas, relações, limites, dificuldades, desafios e possibilidades na realização

curricular, (in)visibilidades, entre outros assuntos que surgiram no decorrer das conversas.

Agrupei as falas por temas11, embora muitos aspectos sejam inerentes a vários temas, não

dando para separá-los completamente, nem é esse o objetivo, pois tudo que foi falado é

integrado, mescla-se, permeia os diversos assuntos abordados.

Pesquisar um curso exige conversar, também, com alunos, praticantes do currículo, para saber

o que pensam, como vêem o curso que fazem, é preciso acompanhar processos, viver o

cotidiano. Inicialmente, mantive contato com professores ou com representantes das turmas

que entraram a partir de 2006/01 e estudam com o currículo novo do curso, para combinar o

melhor horário para eu ir às salas de aulas. Anotei nomes de representantes, e-mails (delas e

das turmas), horários e outras informações que pudessem ajudar. No primeiro contato com as

turmas, fiz a apresentação do projeto, o convite para participação, uma conversa inicial sobre

o tema de estudo: “produção de saberes-fazeres-poderes na realização cotidiana do curso de

Pedagogia”. Os registros dos encontros nas turmas foram feitos por alunas e por mim,

também, e as conversas com pequenos grupos foram gravadas.

10 Prédio onde funcionam as aulas de graduação. 11 Necessidade puramente didática para organização do texto.

17

Após a organização dos dados produzidos e uma primeira análise, retornei à sala da 1ª turma

do curso12, para retomarmos pontos que se destacaram nas primeiras conversas; nesse outro

momento da pesquisa foi utilizado um formulário13 onde os discentes expuseram suas

percepções. Também, retomei pontos que se destacaram, anteriormente, nas conversas com

algumas professoras. A hermenêutica diatópica foi utilizada como procedimento

metodológico, porque é baseada na idéia da incompletude das culturas, dos saberes, dos

fazeres, dos agentes e possibilita um “exercício de reciprocidade entre culturas” (SANTOS,

2006, p. 87), na perspectiva da ecologia de saberes e de práticas. Foram realizadas pesquisa

bibliográfica e pesquisa documental em diversos documentos: as Diretrizes Nacionais para

Formação de Professores, as Diretrizes da UFES para Formação de Professores e as do CE,

para Formação de Pedagogos.

A pesquisa no-do-com o cotidiano objetiva captar todas as sensações possíveis, não se

contentar com a visão de janeleiro (estruturalista), mas fazer como o arruadeiro

(fenomenólogo), que sai à rua, que se mistura para ver de perto, para sentir e melhor

apreender o que pretende estudar (PAIS, 2003). Por isso, decidi por esse jeito de pesquisar,

por ser um modo útil para problematizar questões educacionais, por ajudar a ver, ouvir e

compreender táticas14 e estratégias15 inventadas no saber-fazer-poder, docente-discente, para

realização do ensino-aprendizagem, para pesquisar a própria prática, para formar pedagogos.

E, ainda, para compreender o currículo realizado, na sua relação com o currículo prescrito,

conforme as normas do MEC (Ministério da Educação), as Diretrizes da UFES e o Projeto

Pedagógico do Curso Pedagogia (PPC, CE, 2006).

Nesse sentido, Carvalho (2004, p. 39) afirma que “os espaços/tempos são ocupados por

estratégias e táticas que o ‘mobilizam’ (o professor) com suas representações, assim como

seus gestos, vozes, recordações, etc.”. São táticas e estratégias articuladas, cotidianamente,

para inventar os saberes-fazeres-poderes para formação de futuros-pedagogos. Perguntaria,

então, o que fazem os realizadores do currículo para serem produtores de conhecimentos e

12 Iniciada em 2006/01 e cursando o 7º período em 2009/01. 13 Anexo neste capítulo. 14 M. Certeau (1994, p. 100): “[...] chamo de tática a ação calculada que é determinada pela ausência de um próprio. [...]. A tática não tem por lugar senão o do outro. [...] a tática é movimento “dentro do campo de visão do inimigo” [...] e no espaço por ele controlado”. 15 M. Certeau (1994, p. 99): “A estratégia postula um lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio e ser a base de onde se podem gerir as relações com uma exterioridade de alvos ou ameaças (os clientes ou os concorrentes, os inimigos, o campo em torno da cidade, os objetivos e objetos de pesquisa, etc.)”.

18

não apenas consumidores já que vivem numa sociedade que “[...] cada vez mais envolve seus

membros no papel de consumidores e não no de produtores, [...]” (BAUMAN, 2003, p. 113)?

Esta é uma questão respondida ao longo deste trabalho, a partir das práticas discursivas

docentes-discentes.

Reunião colegiado/alunos – Auditório CE

Portanto, este estudo expressa minha vivência e inserção no-do-com o cotidiano do curso de

Pedagogia, em que tive-tenho oportunidade de atuar como docente e, como pesquisadora no

doutorado, manter conversações com praticantes do curso e acompanhar movimentos

processuais, para investigar a realização curricular cotidiana. A produção de dados resultou

numa quantidade muito rica, porém “excessiva” de material, por isso tive que fazer uma

exaustiva seleção, no sentido de reduzi-la, para melhor atender à problemática e aos objetivos

propostos neste estudo. Pesquisas desta natureza contribuem para o entendimento dos

processos de realização do currículo, assim como para a compreensão dos dados produzidos

nas entrevistas-conversações e demais momentos vivenciados no cotidiano do curso. As

unidades de agrupamentos de dados, oriundas das diferentes fontes, foram organizadas

conforme o roteiro para as conversações considerando: a concepção de currículo das

participantes, os três núcleos de saberes da formação (PPC, 2006) e os modos docentes-

discentes de ensinar-aprender-para-ensinar. Essas unidades foram cruzadas para efetuar a

tradução dos dados e possibilitar a escriturística do texto final, fundamentadas nas teorias de

base.

Movimentos para delinear a tese

A questão é o desejo do pensamento (BLANCHOT, 2001).

A formação de pedagogos tem sido alvo de amplas discussões no contexto das instituições

educacionais, por ser considerada significativa em relação aos resultados da Educação, pelas

mudanças definidas na legislação, pela contínua transformação que ocorre na sociedade, pela

transglobalização, pela transição paradigmática em que vive o mundo. Nesse sentido,

pesquisei-escrevi este trabalho na-da-com a produção cotidiana de saberes-fazeres-poderes no

19

currículo da licenciatura de Pedagogia16. A atuação no Ensino Superior fez-faz-me voltar o

olhar para o cotidiano do curso, para os saberes-fazeres-poderes docentes de professores

universitários e de alunos, para as relações que se estabelecem no Centro de Educação (CE) e

com a escola (Infantil e Fundamental), para o currículo, entre outros aspectos. Por diferentes

razões, decidi pela pesquisa no-do-com o curso de Pedagogia: por ser professora do

Departamento de Linguagem, Cultura e Educação (DLCE) do CE, que oferece o curso de

Pedagogia, para formação de pedagogos e atende a quatorze licenciaturas da UFES; por

trabalhar com as disciplinas Estágio, Didática, Avaliação, Metodologia do Ensino Superior,

Currículo; por estar em constante e contínuo contato com estudantes, já professores, ainda não

professores e com docentes das escolas onde os estudantes estagiam; por trazer na bagagem a

experiência de muitos anos como professora e pedagoga na Escola Básica. E mais ainda, por

me sentir inquieta, desafiada, diariamente, com problemas da formação e da Educação.

É, pois, a partir do trabalho com a Educação Pública que procurei compreender os saberes-

fazeres-poderes da formação, na perspectiva da produção de um conhecimento

emancipatório17, e, assim, tentar vislumbrar novas possibilidades de experimentações nos

estudos relativos ao currículo para formação de pedagogos. Busquei cumplicidade com

autores diversos, porém, escolher um autor ou mais é definir uma parceria, para estar junto

por longo tempo, o que implica aproximações, distanciamentos, estar “no meio, no entre”. É

preciso paixão, entrega, disposição para ler, ouvir, compreender, aceitar, discordar, explicar,

ultrapassar, imaginar, inventar... Quantos verbos para uma mesma ação: escrever uma tese.

Assim, na produção deste estudo, conversei com textos de autores que discutem a docência

como Carvalho (2004), Ferraço (2005), Carvalho e Simões (2000), Linhares e Leal (2000,

2002), Cunha (1998), Alves e Garcia (2002), Behrens (2000), Pimenta (1999), entre outros,

que me ajudaram a compreender o tema pesquisado. Busquei, ainda, a contribuição das

teorizações de outros autores como Certeau (1994), Elsworth (2001), sendo que os estudos de

Santos (1997, 2002, 2004, 2006, 2007, 2008) constituíram a base maior de sustentação teórica

deste trabalho.

Este modo de pesquisar, definir caminhos a enveredar implica fazer escolhas entre múltiplas e

diferenciadas metodologias, escolhas que devem propiciar a produção de dados e a feitura do

trabalho, conforme os objetivos que se propõe. Nesse sentido, Santos (1997a, p. 48) afirma

16 Projeto Pedagógico de Curso (PPC, 2006), Centro de Educação (CE), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). 17 Um conhecimento prudente para uma vida decente (SANTOS, 2002).

20

que “Cada método é uma linguagem e a realidade responde na língua em que é perguntada. Só

uma constelação de métodos pode captar o silêncio que persiste entre cada língua que

pergunta”. Escolher uma metodologia de pesquisa é tarefa delicada e complexa, pois é difícil

antever um caminho a trilhar. A metodologia deve ser vinculada à teoria, à problemática e a

todas as dimensões da pesquisa que se pretende realizar. Numa perspectiva crítica-renovada

(SANTOS, 1997, 2004, 2005, 2006, 2007; ARRISCADO, 2002), esse caminho vai se

delineando e se cartografando ao longo do percurso. A metodologia escolhida pode ser

acrescida de outras possíveis metodologias no decorrer do processo de realização do estudo,

pois precisa ser coerente com a linha teórica que vai fundamentar o trabalho e, chegar a essa

base, exige muita leitura, exploração, estudo, discernimento. Pais (2003, p. 33) caracteriza

bem essa dúvida metodológica, quando sugere que o método deve ser o

[...] de trotar a realidade, passear por ela em deambulações vadias, indiciando-a de uma forma bisbilhoteira, tentando ver o que nela se passa mesmo quando “nada se passa”. Nesse vadiar sociológico, como se adivinha, importa fazer da sociologia do quotidiano uma viagem e não um porto.

Assim, trabalhar com o cotidiano18 implica procurar caminhos diferentes dos

preestabelecidos, buscar linhas de fuga, enxergar nos interstícios, libertar-se de verdades

prontas e acabadas. Numa época em que o paradigma dominante de ciência é questionado e se

fragiliza desperta, ainda mais, o desejo de tentar fazer uma pesquisa numa perspectiva que

fuja da caracterização positivista da ciência moderna, em que o rigor científico se faz pelo

rigor das medições e conhecer significa quantificar, classificar, dividir (SANTOS, 1997a, p.

11). Com a crise do paradigma moderno aflora a possibilidade de emergir um novo

paradigma, emancipatório, que deve surgir do próprio paradigma dominante, ou seja, o

paradigma de um conhecimento prudente (científico) para uma vida decente (social)

(SANTOS, 1997a, p. 37).

Daí, o desafio que me fiz-faço, de promover a tradução dos dados produzidos na pesquisa,

tendo como base a teorização do estudioso Boaventura de Sousa Santos19, associada aos

trabalhos acadêmicos de outros, também, importantes autores nacionais e estrangeiros. Para

18 Certeau (1994, p. 38): “O cotidiano se inventa com mil maneiras de caça não autorizada”. Oliveira (2003, p. 52): “[...] o cotidiano é o conjunto de atividades que desenvolvemos no nosso dia-a-dia, tanto do que nelas é permanência (o seu conteúdo) quanto do que nelas é singular (as suas formas)”. Souza (2003, p. 245): “[...] pensar o cotidiano é atuar no território do interstício, do entrelugar, porque o próprio pensamento, a própria existência que se faz pensamento, é produzida no cotidiano”. Pais (2003, p. 28): “[...] é nos aspectos frívolos e anódinos da vida social, no “nada novo” do quotidiano, que encontramos condições e possibilidades de resistência que alimentam a sua própria rotura”. 19 Decisão tomada em consonância com a orientadora desta tese.

21

utilizá-lo, precisei proceder a um movimento de inteligibilidade, entre meus saberes e

experiências e sua teorização, para tentar compreendê-lo e, assim, realizar uma ecologia de

saberes e de práticas entre os dados produzidos na pesquisa e as idéias, conceitos e posições

teóricas de Santos, num processo de superação e/ou redução da minha ignorância douta20 em

relação a esse autor. Essa decisão exigiu de mim, ter que abrir mão e me prescindir de

aprofundar o diálogo com tantos outros bons autores, também, conceituados, dos quais

reconheço o valor da sua obra, mas como se sabe, ao realizar um trabalho científico é preciso

fazer opções, caso contrário, o pesquisador pode preparar uma armadilha, para si próprio.

Espero ter tomado a atitude correta.

A racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e da tecnologia tem predominado e

colonizado as demais racionalidades, na modernidade. Na perspectiva crítica-renovada há o

desejo expresso de incentivar a racionalidade estético-expressiva, a racionalidade moral-

prática da ética, bem como o princípio de comunidade, para a produção de um novo

conhecimento, de um novo senso comum. Assim, este é um momento para visualizar, na

sociedade, em particular na Educação, a presença dessas racionalidades e outras formas de

conhecimento, até então, desconsideradas, como os saberes do senso comum, os saberes

advindos das experiências práticas. Este trabalho aponta para a pesquisa acerca dos saberes-

fazeres-poderes da formação de pedagogos, tanto os curriculares como os da experiência,

vivenciados a partir do novo currículo do curso. Penso que o conhecimento que se pretende

produzir seria um conhecimento do tipo emancipação que de acordo com Santos (2002, p.

31), é um conhecimento que não deseja uma grande teoria, mas que “[...] aspira sim a uma

teoria da tradução que sirva de suporte epistemológico às práticas emancipatórias [...]”, que só

se sustentam em redes porque são incompletas e rizomáticas.

Neste estudo, portanto, pesquisei o cotidiano associado às entrevistas-conversações como

recurso metodológico, que pode fazer surgir os modos, como se constroem saberes-fazeres-

poderes, como se produzem subjetividades, comunidades interpretativas nos contextos onde

interagem docentes-discentes, nas relações sociais que se estabelecem com estudantes,

colegas docentes e funcionários, com a instituição, no ser, no fazer, no saber, no poder

profissional. Pesquisar numa perspectiva crítica-renovada, segundo Santos (1997a, p. 53), traz

a idéia de mudança na concepção de conhecimento: “[...] é necessária uma outra forma de

20 Ignorância douta (Nicolau de Cusa): “[...] sabe que ignora e o que ignora” (SANTOS, 2008, p. 25).

22

conhecimento, um conhecimento compreensivo e íntimo que não nos separe e antes nos una

pessoalmente ao que estudamos”. Ou seja, não se deve desmerecer o saber produzido e

adquirido até então, mas (re)significá-lo à luz das novas realidades. Nesse sentido, trabalhar

com conversação como recurso metodológico me faz lembrar Blanchot (2001, p. 122) de

quem vou tomar fragmentos, para aquecer um pouco essa conversa. Ele afirma:

_ O que haveria entre o homem e o homem, se houvesse apenas o intervalo representado pela palavra ‘entre’, vazio tanto mais vazio que ele não se confunde com o puro nada, seria uma separação infinita, mas dando-se como relação nesta exigência que é a palavra.

Desse modo é possível passar da dialogia para a heterologia - palavra plural - marcada pelo

intervalo, uma interrupção, que ocorre entre a fala de um e de outro. Portanto, “[...] entre o

homem e o homem, há um intervalo que não seria nem do ser nem do não-ser e que carrega a

Diferença21 da palavra, diferença que precede todo diferente e todo único” (BLANCHOT,

2001, p. 123). A interrupção e a pausa permitem trocar de protagonista, compreender para

falar, pois a descontinuidade da conversa possibilita a continuidade. Segundo Carvalho (2009,

p. 189) “[...] a conversação não acontece sem ser criada e sustentada pela participação ativa e

criativa, que combina em si duas dimensões: a poética da participação e a sociabilidade,

articulando vozes, assuntos, de modo que tornem possível a multiplicidade partilhada –

conversação recriadamente aberta e inacabada”. Por isso, decidi pela conversa como um dos

modos de produção de dados nesta pesquisa. Então, o que é uma conversa? O que pode advir

de conversações com participantes22 de um curso?

A definição, quero dizer, a descrição, a mais simples de conversa mais simples, poderia ser a seguinte: quando dois homens falam juntos, eles não falam juntos, mas cada um por sua vez; um diz algo, depois pára, o outro outra coisa (ou a mesma coisa), depois pára. O discurso coerente que veiculam é composto de seqüências [...] (BLANCHOT, 2001, p. 131).

Nunes (2005, p. 128), também, esclarece essa dúvida dizendo: “Mas a conversa real, mais

alheia a essa fixação durável das manifestações da vida, é também ela um texto de palavras e

silêncios, modulados na voz, no olhar, na postura corporal, na eloqüência das mãos. A

entrevista é esta conversa, mas “programada””. Foi o que fiz: conversamos as participantes e

eu, num clima de aproximação, de troca, de espontaneidade, de colaboração. O trabalho com

cotidiano e com conversações envolve abertura para ver e ouvir, sem idéias e expectativas 21 A palavra “Diferença” está usada com maiúscula, conforme o original do autor. 22 Uso do gênero feminino porque exceto um participante docente, as demais são do sexo feminino; mesmo uso, também, em relação às discentes que são a grande maioria; uso do gênero masculino só na situação geral docente e discente.

23

preconcebidas, para perscrutar a imprevisibilidade, buscar a palavra plural, que enriquece e

respeita o pensar do outro, que fala e que escuta. Essa é uma forma de pesquisar que foge às

metodologias clássicas. Utilizando a conversação, acompanhando movimentos,

experimentações, escutando, lendo, falando, fotografando, busquei compreender como

professores-formadores e alunos-futuros-pedagogos produzem a rede de saberes-fazeres-

poderes que perpassa a realização cotidiana do currículo do curso de Pedagogia. Nesse

sentido, Benjamin (1999, p. 33) afirma que “[...] só devassamos o mistério na medida em que

o encontramos no cotidiano, graças a uma ótica dialética que vê o cotidiano como

impenetrável e o impenetrável como cotidiano”.

Portanto, o que fiz foi ver-ouvir-falar, pensar-escrever no-do-com o cotidiano do curso, na

perspectiva de compreender a sua realização. Com as percepções, reticências, surpresas,

alegrias, desapontamentos expressos nas vozes, nos gestos, nos olhares, nos silêncios, nos

risos das participantes, fui desenhando o itinerário cotidiano desse percurso. Segundo Ferraço

(2005, p. 32) “Nesses processos de enredamento de saberesfazeres, as dimensões de

topologia, heterogeneidades, metamorfoses, mobilidades, cartografias [...] e permanente

abertura das redes garantem diversas lógicas como possibilidades de entendimento [...]”.

Assim, o caminho é delineado, cartografado conforme o “caminhar” dos participantes. A

vivência, a convivência e a sobrevivência no cotidiano da Universidade mostram a presença

de múltiplas culturas que se entrecruzam interagindo e interferindo umas nas outras. Nesta

proposta de estudo, podem aflorar nas tramas diárias da formação do ser-saber-fazer-poder do

futuro-pedagogo (docente e não-docente), a presença dessas diversas culturas e a

multiplicidade de interações que nelas se (entre)laçam, por isso a importância da utilização da

hermenêutica diatópica, como procedimento que “[...] parte da idéia de que todas as culturas

são incompletas e, portanto, podem ser enriquecidas pelo diálogo e pelo confronto com outras

culturas” (SANTOS, 2006, p. 126), como pretende a ecologia de saberes e de práticas.

Ferraço (2001), utilizar uma metodologia de pesquisa que valorize a multiplicidade de

valores, linguagens e lógicas presentes no cotidiano, exige que o pesquisador procure

referenciais para melhor compreender quem são e o que fazem os sujeitos pesquisados, como

o professor-formador ocupa seu lugar e/ou não-lugar (Certeau, 1994; Augé, 1994; Carvalho,

2003) na instituição. Compreender, ainda, como docentes e discentes transitam nesses lugares,

estabelecem relações, produzem-consomem saberes-fazeres-poderes, enfim, como realizam o

currículo, como formam e são formados. Carvalho (2003, p. 49), afirma que “analisar os

24

lugares, os não-lugares e os entrelugares dos professores [...] implica dar voz aos professores

buscando o sistema de signos que, [...] constitui as suas representações”, para que se possa

problematizá-las no contexto pesquisado. Zaccur (2003, p. 187) enfatiza aspectos importantes

a serem observados na pesquisa com o cotidiano, como a exigência do detalhamento

metodológico, a ênfase na separação entre as informações factuais e a interpretação, a

discussão comparativa dos resultados. As metodologias são determinadas pelo cotidiano e

construídas no fazer da pesquisa, o que implica a possibilidade de riscos, mas não impede que

sejam feitas “[...] tentativas teórico-metodológicas de condução rigorosa e responsável do

processo, e de compromisso com os resultados apresentados, [...]” (ESTEBAN, 2003, p. 205).

Nesse sentido, Ferraço (2001, p. 92) afirma que “[...] por ser invenção não há como antecipar

caminhos. Somos levados, por movimentos caóticos (ordem/desordem), a percorrer redes

efêmeras de representações e práticas [...]”. Essa concepção revela uma grande diferença entre

a pesquisa no-do-com o cotidiano e outras formas de pesquisar. Ela trabalha com uma

concepção nova de ciência, pois não pretende fundamentar o estudo em verdades prontas,

acabadas, porque não existem. Mesmo que houvesse essa pretensão, aflora o medo de

sucumbir e Esteban (2003, p. 207) questiona: “[...], como nos proteger de nossas próprias

tramas de tradução que sempre as fazem acompanhar da traição?”. Esse risco incita o

pesquisador, nesse momento, em “[...] colocar sob suspeição nossos próprios saberes [...]”.

Entre as vantagens advindas da utilização desses recursos metodológicos, considera-se a

possibilidade de fazer emergir um conhecimento ampliado-renovado sobre o currículo do

curso de Pedagogia, sobre a produção de saberes-fazeres-poderes, que permita compreendê-

los melhor, contribuir para aprimorar os processos de formação inicial, da prática e da

profissão docente. E, ainda, buscar possíveis respostas, sempre parciais e provisórias, aos

desafios educacionais que se apresentam, hoje, no sentido de favorecer uma relação recíproca

entre teorização e prática, com vistas à (re)significação23 de ambas e do próprio currículo. As

teorias de base, certamente, vão proporcionar os fundamentos para realizar a compreensão e o

respaldo para a produção da teorização neste estudo.

23 O uso do prefixo entre parênteses em muitas palavras foi opção da autora, no sentido de reforçar dois significados para as mesmas.

25

Contextualizando o estudo

As Universidades são [...] instituições pluridisciplinares, que se caracterizam pela indissociabilidade das atividades de ensino, pesquisa e de extensão [...] (SOARES, 2002, p. 48).

A concepção de Universidade retratada no documento do Fórum de Pró-Reitores de

Graduação das Universidades Brasileiras (ForGRAD, 2004, p. 7) orienta a Política Nacional

de Graduação, nas Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras, e enfatiza o tripé das

funções da Universidade. Segundo esse documento, a qualidade da Educação Superior está

relacionada a quatro pilares principais: 1) o projeto pedagógico institucional e de curso, 2) os

recursos humanos (corpo docente, técnico-administrativo e corpo discente), 3) a infra-

estrutura e 4) a gestão institucional/acadêmica. Assim, nessa época de transglobalização do

mundo contemporâneo, como um possível papel para a Universidade, considera-se que “A

adequada articulação de uma sólida visão humanística com os processos de desenvolvimento

científico e tecnológico amplia o campo da consciência e das práticas políticas, como parte de

um exercício profissional relacionado a práticas cidadãs e consequente compromisso com

demandas sociais” (ForGRAD, 2004, p. 7).

Outro aspecto importante, destacado no documento, refere-se à importância da “[...] adoção

de Projeto Pedagógico como instrumento de gestão, tanto ao nível geral da instituição, quanto

no nível específico de cada curso”. Nessa perspectiva, a Universidade deve passar a interagir

“com” e não “sobre” a sociedade. A avaliação institucional e de curso constitui, hoje,

condição básica para o aprimoramento do planejamento e da gestão da Instituição. Torna-se,

então, uma exigência, “[...] a construção de um Sistema de Educação Superior organicamente

articulado, integrando a graduação e a pós-graduação, e que preveja e estabeleça seu

relacionamento efetivo com os demais níveis da educação e com o sistema de ciência e

tecnologia” (ForGRAD, 2004, p. 8). Nesse sentido, a Universidade deve inserir-se no espaço

social produzido pela globalização, pois “Se alguns de seus papéis tradicionais foram

abalados, outros se abrem, trazendo desafios de um novo tipo, na busca pela participação

crítica na realidade social” (ForGRAD, 2004, p. 11). Em sua crise de hegemonia, a

Universidade deixa de ser a principal produtora de saber; com isso, seu papel,

[...] relacionado à formação, visando à inserção no mundo do trabalho, necessita de uma redefinição que possibilite acompanhar a evolução tecnológica que define os contornos do exercício profissional contemporâneo, considerando a formação acadêmica como tarefa que se realiza, necessariamente, em tempo diferente daquele em que acontecem as inovações (ForGRAD, 2004, p. 12).

26

A formação não deve, pois, visar apenas à profissionalização técnica, mas possibilitar a leitura

e a ação crítica dos seus fundamentos, procurando um equilíbrio entre sua vocação técnico-

científica e humanizadora, em que problemas éticos e/ou políticos não sejam considerados,

apenas, problemas técnicos. Essas idéias revelam a concepção de Educação Superior,

proposta pelos Pró-Reitores de Graduação, em 2004, que, certamente, devem interferir na

produção dos novos projetos dos diversos cursos. O Plano Nacional de Educação (PNE), em

2001, já ressaltava o importante papel que o Ensino Superior desempenha no processo de

desenvolvimento e independência do País. Por isso, sugere que o referido plano dê a devida

importância que as Instituições de Ensino Superior (IES) devem ter, pois elas constituem a

base de produção, desenvolvimento e disseminação do saber científico e tecnológico: “As

universidades constituem, a partir da reflexão e da pesquisa, o principal instrumento de

transmissão da experiência cultural e científica acumulada da humanidade” (PNE, 2001, p.

86).

Portanto, estudos relativos ao Ensino Superior, à formação de seus professores, às políticas

públicas, aos seus saberes-fazeres-poderes, entre outros, são significativos para a

compreensão e a contínua melhoria desse nível de ensino e das suas relações com a Escola

Básica, para a qual preparam futuros-pedagogos. Essas investigações contribuem para

aproximar a Universidade da sociedade, considerando o importante papel que as

Universidades exercem na dimensão cognitiva, social, ética, estética, cultural, política,

econômica como, também, na produção e na divulgação do conhecimento, na formação de

intelectuais e de profissionais das diferentes áreas de trabalho, por meio do ensino, da

pesquisa e da extensão. Assim, a Universidade é desafiada a “[...] reunir em suas atividades de

ensino, pesquisa e extensão, os requisitos de relevância, incluindo a superação das

desigualdades sociais e regionais, qualidade e cooperação internacional” (PNE, 2001, p. 86).

Nesse sentido, Santos (1997, p. 187) afirma que “[...] são-lhe (à universidade) feitas

exigências cada vez maiores por parte da sociedade ao mesmo tempo em que se tornam cada

vez mais restritivas as políticas de financiamento das suas actividades por parte do Estado”.

A formação de profissionais para o magistério no Ensino Superior é um tema que requer

estudos, uma vez que se observa “[...] uma enorme pressão social sobre a educação e o

professor, no sentido de lhes atribuir uma responsabilidade e um papel central na dinâmica da

sociedade tecnocrática e competitiva, cobrando-lhes a formação de pessoas para se integrar às

exigências dessa sociedade” (CARVALHO, 2004, p. 13). A Universidade vê-se, então,

desafiada a promover uma formação e uma profissionalização de qualidade, que responda aos

27

desafios do mundo transglobalizado e em contínua mutação. Feldens (1996, p.116) afirma

que,

Evidentemente que em um sistema educacional como o construído/desconstruído nos tempos atuais, há que se reconhecer a amplitude e seriedade dos problemas da educação de professores universitários, que vão dos pseudo e novos modelos de profissionalismo à ambigüidade e incerteza de professores emanadas da problemática da educação em geral, [...].

A docência, a vivência e a convivência no cotidiano universitário, a observação e a reflexão

incentivam-me na busca de conhecimentos relativos a esse nível de ensino, em particular do

curso de Pedagogia. Nesse sentido, recorro a Canclini (2003, p. 163), para me reportar ao

saber-fazer-poder de pedagogos, que atuando “[...] como atores não-profissionais utilizam as

técnicas teatrais” para realizar seu trabalho: a escola pode ser considerada como um palco

para a teatralização da vida, do ensino, da aprendizagem, da educação, da formação. É

possível que a produção cotidiana de saberes-fazeres-poderes, no processo de realização do

currículo, ocorra de tal modo que provoque o transbordamento de suas margens, alongando,

quebrando, ultrapassando suas próprias fronteiras. Esse caminho enriquece o currículo, numa

atitude rebelde, provocadora de multiplicidades rizomáticas. Seria um modo de produção de

saberes que pode ser utilizado pelos futuros-pedagogos, desbancando o saber dominante de

uma posição que parece destinada ao poder da elite intelectual, desvinculando-o de posições

dogmáticas, inventando múltiplos caminhos para essa elaboração.

Segundo Pais (2003, p. 46), “São nas brechas do saber consolidado que se dão as

possibilidades criativas, de desvio”. O currículo do curso é escrito e é aprovado pelos

departamentos, porém na sua realização, docentes e discentes criam estratégias e táticas,

vivenciam práticas inventivas, que enriquecem e/ou empobrecem, em algumas situações,

enveredando por caminhos não imaginados. Assim, este estudo perspectivou compreender

como professores-formadores e alunos-futuros-pedagogos produzem a rede de saberes-

fazeres-poderes que perpassa a realização cotidiana do currículo do curso de Pedagogia. Com

ele, pretendo me associar às demais discussões nacionais e internacionais que são realizadas

acerca da formação de pedagogos, conforme a Legislação Nacional e as mudanças advindas

das suas orientações. Entretanto, produzir um estudo implica, também, uma opção teórica por

um modo de produzir ciência e, por isso, explicito a seguir, sobre esse novo modo de fazer

ciência.

28

Novos modos de fazer ciência Mas o que me move e me apaixona, hoje, é a convicção de que estamos começando a trilhar novos e diferentes caminhos, e que estes podem nos levar a descobrir espaços cotidianos de luta na produção de significados distintos daqueles que vêm nos aprisionando, há séculos, em uma naturalizada concepção unitária de mundo e de vida (COSTA, 2002, p. 14).

Com base nos estudos de Santos, Certeau, Linhares, Cunha, Carvalho, Ferraço, entre outros, arrisco-me

a enveredar pelos meandros da ciência, nas suas formas de ser-saber-fazer-poder. Neste momento de

transição paradigmática, encontrar um novo modo de conceber e fazer ciência exige desconstruir

certezas e falsas verdades para produzir um conhecimento novo, fundamentado em concepções de um

paradigma emergente que busca superar a fragmentação, o caráter positivista de ciência. É um

conhecimento que utiliza uma pluralidade metodológica; que vê no conhecimento do senso comum a

possibilidade da elaboração de novos conhecimentos; que tenta superar antagonismos engessados pela

ciência moderna, como dualismos sujeito/objeto, qualidade/quantidade, sentimento/razão, entre outros.

Este é um caminho que pode abrir outras novas e múltiplas possibilidades de estudos.

A ciência moderna ocidental, “Convertida em conhecimento uno e universal, [...], ao mesmo

tempo que se constituiu em vibrante e inesgotável fonte de progresso tecnológico [...],

arrasou, marginalizou ou descredibilizou todos os conhecimentos científicos que lhe eram

alternativos, tanto no Norte como no Sul” (SANTOS, 2006, p. 155). Nesse sentido, muitos

pesquisadores recusam o paradigma da modernidade, porque estão insatisfeitos com a falta de

cumprimento de algumas promessas que a modernidade não foi capaz de cumprir. Este

modelo ocidental de racionalidade científica considera-se como única verdade e recusa outras

formas de conhecimento (o senso comum e as humanidades). Pesquisadores buscam, então,

em outros paradigmas, as possibilidades de novos modos de pesquisar, de compreender o

mundo e de produzir conhecimento. Segundo Nunes (2002), é difícil construir uma teoria

crítica interrogativa e não legislativa diferente da teoria moderna. Para ele (2002, p. 302), a

teoria pode “[...] ser definida como uma arena em que se jogam as tensões entre impulsos

regulatórios e emancipatórios, [...]”. Ainda assim, vive-se, hoje, a possibilidade de emergir

um novo paradigma, no próprio seio da modernidade, ora em crise.

Na tentativa de fazer uma caracterização resumida, poderia dizer que a ciência moderna

desconfia da experiência imediata, baseia-se em dualidades, utiliza a observação e a

experimentação, privilegia o rigor científico da Matemática, a neutralidade, a regularidade,

reduz a complexidade, aspira à formulação de leis, considera o conhecimento causal e

29

hegemônico, pressupõe ordem e estabilidade no mundo. Não se pode negar a contribuição da

ciência moderna para o desenvolvimento da própria ciência, da pesquisa, do mundo, mas hoje,

volta-se para a necessidade de buscar outros modos de fazer ciência, conforme Santos (1997,

2002, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008) sugere em seus estudos. A ciência moderna constitui-se por

um modelo de racionalização, que surgiu a partir da revolução científica do século XVI,

desenvolveu-se nos séculos seguintes, no domínio das ciências naturais e, só no século XIX,

chega às ciências sociais emergentes. Essa nova racionalidade científica (cognitivo-

instrumental) torna-se um modelo totalitário: nega todas as formas de conhecimento que não

se afinarem com seus princípios epistemológicos e com suas regras. Esta característica

representa a ruptura do novo paradigma científico com os paradigmas que o precederam

(SANTOS, 1997a, p. 11-12).

No séc. XVIII, a ciência moderna, deixava, gradativamente, os cálculos esotéricos e iniciava

uma transformação técnica e social – uma fase de transição (idem, 1997a, p. 7). Esse

movimento significou uma ruptura com o paradigma científico da ciência aristotélica,

medieval. O novo paradigma da modernidade passou a ressaltar duas distinções básicas: entre

conhecimento científico e conhecimento do senso comum e ainda, entre natureza e pessoa

humana. Segundo esse paradigma, o conhecimento advindo da experiência imediata, do senso

comum é ilusório e sem valor; portanto, é preciso que se faça uma observação rigorosa,

sistemática dos fenômenos naturais, para buscar a verdade, um conhecimento profundo da

natureza. Baseia-se em pressupostos epistemológicos e regras metodológicas e visa à

formulação de leis a partir de regularidades observadas (SANTOS, 1997a, p.10-16).

Concordando com Santos, Nunes (2002) considera que a teoria foi entendida em oposição a

vários “outros” como a prática, a pesquisa empírica, a experiência ou a política, que

correspondiam “[...] a instâncias incorporadas, territorializadas e localizadas de relação com o

mundo”. Portanto, A teorização implicava a confinação desses “outros” a procedimentos policiados por uma vigilância epistemológica que garantia a objectividade do conhecimento [...] critérios de validade e fiabilidade [...] separação entre sujeito e objecto [...]. (Daí a) [...] trivialização, a irrelevância e conseqüente invisibilização das formas de experiências e de conhecimento não conformes aos cânones da “boa” prática científica (NUNES, 2002, p. 306).

O modelo de racionalidade científica dominante passa, novamente, por uma profunda crise,

resultante de uma pluralidade de condições: a fragilidade dos seus pilares; o rigor da medição

baseada na Matemática; os avanços da Microfísica, da Química e da Biologia nos últimos

30

vinte anos (SANTOS, 1997a, p. 24-7). Esse movimento científico detona uma grande reflexão

epistemológica, feita pelos próprios cientistas e abrange questões que antes eram dos

sociólogos, como a análise das condições sociais e contextos culturais. Assim, considera-se

que a caracterização da crise do paradigma dominante já traz consigo o gérmen do paradigma

emergente.

A transição paradigmática em que vive o mundo interfere na sociedade, na educação, na

formação; ela é semi-cega, invisível e só pode ser realizada por um pensamento que

transforme silêncios insignificantes em sinais significantes (SANTOS, 2002, p.15). Esse autor

afirma que o 3º milênio é o tempo de transformação das energias emancipatórias em

regulatórias (crise final do paradigma da modernidade). Destaca, pois, duas dimensões

principais da transição paradigmática: a epistemológica (aspectos teóricos e metodológicos) e

a societal (o direito e suas articulações com o poder social). A transição epistemológica ocorre

entre o paradigma dominante da ciência moderna e o paradigma emergente (conhecimento

prudente para uma vida decente). A transição societal ocorre do paradigma dominante para

um paradigma ou conjunto de paradigmas que ainda não se conhece, está por ser feito. São

consideradas marcas do paradigma dominante: a sociedade patriarcal, a produção capitalista,

o consumismo, o individualismo, a mercadorização, a identidade fortaleza, a democracia

autoritária, o desenvolvimento global desigual e excludente.

O paradigma moderno, conforme Santos (2002, p. 50; 1997b, p. 77), assenta-se em dois

pilares: o da regulação e o da emancipação. O pilar da regulação envolve o princípio do

Estado (Hobbes), o do mercado (Locke, Smith) e o da comunidade (Rousseau); e o pilar da

emancipação compreende três lógicas da racionalidade: a estético-expressiva, a moral-prática

e a cognitivo-instrumental. O que mais caracterizou a condição sócio-cultural do fim do

século XX foi a absorção do pilar da emancipação pelo da regulação. O pilar da emancipação

foi hipercientificizado e, com isso, permitiu a divulgação de promessas da modernidade. Para

entender o desenvolvimento desequilibrado do pilar da emancipação, é preciso entender o da

regulação, isto é, o desenvolvimento desarmônico de seus três princípios: o desenvolvimento

excessivo do princípio do mercado, em detrimento do princípio do Estado e do princípio da

comunidade. As grandes promessas da modernidade não foram cumpridas ou resultaram em

cumprimento injusto: a promessa de igualdade, de liberdade, da paz perpétua e a promessa de

dominação da natureza. Assim, tanto a falta quanto o excesso, no cumprimento dessas

31

promessas, explicam a situação presente no mundo (SANTOS, 2002, p. 23-4). Nesse sentido,

Santos (SANTOS, 1997a, p. 35) afirma que [...] a crise do paradigma da ciência moderna não constitui um pântano cinzento de cepticismo ou de irracionalismo. É antes o retrato de uma família intelectual numerosa e instável, mas também criativa e fascinante, no momento de se despedir, com alguma dor, dos lugares conceituais, teóricos e epistemológicos, ancestrais e íntimos, mas não mais convincentes e securizantes, uma despedida em busca de uma vida melhor a caminho doutras paragens onde o optimismo seja mais fundado e a racionalidade mais plural e onde finalmente o conhecimento volte a ser uma aventura encantada.

Mais de 200 anos depois do surgimento de um novo paradigma, perdeu-se a confiança

epistemológica. Vive-se de novo uma fase de transição diferente da que ocorreu no século

XVI; daí a necessidade de voltar a fazer perguntas simples, embora as respostas não sejam tão

simples. O que é uma pergunta simples? É uma pergunta que atinge o âmago mais profundo

da nossa perplexidade individual e coletiva. Seria de novo perguntar sobre as relações entre

ciência e virtude, o valor do conhecimento vulgar (criado para dar sentido às nossas práticas

cotidianas) que a ciência teima em considerar falso e irrelevante; perguntar sobre o papel que

o conhecimento científico acumulado exerce no enriquecimento ou no empobrecimento

prático das nossas vidas (SANTOS, 1997a, p. 8-9; 2002, p. 59).

Em texto mais recente, Santos chama essas perguntas de fortes, que acredito, de tão fortes, são

simples e cujas respostas são complexas, porém, a falta de inteligibilidade faz com que sejam

dadas respostas fracas, simplificadas. Nesse sentido, o autor (2008, p. 13), refere-se ao

método de Luciano de Samósata24, em relação ao contemporâneo, pois tem a vantagem de

“[...] criar distância em relação às teorias, ao conhecimento constituído”. Entre outras coisas,

esse método “[...] mostra-lhes que a verdade a que aspiram [...] não reside na correspondência

a uma realidade dada e sim na correspondência a uma realidade por dar, à utilidade em função

de critérios e objectivos sociais, em sentido amplo”. Portanto, Santos considera que esse

distanciamento é imprescindível, hoje, e se deve a uma das características da transição que é a

“discrepância entre perguntas fortes e respostas fracas”. As perguntas fortes são as que se

referem não só à vida individual e coletiva, mas às possibilidades existentes de escolha; e as

respostas fracas são as que respondem sem considerar o rol de possibilidades existentes. O

autor (2008, p. 17) cita diversas perguntas fortes com respostas fracas e, também eu, pensei

em perguntas fortes com respostas fracas na Educação, por exemplo:

24 Nascido na Síria e autor do diálogo “A venda de filosofias”, proposto, aproximadamente, no ano 165 da nossa era (SANTOS, 2008, p. 12).

32

Por que algumas crianças não aprendem? Porque são desinteressadas e atrasadas.

Por que certas famílias não acompanham a vida escolar dos filhos? Porque são descomprometidas com

sua educação.

Por que o resultado do ensino tem sido tão baixo? Porque as professoras são mal formadas.

Essa discrepância é uma característica do tratamento dado a perguntas de caráter tão forte e

importante para a Educação. As respostas fracas a essas perguntas garantem a continuidade do

colonialismo, da indiferença aos problemas educacionais, dos modos como os responsáveis se

eximem da sua responsabilidade social e as transferem para os que sofrem as conseqüências

do pensamento ortopédico que permeia o cotidiano social, econômico, cultural. Assim, é

maquiada a verdadeira dimensão de problemas educacionais, que se manifestam em carência,

omissão, descrença e desilusão. Então, o distanciamento de que fala Samósata, “[...] explica a

predominância de epistemologias negativas e, concomitantemente, de éticas e posições

políticas também negativas” (SANTOS, 2008, p. 18). Ser contrário a essa posição teórica,

implica a produção de subjetividades desestabilizadoras que reconhecem o despropósito

presente nas respostas fracas e procuram outras alternativas apesar da incerteza da sua

existência. O importante é não se sujeitar e buscar novas e múltiplas possibilidades presentes

nos diversos espaços sociais embora, muitas vezes, invisibilizadas, na imensa riqueza das

experiências do mundo.

Nesse contexto, os sinais do paradigma emergente anunciam-se sem base concreta, porque

não há caminhos, nem alternativas desenhadas, mas estão sendo rabiscadas, ensaiadas, ainda.

Santos (2002, p. 75) refere-se a um novo paradigma científico que deve ser, também, social;

sendo que o princípio da comunidade e a racionalidade estético-expressiva, “representações

mais inacabadas da modernidade ocidental”, devem ser priorizados nessa nova forma de

conhecimento que surge com a recuperação das energias emancipatórias. No paradigma

emergente tenta-se superar o dualismo sujeito/objeto, a neutralidade, a dicotomia ciências

naturais/sociais e se revalorizam os estudos humanísticos.

É com a crise do paradigma dominante, resultante de uma pluralidade de condições tanto

teóricas como sociais, que se anuncia o surgimento de um novo paradigma emergente, que

Santos (2002, p. 68) chama “[...] paradigma de um conhecimento prudente para uma vida

decente”. Este surge numa revolução científica diferente da ocorrida no século XVI; é um

33

paradigma científico e social, um conhecimento não-dualista, que busca a superação de

dicotomias. O paradigma emergente, segundo Santos (1997, 2002), apresenta quatro

características: todo o conhecimento é científico-natural e científico-social; todo

conhecimento é local e total; todo conhecimento é auto-conhecimento e todo conhecimento

científico visa a constituir-se em senso comum.

A 1ª característica (SANTOS, 1997, p. 37-45), “todo o conhecimento científico-natural é

científico-social”, indica que não tem sentido a distinção dicotômica entre ciência natural e

ciência social e põe em dúvida a distinção entre: orgânico e inorgânico, seres vivos e matéria

inerte, humano e não-humano. Assim, características de auto-organização, metabolismo e

auto-reprodução consideradas específicas dos seres vivos, agora, são também, atribuídas aos

sistemas pré-celulares de moléculas. Diferentes autores introduzem nos estudo da matéria,

conceitos que antes eram inerentes somente ao ser humano, como historicidade, processo,

liberdade, autodeterminação e consciência, sendo que a distinção entre sujeito e objeto sofre

uma transformação radical. O conhecimento do paradigma emergente não-dualista

fundamenta-se, portanto, na superação de distinções como: natureza/cultura; natural/artificial;

vivo/inanimado; mente/matéria; observador/observado; sujeito/objeto; coletivo/individual;

animal/pessoa.

A 2ª característica (SANTOS, 1997, p. 46-49) indica que “todo o conhecimento é local e

total”. Constitui-se em torno de temas, adotados por grupos sociais concretos, como projetos

de vida locais (exemplo, reconstituir a história de um lugar, de uma instituição, de um grupo).

A fragmentação pós-moderna não é disciplinar, é temática; os temas são galerias que levam os

conhecimentos ao encontro uns dos outros, como procurei organizar os dados produzidos

nesta pesquisa, para fins de tradução. O conhecimento emancipatório constitui-se de

pluralidade metodológica e cada método é considerado uma linguagem. Essa pluralidade só é

possível graças à transgressão metodológica (diferentes estilos e gêneros literários).

Exemplifico a transgressão literária com Victor Hugo, “grande mestre dos alexandrinos”, que

segundo Viviani et al25, além de dominar a técnica dos versos, renovou-os “[...] deixando-os

mais soltos, mais leves”, ou seja, fez uma revolução, pois “[...] a linguagem poética não deve

acorrentar o poeta dentro de uma prisão, e sim permitir que ele libere todos os seus

25 Na apresentação da edição bilingue do livro Poésie de l’Enfance/Poesia da Infância de Victor Hugo.

34

sentimentos” (Viviani et al, 2002, p. 18). Acusado de transgredir as regras dos alexandrinos,

V. Hugo respondeu: E nos batalhões de alexandrinos quadrados Eu fiz soprar um vento revolucionário26.

A 3ª característica (SANTOS, 1997, p. 50-55), “todo conhecimento é auto-conhecimento”,

lembra que a ciência moderna consagrou o homem enquanto sujeito epistêmico (científico),

mas o ignorou enquanto sujeito empírico (não científico). O conhecimento objetivo, factual e

rigoroso não aceitava a interferência de valores humanos e religiosos – daí a distinção entre

sujeito e objeto. Hoje, pode-se afirmar que o objeto é a continuação do sujeito por outros

meios (1997, p. 52), por isso todo conhecimento científico é auto-conhecimento. No

paradigma emergente, o caráter autobiográfico e autoreferenciável da ciência é plenamente

assumido. Assim, este estudo sobre o curso de Pedagogia, também, assume essa característica,

porque trabalha com material produzido por meio das enunciações discursivas de professoras,

alunas e funcionárias.

A ciência moderna deixou-nos um conhecimento funcional do mundo que ampliou nossas

perspectivas de sobrevivência. No entanto, hoje, não se trata apenas de sobrevivência, mas de

como saber viver (SANTOS, 1997, p. 53). Já dizia o poeta na letra de uma música: “É preciso

saber viver, saber viver, saber viver!” A incerteza do conhecimento que a ciência moderna

sempre viu como limitação técnica, transforma-se na chave do entendimento de um mundo

que mais do que controlado tem de ser contemplado. A ciência do paradigma emergente é

mais contemplativa do que ativa. Talvez por isso, Pais (2003, p. 27) sugira, com Simmel, que

o sociólogo seja “[...] um “fotógrafo amador” da realidade social, um “hábil em instantâneos”

[...]”, que tenha a arte de fotografar, porque para ele “[...] o fotografar é um processo de

capturar o fugaz que o olhar vagabundo do fotógrafo possibilita”; fotografar implica

contemplar e captar o contemplado sob a ótica de cada um. A dimensão estética da ciência

tem sido reconhecida por cientistas e filósofos e se considera que o discurso científico se

aproximará, cada vez mais, da criação literária. Ressubjetivado, o conhecimento científico

ensina a viver e se traduz num saber prático, concepção que considero significativa num

estudo sobre formação de pedagogos, cuja profissão implica lidar com o ser humano em

diferentes fases da vida.

26 Apud Viviani et al, 2002, p. 18.

35

Conforme a 4ª característica (SANTOS, 1997, p. 55-58), “todo conhecimento científico visa a

constituir-se em senso comum”. A ciência moderna nos ensina pouco sobre a nossa maneira

de ser-estar-viver no mundo. Ela produz conhecimento e desconhecimento; sabe que nenhuma

forma de conhecimento é em si mesma racional; tenta dialogar com outras formas de

conhecimento, deixando-se penetrar por elas e a mais importante é o conhecimento do senso

comum que orienta a vida cotidiana. A modernidade crítica-renovada (a transmodernidade)

procura reabilitar o senso comum para reconhecer nele, virtudes que enriquecem a relação

com o mundo. O senso comum faz coincidir causa e intenção, é prático e pragmático, é

transparente e evidente, é superficial (desdenha estruturas além da consciência). Esse tipo de

conhecimento é, também, considerado indisciplinar e imetódico, aceita o que existe como

existe (sem buscar explicações), é retórico e metafórico e não ensina, mas persuade. O senso

comum pode estar na origem de uma nova racionalidade. Na ciência moderna, a ruptura

epistemológica simboliza o salto qualitativo do conhecimento científico para o conhecimento

do senso comum. A ciência pós-moderna ou crítica-renovada, ao sensocomunizar-se

(SANTOS, 1997, p. 57) não despreza o conhecimento que produz tecnologia, mas entende

que assim como o conhecimento deve traduzir-se em auto-conhecimento, o desenvolvimento

tecnológico deve traduzir-se em sabedoria de vida. Este é o marco da prudência (insegurança

assumida e controlada).

Na fase de transição e de revolução científica que se vive hoje, essa insegurança resulta do

fato de a reflexão epistemológica ser muito mais avançada do que a prática científica. Essa

mesma opinião ocorre em relação aos estudos teóricos e às práticas docentes escolares. Não se

pode, ainda, visualizar uma pesquisa que corresponda, inteiramente, ao paradigma emergente,

porque ele está em fase de transição. Todo o conhecimento é auto-conhecimento e todo

desconhecimento é auto-desconhecimento. Segundo Morin (2000, p. 20), “O conhecimento

sob forma de palavra, de idéia, de teoria, é o fruto de uma tradução/reconstrução por meio da

linguagem e do pensamento e, [...], está sujeito ao erro”. Assim, o século XXI deverá

abandonar a visão unilateral que define o ser humano pela racionalidade técnica, pelas

atividades utilitaristas e pelas necessidades obrigatórias (MORIN, 2000, p. 58). Pela sua

complexidade, o ser humano, traz em si, caracteres antagonistas: sábio/louco,

trabalhador/lúdico, empírico/imaginário, econômico/consumista, prosaico/poético. O homem

da racionalidade é, também, o da afetividade. Nesse sentido a Educação não pode ignorar o

desenvolvimento tecnológico, mas deve usá-lo de modo a aprimorar a qualidade da formação,

garantindo a humanização nas relações.

36

A separação entre a modernidade dos problemas e a pós-modernidade das soluções deve ser

ponto de partida para a construção de uma teoria crítica-renovada (SANTOS, 2002, p. 33).

Para essa teoria, todo o conhecimento crítico tem que começar pela crítica do conhecimento.

Na atual fase de transição paradigmática, a teoria crítica-renovada constrói-se a partir de uma

tradição epistemológica marginalizada e desacreditada da modernidade: o conhecimento-

emancipação. A teoria crítica proposta por Santos (2002, p. 17) “[...] parte do pressuposto de

que o que dizemos acerca do que dizemos é sempre mais do que o que sabemos acerca do que

dizemos. Neste excesso reside o limite da crítica”. Ele continua explicitando sua proposta,

afirmando que essa teoria reconhece a dificuldade de se aceitar que na crítica há sempre auto-

crítica. Portanto, esse autor (2002, p. 17) considera que “a auto-reflexividade é a atitude de

percorrer o caminho da crítica”, no caso, a transição paradigmática. Em concordância com

Santos, Nunes (2002, p. 328) afirma que o termo crítica está associado “[...] à descanonização

da teoria e ao reconhecimento da sua indispensabilidade para o momento desconstrutivo [...],

descanonizar significa reinventar os modos de articulação entre a dimensão cognitiva, a

dimensão estética e a dimensão moral numa nova política emancipatória, [...]”.

Santos (2002, p. 107) ressalta na sua teorização a importância da dupla ruptura

epistemológica; feita a primeira ruptura (distinção entre ciência e senso comum), há

necessidade de se fazer a segunda, ou seja, “[...] romper com a primeira ruptura

epistemológica, a fim de transformar o conhecimento científico num novo senso comum”, ou

seja, “[...] o conhecimento-emancipação tem de romper com o senso comum conservador,

mistificado e mistificador, [...] para se transformar a si mesmo num senso comum novo e

emancipatório”, que pressupõe uma nova ética, como também, uma nova estética e uma nova

política. Nesse sentido, a ciência transforma-se num conhecimento partilhado e contribui para

a construção da cidadania ativa. O autor (2002, p. 111) destaca três dimensões a serem

consideradas na construção do novo senso comum: a dimensão ética (o Sul, a solidariedade),

a dimensão política (a fronteira, a participação) e a dimensão estética (o barroco, a

expressividade). Na perspectiva de pesquisar a produção de saberes-fazeres-poderes na

formação de pedagogos, lancei no-do-com o cotidiano, um olhar emancipatório, buscando nos

dados produzidos as dimensões advindas da teorização de Santos, com intenção de trabalhar a

ciência como produção do conhecimento-emancipação, presente no paradigma emergente, na

atual fase de transição.

37

Por perspectivar uma visão mais ampla da realização curricular, no que concerne à produção

de saberes-fazeres-poderes da formação de pedagogos, não detalhei alguns aspectos que

aparecem no estudo. Por exemplo, poderia ter delimitado e focado minha atenção apenas na

integração teoria-prática, considerada um princípio fundamental do PPC (2006); ou me deter

na relação entre o curso de Pedagogia e a Escola Básica, ou na intra-inter-

transdisciplinaridade, entre outros aspectos do PPC. No entanto, optei por realizar uma

abrangência maior sobre os saberes-fazeres-poderes na sua realização cotidiana e visualizar,

mais amplamente, a produção das praticantes. Essa minha decisão implica, também,

consumo-produção de saberes-fazeres-poderes relativos ao desenvolvimento desta pesquisa.

Síntese dos capítulos

O capítulo 1 trata, sinteticamente, da ““Pedagogia” e do curso de Pedagogia”, do currículo

anterior e do atual do curso de Pedagogia da UFES, da realização curricular, endereçamento,

professor-formador e aluno. As teorias de base, que dão sustentação a este trabalho,

fundamentam-se em Santos (1997, 2002, 2004, 2006, 2007, 2008) no que concerne aos

conceitos de comunidade interpretativa, sociologia das ausências, sociologia das emergências,

tradução, ecologia de saberes e práticas; em Certeau (1994, 1996) vou buscar os conceitos de

cotidiano, táticas, estratégias, lugar, não-lugar; e em Elsworth (2001), o endereçamento.

Lanço mão de outros autores que contribuem para a compreensão desses e de outros conceitos

que emergem no decorrer da reflexão e da produção escrita, utilizados como ferramentas para

inteligibilidade dos dados produzidos na pesquisa.

O capítulo 2 “Compartilhando um novo currículo” traz a concepção e as características que as

participantes expressam sobre o currículo, bem como, outros aspectos que aparecem como

relevantes nas conversações: carga horária do curso, horário de aula, reestruturação do centro,

processo de socialização, planejamento, além de uma reflexão sobre essas concepções. Trata,

ainda, de mecanismos de distorção da realidade curricular e da produção de subjetividades

insurgentes.

O capítulo 3, “Constelações de saberes-fazeres-poderes da formação”, discute os três núcleos

de ensino: estudos básicos, aprofundamento e diversificação de estudos e estudos

integradores, a seleção de aspectos prioritários na realização do Projeto Pedagógico de Curso

38

(PPC, 2006) e a compreensão dos saberes-fazeres-poderes que emergem nesses três núcleos

de conhecimentos, materializados nas práticas discursivas das participantes. Discute o que

ensinar-para-aprender-a-ensinar

O capítulo 4, “Ensinar-aprender-a-ensinar: uma caixa de ferramentas” trata dos modos de

produção de saberes-fazeres-poderes com a utilização de artefatos, estratégias, táticas

presentes na realização cotidiana do curso, que são utilizados por docentes e discentes, no

processo ensino-aprendizagem. Destaca as ecologias como procedimento de inteligibilidade

intercultural e constelações de práticas formativas docentes.

O capítulo 5, “Douta ignorância: a formação que temos-fazemos-queremos”, busca a

compreensão dos dados produzidos durante a pesquisa, procurando identificar nos interstícios

da realização, experiências disponíveis e possíveis tornadas inexistentes, bem como limites,

desafios e possibilidades. Estes podem potencializar e fertilizar a feitura curricular, contribuir

para a reflexão sobre os saberes-fazeres-poderes, para os modos de produção no processo

formativo docente com características emancipatórias e para a teorização dessa problemática

que permanece, continuamente, aberta à discussão porque é processual, é complexa, é

movimento.

39

Anexos

I) Roteiro de entrevista-conversação

1) A reformulação do currículo (PPC).

2) A produção de saberes teórico-práticos no/do/com o cotidiano do curso de Pedagogia.

3) Os artefatos que utiliza na realização do currículo do curso.

4) As estratégias/táticas inventivas que utiliza na sua disciplina.

5) A relação com a escola básica.

6) A produção e apropriação de saberes-fazeres pelos futuros/as-professores/as.

7) Os limites/possibilidades para aproximar a teoria e os desafios advindos da cotidianidade.

II) Formulário

UFES/CE - 03/04/09 Tema: A produção de saberesfazeres-poderes na realização cotidiana do curso de Pedagogia Prezado/a aluno/a

Nós conversamos quando você estava no 4º período. Agora está quase concluindo o curso e já tem uma visão

mais ampla do mesmo, dos saberes que precisa para exercer as funções próprias do pedagogo. Assim, gostaria de

pedir-lhe que escreva sua compreensão sobre:

- os saberes produzidos durante o curso para aprender e para aprender-a-ensinar,

- a relação desses saberesfazeres com o que você vê e vivencia no cotidiano da escola,

- a relação desses saberesfazeres com o profissional que você vai se tornar para atuar em ambiente escolar e não-

escolar:

a) pedagogo docente (educação infantil, séries iniciais),

b) pedagogo não-docente (supervisor, orientador, diretor, ou seja, o gestor para séries iniciais, finais e ensino

médio) e

c) como pesquisador e formador de pesquisadores.

Sua participação é importante na realização deste estudo (de doutorado) que deve contribuir para compreensão e

melhoria do curso de Pedagogia. Agradecida

Professora Maria Eneida Furtado Cevidanes

40

Projeto Pedagógico de Curso da Pedagogia27 Eis que se anuncia um novo tempo! Professores discutem, elaboram e realizam um novo Projeto de Curso da Pedagogia. Pressupostos e fundamentos se apóiam na dimensão teórico-prática da formação de um pedagogo, que exige uma pluralidade de saberes da docência, da gestão e da pesquisa, para atuar no magistério da Educação Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de magistério, nível de Ensino Médio, na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas que exijam conhecimentos pedagógicos. Destina-se à formação de gestores educacionais e, Ainda, à formação para produção e difusão de conhecimentos científicos e tecnológicos da Educação, em contextos escolares e não-escolares. O pedagogo deve ter postura profissional ética, responsabilidade social para construção de uma sociedade includente, justa e solidária. Para exercer tantas e importantes funções, conhecimentos e habilidades são necessários: Conhecimentos pedagógicos de formação geral, Conhecimentos pedagógico-didáticos e Conhecimentos das áreas específicas. Assim, a organização curricular do curso abrange um núcleo de estudos básicos, um de aprofundamento e diversificação de estudos e outro de estudos integradores. A dinamicidade do Projeto Pedagógico é assegurada por atividades acadêmicas como iniciação científica, extensão, seminários, monitorias, estágios, participação em eventos científicos, políticos, culturais e artísticos, além das aulas cotidianas das diferentes disciplinas. O estudo dos clássicos e das teorias educacionais deve proporcionar aos estudantes, conhecer a pluralidade de bases do pensamento educacional. As metodologias do processo educativo devem possibilitar compreender, planejar, realizar e avaliar processos de ensino e de aprendizagem. Esses estudos articulados aos fundamentos da prática pedagógica, objetivam estabelecer relação dialógica entre quem ensina e quem aprende. Portanto, a formação baseada na ação-reflexão-ação do futuro pedagogo docente ou não-docente implica uma postura permanente de indagação e de reflexão, pois um novo tempo se anuncia!

ENEIDA

27 Texto baseado no documento original do Projeto Pedagógico de Curso da Pedagogia, CE, UFES, 2006.

41

CAPÍTULO 1

A “Pedagogia” e o curso de Pedagogia

“Qual o lugar da Pedagogia na formação de professores?” (SILVA, 2003).

Pedagogia. Pedagogo28. Complexidade. Currículo. Cotidiano. Ser. Saber. Fazer. Poder.

Formação. Pedagogo. Pedagogia. Uma infinidade de palavras que sozinhas trazem a marca de

seus significados e juntas, incorporam, crescem, transbordam margens, ultrapassam fronteiras,

adquirem e criam múltiplas significações. Falar, pensar, escrever sobre a Pedagogia, permite

começar por qualquer uma dessas palavras, por qualquer fio, por qualquer nó, como uma rede,

como um rizoma.

A Pedagogia está presente em todos os cursos oferecidos pela Universidade enquanto

conjunto de saberes relacionados ao processo educacional e, não apenas, à formação de

pedagogos no curso de Pedagogia ou de professores, nas demais licenciaturas. Como, então,

não estudar de modo mais aprofundado os seus conhecimentos, se eles são fundamentais na

prática educativa que se dá em quaisquer cursos, em quaisquer níveis e áreas de estudo, em

quaisquer tempos e espaços?! Seria a pouca importância que se atribui aos processos

educativos, que corrobora o comportamento de descaso com a Educação?! Nesse sentido,

Nóvoa (2001, p. 74-5) afirma:

A educação vive assim “espartilhada” nesta dupla visão, feita de desconfiança e de aposta, de desqualificação e de exigência, de desprestígio e de responsabilização. Como se a educação fosse, por um lado, um campo científico e profissional habitado por gente de pouco valor e, por outro lado, o terreno social onde se jogam quase todas as perspectivas de futuro das sociedades contemporâneas.

No Informativo da UFES (Especial Calouros, 2007, p. 2), uma das seções trata dos Centros de

Ensino da Universidade, esclarecendo para os alunos-calouros que “todos os departamentos

estão vinculados, por afinidade temática, a um centro de ensino, [...]”. Pode-se observar que o

28 De acordo com a percepção da autora e necessidade do texto, será usada a forma masculina/feminina ou apenas uma delas.

42

Informativo não se refere a um centro administrativo, mas a um CENTRO DE ENSINO, ou

seja, de EDUCAÇÃO. Essa informação ressalta a presença pedagógica, em todos os cursos,

que ocorre por meio do processo ensino-aprendizagem, da relação docente-discente entre si,

com seus pares, com o colegiado, departamentos, direção do curso. Portanto, qual o lugar da

Pedagogia no processo de ensinar, aprender, pesquisar, fazer extensão universitária, na

Instituição de Ensino Superior, e não apenas, nas licenciaturas e, em particular, no curso de

Pedagogia?! É uma pergunta que não será respondida neste trabalho porque não se constitui

objeto deste estudo, mas que ajuda a pensar sobre o importante lugar que a Pedagogia ocupa

no contexto universitário, e que, às vezes, se visibiliza como um não-lugar.

Como a Pedagogia é uma área que tem sido desconsiderada, segundo diversos autores, não há,

então, uma grande preocupação em estudá-la, mesmo porque, para alguns não é considerada

como ciência, em função de problemas relacionados à sua identidade como campo de estudos

da Educação. Diversos fatores contribuem para que o espelho da Educação reflita-se em

baixos salários dos professores, descaso com a carreira e com a formação, baixo status do

magistério na sociedade, desinteresse pelas questões educacionais, descontinuidade nas

políticas públicas, má utilização dos recursos, etc. Nesse sentido, Hubert (1976, p. 3)

considera que a história do passado “[...] permite-nos pressentir o que os problemas atuais têm

de elementos novos, de dados irredutíveis a seus antecedentes. É possível que nosso tempo se

encontre em presença de uma situação pedagógica em grande parte inédita”, considerando que

o mundo vive um momento de transição paradigmática, de mudanças marcantes em todas as

dimensões da vida, da sociedade, da Educação. A situação atual do mundo e, também, do

Brasil revela sinais de que a sociedade não vai bem, a Educação parece não estar cumprindo o

seu papel, a violência campeia em todos os segmentos e setores, a corrupção, o desemprego, a

fome, a guerra, e muito mais, desenhando um quadro desolador que gera impotência e nubla

possibilidades. Este pode ser um momento importante de ruptura, de criação de linhas de

fuga, de produção de novas realidades, quem sabe?! Um momento de emancipação da vida!

É o que acontece com o curso de Pedagogia que passa pela implementação de um novo

currículo. A Pedagogia é uma área de conhecimento que trata da Educação e é de suma

importância na formação de docentes de todos os cursos universitários, bem como na

formação de pedagogos pelo curso de Pedagogia e de professores nas licenciaturas em geral,

afinal todos se utilizam de suas teorizações. No entanto, como campo específico de estudo

sobre a Educação, ainda não tem sido valorizada como merece, pela academia. Portanto, a

questão teórica e epistemológica da Pedagogia tem sido defendida, embora nem sempre com

43

as mesmas posições, por autores como Saviani (1983, 1994), Libâneo (1990, 1992), Pimenta

(1988, 1996), Severino (1995), Marques (1992), Freitas (1987), entre outros.

Como em outros períodos de grande transformação social, econômica, política, cultural, em

todas as dimensões, enfim, é obrigação do homem “[...] salvar sua humanidade, seu poder de

invenção de si mesmo, sobrepujando todas as forças materiais que tendem a escravizá-lo”

(HUBERT, 1976, p. 363); como em outras épocas “[...] o problema da educação é todo o

problema do destino do homem, [...]” e cabe a ele encontrar caminhos. É isto que o CE

procurou fazer, ao elaborar um novo Projeto Pedagógico de Curso (PPC, 2006) que iniciou a

sua realização no primeiro semestre de 2006. O PPC inclui mudanças que contemplam as

Diretrizes para Formação de Professores (MEC, 2006) e as da UFES (2006), bem como

necessidades de mudanças decorrentes de avaliações feitas com docentes e discentes do

próprio curso de Pedagogia.

O curso de Pedagogia na UFES

Um rápido passeio pela história permite cartografar o curso de Pedagogia da Universidade

Federal do Espírito Santo (UFES), que, segundo o Projeto Pedagógico de Curso do Centro de

Educação (PPC/CE, 2006), foi criado em 7 de dezembro de 1951, vinculado à Faculdade de

Filosofia, Ciências e Letras. Em 8 de novembro de 1968, foi elaborada uma nova estrutura

para a UFES que instituiu, o Centro Pedagógico (CP) como a unidade responsável pelo ensino

profissional e a pesquisa, aplicados à Educação, cujo projeto foi implantado em 1975. O curso

de Pedagogia da UFES foi reformulado em 1990. Em 1991, ocorreu redução da carga horária

de 3000 horas para 2790 horas. Em 1994, houve outro ajuste na estrutura do curso. A partir do

segundo semestre de 1995, o curso de Pedagogia teve um novo currículo aprovado, com carga

horária mínima para graduação de 2.460 horas, com duração de oito semestres, incluindo uma

habilitação complementar, também de caráter obrigatório, dentre quatro opções: Magistério

da Educação Infantil, Magistério da Educação Especial, Magistério das Disciplinas

Pedagógicas do Ensino Médio, Magistério da Educação de Jovens e Adultos (Diretrizes do

Curso de Pedagogia, CE/UFES, 1994).

Em 2001, foi criada a Habilitação Gestão Educacional (Supervisão, Orientação,

Administração e Inspeção Educacional), passando, a partir de 2002 a ser oferecida, na

graduação, junto com as demais habilitações. Em 16 de agosto de 2002, o Centro Pedagógico

44

passa a se constituir como Centro de Educação (CE). Essa é, portanto, a organização

curricular que funcionou até 2005 e vai continuar sendo oferecida, até que todos os alunos,

que entraram no curso de Pedagogia sob regime de currículos anteriores, concluam o curso. O

curso de Pedagogia atravessou e foi atravessado por diversas políticas educacionais, em

diferentes contextos sociais, políticos, econômicos, sempre se organizando conforme as novas

orientações legais. Em 2006/01, iniciou-se a implantação e implementação do novo currículo

conforme as novas diretrizes e a legislação em vigor.

O novo currículo de Pedagogia O currículo, de 2006, expressa [...] o esforço coletivo do CE (P1).

A partir do ano de 2006, com a Resolução CNE/CP Nº 1, de 15/05/2006, muda a estrutura e a

carga horária do curso de Pedagogia, extinguem-se habilitações, entre outras alterações.

Movimentos institucionais impulsionam parcela dos praticantes do curso a se mobilizarem

nas discussões para feitura do novo currículo, que se encontra consubstancializado no

documento “Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia do CE/UFES” (PPC, 2006)29,

elaborado em decorrência das discussões dos professores e alunos, bem como devido às

alterações na legislação federal.

O PPC procura adequar-se às orientações das Diretrizes Nacionais para Formação de

Professores, bem como tenta eliminar problemas da matriz curricular em vigor, desde 1995,

embora se mantenha coerente com muitos pressupostos desta. É fundamentado em estudos

realizados por educadores que compartilham das propostas da Associação Nacional pela

Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE) e do Fórum de Diretores de

29 Ele é estruturado conforme a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, artigo 205; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), nos artigos 3º inciso VII, 9º, 13, 43, 61, 62, 64, 65 e 67; o Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/2001), em particular no item IV, Magistério na Educação Básica, que define as diretrizes, os objetivos e metas, relativas à formação profissional inicial para docentes da Educação Básica. Baseia-se, ainda, no Parecer CNE/CP nº 9/2001, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior (licenciatura, graduação plena); o Parecer CNE/CP nº 27/2001, que dá nova redação ao item 3.6, alínea “c”; o Parecer CNE/CP nº 28/2001 que modifica o Parecer CNE/CP nº 21/2001, estabelecendo a duração e a carga horária dos cursos de Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior (licenciatura, graduação plena); a Resolução CNE/CP nº 1/2002, que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior (licenciatura, graduação plena); a Resolução CNE/CP nº 2/2002, que institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da Educação Básica, em nível superior, bem como as Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores da UFES; o Parecer CNE/CP nº. 05/2005; o Parecer CNE/CP nº. 03/2006; e a Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 2006, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia.

45

Faculdades/Centros de Educação das Universidades Públicas Brasileiras (FORUMDIR)

(CE/UFES, 2006). A ANFOPE defende uma organização institucional e curricular para

formação desses profissionais, dentre eles o pedagogo, que privilegie a dimensão humana, a

docência como base de formação profissional, o trabalho pedagógico como foco formativo,

aliado à realidade da escola básica, a pesquisa como princípio de formação, entre outros

(ANFOPE, 1992, apud ANFOPE, 2004, p.18-19).

Nesse novo projeto foram excluídas as habilitações, porém há possibilidades de direcionar o

ensino para “ênfases” na formação, conforme a realidade de cada curso, dependendo das

necessidades e interesses locais e regionais, bem como da disponibilidade do quadro de

docentes do CE/UFES. Em termos de suas áreas de formação, pesquisa e extensão, neste

curso poderão ser, especialmente, aprofundadas questões relativas à educação a distância, à

educação de pessoas com necessidades educativas especiais, à educação de pessoas jovens e

adultas, à educação étnico-racial, à educação indígena, à educação dos remanescentes de

quilombos, à educação do campo, à educação hospitalar, à educação prisional, à educação

comunitária ou popular, entre outras.

O Curso de Pedagogia da UFES oferece três entradas anuais de alunos: no turno matutino,

duas entradas de quarenta alunos cada (1º e 2º semestre letivos) e no turno noturno uma

entrada de quarenta alunos, no 2º semestre letivo. Em 2006, quando foi implantado o novo

currículo, o CE contava com quinhentos e oitenta e nove alunos matriculados no curso, com

uma média de quarenta e cinco alunos por turma. O perfil do profissional (PPC, 2006) a ser

formado é baseado no pressuposto de que o pedagogo deve assumir postura profissional ética,

pautada na responsabilidade social para com a construção de uma sociedade inclusiva, justa e

solidária.

Mediante a amplitude da área de atuação do profissional da Pedagogia, percebe-se a pretensão

de uma formação muito ampliada, que dê conta de todas as funções educativas a serem

exercidas: docência, pesquisa e gestão administrativa e pedagógica, em ambientes escolares

ou não. Até pouco tempo, a maioria dos alunos, que chegava ao curso de Pedagogia, já era

habilitada ao magistério das séries iniciais em nível de segundo grau (Ensino Médio) e aliava

os saberes da experiência prática aos saberes teóricos adquiridos com a formação no Ensino

Superior. Hoje, a maioria dos estudantes não tem o magistério em decorrência das mudanças

na legislação educacional de 1996. Com isso, os discentes estão chegando ao curso de

46

Pedagogia, como em outras áreas profissionais, com saberes do Ensino Médio acadêmico e

sem saberes da experiência profissional docente.

A estrutura do curso de Pedagogia, conforme as Diretrizes para Formação de Professores

(MEC, 2006) é constituída por três núcleos: um núcleo de estudos básicos; um núcleo de

aprofundamento e diversificação de estudos; e um núcleo de estudos integradores. Com base

nessa estrutura, o estudo das teorias educacionais é um meio para propiciar aos futuros-

pedagogos (docente, gestor, pesquisador) o conhecimento da pluralidade de bases do

pensamento educacional. O estudo das metodologias do processo educativo deve ajudar a

compreender, examinar, planejar, pôr em prática e avaliar processos de ensino e de

aprendizagem, sempre tendo presentes os conteúdos, valores, atitudes, posturas,

procedimentos nas diferentes dimensões (ideológicas, políticas, sociais, econômicas e

culturais). Esses estudos devem articular-se com os fundamentos da prática pedagógica, numa

relação heterológica, entre quem ensina, quem aprende, quem pesquisa e quem dirige.

Na elaboração dessa nova proposta de curso, decidiu-se pela manutenção da formação do

pedagogo, respeitando as determinações contidas nas Resoluções CNE/CP Nº 01/2002 e

CNE/CP Nº 02/2002, que normatizam a oferta de cursos de formação de professores para o

Ensino Infantil, Fundamental e Médio, bem como as determinações da Resolução CNE/CP Nº

1/2006, que instituem as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em

Pedagogia (licenciatura). São alterações presentes no projeto do CE: 1) inclusão de 420 horas

de prática como componente curricular, vivenciadas ao longo do curso nas disciplinas

“Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica I, II, III e IV”, a serem ofertadas uma, em cada

semestre, a partir do segundo período; 2) 2190 horas de atividades formativas (aulas,

seminários, pesquisas e outros); 3) complementação da carga horária de estágio, de forma a

atingir as 405 horas de estágio curricular supervisionado a partir do início da segunda metade

do curso; 4) inclusão e normatização da carga horária de 200 horas para outras formas de

atividades acadêmico-científico-culturais; 5) 195 horas para a disciplina “Trabalho de

Conclusão de Curso I e II”, cursadas a partir da segunda metade do curso e finalizadas com a

realização de um trabalho escrito pelo aluno e apresentado em Seminário.

Conforme o Parecer 09/2001 (p. 57), a prática deve ser entendida como "situações didáticas

em que os futuros professores coloquem em uso os conhecimentos que aprenderem ao mesmo

tempo em que possam mobilizar outros, de diferentes naturezas e oriundas de diferentes

experiências, em diferentes tempos e espaços curriculares". A prática deve perpassar todo o

47

currículo do curso de formação de pedagogos, sendo contemplada no interior das disciplinas,

no Estágio Curricular Supervisionado e pela "Coordenação da dimensão prática". A

normatização referente à prática, como Coordenação da dimensão prática, encontra-se

definida na Resolução CNE/CP 01/2002 (Artigo 13 da Resolução CNE/CP 01/2002). Faz-se

necessária a elaboração de projetos de ensino30 para auxiliar na operacionalização da

Coordenação da dimensão prática da formação. Para distribuição da carga horária de 420

horas referentes a essa dimensão, foi proposto no PPC: 1) a criação de quatro disciplinas com

carga horária de 105 horas cada uma, as quais devem ser cursadas pelos alunos no transcorrer

dos primeiros semestres do curso de Pedagogia: “Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica I”,

“Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica II”, “Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica III”,

“Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica IV”; 2) os objetivos, conteúdos e atividades

desenvolvidos em “Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica” devem ser coerentes com as

demais disciplinas.

O Estágio Supervisionado do Curso de Pedagogia, segundo o PPC, é um componente

curricular considerado como um tempo de aprendizagem, capaz de associar o saber teórico

com o saber da prática e não deve ficar restrito à sala de aula da escola-campo-de-estágio,

mas, também, levar em conta a vida da escola em sua totalidade, bem como os atores diversos

que transitam neste espaço. Nesse sentido, o Estágio Curricular Supervisionado apresenta-se

como o “coroamento da formação acadêmica de seus alunos”. A carga horária de 405 horas

destinadas ao estágio curricular será desenvolvida a partir da segunda metade do curso, em

unidades escolares nas quais os estagiários possam atuar na docência, como preparo para o

exercício da futura profissão. Além disso, são destinadas 200 horas para a participação em

“Atividades Complementares” que devem ter como “objetivo básico o estímulo à prática de

estudos independentes, transversais, opcionais que permita a permanente e contextualizada

atualização profissional específica”31.

30 Um projeto de ensino é concebido como um conjunto de ações integradas, apoiadas em certas teorias e concepções de conhecimento, de ensino e aprendizagem, de trabalho educativo e de prática profissional do professor, que visam a oferecer ao licenciando possibilidades variadas de inserção no contexto da prática pedagógica, em diferentes espaços institucionais e sociais. Entende-se, ainda, que esses projetos podem estar vinculados, em algum nível, a projetos de extensão e de pesquisa que visem analisar aspectos da prática pedagógica, em diferentes espaços educativos (Projeto CE, 2006). 31 Estão incluídos como Atividades Complementares: projetos de pesquisa de iniciação científica, projetos de extensão universitária, cursos de extensão, monitorias, PET (Programa Especial de Treinamento), congressos, seminários, simpósios, encontros, conferências, jornadas, oficinas, publicações, estágios não obrigatórios, representações estudantis, eventos científicos, culturais e/ou artísticos, grupos de estudos, cursos de línguas estrangeiras, disciplinas eletivas e disciplinas optativas.

48

O PPC (2006) inclui a exigência do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), embora ele não

seja obrigatório, pela legislação. O TCC “compreende trabalhos de natureza acadêmico-

científica de temáticas relacionadas à educação em contextos escolares ou extra-escolares com

ênfase nas habilitações cursadas pelo aluno”. O curso será integralizado com o cumprimento

de uma carga horária total de 3410 horas, sendo: 3030 horas correspondentes a disciplinas

obrigatórias; 180 horas a disciplinas optativas e 200 horas para Atividades Complementares.

É neste curso, ora apresentado, com essas características curriculares (PPC, 2006), que

enveredei com esta pesquisa buscando investigar como professores-formadores e alunos-

futuros-pedagogos produzem a rede de saberes-fazeres-poderes que perpassa a realização

cotidiana do currículo do curso de Pedagogia.

Percorrendo outros contextos

No projeto do curso de Pedagogia da UFES (PPC, 2006), [...] uma atenção especial foi dada no sentido de dotar o profissional egresso do curso de uma visão crítica da sociedade em que ele irá atuar das suas responsabilidades éticas e sociais, do seu comprometimento com a disseminação e aplicação do conhecimento adquirido, tornando-o capaz de atuar de maneira dinâmica na pesquisa, na aplicação de conhecimentos no mercado de trabalho de modo responsável e na inovação educacional visando ao desenvolvimento de uma sociedade mais justa (PPC, p. 10-11).

Em outras universidades, o que pensam seus praticantes? Pois bem, pesquisar a realização do

curso impulsionou-me na busca de estudos semelhantes. Não encontrei nenhuma pesquisa

relativa ao novo currículo (2006) em outras instituições; talvez outros pesquisadores estejam

na mesma etapa que eu em suas pesquisas e não haja publicações, ainda. Nessa busca,

encontrei estudos relacionados às mudanças curriculares decorrentes da LDB 9394/96 e suas

proposições cabem no contexto atual, porque, afinal as mudanças de hoje são resultantes de

um processo de discussão das entidades ligadas à Educação e de outros fatores como as

políticas públicas. As discussões32 realizadas, embora sejam anteriores à divulgação das

Diretrizes de Formação de Professores (MEC, 2006), abordam questões que se fizeram

presentes nesse documento, por isso considero que são atuais e podem ajudar a entender o

processo de reestruturação que se faz após as diretrizes.

32 BELO de SOUZA e CARINO (1999) discutem a reestruturação dos Cursos de Educação (Pedagogia e de Formação de Professores para as séries iniciais) em cinco universidades do Rio de Janeiro (cito três à p. 49), a partir da LDBN 9394/96 e dos atos governamentais que se seguiram.

49

Nessas discussões, dez temas centrais, comuns a todas as Universidades participantes foram

discutidos: o processo interno de discussão das propostas de reestruturação; os pressupostos

político-pedagógicos; o perfil do egresso; o eixo central; as habilitações; a organização

curricular; a integração curricular; a relação teoria-prática; a formação cultural; as disposições

governamentais (BELO de SOUZA e CARINO, 1999). Esses temas constam na nova diretriz

curricular e, certamente, continuarão, porque estão no cerne do processo educacional

formativo. Como afirma Linhares (1999, p. 44), “Enfim, é preciso refazer um caminho de

volta, para ver o que foi ficando às margens, nesses desencontros da escola com os saberes

[...]”.

Apesar da mudança no curso ser anterior às Diretrizes de 2006, a UFF já propunha a formação

do pedagogo na perspectiva das Diretrizes: “Optou-se por uma formação comum e múltipla

que possa garantir ao pedagogo condições de exercer a docência e demais encargos

pedagógicos, através de um currículo mais denso [...]” (TRINDADE, 1999, p. 52). A

reestruturação do curso de Pedagogia na UFRJ, realizada com base na LDBN 9394/96, inclui

decisões que “[...] apontam para o pedagogo como um professor e como um gestor e

organizador do processo pedagógico, seja nas escolas, seja em experiências extra-escolares”

(MACEDO, 1999, p. 124). Na UNI-RIO almejavam “[...] um currículo que deveria permitir

espaços para discussões contemporâneas, que contemplassem as diferenças, possibilitasse o

diálogo entre os diversos campos do saber, favorecesse o intercâmbio entre o racional e o

emocional e o entrelaçamento filosofia, arte e ciência” (MARTINS, 1999, p. 149). Enfim,

esse rápido retrato de algumas outras instituições indica que as preocupações são semelhantes

e têm o mesmo propósito: aprimorar o processo formativo de pedagogos.

A realização curricular: dobrar, desdobrar, redobrar33

Um currículo é passível de plasticidade, de múltiplas possibilidades de dobra-desdobra-redobra (CEVIDANES, 2007).

Para estudar a realização de um currículo, como neste caso, inicio destacando que a vontade

de saber não pode ser dissociada da vontade de poder e da ética, assim, produzir currículo é

produzir subjetividades. As narrativas curriculares expressam concepções de um determinado

grupo social sobre o conhecimento, o homem, a educação, sobre as formas de organização da 33 Conceito G. W. Leibniz; Gilles Deleuze.

50

sociedade, sobre as diferentes culturas, etc. O currículo implica mecanismos de regulação e

controle; ele regula e, ele mesmo, é regulado. Para que um Curso Superior seja aprovado,

entre outras exigências legais, a Instituição deve apresentar um currículo conforme as

orientações previstas na legislação Ministério da Educação e Cultura (MEC). Na avaliação

periódica de um curso leva-se em consideração o currículo escrito e sua execução.

Também, docentes e discentes, regulam a produção cotidiana do currículo, o que não impede

burlas, criação de linhas de fuga, resistências ao instituído, na tentativa de buscar outros

possíveis para a sua feitura. Com a ênfase nos estudos culturais e a proliferação de

movimentos sociais relacionados a gênero, raça, etnia e outros, as tensões resultantes desses

processos não devem, nem podem ser ignoradas na discussão curricular. Essas questões

podem ser desdobradas, infinitamente, de múltiplas e criativas maneiras. Portanto, um

currículo nunca está tão pronto, fixo, fechado, acabado, que não possa ser dobrado,

desdobrado, redobrado em seus conteúdos, carga horária, disciplinas, concepções, porque ele

é passível de plasticidade, de múltiplas possibilidades de dobra-desdobra-redobra.

O currículo deve ser concebido como um artefato cultural, campo de produção e reprodução

de cultura, campo de conflitos e de possibilidades. Nesse sentido, fazer um novo currículo

implica rupturas, (des)montagens e (re)montagens de práticas discursivas, de formas de

avaliação, de vivências cotidianas plurais. Nos anos 1930, Caswell “[...] define o currículo

como o “ambiente em ação”” (MOREIRA, 2000, p. 68), ampliando o conceito de currículo e

levando-o para fora do espaço escolar. Segundo Moreira (2000, p. 69), um especialista, ao

analisar currículos universitários em geral e, particularmente, os de formação de professores,

observa neles uma concepção fundada na visão do conhecimento como uma árvore, em que

há um tronco comum de onde saem os galhos que representam as ciências; no entanto ele

lembra que a visão atual aponta para um conhecimento que se constrói em rede. Nesse

sentido, Ferraço (2005, p. 18) defende uma concepção de currículo que “[...] só é possível de

ser pensada na dimensão das redes coletivas de fazeressaberes dos sujeitos que praticam o

cotidiano [...]”.

As territorialidades, os currículos instituídos são atravessados por linhas de fuga que

denunciam movimentos de desterritorialização e reterritorialização34 que ocorrem

incessantemente nas instituições, provocando a abertura curricular em infinitas possibilidades

de ser, saber, fazer, poder a formação de pedagogos. Estou pensando “escrito”, porque 34 Conceitos de Gilles Deleuze.

51

escrever é uma forma de pensar, no caso, sobre o currículo que está sendo mapeado,

produzido e realizado no curso de Pedagogia da UFES. Um currículo que permaneça no

“meio”, no entre, no fio dos territórios do Centro de Educação (CE) e da UFES, pode ser um

caminho possível. Portanto, o currículo constitui um lugar, possui um lugar próprio, “[...] um

espaço que é controlado por um conjunto de operações, “estratégias”, fundadas sobre um

desejo e sobre um conjunto desnivelado de relações de poder” (JOSGRILBERG, 2005, p. 23).

Pensar num currículo para formação de pedagogos exige pensar, também, no currículo para a

Escola Básica35, onde esses futuros profissionais irão atuar. É imprescindível que haja

coerência entre os dois currículos, para que haja convergência entre o que o futuro pedagogo

aprende e o que ele deverá ensinar em suas aulas; entre o pedagogo-cidadão que se forma e o

estudante-cidadão com quem irá interagir no processo educativo. Nesse sentido, Cevidanes

(1996), em pesquisa realizada com professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental,

observa que os primeiros anos de trabalho mostram à professora a complexidade, as

contradições e a realidade inerentes à profissão, que no seu curso de magistério pareceram

ignoradas, ocultadas, invisibilizadas.

Hoje, também, não se pode desconsiderar, na formação, o efeito de artefatos como cinema,

TV, vídeo, computador, internet, celular, máquina fotográfica digital, jogos eletrônicos, que

entraram, definitivamente, na vida das pessoas. De certo modo, a presença desses artefatos

instala um movimento de (des)ordem na aparente ordem naturalizada da vida, dos modos de

ensinar e de aprender, das idéias construídas e transmitidas pela cultura oral, advindas do

senso comum e do texto escrito, principalmente, livros, jornais, revistas. Porém, faz uma

grande diferença, na formação de pedagogos, saber que eles vão lidar com estudantes que

estão crescendo e evoluindo junto com todos esses artefatos e que “[...] não se constituem a

partir de identificações com figuras, estilos e práticas de antigas tradições, que definem ainda

hoje o que é cultura, mas a partir da conexão/desconexão (do jogo de interface) com os

aparatos (RAMIRES e MUÑOS, 1995, p. 62)” (BARBERO, 2000, p. 84). Importa ressaltar

que, crianças e jovens utilizam o computador e outros artefatos, com facilidade, mas nem

sempre fazem o mesmo com os conteúdos escolares, segundo estagiárias e docentes do

Ensino Fundamental e minhas próprias observações e vivências em espaços escolares.

35 O currículo da Escola Básica não é objeto de estudo neste trabalho.

52

Assim, nesta fase de transição paradigmática em que o mundo vive, a teoria crítica-renovada é a base

orientadora dessas mudanças que “[...] constrói-se a partir de uma tradição epistemológica,

marginalizada e desacreditada da modernidade o conhecimento emancipação” (SANTOS, 2002, p. 29-

30). Trabalhar o currículo sob a ótica emancipatória significa mudança de postura: sair da posição

pessimista sobre a problemática (caos) da Educação, a formação de pedagogos que, às vezes, impõe um

currículo desvinculado da realidade da Escola Básica, da sociedade, das questões políticas, culturais,

econômicas, pedagógicas, éticas, estéticas. Nesse sentido, a realização curricular pode partir de uma

concepção de emancipação, considerando como ponto de ignorância, o colonialismo, na perspectiva de

“[...] elevar o outro da condição de objeto à condição de sujeito” (SANTOS, 2002, p. 30), numa

concepção de conhecimento-reconhecimento (solidariedade) do outro como sujeito, ou seja, o futuro-

pedagogo não é um mero objeto a ser formado para exercer uma função, mas é o sujeito, o articulador, o

mentor, o experienciador da sua própria formação.

É possível que essa razão indolente, preguiçosa de que Santos (2002, p. 42) fala, seja a mesma

que serpenteia nos meios educacionais envenenando esperanças, desejos e possibilidades,

porque apregoa uma imagem fatalística “irreversível” de que a Educação não tem jeito, de que

os professores não são-estão preparados para exercer seu trabalho e, assim, oculta, ignora a

complexidade da Educação, ou seja, questões fundamentais como políticas públicas,

investimentos, condições de trabalho e outros. É difícil, mas não impossível, mudar a

Educação, apesar de os espelhos refletidos pela sociedade mostrarem imagens de injustiça,

corrupção, desemprego, fome, intolerância, desrespeito, etc. De tanto refletir essas mesmas

imagens, não se consegue refletir outras, que possibilitem vislumbrar possíveis, já que as

imagens refletidas estão petrificadas, irreconhecíveis. A sociedade não mais consegue ver,

nesses espelhos sociais imagens diferentes, outros possíveis para ela mesma. Com a Educação

acontece o mesmo, porque está inserida na sociedade. É necessário inventar novos espelhos

para se ver e se (re)fazer a Educação. Nesse sentido, Cunha (1998, p. 20) enfatiza que “[...] a

possibilidade de uma nova matriz para construir a ciência, que ultrapasse o pensamento

epistemológico positivista estabeleceu novas alternativas para pensar o processo ensino-

aprendizagem na universidade”, neste caso o curso de Pedagogia.

Portanto, analisar e (re)elaborar um currículo considerando o discurso, a experiência, a

percepção da própria pedagoga sobre as questões educativas pode ajudar a aproximá-la da

realidade da escola. Para dar mais sustentação ao meu discurso trago, ainda, dados recentes,

como a fala de professores (CARVALHO, 2006) de uma Escola Pública Municipal, que

reflete seu pensamento acerca do ensino, da aprendizagem e da escola, em múltiplos aspectos.

53

Esses discursos corroboram os anteriores e podem contribuir na discussão sobre o currículo de

formação de pedagogos, sobre a relação teoria-prática, contextualização, aproximação entre a

instituição formadora e Escola Básica, entre outros. O que eles dizem:

Essa mudança deve começar primeiramente em nós (professores) [...] (P). Essa falta de prazer está muito ligada, ao trabalho que acontece em sala, [...] (P). Será que esse acúmulo de conhecimentos não está sobrecarregando as crianças? [...] elas não estão dando conta, estão explodindo, estão dando sinais (P). Até que ponto esta educação está servindo para o cotidiano do aluno? Cabe ao professor ter discernimento ao selecionar o conteúdo (P).

Quantos aspectos importantes foram destacados nas práticas discursivas docentes! Como a

Educação tem considerado essas vozes, esses pedidos de socorro de docentes, que clamam nas

reuniões e nas salas de professores, sobre os desafios que emergem, cotidianamente, nas salas

de aulas? Melhor juntar às suas vozes, a voz de Baudrillart (1951, p. 11) que assim se referia

sobre o nível de conhecimento dos alunos: “Entram na Politécnica alguns que aos quatorze

anos não compreendiam nada de matemática; [...]”. Hoje, fala-se de alunos que estão

chegando à oitava série, carentes de conhecimentos básicos de leitura e escrita e da

Matemática. Como nos tempos atuais, o saber pedagógico, como o saber da experiência

explicita a diversidade, a diferença, que nem sempre é compreendida, cuidada e respeitada

(parece que a escola não sabe, ainda, como fazê-lo).

Observa-se que o discurso de Baudrillart bem retrata o discurso de hoje, ou o é o discurso de

hoje que retrata o dele?! É só ouvir o que dizem professores! Na sociedade propaga-se que o

Ensino Público vai mal, que professores não estão preparados para o magistério, que alunos

não aprendem etc. O tempo passa, mudam os costumes e as teorias, transglobaliza-se o mundo

e os problemas educacionais permanecem quase sempre os mesmos! O currículo do curso de

formação de pedagogos não pode ignorar esses fatos na sua realização. Se os problemas estão

aí, “escancarados” na boca de alunos, professores, pais, técnicos e de todo mundo, devem ter

algum fundamento e, conseqüentemente, precisam ser considerados na formação.

Então, que currículo deve ser o de formação de professores (e o da Escola Básica), de modo

que docentes “preparem-se” para atuar nessa realidade e possam intervir, positivamente, para

a mudança esse “quadro educacional insatisfatório”, que insiste em se manter década após

década?! Cevidanes (1996), em pesquisa com professoras, afirma que entre as dificuldades

que elas apontam, inclui-se não saber selecionar o conteúdo a ser trabalhado em cada série ou

conforme as dificuldades de seus alunos, além de não saber como preparar aulas e ensinar.

Certamente, que na formação de futuros pedagogos devem ser discutidas essas questões,

procurando abranger diferentes dimensões da docência/não-docência, o que não significa

54

discutir-pedir receitas de modos de ser-fazer educação. É possível mudar a realidade?! Pode

haver um melhor ensino e uma melhor aprendizagem?! A instituição formadora de pedagogos

deve considerar necessidades expressas por profissionais nela formados?! Há invisibilidades

presentes na Educação que precisam vir à tona para ajudar a entender e a encontrar caminhos

possíveis para as questões educacionais?!

Segundo Cevidanes (1996) professoras relacionam alguns aspectos que faltaram ou não foram

bem trabalhados na sua formação inicial, tais como: conteúdos próprios das séries iniciais,

maior compreensão sobre a realização do processo de alfabetização, conhecimento e análise

do programa curricular das séries iniciais, como selecionar o conteúdo de cada série, como

utilizar diferentes e adequados procedimentos metodológicos para melhor promover a

aprendizagem de seus alunos, como lidar com problemas e situações imprevisíveis que

ocorrem no cotidiano da sala de aula, como lidar com as crianças uma vez que as salas de aula

são multiculturais, como trabalhar com sala multisseriada e planejar as aulas de modo que

atendam a essa diversidade, como tornar o conhecimento mais próximo da realidade da escola

pública, como organizar as situações de ensino e geri-las, como ter segurança, vencendo a

insegurança natural característica de todo início de qualquer atividade profissional, como dar

aulas e como se preparar para “enfrentar” a sala de aula.

