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MARIA EUGÊNIA CASTELO BRANCO ALBINATI RECURSOS MUSICAIS APLICÁVEIS À SAÚDE E À EDUCAÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: CONTRIBUIÇÕES DA MUSICOTERAPIA À CLÍNICA PEDIÁTRICA BELO HORIZONTE FACULDADE DE MEDICINA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS 2008

Recursos Musicais Aplicáveis à Saúde e à Educação Da Criança e Do Adolescente

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RECURSOS MUSICAISAPLICÁVEIS À SAÚDE E À EDUCAÇÃODA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE:CONTRIBUIÇÕES DA MUSICOTERAPIAÀ CLÍNICA PEDIÁTRICA

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MARIA EUGÊNIA CASTELO BRANCO ALBINATI

RECURSOS MUSICAIS

APLICÁVEIS À SAÚDE E À EDUCAÇÃO

DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE:

CONTRIBUIÇÕES DA MUSICOTERAPIA

À CLÍNICA PEDIÁTRICA

BELO HORIZONTE

FACULDADE DE MEDICINA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

2008

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MARIA EUGÊNIA CASTELO BRANCO ALBINATI

RECURSOS MUSICAIS

APLICÁVEIS À SAÚDE E À EDUCAÇÃO

DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE:

CONTRIBUIÇÕES DA MUSICOTERAPIA

À CLÍNICA PEDIÁTRICA

Tese apresentada à Faculdade de Medicina da

Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG,

como requisito parcial para a obtenção do

título de Doutor em Ciências da Saúde

(Área de Concentração: Saúde da Criança e do Adolescente)

Orientador: Prof. Dr. Joaquim Antônio César Mota

Co-orientador: Prof. Dr. João Gabriel Marques Fonseca

BELO HORIZONTE

FACULDADE DE MEDICINA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

2008

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Universidade Federal de Minas Gerais

Reitor: Prof. Ronaldo Tadêu Penna

Vice-Reitora: Profa. Heloísa Maria Murgel Starling

Pró-Reitor de Pós-Graduação: Prof. Jaime Arturo Ramírez

Faculdade de Medicina

Diretor: Prof. Francisco José Penna

Vice Diretor: Prof. Tarcizo Afonso Nunes

Departamento de Pediatria

Chefe: Profª. Cleonice de Carvalho Coelho Mota

Vice-Chefe: Profª. Maria Aparecida Martins

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde

Área de Concentração em Saúde da Criança e do Adolescente

Coordenador - Prof. Joel Alves Lamounier

Subcoordenador - Prof. Eduardo Araújo de Oliveira

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Para citar este documento:

ALBINATI, Maria Eugênia Castelo Branco. Recursos musicais aplicáveis à saúde e à educação da criança e do

adolescente – contribuições da musicoterapia à clínica pediátrica. 2008. 191 f. Tese (Doutorado) - Programa de

Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo

Horizonte.

Albinati, Maria Eugênia Castelo Branco.

A335r Recursos musicais aplicáveis à saúde e à educação da criança e do

adolescente – contribuições da musicoterapia à clínica pediátrica

[manuscrito]/ Maria Eugênia Castelo Branco Albinati. - Belo Horizonte :

2008.

191 f.

Orientador: Joaquim Antônio César Mota.

Co-orientador: João Gabriel Marques Fonseca.

Área de concentração: Ciências da Saúde.

Tese (doutorado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade

de Medicina.

1. Musicoterapia. 2. Criança. 3. Adolescente. 4. Dissertações

acadêmicas. I. Mota, Joaquim Antônio César. II. Fonseca, João Gabriel

Marques. III. Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de

Medicina. IV. Título

NLM : WB 550

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Aproveitando as madrugadas em grupos de estudos para fazer os exercícios das

disciplinas de Epidemiologia e Bioestatística, eu tive a oportunidade de acompanhar um

plantão movimentado de minha colega Ericka Carellos, no Setor de Infectologia do Centro

Geral de Pediatria da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais. Seu grande

conhecimento sobre as doenças infecciosas e seu envolvimento na busca de resultados para

seus pequenos pacientes despertaram em mim uma enorme admiração por ela, e na volta da

correria que a levava de nossa mesa de estudos para o leito das crianças, eu lhe disse:

- Seu trabalho é maravilhoso, você passa o tempo todo salvando vidas.

E ela me respondeu:

- O seu trabalho é que é maravilhoso, porque a medicina só salva a vida, a música é

que dá sentido a ela.

Dedico este trabalho a todas as pessoas que, fragilizadas por algum tipo de doença,

podem encontrar aqui o apoio da música na reconstrução de sua saúde; a todos os cuidadores

que, imbuídos do espírito de melhorar a vida de suas pessoas queridas, podem achar aqui

formas de ampliar o oferecimento da música a elas; e aos profissionais das áreas de saúde e

educação, que, no percurso de acompanhar seus pacientes e alunos, podem achar aqui

maneiras de usar a música para tornar a vida deles mais rica e significativa.

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AGRADECIMENTOS

Meus pais me ensinaram música desde antes de eu nascer, e, mesmo vivendo com

dificuldades financeiras, abriram mão do próprio conforto para arcar com os estudos musicais

dos seis filhos. Foi a compreensão deles do valor da música na vida das pessoas que tornou

possível o meu trabalho de musicoterapia e todos os benefícios que a música levou às

centenas de pacientes que eu tive a honra de atender ao longo de mais de trinta anos de

atendimento musicoterápico a populações diversas.

Crianças, adolescentes e suas famílias, que atendi com Musicoterapia em diversas

instituições de Minas Gerais, e alunos a quem eu acompanhei em sua formação de

musicoterapeutas, me ajudaram a construir as idéias deste trabalho.

O Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde – Saúde da Criança e do

Adolescente, sob a direção do Prof. Dr. Francisco José Penna, acolheu meu projeto de

pesquisa na Faculdade de Medicina da UFMG, dando-me a oportunidade de compartilhar a

construção de conhecimentos com uma comunidade acadêmica altamente qualificada.

Os Professores Doutores Joaquim Antônio César Mota e João Gabriel Marques

Fonseca foram, desde o início e durante todo o processo, extremamente empenhados em

orientar meu projeto, que resultou num desafio ao transitar entre duas áreas de conhecimento.

Coordenadores, professores, colegas e funcionários da Faculdade de Medicina da

UFMG contribuíram, a todo momento, em inúmeras pequenas coisas fundamentais para este

trabalho.

A Profa. Dra. Eugênia Ribeiro Valadares, responsável pelo Laboratório de Erros

Inatos do Metabolismo do HC/UFMG; a Profa. Zélia Araújo Cotta Coelho, responsável pela

Clínica II em Terapia Ocupacional no Setor de Terapia Ocupacional do HC/UFMG; a Profa.

Dra. Regina Amorim, responsável pelo Acriar - Setor de Acompanhamento de Crianças

Prematuras de Risco do HC/UFMG; e as musicoterapeutas Fabíola Borges, Karla Ribeiro e

Simone Presotti me apresentaram às crianças e adolescentes de seus setores e me apoiaram

durante a construção dos dados da pesquisa.

Ver nos cadernos da pesquisa as anotações das observadoras Carla Ferreira de Abreu,

Carmen Lúcia Castelo Branco Albinati, Clara Cortez, Joelma Domingos Pimenta Andrade e

Renata Benedetto me lembra a enorme generosidade delas e sua perspicácia em reconhecer

acontecimentos no setting musicoterápico.

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As crianças e adolescentes participantes da pesquisa, e seus cuidadores e técnicos, me

apoiaram desde o início da coleta de dados, e me ajudaram em tudo que precisei. O carinho

deles foi a melhor parte de todo o trabalho. A esperança em seus olhos foi a motivação para

vencer todas as etapas da pesquisa.

A banca de defesa foi muito atenciosa na leitura deste trabalho e apontou alterações

que o tornaram melhor. A Profa. Dra. Maria Auxiliadora Monteiro Oliveira incentivou sua

ampla divulgação, por ser útil a várias classes profissionais. A Profa. Dra Estelina Souto do

Nascimento sugeriu a extensão de seu título à área da Educação. Ela e o Prof. Dr. Joaquim

Antônio César Mota destacaram o caráter acessível das atividades musicais propostas pelo

trabalho, afirmando que, desta forma, até eles conseguiriam aprender música. O Prof. Dr.

Oiliam Lanna ressaltou o fato do trabalho ser todo contaminado de insights e ainda assim ser

rigoroso, e a importância dele preencher uma lacuna negligenciada pelas Escolas de Música e

de Medicina, ao tornar acessível a todas as pessoas a música que é necessária, dentro de uma

visão ampla da saúde. O Prof. Dr. Délcio da Fonseca Sobrinho, para quem a pessoa que

trabalha com música é invejável porque a música é a maior evidência empírica de que talvez a

Humanidade tenha algum sentido, sugeriu sua publicação como livro, por sua abordagem e

conjunção raras e inéditas. O Prof. Dr. João Gabriel Marques Fonseca destacou o caráter

gloriosamente subjetivo do trabalho, neste mundo que ainda não sabe olhar para as pessoas

com comprometimentos de saúde. O Prof. Dr. Roberto Assis Ferreira e a Profa. Dra. Janete

Ricas, convidados como suplentes e dispensados em vista da presença dos titulares, assistiram

a apresentação do trabalho, me apoiando com a demonstração de seu interesse.

Meus familiares e amigos cuidaram de mim e me estimularam, nesse período de muita

preocupação com os estudos e pouca atenção a eles. No dia da defesa, eles chegaram cedo à

Escola de Medicina, enfeitaram uma sala com flores e bilhetinhos e prepararam um coquetel

que acolheu os convidados para a comemoração pela minha aprovação no Doutorado.

Agradeço muito a todas essas pessoas, que contribuíram para que eu fizesse esta

pesquisa, que, além de me propiciar grandes alegrias e crescimento pessoal e profissional,

pretende contribuir para que muitas crianças e adolescentes possam desfrutar mais e melhor

dos inúmeros beneficios que a música pode lhes proporcionar, sob tantas formas.

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“Lo triste de una disminución es que levanta una barrera que nos impide satisfazer las

necesidades del niño, necesidades que pueden ser inconscientes, inexpresadas, escondidas o

penosamente expresadas. Pero para la música no hay barreras.”

Juliette Alvin, em “Música para el niño disminuído”

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RESUMO

INTRODUÇÃO: Esta tese investiga o potencial terapêutico de sete recursos musicais

encontrados em práticas da sociedade ocidental: jogos e brincadeiras musicais; apreciação

musical; canto; instrumentos musicais; criação musical; expressão corporal e dança; e ensaio

e apresentação musical. METODOLOGIA: O estudo exploratório-descritivo da aplicação

destes recursos a 60 crianças e adolescentes com idades entre 1 e 20 anos, através de

observação sistemática e entrevista aberta com cuidadores e técnicos, identificou alterações de

comportamento percebidas no contato delas com a música. O mapeamento dos recursos

musicais mostra as especificidades de cada um deles, atividades possíveis de serem

desenvolvidas, e benefícios resultantes de sua aplicação terapêutica, em consonância com os

pressupostos das teorias da Musicoterapia. A variedade de idades e diagnósticos das

crianças/adolescentes estabeleceu a acessibilidade e benefícios dos recursos musicais a

pacientes com diferentes capacidades afetivas, motoras e cognitivas. A diversidade de espaços

de saúde (consultórios de Musicoterapia da Associação de Musicoterapia de Minas Gerais,

Sala de Medicação Infantil do Hospital Borges da Costa e Setor de Terapia Ocupacional do

Hospital Bias Fortes) mostrou formas de oferecimento das práticas musicais em diferentes

ambientes terapêuticos sem comprometer a dinâmica destes. RESULTADOS: Os jogos e

brincadeiras musicais tornam as crianças/adolescentes alertas e participativas e lhes oferecem

conhecimentos e o compartilhamento de momentos prazerosos com o outro. A apreciação

musical lhes dá acesso à expressão de diferentes tempos, espaços e visões de mundo, e à

evocação e reelaboração de suas próprias vivências, emoções e fantasias. O poder narrativo e

mnemônico do canto lhes ajuda a seguir seqüências complexas e memorizar informações, lhes

propicia o aprimoramento da fala e da linguagem expressiva, e lhes ajuda a afirmar sua

individualidade acima da doença. O efeito tônico dos instrumentos musicais impulsiona as

crianças/adolescentes ao movimento organizado, à construção elaborada e à participação

prazerosa em grupos instrumentais. A criação musical lhes faculta a construção de uma

identidade positiva, o afloramento de uma criatividade inesperada em meio a suas

dificuldades psicomotoras, e uma via adequada e valorizada de expressão de sentimentos e

idéias. A dança enriquece sua imagem corporal e aprimora suas habilidades ambulatórias. Os

ensaios e apresentações musicais lhes possibilitam apresentar-se diante do outro de forma

positiva, mostrando sua força, sua alegria e suas capacidades. CONCLUSÕES: Sendo parte

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da cultura humana, a música é familiar à criança/adolescente, ao cuidador e aos profissionais

de saúde, e estimula a participação prazerosa de todos, resgatando sujeitos ofuscados pela

doença. Lidando com crianças e adolescentes dependentes, este estudo aponta a intensa

adesão do cuidador e dos profissionais de saúde às práticas musicais, tanto para direcioná-las

à criança/adolescente, como para fruição própria. O envolvimento destes, além de ser fator

determinante do sucesso do tratamento da criança/adolescente dependente, beneficia estas

populações esquecidas pela área da saúde. Embora a coordenação de um musicoterapeuta

garanta melhor direcionamento dos recursos musicais aos objetivos de saúde de cada paciente,

as atividades musicais mostraram-se possíveis de desenvolver-se entre pacientes, cuidadores e

técnicos, resultando em ganhos para todos.

PALAVRAS-CHAVE: Música, Musicoterapia, Saúde, Criança, Adolescente.

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ABSTRACT

INTRODUCTION: This thesis presents an investigation about the therapeutic potential of

seven musical resources that are found in activities practiced in Western society: musical

games, musical appreciation, singing, musical instruments, creation in music, dance and

musical presentation. METHODOLOGY: The exploratory-descriptive study of the

application of these resources to 60 children and adolescents between 1 and 20 years old,

through systematic observation and open interviews with their carers and technicians,

identified alterations of behaviour perceived in their contact with the music. The mapping of

the musical resources shows their specificities, possible activities of being developed, and

resulting benefits of their therapeutic use, in agreeance with the theories of Music Therapy.

The variety of ages and diagnosis of the children and adolescents established the access and

benefits of the musical resources to patients with different capacities of affective, motor and

cognitive response. The variety of health spaces (the Music Therapy offices of the Music

Therapy Association of Minas Gerais, child medication room of the Borges da Costa Hospital

and the Occupational Therapy Isle of the Bias Fortes Hospital) recognized the different forms

of the musical practices that are offered in different therapeutic ambiances, without

compromising their own dynamics. RESULTS: The musical games make the

children/adolescents alert and participating, and gives them knowledge and sharing of

meaningful moments with others. Musical appreciation gives them access to the expression of

different times, spaces and visions of the world, reminding and remaking their own lives,

emotions and fantasies. The narrative and mnemonic power of singing helps them to follow

complex sequences and learn information by heart, appeasing them to better their speech and

their expressive language, and helping them to affirm their individuality beyond their illness.

The tonic effect of the musical instruments impulses the child/adolescent to organized

movement, elaborated construction and joyful participation in instrumental ensembles.

Musical creation opens the way to the construction of a positive identity, the emerging of an

unexpected creativity in midst of the psychomotor difficulties, and an adequate and valued

way of expressing their feelings and ideas. Dancing enriches their body image and betters

their abilities to move. Rehearsals and musical presentations make it possible for them to

present themselves in front of the others in a positive form, showing their strength, happiness

and capabilities. CONCLUSIONS: Since it is part of human culture, music is familiar to the

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child/adolescent, to their careres and to health technicians, and stimulates the positive

participation of all, focusing on people obscured by the illness. Having children and

adolescents with no autonomy as subjects, this investigation was led to realize the enormous

participation of the carer and health professional in musical practice, not only to involve the

patient, but also for their own appreciation. Their involvement, beyond being a determinant

factor to the success of the treatment of the dependent child/adolescent, benefit this

populations forgotten by the health area. Although the coordination of a music therapist

would guarantee a better use of the musical resources in relation to the needs of each patient,

since music is a common practice to most people and is accessible to non-musicians, the

musical activities are easily developed among the patients, their carers and technicians, with

positive results for all.

KEY WORDS: Music, Music therapy, Health, Child, Adolescent.

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ABREVIATURAS, SIGLAS E DESCRIÇÕES

CMT = Consultório de Musicoterapia

Consultórios das musicoterapeutas Fabíola Borges, Karla Ribeiro, Maria Eugênia

Albinati e Simone Presotti, da Associação de Musicoterapia de Minas Gerais, equipados com

instrumentos musicais variados e aparelhos de som, contando, nos atendimentos, com a

presença da criança/adolescente ou grupo de crianças/adolescentes e da musicoterapeuta, e, às

vezes, com a presença do cuidador (parente ou acompanhante). As sessões semanais tinham a

duração média de 50 minutos.

SMI = Sala de Medicação Infantil

Sala do Hospital Borges da Costa destinada à medicação venosa dos pacientes,

equipada com 10 leitos e 10 máquinas de administração de medicamentos, com a presença das

crianças/adolescentes, de seus cuidadores (pais, parentes e babás), de técnicos (enfermeiros e

auxiliares de enfermagem) e de pacientes adultos. Cada criança/adolescente ficava no leito,

ligada à máquina, em companhia de seu acompanhante, por um tempo médio de quatro horas.

Os instrumentos musicais eram levados pela musicoterapeuta, distribuídos durante a sessão

semanal, que durava 90 minutos, e recolhidos no final.

STO = Setor de Terapia Ocupacional

Sala de Terapia Ocupacional Infantil do Ambulatório Bias Fortes do Hospital das

Clínicas, equipada com colchões, mesas, brinquedos, fantasias e instrumentos musicais de

brinquedo. Outros instrumentos musicais eram levados pela musicoterapeuta, distribuídos

durante o atendimento e recolhidos no final. Cinco a sete crianças eram atendidas a cada 50

minutos, e seus cuidadores permaneciam na sala quando queriam. As estagiárias do Setor

participavam ativamente dos atendimentos de musicoterapia, responsabilizando-se cada uma

por um dos pacientes.

Na descrição dos resultados, a sigla de cada local de construção de dados está seguida

do número da sessão em que estes ocorreram. Ex.: (STO2) = Segunda sessão no Setor de

Terapia Ocupacional.

A descrição das sessões está no Apêndice A.

O apêndice B traz as letras das canções compostas na pesquisa.

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SUMÁRIO

1. Introdução .......................................................................................................................... 14

2. Fundamentação teórica .................................................................................................... 15

3. Objetivos ............................................................................................................................ 39

4. Recursos metodológicos ................................................................................................... 40

5. Resultados .......................................................................................................................... 48

5.1. Jogos e Brincadeiras Musicais ............................................................................. 52

5.2. Apreciação Musical .............................................................................................. 60

5.3. Canto .................................................................................................................... 70

5.4. Instrumentos Musicais .......................................................................................... 81

5.5. Criação Musical – Improvisação, Arranjo, Paródia e Composição ................... 106

5.5.1. Improvisação Musical ......................................................................... 106

5.5.2. Arranjo Musical ................................................................................... 108

5.5.3. Paródia Musical ................................................................................... 110

5.5.4. Composição Musical ........................................................................... 112

5.6. Expressão Corporal e Dança .............................................................................. 115

5.7. Ensaio e Apresentação Musical .......................................................................... 117

6. Reflexões finais ................................................................................................................ 120

Referências .......................................................................................................................... 123

Apêndices ..............................................................................................................................128

Apêndice A - Descrição das Sessões ......................................................................... 128

Apêndice B - Criações musicais realizadas na pesquisa ........................................... 184

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Recursos musicais aplicáveis à saúde da criança e do adolescente

1. Introdução

Esta tese é um estudo exploratório-descritivo de sete recursos musicias, presentes nas

práticas musicais de crianças e adolescentes: jogos e brincadeiras musicais; apreciação

musical; canto; instrumentos musicais; criação musical; expressão corporal e dança; e ensaio

e apresentação musical. Foi observado o oferecimento destes recursos a crianças e

adolescentes em atendimentos de saúde, identificando os estímulos que cada recurso lhes

propicia e as formas como ele se adapta aos espaços terapêuticos, de forma a compreender o

modo como os recursos musicais se relacionam com os processos de aquisição, manutenção,

recuperação e aprimoramento da saúde.

Como muitas descobertas da humanidade, essa é uma nova maneira de se olhar para

velhas coisas. Tal forma de trabalho é consoante com a descrição de investigação científica do

físico Richard Feymann: “O entusiasmo não vem do fato de termos criado alguma coisa, mas

de termos encontrado algo maravilhoso que estava lá o tempo todo.” (MLODINOW, 2005,

p.159). Assim como a abordagem de diagramas de Feymann (laureada com o Prêmio Nobel)

facilitou a compreensão de informações muito complexas da mecânica quântica, e como a

organização dos elementos químicos na Tabela Periódica de Dmitri Mendeleev possibilitou a

melhor compreensão destes, este mapeamento dos recursos musicais presentes em práticas

musicais comuns às crianças e adolescentes, agrupados pelas semelhanças de seus materiais e

procedimentos, busca conhecer o potencial terapêutico de cada um deles, de forma a construir

pontes entre eles e a saúde.

Observando a acessibilidade destes recursos a crianças e adolescentes de diferentes

idades, níveis sócio-econômicos e capacidades de resposta mental e motora, esta tese abre

caminhos para que a música possa ser uma abordagem não-farmacológica acessível ao maior

número possível de crianças e adolescentes, atuando preventivamente na aquisição e

manutenção de sua saúde e colaborando efetivamente em seu restabelecimento.

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2. Fundamentação teórica

Esta investigação se insere no campo teórico da Musicoterapia, área de aplicação

terapêutica da música, que vem construindo interfaces entre a prática musical e a saúde,

estudando a capacidade da música de provocar mudanças significativas e duradouras nas

pessoas, comprovada por sua vinculação a processos de saúde em diferentes culturas da

História do Homem (BRUSCIA, 2000; RUUD, 1990; ALVIN, 1967).

A aplicação terapêutica da música pressupõe que

as preferências, as habilidades e as aquisições musicais do cliente são sempre aceitas

sem julgamento; como resultado, os padrões estéticos e artísticos na Musicoterapia são mais

amplos e mais inclusivos do que aqueles de outros profissionais da música. O cliente é a

principal prioridade da terapia, e não a música. A Musicoterapia opera assumindo que a

experiência musical possui significado para os clientes, e que os clientes podem usar a música

para fazer mudanças significativas em suas vidas. Na Musicoterapia, a música é mais do que

as próprias peças ou sons; cada experiência musical envolve uma pessoa, um processo musical

específico e um produto musical de algum tipo. Os aspectos multissensoriais da música são

fundamentais para sua aplicação terapêutica, mas dilatam as fronteiras da experiência musical.

De forma semelhante, as superposições e relações entre a música e as outras artes são muito

exploradas com propósitos terapêuticos e isso também contribui para tornar as fronteiras da

experiência musical mais inclusivas (BRUSCIA, 2000, p.100).

Tendo o campo teórico da Musicoterapia construído uma ampla literatura acerca dos

resultados da aplicação terapêutica da música, torna-se necessário se conhecerem os recursos

musicais disponíveis ao atendimento terapêutico, num estudo que fundamente a escolha e uso

das práticas musicais como diagnóstico e como tratamento. Esta pesquisa se apóia nos

conhecimentos dos grandes pensadores da Musicoterapia para observar recursos musicais

sendo aplicados a crianças e adolescentes em atendimento de saúde, buscando conhecer o

potencial terapêutico propiciado pelas qualidades intrínsecas destes recursos e pensando

formas deles atuarem na promoção de aspectos gerais e específicos da saúde destas. Os

resultados desta investigação são especialmente bem-vindos no momento em que a

Musicoterapia se movimenta no sentido de especialização na adoção de recursos musicais,

criando formas musicoterápicas baseadas prioritariamente em algum deles (BRUSCIA, 2000,

p.15).

No estudo das práticas musicais, destacam-se os trabalhos de Juliette Alvin (1966),

que sugere formas de acesso de crianças e adolescentes com dificuldades psicomotoras ao

aprendizado de instrumentos musicais; Kenneth E. Bruscia (2000, p.121), que lista quatro

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tipos possíveis de experiências musicais (improvisar, re-criar ou executar, compor e escutar);

e Keith Swanwick (2003), que organiza as atividades musicais em principais (composição,

apreciação e performance) e auxiliares (literatura musical e adestramento técnico). Outras

investigações enfocam práticas musicais a partir do resultado de seu uso terapêutico ou

pedagógico. Um diálogo minucioso com estas publicações possibilitou a esta pesquisa tecer

um percurso teórico de suas especificidades pedagógico-terapêuticas.

O uso do jogo com objetivos terapêuticos encontra uma base sólida em trabalhos que o

tratam como “objeto transicional”, capaz de satisfazer necessidades da criança

(WINNICOTT, 1971) e como “objeto intermediário”, capaz de ajudá-la a estabelecer

relacionamentos interpessoais (ROJAS-BERMÚDEZ, 1967).

Estudando a brincadeira em processos pedagógicos, Pereira (2001) aponta que o termo

“brincar” (do latim vinculu/vinculum = laço) nomeia a atitude de vínculo do brincante consigo

mesmo e com o outro em atividade voluntária, delimitada no espaço e no tempo, que envolve

a intencionalidade (sentido que o brincante dá à brincadeira), a significação (produção de

ditos repletos de conteúdos da existência humana), o simbólico (o que é possível perceber nas

ações dos brincantes por gestos, fala ou relações), a consciência (estar-se presente no instante

da brincadeira sabendo que se está brincando) o rito (encadeamento de ações–estruturas que

possibilitam o fenômeno), a descontração (o relaxamento que o brincar pode provocar), o

escape (distração da intensidade da vida), o valor estético (linguagens artísticas envolvidas), e

a inventividade (construção e desconstrução de realidades). A importância da inventividade é

reforçada nos trabalhos de Winnicott, que afirma que “descobrimos que os indivíduos vivem

criativamente e sentem que a vida merece ser vivida, ou, então que não podem viver

criativamente e têm dúvidas sobre o valor de viver.” (WINNICOTT, 1971, p.102).

As possibilidades propiciadas à criança/adolescente pelo jogo são potencializadas pelo

acréscimo de materiais e procedimentos musicais, que fazem parte de sua vida, desde antes

dela nascer. Ainda à sua espera, sua família já pendura móbiles sonoros em seu berço,

antevendo sua alegria em puxá-los para se maravilhar com a música ouvida. Ao nascer, os

visitantes lhe trazem, entre seus primeiros presentes, instrumentos musicais de brinquedo,

caixinhas de música, chinelinhos e bichinhos de borracha com apito e meias com guizos, à

espera de que a ação da criança sobre eles resulte em som e diversão.

Desde bem pequena, a criança cria jogos e brincadeiras sonoros, em sua forma de se

relacionar com o mundo. O próprio corpo constitui seu primeiro instrumento musical. Em

atividades de pegar, soltar, apertar, chupar e morder, a criança explora suas possibilidades

sonoras e se expressa através da voz, do choro, do grito, do bater de pés e palmas e dos estalos

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de língua. À medida que cresce, ela refina suas brincadeiras sonoras, para atender aos

interesses de cada etapa de seu desenvolvimento, criando jogos mais elaborados quando chega

à adolescência.

O campo da saúde usa jogos e brincadeiras musicais em atividades criadas livremente

pela criança/adolescente, acreditando em seu potencial de linguagem expressiva, capaz de

elaborar idéias e sentimentos; e nomeia como “dinâmicas” os jogos estruturados, com

desenrolar previsível, aplicados a objetivos terapêuticos específicos. Pedraza Gutierrez e

outros (2000) relatam o uso de brincadeiras musicais em pesquisa com 40 crianças com 3 a 13

anos de idade e percentagem de placa bacteriana superior a 40%, buscando melhorar seus

hábitos de higiene oral através de atividades baseadas em cantigas infantis cantadas em roda e

dramatizadas pelas crianças.

A apreciação musical, segundo recurso estudado por esta pesquisa, é a audição de

música ao vivo ou gravada, na qual a criança/adolescente percebe e dá valor simbólico aos

elementos acústicos da peça musical, construindo significados e compreendendo-a como

música. Embora o campo da saúde mostre uma idéia geral da apreciação musical como um

processo passivo, em que o paciente deitado ouve a gravação de uma música suave (“para

relaxar”), estudos sobre a apreciação musical mostram que vivenciar os códigos musicais

aumenta a fluência musical da criança/adolescente, alimenta suas outras formas de contato

com a música (SWANWICK, 2003, p.38) e torna-se importante na construção de esquemas

mentais que só podem ser conseguidos através desta atividade (GAINZA, 1988).

A apreciação musical acompanha toda a vida da criança/adolescente. Ela ouve os sons

corporais da mãe quando ainda está em seu útero, tem consciência dos batimentos cardíacos

dela e, a partir da décima-quarta semana de gestação, ouve ativamente os sons ouvidos e

produzidos pela mãe, amplificados pelo meio líquido em que está imersa (CAMPBELL,

2001). O espaço sonoro é seu “primeiro espaço psíquico” (ANZIEU, 1985, p.172), com papel

fundamental na construção de sua identidade (TOMATIS, 1991).

A audição de acalantos acolhe a criança na família. Mesmo sem ter formação musical,

sua mãe sente segurança em lhe oferecer a apreciação musical para conseguir dela alterações

de comportamento, como se acalmar, manter a paciência em processos longos como o banho

ou a troca de fraldas, e distrair-se de procedimentos dolorosos ou desagradáveis, como tomar

injeção ou remédio. A mãe introduz a criança na atividade de análise musical chamando sua

atenção para os elementos da música ouvida (“agora a música do au au”), associando o texto

da música à realidade (“a música do carro do papai”) e compartilhando opiniões (“qual que a

gente vai cantar agora?”). Alternando canções infantis com peças do seu próprio repertório, a

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mãe leva a criança ao conhecimento de que elas são duas pessoas distintas. Mesmo que a

criança não entenda a música mais elaborada, sua audição pode lhe parecer interessante por

algum aspecto da música, como um andamento ligeiro, o ritmo marcado ou determinada

instrumentação (ALBINATI, 1996). Canções socialmente significativas inserem a criança em

seu grupo social e tornam-se emblemáticas de suas relações com o outro. A necessidade de

segurança leva a criança à repetição de estímulos prazerosos, e ela mostra preferência por

gêneros musicais nos quais reconhece elementos de sua cultura.

Apreendendo a música ouvida, a criança comunica suas escolhas musicais pelos meios

expressivos que domina (choro, sorriso, grito, movimentação corporal) e cria um repertório

pessoal, que a identifica. Antes de andar, ela aprende a ligar aparelhos de som e procura ouvir

música. Já adolescente, passa grande parte do tempo ouvindo música, inclusive durante

deslocamentos, configurando uma “no-stop music generation”. Seus objetos de consumo são

aparelhos de reprodução musical, seu grupo social ouve e comenta música, seus programas

são os shows de suas bandas preferidas. As cidades expõem a população à audição quase

ininterrupta de música e lhe oferecem CDs piratas a preços baixos e shows musicais gratuitos

de diversos gêneros, tornando a audição musical acessível inclusive à criança/adolescente

muito pobre.

Apreciar música é uma atividade completamente acessível à criança/adolescente,

porque não depende nem da existência de música real. A criança/adolescente pode se deleitar

ouvindo música guardada em seu próprio cérebro. Os processos de apreciação de música

interna e externa são neurologicamente semelhantes. Técnicas de neuroimagem mostram que

imaginar música pode ativar o córtex auditivo quase com a mesma intensidade da ativação

causada por ouvir música. Imaginar música também estimula o córtex motor. E, confirmando

a idéia de músicos de que ouvem seu instrumento durante a prática mental, imaginar a ação de

tocar música estimula o córtex auditivo (SACKS, 2007, p.42-43).

Assim, além da música que lhe vem do ambiente, a criança/adolescente guarda na

lembrança canções preferidas e as ouve dentro de si, quando quer, numa forma agradável de

apreciação musical, sobre a qual ela tem autonomia. Pode ocorrer que, de forma invasiva, lhe

venham subitamente ao pensamento frases pinçadas de músicas, ritmos que ela tamborila

incessantemente com os dedos, sons que a remetem a situações traumáticas, letras alteradas

ou parcialmente esquecidas ou a fixação por um instrumento musical. A Musicoterapia

trabalha essas lembranças como mensagens em linguagem musical que o inconsciente usa

para desencadear insights. Como exemplo, Oliver Sacks relata um episódio em que se

percebeu ouvindo internamente uma série de canções muito tristes, cuja letra não era capaz de

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compreender por estar em alemão. Ao cantá-la para um amigo, este reconheceu os

Kindertotenlieder de Mahler, cujo tema se refere à morte de crianças. Sacks interpretou a

aparição da música em seus pensamentos como um símbolo usado por sua mente para lhe

trazer à tona seus sentimentos sobre a demissão do hospital pediátrico em que trabalhava até à

véspera. Interpretada a mensagem, a música desapareceu de sua mente (SACKS, 2007,

p.270).

São exemplos de audição interna a “arte da canção recebida em sonho” que

transformou o pastor analfabeto Caedmon no primeiro compositor musical nomeado pela

história anglo-saxônica, a música maravilhosa que “vinha do céu” para Wolfgang Amadeus

Mozart repartir entre as cordas de seus quartetos, e a música mental que possibilitou a Ludwig

van Beethoven compor sinfonias arrebatadoras depois de surdo. Em casos raros, a audição de

música interna pode alcançar grau doentio, tornando-se uma alucinação musical ao se impor

sobre a pessoa, atingindo também crianças e adolescentes, como parece ter sido o caso do

compositor Piotr Tchaikovsky, que, quando criança, foi encontrado chorando na cama e

pedindo que o salvassem da música que estava em sua cabeça (SACKS, 2007).

A neurologia relaciona a alucinação musical (earworms, brainworms, release

hallucinations) à epilepsia do lobo temporal (que pode intensificar uma conexão funcional

entre sistemas perceptuais nos lobos temporais e partes do sistema límbico envolvidas na

resposta emocional) e à demência frontotemporal (que pode liberar talentos e paixões

musicais à medida que a pessoa perde a capacidade de abstração e de linguagem).

Alucinações musicais transitórias se ligam a derrames, ataques isquêmicos transitórios,

aneurismas, malformações cerebrais, anormalidades metabólicas, condições epilépticas, auras

de enxaqueca e medicação que afeta o ouvido (como aspirina e quinino) ou o sistema nervoso

(como o propanolol e a imipramina). Ela não é uma alucinação psicótica, mas neurológica, de

liberação. Para compensar a diminuição de estímulos externos (por surdez, por exemplo), o

cérebro, que precisa manter-se incessantemente ativo, gera uma atividade espontânea própria,

e o caráter repetitivo da música (principalmente das canções infantis, hinos religiosos e

canções de Natal) torna-a “neurologicamente irresistível” (SACKS, 2007, p.58-62).

Por sua acessibilidade, a apreciação musical é o recurso mais usado por

musicoterapeutas e por profissionais de saúde sem formação musical, que usam gravações em

seus atendimentos com objetivos diversos. Ouvir música incentiva o cérebro a tecer relações,

estimula padrões neuronais envolvidos em atividades cerebrais superiores e “ajuda a organizar

os padrões de estímulo dos neurônios no córtex cerebral, fortalecendo especialmente os

processos criativos do hemisfério direito associados ao raciocínio espaço-temporal”

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(CAMPBELL, 2001, p.25-26). E ouvir música complexa faz o cérebro se esforçar mais

(JOURDAIN, 1997, apud BARCELLOS, 2001, p.84).

A apreciação de música barroca é proposta por Cruz, Pirovich e Pena (2003) durante a

fase latente do trabalho de parto para relaxar a parturiente num ambiente sonoro controlado,

facilitar o efeito das endorfinas B, eliminar os mediadores químicos do stress materno,

harmonizar o eixo hipotálamo-hipofisiário-adrenal materno e favorecer maior bem-estar da

mãe e melhor apego ao bebê. Ilari (2002) mostra que bebês têm a capacidade de lembrar

músicas clássicas complexas, inclusive duas semanas depois de as terem ouvido (ao fim da

pesquisa, os pais pediram as gravações para seus filhos continuarem a escutá-las, pois elas os

tranqüilizavam nas horas de dormir e de comer). Lino González e Arce Márquez (2000)

relatam que a audição de música clássica influiu favoravelmente no tratamento de seis

crianças de quatro anos de idade, com atraso de linguagem de patogenia afásica anártrica,

com resultados significativos nos aspectos de compreensão, linguagem e psicomotricidade.

Souza (1995) estuda o efeito da audição de música no movimento corporal de 16 meninos

hiperativos com idades entre 8 a 10 anos, apontando movimentos menores e mais funcionais

durante a audição, diminuição da movimentação em sala de aula, e direcionamento de seus

movimentos à tarefa.

Investigando as dificuldades de comunicação de crianças isoladas (por autismo,

distúrbios de fala e linguagem ou bloqueio psicológico) e relacionando-as ao rompimento da

segurança oferecida à criança pelo som uterino, Tomatis (1991) criou a Técnica do

Renascimento Sônico. Submetendo a criança à audição de gravações de sons uterinos e da voz

de sua mãe filtrados eletrônicamente (em sua ausência, gravações de Mozart), ele consegue

que elas estabeleçam contato com o mundo. Estudo chinês com 57 pacientes, entre eles

adolescentes acima dos 15 anos, mostrou que a metade deles, após ser submetida a audição

musical durante as primeiras 24 horas do período pós-operatório, apresentou decréscimo

significativo da intensidade da dor, baixa na pressão sistólica sangüínea, bons índices

cardíacos e uso de menos analgésicos orais, sugerindo a apreciação musical como uma efetiva

abordagem não-farmacológica para o manejo da dor pós-operatória (TSE; CHAN; BENZIE,

2005). Na Técnica de Imagens Guiadas pela Música (G.I.M. – Guided Images for Music),

criada por Helen Bonny, a música conduz o paciente a vivenciar mentalmente situações que

lhe despertam reações fisiológicas e emocionais interessantes ao seu tratamento (BONNY,

1978).

O terceiro recurso musical estudado por esta pesquisa, o canto, considerado uma das

formas mais antigas de se fazer música (SADIE, 1994, p.165), se caracteriza pelo uso de

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emissões vocais para a expressão de sentimentos e idéias, diferindo-se da fala pela riqueza de

variações alcançadas pelo som em seus parâmetros de altura, duração, intensidade e timbre, e

pela organização peculiar destes parâmetros. O canto é praticado pela criança/adolescente das

mais diversas culturas, de forma espontânea e prazerosa, com grande envolvimento pessoal,

em todas as suas etapas de vida.

Estudando o desenvolvimento da fala e da linguagem, Alfred Tomatis achou

evidências de que a voz da mãe serve como cordão umbilical sônico para o bebê em gestação,

é fonte primal de estímulo para ele, e é determinante para que ele relaxe, logo após o

nascimento. Tomatis acredita que, por terem percebido isso, as mães de todas as culturas

cantam canções de ninar para seus bebês. Quando a mãe canta para o bebê, ela emite sons

com maior variação de ritmo, entonação e expressividade do que quando fala. A voz cantada é

rica em elementos sonoros que, apreendidos pelo bebê, lhe proporcionam a aquisição de um

repertório sonoro que aprimora sua fala (TOMATIS, 1991).

Ouvindo a mãe cantar canções de ninar, a criança percebe e discrimina o som da voz

desta, antes de entender suas palavras ou distinguir seu rosto. Tentando acompanhar o canto

da mãe, a criança desenvolve os primeiros sons vocais, ajusta-os ao andamento e à freqüência

dos sons ouvidos, e torna reconhecíveis o ritmo e a melodia de seu próprio canto. O canto da

criança é uma tentativa de imitar a mãe, tomando-a como modelo de ser. A linguagem

musical da criança precede sua linguagem verbal. Imitando o canto da mãe, a criança assimila

o ritmo desta, o que torna possível seu diálogo com ela. É a compreensão do ritmo da mãe que

faz a criança saber a hora de pedir coisas a ela e a hora de esperar pela resposta dela, numa

idade em que ainda está muito longe de desenvolver o diálogo verbal. Dominando aspectos

rítmicos de linguagem, a criança faz sons vocais ritmados antes de articular fonemas. O uso

do ritmo é estimulado pela família, que lhe ensina a bater palmas acompanhando o “Parabéns

pra você”, antes dela conseguir pronunciar sua letra. O referencial melódico das canções

também é assimilado pela criança antes do referencial semântico. Ela aprende a cantar

pequenas canções antes de falar. Na seqüência, suas tentativas de imitar os sons de seu

ambiente, apreendendo as manifestações sonoras deste (“bibi”, “auau”, “miau”, “muuu”,

“vrum”) mostram seu envolvimento crescente com o mundo. Ampliando seu repertório

sonoro, a criança constrói uma fala cada vez mais rica (ALBINATI, 1996).

Sendo prazeroso, o canto se incorpora à rotina da criança/adolescente. Enquanto

cresce, ela o mantém como uma linguagem expressiva (PARIZZI FONSECA, 2005). Ela

canta quando está brincando sozinha e em eventos sociais, associa o canto à sensação de

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alegria, e se familiariza com o acervo de canções infantis que cada cultura cria para as

situações vividas por ela (LLOYD, 1945).

Como o canto de cada criança/adolescente fé único, construída por seus determinantes

físicos em interação com o ambiente, cantar se torna uma expressão de sua individualidade,

um carimbo de sua presença. A audição de uma única nota musical pode denunciar quem a

emitiu e com que humor. Assim, o prazer que a criança/adolescente sente em cantar pode ser

afetado por críticas ao seu canto, abalando sua auto-imagem e levando-a a evitar cantar em

público. Isto pode acontecer também com a criança/adolescente muito tímida, que tenta se

manter despercebida pelo grupo. Como a afinação resulta de se discriminar um som e se

esforçar para reproduzi-lo fielmente, qualquer criança/adolescente sem limitações sérias de

percepção auditiva e fonação pode cantar com afinação, e a que não tem voz pode cantar

mentalmente. Excluídas as causas orgânicas, um dos fatores mais freqüentes de desafinação é

a inibição no uso da voz. Adolescentes que se envergonham de cantar em público, por achar

que devem ter a voz trabalhada do cantor profissional, costumam soltar a voz quando estão

sozinhos sob o chuveiro, protegidos pela ausência de público e pela boa acústica do

revestimento do banheiro. Adultos costumam relatar com tristeza o fato de não cantarem por

terem sido criticados, frustração que os incomoda por anos, mostrando seu envolvimento

emocional com o canto. Estratégias lúdicas podem encorajar a criança/adolescente a substituir

sua expressão através do silêncio pela expressão através do canto, e o aprendizado de técnica

vocal pode lhe dar subsídios para apresentar-se cantando em público (ALBINATI, 1994-1).

Percebendo o canto como capaz de desenvolver na criança aspectos físicos, afetivos e

mentais, o educador musical húngaro Zoltan Kodály (1882-1967) criou um método de

aprendizado de música por meio do canto, levando a criança a ouvir o mundo com mais

atenção para ter uma vida mais plena e bem-sucedida. Também atento à musicalização como

forma de desenvolvimento global da criança, o pedagogo musical belga Edgar Willems

(1890-1978) criou um método de solfejo que organiza de forma progressiva os parâmetros da

sintaxe musical em composições construídas para estimular a memória, a sensibilidade

musical, a consciência auditiva e a execução musical, que podem ajudar a criança a ter uma

vida mais criativa e feliz (WILLEMS, 1968). Atenta à fala popular de que "quem canta seus

males espanta", a cantoterapia se estrutura como um ramo da Musicoterapia e direciona à

criança/adolescente práticas de canto que a levam a expressar sentimentos, dificuldades e

potenciais; vencer resistências e inibições; enfrentar dificuldades e aprimorar-se globalmente.

Como linguagem expressiva, o canto da criança/adolescente denota seu estado

emocional e cognitivo (PARIZZI FONSECA, 2005). Dificuldades de emissão sonora podem

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denunciar problemas no aparelho fonador ou timidez severa; alterações nas letras das canções

podem refletir estratégias inconscientes para reforçar ou esconder seu texto; jogos de cantar

seguindo marcações determinadas apontam sua organização espaço-temporal e sua

compreensão da estrutura da música, e o canto de novos ritmos e fonemas mostra seu

desenvolvimento verbal (DINVILLE, 1993).

Por favorecer os processos de respiração, postura, digestão e fala, o canto pode ser

usado na correção de transtornos destas funções. Crianças com afecções adenóides e excesso

de muco por falta de controle na administração do ar, podem melhorar sua respiração e

audição pelo adestramento da respiração profunda nas atividades de canto (DOBBS, 1960).

Costa, Najas e Albinati (2000) relatam episódio acontecido no Hospital das Clínicas da

UFMG, quando um grupo de cuidadores de crianças internadas no Setor de Pediatria, após

organizar um coral dentro de um projeto de Musicoterapia e apresentar-se cantando nas

comemorações do Dia das Mães, pediu ao diretor do Hospital autorização para continuar

entrando na instituição e participar do coral, mesmo sem suas crianças estarem doentes. Vinda

de usuários da rede pública de saúde, a idéia de que a doença não seja mais o pré-requisito

para o ingresso da pessoa em um hospital abre a perspectiva de que este deixe de ser um lugar

de doença e agregue coisas importantes à saúde física e mental das pessoas, para que se torne

verdadeiramente um ambiente de saúde.