Nesse sentido, a formação deve ser realizada de modo intra-inter-transdisciplinar, pois pensar

que se faz Educação de um só jeito coincide com a concepção do modo ocidental de conceber o

mundo de uma só maneira, em que ocorre “a contração do presente (razão metonímica) e

expansão do futuro (razão proléptica)”, de acordo com Santos (2004, p. 779). O autor sugere

fazer o inverso, ou seja, “expandir o presente (sociologia das ausências) e contrair o futuro

(sociologia das emergências)”. A contração do presente invisibiliza experiências sociais

interessantes e criativas no mundo. Eu diria que a Escola e a Universidade são exemplos disso:

suas ações, necessidades, problemas, nem sempre são vistos com o devido cuidado e, às vezes,

são ignorados; isso é chamado não-existência (ausência), ou seja, uma instituição, uma ação “é

desqualificada e tornada invisível, ininteligível ou descartável” (idem, 2004, p. 787). Prevalece

uma “arrogância” de não querer ver, nem valorizar a experiência próxima, pois as experiências

de outras instituições, de outros profissionais são consideradas melhores. Esse autor sugere a

sociologia das ausências, a sociologia das emergências e o trabalho de tradução como uma

resposta à situação atual de mundo. Ele considera que a solução está no presente e não num

futuro remoto, portanto, aposta na reinvenção do presente, ampliado pelas duas sociologias e

55

feito compreensível pelo trabalho de tradução, procedimento próprio à ecologia de saberes e

práticas. Este pode ser um possível caminho para análise do currículo, da formação e da

Educação.

A expectativa, então, é de que a Educação seja melhor, mais humana impregnada de uma

utopia emancipatória. Porém, Santos (2004, p. 813) afirma que: “Não há nenhuma garantia de

que um mundo melhor seja possível”; penso que nem para a Educação, pelo que se tem visto ao

longo da história. Assim, a razão cosmopolita (sociologia das ausências, sociologia das

emergências e trabalho de tradução, configurados na ecologia de saberes e de práticas) prefere

imaginar o mundo melhor a partir do presente, do agora; aumentando o campo de experiências,

pode avaliar melhor as alternativas, que hoje são possíveis e disponíveis. Essa poderia ser uma

possibilidade para a escola, para o currículo, para a formação de pedagogos. As expectativas

são, pois, as possibilidades de reinventar a experiência educacional vivida até então, por meio

da hermenêutica diatópica, confrontando as experiências hegemônicas, que lhe são impostas,

com a imensa variedade das experiências, cuja ausência é produzida ativamente (pela razão

metonímica) ou cuja emergência é reprimida (pela razão proléptica). Portanto, o rumo de uma

pesquisa pode alterar-se dependendo do seu encaminhamento, dos dados produzidos, uma vez

que não há como antecipar os acontecimentos cotidianos, mas acompanhá-los e traduzi-los.

Nesse sentido, a busca de compreensão do contexto curricular, dos pedagogos, dos seus

saberes-fazeres-poderes,

[...] nos coloca diante do desafio de mergulhar nestes cotidianos, buscando neles mais do que as marcas das regras gerais de organização social e curricular, outras marcas, da vida cotidiana, dos acasos e situações que constituem a história de vida dos sujeitos pedagógicos que, em processos reais de interação, dão vida e corpo às propostas curriculares (OLIVEIRA, 2001, p. 42).

Quem endereça e a quem é endereçado o currículo?

Colegiado, docentes, discentes - auditório

A (re)elaboração da prescrição de um currículo faz refletir sobre quem endereça e a quem é

endereçado o curso. Esses dois pontos são fundamentais para se compreender as motivações, os

56

múltiplos fios que se estendem e que estão prontos para serem puxados por todos os lados na

ampliação de redes de comunicação, de saberes, de fazeres e de poderes. Uma aluna e uma

professora falam disso: Eu tenho percebido, que os professores que mostram o novo currículo... são mais aqueles professores que

têm mais um ideal de educação libertadora mesmo, porque eles estão deixando a gente livre um pouco

para correr atrás, mas eles NÃO ESTÃO NOS DEIXANDO ENGANADOS! Eles nos mostram a verdade,

mas nos dão também a idéia de que você pode fazer a DIFERENÇA, pode MUDAR a realidade que está

vendo! Você pode TENTAR fazer alguma coisa. Mas eles estão deixando a gente mais conscientes e esse

negócio da pesquisa, eu desconfio que eles “jogaram” pra gente logo agora, porque com certeza tinha

aluno que chegava depois na escola: _ Meu Deus, não é isso que eu quero! (ALUNA)

[...] o que dá o tom do nosso curso não é a moçada jovem, é o pessoal mais maduro, que traz experiência,

mesmo que não seja professor, tem uma outra vivência, eles que fazem o jeito de ser do estudante de

Pedagogia. [...] (P6).

Portanto, quem são os estudantes, que expectativas têm em relação ao curso, o que pensam

sobre o ser-saber-fazer-se pedagogo (professor, gestor, pesquisador)? Para exemplificar,

inspiro-me em Ellsworth (2001), que trabalha com endereçamento nos estudos relativos a

cinema. Para ela, endereçamento se resume na frase: “Quem este filme pensa que você é?”

(2001, p. 11), ou quer que você seja? Poderia parafraseá-la e perguntar: Quem a instituição

formadora pensa que seus estudantes, futuros-pedagogos são, ou como ela quer que eles sejam

e se tornem (o perfil)? Quem ela pensa que são os estudantes, com os quais os futuros-

pedagogos irão trabalhar na Escola Básica? Quem os estudantes pensam que são seus

professores-formadores? Que expectativas têm em relação ao curso? Portanto, como se dá o

endereçamento do currículo aos futuros-pedagogos? Parece que, nas devidas proporções, a

importância da relação entre o texto de um filme e o espectador é semelhante à importância da

relação entre o texto do currículo e o aluno, como ocorre na Educação.

Tanto o professor-formador como o aluno-futuro-pedagogo precisam entrar na rede que se

estabelece nas relações educacionais e tecer fios, mudá-los de rumo, associá-los a outros fios

de múltiplas e infinitas redes, para acreditar que é possível, que podem ser criados, inventados

diferentes e novos caminhos para se fazer a Educação, a formação, para mudar a realidade de

resultados “negativos” em relação à Educação Pública. Porém, “O modo de endereçamento

não é um momento visual ou falado, mas uma estruturação – que se desenvolve ao longo do

tempo – das relações entre o filme e seus espectadores”, afirma Ellsworth (2001, p. 15), eu

diria das relações entre professores, alunos e instituições, no decorrer do processo.

57

O endereçamento depende do formato que o currículo escrito assume: de que lugar é feito, a

legislação, o posicionamento teórico, a carga horária, a composição disciplinar, os objetivos, o

perfil do profissional que se deseja formar, etc. e cada um vai vivenciá-lo conforme seus

interesses, seus conhecimentos, suas possibilidades. Esses artefatos indicam ao professor-

formador, caminhos e variedades de ação e convocam o estudante a se posicionar, a produzir

conhecimentos, a visualizar e se inserir na profissão. A vivência do endereçamento está

relacionada ao modo como a Instituição concebe os futuros-pedagogos e ao modo como eles

pensam que são. O endereçamento pode não ser o adequado, os estudantes podem ser

diferentes do que se pensa, podem ter outros desejos e necessidades, além dos que se supõe

que eles possuam. Os estudantes podem perceber que a matriz curricular não atende ao que

eles esperam, ou ao que eles pensam que deva ser oferecido/discutido no curso. Ele é recebido

de maneiras heterogêneas, porque os endereçados são diferentes e muitas culturas perpassam

a sala de aula.

Ellsworth (2001, p. 47) fala: “O modo de endereçamento consiste na diferença entre o que

poderia ser dito [...] e o que é dito” (ELLSWORTH, 2001, p. 47). Eu completaria: entre o que

poderia ser escrito e o que é escrito no Projeto do Curso (PPC, 2006); entre o que poderia ser

feito e o que é feito; entre o que poderia ser estudado e o que é estudado; entre o que se pensa

fazer e o que se faz, de verdade. É na diferença que o endereçamento pode transitar por

fronteiras, pelas margens, pelas periferias, ir além do que é proposto, fazer diferente do que se

diz e se faz e, não apenas, repetir, embora a repetição nunca aconteça do mesmo modo.

Portanto, discutir formação e currículo exige trazer ao palco, cenas relativas ao cotidiano da

prática docente, porque os saberes teóricos estão, intimamente, imbricados com os saberes da

prática.

Sobre essa questão, utilizo autores como Huberman (1992), Gonçalves (1992), Cevidanes

(1996), Ellsworth (2001), Carvalho (2005, 2006), entre outros e para exemplificar sobre a

inserção no mundo da docência, trago o exemplo de Ellsworth (2001, p. 10), que não era

professora, quando começou a atuar no magistério com a disciplina “Introdução ao cinema”.

Ela achou estranho “[...] ter que aprender as teorias e as práticas desse novo mundo

acadêmico chamado “currículo e ensino”, na ausência absoluta de qualquer suspense,

romance, sedução, prazer visual, música, enredo, humor, dança de sapateado ou páthos”. Eu

58

acredito que os modos de ensinar-aprender36 incluem tudo isso; penso que ela, como tantos

outros, não viu porque “[...] não falava a linguagem da pesquisa educacional” e “[...] não

conhecia as narrativas e os personagens daquele campo” (idem, 2001, p. 10), como ela mesma

frisou.

Como poderia, então: ver, ouvir, sentir a presença de todos aqueles artefatos?! Ao mesmo

tempo, questiono: será que ela teria razão?! Pois percebeu que a Educação não parece com

cinema e nem com TV, mas lembra as aulas de Sociologia que ela teve na faculdade, em que

eram utilizados livros-texto de instrução programada. Será que é assim, ou não, o que

acontece na formação de pedagogos?! Uma formação de profissionais, para trabalhar com

crianças, jovens e adultos, deve ser pautada tanto na aquisição de uma sólida base teórica,

como, também, ser desdobrada em múltiplas formas de relações, de aproximações,

possivelmente, enriquecedoras e possibilitadoras de modos inventivos de ser-fazer-poder

Educação. O que pensam professores-formadores e estudantes?!

O olhar de si e o olhar do outro

37

1) Quem são os professores-formadores

O professor _ aquele que dá o texto a ler, aquele que dá o texto como um dom, nesse gesto de abrir o livro e de convocar à leitura _ é o que remete o texto. O professor seleciona um texto para a lição e, ao abri-lo, o remete. Como um presente, como uma carta (LARROSA, 2006, p. 140).

É o professor que remete, que endereça, que mais se aproxima, que chega junto no-com o

currículo até o aluno. É ele que lê e dá a ler-fazer o texto curricular na sua materialização, na

produção compartilhada com os discentes. É o professor, mas não só ele, que cartografa

caminhos, que inventa estratégias e táticas nesse processo de formação de pedagogos.

Conforme Francisco (2006, p. 43), professores-formadores preocupam-se em formar futuros-

pedagogos que “[...] saibam construir, no processo da prática, saberes docentes [...] que

saibam mobilizar os conhecimentos pedagógicos na transformação de suas práticas e dos

próprios saberes que vão sendo percebidos como ultrapassados ou inadequados para algumas

situações”.

36 O capítulo 4 desta tese aborda os modos de ensinar-aprender. 37 Fonte: internet.

59

Professores-formadores desempenham um papel fundamental na realização curricular, na

produção de saberes-fazeres-poderes e, consequentemente, na formação de pedagogos, pois

provocam-dinamizam o processo de ensinar e de aprender. Segundo a professora P1838, nem

sempre o ensino é a prioridade no curso, embora seja considerado o eixo fundamental na

formação: “A gente prioriza a pesquisa, a produção acadêmica e qualquer outra coisa. O

ENSINO é alguma coisa que a gente faz no INTERVALO de TODAS AS OUTRAS”. Ela

continua dizendo dos encargos administrativos que tanto ocupam o tempo dos professores,

inclusive, às vezes, prejudicando a docência: “Os efetivos, com TAN-TO encargo

administrativo! A gente toma TAN-TO tempo se ocupando com reunião e uma porção de

coisa que a docência e o tempo do nosso planejamento ficam prejudicados”.

Nesse sentido, Isaia (2003, p. 270-1) em sua pesquisa com professores de licenciatura,

constatou que a maioria considera “[...] que uma sólida formação em conteúdo específico é

condição para a formação de futuros mestres, [...]; no entanto, há dificuldade “[...] em

conscientizar-se de que a dimensão pedagógica é indispensável à formação de professores”.

Essa autora (p. 270) ressalta, também, que a maioria dos docentes pesquisados “[...] tem

escassa vinculação com a realidade para a qual formam. A ligação que mantém é

preferencialmente via projetos de pesquisa e extensão”, sendo que menos da metade teve

algum tipo de contato com a Escola Básica num período de um a cinco anos. Assim, a “[...]

formação pedagógica é mais discursiva do que concretização da prática” (ISAIA, 2003, p.

269). Com as mudanças curriculares efetuadas a partir de 2006, com o eixo de pesquisa

materializado nas disciplinas Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica I, II, III e IV (PEPP),

ocorre a inserção do discente na Escola Básica, desde o segundo período do curso,

contribuindo para essa aproximação e conhecimento da realidade escolar onde irão atuar,

inclusive abrindo caminhos para a vivência do Estágio curricular. O papel do professor-

formador é importante na orientação e acompanhamento dos alunos nesse processo.

A professora P2 lembra a questão do “preparo” dos professores-formadores, do conhecimento

da proposta curricular para sua realização e faz uma sugestão de integração: Nós não discutimos o preparo dos professores-formadores para realizar o currículo novo, conforme as

concepções que ele traz. Quando nos encontramos é para discutir questões muito pontuais, mais de

natureza administrativa ou aprovar ou não, o que já está posto! _ Olha, eu diria que tem tempo, sim!

38 As professoras foram indicadas por um número antecedido pela letra P (Professor), na tentativa de resguardar a identidade, embora possam ser identificadas pela especificidade da disciplina com que trabalham ou o cargo que ocupam.

60

Temos, exatamente, o que dizemos que a escola deveria ter: 40 horas com dedicação exclusiva! Por mais

ocupados que sejamos todos nós, trabalhamos fim de semana, à noite, excedendo de muito as oito horas,

mas temos uma coisa: a maioria de nós, temos as tardes, que poderiam ser ocupadas, pelo menos duas

tardes, pelo menos uma por semana, para pensarmos juntos! Nós poderíamos porque nós fazemos o

nosso horário!.

Essa professora continua materializando em palavras a sua proposta:

Nós podemos eleger coisas, nós podemos dizer: _ Vamos deixar em aberto todos os horários, todas as

quartas à tarde, ou às sextas-feiras; seria um ótimo dia para fazer um lanche e pensar essas coisas! Nós

temos uma reunião do PPGE, uma do Conselho. Teríamos tempo de pelo menos duas reuniões às sextas-

feiras, não é? De quinze em quinze dias! E poderíamos ter subgrupos formativos trabalhando num outro

dia; que fossem os professores de pesquisa, das disciplinas de conteúdo, de fundamentos, de conteúdos

voltados para as práticas da escola, da Educação Infantil. Enfim, nós poderíamos ter quinzenalmente

também, esses subgrupos trabalhando! (P2).

Sobre esse mesmo tema, a professora P4 falou: Enquanto curso, fizemos encontros para discutir o currículo, entregamos o PPC para cada professor,

esses professores participaram das discussões do colegiado. Uma coisa é o currículo prescrito e outra é o

que acontece no cotidiano. Você vai dizer: _ Ah, você está cuidando dessa dimensão porque participou

da elaboração do currículo. É talvez, mas não quer dizer que alguém que não tenha participado não se

preocupe. [...]. Eu acho que estamos num momento bem propício a essa integração, que não é só com a

pequena infância, mas com diferentes dimensões, contextos escolares e não-escolares. O curso não é só

isso.

A compreensão que o professor-formador tiver sobre o currículo, seus objetivos, a idéia que

ele traz, vai ajudar nos modos como ele participa de sua realização. P4 concorda com isso: Sim! As disciplinas PEPPs têm sido um desafio no curso, cada semestre tem discussões, o colegiado tem

feito mais especificamente a professora “Fulana” tem atuado nessa tarefa de reunir os professores de

PEPP [...]. O que eu gostaria de marcar é que há uma preocupação de estabelecer esses momentos de

discussão. Agora, se eles dão conta de fazer integração completamente, não dá para avaliar, ainda.

E essa integração é processual, nunca se completa, pois se alteram os espaços-tempos, os

atores, as situações. Professores substitutos e de outros departamentos são temporários,

mudam, frequentemente, o que enfatiza a importância da atuação do colegiado e dos

departamentos na sua recepção e orientação, principalmente, dos novatos. P4 explica: “Em

termos das ementas das disciplinas no processo de elaboração NO colegiado, as ementas

foram, voltaram, eles deram sugestões, [...]!”, embora uma ementa não dê conta da

61

concepção do currículo, complementei, ao que ela retrucou: “Estou falando da participação

no prescrito que teve essa intenção. O acompanhamento é o grande desafio! Estamos

tentando a cada semestre fazer uma reunião de planejamento e trabalhar questões do curso.

Numa (reunião) até teve uma mesa sobre diretrizes. Faz-se uma reunião com alunos a cada

semestre”. As questões administrativas e pedagógicas são de responsabilidade do colegiado,

então, seria conveniente ter um profissional no colegiado, responsável pela parte pedagógica

do curso?! P4 (silêncio) disse: “ALGUÉM? Acho que não; parece que é uma dimensão do

colegiado que precisa ser discutida coletivamente e ser trabalhada...”.

A professora P4 continua explicando sobre a parte pedagógica relativa ao trabalho docente do

CE: Acho que há uma intenção disso que é a reunião de planejamento estratégico do início do semestre para

todos os professores. Gostaria de marcar a INTENÇÃO DE... Esse MOVIMENTO é muito interessante. A

parte pedagógica não é assim uma marca que alguém cuida. Ela tem dimensões. Nesse novo curso então,

ela abarca uma complexidade! O que a gente tem feito no colegiado é dividir responsabilidades, por

exemplo, uma professora cuida mais do PEPP, inclusive pegando a disciplina para trabalhar. [...] As

questões da Educação Infantil eu tenho pesquisado, feito articulações, [...]. A Didática agora não é só

Educação Fundamental. Esse é um movimento NOVO, tanto para quem está buscando fazer essas tarefas,

como para os professores que vinham trabalhando numa dimensão mais fragmentada; então eu diria que

é um desafio.

Em relação ao professor substituto que só atua na docência e não assume outros encargos

docentes como os efetivos, P18 questiona: “Como construir alguma coisa com alguém que a

gente não vai ver daqui a dois anos? Ou que não tem perfil nem interesse nas disciplinas que

está lecionando e não pretende continuar?” Professores de outros departamentos e mesmo

alguns daqui, são substitutos que chegam para realizar um currículo que desconhecem, do

qual não participaram, não estão imbuídos da sua filosofia. Segundo P7 o colegiado tem

buscado caminhos para resolver essas questões: A gente está com uma demanda grande em várias áreas e poucos professores. [...] A gente vai se

organizando na medida do possível. Nós tínhamos elaborado uma proposta curricular e você participou

dela e tivemos que começar a fazer de novo. [...] então eu diria que quem tem condição de levar isso

avante, que são os professores do colegiado, eles ficaram muito envolvidos com outras questões. E aí

tivemos problema porque é um currículo que começou a ser implantado, ao mesmo tempo, que a

reestruturação do centro. Tivemos que correr contra o tempo e são questões concretas burocráticas que

se dependesse de nós, preferíamos ter feito com mais calma, mas havia prazos institucionais que tivemos

que seguir. E aí o colegiado está conseguindo fazer agora.

62

P7 continua falando sobre as ações que o colegiado tem tentado realizar: Na verdade são ações diferenciadas. Como temos os professores do colegiado envolvidos com pesquisa

sobre o curso, à medida que as condições permitem, vão trazendo elementos do olhar sobre o novo

currículo e sugerindo ações para encaminhar. [...] Há ações como o contato dos professores com os

outros centros e da necessidade de fazer isso, [...].

Professoras substitutas, participantes deste estudo, narram suas necessidades. P13 disse:

“Acho que nós substitutos, somos relegados a nada, aqui dentro da Universidade. Eu fico

perdida, às vezes querendo discutir as coisas... Sinto o DESEJO do coletivo, gosto de

trabalhar coletivamente. A gente propõe (aos futuros-pedagogos) e aqui dentro não faz (entre

professores)”. P10, professora ligada a outro centro, não tem conhecimento sobre o currículo

escrito do curso de Pedagogia, sobre as disciplinas do período que trabalha e comenta que isso

faz falta, porque, muitas vezes, os alunos fazem referências à disciplina de Filosofia, de

Sociologia: _ Ah! A gente viu esse filósofo! _ O que vocês viram sobre ele? _ Ah! A gente viu

Paulo Freire, então é legal fazer esse intercâmbio! E eu sinto falta, mesmo!”.

Em relação à dimensão pedagógica do curso de Pedagogia, P10 assim se expressa: “Não tem

essa parte pedagógica! Não tem feedback! Tem, quando alguns alunos resolvem falar para

você, mas nem todos falam”. A professora P2 explica sobre o trabalho que realiza, sobre o seu

empenho ou não, para mudar o que está instituído: “Eu gosto de trabalhar com o possível!

Nós podemos, até mudar... Eu brinco com os alunos que não tem nada que eu odeie mais do

que dar aula às sete da manhã. Mas enquanto eu não fizer nada para mudar, eu estarei aqui,

às sete da manhã dando aula”.

P18 ressalta uma das tarefas primordiais do professor que é o ensino: “Eu não sei se a nossa

questão é o currículo ou se nosso problema é com o ENSINO. Porque nós fazemos parte de

uma instituição que NÃO PRIORIZA o ensino! Embora sejamos do CE e nós talvez sejamos

universais, somos as pessoas que mais ressentem disso”. Então, professores-formadores estão

sobrecarregados com encargos docentes, mesmo assim, buscam entender o novo currículo e

trabalhar na perspectiva da sua realização, no sentido da formação do pedagogo docente e

não-docente, reflexivo, investigador, que atue tanto em ambientes escolares como não-

escolares.

63

2) Como as alunas39 se vêem?

A percepção que tenho da turma de primeiro período (2007/02) é que ainda (as

alunas) estão muito segundo grau, trabalho (ilustrado) com Hello kit, Garfield, o

vocabulário, o jeito de ser (ALUNA do 3º período).

A temática proposta para as conversações com as discentes versou sobre a produção de

saberes próprios à formação de pedagogos, que saberes são esses, os modos de produção,

enfim, a realização curricular cotidiana. A ênfase nas narrativas de alunas de um dos períodos

foi relacionada à prática docente dos formadores, embora eu tenha dito que o estudo não tem

como objetivo avaliar o currículo, nem professores, nem alunos, mas acompanhar a realização

curricular cotidiana. Pude perceber que para as discentes, a produção passa pela ação dos

professores, dos modos como eles conduzem suas aulas. Esse resultado coincide com

pesquisa de Bedran40 (2003, p. 60) em que “As respostas dos alunos a respeito dos fatores que

dificultam e facilitam a sua produção na universidade apontam o professor como o elemento

determinante, prioritário [...] do seu processo de produção”. Observei, também, que as alunas

do 4º período são muito empolgadas com o magistério e se interessam por tudo que diz

respeito à profissão. Porém, como acontece, a entrada, a descoberta, a inserção das alunas no

CE, na Universidade? “Você chega aqui com medos, receios, apavorada. A palavra trote

também parece que vem carregada de um monte de mito”, esclarece uma aluna.

As alunas consideram que na chegada à Universidade ocorre um choque inicial, conforme

esse fragmento de diálogo: A: Não sei se fazem isso de propósito pra gente buscar mais, ou qual o intuito da gente receber esse

choque todo quando entra aqui (no CE, no início do curso).

A: É pra gente se preparar pra vida adulta mesmo, porque você tem que se virar, nada é fácil, e você tem

que correr atrás, porque eu aprendi na UFES: é correr atrás senão você fica pra trás, fica PERDIDA! Se

você não procurar saber, não correr atrás o pessoal passa na sua frente e você não anda!

E: Correr sozinha ou correr junto?

As três falaram juntas: AH, É SOZINHA! (e riram!).

39 A grande maioria é do sexo feminino. 40 Pesquisa no curso de Psicologia.

64

Entretanto, o processo não é tão isolado como parece, porque elas trocam entre si as

descobertas que fazem: “Uma descobre uma coisa, passa pra outra”. O colegiado fez uma

semana de recepção para os calouros (2008/02), porém, alunas participantes dessa pesquisa,

consideram que é insuficiente porque tudo é explicado de modo muito superficial, além de ser

muita informação que recebem em um dia só. Com o tempo, aos poucos, vão se apropriando

desses conhecimentos sobre o curso. As alunas falam sobre o processo de socialização, sobre

aprender a viver na Universidade, de como se deve receber o aluno e de como ele precisa se

preparar para fazer o curso, para ser universitário. Viver, conviver e conseguir sobreviver na

Universidade constitui um grande desafio para elas, por isso dizerem de medos, de mitos, de

choques. Segundo Larrosa (2006, p. 81-2), Na Universidade, os espaços intersticiais são o lugar do perigo, porque aí, fora do mundo seguro e insignificante das salas de aula, não valem as seguranças da verdade, da cultura, do saber, do sentido. Renunciando à segurança dos espaços tutelados, nos quais se comercia uma verdade intranscendente, habitando a diversidade caótica e sem marcas dos lugares marginais, os estudantes divagam, vagabundeiam. É aí, nessas extravagâncias, onde estudantes testam suas armas, ensaiam seus gestos, medem o poderio de sua voz, tentam suas primeiras canalhices ou seus primeiros atos de nobreza, aprendem o gosto ácido da vaidade ou o sabor enjoativo da modéstia, investigam o sentido da fidelidade e da traição, degustam os matizes da camaradagem, da solidão, do abandono.

Nesse sentido, as alunas expressam suas primeiras impressões acerca da vida universitária e

revelam como vêem o espaço universitário. Uma estudante afirma: “Na Universidade parece

que tudo é exposto, nada é de ninguém, entra quem quer. No caso do laboratório, você não

sabe quem é quem, quem é professor, quem é aluno, ninguém tem identificação. Faltam

regras” (A). Continuo com Larrosa (2006, p. 82), porque ele bem explicita essa inserção do

estudante na Universidade: É aí, nesses espaços fronteiriços, não tutelados que José Cemí41, pela primeira vez, vai se dar a viver na intempérie, vai testar sua própria têmpera, formar sua maneira de ser, começar a reconhecer seu destino, acumular forças para novos saltos, para novas rupturas, para novas aberturas da espiral no sentido do ainda desconhecido. É aí também onde José Cemí, já sem a proteção do lar, vai enfrentar o risco inevitável, o extremo perigo em cujo contato vai se converter no que ele é.

Assim, as alunas começam a experimentar o sabor das alegrias, dos dissabores, dos desafios e

das dores da vivência universitária, no curso de Pedagogia, caminho pelo qual descobrem a

Universidade. A maioria não tem muito conhecimento sobre o curso, seu funcionamento, o

profissional que pretende ser: “Meu grande questionamento é: será que essa abertura do

leque, formando o professor generalista vai dar condições para a gente realmente atuar em

determinados assuntos específicos?” (A). Uma discente sinaliza o tipo de formação que 41 Personagem do livro Paraíso de José Lezama.

65

deveria perpassar o curso: “Nós pedagogos precisamos de uma formação mais humana, saber

que a merendeira, a auxiliar de serviços gerais é gente como nós e precisa, também, ter

orientação para lidar com as crianças e nós, também, para saber que esses funcionários são

gente, têm necessidades, precisam, também, saber lidar com crianças de necessidades

especiais”.

Conversei com elas sobre o curso, sobre formar-se pedagogas, se têm clareza sobre as funções

que poderão exercer. Uma aluna disse: “A princípio eu tenho noção sim, dessas habilitações

que você falou, agora eu entendo que na função de gestor, entraria a função de pedagogo, da

direção e tal. Nas disciplinas que eu tenho tido (o ensino) não é para a função de pedagogo,

mas de professor, seja da educação infantil ou das séries iniciais. Não sei se estou

entendendo errado, o meu curso hoje”. Algumas discentes acham que há professores que não

compreenderam o espírito do novo curso, ainda: “Então, os professores daqui ainda estão

pensando como no curso antigo! [...] porque a gente pergunta: _ O que seremos? A gente

questiona muito ainda na sala de aula e eles não sabem”. Pode ser que haja docentes que não

se despiram, ainda, da concepção do currículo anterior com a base da formação no magistério

das séries iniciais ou trabalham com disciplinas específicas de determinada área, por isso

abordam os conteúdos de maneira restrita, tento esclarecer.

Na conversa com um pequeno grupo, estudantes manifestaram muitas dúvidas em relação às

habilitações. Expliquei que, agora, o currículo não tem mais as habilitações e o curso vai

formar o pedagogo com foco na docência, gestão e pesquisa. Portanto, o professor-formador

deveria orientar os temas de suas disciplinas, não apenas para a formação de professores das

séries iniciais, mas também para a Educação Infantil e demais dimensões, porque está

formando um pedagogo docente e não-docente. Algumas alunas entenderam, assim, a síntese

do Projeto do Curso a elas apresentada pelo Colegiado: “Hoje, independente de você gostar

ou não, vai ter que ter um conhecimento básico de todas as áreas envolvidas, mas você vai

ter que se especializar numa pós, naquilo que tem interesse!” Outra questiona: “Mas essa

especialização não vai te proibir de atuar naquele campo ou pra trabalhar com Educação

Especial (EE), por exemplo, tem que fazer a habilitação? Então nós não precisamos e já

podemos trabalhar com EE? É isso?” E a colega respondeu: “Não é que você vai estar

habilitada para trabalhar; você vai ter que procurar especialização fora da grade do

currículo do curso de Pedagogia, ou seja, ele te dá a noção de Educação de Jovens e Adultos,

Educação Especial”.

66

Na verdade mudou a concepção de formação, por exemplo, Educação Especial (EE) no

currículo anterior era considerada uma habilitação. Hoje, compreende-se que as necessidades

especiais perpassam todas as séries, todos os níveis, então, todo pedagogo, docente ou não,

todo profissional que vai trabalhar com Educação precisa ter conhecimentos relativos à EE,

pois qualquer pedagogo pode receber em sua turma um aluno que tenha necessidades

especiais. Há, também, os casos e não são poucos, em que pelas circunstâncias de vida, de

família, de violência, de contexto social, a criança vai necessitar de atendimento mais

especializado, mais adequado, mesmo não sendo aluno “especial”. Uma discente referiu-se à

Educação de Jovens e Adultos: “Pois é, então vamos falar de uma outra que precisa de uma

especialização maior, Educação de Jovens e Adultos, que é totalmente diferente da Educação

Infantil e das séries iniciais. Então, assim que eu me formar aqui na minha graduação, vou

estar apta a assumir uma turma de Educação de Jovens e Adultos?”. Outra aluna explicou

para as colegas que o currículo novo possibilita flexibilização e uma possibilidade maior de

trabalho, inclusive fora do ambiente escolar.

3) Quem as professoras dizem que os alunos42 são?

As professoras P11, P12, P17, P18, P9, P14, P6 percebem mudanças no perfil dos alunos que

estão chegando ao curso, no que concerne à idade, maturidade, interesse ou desinteresse pela

Pedagogia, pela Educação, a não-experiência docente, a falta de tempo para estudar. A

professora P12 disse: “Com essa mudança de perfil, por serem mais novos, eles pedem uma

direção, é impressionante isso”. O docente precisa estar atento para poder orientá-los nas suas

necessidades. Uma professora ressaltou que o curso de Pedagogia chama os alunos à

responsabilidade, pelo papel social da profissão, pois trabalham com o outro, com a formação.

P11 considera que o perfil dos alunos, hoje, aponta para uma necessidade específica de

atendimento, principalmente, do Colegiado de Curso: São alunos que precisam de acompanhamento, assistência, orientação. O colegiado tem um papel

importante porque ele tem que tomar conta da vida acadêmica desse aluno. Quando eu era aluna, todo

período tinha uma reunião com algum professor-orientador, para ajudar na decisão da matrícula. Não

42 Referem-se aos alunos de modo geral e não, especificamente, às que participaram nas conversas dos pequenos grupos.

67

sabem o que é Universidade. O colegiado tem que ir às salas, conversar com os alunos, instruir,

organizar, direcionar até o próprio processo de matrícula.

P18 lembra a situação sócio-econômica dos alunos e sua inserção no contexto universitário: Fica difícil para eles viverem a vida da Universidade porque vêm para cá cedinho, vêm de longe, para

ficar até meio-dia. É difícil, têm que sair correndo porque dão aula longe, lá em Viana, em Cariacica.

Não ficam aqui o dia todo como estudantes de outros cursos. Alguns não conseguem participar das

mobilizações, seminários, dos eventos, fazer bolsa de iniciação científica. A continuidade de estudos em

nível de pós-graduação fica dificultada por causa disso! Pouco acesso às práticas de pesquisa, porque na

pós a gente quer que eles tenham prática de pesquisa.

Apesar de estarem na Universidade, parece que os discentes precisariam de uma preparação

no primeiro semestre para assumirem o papel de universitários, para usar a leitura, a escrita, a

oralidade, a audição de modo mais maduro, na perspectiva de formação superior. A

professora P12 fala sobre a aparente (i)maturidade e autonomia dos estudantes: Você vai dar um trabalho e perguntam:

_ Professora é para escrever com caneta ou lápis?

Quinhentas vezes, o semestre inteiro, perguntam. Isso é pergunta de menino de 5ª série. Tem a questão de

que eles não escutam, a da leitura, ler não é uma prática, ainda mais o livro. Tem a dificuldade da escrita

que é da grande maioria. Quando é para fazer prova, não, eles estudam e vão lá e fazem, mas no caso

que eles estão formulando o projeto, aí tem problemas, uma coisa estanque. Falei: _ Vamos fazer um

parágrafo disso? E dividi em grupo para transformarem aquela linha num parágrafo: _ Que que a gente

pode escrever? E a dificuldade que é para escrever! Tento compreender esse comportamento dos alunos,

explicando que são muitas coisas novas para eles: fazer um projeto, os saberes, os conhecimentos, as

relações. Por isso acho que nessas disciplinas de base, o olhar do professor tem que ficar mais atento a

essas questões. Então, sobre a leitura, a escrita e a pesquisa digo: _ Vão à biblioteca! _ Não professora,

vou no Google!

P14 afirma: “Nós temos alunos que não sabem o que é a escola. Eu acho que o professor-

formador quando tem essa experiência e não só a teoria, mas um pouco dessa relação com o

cotidiano, ajuda nessa compreensão”. Até pouco tempo, o CE recebia alunos já professores

em nível médio, com o saber da experiência docente e isso ajudava na compreensão dos

conhecimentos teóricos do curso de Pedagogia. Hoje, eles não trazem mais esses saberes o

que constitui mais um desafio para o professor-formador. P17 também observou que O desempenho matemático continua baixo. Alunos que vieram (fazer o vestibular) com uma letra na

cabeça. Outro dia tivemos um ciclo de palestras e falaram: _ Ah, os alunos são do Ensino Médio... Uma

aluna que ainda não fez a disciplina de Matemática, mas estava preocupada como ia aprender, porque

falou: _ Ah, isso é muito relativo, pensar que a gente passou no vestibular e sabe matemática. Ela falou

68

para a palestrante: _ Eu tenho HORROR à Matemática! Saí de casa com uma letra na cabeça e marquei

de cima embaixo (no vestibular).

A professora P17 discorda de que alunas com experiência docente tenham o conhecimento

matemático: Peguei essas alunas-professoras e elas tinham uma rejeição enorme ao conteúdo e metodologia (de

matemática), porque elas já sabiam, já sabiam que NÃO queriam saber, porque já davam aula e não iam

mudar! Então eu não estou achando difícil! Estou achando mais tranqüilo e até porque essa experiência,

como elas desconhecem o ambiente escolar, elas trazem as perguntas. As outras conheciam muito e acho

que tinham vergonha de perguntar ou do fato que não sabiam; estou sentindo que essa turma pergunta

mais.

O professor P9 levanta a questão relativa ao tempo, ao não-desejo de estudar do aluno de

agora: O tempo do aluno é reduzido. Há na cultura contemporânea uma aversão à teoria, à reflexão. Em

algumas turmas, percebe-se aversão ao estudo, numa época fortemente marcada pela velocidade, tudo se

torna fugaz. Alguns autores caracterizam como sociedade do espetáculo. [...] Os alunos entram na

Universidade já nessa cultura do tempo, da promoção de aversão à teoria, principalmente quando já

trabalha, quer um conhecimento tácito, do como fazer.

O professor-formador faz um elo de ligação com a prática e com a instituição em que futuros-

professores vão atuar. P12 complementa: “E com a própria idéia do que é o pedagogo, qual a

sua função na escola, o seu lugar, que de uns anos para cá acho que é indefinido”. A

concepção do pedagogo como aquele que exerce o papel do supervisor e do orientador que

tem vigorado, muda com o novo currículo, porque agora ele é docente, também. P3 lembra

que os alunos preocupam-se em saber quem é o professor que vai assumir determinada

disciplina, mas não fazem questionamentos quanto à estrutura do curso: [...] Alguns alunos mostraram preocupação em relação aos professores que iam assumir aquelas

disciplinas que a gente estava apresentando para eles: _ Quem é que vai ocupar essa cadeira? E nós

falamos: _ Alguns já temos os nomes que os departamentos disponibilizaram, mas outros têm que fazer

concurso. A conversa não progrediu, não saiu daí e NÃO HOUVE nenhuma discussão sobre a natureza

do curso, de uma disciplina, por exemplo, que é PEPP, que eu sei que na turma da noite rolou essa

discussão pra entender melhor qual era a proposta dessas disciplinas.

Segundo P9 os alunos demonstram dificuldades em relação às habilidades com a leitura, na

concentração, na entonação e na compreensão: “Dei três questões numa prova: duas objetivas

e uma discursiva; já corrigi umas quinze e até agora, só uma acertou a prova toda”. Ele

69

percebe que há uma mudança no perfil do aluno e isso interfere nas práticas docentes

cotidianas, por isso é necessário o conhecimento sobre o currículo e a realização de momentos

integradores. P6 relata a percepção que tem dos discentes a partir de uma pesquisa que está

realizando: “Estou fazendo uma pesquisa com os alunos de Pedagogia, com foco na

juventude. [...] Minha pesquisa está indicando que a turma se divide, há uma cisão clara,

evidente dos mais velhos e dos mais novos, dos adultos e dos mais jovens, eles não se

integram. [...] Realmente isso está mudando”. Assim, as inovações acrescidas à estrutura

curricular, como a pesquisa, objetivam maior integração entre a instituição formadora e a

instituição onde futuros-pedagogos irão atuar. O aluno só estabelecia contato com a escola no

5º período, uma vez por semana no Estágio, no 6º período, também, uma vez e, no 7º período,

ia três vezes à escola. Como não tinha essa experiência antes do estágio, questões diversas

vinham à tona, naquele momento. A intenção das disciplinas PEPPs é de que graduandos

tenham contato com a escola desde o 2º período e iniciem logo essa parceria formativa.

Refletindo...

Enfim, docentes e discentes fazem o currículo num processo compartilhado de realização,

umas mais engajadas, outras menos. As professoras ressaltam a importância de alguns bons

professores que tiveram na formação e procuram imitar o que eles faziam em suas aulas.

Destacam o papel do professor-formador que precisa estar preparado, não apenas, para indicar

novas teorias e procedimentos de ensino-aprendizagem, mas para exercitá-los nas suas aulas,

de modo que futuros-pedagogos as vivenciem e não se sintam como uma professora que disse

“[...] ter tido contato com teorias atualizadas, mas não sabia como colocá-las em prática na

sala de aula” (CEVIDANES, 1996).

O depoimento de professoras, segundo Cevidanes (1996), aponta para a necessidade de se

rever, criteriosamente, alguns aspectos da formação inicial que, certamente, contribuirão para

aprimorar o curso e aproximá-lo da realidade da Escola Fundamental onde irão atuar. Entre

os aspectos a serem analisados, aparecem com relevância a questão do conteúdo e do

currículo do curso de formação de professoras, do estágio, das práticas discursivas, do contato

com a criança, da contextualização da formação, da formação-atualização dos professores-

formadores, além de outros, como apoiar a professora iniciante na carreira, de modo a evitar

ou amenizar as dificuldades encontradas. Realizar uma reflexão crítica e contínua sobre a

formação e a prática, numa aproximação entre a teoria e a prática, discutir e pensar sobre

70

como colaborar no processo de socialização profissional dos pedagogos e na construção da

sua identificação profissional foram outras necessidades citadas pelas docentes.

Cevidanes (1996) sugere que o estágio seja mais bem estruturado, por meio da elaboração de

projetos com a participação conjunta da instituição formadora, da escola fundamental e dos

profissionais envolvidos no processo. Assim, futuros-pedagogos vivenciariam um estágio em

que fossem participantes junto com os demais envolvidos no processo e poderiam

experienciar a realidade da escola, permitindo que eles mesmos, fizessem uma reflexão e

auto-reflexão crítica sobre a sua ação e o seu papel como professores. É imprescindível que na

formação inicial estagiários tenham contato com diversas e possíveis realidades educacionais

de sala de aula e de escola: comum, multisseriada, de alfabetização, de educação infantil, de

educação de jovens e adultos, de crianças com necessidades especiais, com utilização de

diferentes metodologias, com clientela de diferentes níveis sócio-econômicos e culturais.

O contato com a variedade de realidades escolares ajudaria a reduzir o choque sentido por

professores e alunos ao iniciar a carreira e se deparar com situações sócio-econômicas,

pedagógicas, relacionais imprevistas, não discutidas na formação. O estagiário deveria ter

acesso à prática mais burocrática do trabalho docente na escola, ter contato com todas as

dependências e funcionários, conhecer a secretaria, seu funcionamento, seu papel dentro da

organização escolar, etc. Em relação à estrutura educacional mais ampla, os estagiários

poderiam visitar e conhecer órgãos relacionados à sua profissão tais como: Secretarias de

Educação (municipal e estadual), Núcleo Regional, Conselho Estadual de Educação,

Sindicato, etc.

Nesse sentido, Silva (1996, p. 61) afirma que “Há, na literatura educacional, uma ausência

intrigante de análises e estudos dos currículos e das pedagogias universitárias”. Por isso,

considero que estudos sobre o curso de Pedagogia podem contribuir para ampliar e enriquecer

a discussão sobre o curso e a profissão docente, favorecer a elaboração de um conhecimento

parcial e sempre provisório acerca da produção de saberes-fazeres-poderes próprios à

formação de pedagogos (docentes e não-docentes), entre outras possibilidades que emergem

no processo. Portanto, a análise das potencialidades inventivas dos praticantes desses saberes-

fazeres-poderes, encontrados ou não no currículo prescritivo e realizado, poderia abrir

possibilidades para uma reflexão sobre novas propostas de feitura curricular.

71

Assim, o que fiz foi produzir um texto sobre uma pesquisa, texto que continua aberto,

inconcluso, porque sempre em movimento, tecendo idéias a partir das minhas próprias idéias,

numa intertextualidade com as idéias de professores, alunos, funcionários, de autores, de

teorizações, enfim, uma polifonia de vozes a produzir este texto. Mas o que é o texto, afinal?

Barthes (2006, p. 74-5) explicita bem dizendo:

“Texto quer dizer Tecido; mas, enquanto até aqui esse tecido foi sempre tomado por um produto, [...], nós acentuamos agora, no tecido, a idéia gerativa de que o texto se faz, se trabalha, através de um entrelaçamento perpétuo, perdido neste tecido _ nessa textura _ o sujeito se desfaz nele, qual uma aranha que se dissolvesse ela mesma nas secreções construtivas de sua teia”.

No segundo capítulo trato do compartilhamento das participantes na escritura e na realização

curricular, o que elas percebem no currículo, características e diversos aspectos significativos.

72

À minha frente, o mapa. Mapa curricular que cartografa O percurso de formação de pedagogos. O currículo é um “lugar próprio”, sua realização um “espaço praticado”. Um mapa cartográfico, formativo, instrumental, gramatical, emancipatório com características pedagógicas, éticas, políticas, culturais, estéticas, sociais. Como os mapas, o currículo distorce a realidade por mecanismos de escala, projeção e simbolização. Um currículo emancipatório implica a produção de subjetividades combativas, guiadas por três grandes topoi, ou seja, a fronteira, o barroco e o Sul. Quem escreve, lê e realiza o currículo? Docentes, discentes, a sociedade. Esse leitor-escritor-realizador é como um viajante e, como tal, se des-re-territorializa, continuamente nos movimentos cotidianos de consumo e produção curriculares solidários, interculturais, éticos, estéticos, políticos e, principalmente, pedagógicos.

ENEIDA

73

CAPÍTULO 2

Compartilhando um novo currículo

“[...] as mudanças que não são feitas com os professores, voltam-se contra eles, silenciando-os, depreciando-os em suas capacidades de ação e recriação” (LINHARES, 1999, p. 16). “[...] não há um tempo para a crítica e um tempo para a transformação. Não existem aqueles que fizeram a crítica e os que têm que transformar, [...]. Uma reforma é sempre o resultado de um processo no qual há conflito, afrontamento, luta, resistência...” (FOUCAULT, em entrevista a DIDIER ERIBON, 1981). “Se há brechas e contradições na Reforma Educacional, não podemos deixar de ampliá-las para implementar projetos que carreguem larvas de práticas e concepções instituintes” (LINHARES, 1999, p. 48).

Neste capítulo está explicitada, pelas participantes desta pesquisa, a sua concepção sobre o

PPC/CE/UFES (2006) e o seu compartilhamento nos processos de elaboração e feitura

curriculares. Tentei cartografar na primeira parte, os modos de participação docente e a

concepção de currículo presentes nas suas vozes, gestos e sentimentos. Organizei o conteúdo

de nossas conversações, agrupando discursividades que dizem respeito à estrutura curricular,

à tríade como eixo formativo (docência, gestão e pesquisa), às disciplinas, à integração entre

as disciplinas, às ênfases, ao “modelo” de formação, à perspectiva do profissional a ser

formado. Em seguida, refiro-me a outros aspectos que se destacaram nos discursos, como

carga horária do curso, horário, reestruturação do centro, processo de socialização,

planejamento. Para finalizar, faço uma reflexão sobre o compartilhamento presente nas

concepções manifestadas em relação ao saber-fazer-poder curriculares.

A participação no processo Comunidades interpretativas são comunidades políticas (SANTOS, 2002).

No processo de reestruturação do currículo do curso de Pedagogia, docentes do CE,

constituíram-se como uma comunidade interpretativa e/ou, segundo Carvalho (2009, p. 121),

74

como uma “[...] comunidade heterológica que, baseando-se no diálogo, na leitura e na

tradução, visa à construção do comum no espaço e no tempo”. Mas o que seriam comunidades

interpretativas? Segundo Santos (2002, p. 95), seriam comunidades que “[...] englobam o

conhecimento e a vida, a interacção e o trabalho, o consenso e o conflito, a intersubjectividade

e a dominação, e cujo desabrochar emancipatório consiste numa interminável trajectória do

colonialismo para a solidariedade própria do conhecimento-emancipação”. Essa trajetória

atravessa e é atravessada por múltiplas relações intra, inter e trans-comunitárias. É justamente,

na tensão resultante das relações que ocorrem nesses processos sociais (lutas pelos direitos

humanos, dentre eles, de alunos e de professores), que se dá a reinvenção da comunidade,

porque oportuniza a vivência de novas e diferentes práticas sociais. O conhecimento assim

produzido é retórico, ou seja, é “um conhecimento prudente para uma vida decente”, que deve

ser (re)construído, continuamente; seria, assim, uma novíssima retórica (idem, 2002, p. 104).

Nessa novíssima retórica, a relação orador-auditório fica mais maleável, o que possibilita

alternar as posições de ambos, tornando o resultado da argumentação incompleto, pois o

conhecimento por meio da retórica é sempre dialógico e processual. Nesse sentido, o auditório

é a comunidade considerada na perspectiva do conhecimento argumentativo. As comunidades

constituem redes de comunidades e “[...] os topoi gerais exprimem o que há de comum entre

elas (pontos de vista partilhados)” (SANTOS, 2002, p. 110). Segundo Santos, as formações

sociais capitalistas são formadas por seis grupos de relações sociais, considerados as bases das

principais comunidades interpretativas presentes na sociedade: espaço doméstico, da

produção, do mercado, da comunidade, da cidadania e espaço mundial. Para que haja

emancipação, nesses seis grupos ou espaços-tempo, os topoi relativos às relações sociais

dominantes devem ser substituídos por tópicas, temas de emancipação, na perspectiva de

encontrar novas formas de produção de ser-saber-fazer-poder.

Assim, no espaço doméstico, onde vigora o poder do patriarcado, deve-se substituir a tópica

patriarcal pela tópica de libertação. No que concerne à Educação, a participação curricular

poderia ser ampliada a todos os segmentos, associar-se a outras instituições da sociedade,

descentralizar. A responsabilidade pela formação se expandiria para além do espaço relativo

às questões educacionais, constituindo um permanente processo de descolonização.

No espaço da produção, em que o poder é composto pela exploração, propõe-se a substituir a

tópica capitalista por um eco-socialismo. A Educação não se limitaria a ampliação de acesso à

75

escola, ao aumento de vagas, ao índice de aprovação, à produtividade professor-aluno, mas

ampliaria esse diálogo na perspectiva da humanização, da solidariedade; poderia criar novos

modos de produção do conhecimento, de ensinar e de aprender-para-ensinar.

No espaço do mercado, em que impera o poder do fetichismo das mercadorias, pressupõe-se

substituir a tópica do consumismo fetichista por necessidades fundamentais. A Educação não

deveria ficar subserviente ao mercado, mas estabelecer uma hermenêutica diatópica, de modo

que haja um diálogo em que suas incompletudes sejam discutidas e se possibilite uma

formação emancipatória, na perspectiva da “descoisificação das pessoas e da

despersonalização dos objetos”. A Universidade e a formação seriam consideradas como

lugar de produção e não só de consumo, nem de subjugação às exigências mercadológicas,

por exemplo, em relação às decisões relativas aos cursos a serem por ela oferecidos.

No espaço da comunidade, cujo poder é a diferenciação desigual, deveria substituir a tópica

chauvinista (nacionalismo exagerado, que assume posição exacerbada, que inclui o que

pertence e exclui o que lhe é estranho), por uma tópica cosmopolita (desaprender do Norte e

do Sul imperial e aprender com o Sul, criar o conhecimento a partir do Sul global). A

Educação deveria superar a forma dualista e contraditória de agir, ou seja, em algumas

situações, ter flexibilidade para os que pertencem a um grupo e ser rigorosa com outro, com

aquele que se posiciona contrário a certas concepções de ensino, a determinadas políticas

públicas, por exemplo. Poderia reconhecer a presença da diferença, pois alunos e professores

são diferentes, aprendem e ensinam de modos diferentes e variados.

No espaço da cidadania ou espaço público, o poder é constituído pela dominação (um poder

cósmico, gerado no sistema político e centrado no Estado; e outras formas de poder que

constituem o poder caósmico, que é descentralizado e informal, exercido por múltiplos

microcentros de poder). A proposta é substituir a tópica democrática fraca, por uma forte, pois

todo poder combina um componente cósmico com uma pluralidade caósmica. No curso de

Pedagogia, poderia dizer que convivem e se retroalimentam os dois tipos de poder; portanto, o

poder cósmico seria a direção do centro e o caósmico seria constituído pelo colegiado,

departamentos, núcleos do CE, docentes-discentes e suas entidades, que perpassam e são

perpassados pelos diversos poderes. Seria assim, agir com atitude de compartilhamento nas

discussões e decisões, como tem ocorrido no centro, o que significa estabelecer uma tópica

forte, que sustenta a busca da emancipação.

76

E, no espaço mundial, em que o poder é constituído pela troca desigual, deve-se substituir a

tópica do Norte pela do Sul (toda forma de poder é desigual e se relaciona com as demais

como exploração, fetichismo, dominação, patriarcado, diferenciação desigual; tende a

mercadorizar as necessidades humanas e da vida cotidiana). Nesse sentido, também, na

escola, o fracasso, muitas vezes, é atribuído à falta de recursos sofisticados, salários

incompatíveis com o trabalho docente, adoção de teorias de contextos que nem sempre

condizem com as necessidades de realidades que as adotam. Permanece, ainda, no tempo

atual, a concepção de que se o indivíduo estudar, em troca terá emprego garantido, bom

salário, ascenção social e, isso nem sempre, acontece.

De acordo com Santos (2002, p. 110), só “Haverá senso comum emancipatório quando os

topoi emancipatórios desenvolvidos numa dada comunidade interpretativa encontrarem

tradução adequada nos topoi de outras comunidades e se converterem assim, em topoi gerais”.

É o que deveria ocorrer na Educação, se seus profissionais desejarem fazer uma formação de

pedagogos que seja fundada na tópica de “um conhecimento prudente para uma vida

decente”. A tradução deveria ocorrer em todos os espaços e não só no doméstico, para que a

mudança curricular provoque a produção de um saber-fazer-poder emancipatório e a

emergência de subjetividades obstinadas, capazes de especular e de tirar proveito das

possibilidades emancipatórias, advindas da transição paradigmática.

Portanto, um novo mapa é cartografado nesse (re)fazer curricular, uma nova gramática é

escrita a muitas mãos: outros verbos, outros substantivos e adjetivos, outra estrutura. O

currículo expressa uma polifonia de vozes e sua elaboração reflete os muitos eus, sons,

olhares, gestos dos seus realizadores, presentes nas suas narrativas. A participação docente

ocorreu de diferentes modos, em diferentes níveis e momentos do processo: algumas

professoras participaram mais ativamente e com muito envolvimento, outras com pouco e

outras quase nada, por diferentes razões. Elas dizem: Participei como representante do departamento no colegiado, [...]. Fiquei responsável pelo documento

“Atividades Complementares”, uma coisa completamente nova. [...] (P6)43.

[...] a gente fez reuniões com os alunos durante a constituição deste projeto. Em todos os momentos eu

estive presente, no colegiado e na equipe, no diretório acadêmico e tentando acompanhar o que estava

acontecendo nacionalmente nesse processo (P4).

Eu não participei do currículo, estava afastada para o doutorado. [...] (P17).

43 As narrativas das participantes estão em itálico, com 1cm de afastamento da margem esquerda; em outros momentos continuam em itálico, porém estão inseridas no texto.

77

Uma professora faz referência ao interesse e à participação de alunos, cujas sugestões e

posicionamentos foram considerados na elaboração do projeto: “Nós tivemos momentos

distintos: com todo mundo, com iniciantes, planejamento do centro, momentos chamados

pelos alunos, principalmente do curso “velho”, sobre a situação deles. Os alunos do curso

“novo”, também, solicitaram” (P4). Ela continua: As questões foram problematizadas! Algumas estão em discussão até hoje, como o apostilamento do

curso anterior. Temos que lembrar que estamos entrando com as novas diretrizes, por isso é importante

os alunos do currículo anterior questionarem, porque eles têm experiência do curso de outro tipo. Os

alunos do curso novo não tinham uma demanda específica, ainda (P4).

Então, quem assume a autoria do currículo? A autoria está ligada a conceitos como iniciativa,

criatividade, autoridade, autenticidade, originalidade e, também, com a noção de sujeito

individual e coletivo. A participação marca a autoria e a assinatura curricular e, está

relacionada, não só com o interesse e o desejo de cada participante, mas a partir do lugar que

ocupa, seja como diretor ou vice do centro, coordenador ou vice do colegiado, chefe ou sub de

departamento, coordenador da pós-graduação, professor efetivo, substituto, recém-chegado ou

não, coordenador de núcleo, pesquisador da Capes ou do CNPq, aluno iniciante ou quase

concluindo o curso. Para Certeau (1994, p. 201), “Um lugar é a ordem (seja qual for) segundo

a qual se distribuem elementos nas relações de coexistência. [...]. Aí impera a lei do

“próprio”” e é a partir daí, que a participante cria seu espaço, “um lugar praticado”.

Dependendo do lugar de onde fala, a docente se faz ouvir e é mais escutada ou não; pode

situar-se, também, no contexto de trabalho, num não-lugar, um espaço solitário, sem

identificação, o que não impede que venha a conquistar um lugar, em outro momento.

Professores44 substitutos, quase sempre ocupam um não-lugar, vivenciam uma situação

fronteiriça, pois ocupam um cargo temporário, embora alguns conquistem um lugar pelo seu

desempenho, pelas relações que estabelece, pela sua participação ativa na prática cotidiana do

curso. Linhares (1997, p. 142) ressalta que é preciso [...] atentar para as vozes periféricas que

disputam um lugar na escola e que não aceitam a ditadura de uma voz única, magistral [...]”.

Assim, o currículo foi (re)elaborado e está sendo realizado nessa polifonia de vozes, numa

multiplicidade de gestos, idéias, desejos, saberes-fazeres-poderes. Vive-se, hoje, no Centro de

Educação, um momento de transição de um Projeto Pedagógico (1995) para outro (2006), que

44 Uso da forma feminina para as participantes e a masculina quando me refiro a professores e alunos em geral.

78

envolve alterações quanto aos paradigmas, matriz curricular e ao profissional que se pretende

formar.

O que é o currículo?

O currículo é um “lugar próprio”, sua realização um “espaço praticado”45 em que docentes e discentes criam seus itinerários, seus espaços, na feitura desse currículo (CEVIDANES, 2008). Eu diria assim, que o currículo é um mapa cartográfico, formativo, instrumental, gramatical, com características pedagógicas, emancipatórias, éticas, políticas, culturais, estéticas, sociais (CEVIDANES, 2009).

Inicio com a voz de uma professora que diz: “Tudo que a gente vai falar sobre o curso, está

sendo feito, está para fazer, eu não vou dizer para você: _ Isto está consolidado! Está em

processo” (P7). Portanto, percorrer uma proposta curricular e se embrenhar nos seus espaços

escritosvividos, entender as suas formas de representação/distorção (escala, projeção e

simbologia) é como abrir uma mapa diante de si mesmo, consultá-lo e decidir como fazer a

sua própria viagem. Então: Por que um currículo poderia ser um mapa? Quem são os leitores

e utilizadores do mapa curricular? Que usos são feitos dele? Mas o que é um mapa?! Segundo

Certeau (1994, p. 205), “Os primeiros mapas medievais comportavam só os traçados

retilíneos de percursos [...]. Cada mapa desses é um memorando que prescreve ações. Aí

domina o percurso a fazer”. O currículo, também, traz a marca da prescrição, embora não seja

seguido com tanta rigidez como em outros tempos. Para Deleuze e Guattari (1995, p. 22), “O

mapa é aberto, é conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível

de receber modificações constantemente”, é passível de plasticidade, de construção,

desconstrução, criação, inovação. Esse modo de conceber o currículo é diferente da prática

discursiva de alguns profissionais que, ainda, conceituam o currículo nos moldes do

conhecimento-regulação e não visam à emancipação da sua realização, nem de seus

praticantes.

Na concepção cartográfica de Santos (2002, p. 198), os mapas são modos de imaginar e

representar o espaço, que neste caso, exemplifico com o currículo. Os mapas “[...] são

distorções da realidade, distorções organizadas de territórios que criam ilusões credíveis de

correspondência”. Para o autor, essa distorção da realidade, no mapa, objetiva a orientação e

45 Lugar próprio e espaço praticado: Certeau, 1994.

79

nos poemas institui a originalidade. E eu perguntaria: os currículos também distorcem46 a

realidade? Por quê? Para que? O que objetivam ou instituem47? Prescrição? Orientação?

Homogeneização? Pedagogização? Regulação? Emancipação? A escriturística do mapa

curricular deveria materializar o pensamento, o desejo de seus praticantes. Nem sempre o é,

porque existem discordâncias internas, necessidade em atender às orientações legais, às

políticas públicas que, às vezes, não coincidem com o pensar dos praticantes. É possível que a

diversidade inventiva na produção dos caminhos de realização do currículo, expressa na fala

de Macedo (1999, p. 126), exemplifique essa distorção:

Obviamente, a construção de um currículo é um processo coletivo que se estabelece no interior de uma instituição [...]. Esse documento, que representa o currículo formal acordado, vai sendo imediatamente desrespeitado ao ser posto em prática. Inicia-se um processo de reformulação curricular, em que cada sujeito que havia participado do grande acordo faz a sua leitura do material escrito. E põe em prática o seu currículo. Do conjunto de currículos particulares que vão se materializando, se reconstrói, no cotidiano da instituição, o currículo efetivamente vivido pelos sujeitos.

Quem lê o currículo? Que usos faz dele? Onde? Como? Por quê? Para que? Na prática, há os

que usam, discutem, sugerem, fazem o currículo, são consumidores-produtores, considerando

o escrito como fonte de inspiração-orientação para seu trabalho, porque acreditam que ele seja

fruto da hermenêutica estabelecida nas discussões para sua elaboração escrita e seu processo

de realização. Há os que desconhecem, ignoram e agem como se não existisse uma

comunidade a partir da qual e das suas considerações o Projeto de Curso é elaborado. Há os

que consomem o texto tal qual é apresentado, sem questionar, sem refletir, sem se imiscuir

nas suas fissuras. Então, como afirma Certeau (1994, p. 262), “A leitura é apenas um aspecto

parcial do consumo, mas fundamental”, e Larrosa (2004, p. 58) complementa: a leitura “não é

experiência de plenitude, mas de vazio”.

Certeau (1994, p. 263) afirma que “O poder instaurado pela vontade (ora reformista, ora

científica, revolucionária ou pedagógica) de refazer a história, graças a operações

escriturísticas efetuadas em primeiro lugar num campo fechado, tem aliás por corolário uma

intensa troca entre ler e escrever”, como ocorre na feitura curricular. O leitor é como um

viajante e como tal se desreterritorializa, continuamente; nesse movimento, altera e/ou

acrescenta significados, inventividades ao texto lido e atribui sentidos poéticos diversos,

46 Em que aspectos? Nega a diversidade? Controla a criatividade, a criticidade? Ignora leis, regionalidades, problemas sociais, carências dos praticantes, das instituições, de recursos? 47 Organização? Funcionalidade? Didaticidade? Praticidade? Viabilidade? Diversidade? Regionalidade?

80

diferentes dos sentidos atribuídos por outros possíveis leitores. Por isso, ocorrem tantas

dúvidas, incompreensões, discussões acerca do currículo, porque fazem nele-dele-com-ele,

múltiplas e diversificadas escrileituras. Enfim, conforme Certeau (1994, 270), “A escritura

acumula, estoca, resiste ao tempo pelo estabelecimento de um lugar [...]” e “A leitura não tem

garantias contra o desgaste do tempo [...]”, pois está sempre num não-lugar, afinal, o leitor é

um viajante que usa o lugar do outro para criar seu próprio espaço e atribuir nas releituras que

faz os significados que lhe interessam.

Os mapas, então, são metáforas culturais e um currículo, no sentido metafórico, seria um

mapa cartográfico, diria, também, gramatical. Uma característica principal dos mapas é

(tentar) corresponder à realidade, assim como um currículo escrito-vivido, por isso se

pergunta: para que, para quem, por que, quando, como, ao se elaborar ou analisar um

currículo. Se essa correspondência for, demasiadamente, coincidente ou distanciada, pode

fazer perder a praticidade, porque seria um material muito meticuloso e o excesso de detalhes

dificulta a compreensão e, às vezes, provoca o desinteresse. Assim, não corresponder,

exatamente, implica distorção da realidade, necessária em certa medida, pois dá abertura para

interpretações e experimentações inventivas. São três, os mecanismos principais, por meio

dos quais os mapas distorcem a realidade: a escala, a projeção e a simbolização (SANTOS,

2002, p. 201).

Mecanismos de distorção da realidade

1) A escala

Poderia dizer que um mapa curricular implica transescala, pois envolve pequena e grande

escala, ou seja, a chance de ver o contexto por diferentes escalas e ter possibilidades múltiplas

de analisar a realização do currículo de um curso em diferentes dimensões. Penso que a escala

seria, neste caso, a relação entre a escriturística da proposta curricular e a sua correspondência

com a realidade cotidiana. Um mapa de grande escala é mais pormenorizado porque se refere

a uma área menor do que o de pequena escala, tornando-se possível identificar maiores

detalhes do contexto. No caso do mapa-currículo, ele apresenta especificidades próprias ao

curso, como princípios norteadores, objetivos, duração do curso, períodos, matriz curricular,

ementas, carga horária, perfil do profissional a ser formado, sistema de avaliação, etc. A

pequena escala refere-se a uma área mais ampla, permitindo o acesso a aspectos de caráter

mais geral; assim, o mapa-currículo toma como base as políticas educacionais, a legislação

nacional, associações e órgãos representativos de docentes e da Educação e inclui tópicos

81

gerais da formação. Em nota de rodapé, Santos (2002, p. 210) explica que a educação de

grande escala “[...] privilegia a representação dos espaços socialmente constituídos e a

posição que nesses espaços ocupam os diversos sujeitos do processo educativo”; e a educação

de pequena escala “[...] privilegia o movimento e a orientação entre diferentes espaços sociais,

constituídos ou a constituir [...]”.

2) A projeção

Pela projeção seriam retratados no mapa curricular os diferentes aspectos relativos à

formação, considerando concepções, necessidades, condições, perspectivas, recursos, etc.

Essa projeção não corresponde exatamente à realidade, pois implica a presença de distorções

decorrentes de conflitos, discordâncias, expectativas, possibilidades, de caráter individual,

coletivo, institucional. É impossível retratar com exatidão como se dará a realização de um

currículo, pois essa feitura envolve políticas, atores, tempos e espaços, contratempos diversos

e outros aspectos. Assim, a projeção representaria as decisões tomadas pela comunidade

educativa responsável pelo projeto. Na projeção, segundo Santos, indica-se o centro do mapa,

pois todo mapa tem um centro, mas acredito que no currículo não há um centro fixo. Esse

centro desloca-se conforme o processo de realização, o tempo-espaço, os praticantes, as

condições, etc.

No momento de implantação dessa nova proposta, parece que o centro curricular localiza-se,

na articulação teoria-prática expressa na tríade (docência, gestão e pesquisa), por ser

considerada no PPC (2006, p. 15) e pelas docentes e discentes, como prioridade curricular.

Entretanto, o centro pode estar em qualquer lugar, porque a teoria-prática (práxis) atravessa o

currículo em todas as direções, numa rede rizomática de atribuições de sentidos. São

múltiplos centros que se deslocam porque o mapa é permeado de margens, periferias e

fronteiras que elegem centros temporários, conforme suas necessidades. A projeção, pois,

distorce a realidade segundo regras conhecidas e precisas (SANTOS, 2002, p. 203), que

geram compromissos, pois um currículo, assim como um mapa precisa ser útil e fácil de

manusear, para ser lido e compreendido, nas suas concordâncias e nas suas disparidades, para

ser, então, realizado.

82

3) A simbolização

A simbolização é outro aspecto importante, pois facilita a leitura dos mapas; para isso são

utilizados símbolos, gráficos, sinais, palavras, simbologias úteis às identificações e

sinalizações que possibilitam uma melhor compreensão do que se quer ler. No mapa

curricular, também, são usados sinais que apontariam a perspectiva política, filosófica,

pedagógica, possíveis caminhos a enveredar, porque o currículo é feito para ser lido, utilizado,

avaliado, reelaborado se preciso for; deve orientar a feitura cotidiana, objetivando a formação

conforme propõem seus princípios, objetivos e organização. O sumário indicaria os diversos

componentes que constituem o mapa curricular, a paginação, o que encontrar e em que lugar.

O currículo, como um mapa, indica percursos, porém precisa estar aberto à invenção de outros

possíveis (e até impossíveis) caminhos. Um currículo com características emancipatórias

implicaria a produção de uma subjetividade, simultaneamente, individual e coletiva, que

invista tanto em nível epistemológico como societal, que compreenda e explore as

potencialidades da transição paradigmática, que faça a mediação entre conhecimento e

prática. Essa subjetividade emergente deveria “[...] conhecer a si mesma e ao mundo através

do conhecimento emancipatório, recorrendo a uma retórica dialógica e a uma lógica

emancipatória [...]”; e “[...] ser capaz de conceber e desejar alternativas sociais assentes na

transformação das relações de poder em relações de autoridade partilhada [...]” (SANTOS,

2002, p. 345).

Esse seria o caminho para a invenção de subjetividades constituídas pelo topos de “um

conhecimento prudente para uma vida decente”. A emergência desse paradigma “[...]

manifesta-se como a inquietude de que falava Condillac, essa inquietação que ele considerava

ser o ponto de partida, não apenas dos nossos desejos e anseios, mas também do nosso pensar

e julgar, do nosso querer e agir (Condillac, 1984, 288)” (SANTOS, 2002, p. 346). Acredito

que é essa inquietação que impulsiona subjetividades inconformadas na produção cotidiana do

ser-saber-fazer-poder curricular. Como, então, criar tal subjetividade insurgente, combativa,

indomesticável? Santos responde ao sugerir, que uma subjetividade com tais características

deva ser “guiada” por três grandes “topoi”: a fronteira (político), o barroco (estético) e o Sul

(ético).

83

Subjetividades insurgentes: guiadas por três topoi

1º topoi: A fronteira

O topos da fronteira é, na verdade, o metatopos subjacente à criação de um novo senso comum político, um senso comum participativo concebido como parte da tópica para a emancipação [...] (SANTOS, 2002, p. 351).

Pois bem, num processo de feitura curricular, uma subjetividade emergente como a que se

propõe, deveria arriscar-se a viver na fronteira, que é considerada, neste estudo, como um

espaço situado de comunicação, como uma zona de encontro, embora se constitua como um

não-lugar. Santos (2002, p. 347) explica que a fronteira privilegia a dimensão política, a

participação e, sentir-se à vontade nela, contribui para explorar seu potencial emancipatório.

Esse autor considera como principais características da vida na fronteira: a invenção de novas

formas de sociabilidade, o enfraquecimento de hierarquias, o fortalecimento do

comunitarismo, a existência de poder plural proveniente de fontes diversas, as relações sociais

transitórias, a mistura de tradições, de heranças e as inventividades. Assim, viver na fronteira

é uma “[...] tarefa constante de fazer e desfazer [...]” (SANTOS, 2002, p. 352), como o mito

de Sísifo48. A fronteira é, pois, um momento social que se faz-desfaz e desaparece, quando

esse espaço se consolida.

Um currículo em processo de implantação está na fronteira; assim que se estabiliza, reduz a

novidade, a transgressão e surge a sensação de que não há mais o que inventar, já foi feito o

que era preciso para sua implantação-implementação, agora é só continuar o que foi iniciado.

Porém, seria conveniente, produtivo, criativo continuar a vivência transfronteiriça, sempre?!

Na fronteira, o poder “[...] tende a ser exercido no modo abertura-de-novos-caminhos, mais

do que no modo fixação-de-fronteiras” (idem, 2002, p. 351). Então, como seria viver e

permanecer na fronteira curricular num processo de abertura emancipatória?! Santos (2002, p.

351) afirma que “A criação de obrigações horizontais sobrepõe-se à criação de obrigações

verticais, o que significa que a subjetividade é participativa [...] orientada pelo princípio de

comunidade”. No caso do currículo, seria importante ampliar a participação incluindo toda a 48“[...] Os mitos são feitos para que a imaginação os anime. Neste, vê-se simplesmente todo o esforço de um corpo tenso, que se esforça por erguer a enorme pedra, rolá-la e ajudá-la a levar a cabo uma subida cem vezes recomeçada; vê-se o rosto crispado, a face colada à pedra, o socorro de um ombro que recebe o choque dessa massa coberta de barro, de um pé que a escora, os braços que de novo empurram, a segurança bem humana de duas mãos cheias de terra. No termo desse longo esforço, medido pelo espaço sem céu e pelo tempo sem profundidade, a finalidade está atingida. Sísifo vê então a pedra resvalar em poucos instantes para esse mundo inferior de onde será preciso trazê-la de novo para os cimos. E desce outra vez à planície [...]”. CAMUS, Albert, O mito de Sísifo – ensaio sobre o absurdo. Livros do Brasil, Lisboa, s./d, pp. 13-17; 147-152; Apud: Casimiro Amado, Axiologia Educacional – Textos para acompanhamento das aulas, texto 2, Universidade de Évora, 2006, (fonte: internet).

84

comunidade interna e externa, porém essa participação não tem sentido de troca, mas de

colaboração, de compartilhamento.

A emergência de um novo paradigma educacional dá-se no aumento das margens, das escalas

e na diversidade de cartografias orientadoras da produção de saberes-fazeres-poderes. “Viver

na fronteira é viver nas margens sem viver uma vida marginal” (SANTOS, 2002, p. 353).

Assim, conforme Santos (2002, p. 353), “Estar nas margens é fazer parte de um todo, mas

fora do corpo principal”, é ter vontade de aproveitar as oportunidades de liberdade e

autonomia, fazendo florescer a subjetividade de fronteira. De acordo com Ribeiro (2002, p.

481), a divisão entre quem está na fronteira e quem está fora dela, nos centros hegemônicos,

seria “[...] como uma imagem de espelho _ uma inversão, que nos diz apenas o que queremos

saber a respeito de nós próprios. (Frow, 1996:3)”. Ribeiro (2002, p. 481) esclarece ainda, que

“Construir o Outro, nesta acepção, implica construir a fronteira que dele me separa [...]”. Na

transição paradigmática, a subjetividade de fronteira não abandona de vez o paradigma

dominante, mas se orienta, ora por ele, ora pelo paradigma emergente, na expectativa de

chegar o mais perto possível deste. Assim, o currículo anterior do curso (1995), também não

foi e não é abandonado, mas ocorreu-ocorre um processo de transição para o currículo de

2006.

2º topoi: O barroco

Proponho o topos do barroco como um metatopos para a construção de um novo senso comum estético, o senso comum reencantado [...] (SANTOS, 2002, p. 358).

A subjetividade da transição paradigmática é uma subjetividade barroca, que implica a

emergência da estética e possibilita a expressividade, o afloramento da sensibilidade. Santos

utiliza o termo barroco no sentido metafórico cultural, para caracterizar uma forma de “[...]

subjetividade e de sociabilidade capaz de explorar e de querer explorar as potencialidades

emancipatórias da transição paradigmática” (SANTOS, 2002, p. 357). Ocorre em momentos

históricos em que o centro do poder está enfraquecido, aproveitando as brechas (linhas de

fuga) abertas em decorrência desse enfraquecimento. O barroco tem um “[...] carácter aberto e

inacabado que permite a autonomia e a criatividade das margens e das periferias” (SANTOS,

2002, p. 357). Como não consegue planejar sua própria repetição infinitamente, “[...] a

subjetividade barroca investe no local, no particular, no momentâneo, no efêmero e no

transitório” (SANTOS, 2002, p. 359). O sentido da direção na subjetividade barroca é de

85

dentro para fora, do mais próximo para o mais distante. A temporalidade barroca é a

temporalidade da interrupção, que possibilita a reflexividade e a surpresa.

“A reflexividade é a auto-reflexividade exigida pela falta de mapas” (SANTOS, 2002, p. 359),

pois sem guias é preciso mais cuidado para caminhar. A surpresa é o suspense e,

“Suspendendo-se momentaneamente a si própria a subjetividade barroca intensifica a vontade

e desperta a paixão” (idem, 2002, p. 359). Essa interrupção é capaz de provocar “admiração e

novidade” impedindo a conclusão, por isso a subjetividade e a sociabilidade barrocas são

inacabadas e abertas; daí a sua força para lutar por um acabamento que nunca se realiza

completamente. O mesmo acontece com o currículo, que nunca está concluído, nem é

imexível, inquestionável; é sempre passível de mudança, conforme o contexto, o tempo, o

espaço, os atores, porque se faz a cada dia e é processual. São características da sociabilidade

barroca a emoção e a paixão (pela utopia), que assumem o sentido da solidariedade. Um dos

pilares da emancipação, portanto, “[...] é o senso comum encantado que não dispensa a

carnavalização das práticas sociais emancipatórias [...]” (idem, p. 364), ou seja, mantém o

riso, o divertimento e a ludicidade. Estes seriam como uma caixa de brinquedos que desperta

e mantém a sensibilidade, o prazer de ser-viver. Portanto, não se devem excluir esses

elementos da Educação; para ser credível, não é necessário eliminar a sensibilidade, o humor,

a expressividade. Esses elementos alimentam o caráter emancipatório e fazem florescer e

manter o encantamento que deve revestir a atividade educativa.

3º topoi: O Sul

Vejo o Sul como o metatopos que preside à constituição do novo senso comum ético [...] (SANTOS, 2002, p. 367).

O Sul, assim como a fronteira e o barroco, também é utilizado por Santos (2002, p. 367) como

metáfora cultural, “[...] como um lugar privilegiado para escavação arqueológica da

modernidade, necessária à reinvenção das energias emancipatórias e da subjectividade da pós-

modernidade”. O Sul e o Oriente são produções do império, dependentes, respectivamente, do

Norte e do Ocidente, tanto cultural como economicamente. Assim, “[...] o Sul exprime todas

as formas de subordinação a que o sistema mundial deu origem: expropriação, supressão,

silenciamento, diferenciação, desigualdade, etc.” (SANTOS, 2002, p. 368), características,

também, presentes na Educação. A subjetividade emergente é uma subjetividade do Sul e,

uma das formas dela se constituir é pelo processo de desfamiliarização, ou seja, pela “[...]

86

desaprendizagem das ciências sociais que constituíram o Sul como o “outro” [...] (e) o norte

como “nós” (idem, 2002, p. 369).

Nesse sentido, a alternativa é desfamiliarizar-se do Norte, isto é, desaprender em relação ao

conhecimento-regulação (da ordem ao caos) e reaprender em relação ao conhecimento-

emancipação (do colonialismo à solidariariedade). O Sul precisa ter chance de expressar seu

saber-fazer-poder, para que se possa aprender com ele. O mesmo acontece com as instituições

educativas: é preciso ouvir seus atores para melhor compreender a Educação, seus problemas,

necessidades e encontrar possíveis e múltiplos caminhos, os caminhos do Sul solidário.

“Conhecendo apenas através das lentes do Norte imperial, a periferia não podia senão

reconhecer-se a si próprio como o Sul imperial” (SANTOS, p. 373), assim, aprender a partir

do Sul, implica eliminar, também, o Sul imperial e construir um novo Sul, na solidariedade.

A desfamiliarização seria um meio de criar uma nova universalidade “[...] capaz de libertar,

ao mesmo tempo, a vítima e o opressor” (SANTOS, 2002, p. 375). Essa nova universalidade

fundamenta-se numa hermenêutica diatópica, ou seja, questiona, escava a própria cultura para

“[...] aprender como entrar em diálogo com outras culturas munido da máxima tolerância

discursiva [...]” (SANTOS, 2002, p. 376) e reconhecer que outras culturas, também, buscam a

emancipação e a reinvenção da sociedade. Assim, a subjetividade do Sul representa “a

capacidade e a vontade” de praticar a solidariedade para produção de um Sul não-imperial,

que mantenha com o Norte uma relação de “diferença sem subordinação”, que se faça

valorizar por meio das suas próprias produções.

Santos (2002, p. 381) compreende que “Os topoi da fronteira, do barroco e do Sul presidem à

reinvenção de uma subjectividade com capacidade e vontade de explorar as potencialidades

emancipatórias da transição paradigmática”. Um topoi, sozinho não dá conta de realizar tal

proposição; é necessária a presença dos três e que todos tenham atuação relevante na

constituição da subjetividade e sociabilidade emergentes. Para esse autor (2002, p. 382), as

“[...] potencialidades emancipatórias dependem da intensidade com que interiorizam as

constelações tópicas da fronteira, do barroco e do Sul: quanto mais intensa for a

interiorização, maior será a proximidade entre as práticas sociais e epistemológicas e o

paradigma emergente”. No entanto, na transição paradigmática, não é possível eliminar a

contradição e a competição que existem entre o paradigma dominante e o paradigma

emergente, ou seja, entre regulação e emancipação. Por exemplo, entre o currículo anterior e o

87

atual, acredito que essa tensão é geradora de enriquecimento, de conflitos que impulsionam a

reflexividade e a inteligibilidade. Nesse sentido, em período de transição, é necessário

construir [...] uma nova cultura política que permita voltar a pensar e a querer a transformação social e emancipatória, ou seja, o conjunto dos processos económicos, sociais, políticos e culturais que tenham por objectivo transformar as relações de poder desigual em relações de autoridade partilhada [...] (SANTOS, 2006, p. 14).

Encontram-se, portanto, problemas modernos (igualdade, liberdade, fraternidade, paz) que

não têm soluções modernas (SANTOS, 2006, p. 15). Por isso é preciso reinventar a

emancipação social, retomar o princípio de comunidade e a racionalidade estético-expressiva,

devido à redução das possibilidades de emancipação. Porém, é tempo, ainda, de pensar em

emancipação, conceito moderno tão desgastado?! Pelo meu entendimento, a partir de estudos,

acredito que não se deve descartar o termo emancipação social por ser moderno e ocidental;

ele precisa ser reconceitualizado (idem, 2006, p. 42).

Cartografando o currículo: olhar, sentir, dizer O currículo constitui-se por tudo aquilo que é vivido, sentido, praticado no âmbito escolar e que está colocado na forma de documentos escritos, conversações, sentimentos e ações concretas vividas/praticadas pelos praticantes do cotidiano (CARVALHO, 2009, p. 179).

Reportando-me aos dados produzidos na pesquisa, trago a concepção de currículo a partir dos

dizeres docentes (PPC/CE, 2006). A diretora do CE, que já esteve à frente do colegiado e,

como professora que é, permanece sempre envolvida com a elaboração do projeto e com a

realização do curso e, assim, se posiciona: O currículo, de 2006, expressa um movimento que não começa agora. Expressa o esforço coletivo do CE

e, também, as condições de produção desse momento que é histórico, datado, personalizado, com a

aprovação dos PCNs da Pedagogia, também datado ali, a gênese da concepção de um novo profissional.

E que, de certa maneira, já entrava em sintonia com as entidades organizadas socialmente, com o

histórico do próprio curso que tinha na docência a base das habilitações, independente de qual o aluno

escolhesse. [...].

Segundo a professora P11, o currículo desenhado no PPC (2006), É o modelo de formação generalista que perpassa a política do MEC: ter o profissional generalista que

depois vai buscar suas especializações em nível de pós-graduação. [...] é um currículo que materializa

uma apropriação dos profissionais do Centro de Educação a partir de uma política, quer dizer, ele é a

forma como nós interpretamos essa política. Então, ela precisa ser avaliada, ter pesquisa para

88

acompanhamento desde a entrada dos alunos. Não adianta acompanhar só no meio ou no final, mas

durante todo o processo, uma pesquisa longitudinal.

Com prudência, P12, professora substituta, alerta sobre processos de mudança: Acho que tem que ter muito cuidado com modismos que se abatem sobre o meio acadêmico. Mudança

curricular é uma mudança formal, protocolar e há algo mais do que isso. O grande mal da educação de

maneira geral, é que as coisas acabam ficando muito em termos administrativos e formais. As mudanças

acabam adquirindo um caráter só de papel mesmo.

Uma mudança implica, pois, atitudes de reciprocidade, de inteligibilidade, de reflexividade e

de solidariedade mútuas. Segundo P1, o PPC apresenta princípios orientadores, resultantes

das discussões coletivas, dos posicionamentos dos professores do CE que são múltiplos e

diferenciados em relação à base teórica que fundamenta o currículo: “[...] não existia só uma

concepção de currículo. O que é produzido, é escrito e vai sendo proposto para a

comunidade da Educação, vem sendo uma tradução desses esforços teóricos. [...] na

realidade, esse currículo expressa uma somatória de diferentes olhares teóricos [...]”. Na

ótica que tento ver o currículo, em conformidade com Santos (2006, p. 454), a hermenêutica

diatópica é uma metodologia que “[...] exige uma produção de conhecimento colectiva,

participativa, interativa, intersubjetiva e reticular”, que investe no conhecimento-emancipação

em detrimento do conhecimento-regulação.

Entretanto, não se pretende promover a completude entre as concepções das políticas públicas

e as concepções docentes, mas transformar a consciência inicial de incompletude, numa

consciência auto-reflexiva (SANTOS, 2006, p. 460). Apesar de discordâncias visualizadas no

processo, a ecologia de saberes e práticas, com a utilização da hermenêutica diatópica,

procedimento de análise e de discussão realizado-em-realização, possibilita a percepção das

incompletudes no processo de (re)elaboração curricular e contribui para a compreensão e a

busca de alternativas, perspectivando a inteligibilidade do ser-saber-fazer-poder. Para P1,

apesar das divergências e conflitos, há uma convergência de idéias entre os professores: [...] existia um ponto comum que integrava todas as visões, que era a necessidade de que esse vivido não

pudesse ser ignorado na trajetória da concepção do currículo. A proposta inicial não era imutável, não

estava fechada, nem acabada. Tinha professor defendendo mais um currículo de um tempo X, outra

defendendo determinada área.

Na verdade, o currículo traduz uma concepção pautada nas Diretrizes Curriculares Nacionais

para o Curso de Graduação em Pedagogia (Licenciatura, 2006) e na sua configuração propõe-

89

se a considerar as teorias curriculares que vêm sendo discutidas nos meios acadêmicos e as

proposições da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação

(ANFOPE) e pelo Fórum de Diretores de Faculdades/Centros de Educação das Universidades

Públicas Brasileiras (FORUMDIR), bem como as discussões do próprio Centro de Educação.

Poderia dizer que a base teórica que fundamenta o PPC (2006, p. 15-18), do CE/UFES, está

expressa na seção relativa aos “princípios norteadores” do referido projeto (que envolve

pequena e grande escala) que, de certo modo, implicam regulação porque subjazem às

orientações legislativas e, entre elas, destaco duas: “A consonância com muitos dos

pressupostos que configuram a organização curricular vigente”49; e “O compartilhamento das

idéias propostas pela Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação

(ANFOPE)50 e pelo Fórum de Diretores de Faculdades/Centros de Educação das

Universidades Públicas Brasileiras (FORUMDIR)”.

Nesse sentido, P1 explicita com mais detalhe a proposta curricular: “[...] é um currículo que

tem transições horizontais e verticais, articulado em núcleos, em disciplinas que possibilitem

o olhar para o ensino, a pesquisa e a extensão. Ele coloca a pesquisa desde o início no cerne

desse fazer-se professor, enquanto um agente reflexivo da sua própria prática. [...]”. Essa

professora continua sua explanação para esclarecer a base teórica presente no projeto: Aí tem influência do cotidiano, [...]; os que vão defender uma posição teórico-prática, os que defendem

autores pós-estruturalistas ou estudos culturais, etc. Se você pegar o texto do projeto não vai aparecer

nenhum parágrafo fazendo discussão de currículo. Agora, se você fizer uma análise discursiva da

primeira à última página, você vai ver que tem uma coerência, um eixo de que profissional se quer

formar via esse currículo. [...].

49 Pressupostos: docência como base da formação profissional do professor; trabalho pedagógico como foco formativo; sólida formação teórica [...]; ampla formação cultural; contato dos alunos com a realidade da escola, desde o início do curso; pesquisa como princípio de formação; vivência pelos alunos de formas de gestão democrática; desenvolver compromisso social da docência; reflexão sobre a formação do professor (Diretrizes curriculares do Curso de Pedagogia, 1995, p. 3). 50 A ANFOPE defende uma organização institucional e curricular para formação desses profissionais, dentre eles o pedagogo que apresente como foco: a formação para o humano, forma de manifestação da educação omnilateral dos homens; a docência como base de formação profissional; o trabalho pedagógico como foco formativo; a sólida formação teórica em todas as atividades curriculares; a ampla formação cultural; a criação de experiências curriculares que permitam o contato dos alunos com a realidade da escola básica, desde o início do curso; a incorporação da pesquisa como princípio de formação; a possibilidade de vivência, pelos alunos, de formas de gestão democrática; o desenvolvimento do compromisso social e político da docência; a reflexão sobre a formação do professor e sobre suas condições de trabalho; a avaliação permanente dos cursos de formação dos profissionais da educação como parte integrante das atividades curriculares, e entendida como responsabilidade coletiva a ser conduzida à luz do projeto político-pedagógico de cada curso em questão; o conhecimento das possibilidades do trabalho docente nos vários contextos e áreas do campo educacional (ANFOPE, 1992, apud ANFOPE, 2004, p.18-19) (PPC, 2006, p. 15).

90

A produção curricular implica, pois, um complexo processo de reestruturação da cultura e da

organização da instituição em todas as suas dimensões, como tem acontecido no Centro de

Educação (CE). Há o desejo e a expectativa de que a adequação curricular atenda à legislação,

mas corresponda, também, aos anseios de formação do Centro, às concepções de docentes e

discentes, que em alguns aspectos parecem distanciar-se do que é proposto pela legislação.

Observa-se a abertura da concepção curricular materializada nos três eixos citados pela

professora. Prudentemente, P1 lembra a política de avaliação do MEC que não pode ser

ignorada, pois estipula parâmetros a serem considerados na avaliação de um curso: A gente não pode ser ingênua de achar que vai desconstruir tudo que o MEC propôs, senão seremos

penalizados, o curso será mal avaliado, não titulam. Mas podemos recriar e inventar algumas coisas,

principalmente, as linhas teóricas. É um currículo pragmatista, voltado para a adequação de um

indivíduo que vai sair para o mundo do trabalho, dentro de uma perspectiva globalizada. [...].

É um modelo de currículo que parece ainda, estar atrelado à modernidade, mas existe a

possibilidade de reinvenção a partir de uma crítica da teoria crítica, de um agir na perspectiva

crítica-renovada, como muitos professores têm buscado fazer. Portanto, não se pode, na

elaboração-realização, desconsiderar a legislação e a regulação inerentes à hierarquização

organizacional, mas é possível enveredar pelas fissuras, usar a criatividade e a inventividade e

encontrar outros meios de escapar, de (re)inventar propostas alternativas que se conciliem

com o modelo do MEC e os anseios do Centro. Se a escolha for uma perspectiva

emancipatória, esta permite criar agenciamentos que possibilitem a expansão das dimensões

curriculares, que impliquem linhas de fuga, processos de desreterritorialização (DELEUZE;

GUATTARI, 1995, p. 17). Assim, para fazer o novo é imprescindível a (des)construção de

conceitos, de saberes, de fazeres, de poderes e de se abrir a outros possíveis, (des)arraigado de

idéias engessadas e limitantes. Mudar implica visualizar utopias realistas e plurais; é ter

audácia, integração, vontade para enfrentar os desafios, pois só a libertação permite o vôo, a

busca, o devir, mesmo correndo o risco de errar em alguns momentos.

Seria um processo emancipatório de produção de solidariedades, de forma participativa,

intersubjetiva com utilização da hermenêutica. Seu objetivo não é atingir a completude, mas

ampliar o diálogo (SANTOS, 2003, p. 444) que acontece ou deveria acontecer, neste caso,

entre a cultura do CE, a cultura expressa nas Diretrizes e as culturas das escolas. Santos

(2006, p. 87) define a hermenêutica diatópica como “[...] um exercício de reciprocidade entre

culturas que consiste em transformar as premissas de argumentação de uma dada cultura em

91

argumentos inteligíveis e credíveis noutra cultura”. Nesse sentido, a condição para que

aconteça o diálogo intercultural seria “o reconhecimento de incompletudes mútuas”

(SANTOS, 2003, p. 447). Nesse diálogo intercultural, a presença da cultura da Escola Básica

é imprescindível, porque é nela que futuros pedagogos irão atuar. Assim, a criação de uma

nova teoria crítica-renovada, poderia ser baseada no princípio de comunidade e na

racionalidade estético-expressiva, e nessa dinâmica, eu incluiria a racionalidade moral-prática,

sem a qual, penso que as demais não aflorem e nem se sustentem.

Características curriculares

Algumas características foram elencadas pelas professoras participantes contribuindo para

cartografar o novo mapa-currículo, como a formação centrada em três eixos, a inclusão das

Atividades Complementares, o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), as disciplinas do eixo

de pesquisa, a formação do professor investigador e reflexivo, a integração entre teoria e

prática, a ampliação da carga horária do curso. Para P1, a mudança mais marcante e que vai

fazer diferença, é a própria concepção de Pedagogia presente no currículo e que está sendo

muito debatida no centro. O curso anterior era denominado “Formação de professores das

séries iniciais do Ensino Fundamental” e, agora, é “Licenciatura em Pedagogia”. P1 lembrou

que as “habilitações” foram agrupadas num só curso, orientado por três eixos: a docência, a

gestão e a pesquisa.

A professora P15 reafirma essa tríade, ressalta o lugar de cada disciplina e a luta pela

conquista de espaço de disciplinas relacionadas aos outros eixos que não a docência. Ela

destaca a questão da abrangência excessiva e da impossibilidade de uma carga horária

“normal” de um curso dar conta de tamanha diversidade como a que é proposta neste

currículo. A tríade aparece como eixo curricular nas Diretrizes Nacionais e, como não poderia

deixar de ser, nas Diretrizes do CE. P15 faz uma crítica ao que, hoje, está sendo entendido

como eixo: O parecer estabelece EIXOS, mas aí, cada um está entendendo como um conjunto de disciplinas que já

existiam; vou usar um termo pesado, assim como foi na nossa, acho que em outras universidades

TAMBÉM! Acho que na verdade, pegou o que tinha de velho e fez uma mudança assim: o que cabe nesse

eixo, naquele, sem pensar a idéia de EIXO, que é a articulação horizontal, vertical; você fala a idéia de

mapa, de rede, eu não entendo isso muito bem, mas NÃO É! Eixo não é grade!

92

No currículo anterior o eixo principal era a Docência para o Ensino Fundamental, com

obrigatoriedade de cumprir mais uma habilitação, a escolher entre Gestão Educacional,

Educação Infantil (EI), Educação Especial (EE) e Educação de Jovens e Adultos (EJA). O

novo currículo aponta para a formação de um profissional generalista, formado em Pedagogia,

abrangendo as dimensões da docência (professor do Ensino Infantil, Ensino Fundamental e de

outras opções docentes), da gestão (supervisor, orientador, diretor) e da pesquisa. Inclui um

leque de possibilidades e de necessidades de formação e para atender à nova proposta, a carga

horária do curso foi alterada de 2800 para 3410 horas.

O objetivo de todo curso profissionalizante é “preparar” o estudante para iniciar-se em numa

determinada carreira, o que não significa finalizar a formação. Portanto, para inserção no

magistério, a formação inicial é um requisito básico, como em outras profissões. Neste

currículo, as habilitações deixaram de ter vida própria e passaram a se constituir como um

bloco único de formação do pedagogo. Este curso forma pedagogos para a Escola Básica, que

vão elaborar e executar projetos, currículos que devem ser coerentes com a concepção de

ensino, de aprendizagem, de homem, de sociedade em que acreditam. Na formação, pois,

deverão discutir e aprender como fazer, por isso os formadores assumem um papel relevante

nesse processo, afirma P15. A seguir explicito algumas características curriculares que

emergiram nas narrativas das participantes.

1ª Característica: a tríade (docência, gestão, pesquisa)

a) Eixo da docência

Questionada quanto à docência não ser mais a base única do curso, pois fica em situação de

igualdade com os demais “eixos”, P1 falou: “Não é a base; ela está na tríade: docência,

gestão e pesquisa. E aí, é óbvio, acredito que essa mudança vai favorecer um novo

profissional”. A professora especificou porque e em que aspectos: Acho que tem uma prescrição curricular por mais flexibibilidade que queremos dar a ele, pois você pega

uma estrutura engessada; mas enfim, para que este currículo tenha movimento, vida, a cara das pessoas

que estejam fazendo na prática (alunos, professores, funcionários, pessoal técnico), as condições de

logística, econômicas, sociais. Tudo isso vai estar pautado para que esse currículo tenha o melhor

favorecimento ou não, na sua execução.

93

b) Eixo da gestão

A professora P15 ressalta sua luta pela conquista de maior espaço no contexto curricular para

o eixo da gestão: “[...] No princípio, tive uma sensação de estranheza, achei que o currículo

não contemplava a área de política e gestão educacional e que a ênfase na formação, no

currículo antigo, era muito voltada para a docência e só no oitavo período iam ver alguma

coisa de gestão, muito precariamente”. P15 afirma não entender que o curso todo tenha que

ser direcionado para a docência, só porque a base seja a docência. Ela continua: A base é a docente articulada à Pedagogia como Ciência da Educação, dos fenômenos educativos. E a

diretriz era muito clara de que um dos eixos da configuração do currículo seria a Gestão Educacional (e

não apenas a docência) e na proposta que foi apresentada à época pela comissão, a gestão tinha ainda

uma carga horária menor que na anterior. [...] Sugeriram que eu fizesse uma proposta para aumentar a

carga horária, eu fiz com inclusão de disciplinas ligadas à Gestão Educacional e a divisão da disciplina

em duas partes: uma Introdução à Gestão Educacional e depois no oitavo período, a Gestão

Educacional, propriamente dita. Passou com 595h; a minha sugestão foi garantir uma carga horária

maior.

c) Eixo da pesquisa

A professora P11 falou sobre seu entendimento em relação às disciplinas Pesquisa, Extensão e

Prática Pedagógica I, II, III e IV (PEPPs), e considera que existem posições diferentes sobre

essas disciplinas que são novas. P12, que é professora substituta, trabalhou com PEPP I e II e,

o que conhece do currículo, é apenas a sua prática pessoal com essas disciplinas. Sobre a

inclusão do eixo de pesquisa no currículo ela falou: Tudo a princípio tem potencialidades, mas depende de como vai ser feito. Acho interessante, tive essa

experiência agora com a minha turma; elas foram à escola pela primeira vez, sendo que na PEPP1, o

objetivo primeiro é trabalhar questões teóricas porque eles estão iniciando nesse universo teórico da

Pedagogia. Nós fizemos quase 70% das aulas em sala com estudos teóricos para dar a base. Depois

fomos à escola para que eles trouxessem a experiência de lá e a partir daí a gente pudesse pensar aquilo

que vimos anteriormente: a teoria. E foi essa prática que eles vivenciaram. Foi bem interessante.

Segundo a professora P12, o fator dificultador da realização dessa disciplina é a chegada às

escolas, que neste caso constituem o auditório e o CE, na pessoa do professor é o orador. É

uma relação retórica e, por isso, o auditório pode alternar para a posição de orador e fazer

argumentações, acerca do modo como acontece a presença de futuros pedagogos na escola.

Ela explica: As escolas estão superlotadas de estagiários, não só da UFES, mas de outros cursos de Pedagogia. Tem

escola que não quer receber, principalmente as desse entorno aqui, porque são as mais procuradas. Eu

94

consegui porque conheço muita gente, trabalho na Educação Fundamental há muitos anos. Toda escola

que fui, reclamaram dos estagiários e da forma como é feita essa participação. Eles pedem que haja um

projeto prévio do professor e que trabalhe junto com a escola; que não seja uma coisa formal,

administrativa do aluno ficar lá só olhando e NADA! Isso eles já estão muito cansados. _ Tudo bem que

vocês vêm aqui, mas venham com uma proposta.

2ª Característica: a flexibilização

Outro aspecto citado pelas participantes é a flexibilização presente na proposta, que

possibilitaria ao aluno cursar disciplinas em outros cursos e até em outras universidades, num

modo emancipatório de desfazer fronteiras e de inserção e atuação em outros espaços sociais.

A flexibilização está escrita no papel, mas na prática tem sido difícil a sua concretização,

porque os discentes têm que seguir a oferta do semestre/período, pois se deixarem para trás

alguma disciplina, no semestre seguinte encontram dificuldades em conciliar o horário. P3

explica sobre o funcionamento desse sistema engessado, como uma “grade” trancada e

fechada: A orientação do colegiado é que sigam o fluxo porque se ficarem em débito por algum motivo fica difícil

conciliar. Quanto à disciplina da dança (que uma aluna cursou fora da grade), falei: _ Aproveitem o fato

de estarem numa Universidade pública. Só a UFES oferece essa oportunidade! A disciplina pode entrar

(no histórico) como eletiva. Você agrega conhecimento, mas a carga horária obrigatória do curso é

demais! É pesada para que você consiga pegar outra coisa. A grade é realmente cerrada! O desejo que a

gente tem é que fosse flexível. Nós temos umas quinze disciplinas elencadas.

A professora P3 continua seus esclarecimentos: Falei pra eles: _ Não esperem que um dia, aquelazinha ALI vai ser oferecida, porque nós temos um

limite! E a brincadeira que se faz de chamar essas optativas de obrigatórias, tem sentido de ser, mas esse

é um limite que a gente reconhece que tem. O que nós podemos e que o colegiado recomenda é que vocês

busquem seus próprios interesses. Vão ao colegiado: _ Professora, tem um grupo de alunos que quer

fazer a optativa tal! Vocês vão oferecer? Vamos supor que o colegiado esteja oferecendo outra. _

Professora, vamos procurar um professor para essa disciplina! E aí eu disse: _ Essa é uma questão de

vocês. Para que as optativas sejam o mais próximo possível de vocês!

Mais uma vez percebe-se o mecanismo de distorção da realidade, em relação ao que se prevê

em documentos prescritivos. Nem sempre são possíveis de serem realizados, mesmo quando

desejados, como neste caso.

95

3ª Característica: a teoria-prática

A prática é um conjunto de revezamentos de uma teoria a outra e a teoria é um revezamento de uma prática a outra (DELEUZE, apud FOUCAULT, 1999, p. 69-70). [...] a teoria não expressará, não traduzirá, não aplicará uma prática; ela é uma prática” FOUCAULT,1999, p. 71).

A professora P8 fala com emoção sobre a relação experienciada no seu trabalho com as

discentes. Essa paixão, de que fala a professora, está presente na subjetividade barroca que

vigora em processos de transição quando se busca a emancipação. A emoção e a paixão são,

assim, componentes da utopia que alimenta o barroco. É muito lindo e oportuniza, à Universidade, a visita permanente ao chão da escola, não por um olhar frio

de alguém que não pertenceu aquele meio, mas com um olhar de alguém que viveu ali. De um jeito ou de

outro pode ter acesa a chama da paixão por aquilo que viveu lá atrás e agora ela pode perceber pela

escolha do curso que fez. Isto tem sido muito rico (P8).

Concordo com Linhares (1999, p. 40) quando afirma que “Nesses últimos anos, um dos temas

mais discutidos tem sido o divórcio entre teoria e prática com sérios desdobramentos, tais

como: abismos que não param de crescer entre a vida e a escola [...]”. No PPC (2006), a

questão relativa à integração teórico-prática é muito significativa. Segundo P6 este currículo

“[...] tem como proposta-eixo tentar superar o distanciamento ou a dicotomia teoria e

prática. [...]. É uma recomendação muito forte. [...] Se a gente conseguir trabalhar uma

complementando a outra, juntas, o trabalho vai ficar interessante”. Como professora e como

coordenadora de um dos núcleos de ensino do CE, P11 participou de perto da elaboração do

novo currículo e assim se posiciona: Acho que há uma carga excessiva de prática nesse currículo, tanto de estágio, quanto de prática como

componente curricular para atendimento do que é colocado em nível nacional. Isso acabou retirando um

espaço e um tempo de carga horária de algumas disciplinas teóricas, que poderiam ser teórico-práticas,

porque na minha perspectiva toda disciplina tem que fazer essa relação entre o conteúdo e a prática, o

vivido, como aquele conteúdo pode ser utilizado pelo futuro-pedagogo ou pelo professor da Educação

Infantil e de 1ª a 4ª séries.

Fernandes e Fernandes (2005) falam sobre a ênfase na prática: “[...] a concepção da prática

posta como condição fundante de referência para a formação do professor em formação tem

trazido um risco de aligeiramento dessa formação, deslocando a discussão da práxis nos

processos formativos e provocando um certo esvaziamento da teoria”. A relação teoria-prática

propicia a integração, tanto das disciplinas teóricas com das disciplinas de caráter mais

96

prático, como entre docentes, entre a instituição formadora e a instituição em que os futuros-

pedagogos irão trabalhar. P6 assim se expressa: “Aí entra uma outra característica,

fortemente, marcada que é a questão da prática pedagógica ou seja, a gente possibilitar a ida

dos nossos alunos à escola, ao campo onde vão atuar, isto está fortemente colocado no nosso

currículo”. Nesse sentido, a professora P8 referiu-se à importância das relações que se

estabelecem a partir das interações com a escola: Cabe a nós professores, potencializarmos a relação teoria e prática. E aí, nessas visitas estabelece-se um

laço novo de contato real entre Universidade e Escola, porque as alunas relatam sobre convites que

recebem para falar para as crianças sobre a escola de ontem, sobre o que estão estudando hoje, às vezes

são convidadas para trabalhar na escola como eventual substituta; elas reatam os elos com a escola.

Na a sua disciplina, P10 tem oportunidade de fazer essa aproximação trazendo vivências para

a UFES. Esse movimento de ir-e-vir, centro-escola-centro, que alunos fazem nas diversas

disciplinas, implica permanentes processos de desretorritorialização. Eles trazem as vivências deles, dos irmãos e, alguns poucos, já trabalham. Isso enriquece muito. Mesmo

esses alunos que vieram do Ensino Médio têm as experiências que viveram como alunos. A gente fala: _

Olha só, você está vendo de um ponto de vista, vamos ver de outro. Eu tento ter esse cuidado de não tirar

a culpa de um e botar no outro, de não cristalizar essa questão de culpa, do saber (P10).

A elaboração de projetos intra-inter-transdisciplinares relacionados a possíveis ênfases

favorece a criação de espaços para que professores possam reunir-se, planejar, integrar-se,

pois as reuniões de departamento são, basicamente, administrativas. Nesse sentido, a

professora P11 explica sobre a prática, materializada em projetos integradores: Eu acho que as 400h de prática como componente curricular, só com a criação de algumas disciplinas

com nome laboratório, que não é o caso da Pedagogia que ficou como Pesquisa, Extensão e Prática

Pedagógica (PEPP), com responsabilidade de um professor, não é suficiente [...]. Essa disciplina não

tem apenas que apresentar as atividades de pesquisa e extensão realizadas no Centro de Educação; isso

não se constitui em espaço integrador.

P11 considera que é preciso ir além da criação da disciplina PEPP: Ela deveria organizar projetos de extensão, de pesquisa ou congregar projetos de diferentes professores

para integrar as áreas de conhecimento. Se ela está alocada no primeiro período, cabe perguntar: _

Quais são as disciplinas desse período? Que conteúdos são trabalhados? Que projetos posso construir

enquanto professor responsável por tal disciplina? Chamar, então, os demais professores (para

participar) e possibilitar ao aluno ver como se relacionam aqueles conteúdos na prática docente e na

prática pedagógica do professor de primeira a quarta série, da Educação Infantil.

97

De acordo com a professora P15, o currículo “[...] está atendendo a uma exigência legal, mais

que isso, nós não temos articulação ALGUMA entre nós mesmos, professores, [...]. São

muitos substitutos, [...]”, e discorda de que esteja ocorrendo a tão propalada integração. Sobre

a organização e planejamento das atividades da instituição, Linhares (1997, p. 100) afirma

que “Sem definir uma direção educativa, as articulações entre teoria e prática se pulverizam,

[...]”, elas se perdem no contexto da realização curricular, por isso surge a necessidade de

proliferação de comunidades interpretativas e de um permanente processo de inteligibilidade

fundado na ecologia de saberes e de práticas.

4ª Característica: TCC

Segundo a professora P6, “Outra coisa que dá um novo caráter ao currículo é o Trabalho de

Conclusão de Curso (TCC) [...]”, pois esse tipo de atividade pode promover a integração

entre conhecimentos de diferentes disciplinas, a vivência em trabalho de pesquisa e a

elaboração de texto científico.

5ª Característica: Atividades Complementares

Neste currículo foram reservadas 200 horas para a realização de Atividades Complementares,

destinadas a eventos diversos. No entanto, a curta duração do contrato de professores

substitutos, a descontinuidade nas disciplinas (assumidas por eles) e nos processos cotidianos

têm dificultado a ocorrência dessa integração.

Além das características que se fizeram presentes nas discursividades docentes, algumas

professoras destacaram outros pontos que consideram significativos no currículo do curso: Houve preocupação em adequar o currículo às novas diretrizes, às demandas da formação mais

generalista do pedagogo (P18). (atendimento às exigências legais)

Esse novo currículo [...], tem muita coisa para se ensinar em pouco tempo, precisa de uns quatorze anos

para dar conta de tudo que as diretrizes estabelecem no perfil desse novo pedagogo. [...] (P15).

O curso de Pedagogia é profissionalizante (P11).

Eu achava estranho, modalidades de ensino tipo Educação de Jovens e Adultos (EJA), Educação

Especial (EE), serem habilitações. [...] (P15).

Foi preciso reduzir a carga horária de disciplinas específicas (P18).

É o modelo de formação generalista [...]: ter o profissional generalista que depois vai buscar suas

especializações em nível de pós-graduação. [...] (P11).

Já que é esse o currículo que a gente tem, vamos pensar pelo lado positivo, as possibilidades dele (P2).

98

Um currículo traz no seu bojo uma multiplicidade de realidades, necessidades e de

possibilidades (categorias modais de existência), utopias que Santos (2006, p. 205) entende

como “[...] a exploração, pela imaginação, de novos modos de possibilidade humana e de

estilos de vontade fundada na recusa em aceitar a necessidade da realidade existente apenas

porque existe [...]”. Essas mudanças dão um caráter novo ao currículo, mas não eliminam a

preocupação ante esse novo que nem sempre é coerente com o pensamento de alguns ou com

as necessidades de muitos e expressa incertezas, sempre presentes em processos de transição,

por exemplo, na dúvida de como integrar os saberes que se sabe (da experiência de currículos

anteriores) com os saberes que se desconhece (presentes na nova estrutura curricular, como as

200 horas de Atividades Complementares). A ecologia de saberes e de práticas possibilita a

inteligibilidade acerca dessas questões.

A vice-diretora do CE participa na administração e no ensino, como professora do curso;

então vivencia o cotidiano sob diferentes pontos de vista. Concorda que o currículo traz

modificações-inovações que podem contribuir para uma formação docente mais coerente com

as exigências do mundo atual, com as exigências que estão sendo colocadas, hoje, na escola e

com as quais o professor se defronta. Ela não tem clareza se a extinção das habilitações vai

contribuir para a melhoria da formação. Para a professora P5, o projeto do CE parece manter

o que já existe: “Não sei se é uma análise muito simplista, mas o PPC do Curso Superior

reproduz o espaço da escola; ele não entra com uma proposta para quebrar os paradigmas

do que a gente encontra na escola e a gente encontra, na verdade, é a reprodução do mesmo

modelo”.

Penso que para quebrar paradigmas do que se vê na escola seria preciso antes, quebrar os

próprios paradigmas do curso. Essa afirmação faz refletir se é o Centro que reproduz a escola

ou se é a escola que reproduz o que se faz no centro, porque nele são formados pedagogos,

são produzidos saberes-fazeres-poderes e subjetividades. Entretanto, poderia pensar com

Santos (2006, p. 18) que afirma: “[...] o novo constrói-se a partir do velho e o velho, longe de

ser apenas um campo de bloqueio, é também, um campo de oportunidades”. Esse autor sugere

a criação de um novo senso comum a partir do presente. Seria um trabalho realizado pela

retórica, entre o curso (orador) e a escola (auditório), pela criação de redes de comunidades,

pela identificação de topoi gerais, ou seja, de pontos de vista comuns, partilhados pelas duas

culturas. A emergência de um novo paradigma surgiria do paradigma já existente; o PPC,

também, partiu do já existente para criar um novo currículo.

99

A professora P4, considera que o novo projeto de curso vai “[...] acabar com a distinção da

gestão e da docência no interior do universo da cultura escolar. Porque a gente sabe do

histórico de rivalidade entre pedagogos e professores no chão da escola!”. No entanto, P3

acredita que ainda continua a separação entre as funções docente e não-docente, devido à

necessidade de identificar quem é quem dentro da escola (professor e/ou pedagogo), porque

os profissionais desempenham papéis diferentes e ocupam lugares, também, diferentes na

instituição. Ela explica: Os termos não estão muito claros ainda, o que é magistério, função docente. Atualmente eu uso a

seguinte categorização: o pedagogo-docente é aquele que tem exercício em sala de aula, contato direto

com aluno, regular, sistemático, etc., seja no Ensino Infantil ou Ensino Fundamental; e o pedagogo-não

docente, aquele que tem funções de gestão na escola, que tem frentes diversas de trabalho. Como eu

trabalho com gestão, sinto necessidade de dizer de qual pedagogo estou falando, porque são

responsabilidades distintas: se sou professor, tenho tais responsabilidades; se estou na gestão, tenho

outras. Sinto necessidade de fazer essa diferenciação.

P11 admite que “Nem todo mundo que atua, hoje, no curso de Pedagogia tem clareza do que

é competência, habilidade, do que significa um currículo, porque isso é uma opção teórica!”.

Ela continua: “Se você pegar, não só o curso de Pedagogia, mas o próprio documento de

Diretrizes para formação de professores da UFES há um modelo de competências e

habilidades posto aí! Será que os professores têm realmente consciência, os coordenadores

de curso, os profissionais, todos que estão envolvidos?”. O que seriam as habilidades e as

competências de que falam as Diretrizes Nacionais e o próprio PPC, quanto às habilidades?

Percebe-se, nas práticas discursivas das participantes, a intervenção, a marca do Centro de

Educação, o desejo de manter suas concepções, pois muitos professores discordam da

concepção presente nas Diretrizes Nacionais calcada no desenvolvimento de “habilidades e

competências”.

Outros aspectos do PPC

Diversos outros aspectos que atravessam e são atravessados na-com a realização cotidiana do

currículo, emergiram nas conversações: a matriz curricular, a intra-inter-transdisciplinaridade,

encontros da comunidade educativa, a relação discente com a Escola Básica, as ênfases, a

estrutura organizacional, horário das aulas, reestruturação dos departamentos, núcleos,

biblioteca, laboratório de informática.

100

1) A Organização curricular

A organização disciplinar do currículo implica uma manifestação de poder, porque “[...]

funciona como uma maquinaria, como uma máquina social” (MACHADO, apud

FOUCAULT, 1999, p. XIV), que não fica num lugar especial, mas se espalha por toda a

parte, num processo relacional e implica a disciplinarização do cotidiano, “[...] do ensino e a

utilização do exame como estratégia de controle e vigilância; [...]” (EIZIRIK, 2005, p. 70).

Onde há poder há resistência e esta ocorre dentro da própria rede de poder; não existe um

lugar definido para a o exercício da resistência, mas pontos móveis espalhados na estrutura

social.

Disciplina é, pois, “[...] uma técnica, um dispositivo, um mecanismo, um instrumento de

poder, [...]” (MACHADO, apud FOUCAULT, 1999, p. XVII). É um modo de organizar o

espaço, é controle do tempo, é vigilância, é registro de conhecimento. Machado refere-se a

uma “pirâmide de olhares”, que no caso do CE, eu diria ocorrer nessa sequência: direção,

colegiado, departamentos, professores, alunos (sequência que na emancipação, pode ser

invertida) que tem como objetivo “[...] tornar o homem “útil e dócil”” (MACHADO, apud

FOUCAULT, 1999, p. XVIII). Assim, ao agir sobre um grupo confuso e desordenado, “[...] o

esquadrinhamento disciplinar faz nascer uma multiplicidade ordenada no seio da qual o

indivíduo emerge como alvo de poder” (MACHADO, apud FOUCAULT, 1999, p. XIX).

Apesar das mudanças incluídas no PPC (2006), a estrutura curricular do curso continua no

modo de organização disciplinar, que constitui uma prática de colonização, de sujeição, ou

seja, de disciplinarização dos conteúdos curriculares, das ementas, das ações, dos horários,

dos prazos institucionais, da distribuição de espaços e de disciplinas entre departamentos e

docentes, de carga horária, de horários de aula, de formas de produção de fronteiras. Nesse

sentido, Foucault (1999, p. 180) afirma que “Afinal, somos julgados, condenados,

classificados, obrigados a desempenhar tarefas e destinados a um certo modo de viver ou de

morrer em função dos discursos verdadeiros que trazem consigo efeitos específicos de poder”.

Em seus estudos, Gallo (2002, p. 21) aborda a compartimentalização dos saberes e dos

currículos escolares e lembra que a disciplinarização não reflete, apenas, a

compartimentalização dos saberes científicos, mas, também, a questão do poder. Saber e

poder possuem um elo de ligação pois conhecer é dominar.

101

A Educação, como forma potencial de poder, é permeada por mecanismos de controle sobre o

aprendizado, e a compartimentalização do saber e o exercício de formas particulares do poder

na escola, são sustentados e intensificados pelo aparato burocrático escolar. Atuar numa

perspectiva emancipatória poderia provocar a quebra de fronteiras disciplinares e relacionais e

professores poderiam-deveriam participar no rompimento dessa tradição alienante,

(re)significando a compartimentalização, fluidificando fronteiras, conforme as possibilidades

existentes (experiências disponíveis e possíveis). Assim, a intra-inter-transdisciplinaridade

poderia ser exercitada na formação para que futuros-pedagogos da Escola Básica, já tivessem

vivenciado essa experiência ao chegar à escola como docentes. Eles se sentiriam seguros, na

Escola Básica, em percorrer um caminho integrador, transversal e aceitar, ou recusar, esse

modo de trabalhar o conhecimento.

Tal proposta não surgiu por acaso. Desde meados do século XX o movimento histórico de

especialização na produção dos saberes, começa a não dar conta de responder a certas

questões da realidade, por exemplo, questões de ecologia. Para pensar a possibilidade de uma

educação não-disciplinar (GALLO, 2002, p. 29) é preciso visualizar o conhecimento de

modos diferentes do paradigma dominante. As ciências relacionam-se todas com seu “tronco

comum”, mas não conseguem relacionar-se entre si, no contexto desse paradigma; a metáfora

da árvore já não dá conta. Assim, o paradigma rizomático (DELEUZE E GUATTARI, 1995)

rompe com a hierarquia do conhecimento, apresentando novas possibilidades de trânsito

encontradas na transversalidade (GALLO, 2002, p. 32). Porém,

A epistemologia foucaultiana mostra também que a disciplinarização é histórica. Quando nos deparamos com a compartimentalização do saber nos currículos escolares, buscamos na prática interdisciplinar uma tática de rompimento que permita superar suas limitações, mas sem atentar para o fato de que afirmar o interdisciplinar é afirmar o disciplinar (GALLO, p. 94-5).

Conforme Santos (2006, p. 147), “Defender as fronteiras significou, em muitos casos, a

diferença entre a consolidação ou a fragilização de novas disciplinas ou domínios científicos”,

como ocorre em situações de mudanças, neste caso, curriculares, em que cada um defende sua

área como importante, ressalta a necessidade de reduzir carga horária de algumas, para incluir

outras disciplinas. São situações de conflito em que, nem sempre, vigoram os interesses e

necessidades de formação dos alunos. Esse autor lembra que muitas áreas inovadoras do

conhecimento científico surgiram em territórios de passagem, nas fronteiras. Ele (2006, p.

147) não fala de interdisciplinaridade, forma de colaboração que respeita as fronteiras entre as

102

disciplinas, mas de um trabalho de fronteira que pode gerar novos objetos, novas

interrogações e novos problemas e, na pior das hipóteses, levar à colonização de novos

espaços abertos. A seguir, serão discutidos alguns aspectos fundamentais do PPC, que

emergiram nas narrativas das participantes, como: matriz curricular e intra-inter-

transdiciplinaridade, comunidades necessitam encontrar-se e relação discente com a escola

básica.

O documento do PPC (2006, p. 5) apresenta uma nova matriz curricular51 para o curso de

Pedagogia, considerada “[...] mais adequada às orientações das diretrizes e aperfeiçoada

através da eliminação dos problemas detectados na matriz curricular atual, que vigora desde

1995”. Nela, estão distribuídas as disciplinas do curso conforme a nova estrutura. Nesse

sentido, algumas professoras expõem seu pensamento acerca das disciplinas que constituem a

nova matriz curricular. A professora P15 questiona o elenco de disciplinas que reforçam a

docência como eixo principal e algumas inovações curriculares: A base é a docência, mas quais disciplinas traduzem essa base, que orientação, que articulação,

horizontal, vertical? Eu acho que a gente vai precisar, talvez, fazer uma avaliação no meio desse

percurso. Essas atividades que não são realizadas na sala de aula vão ser um verdadeiro desafio para a

gente, não é? Seminários, Atividades Complementares... Acho que essa história de Prática Pedagógica

também, não se sabe bem o que é, não trabalhei, não sei nem como chama direito, mas tem aqui.

Professoras de diversas disciplinas abordam e discutem o lugar (ou não-lugar?) que sua

disciplina ou área de atuação ocupa no contexto da nova matriz curricular: [...] O que eu venho acompanhando da disciplina de Arte é que o espaço dessa disciplina no currículo

diminuiu: a carga horária passou de 120 para 60 horas. (como aconteceu com Matemática e com

Ciências), na segunda versão do currículo e agora na terceira, se a gente não gritasse, ela passaria para

30 horas. Então ficou uma indagação: que formação é essa para um pedagogo, que exclui, diminui a

arte?! (P5).

Para a professora P17, a Matemática continua na mesma situação do currículo anterior e teve

pouca mudança. Ela disse: O programa de disciplina, a ementa, ela foi atualizada. Agora, você sabe que quem experimenta o

currículo não é o papel; o papel está modernizado, mas não modificado, não se inventou nada, até

porque já tínhamos o PCN que é anterior ao currículo novo e a Matemática que se ensina na Educação

Fundamental é a mesma e na Educação Infantil, também. Nós só atualizamos: no programa colocamos

51 Ver anexo neste capítulo.

103

novos autores, mas a estrutura do curso, o coração, a parte dura da ementa é a mesma. O que estamos

fazendo é nos aprimorar mais.

Com a professora P14 conversei sobre a disciplina Alfabetização. Esta é considerada

inconclusa, processual, prossegue ao longo da vida. Na formação do pedagogo, o leque da

alfabetização deve abrir-se porque na estrutura curricular anterior ela se restringia ao pré e à

Educação Fundamental; agora deve abranger toda a Educação Infantil e incluir ainda, o papel

do pedagogo não-docente na alfabetização. P14 admite: “Em relação a isso, acho que as duas

disciplinas Alfa I e II contemplam, porque trabalham a formação do alfabetizador e do

pedagogo. O ensino de jovens e adultos não é contemplado, mas tem espaço na grade para

falar de Educação de Jovens e Adultos”. Professoras de disciplinas que são trabalhadas na

Escola Básica, como Ciências e Matemática, argumentam sobre a redução da carga horária,

para redistribuição em favor de outras disciplinas que, se por um lado, resolve o problema da

inclusão de disciplinas novas, por outro, dificulta a realização de suas disciplinas que têm

caráter e conteúdo específicos e fundamentais no ensino de crianças, adolescentes e adultos. A

professora P18 fala: O pessoal da área específica sentiu porque teve necessidade de reduzir a carga horária de Ciências,

Matemática, áreas que também fazem parte do currículo do Ensino Fundamental. Teve que ceder lugar

para outras que não são menos relevantes, que são as disciplinas voltadas para a formação, para a

pesquisa, prática pedagógica, prática de extensão, educação especial, educação inclusiva. [...] quando a

gente vem do contato permanente com as aulas, especialmente, nos anos iniciais do Ensino Fundamental,

nota lacunas na formação de professores nessas áreas.

A área de Ciências, na matriz curricular anterior, era contemplada com duas disciplinas de 75

horas cada e a professora P18 considerava pouco tempo para trabalhar Conteúdo e

Metodologia para todo o segmento do Ensino Fundamental. Ela se ressente porque “Agora só

tem UMA de 60h!” e a discussão deve incluir, também, a Educação Infantil. A redução de

carga horária de disciplinas que tratam, diretamente, do conteúdo e da metodologia de áreas

de conhecimento com que as docentes irão trabalhar na Escola Básica, tem sido motivo de

preocupação para professoras dessas áreas. Como professora que fui, na Escola Básica, como

professora de Estágio que sou na Universidade e trabalhando com formação continuada de

professores, percebo, assim como outras profissionais, que no Ensino Fundamental nas áreas

de Ciências e Matemática há uma lacuna que parece ser maior do que em História, Geografia

e Português.

104

Por exemplo, no Centro de Educação tem um laboratório de Ciências cujo espaço não

comporta uma turma, nem dá para guardar os artefatos utilizados nas aulas. P18 disse: _

“Você chegou aqui (na sala de estudos da professora) e falou: _ Ah, o laboratório aqui

(materiais estavam expostos nas prateleiras de um armário)”. Essa professora ressalta a

importância do trabalho teórico-prático: não basta só falar o que o futuro-professor deve fazer,

mas oportunizar a experiência como estudante, na perspectiva de realização do trabalho com a

criança, posteriormente. E complementou: Isso é material que eu compro, produzo, é material produzido por aluno durante as aulas. Talvez, durante

muito tempo não tenha tido no currículo, essa perspectiva da importância da prática experimental, essa

dimensão mais prática, mais concreta das ciências. Então a gente não tem uma sala com pia, com

material adequado para prática de laboratório, a não ser a sala 2, lá embaixo que é maior e acaba sendo

utilizada para disciplinas com número maior de alunos, como não pode deixar de ser. Eu já tive, com os

alunos, de ir lá para fora do prédio, para mexer com fogo, com produtos químicos, até porque a

disciplina de Ciências, para a Pedagogia, precisa despertar ESSE INTERESSE, RESGATAR A

CURIOSIDADE, que a escolarização parece que tira da gente!

A professora P16 falou sobre a visão de totalidade do ensino, a perspectiva de homem, de

sociedade, de Educação que a Didática vê e estuda. Mas a disciplina Didática continua com

60 horas de carga horária como era antes e quem trabalha com ela sempre considerou o tempo

escasso, para esse saber-fazer do ensinar-aprender e do aprender-para-ensinar. Ela disse: _

“Que fazer estou querendo propor?! É não trabalhar numa perspectiva de receitas com

elas”. Não de receitas, mas de aprender-a-saber-fazer para depois ensinar. Nesse sentido,

Garcia (1996, p. 31) sugere: “Podemos fazer outra leitura de seu aparente pedido por receitas,

identificando em suas falas o desejo de encontrar formas de melhorar a sua prática

pedagógica”. Quanto à relação com as demais disciplinas do período em que atua, essa

professora disse: Eu não tenho relação com as demais disciplinas. Essa é uma dificuldade que tenho aqui pela própria

estrutura da Universidade, do Centro. Não existe um momento de conversa, não existe uma organização

que propicie aos professores deste Centro (de Educação), pelo menos é o que eu senti, discutirem (suas

práticas). [...] (P16).

Segundo P1, nas disciplinas PEPPs já está sendo feita uma articulação desde o começo da

implantação do curso: É óbvio que frente à estrutura de desmantelamento do centro, de precariedade, muitas vezes, o

departamento não consegue nem ter um planejamento específico. [...] se hoje nós quisermos fazer um

planejamento estratégico, uma discussão pedagógica de quem somos, de que maneira vamos dar

105

organicidade a esse currículo, é praticamente impossível. Nós não sabemos quais professores vão ser

contratados no lugar dos que vão sair porque encerra o contrato. Eu não sei ainda qual demanda os

departamentos vão colocar. A gente teria que ter uma consonância interna estrutural [...]. A gente tem

um exemplo bem fiel, professor da Filosofia, da Psicologia, das Ciências Sociais, da Educação. Para esse

professor que, minimamente, conseguir fazer essa conjugação, ele vai se deparar aqui com dificuldade de

estrutura, porque eu posso até achar um lugar, um horário possível para os três que são do CE, mas não

necessariamente de forma a acomodar os três que estão vindo de outros departamentos, especialmente,

para dar aquelas disciplinas para o curso de Pedagogia. O envolvimento na educação é diferenciado

porque haveria de se ter grandes e muitos, muitos momentos formativos e debates pedagógicos não só

com o curso no qual ele está vinculado, mas frente aos departamentos que oferecem disciplinas para

esses cursos, também.

As disciplinas Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica I, II, III e IV (PEPP), incluídas na

nova matriz curricular, objetivam a aproximação com a escola e com sua prática. Para P12, É uma disciplina em que eles têm que ser autores, tem que ser protagonistas, isso que é diferente. Eu

falo: _ Agora é tarefa de vocês! Vocês é que têm a idéia dessa produção, não é? Sair um pouco desse

lugar de facilidade. O professor está ali, explica, ouve. Hoje até me aborreci com uns aqui; depois eu fico

com pena, mas você fala 500 vezes a mesma coisa e eles não escutam... é impressionante! Parece que

estão na 5ª série. Não escutam, têm o programa, eu falo isso, e escuto: _ Professora, que é isso? _ Isso

está no programa de vocês, no e-mail que passei, escrevi lá tudo como era para fazer, a organização [...].

_ Isso me impacienta!

Em sua experiência com a disciplina de Pesquisa, a professora P2 falou sobre a integração que

tenta fazer com os saberes das demais disciplinas: No semestre passado, no primeiro período, eu tinha uma preocupação de dizer para eles: _ Me parece

que a disciplina Pesquisa, da forma como eu trabalho, não ficou tão bem localizada nessa organização

curricular. _ Eu também estou aprendendo a ser professora de pesquisa, porque vocês não têm algumas

coisas básicas, e não tinham mesmo que ter, que no segundo período quando eu pegava essa disciplina,

os alunos já tinham, porque já haviam feito História da Educação, Filosofia, Sociologia. Então, eu falo

algumas coisas que vocês não viram ainda, mas vão ver. No segundo período, essa disciplina fica mais

fácil. Então, como vamos ver? Muitas vezes, eu penso o que vocês estão vendo em Filosofia, Sociologia e

vamos fazendo os nexos entre as disciplinas do período e dizia para eles: _ Isso aí, quando vocês viram

na disciplina, para ficar um pouquinho mais fácil... mas dá uma olhada, comenta com o professor o que

vocês estão vendo! Não estava fazendo nada tão especial, mas estava tentando facilitar a minha vida e a

deles. Isso confirma a nossa preocupação.

A importância das interações, em particular para realizar disciplinas novas como as PEPPs, é

esclarecida, pela professora P6:

106

Enquanto a gente não consegue articular os professores para uma política do centro, posso dizer o que

eu estou fazendo com as disciplinas PEPP; estou trabalhando com a III. Foram dadas a I e a II e aí a

gente acompanhou um pouco dessa disciplina e viu que o que estava sendo feito ainda precisaria ser

aperfeiçoado para se aproximar um pouco mais. Nesse início de semestre, sentamos com os professores

dessas disciplinas para discutir. A gente está envolvida com as Atividades Complementares, a não ser que

tenha um outro professor para ajudar a pensar o Trabalho de Conclusão de Curso. Para você ver, as

demandas são muitas e nós somos poucos. Nesse caso é o possível de se fazer no momento.

Essa professora relata sua experiência com a disciplina Pesquisa, Extensão e Prática

Pedagógica III (PEPPIII) e lembra que para desenvolvê-la, precisava saber o que tinha sido

trabalhado na I e na II, por outras professoras. Com isso, percebeu que houve uma

compreensão equivocada sobre essas disciplinas. Assim, na PEPP I e na II, as professoras

entenderam que era para as alunas escolherem o tema para fazer a pesquisa para o TCC.

Quando chegaram na III, a professora P6 falou: _ Não é isso! O TCC é mais para frente. A I (primeiro período) seria pegar os Fundamentos da Educação

e trabalhar com os alunos, trazer um pouco da prática junto com a teoria. Isso seria na Introdução, na

PEPPI e talvez na II. Na III, tem uma proposta de estudar, fazer pesquisa, ver concretamente na escola.

No ano que vem (2008) eu vou ficar com a responsabilidade pela II. Nela você estuda os sujeitos: a

criança, o adolescente, o adulto, entendeu? Tomar esse conhecimento e na III, quando demos este ano,

são as metodologias de ensino. Você vai ver nosso trabalho. Quem está no quarto período não teve dessa

forma. Eles ficaram só na pesquisa; em cada período começava um projetinho de pesquisa novo,

pensando no TCC. Agora não: eles fizeram uma pesquisa de fato e foram à escola.

Para evitar a repetição de situações como essas, P6 e sua colega da mesma disciplina tomaram

algumas decisões: Nós tomamos a decisão política de assumir essa disciplina, [...] porque estava saindo tudo fora dos eixos.

Então nós estamos construindo essa disciplina. Claro que a gente errou, não deu tudo certo como a gente

quis, mas resolvemos bolar um programa! Essa ementa vira um programa, para deixar, caso outros

professores novos que cheguem, não conheçam e pegarem, já tem alguma coisa feita. Estamos tentando

não perder esse eixo do nosso curso de Pedagogia, então eu vou pegar a II para construir essa base de

continuidade numa turma nova. Quem pegar depois vai ter idéia do que a gente estava pensando, vai

pensar nessa articulação, mas tudo tem uma lógica! Porque EU PARTICIPEI DA ELABORAÇÃO!

(ênfase).

Portanto, atuar numa perspectiva emancipatória implica a promoção de um diálogo

intercultural entre departamentos, docentes, discentes, escolas, na perspectiva de fazer

proliferar comunidades interpretativas, cujo topos é “um conhecimento prudente para uma

vida decente”. E, assim, criar subjetividades inconformadas e combativas, que não se

107

acomodem aos modos de ser-saber-fazer da modernidade, mas que busquem, nesse mesmo

espaçotempo em que atuam, possibilidades de viver melhor, de trabalhar e de produzir saberes

solidários.

2) A Intra-inter-transdisciplinaridade

Só uma perspectiva emancipatória, imbuída do princípio da comunidade, da racionalidade

estético-expressiva e da racionalidade moral-prática, possibilita um processo de integração

como o que o PPC propõe, ou seja, um trabalho interativo entre professores, alunos,

disciplinas, funcionários, departamentos, núcleos, instituições. A professora P5 assim se

expressa: “Eu tenho uma expectativa de que, talvez, se todos nós percebermos essa

(necessidade de) integração maior entre as disciplinas, a gente também vá ao encontro do

outro, que está tão escondido, tão oculto para a maioria de nós. Essa é a expectativa que eu

tenho: que a gente possa perceber melhor esse outro”. As alunas, também, percebem que há

relação entre as disciplinas e dizem: O curso de Pedagogia é interdisciplinar, pois todas as matérias falam de todos os assuntos (A).

[...] uma matéria lembra outra; elas são bem associadas (A).

A gente aprendeu em Filosofia, Sociologia uma vai para um lado e a outra vai para outro, mas é o

mesmo tema, se juntar passa a ter uma mesma idéia (A).

Desse modo, discentes vão identificando saberes-fazeres-poderes próprios da profissão

docente e suas relações com outros saberes, bem como as possibilidades de se realizar um

trabalho intra-inter-transdisciplinar. Nessa perspectiva integradora, Cunha (1998, p. 69)

afirma que “[...] os próprios estudantes pressionam a interdisciplinaridade forçando os

professores a pelo menos se inteirarem do trabalho de uns e de outros”. A professora P14

corrobora a posição dessa autora dizendo: “Isso quem tem feito são os alunos; infelizmente os

professores não têm feito. Eu, como professora substituta, talvez tenha mais dificuldade”. E

continua dizendo: “Acho que faltam encontros, planejamentos coletivos! Como a gente vai

trabalhar esse assunto [...]. Falta espaço-tempo para falar sobre planejamento, sobre alunos.

Às vezes a gente conversa no corredor: _ Ah, sabe o Fulano, está com esse problema. Por

que não tem espaço para falar disso?!”. Para as docentes, falta vivência cotidiana como

numa comunidade interpretativa; faltam oportunidades de socialização das concepções, dos

conflitos, para uma maior inteligibilidade do PPC, caso contrário, sua realização pode

continuar como na perspectiva anterior. As discursividades de alunas indicam que há

professores que ainda trabalham referindo-se, somente, ao Ensino Infantil ou ao Ensino

108

Fundamental, sem integrar todas as dimensões da formação, ou seja, a tríade, já que vai

formar o pedagogo generalista.

A professora P14 explicita a integração, um princípio do novo currículo, que deve ser

trabalhado na perspectiva intra-inter-transdisciplinar: Eu já falei da articulação que os alunos fazem com as outras disciplinas e a relação que fazem com as

escolas do Ensino Fundamental. O que eu acho, às vezes, ruim é a maneira que isso aparece muito

generalizada, até pessimista do cotidiano escolar. E eu dizia sempre que eu era muito otimista e

começava a mostrar que tem muita gente que faz a escola e faz bem-feito. Muitas crianças estão

aprendendo, sim! Eles trazem um retrato do cotidiano assim: _ Professora, olha só o que eu trouxe! Um

aluno da 8ª série! Olha só como ele está escrevendo! E ele foi aprovado! E começava a polêmica na sala

e todo mundo desacreditado porque professor desvaloriza professor e eu falava: _ Gente, verdade, tem

esses problemas todos e eu resgato [...] o problema não está no professor só, no aluno só, no material

didático. São múltiplos problemas, é muito complexo para generalizar. E eu problematizava mais: _

Vocês já pensaram sobre esse ponto? E sobre esse outro? O que tem por trás disso tudo? Por que tem

isso envolvido? Foi muito legal!

Sobre a possibilidade de se fazer a aproximação, inclusive dentro do próprio CE e não só com

a escola, P10 disse que no semestre anterior, trocou e-mail e mandou seu programa para o

professor de Filosofia, ele mandou o dele para ela e fizeram uma adaptação. “_ Ah, o ano que

vem a gente vai fazer melhor! Mas, aí eu não dei aula para a mesma turma que ele,

infelizmente!”. Conforme a professora, com a experiência que teve no 1º período de

Pedagogia, no seguinte, se trabalhasse com a mesma disciplina iria aprimorar: “De repente, já

teria conseguido conversar com os professores das outras áreas. [...]”. O currículo novo

exige uma articulação maior entre as disciplinas para poder dar conta, talvez, do que se pensa

realizar da proposta e, também, do professor que se quer formar, o professor investigador que

reflete sobre sua própria prática. A professora P7 explica: Vai sendo feito tudo, simultaneamente, um alimentando o outro. E a gente vai vendo o que é possível

fazer no momento. É claro que há ações que nós precisamos ter e quando você coloca do contato dos

professores com os outros centros e da necessidade de fazer isso, mas não deu tempo ainda [...].

3) Comunidades necessitam encontrar-se

[...] as comunidades interpretativas são comunidades políticas. [...] cujo desabrochar emancipatório consiste numa interminável trajectória do colonialismo para a solidariedade própria do conhecimento-emancipação (SANTOS, 2002, p. 95).

109

Os momentos de encontro propostos pelas participantes desta pesquisa devem contribuir para

a formação de comunidades interpretativas e, consequentemente, para a proliferação de

solidariedades. O processo de socialização no CE é tão importante para o professor como para

o aluno e é citado e requisitado por ambos. Possibilita a inserção e a integração nos grupos,

nos contextos, fluidifica fronteiras, aproxima e provoca encontros. As professoras P13 e P16,

ambas substitutas, narram sua chegada ao CE: nos departamentos, receberam a ementa e o

horário e começarem a trabalhar. Não houve uma apresentação, uma interação com o Centro,

com os departamentos, com os professores, nem um momento pedagógico, segundo elas. No

entanto, o novo currículo tem a característica de promover a integração, a interface entre

disciplinas, professores, alunos, escola básica. P4 explicita isso: Eu acho que é preciso até forçar esse movimento. Não sei se a gente tem conseguido dar conta dele

nessas condições de trabalho. Agora é uma característica desse currículo! Por exemplo, eu antes estava

na Educação Infantil, na habilitação, lá naquele lugarzinho da Educação Infantil, esse era o posto.

Agora, além de trabalhar no interior do curso com Educação Infantil, estou com a responsabilidade

também de provocar os meus colegas nessa discussão. Quando a gente tem encontro de planejamento do

centro, por duas vezes já fui chamada a falar desse desafio e também para o encontro da ANPAE,

discutir o curso, falar desse desafio da infância, da Educação Infantil, das interfaces... Esse movimento

tem acontecido.

À medida que cada um sai do seu lugar próprio, transita por não-lugares, descobre que existe

o ”outro” e, assim, vê possibilidades da ocorrência de encontros periódicos de caráter

pedagógico, propostos pela totalidade das professoras participantes deste estudo. Isto se torna

possível, pois fronteiras são deslocadas, diferenças são reconhecidas e identidades afirmam-

se. Quanto mais as fronteiras ampliam-se, mais estratégico torna-se o conceito de fronteiras

(RIBEIRO, 2002, 481-2). Nesse sentido, P18 argumenta: Quando eu estava na escola, a cada dois meses tinha os conselhos de classe, os professores se

manifestavam, a gente fazia proposta de ação, de intervenção, propostas pedagógicas. Hoje a gente não

tem nada que se assemelha, não tem como saber se está atingindo os objetivos com os alunos. Eu acho

que a cada início de período, se os professores de cada turma pudessem se encontrar, planejar em

conjunto, traria um rendimento muito grande para o trabalho, concretizaria essa proposta de formação

que se pretende generalista, interdisciplinar, integrada e daria mais materialidade para esse currículo.

Segundo P12, para se ter uma relação mais participativa “[...] o professor tem que se

organizar melhor. Fica difícil essa relação porque cada semestre tem um professor! No

semestre passado teve uma reunião geral dos professores e conversamos. Nesse semestre

conversei só com o professor que divide (a disciplina) comigo [...]”. Essa professora perdeu o

110

contato com o colega, embora os dois trabalhem com alunos do mesmo período, no mesmo

horário, mas não se vêem e isso pode comprometer a concepção-realização da disciplina

PEPP. É necessária a interação horizontal com os professores que atuam no mesmo período,

para desencadear um processo intra-inter-transdisciplinar de trabalho. P12 fala de sua

tentativa integradora, que acontece “[...] de maneira muito embrionária, precária, dentro da

sala mesmo, por exemplo: _ Em Filosofia, vocês viram isso! Trazer o relato da experiência

do aluno, mas uma coisa bem simples. Contato com os demais professores, eu não tenho, pois

estou aqui poucas vezes por semana”. Para planejar coletivamente, socializar experiências é

preciso incluir espaço-tempo para esses momentos na distribuição de horários. Nesse sentido,

P2 ressalta com muita ênfase e compromisso, questões relativas ao tempo e à autonomia:

E veja! A gente diz assim: _ Ah! A escola não faz porque não tem tempo, não tem organização. Nós

teríamos, como? Eu diria: _ NÓS TEMOS! Nós temos maior possibilidade do que a escola; comparando

temos maior autonomia sobre nossos fazeres que a escola, eu acho! Por mais loucos que nós estejamos,

nós não temos de dizer assim: _ A pedagoga não deixou, o diretor não deu o material, Vigotsky não pode

passar na porta. Não é o nosso caso! [...] Temos as disciplinas integradoras ao longo do semestre, que

nos possibilitariam isso! Que nos possibilitariam esse trânsito! Então você diz assim: _ Nós temos as

disciplinas de 60 horas; vamos fazer 40 horas na escola e juntos; os professores por semestre teriam 20

horas para fechamento. Muitas vezes é uma coisa interessante!.

A professora P2 reafirma a questão do tempo fazendo uma proposta de flexibilização das

ações: Eu creio que nós, otimistamente falando, AINDA TEMOS TEMPO. [...]. Não digo de uma avaliação, mas

de processo de acompanhamento dos alunos e das práticas: como foi, pensar isso para o ano que vem.

Temos um calendário mais flexível, temos dezoito semanas, mas nossas disciplinas cabem em dezesseis!

Sabe o que acontece (em relação à parte pedagógica do CE)? Hoje o colegiado se tornou uma instância

burocrática, como se tornaram as reuniões de departamento, de câmara de graduação, por exemplo, esse

ponto alto das reuniões, virou uma instância de decisão BUROCRÁTICA! Não que não deva acontecer,

mas logo agora, com novos departamentos, por exemplo, acho que é uma questão que se coloca para

nós: é um momento de mudança, mas é um momento interessante. Quem sabe até de organização

enquanto departamento responsável por um conjunto de disciplinas?! Quem sabe dinamizar essa coisa,

já que tudo vai ser novo, vamos fazer como prática também, alternativa de departamento?! Os espaços

existem, o respirador, mas a gente precisa achar, senão vai continuar sufocado!

Suas sugestões para ocorrência de encontros de planejamento, de discussão, de avaliação

sobre os processos de realização do currículo, do ser-saber-fazer-poder docentes implicam

vivência como uma comunidade interpretativa, que assume uma nova concepção de ciência,

111

respeita a pluralidade e incentiva a heterologicidade entre todos. Percebe-se, portanto, a

importância do trabalho com base no princípio da comunidade, tão esquecido pela

modernidade. A professora P15 considera uma posição contraditória, implantar um currículo

que privilegia a integração e manter a organização departamental, na reestruturação do CE: [...] Acho um pouco paradoxal a gente ter um currículo que está tentando uma integração e ter uma

organização didático-administrativa por departamento ainda e de uma maneira CLÁSSICA, fechada.

Parece que ainda não conseguimos perceber que a reestruturação do ponto de vista curricular, também

tem a ver com a reestruturação do ponto de vista da gestão! Eu acho que a gente vai ter que fazer em

breve uma avaliação sobre isso porque a gente tem resultados. Estou trabalhando com o terceiro

período, Introdução à Gestão Educacional e com essa mesma disciplina no oitavo período (currículo

antigo). A avaliação que eu faço é: Não sei se ela tem que estar aí (no começo do curso).

Portanto, o modo de organização administrativo-pedagógico do CE não propicia o encontro

segundo o depoimento de muitas professoras, embora desejem e façam o esforço para

integrar-se. É possível que a existência de uma sala de professores coletiva, ajudasse de

alguma maneira nessa aproximação: a passagem por lá, contribuiria para humanizar as

relações, as pessoas se verem, trocarem idéias. Uma sala assim seria um não-lugar, uma

instalação necessária à circulação acelerada das pessoas, como são para a maioria, no próprio

centro, os departamentos, os núcleos, a biblioteca, a cantina, o banheiro, os corredores. Nesse

sentido, Linhares (1997, p. 139) afirma que “A circulação de poderes e a invenção de lugares

obedecem a uma cartografia que se define e se redefine permanentemente, movida por

práticas sociais conjugadas, por discursos que as permeiam”.

Fala-se que a escola trabalha desvinculada, fragmentada, a Educação Infantil não sabe do

Ensino Fundamental, a Universidade não sabe do Ensino Médio e vice-versa e, na prática,

todos deveriam trabalhar juntos, por meio da ecologia de saberes-fazeres-poderes, utilizando

os procedimentos da sociologia das ausências e das emergências, buscando, assim, o diálogo

intercultural pela hermenêutica diatópica. No entanto, na formação superior, alunos, também,

percebem o trabalho realizado de modo desvinculado e fragmentado, conforme o paradigma

moderno de ciência que ainda predomina. Sem questionar razões, no sentido da própria

estrutura institucional e da própria concepção de ensino-aprendizagem que perpassa a

formação, à medida que muda um currículo, é preciso (re)significar conceitos de ensino,

aprendizagem, de profissional, de sociedade, de escola, de relações, etc.

112

4) A relação discente com a Escola Básica

A relação discente com a Escola Básica, de acordo com a professora P8, constitui uma

atividade muito interessante, conforme tem realizado com seus alunos: Por exemplo, a gente tem feito algumas experiências de pedir às alunas que voltem às escolas onde

estudaram, observem e nos relatem, fazendo uma análise da mudança, principalmente, geográfica e isso

enriquece muito o fazer delas porque conseguem visualizar com o antigo olhar de criança, ingênuo: _ O

pátio parecia tão grande! Olha que oportunidade bárbara que tenho para explorar a Geografia aí,

pensando as noções de espacialidade construídas na infância. Elas falam assim: _ Minha escola está

mais bonita agora, porque passou para o município e ele cuida mais! E a gente tem a oportunidade de

trabalhar a temporalidade e a questão dos efeitos da sociedade sobre a organização institucional.

Esse tipo de trabalho lembra a presença barroca no processo de produção de subjetividades,

em que a surpresa e a reflexividade fazem-se presentes, perpassadas pela emoção e

ludicidade, como ocorreu com as discentes, numa oportunidade de fazer aflorar a

sensibilidade, a ética, a estética que deve permear todo processo formativo.

5) As ênfases

Continuando a tentativa de explicitação do pensamento docente acerca do novo currículo,

outra questão levantada pelas docentes diz respeito às ênfases que podem ser incluídas na

matriz curricular, conforme as Diretrizes Nacionais. Nestas, as habilitações foram excluídas,

porém, foram abertas possibilidades de direcionar o ensino para “ênfases” na formação,

oferecidas conforme a realidade e as condições de cada curso. Essas ênfases seriam, assim,

como portas para abrir outros possíveis caminhos, conforme interesses pessoais em se dedicar

a determinados campos educacionais. Segundo as Diretrizes do CE/UFES (2006), essas

ênfases serão definidas

Dependendo das necessidades e interesses locais e regionais, bem como da disponibilidade do quadro de docentes da UFES em termos de suas áreas de formação, pesquisa e extensão, neste curso, poderão ser, especialmente, aprofundadas questões que devem estar presentes na formação dos educadores, relativas, entre outras, educação a distância; educação de pessoas com necessidades educacionais especiais; educação de pessoas jovens e adultas; educação étnico-racial; educação indígena; educação dos remanescentes de quilombos; educação do campo; educação hospitalar; educação prisional; educação comunitária ou popular. O curso será oferecido nos turnos matutino e noturno.

Há alunas que se interessam pela Pedagogia Empresarial, que não é foco do curso da UFES,

embora os conhecimentos nele adquiridos possam ajudar na realização de funções em outras

áreas pedagógicas que não sejam as escolares. P3 explica:

113

[...] não é uma vertente da UFES, mas há alunas que têm interesse nessa área. Então o caminho é buscar

fora daqui. A ênfase também elas têm que escolher entre o que for oferecido aqui! Nesse caso de

Pedagogia empresarial [...] respondi o seguinte: _ O nosso curso de Pedagogia é uma licenciatura.

Certamente muitos conhecimentos que o aluno consegue ter aqui poderão ser úteis numa empresa, no

entanto, essa não é a tônica. Isso é uma opção, por ser licenciatura, por ser uma instituição pública! _

Ah, mas eu gostaria! _ Nosso curso não tem esse perfil.

Sobre isso, P2 ressalta a escolha e a decisão mais significativa que o CE deve fazer: Mas eu acho, que [...] precisamos pensar as ênfases nessas 800 horas, senão corremos o risco de

fragmentar e elas serão sempre um pouco e nada, e ao final você diz assim: _ Aumentou, melhorou,

porque um curso mais longo pressupõe mais qualidade. [...]. O nosso aluno já pode fazer o vestibular

sabendo que aqui, a nossa ênfase (opção) é a escola pública brasileira. Se ele tem outras pretensões,

pode fazer vestibular em instituições que oferecem essas ênfases ou então, quando terminar o curso, fazer

pós-graduação porque o mercado está oferecendo.

A professora P7 fala sobre as possíveis decisões dos alunos, quanto às escolhas que poderiam

fazer: “A gente tem aí um currículo, na verdade uma grade curricular estabelecida, mas existe

também a possibilidade do aluno fazer escolhas ao longo do curso! Pelo menos para iniciar, o

Trabalho de Conclusão de Curso traz uma contribuição nesse sentido e as ênfases, também. Ele pode

ir escolhendo um caminho, uma área e começar por ela. Eu acho que vai ter que ser assim”. A

escolha da ênfase vai depender da oferta do Centro que nem sempre corresponde aos

interesses dos discentes. É uma escolha relativa, porque vai ser ofertada como optativa e/ou

seminário, conforme o CE puder ofertar. P7 continua: Por conta das habilitações temos Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, que parece que são

possibilidades para ênfases nesse momento. Agora, pensando a Educação Infantil e o Ensino

Fundamental, tendo em vista a nossa predileção de ofertar como habilitação básica as séries iniciais do

Ensino Fundamental, eu acho que aí, a coisa está um pouquinho mais sedimentada apesar dos desafios a

vencer, ainda. Agora, a Educação Infantil em termos da preparação desse profissional, traz mais

desafios. Não porque não tenha professor da área da Educação Infantil, mas é pelo fato dos conteúdos

terem que perpassar todas as disciplinas.

Devido à abertura curricular, o aluno poderia fazer escolhas, decidir seu percurso de

formação, porém, é quase impossível concretizar alguma escolha que desvie da matriz

curricular, porque, contraditoriamente, ela continua hermética e engessada. No entanto, P4

considera que está sendo formada outra cultura e demora, para que as pessoas entendam,

aceitem e trabalhem de acordo com o proposto, pois o novo assusta. Ela explica: “O aluno vai

ter possibilidade de escolhas ao longo da carreira, aprofundamento de estudos, por isso essa

114

lógica da pesquisa. Esse curso apresenta grandes desafios e não só da formação inicial, mas

da formação continuada.” Por exemplo, se o interesse do aluno refere-se à Educação

Especial, há poucas disciplinas nessa área na matriz curricular, portanto, ele terá que fazer

uma especialização, posteriormente. Essa ampliação do curso abrangendo todas as áreas de

atuação parece que dificulta “preparar” o estudante, para atuar em todas as frentes. Nesse

sentido, trago uma pergunta de Linhares (1997, p. 105) para refletir: “Quais as funções novas

a serem pedidas ao novo professor, novo orientador, novo supervisor, novo administrador, em

nome da escola necessária, reclamada pelas classes majoritárias da sociedade brasileira?”. Eu

continuo com perguntas: elas corresponderiam às exigências que se apresentam no cotidiano

escolar? A formação está atenta a essas exigências cotidianas?!

O papel do colegiado na definição das ênfases é destacado pela professora P11: [...] a coordenação do curso é extremamente importante para definir ênfases, (conforme as condições que

tem para ofertá-las) para agregar e congregar os diferentes profissionais e também formar a construção

da identidade desse profissional, que está em diferentes departamentos. São profissionais substitutos que

têm uma passagem temporária por aqui e ficam por até 24 meses. Nesse tempo tem que ter uma instância

interna que vai fazer essa agregação, que vai integrar esse profissional à lógica (do curso). Então, estou

querendo colocar que a instância responsável pela construção dessa articulação deve ser o

COLEGIADO DE PEDAGOGIA. (afirmação enfática). Mas, para isso o colegiado precisa ter um PRO-

JETO político de formação!

Numa comunidade interpretativa, essa articulação deve ocorrer em decorrência do

procedimento da ecologia de saberes e de práticas que incita a ação cooperativa, porque

ultrapassa fronteiras, desloca centros de poder. Segundo a professora P2, há uma

multiplicidade de fios a serem puxados quando se fala em alfabetização, porque esta não se

restringe apenas a ensinar a ler e a escrever como antigamente, mas considera especificidades,

possíveis ênfases, nessa aprendizagem: [...] nós temos uma outra (responsabilidade): a alfabetização. Por isso, eu diria que passa por todas as

outras questões (ênfases): a bilíngüe, se ela for indígena, pela questão da criança com necessidades

especiais, com deficiência, dos jovens e adultos. Não que a alfabetização seja a panacéia de todas essas

coisas, mas se eu quiser pensar questões básicas da Alfabetização I e II e aprofundar isso, mais 200

horas, mais três disciplinas, mais estágios, mais experiências, acho que seria importante para o

pedagogo, para o gestor.

Essa professora demonstra clareza e segurança quanto à sua opção educacional: Então, a gente tem que fazer escolhas e, eu não tenho a menor dúvida: a escolha é pela escola pública. O

resto pode vir por acréscimo. Uma outra escolha que eu não sei se está perpassando as disciplinas de

115

pesquisa e prática pedagógica, seria ir formando esse profissional que tem o olhar investigativo sobre a

sua própria prática e sobre a prática coletiva, [...]. O que se está fazendo para formar essa atitude

investigadora na ação? Porque as disciplinas são cinco (no semestre)! _ Nossa! Teria tudo para fazer!

Quando eu ouço os alunos, eu fico com a sensação de que não está fazendo! (P2).

Seria assim, um agir conforme as epistemologias do Sul, desfazendo silenciamentos,

desigualdades na perspectiva de “abertura-de-fronteiras” e não de fechamento.

6) A estrutura administrativa

A estrutura administrativa da Universidade, ao mesmo tempo, que possibilita a realização do

currículo dos cursos, também, limita as ações do colegiado e dos departamentos. Sobre isso

P3 questiona: A gente tem uma carga horária mínima para cumprir pelas Diretrizes Nacionais. Uma coisa que tenho

discutido na Câmara de Graduação e não estou sozinha, inclusive na questão dos dias letivos e da carga

horária é quanto aos prazos e interesses do Departamento de Recursos Humanos (DRH). Eles abrem

concurso para professores nos dias que querem e não, necessariamente, quando nós precisamos. O

próprio calendário da UFES define que a distribuição de encargos docentes vai se dar na época tal, o

DRH faz antes, a gente não tem a demanda ainda e coisas desse tipo.

Para essa professora, questões administrativas acabam sobrepujando questões de ensino. Ela

assim se expressa: O ensino está a reboque. Outra questão que tem a ver com nosso caso é, por exemplo, não podermos

começar o semestre letivo antes. A UFES nos diz quando o período letivo vai começar! E a gente quer

reverter isso. Por quê? Porque se a gente tem um ano letivo mais longo, nós teremos possibilidade de

fazer um calendário mais maleável, entendeu? Estou apostando nisso! Não sei exatamente que formato

isso vai ter. Como a carga horária está diretamente ligada a dia letivo, eu vejo que não faz sentido

comprimir uma carga horária pesada em poucos dias letivos, podendo colocar isso de uma maneira...

(P3), mais elástica, complemento.

Segundo a professora P11, o colegiado exerce um papel importante como articulador de

processos, de modo a dinamizar a realização das orientações propostas no PPC (2006): Penso que o colegiado tem esse papel de articular a política, de agregar as diferentes pesquisas que vão

possibilitar esse tipo de acompanhamento [...] porque ele é grande, não atende só à Pedagogia. Por isso

alguém tem que articular o processo de avaliação desse currículo ouvindo os alunos, os professores, os

egressos desse curso. Historicamente, a gente espera a política chegar, os prazos que vão prorrogar,

aquilo que vai mudar e, só aí, corre atrás para se adequar. Na verdade, a gente tem adotado uma prática

de adequação ao que está estabelecido e não uma prática criativa, no sentido de analisar, avaliar,

propor.

116

Diversas professoras ressaltam a necessidade de um espaço de discussão para ampliar a

compreensão sobre aspectos curriculares, tarefa que não compete apenas ao Colegiado, mas a

toda a equipe, enquanto comunidade participativa e plural. P11 explicou: “Tem que ser um

espaço integrador das disciplinas trabalhadas no currículo”. No entanto, às vezes, essas

disciplinas são ministradas por professores substitutos, de outros departamentos, que não

participaram da elaboração e que desconhecem a proposta de currículo e de formação, o que

pode comprometer sua realização. Essa professora explicita: A coordenação do curso de Pedagogia é a instância responsável de puxar esse tipo de política. A

coordenação do colegiado não pode ser uma instância puramente burocrática e técnica; também é

definidora da criação e da articulação desses espaços pedagógicos e não pode funcionar apenas numa

dimensão administrativa e burocrática. Ela exerce um papel fundamental que é promover as reflexões

que precisamos hoje, não só com relação a essas disciplinas, mas sobre a realização dos estágios e que

ultrapassem eventos que falam do que é feito! Mas, sim, DAQUILO QUE PRECISA SER FEITO (ênfase)

enquanto política!

Seria, então, uma atribuição do Colegiado, articular, conduzir, exercer um poder, quase

pastoral em relação ao curso?! Segundo Foucault (apud DREYFUS; RABINOW, 1995, p.

242), o poder “É uma forma de governo que faz dos indivíduos sujeitos”52 e, o exercício do

poder, não se restringe a uma relação entre “parceiros” individuais ou coletivos, pois “[...] só

há poder exercido “uns” sobre os “outros”; [...]”. Uma relação de poder não é uma relação de

violência, pois a violência “[...] age sobre um corpo, sobre as coisas; [...] fecha todas as

possibilidades; [...] (idem, 1995, p. 243). No entanto, Uma relação de poder, ao contrário, se articula sobre dois elementos que lhe são indispensáveis por ser exatamente uma relação de poder: que o “outro” (aquele sobre o qual ela se exerce) seja inteiramente reconhecido e mantido até o fim como sujeito da ação; e que se abra, diante da relação de poder, todo um campo de respostas, reações, efeitos, invenções possíveis (idem, 1995, 243).

Na relação de poder, não há, pois, um confronto entre poder e liberdade, mas sim, um jogo

complexo, pois a liberdade surgirá como condição de existência do poder, ao mesmo tempo,

que se constitui como uma precondição, pois é necessário que haja liberdade, para o poder se

exercer (DREYFUS; RABINOW, 1995, 244). É importante lembrar que o poder não é só

negatividade; ele “[...] possui uma eficácia produtiva, uma riqueza estratégica, uma

positividade” (MACHADO, apud FOUCAULT, 1999, p. XVI). Se ele só reprimisse não seria

obedecido, portanto, “[...] ele não pesa só como uma força que diz não, mas [...], produz

52 “Há dois significados para a palavra sujeito: sujeito a alguém pelo controle e dependência, e preso à sua própria identidade por uma consciência ou autoconhecimento. Ambos sugerem uma forma de poder que subjuga e torna sujeito a” (FOUCAULT, apud RABINOW; DREYFUS, 1995, p. 235).

117

coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve-se considerá-lo como uma rede

produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa que

tem por função reprimir” (FOUCAULT, 1999, p. 8).

É necessário, então, “[...] parar de sempre descrever os efeitos do poder em termos negativos:

ele ‘exclui’, ele ‘reprime’, ele ‘recalca’, ele ‘censura’, ele ‘abstrai’, ele ‘mascara’, ele

‘esconde’” (MACHADO, apud FOUCAULT, 1999, p. XVI). Na verdade, o que interessa,

“[...] não é [...] impedir o exercício das suas atividades, e sim gerir a vida dos homens,

controlá-los em suas ações para que seja possível e viável utilizá-los ao máximo, aproveitando

suas potencialidades e utilizando um sistema de aperfeiçoamento gradual e contínuo de suas

capacidades” (MACHADO, apud FOUCAULT, 1999, p. XVI). Nesse sentido, é importante

lembrar que numa perspectiva emancipatória de Educação, os participantes deveriam agir

como numa comunidade interpretativa, como propõe a ecologia de saberes e práticas, criando

condições para revelar incompletudes, diferenças e encontrar caminhos para estabelecer e

realizar as políticas desejadas pelo centro, por meio do exercício de poder partilhado.

7) O calendário

Determinações dessa natureza, como um calendário letivo, revelam a questão da regulação

nos processos institucionais. Mesmo uma realização curricular que perspectiva a

emancipação, está sujeita à ação do poder no controle e no fortalecimento de fronteiras que

limitam as ações dos praticantes. A realização curricular não acontece somente na sala de

aula, mas em diferentes espaços sociais, em múltiplas dimensões, envolve questões

funcionais, relacionamentos institucionais, entre outros. P3 expõe sobre o calendário: E aí, o que acontece? Contraditoriamente, a gente tem semanas letivas apertadíssimas,

concentradíssimas e, antes do final do período letivo, a gente já terminou! É um contrasenso! Isso está

completamente desajustado. A carga horária de cada uma das disciplinas em função desse tempo letivo

tem que ser revista. Eu não sei como a gente ainda fez projetos de curso sem se dar conta disso. [...]. São

200 dias letivos a cumprir e a gente não cumpre isso! [...] Essa é uma questão muito séria. Deixa eu falar

sobre entrada e saída. Nós temos um ritmo de trabalho aqui, professor que dá aula aqui e lá fora, um

ritmo que é tradicional na Universidade.

Percebe-se que há esforços, desejos, movimentos por parte do colegiado de curso no sentido

de encontrar experiências possíveis e disponíveis, modos descolonizadores de realização

curricular, o que não é fácil porque depende de muitos fatores, internos e externos. A questão

118

da carga horária total do curso, carga horária diária e semanal aparece muito fortemente nas

falas, principalmente, das alunas. O curso passou para 3410 horas, as aulas semanais

funcionam de sete as doze, sendo que são quatro aulas corridas, de 7 as 11 e outra de 11 as 12

horas. As artimanhas do tempo têm provocado inúmeros problemas para professores, alunos e

colegiado. Discentes explicam: “_ Quem trabalha precisa sair e quem não trabalha sai,

também. Se não saem, quem trabalha fica prejudicado porque perde aula”. Seria uma saída

solidária por parte de alguns. As alunas não gostam de ter aula a manhã inteira com um

professor, somente. Para o docente, também, ficar com uma mesma turma de sete as onze,

quatro horas seguidas, não é fácil. A aula precisa ser muito diversificada e dinâmica. Alunas

afirmam que, nem elas, nem os professores agüentam; seria mais proveitoso, se as aulas

fossem divididas em dois dias.

Em função da problemática de horário, P17 propõe que haja uma linha de ação mais ou menos

homogênea dos professores, não para serem iguais, mas para que haja um eixo de ação e essa

é uma das razões da existência do currículo. Seria, assim, a realização permanente de uma

hermenêutica diatópica, que possibilite o diálogo intercultural, a compreensão das

incompletudes, a tradução dos problemas considerando diferentes escalas e a emergência de

subjetividades barrocas, que privilegiem a solidariedade e alimentem a emoção e a ludicidade.

Essa professora considera que deveria haver “[...] integração de professores visando

ATITUDE próxima, cada um com sua autonomia [...]”. Segundo ela, a existência de uma

linha de ação coletiva, de princípios norteadores da ação pedagógica que orientassem a

conduta docente-discente poderia ajudar na melhoria desse problema.

8) A reestruturação do CE

Paralelamente à implantação do currículo novo, deu-se a reestruturação administrativa do CE.

“A discussão de reestruturação do curso vem se dando há um certo tempo e a comissão é

nomeada em portaria de 2003; é uma comissão representativa dos três departamentos e com

representante discente. Houve a condição de fazer uma escuta mínima às agências

empregadoras, secretarias municipais, estaduais, uma escuta de egressos...”, segundo P1. A

reestruturação do CE coincidiu com a mudança e a implantação do currículo novo do curso. É

possível que tenha interferido na realização curricular e que possa ou não, advir benefícios

dessas mudanças administrativas e pedagógicas. “Eu acho que estamos vivendo muitas

119

mudanças ao mesmo tempo de tanto caos, [...]”, fala P1. Para essa professora, o mais

significativo na reestruturação, e algumas professoras concordam com ela, é estabelecer [...] uma eqüidade entre os departamentos. Uma tentativa em distribuir o trabalho de maneira mais

racional, para que os três departamentos consigam ter uma distribuição e uma vinculação com as

licenciaturas, para não ficar um departamento com certa predominância. Pela proposta os três teriam

um contato específico com certas licenciaturas, não é? Os três departamentos trabalham com o curso de

Pedagogia. Você tem nessa proposta uma tentativa de integrar disciplinas mais teóricas com disciplinas

mais práticas, que antes tinha quase um fosso: era um departamento eminentemente teórico, o outro

eminentemente prático.

A docente P18 considera positiva a reestruturação, porque [...] ajuda para que a gente torne mais ágeis as discussões. Outro aspecto, são os departamentos serem

organizados por meio de áreas. Todas as áreas do currículo estão lá no departamento de Teorias

Educacionais. Então, lá está o pessoal da Física, da Química, da Matemática, dessa parte da Ciência,

ficaram concentrados ali. Lá no outro estão todos das Ciências Sociais; das Linguagens ficou todo

mundo agrupado no outro. Então, nas GRANDES ÁREAS que compõem o currículo da escola básica, é

possível que a gente consiga ter um diálogo para propor uma ação conjunta [...].

A importância da reestruturação, para a professora P8, está muito voltada para as questões

relacionais, integração entre pessoas e ações que é uma reivindicação constante no discurso

das docentes, no que concerne à realização curricular: Eu parto do seguinte princípio: só da gente se reagrupar de uma maneira diferente, haverá forçosamente,

quer queiramos ou não, uma oxigenação das nossas práticas e dos nossos saberes. Vamos ter que

dialogar com pessoas com as quais temos costume de conversar, de trocar figurinhas, mas não

sistematicamente, nem cotidianamente e passaremos a fazer. Eu acredito que haverá ganhos para o curso

de Pedagogia numa dimensão em que o arranjo foi pensado para aglutinação de pesquisa e estudos mais

próximos e não apenas administrativos, professores que trabalham com a mesma espécie de disciplina.

[...].

Algumas professoras acreditam que no projeto de reestruturação deveria ter sido pensada a

possibilidade de criação de espaços alternativos, como salas-ambiente, especialmente, para

algumas áreas de estudo, como Artes, Ciências, Matemática, pois são relatadas dificuldades

encontradas para realização do trabalho docente-discente. Segundo uma participante da

pesquisa, em escolas do Ensino Fundamental há salas-ambiente que, em muitos casos, não são

utilizadas devidamente; uma das razões pode ser o fato de as docentes não terem vivenciado

esse espaço na formação. As professoras-formadoras compartilham da mesma opinião,

também, no que concerne à falta do elemento pedagógico nas reuniões, num curso que é de

120

Pedagogia. Seria, pois, agir como uma comunidade compartilhada, como se propõe que a

Escola Básica o faça.

A professora substituta P12 levanta a questão relativa à gestão, que de acordo com sua

opinião, é um ponto muito delicado da administração: “Eu acho que o grande problema da

UFES é gestão, faltam gestores. A gente tem a imagem de que gestor é só para empresa

privada. Mas aqui acho que você vê muito dinheiro e material humano mal utilizado. Creio

que não só na UFES, mas minha experiência é com a UFES, não é? Eu vejo crônico o

problema de gestão [...]”. P17, também, se refere à questão administrativa e relacional: Eu acho que (melhorou) sim, no que tange à administração. Quando a administração fica mais fácil,

menos tempo se perde com burocracia, temos mais tempo para os alunos, mais rápidas são as reuniões,

você se sente melhor, tem menos brigas, menos discussão, menos discordância, a conversa fica mais olho

no olho. [...]. Flui melhor, a oferta de disciplinas é mais fácil, trocar disciplina, ajuda a coordenação do

colegiado, o aluno fica mais bem atendido.

No que concerne à estrutura administrativo-pedagógica, discentes têm a seguinte percepção: Há desorganização nos departamentos para orientar os professores (A).

A contratação de professores deixa a desejar porque muito dos professores que estamos tendo não são

habilitados para trabalhar com determinada disciplina; a Universidade teria que disponibilizar

professores formados nas áreas específicas (A).

A disciplina de PEPP não tem boa estrutura física e material para ser trabalhada (A).

Não participamos da reestruturação do PPC do CE, muito menos tivemos acesso a esse material na

íntegra (A).

P1 destaca o papel dos departamentos na estrutura universitária, na realização do currículo: O professor para ser contratado, tem que estar vinculado a um departamento, a oferta tem que vir desse

departamento, se vai ter professor ou não é dentro do âmbito do que a decisão dessa célula, que é a

célula principal dentro da Universidade, que é o departamento, é ele que decide entre os pares qual é a

área prioritária para concurso, quais os critérios para fazer o edital; isso tudo tem implicação na hora

que esse sujeito chega ao mercado.

A professora P18 ressalta as políticas de permanência propostas pela administração da

Universidade para ajudar os alunos com maior dificuldade sócio-econômica: Agora, sim, com as políticas de permanência a gente tem a expectativa e a esperança de que elas (alunas)

sejam contempladas. [...] a UFES ajude a esses estudantes com maior carência financeira. Há uma cota

de cópia, material básico, livros que os coordenadores de curso apontarem como ESSENCIAIS para os

121

estudantes de baixa renda, vão ser adquiridos com uma verba que a UFES está recebendo, uma verba

permanente, inclusive para restaurante!.

Enfim, P1 retratou o que sua gestão, à frente da Direção do curso tem buscado fazer com

muito compromisso: O que nós estamos implementando na nossa gestão é pensar que estamos criando possibilidades

possíveis. Não estamos com a estrutura ideal, mas no início de cada semestre, vemos o que é o mais

gritante. Tivemos momentos de discutir o PPC do curso e o estágio, tivemos um planejamento estratégico

para discutir o nosso olhar para o ensino, a pesquisa e a extensão, as dificuldades. É óbvio, que a gente

está tentando várias coisas, mas não é simples reunir nem mesmo os professores substitutos da área de

Estágio. A situação hoje está muito complexa. Todo o CE está passando por uma nova mudança, de

reestruturação departamental.

Penso que a discussão relativa à reestruturação do centro poderia constituir-se como uma ação

de grande escala, que possibilita visibilizar e refletir sobre suas peculiaridades considerando-o

no contexto da Universidade, mas seria perpassada, também, pela pequena escala, pois ao

realizar o processo de inteligibilidade do centro, não seria possível dissociá-lo de questões

mais amplas da Universidade e das Políticas Educacionais.

Afinal, que formação?

Para Linhares não deve haver um modelo único de formação, mas o entrecruzamento de vozes

que se anunciam e ecoam numa polifonia sinfônica, no sentido de inventar novas teorizações

e práticas plurais, que seguindo numa direção ética, estética e política, possam intervir nos

rumos da Educação e da História. A autora destaca a importância da participação dos

professores como sujeitos históricos, em movimentos de resistência por eles organizados e

nos movimentos das instituições ligadas à Educação e aos movimentos sociais. Ela ressalta,

ainda, as mudanças realizadas na legislação, no sentido de produzir um novo magistério e

uma nova Educação (CEVIDANES, 2006). Nesse sentido, as Diretrizes Curriculares

Nacionais para o Curso de Pedagogia, o Parecer CNE/CP N.º 5/2006, o curso de Licenciatura

em Pedagogia visam

[...] à formação de professores para exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos. Destina-se à formação de gestores educacionais que compreendem participação na organização e gestão de sistemas e instituições de ensino, englobando: planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de tarefas próprias do setor da

122

Educação; planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos e experiências educativas não-escolares. O curso destina-se, ainda à formação para produção e difusão do conhecimento científico e tecnologia do campo educacional em contextos escolares e não-escolares.

De acordo com o PPC (2006, p. 20), o pedagogo deve ser o profissional habilitado a atuar nas

seguintes áreas e/ou campos profissionais: “na docência na Educação Infantil e nos anos

iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de

Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam

previstos conhecimentos pedagógicos”; como “[...] gestores educacionais que compreendem

participação na organização e gestão de sistemas e instituições de ensino, [...]”; e “na

produção e difusão do conhecimento no campo da Educação [...]”. Segundo P1, as Diretrizes

objetivam resgatar o que está sendo chamado de formação inicial. Ela explicita seu

pensamento: [...] não estamos falando de um esvaziamento nem teórico, nem prático dessa formação, mas de um

princípio formativo. Estamos falando de um curso de formação inicial! E que ele prescinde, necessita de

experiência na prática. E é nessa prática que vai fazer a complementação dessa formação. E vai ser essa

constituição de professor, de pedagogo, que se dá em diferentes ângulos, porque esse sujeito professor

não está só na escola! Ele está na família, na igreja, no sindicato, isso tudo são espaços formativos.

Então, está sendo agregado a esse sujeito, também, esse pedagogo. Acredito que pela situação de salário,

de carreira há de se pensar na formação permanente desse profissional, quer dizer, estamos falando de

um degrauzinho dessa formação. Poderia ser um curso de 10.000 horas que não daria conta!

Todo curso profissionalizante tem como objetivo formar o profissional na perspectiva do

exercício crítico, criativo, comprometido, seja em que área de atuação for. Para isso, é preciso

trabalhar conhecimentos próprios, gestos, posturas daquela profissão e isto é “preparar-se”. Se

a formação é destinada ao magistério, são conhecimentos da Educação, que possibilitem

identificações com essa área de saber e de trabalho. O preparo inicial não implica eliminar a

continuidade porque o mundo não pára e os saberes estão em aberto e em contínua mudança,

inovação e renovação. Apesar de ter aumentado a carga horária do curso (PPC, 2006),

algumas professoras consideram que a formação seria, de certo modo, aligeirada, devido à

especificidade de suas diferentes dimensões e da possível atuação do pedagogo. A formação

teria assim, uma parcela de cada dimensão e não “prepararia para nenhuma”. Quando estou

dizendo “prepararia” não estou afirmando que deva sair pronto, mas habilitado para o

exercício da profissão. P1 admite que a proposta atual, faz voltar a uma discussão histórica,

que é a questão do generalista versus especialista: “Essa discussão, também, não é consenso.

E aí eu te digo que especificidades não estão anuladas!”.

123

P1 continua expondo seu entendimento sobre a continuidade da formação: [...] espera-se que essas especificidades sejam aprofundadas em outros níveis e espaços de formação; por

isso a gente está dizendo que o complemento da formação vai se dar em outros âmbitos! Se o sujeito está

num processo formativo, aparentemente, mais generalista e fala: _ Frente a essa minha demanda de

formação, eu hoje, para a minha carreira enquanto pedagogo, docente, no meu âmbito de pesquisa, estou

me aprofundando num determinado eixo. E vai ser essa trajetória, frente a sua experiência de vida, frente

a sua perspectiva de formação que ele vai fazendo um certo percurso, aparentemente com uma certa

autonomia para escolher, para fazer esse grande aprofundamento. Mas eu entendo do que você fala: dos

riscos ou dos limites que é ter um currículo generalista, quer dizer, nós tivemos e passamos por uma

formação que na LDB era pautada na especialidade, do especialismo, mesmo. E vem a proposição em

2006, e agora vamos ter uma outra trajetória para ver se dá conta um pouco dessa complexidade.

Esperar de antemão, no curso de Pedagogia, que o discente busque a especialização, não

implicaria assumir uma nova concepção de formação?! O objetivo da continuidade seria para

aprofundamento, acesso às inovações, outras procuras profissionais, que se faz,

paralelamente, ao exercício da profissão, decorrentes de necessidades advindas das

problematizações cotidianas?! Ou seria para dar o “preparo” que a graduação não conseguiu

ou não considera que deva fazer?! Essa perspectiva parece que tem algo da razão metonímica

e da proléptica: encurta o presente e expande o futuro?! Deposita no futuro a responsabilidade

da formação profissional?! A sociologia das ausências e das emergências ajudaria a encontrar

possíveis para essa situação?! É o consenso que se procura? Ou a inteligibilidade e a

recíproca heterologicidade?

O currículo anterior engessava o aluno, que não tinha muitas possibilidades de criar um

percurso de caráter mais individual. Com a flexibilização que a legislação permite, hoje, o

currículo poderia dar mais chance, inclusive se o aluno quisesse fazer alguma disciplina em

outros departamentos. No entanto, continua uma grade. P1 bem lembrou que na realidade, o

currículo continua vinculado ao sistema de informação da Universidade: “Não adianta achar

que a gente faria um currículo extraterrestre; ele tem que ser rodado em algum sistema, na

estrutura que a Universidade tem hoje”. Realmente, esse é um aspecto burocrático importante

que limita as possibilidades de mudança: “[...] não adianta querer uma nova regra, um novo

estatuto para a Universidade, ter outra instituição que não essa!”. Ou seja, não é possível

afastar-se do que está institucionalizado, só se a Instituição modificar sua estrutura, portanto,

a questão administrativa pesa muito sobre a pedagógica.

124

Nesse sentido, compreende-se que não só a questão pedagógica interfere na formação, na

realização curricular, como também, a estrutura universitária de modo geral. P1 afirma: [...] a estrutura funcional precisa de uma estrutura administrativa para dar conta dela! A concepção

teórica muitas vezes se esbarra com as estruturas que estão colocadas. Quer dizer, haveria de ter

também, paralelo a essa mudança, uma nova concepção organizativa da própria Universidade” e até um

novo programa do Núcleo de Processamento de Dados (NPD) que pudesse atender às mudanças, aos “[...]

novos sistemas e maneiras de encarar as disciplinas que poderiam ser compartilhadas por diferentes

departamentos, se não tivesse problemas: _ Ah, eu não vou ficar com você porque quem vai ficar com a

pauta? Essa disciplina vai contar pra quem? Essa hora vai contar pra quem? Fica com qual

departamento? OU então, nós mesmos tentamos criar aqui uma certa flexibilidade, por exemplo, optativa

ou seminário? Então estamos dizendo: _ Não vai ser só de um departamento, os três vão poder dar (a

disciplina). Por mais que esteja designada aqui: Pesquisa, extensão e prática pedagógica, por mais que

elas estejam aqui na EDU. Na realidade essas disciplinas teriam outro caráter se a gente tivesse outra

estrutura.

Seria, talvez, o efeito da projeção, mecanismo de distorção em que a realidade se afasta do

que é proposto no mapa curricular?! Ou é o mapa que distorce a realidade no processo de

escrita?! Parece que o discurso teórico perspectiva uma mudança paradigmática “na teoria”,

mas “na prática” é quase impossível realizar: seria a tradicional separação entre teoria e

prática que se confirma?! É falar sobre inovações teóricas que são assumidas e não podem ser

realizadas na prática?! Muda o currículo e mudam concepções, portanto, em qualquer

disciplina será preciso abranger da Educação Infantil à Gestão e à Pesquisa, como numa rede

de multiplicidades. A disponibilidade de todos deve permitir pôr em prática as mudanças,

como está previsto no projeto, caso contrário, o currículo mudaria no papel, mas na feitura

ficaria como antes.

Só é possível realizar pesquisa e prática integradas, se professores conhecerem as disciplinas

dos demais e como são trabalhadas, para que ocorra a partilha, a colaboração. Nesse sentido, o

discurso das docentes indica a necessidade de realização de reuniões para discutir a dimensão

pedagógica da realização curricular, os modos de ser-saber-fazer-poder da formação,

conforme orienta o PPC. Para a professora P4 há aspectos no currículo novo que parecem ser

mais significativos para aprimorar a formação de pedagogos e um deles é [...] a DINÂMICA de você pensar, desde a Educação Infantil. O que a gente tem é a inserção dos estudos

da infância no interior do curso. Marco isso como um desafio porque se antes os estudos da 1ª infância

estavam presentes na habilitação de Educação Infantil, hoje eles atravessam todo o curso. [...] acho um

ganho e um grande desafio porque a gente precisa que os professores todos, também, se apropriem

dessas discussões. Tem disciplina que tem um foco maior na Infância, na educação, no trabalho docente e

125

no Currículo da Educação Infantil! Por exemplo, Alfabetização, tem DES-DE a primeira infância, isso

gera desafios no curso.

P4 continua expondo seu pensamento sobre a formação: Tem muita coisa para avançar no processo educacional para provocar a aproximação desses sujeitos

professores das licenciaturas e pedagogos no cotidiano da escola. Mas acho que esse curso nos provoca

até nesse movimento enquanto formadores e movimentos outros que se estabelecem, por mais resistência

que a gente tenha. [...]. Essa história de que os alunos na habilitação procuravam um centro de estudos

para aprofundar, já faziam escolhas (prévias), isso é um MITO! Observando nossos alunos egressos e até

a discussão do apostilamento, hoje, vê-se que os alunos JÁ faziam TODAS as habilitações, “meio” às

novas diretrizes, ao “modo aluno” (no currículo anterior). Então eles já saiam dessa forma: faziam duas

e apostilavam as outras. E quando não apostilavam, formavam e voltavam, porque se abriu o precedente:

conseguiram isso sob a ótica da normatização e faziam tudo.

À medida que o currículo abrange tantas possibilidades, compete às disciplinas de base dar

uma dimensão aberta à formação. Por exemplo, na disciplina PEPP1, a professora procura

ampliar o olhar para os discentes enxergarem na escola, a Educação Infantil, as séries iniciais,

a gestão (direção, supervisão, orientação). Entretanto, em algumas situações, alunas afirmam

que o foco continua no Ensino Fundamental, por tradição. P12 assim se posiciona: “[...] Acho

que hoje é natural esse olhar mais amplo sobre a escola e sobre as funções do pedagogo,

tanto que eu disse para os alunos quando foram fazer observação: _ Professora, eu olho o

que? _ Quero que vocês olhem tudo”. Então, mediante o que está sendo discutido, que

profissional se pretende formar? P1 responde: É uma questão que o tempo vai nos dizer e as nossas pesquisas vão nos mostrar “para aonde caminha a

humanidade” (risos), o novo profissional. Nós não podemos dizer que todo o reflexo educacional que

estamos tendo hoje, não é reflexo de uma dada formação, de uma dada visão de que passamos por

experiências combativas e essa é mais uma. Não encaro que esta proposta curricular do curso de

Pedagogia vai ser eterna e nem que a sociedade vai continuar do jeito que está. Então, eu não sei que

tipo de profissional deve ser formado, para dar conta, hoje, de toda a complexidade, que a escola está

exigindo do profissional chamado educador.

Qual a identificação desse profissional que vai ser formado? O curso vai formar o pedagogo

“habilitado” para atuar em funções relativas aos três eixos propostos no PPC: docência, gestão

e pesquisa, em ambientes escolares e não-escolares, em diferentes níveis de ensino. Mendes

(2002, p. 503) cita Stuart Hall, ao afirmar que a identidade “[...] funciona como articulador,

como ponto de ligação, entre os discursos e as práticas que procuram interpelar-nos, [...]

enquanto sujeitos sociais de discursos particulares, por um lado, e, por outro, os processos que

126

produzem a subjectividade, que nos constroem como sujeitos que podem falar e ser falados

[...]”. Para a professora P1, esse profissional pode ser identificado como [...] um pedagogo, não bacharelado, mas formado na licenciatura, então ele é docente, ele é professor

não só do ambiente escolar, mas deveria estar preparado nessa formação, de modo que hoje, se ele

estivesse saindo do Espírito Santo e fosse para Roraima, e lá tivesse um movimento social que precise da

ação de um pedagogo para atuar num ambiente não escolar, seja numa ONG, etc., que ele fosse capaz de

ser esse elemento necessário nessa comunidade, de forma que numa escola X, Y, Z ou para o Ensino

Infantil.

Quer dizer, esse pedagogo deve ser preparado para atuar em diversos campos educacionais.

P1 explica: “É um profissional que tenha possibilidade de uma variação de atuação, porque

hoje ele pode estar na gestão de um Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI), amanhã

como um docente de um Bloco Único (BU) ou das séries iniciais do Ensino Fundamental”. A

professora P14 considera que deve ser formado o pedagogo que busca, continuamente, os

saberes, que seja pesquisador e estudioso, que continue sempre a formação. Mesmo assim, a

realidade tem mostrado que professores trabalham até em três horários, em municípios

diferentes, e que, nem sempre, vão conseguir tempo-dinheiro-disposição para essa busca

permanente. Segundo P14 “[...] as instituições têm que ter o espaço para formação, têm que

garantir esse espaço”, mas como se sabe, nem sempre o fazem.

Corroborando a idéia de inserção do discente no mundo do trabalho, no sentido da

profissionalização, a professora P17 fala sobre o aluno e suas expectativas: Sei que o currículo foi enxugado até pela experiência do que o antecedeu, pela demanda dos alunos,

decepcionados porque não tinham a formação de gestão. Muitos vinham procurar a Universidade para

ter um diploma superior e como já eram professores, achavam que não precisavam mais de formação de

professores. O que na minha experiência, formando esses que já estavam na sala de aula, não se

confirmava de forma geral na área de Matemática [...] até porque um curso (magistério) de Ensino

Médio não pode ser igual a um curso de nível superior [...] (P17).

Portanto, com as globalizações presentes neste mundo em transição, têm ampliado as

experiências disponíveis e possíveis que sustentam as argumentações para justificar processos

de identificação, nos diferentes espaços sociais. Esses processos “[...] são sempre situacionais

e históricos, havendo, a cada momento, expressões identitárias que são dominantes (Galissot,

1989)”, afirma Mendes (2002, p. 505). Assim, de acordo com as mudanças na legislação, a

formação passou a incluir diversas dimensões formativas em uma apenas, com a

responsabilidade de, em quatro anos, “preparar” o profissional para exercer todos esses papéis

127

na educação escolar e não-escolar, ou seja, “[...] para atuar na docência na Educação Infantil e

nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade

Normal, e em cursos de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como

em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos (Res. CNE/CP n.

01/2006, Art. 2º.)” (PPC, 2006). Uma formação tão ampla, às vezes, é dificultada conforme

depoimentos de professoras-formadoras, pela falta de conteúdos básicos do Ensino

Fundamental, dos programas de terceira e quarta séries, por parte dos que vão ensinar às

crianças, quando estiverem atuando como docentes. Segundo P14 a questão de falta de

conteúdo na formação inicial não vai ser resolvida por mais horas que o curso tenha, por mais

espaço e tempo que ele inclua: “[...] sair daqui “completa”, isso não existe!” Essa

deficiência está relacionada, também, à Escola Básica, por isso as ações devem ser integradas

em todos os níveis de ensino.

Refletindo sobre o compartilhamento

A conversação com as participantes da pesquisa girou em torno do currículo, da concepção

que elas têm sobre o novo Projeto de Curso do Centro de Educação (PPC, 2006). Nesse

sentido, Ferraço (2005, p. 18) afirma que “A questão curricular, na perspectiva que aqui

defendemos, só é possível de ser pensada na dimensão das redes coletivas de fazeressaberes

dos sujeitos que praticam o cotidiano”, posição que implica mudança de determinadas

concepções teórico-práticas. Assim, este estudo acompanhou por um tempo, os movimentos

processuais de realização curricular para compreender a produção de saberes-fazeres-poderes

na complexidade cotidiana do curso.

A percepção de docentes sobre o currículo e sobre a matriz curricular é diversa e diferenciada

e reafirma que o currículo ocupa um lugar próprio (Certeau, 1994) dentro do CE. É um lugar

controlado, que marca o início da caminhada de um novo momento-movimento do curso,

colocado em prática a partir de 2006/01. O currículo, tanto o escrito, quanto o realizado é um

lugar de poder, porque é constituído de elementos organizados de forma estável, sendo cada

elemento localizado em referência ao outro. Portanto, implica ações que organizam seus

elementos, muitas vezes, sem considerar movimentos que vão advir da sua realização. Um

lugar é organizado por uma série de estratégias e de táticas, pois onde há estratégia há tática,

ou seja, cálculo e manipulação de relações de poder. São exemplos disso, no currículo, a

128

inclusão/exclusão de disciplinas, a redução/aumento de carga horária, a definição de eixos, a

distribuição de disciplinas, os encargos docentes etc. As estratégias organizam, determinam o

lugar que o currículo ocupa no CE e na Universidade. Um procedimento estratégico

importante é a escriturística; com ela o texto do currículo é organizado com saberes, poderes,

fazeres, múltiplas vozes que nele se entrecruzam numa rede permanente de produção da

materialidade curricular. Esse texto escrito toma por base a legislação vigente, os interesses

do próprio CE ou de parte dele e corporeifica a formação que se pretende fazer, os caminhos

que se deseja seguir.

Direção, coordenação, docentes, discentes, funcionários, núcleos, como numa comunidade

interpretativa vão criando seus percursos e abrindo espaços para a realização curricular. O

espaço seria, assim, esse lugar praticado: horário das aulas e dos professores, distribuição das

salas de aula pelos períodos, salas de estudo-planejamento de cada professor, usos da

biblioteca, dos núcleos de ensino do próprio centro, dinamizados por movimentos táticos

como, também estratégicos, porque um não prescinde do outro. As estratégias vêm atreladas à

formalização do lugar e “precisam” ser cumpridas, como o calendário, os dias letivos, a carga

horária das disciplinas, o horário elaborado pelo colegiado, a distribuição das disciplinas por

semestre e entre os professores, os prazos, avaliação, as relações com colegiados e

departamentos de outras licenciaturas, com a Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD), com o

Departamento de Recursos Humanos (DRH) e outros setores da Universidade.

Porém, em meio ao cumprimento das estratégias, os praticantes se vêm forçados a criar linhas

de fuga, táticas, que podem ser positivas ou não, para a feitura do currículo, para a realização

das disciplinas, para viver e sobreviver às exigências cotidianas, às relações que se

estabelecem por força das circunstâncias ou pela própria vontade dos participantes,

possibilidades de respirar, mover-se, concordar, discordar, sobreviver: são situações que

abrem ou fecham espaços de realizações. Nesse sentido, Certeau (1994, p. 202) afirma que o

“Espaço é o efeito produzido pelas operações que o orientam, o circunstanciam, o

temporalizam e o levam a funcionar em unidade polivalente de programas conflituais ou de

proximidades contratuais”.

As estratégias são procedimentos que se referem a um lugar próprio, no caso o currículo. Elas

objetivam organizar um espaço, um lugar praticado e, para isso, implicam movimentos que

fogem às operações de poder, mas que, também, têm o seu poder. São correlatas aos

129

processos enunciativos. As táticas tiram proveito de lugares organizados; elas não têm seu

próprio lugar, portanto, para funcionar usam o espaço do outro. Na verdade, “As táticas se

alimentam da “morte” que ronda o discurso científico ou qualquer outro discurso

hegemônico” (JOSGRILBERG, 2005, p. 25) como no currículo, por exemplo, pela presença

de possíveis posturas engessadas, avessas às mudanças. Os movimentos táticos aproximam-se

da ilegalidade, porque são modos de burlar o instituído e fazer proliferar processos instituintes

de subjetivações inconformadas e combativas. São dispositivos que impulsionam ações que

minam o lugar instituído abrindo brechas para outros possíveis, que necessariamente, nem

sempre são os melhores. Assim, na feitura curricular, são realizadas táticas em relação ao

horário, às relações interpessoais, às ementas das disciplinas, às aulas, aos procedimentos etc.

Portanto, é no entre, no intermédio da escritura e da feitura, que praticantes do currículo

encontram fendas, brechas para abrir espaços de realização conforme seus interesses e

expectativas. Giard (apud Certeau, 1994, p. 17) cita fragmento de um texto de Certeau sobre a

necessidade “[...] de esboçar uma teoria das práticas cotidianas para extrair do seu ruído as

maneiras de fazer”. Nesse sentido, esta pesquisa no cotidiano do curso de Pedagogia é

realizada em meio a conversações com professoras, alunas, funcionárias e pelo

acompanhamento de movimentos processuais. Na perspectiva do estudo no-do-com o

cotidiano, Certeau (1994, p. 202-3) assim se expressa: Num exame das práticas do dia-a-dia que articulam essa experiência, a oposição entre “lugar” e “espaço” há de remeter sobretudo, nos relatos, a duas espécies de determinações: uma, por objetos que seriam no fim das contas reduzíveis ao estar-aí de um morto, lei de um “lugar” (da pedra ao cadáver, um corpo inerte parece sempre, no Ocidente, fundar um lugar e dele fazer a figura de um túmulo); a outra, por operações que, atribuídas a uma pedra, a uma árvore ou a um ser humano, especificam “espaços” pelas ações de sujeitos históricos (parece que um movimento sempre condiciona a produção de um espaço e o associa a uma história).

Penso que isso, também, acontece na realização do currículo. Nesse sentido, este é um

trabalho contínuo em que lugares são transformados em espaços e, para isso, os praticantes

inventam seus próprios itinerários nos lugares instituídos, fazendo deles, processos instituintes

de realização de sonho e de vida. Os relatos revelam o que praticantes fazem, como fazem,

porque fazem e apesar de intercorrências imprevisíveis, retratam modos de ver, ser, fazer,

poder, viver o cotidiano no curso de Pedagogia.