A análise do quarto recurso musical, o instrumento musical, como recurso terapêutico,

mostra uma grande diversidade de objetos construídos ou utilizados com o objetivo de

produzir sons musicais. A partir da forma como produzem sons, a literatura musical os agrupa

em instrumentos de cordas, instrumentos de sopro, instrumentos de percussão e instrumentos

eletrônicos.

Ainda bem nova, a criança produz som com seu próprio corpo. Aos poucos, ela

descobre formas de ampliar sua produção sonora manuseando objetos na construção de

instrumentos sonoros. Ela bate no berço com um brinquedo, aperta a mamadeira vazia para

ouvir o som do ar saindo pelo bico, e acaba por ganhar instrumentos musicais de brinquedo.

Instrumentos musicais para bebês, como chocalhos e guizos de várias formas e cores, são

atrativos, produzem sons diversificados, e, como são feitos para ser manipulados por crianças

que ainda não têm domínio do gesto, oferecem gratificação instantânea com pouco esforço

motor (ALBINATI, 1994-2).

Instrumentos musicais de brinquedo familiarizam a criança com o prazer de tocar um

instrumento musical. À medida que cresce, ela se interessa por instrumentos musicais de

verdade. Tocar um instrumento musical é um prazer para crianças e adolescentes, em todas as

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idades. Instrumentistas dizem que às vezes se envolvem tanto com a música que estão

tocando, que parecem sair do lugar e viajar a outros mundos, como se palco e auditório

desaparecessem, só ficando eles e a música. O tempo real desaparece para o músico, embora

ele continue se guiando pelo tempo musical da peça que está interpretando.

O agrupamento de pessoas para tocar instrumentos musicais, por puro prazer, aparece

ao longo da história do homem. Da família Bach, diz-se que todos eram músicos, e que as

reuniões de parentes eram sessões contínuas de música. O termo “combo” (abreviação de

combination) nomeia a junção de músicos consagrados e desconhecidos para tocar sem

compromisso, em jam sessions. O nome jam (geléia de frutas inteiras) mostra a preservação

da individualidade de cada músico no conjunto. As jams garantiram a sobrevivência do jazz,

criado e tocado por negros pobres, em sociedades dominadas por brancos. Nelas, nem o

instrumento musical convencional era imprescindível. Músicos como Charlie Parker

chegavam de mãos vazias por terem empenhado ou vendido seu instrumento até conseguir

novo contrato, e tocavam em portas, tábuas de passar roupa ou o que achavam no local que

pudesse produzir som.

Os instrumentos musicais se inserem nos processos de saúde desde as primeiras

pulseiras e tornozeleiras de búzios usadas na dança ritualística do homem primitivo. Ao longo

da história, eles ajudam crianças e adolescentes a se beneficiar de seu potencial, pois

requerem a coordenação de movimentos e proporcionam a descarga disciplinada de emoções

reprimidas, ajudando a estabilizar o comportamento do hiperativo, estimulando o tímido e

acalmando o ansioso. Os professores Frances H. Rauscher e Gordon Shaw, da Universidade

da Califórnia/USA, mostraram que 36 crianças em idade pré-escolar, após seis meses de

estudos de instrumentos musicais, tiveram melhoras de até 36% em tarefas espaciais e

temporais, comparadas a crianças que tiveram outros estudos (CAMPBEL, 2001, p.26-27).

Michel e Martin (1970, p.124-128) apresentaram resultados positivos em pesquisas sobre a

aprendizagem de uma habilidade instrumental influir em melhores resultados em atividades

escolares. Beatrice Field (1954, p.273-283) estudou 28 pacientes em práticas instrumentais,

entre eles adolescentes gravemente prejudicados por lesões cerebrais (apresentando sintomas

espásticos, neurológicos, atetose, rigidez, ataxia, tremor e transtornos de fala, dificuldades

auditivas e visuais), e observou melhoras mensuráveis de coordenação motora ampla e fina

em 86% deles. Sigren (2003) relata atendimento de Musicoterapia com crianças surdas (com

hipoacusia moderada, severa, profunda e surdez total), em sessões iniciadas com o toque do

piano, com as crianças sentadas no chão, percebendo a vibração, relaxando e descobrindo os

sons. Estudo dos benefícios proporcionados ao paciente pelo instrumento de sopro conclui

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que ele ajuda a melhorar a função respiratória e a má formação de dentes, fortalece músculos

dos lábios e da boca e influi na aquisição e reabilitação da fala (KESSLER; HRUBY, 1959,

p.1-8).

O instrumento musical adaptado torna-se acessível à criança/adolescente com

limitações motoras. M. Josepha (1994, p.73-79) relata caso de menina de 6 anos de idade com

perda congênita da mão esquerda, a quem o estudo de piano com uso de prótese trouxe grande

desenvolvimento físico, fortalecimento de braços e ombros, melhor uso da prótese, domínio

dos músculos atuantes na execução musical e profunda gratificação. Juliette Alvin (1967,

p.138-139) conta sobre menino de doze anos, nascido sem pernas e sem a mão direita, em

cujo lugar usava uma prótese de gancho, que fez da música o centro de sua vida, chegando a

tocar muito bem trompete, segurando o instrumento com o gancho e apertando as chaves com

os dedos da mão esquerda. John D. McKee (1955, p.76), nascido com membros espásticos,

conta que, não conseguindo tocar o instrumento que desejava, a clarineta, passou a tocar

tambor, usando apenas a mão esquerda, e, com a prática, a mão direita começou a intervir na

execução musical, até que ele alcançou suficiente domínio muscular para tocar com as duas

mãos. Frances Korson (1957, p.192-194) observou que vítimas de distrofia muscular, sujeitas

a paralisia progressiva, conseguem praticar atividades musicais de forma independente, e que

a prática dos exercícios retarda o progresso da paralisia.

Além dos instrumentos musicais convencionais, e do uso não-convencional destes,

instrumentos musicais especiais podem ser construídos visando o movimento que a

criança/adolescente com dificuldades motoras consegue ou precisa fazer. Enquanto esteve

trabalhando pela Cruz Vermelha no hospital da Associação Mineira de Reabilitação, em Belo

Horizonte, nos anos 1970, o musicoterapeuta norte-americano Larry Keith Shetler criou uma

orquestra de instrumentos musicais não-convencionais, a partir dos movimentos prescritos a

cada paciente pelo serviço de fisioterapia (ALBINATI, 1994-2). Valdés Marín (2000) relata

uso da Musicoterapia na clínica psicológica infantil utilizando instrumentos musicais de baixo

custo ou de fácil construção.

O exame do quinto recurso musical, criação musical, mostra que a construção da peça

musical pode assumir formas mais ou menos organizadas. Chamada genericamente por

teóricos da Musicoterapia de criação e/ou recriação musical (BRUSCIA, 2000; RUUD,

1990), é possível perceber nela quatro formas distintas de apropriação e organização dos

materiais e procedimentos musicais: a improvisação, o arranjo, a paródia e a composição.

A improvisação é uma forma espontânea de criação musical, em que a pessoa compõe

células rítmicas, melódicas ou harmônicas, sem muito planejamento ou formalização. A

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história da música aponta grande importância da improvisação musical em diversos sistemas

musicais, de diferentes culturas, mostrando graus refinados de elaboração, e chegando a

constituir parte essencial da música. No ocidente, a música eclesiástica antiga abre espaço

para os cantores acrescentarem uma nova linha aos cânticos litúrgicos. Formas musicais

medievais, como o organum, o descante e o moteto, mostram origem em improvisos. No

século XV, o fabordão surge como uma técnica de improviso da música sacra, que adentra o

século XVI com os cantores improvisando sobre um cantus firmus em notas longas e em

contraponto imitativo. A improvisação prossegue no Renascimento e no Barroco através das

estratégias de diminuição (as notas da melodia são subdivididas pelo intérprete em várias

outras), de divisão (o intérprete improvisa sobre um padrão harmônico), de figuração (o

intérprete preenche uma seqüência de acordes dada pelo compositor), de passagens com

instruções incompletas (para serem completadas pelo intérprete) e de ornamentação (o

intérprete adorna com liberdade uma linha melódica determinada, visando aumentar a

expressividade da interpretação). Ainda no período barroco, Johann Sebastian Bach e Georg

Haendel fazem fugas improvisadas. O improviso virtuosístico do intérprete perto do final de

um movimento de concerto ou de uma ária torna-se parte destas formas musicais, com o nome

de cadenza, e aos poucos ganha especificações de duração e localização nas seções da peça,

evoluindo no classicismo para a elaboração de temas apresentados. Mozart, conhecido por

suas variações improvisadas, escreve a cadenza tematicamente ligada a cada movimento da

peça.

A improvisação se mantém como destaque na música para solista do século XVIII e na

ópera italiana do século XIX. A partir do Concerto n.5 para piano de Beethoven, sua fixação

na partitura se torna uma norma, eventualmente transgredida por compositores que persistem

em manter seu caráter de improviso, como Brahms no Concerto para violino. A improvisação

com caráter fugal se firma na escola francesa de órgão do final do século XIX e a idéia de

espontaneidade da improvisação determina sua adoção pela música aleatória do século XX

(SADIE, 1994, p.450).

É possível reconhecer o recurso da improvisação nas produções musicais de diferentes

tribos indígenas contemporâneas, que preservam a idéia de que a música, feita em conjunção

com estados da natureza que se alteram a cada momento, é sempre uma nova criação,

irrepetível, determinada pela temperatura ambiente, pelo estado de secura ou umidade do

local, pelo horário do dia, pelo número de participantes envolvidos na interpretação e demais

fatores presentes no entorno da música. A improvisação é também muito importante na

música indiana clássica, que trabalha as notas de um tema (raga), leva-o ao clímax pela

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aceleração progressiva impulsionada por ciclos rítmicos multidirecionais (talas) e o traz de

volta à sua forma inicial, marcando a presença do intérprete da música (SADIE, 1994, p.451).

O improviso musical define o surgimento e o caminho evolutivo do jazz, enraizado no

grito do escravo negro norte-americano para se fazer reconhecido por outros, e que evolui

também para o blues, o rhythm and blues, o rock’n roll e o rock (MUGGIATTI, 1973). Desde

que o jazz surge na New Orleans do início do século XX, é a expressão pessoal do músico que

norteia todas as suas direções estilísticas, levando o jazz folclórico dos anos 1910 ao jazz

clássico dos anos 1920 pela acentuação polirrítmica e realce dos tempos fracos do baterista

Big Sidney Catlett; o equilíbrio entre aspereza gutural e delicadeza expressiva do trompetista

Louis Armstrong; a adição ao tema de surpresas, breaks, stomps rápidos e stop time

controlado do pianista Jelly Roll Morton; as peças expandidas para além dos três minutos dos

discos de 78 rpm do pianista Duke Ellington; o atraso milimétrico em relação ao beat do

pianista e trompetista Bix Beiderbecke; e o trumpet-piano style de Earl Hines em igualdade de

condições com os instrumentos de sopro. Nos anos 1930, a era do swing e das big bands se

faz com Benny Carter usando glissandos e vibratos para manter-se no tema, e Art Tatum

explorando o instrumento com tal destreza e blues felling que soa como dois pianistas tocando

juntos. O bebop dos anos 1940 é determinado pelo fraseado melódico politonal de grande

mobilidade e rubato autoral do saxofonista Charlie Parker; pelo ritmo afro-cubano e agudos

muito ligeiros do trompetista Dizzy Gillespie; e pelos refrões que o baterista Lionel Hampton

canta em scat singing e a platéia imita. Nos anos 1950, o jazz cool ganha caráter suave e

introspectivo com o sax-alto sensual de Johnny Hodges; o despojamento sonoro e o

pontilhismo melódico do trompetista Miles Davis; e o jogo de intensidades e densidades de

Sonny Rollins. Nos anos 1960, Horace Silver, pianista de mão esquerda vigorosa e

percussiva, imprime tempero latino ao bebop; Thelonius Monk recompõe o tema em blocos

de compassos irregulares; o sax-soprano e tenor John Coltrane leva o tema à exaustão em

frases longas ligeiras; Ornete Coleman e Stan Getz adotam a bossa nova no free e Miles Davis

amplifica seu trompete com o uso de pedal, levando à fusão jazz-rock. Nos anos 1970, o som

pop de Stanley Clarke chega ao electric jaz e o pianista Keith Jarrett usa gestualidade

marcante e sons guturais buscando o caráter religioso da música. Grandes músicos e contínuas

fusões criam variações estilísticas ao jazz que chega ao século XXI como um gênero musical

refinado, feito por virtuoses e apreciado por conhecedores. O improviso continua sendo sua

marca, e é comum chamar-se de “jazz” o improviso em qualquer gênero musical (CALADO,

1989; BERENDT, 1987; CARNEIRO, 1986; BLESH, 1971).

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O Método de Improvisação Clínica Nordoff-Robbins, desenvolvido por Paul Nordoff

e Clive Robbins nos anos 1950/60, usa as habilidades vocais e instrumentais do

musicoterapeuta e sua familiaridade com as características tonais, rítmicas e tímbricas de

vários estilos musicais para aproveitar as produções sonoras do paciente (choro, grito, canto,

conversa) na elaboração de peças musicais que vão compondo o repertório de seu tratamento.

Wigram e Lawrence (2005) relatam caso de menina de 6 anos de idade, portadora de

síndrome de Rett, em atendimento musicoterapêutico, relacionando o uso da improvisação

musical à aquisição de posicionamento estável do tronco, referenciamento do olhar, prontidão

para a atividade, uso funcional das mãos, redução de movimentos estereotipados, contenção

ocasional espontânea das mãos, intersubjetividade primária e secundária, comunicação

intencional, revezamento interativo e vocalização com expressão emocional adequada.

O recurso do arranjo musical propicia a reelaboração de uma composição musical

através de alterações na combinação de seus elementos, criando novas formas de apresentar

músicas já existentes. O arranjador dá à peça musical formatações que sirvam melhor às suas

próprias idéias musicais, ao estilo de determinado músico, à instrumentação de uma banda ou

orquestra, a trilhas sonoras de filmes, à inserção em peças publicitárias e ao uso em diferentes

situações. O arranjo dá nova identidade à música, sendo comum as pessoas se basearem nele

para escolher entre duas apresentações de uma mesma peça.

Em seu período nacionalista, a história da música brasileira destaca os arranjos

eruditos de Heitor Villa-Lobos para seu cancioneiro folclórico. O grau de elaboração destes

arranjos no conjunto de “Cirandinhas” (1925) e “Cirandas” (1926) abre espaço no repertório

dos Conservatórios de Música para criações espontâneas cantadas por crianças e adultos sem

estudo musical formal, em suas brincadeiras em vilarejos do país. Fazendo um percurso

inverso, o acordeonista Mário Mascarenhas, ao escrever arranjos facilitados para trechos de

peças eruditas, possibilita o acesso maciço das pessoas à prática instrumental. Embora seus

arranjos empobreçam a peça musical, reduzindo o campo harmônico e prejudicando a

fluência rítmica com o uso repetido de poucos acordes, eles permitem que, rapidamente, o

estudante de música se apresente diante de outras pessoas tocando pequenos movimentos de

peças muito conceituadas. Seus métodos facilitados de música ajudam a disseminar o estudo

do acordeon no Brasil dos anos 1950, encantado com o sucesso de Luiz Gonzaga. Mário

chega a ter cerca de mil alunos, monta orquestras de acordeons, e, aventurando-se a escrever

também para piano, dá vida ao instrumento que compõe a decoração das casas da classe

abastada. Seus arranjos definem um estilo que permite identificar o tipo de estudo que um

pianista teve, apenas ouvindo-o tocar o início de uma peça musical; e atravessam décadas,

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compondo o repertório de novos instrumentos musicais, como o teclado eletrônico. No campo

da música popular, são famosos os arranjos de Pixinguinha para os grandes cantores de sua

época, como Mário Reis, Francisco Alves e Carmen Miranda. Sua instrumentação ousada

incorpora instrumentos afro-brasileiros, e sua introdução para a gravação da marchinha de

Lamartine Babo e Irmãos Valença “O teu cabelo não nega”, para o carnaval de 1931, é tão

comentada quanto a própria música (SEVERIANO; HOMEM DE MELLO, 1999).

A paródia, terceira forma de criação musical, refere-se, originalmente, à técnica de alterar

um texto, substituindo-o por outro, referente a uma nova situação, e nomeia ainda a

composição humorística ou satírica que ridiculariza aspectos de determinado compositor,

período ou estilo (SADIE, 1994, p.700). Ao longo dos tempos, é possível acompanhar a

paródia fazendo seu caminho de desvio em relação ao texto original, e apresentando um

caráter de insubordinação que lhe permite desafiar o sagrado e se divertir no espaço pobre das

artes, reservado, no Ocidente, desde a Arte poética de Aristóteles (séc. IV a.C.), à comédia,

tida como uma arte menor em relação à tragédia e à epopéia, por lidar com o “ridículo”, a

“banalidade” e os “assuntos gerais” (ARISTÓTELES, 2003, p.33-34 e p.95). Atravessando os

primeiros séculos do Cristianismo, que condenam o riso e a diversão como forma de se evitar

a contaminação pelos prazeres do mundo (CAIRNS, 1995, p.122), e o século IV, que segue a

determinação de São João Crisóstomo de que “as burlas e o riso não provêm de Deus, mas são

uma emanação do diabo, [sendo dever do cristão] conservar uma seriedade constante.”

(BAKHTIN, 2002, p.63), a paródia prossegue enraizada na cultura popular, em composições

trovadorescas, ao longo da Idade Média. André Jolles afirma em Formas simples que “não

existe época nem lugar, provavelmente, onde o chiste (Witz) não se encontre na existência e

na consciência, na vida e na literatura.” (JOLLES, 1976:205).

Mikhail Bakhtin descreve que

o homem medieval levava mais ou menos duas vidas: uma oficial,

monoliticamente séria e sombria, subordinada à rigorosa ordem hierárquica,

impregnada de medo, dogmatismo, devoção e piedade, e outra público-

carnavalesca, livre, cheia de riso ambivalente, profanações de tudo o que é

sagrado, descidas e indecências do contato familiar com tudo e com todos. E

essas duas vidas eram legítimas, porém separadas por rigorosos limites

temporais (BAKHTIN, 2002, p.129).

Para José Ricardo Cano

as dicotomias sério/cômico, gravidade/riso, sobriedade/embriaguez,

espiritualidade/carnalidade parecem evidenciar que a natureza humana subsiste

em duas bases que se opõem e se complementam ao mesmo tempo: de um lado

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a visão séria/trágica da existência humana; do outro, a celebração da vida

através do prazer e do riso (CANO, 2004, p.84).

Essa dualidade parece suficiente para explicar o percurso da paródia atravessando a

Idade Média como um recurso estético propício à produção do riso, por favorecer “o jogo de

palavras, a ridicularização, o estereótipo, o grotesco, o burlesco, a obscenidade e a ironia,

normalmente combinados entre si em alguma extensão.” (CANO, 2004, p.84). Em Questões

de Literatura e de Estética, Bakhtin destaca a autonomia do “híbrido premeditado” que, ao

mesmo tempo que dialoga propositalmente com o texto parodiado, não se confunde com ele e

normalmente não pertence ao gênero que parodia (BAKHTIN, 2002b, p.377,389). Northrop

Frye complementa esta idéia afirmando que a paródia alimenta-se de gêneros decadentes e de

símbolos desgastados pelo uso (FRYE, 2000, p.103,157).

A paródia se apresenta na polifonia renascentista através do uso de elementos de

composições preexistentes em uma nova peça musical. Palestrina usa o recurso em sua Missa

Assumpta est Maria, feita sobre um moteto de sua autoria, e as missas curtas de Bach também

reutilizam material mais antigo. Para Bakhtin, os recursos da paródia evoluem durante o

Renascimento até tornarem-se, no século XVIII, “componentes estilísticos dos gêneros sérios,

principalmente o romance” (2002, p.103). Em Uma Teoria da Paródia, Linda Hutcheon

amplia a concepção de paródia como um recurso estilístico que deforma o discurso com o

qual dialoga, e a elege a via predominante da criação artística moderna, apontando sua

essência auto-reflexiva e seu poder de suprir a necessidade do homem de afirmar o seu lugar

na cultura através do processo de desconstrução/reconstrução que inclui distância crítica e que

pode tanto beneficiar como prejudicar. Hutcheon nomeia a transcontextualização e a inversão

como os principais operadores formais da paródia, cujo campo pragmático vai do ridículo

desdenhoso à homenagem reverencial (HUTCHEON, 1989, p.13, 54). Para a autora, “o prazer

da paródia não provém do humor em particular, mas do grau de empenhamento do leitor no

vai-vém intertextual.” (HUTCHEON, 1989, p.48).

Em seu uso popular, a paródia se refere à substituição da letra original da canção por

outra, atendendo a novos objetivos. Crianças pequenas parodiam canções, cantando-as com

outra letra, por não entender o texto original ou por preferir dizer outra coisa. Crianças

maiores e adolescentes costumam dar a uma canção uma nova letra que sirva para comemorar

datas, torcer para um time, relatar acontecimentos significativos vividos por seu grupo social

ou caracterizar pessoas de forma jocosa, divertindo-se em cantar a letra nova com os colegas.

As reescritas possibilitadas pela paródia permitem à criança/adolescente vivenciar seus

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sentimentos de caráter irônico, zombeteiro, satírico, humorístico e jocoso, e também construir

outros contextos, homenageando pessoas e transmitindo mensagens afetivas.

Alguns aspectos da paródia a tornam um recurso muito interessante ao trabalho

terapêutico. Por basear-se no processo de imitação, ela leva a criança/adolescente a prestar

atenção à música original, conhecendo suas peculiaridades para saber como imitá-lo. Por esta

imitação ser diferenciada, ela estimula na criança/adolescente o processo de comparação, para

saber o que permanece e o que será alterado na composição original para que esta se torne

outra. Por ser, ao mesmo tempo, diferente e semelhante à original, a paródia facilita à

criança/adolescente a compreensão de conteúdos de semelhança e diferença. Por ser uma

imitação burlesca, estimula o contato da criança/adolescente com suas possibilidades cômicas

e lhe dá chance de ver-se construindo um objeto que vai levar alegria às pessoas. Por ser uma

recriação de uma obra já existente e, em geral, consagrada, favorece à criança/adolescente a

percepção de que os objetos canônicos podem ser tocados. Por adaptar a obra original a um

novo contexto, estimula conteúdos de adequação social. Por resultar numa obra mais

despojada que a original, parece fácil de realizar e, por aproveitar o conhecimento que a

criança/adolescente já tem da obra original, lhe oferece garantias de sucesso. Por romper com

a seriedade, a paródia livra a criança/adolescente de lidar com coisas importantes, deixando-a

se ocupar com coisas menores, em clima de alegria e descontração. Por abdicar da pretensão à

originalidade, a paródia deixa a criança/adolescente se apropriar sem culpa de outras criações.

Por ser continuidade de um texto fundador, a música parodiada insere-se numa corrente

ininterrupta de criação humana que garante ao seu criador um lugar-no-mundo e, por dialogar

com a obra original, integra-se a outros discursos. Piazzetta (2001) relata que a Musicoterapia

com a criança/adolescente em situação de risco social aponta a preferência desta pela paródia,

que ela já usa espontaneamente, inserindo nas letras vivências mórbidas e violentas baseadas

em suas experiências, para adequá-las à sua realidade e torná-las reais.

A quarta forma de criação musical, a composição musical, é o processo pelo qual a

pessoa dá uma forma musical às suas idéias, para que elas possam ser tocadas ou cantadas,

tornando-as concretas. A história da música é feita por compositores que imprimem mudanças

estilísticas à música de seu período, transformando-a e enriquecendo-a. Constituindo-se das

idéias de grandes músicos, aplicadas aos recursos materiais disponíveis em sua época, a

música descreve uma trajetória riquíssima, em que o caráter meditativo do canto gregoriano

conduz a reflexão sobre os textos sagrados, a alegria das danças renascentistas reafirma o

valor do homem, a polifonia de Bach deixa clara a igual importância de todos os seres, as

sonatas de Mozart afirmam que as tristezas da vida podem ser transformadas em coisas belas,

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a instrumentação de Beethoven mostra a convivência de diversidades e as experimentações

sonoras desencadeadas pela Segunda Escola de Viena abrem a música a todas as

possibilidades.

As convenções idiomáticas de diferentes estilos musicais “trazem à tona as qualidades

intrínsecas destes estilos” (AIGEN, 2001, p.117) e fundamentam sua identidade e sua

pertinência social. As pessoas fazem suas escolhas de composições ao se identificarem com

os elementos que constituem a música. Numa conversa entre duas musicoterapeutas, ocorrida

ao fim de uma das sessões desta pesquisa, uma delas disse que detesta música barroca porque

esta “fica sempre dando voltas sobre si mesma”, e a outra lhe respondeu que adora música

barroca porque esta “fica sempre dando voltas sobre si mesma”.

As escolhas que as pessoas fazem sobre composições instrumentais mostram que elas

encontram significado no discurso musical puro, no qual o aspecto semântico não se mostra

tão claramente. E, mesmo no caso da canção com letra, a música atua enfatizando o

significado do texto. Embora a simples audição da Paixão segundo São Mateus, de Bach, seja

suficiente para levar ao êxtase seu ouvinte, uma análise de seus elementos dá mostras da

artesania preciosa do mestre na criação de uma música que carregue da melhor forma o texto

sagrado. Associações de freqüência fazem a sílaba tônica da palavra “Jesus”, no recitativo do

Evangelista, estar na nota mais aguda da frase do tenor, e o gênero diatônico dar lugar ao

cromático para pontuar os momentos de sofrimento de Cristo. Associações de harmonia dão à

palavra “Páscoa” (Oastern) o primeiro momento de instabilidade harmônica do recitativo, até

então num tom de sol maior claramente estabelecido, e iniciam um percurso harmônico que

passa por vários graus sem fixar a tonalidade de ré, até chegar a si menor, tonalidade

particularmente relacionada por Bach à morte, por receber na notação musical germânica a

letra “h”, final de seu próprio nome. Associações de duração fazem com que, na ária em que o

Cristo fala que vai estar com os apóstolos todos os dias do ano, essa frase tenha 365 notas, e

que, no momento da crucificação, o termo “crucificado” seja cantado em melisma, tornando-

se a palavra mais longa da frase e destacando-se entre as outras palavras, silábicas.

Associações timbrísticas levam o canto de Cristo a se destacar da narrativa de Mateus pela

aura criada em torno de sua fala pelo acompanhamento das cordas, que desaparecem no

momento em que ele se iguala a Mateus na condição humana, falando “meu Deus, por que me

abandonaste?”.

No campo da música popular, a canção “Chega de saudade”, de Tom Jobim e Vinícius

de Moraes, usa a tonalidade menor, de caráter introspectivo, para a lamentação da letra na

primeira parte (“vai, minha tristeza e diz a ela que sem ela não pode ser...”) e muda, na

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segunda parte, para seu correspondente maior, de caráter brilhante, acompanhando a letra que

se enche de esperança (“mas, se ela voltar, se ela voltar, que coisa linda, que coisa louca...”).

Desde que nasce, a criança usa sons para se comunicar com o outro: chora

expressando incômodo, silencia mostrando satisfação, grita pedindo alimento e balbucia sons

suaves para estender situações de prazer. Entendendo o mundo a partir do próprio corpo, ela

experimenta variações vocais em diferentes formas de choro e grito. Manuseando objetos na

experimentação de suas capacidades corporais, acaba percebendo que alguns deles produzem

sons. Em torno dos seis meses de idade, assimilando aspectos do jogo social, ela aprimora o

uso de sua produção sonora como linguagem, tentando alcançar objetivos através do uso de

choro falso ou da repetição/interrupção de gritos controlados ou batidas em objetos escolhidos

pela propriedade de fazer som. O uso que ela faz dos sons representa diretamente o estágio de

desenvolvimento de suas capacidades cognitivas, nos aspectos motor, afetivo e social,

constituindo uma linguagem própria, dentro da usada por sua cultura.

Os sons apresentam à criança suas próprias capacidades. Eles variam em timbre,

freqüência, duração e intensidade de acordo com o alcance de sua voz e dos movimentos de

seu corpo em relação aos objetos. O progressivo domínio dos gestos lhe propicia explorar

mais objetos e ter maior repertório de sons. Perceber a relação entre seus movimentos e os

sons produzidos leva-a a investir na ampliação de sua produção sonora, alcançando cada vez

maior domínio da voz e maior controle muscular sobre objetos. Sua experimentação sonora

desordenada evolui gradualmente para a ordenação de sons que são reconhecidos,

controlados, memorizados e repetidos, construindo um acervo ao qual ela recorre em suas

criações sonoras.

A imitação de sons evocados indica uma transformação no pensamento da criança -

sua referência evolui de corporal para objetal. Se antes ela estava satisfeita apenas em

executar os sons, agora liga esses sons ao mundo, passando do pensamento cinestésico ao

pensamento imaginativo. Suas criações musicais são registros do que ela vai assimilando do

mundo, e apontam etapas de seu desenvolvimento psicomotor. Se, de início, quando lhe

pedem para repetir suas pequenas canções inventadas, ela canta uma nova canção, aos poucos

ela percebe a composição musical como objeto com autonomia de existência e desenvolve a

intenção de organizar sons em formas rudimentares de música que intermedeiam sua relação

com o mundo, estimulando e refletindo seu desenvolvimento global.

Reconhecendo sua produção sonora como um objeto interessante e pessoal, a criança a

apresenta ao adulto de forma organizada. Os sons são nomeados (“vovó roncando”, “mamãe

brava” ou “voz da onça”) e repetidos, para fazer graça para os adultos e conseguir

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gratificação. Ela anuncia suas produções musicais (“agora o patinho vai cantar”) e relaciona

ordenações sonoras a objetos (“o gato canta com uma voz assim, bem fininha”). Repreendida

por produzir estragos ocasionais ao transformar objetos em instrumentos musicais, começa a

entender que alguns sons levam ao sucesso e outros não, passando a fazer escolhas entre eles.

Interessando-se pela forma de suas composições musicais, a criança observa os

primeiros sons feitos aleatoriamente para ver com que se parecem, antes de se decidir no que

vão se transformar, construindo, aos poucos, uma idéia de como vai ficar a peça. Os sons

tornam-se mais diferenciados e distribuem-se regularmente pela composição, que aos poucos

se estrutura com partes distintas e repetições. A música é memorizada, repetida, e apresentada

às pessoas como uma produção própria, da qual ela se orgulha. Percebendo aspectos de forma

musical, a criança não se contenta mais em produzir sons limitados à relação direta com seus

movimentos corporais, e disciplina seus gestos em busca de um arcabouço sonoro semelhante

aos das músicas que ouve, tentando seguir parâmetros formais de sua cultura. Ela compõe

canções de andamento lento e intensidade suave para ninar a boneca e canções de andamento

ligeiro e intensidade forte para as lutas e comemorações, mostrando correspondência entre o

mundo e sua representação musical.

A linearidade presente nas composições musicais da criança mostra seu uso da música

com intenção de narrativa. Para retratar numa única música vários acontecimentos, destina

diferentes sons a diferentes fatos. Como em toda criação artística, seu envolvimento

emocional sobrepõe-se à realidade do objeto retratado musicalmente, e suas representações

não mostram o objeto, mas a percepção que ela tem dele. Sua criação musical mostra como

ela se relaciona com o ambiente, de forma ativa ou passiva, corajosa ou medrosa.

Desenvolvendo o pensamento abstrato, a criança estabelece lógicas de composição

para musicar sua experiência particular. Ela firma o conceito de forma musical dentro do

contexto social em que vive e cria esquemas musicais próprios, que possibilitam a distinção

de suas composições musicais das de outra criança ao apresentar escolhas de altura, duração,

intensidade e timbre. O acréscimo de detalhes para diferenciar uma música de outra mostra o

aumento e organização de seus conhecimentos, que resultam em criações musicais mais

elaboradas, com alternância e sobreposição de partes. Atenta aos resultados, ela conjuga

critérios de gosto/nãogosto com critérios de correto/incorreto.

Usando as mesmas construções sonoras para representar os mesmos objetos, a criança

mostra a capacidade de categorizar, agrupar objetos sonoros em classes e formular

generalizações. Isso a ajuda a entender e a se adaptar à ordem do mundo. Sua criação musical

reflete sua percepção de semelhanças e diferenças. Embora aparente um retrocesso em relação

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à liberdade de criação, a adequação os parâmetros formais lhe dá segurança para estabelecer

seu pensamento abstrato a partir da compreensão e adoção de símbolos. Buscando aceitação

social, a criança mostra em sua produção musical o quanto a abordagem emocional cede lugar

à social. Como as estruturas sociais dão margem a que a transgressão seja aceita no objeto de

arte, a criação musical permanece como uma possibilidade da criança viver, no plano musical,

aspectos do mundo que não pode vivenciar na realidade. Ela mantém a criação musical como

um espaço seguro de experimentação de idéias e sentimentos com os quais se depara,

exercitando sua individualidade e a expressando de forma socialmente adequada.

A composição musical dá à criança/adolescente a possibilidade de fazer coisas

diferentes do que já existe, percebendo que elas podem ser divertidas e bem aceitas. Com isso,

a diferença perde para ela o significado de erro e de incapacidade. Aberta à expressão e

elaboração de sentimentos e idéias, e à incorporação de interferências de momento, a

composição musical estimula na criança o autoconhecimento e a observação e apropriação de

elementos do ambiente. Por sua exigência de obediência a aspectos estruturais, semânticos e

pragmáticos da linguagem musical, a composição musical aprimora a linguagem da criança e

atua em sua adequação social.

O sexto recurso musical investigado por esta pesquisa mostra a expressão corporal e a

dança como resultantes da movimentação da criança/adolescente a partir de sua percepção de

uma música ouvida. A dança é a expressão de idéias através da movimentação física orientada

pela música, podendo ser espontânea ou coreografada. Há casos em que a dança se faz sem

uma música externa, como nas experiências da bailarina norte-americana Isadora Duncan

(1878-1927) que, ao livrar a dança de tutus e sapatilhas para aproximar-se de sua essência,

experimenta músicas não-convencionais e até o silêncio. Ainda assim, a movimentação do

dançarino pressupõe uma música interna que a orienta. A disposição das pessoas na atividade

de dança acontece de diversas formas: isolada (a pessoa dança sozinha), em pares (uma

pessoa em frente à outra), em fileiras (uma pessoa atrás da outra) e em círculo (as pessoas em

roda). Todas as sociedades conhecidas desenvolveram algum tipo de dança circular. A

formação em roda, com as pessoas de mãos dadas umas às outras, olhando para o centro e

para as outras, as torna predispostas a aprendizados, sendo usada em diversas culturas como

um recurso didático para a transmissão de conhecimentos e o cuidado coletivo.

A dança é oferecida pela mãe à sua criança desde que esta nasce, em atividades de

embalo para que a criança se acalme e durma. A movimentação ritmada no colo da mãe

familiariza a criança com a dança como linguagem expressiva e amplia seu repertório de

gestos e movimentos. Rapidamente, a criança aprende a usar a dança para dialogar com a

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mãe. Ela expõe suas sensações de gosto/não gosto e garante seu próprio bem-estar através de

posturas e movimentos que direcionam a ação materna.

Firmando-se na posição sentada, a criança reage à música criando movimentos

ritmados para a nova postura. Antes de conseguir manter-se de pé, ela se apóia em móveis

para chegar a um aparelho de som, ligá-lo, e esboçar movimentos intencionais de dança.

Embora sua dança ainda não se ajuste ao ritmo da música ouvida, já se adequa à duração e ao

caráter desta. A criança atende ao comando da música para o início e o fim de sua dança, e

relaciona diferentes movimentos a ritmos diferentes, mostrando atenção ao ambiente. À

medida que cresce, a criança assimila formas de dança de seu grupo social. Por vivenciar a

dança em festividades ao longo de sua vida, ela a associa a prazer e diversão, e aprende a se

integrar a seu grupo social através de diversas formas de dança. Na adolescência, as questões

de gênero trazem apreensão e ansiedade à atividade, ligando a dança às obrigações de cada

papel social e à necessidade de dançar de forma correta, principalmente na dança aos pares.

A interseção da dança com a saúde tem origem nos rituais primitivos sagrados, ligados

à fertilidade da terra, à cura de doenças e às comemorações. Por sua natureza, a dança

aproveita diferentes ritmos e andamentos musicais para gerar e organizar a força física,

estimular a ação muscular, induzir atos corporais (GASTON, 1951), e alterar estados de

ânimo (DEUTSCH, 1997). A dança desenvolve o sentido rítmico da criança/adolescente,

organiza e direciona sua energia e desenvolve nela a sensibilidade, a coordenação motora, a

disciplina e o trabalho em equipe. Familiarizando-se com as diversas formas de dança de

diferentes povos, a criança pode compreender a dança como expressão pessoal e cultural

(BRASIL, 2000).

A idéia de que a criança/adolescente deve partir da vivência para a teorização leva os

educadores musicais europeus Èmile Jacques-Dalcroze (1865-1950) e Carl Orff (1895-1982)

à sistematização da expressão corporal e da dança em importantes contribuições pedagógicas.

Percebendo o ritmo como organizador dos elementos musicais e estimulador da sensibilidade

infantil, Dalcroze cria uma ginástica rítmica associada ao pensamento, sensações e

sentimentos da criança, direcionando-a ao seu desenvolvimento afetivo, motor e cognitivo.

Orff usa instrumentos de percussão para orientar a ação corporal do aluno, unindo música,

movimento e linguagem em práticas de dança.

Alguns enfoques terapêuticos usam a dança com formatações específicas. A Dança

Circular Sagrada, desenvolvida na década de 1960 por Bernhard Wosien e Anna Barton, a

partir de danças folclóricas da Europa Oriental, busca o contato da pessoa com o caráter de

alegria e comunhão destas práticas (WOSIEN, 2000; BARTON, 2006). A Dança da Paz

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Universal, idealizada por Samuel Lewis na década de 1960, usa o círculo como símbolo de

unidade e a linguagem corporal como capaz de ultrapassar as fronteiras da fala para construir

uma sociedade pacífica. A biodança, criada por Rolando Toro, estimula que a pessoa use a

expressão pessoal e a vinculação afetiva na busca da saúde e da autonomia sobre a própria

vida. A dança sênior, criada em 1974 por Ilse Tutt, adapta coreografias de danças folclóricas,

de caráter alegre e ritmo regular, às possibilidades da pessoa idosa, estimulando funções

motoras, cognitivas e sociais. Sua dança com pessoas sentadas é acessível a pessoas com

limitações motoras, inclusive crianças e adolescentes cadeirantes.

Partindo de trabalhos que apontam efeitos benéficos da dança no tratamento de

pessoas com amputação, lesão cerebral, distúrbios alimentares, Alzheimer, fibrose cística,

doenças cardíacas, diabetes, asma, AIDS e artrite, Aktas e Ogce (2005) estudam o uso da

dança na prevenção ao câncer, buscando o equilíbrio físico, emocional, cognitivo e social do

paciente, e mostram que ela aumenta a produção de endorfinas, causa bem-estar e estimula as

funções dos sistemas circulatório, respiratório, esquelético e muscular. A terapia pela dança já

é reconhecida em seu país (Turquia) como uma terapia complementar em hospitais e clínicas

de tratamento de câncer.

A apresentação musical, sétimo recurso musical estudado por esta pesquisa, é a

interpretação da peça musical diante de outras pessoas. Ela envolve o ensaio musical, que é a

experimentação das várias formas pelas quais uma peça musical pode ser melhor apresentada.

Ensaios e apresentações musicais fazem parte do dia-a-dia da criança/adolescente. Desde

cedo, a mãe ensaia com seu bebê pequenas produções musicais e o incentiva a repeti-las,

primeiro para ela, que o aplaude entusiasticamente, reforçando sua sensação de sucesso, e

depois para familiares e amigos, que também o aplaudem e, orgulhosos, contam o show em

detalhes para os vizinhos. O bebê demonstra muita alegria em ser aplaudido, sente que suas

produções musicais são valorizadas, e se mostra disposto a ensaiar novos números musicais.

A criança costuma gostar de se envolver em atividades musicais, ensaiando e

apresentando-se diante de familiares e amigos. Quando tem a oportunidade de estudar música

ou dança, a participação nos festivais de apresentação de suas escolas é o ponto alto de seu

fim de ano, quando padrinhos e avós vêm de longe para assisti-la com roupas novas e

adereços, em teatros de verdade. O adolescente costuma sonhar em tocar em bandas musicais,

imitando os ídolos de seus grupos musicais favoritos. Quando aprende a tocar algum

instrumento musical, quer integrar uma banda, ensaiar em horários marcados e apresentar-se

ao público, mostrando suas habilidades.

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No atendimento terapêutico, os ensaios e apresentações musicais objetivam

sociabilizar ou ressociabilizar o paciente, engajando-o em atividades interessantes e

prazerosas que o estimulem a manter relacionamentos pessoais (GHEUR, 2001, p.66).

Carolyn Kenny (1987, p.174) criou o termo “campo do desempenho” (field of play), para

nomear o que paciente e terapeuta constróem no espaço musical (musical space), descrito por

ela como “um espaço sagrado, confiável [...] para experimentação, modelagem e imitação, em

formas sonoras que expressam, representam e comunicam sentimentos significativos,

pensamentos, atitudes, valores, orientações comportamentais, questões de crescimento e

modificação”. A apresentação é o ponto culminante desse processo, quando a

criança/adolescente apresenta ao outro o que tem de melhor.

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3. Objetivos

O objetivo geral deste trabalho é conhecer as especificidades dos recursos musicais

presentes nas práticas de crianças e adolescentes, identificando seu potencial terapêutico e as

possibilidades de seu uso em atendimentos de saúde.

Os objetivos específicos são:

1. Investigar formas pelas quais cada recurso musical pode ser oferecido no atendimento

terapêutico a crianças e adolescentes em diferentes estágios de saúde/doença, visando

estimular aquisições psicomotoras desejáveis para a evolução de sua saúde.

2. Criar estratégias de acesso aos recursos musicais a crianças e adolescentes com

comprometimentos de saúde diversos, através da adaptação dos recursos às condições

físicas e mentais destas.

3. Documentar alterações de comportamento das crianças e adolescentes em contato com

as práticas musicais, através de observação direta (anotada, gravada, fotografada e

filmada) e entrevistas abertas a eles e a seus cuidadores e técnicos.

4. Analisar os dados construídos na pesquisa e mapear os recursos musicais presentes nas

práticas musicais observadas, apontando sua acessibilidade e suas possibilidades de

estimular aquisições de saúde em crianças e adolescentes.

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4. Recursos metodológicos

O projeto desta pesquisa surgiu de reflexões contínuas da pesquisadora em trabalho

como musicoterapeuta em instituições de Minas Gerais ao longo de trinta e um anos.

Aprovado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina

da UFMG, por seu Departamento de Pediatria, pelo Comitê de Ética em Pesquisa/UFMG e

pela Diretoria de Ensino e Pesquisa do Hospital das Clínicas/UFMG, ele incorporou

conhecimentos construídos pela pesquisadora no convívio com professores, colegas,

funcionários, técnicos, musicoterapeutas, observadores, crianças, adolescentes e cuidadores,

presentes nestas insituições.

Por investigar sentimentos e idéias de crianças/adolescentes e de seus cuidadores e

técnicos, em contato criativo com a música, este estudo de caráter exploratório-descritivo

adotou a abordagem qualitativa de pesquisa, acreditando ser esta o melhor instrumento para

documentar e compreender subjetividades em interações dinâmicas (TURATO, 2003;

MINAYO, 1996). Ao registrar alterações de comportamento presentes no contato do sujeito

com o recurso musical, esta pequisa não se interessa em contabilizar relações de causa-efeito,

mas em conhecer o potencial terapêutico do recurso musical, bastando, para isso, que o

acontecimento se manifeste uma única vez.

Após revisão bibliográfica sobre recursos musicais e seu uso terapêutico, a pesquisa

valeu-se da observação estruturada (LAVILLE; DIONNE, 1999), adotando um instrumento

de construção de dados aberto, com a ordenação antecipada de duas grandes categorias de

informações: recursos musicais e alterações de comportamento. A primeira categoria

contemplou sete recursos musicais: jogos e brincadeiras musicais; apreciação musical; canto;

instrumentos musicais; criação musical; expressão corporal e dança; e ensaio e apresentação

musical. Eles foram definidos pela pesquisadora a partir das semelhanças entre materiais e

procedimentos encontrados nas práticas musicais ocidentais.

Este estudo definiu que as alterações de comportamento fossem livremente apontadas

por observadores e respondentes, entendendo que isto resultaria num modo privilegiado de

conhecer o objeto estudado, acolhendo diferentes respostas psicomotoras. A liberdade de

manifestações poderia, inclusive, alterar as categorias, pela inclusão ou retirada de recursos

musicais emergentes ou em declínio como prática social, e pela valorização particular de

alterações de comportamento por parte dos observadores e respondentes que, imersos em um

contexto social, têm suas construções mentais influenciadas por este e são representativos de

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sua coletividade (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2003). A experiência profissional da pesquisadora,

inclusive no manejo de grupos, e seu conhecimento do contexto em que iria operar,

capacitaram-na a aplicar esta técnica (DEMO, 1995) e a treinar observadores a fazer

filmagens e anotações.

Além da observação estruturada, a pesquisa recorreu à entrevista aberta para conhecer

a percepção do cuidador e do técnico sobre os recursos musicais. Eles responderam à pergunta

“que alteração você percebe na sua criança/adolescente em contato com cada uma destas

práticas musicais?”. A entrevista aberta atende à finalidade exploratória da pesquisa, dando ao

entrevistado liberdade para discorrer sobre a pergunta e explorar amplamente a questão,

dentro de uma conversação informal, na qual a interferência do entrevistador se limita a evitar

o término precoce da resposta (BONI; QUARESMA, 2005). Além disso, a entrevista aberta

permite obter-se o maior número possível de informações e detalhamentos sobre o tema,

segundo a visão do entrevistado, e acolhe a descrição de casos individuais (MINAYO, 1996).