As professoras participantes deste estudo consideram esta nova versão do currículo,

pragmatista (P1, P11), multifacetado, com abrangência exagerada de conteúdos (P15, P2),

130

profissionalizante (P1, P11), calcado nas concepções de habilidades e competências, excesso

de prática (P11), que atende a uma exigência legal, genérico (P15), com caráter aligeirado,

com formação geral (P2), adequado às novas diretrizes (P18, P15), com múltiplas tendências

teóricas (P1). Segundo as narrativas, ele aponta para uma formação generalista que corre o

risco de ser superficial, na tentativa de abordar de tudo um pouco e não dar conta de se

aprofundar em quase nada. Este currículo pretende formar o pedagogo que tenha atitude

investigativa e postura reflexiva ante o trabalho docente, a escola e a vida. Penso que só uma

razão cosmopolita é capaz de desvendar essa realidade complexa, com suas múltiplas

incompletudes, multiculturalidades e, assim, produzir um conhecimento emancipatório que

parta da colonialidade para a solidariedade, num permanente devir curricular.

Disso tudo fica claro, que a escriturística no papel é morta, quase sem sentido! São

professores, alunos, funcionários que dão vida, movimento, dinamicidade, corporeidade ao

currículo. Isso é feito individualmente ou numa perspectiva de trabalho coletivo, socializado,

compartilhado que parece ser um modo melhor de trabalhar. Só estando juntos, discutindo,

concordando, discordando, colaborando, modificando as concepções e modos de ser-fazer-

poder, haverá integração, partilha, afeto, e principalmente, pelo sabor-dissabor de

experimentar vivências de um currículo novo, com a proliferação de comunidades

interpretativas! Enfim, concordo com Barros (2005, p. 80) que diz: O “currículo real” não é, portanto, um objeto estático, delimitado a priori; é ação, processualidade e fala dos diferentes “usos de si” (Schwartz). “Currículo real” tem a ver com pluralidade de práticas e de sentidos; são multidimensionais, complexos, plurais, incontroláveis e falam do trabalho real, que recusa diferentes formas de prescrição/modelização do trabalho docente.

A processualidade do currículo está expressa no capítulo 3, que aborda os saberes-fazeres-

poderes consumidos-produzidos, no contínuo movimento de realização curricular cotidiana.

131

Anexo

Matriz curricular - 2006 - CURSO 681 (matutino) 1º

Período 375h

Introdução à Filosofia

75h FIL

Sociologia da Educação

60h CSO

Introd. à Psi. da Educação

60h DPSI

História da Educação I

60h EPS

Introd. à Pesquisa

Educacional 60h EPS

Política e Org. da Educ. Básica 60h EPS

2º Período

C.H. 405h

Filosofia da Educação

60h EPS

Arte e Educação

60h LCE

Psicologia da Educação II

60h DPSI

História da Educação II

60h EPS

Pesquisa Extensão e

Prática Ped.I 105h EPS

Educ. Corpo e Movimento

60h LCE

3º Período

C.H. 405h

Infância e Educação

60h LCE

Introdução à Educação

Especial 60h TEP

Alfabetização I 60h LCE

Introd. à Gestão

educacional 60 h EPS

Pesquisa Extensão e

Prática Ped. II 105h LCE

Movimentos Sociais e EJA

60 h EPS

4º Período

C.H. 405h

Matemática I

(C. M.) 60h TEP

Didática 60h TEP

Alfabetização II

60h LCE

Ciências Naturais (C. M.)

60h TEP

Pesquisa Extensão e Prática Ped.

III 105h TEP

Trabalho docente na

Educ. Infantil 60h LCE

5º Período

C.H. 405h

Matemática II (C. M.)

60h TEP

Gestão Educacional

60h EPS

Português (C. M.)

60h LCE

Trabalho e Educação

60h EPS

Pesquisa Extensão e Prática Ped.

IV 105h EPS

Tecnol. De Informação e Comunicação como apoio

Educ. 60h LCE

6º Período

C.H h

435

Currículo da Ed. Infantil

60h TEP

Geografia (C. M.)

60h EPS

Estágio Supervisionado da Ed.Infantil

120h TEP

História (C. M.)

60h EPS

Fundamentos da Língua

Brasileira de Sinais 60h LCE

Trabalho de Conclusão de Curso I

75 h TEP/LCE/EPS

7º Período

C.H 375h

Currículo dos Anos Iniciais do

Ensino Fundamental

60h TEP

Estágio Supervisionado

dos Anos Iniciais do

Ensino Fund. 120h TEP

1ª Optativa 60h

TEP/LCE/EPS

2ª Optativa 60h

TEP/LCE/EPS

Trabalho de Conclusão de Curso II

75h TEP/LCE/EPS

8º Período

C.H. 405h

Educação, Diversidade e Cidadania

60h EPS

3ª Optativa 60h

TEP/LCE/EPS

Trabalho docente na

Gestão Educacional

60h EPS

Estágio Sup. em Gestão Ed.120h

EPS

Tópicos Avançados em

Educação 60h

TEP/LCE/EPS

Seminário de TCC 45h

TEP/LCE/EPS

Carga Horária Total: 3.410 h Obrigatórias: 3.030 h; Optativas: 180 h; Atividades Complementares: 200 h

132

Ora direis ouvir estrelas. Certo, perdestes o senso, dizia o poeta. Porém, Boaventura proclama Nas suas práticas discursivas, a necessidade De reencontrar esse senso (perdido?!), Um senso comum que se faça renovado, Proveniente da desaprendizagem Do Norte e produzido com A aprendizagem com o Sul. Resgatar uma infinidade de experiências Perdidas, ignoradas, desqualificadas No Sul, em favor de um Pensamento único, dominante, Que tem prevalecido na ciência moderna. A ordem, portanto, é desmodernizar E transmodernizar, criticamente, o caminho, Pois o novo constrói-se a partir do velho, Verdadeiro campo de possibilidades, Até, então, invisibilizadas. É um trabalho de reinvenção. Um procedimento de “comer pelas bordas”, Como se diz no popular, ou seja, Agir a partir das margens, das fronteiras. Produzir uma teoria crítica-renovada, Fundada na hermenêutica diatópica, Entre conhecimento científico e senso comum, Sem que um domine o outro. Cada um ter seu espaço e Se completar em suas incompletudes.

ENEIDA

133

CAPÍTULO 3

Constelações de saberes-fazeres-poderes da formação

“Ao longo dos séculos, as constelações de saberes foram desenvolvendo formas de articulação entre si e hoje, mais do que nunca, importa construir um modo verdadeiramente dialógico de engajamento permanente, articulando as estruturas do saber moderno/científico/ocidental às formações nativas/locais/tradicionais de conhecimento. [...]. Não há nem conhecimentos puros, nem conhecimentos completos; há constelações de conhecimentos” (SANTOS, 2006, p. 154).

Neste capítulo, destaco tópicos do Projeto do Curso de Pedagogia para discuti-los associados

às enunciações discursivas das participantes no que concerne aos saberes-fazeres-poderes da

formação, consubstancializados em três núcleos de ensino: estudos básicos, aprofundamento e

diversificação de estudos, e estudos integradores. O PPC (2006, p. 16) traz uma conceituação

curricular que sintetiza os encaminhamentos que devem orientar sua realização cotidiana,

destacando os saberes a serem trabalhados na formação. O currículo é assim considerado “[...]

como um conjunto de atividades, disciplinas e posturas, voltadas para o desenvolvimento das

dimensões pessoal, profissional e social, por sua vez, embasadas na tríplice relação: a)

domínio de saberes, b) transformação de saberes, c) atuação ética”. Portanto, a formação do

pedagogo implica uma pluralidade de saberes situados na aproximação entre a Teoria da

Educação e da Pedagogia, Filosofia e as demais ciências: Sociologia, Psicologia, História,

Antropologia, Política, Linguagem, Ciências da natureza etc. (PPC, 2006, p. 16). São campos

do saber que intra-inter-transdisciplinarmente possibilitarão ao futuro-pedagogo proceder à leitura do mundo onde se situa e atua cotidianamente, construindo, nessas interfaces, os saberes educacionais para atuar na docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos (Res. CNE/CP n. 01/2006, Art. 2º.; PPC p. 16-7).

O profissional a ser formado com essa proposta curricular seria “[...] um produtor de saberes.

Mediador de saberes no processo de ensino-aprendizagem, [...] deverá se envolver com a

134

pesquisa, visto que a reflexão individual e coletiva essencial para uma prática reflexiva e

transformadora necessária é característica de um pedagogo pesquisador” (PPC, p. 17). Essa

formação, fundamentada na ação-reflexão-ação, deve propiciar condições para que o futuro

pedagogo assuma uma postura de indagação e reflexão no contexto em que atua, na

perspectiva de encontrar possíveis soluções para os problemas cotidianos (PPC, p. 33).

Seguindo as indicações da ANFOPE e do FORUMDIR, o CE elaborou a proposta formativa

para o curso de Pedagogia (PPC, p. 18) perspectivando a formação de um: a) profissional que conheça os caminhos da prática docente, saiba trabalhar no coletivo, [...] estar

sintonizado com processos de mediação entre o contexto escolar e o social;

b) professor-pesquisador capaz de perceber a complexidade de sua ação, [...];

c) pesquisador que saiba formar pesquisadores;

d) profissional da educação com possibilidades de intervenção pedagógica nas práticas sociais fora da

escola, [...].

Assim, a formação oferecida no curso é destinada ao exercício da docência, da gestão dos

processos educativos escolares e não-escolares, da pesquisa na produção e difusão do

conhecimento científico e tecnológico do campo educacional, devendo os formadores estar

atentos para essas dimensões do processo formativo (PPC, p. 30). Considerando a relação

entre ensino, pesquisa e extensão como um dos princípios mais importantes que fundamentam

a formação profissional do pedagogo, foram inseridas e enfatizadas na matriz curricular,

disciplinas como Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica I, II, III, IV, que podem ser

exploradas de forma intra-inter-transdisciplinar, como meio de realização de Projetos de

Extensão associados aos Projetos de Ensino e Pesquisa (PPC, p. 79). Para melhor entender os

saberes da formação esclareço, a seguir, o significado de algumas palavras presentes no

conceito de currículo, pois são significativas para sua compreensão; são elas: atividades,

disciplinas e posturas do PPC.

a) Atividades

No Regulamento Interno das Atividades Complementares (PPC, 2006, p. 58), o Art. 2º (p. 59)

explicita a concepção de atividades53: Consideram-se Atividades Complementares aquelas que, garantindo relação de conteúdo e forma com atividades acadêmicas, se constituam em instrumentos válidos para o aprimoramento na formação básica e profissional. Seus objetivos devem convergir para a flexibilização do curso de Pedagogia no sentido de oportunizar o aprofundamento temático e interdisciplinar.

53 Ver anexo neste capítulo.

135

O PPC destina 200 horas para Atividades Complementares e relaciona ações que nelas podem

ser incluídas: projetos de pesquisa de iniciação científica, projetos de extensão universitária,

cursos de extensão, monitorias, Programa Especial de Treinamento (PET), congressos,

seminários, simpósios, encontros, conferências, entre outras. Além disso, os estudantes,

também, poderão participar de atividades dedicadas à educação de pessoas com necessidades

especiais, à educação do campo, indígena e com remanescentes de quilombos, em

organizações não-governamentais, escolares e não-escolares, públicas e privadas (PPC, p. 37).

b) Disciplinas

As disciplinas estão circunscritas na matriz curricular54 e constituem três núcleos de estudos,

que são traduzidos em 48 disciplinas, distribuídas por oito períodos, tendo seis disciplinas em

cada um, totalizando a carga horária de 3.410 horas (h), sendo 3.030h (disciplinas

obrigatórias), 180h (disciplinas optativas) e 200h (atividades complementares). Esses núcleos

de estudos devem propiciar a formação do profissional que “[...] cuida, educa, administra a

aprendizagem, alfabetiza em múltiplas linguagens, estimula e prepara para a continuidade do

estudo, participa da gestão escolar, imprime sentido pedagógico a práticas escolares e não-

escolares, compartilha os conhecimentos adquiridos em sua prática” (PPC, p. 30).

O currículo do curso de Pedagogia continua com uma estrutura organizacional disciplinar,

embora a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) abra espaço para novas formas de organização do

ensino. Linhares (2000, p. 48) sugere que um dos caminhos para a mudança educacional pode

ser a invenção de uma nova forma de organização. Ela pergunta com Varela: “[...] quais as

possibilidades que vão se abrindo para novos tipos de organização dos conhecimentos?”. E

continua: “[...] para avançar é necessário romper o círculo vicioso criado pela

disciplinarização dos saberes e pela disciplinarização dos sujeitos, [...]’” (VARELA, 1994,

apud LINHARES, 2000, p. 49). Seria possível, então, encontrar diferentes modos de

organizar os saberes curriculares?! A disciplinarização fragmenta e engessa os saberes-

fazeres-poderes como, também, a sociedade.

Há muito, ocorrem movimentos que visam a romper com as grades curriculares e com as

pesquisas circunscritas a divisões disciplinares, porém, essa é uma prática convencional

naturalizada e difícil de ser mudada; encontra barreiras, inclusive, na estrutura administrativa

54 Ver anexo capítulo 2, desta tese.

136

da própria Universidade. Apesar de a legislação permitir a abertura para experimentações

dessa natureza, há uma espécie de medo da mudança, apesar de se propalar a inconveniência

da fragmentação dos saberes, sem contar aspectos de ordem burocrática. Surge uma questão

que fica por responder: seria viável, prudente, mudar a formatação do curso de Pedagogia e

organizá-lo de outros modos, novos agrupamentos de conhecimentos e saberes, áreas de

interesse, problematizações?! E mais ainda: deveria o curso experimentar a vivência

cognitiva, pedagógica, ética, estética, cultural, política na intra-inter-transdisciplinaridade, na

integração de saberes-fazeres-poderes, desfazendo fronteiras disciplinares, relacionais, de

poder e trabalhar o conhecimento, a formação, de modo integrado, plural, emancipatório?!

Assim, as futuras-pedagogas teriam a oportunidade de vivenciar o que lhes é proposto que

façam na escola, tanto pela legislação como pela formação: não fragmentar nem encarcerar os

conhecimentos em disciplinas fechadas, mas trabalhá-los de forma integrada na Educação

Infantil e no Ensino Fundamental.

Conversei com as participantes, sobre o currículo na perspectiva da disciplinarização, que é o

modo como funciona o curso no Centro de Educação. Mudar o formato atual implicaria risco,

audácia, desejo, inventividade, insegurança, pôr-se em outros movimentos, ir além,

(des)construir, enfim. Implicaria aperfeiçoar o falar, o ouvir, o calar, o aceitar, o saber, o

poder, o partilhar, o conviver. Seria trabalhar como uma comunidade compartilhada. Mudar,

porém, não significa ignorar o que vem sendo realizado, mas (re)significar, (re)ler,

(re)inventar porque o novo se faz pela repetição, como lembra Larrosa (2006, p. 62), a palavra

“repetição” em alemão significa, também, “renovação”: ao repetir renova-se, nunca se faz do

mesmo modo!

c) Posturas

As posturas a serem aprendidas-inventadas-adotadas de acordo com o PPC (p. 20) indicam

que “O perfil do profissional, portanto, baseia-se no pressuposto de que o Pedagogo deve

assumir postura profissional ética pautada na responsabilidade social para com a construção

de uma sociedade includente, justa e solidária, [...]”. O texto refere-se, também, à postura do

pedagogo no que concerne aos portadores de necessidades especiais: “[...] os professores

deverão sentir-se sempre desafiados a trabalhar com postura ética e profissional, acolhendo os

alunos que demonstrem qualquer tipo de limitação ou deficiência [...]” (PPC, 2006, p. 28).

137

Sobre a postura dos alunos em sala de aula, que é, também, um tipo de aprendizagem, a

professora P14 falou:

É nosso papel também. “Tem coisas que não admito: uma pessoa apresentando trabalho e o aluno

conversando! Se quem está apresentando não se incomoda, EU me incomodo! É um desrespeito ao

colega! Às vezes o aluno chega, você está conversando, ele põe a perna em cima da mesa. Não querendo

dizer que tem que ser um quartel general, não é isso, mas é educação básica de convivência!.

Nas discursividades de alunas são encontrados exemplos de posturas que elas dizem ter que

assumir, devido às exigências da profissão para a qual estão se preparando: Quando cheguei aqui (no CE) começou aquela coisa: _ Você vai ser professora, vai ser isso, aquilo. Aí a

gente ficou: _ Meu Deus, que é isso? Para onde eu vou? (A)55.

Acredito que sair do segundo grau para a faculdade é uma transformação muito forte. Particularmente,

acho que quando chega o mês de setembro (para quem entrou no segundo semestre) a gente tem vontade

de desistir. _ Por que, MEU DEUS?! Você começa a ouvir... Os professores falam tanto que a gente vai

formar, tem que modificar, que inovar em educação, esquecer educação bancária, tem que ser educação

libertadora, fazer estilo Paulo Freire! (A).

P6 expõe sua percepção de professora sobre o discente, que cedo deve decidir-se por uma

profissão e assumir uma postura conivente com o papel social que vai desempenhar como

pedagogo: O nosso curso exige, acho que nós, professores! Os alunos chegam aqui e são cobrados em relação a

uma postura de mais seriedade, de mais responsabilidade: _ Porque vocês são educadores, falamos. É

um jeito de ser nosso que exige postura (ética, moral) de bom comportamento, entendeu? (tom de

seriedade na voz). Quando chega ao segundo, terceiro período elas vão mudando, vão amadurecendo.

Além dos termos explicitados “atividades, disciplinas e posturas”, o conceito de currículo

(PPC) propõe o desenvolvimento das dimensões pessoal, profissional e social do futuro-

pedagogo, que devem ser trabalhadas na perspectiva da totalidade, da produção de

subjetividades emancipatórias. Essas dimensões implicam uma formação que abranja a vida, o

ser pessoal, individual, o prazer de aprender-saber-fazer-poder, como também, aspectos

relativos à vida profissional, ao preparo para participar e para assumir cargos públicos na

Educação. Na dimensão social, aborda o viver, o conviver, coletivamente, de modo ético

(afetivo e estético), nos grupos de trabalho, nas relações com diferentes segmentos da escola e

da sociedade. Conforme o PPC essas dimensões estão fundamentadas numa tríplice relação

com os saberes: a) domínio de saberes (base de conhecimentos do pedagogo); b) 55 Todas as alunas estão identificadas pela letra A ou pela palavra ALUNA.

138

transformação de saberes (atuação como produtor de conhecimentos); e c) atuação ética

(atuação ético-política).

Com base nas Diretrizes para Formação de Professores do MEC, o CE apresenta no item sete

do PPC (2006, p. 24-6) a estrutura do curso de Pedagogia, “respeitadas a diversidade local e

sua autonomia pedagógica”, que é materializada em três núcleos, consubstanciados nas

disciplinas que compõem a matriz curricular do curso de Pedagogia (PPC, 2006, p. 39): um

núcleo de estudos básicos, que deve considerar a diversidade e a multiculturalidade da

sociedade brasileira; um núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos, voltado para

as áreas de atuação profissional priorizadas no projeto do curso; e um núcleo de estudos

integradores, para enriquecimento curricular. Assim, torna-se imprescindível que, no decorrer

de todo o curso, estudantes e professores-formadores

pesquisem, analisem, interpretem fundamentos históricos, políticos e sociais de processos educativos; aprofundem e organizem didaticamente os conteúdos a ensinar; compreendam, valorizem e levem em conta ao planejar situações de ensino, processos de desenvolvimento de crianças, adolescentes, jovens e adultos, em suas múltiplas dimensões: física, cognitiva, afetiva, estética, cultural, lúdica, artística, ética e biossocial; planejem estratégias visando a superação das dificuldades e problemas que envolvem a Educação Básica (PPC, p. 29).

Este é o caminho proposto pelo CE, em consonância com as Diretrizes Nacionais, para pôr em

prática a estrutura do curso de Pedagogia, comprometido que é com a formação de um

profissional crítico, criativo, ético, reflexivo, investigador, que acredito, busque a produção

inventiva de um novo saber-fazer-poder solidário e utópico. A estrutura relativa aos conteúdos

da formação de pedagogos é bastante abrangente e possibilita, ao que parece, uma base

teórico-prática (práxis) significativa. Ela prioriza a inclusão e no seu texto ressalta a

importância dos pedagogos “[...] conhecerem as políticas de educação inclusiva e

compreenderem suas implicações organizacionais e pedagógicas, para a democratização da

Educação Básica no país. A inclusão não é uma modalidade, mas um princípio do trabalho

educativo” (PPC, p. 27).

O PPC (2006, p. 77-8) faz, também, referência ao uso das tecnologias de informação e

comunicação (TIC), área que inclui saberes decorrentes do processo acelerado de

desenvolvimento da tecnologia. O Parecer CNE/CP nº 9 de 2001 destaca a ausência de

conteúdos relativos ao uso das TIC na formação de professores, por isso as Diretrizes

Curriculares Nacionais para os Cursos de Formação de Professores “[...] estabelecem, por

139

meio da Resolução CNE/CP nº 2/2002, artigo nº 2, que a organização curricular dos cursos de

formação de professores deverá observar, dentre outros aspectos, o uso de tecnologias da

informação e da comunicação e de metodologias, estratégias e materiais de apoio

inovadores”.

Coerente com essa orientação, a Resolução CNE/CP Nº1/2006 que institui as Diretrizes

Curriculares Nacionais para o curso de Graduação em Pedagogia, define no artigo 5º, inciso

VII, que o egresso desse curso deverá estar apto a: “Relacionar as linguagens dos meios de

comunicação à educação, nos processos didático-pedagógicos, demonstrando domínio das

tecnologias de informação e comunicação adequadas ao desenvolvimento de aprendizagens

significativas”. Por isso, foi incluída na matriz curricular (2006) do curso de Pedagogia, a

disciplina Tecnologias de Informação e Comunicação como apoio Educacional (60 horas). A

oferta de disciplinas relacionadas às TICs e o seu uso no ensino-aprendizagem, exige que o

CE ajuste sua estrutura para que elas sejam utilizadas como artefato de formação. Implica,

ainda, mudanças no trabalho pedagógico, na relação de docentes e discentes com o

conhecimento e com as pessoas, na concepção-utilização do espaço-tempo, no ambiente

escolar e não-escolar e na vivência colaborativa de ensino-aprendizagem em redes, uma vez

que “O futuro encontra-se, assim, na encruzilhada dos saberes e das tecnologias”, conforme

Santos (2006, p. 154).

Que saberes-fazeres-poderes da docência?

56

As práticas das bruxas constituíam crenças, concepções e condutas que desestabilizavam os dogmas medievais e católicos. Elas criaram uma dimensão ética-estética-política que produzia vida e existência nas margens e nas lacunas da máquina burocrática de Estado (KROEF, 2006, p. 4-5)57.

56 Fonte da imagem: Livro “Manual prático de bruxaria: em onze lições”, Malcolm Bird. 57 “As bruxas, ao mesmo tempo, rebatiam os dogmas da Igreja e o poder do rei, produzindo saberes que bifurcam com a ciência – por vezes maldita. Entretanto, estes saberes eram considerados de segunda categoria pelos critérios modernos de conhecimento. As bruxas, enquanto máquinas de guerra, não se submetiam nem à Igreja, nem à ciência, abriam fendas que conferiam à vida uma alegria, uma travessura, um riso e possibilidades de existência incompatíveis com seus dogmas e referentes científicos (KROEF, 2006, p. 4-5).

140

Sou provocada e provoco com perguntas: O que é o saber? Quem produz os saberes da

formação? Que saberes são “próprios e necessários” à formação profissional? A formação do

pedagogo, como a do profissional de outras áreas, implica conhecimentos que o habilitem a

exercer a função própria daquela profissão para a qual se prepara na graduação e em outros

estudos. Para isso, o curso deve propiciar transmissão, apropriação e produção de saberes-

fazeres-poderes coerentes com a profissão para a qual o estudante está se preparando. Os

saberes seriam assim, os conhecimentos específicos e gerais relativos à profissão; os fazeres,

seriam a utilização prática desses saberes e os poderes, constituiriam a capacidade, a condição

para assumir e exercer determinada função, pois todo lugar de poder é “[...] ao mesmo tempo,

um lugar de formação de saber” (MACHADO, apud FOUCAULT, 1999, p. XXI). Esses

saberes são acadêmicos, pedagógicos, específicos, gerais, cotidianos, relacionais, afetivos,

experienciais, práticos, saberes de toda ordem, perpassados pela ética, pela política e pela

estética.

Na versão moderna da ciência, os conhecimentos da prática eram entendidos como senso

comum. No mundo atual, foram criados novos campos científicos, ecologia, informática,

telemática, entre outros. Eles se desenvolvem a partir do rompimento de fronteiras

disciplinares e da criação de redes de relações, de comunicação, de conhecimento. “Foucault,

historiador dos saberes, ou dos saberes/poderes, tinha uma aguda consciência desse modo de

ser do saber moderno” (TERNES, 2004, p. 165). Assim, de acordo com a concepção moderna

de conhecimento, que valoriza o saber científico como o único credível, os saberes da

experiência docente e escolar têm sido desvalorizados, ao longo dos tempos. Então, eu

perguntaria se no contexto da formação, esses saberes seriam semelhantes aos saberes de

bruxas: (re)negados pela modernidade, (in)visibilizados, (des)qualificados pelo saber

científico, pelo poder da academia?! Como praticantes do curso de Pedagogia produzem,

consomem e disseminam saberes-fazeres-poderes no processo de formação de pedagogos?

Em Larrosa (2006, p. 52) encontro uma possível resposta: “Porque se alguém lê ou escuta ou

olha com o coração aberto, aquilo que lê, escuta ou olha ressoa nele; ressoa no silêncio que é

ele, e assim o silêncio penetrado pela forma se faz fecundo. E assim, alguém vai sendo levado

à sua própria forma”, e assim, alguém vai se formando, gradativamente, continuamente, na

relação consigo e com o outro, eu completaria.

Pois bem, este capítulo trata de saberes-fazeres-poderes da formação de pedagogos. Tomei

como base, estudos de Boaventura de Sousa Santos (1997, 2002, 2004, 2006, 2007, 2008),

141

associados à contribuição de outros autores, para fundamentar a minha construção teórico-

prática. Santos propõe a produção de um conhecimento-emancipação que se constrói ao longo

de uma trajetória entre a ignorância, concebida como colonialismo e o saber, como

solidariedade. A ignorância compreendida como colonialismo significa o não-reconhecimento

do outro como igual e sim, como objeto (SANTOS, 2006, p. 32). Na Educação isso poderia

ocorrer na relação hierárquica equipetécnica-professor-aluno-escola-família, em situações que

pedem, e são negadas, atitudes de colaboração, respeito, solidariedade. O autor (2006, p. 154)

sugere utilizar a ecologia de saberes, procedimento que deve ser compreendido como ecologia

de práticas de saberes.

Nesse sentido, seria trabalhar o conhecimento como emancipação, valorizar o saber do Sul

(periferias) e desaprender do Norte (centros hegemônicos), pois o conhecimento científico,

ainda, é a forma de conhecimento privilegiada na sociedade, nos meios acadêmicos

(SANTOS, 2006, p. 137). Os saberes considerados não-científicos são excluídos do cânone

ocidental e continuam, até hoje, de certo modo alijados dos debates. A ecologia de saberes e

práticas permite não só superar a monocultura do saber científico como superar a idéia de que

os saberes não-científicos são alternativos ao saber científico (idem, 2006, p. 107), pois na

verdade não o são, mas constituem outros tipos de conhecimentos, embora não reconhecidos

pelo cânone ocidental; são os saberes da experiência, do senso comum e múltiplos outros

saberes produzidos que circulam nos diversos espaços sociais. É preciso, então, reconhecer a

pluralidade de saberes heterogêneos, a autonomia de cada um e a articulação entre eles (idem,

2006, p. 157). A ecologia de saberes e práticas perspectiva a criação de novos modos de o

conhecimento científico relacionar-se com outras formas de conhecimento e conceder

igualdade de oportunidade às diferentes formas de saber.

O que pensam as docentes

Nas suas narrativas, professoras58 participantes desta pesquisa apresentam agrupamentos de

saberes que são muito próximos uns dos outros e coerentes com o PPC. Segundo P8, ela

“Poderia agrupar esses saberes (da formação) em duas categorias: o saber eminentemente

voltado para a área de estudo (específico); e, uma outra grande categoria, a do saber

metodológico, do saber didático, do saber pedagógico, [...], para preparação dos meus

alunos para lidar com outros alunos. [...]”. A professora P2 distribui os saberes, no que

58 Utilização do feminino porque todas as participantes são do sexo feminino, com exceção de um participante.

142

chama de três grandes conteúdos: “1) disciplinas de fundamentação (História da Educação,

Filosofia, Sociologia, Psicologia e Antropologia (que não está incluída no currículo)),

disciplinas das práticas (ênfases) e disciplinas integradoras; 2) disciplinas que dão suporte

às questões educacionais (Didática, Currículo, Avaliação) e são fundamentais; 3) grupo dos

saberes-do-fazer (conhecimentos dos conteúdos a serem ensinados às crianças e do como

ensinar)”. Essa professora ressalta a importância do grupo dos saberes-do-fazer,

exemplificando com uma situação cotidiana de sala de aula:

_ Amanhã é sua primeira aula e você vai falar de fração. Como é que se ensina fração?

_ Amanhã você vai falar de corpo humano. Como é que se ensina corpo humano? Como é que você

constrói conceito científico de esqueleto?

E aí, as experiências são feitas como se essas pessoas adultas fossem crianças. Às vezes, eu fico agoniada

de ver coisas desse tipo; infantiliza a ação do aluno (futuro-pedagogo). Enquanto professora, tenho esse

tipo de resultado, estou desenvolvendo o conhecimento científico e com o meu aluno, eu estou partindo do

conhecimento do cotidiano, do conhecimento do aluno sobre plantas.

_ Que conceitos científicos quero trabalhar com esses alunos, quais são as possibilidades de

conhecimento científico aos nove anos e daqueles que têm nove anos e não chegaram lá?

_ O que é base? Aonde esses meninos estão? Não adianta falar em músculos com esses meninos, que eles

não têm ainda a noção.

_ Então, o que está atrás, para dizer que o corpo se sustenta e a caveira não cai? Que conhecimento de

base é esse que essa meninada precisa?

_ Está tudo bem! Nós queremos falar de poluição mas se eles não derem conta de que existe uma coisa

chamada ar que a gente respira, não adianta falar em poluição, ainda (P2).

Autores diversos, professores, como eu, concordam que os saberes docentes constituídos

pelos Fundamentos da Educação, específicos das áreas de ensino, metodológicos, assim como

os da experiência e os de natureza geral, são imprescindíveis para o docente ensinar-para-

aprender-a-ensinar, mas o processo não se reduz a isso. Outros fatores, também, interferem

nesse movimento: fatores endógenos (motivação, problemas pessoais, saúde, formação, etc.) e

exógenos (políticas públicas, investimentos na educação, estrutura física, condições de

trabalho, relações, etc.). Seria assim, como propõe Santos, partir de um ponto de ignorância, a

colonialidade, para um ponto de saber, a solidariedade; na ecologia de saberes e de práticas

entrecruzam-se ignorâncias e conhecimentos porque ambos coexistem nos diversos espaços

sociais.

143

Então, o que ensinar-aprender-para-ensinar? [...] não há como estudar processos educativos, na sua relação ensinar-aprender, sem explicitar o que se quer ensinar e o que se pretende aprender (PPC, p. 27).

[...] os saberes pedagógicos são os saberes que fundamentam a práxis docente, ao mesmo tempo em que a prática docente será a expressão do saber pedagógico e desta forma fundamentar-se-á que a atividade docente é uma prática social, historicamente construída, que transforma os sujeitos pelos saberes que vão se constituindo, ao mesmo tempo em que os saberes são transformados pelos sujeitos dessa prática (FRANCISCO, 2006, p. 31).

Fonte: A Gazeta, ES.

Os saberes na formação são trabalhados conforme orientação do PPC (2006), observando o

que ele propõe: estrutura curricular, conhecimentos e habilidades, princípios da formação,

além de outras dimensões. A análise dos saberes, neste estudo, levou em consideração essas

orientações, além de associá-las às dimensões política, estética e ética. Nesse sentido, o

ensino, a aprendizagem e a produção de saberes no curso de Pedagogia priorizam a formação

de um profissional, o pedagogo, que tenha as características de docente, pesquisador e

extensionista; de gestor de processos e práticas sociais escolares e não-escolares; de produtor

e mediador de saberes; que integre teoria e prática e saiba formar pesquisadores (PPC, 2006).

Mediante a configuração apresentada no PPC, perguntaria: que saberes devem ser ensinados-

aprendidos na formação do profissional pedagogo?

Pois bem, na Proposta Curricular (2006, p. 17), uma tríade de saberes constitui os vértices de

uma formação com foco na docência, na pesquisa e na gestão. Nesse sentido, um processo de

formação que pretende habilitar profissionais para exercer uma multiplicidade de funções,

também, exige uma multiplicidade de conhecimentos e habilidades, que estariam

materializados nos três núcleos que constituem a estrutura curricular do curso. Assim, no

processo de formação, os seguintes tipos de conhecimentos são necessários, segundo o PPC

144

(2006, p. 21-2): conhecimentos pedagógicos de formação geral; conhecimentos pedagógico-

didáticos; e conhecimentos das áreas específicas. As alunas, participantes desta pesquisa, já

identificaram alguns desses saberes-fazeres-poderes nas disciplinas que fizeram ou estão

fazendo. Elas relatam: Quando nos colocam a refletir sobre a necessidade do trabalho colaborativo, a gestão em si, expõe o

problema e questiona o cotidiano. Isso nos leva a pensar esse pedagogo como a pessoa que vai estar ali

pra pensar, coordenar, como professor em sala de aula. (A)

O pedagogo que planeja, que procura se organizar, se orientar, a flexibilidade pra não fazer tudo igual,

[...] vai ter casos diferentes com o aluno, com problemas sociais, etc. [...]. (A)

Eu acredito que a cada matéria diferente que a gente faz, descobre uma coisa nova, vê algo que passa

despercebido. A gente, às vezes, até volta à infância e relembra o que aconteceu na época de

alfabetização, de séries iniciais, isso é uma maneira de transpor para os nossos dias e faz pensar: _

Peraí, fizeram isso com a gente, não foi legal! Não vou querer fazer a mesma coisa que a gente sofreu.

Penso que dá pra haver uma reflexão em cima desses conhecimentos na maneira como você vai lidar com

certos problemas, com certas situações. (A)

Porém, continuo com perguntas: os saberes da formação docente seriam considerados como

conhecimento-emancipação?! Penso que sim, mesmo que não esteja explícita essa concepção

no PPC. Seria um tipo de conhecimento a que Santos (2007) chama de “conhecimento

prudente para uma vida decente”, que deve ser científico e social. É um saber que procura

considerar o conhecimento tecnológico sem ignorar a necessidade de uma vida melhor para o

ser humano. Assim, o saber da formação docente seria um conhecimento-emancipação, entre

outras razões, porque visa à melhoria da qualidade do curso e à participação coletiva da

comunidade acadêmica fundadas no princípio da comunidade; e à discussão da implantação

de práticas alternativas de aprendizado, realizadas dentro e fora da sala de aula, reflexão e

discussão dos mecanismos de ensino, integração com a sociedade, reveladas pela ecologia dos

saberes e práticas (PPC, 2006, p. 5). Objetiva, ainda, em conformidade com a racionalidade

estético-expressiva e a racionalidade moral-prática que o egresso tenha [...] visão crítica da sociedade em que ele irá atuar, das suas responsabilidades éticas e sociais, do seu comprometimento com a disseminação e aplicação do conhecimento adquirido, tornando-o capaz de atuar de maneira dinâmica na pesquisa, na aplicação de conhecimentos no mercado de trabalho de modo responsável e na inovação educacional visando ao desenvolvimento de uma sociedade mais justa (PPC, p.11-2).

De acordo com Santos (2002, 2007), a ciência moderna desenvolveu-se no campo do

conhecimento-regulação que canibalizou as possibilidades do conhecimento-emancipação.

Esse autor (2007, p. 54-5) afirma que o ensino nas Universidades, a maneira de fazer teoria,

145

reprime e desacredita o próprio conhecimento. Para mudar essa situação e, assim, produzir um

conhecimento-emancipação, ele sugere desafios a serem enfrentados, que exemplifico com

falas de professoras: 1º) reinventar as possibilidades emancipatórias:

“Eu acho que nós precisamos, urgente, eu vou falar enquanto alguém que tem a pesquisa como foco do

trabalho e a formação na perspectiva do professor investigador. Para mim, é esse o eixo da formação; se

não é “o”, é “um” dos principais na minha perspectiva (P2).

2º) sermos interdisciplinares; buscar outra metodologia (modos) de saber, ensinar, aprender: “[...] conhecer número e saber fazer as contas. Então, isso continua valendo, não mudou não. Agora, o

que a gente traz hoje, é compreender que para contar e operar com números, você precisa conhecer o

conceito. [...]” (P17). “Então, eles traziam a questão da escola, dos seus alunos, dos seus outros colegas

e isso era muito enriquecedor para a aula” (P10).

3º) desenvolver subjetividades rebeldes e não conformistas: “Eu não entendo essa lógica de uma criança de sete anos de idade na primeira série ter que ficar sentada

na carteira por quatro horas” (P10); ao contrário, é preciso promover a autonomia, a vontade de fazer e

não a passividade monótona e a-criativa.

4º) o objetivo da sociologia das ausências e do procedimento de tradução é a tentativa de criar uma

Epistemologia do Sul: “É a possibilidade de produção do conhecimento sobre um Currículo em processo que está iniciando e

que tem uma contribuição que eu diria nacional, porque assim como você, outras pessoas estão olhando

esse currículo. Eu acho que formamos um corpo de conhecimento: é fundamental. [...]” (P2).

Portanto, vive-se uma época de transição paradigmática na sociedade e no mundo porque “[...]

temos problemas modernos para os quais não temos soluções modernas (SANTOS, 2007, p.

19), por isso há necessidade de (re)inventar a emancipação social59, ou seja, aprender com o

Sul global e propor suas próprias soluções. Essa necessidade advém da não realização de

valores como liberdade, igualdade, solidariedade e paz (idem, 2006, p. 27). Na sua proposta

de reconstrução teórica, esse autor parte de idéias marginalizadas pela modernidade ocidental:

o princípio da comunidade (pilar da regulação) e a racionalidade estético-expressiva

(emancipação social). Embora pareça que não tenha sido tão marginalizada como as citadas, a

racionalidade moral-prática, também, precisa ser incluída aí, em virtude de esta racionalidade

estar tão desprestigiada, hoje, apesar de ser, intimamente, relacionada com as demais; acredito

que sem ela as outras não se restabelecem, não se firmam. Vive-se, hoje, uma discrepância

entre expectativas e experiências, entre teoria e prática social, por isso, “[...] não é 59 Na modernidade “[...] a emancipação social é concebida como o processo histórico da crescente racionalização da vida social, das instituições, da política e da cultura e do conhecimento com um sentido e uma direcção unilineares precisos, condensados no conceito de progresso” (SANTOS, 2006, p. 31).

146

simplesmente de um conhecimento novo que necessitamos; o que necessitamos é de um novo

modo de produção de conhecimento. [...] necessitamos é de um pensamento alternativo às

alternativas” (SANTOS, 2007, p. 20) já existentes.

Na Educação, também, há discrepâncias entre expectativas e experiências, por exemplo: uma

maior qualificação dos docentes implica melhor ensino (expectativa), mas nem sempre é

assim que ocorre (experiência); uma maior qualificação docente resulta em aprendizagem

melhor e bons resultados discentes (expectativa), no entanto, cresce o índice de alunos que

chegam analfabetos funcionais ao final do Ensino Fundamental (experiência); o acesso ao

curso de Pedagogia fomenta o desejo de ser pedagogo-docente (expectativa), porém, no curso

de Pedagogia o interesse pela docência tem diminuído e aumentado o interesse pela gestão e

atividades não-escolares (experiência). Ocorre, assim, uma inversão nas discrepâncias: as

expectativas passam a ser mais negativas do que positivas em função das experiências

vividas.

É preciso continuar pensando a emancipação, não em termos modernos, porque os recursos

que regularam as discrepâncias estão em crise, mas com perspectivas transmodernas, o que

faz mudar o olhar que se põe sobre ela. Não está em crise, entretanto, a idéia de que

necessitamos e queremos uma sociedade, uma Educação, uma formação melhor e mais justa,

assentada em aspirações da modernidade: liberdade, justiça, igualdade e paz, pois estas

continuam necessárias. Afinal, o mundo continua com problemas modernos para os quais as

soluções modernas não mais dão conta, daí o caráter de transição em que vive. A reinvenção

da emancipação pode fazer aflorar novas soluções, novos possíveis para a Educação e para a

vida, ou fazer enxergar muitas, já existentes, porém, invisibilizadas.

As teorias hegemônicas da modernidade nem sempre se coadunam às realidades do Sul,

porque foram produzidas no Norte. Isso acontece na Educação, quando esta adota teorias

educacionais produzidas para realidades de países centrais e as assume como suas; algumas

vezes, os resultados são desastrosos. O caminho, portanto, é aprender com o Sul e produzir

teorias a partir da realidade periférica e semi-periférica, das margens, das fronteiras

(SANTOS, 2007, p. 19-20), conforme suas realidades. Vive-se, hoje, uma discrepância entre

teoria e prática social, que é nociva para ambas. Assim, para a teoria cega, a prática social é

invisível; para a prática cega, a teoria social é irrelevante. Na Educação, às vezes, se ouve

dizer: _ Na teoria é uma coisa e na prática é outra! Quer dizer, uma não consegue enxergar-

147

se na outra, nem vê-la, embora façam parte de um mesmo todo. Por isso, é preciso visibilizar

os conhecimentos e experiências existentes, reconhecê-los e realizar um diálogo entre as

diferentes culturas, por meio do procedimento da hermenêutica diatópica.

Esse novo “olhar” está ligado à “viragem cultural” nas ciências sociais, marcada pela ênfase

no estético e “[...] por uma renovada atenção ao visual e à percepção”, conforme alerta Nunes

(2002, p. 308). Na verdade, precisa-se de um pensamento alternativo às alternativas já

existentes, uma retomada da relação entre a cognição, a ética, a estética, a política, a

tecnologia e a cultura. Também, a Educação necessita de novos modos de produção de

conhecimentos que possam impulsionar de maneira emancipatória a formação de pedagogos,

nesse mundo revolucionado por tantas mudanças transglobalizantes implicadas em múltiplas

dimensões. Um desses modos poderia ser a produção de uma epistemologia que visibilize os

saberes silenciados, a conquista de espaços de produção, a divulgação e valorização desses

saberes, que na Educação seriam os saberes da prática escolar.

Nesse sentido, Santos (2007, p. 21) critica a racionalidade indolente que vigora no mundo e

ignora uma enormidade de experiências existentes, eu diria, inclusive, na Educação, nas

escolas, no próprio centro. Por isso, talvez, o discurso das professoras pesquisadas enfatize a

necessidade de “encontros” para planejar, para falar e ouvir sobre o trabalho de cada uma,

para divulgar eventos, projetos, resultados, numa atitude de compartilhamento de experiências

realizadas ou em processos de realização. A razão indolente manifesta-se de duas maneiras

principais: a razão metonímica (RM) e a razão proléptica (RP). A razão metonímica toma a

parte pelo todo, ignorando tudo que fica de fora; contrai o presente, porque desperdiça muitas

experiências, ignora a diversidade e produz ausências. Ela pode invisibilizar, na realização do

curso de Pedagogia, experiências bem sucedidas de ensino, projetos de pesquisa e extensão,

parcerias com escolas, necessidade de reuniões pedagógicas, de estudo, de planejamento

coletivo, de discussão das práticas, de criação de salas ambiente para determinadas áreas,

como Artes, Ciências, Matemática. A razão proléptica antecipa o futuro porque acha que já o

conhece, além de considerá-lo infinito. Nesse sentido, poderia perguntar se, no novo projeto

de curso, a formação estaria, de certo modo, sendo adiada para a especialização, no futuro,

devido à multiplicidade de dimensões abarcada, no presente, pela graduação?! A proposta do

autor é fazer o contrário dessas racionalidades, ou seja, ampliar o presente e encurtar o futuro

e, assim, combater a razão metonímica com a Sociologia das Ausências e combater a razão

proléptica com a Sociologia das Emergências, completadas pelo trabalho de tradução.

148

Mas, o que é a sociologia das ausências? “[...] é um procedimento transgressivo, uma

sociologia insurgente para tentar mostrar que o que não existe é produzido ativamente como

não-existente, [...], invisível à realidade hegemônica do mundo”, de acordo com Santos (2007,

p. 28-9; 2002, 2006). Com base nessa concepção eu perguntaria: Como a sociologia das

ausências pode expandir o presente no CE? Seria, por exemplo, repensando a variedade de

dimensões de formação/atuação que o currículo novo abrange?! O procedimento de tradução

proposto por Santos pode ser um caminho para ajudar a encontrar essa e outras respostas.

Entre os cinco modos de produção de ausências60 que esse autor (2007, p. 29) apresenta, o

primeiro, “a monocultura do saber e do rigor científico”, considera que só o saber científico é

válido e rigoroso. Essa monocultura ignora práticas sociais que são fundamentadas em saberes

populares, do senso comum, sem base científica e desqualifica conhecimentos alternativos;

nesse caso, o modo de produção, a forma social da inexistência é a ignorância. Na formação

de pedagogos seria desconsiderar a experiência docente e a experiência prática da escola em

geral, ignorar a experiência prática docente que estudantes do curso de Pedagogia, já

professores, trazem para a sala de aula da Universidade.

A sociologia das ausências propõe substituir as monoculturas pelas ecologias para visibilizar

experiências tornadas ausentes. Assim, a monocultura do saber e do rigor científico seria

substituída pela ecologia dos saberes e das práticas. Esta não pretende desacreditar as

ciências, mas propõe o uso contra-hegemônico da ciência hegemônica. Propõe que a ciência

não seja uma monocultura, mas participe de uma ecologia de saberes e de práticas que

dialogue com os múltiplos saberes, sem hieraquização. Santos (2007, p. 33) ressalta que não

basta conhecer a existência de um novo saber, mas é importante compreender o que ele pode

produzir na sociedade, por isso a proposta de fazer uma ecologia de saberes e de práticas, para

expandir o presente. Na formação de pedagogos essa ecologia não significaria, apenas,

conhecer os saberes “próprios” à docência, os saberes produzidos na formação, mas o que se

pode fazer com eles para realizar o trabalho docente, para melhorar o ensino-aprendizagem,

para formar pedagogos com características emancipatórias. Seria compreender como esses

saberes podem ser utilizados, como ensinar e aprender de outros modos, que efeitos produzem

nas crianças, nos adolescentes, na escola, na sociedade, etc.

60 1) Monocultura do saber e do rigor científico (ignorante); 2) Monocultura do tempo linear (residual); 3) Lógica da classificação social (inferior); 4) Lógica da escala dominante (local); 5) Lógica produtivista (improdutivo) SANTOS (2002).

149

A razão proléptica é enfrentada pela sociologia das emergências e procura reduzir o futuro.

Santos (2007, p. 37) propõe ampliar o presente e procurar ver “[...] os sinais, as pistas,

latências, possibilidades que existem no presente e que são sinais de futuro, que são

possibilidades emergentes e que são “descredibilizadas” porque são embriões, porque são

coisas não muito visíveis”. Portanto, que possibilidades podem ser visibilizadas no CE para

fertilizar a realização do currículo, para aprimorar a formação, hoje, e ver-fazer o futuro

agora, no presente?! Seria não transferir, de certo modo, a responsabilidade da graduação para

a especialização (docentes e discentes falam sobre a necessidade da especialização para poder

completar a formação e poder atuar), por exemplo?! Alterar a organização dos espaços-

tempos, criar salas-ambiente conforme solicitação de diversas professoras, devido à

especificidade das suas disciplinas?! Realizar trabalho integrado, intra-inter-transdisciplinar

entre professores do mesmo período e de outros, também?! Trabalhar em parceria com outros

setores da Universidade e da sociedade?! Integrar e partilhar o trabalho com a Escola Básica?!

As duas sociologias produzem uma variedade de realidades que não existiam antes, mas que

podem ser tornadas possíveis, como muitas das propostas citadas pelas professoras em nossas

conversações.

Em que consiste a sociologia das emergências? Ela “[...] consiste em substituir o vazio do

futuro segundo o tempo linear (um vazio que tanto é Tudo como é Nada) por um futuro de

possibilidades plurais e concretas, simultaneamente utópicas e realistas, que se vão

construindo no presente através das atividades do cuidado” (SANTOS, 2004, 794). O

conceito que preside à sociologia das emergências é o conceito de “Ainda-Não”, proposto por

Bloch (1995), porém, na filosofia ocidental predominou os conceitos de “Tudo e Nada”.

“Ainda-não” é a categoria mais complexa, pois constitui um movimento latente, no processo

de manifestar o modo como o futuro se insere no presente e o expande. É um futuro que

constitui possibilidades e capacidades concretas que redeterminam, ativamente, tudo que

tocam, é consciência antecipatória, é capacidade (potência) e possibilidade (potencialidade).

Perpetua no presente uma possibilidade incerta, que nunca é neutra; pode ser a possibilidade

da utopia ou da solução, ou a possibilidade do desastre ou da perdição. Essa incerteza faz com

que toda mudança implique receio, insegurança e é ela, que dilata o presente e contrai o futuro

tornando-o carente e objeto de cuidado. São, pois, três categorias modais de existência,

conforme Bloch (apud SANTOS, 2004, 795): realidade, necessidade e possibilidade. A razão

indolente focou sua atenção nas duas primeiras e descuidou da terceira.

150

Segundo Santos, Bloch convida a destinar a atenção na categoria modal esquecida, a

possibilidade, que é o movimento do mundo e implica três momentos: 1) carência: algo que

falta, é o domínio do “Não”. Seria o momento de se pensar o que falta na formação docente

para que seja mais coerente com os novos tempos, com as necessidades da sociedade e,

principalmente, para atender ao que o estudante vai buscar com a formação, na Universidade;

2) tendência: processo e sentido, é o domínio do “Ainda-não”. O novo currículo do curso de

Pedagogia entrou em vigor em 2006/01 e está em processo de realização. Apesar de ser

fundamentado num projeto, de ter princípios orientadores, uma matriz curricular, número

determinado de períodos e prazo para ser concluído, ele não deve ter um sentido linear e único

para caminhar, atravessado e atravessando o cotidiano, na vivência de processos de

desreterritorialização, ultrapassando fronteiras, (re)significando concepções, num contínuo

devir-formação; 3) latência: o que está na frente desse processo; é o domínio do “Nada e do

Tudo”. A realização da formação é processual, então pode-se perguntar: o que “Ainda-não”

foi feito, o que pode ser feito, o que está invisibilizado? A estrutura do novo curso pode

resultar em sucesso e esperança, ou em fracasso e frustração; pelo acompanhamento e

avaliação da realização curricular, parece que a eliminação das habilitações não foi uma boa

medida; o curso está sendo muito audacioso em perspectivar a formação de pedagogos para

assumir a multiplicidade de funções atribuídas à tríade: docência, gestão e pesquisa.

Nesse sentido, as possibilidades constituem o movimento para realização do curso e da

formação; e os possíveis que se busca nesse movimento, indicam caminhos que vão para além

do que está previsto, determinado, porque a feitura implica criatividade, criticidade, vontade,

poder, saber. A sociologia das emergências investiga as alternativas que cabem no horizonte

das possibilidades concretas existentes nos diversos espaços sociais. Assim, a sociologia das

ausências amplia o presente juntando ao real existente, o que dele foi retirado pela razão

metonímica; e, ainda, amplia o presente (e contrai o futuro) juntando ao real amplo, as

possibilidades e expectativas futuras que ele comporta. Então, a sociologia das emergências

promove a ampliação simbólica dos saberes, das práticas e dos agentes de modo a identificar

neles as tendências de futuro (“Ainda-não”) sobre as quais é possível atuar, para superestimar

a probabilidade de esperança, em relação à probabilidade de frustração. Essa ampliação

simbólica é, assim, uma forma de imaginação sociológica que tem duplo objetivo: conhecer

condições de possibilidade de esperança e definir princípios de ação que promovam a

realização dessas condições. As possibilidades de um currículo dar certo, de ser aprovado pela

comunidade educativa são incertas, como é o futuro, porém, há empenho no presente, para

151

que ele tenha sucesso, apesar de participantes expressarem dúvidas quanto ao seu texto e à sua

realização. A aposta e o cuidado na-pela-com a Educação, apoiada na ecologia de saberes-

fazeres-poderes, sustenta essa esperança utópica.

A sociologia das ausências atua no contexto das experiências sociais e a sociologia das

emergências no contexto das expectativas (SANTOS, 2004, p. 797). A sociologia das

emergências atua sobre as possibilidades (potencialidades) e sobre as capacidades (potências).

Seria agir sobre as potencialidades e potências da escola, da Educação, da formação. Como o

“Ainda-não” não tem um sentido definido (enquanto possibilidade), porque pode resultar em

esperança ou desastre, a sociologia das emergências substitui a idéia de determinação

(axiologia do progresso), pela idéia axiológica do cuidado (2004, p. 796). A axiologia do

cuidado tem dimensão ética: na sociologia das ausências ela é exercida em relação às

alternativas disponíveis; e na sociologia das emergências ela é exercida em relação às

alternativas possíveis. A sociologia das ausências e a sociologia das emergências não são

sociologias convencionais devido à dimensão ética e à dimensão subjetiva que as envolve. O

elemento subjetivo da sociologia das ausências é a consciência cosmopolita e o

inconformismo ante o desperdício da experiência; e da sociologia das emergências é a

consciência antecipatória e o inconformismo ante uma carência cuja satisfação está no

horizonte de possibilidades. Os elementos fundamentais não são acessíveis sem uma teoria

das emoções (Bloch). O “Não, o Nada e o Tudo” iluminam emoções básicas como fome ou

carência, desespero ou aniquilação e confiança ou resgate. São emoções presentes no

inconformismo que move tanto a sociologia das ausências como a sociologia das

emergências. A sociologia das ausências move-se no campo das experiências sociais e a

sociologia das emergências move-se no campo das expectativas sociais, procedimentos que

devem ser associados ao trabalho de tradução, a uma epistemologia do Sul.

Assim, Santos afirma que não há uma teoria geral que dê conta da diversidade inesgotável de

experiências e conhecimentos do mundo. Daí ele sugere o procedimento de tradução: “[...] um

processo intercultural, intersocial. [...] é traduzir saberes em outros saberes, traduzir práticas e

sujeitos de uns aos outros, é buscar inteligibilidade sem “canibalização”, sem

homogeneização” (SANTOS, 2007, p. 39). Seria criar inteligibilidade sem destruir a

diversidade. O autor (idem, p. 41) continua: “Esse procedimento de tradução é um processo

pelo qual vamos criando e dando sentido a um mundo que não tem realmente um sentido

único, porque é um sentido de todos nós; [...]”. É um processo que Santos chama

152

Epistemologia do Sul (saberes silenciados) e, para isso, ele (2007, p. 43) propõe “uma

tradução recíproca: eu traduzo e você traduz, e nos traduzimos reciprocamente”. Esse novo

conhecimento deve ser mais horizontal, mais compartilhado (princípio da comunidade) por

todos do CE na realização cotidiana curricular.

Para Santos (2007, p. 46), uma característica da transição é trabalhar o velho para renová-lo

até o limite, à exaustão, a partir da própria realidade, das próprias experiências. É uma atitude

diferente de desqualificar o que já se faz, por exemplo, em Educação, acreditando que o novo

é melhor, que a experiência realizada é descartável, é ultrapassada, que as propostas

educativas dos países do Norte são mais atualizadas (até podem ser), porém é preciso criar e

valorizar saberes que emergem em cada realidade. Santos (2007, p. 46) sugere utilizar a

ecologia dos saberes e práticas como uma extensão universitária ao contrário, ou seja, trazer

outros tipos de conhecimentos de fora para dentro da Universidade, neste caso, trazer as

experiências da Escola Básica e experiências não formais, como já fazem diversos professores

do CE, como P8, P2, P11, P5. Uma aluna, também, faz essa sugestão: “Seria ótimo trazer a

escola para a Universidade!” Ao trazer a escola, com ela vêm todos os seus saberes-fazeres-

poderes, suas experiências, dificuldades, necessidades que enriquecem a discussão didático-

pedagógica da formação. A professora P2 destaca a parceria da Universidade com a escola,

fala sobre o movimento de trazer a sociedade para dentro da instituição universitária e abrir

espaços:

Nós tivemos uma experiência com alunos de Mestrado e alunos de Graduação de Educação Especial

(EE). O que fizemos? Nós demos, AQUI, na Universidade, um mini-curso para os professores das escolas

onde estávamos fazendo o estágio. Olha, isso virou uma sensação para aqueles professores! Não era

gente indo lá, espremendo horário não! Eles tinham horário, vindo para cá para a Universidade. Quase

enlouquecemos com problema de ônibus trazendo esses professores aqui. TEM QUE SER AQUI! Tem

coisa que eles têm que ver no ambiente da Universidade. E foi uma experiência muito boa! ISSO FAZ

DIFERENÇA! Não estou falando da linha (de pesquisa), mas de coisas que podem ajudar ao curso de

Pedagogia [...].

Portanto, novos modos de produção de saberes-fazeres-poderes exigem a participação, além

do espaço doméstico, de outros e novos espaços, que não são dados, mas conquistados. Nessa

realização, Santos (2007, p. 48) afirma: “Não temos outra opção, são nossos corpos que estão

incorporados em uma história. É a materialidade de nosso corpo, a partir da qual tentamos

pensar o que está fora do corpo. Só esse é o limite do que podemos pensar”. É preciso ir de

153

uma ciência à outra, “buscar conceitos que venham de outros conceitos” (idem, 2007, p. 49).

A necessidade de pertencimento, às vezes, dificulta o novo. Esse autor sugere reinventar a

teoria crítica, que de acordo com ele, opto por chamar crítica-renovada, conforme as

necessidades de hoje. O currículo novo de Pedagogia busca aliar ensino, pesquisa e extensão

na produção de saberes-fazeres-poderes que permeia a formação; esse é um dos desafios na

realização curricular cotidiana.

Assim, neste estudo, os saberes são analisados na perspectiva do conhecimento-emancipação;

os saberes teóricos são aliados aos saberes da experiência prática adquirida no cotidiano do

trabalho docente e esse é um dos pressupostos do PPC (2006). O saber prático tem sido

considerado como o saber do senso comum, ou seja, é prático e pragmático, é transparente e

evidente, desdenha as estruturas, é indisciplinar e imetódico, é retórico, porém o novo senso

comum deverá ser construído a partir do princípio da comunidade, da racionalidade estético-

expressiva e da moral-prática. Esse conhecimento-emancipação implica uma nova ética que

“[...] não seja colonizada pela ciência nem pela tecnologia, mas parta de um princípio novo”

(SANTOS, 2002, p. 111) e seja valorizado como um saber diferente e significativo.

Afinal, que conhecimentos são esses que professores transmitem, produzem, consomem,

discutem com os discentes61 para realizar a formação do pedagogo? Em nossas conversações,

as docentes expressam sua compreensão sobre a mudança que deve ocorrer nesses saberes-

fazeres-poderes. A professora P18 visibiliza a necessidade de integração entre os docentes

para que possam agir de modo partilhado, também, com as discentes no ensinar-aprender,

com base no princípio da comunidade: Isso é uma das coisas que eu mais insisto aqui: que a gente tem muita fé nos alunos! A gente acredita

muito que eles vão fazer coisas que NÓS NÃO CONSEGUIMOS fazer com eles! Que eles vão conseguir

chegar numa escola, coordenar um grupo ENORME de professores, com horários desencontrados e vão

conseguir desenvolver na escola um trabalho interdisciplinar, com interesses muito variados, com

crianças com TODO tipo de experiência de vida e VÃO CONSEGUIR FAZER um trabalho que NÓS

AQUI na Universidade NUNCA conseguimos! Articular diferentes áreas, pensar um projeto

INTEGRADO de formação de professores, ir para a sala de aula falando a mesma língua, permitir que

eles saibam que as nossas disciplinas foram planejadas em conjunto e a gente fazer na aula a relação

com a disciplina de outro professor, aquilo EXATAMENTE que a gente está RECOMENDANDO QUE

FAÇAM e NÓS NÃO DAMOS CONTA DE FAZER!

61 Utilização da forma feminina porque a grande maioria é do sexo feminino.

154

O discurso da professora provoca uma reflexão crítica, uma reflexividade, uma

inteligibilidade, com o uso do procedimento da hermenêutica diatópica, como diria Santos

(2006), acerca da formação que está sendo realizada, de questões de ordem teórico-prática que

os pedagogos deverão dar conta na escola. A atitude de trazer conhecimentos de natureza

prática da docência, do cotidiano da sala de aula e da escola, para dentro da sala de aula

universitária, aliando conhecimentos da academia com conhecimentos da escola, na produção

de saberes-fazeres-poderes docentes, seria um modo de pôr em prática a ecologia dos saberes

e das práticas. É importante, portanto, o planejamento, as estratégias, as táticas, os artefatos

que a professora utiliza, atenta que está às necessidades dos estudantes, aos modos que

considera propícios para trabalhar determinada disciplina, para realizar o ensino-

aprendizagem. O conhecimento-emancipação enfatizaria o princípio da comunidade, a

racionalidade moral-prática e a racionalidade estético-expressiva. Nesse sentido, trago um

exemplo da professora P18:

E como é que eu pretendo formar um professor que vai ter habilidade para despertar isso (curiosidade,

entusiasmo) no aluno, se ele, na PRÓPRIA FORMAÇÃO, não vivencia?! Eu tenho que FAZER que, de

alguma forma, esse aluno fique curioso, queira experimentar, perguntar, pois quando ele estiver na sala

de aula com crianças, ele tenha esse mesmo entusiasmo de fazer o olhinho do aluno brilhar da mesma

forma que o dele brilhou, quando viu o resultado da experimentação! Então, é por isso que é TÃO

importante trabalhar com ele nessa perspectiva de suprir a lacuna de conteúdo sim, MAS construir

conhecimento metodológico! De como é que eu vou pegar essa coisa tão legal que eu descobri, que eu

aprendi agora, e tornar isso compreensível, acessível para o meu aluno de 8, 9 anos?!

Atividade de Estágio curricular

Observa-se que, além do conhecimento acadêmico-científico, o prazer de aprender-ensinar-

para-aprender da professora contagia seus alunos e torna o processo mais aprazível; é a

presença da ética e da estética para além do conteúdo e da cognição. Percebe-se que

professoras estão imbuídas de um compromisso que supere a regulação, a colonialidade e

produza saber-solidariedade. Percorrendo os discursos docentes, pude (a)notar saberes,

aprendizagens e modos de trabalhar na formação que emergiram nas conversações. Poderia

155

incluí-los em dimensões (inseparáveis): cognitiva, pedagógica, ética, estética e política

(CEVIDANES, 2008). Santos (2002, p. 74) propõe “um conhecimento prudente para uma

vida decente”, portanto, um conhecimento-emancipação, que seja científico, mas também

social, porque se preocupa com, o que fazer com esse conhecimento, para que a sociedade

viva melhor. A solução, para ele (2002, p. 78), está numa assimetria que sobreponha a

emancipação sobre a regulação, com a cumplicidade epistemológica do princípio da

comunidade e da racionalidade estético-expressiva e da moral-prática.

Esse autor (2002, p. 80) sugere estratégias contrárias ao que está posto pela racionalidade

indolente e, assim, provocar o desequilíbrio do conhecimento a favor da emancipação: propõe

reafirmar o caos como forma de saber e não de ignorância (como se faz no conhecimento-

regulação); e revalorizar a solidariedade como forma (hegemônica) de saber. Por ocasião da

implantação do novo currículo e da reestruturação do CE ocorreram e ocorrem, ainda,

problemas quanto as relações intra-inter-departamentais, horários, distribuição de disciplinas,

constituição de departamentos, etc. e a ordem é prejudicada; porém, na perspectiva

emancipatória, esse aparente caos constitui um movimento de (re)construção de parcerias, de

solidariedade, de trabalho compartilhado. A solidariedade seria uma forma de saber que

reverte o colonialismo; este “[...] consiste na ignorância da reciprocidade e na incapacidade de

conceber o outro a não ser como objeto. A solidariedade é o conhecimento obtido no

processo, sempre inacabado, de nos tornarmos capazes de reciprocidade através da construção

e do reconhecimento da intersubjetividade” (SANTOS, 2002, p. 83).

No paradigma emergente, a ênfase dada à solidariedade converte a comunidade no campo

privilegiado do conhecimento-emancipação. Nessa fase de transição paradigmática em que

vive o mundo, a opção epistemológica mais adequada é a revalorização e a reinvenção do

conhecimento-emancipação. Hoje, a solidariedade é considerada uma forma de caos e o

colonialismo uma forma de ordem (uma inversão do que ocorre no conhecimento-regulação).

Assim, o saber-solidariedade pretende substituir o objeto-para-o-sujeito pela reciprocidade

entre sujeitos. Nesse paradigma que emerge, o caráter autobiográfico do conhecimento-

emancipação é assumido como um conhecimento novo que se une ao que já se estuda, ou

seja, que seja ligado à realidade, contextualizado, produzindo novos conhecimentos sem

desvalorizar os conhecimentos já existentes, como fazem P2, P18, P5, P8, entre outros.

156

Os três núcleos62 de conhecimentos (PPC)

Retomo a proposição de organização dos conhecimentos na formação de pedagogos, expressa

na matriz curricular do curso de Pedagogia, ao buscar diferentes dimensões presentes nas

narrativas docentes. Na proposta do CE (PPC, p. 24-6), em conformidade com as Diretrizes

Nacionais, os conhecimentos estão distribuídos, em três núcleos: estudos básicos,

aprofundamento e diversificação de estudos e estudos integradores. Esses núcleos devem ser

trabalhados considerando uma tríplice relação (PPC, p. 16): domínio de saberes,

transformação de saberes e atuação ética. Procuro ver nesses saberes as dimensões propostas

por Santos: o barroco - a dimensão estética (o prazer, a expressividade); a fronteira – a

dimensão política (a participação) e o Sul – a dimensão ética (a solidariedade). As três

dimensões e os saberes trazem a marca do compartilhamento, base do princípio da

comunidade, que deve existir no processo de ensinar-aprender-a-ensinar. Analiso os saberes

em conformidade com os núcleos de estudos apresentados no PPC (2006).

1) Núcleo de estudos básicos

O PPC (2006, p. 24-5), de acordo com a Legislação Nacional, inclui na sua organização

curricular um “núcleo de estudos básicos que, sem perder de vista a diversidade e a

multiculturalidade da sociedade brasileira, [...] articulará a) [...] diferentes áreas do conhecimento (campo da Pedagogia), [...]; b) [...] gestão democrática [...]; c) [...] processos educativos e de experiências educacionais, em ambientes escolares e não-escolares; d) [...] conhecimento multidimensional sobre o ser humano, em situações de aprendizagem; e) aplicação, em práticas educativas, de conhecimentos de processos de desenvolvimento de crianças, adolescentes, jovens e adultos, nas dimensões: física, cognitiva, afetiva, estética, cultural, lúdica, artística, ética e biossocial; f) realização de diagnóstico sobre necessidades e aspirações dos diferentes segmentos da sociedade, relativamente à educação, [...]; g) planejamento, execução e avaliação de experiências que considerem o contexto histórico e sociocultural do sistema educacional brasileiro, [...]; h) estudo da Didática, de teorias e metodologias pedagógicas, de processos de organização do trabalho docente, de teorias relativas à construção de aprendizagens, socialização e elaboração de conhecimentos, de tecnologias da informação e comunicação e de diversas linguagens; i) decodificação e utilização de códigos de diferentes linguagens utilizadas por crianças, além do trabalho didático com conteúdos, pertinentes aos primeiros anos de escolarização, relativos à Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História e Geografia, Artes, Educação Física; j) estudo das relações entre educação e trabalho, diversidade cultural, cidadania, sustentabilidade, entre outras problemáticas centrais da sociedade contemporânea;

62 Os três núcleos a que me refiro a seguir constituem o modo de organização dos conteúdos, de acordo com o PPC (2006). Os demais núcleos a que faço referência neste trabalho, são setores do Centro de Educação, como Núcleo de Educação Infantil e outros.

157

k) atenção às questões atinentes à ética, à estética e à ludicidade, no contexto do exercício profissional, em âmbitos escolares e não-escolares, articulando o saber acadêmico, a pesquisa, a extensão e a prática educativa; l) estudo, aplicação e avaliação dos textos legais relativos à organização da educação nacional”.

Considero importante relacionar todos esses itens, para que se perceba a extensão do 1º

núcleo de estudos, que constitui a base da formação do pedagogo e, assim, visualizar o que ele

propõe para ser estudado, conforme indica o PPC. A legislação estabelece, portanto, um longo

rol de atribuições direcionadas ao pedagogo. As práticas discursivas de duas professoras

questionam essa extensa proposição. P2 pergunta com ênfase: _ Será que há lugar nesse currículo para tais especificidades? _ Será que é possível formar o professor

de 1ª a 4ª série, de Educação Infantil, o antigo especialista, esse sujeito que dá conta de maneira mais

ampla da gestão da educação? Então o pedagogo, no sentido que a gente vem usando hoje em dia, é o

gestor, o articulador do currículo, é o sujeito que pensa as questões da organização da escola. [...] Mas

aquele que dá conta de pensar a educação de jovens e adultos está aí, atravessado por mil outras

questões! _ Será que nós daremos conta de tudo isso na formação do pedagogo, com o sentido amplo da

palavra, nesses quatro anos de curso? Por outro lado, eu também não quero, não faço o gênero

pessimista!

A professora P6 concorda que é um desafio enorme o que pretende o PPC e considera este

novo profissional como [...] o tipo do pedagogo-bombril, mil e uma utilidades! É a leitura que eu faço. Quando a gente fez o

nosso curso de Pedagogia tentando atender ao que estava proposto, vamos ver que a prioridade é a

docência. A gente fez assim. Se analisar mais friamente em gestão também é muito forte aqui! Está tudo

junto. Mas na anterior também era assim. A partir do 6º período os alunos faziam a gestão.

Então, essa primeira dimensão, seria a base de conhecimentos do pedagogo constituída pelos

“conhecimentos pedagógicos de formação geral” (PPC, p. 21) que estão relacionados com as

disciplinas de Fundamentos e incluem: a) [...] conhecimentos filosóficos, sociais, históricos,

econômicos, políticos, artísticos e culturais; b) [...] políticas educacionais e seus processos de

implementação; c) [...] desenvolvimento e a aprendizagem de crianças, jovens e adultos,

considerando as dimensões cognitivas, afetivas, socioculturais, éticas e estéticas; e d) articular

as teorias pedagógicas e de currículo no desenvolvimento da docência, [...] na organização e

gestão do trabalho educativo escolar e não-escolar. São conhecimentos que devem possibilitar

o alcance da extensa enumeração de experiências formativas propostas no PPC (p. 24-5). Os

itens relacionados aos saberes dos Fundamentos, que explicitam os conhecimentos de base da

formação estão a seguir, exemplificados com fragmentos de falas de professoras:

158

a) [...] conhecimentos filosóficos, sociais, históricos, econômicos, políticos, artísticos e

culturais: Creio, hoje, que eu ainda seja antiga, ainda volto para aquilo que a gente tem chamado de base da

educação. Acho que a gente tem ainda que trabalhar muita Filosofia, Sociologia, muita História da

Educação, muita Antropologia (que não consta na matriz curricular) e a Psicologia; essas são disciplinas

de fundo e precisam estar lá (P2).

Tem um bloco de disciplinas que são importantes, que são os fundamentos. Acho que esse bloco neste

currículo perdeu muito, porque somem disciplinas de fundamentos. Como é que pode o aluno ter

Sociologia da Educação e não ter Sociologia (geral, antes)? (P6).

Filosofias da Educação Brasileira vão ajudar na compreensão do mundo, (re)elaborar concepções na

ética, no cotidiano, nas escolhas (P9).

b) [...] políticas educacionais e seus processos de implementação: Na verdade a gente tem trabalhado um breve histórico dos movimentos sociais e EJA, depois a gente

trabalha um pouco com as políticas, legislação, em relação a EJA (P13).

c) [...] desenvolvimento e a aprendizagem de crianças, jovens e adultos, considerando as

dimensões cognitivas, afetivas, socioculturais, éticas e estéticas: Os alunos não têm conhecimento aprofundado da infância em teóricos, do que é criança; nem de

adolescente. Ninguém vai ser pedagogo só das séries iniciais, mas de 5ª em diante e ensino médio (P6).

Estou na primeira experiência de ‘Infância e Educação’ e de ‘Trabalho docente em Educação Infantil’.

Nós temos buscado primeiro, o leque de textos e referências bibliográficas, uma discussão da infância, da

relação e da dimensão com a criança, [...] (P4).

[...] trabalhei diferentes concepções de homem, as percepções. [...] (P10).

d) articular as teorias pedagógicas e de currículo no desenvolvimento da docência, [...] na

organização e gestão do trabalho educativo escolar e não-escolar: Quando eu falei do cotidiano, é essa professora perceber a organização que a sala de aula tem. Vou usar

uma palavra bem tecnicista, de gestão mesmo. Discuto com elas a questão da autoridade do professor na

sala de aula, enquanto gestor daquele espaço com os alunos. Gerir esse espaço tem a ver com a

organização do espaço-tempo; [...] Então como ela divide (e usa) esse espaço-tempo de trabalho? Ela vai

trabalhar com projetos, vai optar por formas de organizar, com atividades seqüenciais, selecionar

conteúdo com o objetivo que se propõe. Por isso não é uma coisa mecânica. Não importa a perspectiva

que você vai trabalhar; você tem quatro elementos fundamentais: objetivos, conteúdos, metodologia e

avaliação. Vou baseando nos documentos oficiais para a discussão, certo? Pego o PCN, busco um

objetivo oficial e pergunto: _ A partir daí, como você desencadeia um fazer? (P16).

A idéia é que a aluna busque elementos de todas, da Didática, que se fundamentasse com esse

conhecimento e criasse um projeto de ensino para atuar na realidade. Os alunos não põem em prática

159

esse projeto, é um exercício. A prática vem no estágio e o aluno leva essa experiência de elaboração que

não tinha antes. Deve ajudar bastante no processo de ir para um CEMEI ou escola EF, de aprender a

fazer diagnóstico dessa realidade, de conversar com alunos, com professores, de pensar que este

diagnóstico tem que ser utilizado para problematizar a realidade, escolher um determinado aspecto que

vê como problemática e tentar pensar um modo de intervenção nesse contexto, fazer a proposta e

registrar. O registro é fundamental nesse processo. É na PEPP III, que estamos conseguindo fazer e é o

que a gente pensa propor aos outros; propor a I e a II, porque elas não estão no nosso departamento,

para ver se seguem essa mesma linha (P7).

As alunas dizem que já aprenderam no curso: [...] a importância da formação continuada, de buscar saber sempre mais, pois não há um saber pronto,

tem que construir (A).

Compreender que a professora passa texto, ensina, mas posso construir a minha própria prática (A).

[...] necessidade de ensinar a fazer análise, a elaborar plano de aula e pautas (A).

[...] importância da pesquisa (A).

No que concerne aos conteúdos da formação, um dos principais objetivos do currículo novo

em todos os núcleos de conhecimentos é integrar a teoria e a prática, em todas as disciplinas,

desde o início do curso. Uma aluna fala sobre a dificuldade em fazer a integração: “Hoje na

aula, a gente estava falando sobre a coerência entre a teoria e a prática; muitas vezes a

prática é incoerente. Por quê? Porque não tem como de fato, fazer como se pretende” (Será

que não tem ou não se sabe ainda como fazer?). Outra lembra que “As aulas são repletas de

exemplos e o estágio também ajuda”. A professora P18 ressalta que não basta falar, mas é

preciso fazer: “_ Dizer que a teoria e a prática precisam estar articuladas não convence!

Convence se a gente conseguir articular!”. Essa é uma questão polêmica porque se teoria e

prática fazem parte de um mesmo todo, se uma inclui a outra, se uma não existe sem a outra,

como integrá-las se já são integradas, então?!

Numa tentativa de entender a relação teoria e prática como um todo, retomo a razão

metonímica, que é obcecada pela idéia da totalidade; a parte é tomada pelo todo (e some

nele). A forma mais acabada de totalidade é a dicotomia (que combina simetria e hierarquia).

A simetria entre as partes é uma relação horizontal, uma igualdade-valoração aparente entre

teoria e prática, que esconde uma relação vertical em que a teoria é considerada superior à

prática, como o conhecimento científico é considerado superior ao do senso comum. Na razão

metonímica, a totalidade é feita de partes homogêneas, porque o que fica fora dessa totalidade

não interessa. Ela contrai, diminui o presente, por isso este se torna fugaz, momentâneo

160

(SANTOS, 2007, p. 25-6). Segundo essa razão não existe nada fora da totalidade que mereça

ser inteligível; ela não aceita que a compreensão do mundo seja mais do que a compreensão

ocidental do mundo; considera que nenhuma das partes pode ser pensada fora da totalidade e

não admite que uma parte tenha vida própria (SANTOS, 2006, p. 98).

A razão metonímica produz não-existência do que não cabe na sua totalidade e no seu tempo

linear, talvez, por isso a prática docente escolar tem sido tão invisibilizada, ignorada,

desmerecida ao longo dos tempos. Mediante isso, compreende-se que existem muitas

totalidades e que a teoria é uma totalidade e a prática é outra totalidade, embora façam parte

de um mesmo todo, que é o conhecimento. Simplesmente, uma não é superior, nem a outra

tem que se anular para fazer parte da totalidade do conhecimento, assim, como outros

conhecimentos que existem na sociedade. Isso se explica porque a matriz fundadora, o

Oriente é totalizante, pois abrange uma multiplicidade de mundos (terrenos e extraterrenos) e

uma multiplicidade de tempos (passado, presente, futuro, cíclico, linear, simultâneo). O

Ocidente aproveita do Oriente só o que contribui para a expansão do capitalismo, ou seja, a

multiplicidade de mundos é reduzida ao terreno e a multiplicidade de tempos, ao tempo linear.

A proposta de Santos (2006, p. 101) é, então, “Pensar o Sul como se não houvesse o Norte,

[...]”; compreender as relações de poder imaginando os dominados livres da dominação. Mas

acredito que o Norte não deve ser ignorado, ele precisa ser (re)significado e olhado, não como

aquele que domina e sabe, mas como aquele com o qual se pode aprender e a quem se pode

ensinar, porque o Sul, também, tem seus saberes e suas experiências. A razão metonímica

produz “[...] não-existência sempre que uma dada entidade é desqualificada e tornada

invisível, ininteligível ou descartável de um modo irreversível” (SANTOS, 2006, p. 102;

2004, p. 787) como ocorre em relação à experiência da prática escolar. Na perspectiva

emancipatória, a sociologia das ausências torna presentes, experiências disponíveis, que

estavam invisibilizadas e a sociologia das emergências presentifica as experiências possíveis.

O autor propõe uma inteligibilidade por meio da hermenêutica diatópica para encontrar novas

maneiras de os conhecimentos se relacionarem. Ele associa às sociologias, o procedimento de

tradução, processo por meio do qual se cria e se dá sentidos ao mundo, que não tem um único

sentido, nem uma só direção. Pensando a teoria e a prática por essa perspectiva, fico mais à

vontade para explicá-las como totalidades, que fazem parte de um mesmo todo, que têm vida

própria, embora uma inclua a outra, sem querer forçá-las como uma só totalidade. Por

161

exemplo, nas minhas andanças pelo interior do Estado do E. Santo, trabalhando com

formação continuada de professoras, encontrei, muitas vezes, práticas docentes que

retratavam diversas teorias, embora essas professoras desconhecessem tais teorias; quer dizer,

sua prática é produção teórica e a produção teórica do pesquisador é, também, uma prática.

Na realização curricular há saberes-fazeres-poderes que perpassam e interferem no-do-com o

cotidiano onde se realiza o curso e que são importantes e próprios à formação de pedagogos.

Em algumas disciplinas, os alunos vão adquirindo conhecimentos relativos ao exercício da

profissão e outros específicos de áreas como Língua Portuguesa, Matemática, que também

fazem parte da matriz curricular da Educação Básica e nelas são trabalhados o Conteúdo e a

Metodologia dessas disciplinas. Por exemplo, estudam como ensinar um conhecimento

específico da Matemática, que alunas-já-professoras trazem do Ensino Fundamental e Ensino

Médio por onde passaram e da sua experiência, como docentes que são. A professora P17

afirmou enfática que elas “_ NÃO TRAZEM! Não trazem porque não têm a base; sabem fazer

a conta, quando sabem; sabem escrever o número, mas não têm a compreensão...”.

Apropriar-se desse conhecimento não significa que a futura-pedagoga vai saber ensinar;

precisa adquirir, TAMBÉM, saberes que são próprios aos modos de ensinar. Ela estuda a

teoria, porém, muitas vezes, não sabe o que fazer com essa teoria na escola, na sala de aula,

não sabe como ensinar! Isto não quer dizer que deva existir um almanaque, tipo receituário

com fórmulas infalíveis de como ensinar, mas que é preciso ter esses conhecimentos para

criar os modos próprios de ser-fazer a Educação.

Então, quanto ao primeiro núcleo de estudos básicos do PPC, a professora P6 refere-se a ele

como muito importante, principalmente, no processo inicial de formação: [...] Os conhecimentos e saberes importantes são os fundamentos [...]. A gente tem Matemática, Ciências,

História, Geografia e o pessoal diz que precisa ter só uma Didática, porque tudo isso aqui é Didática,

[...]. Só que no meu entender, esse nosso curso está levando a conhecimento de ordem prática,

fragmentado e sem aquela fundamentação. [...] se eles não tiverem a outra conexão, fica técnico! E,

162

como operar, é uma técnica?! Então, acho que o nosso curso acaba perdendo muito desses

conhecimentos [...] _ Ah, é porque eles vão para a escola!

Nesse sentido, Lima (2006, p. 273) ressalta a importância de que futuros-pedagogos “[...] se

apropriem dos conteúdos básicos para a sua formação não só com profundidade teórica, como

também com atitude crítica [...]”. Essa autora lembra que a formação no curso de Pedagogia

vive um sério problema devido à polivalência e à extensão dos conteúdos a serem trabalhados

com os discentes. Além dos conteúdos do currículo da Pedagogia, devem ser considerados os

conteúdos curriculares da Escola Básica onde futuros-pedagogos irão atuar. Lima (2006, p.

274) sugere, então: “E, se em quatro anos de curso é difícil conseguir essa façanha, seria de

todo indicado que a formação continuada prosseguisse tratando dessas questões”, afinal a

formação deve ser contínua, permanente e é essa a proposta atual da legislação e a concepção

assumida pelo CE. Portanto, os saberes do primeiro núcleo condizem com a fundamentação

teórico-prática necessária à compreensão da profissão do pedagogo nas suas diversas

dimensões.

2) Núcleo de estudos: aprofundamento e diversificação

O núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos está voltado às áreas de atuação

profissional e oportunizará entre outras possibilidades: a) investigações sobre processos

educativos e gestoriais, em diferentes situações institucionais escolares, comunitárias,

assistenciais, empresariais, outras; b) avaliação, criação e uso de textos, materiais didáticos,

procedimentos e processos de aprendizagem que contemplem a diversidade social e cultural

da sociedade brasileira; c) estudo, análise e avaliação de teorias da educação, a fim de

elaborar propostas educacionais consistentes e inovadoras (PPC, 2006, p. 26). O agrupamento

das disciplinas do segundo grupo feito pela professora P2 indica que elas contribuem para a

compreensão do trabalho educacional em geral: Outro conjunto de disciplinas de fundo são as disciplinas que dão suporte às questões da Educação. Eu

acho que as Organizações e os Ensinos, como é que a Educação Brasileira se dá, é a Política, é a

Legislação... Eu nem sei se a disciplina é Didática, mas passa pela Didática, que passa pelo Currículo,

pela Avaliação; é outro conjunto de disciplinas fundamentais. Longe de mim, pensar que a gente tem que

ter um teórico e uma perspectiva teórica, até porque estamos na Universidade, agora, e esposemos quem

quisermos, mas façamos isso em profundidade! Temos feito essa discussão com nossos alunos de maneira

muito superficial. Aí, eu chamo lá, em Currículo, em necessidades especiais: _ Vamos olhar a questão

dos signos, como é que a gente vai trabalhar._ Ah, eu não lembro, disso, não! Quem lembra é Fulana,

porque ela fez um trabalho sobre Vigotsky, porque só aquele grupo leu, se aprofundou um pouco.

163

Fazendo a ponte, qu, acho, você quer fazer também, para que esse aluno do curso de Pedagogia dê conta

de pensar a questão da semiótica, da mediação na educação de crianças especiais ou não, há que se

estudar isso! Esse professor que dá aula precisa disso, porque se como nós dizemos, que o nosso aluno de

Pedagogia, só sabe a matéria do nível da série que vai ensinar, ou seja, se ele trabalha só até 2ª série,

então, não precisa saber fazer conta com decimais, porque só vai ensinar mesmo, divisão de números

inteiros! (necessidade de ter também os conhecimentos da Escola Básica).

Este núcleo de aprofundamento refere-se à atuação do pedagogo como produtor de

conhecimentos (PPC), uma dimensão que trata de conhecimentos pedagógico-didáticos que

implicam: a) participar da formulação, implementação e avaliação contínua de projetos

pedagógicos escolares e não-escolares; b) planejar, desenvolver e avaliar situações de ensino e

de aprendizagem, de modo a adequar objetivos, conteúdos e metodologias específicos das

diferentes áreas à diversidade dos alunos e aos fins da educação; c) incorporar as tecnologias

de informação e comunicação ao planejamento e às práticas educativas; d) analisar situações

educativas e de ensino e realizar estudos e pesquisas, de modo a produzir conhecimentos

teóricos e práticos que visem a inclusão de todos (PPC, p. 21-2).

Para a professora P17, não basta saber os conteúdos a serem ensinados-aprendidos, é preciso

compreendê-los: “[...] o que a gente traz hoje, é compreender que para contar e operar com

números, você precisa conhecer o conceito”. Ela continua explicando questões relacionadas

ao ensino da Matemática: São poucas horas e isso é uma discussão da área, a gente querer mais horas, não porque a Matemática

seja mais importante ou menos, mas porque nós trabalhamos muito com o aluno que vem traumatizado

pela Matemática. Na verdade esse aluno escolhe EI ou 1º, 2º e 3º anos (EF) porque lá não tem que

trabalhar muito Matemática, na opinião deles, porque lá eles vão alfabetizar. A alfabetização eles gostam

porque é Língua Portuguesa, mas esquecem que a gente tem que alfabetizar na linguagem matemática,

ou seja, como eles vão operar e resolver problemas sem conhecer?! [...] Isso a gente conhece muito bem

em Língua Portuguesa, mas em Linguagem Matemática, NÃO!” (P17).

P5 exemplifica como faz o ensino: “Eu sempre levo as reproduções (das obras) antes de ir

para uma exposição. Eu me lembro numa exposição, uma obra modernista! E a aluna diante

daquilo falou assim: _ Mas o meu aluno não vai entender isto! Não é o aluno! É ela que não

conseguia nem chegar próximo ao que ela acha que se trata. Não estava dizendo nada para

ela”. Mas o que é entender a obra de arte?! Tem algum entendimento pré-determinado?! A

professora explica:

164

É o entendimento dela, não é o do aluno! A gente em Artes diz que cada professor faz a curadoria das

obras que leva para sala de aula e que essa curadoria é de extrema importância porque é por meio dela

que você está levando a arte. Todas as pesquisas têm mostrado na relação do museu com a escola, da

escola com outros espaços, que não é pelas mãos dos pais que as crianças têm a relação com a arte; é

pelas mãos DA ESCOLA! É a ESCOLA que leva essas crianças aos espaços expositivos. Quando ela

retorna no final de semana a gente vê esse movimento no Museu Ferroviário: ela leva os pais. Ela leva os

pais! Isso é uma coisa nova em Vitória, em Vitória não, porque o museu fica em Vila Velha, mas no

Espírito Santo. Vamos ver alguma mudança em relação a isso, futuramente, eu acho, sou otimista (P5).

P4 falou sobre o seu trabalho: Estou na primeira experiência de ‘Infância e Educação’ e de ‘Trabalho docente em Educação Infantil’. O

que temos observado é que nossos alunos estão chegando mais jovens, com experiência educacional mais

como aluno e não como docente, diferentemente de outros momentos. A dinâmica profissional criou,

também, um outro modelo de extensão do trabalho ao longo do curso, que é o estágio não-obrigatório ou

o professor auxiliar que nossos alunos da Pedagogia, até por uma questão econômica se inserem. As

diferentes funções, principalmente, para quem trabalha com a primeira infância, ainda não estão muito

definidas na legislação; você tem auxiliar de turma que não é professora, basta ter segundo grau e entra

como auxiliar. Tem um número significativo de alunos vivendo essas experiências, logo no INÍCIO do

curso; então é nesse jogo do trabalho que se estabelece.

A professora P4 continua: Temos buscado na disciplina de Infância e Educação: primeiro, o leque de textos e referências

bibliográficas; uma discussão da infância, da relação com a criança, da dimensão com a criança, que

sempre é muito tranqüila, porque todo mundo ou tem uma criança ou conhece (risos); essa idéia de que

todo mundo sabe um pouco de criança. Para os saberes teórico-práticos isso dá um caldeirão fervente

muito interessante e a gente tem buscado dar visibilidade a essas discussões para buscar a síntese. A

gente tem um projeto “A criança em cena” em que se discute a infância. Aí, cada mesa pega uma

temática e pessoas DIS-TINTAS, por exemplo, alguém que trabalha no cinema com infância, alguém que

recebe crianças no teatro e alguém que dá aulas para crianças. Eu coordeno esse projeto de extensão;

nele tem professores atuantes, nossos alunos do curso; ali também há a possibilidade de ver outras

sínteses.

Além de conteúdos específicos das disciplinas, os alunos aprendem, também, modos de

ensinar. Uma disse: “A pesquisa ajuda na sala de aula porque (a estudante) está dialogando

com professores, com os autores, e essa troca é enriquecedora”. De acordo com o novo

currículo de Pedagogia, as disciplinas Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica (PEPP) têm

como objetivo inserir os discentes no mundo da pesquisa e da escola, porém eles encontram

dificuldades, por exemplo:

165

Na produção científica, quem não tem bolsa fica mais restrito; poderia haver mais bolsas porque é

importante e é um outro campo (de atuação) (A).

A troca de experiência, de frustração, com professores ajuda a ver a realidade e mostra que o caminho é

a pesquisa (A).

O professor na docência faria a pesquisa da prática, não é uma pesquisa científica, mas é pensar,

discutir sobre o que faz (A).

Assim, nesse segundo núcleo de estudos do PPC, os ensinamentos-aprendizagens voltam-se

para as especificidades das práticas docentes, dos modos de saber-fazer-poder o ensino nos

diferentes contextos onde o pedagogo pode atuar.

3) Núcleo de estudos integradores

O núcleo de estudos integradores objetiva enriquecimento curricular e compreende: a)

participação em seminários e estudos curriculares, em projetos de iniciação científica,

monitoria e extensão, diretamente orientados pelo corpo docente da instituição de Educação

Superior; b) participação em atividades práticas, de modo a propiciar aos estudantes

vivências, nas mais diferentes áreas do campo educacional, assegurando aprofundamentos e

diversificação de estudos, experiências e utilização de recursos pedagógicos; c) atividades de

comunicação e expressão cultural (PPC, p. 26). Segundo P11, a integração pode ser realizada, Por meio de projetos de professores-formadores, projetos de pesquisa, de extensão com participação de

alunos e de professores, que agregassem [...], por exemplo, a educação do campo, a educação indígena,

a questão etno-racial, a questão da diversidade cultural. Na época, coloquei minha preocupação e até

teve uma tentativa de se criar uma disciplina que desse conta da diversidade. Porque eu penso que a

diversidade não pode ser entendida apenas na dimensão da Educação Especial ou da Educação de

Jovens e Adultos! E a gente tem essa obrigação enquanto responsabilidade da Universidade e isso é

demanda do nosso Estado.

Esse terceiro núcleo do PPC, o de estudos integradores, inclui conhecimentos das áreas

específicas de estudo (exemplo, Conteúdo e Metodologia de Língua Portuguesa, Matemática,

Geografia, História, Ciências) e se propõe em: a) conhecer e articular conteúdos e

metodologias específicas das áreas de conhecimento envolvidas nos diferentes âmbitos de

formação e atuação profissional; b) proceder à avaliação e organização de conteúdos e de

estratégias para a aprendizagem, considerando as múltiplas dimensões da formação humana;

c) estabelecer a articulação entre os conhecimentos e processos investigativos do campo da

educação e das áreas do ensino; d) promover e planejar ações visando a gestão democrática

166

nos espaços e sistemas escolares e não-escolares (PPC, p. 22). As práticas discursivas

docentes exemplificam:

Todo mundo quando chega à universidade, no primeiro período, tem uma grande dificuldade para

apresentar seminário, é tudo muito rápido, causa/conseqüência (P10).

A todo semestre eu achava que fazia uma coisa muito bacana que era pegar meus alunos do Mestrado e

promover um seminário de pesquisa para a turma da Pedagogia. Esta tinha que me dar um relatório; eu

percebi que esse relatório começou a se tornar obrigação e que uma colava da outra. Eu falei: _ Não tem

propósito com isso, não é construção do saber. Foi uma proposta que eu não pensei ter a resposta que

teve: _ Vá a essa exposição! Eu acho que elas nunca vão esquecer! Só uma aluna, de uma turma de 38, já

tinha ido aquele espaço. Quatro que ficaram sem ir, vou levá-los a outra exposição. Isso, eu acho que faz

a diferença, porque não é ver a arte pelo olho do outro. Eu acho que esse é o grande desafio nosso, como

professores de Arte da turma de Pedagogia! A gente só vai conseguir discutir, dialogar como a arte é

importante na vida das crianças, se ele (futuro professor) compreender como é importante para ele,

também! (P5).

Segundo a professora P10 os saberes diferenciados e específicos de diferentes áreas, parece

que não se conectam, são fragmentados e é contra isso que muitos professores lutam. É

necessário “Que haja integração de saberes [...]”. Essa professora falou sobre o modo como

tenta relacionar os saberes com os exemplos, com o conhecimento que cada aluna traz da sua

vivência. Ela disse: “A gente trabalha no começo do curso algumas abordagens da Psicologia e

uma das ênfases foi sobre as diferenças das percepções que as pessoas têm sobre as verdades que

constroem. Existem questões culturais, do bairro, familiares, locais. Nós íamos trabalhando e elas

trazendo muitos exemplos [...]”. Tive oportunidade de assistir a apresentações de trabalhos dos

alunos, na disciplina dessa professora, inclusive, em relação à sexualidade, um tema que hoje

está mais visibilizado na escola (e muito, na mídia), mas que sempre foi ocultado. P10

confirma: “Ainda tem um pouco de tabu”. Completei, citando a inclusão, que é outro tema

invisibilizado, que está sendo trazido à tona. Portanto, são conhecimentos, saberes que vão

servir no curso e na vida.

Apresentação de trabalho – auditório IC IV

167

Refletindo sobre os três núcleos de ensino do PPC, percebo que eles envolvem uma gama de

saberes na expectativa de abranger todas as dimensões de formação do pedagogo docente e

não-docente. Ainda assim, muitas das participantes admitem que em áreas específicas, o

conteúdo fica a desejar, seja pela carga horária restrita, seja pela ausência de disciplinas que

seriam, também, importantes. No entanto, todas concordam que a carga horária de 3410 horas

do curso é bastante extensa e não comporta incluir nada mais. Para Linhares (2000, p. 33), os

saberes dos professores são constituídos dos saberes escolares, populares, domésticos,

familiares, religiosos, políticos, como os eruditos, científicos, filosóficos, artísticos,

tecnológicos, ou seja, são constituídos por uma constelação de saberes. Ela explica: “[...]

procuramos tratar os saberes docentes como construções sempre mestiças, híbridas, de

fronteira e, portanto, hifenizadas, [...]”. Penso que os saberes dos discentes são aqueles

trazidos da sua escolarização anterior, da sua experiência de vida, do currículo, do cotidiano

das aulas ao longo da sua trajetória estudantil. Segundo Grillo e Fernandes (2003, p. 229), “A

incerteza do aluno de formação inicial sobre o que constitui o saber profissional docente o

leva a considerar, prioritariamente, a necessidade de ser um especialista na sua área de

conhecimento”, por isso a importância do futuro-pedagogo compreender os saberes da

docência, pois se ele atuar de modo crítico-criativo, se inventar maneiras de ser-fazer-poder

emancipatórias, pode contribuir na produção de uma nova profissionalidade docente.

Saberes-fazeres-poderes: dimensões ética, estética e política

Os saberes atravessam e são atravessados por diferentes dimensões: ética, estética e política; é “um conhecimento prudente para uma vida decente” (SANTOS, 2002).