A abordagem qualitativa da pesquisa e seu foco nos recursos musicais possibilitou que

o número de sujeitos se definisse ao longo dos trabalhos, sem prejuízo por eventual abandono

ou ingresso de sujeitos, sendo composto por 60 crianças e adolescentes que já se encontravam

em atendimento de saúde, indo aos locais de tratamento com seus cuidadores. Não houve

alteração em seus horários de atendimento. Convidados pela pesquisadora, os responsáveis

pelas crianças/adolescentes aceitaram participar da pesquisa e assinaram o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido para registro e uso das informações construídas,

documentadas por anotações, fotografias e filmagens.

Visando estudar a acessibilidade dos recursos musicais a sujeitos de diferentes faixas

etárias e econômicas, em diferentes condições clínicas, foram observadas sessões de

Musicoterapia, conduzidas por musicoterapeutas, em três ambientes de saúde: consultórios de

Musicoterapia da Associação de Musicoterapia de Minas Gerais; Sala de Medicação Infantil

do Hospital Borges da Costa; e Setor de Terapia Ocupacional do Hospital Bias Fortes. Nos

consultórios de musicoterapia, as crianças e adolescentes prosseguiram atendimento de

Musicoterapia que já realizavam antes da pesquisa. Na Sala de Medicação Infantil e no Setor

de Terapia Ocupacional, as crianças e adolescentes em atendimento regular de saúde

participaram de sessões semanais de musicoterapia no período da pesquisa. Nestes dois

setores, onde habitualmente não há atendimento de musicoterapia, este atendimento foi

oferecido às crianças/adolescentes, como parte da pesquisa, após explicação sobre esta e

convite feito a seus responsáveis. O atendimento de musicoterapia, com prazos definidos para

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seu início e término, foi conduzido por musicoterapeutas da Associação de Musicoterapia de

Minas Gerais, incluindo a pesquisadora.

As crianças e adolescentes, representativas das classes sociais baixa, média e alta, com

idades entre 1 e 20 anos, apresentam dificuldades psicomotoras decorrentes dos seguintes

diagnósticos: atraso de desenvolvimento neuropsicomotor, autismo, deficiência cognitiva

profunda, encefalopatia, fibrosarcoma, hemiplegia, hidrocefalia, leucemia, lipofuccinose,

malformação congênita, mielomeningocele, mucopolissacaridose tipos 1 e 3, osteogenesis

imperfecta, paralisia braquial obstétrica, paralisia cerebral, diparesia e quadriplegia espásticas,

psicose, transtorno de déficit de atenção com hiperatividade, visão subnormal, nistagma e

síndromes de Angelman, Asperger, Beckwith-Widerman, Down, Dravet, Kabuki, Mosaicismo

de Trissomia do 9, Rubstein-Taybe e Sotos.

As dificuldades manifestadas por essas crianças/adolescentes envolvem impedimentos

motores e mentais. Entre os comprometimentos motores estão as dificuldades de se alimentar,

de manter-se de pé, de andar, de falar e de dominar os próprios movimentos. Entre os

comprometimentos mentais estão a dificuldade de interagir com o mundo, compreendendo e

executando instruções. Das 60 crianças/adolescentes, poucas freqüentam escolas comuns, e

estas escolas assumem que não têm capacidade de contemplar suas necessidades especiais.

Algumas crianças/adolescentes freqüentam escolas especiais e outras não são aceitas sequer

em escolas especiais, porque demandam uma monitoria constante, que estas não oferecem. A

maioria das crianças/adolescentes precisa de ajuda para se alimentar e fazer sua higiene, não

convive com outras crianças e não freqüenta espaços sociais.

O grau de comprometimento mental e motor encontrado neste grupo leva a maioria

das crianças/adolescentes a crescer à parte da vida social desfrutada por seus pares. As

crianças/adolescentes com doenças degenerativas abrem na rotina da família um nicho de

procedimentos necessários à manutenção de seu quadro clínico estável, e se adaptam às

perdas psicomotoras gradativas, que vão lhes exigindo o uso de produtos, órteses e próteses

(engrossador para segurar talheres e brinquedos, espessante para deglutição, traqueostomia

para respiração, gastrostomia para alimentação, óculos e aparelho auditivo, órteses para

postura de braços e pernas, cadeira de rodas). As crianças isoladas criam rituais especiais na

família, mantendo-se em contato apenas com as pessoas e objetos aceitos por elas, exigindo a

manutenção das mesmas roupas, alimentos e programas; nos casos mais graves, elas nem

sequer percebem diferenças no entorno, não manifestando prazer ou desprazer por estar no

colo dos pais ou de pessoas desconhecidas, ou acomodadas em almofadas. As crianças com

dificuldade de aprendizagem são mantidas em escolas onde não se espera nada delas nem se

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investe muito em seu desenvolvimento cognitivo. As crianças com dificuldades motoras são

carregadas pelos cuidadores.

De modo geral, os cuidadores deste grupo descrevem quatro etapas em sua relação

com a criança/adolescente doente: a percepção das dificuldades da criança, a busca de

diagnóstico, a aceitação/recusa do diagnóstico e a adequação da criança/adolescente à vida

pautada pela doença. A primeira etapa, de perceber que sua criança não é igual às outras,

resulta para eles num temor e numa tristeza que só são suplantados pelas dificuldades

encontradas na segunda etapa – a peregrinação em busca do diagnóstico. O grupo tem

adolescentes com dificuldades mentais e motoras que os mantêm sem fala, em cadeira de

rodas, e dependentes de dieta pastosa dada por terceiros, cujos sintomas são inconsistentes

com o diagnóstico que receberam de “autismo” ou cujo diagnóstico, após 20 anos de intensa

busca dos pais, permanece “a ser esclarecido”.

A terceira etapa descrita pelos cuidadores se refere à aceitação ou recusa do

diagnóstico e à busca de tratamento. Entre as crianças com síndromes de isolamento e

comportamento restrito e repetitivo (transtorno invasivo do desenvolvimento, autismo,

síndromes de Angelman, Asperger e Rett), apesar de muitas delas terem boa saúde física e

nem fazerem uso de medicação (a não ser quando há associação com uma doença), o estigma

do diagnóstico leva os cuidadores a procurar confirmação por diferentes médicos, agarrando-

se à esperança de que sua criança seja, pelo menos, um “autista sábio”, como são chamados o

autista de alta-funcionalidade e o portador de síndrome de Asperger, que apresentam boas

habilidades intelectuais (um dos garotos da pesquisa, antes dos dois anos de idade, quando os

coleguinhas comiam o giz de cera que lhes era dado, segurava o giz fazendo pinça fina com

os dedos polegar e indicador, desenhava em perspectiva, escrevia e lia pequenas palavras e

números com dois algarismos e pregava seu desenho na porta do armário, apertando a ponta

do giz nas beiradas do papel encostado no armário, tendo descoberto que a pressão sobre a

madeira encerada liberava a cera que fazia o papel ficar colado). No grupo das crianças com

doenças degenerativas (mucopolissacaridoses, lipofuccinose, leucemia), o temor da morte de

sua criança, renovado por intercorrências de saúde, mantém os cuidadores em luta constante

para lhes oferecer melhor qualidade de vida, associando-se, participando de congressos e

pesquisas, pressionando organizações governamentais e não-governamentais para comprar

medicamentos e constituindo uma grande família, pronta a acolher novos integrantes. Os

cuidadores das crianças/adolescentes com dificuldade ou impossibilidade de marcha (por

mielomeningocele, osteogenesis imperfecta, paralisia cerebral, diparesia e quadriplegia

espásticas) se conformam em carregá-las e, quando possível, ajudam-nas a se locomover

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através de órteses (uma das crianças alcançou autonomia em deslocar-se deitada sobre um

skate, fazendo-o andar com movimentos das mãos no chão). As crianças com dificuldades de

aprendizagem (por retardo profundo ou transtorno de déficit de atenção) costumam freqüentar

escolas especiais, onde seu aprendizado se limita quase que só aos hábitos de higiene e

atividades da vida diária.

Quase todos os cuidadores têm pouca ou nenhuma esperança de que sua

criança/adolescente cumpra as etapas de vida que envolvem completar os estudos, sustentar-

se trabalhando, constituir família e amparar os pais idosos. Eles avaliam que ela vai ser

sempre dependente de cuidados e, após se empenhar anos, levando-a a diferentes terapias,

desistem de resultados próximos dos parâmetros de normalidade. Quando a criança chega à

adolescência, eles se conformam em lhe oferecer uma boa qualidade de vida, deixando que

ela estabeleça rotinas baseadas em suas atividades preferidas, que costumam incluir música,

dança, literatura e artes visuais. Os cuidadores manifestam dois medos antagônicos e

constantes: de que sua criança/adolescente morra antes deles e a vida deles perca o sentido, e

de que eles morram antes dela e ela não seja bem cuidada por outras pessoas.

A construção de dados da pesquisa ocorreu durante cinco meses e se adaptou às

condições e prescrições das crianças e adolescentes. Dentro da perspectiva da Musicoterapia,

as músicas oferecidas às crianças/adolescentes atenderam às suas escolhas, manifestadas por

elas e por seus cuidadores e técnicos ao longo do atendimento. As características e

necessidades das crianças/adolescentes foram consideradas para que a prática musical lhes

fosse acessível e estimulasse conteúdos importantes à sua saúde.

O desenvolvimento humano se faz de forma global, através da influência mútua entre

as funções psicomotoras, com uma aquisição facilitando outras e um impedimento levando a

outros. Para efeito de estudo, a evolução da criança/adolescente pode ser observada em seus

aspectos afetivos (o gosto/não gosto determinando adesões/recusas ao ambiente), motores (o

equilíbrio, movimento e domínio do gesto) e cognitivos (a aquisição de conhecimentos).

Lidando com crianças e adolescentes com graus diversos de necessidades nas três áreas, as

atividades musicais visaram lhes dar experiências afetivas (autoconhecimento, prazer,

expressão de sentimentos e idéias, compartilhamento, toque físico, vinculação com o outro,

adequação social), motoras (movimentação esperada em suas fases de desenvolvimento) e

cognitivas (ampliação de seus conhecimentos acerca do mundo).

Por apresentarem atraso neuropsicomotor decorrente de suas doenças, as crianças e

adolescentes deste grupo de pesquisa apresentam defasagens em suas etapas de

desenvolvimento. Entre os adolescentes do grupo (com idade acima de 12 anos), muitos

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manifestam comportamento infantil, inclusive escolhendo sempre canções e brincadeiras

infantis. Mesmo quando um deles apresenta um colega de grupo como sendo seu namorado

ou namorada, parece apenas seguir uma brincadeira social, não mostrando comportamento

sexualizado em relação ao colega. As musicoterapeutas trabalham a transição deles para a

adolescência pontuando suas escolhas musicais em relação à faixa etária em que se encontram

(“agora nós já cantamos muitas músicas de criança, vamos cantar músicas de gente grande, da

nossa idade?”).

Apenas alguns rapazes do grupo manifestam comportamentos associados à

adolescência, como desejo de namorar, cuidados com a própria imagem, tentativas de andar

em turma com outros adolescentes e vontade de profissionalizar-se e ganhar dinheiro.

Um desses adolescentes, Felipe, freqüenta uma escola regular inclusiva, que mostra

não estar capacitada a lhe oferecer as condições de desenvolvimento processual propostas

pelas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, documento do

Conselho Nacional de Educação que orienta a reorganização dos sistemas de ensino para o

atendimento ao aluno com necessidades educacionais especiais. O rapaz assiste às mesmas

aulas que os colegas sem ter um monitor que o ajude a aprender os conteúdos ensinados; faz

as mesmas avaliações que sua turma e se entristece ao receber nota zero em todas elas; e é

sempre passado para a próxima etapa, o que não o ajuda a compreender a noção de causa-

efeito de seus fracassos. A escola também não está capacitada a monitorar seu convívio com

os colegas, que aproveitam de seu atraso cognitivo e de sua vontade de fazer parte do grupo,

abusando sexualmente dele e levando-o a fazer a parte mais perigosa das infrações que

cometem, o que fez a família recorrer várias vezes ao Conselho Tutelar. Tendo feito 16 anos,

ao envolver-se num crime, colocando em risco a segurança da família, o Conselho Tutelar

manifestou completa incapacidade de lidar com sua necessidade especial e orientou a família

a entregá-lo à polícia para “passar um mês detido, porque já foi avisado de que, após fazer 16

anos, está por conta própria”.

No período da pesquisa, um grande investimento da família e dos terapeutas conseguiu

que Felipe alcançasse resultados inesperados em linguagem e matemática, muitos dos quais a

mãe creditou à musicoterapia. Segundo a avaliação feita pela mãe, o aprendizado dos

dedilhados para o toque do teclado estimulou o desenvolvimento motor do adolescente; sua

busca de independência de cada um dos dedos criou novas conexões de neurônios disponíveis

a outros aprendizados; lidar com adições e subdivisões na duração das notas e resolver

questões de dedilhado ativaram seu raciocínio matemático; seu empenho em tocar músicas

“de adulto” lembrava-o de sua idade e de adquirir comportamentos condizentes com ela; seu

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prazer em tocar músicas de que gostava, e de apresentá-las para as pessoas, o fez ver-se como

músico e aparecer positivamente diante dos colegas, sem a necessidade de aceitar as

imposições destes, e o fez ver os colegas sob novo ângulo, como pessoas que “nem tocavam

um instrumento musical”.

Outro adolescente, Reinaldo, que, apesar das dificuldades de sua condição autista e

alguns outros comprometimentos associados, conseguiu, com grande empenho da família,

aprender a cantar e a tocar violão, apesar de tocar em todos os eventos de sua cidade, não

recebe pagamento para isso. Agora, ao completar 18 anos, seu atendimento de musicoterapia

o tem direcionado a diversificar seu repertório musical, de forma a atender às expectativas de

pessoas que o procuram para tocar em casamentos, missas e shows, e começar a cobrar por

suas apresentações. A idéia de que ele construa uma profissão que lhe permita manter-se

procura atender ao seu desejo de ter camisetas e tênis de grife, e à demanda de seus pais, que

já são idosos, e gostariam de vê-lo autônomo em manter-se. Como é próprio do

comportamento autista, ele mostra muita dificuldade em tocar o que não gosta, e seu desejo de

ter coisas de adolescente tem amparado a insistência da musicoterapeuta em cobrar dele novos

repertórios.

Além desses dois, um grupo de adolescentes sem dificuldades psicomotoras notáveis,

que está terminando o segundo grau em escola regular, iniciou atendimento de musicoterapia

para aliviar a tensão de estarem se preparando para o vestibular.

Os dados construídos no contato de crianças e adolescentes com os recursos musicais

foram classificados quanto ao recurso predominante na atividade. A análise dos dados

identificou os estímulos propiciados pelo recurso musical à criança/adolescente, observando o

que ela não fazia sem música e se sentiu estimulada a fazer a partir da experiência musical.

Aspectos específicos da natureza do recurso musical foram investigados, buscando conexões

entre eles e as respostas desencadeadas, de forma a se pensarem possibilidades de seu uso

terapêutico.

A análise dos dados ocorreu durante o oferecimento das práticas musicais, pelo

dinamismo das situações vivenciadas (MINAYO, 1996). Foram interpretados e agrupados

comportamentos e falas presentes nas sessões e nas entrevistas, buscando descobrir conteúdos

e estruturas que indicassem a existência de outros sentidos. O critério de exaustão estabeleceu

o número de observações a partir das quais as repetições, por parte dos sujeitos, mostravam

que os conceitos já haviam sido saturados e novas entrevistas não acrescentariam informações

diferentes (MINAYO, 1996). A técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (LEFÈVRE;

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LEFÉVRE, 2003) foi adotada para garantir a inserção de práticas musicais menos

representadas, em processo de surgimento ou desaparecimento, trazidas pelos participantes.

A análise dos dados seguiu as concepções da abordagem fenomenológica ao buscar

apreender o recurso musical como objeto constituído pelo horizonte de utilização terapêutica,

contextualizado em surgimento e manutenção a partir de seus determinantes sociais.

Considerando que a experiência musical, no contexto terapêutico, lida com objetos passíveis

de criação e recriação contínua (o objeto de arte e de lazer transformado em objeto de terapia),

esta orientação se mostrou adequada ao supor, na observação do recurso musical, a presença

constante do que Edmund Husserl chama de “horizonte de indeterminação”: um conjunto de

caracteres não-dados ou não-percebidos e a possibilidade de infinitas percepções

(DARTIGUES, 2003).

Os dados subsidiaram a análise da relevância dos recursos musicais na saúde das

crianças e adolescentes; estabeleceram relações entre eles e as alterações de comportamento

destas; identificaram práticas musicais que podem ser desenvolvidas por elas em diferentes

condições de saúde; reconheceram nelas aspectos específicos do recurso musical utilizado;

propiciaram estabelecer padrões de atuação destes e sua organização em possíveis técnicas; e

direcionaram práticas musicais a aquisições psicomotoras e populações específicas.

Respondendo a seu objetivo, os resultados construídos por esta pesquisa configuram um

mapeamento dos recursos musicais aplicáveis à saúde das crianças e adolescentes.

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5. Resultados

O mapeamento dos recursos musicais direcionados à saúde mostra que os jogos e

brincadeiras musicais tiram as crianças/adolescentes da letargia, tornam-nas alertas e

participativas, e lhes oferecem conhecimentos e o compartilhamento de momentos prazerosos

com o outro. A apreciação musical lhes dá acesso à expressão de diferentes tempos, espaços e

visões de mundo, e à evocação e reelaboração de suas próprias vivências, emoções e fantasias.

O poder narrativo e mnemônico do canto, além de lhes ajudar a seguir seqüências complexas

e memorizar informações, lhes propicia o aprimoramento da fala e a adoção de uma

linguagem expressiva que lhes ajuda a afirmar sua individualidade acima de sua doença. O

efeito tônico dos instrumentos musicais os desperta e impulsiona ao movimento organizado, à

construção elaborada e à participação prazerosa em conjuntos instrumentais. A criação

musical lhes faculta a construção de uma identidade positiva, o afloramento de uma

criatividade inesperada em meio a suas dificuldades psicomotoras, e uma via organizada,

adequada e valorizada de expressão de seus sentimentos e idéias. A dança os leva a enriquecer

sua imagem corporal e a aprimorar suas habilidades ambulatórias. Os ensaios e apresentações

musicais lhes possibilitam apresentar-se diante do outro de forma positiva, mostrando sua

força e alegria e sua capacidade de ter sucesso.

A música insere-se facilmente na rotina dos ambientes de saúde (SMI1, STO1). Por

ser parte da cultura e estar ligada a atividades importantes, prazerosas e significativas, ela é

familiar à criança/adolescente e é aceita a priori por ela. (SMI1, STO1). Com todo o prejuízo

psicomotor decorrente de sua doença, a criança/adolescente já faz diversas atividades

musicais: aprecia a performance de seus músicos preferidos, canta canções aprendidas em

casa ou na escola, compõe canções e toca instrumentos musicais de brinquedo (SMI2, SMI9,

STO3). Seu cuidador a apresenta dizendo que ela “adora música” (CMT10, STO1, STO5,

STO7, STO9) e descreve seus hábitos e preferências musicais (CMT10, STO1, STO3, STO7,

STO9). Mesmo sem ter formação musical, o cuidador usa vários recursos musicais para

facilitar a rotina diária da criança/adolescente, identificando intuitivamente o potencial dos

recursos e direcionando-os a objetivos específicos (CMT6, CMT13, CMT17, STO1, STO3,

STO5, STO9).

Antes de acontecer efetivamente na prática da pesquisa, a música surge no imaginário

da criança/adolescente e de seu cuidador como uma chance de melhorar o ambiente povoado

por sentimentos de tristeza, incompreensão, revolta e medo diante da doença (SMI1, SMI2,

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STO1). Tendo já introjetada a idéia de que “música sempre é bom” (SMI1), crianças,

adolescentes, cuidadores e técnicos recebem com interesse as propostas musicais e se dispõem

a participar delas, inclusive substituindo outras atividades (SMI1, STO4).

Por sua diversidade de formas, a música é acessível a crianças/adolescentes com

comprometimentos de saúde diversos, se adequa às suas condições físicas e mentais, lhes

oferece experiências de sucesso e prazer e lhes estimula desenvolvimento psicomotor (CMT8,

SMI1, STO1). Atividades musicais simples propiciam à criança/adolescente familiarização

rápida com seus materiais e procedimentos, e levam-na a um desempenho musical superior ao

que ela apresenta em outras áreas psicomotoras (CMT17, SMI1, STO1), abrindo uma trilha de

sucesso em sua vida cheia de experiências de fracasso (SMI1, SMI2, SMI4, STO1). A

atividade musical transcorre satisfatoriamente mesmo na sala de medicação, com

movimentação contínua de pacientes revezando leitos e de técnicos medindo seus índices e

reajustando máquinas barulhentas (SMI5).

Pelo fato da música induzir na pessoa o desenvolvimento de uma relação pessoal com

ela, relaxando as fronteiras entre seu mundo interno e externo, e suscitando associações

(BRUSCIA, 2000: 2), as práticas musicais levam a criança/adolescente, acostumada ao

desgaste emocional resultante dos procedimentos terapêuticos, a manifestar alegria e

envolvimento pelas propostas musicais, modificar posturas e atitudes para alcançar resultados,

relacionar a música à sua vida e levar para o ambiente de saúde acontecimentos vividos fora

dele (SMI5, SMI6, STO1). Constituindo uma linguagem expressiva, a música estimula a

expressão da criança/adolescente, lhe propicia cantar e tocar o que quiser, defender suas

escolhas (CMT8, CMT9, SMI2, SMI9, STO2), expressar sua individualidade, falar de si,

compartilhar acontecimentos (SMI5, SMI9), trazer para a sessão instrumentos musicais, CDs

e DVDs preferidos (CMT1, CMT2, CMT3, CMT19) e lidar com problemas sérios que a

família julgava impossível ela assumir (CMT18).

A organização da música acalma e organiza a criança/adolescente (CMT5, CMT6,

CMT7, STO3, STO5), estimula-a a pronunciar novas palavras (CMT1, CMT5, STO2, STO4,

STO7) e a realizar novos movimentos (STO1, STO2, STO4, STO5), aumenta sua

concentração (STO5, STO9) e seu interesse por música (CMT16), favorece seu bom-humor

(STO7) e sua interação social (CMT19, SMI2, SMI4, STO2). Uma mãe diz que seu filho

“depois que começou a fazer Musicoterapia melhorou em tudo, mesmo quando chora não é

como antes, ficou muito mais calmo” (STO9).

Os comportamentos adquiridos nas práticas musicais se estendem além delas. Ao sair

da Musicoterapia, chegar em casa e continuar cantando e tocando, a criança/adolescente

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mostra que o estímulo da música se mantém depois que ela muda de ambiente (STO5). A

vontade de continuar fazendo música induz a criança/adolescente a levar para casa os objetos

das práticas musicais, e o material de música a atrai de volta à próxima sessão (CMT15,

CMT16). O interesse da criança/adolescente pela música se mantém mesmo quando ela é

hospitalizada (STO9).

A música se estende ao entorno da criança/adolescente, insere-se em seus outros

espaços (STO4) e motiva a participação do cuidador (CMT6, CMT7, CMT15, CMT17, SMI1,

SMI2, SMI4, SMI5, SMI9, SMI10, STO1). Este se entusiasma com a possibilidade de sua

criança/adolescente desenvolver habilidades musicais (SMI5, STO1) e sente segurança em

fazer música com ela, sem pedir ajuda ao musicoterapeuta, mostrando confiança no potencial

da música para gerar resultados (CMT19, CMT20, STO1, STO4, STO9). O cuidador sente

segurança em deixar a criança/adolescente na atividade musical (CMT6) mesmo durante

agravamentos de saúde (STO9), estimula sua participação (CMT8) e de outros familiares

(CMT13), aproveita as atividades musicais e lamenta que outros parentes as percam (CMT7,

CMT15), se diverte nelas (SMI2), quer aumentar seus horários (SMI2), expressa as próprias

angústias (CMT13), vai ao atendimento sem a criança/adolescente para usufruir da música

(CMT19), se aconselha com o musicoterapeuta (CMT14), se mostra grato a ele (CMT15,

CMT18, CMT19, CMT21) e o acolhe na rede de apoio que cria no ambiente de saúde

(STO1). Subvertendo a idéia de que um hospital não é um lugar ao qual as pessoas almejem

ir, a mãe de uma criança que não vem à medicação toda semana comenta com pesar que a

próxima volta delas “vai demorar” (SMI2).

Ainda que não trouxesse nenhum outro benefício à criança/adolescente, o valor da

música já se comprovaria pelo acolhimento de seu cuidador, uma figura permanente na rede

de saúde da criança/adolescente, determinante do sucesso ou fracasso de seu tratamento, e

com a qual esta rede não sabe bem como lidar. Relegado quase sempre à desconfortável

posição de estar incomodando os profissionais de saúde, sem espaço próprio, distante de sua

casa e dos outros membros da família, sem cuidados específicos às suas necessidades, o

cuidador sofre de desatenção crônica por parte dos ambientes de saúde. Assim, se a música

lhe oferece uma ilha de prazer e descontração em meio à situação de angústia vivida,

fortalecendo-o para continuar cuidando de sua criança/adolescente, ela também lhe propicia

tornar-se sujeito perante o grupo com o qual convive tão estreitamente. Durante a pesquisa,

vários cuidadores surpreenderam os outros cuidadores com habilidades musicais até então

desconhecidas, inclusive deles mesmos. A presença do violão nas atividades musicais abre

caminho para que o pai de Alessandro cante e toque músicas do tempo em que formava uma

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dupla sertaneja e participava de programas de rádio no Teatro Francisco Nunes, e que a mãe

de Samuel se apresente como sendo de uma família de violeiros, cujo pai “tocava no

Caxangá” (programa de músicas sertanejas no rádio), e seja reconhecida pela mãe de

Giovanna como sendo “da linhagem”. A descontração das atividades musicais possibilita à

mãe do Luiz avaliar as interpretações musicais e propor outras instrumentações (“essa música

fica legal com sanfona”). A acessibilidade do repertório musical propicia à mãe do Miguel, à

mãe e irmãs do Felipe, às babás do Paulo e do André, e aos pais do Gustavo, o prazer de

aprender a tocar um instrumento musical.

O técnico mostra esforço adaptativo às práticas musicais, remaneja pacientes para

colocar na pesquisa os que respondem menos ao tratamento, acredita que o estímulo musical

dará resultados (STO1, STO8), adota conhecimentos construídos na pesquisa, oferece práticas

musicais ao paciente sem pedir ajuda à musicoterapeuta (STO2), e relata que sem a música a

criança/adolescente não conseguiria alcançar os objetivos de seu plano terapêutico (STO9). A

percepção de que o contato com a música é possível ao não-musicista abre espaço para que

ele se interesse em enriquecer sua formação profissional com o uso da música.

Embora as práticas musicais sejam dirigidas a crianças e adolescentes, adultos e idosos

que estão próximos ao local de atendimento entram espontaneamente nas atividades,

mostrando aceitação da música de um grupo social por outros (SMI2, SMI5, SMI6). A música

propicia agrupamentos prazerosos de crianças, adolescentes, adultos e idosos (CMT20),

estimula trocas benéficas entre pacientes, cuidadores e técnicos (CMT1, CMT18) e abrilhanta

as comemorações dos dias festivos (CMT9).

Por ser prazerosa, organizada e rica em possibilidades, a música adapta-se às rotinas

terapêuticas e cria uma nova paisagem no ambiente de saúde. A criança/adolescente manifesta

vontade de ir ao local de fazer música (CMT12), descrito pelo cuidador como “o lugar que ela

mais adora” (CMT13). A música desperta na criança/adolescente um interesse que ultrapassa

apenas se ocupar de alguma coisa durante o atendimento de saúde (SMI12, SMI3). Mesmo

estando muito fraca (CMT14), ela se dispõe a agüentar o desconforto da medicação (SMI1,

SMI5) e mostra melhora de humor e sociabilidade (SMI2, SMI4, STO3, STO4, STO6,

STO9). A criança/adolescente que habitualmente dormia durante a medicação e não percebia

os colegas, sente-se motivada a ficar desperta, participando das atividades e interagindo com

eles (SMI5).

No ambiente de saúde enriquecido pela música, a criança/adolescente estende seu

tempo de permanência (STO6) e faz música quando está dispensada dos procedimentos de

saúde (SMI5). A criança/adolescente que vem ocasionalmente quer ter atividades musicais

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(SMI2) e lamenta não vir mais vezes (SMI9); a que é atendida em outro dia da semana pede

para ter música em seu dia (SMI5); a que está de férias visita o musicoterapeuta e age como

se estivesse em sessão, procurando fazer atividades musicais (CMT14). O cuidador leva a

criança/adolescente em dias além de seu horário (CMT16) e procura repor horários perdidos

(CMT18). Quando a sessão dos sujeitos da pesquisa é desmarcada, outros pacientes presentes

à sala pedem que a sessão de Musicoterapia seja feita com eles (SMI3, SMI7).

5.1. Jogos e Brincadeiras Musicais

A característica mais marcante dos jogos e brincadeiras musicais como objeto

terapêutico mostra ser sua capacidade de oferecer à criança/adolescente formas lúdicas

desta se relacionar com o ambiente, incorporando e elaborando os elementos do

mundo em movimentação prazerosa e estimulante (CMT1, CMT2, SMI3, STO1).

Adaptando-se à sua capacidade e interesse (SMI3), os jogos e brincadeiras musicais

dão à criança/adolescente tarefas condizentes com suas possibilidades mentais e

motoras (CMT21), atuam na elevação de sua auto-estima (SMI3) e lhe permitem

manifestar preferências (CMT3).

Por serem acessíveis, os jogos e brincadeiras musicais acolhem e estimulam a

criança/adolescente, mesmo em estado de grande fragilidade física (CMT3), e lhe

asseguram diversão (CMT3, STO2) ainda que ela não compreenda suas regras.

Espontaneamente, a tradição do jogo infantil já criou uma forma amorosa de acolher a

criança/adolescente incapaz de compreender ou executar suas regras, dando a ela o

papel de “carta branca”, figura que transita pelo jogo sem seguir regras e é aceita pelos

participantes sem que estes denunciem a ela sua condição especial. Mesmo que o

propósito de um jogo musical não seja alcançado, este pode resultar em ganhos para a

criança/adolescente, possibilitando que ela aprecie música, conviva com colegas e

aproveite outros aspectos da atividade, como a cor ou forma dos objetos envolvidos

nela. E um jogo musical difícil ainda pode estimular a criança/adolescente a se

esforçar mais, mantendo-o como um horizonte a ser almejado (CMT2, CMT8).

Sendo prazerosos e oferecendo chances de sucesso, os jogos e brincadeiras

musicais induzem na criança/adolescente a prontidão, a atenção seletiva, a

concentração, o esforço por resultados e o aumento do tempo de dedicação (CMT17,

SMI5), imprescindíveis aos seus processos de aprendizagem ao longo da vida. As

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atividades possibilitam à criança/adolescente estreitar laços afetivos consigo, com o

outro, e com o ambiente, corrigindo e atualizando seu desenvolvimento atravessado

pela doença. Além disso, eles introduzem na vida dela mais chances de sentir alegria

(CMT20, CMT21), ampliam seu esforço para obter resultados e lhe dão a gratificação

que eleva sua auto-estima (SMI5). Eles levam a criança/adolescente a criar suas

próprias brincadeiras, estabelecendo normas (STO5) e apresentando-as ao outro

(CMT9). Facilitados, os jogos e brincadeiras musicais lhe parecem tão interessantes

que, quando dois deles acontecem simultaneamente, ela se esforça para ter sucesso em

ambos (SMI6). Para um menino com pouca resposta psicomotora, como Vinícius,

preso à cadeira de rodas por uma paralisia, e avaliado pela clínica de terapia

ocupacional como sem resposta a estímulos, a confusão sonora resultante das

brincadeiras musicais do grupo mostra ser um incentivo irresistível a fazer parte delas,

virando o rosto para o lugar onde elas acontecem, prestando atenção ao seu desenrolar,

e rindo dos colegas que cantam, tocam e dançam (STO6, STO8).

Por familiarizar a criança/adolescente com formas de representação simbólica,

através de relações, falas e gestos usados intencional e significativamente, os jogos e

brincadeiras musicais estimulam nela o autoconhecimento e a vinculação com o outro.

Os jogos e brincadeiras permitem à criança/adolescente (mesmo a que não fala)

expressar idéias, relacionar-se com o outro através de atitudes de

afirmação/aceitação/rejeição (CMT2, CMT10, CMT16), e aceitar ajuda sem que sua

dificuldade seja evidenciada, pois a interação é parte da atividade (CMT1). A

consciência de estar presente no instante da brincadeira, sabendo que está brincando e

podendo iniciar/continuar/parar a brincadeira quando quer, dá a ela uma das poucas

oportunidades de autonomia sobre sua vida, afetada de diversos modos pela doença.

Por serem interativos, os jogos e brincadeiras musicais criam climas de

companheirismo e ajudam a criança/adolescente a estabelecer vínculos interpessoais

(CMT1). O contato com regras a leva a experimentar vivências de

obediência/transgressão e a acatar formas de adequação social (CMT2). O modo

lúdico como os elementos do mundo são tratados nos jogos e brincadeiras musicais

estimula a inventividade da criança/adolescente e lhe oferece distintas maneiras de

perceber, apreender e se vincular aos elementos do mundo, experimentando e

expressando diferentes formas de ser/agir (CMT21, STO6).

Por se apoiarem na dinâmica de tarefa/resultado, os jogos e brincadeiras

musicais propiciam à criança/adolescente viver situações de tensão/relaxamento,

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concentração/descontração e fracasso/sucesso (CMT17, SMI5). Ver eventuais

fracassos como parte da brincadeira (CMT9) e tensão e expectativa resultarem em

gratificação e alegria (SMI6, STO2) melhora as expectativas da criança/adolescente

quanto à própria saúde (CMT21) e aumenta sua adesão ao tratamento (CMT17,

SMI5). Ter o espaço de saúde aberto a atividades musicais lúdicas a faz querer vir à

próxima sessão (CMT14).

Jogos musicais baseados na exploração das possibilidades corporais da

criança/adolescente estimulam sua consciência corporal e seu domínio motor. A

alegria da criança/adolescente em experimentar e controlar gestos e sons produzidos

com a boca, mãos e pés a faz investir no domínio de seus movimentos e a se interessar

pelo conhecimento de partes específicas de seu corpo, compreendendo-o como um

todo, com seus limites e possibilidades, no tempo e no espaço, instrumento de sua

expressão (SMI3, SMI5, SMI8). As experimentações corporais desencadeadas pelos

jogos e brincadeiras musicais fortalecem a confiança da criança/adolescente no

próprio corpo, levando-a a substituir movimentações estereotipadas (CMT6), a usar

membros paralisados e a levar membros saudáveis a assumir funções destes (STO3).

Um exemplo está na brincadeira musical “Levanta e toca”, que leva a criança

hemiplégica a se esforçar para acompanhar com o braço paralisado o movimento

sugerido pela canção, que diz “levanta e toca / levanta e toca / levanta lá no alto /

muito bem”. Tendo o teclado à sua frente, e motivada pelo som que resultará de seu

toque, a criança levanta e abaixa o braço paralisado duas vezes, acompanhando a letra

dos dois primeiros versos, que diz “levanta e toca”. No terceiro verso, a ampliação do

movimento de seu braço é solicitada pela letra que se estende propondo uma variação

no movimento (“levanta lá no alto”), a harmonia configura um momento de tensão,

pelo uso dos acordes de IV e V7, e a dinâmica da canção introduz um rallentando, que

estica gradativamente a suspensão da mão da criança no ar, antes dela baixá-la para

receber a gratificação anunciada pelo “muito bem” final (STO7).

Por encadearem ações que configuram ritos, exigirem o cumprimento de regras

combinadas entre os participantes, e serem delimitados no espaço e no tempo, os jogos

e brincadeiras musicais levam a criança/adolescente ao desenvolvimento de seus

potenciais e à adequação social. Simultaneamente instantâneos e infindáveis, ao

mesmo tempo em que exigem a presença integral da criança/adolescente, os jogos e

brincadeiras musicais criam situações que lhe oferecem prazer muito tempo depois,

quando ela se lembra de alguma coisa relacionada à atividade. E, por portarem

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diferentes conteúdos pedagógicos, eles ampliam os conhecimentos dela (CMT1,

CMT2, CMT3, SMI4, SMI6).

Os jogos e brincadeiras musicais se estendem ao cuidador, mobilizando o

interesse, a participação e a ajuda deste (SMI6). Eles favorecem que o cuidador

estabeleça melhor contato com sua criança/adolescente (CMT2) e amplie sua

percepção de si mesmo como importante para ela (CMT8) e capaz de ajudá-la em

situações além dos cuidados (SMI3, SMI5). O caráter divertido dos jogos e

brincadeiras musicais leva o cuiddor a se envolver neles, mesmo quando sua

criança/adolescente não está participando, levando-o a se perceber independente dela

(SMI5). A participação voluntária do cuidador nos jogos e brincadeiras musicais

mostra a confiança deste em que ele também se beneficia deles e que eles lhe

proporcionam suporte emocional em meio às angústias vividas pela situação de

doença (SMI5). A brincadeira grupal de sua criança/adolescente estimula-o a perceber

e a acompanhar outras crianças e cuidadores, e a sentir-se parte do grupo (SMI6,

STO2).

Os jogos e brincadeiras musicais criam uma paisagem dinâmica e alegre no

ambiente de saúde. Eles podem ficar disponíveis à criança/adolescente em espaços

próprios para seu desenrolar, aonde ela possar ir quando não estiver ocupada por

outros procedimentos, e podem ser levados aos locais de onde ela não possa se

deslocar. Para garantir o acesso à criança/adolescente em diferentes idades e com

diferentes necessidades, os jogos e brincadeiras musicais podem se agrupar por suas

características, materiais, procedimentos, conteúdos mobilizados, número de

participantes adequado à atividade e adaptações a situações específicas. A

compreensão dos conteúdos mobilizados pelos jogos e brincadeiras musicais propicia

ao profissional de saúde avaliar os estágios de desenvolvimento da criança/adolescente

através da forma como ela se organiza para brincar, como assume e distribui papéis,

como entende e responde às etapas da atividade e como reage a episódios de

sucesso/fracasso (CMT10, STO7).

Conjugados aos outros atendimentos da criança/adolescente, os jogos e

brincadeiras musicais estimulam nela atitudes de alegria e prontidão para respostas

(CMT20, CMT21) e reforçam seus aprendizados (CMT3). Brincadeiras musicais com

deslocamentos espaciais e desvio de obstáculos levam a criança/adolescente a

introjetar conteúdos de organização espaço-temporal (CMT9); jogos de conhecimento

musical ampliam sua discriminação auditiva; brincadeiras musicais repetitivas

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favorecem sua compreensão de atividades estruturadas. Os jogos musicais vocais e

lingüísticos favorecem a aquisição e aprimoramento da linguagem verbal, estimulam a

criança/adolescente à exploração das construções verbais, familiarizam-na com

elementos comuns à linguagem musical e verbal (como prosódia, pronúncia,

articulação, expressão e interpretação) e enriquecem seu vocabulário (CMT9). Além

disso, todos os jogos e brincadeiras musicais oferecem à criança/adolescente a

apreciação da música que os orienta e induzem seu conhecimento sobre ela (CMT20).

Jogos não-musicais se enriquecem adotando elementos musicais e de outros campos

artísticos (CMT20).

Jogos musicais com ilustrações de músicos tocando instrumentos musicais,

como “A grande orquestra” (jogo de tabuleiro em que o jogador ganha diferentes

instrumentos musicais até formar uma orquestra), despertam a curiosidade da

criança/adolescente, familiarizam-na com os instrumentos musicais, estimulam

reflexões e escolhas pessoais sobre eles, facilitam seu reconhecimento deles, e, por

terem fichas com escrita facilitada por desenhos e números, lhe propiciam atitudes de

leitura (CMT17).

A brincadeira “Barquinho”, com duas crianças sentadas frente a frente, de

mãos dadas, balançando-se ao som da canção “Que coisa boa é navegar” (que coisa

boa é navegar/ coloca a Bebel no barco do mar/ olê olê olê olá/ cuidado pra onda não

te molhar) estimula o prazer de balançar-se ritmadamente; o contato físico, a

percepção e interação com o outro (STO6); e a confiança em deixar-se levar, puxar e

empurrar pelo outro (STO2, STO3). Citar a cada vez o nome de uma pessoa, leva a

criança/adolescente a procurar e localizar com os olhos a pessoa citada, e a escolher

para quem a música vai ser cantada a cada vez (STO7). Ela favorece também o

reconhecimento de princípio-meio-fim da atividade e induz o aplauso prazeroso ao fim

da canção (STO5).

A brincadeira “A voz do bichinho” leva a criança/adolescente a fazer sons

onomatopaicos correspondentes a cada animal citado pela letra da canção, estimulando

a produção de sons articulados rumo à aquisição da linguagem falada (STO7), como

nas canções “Cachorrinho está latindo” e “O velho MacDonald”. Na brincadeira

musical “Canção da caminhada até o topo da montanha”, a música orienta as crianças

a caminhar em fila, segurar-se na cintura umas das outras, desviar-se de obstáculos,

expressar corporalmente a letra da canção, perceber o movimento de caminhada no

balanço dos quadris do colega da frente e introjetar conteúdos de organização espacial

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(CMT9). A brincadeira “Caminhar tocando”, que posiciona objetos pela sala e

estimula a criança/adolescente a caminhar tocando um instrumento musical, no ritmo

da canção, até chegar a determinado objeto, a induz à atividade de marcha (STO4).

Na brincadeira “Canção de comando”, a letra da canção direciona os gestos da

criança/adolescente, estimula respostas motoras e mentais, anima-a a se esforçar para

fazer os gestos pedidos, lhe proporciona diversão e atenção a ordens, amplia seu

repertório e a expressividade de sua linguagem corporal (SMI3, SMI4, SMI5, SMI6,

STO2), e induzem a compreensão, memorização e treino das rotinas diárias (STO4). A

brincadeira “Cantando AEIOU” evidencia e reforça elementos lingüísticos como sons,

fonemas, letras, palavras, aliterações, trava-línguas, anagramas, cacófatos, trocadilhos,

elisões e códigos de linguagem, como em “O rei Felipe VII” (SMI4).

O jogo “Cantar assim”, em que a criança/adolescente canta uma canção

variando algum parâmetro musical (altura, duração, intensidade ou timbre), desperta,

mantém, e permite avaliar sua atenção, prontidão e empenho para perceber e

discriminar semelhanças e diferenças, sua capacidade de compreensão e resposta, sua

vinculação ao musicoterapeuta e sua satisfação diante do sucesso (CMT19). Na

brincadeira “Cantar junto/alternado”, a criança/adolescente tem momentos definidos

para cantar/silenciar, o que a estimula a manter contato visual com o outro e a se

manter atenta às suas indicações (CMT18). O jogo “Complete a letra da canção”, em

que a criança/adolescente completa o final de frase cantada pela musicoterapeuta,

incentiva a interação com o outro, a adequação social, a orientação temporal e a

aquisição da linguagem falada (CMT10). O jogo “Compositores”, que emparelha

cartelas com fotos/nomes/épocas/peças de grandes músicos, familiariza a

criança/adolescente com o mundo da música, aprofundando aspectos de sua história,

conhecendo a vida dos compositores e se comparando a eles, em suas possibilidades

de produzir música (CMT21).

O “Concurso da canção mais colorida”, em que as crianças colorem a folha

com a letra ilustrada das canções que estão cantando e apresentam seus trabalhos para

receber aplausos do grupo, amplia a atividade musical, introduz a criança/adolescente

no campo das artes visuais, substitui movimentações estereotipadas, estimula

conteúdos de leitura e escrita, cria atitude de prontidão, propicia a memorização e a

lembrança de conteúdos trabalhados anteriormente e resulta em proximidade afetiva

(CMT6). Ele estimula a criança/adolescente que tem dificuldades motoras a se

esforçar para colorir melhor (SMI3) e encoraja a que tem a mão dominante presa à

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máquina de administração de medicamentos a se esforçar para colorir com a outra mão

(SMI8). O concurso atrai a ajuda do cuidador e oferece a ele e a sua

criança/adolescente uma atividade prazerosa (SMI4).

A brincadeira “Cubo dos bichinhos” usa um cubo de espuma com um guizo

dentro, revestido com tecido ilustrado por um animal em cada face. Quando o cubo é

jogado para cima e cai no chão, a face que fica para cima expõe o desenho que

determina a próxima música a ser cantada, que deve falar desse animal, estimulando a

associação das músicas às imagens e a criação de músicas relacionadas à ilustração

(CMT20). A brincadeira “Duas músicas/dois instrumentos” com a interpretação

alternada de duas canções, às quais a criança/adolescente deve acompanhar com dois

diferentes instrumentos musicais, cada um correspondendo a uma delas, leva-a a

discriminar músicas diferentes e reagir de formas determinadas a cada uma delas,

estimulando sua percepção auditiva e sua prontidão para a atuação (CMT20). O jogo

“Joga bola”, com duas crianças/adolescentes sentadas frente a frente jogando a bola

uma para a outra, no ritmo de uma canção, estimula a percepção e interação entre elas

e lhes favorece estabelecer relacionamentos interpessoais (CMT1).