A (re)invenção do senso comum carrega um potencial utópico e libertador, que pode

enriquecer e humanizar as relações no-do-com o mundo, a Educação, a formação, com a

produção de subjetividades combativas e de conhecimento-emancipação.Este compreende

uma rede rizomática de saberes-fazeres-poderes, que inclui o conhecimento tecnológico, “[...]

que [...] deve traduzir-se em sabedoria de vida” (SANTOS, 2002, p. 109). Os saberes são

produzidos em diferentes espaços sociais e, Santos (2002, p. 110) esclarece, que as formações

sociais capitalistas são constituídas por seis conjuntos de relações sociais63, matrizes das

comunidades interpretativas. Em cada um há um domínio tópico, portanto são seis sensos

63 Espaços: doméstico, da produção, do mercado, da comunidade, da cidadania e mundial.

168

comuns básicos. Assim, só haverá emancipação com a substituição nesses espaços sociais,

das tópicas dominantes por tópicas emancipatórias fundadas em políticas de reconhecimento

(identidade) e políticas de redistribuição (igualdade)64. Nesse sentido, na formação de

pedagogos, o currículo será emancipatório, quando houver a tradução entre saberes

acadêmicos, da Escola Básica, da legislação nacional, das concepções docentes, dos anseios

da sociedade, uma hermenêutica diatópica que ultrapasse o espaço doméstico da Educação e

se estenda aos demais espaços sociais. Penso que esse caminho é buscado pelo PPC, apesar da

sua excessiva abrangência.

No entanto, Teodoro (2003, p. 25) considera que a discussão da Educação já passou do

domínio doméstico para o domínio público, adquirindo centralidade nos debates das políticas

públicas, embora não tenha ainda, o destaque que precisa e merece, em função da situação

educacional e dos problemas de violência, desemprego, injustiça que assolam, diariamente, a

sociedade, pois a Educação é um caminho importante para sair do colonialismo e passar para

relações de solidariedade. Em período de transição paradigmática, a escola pode-deve

constituir-se como “um espaço público de experimentação institucional”, no trabalho com

estudantes, na busca de novos modos de produção de uma sociedade mais humana e mais

justa, ou seja, “Um mundo, no simbolismo da expressão de Paulo Freire (1993, p. 46), mais

‘redondo’, menos arestoso, mais humano, e em que se prepare a materialização da grande

Utopia: Unidade na Diversidade”” (TEODORO, 2003, p. 102). Portanto, o novo senso

comum surge com o restabelecimento das suas energias emancipatórias, com a transformação

da ciência num conhecimento partilhado e contribui para a construção da cidadania ativa.

Nesse sentido, Santos (2002, p. 111) destaca três dimensões65 a serem consideradas na

construção do novo senso comum: a dimensão ética (a solidariedade): o Sul; a dimensão

política (a participação): a fronteira; e a dimensão estética (a expressividade): o barroco.

1) Dimensão ética: a solidariedade

Para Santos (2002, p. 111-2), a ética no conhecimento-emancipação deve partir de um princípio novo que é o princípio da responsabilidade (Hans Jonas, 1985). Este princípio “[...] reside na Sorge, na preocupação ou cuidado que nos coloca no centro de tudo o que acontece e nos torna responsáveis pelo outro, [...].

64 Ver capítulo 2 desta tese. 65 Essas dimensões foram consideradas na tradução dos saberes presentes no discurso das participantes da pesquisa e detalhadas no capítulo 2, deste trabalho.

169

O princípio ético implica cuidado e está presente no texto do PPC, que aponta para a

formação de um profissional a ser considerado como um “[...] sujeito ético, visto que, a

relação do profissional de pedagogia com o saber, diz respeito às implicações éticas do

trabalho pedagógico. [...]” (PPC, p. 17-8). Exemplifico essa dimensão com as vozes de duas

professoras. P18 traz a questão ética (a solidariedade) que, também, é cognitiva, política,

estética: O que a gente observa e não há nenhum demérito nisso, é a lacuna da formação no curso de Pedagogia,

porque alunos não tiveram acesso a essas informações na sua formação. [...] Mas a gente OBSERVA

realmente, que elas trazem um conhecimento nessas áreas que são o RETRATO do que tem sido a

educação científica no País. Elas vêm de uma época que o ensino de Ciências nas séries iniciais era

considerado secundário, porque a ênfase era na leitura, na escrita e nos algoritmos, não existia essa

ênfase e o conhecimento era muito de senso comum!

P2 expressa sua preocupação mediante situações cotidianas como a que relatou em nossa

conversa: Outro dia, eu estava assistindo no Fantástico, os menininhos sendo entrevistados, dez anos! Um menino

paranóico que lutou com o banho. Eu fiquei pensando: _ Gente, essa formação que estamos trabalhando,

estamos criando mais sujeitos culpados que responsabilizados! Eu deixo de tomar meu banho, mas eu

não penso que o vizinho do lado não toma banho, não é porque tem que tomar banho rápido, mas é

porque não tem água, não tem casa, mora na rua. Eu tomo meu banho de três minutos, mas não penso

que mais sério do que tomar um banho de dez, é meu vizinho não tomar porque não tem condições

básicas para tal. Eu acho que é um pouco dessa problematização que a gente precisaria fazer com o

aluno, mas em outro nível. Fico agoniada saber que o nosso aluno sabe rasantemente. E às vezes, faço

comentários com eles na aula e digo: _ Gente, vocês precisavam saber disso. Pelo menos entrem na

internet! E aí uma menina virou para mim, do 1º período, dessa turma agora, do curso novo e disse: _

Professora, você pensa que todo mundo tem computador em casa? Falei: _ Realmente, você tem razão;

vamos fazer uma coisa, vocês vão para o laboratório de informática do CE. Ainda não atende, mas às

vezes fica ocioso.

São dois exemplos que podem ser trabalhados de modo ético, visando o bem-estar coletivo, o

respeito ao outro e a si mesmo. A terceira fase da obra de Foucault (ou o domínio do ser-

consigo) coaduna-se com a dimensão ética de Santos, para pensar o futuro da Educação: “Se

aceitarmos o desafio de Foucault, uma Educação para muito além da disciplinarização e da

técnica será necessária fundar as possibilidades de tal Ética” (GALLO, 2004, p. 95), isto é,

uma Ética que seja “uma estilística da existência”. Fazer assim, “Uma Educação voltada para

o cuidado de si mesmo e do outro, possibilitando novas formas de produção de si e de

170

relações com os outros” (idem, p. 95). A nova ética é contra-hegemônica e é solidária com o

futuro (no presente). Nas narrativas docentes predomina essa dimensão: A técnica pela técnica para certas coisas serve, mas para educação não serve! Não sei nem se

eles sabem, por exemplo, dar uma aula para a quarta série, dar uma aula de Geografia para a

terceira! Você entendeu como é? A gente pensa que fazendo aqui essas disciplinas, que eles irão

para a sala de aula e vão precisar. Ele (o saber), desvinculado de outro tipo de formação, fica

técnico e o técnico para mim é insuficiente porque se ele não sabe, sairá assim sem ter essa

concepção (pedagógica, didática, humana, relacional) de escola, de aluno, do contexto.

Entendeu, porque a gente fala que é difícil?! (P6).

A professora P10 cita um trabalho que os alunos da Psicologia fizeram com docentes de uma

escola sobre integração de grupo e que, em certo momento, a estagiária falou: _ “Vocês estão

aí batendo papo da mesma forma que seus alunos na sala de aula e vocês só estão aqui há

trinta minutos e eles ficam quatro horas!”. P16 corrobora essa afirmação destacando a

autoridade: “Uma questão que eu discuto muito com elas é a questão do espaço da

autoridade do professor dentro da sala de aula, enquanto gestor daquele espaço com os

alunos” (P16). A nova ética, portanto, “[...] não é antropocêntrica, nem individualista, nem

busca apenas a responsabilidade pelas conseqüências imediatas. É uma responsabilidade pelo

futuro” (SANTOS, 2002, p. 112), seria a utopia de um mundo melhor, de uma Educação que

considere os avanços tecnológicos mantendo-se humana. Seria a responsabilidade,

principalmente, por um presente que se reverte em benefício pelo futuro, conforme a proposta

da sociologia das ausências e das emergências.

2) Dimensão estética: expressividade

O prazer é a marca estética do novo senso comum, um senso comum reencantado (SANTOS, 2002, p. 114).

Trabalhar a dimensão estética (o prazer, a expressividade) seria trazê-la de novo para o

contexto do conhecimento, uma vez que a modernidade expulsou o prazer da cientificidade.

De acordo com Santos (2002, p. 116) será preciso agir por meio do “[...] reencantamento das

práticas sociais locais-globais e imediatas-diferidas que plausivelmente possam conduzir do

colonialismo à solidariedade”. Cito um exemplo que retrata a importância da Estética na

formação de pedagogos, não porque seja específico da disciplina Artes, mas porque entendo

que a Arte como a Estética está presente em tudo na vida:

171

Não adianta você falar isso só na sala de aula! Ela tem que viver essa arte, viver essa experiência de

estar diante de um espaço que ele todo é artístico; ele está fora dessa moldura, ele engloba esse sujeito

também. Então, nesses relatos elas mostraram, também, primeiro uma autonomia e a questão da

subjetividade; mesmo em dupla, cada uma apontava o seu ponto de vista; isso é bom para o sujeito” (P5).

Nesse sentido, Hermann (2005, p. 106) afirma que “[...] a aparência estética nada tem de

superficial, ao contrário, oferece as condições de transcender o cotidiano” e é essa

transcendência que parece, o docente tenta provocar nas discentes, para que vivenciem a

esteticização no ser-saber-fazer cotidianos. A professora P5 afirma que as alunas confessaram

surpresa e estranhamento em relação ao que viram e diziam: _ Eu não esperava encontrar o que eu encontrei! Algumas confessaram que chegaram lá e não

entenderam nada, algumas só entenderam pelo olhar da criança (tinha muitas lá) ou pelo olhar do

monitor. E aí se surpreenderam, porque falaram: _ Agora eu estou entendendo porque eu olhei a criança

e consegui ver que elas não olhavam as nuvens, elas estavam nas nuvens; elas se comoveram em todo

aquele espaço. Ela se colocou naquele espaço! Então eu acho que isso que a arte contemporânea faz:

não é só a relação estética com o belo; é a relação do nosso corpo com todas as transformações que

nosso corpo vem sofrendo nessa sociedade contemporânea.

O estranhamento que assombrou as discentes “[...] pode ampliar a sensibilidade, até que o

não-habitual possa ser reconhecido em sua diferença” (HERMANN, 2005, p. 109). Segundo

Nunes (2002, p. 303), “A recente “viragem visual” na teoria social e cultural assenta,

precisamente no reconhecimento dessa relação entre o conhecimento e a visão”, entre o saber-

fazer-poder e a estética. Ele lembra que a história fala dessa “construção do olhar moderno e

da sua desconstrução pós-moderna”, que acredito, ocorre na produção do novo senso comum

emancipatório. P5 conclui estética, ética e politicamente entusiasmada: A arte não pode negar a indagar, a refletir sobre NÓS enquanto corpo, também, com nossos

afetos, com nossas questões. E uma exposição dessa, é a possibilidade de você interagir e ver

esse seu corpo presente na obra, como você se sente, que efeitos são produzidos, são espaços de

memória que são resgatados. Então, tudo isso está, também, nos relatórios delas. Foi uma

experiência rica não só para mim que me surpreendi; nunca vi um relato tão sincero e sem que

uma tenha copiado da outra.

Alunas no auditório IC-IV

172

Penso que essa relação com a Arte fortalece o processo de humanização do pedagogo, da sala

de aula, das relações, da capacidade de observar, de olhar o mundo, de se olhar, olhar os

outros, pois, às vezes, as pessoas não observam, passam e não vêem! Perdem oportunidades!

Nunes (2002, p. 305) lembra que “[...] o olhar “objectivo” e desapaixonado do cientista, o

olhar associado à actividade de teorização é um olhar que reduz a percepção à cognição [...]”.

O panóptico, em Foucault é um dispositivo marcante da indissociabilidade do poder e do

saber, “[...] expressão suprema da dominação pelo olhar totalizante, do poder/saber, do poder

disciplinar” (NUNES, 2002, p. 307). A reintrodução da estética na cientificidade visa a

ampliar a sensibilidade e o olhar em múltiplas direções. Para fortalecer essa posição destaco a

concepção de alguns autores sobre a estética.

A proposta de Foucault é tentadora (DREYFUS; RABINOW, 1995, p. 261): “Entretanto, não

poderia a vida de todos se transformar numa obra de arte? Por que deveria uma lâmpada ou

uma casa ser um objeto de arte, e não a nossa vida?” Completando: e por que não a educação

e a formação, também? Retomo Santos (2002, p. 114) que afirma: “O prazer foi, assim,

expulso da ciência e ficou confinado a duas esferas aparentemente incompatíveis: por um

lado, ao consumo da massa e à ideologia do consumismo; por outro lado, à autonomia da obra

de arte”. Por fim, Guattari (1992, p. 127-148) ao tratar do “Novo paradigma estético” diz: “A

Potência estética de sentir, embora igual em direito às outras _ potências de pensar

filosoficamente, de conhecer cientificamente, de agir politicamente _, talvez esteja em vias de

ocupar uma posição privilegiada no seio dos Agenciamentos coletivos de enunciação de nossa

época”. A possibilidade de privilégio para a estética de que fala Guattari, constitui a proposta

de Santos corporeificada na racionalidade estético-expressiva e no princípio da comunidade,

perspectivados nesses novos modos de produção de conhecimentos, que fogem aos modos

engessados do paradigma moderno. Portanto, “O limiar decisivo de constituição desse novo

paradigma estético reside na aptidão desses processos de criação para se auto-afirmar como

fonte existencial, como máquina auto-poiética” (GUATTARI, 1992, p. 135).

Em muitas narrativas docentes, percebe-se a presença da dimensão estética se o olhar estiver

atento para ver, ouvir, sentir. As alunas aprendem com a pesquisa a ampliar o olhar, a

estabelecer relações afetivas com as pessoas, a assumir uma postura investigativa de professor

reflexivo (PPC, 2006). Tudo que está sendo falado é importantíssimo e, realmente, pode dar

uma visão muito boa de uma concepção de postura de professor em qualquer instituição que

ele for trabalhar com Educação. Mas se professores-formadores não tiverem compreendido e

173

interpretado o caráter dessas disciplinas, sua realização poderá não seguir pelos caminhos

propostos pelo PPC, eu penso, como algumas participantes, também. Nessa perspectiva, as

alunas ilustram com suas discursividades: Estamos aprendendo a ‘filosofar’ (pensar, argumentar) com a (disciplina) Filosofia (A).

As disciplinas do 1º período fazem pensar: é um semestre pensante! (A).

Na matéria “Corpo e movimento”, estamos aprendendo a compreender a brincadeira-jogo como algo

mais que um momento de lazer (A).

A professora P5 relata a visita das alunas ao museu: A aluna estava nesse contexto sócio, cultural, estético, ao mesmo tempo em que a leitura dela também

está lá. E o que se percebe é que a produção tomou essas formas da contemporaneidade, mas a leitura

ainda não (tom de decepção na fala). A leitura ainda ficou com esse olhar renascentista; isto é que eu

quero dizer. Então o que que isso vem? Vem classificar: isso é arte, isso não é, isso eu entendo, isso eu

não entendo. Isso vem carregado de valores que perpassam, inclusive, nesse trabalho docente. [...].

Assim, a Estética presentifica-se na inovação curricular, também, pela introdução do eixo de

pesquisa com as disciplinas PEPPs, que não têm o papel do Estágio, mas o objetivo de

incentivar a atitude investigativa e aproximar o aluno do cotidiano escolar. P14 diz: Acho que esse pode ser um caminho desses meninos já começarem a atuar e o que tenho feito nas

disciplinas é favorecer esse olhar. Se o aluno chega aqui, e não tem ainda essa experiência, os que têm

contribuem muito, porque eles fazem perguntas e trazem os problemas. E os que não têm também se

queixam: _ Ah, porque ele tem experiência e eu não tenho! Aí eu resgato em dois pontos: a questão da

memória e peço pesquisa de campo! _ Vamos fazer um trabalho que vocês vão investigar a escola, vão

fazer contato com professora e alunos, para a gente poder dialogar um pouco nesse sentido. E situações

que a gente tem que mostrar na sala de aula. [...].

Enfim, eu diria com Larrosa (2006, p. 51): “[...] alguém que, ao ler com o coração aberto,

volta-se para si mesmo, [...]. Pois bem, esse voltar-se para si mesmo é o efeito da melhor arte

e constitui, talvez, o núcleo e a grandeza da experiência estética. A idéia de formação está

construída em relação a uma teoria da arte”, a arte de ser-saber-fazer-poder a Educação, a

formação e a vida.

3) Dimensão política: participação

Foucault disse, fundamentado em Nietzsche: “[...] o conhecimento é essencialmente político: saber e poder estão interligados; tanto o poder produz saberes quanto o saber põe a funcionar poderes vários” (apud GALLO, 2004, p. 91).

174

A participação é a marca da dimensão política na produção-consumo de conhecimentos

emancipatórios. No novo senso comum, todas as formas de poder são políticas e o

conhecimento-emancipação visa a uma repolitização global da vida coletiva (SANTOS, 2002,

p. 113-4). Essa dimensão faz-se presente no Centro de Educação com a participação nos

fóruns, reuniões de departamento, nas decisões, comissões, eventos, nas próprias aulas, nos

corredores, etc. A modernidade, com a ênfase no conhecimento-regulação, contribuiu para o

processo de despolitização, desmontando movimentos organizados, fragmentando grupos. Na

própria Universidade, a organização em departamentos, o ensino por créditos, a

semestralidade, são exemplos dessa desmobilização. Nesse sentido, alguns discursos trazem

uma marca mais forte no que se refere à política: “E aí vê o que na minha cabeça fica uma

coisa de doido: como é que essa meninada de 16, 17, 18, 19 anos está realmente com vontade

de discutir o que é fundamental nas Ciências da Educação, ou nas Ciências que oferecem

suporte à Educação? Será que isso é fundamental para eles?”, fala P2. A professora P6

explica como compreende isso: No meu entender se você não conhecer as estruturas da sociedade exatamente como ela é, saber qual é a

realidade social, quem são essas pessoas concretas, aí não dá certo! Por que não dá certo? Porque esses

alunos não sabem o que fazem lá, porque para eles é tudo ideal, a escola é ideal, o aluno é ideal, não é

aquele embasado na empiria, mas não pode ver lá, o menino cheio de meleca no nariz, pobrezinho com

piolho.

Uma aluna disse que passou a perceber a “importância da reflexão para a profissão” e outras

comentaram que a disciplina “História da Educação ajuda a perceber a origem de falhas no

sistema de ensino”; ajuda a compreender “[...] porque professores têm dificuldade de acesso

aos seus direitos e deveres”. Para elas, a disciplina “Política Educacional também ajuda a

entender o que (o governo) visa, quando faz as mudanças na lei”. A professora P13 trabalha

duas disciplinas com o 3º período, que são Movimentos Sociais e Ensino de Jovens e Adultos

e Organização do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Sobre os saberes produzidos nesse

fazer cotidiano, ela assim se expressa: A gente tem trabalhado os movimentos sociais e Educação de Jovens e Adultos (EJA). Depois a gente

trabalha um pouco com as políticas, legislação, em relação a EJA. [...] Eu acho que [...] o mais

importante para eles é compreenderem a sua importância como sujeitos sociais nesse processo. No

sentido de serem atores, não só de cobranças políticas, não só de elaboração do próprio conhecimento,

mas principalmente aprender a lidar com essa clientela.

175

Esses conhecimentos contribuem na questão da cidadania e dão oportunidade de conhecer o

adulto, de como ele aprende a importância de freqüentar uma escola, mesmo, tardiamente. “O

Ensino Fundamental (EF) foi marginalizado, então, é legal apreender que é importante

investir no EF (como, também, na Educação Infantil, gestão e pesquisa), conhecer a estrutura

da Educação, a legislação, como a legislação avançou. É importante estarem na

Universidade, mas vão ser educadores é na prática, a partir dos desafios, dos conflitos, dos

problemas” (P13). A professora P10 fala do processo participativo discente: “[...] eles

participavam muito, [...] e eles traziam a questão da escola, dos seus alunos, dos seus outros

colegas e isso era muito enriquecedor para a aula”.

Uma constelação de saberes: refletindo...

Enfim, o saber da formação docente, o saber expresso nos três núcleos do PPC (2006),

estudos básicos, aprofundamento e diversificação de estudos e um núcleo de estudos

integradores, expressa essas três dimensões: ética, estética e política, na perspectiva da

produção de saberes-fazeres-poderes emancipatórios. Uma licenciatura que forma pedagogos

deve-se perguntar sempre: o que se quer-precisa saber-aprender-para-ensinar, para ser

pedagogo? Foucault (1999, p. 36) afirma que “[...] o querer-saber não se aproxima de uma

verdade universal [...]”, portanto, não existiriam os mesmos saberes para todo tempo, mas

saberes próprios a cada contexto. Neste caso, propus-me a compreender como são produzidos

os conhecimentos que perpassam a realização curricular, saberes-fazeres-poderes que

imbricam teoria e prática em redes de multiplicidades. Assim, trago fragmentos de uma

conversa entre Foucault e Deleuze (Foucault, 1999) que ajudam a esclarecer.

Segundo Foucault (1999, p. 70) “[...] nenhuma teoria pode se desenvolver sem encontrar uma

espécie de muro e é preciso a prática para atravessar o muro”. Quer dizer, para compreender a

produção de saberes não basta conhecer a matriz curricular e afirmar: estes são os saberes da

formação de pedagogos! É preciso ir aos realizadores, docentes e discentes, ouvi-los sobre o

que sentem, pensam, fazem, precisam, querem em relação ao novo currículo, conversar sobre

o ensino-aprendizagem, os saberes-fazeres-poderes e outros aspectos que emergirem durante

as conversações. É uma estratégia para chegar perto, estar com o outro, ouvi-lo. Quanto à

relação que se busca estabelecer na formação de pedagogos entre a teoria e o conhecimento

prático advindo da experiência, lembraria Foucault (1999, p. 71), mais uma vez, que diz: “É

por isso que a teoria não expressará, não traduzirá, não aplicará uma prática; ela é uma

176

prática”. Portanto, não há como separar, mas concebê-las como saber teórico-prático, que cria,

ele mesmo, suas verdades e se revela nas práticas discursivas e não-discursivas dos

praticantes. Concluo com Hermann (2005, p. 110) que diz:

[...] a relação entre ética e estética abre uma nova perspectiva para a educação estruturar sua ação ética [...]. O sujeito ético, aspiração do projeto pedagógico moderno (e do transmoderno), se constitui numa pluralidade de experiências e numa abertura ao mundo e ao outro para os quais a experiência estética, enquanto um horizonte aberto, assume um sentido eminentemente formativo.

A seguir, no capítulo 4, abordo a multiplicidade de modos utilizados pelas docentes-discentes

na produção-consumo de saberes-fazeres-poderes da formação docente.

Fonte: A Gazeta, ES.

177

Anexo ESPECIFICAÇÃO DAS ATIVIDADES COMPLEMENTARES

Descrição das Atividades Carga horária da atividade desenvolvida

Limite máximo para aproveitamento

Conversão em pontos

1. Participação em Projeto de Iniciação Científica orientado por professor do curso, como bolsista remunerado ou voluntário.

01 ponto para cada 01h de participação

Até 80 horas Até 80 pontos

2. Relatório parcial e/ou final de Iniciação Científica, orientado por professor do curso, elaborado pelo bolsista remunerado ou voluntário.

20 pontos por relatório Até 04 relatórios Até 80 pontos

3. Participação em Projeto ou Programa de Extensão Universitária, vinculados à UFES, como bolsista remunerado ou voluntário.

01 ponto para cada 1h de participação.

Até 60 horas Até 60 pontos

4. Relatório parcial e/ou final de Projeto ou Programa, orientado por professor do curso, elaborado pelo bolsista remunerado ou voluntário.

20 pontos por relatório Até 04 relatórios Até 80 pontos

5. Participação em curso de extensão realizado na UFES.

10 pontos para cada 20h de curso

Até 180 horas Até 90 pontos

6. Atividades de Monitoria em disciplinas da UFES.

01 ponto para cada 01 hora de participação

Até 60 horas Até 60 pontos

7. Atividades desenvolvidas com bolsa PET (Programa Especial de Treinamento) no âmbito da UFES.

01 hora para cada 01 hora de participação

Até 60 horas Até 60 pontos

8. Participação em eventos da área da educação, como congresso, seminário, simpósio, encontro, conferência, jornada, oficina, etc..

04 pontos para cada evento

Até 15 eventos Até 60 pontos

9. Participação como membro de organização de eventos como os mencionados no item imediatamente acima.

10 pontos para cada evento

Até 02 eventos Até 20 pontos

10. Apresentação de trabalho científico em evento da área de educação.

05 pontos por trabalho apresentado

Até 10 trabalhos Até 50 pontos

11. Publicação de livro, capítulo, artigo, resenha ou resumo em anais, na área da educação;

50 pontos para livro; 40 pontos para artigo em revista indexada ou capítulo de livro; 30 pontos para revista não indexada; 10 pontos para resumo e resenha em anais.

Até 06 publicações Até 60 pontos

12. Estágio não obrigatório, de acordo com normas vigentes.

01 ponto para cada 01h de estágio

Até 60 horas Até 60 pontos

13. Atividade de representação estudantil em mandatos específicos.

05 pontos por mandato Até 04 mandatos Até 20 pontos

14. Disciplinas eletivas, oferecidas pela UFES, quando excedentes ao número de créditos exigidos.

30 pontos para cada disciplina de no mínimo 60 h.

Até 03 disciplinas Até 90 pontos

15. Disciplinas optativas oferecidas pelo Curso de Pedagogia.

30 pontos para cada disciplina de no mínimo 60 h.

Até 03 disciplinas Até 90 pontos

16. Curso de língua estrangeira realizado em instituição credenciada.

05 pontos por semestre cursado

Até 05 semestres Até 25 pontos

17. Participação regular em grupos de estudos coordenados por professores da UFES.

10 pontos por semestre Até 04 semestres Até 40 pontos

18. Participação em eventos científicos, culturais e/ou artísticos mediante comprovação.

04 pontos por evento Até 05 eventos Até 20 pontos

19. Outras atividades analisadas e autorizadas antecipadamente, em cada caso, pelo Colegiado.

A definir pelo Colegiado

A definir pelo Colegiado

A definir pelo Colegiado

Fonte: PPC, 2006.

178

Ensinar-aprender-a-ensinar Sala de aula. Ensinar. Aprender. Professores. Alunos. Livros. Saberes. Fazeres. Poderes. Como bem ensinar e bem aprender? Foucault fala que a teoria é uma caixa de ferramentas. O que guarda essa caixa de que falo aqui? Ela enriquece as práticas com seus conteúdos. Nela há teorizações, pensamentos, paixões, idéias, saberes diversos, recursos didáticos, experiências, relacionamentos, jogos, afetos, materiais para experimentações, utopias, uma infinidade de artefatos que podem enriquecer o processo educativo. Formação de pedagogos. Então, como aprender-para-ensinar? Que modos professores utilizam, para realizar o trabalho docente? Que estratégias, táticas, linhas de fuga? Explanação oral, conversa, pesquisa, grupos, relação teoria-prática, dramatização, apresentação de trabalhos, seminários, visitas, palestras, tudo associado ao uso de filmes, músicas, revistas, jornais, internet, quadro e giz. O que o discente já sabia sobre o tema? O que aprendeu com as aulas, com o estudo com os colegas, com o professor, com outros pedagogos, com as crianças? O que aprendeu em outros espaços sociais? Na biblioteca, nos laboratórios, nos núcleos, Nas escolas, nos corredores, nos auditórios? Os professores também aprendem nessa troca. Sala de aula. Ensinar. Aprender. Professores. Alunos. Livros. Saberes. Fazeres. Poderes. Aprender-para-ensinar. Formar e se formar. Tornar-se pedagogo, docente e não-docente. Ensinar-aprender-a-ensinar. Sempre! Com sabedoria e amor!

ENEIDA

179

CAPÍTULO 4

Ensinar-aprender-a-ensinar: Uma caixa de ferramentas

“Todos os meus livros, seja História da Loucura ou Vigiar e Punir são, caso se queira, pequenas caixas de ferramentas. Se as pessoas querem abri-las, servir-se de uma frase, de uma idéia, de uma análise como se fossem torqueses ou alicates para cortar, provocar curto-circuito, romper os sistemas de poder, e eventualmente os mesmos sistemas de onde saíram meus livros, tanto melhor” (FOUCAULT, apud HEUSER, 2008).

Fazer Educação é um processo que exige, além do conhecimento, da vontade e da

criatividade, a utilização de ferramentas cognitivas, pedagógicas, didáticas, éticas, estéticas,

políticas, culturais, afetivas, ferramentas de toda ordem. O processo de ensinar e de aprender

na realização cotidiana do currículo de Pedagogia é intencional, planejado, associado a

diversos artefatos, estratégias, táticas e conta com o apoio da biblioteca setorial, dos

laboratórios e dos núcleos de ensino-aprendizagem do Centro de Educação (CE). Não existe,

então, uma norma, um modo único de caminhar na feitura desse processo. Os praticantes vão

construindo seus percursos, cotidianamente, variando a intensidade pessoal, na relação com

os outros, no compartilhamento de necessidades, possibilidades, sucessos, alegrias,

decepções. Como um carpinteiro que para trabalhar com a madeira, precisa de sua caixa de

ferramentas: martelo, alicate, serrote; o pintor necessita de tintas, pincéis; o eletricista, o

médico, o dentista, o enfermeiro, o bibliotecário devem ter ao seu dispor, instrumentos que

ajudem na realização do seu trabalho.

Material da professora P8

180

Com o pedagogo-docente ou não-docente, também, é assim. Ele tem sua caixa de

ferramentas, no sentido metafórico e, é de lá, que tira materiais concretos ou simbólicos,

necessários ao seu trabalho. Que materiais seriam esses? Pensamentos, idéias, teorias,

palavras, sabedoria, relacionamentos, vontade, criatividade, planos, estratégias, táticas,

artefatos, livros, revistas, jornais, cartazes, filmes, TV, quadros, giz, pincel, lápis, caneta,

papel, jogos, computador, e mais uma infinidade de artefatos. No entanto, o processo vai

muito além de uma caixa de ferramentas! Deleuze numa conversa com Foucault (1999, p.

71) assim se expressa sobre o uso da teoria:

Uma teoria é como uma caixa de ferramentas. [...] É preciso que sirva, é preciso que funcione. E não para si mesma. Se não há pessoas para utilizá-la, a começar pelo próprio teórico que deixa então de ser teórico, é que ela não vale nada ou que o momento ainda não chegou. [...]. É curioso que seja um autor que é considerado um puro intelectual, Proust, que o tenha dito tão claramente: tratem meus livros como óculos dirigidos para fora e se eles não lhes servem, consigam outros, encontrem vocês mesmos seu instrumento, que é forçosamente um instrumento de combate.

Para compreender os modos de ensinar-aprender-a-ensinar, utilizo o PPC/CE/UFES (2006),

como uma ferramenta, porque estudei-estudo a sua realização cotidiana, com foco na

produção de saberes-fazeres-poderes. Alio outras ferramentas a esse trabalho, ou seja, as

narratividades das participantes e as teorizações de diferentes autores, em particular, de

Boaventura de Sousa Santos, para promover uma inteligibilidade recíproca entre esses

discursos e experiências disponíveis e possíveis, reveladas pela sociologia das ausências e das

emergências. Portanto, retomo um princípio considerado fundamental na formação de

pedagogos: “[...] os pressupostos e fundamentos para o curso de graduação em pedagogia se

apóiam em dois elementos básicos, a saber: “[...] a dimensão teórica que lhe dá sustentação e

a dimensão prática do seu acontecer” (p. 3)” (PPC, p.15). O projeto propõe um ensino e uma

aprendizagem calcados na concepção do saber-fazer, dimensões de um mesmo processo, de

modo que supere a concepção de que há excesso de teoria e pouca prática na formação. Na

verdade, o futuro-pedagogo começa ir para a escola já no segundo período do curso.

Fonte: A Gazeta, ES.

181

O curso de Pedagogia como a grande maioria, senão a totalidade dos cursos da Universidade

é profissionalizante66. Seu objetivo é formar profissionais docentes e não-docentes para atuar

na Educação em contexto escolar e não-escolar. Os pedagogos vão trabalhar com crianças,

adolescentes e adultos, portanto, necessitam ter conhecimentos dos fundamentos da

Educação, conhecimentos específicos das disciplinas, conhecimentos metodológicos, mas

também, conhecimentos relativos aos conteúdos curriculares da Escola Básica e aos modos

de ensiná-los, entre outros, dos quais vão lançar mão para realizar o processo ensino-

aprendizagem, a gestão e a pesquisa. Até há pouco tempo, a grande maioria dos alunos

chegava à Universidade trazendo na sua bagagem conhecimentos de caráter prático que

adquiriam no curso de magistério em nível médio e na experiência docente. Eram saberes que

antecipavam e facilitavam a aprendizagem de conhecimentos acadêmicos do Ensino

Superior. Hoje essa realidade mudou.

Portanto, se eles não adquirem mais esses saberes, “competências” e habilidades no

Magistério do Ensino Médio, onde vão discuti-los e aprendê-los, agora?! O que precisam

saber para se tornarem pedagogos (docentes e não-docentes)?! Basta conhecer grandes

teóricos e suas teorizações para saber o que fazer na escola?! O que ajuda a compreender a

complexidade cotidiana da docência, do ensinar, do aprender, do relacionamento, do

planejamento, da avaliação, da gestão, da pesquisa?! Há, pois, necessidade de valorizar os

saberes-fazeres cotidianos escolares, pois só o domínio das grandes teorizações não garante

encontrar caminhos, por isso é importante discutir os conteúdos da formação aliados aos

saberes da prática docente escolar, por meio da hermenêutica diatópica. Nesse sentido, Pais

(2003, p.146) recomenda aos seus alunos: “leiam, leiam e leiam; mas não se esqueçam: o

facto de terem a cabeça cheia de teorias [...] não vos capacita a teorizarem da forma mais

adequada”... E continua: “Aponto-lhes a janela da sala de aula para lhes mostrar que a janela

nos enquadra (e limita) o ângulo de visão daquilo que podemos observar no exterior”.

67

66 Não vou abordar a questão relativa ao caráter profissionalizante que vigora, hoje, na maioria das Universidades e em relação ao qual existem discordâncias. 67 Gravuras do Google.

182

Há pesquisadores, professores e alunos “janeleiros”, que se contentam em ver, somente, o que

enquadramento da janela permite e, há os “arruaceiros”, que saem à rua, misturam-se às

pessoas, querem ver mais e de perto, não se contentam com a visão limitada da janela. Assim,

saindo da “janela” e se imiscuindo no contexto educativo, uma professora lembrou que o

pedagogo-não-docente poderá atuar em funções de gestão no Ensino Infantil, Fundamental,

Médio e no Ensino Superior, logo, a formação deve propiciar a discussão sobre o trabalho

pedagógico de forma mais abrangente, para além do Ensino Fundamental. Não é dar receitas,

mas discutir modos de ensinar-aprender-a-ensinar:

Já no século XVI, Montaigne retoma de Rabelais a crítica da escola livresca, copista e medíocre, que empanturra o aprendiz de receitas e informações que só servem para impedi-lo de ser gente. [...] ele acreditava ser essencial livrar-se das idéias já prontas e das lições fechadas pela provocação da curiosidade do aluno, aproveitando a matéria simples que a própria vida e a experiência nos vão fornecendo (LINHARES, 1997, p. 129-130).

Alarcão manifesta, sua preocupação sobre a necessidade de se pensar os modos de ensino nos

processos educativos. Ela (1996, p. 14) ressalta que “Nas instituições de formação, os futuros

profissionais são normalmente ensinados a tomar decisões que visam à aplicação dos

conhecimentos científicos numa perspectiva de valorização da ciência aplicada como se esta

constituísse resposta para todos os problemas da vida real”, como no paradigma da ciência

moderna, a única considerada válida. Na prática, esses profissionais vêem que as questões não

se resolvem dessa forma simplista e fechada e se sentem impotentes e inseguros. Essa autora

(1996, p. 14) refere-se à “[...] síndroma de se sentir atirado às feras numa situação de salve-se

quem puder ou de toque a viola quem tiver unhas para a tocar”. Corroboro a afirmação da

autora com um exemplo: tive uma aluna, advogada, em curso de Didática, que ao entrar como

professora numa sala de aula sentiu-se como se fora “jogada numa jaula de leões”, como ela

mesma disse, por isso procurou o curso de Didática. Alunos do curso de Pedagogia, também,

relatam situações semelhantes. Para melhor ilustrar essa questão da relação teoria-prática, dos

modos de ensinar-para-aprender-a-fazer, Alarcão (livro de James Herriot) relata o caso de um

veterinário recém-formado atendendo a uma situação em que fica “[...] sem saber o que fazer,

[...]”. O jovem profissional tenta, relembrar e rever, mentalmente, o que diziam e mostravam

os livros de obstetrícia que tinha estudado e não se recordava de nada! Alarcão (1996, p. 140)

admite que é mais ou menos isso que acontece com estagiários das diferentes licenciaturas:

“[...] não fomos capazes de os preparar para lidar com situações novas, ambíguas, confusas,

183

para as quais nem as teorias aplicadas nem as técnicas de decisão e os raciocínios aprendidos

fornecem soluções lineares”.

O exemplo fala de saberes, habilidades, competências para realização de uma atividade

profissional. Nesse sentido, na docência, a professora deveria ser capaz de se mobilizar para

identificar e resolver problemas complexos, explicitar e descrever situações sem fazer

julgamento de valor, apropriar-se das idéias pedagógicas sem se tornar prisioneira delas,

trabalhar como numa comunidade plural, interpretativa, compartilhar artefatos, idéias,

problemas, sucessos, dificuldades. E, ainda, planejar coletivamente, utilizar procedimentos

didáticos e artefatos diversificados, gerir a classe, exercitar o poder, a autonomia, a maneira

de ser, de falar, de ouvir os alunos, procurando estabelecer um equilíbrio entre regulação e

emancipação, sempre, numa perspectiva emancipatória da Educação.

Para Santos (2006, p. 27), a aprendizagem implica reinventar a emancipação social para além

da teoria crítica produzida no Norte e partir da práxis social e política que se faz no Sul. Daí a

necessidade de renovar, permanentemente, a caixa de ferramentas, para não ficar obsoleta e

impedir movimentos de produções inventivas de saberes-fazeres-poderes. Quem não quer

mudar, quem se mantém fiel às práticas rotinizadas, quem transforma interesses hegemônicos

em verdades acabadas, continua atrelado à razão metonímica, que se prende a uma só lógica,

a um só caminho, a um só tipo de ordem, porque se considera “exaustiva, exclusiva,

completa”. Na Educação, também, se vê isso. Portanto, uma proposta emancipatória de

formação, há de “preparar” pedagogos para superar a razão metonímica e a razão proléptica e

agirem na perspectiva de uma razão cosmopolita, ou seja, aliando a sociologia das ausências,

a sociologia das emergências e o trabalho de tradução numa experimentação permanente da

ecologia de saberes e de práticas.

A partir das conversações, pude cartografar modos de ensinar-aprender-a-ensinar expressos

pelas docentes e pelas discentes, bem como identificar saberes-fazeres-poderes produzidos

nesses processos. As práticas discursivas das professoras revelam a presença de uma

variedade de estratégias, táticas e artefatos utilizados nesse processo, de acordo com as

concepções de cada uma e com a especificidade de cada disciplina. Esse conjunto constitui

uma verdadeira caixa de ferramentas usada para enriquecer o trabalho docente. Assim, numa

sala de aula onde vigore a abertura para processos inventivos, pode florescer um trabalho

interativo, afetivo, heterológico, experimental, ético, estético na disseminação e na produção

de saberes-fazeres-poderes que passam a constituir a bagagem formativa (sempre renovável)

184

de futuros-pedagogos. O professor-formador tem o papel não só de discutir conhecimentos

acadêmicos destinados à formação de um profissional que aprende, mas também, de alguém

que vai ensinar a crianças, adolescentes, jovens e adultos e vai orientar-coordenar o trabalho

educativo-pedagógico, em diferentes níveis, funções, tempos e locais, escolares e não-

escolares.

As artes de saberes-fazeres-poderes Que tipo de aulas dá o professor que se queixa de alunos reprodutores? [...] Que tipo de aluno se queixa de professores reprodutores? Que política existe por trás do coro de professores e alunos desencantados? (KASTRUP, prefácio apud BEDRAN, 2003, p. 15).

[...] Isabelle Stengers tem vindo a propor um projecto de uma “ecologia das práticas”, caracterizada por uma relação cosmopolítica, sem desqualificação mútua, dos saberes e conhecimentos que são produzidos, circulam, comunicam, se articulam e se confrontam em diferentes espaços (Stengers, 1996/97) (NUNES, 2004, p. 62, nota de rodapé).

Estas artes docentes envolveriam a produção de subjetividades desestabilizadoras, poéticas,

barrocas, com vontade de agir com clinamen68, de produzir um conhecimento emancipatório

que implique a travessia do colonialismo para a solidariedade. Como produzir tais saberes e

subjetividades, num contexto em que os resultados da Educação são desanimadores, e que,

entre outros fatores, culpabiliza-se a formação, a qualificação, a ação docente por tais

resultados desastrosos?! Como fazê-lo, num contexto em que docentes e discentes não se

entendem, em que há agressões verbais e físicas, como as futuras-pedagogas constatam em

suas andanças no chão da escola básica, ou como a mídia divulga, cotidianamente?!

Essa produção requer a participação de todos, professores, alunos, funcionários, instituições,

sociedade, como numa comunidade interpretativa, numa rede infinita de interações. Seria

assim um devir-pedagogo, que contagia, que deseja formar profissionais num processo

potente e potencializador de produção, entre o que os estudantes são e o que pretendem ser

como profissionais (endereçamento), por meio de dispositivos, de agenciamentos que

provocam desterritorializações e reterritorializações, repetidamente, incessantemente, eu diria.

Embora eu não tenha pesquisado o trabalho do professor-formador, e sim, a produção

resultante da ação docente-discente na realização curricular cotidiana, muitas alunas fizeram

68 Santos (2008, p. 35) toma de Epicuro e Lucrécio, o conceito de clinamen “[...] que faz com que os átomos deixem de parecer inertes e revelem um poder de inclinação, isto é, um poder de movimento espontâneo [...]”.

185

referências aos professores, quanto às relações interpessoais, modos de ensinar e aos seus

saberes. Exemplifico essa ênfase no professor-formador com fragmento do resultado de

pesquisa efetuada por Bedran (2003), num estudo sobre a produção na Universidade, em que

se vê, também, o destaque relativo à ação docente. Ela (2003, p. 60) diz: “[...] o primeiro

pensamento em todas as respostas (de alunos), dirige-se ao professor como alavanca principal

da produção (discente)”.

Sabe-se que o professor-formador, como o docente na escola, não é o único nem o principal

responsável pelos resultados educacionais, mas sabe-se, também, que docentes são elementos

primordiais no processo educativo que atravessa e é atravessado por múltiplos fatores

econômicos, sociais, pedagógicos, afetivos, políticos, éticos, estéticos, culturais. Assim, o que

se pode fazer na formação para inventar conhecimentos solidários capazes de promover

mudanças positivas no processo educativo e em seus resultados?! Um ensino-aprendizagem

emancipatório implica a produção de subjetividades inconformadas com a realidade

educacional, que desejam buscar novos modos de ensinar-aprender, de relacionar-se, de

(re)formular programas de ensino e propor uma nova maneira de ser-fazer docente-discente.

Nesse sentido, Nunes (2002, p. 318) afirma que a reconstrução de uma geopolítica do

conhecimento, na perspectiva crítica-renovada e emancipatória, implica “[...] organizar novas

formas de diálogo e de acção comum entre os intelectuais e cientistas [...] e os cidadãos,

ancoradas no diálogo e na negociação, e não na desqualificação mútua ou na hierarquização

dos saberes”.

A sociologia das ausências e a sociologia das emergências podem ser uma resposta para essa

questão. A sociologia das ausências expande o domínio das experiências já disponíveis e a das

emergências expande o domínio das experiências sociais possíveis. Assim, quanto maior for a

multiplicidade e a diversidade das experiências disponíveis (pela ecologia dos saberes e

práticas) no presente, maior será a possibilidade de experiências possíveis no futuro (pelos

campos sociais - experiências). Na sociologia das ausências, essa multiplicidade e

diversificação ocorrem por meio das ecologias; na sociologia das emergências acontecem por

meio da amplificação simbólica (atenção excessiva) das pistas ou sinais do que existe como

tendência ou como possibilidade futura, numa prática, experiência ou saber (SANTOS, 2004,

p. 798-9). Nessa perspectiva, as práticas de produção de conhecimentos ocorrem em campos

sociais e os mais importantes onde a multiplicidade e a diversidade, possivelmente, mais se

mostrarão são: experiências de conhecimentos, de desenvolvimento, trabalho e produção, de

186

reconhecimento, de democracia e experiências de comunicação e de informação (idem, 2006,

p. 120-2).

O campo das experiências de conhecimentos implica conflitos e diálogos possíveis entre

diferentes formas de conhecimento. Na Educação, eles poderiam ocorrer entre conhecimentos

acadêmicos e os da prática escolar; entre conhecimentos relativos às experiências na formação

regular, na formação destinada ao Movimento dos Sem Terra, ao indígena, à Educação de

Jovens e Adultos, infância, ambiente escolar, não-escolar; pedagogia hospitalar, empresarial,

entre educação tradicional e crítica-renovada.

O campo das experiências de desenvolvimento, trabalho e produção constitui conflitos e

diálogos possíveis entre formas e modos de produção diferentes. Na Educação, é possível que

aconteçam entre práticas educativas tradicionais e emancipatórias; entre diferentes modos de

produção de conhecimento na formação docente; modos de ensinar-aprender-a-ensinar; na

(des)valorização de diferentes tipos de conhecimento, dos saberes que o aluno traz para a

escola, dos saberes-fazeres do estudante que tem a prática docente; em processos avaliativos

da aprendizagem, da instituição, de sistemas, etc.

O campo das experiências de reconhecimento inclui conflitos e diálogos possíveis entre

sistemas de classes sociais. Na Educação, esse reconhecimento poderia dar-se em relação ao

papel da formação, da escola, dos professores, da qualidade e, não somente, da quantidade;

diálogos e conflitos em relação à Educação em âmbito local, nacional, regional, institucional,

políticas públicas.

O campo das experiências de democracia são os conflitos e diálogos possíveis entre o modelo

hegemônico de democracia e a democracia participativa. Na Educação, poderiam ocorrer

entre experiências de gestão autocrática ou partilhada, formas de participação de professores,

de alunos, da família, modos de tomada de decisões; eleição de direção do CE, de reitor, do

diretório Acadêmico (DA); realização de projetos intra-inter-transdisciplinares, parcerias com

escolas, com setores diversos da Universidade, com entidades civis.

E, por fim, o campo das experiências de comunicação e de informação constitui conflitos e

diálogos possíveis derivados da revolução das Tecnologias da Informação e Comunicação

(TIC), entre os fluxos globais de informação e os meios de comunicação. Na Educação,

187

poderiam ocorrer diálogos e conflitos com o uso ou não-uso das TIC para ensinar e aprender;

provocar mudanças nas relações professor-aluno, na noção de espaço, tempo, distância, nos

modos de ensino-aprendizagem. Também, poderia emergir a necessidade de ampliação do

laboratório de informática do CE, ampliando seu espaço para o uso docente-discente nas

aulas, na perspectiva de que futuros-pedagogos necessitam de experiências didáticas com as

TIC, porque irão utilizá-las em laboratórios na Escola Básica como artefato para ensinar e

aprender com seus alunos.

É, portanto, nesses campos sociais que vigoram as lógicas de produção de não-existências,

visto que a razão metonímica produz “[...] não-existência sempre que uma dada entidade é

desqualificada e tornada invisível, ininteligível ou descartável de um modo irreversível”

(SANTOS, 2006, p. 102). O autor (2004, p. 787) distingue cinco lógicas de produção da não-

existência e, todas, são manifestações da monocultura racional (idem, 2006, 102-4).

A lógica da monocultura do saber e do rigor científicos é o modo mais poderoso de produção

da não-existência; consiste na transformação da ciência moderna e da alta cultura em critérios

únicos de verdade e de qualidade estética. A não-existência, nesta lógica, é a ignorância ou

incultura. Na Educação, poderia dizer que uma não-existência seria o saber da prática. Essa

monocultura valoriza o saber acadêmico, científico e desconsidera o saber da experiência

produzido na prática escolar cotidiana.

A lógica da monocultura do tempo linear considera que a história tem sentido e direção únicos

e conhecidos, expressos no progresso, na revolução, na modernização, no desenvolvimento,

no crescimento. O tempo linear é comum a todas essas formulações e produz não-existência,

considerando “atrasado” tudo que é assimétrico ao que é definido como “avançado” pela

modernidade. A não-existência toma a forma de residualização (o primitivo, o selvagem, o

pré-moderno, o simples, o obsoleto, o subdesenvolvido). Segundo essa monocultura, só

haveria um caminho para a Educação, e tudo que foge às práticas tradicionais é

desqualificado. A Educação seria considerada atrasada, desatualizada, inadequada aos novos

tempos e a não-existência decorrente dessa lógica, seriam as formas alternativas de espaços-

tempo para a escola, pois permanece, ainda hoje, o mesmo modo linear de organização

escolar, de conteúdos, avaliação, ser-fazer-poder, horário, calendário escolar, matriz

curricular.

188

A lógica da classificação social assenta na monocultura da naturalização das diferenças;

distribui as populações por categorias que naturalizam hierarquias, como classificação racial e

sexual. A não-existência seria produzida sob a forma de inferioridade insuperável, porque

naturalizada. Na escola, isso se revelaria em diversas situações: separar alunos por nível de

conhecimento, por comportamento; considerar que todos aprendem e ensinam do mesmo

modo; desconsiderar métodos de alfabetização e de ensino de professores que os utilizam com

bons resultados; valorizar ou ignorar saberes de alunos e de docentes, conforme a sua

realidade e procedência social. A não-existência, nessa lógica, se configuraria em alunos

incapazes de aprender e professores incapazes de ensinar.

A lógica da escala dominante tem como base o universalismo abstrato e a escala global; a

escala dominante desconsidera todas as outras possíveis escalas e são duas formas principais

de escala: a universal e a global. O universalismo é a escala das realidades que vigoram

independentes de contextos específicos. A globalização é a escala que privilegia realidades

que alargam seu âmbito a todo o globo e adquirem a prerrogativa de designar realidades rivais

como locais. A não-existência é produzida sob a forma do particular e do local. Na Educação,

isso ocorreria ao desconsiderar projetos e experiências locais e localizadas e ao assumir,

inadvertidamente, propostas teórico-educativas do Norte e, mesmo, do Sul, por considerá-las

mais evoluídas. A não-existência manifesta-se na invisibilização da experiência local, da

escola, da universidade.

E a última lógica, a produtivista, assenta na monocultura dos critérios de produtividade

capitalista e o crescimento econômico é um objetivo inquestionável. A não-existência é

produzida sob a forma de trabalho improdutivo, preguiça, desqualificação profissional. Na

Educação, esta lógica se manifestaria ao taxar determinado aluno como preguiçoso,

desinteressado, a família descomprometida com o estudo dos filhos; poderia ocorrer

atribuindo o baixo desempenho de alunos ao trabalho da professora, (des)qualificando sua

competência profissional, considerando-a acomodada, desinteressada, sem compromisso

social; outro aspecto, seria dar “recompensa”, tipo abono financeiro, a professoras que

tiverem o índice X de aprovação de alunos; seria educar em função dos interesses

empresariais, desconsiderando necessidades humanas. A não-existência estaria relacionada às

razões do aluno que não aprende e da professora que não obtém bons resultados com os

alunos, ou seja, a escola improdutiva.

189

Fonte: A Gazeta, ES.

A produção social destas ausências (não-existências) resulta na redução do mundo e na

contração do presente, ou seja, no desperdício da experiência educativa cotidiana que se faz

na formação, por exemplo. A sociologia das ausências atua substituindo monoculturas por

ecologias; não pretende acabar com as categorias de ignorante, residual, inferior, local e

improdutivo, mas questioná-las segundo outros critérios argumentativos. Para Santos a

solução seria contrapor ecologias às lógicas; ele (2006, p. 105, nota de rodapé) conceitua

ecologia como “[...] a prática de agregação da diversidade pela promoção de interacções

sustentáveis entre entidades parciais e heterogêneas”. São cinco ecologias que ele propõe e

cada uma corresponde a uma lógica: ecologia dos saberes, das temporalidades, dos

reconhecimentos, das trans-escalas e das produtividades.

A cada lógica uma ecologia!

1)Ecologia dos saberes

A utopia do interconhecimento consiste em apreender novos e estranhos saberes sem necessariamente ter de esquecer os anteriores e próprios. É esta a idéia de prudência que subjaz à ecologia dos saberes (SANTOS, 2006, 106).

A primeira lógica, a da monocultura do saber e do rigor científicos, deve ser contraposta pela

ecologia de saberes e práticas que possibilita identificar uma diversidade de saberes

produzidos no mundo, porém, invisibilizados. “A idéia central da sociologia das ausências

neste domínio é que não há ignorância em geral nem saber em geral”, pois “Toda ignorância é

ignorante de um certo saber e todo o saber é a superação de uma ignorância particular”

(SANTOS, 2006, p. 106). Nesse sentido, a ecologia de saberes e práticas visa à criação de

uma nova forma de relacionamento entre o conhecimento científico e outras formas de

conhecimento. Consiste em dar igualdade de oportunidade às diferentes formas de saber;

desafia as hierarquias universais e abstratas e os poderes que através delas têm sido

naturalizados pela história e, ainda, visa à construção de “um outro mundo possível” (idem,

2006, p. 108), neste caso, eu diria, de uma outra Educação e de uma outra escola e formação

possíveis.

190

Para Santos (2006, p. 154-165), a ecologia de saberes é uma ecologia de práticas de saberes

(de multiplicidades); é uma epistemologia da luta contra a injustiça cognitiva. Nesse sentido, é

importante e necessário na Educação, considerar outros saberes como significativos para a

formação e o trabalho docente. É um paradoxo o que faz o Ocidente, ignorando pela

contração do presente, a produção de uma imensidão de experiências sociais no mundo, na

educação, na escola, nos seus projetos e realizações. A pobreza da experiência resultante

desse paradoxo não representa carência, mas arrogância de não querer ver, nem valorizar a

experiência da escola, dos professores, a presença da violência, a não-aprendizagem de

alunos, os salários inadequados, as condições de segurança para a inserção em determinados

contextos sociais, o trabalho educativo em geral. Segundo a professora P8, o CE69 é um dos

mais produtivos da Universidade, mas seu trabalho é pouco divulgado. A não-existência

acontece, sempre, que uma entidade é desqualificada e tornada invisível, ininteligível ou

descartável, como parece, às vezes, ocorrer com a experiência da escola, com o esforço de

docentes e discentes para ensinar-aprender, com a dificuldade da família para entender e

acompanhar a vida estudantil dos filhos, com o isolamento da instituição escolar no contexto

de determinadas comunidades, com o descaso das autoridades em relação aos problemas

sociais. A utilização da ecologia dos saberes e das práticas visa à reversão dessas situações.

2) Ecologia das temporalidades

A segunda lógica, a da monocultura do tempo linear, confrontada pela ecologia das

temporalidades, é questionada pela sociologia das ausências, com a idéia de que o tempo

linear é uma concepção de tempo entre muitas outras existentes; por isso, a subjetividade de

uma pessoa ou de um grupo social é constituída por uma constelação de diferentes tempos e

temporalidades. As diversas culturas e suas práticas possuem regras distintas de tempo social

e diferentes códigos temporais, por exemplo, a relação passado-presente-futuro; cedo-tarde,

curto-longo-prazo, agora-depois, o ciclo de vida-urgência. Assim, diferentes culturas criam

diferentes comunidades temporais: algumas controlam o tempo, outras privilegiam o tempo-

horário, a continuidade/descontinuidade, o tempo linear, o não-linear (SANTOS, 2006, p.

109). Berger e Luckmann (1985, p. 39) explicitam essa organização assim: “A realidade da

vida cotidiana está organizada em torno do “aqui” de meu corpo e do “agora” do meu

presente. Este “aqui e agora” é o foco de minha atenção à realidade da vida cotidiana”. Na

69 No ano de 2008, foram defendidas 11 teses de doutorado e 43 dissertações de mestrado no Programa de Pós-Graduação da Educação/CE/UFES.

191

Educação, esse tempo linear está presente na sequenciação dos conteúdos, na seriação, no

horário das aulas, que embora necessários, nem sempre têm uma flexibilidade que facilite o

trabalho docente-discente.

3) Ecologia dos reconhecimentos

A terceira lógica da produção de ausências é a da classificação social que deve ser enfrentada

pela ecologia dos reconhecimentos. Nesta lógica, a desclassificação recai sobre os agentes e,

como consequência, sobre a experiência social (práticas e saberes). A sociologia das

ausências enfrenta a colonialidade, procura uma nova junção entre o princípio da igualdade e

o da diferença e abre espaço para a possibilidade de iguais, uma ecologia de diferenças feita

de reconhecimentos mútuos. Quanto maior a diversidade social e cultural dos sujeitos

coletivos que lutam pela emancipação social, maior a necessidade de se fazer uma ecologia

dos reconhecimentos. O reconhecimento da diferença cultural, da identidade coletiva, da

autonomia e autodeterminação originou novas formas de lutas sociais. À medida que amplia o

âmbito das diferenças iguais, a ecologia dos reconhecimentos cria novas exigências de

inteligibilidade recíproca e a necessidade da tradução (SANTOS, 2006, p. 111), ou seja,

oportunidades e atendimento aos diferentes, aos que têm necessidades especiais (ou não-

especiais). Na Educação, essa ecologia pode desmontar processos classificatórios de

desvalorização docente e discente, aprimorar o atendimento aos docentes e discentes com

necessidades especiais, adequar acessos aos diversos espaços sociais, incluir livros em Braille

nas bibliotecas, usar linguagem de Libras (Língua Brasileira de Sinais) nas palestras, etc.

4) Ecologia das trans-escalas

A quarta lógica, a da escala global, é enfrentada pela sociologia das ausências por meio da

ecologia das trans-escalas. Nessa lógica, a sociologia das ausências age demonstrando que,

hoje, o mundo diverge mais do que converge e, age, também, des-globalizando o local em

relação à globalização hegemônica. Santos (2006, p. 112) chama de “[...] localismo

globalizado [...] o impacto específico da globalização hegemônica no local” e explica que o

local e o global são produzidos pelos processos de globalização70. De acordo com essa

70 “Trata-se de um conjunto de trocas desiguais pelo qual um determinado artefacto, condição, entidade ou identidade local estende a sua influência para além das fronteiras nacionais e, ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de designar como local outro artefacto, condição, entidade ou identidade rival”. Esse autor distingue quatro formas distintas dessas relações desiguais que ele chama de globalização: 1) globalização localizada (países periféricos), 2) localismo globalizado (países centrais), 3) cosmopolitismo subalterno e 4) patrimônio comum da humanidade (o 3 e o 4 estão ligados à globalização de resistência contra os dois primeiros; são contra-hegemônicos) (SANTOS, 2006, p. 112).

192

sociologia é preciso fazer um exercício de imaginação cartográfica, para perceber em cada

escala de representação o que ela visibiliza e o que ela esconde (SANTOS, 2004, p. 792). Em

Educação, isso ocorreria com a expansão de comunidades interpretativas, com a utilização da

hermenêutica diatópica, para promover o diálogo intercultural entre as diferentes culturas

escolares e da sociedade, entre diferentes saberes, na busca da produção do saber solidário e

humano.

5) Ecologia das produtividades

A quinta lógica, a produtivista, deve ser defrontada pela ecologia das produtividades; nela, a

sociologia das ausências consiste na recuperação e valorização dos sistemas alternativos de

produção, das organizações econômicas populares e cooperativas (SANTOS, 2006, p. 113).

Este é, talvez, o âmbito mais controvertido da sociologia das ausências, pois questiona o

paradigma do desenvolvimento e do crescimento econômico infinito e a lógica da prioridade

em processos de acumulação. Nesta lógica, a sociologia das ausências amplia a realidade

social por meio da experimentação e da reflexão sobre opções econômicas realistas para a

construção de uma sociedade mais justa (idem, p. 114). Nessa perspectiva, na Educação, não

basta ampliar a acessibilidade da classe popular ao Ensino Superior, criar sistemas de cotas,

mas é preciso discutir possibilidades de inserção profissional no mercado de trabalho, pois o

acesso a determinados cursos não implica chances de atuar naquela profissão, por exemplo.

Há necessidade de valorizar o trabalho do profissional que se forma e vai atuar na Escola

Básica com crianças, jovens e adultos

Fonte: A Gazeta, ES.

Assim, em cada um dos cinco domínios citados, “[...] o objectivo das sociologias das

ausências é revelar a diversidade e a multiplicidade das práticas sociais e credibilizar esse

conjunto por contraposição à credibilidade exclusivista das práticas hegemônicas” (SANTOS,

2006, p. 115). Essa idéia de multiplicidade é dada pelas cinco ecologias, pois todas

consideram que a realidade não pode ser reduzida ao que existe. Elas incluem ao que é

193

considerado existente e visível, realidades sociais que se tornaram ausentes por meio do

silenciamento, supressão, marginalização, produção de inexistências. O exercício das

sociologias das ausências exige dois tipos de imaginação sociológica: a epistemológica e a

democrática. A imaginação epistemológica permite diversificar saberes, perspectivas e escalas

de identificação, análise e avaliação das práticas; e a imaginação democrática permite o

reconhecimento de diferentes práticas e atores sociais. As duas têm uma dimensão

desconstrutiva e reconstrutiva. A desconstrução implica: despensar, desridualizar,

desracializar, deslocalizar e desproduzir em relação às cinco lógicas; e a reconstrução é

composta pelas cinco ecologias que objetivam possibilidades de mudança nessas realidades.

Trabalhar a formação docente considerando as ecologias permite vislumbrar modos de

ensinar-aprender como, também, a seleção e a compreensão de conteúdos possíveis e

necessários à formação de pedagogos, num contexto de transição paradigmática, em que se

busca “um conhecimento prudente para uma vida decente”. Santos (2006, p. 82) propõe “[...]

recuperar a capacidade de espanto e de a construir de modo a poder traduzir-se em

inconformismo e rebeldia”. No caso da formação de pedagogos, a surpresa e espanto

poderiam fundamentar saberes-fazeres-poderes desestabilizadores de práticas fechadas, de

fronteiras intransponíveis, de muros inalcançáveis. Um inconformismo que suscite novas

significações para o ensino, para a aprendizagem, para a formação, para a docência, para a

Educação; que desperte paixões por este trabalho tão humano, social e socializador; que abra

espaços ao pedagógico, ao cognitivo, ao afetivo, à ética, à estética, ao político, ao cultural.

Desejo-vontade-atitude utópica?! Sim! Por que não?! Sem utopias não há como vencer a

razão indolente que tem marcado e massacrado a Educação e a vida.

O autor (2006, p. 82) continua sugerindo: “A nossa tarefa consiste em reinventar o passado de

modo a que ele assuma a capacidade de fulguração. De irrupção e de redenção que Benjamin

imaginou [...]”. Seria assim, uma ação inconformista, que provoque a criação de

subjetividades cheias de vontade de agir com clinamen (desvio). Seria uma subjetividade

poética que experimenta formas alternativas de sociabilidade, uma subjetividade barroca,

sempre aberta à reinvenção e à experimentação. Seria realizar, portanto, uma ação-com-

clinamen, contrária à ação conformista que tem permeado a Educação, calcada numa “[...]

prática rotinizada, reprodutiva e repetitiva [...]” (SANTOS, 2006, p. 90). Essa ação-com-

clinamen não ocorre com uma grande ruptura, mas com pequenos desvios, pequenas ações e

pequenas mudanças, cujos resultados possibilitam novas e criativas composições. Nesse

194

mesmo sentido, Pais (2003, p. 46) assim se expressa: “São nas brechas do saber consolidado

que se dão as possibilidades criativas, de desvio”. Para ele, o desvio é entendido como

“renovação e reelaboração”. Assim, apesar de tantas ações significativas estarem

invisibilizadas, é possível, sem grande estardalhaço, começar a agir e fazer a mudança. As

possibilidades estão aí!

Constelações de práticas: modos de saber-fazer-poder A coisa mais interessante é quando você integra a teoria na prática. É quando ALI, na vivência da sala

de aula a gente consegue proporcionar situações que eu não consigo resolver se não for à luz da teoria.

E aí eu estou com um problema concreto aqui para resolver que o meu modelo explicativo, intuitivo não

resolve. Eu vou precisar recorrer à explicação teórica, ao modelo científico. Mas eu também preciso

produzir conhecimento metodológico porque eu vou ter que explicar isso depois para outras pessoas; aí

eu vou ter que recorrer à Metodologia do Ensino para fazer essa articulação teoria e prática. E estou

fazendo isso no momento em que eu construo o modelinho, um globo terrestre que eu vou usar. Então isso

que você falou é absolutamente verdadeiro. A gente não vai convencer NINGUÉM só com o discurso.

Dizer que a teoria e a prática precisam estar articuladas não convence! Convence se a gente conseguir

articular! (P18).

Fonte: Google.

O caleidoscópio é uma metáfora que mostra os múltiplos movimentos que ocorrem na

realização do curso, no processo de ensinar-aprender-a-ensinar e visibiliza possibilidades de

uso de inúmeras ferramentas e de diferentes modos. Assim, ao girar o caleidoscópio docente,

variadas e criativas imagens desse processo vão aparecendo e encantando. Saber-fazer-poder

implica trabalho teórico-prático de professores. Fiquei-fico empolgada com as conversas que

tive com as participantes, com o que fazem, como fazem, por que fazem nos processos

educativos de formação de pedagogos. É o que trago neste espaço do capítulo: constelações

195

de práticas experienciadas pelas professoras-formadoras, participantes desta pesquisa, nos

seus processos docentes cotidianos.

Para organizar essas artes-dos-fazeres-docentes, considerei princípios inclusos no texto do

PPC (2006) como a relação teoria e prática, o trabalho com a pesquisa e as diversas formas de

integração (entre docentes, discentes, com escola, funcionários, setores, etc.), assim como

outros aspectos importantes do projeto que emergem nas narrativas: perfil do pedagogo,

trabalho coletivo, atuação ética, estética, política, reflexão individual e coletiva, vivência de

práticas reflexivas, criação e usos de textos, materiais didáticos, procedimentos e processos de

aprendizagem que contemplem a diversidade social e cultural, participação em seminários, em

atividades práticas, articulação entre conhecimentos e processos investigativos, uso das

tecnologias de informação e comunicação (TIC). Tudo isso faz parte da caixa de ferramentas

que pedagogos abrem, diariamente, para planejar e realizar seu trabalho, na expectativa de

ensinar e de que os alunos aprendam. Na perspectiva dos modos de ensinar, ilustro com

fragmento de diálogo, em que Deleuze71 explica como “preparava” suas aulas: [...] CP: As aulas da faculdade são preparadas de outra maneira? GD: Para mim, não. CP: Para você, era igual? GD: Totalmente. Sempre preparei aulas da mesma forma. CP: A preparação era tão intensa na escola quanto na faculdade? GD: Certamente. É preciso estar totalmente impregnado do assunto e amar o assunto do qual falamos. Isso não acontece sozinho. É preciso ensaiar, preparar. É preciso ensaiar na própria cabeça, encontrar o ponto [...]. É como uma porta que não conseguimos atravessar em qualquer posição. [...]

É, pois, no cotidiano do curso de Pedagogia que praticantes inventam seus modos, suas artes

de ser-saber-fazer-a-docência, para ensinar-aprender-a-ensinar, para formar-e-se-formar.

Percebe-se nas práticas discursivas de professoras e de alunas, que elas lançam mão de

inúmeros e diferentes jeitos para realizar a docência-discência, conforme suas maneiras de

usar e vivenciar os lugares, a sala de aula e outros espaços do centro, da própria Universidade

e da sociedade. São modos, usos, produções e consumos reflexivos, inventivos, afetivos,

pedagógicos, que fazem dos praticantes usuários ativos, porque tanto são consumidores como

produtores (CERTEAU, 1994). Considero que o consumo é uma forma de produção, porque

não se consome sempre do mesmo jeito; cada um consome de acordo com seus interesses,

71 Conversa entre Claire Parnet e Gilles Deleuze filmada nos anos 1988 e 1989 e divulgada só em 1994. Referência: O abecedário de Gilles Deleuze. Realização de Pierre-André Boutang, Paris: Éditions Montparnasse. No Brasil, foi divulgado pela TV Escola, Ministério da Educação. Tradução e Legendas: Raccord [com modificações].

196

possibilidades, dificuldades, criatividades, experiências. O consumo compreende maneiras

diferentes de usar, pois no ato de consumir ocorre eliminação, modificação, acréscimo,

inventividade que muda o objeto consumido e muda, também, quem consome. Nesse sentido,

o usuário torna-se autor, inclui sua assinatura e encontra modos de marcar os usos que faz, por

exemplo, no tempo que passa na sala de aula, nos laboratórios, na biblioteca, nos núcleos, no

setor de xerox, na cantina, nos corredores, nas escadas, no auditório, nas escolas de estágio,

onde estiver.

No ser-saber-fazer-poder da docência, os praticantes transitam pelo mapa curricular, que

impõe determinados caminhos institucionais que não podem ser alterados arbitrariamente,

como períodos, disciplinas, carga horária, horário, entre outros. Os praticantes, entretanto,

encontram brechas no cotidiano e associam a essas estratégias regulatórias, táticas

desviacionistas que, segundo Certeau (1994, p. 93) “[...] não obedecem à lei do lugar”, porém

acredito que possibilitam usos diferenciados que enriquecem ou empobrecem o processo e

acrescentam, ou não, características emancipatórias a esses fazeres. Assim, os modos de

produção constituem a rede de saberes-fazeres-poderes da docência que, rizomaticamente,

percorre o mapa curricular, quebrando fronteiras, reconhecendo diferenças, vasculhando

periferias, abrindo novos caminhos, transformando lugares em espaços praticados,

conhecimentos em saberes-docentes encantados e encantadores. Um verdadeiro movimento

de brasilização72, na sua dimensão positiva, como diria Nunes (2002), que faça vir à tona a

poética, uma ação de inventar, de criar novas maneiras de usar-fazer-consumir.

Então, como é, e o que é ensinado-aprendido-fabricado pelos consumidores-produtores nesses

espaços-tempos da sala de aula e em outros espaços organizados ou não, do centro, da

Universidade, da escola, da sociedade?! O que seria uma aula? Deleuze (1988) assim se

expressa sobre a aula e a aprendizagem dela decorrente:

[...] Para mim, uma aula não tem como objetivo ser entendida totalmente. Uma aula é uma espécie de matéria em movimento. É por isso que é musical. Numa aula, cada grupo ou cada estudante pega o que lhe convém. Uma aula ruim é a que não

72A brasilização refere-se aos fenômenos com características negativas das sociedades urbanas do Brasil, portanto, associados ao Sul (terceiro mundo), como insegurança, miséria, exclusão, marginalidade, violência, que estão sendo, reconhecidos, hoje, nas metrópoles do hemisfério Norte. Sob outro ângulo, “a noção de “brasilização” pode ser usada num sentido crítico, para desnaturalizar as epistemologias e políticas do conhecimento dominadas pela referência às experiências do Norte e ao que Boaventura de Sousa Santos designa conhecimento-regulação, baseado na transição de uma situação concebida como caos para uma situação concebida como ordem”. A brasilização pode implicar, também, exemplos positivos como “[...] resistir e lutar pela transformação das condições que geram a “brasilização negativa” (NUNES, 2002, 324-6).

197

convém a ninguém. Não podemos dizer que tudo convém a todos. As pessoas têm de esperar. Obviamente, tem alguém meio adormecido. Por que ele acorda misteriosamente no momento que lhe diz respeito? Não há uma lei que diz o que diz respeito a alguém. O assunto de seu interesse é outra coisa. Uma aula é emoção. É tanto emoção quanto inteligência. Sem emoção, não há nada, não há interesse algum. Não é uma questão de entender e ouvir tudo, mas de acordar em tempo de captar o que lhe convém pessoalmente. É por isso que um público variado é muito importante. Sentimos o deslocamento dos centros de interesse, que pulam de um para outro. Isso forma uma espécie de tecido esplêndido, uma espécie de textura. [...].

Acredito que a utilização do espaço da sala de aula para a realização do processo ensino-

aprendizagem, ainda, é predominante na Educação e no CE, também. Mas a sala de aula de

hoje, nos tempos de transmodernidade, de transglobalização seria a mesma de outros

tempos?! Que usos são feitos dela e nela?! A sala de aula é um espaço doméstico e como, uma

casa, também, espaço doméstico, pode constituir-se como “[...] espaço de fechamento ou de

alargamento dos relacionamentos culturais dos indivíduos [...]”, (FORTUNA; SILVA, 2002,

p. 456) e das suas ensinagens e aprendizagens. É necessário, pois, (re)interpretar o contexto

da sala de aula e da instituição educativa, pois hoje, pelo menos no centro, para uso geral, há

artefatos tecnológico-culturais como TV, vídeo, computador, datashow, retroprojetor, que

possibilitam ampliar a produção-consumo de praticantes, docentes-discentes, sem sair do

espaço doméstico.

No entanto, professoras como P5, P8, P18, entre outras, falam73, também, de como fazem esse

“consumo cultural exo-domiciliário” (FORTUNA; SILVA, 2002, p. 456) em outros espaços

públicos e, dos bons resultados, advindos dessas experiências. Nesse sentido, “[...] com a

globalização da cultura e as novas tecnologias, a casa se “mundializa” e os sujeitos podem

comunicar com universos culturais distantes”, de acordo com Fortuna e Silva (2002, p. 456),

com o que concordo e, assim, participar de amplas redes de comunicação, que ao mesmo

tempo constituem-se numa comunicação “solitária”. Com isso, reduz-se a partilha e o espaço

doméstico passa a ser um espaço de “deslocalização dos sujeitos”. Penso que a proposta de

Santos, em relação à emergência de um paradigma emancipatório, visa, justamente, evitar

essa quebra das relações com a passagem de “[...] um espaço ou relação social “colonizada”

por um conjunto de agentes e instituições que lhe são exteriores [...]” (FORTUNA; SILVA,

2002, p. 458), para uma relação solidária de partilha, como propõe a razão cosmopolita.

73 Neste mesmo capítulo.

198

Atividade de Estágio com crianças

Compreendo, portanto, que a escola, como “A casa pode ser vista hoje como um espaço de

abertura activa (e não apenas de passiva receptividade) a tudo que se passa no mundo [...]”,

conforme Fortuna e Silva (2002, p. 457). Então, a sala de aula é um lugar que se transforma

em espaço praticado pelos usos e consumos que dela se faz. Concordo, ainda, com Certeau

(1994, p. 39), ao propor que “[...] a análise das imagens difundidas pela televisão

(representações) e dos tempos passados diante do aparelho (comportamento) deve ser

completada pelo estudo daquilo que o consumidor cultural “fabrica” durante essas horas e

com essas imagens”. Transfiro esse questionamento para o contexto da sala de aula: o que

docentes-discentes fabricam-consomem durante o tempo que passam na sala de aula (e em

outros espaços)?! Que ensinos, que aprendizagens, que usos, enfim?!

Girando o caleidoscópio!

Fonte: Google

Pela lente do caleidoscópio, as narrativas das professoras e das alunas permitem imaginar-ver-

ouvir-sentir vozes, gestos, aborrecimentos, alegrias, ensinagens e aprendizagens. São

inúmeras cenas de situações cotidianas de caráter emancipatório, que acontecem no processo

formativo e revelam os modos, as artes-de-fazer-docência. O resultado do trabalho docente-

discente emerge nas conversações que tivemos. Afinal, “[...] as fronteiras dos saberes

docentes são infinitas e fluidas, (por isso) é urgente conhecer melhor os processos que vão

construindo, na prática, estes saberes” (LINHARES, 2000, p. 37). A escola não escapa à

199

tensão regulação-emancipação em que a sociedade está envolvida. Para Teodoro (2003, p. 18-

9), “[...] a escola vive uma dupla crise: de regulação, porque não cumpre eficazmente o seu

papel de integração social; de emancipação, porque não produz a mobilidade social aguardada

por diversas camadas sociais [...]”. Por isso, urge que a ação formativa docente se alie à

Escola Básica, para encontrar modos que sejam propícios à emancipação e contribuam para

aliviar essa tensão fazendo emergir a solidariedade. Explicito, a seguir, como as praticantes

expressam seus modos de ser-saber-fazer a docência-discência. O que dizem as professoras?

O que dizem as alunas? Portanto, o que, por que, para que, quando e como usar a caixa de

ferramentas docentes?! Que tal abri-la e descobrir seus mistérios?!

O que dizem as professoras?

Professoras-formadoras lançam mão de múltiplos modos de ensinar-aprender-a-ensinar com a

utilização de artefatos, estratégias, táticas, na expectativa de produzir uma formação conivente

com o PPC (2006), com suas próprias concepções e com as necessidades manifestadas pelos

alunos, pelas escolas, pela sociedade. Para facilitar a apresentação das práticas discursivas

narradas, tentei separá-las por temas, conforme o Projeto Pedagógico de Curso (PPC): relação

teoria e prática; trabalho com pesquisa; diversas formas de integração; realização de parcerias;

desenvolvimento de habilidades e saberes; uso da leitura e da escrita; ensinar a pensar;

situações cotidianas; valorização da experiência discente; utilização de espaços alternativos;

ambiente didático; uso de estratégias variadas de ensino e de artefatos; uso de inter-intra-

transdisciplinaridade; diversificação na avaliação; despertar o gosto pela disciplina; clareza

nos objetivos; preparação para realização de atividades; atendimento ao perfil do aluno.

1) A relação teoria-prática

É extremamente importante para a aluna, “juntar” os saberes teóricos e os saberes práticos, [...], além

de considerar o contexto, [...], com quantos alunos ela vai trabalhar, [...], como vai usar esse espaço. Ela

tem que ter conhecimento de que tipo de escola vai encontrar e que tipo de vida, esses alunos levam, para

que possa ter uma linguagem adequada. Uma outra coisa é como esses alunos farão uso disso na vida

deles. Isto inclui, obviamente, o trato dela com eles, porque a partir do conhecimento prévio que eles

trazem, [...], além do tipo de relação com eles, mais formal ou não, que vai permitir até os laços de afeto

e propiciar um melhor entendimento para aproveitamento desse conhecimento, afirma a professora (P8).

Pois bem, os pressupostos e fundamentos no PPC da Pedagogia apóiam-se nesses dois

elementos fundamentais: a dimensão teórica e a dimensão prática. Essa preocupação atravessa

200

as discursividades de todas as professoras-formadoras e das discentes. Assim, as práticas de

formação devem priorizar a integração entre as duas dimensões. A professora P8 aborda

aspectos importantes dessa interação: conhecimento da realidade onde atua e realidade das

crianças, a afetividade, o saber solidário, alternativas de realização da educação.

Segundo P5, o trabalho prático precisa ser atrelado às teorias, para depois optar pela linha que

mais se coaduna com suas concepções: [...] Quando você trabalha com a apresentação das obras, nunca consegue estar desvencilhada de uma

Filosofia da ARTE que está ali, analisando, trabalhando [...] Agora, com a Psicologia, é DEMAIS, na

parte do desenho infantil, principalmente, quando analisa do ponto de vista dessas teorias: _ Ah, gente,

eu não gosto porque está ultrapassada, não vou trabalhar com elas. A nossa obrigação de professoras é

mostrar: tem essas três teorias! Quatro, que seja! Mostro a piagetiana, um pouco de Vigotsky e mostro

Rodaquelo, mais ainda sob o olhar da pesquisa de César Cola74, do que de Rodaquelo. [...] lamento

porque a gente chegou a ter uma sala (ambiente e não tem mais), que era de Artes, em que nós tínhamos

pia, essas coisas que precisamos.

As alunas estudam, têm acesso a uma literatura muito boa, a ótimos autores e pesquisadores,

mas “[...] se não fazem a prática, se não manipulam, não experienciam, só a teoria não vai

dar o respaldo para depois atuar com os alunos na escola”, fala a professora P18. Ela dá

como exemplo, em Ciências, fazer trabalhos usando materiais como isopor, tinta e outros,

num curso universitário, que mesmo sendo de formação de pedagogos que vão atuar na

Escola Básica, às vezes, pode parecer um trabalho “primário”, que não condiz com o status da

academia, pois essa tem o papel de possibilitar o acesso a uma teorização mais aprofundada

sobre Educação. Entretanto, se os alunos não fazem mais o magistério do Ensino Médio onde

realizavam esse tipo de atividade e vinham para a Universidade já trazendo esses

conhecimentos de caráter mais prático, metodológico, aonde irão fazê-lo, agora?! No curso

superior, eles buscavam na teorização, uma complementação da experiência. Agora mudou,

porque o perfil do aluno não é o mesmo e ele vai buscar todo tipo de aprendizagens e

ferramentas teórico-práticas para a sua profissionalização. P18 concorda: Com toda certeza e, eu também concordo, que a gente precisa superar essa formação primária, essa

coisa lúdica de pegar o modelinho ficar ali construindo, “brincar” com a bolinha de isopor. A idéia não

74 “César Cola fez o doutorado sobre Educação Infantil na contramão da teoria evolucionista de Piaget, mostrando que

CADA SER HUMANO POSSUI UM REPERTÓRIO CULTURAL, ESTÉTICO, esse repertório está ali, sendo formado em

TODAS as suas concepções, inclusive na do desenho. O César já foi à turma conversar com as alunas, eu sempre convido”

(P5).

201

é essa; é problematizar a construção de modelos, é saber se é aplicável ou não. Eu não consigo achar

que é PRIMÁRIO, desenvolver metodologias para serem aplicadas nos primeiros anos do Ensino

Fundamental, com pessoas que vão exercer essa prática profissional. Eu estou FORMANDO pessoas que

vão trabalhar com CRIANÇAS! Discutir, refletir sobre as práticas que são usuais na sala de aula de

crianças, não é primário, nessa formação! Eu até entendo que não faz sentido com o meu aluno da

Biologia que vai atuar com Ensino Médio e, até com eles, eu faço! Aí é outra contextualização!

De acordo com a fala da professora, torna-se necessário cuidar para que a monocultura do

saber científico não apague nem desqualifique saberes como os relativos aos modos de

ensinar, imprescindíveis para exercer a docência, principalmente, com crianças e

adolescentes.

2) O trabalho com pesquisa

Apresentação de trabalho de PEPP, no auditório.

Eu vou falar enquanto alguém que tem a pesquisa como foco do trabalho e a formação na perspectiva do professor-investigador (P2).

O curso de Pedagogia objetiva a formação do pedagogo-docente (o professor), não-docente (o

gestor: diretor, supervisor, orientador) e do pesquisador. O modo de agir investigativo deve

perpassar todo o curso e visa à formação para a pesquisa, bem como a inserção do estudante

na instituição escolar. A professora P2 promove a interação entre conhecimento do senso

comum e conhecimento científico, trabalha com pesquisa, grupos, produção escrita e fala

sobre o trabalho do estagiário na Escola Básica, que deve ser realizado em parceria com a

professora da turma: [...] Para mim, a pesquisa é o eixo da formação; se não é o, é um dos principais na minha perspectiva.

[...]. Qual é a contribuição que eu posso dar? É outra questão séria que nós não damos conta de fazer e

de dizer: _ Gente, esse aluno da Universidade está na sala de aula, está no contexto da escola, e ele vem

para ajudar, não é para virar, ele, o professor da turma, não é para virar, ele a ‘babá’ do aluno com

necessidade especial, não é isso! Mas são dois adultos na sala de aula; é planejar juntos, é dizer: _ Eu

vou ficar um mês, dois meses na sala da primeira série e outros dois na segunda; eu venho aqui três vezes

por semana, então, qual é o planejamento dessa professora, como ela faz, como eu posso trabalhar

aqueles cinco meninos naquela meia hora, como posso dar conta do contexto da sala de aula para que a

professora possa se dedicar aqueles cinco meninos? São coisas para pensar! Se essa criatura vai três

vezes por semana, para fazer isso e o mundo vem abaixo! E o professor da sala não quer. O professor

202

não quer que eu fique sentada lá atrás, e até conversando, batendo papo, lendo revistas; quer ações

colaborativas que nós podemos estar desenvolvendo com o sistema. Ele age dessa forma re-significando

o estágio.

Trabalhar com pesquisa numa perspectiva emergente implica a visibilização de experiências

existentes, porém, ignoradas, pois faz surgir “[...] o carácter autobiográfico do conhecimento-

emancipação [...] um conhecimento compreensivo e íntimo que não nos separe e antes nos

uma pessoalmente ao que estudamos”, explica Santos (2002, p. 84).

3) As diversas formas de integração

O projeto do curso visa à inserção e à integração do aluno da Pedagogia na-e-com a escola,

desde o 2º período, de modo que ele conheça melhor esse espaço onde irá atuar, faça a

interação dos saberes acadêmicos com a prática da escola e vice-versa. Numa perspectiva

emancipatória é prudente ampliar a discussão da Educação para outros espaços sociais, buscar

outros modos de produção de saberes e de práticas na multiplicidade de experiências de

conhecimentos, de trabalho, de reconhecimento, etc., bem como a utilização de ecologias,

como a ecologia de saberes e práticas que promove a heterologia entre diversos saberes, a da

transescala que permite estudar os acontecimentos por diferentes ângulos de visão. A seguir

apresento variados modos de integração realizados pelas docentes no seu trabalho cotidiano: a

intra-inter-transdisciplinaridade, a relação discente-docente, a relação com a escola e as

parcerias.

a) A intra-inter-transdisciplinaridade

O trabalho que a gente tem desenvolvido com as meninas é na vertente transdisciplinar [...] (P8).

As disciplinas PEPPs têm o objetivo de interação com as disciplinas e com as escolas, além

da prática de pesquisa. P16 mostra uma tentativa de integrar sua disciplina com outra: Eu estava discutindo a organização do ensino, planejamento e levaria uma atividade para elas naquele

dia, mas ao entrar na sala, vi que tiveram aula de Ciências antes e estava ali um plano no quadro.

Larguei o que havia trazido e fiz a discussão a partir da disciplina da aula anterior. Fiz uma ligação, mas

casual. O ideal é que eu tivesse articulado antes com a outra professora.

A professora utilizou uma estratégia interessante, associando o seu conteúdo com o de outra

disciplina da turma. Futuros-pedagogos poderão fazer isso na escola, na sua ação docente, do

mesmo modo que a professora-formadora fez: integrar e aproveitar a experiência do outro.

Nesse sentido, P8 expõe seu trabalho com a Geografia:

203

Na Geografia (Conteúdo e Metodologia), no curso de Pedagogia, a gente tem conseguido fazer algumas

coisas para fugir da cristalização que aterroriza, porque a gente vê nas escolas, uma pressão muito

grande sobre a importância da Linguagem e da Matemática com o achatamento da Geografia, da

História e das Ciências, que passam a ter momentos mais curtos e menos poderosos. Então, para a gente

ganhar nisso daí tenho estabelecido com as meninas, alguns pactos e provocações no sentido de uso de

textos que servem tanto para leitura como para apropriação de conhecimento geográfico. A gente oferece

para elas uma oficina chamada “Quando o texto vira mapa e quando o mapa vira texto”, por exemplo,

dentro do próprio programa porque vai produzir todo o material, toda a seleção, todo o trabalho que

poderia ser feito depois na escola. E aí, a gente coloca para elas como poderiam não ficar presas aos

limites disciplinares, porque o mesmo texto que poderia ser para Língua Portuguesa pode conter

ensinamentos de Geografia. Discutimos como poderiam trabalhar com isso e oferecemos possibilidades

de conhecimentos geográficos se transformarem, por exemplo, transformar esse texto num mapa.

A professora P8 continua apresentando suas artes-de-saber-fazer nas aulas: [...] a gente não aprisiona o professor. É a grande vantagem do professor de 1ª a 4ª séries e da

Educação Infantil: ele tem mais tempo com as crianças, tem possibilidades de efetuar laços de

compreensão muito maiores, de conhecer mais os alunos e não precisa ficar preso à grade, engaiolado.

Há possibilidade de inventar muita coisa e a Geografia é muito rica, por exemplo, a maquete é feita no

pensamento geográfico para reproduzir um dado espaço da extensão terrestre e acaba virando um

artefato possível de trabalhar a escala, a proporção matemática, a visualização histórica do desenrolar

de acontecimentos naquele dado espaço, as categorias geográficas como região, lugar, território, a

questão de português quando tiver que escrever o que se passa ali. Penso que a Geografia é

extremamente rica por conta disso. Às vezes, uma saída a campo, aqui perto traz uma riqueza

extraordinária! Saí com as alunas entre o IC IV e o IC III: pedi que descrevessem plantas, árvores,

arbustos que viram; inicialmente elas apresentavam listagens com nomes, depois iam compreendendo

que diante delas havia um verdadeiro nicho de vida e que ele não estava descolado do entorno.

Vivenciamos essas coisas depois lá na escola, porque aprendemos desse jeito e enriquecemos esse

aprender com a nossa experiência. Hoje, parece que se foge dessas coisas que são muito ricas e, quando

retomadas, posso lhe asseverar, que há uma resposta muito positiva!

Professora de Geografia com alunos em atividade exo-domiciliar.

Poderia até chamar essas artes-de-saber-fazer, uma espécie de brasilização, em que os atores

procuram agir nos interstícios, nas fronteiras, no sentido de encontrar alternativas

provocadoras e interativas de processos emancipatórios do ensinar-aprender. No entanto, P16

expõe razões que dificultam essa integração:

204

Isso foi o que eu senti, pela situação de chegar, de estar isolada do contexto, o que eu percebi das

práticas foi através da fala das alunas: _ Ah, isso a gente está vendo numa disciplina! Se a gente tivesse

esse espaço de articulação entre os professores dos períodos seria mais produtivo. Eu não darei essa

disciplina no próximo semestre. Vou continuar com Didática em Educação Física (EF). Já pedi ao

colegiado que me desse o currículo deles para eu ter a visão do que viram, estão vendo e vão ver depois.

Estou procurando me encontrar com os professores de lá, para poder articular o trabalho. O curso de EF

fez uma reunião com todos os professores daquele período para discutir a prática do semestre. Eu acho

que uma é pouco, mas já abriu portas para mim, para eu conhecer os professores, isso facilita.

É necessário, pois, criar oportunidades para a emergência de experiências de reconhecimento,

de democracia, de participação, de cidadania e o consequente desmonte da lógica da

classificação, do isolamento, da produção de não-existência, da redução de hierarquias e de

diferenças. E assim, tornar possível a comunicação e a cumplicidade, para a qual, Santos

(2006, p. 85) propõe três níveis: epistemológico (revalorização da solidariedade como forma

de conhecimento), metodológico (uso do procedimento da hermenêutica diatópica) e político

(governo humano, com potencial de oposição).

b) A relação discente-docente

O cotidiano é permeado por múltiplas relações que se estabelecem continuamente. Algumas

enunciações discursivas dizem respeito à relação discente-docente no CE e na escola. Na

perspectiva da produção de saberes-fazeres-poderes, duas alunas admitem: “[...] é pensar

como o professor vai atuar porque cada um tem um jeito diferente”; “A turma reage/interage

conforme a maneira de ser dos professores”. O papel do professor e seus modos de ser-fazer

são muito realçados pelas alunas e considerados primordiais no processo educativo.

c) A relação com a escola

Atividades com crianças das séries iniciais

No que concerne à relação com a escola as alunas disseram: Fizemos duas visitas à escola na disciplina Pesquisa e Prática III. No outro dia, a gente estava eufórica

porque tinha ido à escola. Por que fico assim? Tenho vontade de estar naquele lugar; a gente achava o

máximo, tudo o que acontecia lá! (A).

205

Já dá para perceber a relação com a escola, a Psicologia, as concepções de educação (A).

Fiquei na Criarte com estágio voluntário e vi como a Psicologia contribui muito para saber trabalhar

com as crianças (A).

As disciplinas Infância e Educação e a de Trabalho docente na Educação Infantil me motivaram a fazer o

trabalho voluntário (A).

A professora mostra a criança de modo que estimula a trabalhar, a fazer atividade (A).

A educação infantil é um campo de conhecimento do professor (A).

O olhar que a professora passava para a gente era o olhar da criança e na disciplina seguinte era o

olhar do professor (A).

É um trabalho desgastante, mas é muito bom! Você pega as crianças engatinhando e quando chega ao

final já estão andando, falando, você vê a evolução; é do não falar para o falar, e depois em outras

séries, do não ler para o ler (A).

Às vezes a criança não está aprendendo, mas ela precisa é de mais atenção e não de ir para o psicólogo

como a escola indica (A).

As discentes têm tido essa relação com a escola, não só com as disciplinas de Pesquisa,

Extensão e Prática Pedagógica (PEPP), mas com outras, como Filosofia, Sociologia,

Psicologia75. Essas disciplinas têm contribuído para aproximar e para ampliar o olhar sobre-

na-com a escola. Quem não é professor ainda, tem o olhar de estudante: “Quando você entra

no curso de Pedagogia passa a olhar a escola com outro olhar!”, disse a aluna que explicou: Desde o período passado, nós fizemos visita à escola, as professoras têm um contato muito bom com as

escolas da Rede Municipal da Grande Vitória; tem ajudado muito a olhar com outros olhos. Eu faço

estágio à tarde e tenho chance, mas as pessoas que trabalham o dia todo... As professoras conseguiram

marcar horário com EJA (Educação de Jovens e Adultos) e algumas pessoas conseguiram liberação no

trabalho, para passar a manhã ou a tarde dentro de uma escola para conhecer a realidade educacional.

O modo de ensinar-aprender-a-ensinar por meio da integração com a escola possibilita

perceber a prática docente e analisá-la à luz das teorizações estudadas no curso, conforme

explica P11: Elas estão conseguindo acompanhar esse movimento do que o profissional tem feito na escola, por

exemplo, em relação à leitura e à escrita, à alfabetização, ao ensino gramatical e como ele tem tratado

isso, em diferentes níveis de ensino, tudo relacionado com a literatura. Acompanham, também, o que os

docentes não têm feito que as teorizações mostram como possibilidade de trabalho, o que a gente pode

contribuir para intervir com relação ao desempenho acadêmico, no que advém das práticas já

cristalizadas. Isso inserido, elas têm condições de observar esse trabalho de pesquisa que traz essa

prática e articular com aquilo que elas trabalham nas disciplinas voltadas para a linguagem, que são

Alfabetização e Português, Conteúdo e Metodologia. Elas passam por uma série de conteúdos nas

75 As alunas estavam na metade do curso.

206

disciplinas de Alfabetização: leitura, produção de texto, conteúdos gramaticais. Da grade curricular e

obrigatória tem até pré-requisito, porque primeiro elas fazem Alfabetização I e depois a II, depois

Português, Conteúdo e Metodologia; essas disciplinas têm uma articulação entre os conteúdos: até

Alfabetização I e II tem um determinado conteúdo e depois continua com Português. O núcleo de ensino

de certa forma contribui para oxigenar os conteúdos, estabelecendo essa articulação e ao mesmo tempo

aproximando as meninas da graduação com o que está sendo feito na linha de pesquisa Educação e

Linguagem. Nossas pesquisas têm priorizado as práticas de leitura, de escrita, a alfabetização, os

conteúdos gramaticais, a história da alfabetização, do ensino da leitura, por meio das oficinas, dos ciclos

de palestras, da pesquisa e de todas as atividades que esse núcleo tem realizado.

Fonte: A Gazeta, ES.

Perguntei à P16, professora de Didática, se nas suas aulas dirige o olhar para o contexto da

sala de aula, para a relação com as escolas na perspectiva da produção e da apropriação de

saberes dos futuros-pedagogos. P16 disse: Como a gente faz o link disso? Na minha disciplina não fiz. Fiz só através da análise de programas,

planos, seqüências didáticas e de relatos das alunas. Fiz a discussão a partir do que elas fizeram na

disciplina PEPP, fiz gancho desse trabalho delas. Senti que poderia ter articulado as duas disciplinas de

modo formal. Não tive contato com as professoras dessas disciplinas, só depois.

A relação com a escola desde o início do curso foi destacada como positiva para a formação, pois

possibilita um parâmetro entre expectativas e experiências concernentes à Educação, além de reduzir a

assimetria entre os saberes acadêmicos e os saberes da prática escolar. As idas, a vivência, a

participação na escola, local onde irão trabalhar, proporcionam aos alunos experiências de diferentes

naturezas: de conhecimento, de trabalho e produção, de reconhecimento, de democracia. Constituem

oportunidades para desfazer estranhamentos, perscrutar fronteiras, criar zonas de contato cosmopolita.

d) As parcerias

A gente está sempre que possível fazendo essas parcerias para que os espaços de difusão científica da

cidade se tornem mais acessíveis para quando as professoras tiverem suas turmas ou estiverem na

coordenação pedagógica das escolas, não deixem de explorar isso (P18).