A “Lenga-lenga”, ou canção acumulativa, ou canção sem fim, é uma forma

musical baseada na introdução de elementos que a tornam interminável, e reforça os

processos de seqüência, composição e memorização, como na canção “Era uma velha

que tinha um gato”, em que a letra introduz um novo aminal a cada estrofe. A

brincadeira “Música de ... (correr, esperar, dançar...)”, em que a música determina a

atividade a ser feita, estimula a discriminação auditiva e disciplina o movimento da

criança/adolescente hiperativa, levando-a a respeitar os comandos (CMT20). A

brincadeira “Música com nome” insere na letra da canção o nome de cada

criança/adolescente, levando-a a reparar nos colegas, e pode ser feita com a variação

de cada um que for nomeado escolher o próximo nome a ser cantado (SMI5).

O jogo “ofereço essa música para ...”, em que a criança/adolescente relaciona a

música cantada a alguém de suas relações, mobiliza o afeto dela, possibilitando-lhe

expressar sentimentos relacionados às pessoas do seu entorno (CMT15). A brincadeira

“O sapo não lava o pé”, em que, após a letra tradicional, a canção é cantada com o

nome de cada criança/adolescente, perguntando se ela lava o pé, favorece o

aprendizado de conteúdos de higiene pessoal (SMI5).

A “Parlenda”, declamação ritmada de palavras ou frases, com ou sem melodia,

também chamada de “mimo” ou “brinco”, é um dos primeiros jogos musicais que a

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criança cria, com sons vocais e depois com palavras. Parlendas com letras elaboradas

mostram sua apropriação pelo adulto, com o intuito de brincar com a criança, lhe

oferecendo conceitos afetivos e de conhecimento do mundo. Declamando “serra, serra,

serrador, serra o papo do vovô”, ele a balança apoiada em seus joelhos e segura pelas

mãos. À medida que a criança cresce, a parlenda adota variações que mostram seu

objetivo de apreender o mundo. Para memorizar números, ela incorpora o texto “serra,

serra, serrador, quantas tábuas já serrou? Uma, duas, três...”. Na brincadeira coletiva, a

parlenda assume caráter competitivo, incorpora trava-línguas e exige imitação de

gestos. No atendimento terapêutico, a parlenda direciona a obediência da

criança/adolescente aos seus parâmetros rítmicos, e atua na aquisição do ritmo regular

que subsidia seus processos de fala e de movimento. Sua estrutura baseada na

repetição lúdica facilita a memorização de conteúdos portados pela letra. Algumas

parlendas dão ritmo às brincadeiras infantis ou lhes oferecem formas de se escolher o

pegador.

A brincadeira “Pirulito que bate bate”, em que duas crianças/adolescentes,

frente a frente, alternam formas de baterem-se as mãos, lhes favorece trabalho em

equipe, confiança no outro e percepção do contato físico com o outro como fonte de

gratificação (STO2), incentivando a criança com polegares inclusos a abri-los (STO4).

Na brincadeira “Qual é a música?”, a criança/adolescente tenta reconhecer canções

tocadas no instrumento musical; ao usar canções conhecidas por elas, ela lhes favorece

alcançar sucesso (STO1). A brincadeira “Quem sabe cantar uma música de...”, em que

a criança/adolescente deve cantar ou tocar uma música com as características pedidas

pela musicoterapeuta, estimula a prontidão para a resposta, a busca pela memória e

experiências de sucesso em competição socialmente aceitável (CMT12).

A brincadeira de “Roda”, com as crianças/adolescentes em círculo, de mãos

dadas, cantando canções e fazendo deslocamentos orientados por letra com conteúdos

diversos, estimula aquisições afetivas - como dar as mãos a diferentes companheiros,

compartilhar atividades divertidas, manter contato visual com os colegas (STO8),

observar e admirar o outro, desenvolver sentimentos de gratidão e confiança pelos

amigos que tornam possível a brincadeira, manifestar preferências, criar vínculos

afetivos e demonstrar afeto -; aquisições motoras, como toque físico, andar no ritmo

da canção, deslocar-se para a direita/esquerda e frente/trás, equilibrar-se num pé só,

pular, rodar, fazer gestos determinados pela letra da canção e usar membros

paralisados (STO3) -; e aquisições cognitivas, como planejar e executar rotas e

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velocidades em diferentes sentidos, dividir etapas da atividade e fazer projeções

geométricas. Na pesquisa, duas meninas com grande dificuldade em perceber o outro e

vincular-se a ele, ao participar de atividades de roda, dando-se as mãos e ficando uma

em frente à outra, passaram a tocar a colega, a rir para ela e a observá-la (STO3).

O jogo musical “Som que se movimenta”, em que a criança/adolescente

expressa corporalmente o som produzido pelo instrumento musical, desperta sua

atenção para os aspectos de freqüência do som e suas diversas possibilidades entre

graves e agudos, e a associação desses aspectos a movimentos corporais (CMT10). A

brincadeira “Tecla branca / tecla preta”, em que a criança/adolescente deve responder

aos comandos do musicoterapeuta tocando só as teclas brancas ou pretas do

piano/teclado, leva-a a se familiarizar com o instrumento musical e lhe dá chances de

acerto, gratificação e conseqüente disposição para continuar a brincadeira (STO2).

5.2. Apreciação Musical

A análise dos aspectos preponderantes da apreciação musical como objeto

terapêutico mostra a relevância de sua capacidade de oferecer fruição prazerosa e

indução ao devaneio e à relação da música ouvida com a vida do ouvinte. Ouvir

música abrange perceber, discriminar, reconhecer, compreender e acolher a

organização dos sons de acordo com um referencial de sentimentos e idéias. Isso

estimula na criança/adolescente a atenção seletiva, a sensibilidade, a percepção, a

introspecção, a concentração, a memória e a criatividade. Alterada pela audição

musical, a criança/adolescente a se sente mais alegre ou reflexiva, irritada ou tranqüila.

Sendo parte importante da cultura humana, a apreciação musical é tida pelo

cuidador como um dos hábitos prediletos de sua criança/adolescente (STO3), que

mostra disposição e alegria só de ouvir o nome de uma canção preferida (STO1).

Mesmo a criança/adolescente que quase não se movimenta nem mostra relação com o

entorno, “estando em casa, o som tem que estar ligado” (CMT10). Ouvindo música em

casa e no caminho para o atendimento de saúde, ela demonstra prazer em percebê-la

ao chegar ao ambiente de saúde, e a aprecia espontaneamente (CMT3). Ouvindo

música a criança/adolescente mostra interesse por ela, pára de chorar, presta atenção à

música. Seguir o som estimula a criança/adolescente a levantar a cabeça, firmar o

pescoço e ficar em posição ereta (STO2, STO6, STO7). Ouvir música e comentários

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sobre a música ouvida lhe dá prazer e a estimula ao aprendizado de novas canções, ao

canto, ao aprimoramento da discriminação auditiva e à fala (CMT6).

A riqueza dos elementos sonoros da música ouvida estimula as estruturas do

sistema nervoso da criança/adolescente, que servem de base ao seu desenvolvimento

global. A audição musical desperta e mantém sua atenção (STO6, STO8), estimula e

sustenta seu contato visual (STO7), tira-a de outra atividade (CMT9, STO1, STO2,

STO8), acalma-a quando está chorando (STO3), melhora seu humor em

procedimentos dolorosos da doença (SMI5), a faz imaginar-se musicista (CMT11),

induz seu movimento físico (STO2, STO4, STO8), leva-a a sorrir, cantar, dançar e

desenvolver atitudes de pedir/dar/receber atenção (CMT2, SMI5). Ouvir música

estimula a criança/adolescente a marcar o ritmo desta com o corpo e/ou com um

instrumento musical (CMT10, STO1, STO5), mantém sua concentração até o fim da

peça (STO1), aumenta sua percepção de sonoridades (STO9), leva-a a localizar a

fonte sonora quando fora de seu campo visual (STO2, STO3, STO4, STO7, STO8), a

faz se incluir na audição musical direcionada a outras crianças (STO6), leva-a a se

envolver em práticas divertidas (SMI3, SMI5, STO1), a interagir com o grupo

(CMT1, CMT11) e a compartilhar e aceitar diferentes repertórios e se agrupar com

diferentes gerações (CMT7), estimula sua compreensão das etapas de princípio-meio-

fim da peça musical (STO3), permite-lhe mostrar que percebe a canção como um todo

aplaudindo-a ao final (STO3, STO5, STO6), e estimula-a a pedir a continuidade da

atividade (CMT9, SMI5).

A apreciação musical desenvolve na criança/adolescente a compreensão da

música como uma coisa boa, e ela passa a contar com a música para enriquecer suas

outras atividades (STO4). Alterando a percepção que a criança/adolescente tem do

tempo, a apreciação musical a faz realizar tarefas em ritmo semelhante ao da música

ouvida. Variações na peça musical levam-na a perceber outras formas de ser e a parar

ou alterar movimentos estereotipados, adotando nova postura (CMT6, STO1). A

lembrança da música se mantém em sua memória de uma semana para a outra,

levando-a a tecer relações (STO8). A audição de música organizada permite à criança

com grande dificuldade cognitiva diferenciá-la das experimentações sonoras, dando-

lhe oportunidade de mostrar sua inteligência (STO6).

Desfrutar da audição de uma música significativa, relacionada ainda que

inconscientemente a situações vividas, envolve a criança/adolescente com lembranças,

sensações, sentimentos, idéias e juízos de valor que estimulam sua fala e a fala do

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cuidador sobre acontecimentos de sua vida (SMI5). A criança/adolescente pára o que

está fazendo, presta atenção à música, sorri e leva a mão até o instrumento musical,

querendo participar da atividade (STO6), cantando junto por longo tempo (CMT6,

CMT9), procurando imitar bem os sons (STO1). Mesmo estando muito fraca, ela sente

prazer em apreciar música de seu interesse (CMT8), e a criança/adolescente isolada

mostra atitudes de dança e expressões de reconhecimento e alegria (STO3).

Ouvir uma música ser cantada para ela induz a criança/adolescente com grande

dificuldade psicomotora a se movimentar e a sorrir (STO2). A audição de canções com

seu nome leva-a a esperar a hora de ouvi-lo (STO7). A audição de música produzida

pelos colegas induz atitudes de contemplação e proximidade física (STO4). A audição

de canções demarcatórias de início e final da sessão, de datas comemorativas e de

programas de TV a faz associar cada canção ao respectivo evento, reconhecendo-os

pela música e antecipando o prazer que eles lhe proporcionam (STO3, STO9). A

referência a uma música de seu repertório a faz lembrar-se dela (CMT9). Ser recebida

ao som de uma canção com seu nome, acompanhada por um instrumento musical, e

receber o instrumento em sua mão, estimula a criança com visão subnormal a tocá-lo,

mostrando que a apreciação da música orienta sua conduta (STO5). A confusão sonora

resultante do manuseio simultâneo e pouco organizado de vários instrumentos

musicais estimula a criança/adolescente com pouca reação ao entorno a se virar para a

origem da fonte sonora e rir, mostrando prazer (STO6, STO8).

A audição de uma novidade rítmica ou timbrística estimula a atenção e a

memória da criança/adolescente. Mesmo envolvida em outra atividade, ela chega perto

para ouvi-la, aplaudi-la (STO5, STO6), compará-la, reconhecê-la e nomeá-la (STO1,

STO3). Ouvir uma canção nova desperta seu interesse e seu envolvimento para

aprendê-la, amplia seu repertório musical e seu vocabulário, a faz relacionar a música

à sua vida, lhe dá conhecimentos sobre o mundo e incentiva a repetição da audição

(CMT7, CMT17, SMI2, SMI5). Ao reconhecer uma canção ouvida pela segunda vez,

a criança/adolescente mostra que a armazenou e a buscou em sua memória (STO5).

A apreciação de música com ritmo marcado induz a criança/adolescente ao

movimento, organiza seu ritmo interno e aprimora sua expressão corporal, levando-a a

alterar sua movimentação, prestar atenção à música, sorrir, balançar a cabeça, dançar,

acompanhar seu ritmo com expressão corporal, dramatizar a letra da canção, tocar um

instrumento musical e criar atividades organizadas pela música (CMT2, CMT4,

CMT5, CMT6, CMT10, STO1, STO2, STO3, STO6, STO7). A música com ritmo

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marcado estimula a criança desanimada a se levantar e se movimentar (CMT8). O

prazer vivenciado na apreciação musical induz a criança/adolescente com dificuldades

motoras a dançar durante um longo tempo, sincronizada com a música ouvida

(CMT10) e a ampliar suas experimentações de movimento, o que tende a resultar em

melhor postura, melhor uso do corpo e aprimoramento de sua consciência corporal.

A apreciação de música gravada em CD direciona a criança/adolescente a ouvi-

lo faixa por faixa, chama sua atenção para detalhes de cada música e aumenta sua

capacidade de atenção e percepção (CMT21). Abaixar gradativamente o volume do

som estimula a atenção da criança/adolescente desatenta (CMT21). A apreciação de

música em DVD dá à criança/adolescente o que Piaget chama de “quadro sonoro”,

uma grande movimentação de gesto, som e cor que facilita sua percepção e a induz a

posicionar-se em frente à TV, prestar atenção, perceber imagens, aplaudir (STO9),

assimilar e repetir movimentos e sons (CMT11), familiarizar-se com diferentes

instrumentos musicais, manifestar vontade de tocá-los, adotar comportamentos

saudáveis (CMT11, CMT12), e prestar mais atenção às imagens da TV destacadas por

sons (STO9). Apreciar diferentes DVDs de música reduz o comportamento

estereotipado da criança/adolescente obstinada e lhe fornece novos interesses

(CMT11). Apreciar clipes dela mesma e dos colegas fazendo música, leva a

criança/adolescente a tomar consciência de sua prática musical, alterar

comportamentos (CMT11) e perceber e corrigir erros de postura (CMT20).

A apreciação musical é uma atividade segura, não requerendo da

criança/adolescente sequer o manuseio de objetos. Se, em algum momento, a audição

de alguma música desencadear a expressão de sentimentos violentos, ela pode ser

interrompida. Lidando com um repertório amplo, a apreciação musical permite

escolhas que identificam a criança/adolescente e orientam as ofertas musicais de seu

cuidador (CMT10, STO3), lhe propiciando satisfazer desejos, manifestar escolhas

(CMT2, CMT8, CMT9), expressar idéias e sentimentos (STO1), aprovar/desaprovar

repertórios (STO2) e trazer para o ambiente de saúde músicas ouvidas fora dele

(CMT16). Músicas consideradas de menino ou de menina introduzem a

criança/adolescente em questões de gênero (SMI2). O repertório musical comum a um

grupo social favorece a identificação e integração de seus membros (CMT12).

A apreciação musical é pedida e desfrutada pela criança/adolescente com

diversas dificuldades: a muito limitada mental e fisicamente manifesta prazer na

atividade e participa ativamente mesmo na postura deitada (SMI5); a que se mantém

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deitada se vira para procurar a música ouvida (STO6); a que tem visão subnormal a

procura com a mão (STO5); a com grande dificuldade de percepção acompanha-a

movimentando a cabeça (STO2); a isolada se acalma e pára de chorar (STO5); a que

não fala e a dispersa manifestam, através de expressão corporal, perceber diferentes

elementos da música (CMT20, STO3, STO6). Uma criança com prejuízos

psicomotores graves surpreende o cuidador recusando música infantil e mostrando

prazer em apreciar música mais elaborada (STO9).

Por sua facilidade, a apreciação musical propicia a autonomia da

criança/adolescente sobre a atividade, dominando suas diversas etapas: ela escolhe

canções preferidas e presta atenção especial a elas (STO1, STO3); mostra prazer pela

audição musical através de expressão facial ou movimentos como balançar a cabeça

no ritmo da canção (STO3); manifesta preferências musicais (CMT3, CMT9, STO3,

STO4); interrompe ou repete a música a seu gosto (CMT2); escolhe desfrutar de uma

música nova (CMT9); reconhece fontes sonoras e se posiciona diante delas, na

expectativa de ouvir música (STO9). Sendo uma das poucas diversões que ela

consegue ter sozinha, enquanto seu cuidador se ocupa de outras coisas, ela dedica

longo tempo à atividade, sem mostrar cansaço (CMT11).

A autonomia sobre a apreciação musical é possível mesmo à criança muito

fraca, que mostra que quer continuar ouvindo determinada música ficando quietinha,

de olhos fechados e sorrindo no seu final (CMT8); à criança que não consegue falar e

interrompe a escuta da música tampando os ouvidos e saindo de perto da fonte sonora

(CMT9); à criança muito pequena, que chora quando a música pára e vai para o colo

da mãe, como a lhe pedir que coloque mais música para tocar (STO3), ou, ao sair da

sala no colo da mãe, continua olhando para trás para ver os colegas tocando (STO4); à

criança isolada, que, chamada para outra atividade, prefere continuar ouvindo música

(STO4); à criança com graves limitações mentais e motoras, que identifica e ri feliz a

cada nova peça (STO4); à criança/adolescente com pouca capacidade de movimento

que, sorrindo, demonstra estar gostando da atividade e consegue sua continuidade

(STO6); e à criança/adolescente hospitalizada, que a usa para se distrair dos

procedimentos dolorosos e preencher o tempo com experiências prazerosas que

fortalecem sua adesão ao tratamento (SMI3, SMI6, SMI8, STO7). Mesmo a

criança/adolescente muito limitada em outras atividades consegue mostrar que quer

ouvir música e qual música quer ouvir (STO1, STO4), insiste em seu gosto musical

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independente e até contraditório ao gosto do cuidador (STO9), e consegue ser

atendida em suas músicas, artistas, andamentos e gêneros musicais preferidos (STO9).

A criança/adolescente com perda auditiva se beneficia da apreciação musical

através de adaptações do local com chão ou tablado de madeira, proximidade das

caixas de som e contato físico com o instrumento produtor de som. Mesmo sem isso,

ela manifesta e sustenta seu interesse pela apreciação de música ao vivo (SMI5). A

criança/adolescente com dificuldade de locomoção pode ter a música trazida até ela

(SMI8). A criança/adolescente sem tonicidade suficiente para atividades que exigem

maior esforço, presta atenção à música (CMT8, CMT9) e mostra perceber seus

elementos (CMT17, CMT20). Por não exigir conhecimento teórico, a apreciação

musical é acessível à criança/adolescente com déficit cognitivo profundo, que percebe

a música mesmo quando a fonte sonora não está em seu campo de visão (STO1). A

criança com dificuldade de expressão verbal usufrui da apreciação musical e manifesta

seu prazer/desprazer diante dela com expressão corporal e choro (CMT1, SMI6).

A apreciação musical é irresistível. Ouvindo a musicoterapeuta tocar em frente

à sua maca, a criança/adolescente luta contra o sono para prestar atenção (SMI5). O

adulto larga o livro que está lendo para apreciar a música dos colegas (SMI2). Canções

de gêneros variados atraem pacientes de diferentes contextos culturais (SMI5).

Atravessando espaços, a música busca crianças e adultos de outros ambientes, que

chegam à porta da sala para escutá-la (SMI6).

Por propiciar à criança/adolescente o contato com diferentes elementos, a

apreciação musical estimula a elaboração de seus sentimentos e idéias. A combinação

de elementos rítmicos, melódicos e harmônicos confere características próprias a cada

composição musical, resultando na chance de se criarem ou ressaltarem diferentes

emoções, sentimentos, idéias e estados de espírito. A criança/adolescente se identifica

com formas musicais que configuram sentido para ela. A sua compreensão do tecido

sonoro relaciona os elementos musicais (compassos, andamentos, escalas, modulações

harmônicas, ostinatos) às suas categorias de sentimentos (angústia, alegria, disposição,

oposição, questionamento, medo). Respostas individuais muito diferenciadas

reafirmam a particularidade da interpretação do ouvinte.

A apreciação musical favorece o contato assistido da criança/adolescente com

seus diversos conteúdos internos, e a dosagem da elaboração de sentimentos

ameaçadores ou tristes através de seu controle de interromper e retomar a audição. Um

exemplo está no uso que o pequeno André, com menos de três anos de idade, faz da

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canção “A noite no castelo”. A letra da canção de Hélio Ziskind diz “a noite no castelo

é mal assombrada, lá tem um fantasma que faz uuuuuu, e tem uma bruxa também que

faz hi hi hi hi hi, e tem um vampiro também que faz ssssssss”. A gravação do Grupo

Rodapião lhe acrescenta arranjo de sons e vozes que cria clima amedrontador. Ao

ouvi-la pela primeira vez, André pede que a audição seja interrompida, e diz que sente

medo. Nas sessões seguintes, ele sempre pede para ouvi-la de novo, interrompendo-a e

retomando-a, dosando seu contato com os conteúdos amedrontadores da canção pelo

domínio que tem sobre a audição musical (“tira rápido”, “põe mais”, “tira, Andé tá

com medo”, “põe mais Castelo assombado”, “fecha a janela e apaga a luz”). A

apreciação musical é conduzida por ele, até que ele se sente com coragem para ouvir a

canção inteira, cantando sua letra, fazendo os sons e gestos assustadores. Confiante em

sua coragem, por fim ele até pede que a janela do consultório seja fechada e a luz

apagada, para criar mais clima de terror enquanto a ouve e imita vampiros e fantasmas

(CMT1, CMT2, CMT3).

Por ser linguagem, a apreciação musical desenvolve na criança/adolescente

aspectos de expressão e comunicação. A interpretação que ela faz da música ouvida é

um ato criativo de relacionamento e atribuição de valor a signos definidos a partir de

diferentes níveis de escuta em que ela responde a experiências pessoais, relações

culturais e estruturas arquetípicas e universais (BARCELLOS e SANTOS, 1996).

Ouvir música com atenção, selecionar músicas, associar canções a fatos e objetos, se

entregar às emoções revolvidas pela escuta de músicas significativas e compartilhar

com outros o prazer da escuta musical e a expressão de sentimentos, favorecem o

desenvolvimento de uma escuta atenta, concentrada, direcionada a conhecer, decifrar,

compreender e classificar os sons ouvidos, tomando consciência deles, discriminando

sua origem, contexto, implicações e possíveis significados (CMT3, CMT9) e

estimulando a produção de sons e movimentos, como forma de resposta (STO1).

A apreciação musical oferece à criança/adolescente a dupla possibilidade dela

fugir da realidade, se voltar para si mesma e aprofundar o contato com seus

sentimentos revolvidos pela música, e de aumentar seu contato com a realidade, se

enriquecer com manifestações musicais que lhe dão notícias de diferentes tempos e

espaços. Com ou sem texto, a música evoca lembranças, estimula a imaginação,

reorganiza interpretações, subsidia conhecimento sobre o mundo e permite associações

de caráter com objetos e acontecimentos, reforçando o conhecimento destes e promove

seu contato orientado e dosado com conteúdos emocionais difíceis (CMT17).

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Refletir sobre a música ouvida estimula a criança/adolescente a conhecer seus

elementos e seu contexto histórico-cultural. Explorando o universo sonoro do qual faz

parte, ela descobre e organiza seu próprio universo. Entrando em contato com um

variado repertório musical, ela percebe como pessoas diferentes, em épocas e locais

diferentes, têm necessidades e interesses diversos, sentem necessidade de comunicá-

los, e fazem isso de modos diversos. Ao se tornar receptiva a diferentes produções

musicais, ela pode perceber a diversidade do planeta em que vive, valorizar e respeitar

diferenças de manifestações. O potencial da música de levar e trazer seu ouvinte entre

o mundo dos sonhos e a realidade, modifica os dois, tornando-os melhores.

Numa sociedade de super-homens que associam remédio, ginástica e cirurgia

para atingir a perfeição instantânea, a criança/adolescente com deformações físicas ou

dificuldades mentais está em desvantagem, porque a doença impede que seus corpos e

mentes atinjam a maravilha alardeada pelo fast-food do ser perfeito. Diante da dívida

impagável em relação ao modelo bem aceito pelo mundo, acriança/adolescente

descobre logo o potencial da música para afastá-la do sofrimento, porque “ouvir

música faz esquecer as coisas ruins da vida, só lembrar as boas” (STO1).

A apreciação musical enriquecida pela história da música, a vida dos grandes

músicos e a escrita musical, desperta o interesse da criança/adolescente e do cuidador

pelo mundo da música (CMT7, CMT15, SMI2) e estimula comparações (CMT18).

Canções ouvidas no rádio e trazidas pela criança/adolescente ao ambiente de saúde

atualizam o repertório musical do grupo e ampliam seu mundo musical (CMT16).

Aparelhos de som usados no ambiente de saúde despertam seu interesse e a estimulam

a aprender a manusear o aparelho de som que tem em casa (CMT9, CMT10).

A diversidade de formas pelas quais a atividade pode ser oferecida torna-a

acessível a ambientes de saúde diversos (CMT1, SMI1, STO1), inclusive associada a

outras atividades, pois ela permite que, enquanto ouve música, a criança/adolescente

cante, dance, dramatize (CMT9, CMT16), escreva, desenhe, colora (STO2), converse,

realize tarefas (SMI3), se mantenha atenta à fonte sonora e aplauda a música no fim

(STO7). A apreciação de música ao vivo permite deslocamentos espaciais e pode ser

feita de forma coletiva com o intérprete num ponto central da sala (SMI1) ou de forma

individual com ele cantando ou tocando junto à maca de cada paciente (SMI3). A

apreciação de sons gravados pode adaptar o aparelho de MP3 a uma caixa de som

(CMT9). A audição de música no ambiente de saúde induz a criança a já entrar

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batendo as mãos e dançando no ritmo da música (STO5), e cria uma paisagem sonora

tão interessante que atrai crianças de outros setores (STO4).

No período de análise dos dados desta pesquisa, uma mãe contou à

pesquisadora que havia participado de uma palestra em seu local de trabalho, em que o

palestrante aconselhou os presentes a ouvir música erudita, e que ela queria saber o

que é música erudita e onde ela poderia comprá-la para ouvir. A pesquisadora lhe

explicou que o musicista nomeia “música erudita” o que o leigo chama de “música

clássica”, a música elaborada dentro de padrões definidos por conservatórios, em

oposição à música popular, mais simples, feita pelo povo, sem estudo musical. E que a

história da música chama de clássica apenas a música feita no período clássico, em

torno do século XVIII, nomeando músicas de outros períodos como medieval,

renascentista, barroca, romântica, moderna ou contemporânea. E que ela

provavelmente nem precisaria comprar, porque teria alguns CDs de música erudita em

casa. A mãe confessou-se envergonhada por não saber que os CDs que usava para

meditação, de Vivaldi, Bach e Mozart, eram música erudita, e a musicoterapeuta lhe

explicou que ela, sendo, como era, pós-graduada em ciências exatas, não teria como

saber isso, já que o conhecimento sobre música, sugerido pelos Parâmetros

Curriculares Nacionais do Ministério da Educação do Brasil, não é oferecido pelas

escolas do país.

A falta de familiaridade com a música erudita, resultante da negligência do

ensino do país com as disciplinas artísticas, leva as pessoas a temerem não

compreendê-la e se mostrarem como ignorantes, restringindo-se à fruição de uma

música menos elaborada. No entanto, um episódio com um grupo de crianças na faixa

dos 3 a 4 anos de idade, fora do período da pesquisa, mostrou grande atenção delas à

música elaborada. A musicoterapeuta costumava lhes oferecer audições de música

erudita, lendo para elas histórias ilustradas sobre a vida dos grandes compositores,

quando estes eram crianças. No dia em que ela repetiu para o grupo a história de

Beethoven e lhes disse que iriam ouvir outra peça dele, eles correram para o aparelho

de som e disputaram para controlar o botão de volume. Explicando à musicoterapeuta

que a música de Beethoven “fica forte e fraca, forte e fraca...”, essas crianças pequenas

mostraram ter percebido a contraposição de massas sonoras que o compositor faz em

suas peças, explorando com maestria a intensidade do som, parâmetro que atinge seu

auge na passagem do século XVIII para o século XIX, com o aprimoramento dos

instrumentos musicais e a formação de grandes orquestras. E, embora a execução das

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peças de Beethoven seja considerada de grande dificuldade, é notável como quase toda

criança/adolescente, ao dedilhar um instrumento musical, tenta espontaneamente tocar

a melodia de sua “Ode à alegria”, da Nona Sinfonia (CMT1, CMT7, CMT15).

Embora haja uma idéia geral de que o povo não gosta de música erudita, ele a

ouve regularmente como música incidental em filmes, propagandas comerciais, espera

telefônica, chamada de celular, ambientes comerciais, consultórios de fisioterapia,

escolas de yoga e exercícios de meditação. Ele tem uma idéia de música erudita como

uma música calma, sabe os nomes de alguns compositores, freqüenta concertos

eruditos gratuitos, e tem em casa CDs de música erudita. De modo geral, quando uma

criança/adolescente se interessa pela música erudita ouvida no consultório de

musicoterapia, a musicoterapeuta lhe diz para procurá-la em casa, entre os CDs de

seus pais, e ela sempre encontra algumas peças.

Atualmente, o mercado oferece aos pais uma série de CDs “para o bebê

dormir”, com gravações de caráter suave de trechos de peças eruditas (“Mozart for

baby”, “Bach for baby”). Embora a qualidade das gravações seja fraca, com um

mesmo instrumento eletrônico tocando todas as faixas de forma repetitiva (levantando

a insidiosa suspeita de que talvez o bebê durma para não ouvir as outras faixas), elas

propiciam o contato da família com a obra erudita, e a leva a reconhecê-la depois, em

gravações de melhor qualidade.

A busca por levar a música erudita ao grande público tem criado estratégias

estranhas, como as capas com mulheres seminuas em poses sensuais que a Deutsche

Gramophone, uma gravadora tradicional de música erudita, tem usado para vender

música que, em seu tempo, era tocada em cultos religiosos. O mercado também tem

organizado música erudita em CDs “para relaxar”, “para meditar”, “para entrar em

contato com a natureza” e até “para curar doenças”, contrariando um dos

pressuspostos da Musicoterapia de que a experiência musical é individual e cada

pessoa tem sua própria música para cada objetivo. Espontâneamente, qualquer pessoa

sem estudo musical faz análise musical, montando um repertório próprio de músicas

que usa para induzir estados de relaxamento (quando chega em casa muito cansada ou

tensa) ou de ativação (quando tem que terminar um trabalho escolar ou dar uma faxina

em casa). Uma das mães deste grupo comentou com a pesquisadora que só deixa no

carro CDs de música lenta, para o marido não correr quando está dirigindo.

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5.3. Canto

Entre as características mais peculiares do canto como objeto terapêutico estão

sua relação com a postura e a respiração, e a expressão vocal de sentimentos e idéias.

Canções infantis costumam ser suficientemente simples para permitir à

criança/adolescente pronunciar corretamente as palavras e cantar a tempo. Canções

muito ligeiras, ainda que superem sua capacidade de assimilação, podem lhe parecer

divertidas e ser aproveitadas por seus outros elementos, como um ritmo interessante, e

sua dificuldade estimula a ajuda do cuidador, resultando em maior proximidade dos

dois (CMT18, STO9).

Cantar altera o humor da criança/adolescente (SMI3), mobiliza seu afeto,

chama sua atenção quando ela está interessada em outra coisa (STO6). A

criança/adolescente se envolve com a atividade, manifesta prazer, tenta cantar bem,

pede para repetir a letra em partes, pergunta sobre a pronúncia de palavras (SMI3),

quer cantar várias vezes uma canção, certifica-se de que a aprendeu (SMI7), mantém

contato visual com a musicoterapeuta, vincula-se afetivamente a ela e adota novos

comportamentos (CMT21).

O fato de conhecer uma canção que está sendo pedida torna irresistível à

criança/adolescente não cantá-la (CMT12). A natureza emotiva do canto de canções

conhecidas faz a criança/adolescente eleger o canto como uma atividade fácil e

prazerosa (CMT10, SMI1, SMI2), desperta nela sentimentos de alegria, leva-a a cantar

a mesma música muitas vezes (CMT21), favorece sua memorização da canção,

estimula-a a mostrar seus aprendizados (CMT9) e a faz cantar outras músicas com o

mesmo tema, gerando associações e ampliando seu repertório musical (SMI5).

Canções que têm em sua letra o nome de uma pessoa favorecem que seja cantado a

cada vez o nome de uma criança, levando a criança/adolescente a se reconhecer e

manifestar prazer por ser festejada pelo grupo (SMI2, STO8), introduz pessoas no seu

mundo afetivo (CMT15), estimula-a a prestar atenção ao canto (STO5), lhe possibilita

pedir para ter a canção cantada com seu nome e assumir papel principal na atividade

(STO9), estimula-a a fazer as tarefas de bom humor, predisposta à participação

colaborativa com o grupo (STO4).

Cantar para a criança/adolescente isolada estimula esta a prestar atenção ao que

os adultos dizem (STO3), observar a movimentação dos lábios de quem está cantando

e fazer gesto semelhante, como se estivesse aquecendo a voz para cantar (STO6). O

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canto de canções muito populares, veiculadas pela mídia, faz a criança/adolescente

isolada lembrar-se delas (CMT15), facilita sua adesão ao canto (SMI2), leva-a a se

interessar pelos colegas e a melhorar sua interação com o ambiente (SMI5), e favorece

que ela cante de cor (SMI2). Além disso, o canto de canções muito conhecidas acolhe

a criança/adolescente que está iniciando o atendimento terapêutico, a que está

chegando ao grupo e a que vem ao ambiente de saúde ocasionalmente.

A criança/adolescente com dificuldade em manter a atenção sobre um objeto

por muito tempo, pode cantar canções pequenas. Para aumentar seu vínculo afetivo

com a atividade, podem-se cantar canções que falem de coisas familiares a ela, e para

lhe propiciar conhecimentos sobre o mundo, canções que lhe ensinem novidades. O

canto não requer nem a total atenção do paciente, podendo ser feito junto com outras

tarefas (SMI3). Por não depender de materiais, ele acompanha a criança/adolescente

para onde ela vai. Uma vez que uma canção seja aprendida e seja de seu gosto, ela a

canta fora do ambiente de saúde, continuando a atividade após o atendimento, o que

resulta na lembrança melhorada de vivências do ambiente de saúde.

Por requerer da criança/adolescente um posicionamento que possibilite a

emissão vocal, a atenção à ordenação temporal da música e uma atitude afetiva que

qualifique sua interpretação, o canto resulta em aquisições de saúde relacionadas

principalmente aos órgãos e estruturas envolvidos na postura física, respiração,

emissão vocal, audição e expressão corporal, favorecendo o desenvolvimento das

aquisições psicomotoras associadas a eles. Experimentar e controlar a distribuição do

peso no equilíbrio do corpo melhora a postura física da criança/adolescente. Controlar

a tonicidade muscular exigida pelo canto, aprimorar os mecanismos de produção e

sustentação do som vocal pelo diafragma, dosar o ar em seu percurso pela traquéia e

emitir som vocal destinado a diferentes distâncias e espaços físicos desenvolve sua

consciência corporal e espacial.

Reproduzir um som vocal aprimora a capacidade de percepção sonora e

afinação vocal da criança/adolescente. Canções que, além do canto, usam o assobio em

trechos da melodia, ampliam suas formas de usar sua produção vocal (CMT9). Cantar

a tempo disciplina sua respiração e influi em sua organização temporal. O empenho da

criança/adolescente para que sua voz se torne mais expressiva resulta numa voz

educada para o canto e também para a fala. Cantar diferentes repertórios lhe mostra

suas possibilidades sonoras e interpretativas.

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A organização dos elementos musicais confere à música um caráter lingüístico

que se torna mais evidente na atividade de canto, por sua proximidade com o processo

da fala. O canto propicia à criança/adolescente o estabelecimento de uma linguagem

alternativa. Ele induz a criança/adolescente que ainda não desenvolveu a fala a fazer

sons vocais, mostrar intenção de cantar (CMT2), explorar suas possibilidades vocais

(CMT3, STO2), cantar os fonemas que já pronuncia para expressar idéias (CMT16),

apropriar-se do canto com objetivos de linguagem (CMT16), estabelecer com sons

vocais um diálogo sonoro (STO1, STO2) e falar pequenas sílabas para pedir outra

música (STO2). Aprender a cantar uma canção nova é prazeroso (SMI3) a ponto de

estimular a criança com grandes perdas na área da fala a cantá-la (CMT1), e a criança

que não fala a reclamar quando a musicoterapeuta pára de cantar, fazendo sons vocais

e parando para prestar atenção quando a musicoterapeuta retoma o canto (SMI5).

A prática terapêutica do canto leva a criança/adolescente com baixa auto-

estima, timidez severa e distúrbios de comportamento a usar o canto como linguagem

em jogos de cantar alterando o andamento ou a entonação da canção, imprimindo sua

marca na música e dialogando de forma bem-humorada com a musicoterapeuta

(CMT2). Diversas formas de canto resultam em aquisições afetivas: cantar solo lhe

propicia lidar com a experiência de estar em evidência, e cantar em grupo lhe faculta o

contato visual importante à interação com o outro (CMT2).

O canto de repertório conhecido envolve a criança/adolescente com a atividade

e a estimula a melhorar a articulação e a pronúncia das palavras, aprimorando sua fala.

O desconhecimento que o musicoterapeuta tem de canções pedidas por ela estimula-a

a se esforçar para cantar as canções, e possibilita ao musicoterapeuta lhe ensinar

canções semelhantes às de seu interesse (CMT8). Perguntar à criança/adolescente o

que quer cantar leva-a a expressar escolhas e a lembrar aprendizados anteriores, e

estimula seu canto (CMT8). Ela se expressa por canções cujas letras ou caráter se

refiram ao que ela quer comunicar, e às vezes não consegue fazê-lo de outra forma

(CMT10). As músicas escolhidas por ela mostram seu interesse em trazer um assunto

à conversa amparada pela descontração do canto (CMT19, SMI1, SMI5). Seu

repertório de canto a identifica (SMI2, STO4), a posiciona frente ao grupo e lhe

permite expressar idéias e insistir nelas (CMT16, SMI2, SMI5, SMI9).

O canto propicia o aprendizado e memorização de novas canções (STO3) e o

aumento de repertório, que vão resultar em maior vocabulário na fala da

criança/adolescente (CMT2). Canções com sons onomatopaicos, próprios do

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repertório da criança no início da vocalização, favorecem que ela cante trechos da

canção e se sinta participando da atividade (CMT8). Cantar as canções prediletas da

criança/adolescente, criando expectativa para que ela complete frases, lhe propicia se

perceber pronunciando palavras e leva-a a investir em sua linguagem, desenvolvendo

atitude de prontidão e prazer pelo sucesso de cantar nas horas certas (CMT1, CMT3,

CMT9, CMT16, CMT20). Posicionar o microfone diante da boca da

criança/adolescente anima-a a cantar (CMT9). Variar o andamento e a intensidade do

canto familiariza-a com as noções de som longo/curto e fraco/forte e resulta em

melhor controle do tempo e da intensidade de sua fala (CMT10, CMT19).

Acompanhar seu canto com um instrumento musical ajuda-a a adequar-se ao tempo da

canção (CMT9).

Portando melodia e letra, o canto instiga o interesse da criança/adolescente

pelas duas coisas: a melodia a induz a tentar cantá-la afinadamente e no tempo, e a

letra desperta sua vontade de conhecer seu conteúdo, repetindo-a em partes, buscando

apreender seu sentido, relacionando-a a seus conhecimentos anteriores, e se

esforçando para pronunciar corretamente as palavras desconhecidas, inclusive

estrangeiras (SMI3). O aprendizado de canções estimula a criança/adolescente a

associá-la às pessoas ou situações e a cantá-la para se referir a elas (CMT10). Canções

com texto a estimulam a se manifestar sobre seu tema, comentar casos vividos (SMI2),

contar histórias, ampliar o texto (SMI2), manifestar fantasias (CMT9) e expressar o

que não consegue falar com palavras (CMT10). O contato visual com a letra da canção

escrita estimula atitudes de leitura e escrita (CMT5). Cantar junto organiza o grupo e o

mantém no mesmo andamento, e o canto do outro estimula a criança/adolescente a

acompanhá-lo tocando um instrumento musical, mostrando atenção ao tempo da

música (CMT9).

Canções específicas para bebês, para crianças pequenas, para crianças maiores

e para adolescentes formam um repertório amplo que respeita e amplia o interesse da

criança/adolescente e pode contemplar seus objetivos terapêuticos (SMI3). Nos três

ambientes da pesquisa, o repertório cantado mostrou que, além das canções

folclóricas, a criança/adolescente se interessa pela música popular à qual tem acesso e

por música erudita, que, apresentada a ela de forma lúdica, a coloca em contato com

um patrimônio da humanidade geralmente restrito à elite (CMT20). Esses três gêneros

musicais prevaleceram sobre algumas sugestões para se cantar música religiosa.

Embora a música religiosa predomine entre os cuidadores em situações em que a

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criança/adolescente corre risco de morte (COSTA; NAJAS; ALBINATI, 2000), nos

ambientes da pesquisa a escolha de música profana parece refletir a conformação da

criança/adolescente e do cuidador a uma situação que tende a se manter com pequenas

alterações (SMI1).

Por carregar textos que falam sobre sentimentos e idéias acerca do mundo, as

canções possibilitam à criança/adolescente o contato com seus próprios sentimentos e

idéias, ajudando-a a desenvolver-se afetivamente, conhecer-se, perceber o mundo e

situar-se em relação ao outro e ao ambiente. Canções cantadas na sessão de

Musicoterapia despertam a memória da criança/adolescente sobre os CDs que tem em

casa, favorece que ela fale de si para o grupo, manifeste suas idéias, conte casos,

expresse lembranças, traga outras épocas à sessão de musicoterapia (CMT15).

A expressão de sentimentos é favorecida pelo canto de canções de roda com

mensagens de amor, troca de carinhos e escolha de uma criança/adolescente para uma

função especial, como “Maninha” e “Viuvinha da banda d’além”. Canções anedóticas,

herdeiras das canções de escárnio medievais, contam casos engraçados, comentam de

forma jocosa acontecimentos vividos pela criança/adolescente, e ajudam-na a lidar

com situações difíceis ou negativas, estimulando seu riso e diversão (SMI7). Canções

de ninar, de andamento lento e compasso binário, como “Dorme neném”, induzem a

criança/adolescente à calma, e estimulam nelas o movimento de ninar (STO4, STO7).

Canções com temas assustadores, como “Boi da cara preta”, lhe permitem expressar

sentimentos negativos e temores.

Conteúdos de esquema corporal são contemplados por letras de canções que

enfocam o conhecimento, representação e domínio do corpo, como “Com meus

pezinhos”. Canções de ritmo marcado, com a letra mencionando dança, induzem o

movimento físico (STO9), a obediência a coreografias e o estabelecimento de pares e

grupos (STO2). Canções de trabalho usam a marcação rítmica para orientar atividades,

como na canção “Eu vou” (CMT16). A locomoção é estimulada por canções de

compasso binário, que direcionam a alternância de pernas e o apoio numa delas, como

“Marcha soldado”, e ajudam a criança/adolescente com dificuldades motoras a se

manter mais tempo dedicada às atividades de marcha (STO8). Canções e parlendas

ritmadas lhe propiciam a introjeção do ritmo regular, importante à aquisição da

regularidade na marcha, na fala e na escrita (CMT9). Canções de comandos, como

“Carneirinho, carneirão” estimulam a ação e a expressão corporal da

criança/adolescente (SMI6).

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A inserção da criança/adolescente no calendário social de sua comunidade é

reforçada com as canções comemorativas de datas festivas, que estimulam a aquisição

de conhecimentos sobre costumes sociais e a orientação temporal da criança em

relação às datas do ano (CMT8). Essas canções estimulam casos de festas da época e o

canto de outras canções do período, e, como as músicas são muito conhecidas, têm a

adesão de todo o grupo (SMI6). A criança/adolescente com dificuldades cognitivas

consegue avanços em sua orientação espaço-temporal através de atividades de

reconhecer e reproduzir os diversos momentos da interpretação musical, tais como

silêncio na introdução, entrar cantando corretamente cada parte na hora certa e ralentar

a finalização da peça (CMT16). Além disso, conteúdos de orientação espaço-temporal

aparecem em canções com texto relacionado às estações e meses do ano, horas do dia,

dias da semana, manhã/tarde/noite, rápido/lento, espaço físico, para a frente-para trás,

grande-pequeno, em cima-embaixo e esquerda-direita (CMT16).

Canções de formação de hábitos, como “Eu vou”, versando sobre tópicos como

alimentação, cumprimentos ou vestimenta, ajudam a criança/adolescente a introjetar

comportamentos necessários à sua independência no dia-a-dia. A lenga-lenga e a

canção acumulativa, já descritas entre os jogos e brincadeiras musicais, favorecem a

atenção, a memorização e o sequenciamento lógico, indispensáveis a outros

aprendizados da criança/adolescente (CMT9). Canções com conteúdos pedagógicos

aumentam seu conhecimento sobre diferentes assuntos. Canções descritivas ou

jornalísticas, que retratam pessoas ou situações, como “Atirei o pau no gato”,

estimulam os processos de observação, narrativa e descrição, além de reforçar o

aprendizado de conteúdos específicos. Canções de sagas, que contam aventuras,

favorecem a dramatização, como em “A linda rosa juvenil”.

Cantar uma canção de forma diferente da habitual dá à criança/adolescente a

noção de flexibilidade, de que as coisas não precisam ser sempre do mesmo jeito, e

lhes mostra possibilidades de fala (CMT10). Canções que focalizam determinados

fonemas estimulam aspectos específicos de fala. O canto associado ao uso de gestos

que representam letras em métodos de alfabetização reforça seu processo de leitura e

escrita (CMT9, CMT10). Levar a criança/adolescente a cantar colocando a letra da

canção à sua frente, corrigindo erros e acompanhando seu canto com um instrumento

musical, favorece que ela estenda o tempo de dedicação à atividade, importante para a

criança/adolescente com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (CMT15).

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A atividade de ilustrar a letra da canção induz a criança/adolescente ao

movimento. A entrega da folha de músicas e dos lápis de cor, ao se tornar um hábito

no atendimento terapêutico, cria a expectativa pela música nova a ser ganha em cada

sessão, e estimula a criança/adolescente que está deitada a se sentar imediatamente,

mostrar prontidão para colorir (SMI6), iniciar logo a tarefa (SMI1), e permanecer

muito tempo colorindo a folha inteira, distraída, cantarolando a canção (SMI7) e

observando as figuras e o fundo, destacando através de diferentes cores a ilustração, as

cifras para violão e a pauta da partitura (SMI4). Com isso, a criança/adolescente

melhora sua postura física e emocional, interage com a musicoterapeuta, aumenta sua

participação no entorno, e se familiariza com aspectos da linguagem escrita e do

desenho. Mesmo quando ela se cansa e volta à postura deitada, mantém a atenção às

músicas cantadas (SMI6). Colorir a letra da canção cantada leva a criança/adolescente

que não discrimina texto e ilustração a colorir a folha toda com grande dedicação

(SMI6), e a criança zangada a colorir com orgulho, mostrando uma alegria que não

tinha antes (SMI9).

A atividade de colorir as letras das canções pode ser facilitada pela colocação

de um engrossador em torno do lápis ou o uso do giz de cera de dimensões mais

grossas (STO2), oferecendo sucesso à criança/adolescente com dificuldade de

concentração (STO2), e à criança/adolescente com dificuldade de preensão, que se

esforça para colorir a folha inteira e a mostra orgulhosa (SMI4). A criança/adolescente

com apenas uma das mãos disponível sente-se motivada pelo prazer do canto e pela

beleza da ilustração a experimentar e descobrir formas de apoiar o papel com a mão

presa e colorir com a outra mão, mesmo que esta não seja sua mão dominante. Isto

resulta para ela numa nova forma de usar as duas mãos, na estimulação da mão não-

dominante (SMI5, STO3), na coragem para tentar novas formas de escrever/colorir/ser

(SMI8, SMI9), no aumento da concentração para a atividade de colorir (SMI5), em

atitudes de solidariedade colorindo as folhas dos colegas (SMI5), na apreciação

orgulhosa de seu próprio trabalho (SMI4), na gratificação por ter seu colorido

valorizado pelo grupo (SMI6, SMI9) e no desenvolvimento do sentimento de ser capaz

e útil, decorrente dos pedidos dos cuidadores para que ela colora a folha dos filhos

deles (SMI9). Tendo sucesso em colorir a folha de canções, a criança/adolescente

procura desenho para colorir em outras músicas (SMI2, SMI7).

A criança/adolescente manifesta grande interesse em ter a letra das canções que

canta (SMI5) e, ao recebê-la, tenta imediatamente cantá-la, canta a canção conhecida e

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tenta aprender a desconhecida (SMI2). Ela canta todas as canções da folha (SMI1) e,

se não vai vir nas próximas sessões, pede as folhas das canções que serão cantadas

nelas (SMI2). Mesmo que a criança/adolescente não saiba ler, a canção escrita

estimula seu interesse pela leitura e favorece que seus familiares a cantem com ela em

casa.

As letras ilustradas facultam à criança/adolescente o reconhecimento de signos

gráficos, a autonomia na localização das canções, o crescimento do interesse da

criança/adolescente pela leitura e pela pronúncia das palavras (SMI4), a relação dos

conteúdos da canção com os conteúdos de sua vida (STO2), e o canto de cada música

durante seu colorido (SMI7). A folha com apenas uma música facilita a concentração

da criança/adolescente na canção que está sendo cantada. A escrita usando o padrão de

letra com que cada faixa etária está familiarizada reforça o processo de alfabetização

de diferentes crianças/adolescentes. O título centrado e destacado, e os versos

dispostos em estrofes, estimulam aspectos de prosódia musical, visualização,

diagramação e organização espacial. Referências sobre autor, intérprete, gênero e

época contextualizam a canção. Letras muito grandes ajudam a criança/adolescente

com visão subnormal.

A atividade de montar sua Pasta de Música propicia à criança/adolescente

oportunidades de escolha, organização, prazer, orgulho e atitudes preparatórias para a

escrita e a leitura (CMT8, CMT9, SMI3). A Pasta de Música permite à

criança/adolescente visualizar as canções, torna palpável seu repertório pessoal,

facilita o acesso autônomo da criança/adolescente às músicas, sugere canções quando

ela quer cantar e não tem idéia de uma música específica (SMI1), concretiza a

atividade de canto e estimula a continuidade da atividade em casa (SMI9), lhe

permitindo mostrá-la às pessoas de seus outros ambientes de vivência e levar a eles um

aspecto positivo do seu tratamento de saúde (CMT16, SMI2). A complementação das

letras de canções por cifras e partitura desperta o interesse da criança/adolescente pela

escrita musical e por outras formas gráficas (SMI3) e possibilita que algum familiar

toque as músicas, acompanhando seu canto. Livros de canções e métodos de música

permitem à criança/adolescente ver um repertório musical organizado e estimula que

ela cante as canções à medida que as vê (CMT21).

Ao cantar, a criança/adolescente adequa suas emissões vocais aos parâmetros

de altura (variação da freqüência vibratória do som), duração (variação do tempo de

duração da emissão sonora) e intensidade (variação da força da emissão sonora) e se

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esforça para atingir o controle de um canto bonito, agradável e bem aceito por seu

grupo. A atividade de cantar em grupo leva a criança/adolescente a investir em sua

inserção social. Sua identidade timbrística e interpretativa própria, e a construção de

um repertório favorito a faz ser aceita e reconhecida por seu grupo social (SMI1),

destacando-se e contribuindo com ele (CMT9, SMI1).

O canto leva a criança/adolescente a falar dos CDs e DVDs que tem, a mostrar

seus conhecimentos atualizando o grupo sobre músicas recentes, a expressar

preferências musicais, a contar costumes de sua família e a aceitar sugestões musicais

dos colegas (SMI9). A diversidade do repertório de canto propicia ao grupo

terapêutico conhecer vários gêneros musicais diferentes, acolher escolhas individuais e

constituir um repertório de canções significativas, cujo canto regular fortalece a

identidade grupal dos pacientes (SMI9). Relacionado a eventos sociais, o canto

socializa a criança/adolescente. Comemorando os aniversários de colegas com o canto

do “Parabéns pra você”, ela se sente encorajada a comentar seu aniversário com o

grupo (SMI5, STO7). O canto de canções relativas a eventos e o colorido de cartões

com letras de canções criam um clima de festa no ambiente de saúde (STO2).

O canto estabelece uma nova paisagem sonora no ambiente de saúde, e

favorece a adesão da criança/adolescente, que já chega ao local cantando (STO4), pede

para vir nos dias de música mesmo que não tenha que ser medicada, só para cantar

(SMI5), e permanece cantando no local de atendimento, quando já está dispensada dos

procedimentos de saúde (SMI3). As atividades de canto se inserem nas conformações

espaciais de cada ambiente (STO4) e, mesclando canções conhecidas e desconhecidas,

garantem o sucesso dos pacientes e seu interesse por novos conhecimentos (SMI5).

As canções de chegada e de despedida, fáceis de serem cantadas por não-

musicistas (STO4), são adotadas pelo técnico para saudar a criança/adolescente que

chega, sem esperar pela musicoterapeuta (STO9). Elas são pedidas pelo cuidador na

apresentação de sua criança/adolescente (STO4, STO9), emoldurando seu horário de

atendimento, marcando com alegria sua chegada e saída da sessão (STO4, STO5). A

criança/adolescente se sente acolhida pelo canto de chegada (STO1, STO5) e prepara-

se para ir embora ao ouvir a canção de despedida (STO5), mostrando ter assimilado a

função da canção, e respondendo com os comportamentos esperados para cada

situação (CMT9, SMI6, STO8). A canção “Parabéns pra você” coloca a

criança/adolescente aniversariante no centro das atenções e estimula seu movimento

de bater palmas (STO3, STO7).

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As canções comemorativas enriquecem as datas festivas, inserem-nas no

ambiente de saúde, ampliam-se em cartões com sua letra escrita e com apresentações

musicais a partir de ensaios ligeiros (STO2). Seu canto é particularmente interessante

quando a criança/adolescente passa o período festivo hospitalizada, porque lhe leva a

alegria das comemorações. Elas estimulam o cuidador a fazer festa no ambiente de

saúde, buscando adaptações e autorização das chefias, dividindo tarefas e destinando

às musicoterapeutas a função de prover a festa de música (SMI6).

O canto da musicoterapeuta conduz o canto coletivo, induzindo o interesse da

criança/adolescente com dificuldade de atenção (STO1), e é dispensável quando a letra

escrita da canção leva pacientes e cuidadores a começar a cantar sem sua participação

(SMI2). O canto não exige muito equipamento para ser feito no ambiente de saúde. No

consultório de musicoterapia, o microfone estimula a criança a relacioná-lo à atividade

de canto (CMT6), mas ele não é adequado ao ambiente hospitalar, que requer silêncio.

Instrumentos musicais, embora não sejam imprescindíveis, dão suporte rítmico e

harmônico ao canto, sendo necessário adequá-los ao ambiente de saúde, pois os que

produzem sons muito fortes podem tumultuar o atendimento.

O canto integra o cuidador ao ambiente de saúde (CMT3) e lhe oferece

oportunidades de se destacar para o grupo (SMI2). O cuidador manifesta interesse em

cantar, demonstra prazer em cantar acompanhado pelo musicoterapeuta (CMT15),

alegra-se em reconhecer canções, interessa-se pelo repertório cantado (SMI1), escolhe

repertório (SMI2), sugere cantar músicas preferidas de sua criança (CMT9), canta

músicas infantis muito conhecidas (SMI5), começa a cantar antes da musicoterapeuta

(SMI1, SMI2), fala sobre o tema da canção e tece relações entre as canções e a vida

(SMI2). Ele usa a letra das canções para construir associações com as experiências que

está vivendo (CMT15), conta fatos da história familiar da criança/adolescente

relacionados às canções (CMT9, CMT13), investe longo tempo na atividade de colorir

as ilustrações das músicas para si mesmo (CMT11, SMI6) e para ajudar seu filho

(SMI4), faz a expressão corporal da canção, expressa seu afeto oferecendo música aos

companheiros (SMI2), aprende e comenta canções novas (SMI2), vivencia atitudes de

solidariedade (SMI2, SMI5), participa da atividade de canto mesmo quando sua

criança/adolescente não participa, pede a letra da música (CMT15), comenta as

ilustrações das folhas (SMI4), pergunta se pode levar a folha para cantar em casa

(SMI2), leva-a para ensaiar na casa de outros familiares e comenta que toda a família

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cantou as músicas (SMI5), e canta junto com o grupo, distraído, fazendo carinho em

sua criança (SMI9).

O cuidador manifesta reconhecer o valor do canto para acalmar sua

criança/adolescente (STO7) explicando que “só assim ela fica quieta” (STO9). Ele usa

o canto habitualmente para distraí-la de situações cansativas e desconfortáveis,

reconhece as especificidades das canções e altera seus elementos de acordo com sua

conveniência (CMT11, SMI9), e entende o interesse da criança no canto como

propício para investir na sua fala (CMT6). A partir do repertório musical construído no

atendimento terapêutico, a criança/adolescente e seu cuidador têm uma nova visão da

história de sua família. As músicas cantadas em casa são trazidas ao ambiente de

saúde, enriquecendo contextualizações de vida (CMT10, SMI2), e as músicas

aprendidas no atendimento são levadas para casa (STO7), criando um trânsito musical

que enriquece seus dois ambientes, acolhe outros familiares (SMI9) e beneficia todo o

grupo familiar (CMT3).

A acessibilidade do canto faz com que técnicos não-musicistas cantem

regularmente nos atendimentos (STO9), planejem e usem o canto para dar comando à

criança/adolescente e o direcionem a aquisições do plano terapêutico destas (STO4),

mostrando que, mesmo vindo de não-musicistas, o canto é prazeroso e promove

mudanças de comportamento (STO6). Num dos momentos da pesquisa, a médica que

habitualmente passava de maca em maca, sentando-se diante de cada paciente para

conversar com seu cuidador, ao chegar à Sala de Medicação Infantil quando o grupo

estava cantando uma música popular muito conhecida, sentou-se diante do paciente e,

em vez de conversar com ele, permaneceu absorta, batendo o pé no ritmo da música,

distraída, cantando baixinho a música junto com o grupo, substituindo a consulta pelo

canto coletivo (SMI7).

Embora direcionado à criança/adolescente, o canto chama a adesão de pessoas

próximas à sala de atendimento, que chegam à porta e pedem uma folha com a música,

perguntam se podem participar da atividade, cantam (SMI2), manifestam prazer no

canto coletivo, propõem o canto de canções de seu repertório, pedem o

acompanhamento do grupo para cantar, percebem e incentivam o canto do outro

(SMI2), manifestam sentimentos despertados pelo canto, oferecem a música cantada

ao outro (SMI1), substituem a fala pelo canto (SMI7), saem para seus procedimentos

de saúde e voltam para cantar mais (SMI4). Quem não quer cantar as canções infantis,

aproveita o canto do grupo tamborilando seu ritmo com os dedos (SMI2).

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Ao oferecer o canto como prática terapêutica à criança/adolescente, o

musicoterapeuta e outros profissionais de saúde devem conhecer a anatomia e

fisiologia dos órgãos e estruturas envolvidos nele, para perceber, prevenir e corrigir

comprometimentos de saúde eventualmente ocasionados à criança/adolescente pela

atividade. Ele deve estimulá-la a conhecer a própria capacidade vocal, lhe ensinar a

evitar substâncias e situações hostis à sua saúde vocal e orientar seu cuidador a

consultar um otorrinolaringologista ao perceber alterações na voz ou na fala desta. A

criança/adolescente deve ser ensinada a preceder seu canto por exercícios de

aquecimento vocal e articulação, que ela se interessa em aprender quando tratados de

forma lúdica e associados à expressão corporal (CMT9, SMI1). Esses exercícios

trazem benefícios especialmente para a criança/adolescente com hipotonia orofacial

(CMT10), atuando no fortalecimento de sua musculatura orofacial, na redução da baba

e no controle da língua, para que não fique para fora da boca.

5.4. Instrumentos Musicais

A investigação sobre os aspectos mais marcantes do instrumento musical como

objeto terapêutico aponta o fato de que, por ser um objeto concreto, cuja manipulação

resulta em música, ele induz a criança/adolescente à ação e a instiga a desenvolver

processos de elaboração. Por seu manuseio resultar em prazer, o instrumento leva a

criança/adolescente a investir tempo e energia em fazer música. Por se apresentar sob

diferentes formas, ele é acessível à criança/adolescente com dificuldades psicomotoras

diversas. Por ele mesmo estimular seu aprendizado como forma de produzir sons mais

interessantes, leva a criança/adolescente ao desenvolvimento de habilidades. Por

propiciar trabalho grupal prazeroso e veicular mensagens, o instrumento musical

estimula a sociabilização da criança/adolescente e propicia sua expressão e

comunicação. Por oferecer benefícios de saúde e ser adaptável a diferentes espaços,

ele enriquece o ambiente de saúde.

Por ser manipulável e transformar os impulsos psicomotores da

criança/adolescente em sons, o instrumento musical a induz a manuseá-lo, explorando

suas possibilidades sonoras. Ao pegar um instrumento musical para brincar, a

criança/adolescente que se guia pela visão pega-o porque ele lhe chama a atenção pelo

tamanho, forma ou colorido, mas, ao descobrir que ele produz som, passa a procurá-lo

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primeiro por esse atributo (STO6). A criança que não enxerga e se guia pelo tato,

agarrando objetos em que esbarra, a partir de esbarrar no instrumento musical e ouvir

o som produzido por sua ação, se sente estimulada a mudar a postura e ir procurá-lo

para tentar reproduzir a experiência sonora (SMI3, SMI4). A criança que não escuta e

escolhe objetos por seu atrativo visual, ao descobrir acidentalmente a vibração

resultante da produção sonora no corpo do instrumento musical, se interessa por ele

por lhe oferecer um prazer tátil (CMT16, STO7).

Colocado no colo da criança/adolescente com deficit cognitivo profundo, o

instrumento musical estimula esta a mover a mão, mostrando o intuito de tocá-lo

(STO8). Ao perceber que o instrumento musical produz som, a criança/adolescente

com dificuldades motoras altera sua postura e se esforça para pegá-lo e tocá-lo (SMI1,

STO1), explorando o espaço amplo, nas suas laterais, além da linha média, fazendo

movimentos de cintura escapular (STO7). O instrumento musical induz à ação a

criança/adolescente isolada (STO5), a desmotivada (CMT8), a zangada (SMI2) e a que

ainda não desenvolveu a marcha e apóia-se em objetos para andar em sua direção e

tentar pegá-lo (STO7, STO8). Sendo deslocado para diferentes lugares, ele leva a

criança/adolescente a fazer força para se levantar (STO6), mudar a postura (STO7), se

arrastar (STO9), se apoiar em objetos (STO6) e andar (STO7) até alcançá-lo e tocá-lo.

Sendo um objeto concreto, o instrumento musical exige a criação de soluções

para adequação da criança/adolescente às suas formas de fazer som (CMT4),

possibilitando que ela faça comparações e substituições (CMT6, CMT18). A

criança/adolescente brinca com eles, observa suas formas, estabelece critérios para

selecionar alguns para tocar, nomeia-os espontaneamente, aceita seus nomes corretos,

descobre como eles produzem som e explora suas possibilidades sonoras (CMT16,

STO1, STO3, STO4, STO7).

Sabendo do potencial sonoro do instrumento musical, a criança/adolescente

chega à sala de atendimento e vai imediatamente até ele, arrasta-se quando não

consegue andar (o que estimula seu desenvolvimento motor e espacial), explora suas

possibilidades sonoras, cria formas alternativas de tocá-lo (o que denota construção de

conhecimentos), toca usando as duas mãos (mesmo quando uma mão é paralisada ou

está presa à máquina de medicamentos) e disputa-o com outras crianças e com o

técnico, desenvolvendo atitudes de interação (CMT1).

Familiarizando-se com os instrumentos musicais, ao chegar à sessão de

musicoterapia a criança/adolescente reconhece a musicoterapeuta, se aproxima dela,

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tira as sandálias sozinha, sobe no colchão, se senta ao lado dela e fica esperando para

aprender a tocar (STO4). Estando em outra atividade, ao ouvir o instrumento musical

soar, ela muda de atitude, interrompe o que está fazendo, tenta pegar o instrumento,

pede-o ou toma-o de quem o está tocando, pega outro instrumento, toca e mostra

prazer em fazer som (CMT5, CMT15, SMI1, SMI2, SMI5, STO1, STO2, STO3,

STO4, STO5, STO6, STO7).

Por exigir seu manuseio para resultar em gratificação, o instrumento musical

induz a criança/adolescente à movimentação corporal, que resulta em melhorias em

sua circulação sangüínea e em seu tônus muscular, e a leva a observar seu próprio

corpo em relação à produção sonora. Ela avalia o que é preciso para tocar por muito

tempo, pede para ser melhor posicionada (STO7), e mantém contato visual com a

musicoterapeuta enquanto corrige sua postura (STO7). A concentração da

criança/adolescente para tocar diminui seus movimentos estereotipados (CMT17) e a

leva a usar a mão paralisada (STO7).

Por ser um objeto que produz som relacionando-se ao executante e ao

ambiente, o instrumento musical estimula a relação da criança/adolescente com a

realidade, despertando o interesse dela pelo nome dele e pela forma como ele produz

som. A vontade de ter o instrumento musical para si leva a criança/adolescente a

querer saber seu preço e onde comprá-lo (CMT16). Alguns instrumentos musicais

estão envolvidos em casos que propiciam a revivência e enriquecimento das histórias

da família da criança/adolescente (CMT18). O manuseio do instrumento musical pela

criança/adolescente permite ao musicoterapeuta avaliar e estimular suas habilidades

afetivas, motoras e cognitivas, de forma lúdica, sem focalizar dificuldades (CMT19).

Por possibilitar à criança/adolescente passar do campo concreto da

manipulação do objeto ao campo abstrato do fazer música, o instrumento musical a

estimula a manter por longo tempo a atenção voltada ao seu manuseio, buscando

elaborar os sons. Mesmo tendo chegado a ele por outros sentidos, ao descobrir sua

capacidade de produzir sons que podem ser organizados em formas interessantes, ela

se dedica grande tempo a manuseá-lo, organizando os sons para que eles configurem

uma experiência musical agradável. Ela recusa outros convites para poder continuar

tocando (STO4) e descobre formas de atender a outras solicitações enquanto toca um

ou dois deles (STO2, STO3). Por produzir som, o instrumento musical sustenta a

atenção da criança/adolescente mais tempo do que um objeto que não produz som, do

qual ela se esquece quando ele sai de seu campo de visão (CMT14).

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Reconhecendo o instrumento musical como capaz de produzir sons, a

criança/adolescente percute vários deles de maneiras diversas, inclusive batendo uns

nos outros, pesquisando formas de produzir som e de agrupá-los (CMT16, STO2). A

atividade ganha sentido para ela, ao possibilitar a execução de trechos musicais

interessantes, de uma música inteira, de outra música, do tocar em conjunto.

Os sons produzidos pelo instrumento musical estimulam na criança/adolescente

a observação e reconhecimento deles. Suas qualidades sonoras seduzem-na. Conhecer

e elaborar sua riqueza de sons fazem-na treinar posturas importantes ao seu

desenvolvimento motor (STO7), e experimentar diferentes esforços físicos para dosar

a forma e a força com que deve bater em diferentes instrumentos para produzir sons

agradáveis (STO4, STO7). Relacionar sua movimentação física a diferentes resultados

sonoros estimula uma série de conhecimentos acerca da atuação de seu próprio corpo

no tempo e no espaço (CMT8, STO1).

A manipulação do instrumento musical, embora se assemelhe a alguns

exercícios físicos propostos pelos atendimentos de fisioterapia ou fonoaudiologia da

criança/adolescente, adquire para ela um significado ao resultar em música. O prazer

de criar sons interessantes a leva a repetir muitas vezes o mesmo exercício, tornando o

instrumento musical um recurso importante à sua reabilitação física, capaz de motivá-

la a fazer movimentos que, sem música, não resultariam em fruição estética. Além

disso, o instrumento musical permite que a criança/adolescente toque quando pode e o

quanto pode, descansando quando precisa e voltando a tocar quando sente que já pode

tocar de novo, dosando, ela mesma, sua capacidade de movimentar-se (CMT17).

Produzindo sons prazerosos, o instrumento musical gratifica imediatamente a

criança/adolescente por seus investimentos psicomotores. Ao bater involuntariamente

em um instrumento musical e ouvir o som resultante do impacto, a criança/adolescente

se interessa em repetir o prazer da produção sonora (STO7). A criança/adolescente

com visão subnormal volta o rosto em sua direção, tenta achá-lo (STO7), procura-o

intencionalmente com o pé (STO6), tateia com a mão em sua direção (STO9), sente

sua forma e textura passando as mãos sobre ele (STO6, CMT17) e percebe a vibração

causada nele pela produção dos sons (STO7). A criança/adolescente sente tanto prazer

em manusear o instrumento musical (CMT16) que chega a se deitar sobre ele para

ouvir suas vibrações em diferentes partes de seu próprio corpo (STO7).

Ao perceber como divertida a produção de sons, a criança/adolescente quer

tocar mais, e mostra melhor humor (STO7). Ao ser aplaudida, ela sorri satisfeita

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(STO6). O prazer de tocar um instrumento musical leva a criança/adolescente com

fragilidade motora a surpreender o cuidador que, após ter muita atenção à escolha de

um instrumento leve, vê que ela prefere um instrumento maior e mais pesado e

consegue sustentá-lo (SMI1). A criança/adolescente que não consegue tocar um

instrumento musical sozinha, ao ter sua mão guiada para tocá-lo, sente a emoção de se

ver tocando (STO3, STO8), desenvove a idéia de vir a tocar (STO3), se esforça para

fazer os movimentos necessários (STO3) e, após várias tentativas, segue tocando

sozinha (STO2). Tocar um instrumento musical, mesmo com ajuda, e ter o fato

comemorado por seu grupo, leva a criança/adolescente a se dedicar mais a tocá-lo

(STO2) e favorece à criança/adolescente com dificuldades cognitivas a percepção de

que ela fez uma ação (STO8).

O instrumento musical pode ser tão querido pela criança/adolescente que, após

um período sem vê-lo, ela manifesta sua alegria por reencontrá-lo se deitando sobre

ele, abraçando-o e o tocando com várias partes de seu corpo (CMT16). Após fazer

vínculo com um instrumento musical, a criança/adolescente o toca sempre (CMT17) e,

quando está desanimada de tocá-lo, se distrai tocando outro instrumento musical. O

prazer de tocar um instrumento musical faz a criança/adolescente estender o tempo da

atividade musical, tocando-o enquanto almoça ou após ser dispensada dos

procedimentos de enfermagem (SMI2), correndo para tocar mais um pouco quando

anunciam o fim da sessão CMT17) e tentando levá-lo consigo para tocar em casa

(STO2). Quando a canção acaba, ela continua dedilhando seu instrumento, distraindo-

se (SMI2), e diz entusiasmada que vai vir todos os dias ao ambiente de saúde para

poder tocar (SMI2). Ao ser chamada para outra atividade, reafirma sua vontade de

continuar tocando (STO2).

Tocar um instrumento musical oferece à criança/adolescente a experiência de

ter autonomia sobre a atividade, tocando sozinha, envolvida consigo mesmo,

canalizando suas energias para fazer sons mais interessantes (CMT1). Ele também lhe

propicia a regressão emocional a estados prazerosos, o retorno a si mesma e a busca

regressiva da presença da mãe (STO1). Interpretar uma canção conhecida leva-a a se

esforçar para completá-la (STO8), estendendo seu tempo de concentração até o fim

dela (STO7), e o sucesso em fazer música aumenta sua auto-estima e a encoraja a

investir em novas aquisições psicomotoras (CMT1).

Por se apresentar sob variadas formas, o instrumento musical possibilita acesso

à criança/adolescente com dificuldades psicomotoras, lhe dá chances de realizar

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tarefas com autonomia e lhe possibilita mostrar satisfação com o resultado sonoro

produzido, aplaudindo-se ao final da própria apresentação (SMI2, STO1, STO2,

STO3, STO6). A facilidade de manuseio de alguns instrumentos musicais dá à

criança/adolescente segurança para tocar diferentes instrumentos musicais, sozinha

(SMI2) e em grupo (CMT10, CMT19, STO7, STO8), e escolher alguns nos quais

consegue performance positiva (CMT8), reconhecendo-os como seus (CMT17).

Mesmo a criança/adolescente com grandes dificuldades mentais e motoras dirige-se

espontaneamente aos instrumentos musicais, toca-os usando as duas mãos (CMT2),

mantém o ritmo da música, e sorri ao receber aplausos ao fim da apresentação (STO3).

Diferentes instrumentos musicais estimulam diversos movimentos de mãos e

pulsos (STO6) e propiciam à criança/adolescente inúmeros benefícios. O instrumento

musical portátil pode ser adaptado a diferentes superfícies e posições de acordo com as

necessidades e possibilidades da criança/adolescente, lhe possibilitando experimentar e

firmar posturas e movimentos importantes ao seu desenvolvimento motor (STO2,

STO3, STO4, STO7), e incentivando o uso espontâneo de sua mão paralisada para

tocá-lo (STO1). Instrumentos musicais semelhantes, em tamanhos e materiais

diferentes, estimulam-na a tocar um pouco em cada um, descobrindo modo e força de

tocá-los, levando-a a processos de discriminação de semelhanças/diferenças (STO6).

Por sua grande diversidade de formas de manuseio, o instrumento musical é

acessível à criança/adolescente com dificuldades diversas (STO5) e lhe permite se

divertir tocando (CMT3) e vivenciar os benefícios que eles lhe oferecem (STO1),

adaptando-se às suas condições, mesmo que estas sejam instáveis, como no caso da

criança/adolescente com doença degenerativa, ou que apresenta crises convulsivas ou

em fase de alterações nos medicamentos (CMT19, CMT20). Não tendo um

instrumento musical, a criança/adolescente usa a expressão corporal para brincar de

estar tocando um (STO3).

O instrumento musical de brinquedo, geralmente muito colorido e na forma de

instrumentos musicais de verdade, chama a atenção da criança/adolescente (STO4,

STO7), leva-a a se interessar por uma atividade (CMT1, STO7) e lhe oferece o

conhecimento de um repertório musical e a construção de um repertório preferido. Ele

lhe dá prazer de se ver fazendo música até sentir segurança para passar para um

instrumento musical de verdade (CMT14), fundamenta o início de seu aprendizado de

música (SMI5), e seu colorido permite avaliar se ela reconhece e nomeia cores

(STO7). Ele é encontrado no comércio com preços acessíveis à criança/adolescente

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muito pobre (STO9). O instrumento musical de verdade é adotado como brinquedo

pela criança/adolescente, que o coloca para interagir com os brinquedos (STO3).

Os instrumentos musicais mais fáceis de serem tocados são os de percussão

sem afinação, que requerem movimentos simples com uma só mão, como o caxixi, o

chocalho, o guizo, a maraca, o pandeiro, a pratinela, o sino e o tambor. Suas diferentes

formas tornam-nos visualmente atraentes à criança/adolescente desmotivada, e sua

facilidade de preensão permite que eles sejam seguros por mãos inseguras. Por serem

pequenos, eles podem ser levantados acima da cabeça da criança/adolescente que não

consegue firmar seu tronco, ao alcance de ser manipulado por ela, incentivando-a a

acompanhá-lo com o olhar e a endireitar a postura para pegá-lo (STO1). Próximos à

criança/adolescente com visão subnormal, eles produzem sons quando ela esbarra

neles e lhe favorecem perceber sua localização (STO9).

Instrumentos de percussão sem afinação são especialmente adequados à

criança/adolescente com uma só mão disponível (por malformação, amputação,

hemiplegia ou ligação à máquina de medicamentos ou hemodiálise). Ela tem prazer

em fazer música e participar de um conjunto instrumental usando só a mão que se

movimenta. Eles são indicados também para encorajar a criança/adolescente muito

tímida, ou em início da atividade terapêutica, ou com grandes dificuldades motoras

(SMI2, STO2). Todas elas demonstram muito prazer ao conseguir acompanhar uma

canção inteira, tocando um deles (STO2).

A criança/adolescente que não consegue segurar o instrumento musical pode

ter um guizo amarrado em seus pulsos ou tornozelos, ou costurado em sua luva ou

meia. Movendo braços ou pernas, ela produz som e participa da atividade prazerosa e

estimulante que é um conjunto instrumental (STO2). Percebendo que está fazendo

música, ela se empenhe em continuar tocando (SMI8). Colocado dentro de um objeto

maior, o guizo estimula a criança/adolescente com dificuldade de realizar o

movimento de pinça a abrir a mão, e favorece sua preensão (STO2).

Um episódio ocorrido com um dos adolescentes deste grupo, que apresenta

movimentação voluntária muito restrita, levou sua mãe a considerar que o instrumento

musical salvou a vida dele. Tendo a musicoterapeuta dado ao adolescente luvas de lã

nas quais costurou guizos, que produzem sons quando ele movimenta as mãos em

movimentos involuntários decorrentes de atetose, ele as usava continuamente em casa

nos dias frios. Em um desses dias, a mãe percebeu que o adolescente estava muito

pálido e quase sem respiração, e correu a sacudi-lo e gritar seu nome, tentando

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reanimá-lo, sem conseguir resposta dele. Estava já desesperada, achando que ele

estava morrendo, quando suas sacudidas fizeram os guizos das luvas soar e o

adolescente abriu os olhos e os procurou e ficou olhando para eles, voltando aos

poucos à respiração e à cor normais. A mãe considerou que o som dos guizos, por ser

um dos poucos sons que ele podia produzir, tinha adquirido para ele mais sentido do

que a voz materna, tendo sido capaz de alcançá-lo quando suas respostas psicomotoras

já estavam muito fracas.

O pandeiro pode ser percutido pela mão ou pelo pé da criança, o que lhe

proporciona o prazer de sentir a textura do instrumento (STO2) e a construção de

noções táteis, visuais e auditivas (STO1). Por produzir som interessante com golpes

simples, ele dá segurança ao cuidador e ao técnico não-musicistas para entregá-lo à

criança/adolescente com comprometimentos motores, certos de que ela tem muita

chance de tocá-lo (STO4). Até o som do pandeiro caindo repentinamente ao chão

desperta o riso da criança/adolescente, mostrando sua atenção a ele (STO5).

Uma criança deste grupo, com grandes dificuldades mentais e motoras e visão

subnormal, ao ter dois pandeiros posicionados à sua esquerda e direita, e ser

estimulada a tocá-los, tendo suas mãos guiadas até eles, mostrou reorganizar sua

postura física a partir do contato com eles e de buscar tocá-los com as duas mãos.

Batendo nos dois pandeiros ao mesmo tempo, um com cada mão, ao lado do seu

corpo, e percebendo que eles estavam sendo afastados dela pela musicoterapeuta, ela

ia abrindo os braços e firmando seu tronco. Cada vez que a musicoterapeuta afastava

os pandeiros um pouco mais para longe da criança, ela avaliava imediatamente a nova

distância e alterava seu posicionamento para continuar tocando neles. Embora

apresentando habitualmente comportamentos muito regressivos, mantendo-se em

posição fetal e expressando-se através de choros e gritos contínuos, nesses momentos,

essa criança mostrava tanto prazer em tocar os pandeiros e fazer música, que dava

gargalhadas sonoras e fazia tal expressão de alegria que comovia todos os técnicos ao

redor (STO5).

O tambor, por ser grande e resistente, pode ser deslocado de lugar e se manter

estável onde é colocado, permitindo o posicionamento sentado da criança/adolescente

com dificuldade de equilíbrio. Quanto maior o tambor, mais fácil ser golpeado, e ele

também pode ter o lugar a ser golpeado pintado de uma cor destacada, para orientar a

criança/adolescnete com dificuldade motora ou com visão subnormal. O tambor

estimula a criança/adolescente a apoiar-se nele para adquirir a postura de pé, e a

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permanecer longo tempo nesta postura, apoiando-se nele quando se cansa. Ele também

a ajuda a desenvolver a marcha, caminhando apoiada nele e empurrando-o ou sendo

puxada (CMT17), inclusive diante de um espelho, para ela se ver dando passos

(CMT7). O tambor enriquece a marcha da criança/adolescente, marcando variações de

andamento com batidas precisas (STO8), e a disposição de vários deles sendo tocados

simultaneamente influi na sua orientação espacial (CMT16). Em diferentes afinações,

ele prepara a criança/adolescente para os instrumentos melódicos.

Os instrumentos de percussão que exigem movimentos coordenados das duas

mãos, como as clavas, os pratos e o kabuletê, se adaptam à criança/adolescente

hemiplégica, bastando que sua mão paralisada apóie o peso sobre uma das partes do

instrumento e a outra mão bata nela com a outra parte. Em atividades grupais, dois

pacientes podem tocá-los em dupla, resultando no desenvolvimento de conteúdos de

sincronização e interação (SMI2).

O terceiro grupo em facilidade de manuseio é o dos instrumentos de percussão

que requerem movimentos diferentes em cada mão, como o reco-reco, o triângulo, a

bateria e a bateria eletrônica. Eles requerem maior compreensão de movimentos, mas

podem ter seu manuseio facilitado por adaptações. A bateria é o instrumento mais

complexo do grupo de percussão, por reunir diferentes instrumentos (caixa, bumbo,

chimbal de baqueta, chimbal de pé, prato, tom-tom e surdo, podendo ter pedal simples

ou duplo). Tantos instrumentos agrupados requerem diferentes tipos de golpes, ao

mesmo tempo. O trabalho com a baqueta propicia o desenvolvimento de dois

movimentos manuais, a pinça (colocação do polegar e indicador segurando e

conduzindo a baqueta) e a mola (dedos médio, anular e mindinho trabalhando como

uma mola, acompanhando o movimento de pinça). Por ter várias partes, a bateria

estimula alteração nos movimentos estereotipadas da criança (CMT17). A bateria

eletrônica requer menos movimentação motora para produzir resultados semelhantes, e

conta com recursos de variação dos parâmetros de duração, timbre e intensidade. A

diversidade de instrumentos de percussão estimula a criança/adolescente a tocar vários

deles (STO2).

Os instrumentos percussivo-melódicos, como a marimba, o vibrafone, o

metalofone e o xilofone, exigem a discriminação auditiva de alturas e a localização das

notas musicais. Feitos de placas de madeira, metal ou vidro, de tamanhos

gradativamente diferentes, presas a uma base, eles podem ter as placas soltas, para

familiarizar a criança/adolescente com uma nota de cada vez, e cada placa de uma cor,

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para facilitar sua distinção. Eles estimulam a criança/adolescente com hemiplegia a

segurar a baqueta com a mão paralisada (STO3) e a tocar com baquetas nas duas

mãos, exercitando uma coordenação motora complexa que iguala os dois braços e os

põe para interagir (STO1). Eles são acessíveis à criança/adolescente com dificuldade

de preensão, tendo uma baqueta mais grossa (STO7), e à criança/adolescente que não

se firma na posição sentada, bastando posicioná-la com apoio (STO2, STO7).

Os instrumentos melódicos estimulam a discriminação auditiva de alturas e o

controle de dedilhado, criando caminhos cerebrais que atuam em outras aquisições

psicomotoras. Os mais simples são os de teclas, como o piano, o órgão e o teclado.

Crianças muito pequenas, ou com dificuldades cognitivas, que manifestam medo do

piano por ele ser grande e escuro, podem tomar contato com ele através de pianos de

brinquedo, menores, mais claros, e com poucas teclas.

Por ser grande, resistente, e fixo em um lugar, o piano permite o

posicionamento seguro da criança/adolescente com dificuldade de equilíbrio e

propensa a quedas (CMT17, CMT19, CMT21) e favorece que ela adquira a postura

sentada. Também por se fixo em um lugar, ele interrompe a deambulação da

criança/adolescente ansiosa, induzindo-a a parar alguns momentos para tocá-lo (o que

não é estimulado por instrumentos menores, que ela pode carregar em sua marcha

contínua). O piano lhe dá segurança durante a prática musical (CMT1, CMT2) e lhe

favorece exercitar a postura da coluna e a extensão e flexão de dedos, punhos e

ombros. Seus pedais estimulam seu movimento de pés (CMT1). Tocado de pé, ele

estimula a criança/adolescente a adquirir a postura de pé, permanecendo nela muito

tempo e apoiando-se quando se cansa (CMT17).

Por sua amplidão de teclado, o piano propicia à criança/adolescente de postura

rígida a abertura dos braços, estimulada por histórias musicadas com personagens de

voz grossa (urso, dragão, tubarão) que moram na região de sons graves, à esquerda do

teclado, e personagens de voz fina (princesa, peixinho, passarinho), que moram na

região de sons agudos, à sua direita. A grande extensão do piano estimula o

cruzamento lateral dos braços diante do corpo (braço esquerdo avançando à frente do

lado direito do corpo e vice-versa) em atividades de dedilhado e de glissando (correr

os dedos sobre a seqüência de teclas), movimentação fundamental ao desenvolvimento

psicomotor da criança na fase de pré-escola.

Por ser percutido por martelos, o piano exige da criança/adolescente o controle

de forças na produção de sons com intensidades variadas, levando-a a conhecer e

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dosar a própria força. Tocado de formas diferentes da convencional, ele é acessível à

criança/adolescente com dificuldades motoras (CMT21). Cada tecla pode ser marcada

com cores diferentes, para facilitar sua distinção. A criança/adolescente com perda

auditiva pode tocar o piano aberto, para ver o movimento das cordas percutidas pelas

teclas, e pode se encostar ao instrumento ou se sentar no chão de madeira para

perceber melhor as vibrações e seus correspondentes sonoros. Os pedais do piano

podem ser encompridados para serem acionados pelas mãos do paciente sem

movimento de pés. Por produzir som sendo tocado com qualquer das mãos escolhida

pela criança/adolescente, o piano lhe permite manifestar sua dominância lateral

(CMT12).

Posicionado de forma a não ocupar muito espaço numa sala pequena, e a

permitir que ao tocá-lo o musicoterapeuta tenha a visão do que ocorre, o piano

favorece a prática instrumental coletiva. Usando três bancos, o musicoterapeuta pode

trabalhar sentado entre duas crianças/adolescentes, controlando-as e promovendo a

interação entre elas (CMT19). Para incentivar a discriminação de sons graves/agudos,

cada criança/adolescente pode se responsabilizar por uma extensão de notas (CMT19).

Entre os teclados, os que têm gravações acionadas por teclas ou botões, com

pequenas canções, vozes de animais e sons do ambiente, dão à criança/adolescente

gratificação imedita com pouco esforço, lhe proporcionando o prazer de fazer música

sem precisar compreender a lógica do instrumento (CMT14, STO3, STO4, STO6,

STO9). Esses teclados estimulam a atenção da criança/adolescente às instruções de seu

manuseio, para ter autonomia sobre a reprodução dos sons (STO6), e ajudam-na a

compreeder relações de causa/efeito pelo relacionamento das músicas às teclas

(CMT13, CMT14, STO7). O teclado com gravações desperta o interesse da

criança/adolescente em identificar os sons gravados e associá-los a objetos e

acontecimentos, através de relatos verbais ou por expressão corporal (STO1, STO2,

STO5), e estimula a criança/adolescente hiperativa a concentrar-se em tocar uma

música até o seu final sem apertar outros botões que disparem outros sons (STO7). As

canções gravadas induzem a criança/adolescente à dança, estimulando seu

desenvolvimento motor e a percepção do próprio corpo (CMT10, STO5).

Duas funções do teclado (tocar as notas musicais e tocar músicas gravadas)

propiciam ao musicoterapeuta avaliar a capacidade da criança/adolescente de fazer

música (CMT14). Descobrindo que a mudança no botão de controle das funções as faz

tocar uma música inteira ou apenas uma nota musical, ela primeiro dispara as canções,

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ouvindo músicas prontas ou fingindo tocá-las, e, depois, quando se cansa das opções

que o teclado oferece, passa a mudar o controle das teclas e a tocar as notas musicais,

procurando formar canções diferentes. Usando o teclado em suas duas possibilidades,

ela o aproveita para ter gratificação instantânea produzindo músicas com um toque

apenas, e para ter mais prazer, criando novas músicas.

O sucesso proporcionado pelo teclado permanece na memória da

criança/adolescente e ela busca repeti-lo tocando-o de novo na sessão seguinte

(CMT12). Ele favorece à criança/adolescente vivenciar o sonho de ser musicista,

dramatizando tocar uma gravação (CMT14, CMT15).

Por requerer menos força e destreza para produzir som do que o piano, o

teclado possibilita sucesso à criança/adolescente que dispõe de pouca força muscular

(CMT17), à que não firma a coluna sozinha (STO2) e à que tem os polegares inclusos

(STO4), estimulando a criança/adolescente com a mão fletida a abrir a mão e a

estender os dedos (STO6). Ao ter seus pés colocados sobre o teclado e perceber que

produz sons, a criança/adolescente mostra alegria e envolvimento tocando-o, rindo e

dançando (STO2). Possibilitando o contato direto com sua superfície, o teclado

permite à criança/adolescente com dificuldades cognitivas perceber sua vibração e

externar satisfação através de expressão facial (STO3), interessando-se em produzir

som para sentir a vibração do teclado no próprio corpo (CMT16).

O teclado permite à criança/adolescente com dificuldades motoras tocá-lo com

diferentes partes do corpo (CMT11). Ele a estimula a usar todos os dedos da mão

paralisada (STO1, STO2) e a usar o splint (órtese) para manter sua mão aberta e tocar

melhor (STO7). O teclado lhe permite tocar canções muito simples, com até cinco

notas musicais, com as mãos fixas em determinada posição, até que ela sinta segurança

em movimentá-las sobre as teclas (CMT1). Sendo um instrumento portátil, encontrado

em variados tamanhos, ele pode ser carregado pela criança/adolescente, favorecendo

sua proximidade física com outras pessoas e sua apresentação em diferentes locais. O

teclado pode ser adaptado a um suporte para que a criança/adolescente acamada o

toque. Posicionado sobre um suporte, ele favorece que ela se apóie nele para ficar em

pé e, repetindo essa atitude em diferentes sessões, ela mostra reconhecer o instrumento

como um apoio para desenvolver esta postura (CMT7, CMT8, CMT11). O teclado lhe

propicia tocar nas posições sentada e de pé, com uma ou duas mãos (STO4, STO5), e

ainda prestar atenção ao ambiente (CMT10), mantendo-se tocando por longo tempo

sem se cansar (CMT9).

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O teclado oferece muito prazer à criança/adolescente com pouca autonomia

motora. Ao ter suas mãos posicionadas e apertadas sobre as teclas, ela sorri (STO6),

inclina a cabeça em direção ao som produzido (STO5), direciona o olhar ao técnico

(STO6) e o volta para ver suas mãos tocando até o fim da música, depois procura o

teclado com a mão, mostrando querer continuar a atividade e acreditando que pode

tocá-lo (STO5). Com mais de duas escalas, ele permite que duas crianças/adolescentes

toquem juntas, vivenciando a disputa e o compartilhamento (STO7).