Essa professora explica que algumas instituições já incluíram suas turmas na programação,

em decorrência de parcerias que estabelece com elas: Por exemplo, o Planetário, a Escola de Ciência Física já têm uma apresentação montada, especial para

receber a Pedagogia da UFES, todo semestre! Porque aí é um diálogo que se faz, falando não só do

espaço que se tem, mas da exploração didática que o pedagogo pode fazer. Entrei em contato com essas

207

coordenações, fui pessoalmente a várias delas, conversei para que a gente tivesse essa abertura.

Também, com a Experimentoteca da UFES (no Núcleo de Vivência), o Núcleo de Ciências com o projeto

de extensão, em que a gente tem acesso aos monitores e a gente já teve palestra com monitores do

Laboratório de Geografia. [...] A gente até tentou uma vez ir ao Museu Mello Leitão, em Santa Tereza,

mas não deu certo, porque ficou caro porque era longe (P18).

P18 continua expondo os modos como trabalha com seus alunos, os artefatos que utiliza e as

parcerias que faz com outros setores da Universidade e da sociedade. Ela procura aproveitar

todos os espaços disponíveis na Universidade e fora dela, no sentido de enriquecer suas aulas

e provocar a aprendizagem dos alunos na perspectiva de ensinar-aprender-a-ensinar de modo

que experienciando na formação, eles façam o mesmo com seus alunos, quando estiverem

exercendo a docência na Escola Básica. Ela diz: Eu, particularmente, com todas as minhas turmas a gente conheceu o espaço do campus, mangue, mata, o

que tem de espaço modificado, a construção da Universidade, esse ambiente que ela se insere, como se

relaciona com o entorno, os espaços que você citou, as Escolas de Ciências da Prefeitura, o Planetário, a

Escola de Ciência Física, a escola de Ciência de Biologia, a Praça da Ciência. A gente mantém uma

relação de parceria com as coordenações desses espaços para atender semestralmente a turma da

Pedagogia da UFES.

A professora P5 pode perceber que é mais válido, sempre que possível ver in loco, participar

de atividades fora do contexto da sala de aula, ou seja, exo-domiciliar, como por exemplo,

fazer visitas educativas: Tenho feito algumas interferências. Essa turma agora, por exemplo, elas foram obrigadas, não era

opção, TINHAM QUE IR à exposição da CVRD. Não era qualquer exposição que eu queria que elas

visitassem lá em Paul. _ É longe, professora! _ Peguei chuva, professora! [...] foi um dos melhores

relatórios que eu já recebi das turmas de Pedagogia. [...] mesmo quem entregou o relatório em grupo,

uma NÃO COPIOU da outra! Elas ficaram tão surpreendidas com o que viram que colocaram isso nesse

relato.

Esse modo de trabalhar “exo-domiciliário” mostra como é importante extrapolar o espaço

físico da sala de aula e usar outros espaços disponíveis e possíveis, explorar contextos

diferentes, estabelecer parcerias, ampliar a concepção de aula, os modos de ensinar-aprender-

a-ensinar. São possibilidades de sair da mesmice e vivenciar o cotidiano de forma criativa,

crítica, enriquecedora como propõem as sociologias das ausências e das emergências e as

ecologias. P18 comenta: “A Feira do Verde, a gente foi num momento até que o diretório

acadêmico estava numa fase de efervescência política, muita discussão e, nossa ida à feira,

208

rendeu grandes debates sobre desenvolvimento e sustentabilidade”. As professoras relatam

práticas de consumo e produção dos espaços alternativos que só fazem enriquecer os

processos educacionais e as aprendizagens.

e) A interação com setores educativos do CE

A produção de saberes-fazeres-poderes na formação extrapola a sala de aula e utiliza

possibilidades de articulação com setores do próprio CE, como de outros espaços da

Universidade. Assim, no CE ocorrem parcerias com a biblioteca, núcleos e laboratórios que se

constituem como auxiliares no processo ensino-aprendizagem e, conseqüentemente,

contribuem para a realização curricular, para a produção de saberes e para a formação de

pedagogos. São eles: Biblioteca Setorial, Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alfabetização,

Leitura e Escrita do Espírito Santo (NEPALES), Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e

Educação Ambiental (NIPEA), Núcleo de Educação Infantil (NEdI), Laboratório de Ensino e

Aprendizagem de Geografia (LEAGEO), Laboratório de Matemática (LAMATI), Educação

de Jovens e Adultos (EJA), Laboratório de História (LAHIS), Laboratório de Informática da

Graduação do Centro de Educação (LIGCE), Laboratório de Aprendizagem da UFES

(LAUFES). Essas parcerias possibilitam a invenção de outros modos de ensinar-aprender e se

constituem como artefatos no processo educativo.

Laboratório de Informática – CE

4) Explorando potencialidades

O processo de ensinar-aprender-a-ensinar comporta desenvolver habilidades, saberes

diversos, capacidades básicas como ler e escrever bem, pensar, raciocinar, porque é isso que

pedagogos vão fazer-ensinar na escola e em outros ambientes educativos com crianças, jovens

e adultos.

a) As habilidades e saberes

Algumas habilidades e saberes são básicos para todas as disciplinas e a disciplina Ciências contribui

muito para que isso aconteça [...] (P18).

209

Numa girada inventiva do caleidoscópio, a professora P18 traz inúmeras possibilidades de

trabalho, circunscritas numa sequência de habilidades e saberes que ajudam a pensar e a

aprender em qualquer área de ensino e são condizentes com a produção de um conhecimento

crítico-renovado, emancipatório: [...] por exemplo: a capacidade de observar problematizando, questionando, perguntando as causas, os

porquês dos fenômenos; a habilidade de levantar hipóteses, observar como os objetos funcionam e agem,

como os processos acontecem e investigar os porquês disso; TESTAR essas hipóteses experimentalmente;

adquirir habilidades manipulativas para manusear instrumentos de medir, para fazer leituras,

interpretação de registros, gráficos, utilização de tecnologia da informação, consulta na internet, livros,

fontes variadas de informação. A parte mesmo concreta, a construção de modelos é muito interessante!

Você precisa mobilizar conhecimentos prévios sobre aquilo para tentar reproduzir uma representação

que NÃO é a REALIDADE, mas que PRECISA tornar clara a realidade do conceito que ela quer discutir.

E aí tem que fazer essa aproximação entre modelo e realidade, modelo científico e cotidiano.

P18 continua explicitando suas artes de saber-fazer-poder para aprender-para-ensinar: Tudo isso levando em conta, que: essa ciência não é neutra, que ela está inserida numa cultura, que a

gente tem que valorizar o conhecimento que se traz para a sala de aula (o conhecimento religioso, da

vida, da família, da experiência profissional), que tudo isso precisa ser feito numa grande comunidade de

aprendizagem em que a gente entenda que todo mundo que está ali está compartilhando conhecimento;

que não tem quem sabe mais e quem sabe menos, tem quem tenha mais vivências, mais experiências, mas

todo mundo está construindo conhecimento. Para mim isso é muito claro: eu não consigo fazer o mesmo

trabalho em duas turmas; em cada uma o trabalho sai de um jeito, ele ganha a cara daquela turma, das

demandas que tem. Então eu aprendo como me relacionar com a turma mais bagunceira, com a mais

curiosa, a mais interessada, a mais inquieta. Em todo o semestre, no contato com eles, a gente está

aprendendo alguma coisa.

Quantos saberes expressos na fala da professora e úteis em todas as disciplinas! Esse jeito de

trabalhar propõe a pesquisa como meio de encontrar respostas para as questões,

problematizando, perguntando (ao invés de usar, apenas, leitura e exercícios no livro didático

adotado, como alguns, ainda, teimam em fazer, em discordância com os princípios que

fundamentam o Ensino Fundamental). Esse modo investigativo de agir é coerente com a

produção de conhecimentos emancipatórios em comunidades interpretativas, conforme

propõem Santos, Carvalho, Linhares e outros estudiosos. Seria assim, uma artesania das

práticas, uma ecologia de saberes que os transforma a todos em saberes experimentais. A

professora P18 fala de uma ciência que se coaduna com a perspectiva emancipatória que se

propõe a produzir um novo senso comum.

210

b) A leitura e escrita

Como você vai ser professora-alfabetizadora se não lê? (P14). E se não escreve, complemento.

Algumas professoras disseram, em nossas conversas, que “há alunos que querem fazer o

curso, mas grande parte não quer estudar, não quer ler! Ler um texto de algumas páginas é

um sacrifício, imagine ler livros! Seria bom ler pelo menos um ou dois em cada disciplina!”.

O professor deve fazer essa provocação, incentivar o gosto pela leitura e pela escrita. A

professora P10 descreveu seus modos de conduzir as aulas com discussão, textos e exemplos: Olha, eu trabalho de uma forma que é difícil terminar a discussão numa aula, porque eles trazem

contribuições das outras disciplinas, fazem trabalho, trazem exemplos. [...]. Isso é que deixa a aula

enriquecedora, quando você dá possibilidade ao aluno de trazer suas experiências e a partir daí, ter

idéias para trabalhar. Uma vez peguei um texto e os alunos não tinham lido para a aula, pois tinham uma

prova; aí a aula fica pobre, não flui. Então, atrasei a aula, separei em grupos, cada um leu um pedaço,

dei uma geral do texto, eles trabalharam e colocaram exemplos. Eles conversam e tiram suas dúvidas

entre si. _ Ah, então é isso que quer dizer... Muitas vezes os próprios alunos falam: _ Professora, eu

tenho uma revista que fala disso, na Nova Escola! _ Professora, essa reportagem que fala de Piaget já

tem cinco anos! Você quer? E a gente disponibiliza na pasta para todos os alunos. Então, acredito que é

importante ter estratégias na aula usando o que os alunos trazem de contribuição. A maneira de

trabalhar o que a turma vai conseguir de exemplos torna o trabalho interessante.

Os usos da leitura nas aulas são destacados pela professora P13: É impossível fugir do texto, é fundamental, o aluno tem que ler. Não trabalho com livros, só com textos

diversos de vários autores. O aluno não pode comprar todos os livros, então, eu seleciono textos de

alguns autores, os mais conhecidos. A leitura é fundamental, faço questão! Trabalho com roteiro para

que eles possam ler e organizar a leitura. Alguns lêem, não todos, eu acho que talvez, uns 50%; minha

prática mostrou nesse semestre.

A importância da leitura no contexto universitário é ressaltada por diversas professoras e P14

procura ajudar o aluno a entender isso: A questão da leitura é muito importante nessa reflexão com eles e uma das coisas que fiz foi o memorial

de leitura. Eles tinham que escrever os momentos que foram mais influenciados por alguém ou por uma

situação para ler. Não é que se queira colocar o peso da responsabilidade no professor-formador, não,

mas o seu papel, aqui na Universidade, na escola básica, é incentivar o aluno para a leitura! Então,

quando o aluno chega à Universidade, ele ficou estudando para fazer o vestibular, aquele estudo

característico de pré-vestibular e perde a dimensão da leitura. Cabe ao professor ajudar nessa questão!

Foi super-bacana! Então, através desses depoimentos, fui dando pra cada um, o feedback de que isso era

fundamental. No momento em que o aluno percebeu que foi esse o ponto que o fisgou para fazer uma

leitura que tivesse sentido, importância na vida dele, eu falei: _ É essa isca que você tem que jogar para

os seus alunos. Ele foi buscar onde eu achei como fazer isso como professora! [...].

211

Outras atividades realizadas com os alunos para incentivar a leitura foram relatadas pela

professora P14: Quando a gente fez essa reflexão, pensei numa idéia de ciranda. Por quê? Porque uma das queixas que

eu faço e os alunos, também, é porque nossa biblioteca não tem livros de literatura, entendeu? Então

esses alunos não podem nem resgatar o gosto da leitura via literatura; são mais livros de Educação. E o

que a gente fez? Eu tinha pensado ir a uma livraria [...]. Fiz isso há quatro anos, quando dei essa mesma

disciplina, fiz como estratégia. [...]. Este ano não fui à livraria, pois cada vez mais eles têm se queixado

de falta de dinheiro. Falei: _ Esses meninos não têm dinheiro pra tirar xerox... A gente vai à livraria?! _

Cada um vai trazer de casa um livro que tenha lido e gostou e nós vamos fazer a nossa biblioteca da sala.

Não mobilizou a turma inteira, mas os mais próximos começaram a trocar os livros que estavam lendo e

eu deixava alguns minutos da aula para falarem um pouco. É uma tentativa! Outra coisa que fiz em

relação à leitura, como estratégia, era começar a aula trazendo coisas curtas de Cecília Meirelles, de

Drumond, Clarice Lispector; tem aluno que passa pela vida sem ler nada disso. Aí comecei a fazer outra

coisa que eles ADORARAM, que é o seguinte: isso tem em coleções ‘Para gostar de ler’, coisa assim bem

fácil, por exemplo, Clarice Lispector: o que eu acho da leitura, como escrevo, porque escrevo, coisas

rápidas, entrevistas desses escritores mais consagrados. Quando eu trazia uma poesia, trazia uma rápida

biografia e acho que era o momento da aula que eles gostavam. Quebra um pouco aquela coisa da teoria.

Então, eram mais estratégias!

Perguntei a essa professora se aproveitava o trabalho com a leitura para provocar o desejo de

escrita nos alunos, para fazer a relação leitura-escrita, porque são imbricadas, são

escrileituras. Ela esclarece: “[...] Isso eu não fiz; poderia ter feito! Mas eu sempre dizia para

eles: _ Gente, vamos escrever e conversar com o papel, o que vem na cabeça! Depois você

vai arrumando, entendeu? É sem fim”. P14 contou outra experiência: Teve uma aluna que falou: _ Sabia que antigamente eu escrevia aquelas cartas dando opinião para o

jornal? Falei: _ Você vai trazer para gente ler aqui na sala. Eu sempre provocava assim. Ela trouxe a

carta e a gente falou: _ Está vendo! Quantas coisas que a gente lê no jornal, que se indigna, fica com

raiva, fala que não gostou. Dá sua opinião! Manda um e-mail! Essas coisas eu fazia, mas parar para

escrever, eu não fiz.

A escrita e a leitura são imprescindíveis na aprendizagem no Ensino Superior, acho que a

mais importante e penso que constitui um bom caminho ampliar o gosto por ambas. Tenho

trabalhado muito ao longo da vida, em formação continuada, com professores já atuantes e

quando se pede para explicar alguma situação por escrito eles reclamam: “_ Ah, não pode só

falar? Tem que escrever?”. Percebe-se, então, que muitos docentes não têm essa cultura de

ler e de escrever! Encontrei professoras que só liam a cartilha que trabalhavam com os alunos!

Não gostavam de ler jornal, revista, nem de ouvir noticiário. E só escreviam o essencial

212

relativo ao desenvolvimento das suas aulas! Como vão incentivar o aluno a gostar de ler e de

escrever?!

c) Ensinar a pensar

O que é pensar, então? Jódar e Gómez (2004, p. 142) respondem: “Pensar, então, não pode ser identificado, inocente e escolarmente, com alguma disciplina acadêmica, com as lições, tarefas, programas e manuais que constituem a carcaça imutável e organizada do ritual escolarista da pedagogia tradicional como meio soberano de adquirir cultura.

Hoje, é muito divulgada a concepção de que a escola precisa ensinar o aluno a pensar,

aprender a refletir, aprender a aprender, a buscar alternativas para os problemas com que se

depara, a encontrar soluções novas para problemas velhos, como um novo modo de ensino-

aprendizagem. E é isso que a formação deve propiciar: exercitar o pensar para aprender-a-

ensinar-a-pensar. Aprender a pensar é aprender a aprender, é exercitar a curiosidade, a

pesquisa, é questionar. Para P10, “Todo mundo quando chega à Universidade, no primeiro

período, tem uma grande dificuldade para apresentar seminário, é tudo muito rápido, muito

sucinto, causa/conseqüência. E a gente tenta trabalhar que não tem que ser assim”. Outras

atitudes ajudam nessa aprendizagem: ter autonomia, ser responsável pelo seu trabalho,

mostrar-se interessado, pesquisar, estudar e compreender a importância da leitura e da escrita

no processo de aprender a pensar.

P10 continua: “[...] A maioria das pessoas que trabalha leitura, por exemplo, obriga a ler

dois, três livros e tem que fazer um trabalho, uma redação sobre o tema”; isso ajuda a

aprender a pensar?! Pensar, então, independe da disciplina, do lugar, do tema, mas de

situações que provoquem o pensamento problematizando, perguntando, buscando respostas,

errando, acertando, procurando possíveis soluções; ou seja, ter oportunidades de vivenciar

situações que fazem pensar e aprender. Essa é uma questão muito importante: o professor

pode-deve “ensinar” o aluno a pensar! E como se trabalha isso com os alunos? Como se

“ensina” a pensar? P18 explicou um dos modos que utiliza: Eu falo para eles: _ Vocês estão trabalhando meio ambiente e meio ambiente é um conceito

interdisciplinar. _ Ah, você tem que ouvir a contribuição da Geografia, da Matemática, da História, de

todo mundo junto! Em que MOMENTO da formação a gente tem um trabalho interdisciplinar?! Esse

trabalho o pedagogo vai ter que coordenar na escola depois! Em que MOMENTO que a gente

proporcionou isso para o aluno?!

213

Não é o conceito de intra-inter-transdisciplinaridade que ajuda a pensar, mas as possibilidades

reflexivas de ações como ler, discutir, concordar, divergir, advindas da escuta de diferentes

áreas, contribuindo para ampliar a percepção acerca de um mesmo tema.

d) Valorização da experiência-saber-discente

Algumas posturas de professores são consideradas significativas para provocar desejo-

vontade de aprender nos discentes, tais como ouvir o que o aluno sabe acerca do tema

discutido, valorizar a diversidade de experiências discentes, enxergar o conteúdo teórico na

vida cotidiana e esta na teoria, extrapolar a sala de aula e utilizar outros espaços para

desenvolver o trabalho docente, como se pode ver na experiência contada a seguir. No período passado, por exemplo, tinha um cara de teatro na MINHA AULA de Prática de Ensino,

excelente! Ele deu uma oficina de teatro para elas! Agora, nesse período, nós temos uma menina de

música! É bacharel em música pela PUC e está com um desafio: em dezembro, vai ter que fazer algum

trabalho com a turma, na área de música (P5).

A professora P5 aproveita as experiências e os saberes de seus alunos para enriquecer os

processos educativos: “Uma vez por mês a gente promove alguma oficina, que não seja coisa

repetidora, não é modelo para elas repetirem, é um modelo para elas verem. Se eu mando o menino

desenhar, como é o desenho? É o olhar dela sobre a sua própria produção e sobre outras, não é?”.

Seu relato é importante porque procura considerar o conhecimento e a realidade das alunas: [...] fazer um levantamento com a turma do que conhece, pensa, sabe, viu sobre Arte. Mas o que nós não

podemos é nos dias de hoje, pensar que uma professora vê um menino que desenha de forma mais

realista e dizer: _ Esse é um artista! E aquele que não o faz: _ Ah, esse não sabe desenhar! Então ela

reproduz esses valores que faziam parte de um determinado tempo, determinados contextos e teóricos. Eu

acho que esse é o trabalho que a gente tem que fazer: mostrar que a arte não é só representação do

morto (P5).

É importante visibilizar e valorizar os saberes que o discente traz na sua bagagem e os saberes

que produz, no cotidiano da Universidade. É um modo de contrapor à lógica da classificação,

experiências de reconhecimento da capacidade de consumo e produção do aluno.

e) As situações cotidianas

A sociologia das ausências mostra o que é produzido como não-existente às alternativas

dominantes, experiências consideradas descartáveis, invisíveis à realidade hegemônica.

Situações cotidianas podem ser consideradas com características barrocas porque constituem

um campo aberto de reinvenção e de experimentação. São assim, como zonas de fronteira

214

onde florescem experiências criativas de solidariedade, de conhecimento, de participação,

com oportunidades de desfazer estranhamentos em relação à escola. [...] Experimentar essa sensação de estar aprendendo de um jeito novo. É muito interessante! Nas

primeiras aulas, quando a gente começa a problematizar o que eu chamo de conhecimento do senso

comum: _ Pode dormir com a planta no quarto? _ Não pode! _ De onde vem o oxigênio que o peixe

respira? E coisas desse tipo: _ Por que o navio não afunda? O avião não cai? _ Por que quando joga sal

na água fervente do macarrão ela para de ferver? E qual a relação disso com a mudança de estado físico

da água? Coisas assim, que, às vezes, a gente é obrigada a fazer uma série de adaptações para tornar

esses conceitos mais acessíveis (P18).

Conhecer metodologias de trabalho docente, manipular materiais didáticos, questionar

situações cotidianas, ajudam no enriquecimento das aulas, na compreensão de conteúdos e

impede que o aluno, simplesmente, decore um conhecimento do qual nada entendeu. A

professora P18 continua enumerando outras situações cotidianas que utiliza nas aulas de

Ciências para trabalhar a curiosidade, a formação e a compreensão de conceitos: _ Que horas são em São Paulo quando é meia-noite em Tóquio? Fusos horários. Está bom, isso a gente

sabe. Teve as Olimpíadas em Pequim, quando é dia aqui é noite lá, mas onde amanhece primeiro? Em

que sentido a terra gira? Perguntas dessa natureza que a gente dificilmente se faz no dia-a-dia e elas,

digo elas, porque a maioria são meninas (por isso eu também digo elas), falam assim: _ Ah, professora,

eu não sei nada! Pára com isso, estou com a sensação de que não sei nada! _ Estou ficando perdida!

Tudo aquilo que eu sabia parece que não sei mais. É muito legal, porque à medida que elas vão

experimentando, construindo, consultando as fontes, aquilo vai tomando forma e ganhando sentido. Fica

muito interessante o trabalho!

Esses conceitos científicos são conteúdos do Ensino Fundamental que pedagogos-docentes

vão trabalhar com seus alunos, por isso é importante aprendê-los, para depois ensinar. A

professora-formadora parte de perguntas sobre situações cotidianas, para ir do senso comum

ao saber científico e produzir assim, um conhecimento emancipação, um novo senso comum,

“um conhecimento prudente para uma vida decente”. Se os alunos não aprenderem,

discutirem, refletirem sobre questões dessa natureza na sua formação, certamente, farão como

algumas professoras que adotam o livro didático como única ferramenta de trabalho. Nesse

sentido, os estudantes lêem e fazem as atividades do livro, sem nada entender, sem

experienciar, pois ainda há professoras que só lêem e respondem um texto, como qualquer

pessoa alfabetizada, apenas decodificando símbolos, sem atribuir significados concernentes ao

conteúdo da disciplina, como Ciências, por exemplo. Os depoimentos de docentes e discentes

confirmam a importância do papel dos núcleos, laboratórios, biblioteca e escolas de estágio,

215

sobre a contribuição das parcerias nesse processo de ensinar-aprender-a-ensinar na formação

docente.

5) Estratégias, táticas, artefatos

As aulas podem e devem ser enriquecidas com estratégias, táticas e artefatos, ferramentas que

ajudam a fortalecer as artes de ensinar-aprender-para-ensinar. Com habilidade e inventividade

prepara-se o ambiente, utiliza-se uma variedade de procedimentos e artefatos, de acordo com

o conteúdo, a disciplina, o contexto, a realidade, os atores. Como em todo processo é preciso

planejar e avaliar (antes, durante e depois): participantes, ações, aprendizagens e (re)planejar,

(re)fazer, alterar, num processo contínuo e heterológico.

a) O ambiente didático

Atividade na aula de Psicologia

O ambiente deve ser propício ao ensino e à aprendizagem, não só na sala de aula, mas em

outros possíveis espaços. Se não é adequado, ocorrem situações como a que relata a

professora P18: Eu carrego pedra, depois tem que lavar tudo no banheiro. Ajudaria muito essa sala ambiente. Se a gente

pudesse deixar as amostras de solo lá, as rochas... A TV já estaria lá, não teria que reservar sala de

vídeo, isso tornaria o trabalho mais flexível.

Essa docente explica que se tivesse uma sala ambiente facilitaria o trabalho porque dispende

muito tempo para carregar material do laboratório para a sala de aula. As professoras de Artes

e de Matemática, também, abordaram essa questão; a de Matemática disse que, às vezes,

carrega oito engradados de material para a sala de aula. Nesse sentido, a docência orientada na

perspectiva investigativa revela múltiplas e, às vezes, inesperadas demandas e se a turma está

num ambiente próprio à prática da disciplina, a professora pode promover experiências não

previstas na programação, caso contrário, ela vai dizer a “sua verdade” para os alunos, sem

questionar ou discutir, afirma P18: De repente vem uma questão que você não pode perder a oportunidade de desenvolver uma prática

experimental ali, naquele momento, até mesmo para poder confrontar como o modelo explicativo do

216

aluno, da gente tentar chegar a uma mudança conceitual, não estando acessível, não tem muito como

escapar daquela coisa de dar a resposta! Depois fala: _ Não faz isso não! Leva seu aluno a pensar!

b) Variedade de procedimentos

A professora P8 trabalha, em suas aulas, com a transmissão de conhecimentos, com a

experimentação e com a utilização de artefatos: No caso da Geografia, se minhas alunas precisam compreender os movimentos de rotação da terra e

como se dá o fenômeno das estações do ano, tudo que tem de teórico em relação a isso me parece que

tem que ser trabalhado pela transmissão do conhecimento para a compreensão dessa professora que se

forma, [...]. Outro modo seria na dimensão do que ela vai trabalhar com seus alunos. Além disso, vou

apresentar para ela o modelo de um kit, de uma reália que possibilitará o entendimento do processo. Isso

dentro da Geografia. Para além disso, trabalhar o pedagógico, preparando o espaço para o uso desse

kit, como ela vai se referir a isso, posicionar os alunos, discernir objetivos, como preparar o texto para

explicar isso, como preparar os recursos, como ela vai posicionar a lanterna.

P10 falou sobre sua prática docente, como professora iniciante que é: Não tenho trabalhado com maneiras muito diferenciadas: trabalho aulas expositivas com discussão,

filmes, se desse tempo usaria mais porque filme enriquece. Principalmente no começo da disciplina tem

alguns textos que trabalho bem as abordagens da Psicologia. Tem exemplos e modelos; uma coisa que

nunca viram é mais fácil fazer a relação. Em várias discussões alunos dizem: _ Ah, eu vi um filme que

fala disso. Não sei se você conhece o filme ‘Um dia pra ser feliz’, um documentário, passou no

Metrópolis. Na época, nós fomos. Foram poucas pessoas porque não era em horário de aula e a gente

trouxe a discussão para aula, o aluno se interessa.

P5 continua falando sobre os procedimentos que utiliza em suas aulas: Vou diminuir é esse diálogo com o pessoal da pós-graduação, porque eu não quero que fique como uma

obrigação de escuta, como se fosse um cumprimento de regras, mas de participação das alunas da

graduação. Não gosto! O dia que eu for ensinar e que eu percebo cumprimento de atividades, eu tenho

até horror dessa palavra, eu tenho vontade de SUMIR! [...] gosto de sentir que a turma está participando

com desejo, que estão curiosos, tanto que nesse período, eu só vou levar duas! (apresentações de alunas

do Mestrado).

Essa professora procura integrar a linha de pesquisa com a graduação; assim, alunas do

Mestrado fazem depoimentos na graduação e apresentam suas pesquisas. Sobre o uso de

artefatos tecnológicos, docentes consideram que a estrutura do Centro de Educação ainda é

deficiente, o que constitui uma dificuldade pedagógica. P5 afirma que embora haja [...] um pólo que tem SETENTA dvd’s, utilizo pouco e poderia estar utilizando mais; sou muito visualista

em outro ponto, utilizo, muito, transparências; datashow a gente não pode usar. Material, tenho demais,

217

o problema é que temos uma sala disputadíssima! [...] Se tivéssemos uma estrutura com todas as salas

equipadas... não temos, aí fica muito complicado.

A professora P13 expõe seus modos de atuar:

Então, trabalho com texto, roteiro, com filmes, também; às vezes [...] indico para que assistam e depois a

gente discute. É fita, documentário, alguma coisa que consigo copiar da TV; retroprojetor com

transparência, gosto muito do datashow, embora eu tenha tido muita dificuldade aqui na Universidade

para conseguir o datashow. Não consegui reservar nem uma vez nesse semestre. Ah, sim, gosto de

trabalho de campo; nesse semestre fomos à aldeia guarani. [...].

A visita que P13 fez com os alunos teve como objetivos integrar conhecimentos teórico-

práticos, relacionar a Universidade com a realidade e o saber da Universidade com o saber da

experiência. Às vezes, para incentivar é preciso buscar formas diferentes de trabalhar com os

alunos e a visita à aldeia indígena, em Aracruz, foi uma delas: Os alunos fizeram uma fita, fotos, relatórios, e mais do que isso, tiveram uma ação concreta, porque as

mulheres lá estão fazendo um trabalho de bazar com roupas, eles são muito pobres! Então as alunas

entraram na campanha, estão coletando roupas para mandar para aldeia. Aí as pessoas falam: _ É

assistencialismo. Não sei se é assistencialismo não; os caras estão pobres, passando necessidade e a

gente pode ajudar. Que é isso? É uma ação social importante; nós estamos estudando, aprendendo,

trocando. Não é uma coisa isolada! É o conjunto de um trabalho de pesquisa, de produção de

conhecimento. Isso, na disciplina EJA.

Durante a visita não foram a uma sala de aula indígena porque só puderam ser recebidos, na

aldeia, no sábado: Conversamos com o cacique da aldeia, ele explicou como funciona, o ensino é bilíngüe. É objetivo que os

jovens e adultos estudem; eles querem aprender a ler, a falar português direito, porque eles falam o

guarani. [...]. Eles querem se comunicar direito, não serem discriminados pela comunidade branca, têm

vergonha de botar o dedão, querem assinar direitinho, querem falar as duas línguas. As alunas ficaram

entusiasmadíssimas, adoraram! Elas bombardearam o cacique, coitado! (P13).

A professora P14 trabalhou com a estratégia de memórias para chegar aonde pretendia, aos

conceitos de leitura, escrita, alfabetização: Pedi que os alunos descrevessem as memórias que eles tinham da sua alfabetização. A partir desse

relato, das lembranças de como aprenderam, das influências que tiveram, na relação com a leitura e a

escrita, a gente começou a trabalhar os conceitos que eram importantes para essa disciplina: os métodos

de alfabetização usados na história da humanidade, a relação da criança hoje com esse mundo

alfabético, os sentidos da alfabetização para essas crianças, elas estão tendo uma alfabetização mais

mecânica ou mais significativa? Como é que essa criança vai poder expressar pensamentos e

218

sentimentos, variações lingüísticas, os saberes produzidos?! A gente tentou [...] trabalhar com leitura dos

textos e discussões coletivas. Esses professores (graduandos) vão trazendo experiências do que vivenciam

na prática e interligando essas discussões com os teóricos; [...] tem alunos que não têm experiência,

nunca foram para a prática e não conseguem dialogar com os autores sem essa vivência da prática. Por

isso pedi para resgatarem as memórias de quando estudavam. Isso favorecia um pouco. No início a gente

pergunta quem já foi à escola, quem trabalha em escola e teve turmas que era muito grande o número de

alunos que não tinham ido às escolas. Propus trabalho de campo, em que eles iam: fazer entrevistas com

professor alfabetizador, passar um dia com esses professores, para ver o que estavam estudando aqui.

Então eram estratégias e táticas que fui encontrando para fazer com que essa leitura e com que esses

estudos não ficassem desarticulados do cotidiano. Os alunos que estão estudando a teoria também fazem

perguntas práticas, entendeu? Como isso acontece? Os dois campos articulados é muito melhor!

c) A utilização de artefatos

Atividade de pesquisa e extensão com docentes do Ensino Fundamental

Os artefatos enriquecem o processo de ensinar-aprender-ensinar, então, que artefatos são

utilizados por professores e alunos que mais contribuem e interferem na realização cotidiana

do currículo? Destaco narrativas de algumas professoras: [...] eu gosto de sentir que a turma está participando com desejo, que está curiosa (P5).

O artefato mais importante continua sendo a leitura; utilizo também a internet, discuto por e-mail com os

alunos; trabalho muito com cinema, literatura (não técnica) que, às vezes, aparentemente, não tem

ligação com a Filosofia, por exemplo, um romance. No semestre passado, a turma de Pedagogia leu o

livro “O carteiro e o poeta”, e as alunas resistiram; em Pedagogia há mais resistência à leitura. Não

gosto muito de usar seminários, atividades de leitura em sala de aula. Prefiro que façam a leitura em

casa e debate aberto em sala de aula; dou o roteiro de leitura para facilitar. Tem momento em que faço

exposição oral, que é confundida com Pedagogia tradicional (P9).

[...] é importante que esses artefatos sejam usados à luz dos objetivos que se pretende desenvolver e

alcançar; que sejam maximizados como forma de complementação do meu próprio trabalho na sala de

aula (P8).

A gente não dispõe de outro espaço aqui, que pudesse fazer uso não só do computador, como máquina de

escrever ou como fonte de consulta, mas como tecnologia educacional mesmo. Não tem! (P18).

Em termos de artefato a gente tenta explorar o máximo que tem. [...]. O nosso curso é pobre, mas acho

que temos o fundamental; até dá para a gente se virar, entendeu? Acho que falta para nós é sabermos

explorar, usar da melhor maneira o pouco que tem. Todos os alunos deveriam passar pela experiência de

usar o datashow, por exemplo, e nós possibilitamos isso na apresentação delas. Quero que saiam daqui,

sabendo usar o quadro, o jornal, a revista! Tem que usar a criatividade! (P6).

219

A professora P18 utiliza artefatos diversos, trabalha na perspectiva investigativa e com

parcerias: [...] TV, vídeo, computador tem menos acesso aqui. A sala de informática a gente já pediu não só para a

Pedagogia, mas para a Biologia também, mas não pode ser liberada para uma turma, é aberta ao uso

(geral). Então eu não tenho como chegar lá com quarenta alunos e ocupar, dar aula naquele espaço;

acaba sendo só para as alunas consultarem. A gente não dispõe de outro espaço aqui, que pudesse fazer

uso não só do computador, como máquina de escrever ou como fonte de consulta, mas como tecnologia

educacional mesmo. Não tem!”

Essa professora continua sua exposição sobre os modos de ensinar, os artefatos e as parcerias: O caso da biblioteca é que a gente tem pouquíssimas obras voltadas para o ensino de Ciências nas séries

iniciais. Eu poderia citar poucas referências bibliográficas nessa área. Então a gente trabalha com

artigo mesmo. Sou obrigada a dizer que (uso) muita produção minha; não gostaria que fosse assim [...]

tenho muita interação com o pessoal da USP, da UFMG, de projetos como o Mão na Massa que é um

projeto francês que chegou ao Brasil e hoje está na Academia Brasileira de Ciências e estimula a

metodologia experimental nos anos iniciais. A gente trabalha com esse projeto e é vinculado à

Experimentoteca, lá no Núcleo de Ciências. Eles são ligados à Academia Brasileira de Ciências e

disponibilizam esse material para nós. Ter essa parceria lá ajuda porque é um projeto que EMPRESTA

material, então é onde a gente consegue ter acesso a algumas coisas. A gente não tem um microscópio,

um torso anatômico para estudar órgãos do corpo humano, não é? Já está até pedido. Um quadro digital

na sala! Nem sei se a gente tivesse isso tudo teria tempo de explorar! Com 60h! (P18). (A professora

reflete).

P16 enfatiza os modos que o aluno vai trabalhar ao assumir uma turma, por isso considera

importante discuti-los nas suas aulas: A aluna vai trabalhar com projetos, optar por formas de organizar, com atividades seqüenciais,

selecionar conteúdo com o objetivo que ela se propõe, com a organização do trabalho. Por isso que não é

uma coisa mecânica. Não importa a perspectiva que vai trabalhar; tem quatro elementos fundamentais:

objetivos, conteúdos, metodologia e avaliação e eu discuto dentro da metodologia. [...] não descarto com

elas a técnica de fazer isso, mas eu mostro as diversas possibilidades. Vou baseando nos documentos

oficiais para a discussão, certo? Pego o PCN, busco um objetivo oficial e pergunto: _ A partir daí, como

você desencadeia um fazer?

Sobre seus modos de realizar a prática docente, P14 assim se expressa: [...] _ Vou com vocês a essa oficina! Isso estimulava e trazia coisas da oficina para a sala de aula. _ Ah,

Fulano e Fulano foram à oficina tal. Mostrem para a gente o que viram; vamos abrir um momento de

discussão sobre isso. Geralmente os que procuram são os que já estão na prática e sabem da

necessidade, mas eu trazia para a sala de aula, porque mobilizava o restante do grupo. Em relação aos

artefatos ainda, eu senti essa coisa da xerox que sempre me incomodava, porque além de pedir para ler

220

um texto fragmentado, a gente via alunos que vinham para a sala sem ler o texto e eu não tinha a certeza

que eles teriam aquele texto na mão. Como comecei a fazer isso? Percebi que quando eu só fazia uma

aula expositiva era muito cômodo para eles, mas não havia uma interação. Aí eu falei: _ Foi uma

estratégia, vou vir com a aula preparada, mas na hora, vou pedir a alguns alunos para trabalhar junto

comigo esses textos. Comecei dizendo com antecedência para eles planejarem. Resumo da ópera: só liam

aqueles que tinham que planejar (risos). Aí comecei a falar: _ No próximo não vou dar com antecedência,

todo mundo vai ler. A gente ia vendo o que fazer para tentar que todo mundo se envolvesse.

Para a professora P8 não basta o uso de artefatos, às vezes, até sofisticados, mas esse uso deve

ser associado ao trabalho didático que o professor faz para compreensão do assunto estudado.

Ela explica porque: É extremamente importante utilizar artefatos em qualquer área de conhecimento. Na Geografia isso

ganha um realce muito grande, porque há vários trabalhos com dimensões espaciais, que às vezes

extrapolam a compreensão concreta dos alunos. Por exemplo, se eu me refiro a um local muito distante

como Japão, China, a televisão vai ajudar a criar toda uma imagem, uma compreensão espacial, de

cultura, de modo de viver desses povos, a paisagem, o relevo, tudo mais. Mas essa TV de nada servirá, se

nós professores em sala de aula, não adaptamos o poder dessa compreensão associando ao que estamos

trabalhando. Me incomoda muito, ultimamente, a coisa da moda, do artefato dentro da escola. Usamos

quadro de giz, ampliamos cartazes, figuras para flanelógrafo, mas depois entramos na era tecnológica,

propriamente, e aí a TV ocupou espaços massificantes para o aluno. Hoje, a gente tem o datashow, o

computador que transportam para uma dimensão meramente audiovisual e não didático-pedagógica,

porque se o professor não compreender que esses artefatos são auxiliares no seu trabalho, que não

resolvem por si só, se eu não me preparar para fazer uso geográfico de um kit composto, por um globo,

lanterna, lâmpada criarão impacto sobre os meninos, mas não ajudarão a compreender o que seria,

propriamente, o objetivo do uso deles.

Essa docente destaca a importância de preparação do professor para fazer uso de

determinados artefatos, além de compreender possíveis fios que poderá puxar, para enriquecer

o processo de ensinar e de aprender: O professor tem que assistir ao filme antes, preparar, ver o que ele quer analisar, chamar atenção e

aproveitar coisas que lhe escapam; ele tem que estar preparado para isso, também, porque às vezes os

meninos mais ensinam do que aprendem. Eles percebem coisas, que são sutis ou que não são compatíveis,

que nos escapam; então é importante que esses artefatos sejam usados à luz dos objetivos que se pretende

desenvolver e alcançar, que sejam maximizados como forma de complementação do próprio trabalho na

sala de aula. No caso da Geografia, a gente destacaria o uso da TV não apenas em sala de aula, mas,

também, no cotidiano do aluno, com resgate dessas imagens, como recurso que pode ser levado à

pesquisa, programação num canal, pesquisar tipos de paisagens, que impactos percebem da sociedade

sobre essas paisagens. É um recurso rico porque o aluno vai estar, permanentemente, sendo provocado a

relacionar. No CE, diferentemente de outros centros, a gente tem alguns recursos disponíveis, mas,

221

infelizmente, alguns deles estão sucateados, inadequadamente, colocados em alguns lugares, são de uso

restrito, muitas vezes têm um controle que nos impede de utilizar. Acho que há uma exacerbação do uso

tecnológico de determinados recursos em detrimento de outros que são muito próprios, entre aspas, do

curso de Pedagogia, por exemplo, vejo pouco uso de cartazes, que poderiam ser melhor trabalhados,

visando preparar as professoras para o seu uso na escola (P8).

Hoje, há muita ênfase no uso de artefatos tecnológicos, mas P8 lembra que há alguns outros

artefatos bem simples, fáceis de serem usados, que implicam pouco ou nenhum recurso

financeiro e que estão esquecidos. Determinadas imagens, determinados artefatos que hoje caíram em desuso como o flanelógrafo, o

imantógrafo, seriam bastante interessantes; o rádio, o gravador que propiciariam uma série de

possibilidades pedagógicas. Há pouco tempo atrás trabalhei com uma turma de metodologia e conteúdo,

Geografia e estimulei essa turma a usar algumas coisas tipo, teatro de sombras e foi um sucesso

tremendo porque elas nunca tinham visto como se podia trabalhar com uma coisa tão simples, que

independe de energia elétrica, de muita habilidade. É uma coisa mágica: você tem um painel, pode usar

figuras enriquecendo a partir de livros ou de criação dos próprios alunos. O uso do retroprojetor com

outras finalidades, como por exemplo, reprodução de mapas, de figuras, ampliação acabam virando

novidades, como se fossem descobertas muito atuais. Penso que a TV tem que ser considerada, o jornal, a

revista, como artefatos extremamente ricos porque além de propiciar toda uma parte de informações,

imagens, às vezes, os alunos me fazem rir, por lembrarem a história daquela professora da maleta

amarela. _ Ah, professora, você traz tanta coisa! Porque é uma pasta grande e eu fico imaginando que

não quero ser a professora, que se tirarem a maleta fica sem recurso, também não quero ficar

trabalhando só pela sedução do concreto de um recurso didático, de um artefato poderoso como são as

mídias hoje em dia. Eu penso que é uma coisa da qual o professor não poderia subtrair de estar

utilizando!

A professora P12 fala sobre seus modos de ensinar-aprender: Nesse semestre usei só uma vez sala de vídeo, DVD, um programa muito bom da TV Cultura “Café

filosófico” bem interessante. Trabalhei bem na tradição mesmo: livro, texto, aula expositiva, seminários;

foram muito bons, surpreendentes, os alunos já conseguem usar a tecnologia. Fiquei surpresa porque

dividi a turma em grupos e eles fizeram apresentação de seminário sobre as diversas correntes teóricas;

dentro delas escolheram um autor estrangeiro e um brasileiro. Achei legal o trabalho! Isso aí também,

são aprendizagens que eles vão tendo: trabalhar em grupo, expor as idéias publicamente, diante de

colegas porque nem sempre têm essa experiência. Quando faço seminário, marco no auditório.

A utilização desses artefatos implica experiências de comunicação e informação nos

laboratórios, bem como a reinvenção de saberes e práticas pelo trabalho da ecologia de

saberes e práticas.

222

Segundo P17, o docente-discente pode construir artefatos para serem usados nas disciplinas

em diferentes conteúdos: A gente constrói muito! É preciso saber sempre que objetivo você tem, que conhecimento você quer

construir e os objetivos não são só cognitivos, são atitudinais, também. A gente trabalha muito isso na

nossa área. Agora, aluna no estágio, que vê professor que não trabalha com isso, com certeza, ela vai

saber dizer porque, com o conhecimento que tem, com experiência de leitura, sala cheia, e às vezes, falta

de material, de condição de construir e... (professores que trabalham em duas ou três jornadas). Você sabe

que as escolas públicas recebem verbas para material. Mas das alunas escuto isso: _ Ah, esse material

tem lá em cima do armário da sala da diretora! _ Ah, o governo mandou um tanto de sacolinha desse

negócio, mas eu não sabia que era chamado de blocos lógicos, material dourado. A gente fala hoje do

papel da escola. Qual é o papel da escola? O diretor que é empenhado, quando chega um material ele vai

saber para que (serve) com o professor, pedagogo, quem pode ajudar, porque o diretor não é obrigado a

saber de todas as áreas, mas (deve) procurar saber.

Essa professora citou outros artefatos que utiliza na produção de saberes-fazeres docentes: Nós usamos a tecnologia: a calculadora que é artefato, nossas alunas têm noção, a gente não conseguia

desenvolver tudo que poderia até por causa dessas 60h e porque tem muita falha de conceituação, a

gente TEM que trabalhar conceito de número, de operação, como (faz) com a criança. Usamos ábaco,

QVL, material dourado, dinheiro chinês. Filme e DVD eu uso menos, mas sei que outras professoras

usam bastante. Eu uso menos, acho que é uma falha, mas eu não acho tempo também, porque quero

manipular muito material concreto e ajudá-los, estão no estágio já, quinto período e elas falam isso: _

Ah, na minha escola a professora botou um aluno para trabalhar comigo, como esse material vai ajudar?

_ Um aluno tem essa dificuldade, lá na escola tem esse material, mas ninguém saber usar. Como eu vou

ajudar a professora a usar esse material? _ Ah, isso é diferente! (P17).

P17 trabalha com diversos autores, material didático e jogos, em suas aulas, pois ela acredita

que o aluno aprende Trabalhando bons autores que auxiliam como leitura, a gente dá uma bibliografia básica e uma

complementar e na sala de aula a gente usa muito material concreto. Nós trabalhamos por sorte com um

financiamento de 1995 da CAPES, de formação de professores, que hoje está voltando com o nome de

PIBIT, que é muito parecido com o PAVCD e a gente conseguiu um financiamento. Temos, hoje, bastante

material concreto que foi qdquirido naquela época. Quando eu entrei aqui na UFES mostrava figura: _

Isso aqui é um material dourado. Agora, a gente tem cinco jogos de cada e pode dividir a turma em cinco

grupos e cada um tem o seu material.

Na disciplina Arte e Educação, por exemplo, entre os artefatos mais utilizados pela

professora-formadora e pelos alunos, que vivenciam a realização curricular da Pedagogia na

referida disciplina, é a visita ao Museu.

223

Eu separo o curso delas em três grandes etapas: a 1ª chamo “A arte e seu ensino e suas várias

histórias”; eu trabalho com elas e com o Centro de Artes. Essa turma do segundo período, por exemplo, é

muito instigadora; eu fiz uma coisa com essa turma que foi pedido delas e que não fiz com as turmas

anteriores. Eu levei mais reproduções de obras de artes do que levei nas demais. Por quê? Porque elas

me pediram: _ Professora, o que é isso? O que é o impressionismo? Me mostra isso! Foi interessante

porque partiu delas! Do desejo, do interesse delas! (P5).

d) A diversificação na avaliação

Vi que eles estudaram quando eu disse que ia dar uma prova escrita, entendeu? (P14).

Eu acredito que a maioria das alunas vem de um nível médio, de um cursinho e são acostumadas a

decorar e fazer, decorar e fazer (P10).

A professora P16 relata seu dilema em ter que incluir o tema de avaliação em Didática com

uma carga horária tão pequena: Eu falei:_ Já que não posso fazer uma abordagem mais ampla, vocês coloquem suas angústias, para eu

poder trabalhar. Hoje eu revejo a prática que tive aqui. Repensando muitas questões, vou usar

instrumentos de avaliação diferenciados com os alunos e voltados para a área de atuação. Dentro da

minha aula [...], por exemplo, numa avaliação eles analisaram um plano de aula; [...]. Estou repensando

para o semestre que vem trazer essas práticas mais para o início da disciplina. Foi uma resposta muito

positiva dos alunos, quando a gente pegou práticas e analisava a luz da teoria. Exercitei com eles esse

fazer. Uma coisa é exemplificar e outra é dar uma situação para elas fazerem a análise a partir de tudo

que a gente estava discutindo. Eu fiz isso mais para o final: essa é uma aula, o professor fez o

planejamento, então, vamos analisar essa prática. Fazendo uma avaliação da disciplina com os alunos a

partir do planejamento feito, o que foi proposto e o que foi executado, eles sugeriram fazer mais vezes

essa prática.

Sobre a prática de leitura, escrita e a avaliação, P14 fala: [...] falei pra eles: _ É preciso dar uma prova para vocês estudarem? E comecei a refletir com eles. Para

que a gente precisa chegar ao ponto de dar uma prova?

_ Ah, então tá, mas é em dupla, é com consulta? Eu falei:

_ Não, é individual e SEM consulta! E aí para quebrar o clima, até como estratégia, agora que vocês

fizeram a prova, cada um vai ler a prova do outro e corrigir. Eles falaram:

_ Cadê aquela coisa tão radical? Eu falei:

_ Estou mostrando para vocês que o importante é vocês escreverem sobre o que leram. Vocês agora vão

ler o texto do colega, interagir com esse texto.

_ Ah, mas você não vai corrigir?

_ Vou, depois; quero que vocês aproveitem, degustem esse momento, também! Aí um corrigiu a prova do

outro, trocaram idéia e quebrou aquele clima de ser a prova para o professor ler e dar nota. Foi mais

uma estratégia que a gente foi criando. No final:

224

_ Agora vai ter outra prova? Falei:

_ Não. Quero ver se vocês estão compartilhando comigo os textos. E depois da 1ª prova eles começaram

a ler mais. Não é 100%..

Uma avaliação que exige pensar pode ser uma estratégia para o aluno estudar, segundo a

professora P10: [...] Então, nas minhas avaliações, dificilmente, alguém tira dez, porque todas as questões são de escrita.

Uma aluna pergunta: _ Professora, deixa fazer com consulta? _ Com consulta não vai adiantar porque

você não vai ter resposta no seu texto. Então, dou a possibilidade de fazer em dupla, quem quer. Tentar

trabalhar o conhecimento, atravessar uma discussão e chegar a uma idéia.

P2, também, exemplifica essa forma de avaliar que exige a produção escrita acadêmica como

fruto da pesquisa, da reflexão, da crítica: “_ Vocês vão fazer uma artigo científico. _ Ah, eu queria

fazer um relatório! _ Um relatório descritivo? Mas nem pensar! Você vai fazer um processo de

relatório descritivo, para, a partir daí, fazer outros trabalhos; mas não me venha com relatório

descritivo, não!”. Segundo a professora é preciso desafiar o aluno para além do que ele acha

que pode e, escrever um artigo, vai exigir mais do que somente relatar, porque o artigo

implica pesquisa, posicionamento teórico, defesa de pontos de vista, etc.

O que dizem as alunas76?

As aulas são repletas de exemplos, de experiências próprias que a gente traz. A professora é atuante e ela

está sempre trazendo exemplos para a sala de aula, tem gente que faz estágio, todas as experiências

narradas, acho que é uma tática boa para relacionar as aulas (A).

Para algumas estudantes os modos de ensinar dos docentes são criativos e propiciam a

aprendizagem; outras admitem que há professores que precisariam diversificar suas formas de

atuação docente, para tornar as aulas mais aprazíveis e interessantes. Uma discente

exemplifica como ocorre o processo de ensinar-aprender-a-ensinar: O exemplo que nós temos é a professora de Psicologia que trouxe vários jogos para falar da importância,

de como os jogos podem ser utilizados na sala de aula, para identificar uma dificuldade que a criança

possa estar apresentando. Eu penso que ela utilizou muito bem isso. Também o nosso professor de

“Corpo de Movimento” sempre usa jogos, fala como pode usar, influencia A CRIAR jogos para utilizar

na sala de aula. É bem legal!

No entanto, há alunas que pensam que poderiam ser utilizados outros modos de ensinar-

aprender para enriquecer as aulas: 76 Alunas pesquisadas.

225

O professor se limita a texto e fala, e isso cansa; deveria ter uma abertura maior não só pra seminário,

como também, para aulas normais! - Pôxa, tem um auditório aqui que, muitas vezes, fica vazio, por que

não usar?! - Não! Tem um processo, uma burocracia imensa, aluno de graduação não pode! A aula

torna-se cansativa, passar quatro a cinco horas numa cadeira de pau, dói a coluna, não é legal e muitas

vezes acaba atrapalhando o conteúdo que a gente vai receber!

Outra aluna continua: “Os professores acabam culpando os alunos dizendo que eles não têm

interesse. De certa forma, parece que eles já vêm demonstrando que passam isso pra gente,

entendeu?”. Ela tenta exemplificar: “Por exemplo, tem matéria que a gente já sabe que vai

ter uma dinâmica diferente, então a gente já vem preparada; tem professor que chega aqui

naquela mesmice. Na minha turma a gente costuma falar: _ A turma responde de acordo com

cada professor”. A colega complementa: “Se o professor é exigente a turma quer, ELE FAZ,

A TURMA FAZ TAMBÉM (animação!), traz, mostra, somos capazes. Mas aqueles professores

que chegam (pausa)... não querendo estar aqui, a turma responde dessa maneira também”.

Esse discurso discente tem um contraponto no discurso docente, porque diversas professoras

falam sobre impontualidade de alunos, não cumprimento de tarefas e de leituras indicadas, do

manifesto desinteresse nas e pelas aulas, pela docência e pelas atividades propostas, a não ser

que valham nota. Essas atitudes, certamente, interferem nas relações e nos processos de

ensinar-aprender-poder.

As discentes já fizeram disciplinas de Pesquisa Extensão e Prática Pedagógica, que não

constavam no currículo anterior e são uma novidade neste. Essas disciplinas têm o objetivo de

introduzir o aluno no mundo da pesquisa e promover sua inserção na escola. Uma aluna

concordou, em parte, dizendo: “No primeiro e terceiro períodos, eu digo que sim; no segundo

eu digo que não. As aulas de pesquisa que foram feitas não contribuíram para essa relação

que você está falando! Contribuíram de certa forma, para ter um entendimento sobre o curso

de Pedagogia, mas não para fazer essa ponte com a escola; não foi a proposta”. Os relatos

discentes confirmam a necessidade de utilização de modos estimulantes de ensinar-aprender-

a-ensinar, porque não têm tempo para estudar: Os professores sempre retomam a matéria que estudamos em outro período. A gente mesma procura

fazer isso, retomar textos já estudados, procurar outros novos. Quem precisa sair cedo, primeiro

conversa com o professor, lê os textos em casa, procura saber o que vai fazer no grupo, manda e recebe

trabalho pela internet, entra em acordo (alunos e professores); usa também o telefone para saber o que o

professor deu, o que tem de fazer. Quando estou numa aula, ouço, participo, mas ao mesmo tempo estou

revendo a matéria da aula seguinte, que pode ser também no ônibus, no recreio da escola, uso todo

tempo que dá. Se tem muito texto e o aluno não tem tempo para ler, seria melhor dar menos e os alunos

226

terem tempo de ler. Com recursos, as aulas seriam mais dinâmicas; seria oportunidade de contato com

outras artes que não só a textual.

Estudantes criam, também, estratégias-táticas, para sobreviver no curso, para conciliar

trabalho e estudo, para driblar o tempo, criar espaços para ler-estudar e dar conta dos

compromissos pessoais e profissionais. Elas participam na realização do currículo que é novo

e desafiador para todos, para professores, para os departamentos, para o colegiado e falam

sobre o lugar que, para elas, o curso de Pedagogia ocupa no CE: Os professores falam o tempo todo que nós temos que ser criativos na sala de aula, que temos que buscar

novidades. A gente estava discutindo isso esses dias, parece que a graduação não tem importância aqui

dentro do centro, a sensação que dá é essa: a verdadeira importância aqui é o PPGE. É a pós-

graduação, mestrado, doutorado. Parece que tudo que se passa, neste espaço, PARECE QUE FICA

AQUI (ênfase), não volta pra graduação (A).

A gente se sente abandonada! Como por exemplo, você tem uma proposta de apresentação do seminário

e você quer reservar o datashow e falam: _ Oh, gente, está tudo no PPGE; essa semana não pode usar

porque é do PPGE. _ Pôxa e a graduação, será que não tem espaço? Eu vejo assim: _ Como ser

inventiva se professores já chegam, não sei, até desconsiderando muita coisa que acontece lá (A).

Você fica limitada quanto aos recursos que quer usar porque é ficar só no retroprojetor, acaba cansando,

né? (A).

Algumas discentes reclamam sobre as necessidades de artefatos, a importância da sua

utilização e sobre a estrutura física do CE: No CE tem carência de recursos; precisamos de alguns recursos tecnológicos como projetor de slides,

datashow, [...], textos, filmes, brincadeiras (A).

A sala está até hoje sem cortina, o que dificulta a apresentação de imagens (A).

Está provado que o aprendizado é maior quando se usa diversos sentidos (A).

A professora de Psicologia usa jogos e mostra a importância de serem usados na sala de aula. Ela usou

dois filmes, que ajudaram a entender o conteúdo; quando foi explicar psicanálise, passou o filme “Freud

além da alma”, depois passou “Laranja mecânica” que ajudou a entender o behaviorismo, a questão do

estímulo e resposta (A).

O professor de Filosofia usa jogos, pede para criar jogos (A).

[...] professores/as usam filmes, slides ligados à disciplina, que ajudam na associação, na

complementação de uma disciplina com a outra (A).

Se o aluno não tiver acesso à internet fica prejudicado, a turma trabalha com a tecnologia, alguns

professores/as põem trabalhos, textos no e-mail da turma (A).

Os livros são usados só para seminários”; [...] são usados muitos textos xerocados (A).

A metodologia de seminários é muito utilizada e gostamos, incentiva quem vai apresentar a pesquisar

mais. Vamos apresentar o seminário de Filosofia e o professor pediu para usar diferentes artefatos nas

metodologias (A).

227

No entanto, outras alunas consideram que os professores, ainda, não utilizam muitos artefatos

e estratégias no processo educativo, sejam quais forem as razões: escassez de tempo, de

recursos, etc. Para elas, constitui aprendizagem, participar de aulas dinâmicas, criativas,

porque além de conteúdos elas, também, estão aprendendo os modos de ensinar associados

aos usos de uma multiplicidade de recursos, porque esse será seu trabalho como pedagogas-

docentes. Elas dizem: Vou ser sincera, 90% usa aquele método de aula expositiva, professores falando. [...] (A).

Eu faço os dois horários, da manhã e da noite e hoje eu posso colocar que a matéria que deu uma

DIFERENCIADA foi “Infância e Educação”, com a exposição de fotos que a gente fez aqui. A professora

trabalhou com a gente mais ou menos três semanas, do noturno. Ela começou a trabalhar “olhares da

infância”, como as crianças influenciam no mercado financeiro, na família. Ela pediu para a gente fazer

uma exposição fotográfica com o tema “Infância e contemporaneidade”, [...]. Aliviou um dia de aula que

a gente passou brincando de fazer mural, foi legal. Pra mim, o que mais diferenciou foi essa exposição

porque das outras aulas é texto, texto, trabalho, seminário, texto, prova, texto (A).

Exposição de fotos – corredor do IC IV; Tema: Infância77

Segundo Kastrup (apud BEDRAN, 2003, p. 14), “Aulas e textos são produtos para serem

consumidos pelos alunos, que deverão, por sua vez, alimentar a cadeia de produção, tornando-

se eles próprios capazes de produzir outros artigos para consumo”, porém nem sempre essa

produção-consumo implica qualidade. Esse é um cuidado que o professor-formador deve ter.

Poderia ser diferente no curso superior?! Ou as alunas não estariam entendendo o lugar que

ocupam?! Elas já compreendem que os jogos, por exemplo, não são só para brincar, que

visam a objetivos definidos, de socialização, concentração, de aprendizagem e uma aluna

explicou: “Assimilar o conteúdo jogando, aprende mais”. Um grupo de discentes considera

que os modos de ensinar interferem nos modos de aprender: Nos seminários que a gente vem apresentando, a professora falou como se “postar na frente de uma

turma, como falar, tom de voz (A). 77 As alunas mantinham contato comigo, pondo-me a par de atividades a serem realizadas para que eu pudesse participar, conforme e-mail a seguir: Cara Eneida, Em breve passaremos um cronograma dos acontecimentos que estão por vir. Teremos uma Mostra Fotográfica, já fizemos Memorial, estamos assistindo a alguns filmes selecionados e fazendo relatórios, faremos também visitas a Instituições que cuidam de crianças com NEE e a alguns Movimentos Sociais. Se te interessar escolha as datas e entre em contato conosco. Bjos Pedagogia UFES 2007/1

228

Tem, também, esse projeto de pesquisa que a gente está formulando, correndo atrás de ir a uma escola

observar, pesquisar (A).

Eu acho que a educação como um todo tem que ser inclusiva, ter o fim da educação bancária; então são

úteis artefatos e matérias que fazem a gente refletir, inventar e criar possibilidades através de jogos,

brincadeiras e outros (A).

Assim, a produção é a própria realidade e é impossível estar na Universidade e não produzir,

porque a produção está em tudo, é um processo político, cultural, pedagógico, ético, estético

de ensino-aprendizagem, que ocorre em contínuos movimentos de des-re-territorialização.

Choque de realidade!

Alunas sentem um choque da realidade quando chegam à Universidade, como docentes

iniciantes das séries iniciais do Ensino Fundamental, ao chegar à escola, conforme estudo de

Cevidanes (1996). Não se deve ignorar que o processo de estudar-aprender-estagiar das alunas

é permeado por facilidades, dificuldades e nem sempre é agradável, podendo ser doloroso,

também, por uma série de fatores. Elas compreendem, mas nem sempre podem agir como

acham que deve ser, por exemplo, em relação à leitura: “Se não ler, não consegue

acompanhar a aula” (A). Também, já percebem o entrelaçamento entre teoria e prática: “A

teoria vem, eles passam... Mas na hora que você está na prática, É ALI QUE VOCÊ

DESCOBRE (riso de alegria!) que muitas vezes saber por saber não adianta” (A).

O que provoca, então, a profusão de idéias, conhecimentos, saberes, relações, trocas,

acontecimentos, aprendizagens, enfim?! Larrosa (2006, p. 81) alerta: “O que conta são os

espaços intersticiais: as escadas, o pátio, a cantina, os parques e praças adjacentes, a ante-sala

da biblioteca, os corredores entre as faculdades, os bastidores das livrarias”. Esse autor refere-

se ao acontecimento-aula como pouco propício à aprendizagem, por considerá-lo

desinteressante. É, pois, um grande desafio para professores, num mundo digital, cheio de

novidades, TV, vídeo, DVD, computador, internet encontrar modos criativos para incentivar

os alunos. Então, como tornar suas aulas aprazíveis? Como inventar momentos coletivos,

críticos, emancipatórios, pedagógicos de transmissão-consumo-produção de conhecimento

que atraiam os estudantes? O autor aponta espaços como escadas, cantina, eventos, que

parecem ignorados ou pouco valorizados, mas que adquirem importância no processo

formativo pelas relações, pelas conversas, por tudo que ali se passa sem estar programado,

controlado, vigiado, avaliado.

229

Uma aluna relatou um acontecimento vivenciado na escola, que faz perceber a relação entre a

teoria e a prática: A teoria ajuda o seguinte: quando você está vivendo aquele momento, dá tipo um estalo, um insight, e

você se lembra da matéria. _ Tenho que tomar cuidado! Peraí, eu não posso fazer isso! Vamos respirar,

tentar relaxar para ajudar a resolver o problema, porque às vezes o ser humano age por impulso. Eu,

então, sou ser-humano-impulso! E ajuda assim, aconteceu comigo, logo que entrei (no estágio): Um

menino quis me morder; a minha vontade era dar uma mordida nele! (risos de todas). Parei e pensei: _

Gente, o que vou fazer com esse menino? [...].

Ela fez tentativas diversas, experimentações para se aproximar e cativar o menino e conclui:

“_ Hoje em dia, ele quer me carregar no colo!”. Esse fato faz parte do cotidiano da escola

que a futura-pedagoga vai encontrar. Situações dessa natureza devem ser discutidas na

formação, não para dar receitas porque estas não existem, mas para que docentes reflitam,

discutam e busquem na teoria e nas experiências de outras docentes, explicações, estratégias e

táticas, modos de agir não-convencionais, na tentativa de melhor lidar com os estudantes e

ajudá-los a sobreviver na escola e na vida. Em Educação é assim, não há, não pode haver

receitas porque se trabalha com o ser humano, porém, é imprescindível para futuras-

pedagogas discutirem acontecimentos cotidianos da sala de aula e da escola, bem como

possíveis formas de agir nas diferentes situações; são modos de aproximar teoria e prática.

Nesse sentido, as alunas falam sobre a importância do saber adquirido na formação, do

“preparo” para exercer a docência: Depois de ter iniciado o curso, essa atitude de como agir com a criança mudou, porque se fosse outro

caso, o que a gente faria sem conhecimento nenhum?! Pôr de castigo, deixar sem brincar, sem fazer

Educação Física, Informática, participar das brincadeiras. Hoje, percebo que mesmo que a criança

mereça uma lição entre aspas, a gente não pode tirar esse direito dela, de brincar, de participar das

atividades extra-sala de aula, porque isso faz parte do crescimento dela (A).

No exemplo da Fulana, de criança morder, se você tem um entendimento maior que é uma fase que a

criança passa você procura artifícios para que ela supere aquela fase. Se fosse outra situação a gente

achava que era só um menino malcriado. Assim, o embasamento teórico te dá essa noção. Agora, por

exemplo, no meu caso, só o embasamento teórico não me fazia ENXERGAR quando eu iria aplicar

aquela teoria. Então, eu tive que, realmente, entrar numa escola não só como pesquisadora cumprindo

uma disciplina de nossa área, mas como estagiária, num turno direto, vivenciando aquela rotina, não de

ir esporadicamente, mas de estar inserida, só assim consigo ter essa noção (A).

As situações relatadas apontam para a realização de ações visando um “conhecimento

prudente para uma vida decente” e implicam uma axiologia do cuidado com a professora, com

a criança, com o processo educativo. Nesse sentido, Eizirik (2005, p. 107) afirma que “É no

230

próprio diálogo que se realiza o cuidado com os outros. Tanto para Sócrates como para Platão

o cuidado de si só se justifica na perspectiva do cuidado com os outros, [...]”, portanto, cuidar,

também, é zelar pelo princípio que visa à articulação teoria e prática, é realizar o saber-fazer

de diferentes modos, como em experimentações, pesquisas de campo, visitas a museus, ao

planetário, entre outras que só fazem enriquecer a formação. O docente-discente vivencia na

prática, uma teoria que está ali presente e que, nas discussões, vem à tona por meio da

produção oral e escrita de trabalhos, das conclusões, das perguntas, às vezes, sem respostas

naquele momento, das dúvidas, das aprendizagens, enfim. Nesse sentido, o professor-

formador tem um papel preponderante, principalmente, quando se trata de alunos que só

entraram na escola como discentes, que não trazem o olhar da escola sob outra ótica, nem

trazem a experiência docente. Portanto, a necessidade dessa integração é ressaltada por todas

as professoras participantes deste estudo. A ecologia de saberes e de práticas possibilita,

assim, modos inventivos de relacionar os múltiplos saberes e práticas consumidos-produzidos

na formação.

As alunas percebem os modos como consomem-produzem saberes-fazeres-poderes durante o

curso e fora dele, também, porque a formação não fica restrita à sala de aula, é muito maior

que o tempo que nela passam! Uma aluna disse: “Depois que entrei no estágio-não-

curricular, [...] deu pra perceber melhor o curso, dentro da concepção das teorias, como por

exemplo, o convívio das crianças, como elas recebem o conteúdo da escrita, da alfabetização.

Depois que passei a ter esse contato vivo com a escola, a visão é totalmente diferente”. Elas

falaram sobre a percepção que tiveram ao ver a escola como futuras-pedagogas, com olhar

diferente do olhar de alunas. Uma discente não teve uma boa experiência inicial e assim se

expressou: Ah, não foi boa, porque quando a gente chegou lá, na sala de aula, na quarta série, as crianças

quietinhas, a professora muito boa, mas depois os alunos saíram da sala e a professora chamou para a

gente participar da reunião de professores. Aí a gente ficou sabendo de cada coisa HORRÍVEL! Depois a

professora ficou falando dos alunos que eles nem sabiam ler direito, e também gravidez na terceira série.

A gente ficou HORRORIZADA! A professora falou de um menino da quarta série que faz HORRORES na

escola! [...] Reunião de pais é um HORROR! Só faltam bater nos professores, eles botam a culpa toda

nos professores.

O que causa estranhamento, o que vê de “ruim” na escola, um “circo de horrores” para essa

futura-pedagoga, também, é importante para a aprendizagem, para conhecer a realidade que

nem sempre é como se idealiza. Perguntei o que ela viu de “bom” na escola, porque algumas

231

vezes, o negativo é tão chocante que provoca o apagamento de ações significativas. A aluna

pensou, pensou e disse: “De bom?! De bom tinha lá aquele projeto de violência. Como

chama? PROERD. O policial falou dos sinais de trânsito, de violência, da droga, achei

interessante”. Certamente, havia muitos outros aspectos positivos que ficaram invisibilizados

para ela, mediante as experiências que teve. As alunas relataram uma série de situações

“difíceis” que como futuras-pedagogas têm encontrado nas instituições educativas. Em

relação ao sentido do olhar com que se vê a escola, lanço mão de Nunes (2002, p. 304) ao

afirmar que a objetividade (excesso, talvez) na observação, resulta no registro “[...] de um

conhecimento desincorporado, deslocalizado e desterritorializado, independente das

circunstâncias particulares da observação [...]”. Penso que, bom seria olhar a escola com os

“olhos mágicos do Sul” (NEVES, 2003, p. 114), olhar utópico que resulte em iniciativas

contra-hegemônicas visando à emergência de realidades solidárias. Um olhar esperançoso

diferente do “Olhar distanciado e desincorporado, o olhar “objectivo” e desapaixonado do

cientista [...]” (NUNES, 2002, p. 305) cuja concepção de ciência, ainda, esteja atrelada a

características da modernidade.

Os saberes produzidos na formação ajudam a enxergar a escola, a associar seus problemas

com as disciplinas estudadas, com as relações interpessoais, problemas culturais, econômicos,

sociais, familiares que fazem pensar, também, nos investimentos para a Educação, na

qualidade da administração. Ajudam a refletir ainda, sobre a formação que precisam ter para

atuar no contexto escolar e não-escolar que se lhes apresenta, num mundo de violência,

rancor, de falta de solidariedade, de falta de humanidade que estamos vivendo e é propagado,

diariamente, pelas diferentes formas de mídia. A aluna parte de uma situação próxima, que

ocorre na escola, que se amplia, gradativamente, porque nada é fragmentado, tudo está

inserido num contexto maior. Então, que conteúdos devem ser trabalhados nas disciplinas

para ajudar futuros-pedagogos, docentes e não-docentes, a compreender a escola que aí está, a

conviver com as crianças, as famílias, os colegas de trabalho e contribuir não só para a

aprendizagem de fundamentos básicos da Educação como leitura, escrita e conhecimentos

básicos da Matemática, mas aprender como (con)viver, solidariamente, na sociedade, como

tornar o mundo melhor, como disseminar o amor e não o desamor!!

Quando discentes estudam os conteúdos das diversas disciplinas a partir de questões trazidas

da escola, percebem como a teoria contribui para enxergar essas situações e buscar

alternativas para entender e tomar decisões. Vão encontrar um livro de receitas? Não! Alguém

232

pode instituir um modo de agir que é o certo? Não! Mas, discutir essas questões é importante,

porque muitas jovens se decepcionam quando chegam à escola porque “sonham” encontrar

uma escola ideal e não é essa a realidade. Elas se deparam com situações desafiadoras

conforme as que esse grupo presenciou. Poderia dizer: _ Poxa, mas tem que assustar para

desistir pelo meio do caminho? _ Não! Não é isso! Uma aluna falou que a entrada no curso

superior provoca uma transformação tão grande, “que quando chega o mês de setembro (para

quem entra no segundo semestre) a gente tem vontade de desistir”, ela conclui. Numa

pesquisa (CEVIDANES, 1996), professoras disseram o quanto é distante a realidade da

formação da realidade da escola. Nesse sentido, o currículo novo (PPC, 2006) tem a intenção,

o compromisso de promover essa aproximação. Outra discente conta sua experiência numa

escola: No período passado, numa escola perto da minha casa, tinha um projeto relacionado ao trabalho que eu

fazia aqui (no CE). Por conta própria fui lá na escola e fiquei aguardando a moça para conversar sobre

o trabalho com as crianças. Fiquei aguardando perto da sala. A escola é uma bagunça! Fiquei

observando aquilo ali, um monte de aluno xingando na Educação Física, a professora não falava nada e

eu fiquei lá só observando. Uma sala tinha uma aluna com deficiência, [...] toda hora ela saía da sala de

aula, entrava e saía. E eu comecei a observar aquilo. Tinha alguns meninos que eram da sala dela, só

que eles estavam LÁ FORA fazendo bagunça. Aí eles falaram com ela:

_ Vai lá na sala buscar minha bolsa! Aí ela entrou na sala de aula, pegou a bolsa do menino e saiu. O

outro menino falou:

_ Vai buscar a minha, também? Ela entrou, pegou a bolsa e saiu de novo. O terceiro pediu, também, e ela

não quis! _ Se você não buscar, eu te dou um tiro na cara! Falou com ela.

Eu só observando. Ela entrou de novo, pegou a bolsa dele. Três vezes ela entrou e pegou as bolsas e

entregou aos meninos. Então eu comecei a pensar:

_ Gente, o aluno falar isso com ela?! E essa professora, que deixa a aluna entrar e sair várias vezes?! Aí

eu pensei:

_ Será que a professora anota o nome... Não faz nada? E os outros que estão fora da sala? Ah, a

professora não liga de sair mesmo! Fiquei pensando: _ Será que vou me portar como essa professora?

Não conheço a professora nem a vi, mas a menina saiu VÁRIAS VEZES da sala e voltou. Pensei: _ Puxa,

essa educadora não está sendo positiva ali na educação dela!”

Essa futura-pedagoga sentiu-se num dilema quanto ao comportamento docente-discente,

inclusive quanto ao medo de repetir esse tipo de atitude. Ela acredita que a professora via a

aluna entrar e sair da sala, mas se omitiu, seja quais forem as suas razões! E fala: “_ Poxa, o

mundo está cada dia mais violento! A corrupção, a desestrutura familiar... E eu vou ser

professora! Vou lidar com essas crianças!”. Então, o professor-formador precisa discutir essa

realidade onde futuras-pedagogas vão atuar! Elas podem trabalhar numa instituição onde tudo

233

está bem, ou não! O que foi relatado pelas alunas está acontecendo em muitas escolas, daí a

importância de se discutir essas questões! Não tem saber teórico de um lado e prático de

outro, não! Eles são imbricados! Porque a teoria tem o papel de desmistificar, de ajudar a

entender essa realidade e procurar possíveis modos de resolver seus problemas; ela emerge

todo tempo nas práticas. É improcedente numa escola como essa, chegar ao fim do ano e a

professora dizer: _ Dei o programa todo! Dar o programa todo é o mais importante para a

vivência, a sobrevivência, as relações, a vida dessas crianças?!

Observa-se, na narrativa discente, a impotência da professora da Escola Básica para encontrar

modos de agir, por medo, solidão, por não saber o que fazer. Segundo depoimento de

professoras, de alunas-estagiárias, a dificuldade maior não é ensinar o conteúdo, mas

coordenar as relações que se estabelecem, cotidianamente, na escola, lidar com situações

estressantes e difíceis, aparentemente, insolúveis. É preciso discutir essa realidade na

formação, buscar possíveis, considerar para quem se endereça a aprendizagem do ser-

professora, com que crianças essa docente vai lidar e em que tempo-espaço. A formação não

pode ignorar a realidade que muda a cada dia, por isso deve interagir com outras instituições

da sociedade, porque não se pode atribuir como responsabilidade única da escola encontrar

soluções para situações de insegurança e de violência instaladas na sociedade e que se

manifestam no espaço escolar.

A vivência cotidiana dos acontecimentos escolares contribui para a formação, para a

compreensão desses acontecimentos a partir da teoria estudada. Ajuda a pensar uma formação

voltada para a realidade, para as necessidades docentes-discentes: que formação, para que

professores, para que alunos? Considero a gestão da sala de aula um dos maiores desafios

para professores: implica ensino e aprendizagem num processo atravessado por múltiplos

dispositivos disparados todo o tempo, sem previsão, que não são facilmente “controlados”,

nem resolvidos. Todas as disciplinas do currículo devem tratar dessas questões, mas seria

necessária uma, especificamente, que trate da “gestão da sala de aula” para abordagem dessas

múltiplas dimensões?!

Às vezes, a professora tem faculdade, especialização, é qualificada, mas o que acontece com

ela, ao se colocar numa posição perante a turma, que parece de comodidade (lógica

produtivista)?! Não quer se desgastar com alunos que não assistem aula; que saem e ficam

fora da sala de aula?! Se uma aluna tem necessidades especiais e a professora não tem

234

recursos e condições para atendê-la, o caminho é deixar sair da sala e fazer de conta que ela

está sendo atendida na escola, que está sendo incluída (lógica da classificação social)?! Então,

que táticas inventivas, que modos de agir podem ajudar a professora a atuar de modo

emancipatório? E isso ela vai adivinhar do nada?! Ela vai ter que passar dez anos ou mais de

magistério, usando discentes como cobaias, para adquirir a experiência e encontrar caminhos

possíveis?! Ou será que a formação pode-deve refletir essas questões, buscar parcerias com

órgãos e organizações da sociedade, enxergar essas situações da escola e discutir a teoria por

meio delas e vice-versa, utilizando os procedimentos da ecologia de saberes e de práticas?! É

imprescindível compreender que ensinar-aprender vai muito além de conhecimentos

puramente escolares, porque escola é vida, inserida num contexto social vivo. Escola lida com

gente que traz para seu interior todas as suas vivências positivas ou negativas, seus sonhos,

(des)ilusões, medos, entusiasmos, sofrimentos, utopias.

As primeiras experiências em escolas, das estudantes, participantes deste estudo, foram

marcantes. Elas contaram: Eu posso estar errada, mas lá (na escola) eu percebi que eles falaram que o que pega lá é o horário da

tarde, de 5ª a 8ª série. E lá tem esse negócio de droga, aluno de fora que vem para querer passar para os

de dentro! Aí eu acho que os professores TÊM MEDO! Se o aluno falou que ia dar um tiro e a professora

não falou nada! A gente tem que se pôr no lugar dela, porque já teve caso de professor que TEVE que

pedir a APOSENTADORIA dele! Por quê? Uma criança de OITO ANOS estava levando droga para a

escola, ele (professor) chamou atenção da criança, chamou os pais e a criança ameaçou, ele mesmo! DE

OITO ANOS! _ Você está pensando que eu mexo com gente pequena? Eu mexo com gente grande! Eu sei

que você tem uma casa lotérica para alugar, tem isso, sua filha faz isso. A CRIANÇA! Essa criança não

sabia disso sozinha! Alguém instruiu essa criança para saber TUDO ISSO! Porque se a gente ensina a

elas dois mais dois, passa no outro dia, elas já ESQUECERAM!

Para quais crianças essas pedagogas vão endereçar o seu trabalho? Para quais futuras-

pedagogas é endereçado o currículo novo que está sendo implementado? São perguntas que

merecem uma reflexão permanente, porque mudam as crianças, mudam as pedagogas, os

espaços-tempos, o mundo e a discussão não acaba, é um movimento contínuo, permanente.

Estágio curricular – escola fundamental.

235

A ida à escola propiciou, às alunas, muitas vivências, olhares interrogativos e exclamativos

sobre o que ocorre no chão da instituição, porém, trazem depoimentos de fatos negativos,

porque são os que mais chamam a atenção, são os que mais desafiam. A discente prossegue: A última notícia que eles estavam discutindo é que estavam querendo “enfiar” mais aluno na escola! Só

que não tem espaço para mais aluno! Tem sala que é improvisada, não tem sala de vídeo, essas coisas

assim... E eles estão lutando querendo chamar a Rede Tribuna, A Gazeta, para falar sobre esse assunto,

porque não tem condições de “enfiar” mais aluno. Eles querem biblioteca porque não tem, eles falam

para fazer biblioteca de brinquedo (brinquedoteca) eles preferem encher a escola de aluno. A única coisa

que tem é informática, mas não tem equipamento para Educação Física. São vinte e um computadores,

quarenta crianças, duas para cada computador, não tem como vigiar! (postura panóptica?) Acho que tem

ajudante, porque o professor nem sabe mexer no computador!

Dessa narrativa depreende-se que é preciso ter uma pessoa habilitada para orientar o trabalho

na sala de informática numa parceria com a professora da turma, pois o computador deveria

ser mais um artefato para ajudar na aprendizagem e não só, propiciar um momento de lazer

para discentes e, até, de um possível descanso para a professora, esgotada pelos desafios

cotidianos. Essa série de depoimentos das alunas em relação à sua inserção e sobre o que

viram-vêem no contexto escolar, me fazem lembrar Pais (2003, p. 52), ao dizer: “Quando

Monet começa a produzir as suas telas de série sobre o mesmo tema, o que é que na verdade

procura? Momentos diversos da mesma paisagem, razão de ser da alteridade do mesmo que é

sempre outro quando visto a outra luz”. Com a aluna é a mesma coisa: ver-viver,

repetidamente, as cenas escolares, que a cada dia se renovam!

Por isso é importante propiciar a ida à escola, desde o segundo período, para o futuro-

pedagogo ver-participar, repetidas vezes, desse mesmo cotidiano escolar, na busca de

impressões fugidias, de captar nos seus interstícios, instantaneidades que ajudem a

compreender os seus mistérios, a escola, a sala de aula, a criança, a docência. Seria assumir

uma atitude de viajante, de pesquisador flâneur. Pais (2003, p. 52) ressalta, ainda, que

“Quando Baudelaire pedia aos pintores modernos que desenvolvessem um olhar rebelde e

indisciplinado [...] propunha um olhar espontâneo, liberto, [...]”. Essa proposta me faz lembrar

Santos, ao sugerir a emergência de subjetividades rebeldes e inconformadas, que façam a

transição paradigmática, que produzam um novo senso comum.

Seria assim, mudar de uma prática conformista para uma prática criativa, que implique

ruptura, uma ação-com-clinamen. Seria uma sociologia das ausências tão importante quanto

236

uma sociologia da presença, pois nesta sociologia dual revela-se a vontade emancipatória.

Então, é disso que estamos falando: de como essas relações podem ajudar a produzir saberes-

fazeres-poderes, concepções de escola, do papel de professores e outros conceitos. A

professora não vai chegar à escola e dizer: _ Ganho pouco, não estou nem aí com esses

problemas! Ou vai enfrentar e correr o risco de ser ameaçada?! O que fazer? Será que existem

outros possíveis caminhos para a escola?! Se não houver, ninguém vai querer ser professor, a

escola terá que fechar suas portas?! Existem modos de reivindicar, de articular, buscar,

conseguir que o governo e a sociedade olhem para a escola, que ela seja visibilizada?! Os

meios de comunicação têm chamado a atenção para acontecimentos de violência que

ameaçam a escola e a sociedade através de diversos materiais que são divulgados: o

documentário “Pro dia nascer feliz”, filmes como “Entre os muros da escola” e “A onda”, a

imprensa escrita e falada, vídeos disseminados na internet. Não é fácil, mas é possível, como

numa comunidade compartilhada, trabalhar coletivamente, para a produção de subjetividades

combativas, que promovam a cidadania, para uma escola e sociedade mais humana e feliz.

Enfim, para que se produza “um conhecimento prudente para uma vida decente”, conforme

Santos (1997, 2002, 2006) propõe.

Na disciplina Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica III (PEPP3), pude perceber e anotar

alguns modos de produção de saberes-fazeres-poderes discentes durante a apresentação, pelos

alunos, de trabalhos de pesquisa que realizaram em escolas. Esse tipo de atividade envolve

muitas aprendizagens como: trabalho em grupo, inserção na instituição escolar, observação,

participação, pesquisa bibliográfica, pesquisa de campo, estabelecimento de relações

interpessoais, acadêmicas e profissionais, produção escrita acadêmica, elaboração de texto

científico com citações, referências, exercício de fala/apresentação em público, aquisição de

conhecimentos sobre a criança com necessidades especiais, conhecimento do contexto

escolar, funcionamento, tratamento/inserção da criança com deficiência visual, concepções de

infância, saber ouvir, fazer inferências, capacidade de argumentação, organização do

pensamento oral e escrito, acesso a outros tipos de linguagem como Braille e Libras,

preparação de recursos e utilização de artefatos tecnológicos.

Uma formação, em qualquer profissão, implica a aprendizagem de uma multiplicidade de

saberes-fazeres-poderes gerais e específicos. As alunas demonstram a compreensão de que a

formação é inconclusa, permanente, contínua; está sempre em processo. Uma disse: “Preciso

aprender sempre mais, não encontro tudo pronto, tenho que fazer, construir e descontruir,

237

também; achei que quando terminasse o curso ia sair daqui formada!”. Esse entendimento

faz com que elas percebam a necessidade de continuidade da formação, mesmo para quem já

está há muito tempo atuando na profissão, como mostra o diálogo entre duas alunas: “Minha

amiga perguntou: _ O que você acha sobre esses professores que estão na escola meio que

emburrecendo? Respondi: _ Já sei, precisam de formação continuada, pesquisa, contato

teórico, troca de experiências”.

Professores-formadores criam estratégias, táticas inventivas, utilizam diferentes artefatos e

assim produzem seus modos de ser-saber-fazer-poder para ensinar-aprender-a-ensinar no

contexto atual. Nesse sentido, Ternes, (1998, p. 166) afirma que “A educação, hoje,

certamente se coloca exigências maiores do que a instrução. [...]. Saber-invenção, antes de

saber-espetáculo. [...]. Nossa modernidade nasce quando o princípio da visibilidade perde

força, quando o visível e o invisível se reaproximam”. De acordo com Ternes, assim como

Santos (2002) e Rousseau, P18 propõe “[...] recomeçar a descobrir o simples. Eu acho que a

gente tornou tudo tão COMPLICADO, QUE OS PROBLEMAS mais concretos do dia-a-dia

da sala de aula continuam SEM RESPOSTAS!”. O retorno à simplicidade implica retomar as

coisas simples do cotidiano da escola e da vida, para melhor entender a sua complexidade;

implica esmiuçar e valorizar os saberes-fazeres-poderes transmitidos, produzidos e

consumidos na escola e discuti-los à exaustão, sem preconceitos, sem barreiras, sem

escrúpulos, sem medos, na perspectiva da criticidade, da criatividade, da estética, da ética, da

afetividade. P18 exemplifica esse retorno à simplicidade: “Eu estou FORMANDO pessoas

que vão trabalhar com CRIANÇAS! Discutir, refletir sobre as práticas que são usuais na sala

de aula de crianças, não é primário nessa formação!” Assim, para praticar, para realizar uma

disciplina com os futuros-pedagogos é necessário, muitas vezes, lançar mão de estratégias e

táticas inventivas, criativas, que fogem aos padrões corriqueiros, para incentivar, para

produzir saberes, para relacionar os conhecimentos de uma disciplina com os conhecimentos

das demais disciplinas de um mesmo semestre e de outros, para se aproximar da escola.

Porém, na prática, sabe-se que não bastam os saberes específicos das disciplinas, mas são

necessários outros tipos de saberes que, aliados uns aos outros, constituem os saberes da

formação docente. Este capítulo traduziu os modos de pensar, agir, ser, saber, fazer, poder de

docentes-formadoras, de alunas-futuras-pedagogas, com base em dados produzidos nas nossas

conversações. Recorro à professora P8 que explicita a invenção de possíveis para a realização

curricular:

238

Os professores têm que estar muito atentos. As táticas como possibilidades de manipulação utilizadas,

conscientemente, para o alcance de resultados e as estratégias como possibilidades de fuga não

pensadas, inicialmente, meio que tornadas invisíveis, possibilitam escapes, forjar subterfúgios. Nós,

professores, podemos estabelecer estratégias para fugir de currículos tão petrificados. O currículo é

forjado, trabalhado no dia-a-dia, não o documento que pode ser pensado com a nossa participação, o

que temos é a ementa que é institucional [...], os programas que podemos realizar com a aprovação dos

departamentos. Mas nesse sentido, o programa não pode me congelar, existe uma maneira, um

movimento impresso no dia-a-dia neste currículo vivido em sala de aula. O professor tem que estar atento

a este movimento até para que possa corresponder à aprendizagem que ele mesmo efetiva e que alunos

efetuam na relação de troca com o conhecimento e com a vivência.

Acredito que a enunciação de Linhares (1997, p. 139-140) possibilita pensar caminhos para

resolver ou amenizar a tensão existente na instituição educativa, ou seja, explorar vazios,

contradições, silêncios. A visibilização do oculto, do ignorado, do periférico, do

transfronteiriço poderia ajudar a equilibrar essa tensão, impedindo a regulação de canibalizar

a emancipação como o fez e faz a modernidade. Nesse sentido, Linhares (2002, p. 119), em

estudo com experiências instituintes realizadas na Educação, considera que experiências que

se fazem nas escolas [...] não são fruto de idéias miraculosas, espetaculares e inaugurais, [...]. Não podem ser decretadas de fora, [...]. Sua validade e legitimação vem de movimentos históricos que carregam sonhos, desejos e projetos de saberes e conhecimentos, de fazeres e poderes que foram marginalizados e até interditados em outros períodos, clamando por serem reapropriados para a pavimentação de uma outra cultura, sustentada de forma mais plural e emancipatória.

É preciso paixão! CP: [...] Você disse que dava aula com paixão. [...] GD: [...] É verdade que foi a minha vida, que foi uma parte muito importante da minha vida. Eu gostava muito de dar aula, [...] Uma aula é algo que é muito preparado. [...] Se você quer cinco minutos, dez minutos de inspiração, tem de fazer uma longa preparação. [...] Sempre fiz isso, eu gostava. Eu me preparava muito para ter esses momentos de inspiração (DELEUZE; PARNET, 1988).

Despertar o gosto pela disciplina faz parte da tarefa de professores-formadores. Como o aluno

irá ensinar uma disciplina que ele não tenha aprendido a gostar, a compreender, a ensinar?!

Professoras e alunas, neste estudo, fazem referência a essa questão que está ligada à axiologia

do cuidado: “_ Elas chegam com horror de Química e Física” (P18); “_ Eu tenho HORROR

à Matemática!” (A). Há alunos que aportam à Universidade trazendo experiências

desagradáveis e rejeição por algumas disciplinas, que, também, fazem parte da matriz

239

curricular da Escola Básica onde irão atuar. O professor-formador precisa usar estratégias e

táticas inventivas para desfazer atitudes negativas em relação a essas disciplinas, pois os

futuros-pedagogos irão ensiná-las e como vão ajudar os alunos a gostarem de uma disciplina,

que eles mesmos não gostam?! Deleuze bem ilustra essa situação: CP: Você não ensaiava diante do espelho, não é? GD: Não, cada atividade tem seus modos de inspiração. [...] É preciso achar a matéria da qual tratamos, a matéria que abraçamos fascinante. Às vezes, temos de nos açoitar. Não que seja desinteressante, a questão não é essa. É necessário chegar ao ponto de falar de algo com entusiasmo. O ensaio é isso. [...] Uma aula é algo que se estende de uma semana a outra. É um espaço e uma temporalidade muito especiais. Há uma seqüência. Não podemos recuperar o que não conseguimos fazer. Mas há um desenvolvimento interior numa aula. E as pessoas mudam entre uma semana e outra. O público de uma aula é algo fascinante (DELEUZE; PARNET, 1988).

É necessário, pois, encontrar modos de provocar nos alunos a curiosidade, a vontade de saber,

de perguntar, de investigar, de gostar: A gente acaba tendo que explorar um pouquinho o aspecto lúdico disso. Quando a gente vai construir o

globo e manuseia bola de isopor, guache colorida, é meio que voltar na infância, voltar no tempo, elas

mencionam muito isso: _ Puxa vida, eu poderia ter aprendido na quarta série assim! Se alguém tivesse

me ensinado assim eu teria aprendido! Então o objetivo é um pouco esse mesmo, voltar, lá atrás, onde

esse ensino ficou com uma marca ruim na lembrança e tentar ver outra forma de trabalhar. Não precisa

ser daquele jeito que marcou negativamente (P18)

Conforme depoimento da professora P17, os alunos não chegam ao CE com um

conhecimento matemático adequado para futuros-professores e, muitos, trazem um “horror” à

Matemática. Então, a professora-formadora procura despertar, neles, o gosto pela

aprendizagem e, consequentemente, pelo ensino da Matemática. A primeira coisa é o gosto pela Matemática, é desbloquear, porque, normalmente, se você aprende, gosta

e se sente capaz, você está pronta para continuar a aprender. Eu não tenho nenhuma ilusão de que eu

consigo formar esses professores! Eu diplomo em Matemática, porque eu assino embaixo na Matemática

I e na Matemática II, então estão formados, mas não estão não! Eu não estou satisfeita com o

desempenho desses alunos ao final do curso. Aliás, eu fiz isso na minha tese de doutorado. Eu dei uma

prova para alunos que já tinham terminado as duas Matemáticas, tanto do presencial, quanto do curso a

distância. E o rendimento, o desempenho desses alunos em Matemática foi MUITO BAIXO. _ Ah, mas

todos dois formam (por) baixo. Mas ter a maioria entre 45 e 75% é muito pouco! E ter 9% com

rendimento abaixo de 45 pontos numa prova de zero a cem, eu acho que é baixo (P17).

Quer dizer, se o professor não sabe o conteúdo, como vai ensinar?! Logo, se alunos chegam

ao curso superior para se formar pedagogos e não sabem os conteúdos das disciplinas da

Escola Básica, que vão trabalhar com as crianças, o que fazer? A instituição formadora vai

240

ignorar essa carência na formação ou criar táticas inventivas, que possibilitem aos graduandos

aprender esses conteúdos por meio de oficinas, mini-cursos, com auxílio de monitorias,

núcleos, parcerias com o curso de Matemática, por exemplo?! Os saberes específicos das

disciplinas são indispensáveis na constituição de saberes docentes e todas as professoras

participantes desta pesquisa concordam com esse pressuposto. Em relação à carga horária e ao

domínio dos conteúdos de Matemática, P17 assim se expressa: “[...] Eu já vi cursos de

Pedagogia cujos currículos tinham SEIS Matemáticas! Cada Matemática com 80h! Uma

carga horária significativa, um quarto do curso, se considerar que o curso tem 3410h”.

No entanto, ela admite que a carga horária de Matemática é pequena no curso de Pedagogia e

conclui: “Por isso que a docente das séries iniciais pede para dar aula só até a terceira

série”. Nas séries iniciais, segundo observações de alunas e docentes, tem professora que

trabalha mais Português e Estudos Sociais e ensina pouco de Matemática e de Ciências e a

falta de conhecimento desses conteúdos pode ser uma das razões para essas escolhas e essas

atitudes. A professora P5 procura suscitar o desejo nas alunas: “Eu levo o material logo de

cara, [...]. E elas começam a se surpreender e aí é que acho que há um pouco da quebra

desse olhar estético, naturalista, renascentista da arte só como representação e cópia da

beleza da natureza. [...] então começa a quebra ali. [...]”.

P17 considera prudente ter clareza nos objetivos, tanto para o professor como para alunas:

“Qual é o meu objetivo como professora de professora e com a criança?”, questiona e

ressalta a importância de objetivos dirigidos à graduanda e à criança para orientar o trabalho

formativo docente: Nós trabalhamos conteúdo e metodologia! Eu não dou conteúdo de Matemática: _ Vem cá, você vai

aprender a fazer essa conta, a compreender o que é o número. Eu TRABALHO com elas, como se eu

estivesse trabalhando com as crianças. E aí toda hora eu paro a aula e falo:

_ Por trás dos bastidores, qual é o meu objetivo como professora de professora? Eu falo o objetivo de

aula, de atividade.

_ Agora, qual é o meu objetivo com a criança? Você não vai falar para ela tudo isso que eu estou te

falando! Ela não precisa saber porque confunde a cabeça dela! Mas você vai falar o QUE, o tipo de

orientação para o trabalho, com que objetivo. Acho que o material concreto é fundamental!.

Em relação à diferença que se tem entre objetivos e conhecimentos na formação, a professora

P8 concorda com P17: “É como se tivéssemos [...] dois tipos de conhecimento: o domínio da

academia, e outro, que se refere à área de ensino”. Essa produção de conhecimentos envolve

241

uma dimensão ética que, conforme Santos (2006, p. 118), implica trabalhar com a axiologia

do cuidado. Na sociologia das ausências essa ética é exercida em relação às alternativas

disponíveis e na sociologia das emergências é exercida em relação às alternativas possíveis.

Nesse sentido, importa cuidar porque se busca a passagem do colonialismo para a

solidariedade como possibilidade para a emergência do conhecimento-emancipação, que

contribua para a formação de um pedagogo inconformado e combativo.

A professora P2, também, explicita a forma de tratamento com o graduando, a adequação do

conhecimento para cada aluno: Enquanto professora, tenho esse tipo de resultado, enquanto professora, estou desenvolvendo o

conhecimento científico; com o meu aluno, estou partindo do conhecimento do cotidiano, do

conhecimento do aluno sobre plantas.

_ Que conceitos científicos eu quero trabalhar com esses alunos?

_ Quais são as possibilidades de conhecimento científico aos nove anos e daqueles que têm nove anos e

não chegaram lá? _ O que é base? Aonde esses meninos estão?

Não adianta falar em músculos com esses meninos, que eles não têm ainda a noção; então, o que está

atrás, para dizer que o corpo se sustenta e a caveira não cai?

_ Que conhecimento de base é esse que essa meninada precisa?

Está tudo bem: nós queremos falar de poluição, mas se eles não derem conta de que existe uma coisa

chamada ar que a gente respira, não adianta falar em poluição, ainda.

A preparação, tanto docente como discente, para realização de atividades é outro aspecto que

não pode ser ignorado. Uma estratégia que P5 utiliza nas suas aulas é levar artefatos que

contribuam para o processo de aprendizagem, que ajudem na preparação da discente para a

feitura das atividades. Ela ressalta o papel da escola na inserção do estudante no mundo da

cultura: A gente em Artes diz que cada professor faz a curadoria das obras que leva para sala de aula e que essa

curadoria é de extrema importância porque é por meio dela que você está levando a arte não só. Todas

as pesquisas, Eneida, têm mostrado na relação do museu com a escola, da escola com outros espaços,

não é pelas mãos dos pais que as crianças têm a relação com a arte, é pelas mãos DA ESCOLA! É a

ESCOLA que leva essas crianças aos espaços expositivos. Quando ela retorna no final de semana a gente

vê esse movimento no Museu Ferroviário: ela leva os pais. Ela leva os pais! Isso é uma coisa nova em

Vitória, em Vitória não porque o museu fica em Vila Velha, mas no Espírito Santo. Vamos ver alguma

mudança em relação a isso futuramente eu acho, sou otimista.

É importante considerar, também, a quem se destina o ensino, qual o perfil do aluno e planejar

aulas que vão ao encontro dos seus anseios. A professora P17 destaca uma mudança que tem

242

percebido nas alunas: “Eu dou aula desde 1995; quando elas chegavam ao estágio, nos

últimos semestres, já estavam muito distantes de mim, agora não! Isso é diferente! Eu estou

percebendo muito na minha aula; elas estão lá na sala de aula e vêm me perguntar”. Hoje,

chegam ao Curso Superior com experiência de estudantes de Ensino Médio, e não como

professoras do Ensino Fundamental, que buscam complementar a formação como ocorria

antes. Na disciplina Artes, segundo P5, procura-se abranger o leque das dimensões propostas: Fica mais diferente é para Educação Infantil, porque Educação Fundamental e Educação de Jovens e

Adultos já faziam parte da minha prática há muitos anos; com a Educação Infantil vou buscar ajuda com

Fulano, com as alunas mesmo. Agora, uma coisa que eu percebo, mudou muito o aluno da Pedagogia.

Você pergunta assim: _ Quantos aqui estão em sala de aula? Três, numa turma de 38! É diferente,

inclusive porque o curso de Arte mudou, mas conserva esse perfil: normalmente, tem quase metade da

turma de professores.

O currículo novo aponta para o pedagogo-generalista que atua em diferentes funções

educacionais e é um currículo polivalente que parece pretender formar um “super-pedagogo”.

Professores-formadores precisam estar atentos e procurar responder ao preparar suas aulas:

Para quem? O que? Por que? Para que? Como? Seria, assim, adotar procedimentos

semelhantes à ecologia de saberes e práticas, voltados para a compreensão das incompletudes

entre as culturas do Ensino Médio, de onde vêm esses alunos, e do Ensino Superior onde

estão, agora.

Aprendizagens formativas para a docência Que aprendizagens poderão apoiar estes profissionais quando a vida de hoje e de amanhã se faz, cada vez mais, surpreendente? (SCHON, 1992, apud LINHARES, 1999, p. 12).

Enfim, o que é ensinar-para-aprender-a-ensinar (professor-formador)? O que é aprender-para-

ensinar (estudante)? Na formação docente, o professor-formador tem o papel não só de

trabalhar conteúdos relacionados aos fundamentos profissionais, mas de promover situações

de aprendizagem, para estudantes que buscam saberes do “como fazer” a docência, a gestão e

a pesquisa. O trabalho formativo envolve integração, parceria e colaboração entre a instituição

formadora e a instituição onde futuros pedagogos irão atuar. Assim, Linhares (1999, p. 12-3)

questiona: “Como educar os profissionais da educação para que possam ultrapassar posições

de transmissores, encorajando ações criadoras?”. Nesse momento de tantas incertezas quanto

à formação, vemos que a “[...] imbricação entre teoria e prática, entre ensinar e aprender – tão

243

antiga quanto a humanidade, embora tenha sido mantida às margens da pedagogia – ganha no

momento atual uma intensidade crescente”. Assim, na perspectiva emancipatória de

formação, a brasilização poderia ser uma estratégia de trabalho importante. Segundo Nunes

(2002, p. 326), [...] vale a pena explorar a possibilidade de recuperar o potencial analítico e crítico da “brasilização”, no momento em que esta deixou de ser um fenômeno periférico e passou a caracterizar uma condição que, ao tornar-se, geral, desloca para o centro da renovação epistemológica e da política do conhecimento as experiências das sociedades do Sul (que) [...] podem, assim, contribuir para a emergência de novas configurações de conhecimento de sentido emancipatório, apontando não para um horizonte de ordem, mas para um horizonte de solidariedade.

Nesse sentido, pelo procedimento de brasilização, docentes-discentes procurariam renovar os

modos de ensinar-aprender, fugindo às práticas engessadas e instituídas. Por exemplo, no caso

do Ensino Médio, segundo depoimentos das próprias discentes, o aluno recebe “tudo pronto”,

como verdade única, acabada, portanto, aprendem de acordo com “[...] a lógica do Ensino

Médio; outras se apropriam ouvindo aqui e ali; outras têm isso como verdade absoluta. [...]

Mas acredito que é pela lógica do ensino que tiveram no Ensino Médio; e agora têm que

mudar a forma de aprender, de estudar” (P10). No curso superior essa situação deve mudar,

ele passa a conhecer diferentes posições teóricas, de diversos autores, acerca de um mesmo

assunto e terá que assumir posicionamentos, também. P10 continua: Dificilmente vai ter um professor que vai falar, isso é melhor, pois na Psicologia temos diferentes linhas

teóricas. A Pedagogia também deve ter; tem pessoa que gosta de Vigotsky, de Paulo Freire, de Piaget. As

alunas falam para mim: _ Professora, um completa o outro! Aí eu falo: _ Por um lado sim, mas por outro

a concepção que eles têm de homem é diferente! Então não é a mesma coisa. Aí elas ficam tentando ver

qual deles acham mais interessante.

A professora P8 expressa satisfação e otimismo em relação à aprendizagem de seus alunos: Consigo ver com muito orgulho e emoção, com uma expectativa muito boa em relação ao futuro das

escolas. Eu acho que a gente tem conseguido tocar, algumas vezes, a emoção e a racionalidade do fazer

pedagógico. Eu não sou muito aberta a provas como instrumento de avaliação como se provassem um

dado conhecimento. Eu tenho visto minhas alunas produzirem conhecimento em aulas que reúnem teoria

e prática.

Atividade de estágio e extensão

244

P8 continua explicitando o processo de aprendizagem de saberes-fazeres-poderes de seus

alunos por meio da interlocução entre graduandos da Geografia e da Pedagogia nessa

produção: Trabalho na perspectiva da oficina pedagógica e tenho visto essa produção transformada em trabalhos

que são apresentados em eventos e no cotidiano daqui mesmo. Por exemplo, como sou, também,

professora de Estágio Supervisionado, às vezes, trago os alunos do estágio para falar de Geografia para

as alunas da Pedagogia e elas falam do ensino de Geografia, da compreensão pedagógica que é o lugar

delas, com muita propriedade para os meus alunos de Geografia. Isso daí tem propiciado demonstrações

muito claras de como elas têm produzido esse conhecimento.

Oficina pedagógica

Outro modo de acompanhar o processo de aprendizagem dos alunos é pelo uso do portfólio.

Para P8: O portfólio também tem se revelado um instrumento fantástico para acompanhar a aprendizagem e a

produção das meninas. Penso que isso fica visível para nós professores do mesmo jeito que ficam,

também, aquelas bordas tristes daquela aluna que visivelmente está no curso de Pedagogia porque não

encontrou ainda outro caminho. Ela se aborrece porque não acredita, não produz; ela aprende, mas

aprende, rigidamente, o que lhe é proposto para cumprimento do dever e não de algo que lhe é proposto

para além daquilo.

Essa professora destaca a importância da tríade que sustenta a produção na Universidade e

deve ser objeto de trabalho dos professores-formadores: Uma proposta que o professor universitário não pode esquecer é o tripé (ensino, pesquisa, extensão) que

tenta, continuamente, cortar uma das pernas que a Universidade deve manter: a pesquisa tem que ser

iniciada como uma proposta de trabalho no curso de Pedagogia, na tentativa de formar o professor-

pesquisador. O professor aprende porque pesquisa. É preciso também trabalhar com os graduandos

numa perspectiva de sistematização da pesquisa, para que essa produção do saber possa ser socializada

posteriormente em seminários, mostras, feiras, publicação de artigos, troca de figurinhas, como diz a

Joanir, nos corredores da escola. Mas é importante que isso aconteça, que seja ressalvado com as

meninas, porque isso não foi feito conosco, de tal forma que o professor se reconheça como professor-

pesquisador, porque essa não é uma prerrogativa de professor universitário. [...] (P8).

Sobre os modos de aprender discentes, como produzem e se apropriam de conhecimentos na

perspectiva de depois ensinarem às crianças, P18 disse: Sabe o que é mais difícil quando se fala de apropriação de conhecimento? É a gente conter o “não sei se

está certo!”, porque elas vêm com uma postura de quem NÃO ACREDITA que está produzindo

245

conhecimento. Elas assimilam esse discurso, mas na hora de SE PERCEBER AUTOR, PRODUTOR, de

conhecimento mesmo, bate uma dúvida, se o conhecimento que eu estou produzindo é válido. Então é

assim: nós vamos fazer essa experiência, você vai registrar o resultado, colocar aqui a sua interpretação

desse resultado, a sua análise, a sua conclusão. Aí eu tenho que lutar: _ Oh, professora, eu tentei, mas eu

não sei se está certo! _ Eu fiz desse jeito, mas deve estar tudo errado! _ Eu não sei se consegui explicar!

É a insegurança de quem acredita que há um modelo (certo) que ela não consegue ter acesso ou esse

acesso é parcial ou ela não compreende essa linguagem e não consegue operar com esse conceito.

P18 ressalta que essa insegurança é generalizada entre estudantes: E isso não é um problema da Pedagogia; é um problema da educação científica. Da gente não estar

conseguindo decodificar uma linguagem que acaba servindo de obstáculo para que as pessoas tenham

acesso democratizado a um saber que é de todo mundo! A gente criou um conhecimento que na verdade

confere poder aos poucos que o detêm, que têm acesso! Então, por que a gente vai repartir poder? A

gente reparte uma porção de coisas, mas poder é difícil!

Segundo essa professora-formadora, as alunas duvidam da própria condição e possibilidade

de produzir e de se apropriar dos conhecimentos, quanto à sua capacidade para pensar,

discutir, sugerir, argumentar, propor conceitos e idéias. Sobre essa produção e apropriação de

conhecimentos pelos alunos, P14 afirma: O que consegui perceber dos alunos foi assim: você faz uma primeira leitura de um texto, se esse texto

não for dialogado, trabalhado, esmiuçado, ele não tem sentido. O aluno não consegue e eles falam:

_ Nossa, como é diferente ler o texto em casa e vir aqui e discutir o texto, com você e com a turma! É

outro olhar que eu tenho já sobre esse texto, porque eu tinha pensado uma coisa, mas já pensei milhões

de outras. [...] Eu fazia muito isso:

_ Gente, já que trabalhamos concepções de linguagem, vamos buscar livros didáticos para analisar como

estão as concepções de linguagem subjacentes nesse livro didático! Quando iam olhar no livro, às vezes

não conseguiam fazer isso. Aí a gente trabalhava:

_ Vamos ver essa fala aqui, será que tem alguma coisa que está implícita na concepção de linguagem?

Essa atitude da professora mostra o que se orienta na teoria para a docente das séries iniciais

fazer, ou seja, atuar na zona de desenvolvimento proximal. P14 concorda: “Exatamente. Se a

gente não fizer isso, o aluno fica na linha de desenvolvimento efetivo, o potencial efetivo. Ele

não faz com a ajuda do outro! E às vezes a ajuda não era só minha! Você possibilita trabalho

em grupo na sala e um mostra para o outro!”. Segundo P17, as alunas aprendem do mesmo

modo que crianças: [...] só que mais rápido, porque elas têm uma experiência de vida, tem algumas questões que fazem parte

da vida delas e elas não tiveram oportunidade de colocar para ninguém porque não eram mais alunas ou

estavam no Ensino Médio e não competia, não ficava bem perguntar certas coisas. Na nossa aula, uma

das características é dizer não tenho medo de não saber, não tenho vergonha, pois perguntar e errar, é

246

sinal de interesse. Então, parece que a gente consegue e tem um certo sucesso nisso, daí e eu fico

bastante feliz de achar que é possível saber Matemática, o que não quer dizer, cem por cento das alunas.

Tenho uma que é estagiária na área administrativa e ela treme, chora; é uma aluna que eu precisava

PEGAR comigo, mesmo eu trabalhando com o sistema de monitoria em sala. Os que se apropriaram

primeiro voltam, porque a gente faz um trabalho de recuperação ao mesmo tempo, e os alunos que se

saíram melhor são os monitores dos outros e, mesmo assim, essa aluna não superou. (reação da aluna;

atendimento individual).

A professora P16 explica como tenta entender o processo de aprendizagem dos alunos: Eu tento entender isso na prática; tento dar atividades para ver como eles estão elaborando o que

estamos discutindo em sala. O professor vai ser o mediador dessa aprendizagem e o aluno reelabora o

conhecimento, o que ele já traz de conhecimento prévio, porque eu tento colocar essas questões em

prática vendo se eu consigo articular estratégias para isso. Estou corrigindo uns trabalhos que já deveria

ter entregue às alunas, não pela nota, mas para poder aproveitar o momento dessa leitura que estou

tendo, porque vejo como as alunas estão conseguindo articular o que está sendo discutido. É a resenha

de um livro que nós discutimos algumas questões em sala; elas conseguiram articular com outros textos,

outras questões, expressando na linguagem escrita. Mas eu deixei de dar um feedback disso, de ter

explorado em sala, porque não tive tempo. São questões que vou pensando em refazer. O que preciso

programar? Preciso dar um tempo para elas fazerem em sala, em conjunto, não sei se estou conseguindo

me expressar. Eu tento colocar a atividade individual ou coletiva que trabalha articulação com os textos;

por exemplo, trabalhei instrumentos de avaliação com duplas de alunas, para haver troca; cada uma

fazia a sua elaboração individual do que considerava relevante até aquele momento na sua prática,

enquanto professora; eu não queria que elas me falassem de teorias, mas como estavam associando isso

ao fazer a atividade. É uma tentativa de trabalhar teoria-prática.

As discentes, também, falam sobre seu processo de aprendizagem. Num dos grupos que

conversei só uma estudante dá aula há quatro anos como professora-estagiária e, apesar de ter

feito poucas disciplinas, ela entende que estas possibilitam enxergar a sala de aula de outro

modo, que já agregou aos seus saberes, outros saberes que ajudam na sua prática docente. Ela

disse: “Uma coisa que percebi foi sobre a área da zona de desenvolvimento proximal, então

isso é uma coisa que eu tenho praticado. Iniciei agora em maio o curso PROFA

(Proformação de alfabetizadores, oferecido pela Rede Municipal). Lá, já trabalha com isso e

aqui a gente estuda. Lá vê a prática e aqui a teoria, então uma coisa completou a outra”.

Essa aluna explicita a importância da relação teoria-prática; por exemplo, quando está em aula

vendo um assunto, associa com uma criança da escola e isso ajuda na compreensão do

conteúdo estudado. Principalmente, para o aluno que não tem experiência, o professor-

247

formador precisa trazer exemplos, provocar a discussão sobre situações cotidianas da sala de

aula, da escola e promover a tão desejada aproximação.

É bom ouvir da própria aluna, já no último ano do curso, dizer o que ela aprendeu: Durante o curso aprendi, principalmente, a respeitar as especificidades dos alunos, lembrando sempre

que são seres únicos, que trazem uma bagagem de conhecimentos e não chegam vazios. Portanto, tenho

que ser flexível na minha profissão, pois nem sempre a dificuldade de um será a de todos. Temos que

respeitar as individualidades. [...] durante o período de estágio me deparei, diversas vezes, com

profissionais que mantém práticas distantes da realidade vivida pelos alunos. Pretendo e vou ser um

profissional diferente! Vou tomar como exemplo as experiências que obtive nas escolas, das “boas”, vou

levá-las comigo e procurar aperfeiçoá-las sempre mais e, das “ruins”, vou procurar evitá-las e não

deixar que façam parte da minha atuação. Achei que o curso me enriqueceu muito, no entanto a carga

horária é muito curta para tanta coisa. Algumas áreas ficaram a desejar.

Parece que na aprendizagem discente predomina o conceito do “Ainda-não” (SANTOS, 2006,

p. 117), da sociologia das emergências, que é um movimento latente no processo de se

manifestar; é o modo como o futuro se insere no presente e o dilata; é a capacidade (potência)

e a possibilidade (potencialidade) de aprender que alunos carregam. É uma possibilidade

incerta, porque pode provocar no aluno a vontade de ser professor, a paixão pela sala de aula,

mas pode, também, frustrar e desfazer sonhos. Essa possibilidade (movimento) de aprender

dos alunos implica carência (falta de conteúdos da Escola Básica, por exemplo), tendência (o

processo, a realização do curso) e a latência (o que está por vir, frustração ou esperança, por

exemplo, quando conhecem a realidade das escolas, as condições de trabalho, de

(in)segurança, etc.).

Enfim, compreende-se que a razão metonímica é inadequada à compreensão da escola, da

Educação, pois promove o silenciamento, a não-existência, porque considera alunos

incapazes, professores desqualificados, a família desinteressada, oculta a imensidade de

experiências de saberes e práticas educativas que ocorrem, como se viu nas narrativas

docentes-discentes. A razão cosmopolita é, pois, a proposta para passar do colonialismo

(recusa do conhecimento do outro) para a solidariedade (emancipação social). O colonialismo

privilegia relações desiguais, por exemplo, entre a Universidade e a Escola, por isso é

necessária a criação de zonas de contato (de encontro) cosmopolitas que ajam a partir das

fronteiras, das minorias para a realização de novas estruturas de saber, fazer e poder. Fica

mais visível o interesse pela geopolítica do conhecimento, ou seja, quem produz, em que

248

contexto e para quem, como, também, se pergunta no currículo: quem? Onde? Como? Por

que? O que? Para que? A utilização da hermenêutica diatópica, procedimento da ecologia de

saberes e de práticas, favoreceria experiências de reciprocidade entre as culturas acadêmicas e

escolares, num processo de auto-reflexividade, em que o eu-ele se torne nós.

Mediante todos esses saberes e modos de ensinar-aprender-a-ensinar, recorro a Linhares

(2000, p. 50), que coerente com suas teorizações, faz uma proposta poética de mudança: “Que

tal se tomássemos o desafio de poetizar, como um tratamento de transformação de nossas

vidas e nossos saberes em obras de artes, estimulando o protagonismo dos estudantes e

professores para compreender e transformar o mundo?” e nos provoca propondo: Seria possível plantar ensinos e aprendizagens num solo de curiosidades que, ao questionar a si mesmo, questionaria a vida e vice-versa? Como promover, nas instituições de ensino, experiências de aprendizagem que não se esgotem sob os limites de moldes, modelos e arranjos, sempre bem menores do que o ímpeto de fluir da própria vida? Não seria esta uma maneira de ir quebrando as grades disciplinares nas sociedades, ciências e instituições de ensino, mas não só dentro delas? Não poderíamos tentar libertar o poético dos contornos dos poemas consagrados e fazê-lo transbordar em nossos linguajares, como substância de que são feitas nossas vidas? Se assim o fizéssemos, não iríamos liberando a materialidade com que poderíamos ativar nossa cidadania?

No capítulo 5 finalizo a escritura deste trabalho, discutindo a Educação que temos-queremos-

fazemos, a visibilização de experiências disponíveis e possíveis, bem como dificuldades,

desafios e possibilidades na realização curricular.

249

Passado, presente, futuro Mudar concepções para fazer o novo: O passado deixar de ser ato consumado; O presente deixar de ser mera repetição; E o futuro deixar de ser apenas progresso, Fulguração, revelação messiânica. Olhar o passado de modo reinventado. Não sobrecarregar o futuro com Expectativas que não se concretizam. Tornar o presente, momento de realizações, De produções que signifiquem cuidado com o presente estendido ao futuro. Compreender o passado como possibilidade de inconformismo e de redenção. Nesse tempo de transição, Vive-se a aceleração da repetição. Fácil, fácil se cai na tentação de ilusões: De projetar o futuro no passado, O passado no futuro e o presente “eterno e uno” neutralizar essas ilusões. É preciso recuperar a capacidade de surpresa e traduzi-la em energias emancipatórias Ativadas em movimentos contra-hegemônicos, pela ecologia dos saberes, com a sabedoria da douta ignorância e da artesania das práticas. E, assim, ampliar o entendimento transglobal. Desfazer a hegemonia do conhecimento-regulação e Revalorizar o conhecimento-emancipação. Portanto, nesse momento de transição: O futuro perdeu a capacidade de redenção, O passado não a adquiriu ainda, O perigo está na repetição homogênea do presente. Só subjetividades desestabilizadoras, combativas, fortalecidas por energias emancipatórias podem constituir-se em possibilidades para a mudança desse quadro de desassossego em que vive a humanidade. Seria a chance do presente sair da condição entricheirada entre o passado e o futuro e se tornar emancipação e solidariedade. Seria, assim, uma Pedagogia da Aposta, uma Pedagogia do Cuidado, que se faz realidade!

ENEIDA

250

CAPÍTULO 5

Douta ignorância: a formação que temos-fazemos-queremos

“Nossa proposta, portanto, é endereçada para compreender a ‘escola que somos’, sobretudo procurando captar os processos históricos que vão produzindo a escola e nos produzindo dentro dela, sem dicotomias e dualismos separatistas” (LINHARES, 1999, apud LINHARES; LEAL, 2002, p. 124).

Este capítulo objetivou compreender a realização curricular cotidiana do curso de Pedagogia e

“a escola que somos”, o “Centro de Educação que somos!”, ressaltado, com ênfase, pela

professora P15: “NÓS SOMOS UM CENTRO DE EDUCAÇÃO DENTRO DA

UNIVERSIDADE!”, quer dizer, temos um papel pedagógico, político, social, ético, estético,

cultural, temos um ser-saber-fazer-poder importante no contexto do processo educativo

universitário. Nesse sentido, Foucault (1995, p. 235) pergunta: “[...] quem somos nós?” e essa

questão, tomada de Kant “[...] aparece como uma análise de quem somos nós e do nosso

presente”, neste caso, de todos que fazem parte do CE, considerando o tempo presente como

dispositivo detonador para uma ecologia de saberes e de práticas. Ao pesquisar a realização

curricular, emergem muitos temas para estudo e o desta tese, como dito, está materializado na

seguinte problemática investigativa: a compreensão dos modos como professores-formadores

e alunos-futuros-pedagogos produzem a rede de saberes-fazeres-poderes que perpassa a

realização cotidiana do currículo do curso de Pedagogia.

Tomei como base o PPC/CE/UFES (2006) associado às Diretrizes Nacionais, às Diretrizes da

UFES, a teorizações e autores, para analisar as práticas discursivas das participantes. Nas

conversações emergiram aspectos que poderiam ser mais visibilizados no Centro de Educação

(CE), de modo que ajudassem a fertilizar a realização cotidiana do currículo, das disciplinas,

da produção de saberes-fazeres-poderes, tanto de professores que ensinam e, também,

aprendem, como de alunos que aprendem-para-ensinar. O mapa curricular retrata os modos de

realização cotidiana do curso de Pedagogia pelos seus praticantes. Olhar, escutar, falar são

atitudes que ajudam a compreender a cartografia do currículo vivido. “Mas o mapa não se

251

limita a circunscrever a partir de um espaço-tempo delimitado [...]” (MAIRESSE, 2003, p.

270), porque ele quebra limites, é transformável, é devir. Assim, ler o currículo, viver e

acompanhar seus processos de feitura constituem modos de compreender seus territórios,

fronteiras, como também, a ética, a estética, a política, os saberes, os fazeres e os poderes que

o compõem.

A teorização de Santos, associada a teorizações de outros autores, foi utilizada como suporte

necessário para a compreensão dos dados produzidos nesta pesquisa. São conceitos que

manipulo como ferramentas que me ajudam a melhor entender o tema estudado. Embora

Santos não dirija suas pesquisas à Educação, ele trata de questões sociais e a Educação é um

tema, essencialmente, social, por isso acredito que seus escritos possam ser aplicados a-ela-e-

nela. Foi o que tentei fazer neste trabalho, porém, como a teoria está sempre em movimento e

esse autor continua com suas pesquisas e produções teóricas, algum conceito pode já estar re-

significado por ele e, inclusive, diferente da concepção por mim entendida-adotada. Mas essa

é a beleza da pesquisa e do conhecimento: o movimento contínuo que os impulsiona,

modifica, enriquece. Segundo esse autor (2008, p. 20), assumir o tempo atual, o tempo

presente, implica a recusa do pensamento ortopédico78 e a busca de alternativas a partir das

incertezas que delas emergem. A insatisfação com os resultados da Educação, com a

formação de pedagogos que parece, não coaduna com os desafios encontrados na Escola

Básica exige, pois, que se tome uma decisão: ou se ignora e deixa como está, ou se busca

alternativas, mesmo na incerteza de mudar, de ser mais adequada aos novos tempos, de ser

mais humana e humanizadora. Assim, Santos apresenta duas grandes incertezas que

confrontam esse tempo de transição paradigmática.

A primeira incerteza destaca o paradoxo da finitude (do planeta Terra) e infinitude (da

experiência humana). Contraditoriamente, esse processo que admite a infinitude da

experiência humana, ocorre, paralelamente, ao processo que revela a finitude da

sustentabilidade da vida na Terra. A transglobalização contribuiu para aprofundar essa

consciência de finitude e de infinitude (SANTOS, 2008, p. 21). Daí emerge a pergunta:

“Como é que, num mundo finito, a diversidade da experiência humana é potencialmente

infinita?” Esse paradoxo expressa uma carência epistemológica: “[...] o saber que nos falta

para captar a inesgotável diversidade do mundo”. Essa carência causa uma incerteza maior,

78 “[...] o constrangimento e o empobrecimento causado pela redução dos problemas a marcos analíticos e conceptuais que lhes são estranhos. Com a crescente institucionalização e profissionalização da ciência [...] (ela) passou a responder exclusivamente aos problemas postos por ela” (Santos, 2008, p. 15).

252

ainda, “[...] se tivermos em mente que a diversidade da experiência do mundo inclui a

diversidade dos saberes que existem no mundo” (2008, p. 21). O pensamento ortopédico

transforma, então, a carência da finitude em problema técnico-científico e a carência da

infinitude é ignorada como não-problema, ou seja, os outros saberes e experiências sociais são

considerados inexistentes. Entre outras, Santos (2008, p. 22) pergunta: “Como articular os

saberes que sabemos com os saberes que ignoramos?” No caso deste estudo, seria perguntar:

como articular os saberes acadêmicos com os saberes da prática? O PPC traz diversas opções,

como, por exemplo, a inclusão das disciplinas PEPPs na matriz curricular.

A segunda condição de incerteza expressa, também, uma contradição: um sentimento de

urgência (agir agora porque amanhã pode ser tarde, exige ações de curto prazo, refere-se a

fenômenos da natureza, sustentabilidade, exige posições táticas e reformistas; no popular

seria: “não deixe para fazer depois o que pode fazer agora!”); e a idéia da possibilidade de um

mundo melhor que implica mudança civilizacional (mudanças mais profundas para serem

realizadas a longo-prazo; essa atitude exige posições estratégicas e transformadoras)

(SANTOS, 2008, p. 23). Já passou da hora de a Educação, também, buscar novos caminhos,

ampliar o diálogo do espaço doméstico para os outros espaços sociais e encontrar alternativas

para os problemas que se repetem ano-a-ano. O século XX mostrou que não é suficiente ter o

poder, mas é preciso transformá-lo. A incerteza das alternativas está no pensamento que as

desacredita, portanto o mundo não precisa de alternativas novas, mas de um pensamento

alternativo às alternativas existentes. Também, na Educação e na formação, só vai se

distanciar do pensamento ortopédico quem recusar o futuro oferecido pela modernidade e

desejar um futuro melhor, mesmo sem saber como deveria-poderia ser (idem, 2008, p. 22).

Mediante essas duas incertezas, surgem desafios epistemológicos e Santos propõe, para

enfrentá-los, duas tradições esquecidas da modernidade: a douta ignorância e a aposta79. De

acordo com esse autor (2008, p. 24-5), “Estas duas tradições são, por assim dizer, o Sul do

Norte e, por isso, estão em melhores condições do que qualquer outra para aprender com o

Sul global e colaborar com ele na construção de epistemologias que ofereçam alternativas

credíveis ao pensamento ortopédico e à razão indolente”.

Portanto, a epistemologia do Sul, proposta por Santos, (2008, p. 11), “visa à recuperação dos

saberes e práticas dos grupos sociais que, [...] foram [...] postos na posição de serem tão só

objecto ou matéria prima dos saberes dominantes, [...]”. As epistemologias do Sul tentam sair

79 Formuladas respectivamente por Nicolau de Cusa e Pascal (SANTOS, 2008) e sobre as quais falarei mais adiante.

253

da posição de objeto de pesquisa do Norte, para ser objeto-sujeito de suas próprias pesquisas,

porque têm suas próprias experiências e saberes, possuem luz própria como afirma a letra de

uma música: “Eu trago a luz, que vem de lá do Sul; Eu trago o sol do Sul da América”80.

Essas epistemologias procuram, ainda, incluir o maior número possível de experiências de

conhecimento do mundo e “Nelas cabem, assim, depois de reconfiguradas, as experiências de

conhecimento do Norte”, também. Afinal, desprezá-las seria um paradoxo, seria desqualificar

esses saberes, como a ciência moderna fez-faz com a multiplicidade de saberes do mundo que

não considera verdadeiros, atitude essa, condenada pela própria razão cosmopolita. Nesse

sentido, inclusive na Educação, o reconhecimento, a produção e a aprendizagem de novos

saberes-fazeres, não implicam o desprezo de conhecimentos já conhecidos e experienciados,

mas a sua (re)significação, de acordo com os novos espaços-tempos e conforme os anseios e

necessidades dos contextos em que ocorre.

A ecologia de saberes: uma proposta de inteligibilidade

A ecologia de saberes permite superar a monocultura do saber científico e visa criar uma nova forma de relacionamento entre o conhecimento científico e outras formas de conhecimento, dando igualdade de oportunidade às diferentes formas de saber (SANTOS, 2006, p. 108).

Para trabalhar a ecologia de saberes e práticas como proposta de inteligibilidade, Santos

pauta-se na epistemologia da douta ignorância, ou seja, na compreensão de que “[...] cada

saber conhece melhor os seus limites e possibilidades comparando-se com outros saberes”

(SANTOS, 2008, p. 29). Segundo esse autor (2008, p. 25), a douta ignorância que Nicolau de

Cusa propõe é “[...] uma reflexão centrada na idéia do saber do não saber”, o importante é

saber o que se ignora. E aproveito para questionar: o que é ignorado, invisibilizado na

formação de pedagogos? As praticantes dizem mais à frente, neste mesmo capítulo! No atual

contexto, a douta ignorância é considerada plural e deve constituir um trabalho de reflexão e

de interpretação sobre limites e possibilidades que se abrem e as exigências que criam (idem,

2008, p. 26), como trago, neste capítulo, limites e possibilidades que as participantes apontam

em suas narrativas. Para agir assim, é preciso ser um douto ignorante, ou seja, compreender

“[...] que a diversidade epistemológica do mundo é potencialmente infinita e que cada saber

só muito limitadamente tem conhecimento dela”. E, apesar da impossibilidade de captá-la, a

80 Música “Sol do Sul”, Daniela Mercury.

254

ecologia dos saberes e das práticas exige que se tente conhecê-la, mesmo assim, como a

tentativa que se fez neste estudo.

As possibilidades e os limites de compreensão e de ação de cada saber só podem ser

conhecidos pela comparação entre saberes (hermenêutica diatópica) feita pela ecologia dos

saberes e das práticas (SANTOS, 2008, p. 28). Nesse sentido, quanto menos um saber

conhece acerca dos limites dos outros (da Escola Básica), tanto menos ele conhece seus

próprios limites e possibilidades (do curso de formação de pedagogos). A epistemologia da

douta ignorância constitui, pois, a proposta de ecologia dos saberes e das práticas que Santos

(2008, p. 29) recomenda. Esta se depara na sua tarefa com dois problemas: como comparar

saberes dada a diferença epistemológica (assimetria), e como criar o conjunto de saberes na

ecologia dos saberes e das práticas, se a pluralidade é infinita? O autor (2008, p. 29) propõe

para confrontar esses problemas, respectivamente, os procedimentos de tradução e de

artesania das práticas. Para realizar a análise dos dados produzidos durante a pesquisa,

procurei me basear na razão cosmopolita de Santos, configurada na sociologia das ausências,

na sociologia das emergências, no trabalho de tradução e na ecologia dos saberes e das

práticas. Neste capítulo, centro a atenção no trabalho de tradução acrescido da artesania das

práticas, procurando fazer o uso de conceitos, conforme minha compreensão, condições de

trabalho e objetivos previstos.

1) A tradução de saberes-fazeres-poderes

A tradução é o procedimento proposto por Santos (2008, p. 29) para confrontar o primeiro problema da ecologia dos saberes: como criar o conjunto de saberes na ecologia dos saberes, se a pluralidade é infinita?

Então, pergunto: o que é a tradução? Santos (2006, p. 123) define tradução como “[...] o

procedimento que permite criar inteligibilidade recíproca entre as experiências do mundo,

tanto as disponíveis como as possíveis, reveladas pela sociologia das ausências e sociologia

das emergências”. A tradução entre saber acadêmico e experiência prática, por exemplo, tenta

assumir a forma de uma hermenêutica e consiste no trabalho de interpretação entre duas ou

mais culturas, com vistas à identificação de similaridades entre elas e as diferentes respostas

que fornecem. A tradução é motivada pela carência e incompletude dos saberes e pode ser

realizada entre saberes hegemônicos e saberes não-hegemônicos, como também, entre

diferentes saberes não-hegemônicos (idem, 2006, p. 124). A tradução entre práticas sociais e

seus agentes “[...] visa criar inteligibilidade recíproca entre formas de organização e entre

255

objectivos de acção”, como, também, entre o currículo escrito e o currículo realizado; ela “[...]

incide sobre os saberes enquanto saberes aplicados, transformados em práticas e

materialidades” (SANTOS, 2006, p. 126-7). Todas as práticas sociais envolvem

conhecimento, portanto, todas são práticas de saber. O trabalho de tradução visa, pois, a

esclarecer o que une e o que separa os diferentes movimentos e as diferentes práticas, de

modo a determinar as possibilidades e os limites de articulação entre eles. Esse procedimento

é imprescindível para definir constelações de práticas com maior potencial contra-

hegemônico.

Santos (2008, p. 29) afirma que “A existência da diferença epistemológica faz com que a

comparação tenha de ser feita através de procedimentos de busca de proporção e

correspondência que, no conjunto, constituem o trabalho de tradução”. São procedimentos

que permitem aproximações débeis, que vão do conhecido para o desconhecido, como sinais,

símbolos, conjecturas, enigmas, pistas, perguntas, paradoxos, ambiguidades, procedimentos

de proporção e correspondência, chamados de ecologia de saberes e de práticas. Esta constitui

um conjunto de epistemologias que parte da possibilidade da diversidade e da globalização

contra-hegemônicas perspectivando credibilizá-las e fortalecê-las (SANTOS, 2006, p. 42).

Portanto, a tradução é, ao mesmo tempo, um trabalho intelectual, político e emocional, pois

admite o inconformismo ante a carência. O fechamento disciplinar significou o fechamento da

inteligibilidade da realidade investigada. Nesse sentido, o procedimento do trabalho de

tradução procura responder às questões: o que traduzir? Entre que? Quem traduz? Quando

traduzir? Traduzir com que objetivos? (perguntas, também, feitas no currículo: o que? para

que? por que? como? quando?). Esclareço, a seguir, com base nas perguntas feitas por Santos.

O que traduzir?

Essa pergunta é respondida pelo conceito de zonas de contato (SANTOS, 2006, p. 130), que

são zonas de fronteira, terras de ninguém onde as periferias ou margens dos saberes e das

práticas emergem, como ocorre com o mapa curricular. Constituem campos sociais, onde

diferentes mundos-da-vida normativos, práticas e conhecimentos encontram-se e interagem,

como exemplo, a zona de contato Universidade-Escola. Duas zonas de contato destacam-se na

modernidade ocidental: a epistemológica (onde se confrontam a ciência moderna e os saberes

leigos, tradições; saber acadêmico e da experiência prática da escola); e a colonial (onde se

defrontam o colonizador e o colonizado; o professor e o gestor, o professor e o aluno, o

professor e a família). Em contraposição a essas duas zonas devem-se construir as zonas de

256

contato necessárias à razão cosmopolita. Nesta, compete, a cada saber ou prática, decidir o

que deve ser posto em contato, vir à tona para ser discutido e com quem. As decisões em

relação aos aspectos selecionados para confronto cultural decorrem da dinâmica do trabalho

de tradução: quanto mais o trabalho aprofundar-se, mais aspectos são trazidos à zona de

contato. O que é traduzível está presente no que é impronunciável numa certa cultura, isto é,

as ausências, os vazios sem possibilidades de preenchimento. As versões mais inclusivas de

cultura são as que produzem as zonas de contato mais adequadas, para aprofundar o trabalho

de tradução e a hermenêutica diatópica (SANTOS, 2006, p. 131). Nesse sentido, Carvalho

(2009, p. 140) lembra que além da relação entre conhecimentos, deve ser feita “[...] a tradução

dos espaços e tempos e dos lugares marcados pela individualização que impedem a

emergência de novas práticas e atitudes voltadas para a identificação de interesses comuns”.

Entre que traduzir?

A seleção de saberes e práticas entre as quais se realiza o trabalho de tradução, é, sempre,

resultado de uma convergência de experiências de carência, de inconformismo e da motivação

de superação (idem, 2006, p. 131).

Quando traduzir?

A zona de contato cosmopolita deve ser resultante da conciliação de tempos, ritmos e

oportunidades, caso contrário, ela se torna imperial e o trabalho de tradução uma forma de

canibalização (idem, 2006, p. 132).

Quem traduz?

Saberes e práticas só existem se usados por grupos sociais, por isso, o trabalho de tradução é

sempre realizado entre representantes desses grupos sociais e como trabalho argumentativo

que é, exige capacidade intelectual. Os intelectuais cosmopolitas devem ser enraizados nas

práticas e saberes que representam e ter uma compreensão profunda e crítica de um e de

outro; essa dimensão crítica é chamada “sabedoria didática” (idem, 2006, p. 133).

Como traduzir?

O trabalho de tradução é argumentativo, fundamentado na emoção cosmopolita de partilhar o

mundo com quem não partilha o nosso saber ou a nossa experiência, porém, apresenta

257

múltiplas dificuldades: 1) quanto às premissas da argumentação, pois toda argumentação

baseia-se em postulados, axiomas, regras, idéias que não são objeto de argumentação, pois são

aceitos como evidentes por todos do grupo argumentativo e se chamam topoi ou lugares

comuns. O trabalho de tradução não dispõe de topoi porque dispõe dos já existentes, que não

são aceitos por outra cultura, ou seja, os topoi que cada saber ou prática trazem para zonas de

contato deixam de ser premissas de argumentação e se transformam em argumentos

(SANTOS, 2006, p. 133); 2) quanto à língua em que a argumentação é conduzida: é pouco

comum que os saberes e práticas nas zonas de contato tenham uma língua comum, portanto,

quando a zona de contato é multicultural, uma das línguas é a que dominou a zona de contato

colonial; 3) e quanto aos silêncios, ou seja, os diferentes ritmos com que os diferentes saberes

e práticas sociais articulam as palavras com os silêncios; a gestão e a tradução do silêncio são

das tarefas mais exigentes do trabalho de tradução (idem, 2006, p. 134).

Para que traduzir?

O novo inconformismo resulta da constatação de que hoje e não amanhã será possível viver num mundo melhor (SANTOS, 2006, p. 135).

Esta última pergunta envolve todas as outras. A sociologia das ausências e a das emergências,

com o trabalho de tradução, permitem desenvolver uma alternativa à razão indolente e ao

pensamento ortopédico na forma da razão cosmopolita, que se baseia na idéia de que só é

possível ter justiça social global, se tiver justiça cognitiva global (SANTOS, 2006, p. 134). A

necessidade da tradução surge porque a modernidade ocidental não resolveu os problemas que

deveria e a sua resolução é cada vez mais urgente, portanto, não há soluções para eles, nem

para os problemas da Educação, da formação e da prática docente nos diversos contextos

sociais. O objetivo do trabalho de tradução é criar constelações de saberes e de práticas fortes

para propiciar alternativas credíveis (idem, 2006, p. 135). Como não há certeza se é possível

ter um mundo melhor, a razão cosmopolita prefere imaginar o mundo melhor a partir do

presente, por isso propõe dilatar o presente e contrair o futuro, pois assim aumenta o campo

de experiências e pode avaliar melhor as alternativas possíveis e disponíveis. As expectativas

são as possibilidades de (re)inventar a experiência, confrontando as experiências hegemônicas

impostas, com a imensa variedade das experiências, cuja ausência é produzida, ativamente,

pela razão metonímica ou cuja emergência é contida pela razão proléptica. Portanto, as

possibilidades de uma Educação e de uma formação melhores, estão na reinvenção do

258

presente ampliado pela sociologia das ausências e das emergências, e feito coerente pelo

trabalho de tradução e pela artesania das práticas (idem, 2006, p. 135). O trabalho de tradução

cria condições para emancipações sociais concretas, de grupos sociais concretos, cuja

injustiça é autorizada pelo desperdício da experiência, sendo que o trabalho de tradução

permite revelar o tamanho desse desperdício. O tipo de transformação social que se pode

construir a partir dele exige que as constelações de sentidos criadas pelo trabalho de tradução,

transmutem-se em práticas transformadoras. A teoria da tradução é o procedimento que

possibilita a mútua inteligibilidade dos movimentos em torno da igualdade e da diferença,

pois só há reconhecimento se houver (re)distribuição. Assim, tem-se o direito de ser igual

sempre que a diferença inferioriza; têm-se o direito de ser diferente sempre que a igualdade

descaracteriza (SANTOS, 2006, p. 198-9).

2) A artesania das práticas

A artesania das práticas é o procedimento proposto por Santos (2006, p. 29) para confrontar o segundo problema da ecologia dos saberes: como comparar saberes dada a diferença epistemológica (assimetria)?

A diversidade epistemológica do mundo, hoje, causa incerteza e o pensamento ortopédico e a

razão indolente não podem dar uma direção adequada a esse mundo, porque se baseiam na

ciência moderna que ignora os demais saberes. Nesse sentido, a preocupação com a dupla

incerteza (urgência e mudança civilizacional) partilhada por diversos grupos sociais, inclusive

pela Educação, faz surgir a busca pela ecologia dos saberes e das práticas (SANTOS, 2008, p.

31), como, por exemplo, a preocupação com a formação de pedagogos pode levar a uma

ecologia entre saber acadêmico e saber da prática escolar, entre a prescrição curricular e os

interesses dos estudantes, entre o acúmulo de encargos docentes e as condições de trabalho.

“A ecologia dos saberes sinaliza a passagem de uma política de movimentos sociais para uma

política de inter-movimentos sociais” (idem, 2008, p. 31), como a mudança de um movimento

isolado em prol de uma Educação melhor, de condições dignas de trabalho, de uma formação

emancipatória, para associar-se a outros movimentos sociais, fazer-se presente em outros

espaçostempos da sociedade. Os saberes que dialogam que, mutuamente, se questionam não o

fazem como atividade solitária, mas no contexto de práticas sociais e, muitas vezes,

percebem-se incapazes de resolver os problemas que encontram. Assim, “A interpelação

cruzada dos saberes nasce do reconhecimento dessa incapacidade e da tentativa de a superar”

(idem, 2008, p. 31). No sentido da compreensão da ação da ecologia de saberes e de práticas,

259

Santos (2008, p. 32) relata o diálogo81 entre o artesão (idiota) e o erudito (filósofo). O artesão,

um homem simples e iletrado,

[...] é o sábio capaz de resolver os problemas mais complexos da existência a partir da experiência da sua vida activa, à qual é conferida prioridade em relação à vida contemplativa”. Assim, segundo “[...] Leonel dos Santos (2002: 73), “O Idiota é contraposto ao homem erudito e letrado [...]”, que provoca o Idiota: “Que presunção é a tua, pobre idiota, [...] que assim minimizas o estudo das letras, sem o qual ninguém progride?” (2002: 78). O Idiota responde: “Não é, grande Orador, presunção o que me não deixa calado mas a caridade. Pois vejo-te dedicado à busca da sabedoria com muito trabalho em vão... A opinião da autoridade fez de ti, que és livre por natureza, algo semelhante a um cavalo preso pelo cabresto à manjedoura, que só come aquilo que lhe é servido. O teu conhecimento alimenta-se da autoridade dos que escrevem, limitado a um pasto alheio e não natural” (2002: 79). [...]. “Eu, porém, digo-te que a sabedoria grita nos mercados e o seu clamor anda pelas praças” (2002: 79).

Esse diálogo entre o idiota e o sábio bem ilustra a narrativa da professora P18, ao questionar o

sistema social e a discriminação entre saberes e práticas de alunos da Pedagogia e de outros

cursos. Algumas alunas admitem que existe preconceito da sociedade em relação ao curso de

Pedagogia e a professora esclarece que no cotidiano do curso há aspectos invisibilizados, em

relação a essa questão. Ela fala: A gente tem preconceito com o nosso aluno da Pedagogia, quando a gente detecta todas essas lacunas do

conhecimento demonstradas, de certa forma, ainda que a gente não diga. A gente presume algumas

causas para essas lacunas: a origem social, o tipo de escola a que esse segmento da população, a

MAIORIA do curso de Pedagogia, teve acesso. Então, a gente tem a expectativa de que em outros cursos

eles viriam mais bem formados, aqueles cursos que pontuam mais no vestibular, mais concorridos e mais

elitizados. De alguma forma a gente tem uma expectativa baixa em relação ao aluno de Pedagogia. As

alunas sabem disso! Elas vêm de uma sociedade que faz essa hierarquia e sabem muito bem como

funciona esse jogo, o que é a academia, o que é passar no vestibular. Sabem! Sabem e vêm para cá,

muitas vezes, não querendo ser pedagogos, porque se sentiam incapazes para passar em outros cursos

mais concorridos. E o que está invisibilizado nisto tudo? O questionamento desse sistema todo! Quem é

esse pedagogo, de onde vem, porque chega aqui com essa crise de auto-estima, quem é que disse que

fazer mais pontos no vestibular torna alguém mais capaz de aprender, onde estão escritas essas regras

sociais que a gente se impõe e a gente problematiza, muito pouco, essas coisas?! (P18).

Nesse sentido, Linhares (2002, p. 119) considera que [...] temos uma dívida pedagógica que precisa ser saldada com a cultura popular, com a cultura familiar, doméstica, com a cultura juvenil – sobretudo em suas dimensões éticas e estéticas –, de cuja ausência se alimentam os processos de

81 “O idiota”, Nicolau de Cusa, 1450.

260

artificialidade tão espalhados em nossas escolas e tão responsáveis pela extrema precariedade de conectivos sociais de que sofrem os processos escolares.

O trabalho na escola constitui, pois, a materialização da teoria-da-prática-da-teoria, é palpável

e é isso que futuros-pedagogos vão nela buscar. No entanto, na formação, às vezes, esse

trabalho parece ser desprestigiado, considerado inexistente devido à excessiva valorização do

conhecimento acadêmico-científico. A professora P18 assim se expressa: [...] Tem que ter um trabalho concreto, prático, será que isso é muito primário?! Não sei; fico me

perguntando: _ Será que a gente não traz arraigado na gente essa idéia de que o trabalho manual está

distante do intelectual?! Mas existe uma dimensão do trabalho intelectual ABSTRA-TO, REFLEXI-VO

(saber científico) que é mais valorizado que o trabalho braçal, manual, do operário fabril (saber prático;

como no caso do idiota e do sábio?!). Então, (devido à predominância desse modo de pensar) quem está

na academia tem que romper com essa coisa prática de construir modelinho, mexer com tinta, isso é

coisa de artesão (é menos importante), não é coisa de intelectual (que lida com o saber verdadeiro), mas é

disto que as alunas gostam. Gostam por quê? Porque são desse segmento! Esse segmento é que tinha que

estar na fábrica e não na Universidade! Então, eu estou sendo muito radical, muito cruel nessa fala, mas

para tentar dar um pouquinho mais de visibilidade para essas coisas que você falou, que não são ditas,

mas que ficam MUITO visíveis, presentes, concretas, no dia-a-dia do curso, na maneira como a gente se

relaciona com essas alunas, quando a gente percebe a maneira como elas REAGEM a qualquer atitude

nossa que elas POSSAM interpretar como uma hostilidade, uma esnobação, uma ostentação. Elas não

ACEI-TAM mais serem HUMILHADAS, elas já foram muito! A classe social que elas representam, elas

vêm de uma história de opressão muito GRANDE! E quando elas chegam aqui, elas vão entrar no

território do inimigo e vão conquistar esse espaço e vão definir esse espaço e vão se apropriar dele!

Alunas no corredor do IC-IV

Há de se convir que o profissional da Educação vivencia a escola, diariamente, e vive as

alegrias e as amarguras desse cotidiano. Esse saber da experiência prática, ele não adquire só

em livros, mas é vivenciando um conhecimento que se produz e se dissemina para além das

salas de aulas e laboratórios de ensino, alcançando espaços transfronteiriços, como sala de

professores, corredores, cantina, escadas, pátios da escola e da Universidade, a vida, enfim.

“Este descentramento dos saberes é fundamental para que a ecologia dos saberes atinja os

seus objectivos: a promoção de práticas eficazes e libertadoras a partir da interpelação cruzada

dos limites e das possibilidades de cada um dos saberes em presença” (SANTOS, 2008, p.

32). O campo das interações práticas onde se realiza a ecologia dos saberes e práticas não

261

deve ser o espaço exclusivo dos saberes (Universidades e Escolas), mas todos os lugares onde

o saber é chamado a ser experiência transformadora (conforme Paulo Freire ensina), efetuar

discussões em lugares não familiares, no terreno da vida prática, e este é o terreno da artesania

das práticas, o terreno da ecologia dos saberes e práticas.

3) A Pedagogia da Aposta

A aposta é a metáfora da transformação social num mundo em que as razões e visões negativas (o que se rejeita) são muito mais convincentes do que as razões positivas (a identificação do que se quer e como lá chegar) (SANTOS, 2008, 34-5).

O que se quer, o que se faz, o que se pode fazer para que o currículo escrito da formação de

pedagogos chegue aos endereçados por meio de uma realização emancipatória, que

permaneça num contínuo devir?! Para enfrentar a incerteza de não se saber se é possível ter

uma Educação e formação melhores, utilizo mais uma vez da idéia de Santos, que propõe

outra sugestão filosófica: a aposta de Pascal. A questão é esta: que razões podem incentivar a

luta pela possibilidade de uma formação emancipatória correndo riscos certos, que se sabe,

existem e são muitos, tendo como contrapartida a incerteza de bons resultados? O apostador

de hoje é a classe ou grupo social excluído e seus aliados, os fronteiriços. Só aposta82 na

possibilidade de um mundo melhor quem recusa o jeito de ser do mundo atual, como na

Educação, caso contrário, ocorre acomodação ao que existe. As razões para apostar estão

ligadas à desilusão do determinismo do futuro ou do presente e as razões para não apostar

incorrem em conseqüências para o projeto de emancipação social (SANTOS, 2008, p. 36),

sendo que a primeira razão refere-se à Pedagogia da Aposta. Já que as razões para apostar não

82 Só para ilustrar, um fragmento de texto sobre aposta: “Se o Simplício Comes não fosse um rapaz do nosso tempo, se não usasse calças brancas, paletó de alpaca, chapéu de palha e guarda-chuva, daria idéia de um desses quebra-lanças que só se encontram nos romances de cavalaria. De outro qualquer diríamos: "Ele gostava de Dudu"; tratando-se, porém, do Simplício Comes, empregaremos esta expressão menos familiar: 'Ele amava Edviges." [...] O caso é que o Simplício Comes parecia adivinhar os menores desejos de Dudu e nessas ocasiões recorria ao ardil de uma aposta: _ Aposto que hoje chove! _ Que idéia! O dia está bonito! _ Pois sim, mas o calor é excessivo: temos água com toda a certeza! _ Não temos! _ Façamos uma aposta!- Valeu! Se chover eu perco uma caixa de charutos. _ E eu aquela blusa que você viu na vitrina da Notre-Dame e cobiçou tanto. _ Quem lhe disse que cobicei? _ Ora, esses olhos não me enganam. No dia seguinte Dudu recebia a blusa. [...] Dudu ficou sentada no canapé, olhando para o chão. O Simplício Gomes aproximou-se de mansinho, e sentou-se ao seu lado. Ficaram dez minutos sem dizer nada um ao outro. Afinal Dudu rompeu o silêncio. Olhou para o céu iluminado por um crepúsculo esplêndido, e murmurou: _ Vamos ter chuva. _ Não diga isso, Dudu: o tempo está seguro! _ Apostemos! _ Pois apostemos! Eu perco... perco uma coisa bonita para o seu enxoval de noiva. E você? _ Eu... perco-me a mim mesma, porque quero ser tua mulher! E Dudu caiu, chorando, nos braços de Simplício Comes”. Fonte: www.biblio.com.br (Google) (Artur Azevedo. Uma aposta). (Observ: no texto aparecem as formas “Comes e Gomes”).

262

são claras e para serem convincentes devem ser objeto de argumentação, o caminho é optar

pela razoalidade argumentativa da aposta. Assim, a Pedagogia da Aposta deve acontecer nos

contextos onde a ecologia dos saberes e das práticas atua.

O que é essa Pedagogia? A Pedagogia da Aposta é o “[...] projecto de educação popular em

que o conhecimento acadêmico e a ciência podem participar, desde que o façam nos termos

da ecologia dos saberes” (SANTOS, 2008, p. 36) e das práticas. Ela ocorrerá de acordo com o

lugar, o contexto da sua prática e o tipo de apostadores. Por exemplo, no caso da ilusão do

futuro, a Pedagogia da Aposta visa a “[...] transformar a necessidade do futuro na liberdade do

presente”, e quanto à ilusão do presente, seria “[...] transformar a necessidade do presente na

liberdade do futuro” (idem, 2008, p. 36), seria assim, uma Pedagogia do Cuidado, porque

quem aposta, cuida! As paixões da aposta83 e da vontade de emancipação social devem

alimentar as razões da escolha do apostador de hoje; devem favorecer ações que atuem no-do-

com o cotidiano que promovam a melhoria do ser-fazer a Educação aqui e agora. Pela aposta

é possível juntar cotidiano e utopia (idem, 2008, p. 37). É preciso, pois, acarear os problemas,

as incertezas e as perplexidades próprias da formação atual para encontrar as possibilidades

que se pretende.

A douta ignorância e a aposta são propostas que implicam (des)pensar ou (des)aprender o

pensamento ortopédico e a razão indolente. No Sul global visam a (re)inventar ou

(re)considerar, como válidos, saberes e experiências que o pensamento ortopédico e a razão

indolente declararam ignorantes e produziram como ausentes; e no Norte global, (des)pensar e

(des)aprender visa a aprender a ignorar. Nesse sentido,

[...] o facto de a douta ignorância, a ecologia dos saberes e a aposta privilegiarem, como lugar de enunciação, o quotidiano, onde a reflexão e a acção não se separam permite ter presentes as abissais diferenças do quotidiano no Norte global e no Sul global. Essas diferenças são activamente ocultadas [...] (pelo) pensamento ortopédico, [...] (SANTOS, 2008, p. 39).

As três, douta ignorância, a ecologia dos saberes e a aposta, são práticas de conhecimentos

que ocorrem no contexto de outras práticas e implicam a axiologia do cuidado; delas emerge a

83 Ainda, para ilustrar sobre “aposta”: A “Aposta dos Deuses” ou “Nietzsche, quem diria, acabou em comédia” é o quinto livro do escritor e poeta gaúcho Álvaro Santi. Nele, o autor "flerta” com a dramaturgia [...] e se aventura para além da lírica, [...] inspirado na estética de Friedrich Nietzsche (1844-1900). [...] Na "Aposta dos Deuses", Álvaro Santi diverte-se ao transformar os deuses que inspiraram o filósofo alemão, nos irmãos gêmeos Apolo e Dionísio, que disputam o amor de uma princesa mortal, Helena. Julgando-se um melhor do que o outro, eles trocam de identidade, apostando que aquele que não conseguir se passar pelo outro deverá renunciar ao amor de Helena. Esta, por sua vez, pede a ajuda de sua criada para decidir com qual dos dois ficará, segundo Álvaro Santi. [...]. Fonte: Internet.

263

razoabilidade e a vontade de lutar por um mundo melhor, pela emancipação social. Esta

representa toda ação que visa a desnaturalizar a opressão e concebê-la com as proporções em

que pode ser combatida (SANTOS, 2008, p. 40). A douta ignorância, a ecologia dos saberes e

a aposta são formas de pensar que estão presentes na emancipação social. Então, quais são as

instituições que representam esses três procedimentos? Nenhuma, responde Santos, pois elas

são exercitadas em contextos sociais diversos, o que não significa que as Universidades

estejam condenadas ao pensamento ortopédico. Elas, também, são práticas sociais e nelas

circulam e são produzidos saberes e práticas.

Assim, num estudo como este, que ocorre no contexto universitário, o discurso de algumas

docentes, participantes desta pesquisa, indica que houve por parte da direção e do colegiado, a

intenção de realizar um trabalho compartilhado, feito a muitas vozes e a muitas mãos, na

tentativa de aproximar a proposta curricular o mais possível das concepções da comunidade

educativa. Procurei caracterizar o saber-fazer-poder como um possível conhecimento-

emancipação, “um conhecimento prudente para uma vida decente”. O cotidiano no qual me

inseri para pesquisar e vivo nele inserida, esse cotidiano, esse espaço social é onde se realiza o

curso de Pedagogia, onde são praticadas, vividas, vivenciadas experiências disponíveis no CE

e reveladas pela sociologia das ausências.

São experiências de formação docente, de modos de produção de saberes-fazeres-poderes que

não cabem no pensamento ortopédico nem na razão indolente. Um cotidiano em que existem,

também, experiências possíveis de serem realizadas, porém, estão invisibilizadas e necessitam

vir à tona. Um cotidiano vivido nos centros, nas periferias, nas margens do Centro de

Educação, onde há caminhos a serem desvendados. Um cotidiano repleto de limites e

possibilidades, conforme narraram as participantes da pesquisa. Pois bem, o professor P9

caracteriza esse cotidiano em que exerce a docência do seguinte modo: O cotidiano é uma riqueza; vivemos imersos nele. A Universidade é um espaço que você deveria ter como

momento de desaceleração, de caminhar na contramão. Saint-Exupéry diz no livro “O pequeno

príncipe”, que “o essencial é invisível aos olhos”. Se o cotidiano desse conta, não precisaria da ciência.

Gosto de trabalhar com o ordinário (todo dia) e o extraordinário (quando consigo viver uma cultura que

não a produzida pela sociedade do espetáculo, re-significando o cotidiano). O que seria do cotidiano

num centro de formação de professores? Professores sobrecarregados, alunos que correm porque vão

trabalhar ou fazem outro curso.

264

Manter o instituído, o hegemônico, não alterar os modos de agir cotidianos, parece ser ainda

uma norma arraigada no jeito de compreender a aula, o ensino, a aprendizagem, talvez, no

jeito, mesmo, de ser de muitos discentes. Professores exemplificam com situações por eles

vividas: Se passar um filme que não esteja no padrão do que as alunas querem, há estranhamento e recusa; Se

quiser levá-los ao cinema, muitas vezes, há recusa. É uma confusão, é contraditório, porque ao mesmo

tempo que o aluno quer algo mais leve, quando a gente se propõe a utilizar dispositivos postos na

cotidianidade, eles tendem a achar aquilo como não-conhecimento, como não-sério: se é filme vejo em

casa! (P9).

[...] aqui na UFES, na Pedagogia, tem vários eventos e os alunos não participam, pelo menos no 1º

período, porque eles querem aula, querem estar em sala de aula. Acho que vem de uma lógica! Como se

só aula fosse resolver e aí, talvez essa relação com outros acontecimentos, extensão e pesquisa fica

prejudicada [...]. Teve seminário, os alunos não foram e não se interessaram. Teve um de Psicologia que

dei até a metade da aula; o autor do primeiro texto que nós lemos [...], vai falar numa mesa redonda. A

aula vai acabar 10h, porque a mesa começa às 10,20 e a gente vai assistir. Marcaram reunião, com outro

professor, pressa para ir embora... Talvez, se mais professores integrassem essas outras maneiras de

produzir conhecimento na Universidade, porque eu falava com eles: _ Tem pesquisa, extensão, palestra e

tem festa! Você conhece pessoas diferentes! Até festa na universidade possibilita saber sobre outros

cursos, outras realidades... (P10).

Penso que essa atitude pode ser decorrente da ânsia de começar a se apropriar do conhecimento do

curso, emergindo, assim, a necessidade de descolonizar modos engessados de se pensar o saber-fazer

da Educação. De acordo com a narrativa dessas professoras, parece que a Educação-formação

precisaria passar por um processo de descanonização84 que implica dois momentos: a

desconstrução (do que está posto); e a reconstrução (articulação de processos decorrentes do

momento desconstrutivo, associados à viragem cultural nas dimensões pedagógica, estética,

ética e política). Essa atitude implica a realização de ações capazes de promover “[...] práticas

de resistência aos excessos de regulação e de fazer convergir os movimentos sociais que

incorporam dinâmicas de emancipação [...]” (NUNES, 2002, p. 329). Seria assim, instaurar

uma política em que predomine o caráter interrogativo e não o legislativo, em que a

comunidade se abra a outras possibilidades e à utilização de táticas e artefatos diversificados,

na produção cotidiana de saberes-fazeres-poderes, que não se mantenha subjugada a uma

hegemonia didático-pedagógica que amarra e simplifica. A teoria crítica-renovada assume

84 “Descanonizar significa não só reconhecer o carácter histórico e contingente das fronteiras que delimitam a teoria dos seus outros discursos e, por conseguinte, possibilidades de transgredir, diluir, redefinir essas fronteiras, [...], descanonizar significa reinventar os modos de articulação entre a dimensão cognitiva, [...] estética e [...] moral numa nova política emancipatória [...]” (NUNES, 2002, p. 328).

265

esse poder interrogativo e não legislativo, por isso, não tem que mostrar como o mundo deve

ser, nem a Escola, nem a Universidade, nem a formação, mas alertar que pode ser de outros

jeitos. É um poder que se exerce pela arqueologia do presente, [...] um “escavar virtual” dos silêncios, silenciamentos e interrogações não formuladas (Santos, 1995); [...] é um modo de intervir no mundo, e não de intervir sobre o mundo, recusando-se a substituir os saberes e as experiências dos actores envolvidos neste por um conhecimento “superior” e por uma capacidade de acção legitimada por esse saber ( NUNES, 2002, 329).

Nos interstícios do cotidiano: o que ver-potencializar? [...] aprender a ver mais, a observar o invisível, a escutar com tranqüilidade, a valorizar o menosprezado, traduzindo com palavras e ações suas potências ocultas (LINHARES, 1999, p. 11).

O que traduzir? ausências, vazios sem possibilidades de preenchimento. Entre que traduzir? experiências de carência, de inconformismo e motivação de superação. Quando traduzir? conjugando tempos, ritmos e oportunidades. Quem traduz? representantes dos grupos sociais. Como traduzir? partilhar o mundo com quem não partilha o nosso saber ou a nossa experiência. Para que traduzir? desenvolver uma alternativa à razão indolente na forma da razão cosmopolita.

São cinco lógicas de produção de ausências, formas sociais de não-existência, que implicam

contração do presente e desperdício de uma infinidade de experiências da Escola, da

Universidade, do mundo. O objetivo da sociologia das ausências é transformar situações

consideradas impossíveis em situações possíveis e, com isso, transformar ausências em

presenças. Uma idéia comum a todas as ecologias é a de que a realidade não pode ser

reduzida só ao que a gente pensa-vê como existente, mas deve incluir, também, as realidades

produzidas como não-existentes, que estão invisibilizadas. Nesse sentido, a sociologia das

ausências revela a disponibilidade de muita experiência social que é considerada inexistente e

a sociologia das emergências revela a possibilidade de muita experiência social emergente

que é declarada impossível.

Para entender um pouco mais de como se constrói e naturaliza a invisibilidade na sociedade,

exemplifico com a questão indígena brasileira. No Estado do Espírito Santo, há um grupo

indígena no município de Aracruz, cuja visibilidade tem sido revelada à custa de muita luta,

mas sempre, os indígenas são “recolocados” no seu “devido lugar”, porque afinal, são eles, os

que aqui viviam que incomodam e não, os que chegaram depois. É a inversão entre

expectativa e experiência, de que fala Santos. Nesse sentido, Souza Filho (2003, p. 80) refere-

se à invisibilidade com que foram tratados os povos indígenas do litoral e do sul do Brasil. Ele

afirma que “[...] o Estado (Nação) os desconsiderou totalmente em suas políticas públicas e

266

fez questão de negar sua existência por muito tempo” e os que sobreviveram, continuam

resistindo com coragem.

O povo guarani acostumado a compartilhar o território com outros povos é o grande

invisibilizado nesse contexto. Ele não sabia “[...] que o uso da terra pelos novos habitantes era

devastador e exigia a morte dos animais e plantas nativas para a introdução de novas plantas e

bichos, todos domesticados, que nasciam e cresciam pela mão do homem” (SOUZA FILHO,

2003, p. 80). E isso aconteceu com os saberes indígenas, desclassificados pelos colonizadores,

para serem substituídos pelos saberes-fazeres-poderes do mundo desenvolvido. A escola,

também, faz o mesmo: ignora, algumas ou muitas vezes, os saberes que alunos periféricos

trazem para a sala de aula, em nome da aprendizagem de saberes escolares instituídos pela

ciência moderna. No entanto, os povos indígenas do Nordeste brasileiro são, para todos os

grupos que lutam por causas emancipatórias, o grande exemplo de “renascimento de vontades

coletivas”: “Desconsiderados pelo Estado, continuaram a existir, mutilados em sua língua,

machucados em sua dignidade, e não poucas vezes dispersos, recrutados como indivíduos

integrados à sociedade envolvente” (idem, 2003, p. 86).

Esse é um exemplo de invisibilidade, entre tantos outros que permeiam os diversos espaços

sociais, a que subjetividades individuais e coletivas foram-são submetidas. Os saberes e

experiências dos indígenas eram e são, ainda, de tal modo ignorados, que de acordo com uma

lei de 1850, em terras a eles reservadas, “[...] os índios deveriam ficar até que aprendessem

um trabalho “civilizado” e pudessem ser integrados à vida nacional” (SOUZA FILHO, 2003,

p. 101). Penso que, como os “Olhos mágicos do Sul (do Sul)” que pretendem “[...] ser uma

contribuição, a partir de iniciativas contra-hegemônicas dos povos indígenas do Brasil, [...]”

(NEVES, 2003, p. 114), os olhos mágicos dos que labutam e defendem a Educação devem-

podem fazer aflorar e agir vontades coletivas de mudanças significativas na formação docente

e na Educação em geral.

Nesse sentido, procurei identificar no contexto das narrativas das participantes, experiências

disponíveis e possíveis no Centro de Educação e, a partir delas, vislumbrar a ampliação de

caminhos para a feitura de uma formação emancipatória, plena de solidariedade e

humanização. Não me cabe, porém, dizer como essa formação deve constituir-se, mas discutir

disponíveis e possíveis modos de realização. O conhecimento que brota desses processos é

um conhecimento emergente que se caracteriza por uma “constelação” de saberes-fazeres-

267

poderes, experiências essas que materializam um novo senso comum. Assim, “Se o contar e o

escutar compõem, constituem redes de tradução em busca da criação de sentidos, também o

registrar e escrever o contado podem vir a ser problematizados da mesma forma”

(MAIRESSE, 2003, p. 269), como procuro fazer neste texto.

1) Experiências disponíveis no Centro de Educação (CE)

A sociologia das ausências revela a disponibilidade de muita experiência social declarada inexistente (SANTOS, 2008, p. 20). Então: Como fazer falar o silêncio sem que ele fale necessariamente a linguagem hegemônica que o pretende fazer falar? (SANTOS, 2002, p. 30).

Que experiências estão disponíveis no CE, reveladas pela sociologia das ausências, porém,

invisibilizadas como não-existentes? São experiências que não cabem no pensamento

ortopédico nem na razão indolente. O papel das sociologias das ausências e, também, o da

sociologia dos saberes ausentes, é justamente, “[...] a identificação dos saberes produzidos

como não existentes pela epistemologia hegemônica” (SANTOS, 2008, p. 27). Foi o que

procurei identificar a partir das enunciações discursivas das participantes. O Centro de

Educação tem uma tradição de muitas e grandes realizações de trabalho acadêmico-científico

produzido na graduação, na pós-graduação, na própria Universidade e em parcerias com a

sociedade. No entanto, a professora P8 ressalta a cultura da invisibilidade existente no próprio

centro quanto às pesquisas, trabalhos, estudos, parcerias realizadas. Como valorizar e

participar do que se desconhece a existência? A implementação de um novo currículo foi e é

uma boa oportunidade para visibilizar saberes e práticas produzidas, cotidianamente. Assim, o

que precisa ser visibilizado no CE? As participantes desta pesquisa narraram essas

invisibilidades que procurei organizar por itens como: uso dos núcleos e laboratórios,

publicações, saberes dos alunos, reestruturação do CE, relação graduação/pós-graduação,

divulgação de eventos, estrutura organizacional, cotidianidade, horário, que estão

exemplificados, a seguir.

O uso dos núcleos e laboratórios

A gente tem algumas coisas aqui dentro que precisavam ganhar visibilidade: o uso dos núcleos e

laboratórios [...], que têm um trabalho maravilhoso, que não é trazido à tona, a não ser em alguns

eventos dos quais às vezes participam apenas aqueles que estão envolvidos com a área e projetos de

extensão que são feitos abarcando mais de uma disciplina (P8).

268

As publicações

Dar visibilidade, por exemplo, a Revista do Centro Pedagógico (hoje, Centro de Educação) que

desapareceu, num momento em que sequer o papel, a revista precisaria existir concretamente, a não ser

pelo virtual, tão concreto no nosso cotidiano! Por que não uma revista virtual? (P8).

Os saberes dos alunos

As experiências que os alunos trazem, do que é feito e produzido por eles, talvez isso fique um pouco

apagado, como o que é feito pelas pessoas, um pouco disso que se fala na graduação, do que é produzido

no mestrado e no doutorado. Acho que já há alguns grupos fazendo essa integração. [...] é aproveitar

aquilo que é produzido e, alguns professores fazem isso, realmente P12.

Percebo, como concluinte do curso de Pedagogia que minha visão acerca da Educação mudou

significativamente. Aprendi conceitos e comportamentos que me ajudarão muito no cotidiano educativo,

escolar ou extra-escolar, pois somos formadores, independente do lugar onde estejamos (A).

Se quisermos buscar uma área específica que não seja docência, temos que buscar uma formação

continuada, voltada para a área almejada (A).

A reestruturação do CE

Eu diria, agora, pelo menos, na departamentalização, que é um momento super-rico. Eu acho que não

poderia ser assim: eu levo pesquisa, você traz didática, e aqui nós nos juntamos e virou um novo

departamento. Não creio que seja juntar partes de um todo que compõe um novo todo, para formar um

novo sujeito que agora nós queremos ou precisamos formá-lo; podemos até nos insurgir contra, a medida

que a gente começar a fazer. Não sei se nós estamos nos dando conta de que estamos formando um novo

profissional ou se estamos dizendo que nossas disciplinas mudaram de período e nós mudamos de

departamento (invisibilidade para alguns?). São questões que a gente precisa colocar (visibilizar). É um

momento difícil, mas ao mesmo tempo promissor, porque de mudanças (P2).

A relação graduação/pós-graduação

Outra visibilidade que a gente não tem construído com o devido cuidado, a gente faz coisas

individualmente, não temos sistematizado, é a relação graduação/pós. Poderiam ser momentos

maravilhosos onde se beneficiariam todos (P2).

A divulgação de eventos e participação dos alunos

Eu acho que precisa dar visibilidade aos eventos! Na última palestra que eu fui no auditório, falei para

um professor e para uma professora: _ Isso precisa ser mais visibilizado! Era uma discussão que a gente

ficou sabendo na véspera! Aí ele falou: _ Ah, a gente tenta divulgar, mas cartaz é caro... Falei: _ Gente,

tem que por a boca no trombone! Esses eventos são fundamentais na formação desse pessoal. A

269

universidade é para isso! Apresentação de pesquisas... Quantas ficam naquela salinha individual? Tinha

que ser mais divulgado! Então é função do professor MOSTRAR o que tem. Porque cartazes muitas vezes

o aluno passa e não lê! Acho que o DA pode trabalhar nisso! (P10).

A estrutura organizacional

O que eu percebo é que, por mais que a gente pense neste currículo como interdisciplinar, integrado,

ainda na cabeça do aluno e, talvez, até de professores, ele se mostra muito estanque. Falo como uma

herança dos currículos que a gente vem formando e carregando no decorrer dos anos. Na Pedagogia não

vejo como um currículo vai dar conta de desfragmentar isso. A experiência que a gente está tendo agora

no Centro de Artes (estou aqui desde 1989) e foi a primeira vez que eu vi professores das várias

disciplinas sentarem juntos para discutir as suas disciplinas. No CE nunca vi isso! Tem os fóruns, mas

têm um caráter geral. Eu acho que a própria constituição dos departamentos, da Universidade, escapa

dessa discussão integrada. O departamento vira um grande cartório administrativo. E os problemas, a

gente nunca sabe o que o outro faz! (P5).

Essa professora continua explicando: A Universidade tem [...] de começar a ver os próprios cursos, tirar o professor do isolamento e colocá-lo

para conversar com os demais (seria propriamente a questão pedagógica que precisaria vir à tona, ser

visibilizada). [...] As reuniões no ano passado no Centro de Artes (CA) foram reuniões estritamente

pedagógicas. Então, foi difícil, teve resistência?! Teve, mas acredito que teve um ganho muito grande,

pois, pela primeira vez, desde 1989, que alguém do CA soube o que eu proponho e vice-versa! Fizemos

essa troca e a gente propôs isso para o curso de Física e alguém disse: _ Como que eu posso ler sobre

lógica se eu... Então, por que existe essa divisão tão grande nas especialidades?! O próprio CE ao

propor esse curso novo precisa integrar seus membros. A gente sempre vive aqui num estado de

separação entre as Licenciaturas e a Pedagogia. Tenho dito até, que as mudanças que aconteceram

agora, políticas, de redepartamentalização possam ser o primeiro embrião para quebrar essa estrutura

separatista, porque agora os departamentos ficaram mais pulverizados, as licenciaturas no meio deles

(P5).

As alunas falam que professoras da Escola Básica não têm tempo de atualizar-se e estudar,

porque cumprem três jornadas de trabalho. P13 explica: Essa é uma grande questão que eles colocam. Isso já está meio enraizado. É difícil ser professor na

prática! A gente não pode se deixar dominar por esse desânimo. O professor tem que ser uma pessoa alto

astral, tem que saber que vai passar por dificuldades; aí eu relaciono com outras profissões também.

Uma chegou outro dia: _ Professora, eu vi um edital da PMV de concurso para médico, quatro mil e

pouco. Professor mil e pouco. _ Pô, professora, dá desânimo, tristeza, a diferença de remuneração e

tal!”. A professora continua: “Hoje mesmo teve uma aluna que não entregou dois trabalhos: _

Professora, estou te passando e-mail porque tive vergonha de falar com você na sala; estou sem dinheiro

270

para passagem e para fazer xerox. Essa questão econômica é séria mesmo. Ouço muito que eles falam: _

Ah, professora, tudo que você está falando aí, teoricamente, na prática é bem diferente. Porque eles

acham que o professor ganha pouco, tem que trabalhar muito e não pode se dedicar totalmente a uma

causa como dos jovens e adultos, por exemplo, que é uma CAUSA importante (P13).

Algumas discentes, da primeira turma deste currículo, assim expõem suas idéias, já no

penúltimo semestre do curso (2009/01):

Achei que o curso me enriqueceu muito, no entanto, a carga horária é muito curta para tanta coisa.

Algumas áreas ficaram a desejar (A).

O novo curso sintetiza os campos de atuação e o TCC é a maior prova disso, pois para a elaboração dele

se faz necessário pôr em prática tudo aquilo que buscamos para nossos saberes e fazeres individuais, é a

síntese dos anos que passamos dentro da Instituição, [...] (A).

Continuo achando que esse nosso curso de Pedagogia está completamente errado. Acho que deveria ser

dividido em duas pedagogias: a primeira voltada para quem gostaria de estar em sala de aula com mais

períodos das matérias específicas que serão utilizadas pelos futuros professores; a segunda pedagogia

voltada mais para os alunos que não pretendem entrar em sala para ensinar. Poderiam ser focadas mais

as matérias de gestão, administração escolar, leis e outras (A).

[...] o MEC em parceria com as universidades precisaria pensar em um projeto menos generalista e mais

objetivo (A).

Cotidianidade

Segundo a professora P12, os desafios da cotidianidade estão presentes e invisibilizados, No dia-a-dia dos próprios alunos: aluno que trabalha, que não pode comprar livro... são desafios que

limitam, mas também existem brechas, possibilidades para encontrar caminhos. No curso da manhã, em

termos materiais, estruturais é até mais tranqüilo do que à noite. À noite a gente tem mais problemas por

exemplo, aluno que trabalha o dia todo e não consegue chegar às seis horas, trabalha em Vila Velha e sai

às seis. Pela manhã tem na saída também. _ Ah, professora, tenho que trabalhar, que almoçar.

Essa professora destaca, também, a separação que se fez entre a vida e a ciência: Acho que é uma característica da ciência moderna de maneira geral jogar para um foco específico a

teoria: isso é ciência, isso é vida (separadas). Então a ciência moderna se desprendeu da vida e a gente

não vê que a própria ciência nasce da vida, das experiências cotidianas, só que ao longo da história do

Ocidente ela foi colocada num lugar áureo. Então o desafio, hoje, para todo professor seria ver que

aquilo que a gente vê, diariamente, está impregnado de teoria, enxergar a teoria no dia-a-dia, produções

de idéias de novos entendimentos sobre a teoria; acho que isso é o grande desafio e é fundamental (P12).

271

Então, seria desmistificar na formação, essa concepção de ciência, ainda presente, dissociada

da vida, porque é um cânone que se encontra não só na Pedagogia, mas em outras

licenciaturas. E o professor na Escola Básica, desculpa-se, às vezes, dizendo que não pode

fazer essa ou aquela atividade, que não pode trabalhar questões de vida cotidiana como o uso

de dinheiro, uma epidemia e outros, porque vai perder tempo e não vai dar o programa. O

próprio docente, nessas situações, desvincula a vida que se vive do programa, do livro

didático, da sala de aula, atitude, em algumas situações, até como exigência da instituição

onde atua, devido à concorrência, à perspectiva de vestibular, inclusive. Então, pode ser um

papel do professor-formador discutir junto com a mudança de concepção de ciência, a

mudança de postura em relação ao ser-saber-fazer docente e a consequente visibilização do

conhecimento que é trabalhado na escola, na realidade de vida cotidiana dos alunos. Nesse

sentido, a maioria das alunas referiu-se à necessidade de relacionar o conteúdo acadêmico ao

cotidiano escolar: Sinto falta de disciplinas que discutem o cotidiano escolar, pois ficar só no conhecimento científico não

dá; quando chegamos dentro da escola (na disciplina de estágio), não sabemos, ou melhor, não estamos

preparados para lidar com a diversidade encontrada (A).

Os saberes que aprendemos na teoria se concretizam de forma linear, ou seja, a prática requer muito

mais habilidade e conhecimento que a teoria nos mostra. As duas caminham juntas. Mas o cotidiano da

escola ainda deve ser mais explorado teoricamente, para que as questões que envolvem o cotidiano sejam

explicadas com mais respaldo (A).

Horário

P12 expõe o problema de horário que todos vivenciam, muitos não gostam da forma como

tem sido organizado e o assunto torna-se, às vezes, ausente: Não gosto da aula de sete ao meio-dia, acho improdutiva. Eu tenho aula de sete às onze, mas acho mais

produtivo dividir em dois dias: 7 às 9 ou 9 às 11 h. Eu gosto mais. E você perde menos tempo, porque a

aula de sete as nove eles ficam, não tem intervalo. E sete as onze tem intervalo, aí saem, não gosto. Não

sei porque fazem essa disciplina num dia só! Não entendo o motivo disso!

As alunas percebem a existência de aspectos do curso que ficam invisíveis e, no entanto,

existem, estão no CE, no currículo, na sala de aula, no Diretório Acadêmico, mas são

invisibilizados por diferentes razões e em diferentes situações. São aspectos que precisam vir

à tona porque podem ajudar a maximizar a realização curricular cotidiana. Uma discente

destaca uma questão primordial que é conhecer o projeto do curso, visibilizar os objetivos não

só para a formação do pedagogo-docente, mas, também, do pedagogo-não-docente e conhecer

as possibilidades que o curso oferece, tanto para professores como para alunos. Parece que

272

uns e outros não têm muita clareza do que seja o novo curso de Pedagogia, segundo a

enunciação discursiva de alunas.

Também, percebi e sintetizei nas formações discursivas das participantes, algumas outras

invisibilidades além das citadas, anteriormente. Seria, assim, invisibilizar o caráter

profissionalizante (e conclusivo) do curso, embora se saiba que ele objetiva, também, a

continuidade de formação na pós-graduação, na formação de pesquisadores, sendo que seu

objetivo principal é a formação do pedagogo para atuar na Escola Básica (incluindo aqui a

Educação Infantil). A ânsia e a necessidade de trabalhar impulsionam alunas, ainda, no

primeiro período, a tentarem encontrar campo de estágio não-curricular onde possam começar

a atuar. Nesse sentido, a prática da pesquisa deve estar subjacente à tarefa do pedagogo, como

uma possível metodologia que dê suporte ao seu trabalho e não como objetivo maior. Outro

aspecto seria ignorar que grande parte dos alunos, talvez, a maioria, não pretende estar na sala

de aula, mas objetiva ocupar outros cargos na escola ou fora dela, desde que não seja estar à

frente de uma sala de aula85. Visibilizar e propor discussões sobre esses temas, é fundamental

para a realização do curso.

Apesar de tão importantes para a convivência humana e profissional, as relações interpessoais

ocorrem no mundo do invisível e, ainda, não têm sido objeto de cuidado e de tomada de

decisões que impliquem a aproximação solidária entre profissionais, alunos, escolas,

sociedade. Entre as diversas possibilidades existentes, uma sugestão simples, que pode

contribuir para a aproximação entre docentes, seria a criação de uma sala coletiva para

professores, um local por onde docentes transitem, tomem um cafezinho ou uma água, leiam

um jornal, encontrem um colega, conversem, tenham chance de se manter atualizados por

meio de acesso a uma pasta com os documentos recentes do centro, mural com informações

de reuniões, eventos etc. Foram feitas ainda, pelas participantes desta pesquisa, sugestões para

realização de projetos e seminários integrados e para a necessidade de encontros periódicos,

programados, com caráter pedagógico.

Os conhecimentos didático-pedagógicos, básicos para a formação do pedagogo parecem

invisibilizados e considerados até de pouca significação, às vezes. Parecem ignoradas,

85 Em três turmas que estive substituindo uma colega professora (2009/01), uma aula em cada, somente seis alunas disseram que pretendiam ser pedagogas-docentes.

273

também, as necessidades específicas de áreas como Artes, Ciências, Geografia, História,

Matemática, Língua Portuguesa, tanto de conhecimentos relativos aos conteúdos quantos aos

procedimentos metodológicos (possibilidade de trabalhar em salas ambiente e com materiais

diversos). Grande parte das alunas participantes é dessa mesma opinião: A relação desses saberesfazeres com o que vivemos na escola não é uma relação muito estreita. Sentimos

um distanciamento entre a fala do pedagogo e a realidade da sala de aula. O pedagogo, nas séries finais

do Ensino Fundamental, por exemplo, desconhece as especificidades das outras áreas, História,

Geografia... As disciplinas que compõem o núcleo básico das matérias, o que traz prejuízos para o

trabalho muitas vezes (A).

Para atendimento às novas tecnologias informacionais e comunicacionais (TIC) que a

legislação propõe, o centro não dispõe, ainda, de condições para o uso didático das TIC’s, que

é outro ponto importante a ser enxergado e resolvido. Essas são, pois, experiências

disponíveis, identificadas pela ecologia de saberes e práticas que visibilizadas contribuem

para uma realização emancipatória da formação. Uma aluna expõe sua opinião: “Outro ponto

que merece atenção é o fato da disciplina TIC ser ministrada sem que haja um laboratório

próprio” para sua realização.

As sugestões de experiências disponíveis realizadas no CE e, muitas vezes, invisibilizadas,

narradas por docentes e discentes mostram que existe uma diversidade de experiências sendo

produzidas, cotidianamente, mas são consideradas inexistentes pela razão metonímica. Elas

estão presentes, porém, ignoradas, mas o trabalho de escavação da ecologia dos saberes e das

práticas permite visibilizá-las por meio do procedimento das sociologias das ausências; assim,

uma imensidade de experiências desconhecidas por muitos, do próprio centro, é revelada e

tornada disponível a todos.

2) Experiências possíveis no Centro de Educação (CE)

A sociologia das emergências revela a disponibilidade de muita experiência social emergente declarada impossível [...] (porque é) [...] produzida como não existente (SANTOS, 2008, p. 20).

Que experiências possíveis são detectadas no Centro de Educação? A sociologia das

emergências revela a disponibilidade de muita experiência social emergente, de muita

realidade que existe e é ativamente produzida como não existente e impossível. Então, que

experiências possíveis estão disponíveis no CE e são reveladas pela sociologia das

emergências? Relacionei algumas que emergiram nas narrativas das participantes, como:

274

apresentação e mostra de trabalhos, uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação

(TIC), integração graduação/pós, reuniões entre docentes, avaliação, eventos, localização da

biblioteca e do laboratório de informática, todas exemplificadas a seguir.

Apresentação e mostra de trabalhos

Nós da Geografia temos feito algumas provocações, por exemplo, quando um professor trouxe o projeto

“Dando vozes aos professores”, que seria a pesquisa do aluno da Pedagogia e da Geografia, junto aos

professores, registrando práticas de sucesso desses professores na escola, a tentativa era fazer uma

apresentação no auditório, mesa redonda, mas falei: _ Vamos provocar! E a gente pendurou um monte

de cartazes no centro, a gente prendeu no teto, e eles ficavam soltos no meio do caminho do corredor,

para todo mundo olhar para aquilo. Inclusive os murais, também, ficaram mais visíveis, no momento que

tirei tudo e coloquei o papel branco, e depois de prontos, tamanha era a poluição visual. Esta se estende

para outras poluições: a auditiva, a perceptiva das coisas que são feitas e acabam encobertas,

invisibilizadas, consideradas como não-existentes (P8).

P8 continua falando de possíveis: Se a gente tivesse um momento para apresentar sistematicamente, para fechamento do semestre, com

todos os professores dizendo como foi seu semestre letivo, as dores e alegrias que sentiram, os projetos

que desenvolveram, com a presença, testemunho e apresentação dos alunos... Eu lembro quando uma

professora trouxe de S. Mateus, o trabalho sobre os “500 anos de Brasil”. Para muitos isso é tornar a

Universidade infantil, mas não é, não se trata disso! É cuidar disso em nível acadêmico, mas envolto

numa afetividade pelo encontro e não apenas pela amostragem, pela comunicação fria, pelo quantitativo

do PAD (Plano de Atividades Departamentais).

P14 assim se expressa: Uma professora fez um trabalho e colocou visível a produção dos alunos com aquela mostra ali da frente

no corredor do IC IV. Isso é fantástico! Quantas coisas que os alunos produzem e só servem para dar

nota! Por que a gente não cria um espaço para mostrar o que os alunos estão produzindo?!

Uso das TIC

Uma lista de e-mails tão comum entre os estudantes... Eu crio listas com meus alunos, em e-mail, com

senha pública, onde todos nós colocamos nossas produções, nossas dúvidas, nossas mágoas. Mas é uma

prática que fica isolada (P8).

275

Integração graduação/pós

Todos nós, na nossa linha, estamos envolvidos com a graduação, onde todo mundo faz um pouco de tudo;

estamos vivendo essa experiência muito interessante. [...] pegamos os alunos sob a supervisão dos

professores e participamos mestrandos e doutorandos, no Estágio. Está sendo uma experiência FAN-

TÁSTICA! É estágio, pesquisa e extensão e é ensino, porque toda semana tem um encontro de quatro

horas aqui, onde todos discutem as experiências que estão tendo, o que estão fazendo (P2).

P2 continua: Esses dias eu estava lendo o diário de campo e a carta dos encontros do meu doutorando, onde quem fez

o registro foi o aluno da graduação. E aí, eu estava mostrando ao meu doutorando, como o aluno da

graduação cresceu até agora, no registro, como o aluno mudou e fui apontando para ele. Ele dizia como

o aluno conduziu uma atividade e eu dizia como ele poderia acompanhar mais de perto. Mas veja, eu

estou falando com o doutorando, mas também com o aluno da graduação, como é possível ele viver essa

experiência. Um aluno que passa por esse tipo de experiência ele vem com outra cabeça e não pára mais.

Eles vêm aqui e me deixam louca! _ Eu queria ler a dissertação de não sei quem. E vem falar comigo: _

Fulano falou que você tem uma tese [...]. Lá fui eu procurar, para um aluno da graduação, que quer ler

uma tese da Unicamp. Agora, eu sento, às vezes, com dois que discutiam, um o neoliberalismo e outro,

Foucault, como isso se colocava. E eu, mais dramática dizia: _ Eu estou ficando doida! Porque a gente

fala de inclusão, de neoliberalismo, de Boaventura, deixa a gente doida! [...]. A nossa linha toda faz, mas

outras linhas fazem também, mas isso precisa ser um projeto, não pode ser uma iniciativa de um, não

pode ser um envolvimento de outro. Eu sei que outras pessoas se envolvem, mas como é que isso vira uma

política do CE? É olhar a política em ação, como a política acontece, não de quem pratica, é a questão.

Portanto, me parece que nós perdemos chance. Precisamos pelo menos a cada quinze dias, um ofício,

alguma coisa da extensão dizendo, por exemplo, sobre projetos, isso, aquilo. Será que não acontece? É

claro que acontece! Uns são mais afeitos à pesquisa, outros só dão conta de algumas coisas.

Essa professora realiza uma espécie de ecologia de saberes e práticas no seu trabalho com

discentes, possibilita a troca, o compartilhamento, exercita com eles a tradução dos processos

e minimiza a assimetria graduação/pós-graduação.

Reuniões docentes

Todas as participantes destacaram a necessidade de reuniões de caráter pedagógico para

discussão de temas pertinentes à educação, planejamento integrado, partilha de experiências

concluídas ou em andamento. Mendes (2003, p. 217) fala sobre reuniões pedagógicas

realizadas com participantes de um determinado movimento, que ele considera “[...] um

exercício de confrontação e de exposição de argumentos”, que constitui um “[...] aprendizado

de debate democrático (que) atualiza e ritualiza a proximidade [...]” dos participantes entre si

e com o contexto.

276

Avaliação

P11 fala sobre a necessidade de avaliação da implementação do novo currículo e de reuniões

com caráter pedagógico: Penso que a gente vai ter que fazer um momento, não só fóruns, são momentos mesmo de auto-avaliação,

de analisar como está a implementação até agora, ouvir os alunos, inclusive os que já saíram e que já

passaram pelo currículo antigo. Não adianta ter só a visão do professor. Acho que a gente precisa sair

da dimensão de reuniões extremamente técnico-burocráticas e ter discussões de cunho mais pedagógico,

de planejamento, de analisar o que está sendo implementado, de ouvir os diferentes sujeitos envolvidos

no processo.

Eventos

Aqui na Universidade, às vezes, você tem no mesmo dia, no mesmo horário, duas, três coisas que gostaria

de participar e não pode, mas com uma pauta organizada e divulgada mensalmente, teria mais chance

(P8).

Localização da biblioteca e do laboratório de informática

Achei que a biblioteca ter descido (para o andar térreo) foi ótimo! Ela tem que ser de mais fácil acesso! A

posição dela, estrategicamente, foi melhor! O laboratório de informática, também. Eu achei que o

NEPALES foi muito importante na disciplina Alfabetização, não sei dos outros núcleos (P14).

Essas sugestões de experiências possíveis de serem efetuadas no CE, narradas por docentes e

discentes, comprovam que, algumas vezes, o que é considerado inexistente pela razão

proléptica, está presente; consequentemente, por meio do procedimento das sociologias das

emergências, uma riqueza de experiências desconhecidas vem à tona e se torna conhecida e,

possível de ser realizada.

3) Limites, possibilidades, dificuldades e desafios A douta ignorância seria um trabalho de reflexão e de interpretação sobre limites e possibilidades que se abrem e as exigências que criam (SANTOS, 2008).

Pois bem, visibilizar experiências disponíveis e possíveis, presentes no CE, implica desvendar

limites, possibilidades, dificuldades e desafios que obscurecem e dificultam a emergência de

alternativas existentes ou que venham a existir e que podem promover novos e significativos

caminhos para a formação. As possibilidades e os limites são conhecidos por meio da

comparação entre saberes, práticas, agentes, feita pela ecologia de saberes e de práticas. São

277

possibilidades e limites de compreensão e de ação de cada saber para serem conhecidas na

inteligibilidade entre saberes e práticas. A assimetria (diferença epistemológica) entre saberes

dificulta a comparação (sociologia dos saberes ausentes), porém, ao mesmo tempo é o motor

da comparação com outros saberes (SANTOS, 2008, p. 28). Maximizar a assimetria é um

epistemicídio e minimizá-la é a ecologia dos saberes e das práticas, ou seja, a epistemologia

da douta ignorância. Cada saber conhece mais seus limites e possibilidades do que os dos

outros saberes. Devido à diferença epistemológica, a comparação pela tradução para conhecer

limites e possibilidades, deve ser feita por procedimentos de busca de proporção e de

correspondência, que são procedimentos indiretos que permitem aproximações ao

desconhecido a partir do conhecido e ao estranho a partir do familiar (idem, 2008, p. 29).

É preciso, pois, confrontar os problemas, as incertezas e as perplexidades próprias da

Educação atual, como muitas citadas pelas participantes, que se encontram no contexto deste

trabalho, e assim, buscar possibilidades, que constituem o movimento de realização do curso

de Pedagogia. Santos (SANTOS, 2006, p. 117) destaca três categorias modais da existência: a

realidade, a necessidade e a possibilidade, sendo que a razão indolente dedicou sua atenção às

duas primeiras e descuidou-se da possibilidade. A possibilidade é o movimento do mundo e

implica três momentos: a carência (manifestação de que falta algo – “Não”); a tendência

(processo e sentido – “Ainda-não”); e a latência (o que está na frente desse processo – “Nada

ou Tudo”). Os três momentos ocorrem, simultaneamente, sendo que um deles destaca-se mais

ou menos em determinadas ocasiões.

A tendência, o “Ainda-não”, implica capacidade (potência) e possibilidade (potencialidade) e

creio que a tendência seja o momento predominante em toda prática social, porque se vive

sempre em processo e este é atravessado por carências, incertezas e não-existências. Nele

sobressaem, ainda, as expectativas do que pode ou não ocorrer, resultando em esperança,

utopia, salvação ou, em frustração, desastre, perdição. Afinal, não existe a certeza de que um

movimento dará certo, mas importante é fazer, acreditar e apostar, pois o processo é permeado

de incertezas e é a sociologia das emergências que identifica (nos saberes, nas práticas e nos

agentes) as tendências de futuro, com as quais é possível atuar para maximizar as

probabilidades de sucesso em relação ao fracasso.

Nas conversas, as participantes narraram limites, possibilidades, dificuldades e desafios, que

advêm da cotidianidade universitária, da própria Escola Básica que interferem na realização

278

curricular e como dificultam ou ajudam o trabalho docente. Acho prudente ouvir,

atentamente, o que dizem as docentes, porque mais do que todos, elas vivem e sentem na pele,

na alma, no coração e na mente, o cotidiano da formação, nas suas relações com

conhecimentos, alunos, pais, escola, com a vida. Falam de emoções que se manifestam “[...]

em corpos e em culturas, sendo articulações de possíveis descobertas permanentes de

possibilidades de ser e de fazer” (MENDES, 2003, p. 205), que as desafiam, continuamente.