Com variados recursos sonoros (timbres, ritmos e efeitos especiais), o teclado

fascina a criança/adolescente, desperta seu interesse em pesquisá-los e leva-a a

aumentar seu tempo de permanência em atividade (CMT15, CMT21), o que lhe

acarreta benefícios diversos (CMT16). Mesmo que a criança/adolescente não

compreenda a relação entre cada tecla e o som associado a ela, experimentar diferentes

sons e associá-los a situações expressa seu mundo interno (CMT9, CMT11, CMT16) e

ajuda-a a perceber diferenças timbrísticas e a compreender os mecanismos de

funcionamento do teclado (CMT11). As gravações estimulam seu conhecimento sobre

o mundo (STO5).

O prazer de tocar teclado leva a criança/adolescente a ampliar sua concentração

e atenção seletiva (CMT16). Aos poucos, ela entende que o som corresponde à pressão

de seu dedo em algum botão disparador, relaciona cada tecla a seu som e descobre o

que tem que fazer para produzir os sons que quer ouvir, disciplinando-se a esperar

ouvir a música inteira antes de apertar outra tecla (CMT17, STO7). Seu progressivo

domínio sobre o instrumento aumenta sua alegria, eleva sua auto-estima, reforça seu

envolvimento com a música (CMT10) e lhe permite apreciar a música que quer

(CMT12). Feliz por dominar seus mecanismos, ela gosta de ligar e desligar o teclado e

avança na descoberta de outros comandos (STO2, STO6), que a levam da situação de

dependência de alguém que o ligue para ela (STO4) até a autonomia de tocar sozinha,

e ao poder sobre o grupo, determinando a alegria/tristeza deste ao controlar o botão de

liga/desliga (STO7).

O teclado, o piano e o órgão podem ter os nomes das notas musicais escritos

sobre as teclas, facilitando à criança/adolescente com dificuldades cognitivas o

aprendizado musical e atividades de leitura e escrita (CMT13). Nos três instrumentos,

a criança/adolescente conjuga os hemisférios cerebrais em diferentes esforços para

tocar melodia e harmonia com as duas mãos e resolver questões de digitação,

distribuindo os dedos em relação à extensão das notas da música estudada, o que

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estimula seu raciocínio matemático-espacial (CMT1). Tocar a quatro mãos leva a

criança/adolescente que ainda não conhece as notas a tocar o ritmo da música,

assimilar posicionamentos de mãos, e discriminar momentos de fazer pausas e

momentos de fazer som (CMT15).

O grande número de teclas dos teclados maiores, com quatro ou cinco oitavas,

e do piano, leva a criança/adolescente a se deparar com a necessidade de mover as

mãos no sentido de tocar muitas teclas, passando uns dedos sobre e sob os outros. O

prazer de tocar músicas com mais de cinco notas leva-a a investir nesse adestramento

das mãos (CMT1).

Entre os instrumentos melódicos de cordas, o violino, a viola, o violoncelo, o

contrabaixo, o cavaquinho, o bandolim, o violão, a viola caipira, a craviola, a guitarra,

o baixo e a harpa, por terem diferentes tamanhos, propiciam à criança/adolescente

adequação à sua capacidade física (CMT14). Os instrumentos de corda tocados sem

arco machucam os dedos da criança/adolescente no início de seu manuseio, até que a

ponta deles se torne mais tolerante à pressão sobre as cordas, e, por causarem

vibrações nos dedos, é recusado pela criança/adolescente com defensividade tátil. Para

serem acessíveis à criança/adolescente com dificuldades mentais, eles podem ter

poucas cordas, ou receber uma corda de cada vez, e cada corda pode ter uma cor

diferente, para facilitar sua distinção.

O violão possibilita à musicoterapeuta ir de maca em maca, parando diante de

cada criança/adolescente e tocando para ela músicas de sua preferência (SMI4).

Pequenos violões de brinquedo podem ser entregues às crianças/adolescentes para que

imitem a musicoterapeuta tocando-os. A criança/adolescente que não se sustenta

sentada pode tocar o violão apoiada (STO2). O cavaquinho é o instrumento mais

simples desse grupo, por seu tamanho menor e por ter apenas quatro cordas. Em

seguida vêm o violão, com seis cordas, a viola caipira com sete cordas, o bandolim

com oito cordas, a viola sertaneja com dez cordas e a craviola com doze cordas.

Instrumentos de corda com arco, como o violino, a viola e o violoncelo, exigem um

adestramento técnico mais complexo, e propiciam a flexibilidade e independência de

dedos da mão esquerda e o controle de tensão da mão direita. Por não terem trastes

marcando o lugar das notas, que devem ser achadas de ouvido, eles estimulam a

discriminação auditiva da criança/adolescente.

O violão, o piano, o teclado, e o órgão, chamados instrumentos melódico-

harmônicos por conjugarem notas e acordes, exercem poder de arregimentação em

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atividades grupais, induzindo atitudes de organização e comando, dando à

criança/adolescente o poder de tocar para o grupo as músicas que quer e de recusar as

que não quer (SMI2).

Os instrumentos de sopro, como a clarineta, a escaleta, o fagote, a flauta-doce,

a flauta de êmbolo, a flauta irlandesa, a flauta de Pan, a flauta transversa, a gaita, a

gaita de fole, o kazoo, a ocarina, o saxofone, o trombone, a trompa, o trompete e a

tuba, estimulam a sincronicidade entre a respiração e o dedilhado. Seu som é

produzido, ouvido, analisado e modificado no interior do corpo da criança/adolescente,

mobilizando sua percepção e controle do sopro, que influem em seus mecanismos de

fala. Eles restringem o movimento de sua língua, o que é útil a pacientes com lábios

hipotônicos e língua tendendo a manter-se fora da boca.

A flauta-doce é pequena, portátil, produz som suave de fácil emissão e é

encontrada no comércio a preços acessíveis, costumando ser dada como lembrança em

festas (SMI5). A descoberta da existência de flautas-doce de cores diferentes leva a

criança/adolescente a querer tocar todas elas (STO7). Seu dedilhado segue uma lógica

simples, que estimula a criança/adolescente a tocá-la observando e imitando o sopro e

o movimento de dedos da musicoterapeuta (STO3). O aprendizado de suas posições é

possível durante o atendimento em grupo (SMI5, STO2) e permite a interpretação de

músicas simples com o uso de poucos dedos. Apresentando-se em cinco tamanhos e

registros (sopranino, soprano, contralto, tenor e baixo), ela incentiva processos de

comparação. Gostando muito de tocá-la, a criança/adolescente cria maneiras de trocá-

la de uma mão para a outra para não largá-la enquanto faz outra atividade (STO3). A

criança/adolescente com hemiplegia consegue segurar a flauta-doce com as duas mãos

e soprá-la, como no exemplo de Rafael que, tendo a mão direita paralisada, investe em

imitar o dedilhado da musicoterapeuta na flauta-doce para ter um retorno sonoro

interessante, o que conduz gradativamente sua mão paralisada a alcançar melhor

controle dos movimentos (STO3, STO7).

A flauta de êmbolo permite a percepção das variações do som em escalas

ascendentes e descendentes (CMT10). A flauta transversa e o saxofone, com dedilhado

complexo e grande exigência de sopro, fortalecem e disciplinam o processo

respiratório da criança/adolescente, e é preciso atenção ao aumento de oxigenação no

cérebro, que pode causar tonteira. O kazoo produz som através da criança/adolescente

falar em seu bocal, fazendo vibrar sua membrana, o que influi na estimulação de sua

fala. Na escaleta, cada dedo produz um som.

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Visando estimular aquisições específicas no desenvolvimento da

criança/adolescente, induzindo movimentos que ela consegue ou precisa fazer (STO9),

e buscando oferecer a possibilidade de tocar um instrumento musical a crianças muito

pobres, os instrumentos musicais podem ser construídos a partir de objetos diversos.

Sua construção deve ser direcionada a oferecer acesso à criança/adolescente,

adaptando-se às possibilidades desta, em qualquer grau de saúde/doença em que ela se

encontre; deve oferecer segurança em seu manuseio, evitando pontas ou materiais que

causem cortes ou perfurações e peças pequenas que possam ser engolidas, e deve

procurar resultar num som de boa qualidade, que enriqueça o ambiente sonoro da

criança (STO9). No caso de um dos adolescentes deste grupo, com grande dificuldade

de preensão manual, a musicoterapeuta construiu para ele um “guizão”, colocando

dentro de um estojo de plástico maleável três bolas de borracha com guizos. Este é o

único instrumento musical que ele consegue segurar por longo tempo, porque o

tamanho do instrumento é adequado à abertura de sua mão, a superfície maleável do

plástico se amolda a seus dedos, e a facilidade de produção sonora dos guizos

possibilita que seus mínimos movimentos atetóticos façam o instrumento soar e lhe dê

a satisfação de estar tocando com os colegas (CMT21).

Respeitando a escolha da criança/adolescente, estratégias de facilitação podem

ajudá-la a ter bons resultados no instrumento musical, como um bom repertório de

canções compostas por apenas três ou quatro notas (CMT1) ou atividades de

improvisação instrumental que não requerem adestramento técnico. Instrumentos

melódicos ou harmônicos, embora mais complexos que os percussivos, ajudam a

criança/adolescente com dificuldades rítmicas, que teme errar o ritmo num trabalho

grupal. Peças muito ligeiras podem ter o andamento diminuído, bastando que a

criança/adolescente conheça seu tempo correto, para reconhecê-la quando ouvi-la, e

saber onde se encontra em relação ao andamento original.

O uso de partituras na prática instrumental terapêutica estimula o aprendizado

da notação musical e o contato com códigos de notações simbólicas, que favorecem o

aprendizado de outras escritas. A partitura leva a criança/adolescente a memorizar a

peça, para evitar ficar alternando o olhar entre a partitura e o instrumento, induzindo o

uso de sua memória recente (CMT1). Quando a notação musical convencional (com

notas representadas por bolinhas com hastes sobre cinco linhas horizontais paralelas)

não é compreendida pela criança/adolescente, outras notações podem ser criadas com

elementos como figuras geométricas ou cores. Na peça musical “Toalha de cerejas”,

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do grupo Uakti, os instrumentistas abrem uma toalha de mesa com estampa de cerejas

e a lêem a partir do canto superior esquerdo, tocando sons atribuídos a cada desenho

do tecido (cerejas isoladas, cachos de cerejas, folhas), na ordem em que estes estão

dispostos.

Por estimular seu aprendizado como forma de se alcançar melhor produção

sonora, o instrumento musical induz a criança/adolescente ao desenvolvimento de

habilidades. Ouvindo a musicoterapeuta tocar um instrumento musical, a

criança/adolescente presta atenção aos gestos dela, percebe seu vínculo com o

instrumento e o usa de exemplo para se ver como instrumentista, imitando os

movimentos da musicoterapeuta (STO7) e se predispondo ao aprendizado de tocar o

instrumento musical para alcançar a gratificação de ouvi-lo de novo e de ter autonomia

de ouvi-lo quando quiser (STO6, STO7). A vontade de tocar um instrumento musical

atravessa o isolamento da criança autista (STO4) e o choro da criança que está

aborrecida (STO7), levando-as à atitude de prontidão para o aprendizado de tocá-lo.

Tocar o instrumento musical, mesmo com ajuda, e ter este fato valorizado pela

musicoterapeuta, incentiva a criança/adolescente a se esforçar e tocar mais. Mostrar

para a criança/adolescente quais partes de seu corpo estão atuando na produção da

música, favorece o conhecimento desta sobre as partes do corpo e suas funções, e a faz

relaxar a musculatura para tocar melhor (STO8).

Tocar um instrumento musical é um processo físico, que requer a aplicação de

forças específicas em espaço e tempo determinados, e estimula a combinação das

percepções auditiva, tátil e visual em movimentos coordenados. Como a produção do

som depende diretamente do posicionamento do corpo da criança/adolescente, do

controle que ela exerce sobre partes do instrumento e dos movimentos específicos que

ela consegue fazer para obter determinados sons, esta busca resultados sonoros

interessantes aumentando sua atenção e concentração (CMT16). Como cada

movimento estimula regiões específicas do cérebro, ao tocar um instrumento musical a

criança/adolescente se dispõe a novos aprendizados, desenvolvendo a atitude de

aprender. Percebendo a relação entre mover a mão e produzir som, ela constrói

conhecimentos sobre suas capacidades (CMT10).

O prazer de fazer música leva a criança/adolescente a repetir movimentos

muitas vezes, desenvolvendo suas habilidades motoras (STO1, STO2). O

adestramento técnico para o toque do instrumento musical a estimula a usar as duas

mãos e os dez dedos, aumentando seu domínio tátil (CMT9). A manipulação de cada

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instrumento, com exigências próprias de preensão e dedilhado, lhe favorece exercitar

movimentos diversos com os dedos, pulsos, mãos e braços, aprimorando seu controle

motor refinado. Esforçando-se para tocar melhor, ela estabelece relação com a

realidade, alcança maior mobilidade e prontidão, e tem mais domínio em tarefas que

exigem controle motor (CMT5). A expectativa de tocar uma música da qual gosta

leva-a a se esforçar (SMI2, STO6) e a prosseguir o estudo quando este se torna difícil

ou cansativo (CMT1), substituindo outras atividades por ele (CMT3).

O prazer de combinar diferentes sons faz a criança/adolescente se interessar

por vários instrumentos musicais, criando estratégias para tocá-los, inclusive

simultaneamente (STO1), produzindo e conjugando diferentes movimentos e

expandindo suas capacidades corporais normais, afetadas ou em declínio (STO1,

STO2, STO3, STO5). Atividades englobando audição de gravações, leitura de

partituras e manuseio do instrumento lhe propiciam avanços nas coordenações

audiomotora, fonomotora e visomotora e a dissociação de movimentos, tornando-a

mais ativa (STO5). Ter sua performance instrumental elogiada leva-a a tocar mais,

para receber mais elogios e aplausos (CMT9), que elevam sua auto-estima (CMT8).

Ao receber instruções sobre como tocar o instrumento musical, a

criança/adolescente se concentra e diminui a agitação (STO7). Por propiciar atividades

organizadas, baseadas na obediência aos parâmetros rítmico-melódico-harmônicos da

composição, a prática instrumental estimula sua orientação espaço-temporal. Mesmo

que não saiba as posições corretas das notas musicais no instrumento, ao tocá-lo ela

adota posturas aprendidas, se concentra para seguir o ritmo, andamento e duração da

música e participa de atividades sincronizadas (STO1). A criança/adolescente mostra

prazer em tocar junto com o grupo, começando e acabando as frases no tempo

correspondente às frases musicais (SMI2), respeitando indicações de pausas, entradas,

cortes, términos, andamentos, compassos e dinâmicas, mostrando aquisições no campo

da duração, da intensidade, e dos conceitos de princípio-meio-fim (CMT7).

A organização espacial dos instrumentos musicais, sem que a

criança/adolescente esteja tocando-os, mostra que ela domina a organização espacial

deles no campo simbólico (CMT8). A dublagem, com a criança/adolescente fazendo a

expressão corporal de tocar o instrumento tocado pela musicoterapeuta, estimula sua

atenção aos diversos aspectos da produção musical, como tempo, andamento, caráter e

princípio-meio-fim das melodias tocadas (STO7). A introjeção de um ritmo regular e

flexível ao tocar o instrumento musical se reflete no aprimoramento da marcha, da fala

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e da escrita da criança/adolescente (CMT7). O esforço para conseguir a exatidão

rítmico-melódica necessária à interpretação da peça estimula sua atenção e

concentração, e pode levar a alterações em seu comportamento (CMT5). Suas

tentativas de adaptar-se a alterações de tempo facultam avaliar os estágios de

orientação temporal em que ela se encontra (CMT8).

O fracasso/sucesso resultante das tentativas da criança/adolescente de tocar um

instrumento musical favorece a ela o contato com processos de comparação (STO3) e

o conhecimento de suas próprias possibilidades (STO9). Experimentando num novo

instrumento a forma de tocar que resultava em som em outro instrumento, ela percebe

que ele não faz o som esperado, aceita ajuda e corrige sua forma de tocá-lo,

aprendendo sobre a diversidade. Ao tocar o mesmo instrumento em outro momento,

fazendo o posicionamento correto, ela mostra seu aprendizado (STO3).

O instrumento musical amplia o mundo da criança/adolescente, reduzido pela

doença. A gratificação alcançada por seu adestramento instrumental desenvolve nela a

prontidão para outros aprendizados. Seu tempo de dedicação à atividade, sua atenção

seletiva e sua concentração são ampliados pela repetição variada na forma de tocar a

peça musical (CMT6, STO7) e pela atividade de tocar alternadamente partes dela

(CMT6). Seus comportamentos estereotipados diminuem pela prática de tocar em

diferentes instrumentos e de diferentes formas suas músicas preferidas (CMT21). O

desenvolvimento de sua coordenação motora no adestramento instrumental favorece

avanços em seu desempenho escolar, com aquisições matemáticas e aprimoramento da

letra, espaçamento e diagramação da escrita no caderno (CMT2, CMT7).

A criança/adolescente manifesta interesse em aprender rudimentos de teoria

musical e solfejo (SMI5), e em ver métodos de música com ilustrações, que induzem o

relacionamento do desenho ao conteúdo da música e o contato com elementos de

leitura e escrita (CMT16). Folhear e ler métodos de músicas diante dela familiariza-a

com aspectos de leitura, preparando-a para a escolarização (CMT16). A atividade de

colorir cartões com canções comemorativas de datas festivas aumenta sua

concentração (STO2).

O conhecimento das propriedades e das dificuldades de manuseio de cada

instrumento musical propicia à criança/adolescente se interessar por um que seja

adequado à sua capacidade física e mental e que ela consiga tocar, tendo experiências

de sucesso (CMT21), aprendendo os cuidados que deve ter com ele e, se necessário,

tirando sons dele de maneiras não-convencionais. Além de todos os benefícios

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motores, afetivos e cognitivos proporcionados à criança/adolescente pelo manuseio de

um instrumento musical, seu aprendizado pode evoluir para a aquisição de uma

profissão.

Por enriquecer a produção sonora no trabalho grupal, o instrumento musical

estimula a sociabilização da criança/adolescente, lhe propiciando formas divertidas de

agrupamentos sociais (CMT2). Ao descobrir ou receber um instrumento musical para

tocar, ela espontaneamente chama alguém e lhe indica outro instrumento para tocar,

mostrando ter prazer em tocar em conjunto (STO2, STO4) e acreditar que qualquer

pessoa pode tocar um instrumento musical (STO3). Usando o instrumento musical

para refazer ritmos, melodias e harmonias criados por diferentes pessoas, em diversas

épocas e locais, a criança/adolescente pode entender seus vários ritmos de vida e os

vários ritmos ao seu redor, construindo atitudes de aceitação e tolerância.

As práticas instrumentais coletivas propiciam à criança/adolescente alegria e

interação (CMT5, STO1). Ela observa o outro tocando, se interessa pelo instrumento

dele, mantém contato visual com ele (STO4), pega um instrumento semelhante ao dele

para tocar, observa sua postura e movimento de mãos, aprende e imita seus gestos

(SMI8, STO1, STO4, STO6), e organiza sua forma de tocar (STO7). Ela se mantém

atenta para acompanhar a música do grupo (SMI2), altera seu ritmo para se adequar ao

ritmo dele (CMT5), aumenta sua percepção do entorno (CMT1), amplia e mostra suas

habilidades (CMT5), aprende e contribui com o grupo. Tocando em grupo, ela

substitui e enriquece sua comunicação verbal, aceita regras, marca seu espaço no

grupo, explicita conteúdos de disputa e de ciúme (CMT4), experimenta os sons de

diferentes instrumentos, estabelece afinidades com eles, se disciplina a dividi-los para

que todos possam tocá-los, posiciona-se em relação ao grupo, tenta acertar perante o

grupo, mantém a prontidão para iniciar junto com o grupo e se percebe fazendo música

com os colegas (STO4, STO7).

Ao tocar em conjuntos instrumentais, a criança/adolescente vive situações de

pertinência, adequação, capacitação e divisão de tarefas, conteúdos cuja compreensão

se dá do plano corporal ao mental. As experiências vividas no âmbito da música a

tornam mais participativa no seu grupo social. Ser parte de um conjunto instrumental,

compartilhando vivências com outras crianças e adolescentes, lhe proporciona a

introjeção de conteúdos indispensáveis ao seu desenvolvimento. A experiência de

tocar em conjunto com outra pessoa leva-a a pegar um instrumento musical para si e

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outro para outra pessoa tocar com ela (STO7), e permite à criança/adolescente isolada

fazer atividades prazerosas, pautadas pelo contato com o entorno (STO3).

A atividade musical interdependente impõe regras a serem respeitadas, como

não tocar fora de hora para não atrapalhar o conjunto. Marcas de contagem para

começar uma atividade instrumental grupal são introjetadas pela criança/adolescente

com dificuldades cognitivas e aproveitadas para organizar outras atividades (CMT12).

Seguir marcações para que todos comecem a tocar ao mesmo tempo influi na

aquisição do respeito ao tempo coletivo (CMT8).

O prazer de tocar em grupo leva a criança/adolescente a entender que seguir

regras pode ser interessante. As aquisições conseguidas na prática instrumental tendem

a ser experimentadas em outras atividades de sua vida, resultando em melhor

adequação social. Fazer parte de um grupo instrumental valoriza-a diante de seu grupo

social, alavancando sua auto-estima. A familiarização com os instrumentos musicais

facilita a interação da criança/adolescente com dificuldade em estabelecer vínculos

com outras crianças, através da formação de uma bandinha (STO8). Participar de

atividade prazerosa tocando em grupo pode ajudar a criança epilética a retornar mais

centrada da crise convulsiva, retomando logo a atividade grupal (CMT1).

O instrumento musical da criança/adolescente se torna demarcador da sessão

de musicoterapia. Mantendo-o em casa junto com a Pasta de Músicas, e trazendo-o à

sessão, a criança/adolescente organiza seu mundo musical (CMT16). Agrupar suas

partituras na Pasta de Músicas lhe propicia responsabilizar-se por suas coisas (CMT6)

e visualizar suas escolhas entre músicas de criança e de adulto, o que favorece

identificações e reconhecimentos de pertinência grupal e a adoção de comportamentos

adequados à sua faixa etária (CMT7, CMT18, CMT20). As músicas trazidas pela

criança/adolescente à sessão são reforçadas pelo acolhimento delas em sua Pasta de

Músicas (CMT21), e aumentam seu tempo de dedicação à prática instrumental,

importante para a criança/adolescente com transtorno de déficit de atenção e

hiperatividade (CMT15).

O prazer propiciado pela prática instrumental estimula a criança/adolescente a

trazer sua família para participar da sessão e tocar com ela (STO7). Ela acolhe sua

família em práticas prazerosas que estendem-se a seus outros espaços, criando pontes

entre instrumentos musicais que transitam de casa ao ambiente de saúde, trazendo

pessoas de uns espaços a outros e enriquecendo a vida de todos (CMT2, CMT4,

CMT8, SMI1, SMI5, STO9). O interesse do cuidador em tocar um instrumento

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musical estimula a criança/adolescente a tocar mais (CMT20). Instrumentos de fácil

manejo, que produzem som com pouco esforço e podem ser tocados pela

criança/adolescente com dificuldades motoras e por cuidadores sem conhecimento

musical, favorecem o acolhimento da família pelo grupo terapêutico. Nas atividades

instrumentais, todos produzem música e são parte importante do resultado sonoro. A

prática é gratificante para todos e, ao ser repetida em casa, cria novas atividades para a

família fazer junto com a criança/adolescente que, com a doença, acaba por ter suas

atividades reduzidas (CMT10).

Pela organização de seus sons resultarem em sentido, a prática instrumental

oferece à criança/adolescente uma linguagem alternativa, possibilitando-lhe elaborar

sua música interna e concretizar processos psíquicos. Tocar um instrumento musical

lhe permite expressar suas preferências (SMI2), imprimir suas idéias à interpretação

(CMT5, CMT8), vivenciar sonhos e desejos (CMT14). Tocá-lo lhe propicia expressar

sua condição física (CMT5) e seu estado de espírito (STO7). Mesmo quando ela não

quer tocá-los, os instrumentos musicais servem pelo menos para ela manifestar sua

raiva jogando-os longe (SMI5).

A organização da música instrumental configura uma linguagem e é usada pela

criança/adolescente como linguagem. O instrumento musical lhe propicia familiarizar-

se com aspectos de textura, tamanho, cor, ritmos e sonoridades, apresentando potencial

para ela elaborar produções sonoras de graus diversos. A experimentação de diferentes

timbres e formas de produzir som, a compreensão de como cada instrumento produz

som, o aprendizado de diferentes formas de tocar, e as diversas oportunidades de

escolhas levam a criança/adolescente a formar um amplo repertório de sonoridades,

que pode trazer mais riqueza à sua linguagem verbal e corporal (CMT2).

A variedade de instrumentos musicais possibilita à criança/adolescente

escolher o que quer tocar (STO1), através dos meios de comunicação de que dispõe

(STO7). A escolha de instrumentos musicais de sons mais suaves ou intensos mostra

sua personalidade (CMT6, CMT9, CMT14). O instrumento musical se torna um

elemento de sua identificação, reconhecido pelo seu cuidador (STO7, STO9).

Os instrumentos musicais propiciam à criança/adolescente divertidas atividades

de diálogo sonoro. Em práticas lúdicas, cada instrumento pode assumir uma voz e

seguir o formato de pergunta-resposta num discurso que leva a criança/adolescente a

introjetar conceitos espaço-temporais importantes à aquisição da linguagem verbal,

como o tamanho das frases e a alternância entre a vez dela tocar e a vez dela ouvir o

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outro instrumento responder. O aprendizado de um instrumento musical e sua prática

em grupos instrumentais costuma oferecer experiências muito gratificantes para a

criança/adolescente que tem dificuldades na linguagem verbal e acha no instrumento

musical um substituto para a sua expressão e comunicação, por lhe permitir expressar

sentimentos de forma socialmente adequada (CMT21, STO1, STO8).

Em alguns momentos, o instrumento musical torna-se tão familiar à

criança/adolescente que assume a função da sua fala, principalmente se esta é uma

área na qual ela tem dificuldade. Numa das sessões, quando o marido da estagiária

chega e ela diz que vai apresentar o grupo a ele, Henrique se adianta e toca a “Ode à

alegria”, de Beethoven. A canção havia se tornado emblemática para o grupo ao ser

parodiada com uma letra que diz “toda sexta-feira nosso grupo se encontra/ para fazer

música e muita brincadeira/ Gena e Henrique na flauta/ Eric no pandeiro/ Fátima no

violão/ e a Fabíola no teclado com animação”. Embora a execução instrumental não

tenha dado ao marido dados suficientes para compreender a intenção de Henrique, ele

a estava usando para fazer o que a estagiária havia proposto: apresentar o grupo

(CMT1).

O instrumento musical adapta-se aos diferentes ambientes de saúde e enriquece

os momentos vividos pela criança/adolescente, lhe oferecendo práticas interessantes e

prazerosas (SMI9, STO4, STO9), mesmo sendo manuseado por pessoas sem

adestramento técnico (STO9). Embora destinado apenas às crianças e adolescentes

listados para a pesquisa, ele desperta o interesse de todos ao seu redor e, sem grandes

ajustes, oferece benefícios a toda a rede de pessoas do ambiente de saúde.

A diversidade de instrumentos musicais existentes permite que se monte um

acervo deles com orçamentos acessíveis. À criança/adolescente com apenas uma mão

disponível, podem ser dados instrumentos musicais que produzem som sendo tocados

apenas com uma mão ou com uma parte do instrumento apoiada pela mão presa e a

outra mão se movimentando. À criança/adolescente com dificuldades respiratórias

podem ser oferecidos diferentes instrumentos de sopro, que lhes estimulem a

consciência e o controle do sopro, que podem influir em melhorias respiratórias. Entre

crianças/adolescentes com doenças transmissíveis, podem ser usados instrumentos

musicais de plástico, que podem ser desinfetados e oferecidos depois a outros

pacientes.

A construção de instrumentos musicais viabiliza a prática instrumental em

instituições muito pobres, dá atenção aos objetivos específicos de cada

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criança/adolescente e possibilita a prática instrumental à criança/adolescente que não

consegue tocar instrumentos convencionais. Além do trabalho manual requerido pela

atividade, ao construir instrumentos musicais a criança/adolescente exercita sua

criatividade e realiza descobertas. Construir é importante para a criança/adolescente

com baixa auto-estima e necessidade de destruição. Transformar objetos pode

encorajá-la a transformar também suas atitudes, reconstruindo a própria vida.

Transformar objetos danificados em instrumentos produtores de música e prazer pode

fazê-la compreender que ela também pode levar beleza e prazer ao seu entorno.

Participar de atividades instrumentais coletivas é acessível ao cuidador não-

musicista e lhe dá prazer e chance de interagir com sua criança/adolescente,

participando de suas vivências musicais e terapêuticas, além de lhe favorecer a

construção de novos conhecimentos (CMT9). Ajudando sua criança/adolescente, ele

descobre jeitos de tocar cooperativamente e se diverte com a atividade (SMI2). Ele se

mostra encantado com o sucesso de sua criança/adolescente nas atividades

instrumentais, e se orgulha ao dizer que ela “toca todos os instrumentos” (STO9).

O cuidador mostra interesse em conhecer os instrumentos musicais e pede ao

musicoterapeuta que lhe ensine a tocá-los (CMT7, CMT8, CMT19). A facilidade da

atividade lhe dá segurança para tocar diferentes instrumentos (STO1, STO3, STO5).

Espontaneamente, ele pega dois instrumentos, um para ele e um para sua

criança/adolescente (SMI2), e acaba por construir uma relação própria entre ele e os

instrumentos musicais. A prática instrumental desenvolvida no ambiente de saúde leva

o cuidador a ter prazer em responder que toca um instrumento musical, quando isso

lhe é perguntado (SMI2). Ele desenvolve sua acuidade auditiva e opina sobre a forma

das canções serem apresentadas (SMI2).

Familiarizando-se no atendimento terapêutico com variados instrumentos

musicais, o cuidador fala sobre instrumentos musicais importantes na história da

família da criança/adolescente (SMI9, STO3), avalia a ausência deles em sua casa

(STO3), decide incorporá-los aos outros espaços da criança/adolescente (STO2), pede

instruções sobre instrumentos que estimulem o desenvolvimento desta (STO1) e

orienta o musicoterapeuta a escolher instrumentos adequados a ela (SMI1).

Instrumentos musicais de fácil manuseio propiciam atividades grupais entre os

membros da família (CMT10). Fotos da criança/adolescente tocando diferentes

instrumentos musicais reforçam, em casa, ao longo da semana, os conteúdos

trabalhados na Musicoterapia, como suas experiências de sucesso (CMT19). O

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cuidador instrumentista decide tocar mais seu instrumento em casa, para ajudar no

tratamento da filha (STO1).

O cuidador amplia o trabalho do musicoterapeuta. Reconhecendo o poder

calmante do instrumento musical, ele sai de sua maca para levar alguns deles a uma

criança/adolescente irritada e tenta acalmá-la demonstrando-lhe o som de cada um

deles e ajudando-a a tocar (SMI2). Diante da recusa de um paciente em tocar por não

saber a música de cor, o cuidador sugere que a musicoterapeuta lhe empreste suas

letras cifradas (SMI2).

O manuseio de um instrumento musical pode ser aprendido, precariamente,

pelo cuidador, enquanto acompanha sua criança/adolescente nos atendimentos de

saúde, o que resulta para ele num suporte emocional (CMT3). Ver-se tocando até em

dois instrumentos, numa única sessão (CMT6), amplia a interação do cuidador com

sua criança, dá a ele oportunidades de alegria (CMT5) e aumenta sua auto-estima

(CMT5). O cuidador tem prazer em tocar e em aprender um pouco de teoria musical e

expressa o desejo de que outros familiares saibam que ele toca (CMT13). Procurando

tocar trechos reconhecíveis de canções, ele se diverte, esquece sua criança e toca para

si mesmo (CMT16), expressando sua própria alegria em tocar (CMT20). O cuidador

expõe ao grupo sua ascendência de musicistas, sente orgulho em contar sobre

familiares músicos e recebe a admiração dos colegas, que reconhecem que ele é “da

linhagem” (SMI2). O cuidador diz que aprender a tocar um instrumento musical deixa

a pessoa “super orgulhosa, se achando uma artista” (SMI9).

A percepção de que consegue tocar um instrumento musical favorece que o

cuidador adote o aprendizado deste (CMT7, CMT19), compre um instrumento musical

para tocar em casa e queira trocá-lo por um melhor à medida que sua percepção dos

sons aumenta (CMT19). Canções infantis fáceis, com poucas notas, em escrita

facilitada, possibilitam que ele as toque em casa para sua criança/adolescente e

estendem a atividade musical ao grupo familiar. O entusiasmo do cuidador o faz

inscrever os outros filhos em aulas de música (CMT19, CMT20).

A facilidade de tirar sons do instrumento musical leva o técnico não-musicista

a usá-lo para chamar a atenção da criança/adolescente (STO2) e a prescrevê-lo no

atendimento desta (STO2). Ele direciona o instrumento musical à aquisição de

diferentes conteúdos psicomotores do plano terapêutico da criança/adolescente (STO4,

STO5, STO9), toca com ela e desenvolve atividades musicais independentes (STO4).

Como os instrumentos musicais permitem à criança/adolescente fazer atividades

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organizadas e prazerosas sozinha, o técnico sente segurança em deixá-la tocando e ir

fazer outra coisa (STO9). Quando não está atendendo nenhum paciente, o técnico pega

um instrumento musical e o toca para si mesmo (STO3). A presença dos instrumentos

musicais no atendimento da criança/adolescente durante a pesquisa parece ao técnico

tão determinante dos resultados alcançados, que ele pede à musicoterapeuta que, ao

final da coleta de dados, eles sejam incorporados aos materiais do setor, mesmo sem a

presença de um musicoterapeuta, mostrando acreditar que o atendimento com

instrumentos musicais é acessível a não-musicistas (STO8).

Além de atrair o cuidador e o técnico, o instrumento musical, inclusive o de

brinquedo, atrai crianças, adolescentes, adultos e idosos que se encontram nas

proximidades do ambiente de saúde. Todos eles se aproximam para ouvi-los e acabam

se esforçando para tocá-los, com grande envolvimento (SMI5).

5.5. Criação musical – Improvisação, Arranjo, Paródia e Composição

A criação musical apresenta-se sob quatro formas distintas de apropriação e

organização dos materiais e procedimentos musicais: a improvisação, o arranjo, a

paródia e a composição.

5.5.1 Improvisação Musical

A criança/adolescente improvisa tocando instrumentos e cantando sons,

sílabas, notas, palavras ou células melódicas, explorando e ampliando suas

habilidades perceptivas e criativas. Sendo uma forma dinâmica de produção

musical, o improviso musical da criança/adolescente mostra seu estado de

espírito e apresenta aspectos estruturais, semânticos e pragmáticos de seu

desenvolvimento. Desenvolvida como uma brincadeira, a improvisação conduz

a criança/adolescente a expor suas idéias musicais sem preocupações formais.

Ao ter sua música simples, criada na hora, ligando-se à música dos colegas, ela

tende a se sentir aceita pelo outro e a reduzir a exigência de fazer tudo

corretamente. Isso lhe deixa mais energias psíquicas disponíveis ao seu

processo terapêutico.

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No presente trabalho, a improvisação vocal foi escolhida como meio de

comunicação por Alessandro, de 17 anos, cuja dificuldade de relação com o

mundo o mantém isolado, não mostrando perceber a musicoterapeuta e os

colegas enquanto estes não produzem sons musicais. Através da improvisação

vocal, Alessandro interage com a musicoterapeuta criando um diálogo sonoro

através do canto de células musicais que são intercaladas entre ele e a

musicoterapeuta. Sua atenção ao momento de esperar o retorno de uma frase

musical para responder-lhe, sua resposta dentro dos parâmetros musicais da

pergunta, sua manifestação musical impregnada de peculiaridades, as variações

que ele imprime a cada nova repetição de frase, e a alegria decorrente da

atividade, manifestada por sua expressão facial, mostram que, através da

improvisação vocal, ele alcança o que lhe é impossível através da fala

comprometida - expressar sentimentos e idéias e se sentir satisfeito ao fazê-lo.

Além disso, a improvisação vocal ralentada, uma estratégia proposta pela

musicoterapeuta e adotada por ele por achá-la divertida, leva-o a investir mais

tempo na articulação dos fonemas, caminhando para a aquisição da linguagem

verbal.

Nas vivências de improvisações vocais, a criança/adolescente usa outras

vozes suas, como a voz da raiva, a voz do medo, a voz da mentira. Tomando

contato com essas vozes que lhe parecem perigosas, e que são habitualmente

escondidas do outro por não serem bem aceitas, a criança/adolescente atualiza

a compreensão de suas próprias possibilidades vocais e emocionais. Nas

improvisações de imitar vozes ou jeitos de ser dos colegas, ela mostra sua

percepção acerca do outro.

Na improvisação instrumental, a invenção sem compromisso em

instrumentos de fácil manejo cria uma comunicação dialógica alternativa, que

permite à criança/adolescente concretizar e expor sentimentos e idéias. Isso é

importante principalmente onde há dificuldade em se estabelecer um diálogo

verbal. O improviso musical da criança/adolescente mostra, a ela mesma e ao

outro, elementos de como ela compreende situações vividas. Isto propicia ao

musicoterapeuta acompanhar seus movimentos, reforçando-os e alterando-os

(STO2).

A improvisação musical em grupo leva a criança/adolescente a observar

a própria música em relação à música do outro, a apresentar sua criação e

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conhecer a criação do outro, a ajustar-se à produção musical do outro, a

construir com o outro uma música que acolha e respeite a manifestação de

todos, e a sentir-se disponível ao outro e acolhida por ele.

O improviso da criança/adolescente com dificuldades de orientação

temporal costuma apresentar pouca organização rítmica e forte intensidade, e a

alteração desses parâmetros dá indícios de sua evolução. Chamada a prestar

atenção aos próprios improvisos, a criança/adolescente começa a escolher

resultados musicais e a repeti-los, dando-lhes algum tipo de organização.

Improvisos experimentados em uma sessão, como forma de imprimir uma

marca pessoal a uma canção, ao serem lembrados e refeitos na sessão seguinte,

acabam por se transformar em composições, passando a fazer parte do

repertório do grupo (CMT17).

O cuidador reconhece as improvisações de sua criança/adolescente

como demarcatórias de sua identidade e guarda gravações dela falando e

cantando em várias idades ao longo de seu crescimento (CMT17). Canções

improvisadas pelo musicoterapeuta levam a criança/adolescente ao contato

com conteúdos importantes ao seu tratamento (STO4) e estimulam-na a

introjetá-los (STO3).

5.5.2. Arranjo Musical

Na atividade de arranjo, a criança/adolescente tem oportunidade de

atuar sobre uma música existente, imprimindo nela sua individualidade.

Apropriando-se de uma peça musical, a criança/adolescente repete trechos

preferidos, suprime partes de que não gosta, altera melodia, varia ritmo e

andamento, propõe instrumentações, muda seu caráter e enxerta dramatizações.

Inserindo em canções conhecidas suas contribuições rítmicas, melódicas,

harmônicas e dinâmicas, ela as deixa mais prazerosas (CMT9).

As vivências propiciadas pela atividade de arranjo lembram à

criança/adolescente que a música existe para a pessoa e não o contrário. Em

vez de se sacrificar tentando executar perfeitamente uma peça musical, ela

pode abandonar suas partes difíceis e se divertir tocando as fáceis, pode

diminuir a velocidade de trechos ligeiros para conseguir tocá-los, pode

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emendar partes que tornem a canção mais divertida, pode fazer o que quiser da

música original. Ao imprimir suas idéias à forma como a música deve ser

apresentada, ela percebe que pode alterar o que lhe é dado como pronto.

Compreender que pode se colocar na música leva a criança/adolescente à

percepção de que também pode se colocar no mundo.

Revendo canções conhecidas e criando novas formas de apresentá-las, a

criança/adolescente analisa – ainda que rudimentarmente - uma composição

feita por outra pessoa, julga seus pontos positivos e negativos, expressa suas

idéias sobre ela, e torna-a mais interessante segundo seus parâmetros.

Recortando-as e remontando-as, ela percebe a música em sua função de

melhorar a vida da pessoa, em vez de exigir dela uma competência dificilmente

alcançada. Arranjos que tornam mais fácil a interpretação de uma música

favorecem que ela desfrute do prazer de tocá-la (CMT15).

Além disso, diferentes arranjos agradam a diferentes pessoas. Num dos

grupos de adolescentes, um clipe da banda finlandesa Children of Boddon

tocando nas guitarras “As quatro estações” de Antonio Vivaldi, com grande

virtuosismo, mostrou a eles como a formação em música erudita capacitou os

integrantes da banda a alcançar sucesso em seu gênero de metal pesado, nos

instrumentos de sua escolha. E levou os adolescentes a procurar ouvir, em

versões com a instrumentação original, a peça erudita que eles dificilmente

ouviriam espontaneamente, e outras composições de Vivaldi.

Melhorar uma música, de acordo com seu gosto, sem estar presa à

forma como ela foi feita pelo compositor, leva a criança/adolescente a

experimentar seu poder de mudar as coisas que pareciam inalteráveis. Com

isso, ela se sente também capaz de interferir em seu próprio processo de saúde,

não aceitando idéias pré-determinadas sobre como deve se sentir ou se

comportar em decorrência de ter determinada doença. A reflexão sobre o

arranjo musical, estimulada pela apreciação de canções conhecidas por ela em

diferentes arranjos, lhe mostra que as coisas podem ser de muitas formas,

levando-a a desenvolver a flexibilidade (CMT16).

5.5.3. Paródia Musical

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Parodiar uma canção ajuda a criança/adolescente a substituir a idéia de

que qualquer variação resulta em erro - introjetada em repetidas vivências de

fracasso - pela idéia de que as coisas podem ser interessantes sendo diferentes.

Como a permissão para fazer diferente é uma das instâncias da paródia

musical, ela aprende a valorizar a diferença e desenvolve a coragem para

experimentar novas coisas. Familiarizando-se com o processo de escolher uma

música e inventar uma letra encaixando-a em sua melodia, ela observa aspectos

estruturais da melodia escolhida, como a métrica, a acentuação e a prosódia. A

atenção a esses elementos influi no aprimoramento de conteúdos psicomotores

relacionados ao seu ritmo interno/externo, a aspectos de sua fala e linguagem, e

à sua orientação espaço-temporal.

Um episódio vivenciado pela pesquisadora exemplifica o uso da

paródia para resolver uma situação de sofrimento. Há alguns anos, um cantor

popular comentou com ela que estava tendo problemas em seus shows, porque

a canção “Garota Nacional” fazia grande sucesso com a banda mineira Skank,

e era muito pedida em seus shows, mas ele se recusava a cantar por causa de

um trecho da canção que ia contra sua crença religiosa ao dizer “quero te

provar, sem medo e sem amor”. Ele assustou-se quando a pesquisa lhe

aconselhou mudar a letra para “quero te provar com todo o meu amor”. Ela lhe

disse que ele não poderia fazer isso se fosse gravar a música, deixando um

registro alterado dela, para o qual precisaria da autorização dos autores, mas

que não via problema no fato dele mudar sua letra nos shows. Ele fez isso e lhe

disse que repetia a música várias vezes em todos os shows, e que o público se

divertia tanto dançando e cantando-a junto, com a letra original, que ele tinha a

impressão de que ninguém nem reparava na letra que ele cantava.

Parodiando canções e direcionando-as aos objetivos terapêuticos de

cada criança/adolescente, o musicoterapeuta lhe proporciona ser saudada ou

homenageada por uma música (CMT9), o que resulta em prazer e gosto pela

atividade (CMT8, STO2, STO5, STO6), aprendizado e canto da nova letra

(STO5), permanência da atenção durante todo o tempo da canção (STO5),

cumprimento de tarefas (STO4), melhora de humor (STO4), atitudes de

companheirismo (STO2, STO3), vinculação afetiva (CMT9, STO5), expressão

facial da criança/adolescente que não fala (STO5) e o despertar da atenção e do

movimento da criança isolada (STO4).

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Paródias com letras que se referem a aquisições motoras estimulam a

criança/adolescente com dificuldades motoras a executar movimentos

específicos (STO3, STO4, STO5). Na pesquisa, a paródia da canção “A mão

direita tem uma roseira”, substitui sua letra original (“a mão direita tem uma

roseira/ a mão direita tem uma roseira/ que dá flor na primavera/ que dá flor na

primavera/ entrai na roda ó linda roseira/ entrai na roda ó linda roseira/ abraçai

a mais faceira/ abraçai a mais faceira”) por uma letra direcionada à aquisição

do movimento pela mão paralisada da criança (“a mão direita toca o teclado/ a

mão direita toca o teclado/ que som lindo/ que som lindo/ que som lindo/ que

som lindo”). Este procedimento leva a criança a fazer, repetidas vezes, o

movimento prescrito pela fisioterapia, por ter a alegria da gratificação imediata

do som como resultado de seu esforço (STO4).

Como o recurso da paródia propicia uma dupla leitura da canção, ao

contrapor a letra nova à original, que permanece existindo, deve-se evitar

parodiar canções do repertório folclórico, para preservá-lo. Com a criança

muito pequena ou com dificuldades cognitivas, deve-se evitar parodiar canções

do seu repertório de escolha, para que ela não se confunda entre a versão

original e a nova letra. Versões de peças eruditas ou estrangeiras para a língua

vernácula possibilitam o canto da criança/adolescente com dificuldades

cognitivas (CMT16).

A paródia é acessível ao cuidador, que a usa espontaneamente para

transmitir conteúdos pedagógicos à criança/adolescente e induzir movimentos,

atitudes e o cumprimento de tarefas. Mesmo não sendo musicista, ele respeita a

prosódia das melodias, aproveita bem as canções, faz alterações interessantes e

consegue resultados (CMT6, STO4). No atendimento terapêutico, a paródia o

acolhe, referindo-se a ele na letra da canção, como forma de reforçar sua

importância no processo de saúde de sua criança/adolescente (CMT10).