Portanto, mais importante do que a minha percepção como pesquisadora é a percepção das

docentes-discentes expressa nas suas vozes, olhares, paixões, emoções, devires. Elas falam de

resistência, isolamento, individualismo, encontros, relação teoria-prática, escola e

Universidade, integração entre salas, de sala ambiente e de utopias, exemplificados a seguir.

Resistência

A professora P18 traz uma palavra forte, que expressa a capacidade, a tenacidade das alunas

da Pedagogia para superar limites, por maiores que pareçam: É por isso que o curso de Pedagogia faz panelaço, apitaço, porque além de tudo tem um significado

histórico e político: é a CLAS-SE POPULAR na UNIVERSIDADE! Então o curso de Pedagogia assim

como outros que são MAJORITARIAMENTE ocupados por estudantes de origem popular, carrega essa

marca, a marca da RESIS-TÊNCIA, é por isso que não é FÁ-CIL dar aula para a Pedagogia, porque elas

podem saber pouco do conteúdo que a gente valoriza, mas o que elas trazem de experiência de VIDA

muitas vezes nos INTIMIDA, como profissionais da academia. A gente, à vezes, não sabe o que ELAS

SABEM! De experiência de VIDA, de LUTA, de SUPERAÇÃO de LIMITES! Muitas de nós não passou

por nada disso! Então me deixa muito entusiasmada lidar com a Pedagogia. Acho que a Pedagogia é

assim, um curso que veio para ocupar um espaço que é do estudante de origem popular na Universidade.

Essa tem sido muito a minha luta desde que eu entrei aqui, desde que passei a defender a reserva de

vagas. Inclusive o DA, da Pedagogia, tem uma força muito grande.

Isolamento, individualismo

A professora P8 assim se expressa: Eu acho que a primeira limitação é dentro do CE: isso é uma heresia, um pecado, é o fechamento dos

professores, naquilo que já virou um bordão, mas que de fato existe: cada um trancado na sua torre de

marfim. Por mais que a gente diga para os alunos das questões interdisciplinares e transdisciplinares, as

nossas vidas como professores que somos e, também, executores de atividades administrativas, de

pareceres, de contínuo estudo, essas limitações e mais as vaidades pessoais, os grupos fechados,

impedem um trabalho mais integrado, mais enriquecedor. Inclusive esse comportamento se expande para

a própria escola, ensinando aos professores de escola a fazer o mesmo. Este é um sentimento terrível,

porque falamos uma coisa e fazemos outra. Às vezes, nos surpreendemos numa determinada conversa,

279

quando sabemos o que o colega está fazendo e aquilo poderia ser tão rico quando feito em perfeito

contato com o que nós também estamos tentando fazer! Há outras limitações.

A professora (substituta) P16 disse: Olha só, um limite para realizar o currículo é a não integração dos professores deste curso. O meu limite

é chegar e conhecer essa dinâmica de funcionamento da Universidade, dessa estrutura, questões

estruturais do próprio centro. Às vezes você quer utilizar um recurso e não tem disponível, coisa boba,

mas a dificuldade para achar o vídeo-cassete: _ Ah, tem. Chega na hora não tem, você tem que refazer o

que estava pensando; questões dessa natureza. Outra coisa foi o crescimento que eu tive com o grupo; no

início as alunas ficaram meio distanciadas, por que? Porque no começo fui uma professora tradicional

(risos), depois eu fui trabalhando com elas. É a questão que, às vezes, eu sinto do grupo, preciso de

ambiente de aprendizagem na sala, não é ser professor primário ou de ensino médio, mas tem que criar o

clima propício para que você reflita com elas; é até uma questão de organização física da sala! _

Professora, você não está sendo muito exigente? _ Ah, vocês vão me desculpar, mas nós estamos aqui no

espaço que é de discussão, reflexão, não é qualquer espaço. Num primeiro momento, o grupo recuou.

Agora, eu parto do princípio que tem que ler, não sou eu que tenho que ler para elas.

Encontros

Como todas as demais docentes participantes deste estudo, P8 falou da necessidade de

momentos de “troca”, de encontros, de discussão sobre a realização curricular cotidiana nas

diferentes disciplinas: Devo dizer para você que quando comecei no Centro Pedagógico (hoje, CE), havia um grupo que se

propunha a estudar com freqüência e que mantinha encontros nos quais efetuava essas trocas de prática

de sala de aula e havia uma colega que estimulava muito. Depois esse grupo foi se dispersando. Penso

que muito em conseqüência da redução do quadro docente e aumento do número de alunos, de turmas, de

disciplinas, sem aumento do número de novos docentes, e ainda os cargos que a gente tem que ocupar,

politicamente, para manutenção da estrutura funcionando como um todo. O CE, ainda assim, faz

algumas tentativas, embora pequenas, pela importância disso que você aponta, porque são coisas

episódicas: fóruns de licenciaturas, encontros para discutir a nova grade curricular, pesquisas do centro.

Por serem episódicas restringem a presença de todo mundo e não têm o calor, por exemplo, daquelas

reuniões que você fazia como subchefe do DDPE (hoje, DLCE) com os professores substitutos na

tentativa de congraçá-los para um trabalho sério, compromissado, integrado e que pareciam aos olhos

dos acadêmicos, reuniões pedagógicas de escola. Mas agora tudo está na moda, porque as pesquisas

estão todas voltadas para a escola e parece que envolvem uma série de reuniões de escola. Quem sabe,

por essa via, fazer o jogo da estratégia, da tática para retornar essa prática? Essas reuniões seriam

fantásticas, porque você não precisaria estar inventando a roda a todo momento. Você poderia estar

descobrindo com o seu colega, soluções para problemas que você vive e para os quais não encontrou

resposta e, ao mesmo tempo, participando de trabalho conjunto. Isso posso dizer que tive experiências

280

assim aqui dentro, e é extremamente enriquecedor. Os alunos reconhecem, a escola agradece e a gente

também.

Seria agir como uma comunidade interpretativa, tendo a ecologia dos saberes e das práticas

como um procedimento constante. Segundo Mendes (2003, p. 220), o ritual das reuniões tem

um papel importante no percurso individual e grupal, pois os participantes ficam informados,

passam a interessar-se mais pelas questões coletivas e as reuniões “servem também para

canalizar paixões, emoções, sentimentos e explicitar e tornar públicas [...]” suas posições

teóricas, políticas, pedagógicas.

Relação teoria-prática

A professora P6 faz pensar sobre a distância entre o escrito e o realizado, entre a teoria e a

prática. A escriturística, o texto curricular é a teorização (que implica práticas, também) e é na

feitura que vem a prática (que, também, implica teorias) de professores e alunos, para realizar

o que está no papel, na escrita, na perspectiva de integrar teoria e prática. Eu percebo o seguinte: isso (características) está muito claro para nós que construímos este currículo,

mas quando a gente apresenta para os professores, o que cada um vai desenvolver na sua disciplina, aí a

coisa muda. Então, sinto que em alguns casos houve um distanciamento, não houve uma conexão, [...]

mas uma má compreensão da proposta. É difícil isso! Não há uma transposição mecânica, não é isso. Eu

acho que naquelas disciplinas novas, com ementas diferentes, propostas diferentes, aí é que foi o ‘nó’ da

questão. Por exemplo, as diretrizes dizem que a gente precisa ter 400 h de prática, vamos dizer fora o

estágio. E aí a gente bolou uma disciplina, PEPP, essa era a intenção: percebe como é o nome dela?

Pesquisa, extensão e prática pedagógica! Nossa proposta seria a do professor-pesquisador aquele que no

cotidiano consegue fazer uma análise, pesquisa, uma compreensão do que está acontecendo, certo? Aí, a

extensão chega lá e conhece uma determinada realidade, uma escola. Conhecendo, vê que é assim, tem

tais e tais problemas e, então, como interceder ali, atuar lá, seria a extensão. Como a Universidade

poderia estar indo à escola e fazendo alguma coisa? Na hora que você vai e leva uma ação de extensão

universitária, você também está colocando em prática, a prática pedagógica, propriamente. Por isso que

pensamos nessa disciplina mais ou menos nesse formato PEPP I, II, III e IV, de 100h cada uma. Eu já

sinalizei hoje aqui para você que a nossa proposta é uma e que houve uma série de mal-entendidos, no

meu entender: não haver a compreensão de como trabalhar essa disciplina (PEPP), o que ela significava,

o papel dela no contexto deste currículo. Para manter com coerência a nossa proposta, a gente pensou

que os alunos precisavam saber pesquisar, deveriam ter uma ação lá na escola, analisar e vivenciar o

cotidiano, as práticas, etc. [...] (P6).

Sobre a interação teoria-prática, a professora P5 assim se posiciona: Aproximar a teoria da Arte Educação implica desafios advindos da própria complexidade desses alunos.

Por que chamo de complexidade? Porque eles não estão com aquele perfil esperado, que era composto

281

pelo pessoal da Pedagogia até poucos anos atrás. A maioria não tem a experiência da escola; tem

experiência da escola como aluno que foi e não como professor. Numa turma de 38, tenho quatro que

estão dentro da escola. Na verdade, trazer a escola como experiência atual para a sala de aula é muito

difícil, ainda mais quando eles estão no segundo período! Talvez em períodos posteriores quando

começarem os estágios, a prática, seria menos complicado. O que faço na disciplina, por exemplo?

Sempre trago alguém da escola para conversar com eles, como forma de aproximar. É uma professora

das séries iniciais que dá aula de artes para as crianças: como ela faz, a experiência dela. Eles fazem

muitas perguntas e é uma forma de ver como esses conhecimentos são utilizados na formação. No

semestre passado foi uma professora da educação infantil. [...]. Esse semestre virá dia nove de setembro,

uma professora de primeira à quarta série.

Para o professor P9, constitui um desafio, Essa tendência a aversão à teoria, que está em todo o lugar, porque é o espírito de uma época esvaziada

de sentido. Quando Marx fala que “tudo que é sólido, desmancha no ar” é que essa dimensão é de

esvaziamento, de danificação de uma cultura em geral, dessa relação com o passado, para perspectivar o

futuro. As estratégias devem fazer com que o aluno perceba que existe uma produção que precisa ser

conhecida e que vai contribuir para ele construir seu processo teórico-prático de realização cotidiana do

seu trabalho docente.

A professora P16 destaca a importância do realce dado à relação teoria-prática nessa nova

versão curricular e que ela está buscando fazer na sua prática como formadora: Uma coisa que senti como retorno positivo pelas alunas, foi aliar a teoria à prática, trazer o cotidiano da

escola, ilustrar com textos e discussões com esse fazer do dia-a-dia, porque às vezes elas falam: _ Ah,

isso é muito teórico! Quando comecei a sentir essas falas, levei duas telas de Salvador Dali, pintor que

brinca com as imagens, projetei para elas e pedi que falassem o que estavam sentindo e vendo naquela

tela. Até coloquei uma, que para mim, é muito interessante, já havia usado em outros momentos e nunca

havia percebido um cão IMENSO; ele ocupa a tela inteira. E, num determinado momento, que não foi

aqui, eu vi outras coisas nessa tela, mas não enxergava o cão. E hoje eu só vejo o cão!

Tela de Salvador Dali (fonte: internet)

P16 continua expondo sua experiência: E eu buscando com elas essa analogia: _ O que é a teoria? Como eu enxergava a teoria de uma forma

reflexiva. Que a teoria não é A RESPOSTA do cotidiano é um recorte que você faz do cotidiano para

ressaltar determinados elementos que você não está vendo (ou que está!). Como o caso na tela de Dali,

282

que você vê N coisas e de repente o olhar que você não focou aquilo, mas aquilo EXISTE, está presente

no cotidiano, está na tela, mas não estou enxergando naquele momento (está invisibilizado). Então, teoria

e prática são casadas, mas a teoria não é A RESPOSTA, é uma possibilidade de resposta que estou tendo

para um recorte, um olhar que foquei para complexidade que é fazer a realidade.

Segundo essa docente, sua vivência pessoal ajuda muito no trabalho com a formação. Ela diz: Sou formada em Pedagogia, tenho uma caminhada de escola, fiz especialização em alfabetização, não

tenho mestrado (começou a fazer na PUC/SP, em agosto/08). Em algum momento, a gente fica naquela de

querer ter respostas, mas às vezes eu falo para as alunas que eu quero questionamentos e não respostas

(risos). Nos cursos de licenciatura (risos) é difícil você fazer os meninos se apaixonarem pela educação!

(P16).

Universidade e escola

A professora P10 fala dos limites e dificuldades para trazer e aproximar a escola à

Universidade. Considera que não há relação entre as diferentes disciplinas de um mesmo

período e nem de todos, e que só tem acesso às disciplinas de Psicologia do 1º e 2º períodos,

porque pode pedir no departamento. Sugeri que poderia fazer um seminário com outros

professores. Ela disse: “Existem limites. [...] Talvez falte um pouco mais essa interação,

talvez coubesse ao colegiado de curso, reunir os professores...”, fazer reuniões de caráter

pedagógico, porque as de departamento são essencialmente administrativas. Como os

professores substitutos só fazem a docência, os professores efetivos ficam sobrecarregados,

com um acúmulo de encargos além da docência; se fosse maior o número de efetivos, essas

atribuições seriam mais bem distribuídas. P10 considera um limite desconhecer o currículo:

“Acho que a questão principal é não ter conhecimento de todo o currículo que se trabalha,

porque às vezes eu tenho impressão, vejo pessoas tirando cópia, que eles estudam

psicomotricidade, e eu, talvez pudesse trabalhar”. Ela se refere à disciplina “Educação,

Corpo e Movimento”, no segundo período e continua esclarecendo: Pois é, talvez a Psicologia pudesse ajudar nela, também. Eu, professora substituta, não posso trabalhar,

mas poderia no Ensino Fundamental, por exemplo, porque não há um projeto de extensão, porque lá (no

departamento de Psicologia) a gente estuda Psicologia da Educação! Tem profissionais que dão aula de

Psicologia da Educação, que tem estágio, extensão, tem uma disciplina que se chama Dinâmica de grupo

e Relações humanas I e II. Eles também fazem intervenção em escola! Por que não pode trabalhar em

conjunto? Eu fiz um estágio em Psicologia em um ano, em clínica e em escola! Nunca foi um pedagogo

ou alguém da educação trabalhar na nossa reunião de estágio, a gente fazia contato com a pedagoga

daquela escola, que confesso não gostava muito da gente (risos). E provavelmente da profissão, também.

283

A professora P11 destaca a responsabilidade em relação ao PPC, que penso é de todos os

participantes do centro, pois são todos que o tornam realidade: Eu acho que vai advir desse projeto, nós mesmos temos que conscientizar quais são as nossas concepções

– teoria, prática educativa – se não tivermos essa clareza... Às vezes você vê colegas falando de

concepção de estágio que está ultrapassada, [...]. É um processo desencadeado de formação e auto-

formação dos próprios profissionais. Se não tiver um projeto que tenha como meta uma formação desse

formador... É o PPC do curso que faz isso! Se não tiver clareza das concepções que perpassam esse

currículo, ele não vai dar conta de implementar, cada um vai fazer a leitura que melhor convier! Senão

eu posso trabalhar agora da mesma forma que trabalhava o outro!

Necessidade de Integração

P17 assim se expressa sobre esses possíveis limites, possibilidades, desafios: Eu acho que a questão da integração das salas em períodos iniciais está sendo muito importante, está

trazendo uma curiosidade demonstrada na sala de aula, isso ajuda bastante, desafia a gente também,

porque às vezes eles vêm com perguntas assim: _ Ah, meu aluno fez isso assim... Você não conhece o

aluno, não vai lá na escola para conhecer e ela quer uma dica, uma sugestão. Então você conversa, dá

várias sugestões, indica leituras, porque o diagnóstico do aluno, nem sempre, a gente mesma, professora,

dá conta de fazer isso. Então é um limite que não dou conta de responder tudo, mas posso mostrar que

não preciso saber tudo, que eu tenho algumas linhas e que elas vão me ajudar a testar as diversas

soluções propostas na literatura e ver o que se adequa com aquele aluno que ela está pegando na sala de

aula.

Essa professora continua: Os limites são o tempo de aula, poucas horas, precisamos de mais horas de aula, carga horária maior,

dividir a Matemática em quatro; hoje são duas que abrangem tudo que está no PCN, só que tudo mais

rápido. Você gasta mais tempo com um (assunto), os outros você só mostra material, não dá tanta

oportunidade, porque eu privilegio muito a construção de conceito de número, sistema de numeração, as

operações e resolução de problemas, a geometria, sólidos geométricos, e planificação. Já o uso de

material para construção da geometria plana, de triângulos, exploração de características e

propriedades dentro da Geometria, isso eu passo batido, dou de leve, uso transparência só para mostrar

que o assunto existe e onde pode ser melhor estudado, trabalho bastante frações, números decimais com

vírgula, são coisas que elas sentem dificuldade para a própria vida (P17).

Sobre os limites e possibilidades nas suas aulas, para aproximar a teoria e a cotidianidade da

Universidade e da Escola Básica, para realizar a aprendizagem, a professora P18 fala: Eu acho que o limite é a dificuldade, dentro dos nossos espaços, dos nossos tempos aqui na academia, de

conseguir um jeito de integrar todos esses produtores de conhecimento que nós somos aqui e colocar

todo mundo para conversar, todo mundo para compartilhar suas experiências e a gente abrir mão das

284

diferenças teóricas, administrativas, políticas e tentar pensar um jeito de trabalhar juntos. Isso é ao

mesmo tempo um limite, a impossibilidade de fazer isso por causa da SOBRECARGA de trabalho que é

ENORME! É um limite e ao mesmo tempo um DESAFIO, porque se a gente não consegue fazer isso e fica

andando em círculos, apontando essas necessidades sem conseguir concretizar. Então acho que é

começar a construir o diálogo com a escola porque esse nosso diálogo, eu percebo que às vezes a gente

alterna monólogos, às vezes a gente diz para a escola o que ela tem que fazer, ela diz o que a gente tem

que fazer, mas diálogo é ter o ouvido sensível para poder escutar, conversar, entrar em consensos

possíveis.

Quanto à dificuldade de integração com a escola, para uma aluna do curso, “É o estágio que

possibilita ir à escola, porque a gente vai viver, mas já vai tendo um contato para

compreender. A nossa própria experiência vale muito mais do que você ter um manual, um

livrinho debaixo do braço e não saber como faz a prática, porque a prática é que constrói

não é só a leitura”. Por isso é importante para a discente ir com “leitura feita” para a aula,

porque terá possibilidades de debater, questionar, argumentar. Se não lê, não vai ter condições

de participar. Algumas alunas ressaltam a importância do estágio para conhecer diversas

realidades, conforme o fragmento de diálogo: A: Fazer estágio inclusive FORA da Rede Municipal! Não é porque eu estou aqui (na Universidade) que

eu vou lá trabalhar certo! É pegar a oportunidade de ir pelo menos duas vezes por semana! (...) Vamos

mudar de rede? Vamos para o bolsão de miséria? Eu vejo que precisa disso...

A: Vamos para diferentes realidades e depois a gente volta para cá. O que vimos lá em São Pedro, na

Serra, em Viana?

A: Mas aí, é o professor que tem que mandar cada um para um lugar...

A: Não é o professor, não!

A: Todo mundo queria ir perto de casa! A Fulana que foi comigo lá na Serra, porque mora lá, mas todo

mundo quer ir perto da casa!

Uma aluna levanta a questão da Pedagogia Empresarial, também, abordada em outros

momentos: “Já vi alguns concursos da Companhia Vale do Rio Doce, da Companhia

Siderúrgica do Tubarão dirigidos para PEDAGOGOS! Sempre senti curiosidade em saber: o

pedagogo vai atuar nessas empresas? É a área de gestão? Como ele vai trabalhar nessas

empresas?Tem uma Pedagogia especial ou é a Pedagogia normal?” Há pessoas que

trabalham em empresas, com os conhecimentos do curso de Pedagogia (escolar), mas existe

curso de Pedagogia Empresarial! Quem optar por trabalhar em empresa e não em escola, pode

fazer uma especialização ou procurar uma faculdade que ofereça a ênfase nessa área. São as

285

ênfases de que a legislação fala. A lista de ênfases é enorme! Cada curso oferece conforme

suas possibilidades. As alunas continuam a conversa: A: O acompanhamento da pesquisa e do Estágio nos faz ver as coisas e viver experiências que a gente

viveria como professora.

A: A gente tem que aprender AQUI e ir às escolas sempre, nem que faça estágio de graça!

A: A experiência que eu tenho com escola, como professora, não é nada! Eu estava AJUDANDO como

“amiga da escola” e entrei como segmento de pais no Conselho de Escola, quando a prefeitura criou o

Conselho de Escola. Fizemos reuniões, a gente visitava OUTRAS escolas POR NOSSA CONTA, não era

a prefeitura que mandava! Eram dois pais, mas a gente incentivava os suplentes para irem, não tinham

voto, mas acompanhavam. Isso é uma coisa que você vai levando experiência. Eu tenho experiência de

currículo. Como essa criança de oito anos que ameaçou o diretor, eu não estava na sala de aula, nem

diretora, nem pedagoga, mas eu estava presente no Conselho de Classe!

A preferência pela escolha de escolas no entorno da Universidade, para realizar estágio e

outras atividades de caráter teórico-prático, é uma atitude cômoda para todos, porque o

professor tem muitas atividades docentes, acompanha alunos em muitas escolas e quando é

perto facilita! Além disso, os discentes, também, preferem a proximidade ao campus, porque

almoçam no Restaurante Universitário, ficam para estudar na biblioteca, são monitores,

estagiários, participam de projetos de pesquisa, de extensão, vão para estágio não-curricular,

trabalham. Há uma série de fatores que constituem limites para essa expansão. As alunas

continuam enumerando experiências que gostariam de ter para ampliar os saberes e abranger

diferentes dimensões profissionais como propõe o PPC: Eu gostaria de ter, como já tive, essa experiência de aprofundar MUITO mais, porque eu não fiquei só na

escola, fui pro CAJUN, instituição que ajuda aquelas crianças que ficam pela rua. No CAJUN tem

videogame, em casa não tem brinquedo, não tem nada. O que vai fazer? Nada! Ou vai para a rua ou vai

para as drogas. Então o que eles fazem? A gente leva para o CAJUN, lá você é uma segunda mãe, porque

não tem só os que... É muita criança!

O questionamento da aluna mostra a realidade, porque a sociedade vai deixando morrer uma

série de outras atividades que parecem antiquadas, que estão fora de moda e que poderiam ser

trazidas à tona. E as crianças dizem: _ Ah, na minha casa não tem videogame, não posso

brincar. Mas e as brincadeiras infantis? A aluna complementa: “_ Aí está o segredo! A

criança não pode ficar na rua. As mães TÊM que sair para trabalhar porque têm que ajudar!

É a realidade! A maioria das mães ajuda a sustentar o lar!”. A essas crianças é endereçado o

currículo escolar, crianças que vivem diferentes e diversas realidades e é para trabalhar com

elas, também, que é endereçado o currículo de futuros-pedagogos. Assim, discentes relatam

286

outras situações limitantes e dificultadoras: “Vejo um pouco de dificuldade devido ao corre-

corre; a gente lê um texto na correria, sem poder aprofundar, fazer uma segunda leitura; a

professora falou que é preciso ler mais, ler as referências dadas”. Uma aluna estagia na

biblioteca e esclarece que, mesmo estando num “espaço de livros”, não consegue ler:

Sou estagiária de iniciação científica [...] sou monitora na biblioteca, fico lá, olho os livros e não consigo

ler, o tempo não dá. O contato que tenho na biblioteca dá uma oportunidade de conversar com quem

busca o livro: o graduando, o mestrando, o doutorando. O trabalho na biblioteca não é puramente

burocrático: às vezes um aluno do primeiro período pergunta se já fiz determinado trabalho e troco

idéias com ele; na biblioteca descubro novos livros e conhecimentos. Nos primeiros dias na biblioteca,

achei livros que no semestre anterior não consegui; eram livros que poderia ter usado [...]. Agora vi que

tem um monte de coisa, mas que a bibliotecária puxava no computador e não aparecia; às vezes até a

bibliotecária pensa que não tem. Na biblioteca setorial o aluno não tem acesso ao computador para

procurar livro. Pela manhã, os alunos procuram mais a biblioteca que à noite; fica lotada quando tem

trabalho para fazer. O acervo não atende às necessidades dos alunos, nem na biblioteca central, são

poucos volumes de cada livro. A bibliotecária reclama que não consegue organizar a biblioteca, fala da

necessidade de mais monitores, de fazer um mutirão para resolver de vez. Eu recorro mais à internet

para pesquisar; uso mais porque estou lá (na biblioteca), mas quem estagia não tem tempo. Fazendo

pesquisa dá para associar muita coisa com o currículo do curso.

Utopias

P13 retrata o desafio de ser professora: Eu acho que o que possibilita é o desejo, a vontade, o sonho. Toda pessoa que entra para ser educador na

realidade brasileira tem que ser idealista, ter um sonho, gostar porque ser educador no contexto em que

a gente vive nunca foi fácil. Hoje ainda está melhor! As motivações dos alunos são diversificadas. Tem

aquele que já está iniciando, talvez, por estágio e aí sente sede de conhecer mais; outro, talvez, por

idealismo mesmo, a mãe foi professora, a tia, a irmã, enfim... Tem aquele que não tem interesse, está aqui

porque quer o diploma. Acho que, infelizmente, eles trazem à tona dos debates, mais os limites do que as

possibilidades. Por exemplo, uma questão muito séria é a salarial...

Estágio A professora P14 fala sobre as normas institucionais de estágio não-curricular:

A UFES fez um contrato em relação a estágio. É o seguinte: os estagiários da Universidade só poderão

atuar como estagiários nas instituições numa carga horária de 4,30h. Isso para os nossos alunos é

maravilhoso, porque é maior tempo para eles estudarem, porque geralmente o estágio é de seis horas. A

Prefeitura Municipal de Vitória (PMV) tem contratado muitos da Universidade Federal e é contrato de

4,30h. Só que a prefeitura não atende toda a demanda. Então, às vezes, elas falam assim: _ Estou

perdendo o meu estágio porque as instituições particulares só contratam por seis horas, porque eu sou da

287

UFES não posso mais ter o meu estágio; então elas só podem ir para prefeitura. Falei (P14): _ Isso é

bom para vocês, mas é limitante. São possibilidades e limites...

Outras dificuldades

As participantes da pesquisa relatam dificuldades que são, algumas vezes, invisibilizadas, que

existem, mas por razões políticas, técnicas, sejam quais forem, são ignoradas e a sua

emergência e busca de superação, certamente, possibilitaria melhorias para o curso e seus

praticantes. Para o professor P9, [...] uma dificuldade seria a necessidade de ter uma diretriz, a falta de encontros pedagógicos. Outra é a

falta de carga horária para participação dos alunos em eventos, por exemplo, na Semana da Pedagogia,

muitos professores não vão dispensar os alunos para participar do evento que é organizado por eles

mesmos (no PPC há 200h destinadas a Atividades Complementares).

A questão da importância da leitura, citada em outro capítulo, é considerada como habilidade

básica para a aprendizagem no Ensino Superior. Sobre isso, P16 disse: Isso foi outra dificuldade que senti.

_ Ah, não vai dar tempo de eu ler! Elas fizeram uma crítica:

_ É muito texto que você está dando para a gente!

_ Tudo que estou falando tem um referencial e vocês vão ler! No início, quando elas não tinham nada

para me perguntar eu não tinha nada para falar. O grupo chocou!

_ Vocês leram o texto? Têm alguma coisa para pontuar? Então, está tranqüilo? Beleza! Elas olharam

para mim... Mas eu não vou dar uma aula, tem que partir das indagações, como que você recebeu esse

texto. Às vezes vão pontuar questões que eu não pontuei. Então, meu papel aqui é de comentar essas

discussões (risos). A primeira aula que trabalhei com texto: _ Não têm nada que perguntar, não tenho

nada para falar! Vamos seguir para o próximo conteúdo. Aí o grupo parou. (risos). E nas próximas aulas

começaram a entrar nos textos. Também vi que tinha que reduzir o ritmo, um pouco. Estava muito

acelerado para o grupo. O que eu percebo, por lidar com a linguagem escrita, com o texto, isso é um

dificultador também no trabalho com o grupo. Muitas vezes percebo que não é que elas não possam

elaborar determinadas coisas, elas não têm a familiaridade ainda com esse tipo de texto, e daí você

precisa ajudá-las, tipo: _ Como ler esse texto? Fui percebendo também, que às vezes eu dava um roteiro

para ajudar na leitura e compreensão do texto; essa dificuldade de lidar com a língua, percebo em

algumas alunas e em outras, também vejo coisas fantásticas.

Então, que formação para o mundo atual? Qual o papel da Universidade? O que ensinar e o

que aprender-para-ensinar? A professora P1 citou desafios do currículo que precisam ser

visibilizados e compreendidos para serem colocados em prática. Ela faz uma síntese dos

desafios de toda a nova estrutura curricular:

288

Eu acho que nós temos muitos desafios pela frente:

Desafios para viabilizar as Atividades Complementares, para registrarmos essas atividades, porque

temos hoje um currículo que vai possibilitar o aluno ter uma formação em 200 horas de atividades extra-

curriculares no sentido de ensino, pesquisa e extensão e outras atividades acadêmico-culturais. Na

realidade você vai ter que traduzir isso em horas para que seja incorporado ao histórico e ele tem um

acompanhamento disso, porque ele precisa cumprir essas 200 h. Então você tem desafios em relação aos

aspectos mais simples e aos mais complexos.

Tem o TCC que é outro desafio que está vindo por aí. Para essa situação, temos a entrada de 120

alunos/ano, o que significa dizer que se todo mundo resolver fazer um trabalho monográfico individual,

nós vamos ter que pensar nas nossas pernas: quem, aonde, como, de que maneira.

Tem o desafio hoje colocado de 400 h de Estágio.

Temos o desafio de transformar essa PEPP na prática, em algo que venha desde o início interligando o

aluno na teoria e na prática, para não ficar aquela formação que tinha 75% de teoria no início do curso

e só no fim a prática. Como o curso está indo para a sua metade de execução, estamos percebendo as

dificuldades desde o primeiro período e não estão sendo simples.

Dificuldades no entendimento da própria concepção desse currículo, no entendimento do envolvimento

desses professores, para que de fato a mudança não seja só no papel.

E aí você tem, por exemplo, outra dificuldade que é arrumar tempo para fazer essas discussões! Porque é

preciso reunir com esses professores, fazer essas discussões e avaliação.

Precisamos discutir o processo de avaliação desse curso pois, é uma questão, que envolve a formação

desse pedagogo e vamos ter que fazer essa discussão, internamente.

P1 continua sua exposição para esclarecer questões pontuais do currículo: São pontos, os ‘nós’, os mórbidos... (risos), pontos onde vão ficar mais evidentes a complexidade da ação

(visibilizados), porque eles vão exigir mais, um esforço maior de todo mundo... Por exemplo, o TCC,

Atividades Complementares, Estágio, essas disciplinas de Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica, o

envolvimento com os núcleos, com os nossos outros âmbitos de pesquisa, PPGE, etc. Então, eu vejo

assim, que a explicação dessa nova configuração formativa vai demandar da gente muitos desafios que

estão ainda no meio do caminho, porque os alunos começaram em 2006/01 e estão indo agora para o 5º

período (essa primeira turma conclui o curso em 2009/02). O currículo 681 (matutino) é de oito períodos

e o currículo 682 é de nove, que é o da noite. Então, na realidade estamos vivenciando 50% da 1ª turma

desse currículo que está na metade do percurso (à época da nossa conversa). Ainda é muita fragilidade

porque esses quatro períodos passaram num contexto muito peculiar do próprio centro: peculiar de

mudança, de entendimento de dois currículos simultâneos, dos alunos estarem entrando sem entender o

que é isso, sem conhecer a legislação, os outros que estavam no anterior sem entender que formação eles

tinham para onde eles vão, onde a formação do outro, o que é melhor, o que é pior e gera dúvidas,

insegurança. São tantas dúvidas nesse processo que essas turmas estão vivenciando e que nós ainda

estamos sob consulta no CNE! Temos dúvidas, até no currículo de 1995, no sentido de apostilamento, das

habilitações como ficam, etc. Então, tudo isso causou muita incerteza, teve um acréscimo de quase 700h

nesse currículo, diferença de carga horária maciça!

289

É preciso pensar na carga horária que passou de 2460 h para 3410 e o número de professores

que permanece o mesmo. P1 explica: Praticamente o mesmo e ainda tem esse susto (risos) que você pode ter um abatimento do quadro (risos) a

qualquer momento, porque você não sabe do amanhã. Nesse semestre estamos com esse quadro; no

próximo não sabemos qual teremos, embora tenhamos o reforço para formação continuada que estamos

aguardando retorno (risos). Então é uma dinâmica... Essas dificuldades todas estão sendo colocadas. E

tem outras, algumas filigranas assim, igual da investigação que estou fazendo. Por exemplo, não termos

mais a habilitação da Educação Especial. Espera-se que esse profissional, em termos de discurso de

inclusão, seja um profissional que consiga atender a todos. Seja por diferença de classe, sexo, social, seja

normal ou não, portador de alguma necessidade especial, se é da área urbana ou rural. Vou te dar um

exemplo bem concreto: hoje tem uma tematização de diversidade, de diferença, de sujeito, de homem, de

escola, de igualdade, que deveria estar perpassando todo esse currículo, uma vez que não vai ter um

dado momento na formação, para fazer essa dita discussão mais centralizada. Embora tenha alguns

indicativos pelo enunciado das disciplinas, que vai ter alguns momentos mais diretivos, onde estas

discussões vão estar mais centralizadas em outra unidade do conteúdo, por exemplo, vai acontecer com a

gestão, com a Educação Infantil (EI), anos iniciais, Educação de Jovens e Adultos (EJA), Educação

Especial (EE), etc. E aí, vai ter circunstâncias como estamos enfrentando aqui, por exemplo, se eu olho o

currículo e simplesmente for contar o que o enunciado de antemão me prescreve, eu diria, da EE vou ter

uma disciplina aqui... (consulta à grade curricular).

P1 continua enfática: ENTÃO EU POSSO TER UMA EMENTA MARAVILHOSA, UM PROGRAMA LINDO, UMA MUDANÇA

DE PROPOSTA, UMA NOVA CONCEPÇÃO DE MUNDO, UMA NOVA CONCEPÇÃO DE

SOCIEDADE, PARA PODER TRABALHAR (fala bem enfática), mas quem vai dar visibilidade, quem vai

dar cara, dar corpo a tudo isso são os nossos professores, os nossos alunos, na hora que tiverem com a

mão na massa. E se esse sujeito não estiver imbuído dessa nova percepção, vamos ficar nós aqui, com

vontade política, muita vontade de transformação (risos). Por isso é importante a questão da

possibilidade desses encontros digamos pedagógicos dos professores. Não só dos encontros pedagógicos,

mas do CE não perder a perspectiva da escuta do outro. Porque na realidade o momento do projeto

escrito foi um momento. Ele não pode ficar ali, congelado. Todos esses momentos que você está trazendo

aqui de discussão que eu faço com o meu grupo de pesquisa, que todos os outros professores estão

fazendo isso tem que virar numa ação concreta para retroalimentar esse documento aqui.

E a escuta vai ter que se dar não só dos professores, mas dos alunos, dos funcionários. Porque senão a

gente só fica mudando o discurso, mas na prática não muda nada.

As alunas explicam os desafios em relação à Educação Inclusiva: Outros desafios são os das práticas docentes; a formação em Educação Especial ficou superficial, mas

com a pesquisa vai dar para aprender mais, aprofundar mais os conhecimentos. Quando faz grupo focal

na pesquisa, a gente ouve outras pessoas, outros profissionais, experiências e enriquece e vê que ainda

290

há frustração em relação à educação inclusiva. Isso causa medo aqui (no CE) também, porque a gente

fica pensando em ter uma turma com trinta alunos e ter ali, alunos com necessidades especiais e a gente

ter que dar atenção a todos e não dar conta. Tem dois amigos nossos fazendo estágio e tiveram que

assumir a turma por um dia. Eu sonhei com isso: que eu assumia e fiquei desesperada. Ainda bem que

acordei. Acho um descompromisso dar a turma assim à gente! A pedagoga (da escola) não ajuda nada e

manda dar uma folha para pintar. Mesmo em escolas precárias, com salário baixo pode-se ter produção

de trabalho. Saí da instituição em que estagiava, porque via coisas que eu não concordava e não

conseguia conversar com a professora da classe para mudar.

Tantas experiências disponíveis, possíveis, como também, quantos limites, possibilidades,

dificuldades e desafios! Visibilizar tudo isso, implica valorização do trabalho realizado no

Centro de Educação, divulgação de suas pesquisas e realizações, atenção com aspectos que

estão ficando esquecidos nas fronteiras, nas margens e por isso, ignorados. Sua emergência,

certamente, ampliará em muito a atuação do centro e essa decisão passa pela Axiologia do

Cuidado.

Por uma Axiologia do Cuidado! A prática de cuidar de si [...] não constitui um exercício de solidão, mas sim uma verdadeira prática social, uma vez que é através dos cuidados que se têm com os outros e consigo mesmo, que há uma intensificação das relações sociais [...] Formar-se e cuidar-se são atividades solidárias (FOUCAULT, 1985, p. 43-73, apud EIZIRIK, 2005, p. 123).

Na dimensão ética do cuidado86, Eizirik (2005, p. 85) explica que “[...] a ética se coloca como

ponto estratégico nas relações entre as pessoas, assim como nas relações das pessoas consigo

mesmas”. Em consonância com o novo senso comum emancipatório, que implica um

conhecimento prudente para uma vida decente, “[...] o cuidado é caracterizado por sua

contribuição na promoção de uma vida decente, [...]” (BORGES, 2006, p. 16), portanto,

condição essencial para a produção de um novo conhecimento, de uma nova pedagogia. Na

sociologia das ausências, a Axiologia do Cuidado é exercida em relação às alternativas

86 Uma história que trata da “alegoria do cuidado”, tomada por Heidegger da Antigüidade (apud, EIZIRIK, 2005, p. 103): “Quando um dia o Cuidado atravessou um rio, viu ele terra em forma de barro; meditando, tomou uma parte dela e começou a dar-lhe forma. Enquanto medita sobre o que havia criado, aproximou-se Júpiter. O Cuidado lhe pede que dê espírito a essa figura esculpida em barro. Isso Júpiter lhe concede com prazer. Quando, no entanto, o Cuidado quis dar seu nome à figura, Júpiter o proibiu e exigiu que lhe fosse dado o seu nome. Enquanto o Cuidado e Júpiter discutiam sobre os nomes, levantou-se também a Terra e desejou que à figura fosse dado o seu nome, já que ela lhe tinha oferecido uma parte do seu corpo. Os conflitantes tomaram Saturno para juiz. Saturno pronunciou-lhes a seguinte sentença, aparentemente justa: “Tu, Júpiter, porque deste o espírito, receberás na sua morte o espírito; tu, Terra, porque lhe presenteaste o corpo, receberás o corpo. Mas, porque o Cuidado primeiro formou essa criatura, irá o cuidado possuí-la enquanto ela viver. Como, porém, há discordância sobre o nome, irá chamar-se homo (homem), já que é feito de húmus (terra)”.

291

disponíveis (experiências) e na sociologia das emergências, em relação às alternativas

possíveis (expectativas). Por piores, por mais desanimadoras que sejam as experiências

presentes na Educação, por exemplo, isso não impede que se tenha a ilusão de expectativas

promissoras. A sociologia das emergências busca a equilibrar experiências e expectativas, isto

é, expande o presente e reduz o futuro. Não são expectativas grandiosas e falsamente infinitas

como as da modernidade, mas expectativas legitimadas pela sociologia das emergências, por

isso são contextuais, isto é, definidas por possibilidades e capacidades concretas; são

expectativas que apontam para novos caminhos de emancipações sociais (SANTOS, 2006, p.

119). A sociologia das ausências e a sociologia das emergências propõem uma vigilância ética

sobre o desenrolar das possibilidades alimentadas pelas emoções, como ansiedade e

esperança, conforme se observa nas narrativas das alunas. Afinal, o descrédito das soluções

dadas aos problemas pela modernidade não desacreditam os problemas que ainda persistem

na Educação e na formação.

Segundo Santos (2006), é no presente que se cuida do futuro. Nesse sentido, a sociologia das

emergências substitui o vazio do futuro (Tudo ou Nada) por um futuro de possibilidades, que

se constrói no presente pelas atividades de cuidado. O conceito que orienta a sociologia das

emergências é o conceito de “Ainda-não” (de Ernest Bloch), que exprime o que existe como

tendência, um movimento latente, escondido, pronto para se manifestar. A sociologia das

emergências é o modo como o futuro se insere no presente e o aumenta, é consciência

emancipatória. Ela registra no presente uma possibilidade incerta, que não é neutra, pois pode

ser a possibilidade da utopia ou do fracasso (SANTOS, 2006, p. 116-7). Essa incerteza dilata

o presente e encolhe o futuro, tornando-o objeto de atenção. O “Ainda-não” tem sentido

(enquanto possibilidade), mas não tem direção definida (pode ser esperança ou desastre). O

“Não” (a carência), “o Nada e o Tudo” (a latência) “[...] iluminam emoções básicas como

fome ou carência, desespero ou aniquilação, confiança ou resgate [...] presentes no

inconformismo que move tanto a sociologia das ausências como a sociologia das

emergências” (idem, 2006, p. 118), para fortalecer ações coletivas de transformação social

que exigem, sempre, envolvimento emocional (entusiasmo ou indignação). De acordo com

Mendes (2003, p. 205), “[...] as emoções são modos de definição e de negociação das relações

sociais e da pessoa [...]”, cujo envolvimento realiza o equilíbrio entre a vontade de agir e os

obstáculos.

292

Promover uma boa formação é, pois, cuidar do futuro da Educação, da sociedade e da vida,

embora seja um futuro incerto, porém, a sociologia das emergências procura maximizar as

possibilidades de esperança de dar certo, para superar as possibilidades de frustração de dar

errado. Assim, a formação deve atuar com as possibilidades (potencialidades) e com as

capacidades (potências) do contexto e dos envolvidos. A tendência, o “Ainda-não”, não tem

uma direção certa, não é linear, por isso a sociologia das emergências substitui a idéia

mecânica de determinação (axiologia do progresso) pela idéia axiológica do cuidado.

Trabalhar com Educação, com formação, implica, assim, cuidar de si e cuidar dos outros, pois

“[...] toda ação social empreendida sem cuidado pode prejudicar não só o protagonista da

ação, mas também tudo e todos aqueles que estiverem ao seu redor” (BORGES, 2006, p. 13).

Esse cuidado deve estar voltado para cada um e para todos e se estender ao aluno, aos colegas,

ao professor-formador, ao contexto, às relações, às disciplinas, como explicitado a seguir nas

narratividades das participantes desta pesquisa.

Contraternização com alunos da Pedagogia

A professora P17 fala sobre o processo de socialização dos alunos, apresentação de

professores e respectivas ementas, sobre trabalho integrado, aspectos que são relacionados ao

cuidado: Olha, eu acho que (ter) atenção com as alunas, carinho, respeito como pessoa. [...] Escutar... Mas

cuidado, também, com as reivindicações porque tem muita gente que gosta de chutar o balde. Os alunos

que querem MANDAR! Eles não mandam, mas precisam ser ouvidos e saberem se fazer ouvir! Eu acho

que é uma coisa de ATITUDE que nós precisamos trabalhar, não sei em que disciplina, Didática,

Psicologia, nessa orientação. Nesse semestre, estou vendo no colegiado, uma semana de orientações,

palestras; acho que essa orientação do calouro e do próprio aluno... Já vi essa experiência: as aulas dos

veteranos começam num dia, veterano merece recepção, sem professor ainda, uma semana antes, levar

para o auditório e falar tudo de novo. Com alunos e professores.

Conforme P17 a recepção de alunos seria, assim, um processo de [...] socialização e de recordação de regras, deveres e direitos, um dia; no outro dia já começava a aula.

Ou o contrário: os calouros chegariam uma semana antes, onde ficaríamos por conta deles mesmo. O

calouro no primeiro período não tem Matemática, mas por que eu não posso estar lá numa manhã e falar

para eles que lá no quarto período vão ter Matemática, etc.?! Seria uma semana, três dias, sei lá, de

293

orientação com o calouro. Depois viriam os veteranos que também teriam um diazinho para eles: um

cafezinho da manhã, um lanchezinho à tarde e aí, no auditório, dar uma recordação; ganharíamos em

desempenho e em investimento do próprio aluno na sua formação.

Esse cuidado estende-se aos colegas professores e uma das formas é saber ouvir e prestigiar,

ou dar a conhecer o seu trabalho, segundo P17: Cada um vem falar um pouquinho da sua ementa. Eu não sei qual é a ementa do meu colega de Filosofia!

Se cada um vier falar, não é para ler: _ Ah, pega na internet... Você já fala com o seu coração e já dá o

que considera importante! Ajuda também na hora da matéria da gente, se tem alguma dúvida, você sabe

qual colega consultar, se precisa dele vir à sua sala, ele vem, faz uma palestrazinha para os alunos. Tem

que integrar mais! Acho que as disciplinas deveriam ser mais integradas! Poderia até fazer uma PROVA,

de tempos em tempos, uma vez no semestre que a gente construísse as questões integradas.

Portanto, nesse processo socializador, “[...] cada indivíduo encontra-se inserido em teias e

trajetórias de relações familiares, de trabalho, associativas, políticas e culturais que lhe

conferem uma posição, provisória e negociada, em uma hierarquia de credibilidade”

(MENDES, 2003, p. 205). Para a professora P16, o professor substituto precisa ser

visibilizado, recebido e integrado ao departamento, ao CE: Estou só há três meses aqui, sinto-me uma estrangeira, ainda. No próprio departamento participei de

uma única reunião, na semana passada e estava discutindo os encargos docentes. Parece que foi uma das

primeiras vezes que o professor substituto foi convidado; não tem direito a voto, mas ele está presente na

formação. O professor substituto, se não correr atrás, ele fica fora, não faz parte do CE!

A correria cotidiana permite que isso aconteça, embora o professor substituto, também, esteja

interferindo e contribuindo com a formação de futuros pedagogos e desempenhe um papel

importante no processo. Em sua passagem pelo centro, a professora P16 considera que as

relações precisam ser cuidadas e ganhar visibilidade: As relações que estabeleci foram mais com os alunos do que com os colegas profissionais, pelo fato de vir

dar aula e sair. As vezes que procurei outro colega, como aconteceu com uma disciplina que as alunas

falaram, procurei a professora e fui bem recebida. Isso foi agora no final, poderia ter sido antes e termos

trabalhado juntas. Essa é minha primeira experiência no ensino superior; tive uma disciplina numa

faculdade particular, [...] foi uma experiência isolada. E o mesmo sentimento foi aqui. Cinco turmas, tá?

Estava aqui uma boa parte do tempo, mas não tem momento para colocar o que eu fiz, fiz, o que não fiz.

Eu estou pedindo aos alunos uma avaliação do meu trabalho, mas ninguém está pedindo uma reflexão do

que eu faço.

294

Segundo essa professora (substituta), ela se sente solitária, não precisa dar satisfação a

ninguém do que faz, não é chamada a participar de nada, além do compromisso de dar suas

aulas! Seria falta de cuidado com quem chega e quer, precisa inserir-se neste contexto para

poder atuar?! Ou a dinâmica e sobrecarga de trabalho, ou até mesmo a desumanização das

relações invisibiliza e inviabiliza a necessidade de acolhimento a quem chega?! P16 continua: Autônoma! Qual é a proposta do curso de Pedagogia? Nas entrelinhas das falas das alunas, pelo que eu

estou vendo nas diversas disciplinas, pela ementa, você faz inferências, mas é uma coisa isolada, não é?

O que se propõe? Isso para mim foi frustrante, porque minha caminhada é na escola de Ensino

Fundamental, Ensino Médio, tenho caminhada grande, como supervisora. A tônica do trabalho que eu

fazia, até em direção mesmo, não era apenas burocrático, era refletir a proposta conjunta no coletivo

com o grupo, a tônica do estudo, da reflexão, o professor não é o fazer isolado na sala de aula. Discutir

isso na proposta de Didática era tranqüilo, mas discutir isso na parte de ser COERENTE, discurso e

prática, essa é uma das frustrações que eu tive. Aquele espaço, momento para discussão... É enxergar as

contradições e trabalhar sobre elas. Sou otimista, senão o que estaria fazendo na educação? Mas o

pessimismo foi o que marcou o MEU curso de Pedagogia, NESTE centro, na década de 70; formei em

dezembro de 80. Eu lembro que na época eu pensei: Por que me formei em educação?

Uma aluna enfatiza a necessidade de conhecer o contexto onde vai atuar e isto constitui,

também, um modo de cuidar de si, para ficar bem naquele lugar e cuidar do outro, para saber

lidar com os atores daquele contexto. A gente tem que VER o contexto em que a criança está inserida, o que ela precisa, se é só escola, é só

aprendizagem de escola? Vou muito pela brincadeira. Por quê? Você não vai dar só a matéria à criança;

ela pode em casa, passar a brincadeira para o irmãozinho, para outra criança, então eu brinco, porque

como prolifera a droga, pode proliferar coisa boa (risos) (A).

Outro aspecto destacado por uma discente refere-se ao conhecimento dos desejos e anseios

das graduandas como forma de cuidado, até para ajudar nas decisões profissionais. O

currículo anterior tinha como base a formação de professores do Ensino Fundamental e mais

uma habilitação, obrigatoriamente; o aluno faria outras, também, se quisesse. Agora a base

está em três eixos: docência, pesquisa, gestão, um tripé formativo. Entendo que, pelo texto do

PPC, os três estão em nível de igualdade, embora a docência seja considerada a base. Acho que uma coisa que tem que ser mais vista é qual a aptidão para a formação, porque eu não sei se eu

quero ficar na sala de aula e todos os professores nos tratam como professores em potencial e, eu não

sei, se eu quero fazer, porque esse curso não é isso. A gente vem com essa idéia, não é de... professorinha

das séries iniciais! Parece que pedagogia é (ser) professora! A.

Uma aluna expressa a importância de atitudes de cuidado que o professor-formador deve ter:

295

Hoje, eu estava conversando sobre isso, porque acho que a gente precisa aqui de mais professor tipo

Fulano. Por exemplo, a filosofia dele não é só pegar e sentar pau num texto e aquilo ali é o que vai nos

formar, viu? Ele traz vivências, bate-papo, de uma colocação, de uma ansiedade de uma aluna, ele traz

explicações, entendeu? Acho que falta isso, principalmente, no primeiro período. Acho que nessa

chegada nossa, que é tudo novo, uma passagem do estilo de um tipo de educação para outro, falta essa

mobilidade, essa liberdade em comunicar, em expressar, entendeu?

O discente sente-se invisibilizado, em um não-lugar e, para se socializar na Universidade,

necessita de apoio, ajuda e orientação. É importante visibilizar a realidade da escola e da

Universidade e escutar o que dizem ambas as partes. Há uma ilusão, um desconhecimento

dessa realidade, uma disparidade entre expectativa e experiência. Para adquirir a prática

docente e associar saberes acadêmicos com saberes da Escola Básica, da experiência docente,

conciliar horário para estudar, algumas alunas dizem que é preciso sacrifício delas e da

família. É o preço que você paga, às vezes deixar de sair com a família, ver seu trabalho pedagógico, onde você

está errando, escrever, comprar livros, chegar o final da semana, você não vai poder sair! Pegar o livro,

estudar, pesquisar, buscar outras formas, meios de trabalhar de outras maneiras com aquelas crianças.

Então, É O PREÇO QUE VOCÊ PAGA! (A).

Tentar ultrapassar fronteiras, aproximar saberes de diferentes disciplinas constituindo um

saber da formação e não um saber isolado, por exemplo, de Geografia, História, Alfabetização

ou de outra disciplina, são modos de cuidar da aprendizagem de futuros-professores. Segundo

P8, Esse é outro desafio porque quando aprovamos programas, nós podemos nos dedicar a conhecer as

interfaces entre esses programas. Então, às vezes, vira um objeto de buscas, de perguntas, de tentar

compreender, quando você elabora seu próprio trabalho, o seu próprio desenvolvimento de conhecimento

na sala de aula com seus alunos, por exemplo, na Matemática. Mas você não sabe se seu colega de

Matemática está fazendo e isso é um forte impedimento. Você poderá na retomada dessa nossa gravação,

ver três pontos a refazer isso daí; quando eu falava da felicidade das meninas de pertencerem ao quadro

da escola da 1ª a 4ª séries, porque elas ficam o tempo todo com os alunos e se responsabilizam por todas

as áreas de saber, eu já apontava a importância desse encontro, dessa fuga de limites e áreas, que na

verdade tentam apenas retratar a vida. A vida você não faz num corte entre vários conhecimentos; você

vive a vida e a Matemática, a História permeiam essa vida. Nesse primeiro momento você vê isso. Num

segundo momento, eu falava da transdisciplinaridade, da vontade que teríamos de fazer isso, mas que às

vezes somos impedidos de fazê-lo. E num terceiro momento, quando nos damos conta disso, dessa

impossibilidade. É preciso que professores e alunos fiquem atentos a isso porque me parece que são os

próprios alunos que costumam fazer essa costura entre o que aprendem nas várias áreas disciplinares. As

tentativas que nós, professores, fazemos são pessoais, elas não são uma postura institucional, não

296

abarcam o todo, são inserções pessoais com professores que de fato se preocupam com isso. E eu fico

olhando para as propostas de rearranjo do curso, como que no futuro isso vai se delinear, como a gente

vai ultrapassar essas barreiras. A gente tem visto aqui, por exemplo, entre nós, equipe de Geografia do

CE e a do curso, como é difícil e ao mesmo tempo como é fácil. É difícil quando não se começa e é fácil

quando se coloca em prática AS RELAÇÕES DE CONGRAÇAMENTO! E como os alunos reconhecem

isso!

Cuidado é, pois, uma dimensão ética das relações, que diz respeito ao saber, ao fazer, ao

poder, à emoção e rejeita a hegemonia dominante. Impulsiona para novas formas de viver e se

relacionar, refere-se à sobrevivência e é um modo de preparar o futuro pelo jeito de ser-saber-

fazer-poder aqui, hoje, agora. Promover uma boa formação de pedagogos implica cuidar no

tempo presente, do futuro dos alunos, do seu estudo, do seu trabalho, das relações que eles

vão estabelecer e do ensino que vão propiciar aos seus alunos na Escola Básica.

O acompanhamento da implementação do PPC, também, se constitui como uma atividade de

cuidado com o curso e com todos que o vivenciam, o que implica uma concepção de uma

Pedagogia do Cuidado, que aposta e cuida no-do processo formativo. Ao expressar sua

opinião em relação ao currículo novo, algumas professoras deixam escapar preocupações e

expectativas que se revestem de cuidado. Elas consideram que seria necessário sair da posição

de estabilidade para a instabilidade, deslocar pontos de vista, buscar novos modos de ser-

saber-fazer-poder a formação, provocar encontros, planejamentos coletivos, afetividades. As

docentes avaliam: Eu acho que a tendência é de ganhos, com algumas perdas, [...] O trabalho das comissões é

extremamente importante, [...]. Quero crer que alunos e professores [...] possam encontrar, futuramente,

desdobramentos interessantes (P8).

Na medida do possível, acho que o currículo está interessante e vai sendo construído e reconstruído no

processo. A gente tem a expectativa de contribuir de alguma forma para que ele atenda não só a UFES,

mas à formação de professores das alunas! (P18).

De acordo com a ecologia de saberes e práticas, é no presente que o centro deve fazer essa

construção-reformulação curricular, com base na sociologia das ausências e das emergências.

A professora P2 expressa seus sentimentos em relação à escritura do novo currículo: O primeiro sentimento é a dúvida. Acho que ele é muito genérico [...]. Acho impossível fazer essa

formação um pouco mais geral; eu diria que é até necessária, mas acho que termina sendo coisa demais

e a gente corre o risco de ser muito superficial e não aprofundar nem o básico e nem as especificidades.

Se pensar a minha área, de crianças com necessidades especiais... Eu fico pensando assim: _ Todos os

297

professores precisam ter o conhecimento mínimo básico, para dar conta de pensar os saberes e o seu

fazer com diferentes tipos de crianças. Mas existem especificidades, sim! (P2).

Essas especificidades da formação poderiam ser relacionadas com a razão proléptica, pois de

certo modo é adiado para o futuro, o que deveria ser feito no presente. Uma aluna considera

que “Muitos destes saberesfazeres desenvolvidos e trabalhados na academia estão presentes,

mas, no entanto, há, também, as ausências destas ciências no cotidiano escolar” (A). A

ecologia dos saberes e das práticas propõe que se faça agora, no presente, o que for preciso

para atualizar o curso e a formação. Seria melhor, então, assumir a formação de um pedagogo

generalista que em determinado momento do processo formativo da graduação faz escolhas

para orientar sua decisão na carreira?! Ou que caminho?!

Segundo a diretora do CE, este trabalha com poucos recursos em relação a outros e, mesmo

assim, cresceu na pesquisa, na extensão e na pós-graduação. São demandas frente a um

quadro de redução de profissionais, entre outras questões, que estariam dificultando o trabalho

coletivo, pensado, discutido, conforme depoimentos da maioria das professoras. Para ela, Entre a vontade do prescrito e o que vai acontecer tem muitas dessas condições. Para além do sistema há

a condição das pessoas que estão aqui fazendo esse currículo. Vai depender de nossa inserção nele, da

maneira como os professores estão encarando essa perspectiva, como agem, de como os alunos vão

entender essa nova titulação, esse novo percurso formativo. Na realidade vai exigir de todas as partes um

deslocamento.

A professora P1, também, destaca a questão relativa à prescrição e à realização curricular: O acontecer desse fazer também, compõe o currículo e ao pensarmos que entre o que está escrito e os

processos, muita coisa acontece, tanto que estamos investindo nas pesquisas de acompanhamento da

prática desse currículo, porque outras ações terão que ser incorporadas no prescrito anterior. [...] Na

verdade, a própria equipe está acompanhando a pesquisa, o que tinha sido uma proposta inicial. Quer

dizer, de certa maneira, cada um, ao olhar do seu ponto de vista teórico, vai estar retroalimentando esse

prescrito, porque ele vai ter que ser retomado, porque essas pesquisas vão retornar para o curso. A sua,

a minha, esse olhar todo que estamos fazendo, vai nos dar uma outra direção, porque ele não vai ficar

engessado, parado. Aí, é óbvio, que ele vai ter matizes comuns de percepções teóricas.

P2 admite que a elaboração, a implantação e o acompanhamento do novo currículo têm uma

contribuição teórica a acrescentar às demais pesquisas realizadas em outros contextos: É a possibilidade de produção do conhecimento sobre um Currículo em processo que está iniciando e que

tem uma contribuição que eu diria nacional, porque assim como você, outras pessoas estão olhando esse

currículo. Eu acho que formamos um corpo de conhecimento; é fundamental! Agora, um segundo olhar

que a gente não pode deixar de ter, enquanto responsabilidade séria e que você faz uma pesquisa, que

298

tem uma contribuição para esse momento atual de mudança, no processo de instalação do PPC. Acho

que é muito rico isso! E aí já tenho idéias mirabolantes, por exemplo, minha orientanda está tentando ver

como é que esse currículo antigo e o currículo novo possibilitam principalmente no novo, a formação

desse profissional que dá conta de pensar a diversidade dos alunos com necessidades especiais. Ela está

trabalhando aqui e acho que seria interessante, se um dia vocês duas se encontrarem e trocarem idéias.

Uma colega professora, também, está fazendo uma pesquisa de acompanhamento nessa mesma linha e

são trabalhos que não se sobrepõem. Acho que os três... vão numa linha que possibilita pensar esse curso

na atualidade.

As participantes deste estudo, assim como eu, ressaltam a importância do centro preocupar-se

com o acompanhamento do novo currículo. Os resultados das pesquisas complementam-se e

devem ser socializados e utilizados como dispositivos para a realização de possíveis

mudanças, se necessárias. Em decorrência de alterações realizadas na estrutura curricular, nos

departamentos, no curso em geral, algumas docentes, apresentam sugestões que acreditam,

poderiam enriquecer o novo currículo: Voltar ao sistema de créditos; soltar o currículo, principalmente, para o noturno; soltar o currículo

significa implementar em quatro anos, para quem dá conta e para quem não pode, organizar de modo

que não amarre; horário até meio-dia: quem não pode ter aula até as 12h, que tenha aquela disciplina

em dois dias; que a oferta seja diferenciada de modo que num semestre venha no primeiro horário,

noutro no segundo horário, com o cuidado de orientar o aluno; quem não pode ficar até as 12, faz a

disciplina cedo ou volta à noite, essa disciplina seria oferecida à noite, no semestre seguinte, para o

curso noturno (P2).

A professora P11 questiona o currículo e faz uma contra-proposta indicando uma base teórica,

que fortaleça a formação humanizadora. Seria assim, Uma perspectiva crítica da Educação, que não veja apenas a inserção do indivíduo no mundo do

trabalho, [...] que só se adapta às condições, mas ser o que Paulo Freire já colocava [...], a formação de

um indivíduo com consciência crítica, capaz de avaliar, analisar, de intervir. Não de interferir numa

perspectiva ingênua, mas com consciência das condições onde está inserido. O que não desmerece a

questão da própria sobrevivência. Eu não acredito nesse modelo de competências. [...] dentro da

perspectiva teórica que eu acredito, baseada nos princípios de Vigotsky, a gente aprende e, ao aprender,

se desenvolve. Essa seria uma perspectiva que trabalharia com o desenvolvimento das capacidades, que

vê o processo educativo como um trabalho [...] que vise o desenvolvimento das capacidades dos

indivíduos para atuarem aonde estiverem e sabendo avaliar. Não é um conceito de competência ou de

habilidade87 que vai dar isso...

87 No PPC/CE/UFES não aparece a palavra competência, só conhecimentos e habilidades (p. 21); são especificados três tipos de conhecimentos, mas não são relacionadas as habilidades.

299

Alunas dizem sobre o curso: A formação mais plena, sem a necessidade das habilitações, proporciona uma visão mais ampla da

atuação do curso, [...] (A).

[...] após a conclusão do curso, para me inserir na prática, terei que fazer especializações, para não me

sentir tão perdida no cotidiano escolar (A).

O curso de Pedagogia aqui na universidade precisa ter uma visão mais crítico-reflexiva sobre os dois

parâmetros: pedagogo docente e não-docente. Precisa “amarrar” os aportes teóricos à realidade da

educação básica deste país, à escola viva e não repleta apenas de ideais (A).

Portanto, nas narrativas docentes-discentes surgem disparidades entre expectativa/experiência,

como a observada por docentes-formadoras quanto à expectativa de que alunas, já

professoras, conheçam e saibam os conteúdos que ensinam nas séries iniciais, porém,

constata-se que muitas não os sabem. Outra expectativa é que, ao contrário do que uma

professora acredita, a matriz curricular não foi reduzida, mas ampliou sua abrangência quanto

à carga horária, número de disciplinas, áreas profissionais (ensino, pesquisa, gestão) quer

dizer, incluiu as habilitações antigas num só curso. Conforme o PPC (2006) as práticas

docentes devem ocorrer ao longo do curso, desde seu início e o dinamismo do Projeto

Pedagógico deve ser garantido pela organização de atividades acadêmicas variadas. Essas

atividades poderão ser consideradas como artefatos, produzidos no próprio curso, que

interferem na sua direção, na sua realização e na qualidade da formação oferecida-adquirida.

Entretanto, quando “[...] o discurso estético deixou de ser a representação do processo criador

para tornar-se um recurso complementar [...] no momento do consumo” (CANCLINI, 2003,

p. 64), as professoras-formadoras são desafiadas a encontrar alternativas, ante a realidade das

políticas públicas, da legislação, das instituições formativas e da Escola Básica. Parece, então,

que a Pedagogia para a Educação, como a Estética para a Arte, de certo modo, perdeu,

também, o sentido devido à pressão da sociedade do consumo, do mercado transglobalizado,

entre outros fatores. Como Canclini, Santos (2002) afirma que a racionalidade estético-

expressiva foi relegada pela modernidade; no entanto, considero que é possível e necessário

tornar visível a Estética como a Ética e a Política no novo currículo do curso de Pedagogia.

Outros aspectos relevantes

O PPC (2006, p. 16) na conceituação de currículo refere-se a atividades, disciplinas e

posturas, que devem ser trabalhadas na formação com vistas ao desenvolvimento das

300

dimensões pessoal, profissional e social, a ser fundamentadas na tríplice relação: domínio de

saberes, transformação de saberes e atuação ética. O que dizem as professoras? Uma coisa é o currículo prescrito e outra é o que acontece no cotidiano [...] (P).

O currículo é forjado, trabalhado no dia-a-dia, [...] (P).

[...] é um modelo de habilidades e competências [...] (P).

É um currículo pragmatista, [...] (P).

[...] está atendendo a uma exigência legal, [...] (P).

É um curso profissionalizante. [...] (P).

[...] me parece multifacetado, [...] (P).

A estrutura organizacional da matriz curricular continua disciplinar, embora a Lei de

Diretrizes (LDB) abra espaço para novas formas de organização do ensino. É constituída por

um núcleo de estudos básicos, que deve considerar a diversidade e a multiculturalidade da

sociedade brasileira; um núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos, voltado para

as áreas de atuação profissional priorizadas no projeto do curso; e um núcleo de estudos

integradores, para enriquecimento curricular (PPC, 2006, p. 24-6). Professoras disseram: “A

base é a docência, mas quais disciplinas traduzem essa base, que orientação, que

articulação, horizontal, vertical?”; “Quais são as disciplinas integradoras?”. A redução da

carga horária de disciplinas que tratam diretamente do conteúdo e da metodologia com que as

docentes irão trabalhar na Escola Básica tem sido motivo de preocupação: “Poderia ser um

curso de 10.000 horas que não daria conta”. Então, que currículo deve ser, o de formação de

professores (e o da Escola Básica?), de modo que docentes “preparem-se” para atuar nessa

realidade? Seria a abrangência excessiva do curso que está provocando essas reflexões que as

professoras fazem? Para algumas, no curso de Pedagogia, o ensino parece não ser a prioridade

conforme fragmentos de suas discursividades: O ensino está a reboque (P).

A gente prioriza a pesquisa, a produção acadêmica e qualquer outra coisa. O ENSINO é alguma coisa

que a gente faz no INTERVALO de TODAS AS OUTRAS (P).

Os efetivos, com TAN-TO encargo administrativo! A gente toma TAN-TO tempo se ocupando com

reunião e uma porção de coisa que a docência e o tempo do nosso planejamento ficam prejudicados (P).

Não tem essa parte pedagógica! (P).

Eu não sei se a nossa questão é o currículo ou se nosso problema é com o ENSINO. Porque nós fazemos

parte de uma instituição que NÃO PRIORIZA o ensino! (P).

Nesse novo projeto foram excluídas as habilitações, porém há possibilidades de direcionar o

ensino para “ênfases” na formação, conforme a realidade de cada curso: “Por conta das

301

habilitações temos Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, que parece que são

possibilidades para ênfase nesse momento”. Houve mudança ou uma simples troca de

habilitação por ênfase?! A articulação teoria e prática é prioridade: “Dizer que a teoria e a

prática precisam estar articuladas não convence! Convence se a gente conseguir articular!”,

ressalta uma professora. Alunas dizem: “A teoria vem, eles passam... Mas na hora que você

está na prática, É ALI QUE VOCÊ DESCOBRE (riso de alegria!) que muitas vezes saber por

saber não adianta”; “Só que no meu entender, esse nosso curso está levando a conhecimento

de ordem prática, fragmentado e sem aquela fundamentação”; “A teoria ajuda o seguinte:

quando você está vivendo aquele momento, dá tipo um estalo, um insight e você se lembra da

matéria”. Os objetivos, conteúdos e atividades desenvolvidos em “Pesquisa, Extensão e

Prática Pedagógica” devem ser coerentes com as demais disciplinas. O Estágio

Supervisionado do Curso de Pedagogia é um componente curricular considerado como um

tempo de aprendizagem, capaz de correlacionar o saber teórico com o saber-fazer da prática.

As docentes assim expressam suas maneiras de pensar: Enfim, é [...] importante para a aluna: juntar os saberes teóricos e os saberes práticos, [...] (P).

Que haja integração de saberes, que seja transdisciplinar [...] (P).

A maioria de nós, temos as tardes, que poderiam ser ocupadas, pelo menos duas tardes, pelo menos uma

por semana, para pensarmos juntos! (P).

Deveria haver [...] integração de professores visando ATITUDE próxima, [...] (P).

[...] integrar disciplinas mais teóricas com disciplinas mais práticas, [...]: era um departamento

eminentemente teórico, o outro eminentemente prático... (P).

Só da gente se reagrupar de uma maneira diferente, haverá forçosamente, quer queiramos ou não, uma

oxigenação das nossas práticas e dos nossos saberes (P).

Acho que há uma carga excessiva de prática nesse currículo, [...] (P).

Toda disciplina tem que fazer essa relação entre o conteúdo e a prática, [...] (P).

[...] possibilitar a ida dos nossos alunos à escola, ao campo onde vão atuar, isto está fortemente colocado

no nosso currículo (P).

[...] E aí, nessas visitas estabelece-se um laço novo de contato real entre Universidade e Escola (P).

A totalidade das docentes admite a necessidade de integração intra-inter-transdisciplinar.

Outra concepção, assumida por todas, é a imprescindibilidade de se manter uma relação

contínua, permanente com a escola onde futuros-pedagogos irão atuar. Uma docente afirma:

“Tem muita coisa para avançar no processo educacional para provocar a aproximação

desses sujeitos professores das licenciaturas e pedagogos no cotidiano da escola”. As alunas

dizem:

302

Nós fizemos visita à escola, [...] tem ajudado muito a olhar com outros olhos [...]. Fizemos duas visitas à

escola na disciplina Pesquisa e Prática III. No outro dia, a gente estava eufórica porque tinha ido à

escola. Por que fico assim? (A).

Tenho vontade de estar naquele lugar; a gente achava o máximo, tudo o que acontecia lá. A coisa mais

interessante é quando você integra a teoria a prática na prática (A).

É quando ALI, na vivência da sala de aula a gente consegue proporcionar situações que eu não consigo

resolver se não for á luz da teoria (A).

[...] Lá, já trabalha com isso e aqui a gente estuda. Lá vê a prática e aqui a teoria, então uma coisa

completou a outra (A).

Depois que entrei no estágio não curricular, [...] deu pra perceber melhor o curso, dentro da concepção

das teorias (A).

Nem sempre a percepção que futuras-professoras tiveram da escola, com olhar diferente do

olhar de alunas, foi das mais agradáveis ou esperadas. Uma aluna assim se expressou: “Ah,

não foi boa [...] Reunião de pais é um HORROR! Só faltam bater nos professores, [...]”. As

docentes falam sobre essa integração entre disciplinas, conteúdos e com a escola: Isso quem tem feito são os alunos; infelizmente os professores não têm feito. Eu, como professora

substituta, talvez tenha mais dificuldade, [...] (P).

Eu já falei da articulação que os alunos fazem com as outras disciplinas e a relação que fazem com as

escolas do Ensino Fundamental [...] (P).

Eu tenho uma expectativa de que, talvez, se todos nós percebermos essa (necessidade de) integração

maior entre as disciplinas, a gente também vá ao encontro do outro (P).

[...] Acho um pouco paradoxal a gente ter um currículo que está tentando uma integração e ter uma

organização didático-administrativa por departamento ainda [...]. Eu não tenho relação com as demais

disciplinas. Essa é uma dificuldade que tenho aqui pela própria estrutura da Universidade, do Centro

(P).

[...] não existe uma organização que propicie aos professores deste Centro (de Educação), pelo menos é

o que eu senti, discutirem (suas práticas) (P).

Há uma compreensão generalizada de que o Colegiado do curso tem um papel fundamental na

realização curricular cotidiana, em todos os aspectos, praticamente. No entanto, essa

responsabilidade deve perpassar toda a comunidade educativa, numa perspectiva de

compartilhamento, como numa ecologia de saberes e de práticas, por meio de um contínuo

processo de tradução, de artesania das práticas e pela Pedagogia da Aposta e do Cuidado.

Tudo isso, a partir do trabalho permanente de escavação de saberes e práticas, feito pelas

sociologias das ausências e das emergências. Assim, docentes posicionam-se:

303

A parte pedagógica não é assim uma marca que alguém cuida. Ela tem dimensões. O que a gente tem

feito no colegiado é dividir responsabilidades (P).

A coordenação do colegiado não pode ser uma instância puramente burocrática e técnica; também é

definidora da criação e da articulação desses espaços pedagógicos e não pode funcionar apenas numa

dimensão administrativa e burocrática (P).

[...] a coordenação do curso é extremamente importante para definir ênfases, para agregar e congregar

os diferentes profissionais e também formar a construção da identidade desse profissional, que está em

diferentes departamentos. E aí o colegiado está conseguindo fazer agora (P).

Hoje o colegiado se tornou uma instância burocrática, como se tornaram as reuniões de departamento,

de câmara de graduação, [...] (P).

Está claro para docentes e discentes, nas análises realizadas, que mudou o perfil das alunas do

curso de Pedagogia. Sobre essa mudança as discentes assim se expressam:

Acredito que sair do segundo grau para a faculdade é uma transformação muito forte [...] (A).

No 1º período a pessoa fica meio que apavorada! É o mesmo pânico que estar mudando de escola, de

realidade, de ares; você está saindo de um lugar que convivia com crianças e adolescentes para passar

para um mundo totalmente adulto! É um CHOQUE! (A).

E você chega aqui com medos, receios, apavorada. E o que acontece? Você recebe um monte de

informações que não assimila, olha um monte de siglas que não faz a mínima idéia do que significam,

sabe mal, mal o que significa o seu nome (A).

_ Puxa vida, eu poderia ter aprendido na quarta série assim! Se alguém tivesse me ensinado assim eu

teria aprendido! (A).

A percepção que tenho da turma de primeiro período (2007/02) é que ainda (as alunas) estão muito

segundo grau (A).

A palavra trote também parece que vem carregada de um monte de mito (A).

No primeiro período os professores não deveriam bombardear com conteúdo, mas procurar saber os

medos, os anseios e como trabalhar aquilo em favor (do ensino e da aprendizagem) para aplicar a

matéria (A).

Seminário no Auditório – CE

304

Em contrapartida as docentes posicionam-se, nem sempre, em concordância com as discentes:

Eu não estou satisfeita com o desempenho desses alunos ao final do curso [...] (P).

Se a futura-professora não sabe o conteúdo, como vai ensinar? (P).

Você pergunta a mesma coisa e as alunas não escutam [...] (P).

Com essa mudança de perfil, de serem mais novos, pedem uma direção, é impressionante! (P).

São alunos que precisam de acompanhamento, assistência, orientação [...] (P).

Fica difícil para eles viverem a vida da Universidade porque vêm para cá cedinho, vêm de longe, para

ficar até meio-dia (P).

Eles não escutam, têm dificuldade na leitura, ler não é uma prática (P).

Tem a dificuldade da escrita que é da grande maioria (P).

O perfil do aluno mudou, ele não conhece (a escola); porque antes ele já trabalhava, já conhecia (P).

[...] o desempenho matemático continua baixo [...] (P).

O tempo do aluno é reduzido (P).

Há uma cisão clara, evidente dos mais velhos e dos mais novos, dos adultos e dos mais jovens, eles não se

integram (P).

O nosso aluno de Pedagogia só sabe a matéria do nível da série que vai ensinar, ou seja, se eu trabalho

só até 2ª série, não preciso saber fazer conta com decimais, porque eu só vou ensinar mesmo, divisão de

números inteiros (P).

Eu acredito que a maioria das alunas vem de um nível médio, de um cursinho e são acostumadas a

decorar e fazer, decorar e fazer (P).

Elas estão conseguindo acompanhar esse movimento do que o profissional tem feito na escola (P).

Alunas dizem o que pensam sobre professores-formadores:

Os professores sempre retomam a matéria que estudamos em outro período (A).

_ Ah, professora, você traz tanta coisa! (A).

O professor se limita a texto e fala, e isso cansa (A).

Os professores acabam culpando os alunos dizendo que eles não têm interesse (A).

A turma responde de acordo com cada professor (A).

Então, os professores daqui ainda estão pensando como no curso antigo! Na realidade acho que 90%

deles não têm clareza, [...] (A).

Professoras assim se expressam sobre as relações que se estabelecem: A gente acredita muito que eles vão fazer coisas que NÓS NÃO CONSEGUIMOS fazer com eles! [...] ir

para a sala de aula falando a mesma língua, [...] fazer na aula a relação com a disciplina de outro

professor, aquilo EXATAMENTE que a gente está RECOMENDANDO QUE FAÇAM e NÓS NÃO

DAMOS CONTA DE FAZER! (P).

305

Acho que a gente tem [...] de sensibilizar os professores, de ajudá-los a se preparar. Na área de

Educação Especial [...], pensar situações de contato maior com os professores de todas as disciplinas e

não só da área de Educação Especial. [...] (P).

Acho que nós substitutos, somos relegados a nada, aqui dentro da Universidade. Eu fico perdida, às vezes

querendo discutir as coisas... Sinto o DESEJO do coletivo, gosto de trabalhar coletivamente. A gente

propõe (aos futuros-pedagogos) e aqui dentro não faz (entre professores) (P).

No CE ocorrem parcerias com núcleos que se constituem como auxiliares no processo de

ensino-aprendizagem e contribuem para a realização curricular, para a produção de saberes-

fazeres-poderes, para a formação de pedagogos, para gerar outros modos de ensinar-aprender.

Em relação à gestão administrativa, participantes disseram: “Eu acho que o grande problema

da UFES é gestão, faltam gestores”; “Eu acho que (melhorou) sim, no que tange à

administração”; “Há desorganização nos departamentos para orientar os professores”.

Observa-se assim, que o currículo está sendo produzido dia-a-dia, como numa comunidade

interpretativa, deslocando centros e fronteiras, valorizando saberes, vivenciando facilidades e

dificuldades, produzindo uma formação de caráter emancipatório. As contradições presentes

nas narrações são entendidas como parte do arsenal de saberes, experiências, culturas que

atravessam e são atravessados nessa feitura compartilhada, esclarecidas por uma

inteligibilidade sustentada no cuidado e na aposta de que a Educação pode-deve-precisa dar

certo, porque o mundo depende dela para ser solidário e feliz.

Considerações finais: por uma Pedagogia da Aposta!

Da douta ignorância, ecologia dos saberes e aposta não emerge um tipo de emancipação social, [...]. Emerge tão somente a razoabilidade e a vontade de luta por um mundo melhor e uma sociedade mais justa, um conjunto de saberes e de cálculos precários animados por exigências éticas e por necessidades vitais (SANTOS, 2008, p. 40).

Este estudo possibilitou cartografar a produção cotidiana de saberes-fazeres-poderes da

formação docente. O mapa curricular indica que os conteúdos e os modos de ensinar-

aprender-a-ensinar devem ser direcionados para a docência, a gestão e a pesquisa, eixos

formativos do pedagogo (PPC). Assim, o cuidado e as paixões das apostas devem resultar na

produção de saberes-fazeres-poderes “encantados”, emancipatórios, que implica a

proliferação de subjetividades obstinadas construídas a partir das metáforas: fronteira, barroco

306

e sul. Essa produção decorre da participação de todos: professores, alunos, funcionários,

instituições, sociedade, como numa comunidade interpretativa.

Nessa perspectiva, as práticas sociais de produção de conhecimento significam questionar,

respeitar e procurar conhecer aquilo que não se conhece, aprender aquilo que não se sabe e,

nessa dinâmica, produzir conhecimentos novos na base de um “[...] reconhecimento do que

não se sabe e do que se pode aprender de novo na relação com esses novos objectos (Santos,

1989)” (SANTOS, 2006, 149), conforme estabelece a douta ignorância. Um aspecto

importante, neste estudo, foi perceber a necessidade de ampliar a discussão da formação e da

Educação para além do espaço doméstico, de modo a alcançar outros espaços sociais, pois,

afinal, os problemas educacionais não dizem respeito somente à escola, mas a toda a

sociedade e, como esta, [...] a escola vive uma dupla crise: de regulação, porque não cumpre eficazmente o seu papel de integração social; de emancipação, porque não produz a mobilidade social aguardada por diversas camadas sociais para quem a freqüência de um curso constituía a melhor “ferramenta” que podiam legar aos seus filhos (TEODORO, 2003, p. 18-9).

As narrativas docentes revelam um currículo com as seguintes características: multifacetado,

generalista, base na tríade (docência, gestão e pesquisa), flexibibilidade, modelo de

competências e habilidades, integração teoria e prática, aproximação com a escola, inclusão

de disciplinas Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica (PEPP), disciplinas integradoras,

carga horária excessiva, matriz curricular extensa, abrangência excessiva a diferentes

dimensões do trabalho educativo. Outros aspectos curriculares destacados foram a redução da

carga horária que dificulta a viabilização de disciplinas como Ciências e Artes, a sugestão de

voltar ao sistema de créditos, o contrasenso de o curso priorizar a docência, incluindo na carga

horária maior número de disciplinas nesse eixo e desprestigiar o eixo da gestão (poucas

disciplinas voltadas para a gestão: supervisão, orientação, direção, que deveria abranger toda a

Escola Básica, o Ensino Médio e até o Superior, uma vez que o pedagogo não-docente pode

atuar em todos esses níveis de ensino), muito conteúdo para ensinar em pouco tempo, o papel

do colegiado como articulador das políticas e das pesquisas de acompanhamento, a falta de

oportunidade de professores discutirem suas práticas, questões relativas ao tempo e à

autonomia.

Algumas docentes consideram que houve esforço para realização de um trabalho

compartilhado como numa comunidade interpretativa. A reestruturação do centro,

307

simultaneamente, à implantação do currículo, também, parece ter sido positiva, porque

propiciou novas formas de organização grupal, mais coerentes com as áreas de atuação dos

docentes de cada departamento; propiciou, ainda, o estreitamento ou a possibilidade de

criação de laços afetivos e profissionais. Outro aspecto importante foi considerar na

elaboração do currículo, toda a trajetória do curso, as posições das entidades representativas e

o anseio do próprio centro, apesar de discordâncias em alguns aspectos, o importante está na

continuidade do processo de discussão e acompanhamento da implementação, ou seja, no

procedimento de ecologia de saberes e de práticas.

No decorrer deste estudo, após a realização da pesquisa, algumas mudanças foram

acontecendo como em relação ao horário. Também, a professora de Ciências levou-me feliz,

para conhecer o espaço que conseguiu para montar a sala ambiente para Ciências e

Matemática. Chegaram computadores para todas as salas de estudo de professores. Essas são

mudanças positivas que indicam o caráter processual da realização curricular, aquilo que eu

dizia no primeiro capítulo, que um currículo é passível de dobra-desdobra-redobra, porque é

plástico, flexível, processual. A intra-inter-transdisciplinaridade revela-se como uma

necessidade para que o currículo tenha o caráter solidário a que se propõe. Certamente, que

muitas outras alterações já devem ter ocorrido nesse espaçotempo, porém me é, impossível,

continuar esse acompanhamento, agora, porque tenho prazo de término desta tese.

Parece, ainda, que não havia, à época da realização da pesquisa, muita clareza por parte de

algumas docentes, quanto ao endereçamento desse currículo escrito (jovem proveniente do

Ensino Médio acadêmico e não mais docentes da Escola Básica, embora já percebessem

mudanças no seu perfil) e a compreensão do profissional que objetiva formar (pedagogo

docente e não-docente, para atuar em ambiente escolar e não-escolar). Algumas professoras

ressaltaram que não houve um preparo dos professores-formadores para a realização do

currículo novo, além disso, há mudanças freqüentes de professores substitutos que não

participaram do processo elaborativo e, muitas vezes, nem conhecem o Projeto Pedagógico de

Curso (PPC). Para algumas alunas, há docentes que ainda trabalham focando o ensino nas

séries iniciais do Ensino Fundamental sem fazer alusão às demais dimensões. A professora P4

lembra que a feitura curricular depende da compreensão que professores-formadores tiverem

acerca do que é proposto pelo PPC. Todas docentes concordam com a necessidade de

integração, de reuniões pedagógicas, de planejamento, de trabalho compartilhado. Mediante

as questões apresentadas, acredito que, com a conclusão da primeira turma (2009/02), muitas

308

das incertezas, certamente, foram superadas e é possível que outras tenham surgido, porque a

realização é processual, é um permanente trabalho de tradução e de artesania, uma

permanente Pedagogia da Aposta e do Cuidado, pois não se submete ao pensamento

ortopédico nem à razão indolente. Assim, a possibilidade faz o movimento do curso e nesse

processo se entrecruzaram-entrecruzam os três momentos: a carência (de reuniões, de espaço,

de recursos, etc.), a tendência (potências e potencialidades no fazer cotidiano) e a latência

(nada ou tudo, o que foi feito e o que está por vir).

As alunas, também, à época da pesquisa, não demonstravam segurança e conhecimento acerca

do currículo escrito a elas endereçado, nem quanto ao conteúdo, ao profissional a ser formado

e suas possibilidades de atuação. Em ambos os casos, docentes e discentes (representação

discente), houve, participação na elaboração, fóruns para discussão, recebimento, em reunião,

de síntese do projeto (PPC), por parte de todos os alunos calouros. Ainda assim, continuam

dúvidas, que acho, sejam comuns em toda situação de mudança. À proporção que algumas são

resolvidas, outras surgem, porque é processo e o currículo é feito no caminhar: há uma

proposta escrita, mas a realização depende dos atores, dos contextos, dos espaços-tempos,

condições, vontades, sonhos, etc. Porém, os professores vêem-se assoberbados de tarefas que

não se resumem a trabalhos docentes, mas, também, de ordem administrativa. As discentes

sentem-se encurraladas entre seus sonhos-anseios-dúvidas, pressão social e desafios da

Universidade, e se mantêm, em grande parte, em um não-lugar no contexto universitário. Nem

todas assumem seu lugar na Universidade, passam por ela, correndo como o vento; não a

conhecem, nem as possibilidades que ela lhes pode oferecer. Para elas é um momento de

transição da Escola Básica para a Universidade que lhes provoca medos, mitos e choques dos

quais têm consciência e vão superando aos poucos (ou não).

O curso de Pedagogia visa, pois, à formação de um profissional para o exercício integrado e

indissociável da docência, da gestão dos processos educativos escolares e não-escolares e da

pesquisa. Seria a formação de um profissional que conheça-exercite a prática docente e a

gestão; que seja um pedagogo-pesquisador, que saiba formar pesquisadores, que tenha

condições de fazer intervenção pedagógica nas práticas sociais fora do espaço escolar, que

trabalhe com educação inclusiva e tenha o domínio das tecnologias de informação e

comunicação para utilização no processo educativo. Essa concepção de formação é

atravessada pela minha preocupação e a de muitos docentes e discentes, sobre as

309

possibilidades de o processo formativo não ser capaz de “dar conta” de tamanha abrangência!.

Sobre isso as professoras assim se expressam nesses fragmentos de falas: É o modelo de formação generalista que perpassa a política do MEC: ter o profissional generalista que

depois vai buscar suas especializações em nível de pós-graduação. [...] (P).

[...] a proposta é que seja um pedagogo, não bacharelado, mas formado na licenciatura, então ele é

docente, é professor não só do ambiente escolar (P).

É um profissional que tenha possibilidade de uma variação de atuação, [...] (P).

No processo formativo, de acordo com a proposta curricular, torna-se imprescindível atuar

com o princípio da comunidade (pilar da regulação) e a racionalidade estético-expressiva

(emancipação social), além da racionalidade moral-prática. Para isso, faz-se necessário cuidar

da formação com o uso de procedimentos das sociologias das ausências e das emergências

para dilatar o presente e contrair o futuro, associados à tradução e artesania das práticas, aos

procedimentos da ecologia de saberes e de práticas, incluindo ainda, a douta ignorância e a

Pedagogia da Aposta. É a formação de um profissional crítico, criativo, ético, reflexivo,

investigador, participativo (PPC, 2006), que acredito, busque a produção inventiva de um

novo saber-fazer-poder solidário. Trabalhar a formação docente considerando as ecologias

permite vislumbrar modos humanos, emancipatórios, utopísticos de ensinar-aprender-para-

ensinar, como também, a seleção e a compreensão de conteúdos disponíveis e possíveis

necessários à formação de pedagogos docentes e não-docentes, num contexto de transição

paradigmática, em que se busca “um conhecimento prudente para uma vida decente”.

Os modos de ensinar das docentes revelaram-se criativos, críticos, reflexivos, compartilhados,

plurais, associados a uma verdadeira artesania das práticas. Embora, algumas professoras

destaquem dificuldades de acesso ao datashow, outras reclamem sobre a necessidade de

mudanças no uso da sala informática, de maior visibilização de núcleos, atualização do acervo

da biblioteca setorial e, ainda, ressaltem a importância da leitura no ensino universitário. Entre

os modos de ensinar-aprender materializados em estratégias, táticas e artefatos que emergiram

nas narrativas das professoras-formadoras, relaciono: apresentação de diferentes posições

teóricas acerca de um mesmo tema, suscitação do desejo de ensinar-aprender nas alunas, uso

de linguagem adequada, consideração do contexto em que o aluno vai atuar e como vai usar

esse espaço, integração teoria e prática, contribuições de outras disciplinas, boa relação

interpessoal e afetividade, apresentação de exemplos cotidianos da escola, dos alunos, dos

outros colegas, valorização do saber discente, desenvolvimento do conhecimento científico,

310

ensino a partir do cotidiano e do conhecimento do aluno, descoberta do “simples”, promoção

de atitude investigativa, diálogo com a pós-graduação, discussão a partir das demais

disciplinas e de relatos das alunas, incentivo à prática de leitura-escrita, compartilhamento de

conhecimentos, reflexão sobre práticas docentes usuais na sala de aula de crianças, vivência

da sala de aula, desenvolvimento de habilidades e saberes básicos para todas as disciplinas

(observação, problematização, levantamento de hipóteses, aquisição de habilidades

manipulativas), trabalho com conteúdo e metodologia, clareza de objetivos, formas de

organização da atividade docente, atividades seqüenciais, objetivos, conteúdos, metodologia e

avaliação.

Continuando a exposição de modos de ensinar, que enriquecem as aulas e contribuem para a

aprendizagem das alunas, relaciono outras, também, pinçadas das narrativas docentes:

memorial e ciranda de leitura, uso de poesia, biografia, falar-escrever memórias da

alfabetização, roteiro de leitura, discussão de textos, promoção de oficinas, visitas formativas,

trabalho em grupo, preparação e apresentação de temas com uso de artefatos, simulação de

situações cotidianas, resolução de problemas concretos, explicação teórica e uso de modelo

científico, produção de conhecimento metodológico, problematização da construção de

modelos, transmissão do conhecimento; pesquisa, aulas expositivas com discussão, filmes,

textos, exemplos e modelos, realização de entrevistas com professor alfabetizador, leitura e

trabalho com vários autores, trabalho de campo, realização de parcerias com núcleos de

ensino e outras entidades educativas da sociedade, exposição oral, diálogo, exploração

didática, trabalho com projetos.

Esse trabalho docente-discente é valorizado pela associação, a uma multiplicidade de

artefatos, muitos já citados, anteriormente, como: modelo de kit, reália, quadro de giz,

cartazes, figuras para flanelógrafo, TV, datashow, computador, globo, lanterna, lâmpada,

flanelógrafo, imantógrafo, rádio, gravador, retroprojetor, transparências, gravuras, CDs,

documentário, trabalho com texto, roteiro, filmes, tecnologia da informação, construção de

modelo científico, espaços diversos como campus, mangue, mata, Escolas de Ciências da

Prefeitura, Escola de Ciência Física, Escola de Ciência de Biologia, a Praça da Ciência,

planetário, material do laboratório, material didático diversificado, utilização da internet, e-

mail, cinema, literatura, leitura em casa e debate aberto em sala de aula, uso de biblioteca.

311

Algumas alunas fizeram referências a “visitas à escola, vivência na rotina escolar, trabalho

voluntário, estudo sobre a criança”. Há um paradoxo entre as percepções das alunas acerca

dos modos de ensinar-aprender dos quais participam: para algumas, os docentes são atuantes,

entusiasmados, exigentes, propiciam situações criativas, críticas, inovadoras, diversificadas,

que provocam o pensamento, o desejo, a vontade de estudar, de aprender, de ir à escola

básica; usam artefatos diversos, dão exemplos e valorizam a experiência dos discentes. Para

outras, alguns docentes deixam a desejar quanto à motivação e ao interesse, utilizam muitos

textos, “[...] é texto, texto, trabalho, seminário, texto, prova, texto, aula expositiva” e

consideram os alunos desinteressados.

Pude observar em apresentações de trabalho de alunos, uma série de aprendizagens além de

conteúdos teóricos de cada disciplina, importantes para o desempenho docente, que são

adquiridas no cotidiano formativo. Eles aprendem e demonstram a importância e a

necessidade de planejar bem as aulas e selecionar recursos com antecedência, ou seja,

preparar-se para realizar o trabalho docente. Além do conteúdo específico de cada assunto,

ocorrem aprendizagens advindas dos modos de realização didático-pedagógicos, nas parcerias

e orientações entre docentes-formadoras-e-alunas e nas orientações dadas-recebidas-trocadas.

Muitas aprendizagens decorrem dos modos de realização da disciplina: inserção na prática de

pesquisa, relação com a escola, comunicação, linguagem oral, ampliar o olhar sobre a escola,

elaborar material didático para apresentação, produzir texto acadêmico, usar artefatos

(datashow, revistas), conversas com grupos, observações, superar tensão e medo de falar em

público, aprimorar a expressão oral, coordenação das idéias, clareza na exposição, idéias

seqüenciais, postura, gestual na exposição oral, argumentação, trabalhar em grupo,

compreensão dos processos realizados na Escola e na Universidade. São estratégias, táticas e

artefatos inventivos utilizados na produção de saberes-fazeres-poderes do curso de Pedagogia.

Esses saberes-fazeres-poderes são atravessados pelas dimensões ética, estética e política,

aliadas à cognição que os sustenta, como também, pelo trabalho com a pesquisa que produz

saberes específicos, metodológicos, relacionais, pedagógicos. A brasilização poderia ser uma

estratégia de trabalho que perspectiva a emancipação; seria a possibilidade de deslocar para a

renovação epistemológica e para a política do conhecimento, as experiências das sociedades

do Sul que apontam horizontes de solidariedade. Essa atitude não significa desprezar o saber

advindo do Norte, mas dele (re)significar o que for considerado viável para o contexto do Sul,

em que este estudo está inserido. O conhecimento emergente nesse processo caracteriza-se

312

por uma constelação de saberes, práticas, racionalidades, experiências e formas de expressão

que configuram um novo senso comum (NUNES, 2003, p. 329). Trabalhar sempre na

fronteira, enfrentando riscos, inseguranças, descolonizar a Educação, considerar a presença de

experiências disponíveis e possíveis que não podem ser desperdiçadas, superar limites e

aproveitar possibilidades, minimizar a distância entre os saberes acadêmicos e os saberes da

Escola Básica, bem como, a utilização da epistemologia da douta ignorância nesse processo

de comparar saberes, proposto pela ecologia de saberes e práticas, parecem constituir

caminhos para a continuidade da realização curricular.

Assim, após o percurso cartográfico que empreendi para visualizar-produzir o conteúdo deste

estudo, ratifico, aqui, a esperança, o sonho utópico de uma Educação emancipatória em todos

os níveis de ensino, que seja impregnada de esforços coletivos, que perspective a formação de

cidadãos comprometidos consigo mesmos e, consequentemente, com todos. Uma formação

que promova a construção de uma vida mais humana, sustentável, solidária, afetiva e feliz,

fundada no princípio da comunidade, na racionalidade estético-expressiva e na racionalidade

moral-prática. Espero que este estudo contribua para a produção de vida, porque fiz-faço a

Aposta pela Educação. Desejo, também, que contribua, com a produção acadêmico-científica

e, a partir da sua escriturística, suscite inúmeros outros temas de pesquisa, pois na perspectiva

de ciência trabalhada, todo estudo é inconcluso e sempre aberto a novas e múltiplas

interpretações e experimentações.

Aprovação comemorada ao som da música “Viva La vida’ de Coldplay.

313

Anexo

Formulário

UFES/CE - 03/04/09

Tema: A produção de saberesfazeres na realização cotidiana do curso de Pedagogia

Prezado/a aluno/a

Nós conversamos quando você estava no 4º período. Agora está quase concluindo o curso (7º período) e já tem

uma visão mais ampla do mesmo, dos saberes que precisa para exercer as funções próprias do pedagogo. Assim,

gostaria de pedir-lhe que escreva sua compreensão sobre:

- os saberes produzidos durante o curso para aprender e para aprender-a-ensinar,

- a relação desses saberesfazeres com o que você vê e vivencia no cotidiano da escola,

- a relação desses saberesfazeres com o profissional que você vai se tornar para atuar em ambiente escolar e não-

escolar:

a) pedagogo docente (educação infantil, séries iniciais),

b) pedagogo não-docente (supervisor, orientador, diretor, ou seja, o gestor para séries iniciais, finais e ensino

médio) e

c) como pesquisador e formador de pesquisadores.

Sua participação é importante na realização deste estudo (de doutorado) que deve contribuir para compreensão e

melhoria do curso de Pedagogia. Agradecida

Professora Maria Eneida Furtado Cevidanes

314

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