5.5.4. Composição Musical

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Desenvolvendo-se como brincadeira, a composição musical aproveita

construções vocais e instrumentais em pequenas canções muito simples, relatos

musicados de acontecimentos vividos pela criança/adolescente que, ao se

tornarem refrões, favorecem seu vínculo com a realidade (CMT1).

Sendo a música um discurso sobre bases rítmicas e linguísticas, a

composição feita pela criança/adolescente segue parâmetros matemáticos e

lingüísticos precisos, e a observação intuitiva de aspectos de métrica e de

prosódia em sua composição comprova o caráter organizador da música e torna

razoável supor que compor música denota e estimula sua organização espaço-

temporal. Não precisando pensar conscientemente sobre a matemática que rege

sua composição musical, ela dispõe melodias e palavras sobre um ritmo interno

que é dela, e que orienta sua música.

A criança pequena ou com dificuldades cognitivas alcança sucesso

compondo a partir de canções quase prontas, em que ela tem que inserir apenas

uma ou duas palavras ou sons, preenchendo espaços seguindo orientações. Por

seu poder de interferência no mundo, a composição musical propicia à

criança/adolescente a visão de suas capacidades de atuar no mundo,

modificando-o e tornando-o melhor. Ao compor ela faz parceria com o mundo

de forma positiva e adequada. Ao ter sua composição musical aceita pelo outro,

ela experimenta a sensação de se sentir aceita e valorizada pelo que faz.

Compor dentro de normas combinadas estimula a adequação da

composição da criança/adolescente a parâmetros concretos de uso dos

elementos musicais, ajudando-a a equilibrar sua expressão com as formas de

funcionamento social e a construir, de maneira lúdica, a noção de atender às

exigências do mundo e de colaborar com ele. O adolescente se mostra rigoroso

em buscar uma composição própria, sem influências muito evidentes. A

criação mais elaborada, “de adulto”, estimula-o a investir no estudo musical

para conseguir interpretá-la (CMT1).

Embora em todo o trabalho musical a criança/adolescente esteja em

evidência, mostrando-se através de suas escolhas musicais, é na composição

que se revela mais claramente sua identidade sonoro-cultural. Suas escolhas

situam-na simultaneamente como pessoa e como parte de um grupo social. Ela

inventa músicas a partir dos elementos de seu repertório musical internalizado,

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mostrando apropriações de ritmos, melodias e harmonias presentes em peças

musicais conhecidas por ela. (STO9).

A composição musical estimula qualidades importantes ao processo de

individuação da criança/adolescente, como apreciação, julgamento, escolha,

criatividade, organização e realização. O desenvolvimento desses atributos

leva-a a experimentar novas formas de ser, descobrir potenciais e empreender

mudanças, enriquecendo sua vivência limitada pela doença. Exteriorizando

através de elementos musicais o que tem em mente, ela torna sua angústia

acessível a si mesma e ao outro. Na experiência de compor, ela tira de dentro

de si coisas que são suas, guardadas entre tantas coisas que lhe agradam ou

incomodam, e as organiza de forma a poder ouvi-las e compreendê-las,

ouvindo-se e compreendendo-se.

A composição musical é um retrato da individualidade do compositor.

Por isso, ela pode fortalecer a identidade de uma criança/adolescente tratada

como um “grau 3” ou “grau 4” entre outras crianças prematuras que também

tiveram uma hemorragia periventricular, e dos quais os profissionais de saúde

não conseguem memorizar os nomes. O sucesso de suas composições musicais

diante do outro estimula-a a reconhecê-las, esforçar-se em compor mais, dar

atenção à delimitação de seu princípio-meio-fim e ter prazer em apresentá-las,

em busca de mais gratificação e reconhecimento (CMT9).

Formas não-convencionais de escrita musical propiciam à

criança/adolescente o registro e reconhecimento de suas composições

(CMT16). Escritas, ilustradas, colocadas em pastas, levadas para casa,

apresentadas às pessoas de seus outros espaços de vida, estudadas, preparadas e

apresentadas em pequenos shows no ambiente de saúde, elas mostram a outras

pessoas sua capacidade de fazer música. As músicas feitas em sessões de

musicoterapia passam a fazer parte do repertório do grupo e são mais estimadas

que as já existentes, numa sobreposição do valor afetivo ao musical. Algumas

composições se tornam hinos do grupo. A inserção da composição musical da

criança/adolescente em sua Pasta de Músicas estimula que ele a reveja e a

modifique em casa, até ficar satisfeito com sua produção musical (CMT1).

A composição musical permite identificar cada criança/adolescente e

tratar seus conteúdos de forma individualizada (SMI6), estender a composição

a outros pacientes através do reconhecimento de semelhanças (CMT1),

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diagnosticar a capacidade da criança/adolescente de aprender uma canção nova

(CMT9), reforçar situações vivenciadas e evidenciar o que está sendo feito

levando a criança/adolescente a perceber o grupo (STO6), estimular aquisições

psicomotoras (STO1), despertar alegria e bom humor (STO1, STO6), induzir o

canto (STO1), induzir movimentação, dança e expressão corporal (CMT1,

STO6), conseguir gratificação imediata com pouco esforço e estimular novas

aquisições psicomotoras (CMT1), inserir música em atividades não-musicais

da criança, ampliando a presença da música na sua vida (CMT5) e acolher o

cuidador no grupo terapêutico (CMT17).

Composições que falam de atitudes que a criança/adolescente deve

desenvolver (como manter a língua dentro da boca ou vestir/despir a roupa)

acalmam-na, despertam sua prontidão para a tarefa, envolvem-na no clima da

diversão, são bem recebidas por ela, direcionam seu olhar para a

musicoterapeuta, resultam em sucesso e contentamento, reforçam a

memorização e aquisição das atitudes, tornam-nas mais prazerosos,

conscientizam-na de suas etapas, orientam seu movimento e levam-na a

cumprir o que a letra sugere, inclusive redirecionando atitudes inadequadas,

pois o fato da fala vir envolta em música favorece a aceitação de seu conteúdo

(STO1, STO2, STO4, STO5, STO6). Canções compostas para orientá-la em

atividades da vida diária tornam-se demarcatórias destas, levando-a a aprender

a canção e a envolver-se com o aprendizado de seus conteúdos e a começar a

atividade logo que ouve seu início (STO6, STO8, STO9).

Por ser aberta, a composição musical pode partir da posição em que a

criança/adolescente com dificuldades motoras consegue ficar para despertar e

manter sua atenção e direcioná-la a outros posicionamentos e movimentos

(STO2, STO6, STO7), descrevendo atividades complexas passo a passo e

conseguindo que ela se esforce por realizar as tarefas cantadas, com uma

dedicação que ela não apresenta fora da atividade musical (STO4).

Acessível a não-musicistas, a composição é usada pelo cuidador para

estimular a criança/adolescente e para expressar seus próprios sentimentos

sobre a situação vivida por eles (SMI5, STO5, STO7). Isso leva o cuidador que

não compõe a reparar e comentar suas dificuldades (STO3). O técnico compõe

e encomenda ao musicoterapeuta composições sobre conteúdos que o paciente

está desenvolvendo, mostrando confiança na eficácia do recurso (STO4, STO5,

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STO7). Adultos presentes ao atendimento fazem músicas espontaneamente e as

cantam para o grupo (SMI6).

5.6. Expressão Corporal e Dança

Uma especificidade da dança como recurso terapêutico é que nela os elementos

da música e seus correspondentes simbólicos são vivenciados e elaborados pela

criança/adolescente no próprio corpo, através de seu movimento. Escutar música de

ritmo regular a estimula a começar a dançar, a marcar o ritmo batendo palmas e pés e a

fazer os gestos sugeridos pela letra da canção (STO1, STO2, STO3), mesmo estando

cansada (SMI2). Por induzir a obediência a parâmetros de tempo e espaço, a dança

reforça a relação da criança/adolescente com a realidade. Mesmo tendo dificuldades

mentais e motoras, ela dança enquanto a música é cantada e pára de dançar quando a

música pára, mostrando perceber o contraste som/silêncio (STO4).

Induzindo o corpo ao movimento prazeroso amparado pela música, a dança

leva a criança/adolescente a criar gestos espontâneos e a aprender novos movimentos,

introjetando posturas e gestos importantes ao seu desenvolvimento motor, como rolar

ou manter a cabeça erguida, levando-a gradativamente a gestos mais elaborados

(STO1, STO2). A dança com movimentação dada pela letra da canção orienta seu

direcionamento aos objetivos de seu plano terapêutico (CMT9, STO1, STO2).

Coreografias especiais trabalham aquisições motoras específicas, corrigindo gestos e

posturas (CMT9). Atividades de alternar movimento e não-movimento ao som de

música e silêncio estimulam a percepção de suas facilidades e dificuldades em

diferentes posturas, e levam-na à consciência de suas possibilidades motoras (CMT9).

Pelo fato da dança lhe ser familiar e estar associada ao convívio social

prazeroso, a criança/adolescente descobre formas de praticá-la. Mesmo tendo grande

dificuldade motora, ela cria uma dança própria, em resposta à música ouvida (STO2).

Sendo associada a momentos de alegria e confraternização, a dança enriquece as

atividades de sua vida diária e abrilhanta os momentos de comemorações.

Complementada pela vestimenta de fantasias, ela lhe proporciona introjetar conteúdos

de vestir-se/despir-se, importantes à sua formação de hábitos. Trabalhos específicos de

dança, direcionados à criança/adolescente com impedimentos motores, desenvolvem

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atividades prazerosas e interessantes que podem ser feitas em postura sentada, em

cadeira de rodas e com o uso de órteses ou próteses.

Por ser linguagem, a dança propicia a expressão da criança/adolescente (SMI2,

SMI5), leva-a a fazer gestos muito expressivos (SMI8) e lhe possibilita comunicar-se

com o grupo (CMT8, STO9). A assimilação, criação e uso de gestos que se tornam

emblemáticos para o grupo permite à dança assumir o lugar da expressão verbal onde

ela é difícil ou impossível (CMT3, SMI5, STO1, STO2), ajudando o grupo a acolher

em suas atividades a criança/adolescente que não fala (CMT8, STO9). A dança induz a

criança/adolescente a se mostrar mais atenta ao entorno e a interagir com o grupo

(STO3). O desejo de participar da atividade de dança, movimentando-se seguindo a

letra da canção, a incentiva a se empenhar muito (STO5).

Por sua riqueza de possibilidades, a dança estimula diversas aquisições

psicomotoras, sendo bem aceita mesmo pela criança/adolescente com dificuldade de

concentração (STO2). Compatível com diferentes tipos de música, ela segue as

escolhas musicais da criança/adolescente, complementando outras atividades iniciadas

por ela. A variedade de formas em que a dança pode se apresentar lhe garante escolher

as que consegue dominar, nas quais pode obter sucesso e sentir-se gratificada (STO2).

Ela atua na prevenção de problemas ósteo-musculares, melhora as funções motoras da

criança/adolescente, e pode satisfazer sua necessidade de contato físico, transformando

gestos inadequados em atividades adequadas e organizadas (CMT1). Com ritmos

variados, ajuda-a a ser mais flexível.

A dança espontânea desenvolve na criança/adolescente aspectos de

autoconhecimento e auto-expressão. A dança coreografada estimula nela aspectos de

adequação social, prontidão para o aprendizado, percepção da relação entre música e

gesto, imitação e assimilação de gestos, memorização de seqüências de movimentos,

aprimoramento de sua coordenação audio-motora, consciência corporal, autonomia e

manutenção do gesto, controle tônico-postural, expressão não-verbal, atuação

individual e grupal e contato físico, conteúdos que resultam em sentimentos de

orgulho e vontade de mostrar as posturas difíceis que consegue fazer (CMT9). A

dança aos pares favorece o reforço de questões de gênero, o estabelecimento de

diálogo e a vinculação afetiva.

Sendo a dança praticada pelas pessoas sem necessidade de formação específica

na área, o cuidador se anima a dançar com sua criança/adolescente (SMI2, SMI8),

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descobrindo formas de posicioná-la para que ela dance (SMI8), e usa a dança para

conseguir que ela realize tarefas que se recusa a fazer sem dança (STO3).

O direcionamento da dança ao desenvolvimento de potencialidades da

criança/adolescente deve estar atento a não evidenciar suas dificuldades motoras,

valorizar os movimentos que podem ser feitos e não chamar atenção sobre os que não

podem ser feitos, e observar sua segurança, ajudando-a a evitar movimentos perigosos.

5.7. Ensaio e Apresentação Musical

No atendimento terapêutico, a criança/adolescente se familiariza rapidamente

com a atividade de apresentação musical participando como público das apresentações

de um colega que toca e recebe aplausos (STO4) ou do musicoterapeuta, que canta à

frente de sua maca se acompanhando por um instrumento musical (SMI4). O

musicoterapeuta pode evidenciar para ela como, diante de uma apresentação musical,

ela pára o que está fazendo e presta atenção ao show (SMI4).

A criança pequena tem prazer em pegar espontaneamente um instrumento

musical, tocá-lo e bater palmas ao final da própria apresentação (STO1, STO5, STO6),

esperando aplausos (STO1), buscando a aprovação do musicoterapeuta (STO4),

manifestando alegria por receber aplausos do cuidador (STO2, STO3, STO4, STO5,

STO6) e chamando outras pessoas para ver seu show (STO3, STO6). Ver outra

criança tocando um instrumento musical a estimula a tomá-lo e ir com ele se olhar no

espelho, tentando alcançar a performance do colega (STO3). Alternando ser público

dos colegas e apresentar-se diante deles, ela vivencia as dinâmicas figura-fundo e

sucesso-fracasso, presentes nas relações sociais (CMT9).

A criança maior pode manifestar ansiedade diante da possibilidade de rejeição

do outro, e o ensaio a ajuda a se sentir mais segura com sua performance (SMI5), lhe

favorece explorar suas habilidades criativas e adaptativas, a faz ter idéias para o show

e estudar formas de realizá-las e levam-na a vivenciar aspectos de memorização,

autoconhecimento e auto-aperfeiçoamento. Ensaiar diante de um espelho a estimula a

se ver como musicista e a investir em sua postura (CMT17). Embora a música tenha

um forte caráter de tempo presente, por acontecer no momento de sua execução, os

ensaios permitem sua preparação para o futuro, propiciando à criança/adolescente

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vivências de planejar, executar e avaliar idéias pautadas na realidade, aceitando tarefas

pouco prazerosas para alcançar a gratificação posterior do sucesso.

A possibilidade da criança/adolescente apresentar-se diante do outro e receber

aplausos está diretamente relacionada à sua capacidade de escolher, organizar e

estudar o repertório que pretende interpretar. O prazer da atividade a motiva a se

dedicar e a enfrentar seus medos (CMT7). Preparar-se diminui seus riscos diante do

outro, fortalece sua segurança, aumenta suas chances de satisfação e leva-a a

responsabilizar-se por suas coisas (CMT6, CMT15). Como no ambiente terapêutico a

platéia composta por familiares e técnicos não é muito exigente, ela tem muitas

chances de ser aplaudida, o que lhe traz alegria, fortalece sua auto-estima e a

entusiasma a preparar novos números musicais, mudando seu comportamento para

receber a gratificação do aplauso (CMT5). O registro da apresentação através de

filmagens, ajuda-a a avaliar sua evolução musical (demarcatória de sua evolução

psicomotora), rever conceitos sobre si mesma e se valorizar (CMT12).

Apresentar-se ao outro leva a criança/adolescente a desenvolver habilidades

sociais. Ela agrupa-se com os colegas, canta diante deles e com eles, amplia o tempo

de estar em evidência através da repetição da canção, aplaude e é aplaudida (CMT9,

CMT12, STO6, STO7), vincula-se afetivamente ao outro lhe oferecendo números

musicais (CMT2), e experimenta o prazer de ter sucesso (CMT2). A resposta positiva

do público leva-a a lhe dar atenção através de tocar, parar e esperar aplausos (CMT8).

Ponto culminante da apresentação musical, o aplauso interrompe sua movimentação

estereotipada, transforma sua produção sonora indefinida em uma peça musical

organizada, leva-a a criar movimentos e sons que mostrem ao público o momento de

aplaudi-la (CMT17) e, ao ser inserido em cada etapa da atividade, estimula-a a

prosseguir para a etapa seguinte (STO4). Uma vez introjetado por ela como prazeroso,

ele pode ser transferido para outros conteúdos de seu processo terapêutico, em

improvisos que direcionam e comemoram aquisições psicomotoras, como “palmas pra

Júlia que vai tirar os sapatos, palmas pra Júlia que tirou as meias” (STO4).

A apresentação musical é o momento da criança/adolescente mostrar ao outro

tudo que foi conseguido por ela, em seu empenho para melhorar. Ela é especialmente

importante no contexto hospitalar, onde a criança/adolescente tem muito tempo

disponível e nada para fazer. Envolver-se na realização de um espetáculo a ocupa e a

distrai de sua dor. Para algumas crianças/adolescentes, a comemoração de seu

aniversário no ambiente de saúde é a única que ela vai ter naquele ano.

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A preparação para se apresentar diante do outro faz o adolescente se dedicar

mais ao seu instrumento musical, se esforçando para aparecer melhor (CMT3). A

experiência de apresentar-se tocando diante de outras pessoas e ser aplaudido estimula

sua coragem para tocar músicas mais complexas e socialmente significativas, como as

que tocam no rádio ou fazem parte de trilhas de novelas, que por serem associadas a

adultos, têm para ele status mais alto que as canções infantis (CMT1).

A apresentação musical da criança/adolescente mobiliza o afeto do cuidador,

que sente falta de vê-la em eventos sociais, às quais suas dificuldades impedem o

acesso, e a estimula a cantar em público as músicas que ela canta em casa (STO3),

manifesta orgulho dela (CMT15), e, envolvido no clima da apresentação musical,

ajuda outras crianças/adolescentes a se apresentarem (SMI5).

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6. Reflexões finais

A música é uma demanda do ser humano em todas as sociedades conhecidas, fazendo

parte do cotidiano de crianças e adolescentes, inclusive em abordagens terapêuticas. Ela se

mantém como uma prática prazerosa e estimuladora até entre crianças e adolescentes muito

pobres, cujas famílias não podem arcar com o custeio de instrumentos e estudos, e entre

crianças e adolescentes com limitações mentais e/ou motoras impostas por diferentes doenças

e em situações de confinamento domiciliar ou hospitalar que reduzem sua interação com o

ambiente e dificultam o desenvolvimento de seus potenciais.

O mapeamento dos recursos musicais em suas possibilidades terapêuticas

disponibiliza ao musicoterapeuta, e a outros profissionais de saúde, formas de seu

direcionamento a aspectos gerais e específicos dos processos de saúde vividos por diferentes

crianças e adolescentes. O conhecimento das várias formas pelas quais esses recursos podem

atuar terapeuticamente possibilita adequá-los a diferentes objetivos, afinidades, habilidades,

crenças e recursos materiais. Adaptáveis às situações clínicas, eles apresentam potencial para

estimular diferentes aquisições de saúde, e se mostram como uma opção à criança/adolescente

submetida a procedimentos dolorosos e cansativos, comuns nos espaços de saúde. Eles

disputam e – na maioria das vezes - ganham sua atenção, levando-a a rir e a desviar o olhar do

que a faz sofrer para se envolver em práticas musicais que lhe parecem mais interessantes.

A observação sistemática dos recursos musicais em sua aplicação ao processo de

saúde de crianças e adolescentes mostra que a especificidade de cada um deles tem muito a

oferecer aos pacientes. Apesar das vivências musicais englobarem vários recursos

simultaneamente, a investigação proposta por esta pesquisa, analisando cada um deles em

suas particularidades, mostra, a cada novo olhar, a enorme riqueza oferecida por práticas

simples e acessíveis, que, muitas vezes, do ponto de vista da pessoa envolvida nelas, são

determinantes de sua qualidade de vida, e até de sua vida.

Acessíveis a crianças e adolescentes com graus diversos de resposta psicomotora,

aceitos e buscados espontaneamente por elas, os recursos musicais despertam na

criança/adolescente isolada o interesse pelo mundo; impulsionam a criança/adolescente com

impedimentos motores a melhorar suas habilidades; oferecem à criança/adolescente com

dificuldades cognitivas o prazer estético em atividades musicais que não exigem

conhecimentos anteriores; enriquecem com entonações e ritmo os movimentos fonadores e

articulatórios da criança/adolescente com prejuízos de linguagem; dão à criança/adolescente

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com transtornos de comportamento formas de ser aceita por fazer música, abandonando a

necessidade de se mostrar através de atitudes negativas e criminosas; oferecem à

criança/adolescente com visão subnormal formas de explorar seus outros sentidos.

Como os recursos musicais permitem uma grande diversidade de práticas, pequenos

cuidados tornam possível seu oferecimento em diversos ambientes de saúde. A reflexão sobre

seus benefícios e a constatação de mudanças de atitude propiciadas tão rapidamente ao

paciente pela atividade musical justificam a experimentação criteriosa de seus procedimentos

até que se encontrem formas de otimização de sua aplicação a cada ambiente de saúde. O

levantamento de atividades musicais adaptáveis à situação dos pacientes, e a correção de

eventuais problemas decorrentes da aplicação destas, permitem a adoção de práticas que

envolvam a criança/adolescente, mantenham-na de bom humor e estimulem a aquisição de

conteúdos importantes ao seu processo de saúde. À constatação de que algum deles tumultua

o atendimento dos pacientes, outros recursos podem ser adotados ou os mesmos podem ser

usados de outras formas. O tumulto causado pela confusão sonora resultante de algumas

atividades (como o som da flauta-doce mascarando o som do apito da máquina de medicação

e o acolhimento de muitos pacientes num mesmo horário para aproveitar as atividades

musicais) pode ser minimizado com a reorganização da atividade.

Tendo como sujeitos crianças e adolescentes sem autonomia, muito dependentes de

seu cuidador e em alguns aspectos parecendo formar uma unidade com ele, esta investigação

teve sua atenção chamada para o intenso grau de adesão do cuidador às práticas musicais,

tanto para melhor direcioná-las à sua criança/adolescente, como para deleite próprio. Sendo a

adesão ao tratamento determinante de seu sucesso, o atendimento de crianças/adolescentes

que dependem de seu cuidador para aderir ao tratamento precisa seduzir o cuidador.

Enfraquecido pela deficiência crônica que manterá seu filho à margem do sucesso social,

ameaçado pelo luto anunciado do filho portador de doença degenerativa, esgotado pela

sobrecarga de cuidados que a doença do filho lhe impõe, e afligido pelo desconhecimento que

ainda paira sobre muitos diagnósticos, expressar-se através da música pode ajudar o cuidador

a se manter emocionalmente saudável. Em suas várias formas, os recursos musicais lhe

oferecem o compartilhamento de momentos prazerosos com sua criança/adolescente e

maneiras de se manter motivado e capacitado a ampará-la e a estimulá-la rumo à saúde.

Sendo a música uma prática cultural, o envolvimento do técnico não-musicista,

adotando rapidamente o oferecimento dos recursos musicais ao seu paciente, e fazendo

música como fruição pessoal, mostra a possibilidade de que também ele, sujeito ao trabalho

estressante em ambientes pautados pela doença, use os recursos musicais em benefício

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próprio e se sinta seguro a explorá-los em seu trabalho. A escuta terapêutica enriquecida pela

música pode propiciar ao profissional de saúde melhor acolhimento do paciente, mais dados

para a compreensão de seu processo de saúde e recursos menos invasivos para seu tratamento.

Embora a presença de um musicoterapeuta coordenando o oferecimento das atividades

musicais no ambiente de saúde garanta maior riqueza musical e melhor direcionamento dos

recursos musicais aos objetivos de saúde de cada paciente, como a música é uma prática

comum à maioria das pessoas, e é acessível a não-musicistas, as atividades musicais podem

desenvolver-se entre pacientes, cuidadores e técnicos, dentro de suas possibilidades, com

práticas musicais acessíveis aos seus conhecimentos, sugeridas por eles e valorizando suas

histórias de vida, resultando em ganhos para todos.

Este mapeamento dos recursos musicais em suas possibilidades de atuação terapêutica

procurou mostrar ao profissional de saúde que ele pode se aproximar da música com

admiração, alegria e simplicidade, usando-a para melhorar sua vida e a de seu paciente. Ele

está disponível à comunidade científica, e só seu uso poderá conferir à pesquisadora mais

alegria por sua realização.

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APÊNDICES

Apêndice A - Descrição das Sessões

Grupo 1 - Consultórios de Musicoterapia (CMT)

Sessão 1 – Semana de 23/04/07 a 27/04/07 (CMT1)

Alessandro descobre o teclado em forma de carrinho e não quer entregá-lo na saída.

A musicoterapeuta mantém Gustavo sentado ao piano, para evitar quedas. Ele se

levanta várias vezes para pegar coisas sobre o piano, ela muda a dinâmica do que está tocando

e ele volta a se envolver com o som do piano, se senta e toca também. Tem uma convulsão,

volta à consciência, ri para a musicoterapeuta e continua tocando. Chuta o piano, tenta pisar

os pedais. Quase não usa o braço esquerdo, a musicoterapeuta faz com ele a brincadeira de

bater nas mãos um do outro ao som da canção “Pirulito”. Com ajuda, ele bate em suas mãos.

Permanece pouco tempo em cada atividade. Fala pequenas frases. A musicoterapeuta canta

com ele canções de seu repertório, espera ele completar o fim das palavras, e ele consegue

fazê-lo. Aprende música nova que ela lhe ensina sobre o colega, “Ó Miguel”, e a canta inteira.

A mãe de Miguel diz que, em casa, ele alterou sua composição, substituindo “minha

amiguinha” por “tão bonitinha”. Ele sobe na musicoterapeuta buscando contato físico, e ela o

direciona a dançar com Gustavo, posiciona os dois sentados no chão, um de frente para o

outro, e as mães os ajudam a mandar a bola um para o outro, enquanto ela compõe, toca e

canta a canção “Jogando bola”. Esta é a sessão em que os dois conseguem mais interatividade.

Espontaneamente, cada mãe cuida da outra criança.

André chega cedo, vê a musicoterapeuta e Iranildo tocando flautas transversas, se

senta em silêncio e fica quieto durante seis minutos, olhando atentamente para eles. Quando

Iranildo sai, ele olha em volta e pega um leão marinho de borracha. A musicoterapeuta propõe

fazerem uma música para o leão marinho, e compõe “O leão marinho”, aproveitando a

movimentação corporal de André para sugerir “ele bate com a mão, ele bate com o pé”. André

acompanha a canção cantando junto e fazendo os gestos, e repete a canção muitas vezes.

André pede para ouvir a canção “A noite no castelo”, que ouviu na semana passada. Quando a

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música começa ele diz “Andé tem medo!”, a musicoterapeuta desliga o som, ele espera um

pouco e diz “põe o vampilo outra vez”. Faz isso por três vezes, ouve o início da música (“a

noite no castelo é mal assombrada, lá tem uma bruxa/vampiro/fantasma que faz assim”), pede

pra tirá-la porque tem medo, e por fim pede para a musicoterapeuta não por mais o CD.

Felipe toca algumas canções antigas, com apenas cinco notas, a maioria composta pela

musicoterapeuta, para que ele posicione as mãos no teclado e não precise mudá-las de lugar

ao longo da música. Ela lhe dá uma canção com seis notas, ele tem que resolver o problema

de mover as mãos ao longo do teclado e reclama do aprendizado da sexta nota, mas diante da

possibilidade de tocar músicas mais elaboradas, “de adulto”, ele sente coragem para soltar a

mão, e cria soluções interessantes para problemas de passagem de dedos, exercitando

raciocínios espaciais a partir da necessidade de distribuir os dedos em relação à extensão das

notas da música estudada, e ela o elogia por isso. Felipe tenta tocar sem ler a partitura, para

olhar os dedos no teclado, criando um artifício para memorizar as notas, e ela o elogia

também por isso. Ele decora uma música simples e a toca muitas vezes seguidas, sem parar,

feliz com o resultado. Ele comenta seu Concerto de Natal, no qual foi muito aplaudido, e diz

que agora quer tocar músicas de adulto nos próximos concertos. A musicoterapeuta lhe dá

uma versão da canção sertaneja “Pense em mim”, na tonalidade em que ele pode aproveitar

mais as seis notas que já conhece. Ele reclama da dificuldade, mas não resiste e começa a

tocar. Como quer ver o resultado, acaba tocando a música toda.

Paulo vai direto ao teclado, tira as mãos da musicoterapeuta do teclado e não a deixa

tocar, só ele toca. Arrasta-se até a Adriana e disputa o tambor com ela. Chora quando André

grita. Arrasta-se até pegar o pandeiro no chão, segura-o com as duas mãos e faz som. Arrasta-

se até o teclado e tenta ficar de pé para tocá-lo, a musicoterapeuta o ajuda a posicionar-se e ele

toca de pé, muito tempo, apoiado nos cotovelos, na maior alegria. Adriana bate com força nos

instrumentos musicais e os leva à boca. Presta atenção a Paulo, mostrando gostar de tocar

junto com ele.

A sessão de Eric, Henrique e Bianca acontece na casa da estagiária, comemorando seu

aniversário, para familiarizar os três com outros ambientes. O marido da estagiária chega e ela

lhe diz que vai lhe apresentar o grupo, Henrique pega rapidamente a flauta e toca a “Ode à

alegria”, que o grupo parodiou dando-lhe uma letra que apresenta os participantes e a

dinâmica do grupo. A musicoterapeuta reflete com ele sobre ele ter apresentado o grupo ao

marido da estagiária usando a linguagem musical em vez da verbal, e ele sorri.

Iago entra na sala trazendo dois DVDs, “Tico e Teco” e “Shrek”, e tenta por um deles

na TV. A mãe diz que o tirou de todas as terapias porque nelas ele só assiste aos DVDs e

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repete as falas destes obsessivamente. A musicoterapeuta o contém enquanto ele a chuta e

cospe nela, tentando ligar o DVD. Ela põe o DVD no computador e ele muda de atitude e se

posiciona para assisti-lo. Com pouco tempo de projeção do filme, ela o interrompe e pesquisa

imagens de Tico e Teco na internet, inventando e cantando uma música que mistura Tico e

Teco e Iago, enquanto ele grita e bate nela, tentando voltar ao filme. Quando as imagens

aparecem na tela, ele pára e presta atenção a elas. A musicoterapeuta recorta uma imagem de

Tico e Teco e a coloca numa página e fala “Iago” e começa a escrever “Iago” e ele segura

suas mãos e tecla o resto do nome. Ela fala “Tico e Teco” e ele se adianta e escreve “Tico e

Teco”, aceitando ajuda dela. Ela lhe dita as letras da música que cantarola e o ajuda a escrever

a canção “Tico e Teco”, e a imprime. Ele não espera o papel sair da impressora e o puxa e

rasga. Eles a imprimem de novo, ela lhe dizendo para esperar ficar pronto, e ele espera e eles

a cantam, ela tocando ao piano, mas ele tampa os ouvidos e tira as mãos dela do piano. Ela

volta ao computador e faz a música “Shrek” e a imprime. Depois fotografa Iago e imprime

sua foto. Ela lhe diz para levar a foto e as músicas para colocar na Pasta de Músicas. Ele sai e

mostra as folhas à mãe e lhe conta o que fizeram, e esquece os DVDs na sala.

Sessão 2 – Semana de 30/04/07 a 04/05/07 (CMT2)

Alessandro canta muito, a sessão inteira, olhando sempre a musicoterapeuta nos olhos.

Faz com a voz os finais de frases ralentando e rindo, brincando disso. Aprende músicas novas.

André vai direto aos instrumentos musicais, toca todos, um a um, experimentando-os.

Percebe um instrumento novo, uma corneta com 3 tubos, e a sopra com força do lado errado,

não sai som, aí a vira do outro lado, enche o peito de ar e toca, conseguindo tirar som. Alegre,

canta inteirinha a música que fez na sessão passada, sozinho, mostrando que se lembra dela.

Joga “A grande orquestra” com a musicoterapeuta e a babá, transgredindo as regras. Canta

sozinho atendendo ao pedido da musicoterapeuta. Quando ela canta para o Paulo ele pede

“agora, Andé”. Pede para ela tocar a música “A noite no castelo” e diz ter medo. Ouve

dosando-a: “tira rápido”, “põe mais”, “tira, Andé tá com medo”, “põe mais Castelo

assombado”, “fecha a janela e apaga a luz”, e a musicoterapeuta tira e põe a música para

tocar, fecha a janela e apaga a luz, faz e desfaz o clima ao seu comando. Ele ouve a faixa

inteira com a luz apagada, faz som de vampiro, bruxa e fantasma, e diz “agora é sem medo”.

Felipe chega e sua mãe conta entusiasmada seu sucesso em matemática e o relaciona à

Musicoterapia. A musicoterapeuta lhe mostra que ele criou uma estratégia para aprender

músicas novas, dizendo que não vai conseguir tocá-la, estudando e tocando-a, e lhe mostra

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que isso aconteceu com todas as músicas que ele tem na pasta. Ele diz que está desanimado de

estudar música sozinho, em casa, e ela lhe diz pra estimular suas irmãs a aprender música para

eles formarem uma banda e ele se anima. Ele quer se apresentar tocando e ela lhe propõe

tocar num lar de idosas, porque elas aplaudem mesmo que o artista erre, e ele se anima.

Gustavo chega mole e a musicoterapeuta o senta ao piano e o mantém assim toda a

sessão, para ele não cair. Sua mãe chora muito. Ele e Raphael ficam para a sessão do Miguel,

que faz festa comemorando o aniversário de sua babá.

Posicionados pela musicoterapeuta, Paulo e Adriana fazem jogos de dupla, passando a

bola um ao outro ao som da canção “Jogando bola”. Os dois têm dificuldade em manusear a

bola, não entendem as regras do jogo, mas prestam atenção à bola. Adriana tenta morder a

musicoterapeuta, que lhe dá um teclado e ela o toca com as duas mãos, principalmente a

direita. Faz muitos sons vocais fortes, parecendo ter intenção de canto.

A musicoterapeuta pergunta o que vão cantar no mês de maio, Henrique responde que

é o mês das mães, de Maria, das noivas e da libertação dos escravos. Bianca diz que quer uma

música de noiva pra ela ficar noiva de seu namorado Renato. O grupo parodia a “Marcha

Nupcial” de Mendelsohn descrevendo seu casamento.

Iago chega arrastado pela mãe, grita e bate nela, não quer entrar, joga longe os DVDs

que trouxe, do “Tico e Teco” e do “Shrek” e grita para a musicoterapeuta colocá-los na TV,

mas ela os deixa no chão e abre o arquivo com as músicas “Tico e Teco” e “Shrek” e as canta

e toca na marimba e no teclado. Ele toma os instrumentos dela, toca algumas notas neles e os

joga longe, mas aprende as letras das canções e as canta junto com ela.

Sessão 3 – Semana de 07/05/07 a 11/05/07 (CMT3)

Felipe chega animado, diz que vai ensaiar para tocar no asilo porque o público vai

aplaudi-lo mesmo errando. Trouxe a irmã e a musicoterapeuta lhe ensina um pouco de piano e

violão. Ela diz que ele nunca pega no teclado em casa, só fica vendo novela na TV, mas

ensaiou três vezes nessa semana, só para tocar no asilo. A musicoterapeuta dá a ele uma

música nova, “A montanha” de Roberto Carlos, lhe mostra que a partitura tem poucas notas,

porque os muitos versos repetem a melodia. Ela a toca ao piano e, ao começar a cantar, ele

imediatamente começa a dançar num movimento binário repetitivo, animado, cantando forte.

A família toda canta junto, na maior alegria, e sua mãe diz que “a sessão teve fecho de ouro”.

André chega a mil, despeja os instrumentos musicais no chão e toca um por um,

pesquisando sons. Depois pede para a musicoterapeuta fechar a janela, apagar a luz e por a

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música “A noite no castelo” e fica dançando e rindo e fazendo os sons do vampiro, da bruxa e

do fantasma, mostrando que não tem mais medo.

Gustavo chega mais desperto, fala frases de quatro palavras, a musicoterapeuta canta

suas canções prediletas, estimula-o a cantar os finais das frases e ele consegue fazê-lo.

Paulo encontra o Léo cantando samba, fica feliz, animado. Toca teclado e violão por

muito tempo. A musicoterapeuta toca a música “Corujinha”, do Toquinho, em tonalidade

menor e com letra triste, ele presta muita atenção, sério, com expressão triste, os olhos cheios

de lágrimas. Como ele está aprendendo na escola as letras iniciais dos nomes dos colegas, a

musicoterapeuta lhe mostra cartelas com as vogais e canta “Essa bruxinha” e “Danúbio Azul”,

mostrando as cartelinhas e evidenciando cada vogal. Ele gosta de fazer a brincadeira do

chapéu com a canção “Eu fui à Bahia”. Ele participa bem da sessão, então a babá percebe que

ele está com febre e cancela todos os seus outros atendimentos.

Adriana faz muitos sons vocais fortes, perto do armário, ouvindo o retorno do som.

Iago traz o DVD “Os saltimbancos” (versão de Chico Buarque do musical infantil de

Henríquez e Bardotti), a musicoterapeuta em vez de abri-lo busca no computador uma

ilustração do musical e a imprime com a letra de sua canção de abertura e a canta, e ele a

canta junto. A musicoterapeuta emenda o canto apontando a figura de um dos animais

(cachorro, burro, galinha e gata) e começando canções folclóricas que falam neles,

“Cachorrinho está latindo”, “Meu burrinho”, “Atirei o pau no gato” e ele olha para ela e vai

cantando junto, sabe quase todas as letras, mas tampa os ouvidos e segura suas mãos

impedindo-a de tocar os instrumentos musicais.

Sessão 4 – Semana de 14/05/07 a 18/05/07 (CMT4)

Alessandro balança o pé no ritmo da música que a musicoterapeuta toca, fazendo uma

marcação pa-pa-paa (colcheia-colcheia-semínima) regular.

Felipe toca no teclado “Não aprendi dizer adeus”, “Pense em mim” e “A montanha”,

com as duas mãos presas numa região e abarcando dez teclas. A musicoterapeuta lhe propõe

movimentar a mão direita para tocar as dez notas e tocar acordes com a esquerda, mas ele

recusa. Ela lhe mostra que, em vez de aprender um dedilhado, ele foi além e criou seu próprio

dedilhado, e que quando ele quiser vai tocar com as duas mãos.

Gustavo fica sentado olhando a partitura na estante do piano, sua mãe se interessa por

ler notas musicais e a musicoterapeuta lhe diz para ela se sentar ao piano e lhe ensina algumas

notas e ela toca para ele músicas simples, com poucas notas e se diverte. Adriana não vem e

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Paulo toca teclado durante uma hora, feliz de ter a atenção da musicoterapeuta e o

instrumento musical só para ele.

Iago traz a Pasta de Músicas com as canções que a musicoterapeuta fez para ele, e a

abre na página de “Os saltimbancos” e vai apontando os animais e cantandosuas canções,

deixando que a musicoterapeuta toque no piano acompanhando-o. Ele inicia espontaneamente

duas canções que não falam de animais, “O trem maluco” e “A janelinha” e a musicoterapeuta

as toca e canta com ele. Ela lhe entrega a marimba e ele a toca. Ela busca ilustrações de trem e

de janela aberta e fechada, dita as letras para ele escrever as letras das canções e as imprime e

ele as mostra alegre para a mãe, na saída, cantando-as. A musicoterapeuta diz a ele para

passar todas as folhas da pasta e mostrar à mãe quantas músicas ele já sabe, e ele o faz.

Sessão 5 – Semana de 21/05/07 a 25/05/07 (CMT5)

Paulo toca teclado por muito tempo, com as duas mãos, vigorosamente. Cansa-se e

escorrega para o chão. A musicoterapeuta o posiciona de novo e ele toca por muito tempo.

Miguel se mostra muito mais organizado, quase sempre consegue esperar a

musicoterapeuta contar 1-2-3-4, mostrando os dedos, para começar a tocar o tambor. Percebe

o final da música e faz um toque diferente, mais cheio, um “gran finale”, e fica esperando ela

aplaudi-lo. Trouxe baquetas de casa e as bate com menos intensidade. Interage com a

musicoterapeuta na atividade de tocar pandeiro, mas não a acompanha quando ela altera o

ritmo. Quando toca com muita intensidade e entra num ostinato rítmico, ela o aplaude logo e

ele pára de tocar e ri. Quando ela não o aplaude, ele pára de tocar, tira suas mãos do piano e as

junta batendo palmas. Pede continuamente para ela tocar a canção “Filho meu”, ela a toca

ralentando a cada vez, ele começa a acompanhá-la devagar e de repente dá um gran finale.

Pára de tocar e pede para recortar a folha da música, não consegue posicionar a tesoura em

relação ao papel, ela o ajuda. Ele desenha vários balões na folha, ela os colore com ele

dizendo corretamente as cores usadas. Ela canta “Cai cai balão” enquanto colorem e ele olha

para sua boca e movimenta o corpo dançando. Ela diz “ótimo” e ele pede para ela escrever

“ótimo”, ela escreve e ele lê “ótimo” muitas vezes. Ela toca “Cai cai balão” no teclado, ele

pára de desenhar, empurra-a para fora do teclado e se senta para tocá-lo. Sua mãe se interessa

por uma música com três notas, a musicoterapeuta colore cada nota de uma cor e ela a toca e

fica muito alegre por conseguir ler música e tocar piano. A musicoterapeuta a fotografa

tocando e ela pede para ela mandar a foto para o e-mail de seu marido, para ele vê-la tocando.

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É aniversário do Eric e o grupo comemora e descreve a festa criando a paródia “Mais

uma primavera”, sobre “A Primavera” de Vivaldi. No fim da sessão, quando todos estão

lanchando, Eric fecha os olhos e não responde aos chamados da enfermeira e da mãe, que

começam a se desesperar. A musicoterapeuta corre ao piano e toca, com andamento ligeiro,

sua canção predileta, “Fui à fonte do Itororó”. No primeiro toque, ele abre os olhos e volta a

prestar atenção às pessoas.

Iago diz à musicoterapeuta que foi aniversário de seu colega Rafael e eles cantaram

para ele, ela escreve e ilustra a canção “Parabéns pra você” com o nome do Rafael e dele, e

lhe pergunta os nomes de seus outros colegas e vai escrevendo, e ele coloca a folha na Pasta e

a canta. Quando a mostra à mãe, ela diz à musicoterapeuta que todos os nomes são de bebês

que ficam no berçário da escola, que Iago foge de sua sala e fica com eles todo o horário.

Sessão 6 – Semana de 28/05/07 a 01/06/07 (CMT6)

André bate na porta muitas vezes antes de entrar, a musicoterapeuta faz ritmos batendo

do outro lado, eles estabelecem diálogos com as batidas. Ela compõe e canta para ele “Quem

está batendo na porta?”

Felipe vem sem a Pasta de Músicas. Na última sessão a musicoterapeuta havia lhe dito

que ele deveria se responsabilizar por suas coisas, começando por trazer sua Pasta de

Músicas, e que sua mãe não faria mais isso, então hoje ele não a trouxe e não tem suas

músicas estudadas, então ela lhe dá três canções sertanejas novas, e ele as toca bem e fica feliz

com seu sucesso, e diz que vai trazer a Pasta para tocar as músicas antigas e não esquecê-las.

Gustavo gosta da canção “Tero lero” e a aprende e a canta. Miguel traz para a sessão

um microfone de brinquedo. Ele pega uma canetinha e colore “lendo”: “o patinho”, “ótimo”

(lembra a palavra da sessão passada). Ele e a musicoterapeuta ficam bem próximos, ele a olha

no olho, ri, diz “ah, coelhinho” e colore o coelho. Pergunta pelas baquetas, ela lhe diz que ele

as deixou em sua casa, ele procura as baquetas da sala, pega um chocalho e o usa como

baqueta tocando no tambor, muito forte. Ela toca no piano uma canção suave, “Perdi meu anel

no mar” e ele percebe o caráter da canção, larga o tambor e a acompanha no teclado. Ela

começa outra canção de caráter suave, “Filho meu”, que ele trouxe à Musicoterapia, e a toca

por quase trinta minutos, ele cantando certinho, feliz. Ela faz alterações de duração e muda as

entradas de primeira e segunda parte, e ele está completamente atento e entra sempre na hora

certa e no lugar certo, em vez de começar do início. Sua mãe canta a canção “Reloginho”, e

diz à musicoterapeuta que canta essa canção para ele desde que ele era bem pequeno, usando-

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a para lhe transmitir conteúdos pedagógicos, que vai incorporando à letra. Sua mãe diz a ela

que o irmão de Miguel perguntou à babá como ela é e a musicoterapeuta diz para o Miguel

convidá-lo a vir com ele à Musicoterapia. Aos 50 minutos de sessão, Miguel se cansa, deita

no chão e dorme, e sua mãe permanece tranqüila, conversando com a musicoterapeuta, que

lhe indica um tratamento de fonoaudiologia para aproveitar o entusiasmo do Miguel pelo

canto e aprimorar sua fala.

Iago vem com a babá, passa pelos instrumentos sem se interessar por eles e puxa a

musicoterapeuta para o computador. Ela abre o arquivo de suas músicas e ele fica apertando

botões sem parecer controlar o que faz, ela lhe toma o mouse e o passa para o outro lado da

mesa. Muito mais comportado longe da mãe, ele se senta em seu colo e ela o põe na cadeira.

Ele fala pouco, coisas incompreensíveis, não articula as palavras, não ri, não responde quando

ela lhe pergunta se quer uma música nova. Espontaneamente canta “Minhoca” e “Seu pintor”,

canções folclóricas, ela as canta, escreve e ilustra e ele ri pela primeira vez. Ele vê a canção

“Ó querido coleguinha” na estante de músicas, e a pega e a guarda em sua pasta.

Sessão 7 – Semana de 04/06/07 a 08/06/07 (CMT7)

Felipe esvazia sua Pasta de Músicas, tira todas as músicas “de criança” porque está

gostando de tocar sertanejas e agora só quer música “de adulto”. A musicoterapeuta reflete

com ele sobre ele ser adolescente e precisar adotar comportamentos de adolescente. A família

veio quase toda à sessão, e sua mãe lamenta uma das irmãs não ter vindo, pois ela se interessa

em tocar violão. A musicoterapeuta dá à família uma pequena aula de história da música para

explicar o conceito de tonalidade, usando a audição de peças de diferentes períodos históricos

como exemplos. Felipe reconhece a “Ode à alegria” da Nona Sinfonia de Beethoven e a

cantarola, tentando tirá-la no teclado. O pai de Felipe lhe pergunta o que ela ouve em casa.

Ela dá músicas infantis fáceis para a irmã de Felipe tocar no violão e na flauta. Felipe pede a

canção “Yellow submarine”, dizendo que a ouve em casa, porque seus pais têm tudo dos

Beatles, e reclama que a musicoterapeuta não o leva para tocar no asilo e ela lhe diz que é só

ele organizar o repertório do show. Eles começam a escolher o que está bom para ser

apresentado. A mãe comenta que sua coordenação motora melhorou muito, que vê isso na

melhora de sua letra, no uso do espaçamento e da diagramação da escrita no caderno, que

atribui ao trabalho de coordenação motora de seus dedos no teclado.

Paulo apóia-se no teclado, fica de pé no banco, encosta o rosto no teclado e toca

sentindo a vibração no rosto. A musicoterapeuta o posiciona de pé com as mãos apoiadas no

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tambor, canta a canção “Trenzinho”, puxa o tambor devagar, no ritmo da canção, diante do

espelho. Ele se vê dando passos. A babá diz que em casa ele fica em pé apoiado nos móveis.

Miguel vem com o irmão, que mostra interesse por todos os instrumentos musicais da

sala, pede à musicoterapeuta que lhe ensine umas posições no violão, e o toca. Miguel toca

muito mais tranqüilo, usa as baquetas que trouxe de casa. Muito mais organizado, mostra

atitudes diferentes para os momentos de princípio-meio-fim das músicas que toca com a

musicoterapeuta. Ele leva o CD do Rodapião para ouvir em casa, porque sua mãe diz que ele

gostou muito da música “Arre burrinho”. A musicoterapeuta telefona para um dos músicos do

Rodapião e ele fica de lhes trazer o CD. No dia seguinte, o irmão de Miguel telefona à

musicoterapeuta e diz que seu pai vai comprar um violão mais barato para ele estudar, para

ele não estragar o da mãe.

Iago vai direto ao computador e aperta o mouse muitas vezes, a musicoterapeuta

coloca sua Pasta de Músicas aberta na estante, posiciona cinco instrumentos musicais perto

dele, ele canta as músicas da pasta, deixa que ela toque o teclado e o toca pesquisando timbres

enquanto ela digita a letra de duas canções folclóricas que ele começa a cantar, “Onça

pintada” e “Peixe vivo”. A mãe chega, ele não quer ir embora, foge dela e corre pela calçada.

Sessão 8 – Semana de 11/06/07 a 15/06/07 (CMT8)

Felipe está desanimado, não quer tocar teclado, a musicoterapeuta convida sua mãe a

tocar violão, lhe ensina uma música e dá atenção a ela, ela toca o violão e ele pega o pandeiro

e faz o ritmo, ótimo, dá breaks e entra no ritmo de novo, certinho, todo animado.

Gustavo chega molinho e sua mãe diz que agora fica sempre junto dele, porque ele cai

à-toa. A musicoterapeuta lhe pergunta o que vão cantar e ele canta um trechinho de “Atirei o

pau no gato” e folheia a Pasta de Músicas, procurando outras canções. Ele pára na folha da

música “Festa Junina” e ela conversa com ele sobre esta época do ano, cheia de festas juninas.

Ela lhe pede para escolher mais músicas para cantar e tocar, ele lembra outras canções

cantadas nas sessões de musicoterapia e as inicia e canta alguns trechinhos junto com ela.

Paulo se apóia no teclado para ficar em pé, é a segunda sessão em que faz isso. Segura

as orelhas para pedir que a musicoterapeuta toque e cante a música “Jacaré”, ela canta “Brilha

lá longe estrelinha” e lhe pergunta pelos gestos e ele tira as mãos da orelha e faz os gestos da

estrelinha, com as duas mãos. Ela lhe dá o pandeiro para tocar e ele fica brincando com o

pandeiro, virando-o e experimentando posições com ele. Ela o posiciona sentado no chão

diante de Adriana e faz um jogo de bola entre eles, cantando a canção “Jogando bola”.

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Adriana está muito quieta hoje, mas participa do jogo de bola com o Paulo, com ajuda

da mãe. Na saída, ela se encaminha ao teclado e toca nele espontaneamente.

Miguel chega muito molinho, a musicoterapeuta o posiciona sentado e põe para tocar a

canção “Arre burrinho”. Ele ouve a canção inteira, presta atenção e faz um pouco dos sons

onomatopaicos dela. No fim da audição, ele levanta a mão espontaneamente e faz o gesto de

tinindo, com o polegar erguido. Ela lhe pergunta se quer ouvir a canção de novo e ele

responde “quer” e a ouve de novo. Levanta-se, dispõe os tambores e pandeiro em círculo, sem

estar entre eles, mostrando dominar a organização simbólica deles, entrega um pandeiro à

musicoterapeuta e lhe pede que o segure, para ele tocá-lo. Ele insiste em que ela cante

“Aleluia”, ela lhe diz que não conhece a música e lhe pede para ele lhe ensinar, ele começa a

cantar mas não consegue cantá-la toda. Ela lhe diz que conhece outra “Aleluia” e toca ao

piano e canta “Michael rows the boat ashore” fazendo uma versão em português “o Miguel

sabe tocar, aleluia, o Miguel sabe cantar, aleluia, o Miguel toca tambor, aleluia, o Miguel toca

piano, aleluia”. Ele ri muito, balança os ombros, se diverte com a versão que o inclui. Ela

insiste para ele esperar o sinal para tocar, conta até quatro lhe mostrando os dedos, e ele

começa a respeitar o tempo de início da canção. No fim da música, faz um gran finale e fica

esperando aplausos. Fazem isso três vezes, ele faz tudo certo. Ela toca ao piano “1-2-3

formiguinha”, ralentando a cada vez, enquanto ele toca tambor, mas ele não acompanha as

alterações de andamento e permanece no seu toque estereotipado.

Iago vem com a babá, entra sem dificuldade, fecha a porta, pega a capa do CD que

está tocando e a traz para o computador, a musicoterapeuta lhe pergunta se ele sabe a música

que está tocando e ele canta “Escravos de Jô”, ela lhe pergunta se sua Pasta de Música já tem

essa música, ele não se lembra, folheia a pasta toda, várias vezes, e pára na canção “Ó querido

coleguinha” e vai passando o dedo da musicoterapeuta nas notas da partitura, cantando-a.

Sobe em seu colo e fica fazendo carinho nela enquanto cantam “Peixe Vivo”.

Sessão 9 – Semana de 18/06/07 a 22/06/07 (CMT9)

Alessandro começa a fazer “teguedê teguedê” nos finais das canções, como uma forma

de estender o canto, repete essa “coda” nos finais das canções e ri.

A mãe da Adriana brinca com o tecladinho e tira “Do re mi fa fa fa”, a

musicoterapeuta a incentiva a tocar a canção inteira, lhe ensina as notas, e ela fica tentando.

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Gustavo toca teclado durante o horário inteiro.

Com as crianças/adolescentes em roda, a musicoterapeuta canta uma música em que

reveza seus nomes, eles a aprendem logo e a repetem. A musicoterapeuta faz com elas

exercícios de aquecimento vocal e articulação, com sons e gestos. Cantam vogais com gestos

do método fônico sobre canções populares, sertanejas e infantis. Cantam “o relógio da vovó lá

na sala vive só e trabalha tanto assim tão cansado que dá dó”. A musicoterapeuta divide a

turma em dois grupos e dançam com a gravação da música “O trem”. Ela orienta os gestos

sugeridos pela letra da canção, de caráter cumulativo (dobrar joelhos, dobrar joelhos e dedo

pra cima, dobrar joelhos e dedo pra cima e pé para dentro). Em alguns momentos a música

pára e todos ficam de estátua. A musicoterapeuta vai no meio da roda posturando as

crianças/adolescentes, pergunta quais são os gestos e elas respondem na seqüência,

corretamente, mostrando orgulhosas as posturas difíceis que conseguem fazer. Ela espalha

garrafas plásticas com água pelo pátio e pergunta “quem lembra o que nós vamos cantar

agora?” As crianças/adolescentes já fizeram essa atividade antes, e se posicionam. Ela diz que

antes de sair para a caminhada até o topo da montanha é preciso passar o filtro solar e calçar o

tênis e elas fazem os gestos olhando para ela. A musicoterapeuta solta a gravação e elas

cantam a “Canção da caminhada até o topo da montanha”. Caminham fazendo trenzinho atrás

dela, sem trombar nas garrafas espalhadas pela sala, prestando atenção, com cuidado para não

esbarrar. A musicoterapeuta diz para se segurarem pela cintura para sentir a caminhada no

movimento do quadril do colega. Num trecho da música, assobiam a melodia. Duas meninas

caem abraçadas. Santiago, que não fala, mostra que a música está vindo do aparelho de MP3.

Quando a música acaba, a musicoterapeuta pergunta o que elas viram no alto da montanha

elas falam leão, pássaro, sol, borboleta. A musicoterapeuta propõe um show de calouros. As

crianças/adolescentes correm e se inscrevem para cantar e dançar. Ela limita as apresentações

a dois calouros (ou grupos de calouros) por semana. Dois meninos se apresentam para cantar

uma música que eles chamam de “Rio Negro e Solimões” (o nome da dupla sertaneja) e

repetem apenas o refrão “é na sola da bota, é na palma da mão”, ensinam os gestos à turma, se

divertem com a oportunidade de comandar os colegas. Pedro e Bia escolhem cantar “Amor

Maior” e se esforçam para pronunciar as palavras corretamente. Quando param de cantar, um

colega pede aplausos para eles, fala seus nomes completos. Os artistas saem dizendo que vão

se inscrever de novo na próxima sessão. Ao início da canção final, “Até logo”, todos

começam a se abraçar. A musicoterapeuta combina com eles que na próxima sessão vão fazer

uma festa de despedida para a Laura, que vai mudar-se para outra cidade.

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Miguel chega molinho, custa a conseguir tirar o chapéu que está usando, e cai deitado

no sofá. A musicoterapeuta e sua mãe cantam “Os passarinhos cantam”, ele presta atenção,

mostra estar gostando, e sugere “Filho meu”. A musicoterapeuta começa outra música e ele

insiste “Filho meu”. Ela toca “Filho meu”, e ele presta atenção. Ela toca e canta “Arre

burrinho” e o estimula a completar o final de cada frase pondo o microfone diante de sua boca

e ele vai completando a letra, balançando o corpo desequilibrado mas voltando sempre na

hora certa para cantar no microfone. Ele caminha pela sala e toca um pouquinho em cada

instrumento, ela o incentiva “com as duas mãos”, “com todos os dedos” e sua mãe elogia “que

som lindo” e ele faz mais, gostando dos elogios e dos aplausos. Sua mãe canta a canção “Se

eu fosse um elefante” e ele começa a tocar teclado, acompanhando-a, e pára de tocar quando

ela acaba de cantar. Ele explora os timbres do teclado e ri, mostrando prazer. Toca algumas

notas e pára esperando aplausos, mostrando que são pequenas composições. Propõe cantar

“Filho meu”, canta e se acompanha ao teclado. Mostra atenção à Pasta de Música. Sua mãe

canta uma música que canta habitualmente para ele, “Os coelhinhos pulam”.

Sessão 10 - Semana de 25/06/07 a 29/06/07 (CMT10)

Alessandro vem desde a rua cantando “Amigo”, de Roberto Carlos, a musicoterapeuta

lhe pergunta se está cantando para ela, que é sua amiga, mas ele não responde. Ela toca

“Amigo” ao piano, ele canta alegre. Ela introduz uns jogos na canção, canta um trecho e

espera ele cantar o resto, ele completa o trecho da canção, pára a frase incompleta e faz

expressão facial de esperar que ela continue a letra, mostrando que entendeu o jogo e está

jogando com ela, e se diverte fazendo isso. Eles ficam nessa atividade muito tempo, ela pára e

ele puxa de novo um trecho da canção. Ela toca “O Alessandro vai solfejar” com os dedos

dele, ele se vira de costas, sem olhar para o piano, ela pergunta se ele fica emocionado por

tocar piano, e ele se vira ainda mais de costas para o piano, mas deixa a mão disponível.

Como sua mão está flácida, deixa de tocar uma nota, ele sente falta do som e se vira para

procurar e olha para sua mão, a musicoterapeuta lhe explica que ele tem que por mais força na

mão para tocar o piano. No final da sessão, ela pede a seu pai para tocar uma música ao

violão. Enquanto o pai toca uma canção sertaneja, ele começa a marcar o ritmo com os dedos

da mão, depois com o pé, e por fim pega o pandeiro e acompanha a música tocando pandeiro,

dentro do ritmo. O pai diz que ele já sabe ligar o aparelho de som e aumentar o volume, e que

a TV ele só sabe ligar e desligar. O pai diz “esse menino adora música sertaneja, católica,

evangélica, falou que é música é com ele mesmo, com ele o som tem que tá sempre ligado”.

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A mãe de Pedro diz que a Musicoterapia foi a melhor coisa que aconteceu a ele nos

últimos anos, e a mãe do Felipe diz “a mesma coisa com o Felipe, ele é dificílimo de aceitar

terapia, mas adora música”.

Gustavo aperta as teclas do tecladinho, dispara gravações de canções e dança ao som

delas. Faz isso várias vezes, e a dança é bem sincronizada com a música. A musicoterapeuta

toca a canção “Bandinha”, inclui sua mãe na letra e os três tocam juntos.

A musicoterapeuta pede às crianças/adolescentes que se sentem em roda e faz com

elas a atividade do “som que se movimenta”. Ela sopra a flauta de êmbolo, varia escalas

ascendentes e descendentes, e elas acompanham os sons fazendo movimentos ascendentes e

descendentes com as mãos. Ela propõe cantar com sons vocais articulatórios e explica que vão

cantar a “Canção da caminhada” de forma diferente da que fazem sempre. Eles cantam sem

marchar, marcam o ritmo batendo as mãos no chão. Cantam “Cai cai balão” com as vogais a e

i o u, seguindo o método fônico, fazendo as letras com as mãos. Ela propõe cantar variando a

intensidade, e eles cantam fraco ou forte seguindo sua regência.

A musicoterapeuta toca para o Paulo a canção “Meu Pintinho Amarelinho” e lhe diz

que essa foi a primeira música que sua mãe lhe ensinou e ele ouve com atenção. A babá diz

que ele achou ruim a festa junina da escola, porque não gosta de som muito forte.

Adriana toca teclado de pé, com as duas mãos, prestando atenção no Paulo, que dança.

Miguel descobre o tecladinho com demos e faz a maior festa, aperta uma tecla de cada

vez, ouve a música inteira e bate palmas no final.

Sessão 11 – Semana de 02/07/07 a 06/07/07 (CMT11)

Felipe toca no asilo, fica nervoso, erra muito e é muito aplaudido.

Adriana apóia a mão esquerda no teclado e toca de pé, com a mão direita. A

musicoterapeuta vai mudando os timbres e chamando sua atenção para eles. Ela bate nas

teclas com a mão direita, parecendo perceber diferenças de timbre, bate os cinco dedos no

teclado e faz movimentos com o polegar e o pulso. Grita sons sem variação de articulação.

Sua mãe escolhe a música “Arre burrinho”, senta-se na mesa e colore a folha toda, desligada

da filha, depois comenta que essa música é boa para a Adriana porque lhe ensina a fazer

movimentos com a boca, mostrando perceber a adequação do repertório da filha.

Miguel traz um DVD de música gospel, nem repara no teclado de demos que a

musicoterapeuta deixou à vista, para ver se ele se lembra de que se interessou por ele na

sessão passada. Ele insiste em ver seu DVD, fica olhando para a tela e tocando nos tambores

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com a baqueta. É um comportamento que ele mantém em casa, e para tirá-lo dele ela vai

adiantando o DVD e comentando-o com ele. Num trecho, os músicos tocam tambores com as

mãos, e ela o repete várias vezes, chamando a atenção para o toque com as mãos, e Miguel

larga as baquetas e toca com as mãos. Ele manifesta preferência pelas músicas mais

movimentadas, com muitos músicos cantando e tocando. Parece estar no ponto perceptivo que

Piaget descreve como necessitando de um “quadro sonoro” (grande variação de gesto, som,

cor e movimento ampliam a percepção da criança). A musicoterapeuta substitui seu DVD por

clipes seus e de outras crianças/adolescentes cantando e tocando, ele adora, pede para ver

mais e pergunta os nomes delas. Quando vê um instrumento diferente no clipe, busca-o pela

sala e o toca em frente à tela e diz que está tocando “com elas”.

Sessão 12 – Semana de 09/07/07 a 13/07/07 (CMT12)

Felipe volta ao asilo para ficar assistindo ao show, não quer tocar porque tocou mal no

outro dia. O motorista do asilo, um rapaz jovem, está lá também, e a musicoterapeuta diz que

as idosas só cantam músicas antigas, e que o motorista gosta de música nova, mas o Felipe

não canta. Ela faz a brincadeira “Quem sabe cantar uma música de...” e pede ao motorista

para dizer de quem, e ele diz “Bruno e Marrone”. Ninguém sabe cantar, então Felipe não

resiste e canta “Eu dormi na praça”, e, enquanto canta, vai caminhando para o meio da sala,

faz gestos, dança e se dirige aos músicos na maior pose de artista.

Antes da sessão, a mãe do Miguel telefona à musicoterapeuta, em dúvida se o traz,

porque ele teve várias crises convulsivas à noite, e está muito sonolento. A musicoterapeuta

pede para falar com ele, ele vem ao telefone e diz “eu quer ir” e a mãe decide trazê-lo. Miguel

pega o tambor pequeno e insiste para ela tocar uma música e ela lhe diz que não sabe a

música, para ele lhe ensinar. Ele insiste “não começou?”, se lembrando de que, quando vão

tocar uma música e ele começa antes dela contar até quatro ela lhe diz “ainda não começou”,

mostrando que está assimilando a idéia de princípio-meio-fim da atividade de tocar junto. Ele

pede para ver vídeo, ela põe clipes de outras crianças tocando, ele olha para a tela, se

posiciona no instrumento que a criança toca no vídeo, e toca tentando imitá-la. Não toca

durante a apreciação do vídeo: olha o clipe todo, toca, pára, olha outro, toca de novo. Sai de

frente do vídeo, toca piano só com a mão direita (quando toca só com uma mão é sempre com

a direita), ela o aplaude, ele se lembra do sucesso com o teclado pequeno, procura-o, toca

sempre a tecla 1, dispara a mesma música, ouve-a até o fim, toca de novo. Ela insiste em que

ele toque outra música, mas ele aperta sempre a mesma tecla.

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Sessão 13 – Semana de 16/07/07 a 20/07/07 (CMT13)

A mãe de Gustavo, que está tendo crises de Síndrome de Pânico, diz à

musicoterapeuta que levou seu pedido de licença ao médico de seu serviço, ele olhou os

papéis e a primeira frase que lhe dirigiu foi “já lhe disseram que seu filho vai morrer?”.

A mãe de Miguel desmarca a sessão por estar doente, mas depois diz que vem, porque

“não tem coragem, é o lugar onde ele mais adora ir”. A avó vem à sessão e toca violão. A

musicoterapeuta trabalha com Miguel o reconhecimento das canções do tecladinho, mas ele

aperta sempre a primeira e a última teclas, talvez por elas ficarem ao lado do corpo do teclado,

destacadas pela moldura colorida da beirada. A musicoterapeuta toca outras teclas, que

disparam duas canções de que ele gosta, “Parabéns pra você” e “Brilha, brilha, estrelinha”,

relaciona as músicas ao número da tecla, mas ele não compreende e continua apertando a

primeira e a última teclas. Ela prega os nomes das notas musicais num outro teclado, e lhe

mostra que a nota MI tem a mesma letra de Miguel, mas ele não se interessa. A mãe

reconhece uma das melodias do teclado e lembra uma letra que ela aprendeu no tempo em que

estudava pedagogia e fez estágio, e canta direcionando-a ao filho: “Olha só quem já chegou,

já chegou, já chegou, olha só quem já chegou, foi o Miguel”. A musicoterapeuta escreve as

notas da canção e lhe ensina a tocá-la no piano. Ela tenta tocá-la, a musicoterapeuta a

fotografa tocando e ela pede que ela mande a foto para seu marido. A musicoterapeuta coloca

a música dentro do plástico, na Pasta de Música do Miguel, ele pega um lápis de cor e colore

a ilustração da canção sobre o plástico, sem tentar tirá-la para colorir. A musicoterapeuta

ensina à mãe um pouco de escrita musical e lhe dá para tocar uma canção simples, com duas

notas. Ela toca e lhe pede para levar a folha para tocar em casa.

Sessão 14 – Semana de 23/07/07 a 27/07/07 (CMT14)

Gleisson mexe em todos os instrumentos da sala e escolhe o tecladinho de demos.

Dispara músicas por muito tempo e depois descobre o botão de mudar as gravações e explora

um pouco as teclas com notas musicais. Toca o violãozinho, a musicoterapeuta pega o violão

e toca com ele, os dois juntos. Ele se mantém completamente calado enquanto ela conversa

com sua mãe, mas mexendo o tempo todo nos instrumentos musicais.

A mãe de Gustavo telefona à musicoterapeuta dopada por calmantes, e lhe diz que está

sentindo tudo que o Gustavo sente, as crises de pânico, a depressão e a sedação. Diz que o pai

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do Gustavo pegou a mão dele e esbofeteou com ela seu próprio rosto, dizendo “reage,

Gustavo!” e o Gustavo ficou chorando assustado, que todo mundo em casa está doido, e ela

não sabe o que fazer. A musicoterapeuta lhe diz para pô-lo numa escola, porque ele gosta da

confusão de ter crianças em volta, e fica um período fora de casa, sendo cuidado pela escola, e

ela e o marido podem cuidar de si. Ela diz que prefere uma escola regular, para ele “continuar

tendo contato com pessoas normais” e a musicoterapeuta lhe diz que em casa ele não tem

contato com pessoas normais porque, segundo sua própria descrição, a família toda está louca.

Ela briga com a musicoterapeuta e desliga o telefone.

Paulo e André, de férias, visitam a musicoterapeuta e tocam todos os instrumentos.

André faz pose no teclado, dispara a música gravada e finge estar tocando com as duas mãos.

Miguel está saindo de férias por uma semana e sua mãe repete várias vezes que ele

adora vir para a música, que aqui é o lugar onde ele gosta mais de vir, que ele pode estar

molinho, ela chama e ele se levanta logo para vir.

A musicoterapeuta toca a marimba e Gabriel se esforça tentando arrastar-se até ela, de

vez em quando vira a cabeça para o lado e se distrai com outro objeto, mas a música da

marimba continua e ele volta a olhar para ela todas as vezes, tentando chegar até ela.

Sessão 15 – Semana de 30/07/07 a 03/08/07 (CMT15)

Gleisson chega cantando a canção “Fico assim sem você”, diz que ela estava tocando

no rádio do carro. A musicoterapeuta escreve a música com ele, a ilustra, pega o violão e ele

se senta ao piano e ficam tocando-a e cantando-a várias vezes. Ele sabe a letra quase toda e

ela lhe ensina as partes que ele não sabe. No meio do canto, ele pergunta “Beethoven

morreu?” muito intrigado e triste. Ela lhe pergunta quem lhe disse isso, se foi a professora do

Centro de Musicalização Infantil (de onde ele veio encaminhado por perturbar a turma com

sua hiperatividade). Ele não lhe responde e ela lhe diz que Beethoven morreu sim, mas que foi

há muito tempo. Ele pergunta por que ele morreu. Ela lhe diz que ele pegou uma chuva forte e

teve pneumonia, que seu pulmão ficou muito fraco e ele morreu. Ele pergunta se ele morreu

velhinho, ela lhe diz que ele já era grande. Ela lhe mostra um livro com a biografia de

Beethoven menino, ele lhe pede para lê-la, mostra interesse em ouvir mas não consegue

prestar atenção até o fim, enquanto ouve a história dedilha o teclado, mexe com outros

instrumentos e volta a lhe pedir “continua com Beethoven”. Ela lhe propõe tocarem

Beethoven a quatro mãos, se posicionam no teclado, ela conta até quatro e começa a tocar

“Ode à alegria” e ele toca junto, com as duas mãos, fazendo o ritmo corretamente, levantando

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as mãos nas pausas e esperando a hora certa de tocar. Ela aproveita que estão no teclado e

toca outra música, “Olha quem vem pra música hoje” e canta inserindo seus nomes, e depois

pergunta quem mais vem pra música e ele canta a canção com o nome de cada uma de suas

irmãs, esperando a hora de introduzir um novo nome. Ele tenta começar outras coisas, mas ela

o mantém 20 minutos em atividade no teclado. Na saída, ele pede para levar emprestado o

livro de Beethoven, ela deixa, mas ele lhe diz que sua irmã pequena vai rasgá-lo e o deixa

dizendo para ela lê-lo para ele de novo no outro dia. Ela lhe diz que todas as vezes em que ele

vier à Musicoterapia, o livro vai estar ali para eles lerem. Ela lhe pergunta se ele quer

apresentar para sua mãe as três canções que ensaiou hoje, “Fico assim sem você”, “Ode à

alegria” e “Olhe quem vem pra música hoje”, a mãe diz que estão atrasados, mas ele diz que

quer apresentar e ela imediatamente tranca o carro e se senta e fica ouvindo-o cantar e tocar,

muito envolvida e emocionada. Seu celular toca e ela não o atende.

A mãe de Gustavo vem sem ele, quer conversar com a musicoterapeuta, lhe traz

presentes, conta o que está passando, chora muito. A música “Fico assim sem você” está na

estante, a musicoterapeuta pega o violão e propõe cantarem juntas, ela canta com muito

envolvimento, diz que adora essa música, que o Gustavo tem esse CD em casa. A

musicoterapeuta lhe pergunta a quem ela dedica essa música, ela diz que dedica a ele, que tem

que se preparar para “ficar assim sem ele”. Pede para levar a letra da música para cantar em

casa e diz que gostou muito de ter vindo.

Sessão 16 – Semana de 06/08/07 a 10/08/07 (CMT16)

Alessandro chega cantando “Noite Feliz”, a musicoterapeuta comenta com ele que

ainda estão em agosto, longe do Natal, mas ele insiste em cantá-la e ela a toca. Depois ela toca

várias canções, relacionando-as à época do ano, lhe diz que agosto é o mês do folclore e toca

canções folclóricas. Ele canta algumas delas e, diante de outras, volta a cantar “Noite Feliz”.

Ela abre um método de músicas, passa as páginas com a mão dele, lhe mostra as ilustrações,

relaciona-as aos títulos das músicas, e escolhe e toca “Carnaval de Veneza”. Imediatamente

ele canta, muito alegre, a versão nacional “O meu chapéu tem três pontas”, e se mostra muito

feliz. Ela escolhe a canção “Oh, Minas Gerais”. Ele espera ela dar as duas partes de

introdução e entra no canto na hora certa. A musicoterapeuta faz várias vezes a mesma coisa

e, nas duas partes de introdução ele permanece calado, de prontidão, e entra exatamente na

hora do canto, demonstrando uma orientação temporal que não tem em nenhuma outra área de

sua vida. Ele canta o início de “A linda rosa juvenil” pondo sobre a melodia os fonemas que já

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pronuncia (“da di da do da du de di ...”). A musicoterapeuta toca a canção para ele. Ela o leva

até o aparelho do som, lhe explica que vai tocar um CD com arranjos de Villa-Lobos para

canções infantis, ele ouve e adora, fica movimentando a cabeça e as mãos no ritmo da música.

Gleisson traz sua flauta-doce para a sessão, mas não quer tocá-la. Pede para a

musicoterapeuta ler de novo o livro sobre Beethoven, ela lê e lhe mostra livros sobre outros

compositores, ele os olha interessado. Ela põe um CD com a “Sinfonia Heróica” de

Beethoven para tocar, ele ouve, gosta, mas ao mesmo tempo toca um pouquinho em vários

instrumentos musicais, pergunta o nome deles e descobre como fazem som. Eles dispõem os

tambores em círculo para tocar todos ao mesmo tempo e ele imediatamente se desinteressa da

atividade e pesquisa timbres no teclado. Lêem de novo a história de Beethoven. É tudo junto,

ele passa de uma atividade a outra, feliz, pedindo para levar para casa tudo que vê. Pega

vários instrumentos musicais e pergunta se eles são caros. Acha a gaita e consegue tocá-la

bem. A musicoterapeuta lhe ensina a posicionar as mãos na sua flauta-doce, tenta ensinar-lhe

a nota si mas ele não quer aprender. Vai para o teclado, ela lhe dá uma folha com o desenho

das teclas brancas e pretas e começa a lhe explicar o nome das notas, mas ele só quer

pesquisar sons. Ela estimula associações do tipo “e esse som, parece o quê” e ele responde

vagamente “bruxa” ou “buzina” e pede para ela tocar a música que ele ouviu no carro da irmã.

Ela lhe pede que a cante, ele canta, ela busca a letra na internet, imprime-a, mas ele não quer

mais cantá-la, quer tocar “Beethoven” e pesquisar timbres no teclado. A musicoterapeuta

procura uma pasta para lhe dar para organizar suas músicas, mas ela está rasgada e ele lhe

pergunta se ela é de quando a musicoterapeuta era pequena. Ele escolhe várias músicas, ela as

organiza na pasta, e ele se recusa a levá-la, diz que não a quer.

O pai de Gustavo o traz fora de seu dia e horário, a musicoterpeuta lhe pergunta o que

houve e ele diz “nós estamos loucos”. Ela atende o Gustavo e pede ao pai que participe da

sessão. O pai se interessa pelos instrumentos musicais e procura tocar trechos de canções

infantis. Em alguns momentos, ele esquece o Gustavo e fica tocando, se divertindo.

Paulo chega feliz, de volta das férias, se deita sobre o teclado e o toca com as orelhas,

com o queixo, com os cotovelos, com os braços e com as mãos, se divertindo. Produz um som

e fica quietinho sentindo sua vibração no corpo. De vez em quando dá gargalhadas.

Miguel está muito fechado hoje, tocando tambor com baquetas, sem olhar para a

musicoterapeuta e sem ouvi-la. Não interage no jogo “A vez de cada um tocar”, toca sem

parar, sem dar atenção às suas marcações de hora de tocar/hora de fazer silêncio. Ela tenta

pará-lo com aplausos, mas hoje nem isso, que ele adora, funciona.

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Sessão 17 – Semana de 13/08/07 a 17/08/07 (CMT17)

Alessandro se lembra de que começou a fazer isso em outra sessão e canta as canções

inserindo sua marca “deguedê deguedê” no final de todas elas.

Felipe traz à sessão um casal de tios, irmãos de sua mãe. Ele concentra-se em tocar o

teclado e pára de balançar a perna (sua mãe tem o mesmo movimento estereotipado quando

está insegura). Sua mãe e sua tia abrem um caderno com letras de composições de uma outra

irmã delas e as cantam. A tia comenta que tem várias fitas com gravações do Felipe falando e

cantando, em várias idades. É notável o envolvimento da família com ele, que é adotivo.

Gleisson vai direto ao teclado, liga-o e toca misturando timbres e baterias. Não

compreende os botões de controle, aperta e vê o que acontece. Tem manifestado interesse no

teclado, mas por pouco tempo. Em meio à pesquisa de timbres, larga o teclado e diz “quero ir

embora”, ela lhe mostra o relógio e diz que eles vão descobrir uma coisa legal para fazer até

às quatro horas. Ele vê o jogo “A grande orquestra” sobre a mesa, acha-o bonito e eles o

jogam. Ele reconhece no tabuleiro do jogo os instrumentos musicais que tem na sala e vai

dizendo “igual o nosso”, reconhecendo-os como dele. Consegue ler as fichas porque elas têm

desenhos e números. Joga seguindo as regras do jogo por 23 minutos. No meio da quarta

partida ele sai sem aviso da mesa e começa a tocar teclado. Ela lhe diz para guardar o jogo e

ele o guarda e se senta de novo no teclado e continua apertando botões e pesquisando timbres.

Gustavo apresenta pouca tonicidade (teve 15 crises pequenas à noite), está atento a

tudo, olha para a musicoterapeuta para mostrar que reconhece quando ela toca uma música

nova. Ela o coloca para tocar piano, para estimular que ele faça força com as mãos, e ele toca

com as duas mãos, aos lapsos, pára, olha em volta, passa a mão no piano, toca mais. Ela o

mantém sentado ao piano, porque ele está caindo sem aviso. Traz o tambor para perto dele e

ele o toca com força suficiente para produzir som, também aos lapsos, toca um pouco, pára,

olha, passa a mão no tambor. O pai está muito assustado com as crises da noite e com medo

da médica aumentar os medicamentos e deixar o Gustavo muito sedado.

Paulo tenta ficar deitado no chão, mas a musicoterapeuta insiste e ele fica de pé e toca

teclado e tambor e caminha empurrando o tambor ao som da canção “Marcha soldado”. A

babá relata uma briga que houve no prédio deles e ele pára de tocar e olha para baixo,

aparenta tristeza. A musicoterapeuta reflete com ele sobre ele ficar triste com as brigas e

relaciona a tristeza com as músicas que ele acha tristes e bonitas e toca “Corujinha”, “Nesta

rua” e “Tanto que chorei”, canções em tonalidade menor. Ele ouve quietinho, com os olhos

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cheios de lágrimas. Ela pára de tocar e ele olha para ela, esperando que ela continue,

mostrando que a música mexe com sua emoção mas que ele quer ter contato com a emoção.

Miguel chega sem baquetas, porque seu pai lhe proibiu trazê-las, para que ele não

repita aqui o movimento estereotipado que faz em casa o dia inteiro, tocando indefinidamente

a mesma marcação rítmica. Ele pega as baquetas da sala e começa a tocar estereotipadamente,

a musicoterapeuta aplaude e ele não resiste e pára e ri, reconhecendo o aplauso como o fim da

música, e faz um gran finale e pára de tocar. Recomeça a tocar, ela aplaude de novo e ele

repete toda a seqüência, várias vezes. Ele se vê refletido na tela da TV e se movimenta para se

ver refletido de vários ângulos. Ela canta e toca uma canção nova, “Tanto que chorei”, e ele a

acompanha no tambor durante toda a canção. Ela explica à sua mãe que com isso ele aumenta

seu repertório e amplia seu mundo limitado pela insegurança que as perdas psicomotoras lhe

causam. Ao fim de cada vez que cantam a música, ela o aplaude e ele mostra alegria e quer

tocar de novo. Pela primeira vez, ele bate com as baquetas em si mesmo, machuca o dedo e

reclama (tem excelente domínio das baquetas, o que não demonstra em outras áreas

psicomotoras). Pede para colorir a folha da música nova, tem dificuldade em pegar o lápis de

cor, espalha todos eles entre ele e o papel e não consegue chegar ao papel nem reorganizar os

materiais sobre a mesa (afastando os lápis ou buscando o papel ou mudando-se de lugar pra

alcançar a folha). Mostra grande dificuldade de orientação espacial no trabalho gráfico (ao

contrário do que faz no trabalho musical, quando dispõe muitos instrumentos em posições em

que pode sentar-se ao centro deles e tocar todos, e faz isso sem estar entre os instrumentos,

dominando a organização simbólica deles). A musicoterapeuta diz que está na hora de ir

embora, ele corre para o tambor e começa a tocá-lo e não quer ir embora.

Sessão 18 – Semana de 20/08/07 a 24/08/07 (CMT18)

Alessandro e a musicoterapeuta cantam junto/alternado, muito interativos. Ela a olha

de frente, ligado nela. Seu pai presenteia a musicoterapeuta.

Felipe senta-se ao teclado e toca, sua mãe fala baixinho com a musicoterapeuta, para

ele não escutar, sobre um problema em que ele se meteu na escola, e a musicoterapeuta diz a

ele que estão falando sobre ele, lhe pergunta se ele quer participar da conversa como

adolescente ou se quer se manter à parte como criança, porque aos 16 anos ele pode escolher

o que quer ser, e reforça o convite lhe lembrando que ele tem escolhido cantar e tocar músicas

de adulto, e ele participa da conversa e depois toca mais um pouco de teclado.

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Gleisson traz para a sessão uma viola que pertenceu a um músico famoso, amigo da

família, que o deixou para seu pai. A musicoterapeuta o ajuda a tocar nela e lhe mostra as

semelhanças e diferenças entre ela e outros instrumentos de corda que ele conhece, como o

violão, o cavaquinho e o bandolim. Ela lhe pergunta se ele se lembra do músico e ele diz que

não. Eles procuram na internet e acham sua biografia, ele lê que o músico morreu com câncer

no pulmão e diz “no pulmão, igual o Beethoven?”. A musicoterapeuta imprime uma biografia

pequena do músico com sua foto e ele a coloca na sua Pasta de Música.

Gustavo não vem, seu pai telefona pedindo para trazê-lo em outro dia.

Adriana morde a musicoterapeuta e a mãe, talvez mais atenta à própria boca por estar

tomando remédio para diminuir a baba. Paulo está alegre, toca teclado e pandeiro. A

musicoterapeuta canta com eles a canção “Adivinhas”, eles tocam junto. Não conseguem

desvendar as adivinhações que a letra propõe, mas os cuidadores se envolvem e se divertem.

Sessão 19 – Semana de 27/08/07 a 31/08/07 (CMT19)

Alessandro chega cantando “Alecrim”, a musicoterapeuta a toca e eles a cantam. Ela

se posiciona entre ele e Gustavo ao piano. Os três cantam muitas vezes a canção, fazem

variações de andamento, Alessandro se diverte. A musicoterapeuta varia a intensidade,

Alessandro tenta acertar, mas não percebe ou não sabe reproduzir variações de intensidade.

Ele olha muito para o Gustavo, se diverte cantando com ele. Gustavo está mais firme e ela faz

atividades variando sua posição entre sentado e de pé. Gustavo toca espontaneamente

pandeiro e piano. Ela imprimiu a canção “Bandinha” com uma foto deles tocando tambor,

Gustavo pega sua folha, Alessandro recusa a dele, empurra-a de volta para ela. O pai de

Alessandro dá de presente à musicoterapeuta um DVD com canções católicas e lhe diz que é

um presente para ela, mas que também vai servir para ela aprender as músicas de que o

Alessandro gosta. A mãe do Gustavo diz à musicoterapeuta que a escola não quer acolhê-lo,

chora e diz que ele vai continuar em casa, sem estímulo, “logo ele que gosta tanto de estar

com outras crianças”, e que o único estímulo que ele tem atualmente é a Musicoterapia.

Felipe não quis vir à sessão e sua mãe vem sozinha, sem consultar nem avisar à

musicoterapeuta, diz que quer aprender a tocar violão, a musicoterapeuta lhe dá músicas

antigas de que ela gosta e lhe ensina as posições e ela toca. A mãe diz que, depois que Felipe

começou com a Musicoterapia, ela comprou um violão baratinho para as filhas aprenderem a

tocar, mas agora que está aprendendo violão, ela percebe como o instrumento delas é ruim e

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quer comprar um melhor. A musicoterapeuta liga para uma loja de instrumentos musicais e a

informa sobre preços de violão. Ela diz que vai lá comprar ainda nessa semana.

Sessão 20 – Semana de 03/09/07 a 07/09/07 (CMT20)

Felipe toca com postura ruim, a musicoterapeuta o filma tocando e lhe mostra o filme

e ele se endireita. Sua mãe diz que esse é seu melhor ano, que ele não teve ocorrência grave

na escola e está bem em todas as disciplinas. Ela diz que, quando toca violão, tem vontade de

comprar um violão bom. Felipe quer mudar o horário das sessões de musicoterapia e a

musicoterapeuta exige que ele lhe ligue confirmando a troca, e não a mãe, porque ele já é

adolescente.

Gleisson encontra Wanessa e a musicoterapeuta faz com os dois a brincadeira de tocar

alternando trechos de duas músicas ao piano (“Nona Sinfonia” de Beethoven e “A primavera”

de Vivaldi), para eles a acompanharem com dois instrumentos musicais diferentes (pandeiro

na primeira música e guizo na outra). Eles adoram. Ela faz a brincadeira de cantar as músicas

dos bichinhos desenhados no “cubo dos bichinhos”, um cubo de espuma com um guizo

dentro, revestido com tecido ilustrado por um bichinho em cada face (urso-leão-pato-coelho-

peixe-elefante). Jogam o cubo para cima e têm que cantar uma música sobre o bichinho que

cair para cima. Quando não sabe uma música, ele inventa uma imediatamente. Quando

Wanessa sai, ele pergunta à musicoterapeuta se vai encontrá-la todo dia e pergunta também

pela Luzia, que encontra quando chega cedo para sua sessão. As duas são bem mais velhas

que ele e a musicoterapeuta lhe pergunta se quer mudar de horário para ficar com meninos de

sua idade e ele responde que não (quando eles chegam para o horário seguinte, ele junta suas

coisas e sai correndo sem cumprimentá-los e se recusa a ficar para a sessão com eles). Ele

trouxe quatro carrinhos pequenos e quer brincar com eles, e a musicoterapeuta propõe que

eles façam uma corrida e estabelece a música de esperar e a música de correr, e repetem a

brincadeira umas vinte vezes, ele fazendo as músicas direitinho. Ela vai anotando com ele

quantas vezes cada carrinho é campeão, mas ele parece não compreender os números.

Gustavo está com pouca tonicidade, mas atento, olhando para a musicoterapeuta para

mostrar que percebe quando ela começa a tocar uma música nova. Ela toca um pout-pourri de

canções infantis no aparelho de som e ele percebe todas as músicas. Ele toca tambor e piano

espontaneamente e se diverte com brincadeiras simples que ela faz tocando piano.

Miguel está atento à musicoterapeuta, toca pandeiro com as mãos e canta os finais de

frase, sob estímulo. Sua mãe pede à musicoterapeuta uma música bem fácil, a

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musicoterapeuta lhe dá algumas explicações e ela a toca ao piano. A musicoterapeuta chama a

atenção do Miguel para o fato de que sua mãe está tocando piano.

André, Artur, Felipe, João e Léo perguntam se podem ouvir suas bandas prediletas,

System of Down, Red Hot Chilli Pepper, Linkin Park e Children of Boddom, e dizem que tem

um clipe no You Tube com esta última banda tocando Vivaldi. A musicoterapeuta acessa o

clipe, eles o ouvem dramatizando que estão tocando. Ela pega um livro e pede que cada um vá

lendo um trecho da biografia de Vivaldi, e eles o acham muito doido e fazem perguntas sobre

o que vão lendo.

Sessão 21 – Semana de 10/09/07 a 14/09/07 (CMT21)

Alessandro chega cantando “É o amor”, a musicoterapeuta a toca, cantam a música

durante a sessão inteira, ele mantém contato visual com ela e mostra alegria em cantar a

mesma música muitas vezes. Quando ela pára de tocar ele põe suas mãos de volta no piano, o

tempo todo ligado nela. Canta pronunciando novos fonemas. No final da sessão, ela folheia

um livro com canções folclóricas norteamericanas e ensina algumas para ele, e ele as canta.

Seu pai dá um presente à musicoterapeuta e lhe pergunta se ela ouviu o DVD dos padres.

Gleisson pergunta pela Wanessa, fica chateado por ela não estar e reclama de ficar

sozinho. A musicoterapeuta lhe pergunta se quer vir no horário com os meninos que ele já

conhece e ele diz que não. Ela o direciona ao teclado e ele o toca durante 60 minutos, e não

quer sair no final da sessão. Lembra-se da brincadeira dos carrinhos na semana passada e, pela

primeira vez, planeja o que fazer na próxima sessão, pergunta em que dia vai voltar e combina

que vai trazer os carrinhos para refazer a brincadeira de ter música para esperar e música para

correr. A musicoterapeuta lhe mostra o “Jogo dos grandes compositores” que fez a partir da

foto de Beethoven que eles imprimiram numa sessão passada. Ela lhe mostra 14 pares de

cartas com fotos/nomes dos compositores para eles formarem pares, mas ele não se interessa

pelo jogo, espalha as cartelas, separa a foto de Beethoven e diz “esse é o Beethoven”. A

musicoterapeuta lhe propõe jogar ouvindo a música de cada compositor mas ele não quer.

Gustavo chega muito fraco, não consegue ficar de pé, e a musicoterapeuta o posiciona

sentado ao piano. De vez em quando ele tenta se levantar mas não consegue. Ela lhe dá o

cubo dos bichinhos, e o joga para cima e diz que eles têm que cantar uma canção daquele

bichinho, e ele fica olhando para ela. Ela canta a música de cada bichinho e ele se movimenta

no ritmo do canto. Depois, ele pega o cubo e o coloca sobre as teclas do piano e inventa um

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jeito de tocar apertando o cubo sobre as teclas do piano, e toca assim muito tempo, porque faz

pouco esforço e o cubo potencializa sua força.

Miguel traz um pandeiro novo, profissional, pesado, que sua mãe lhe comprou. Não

traz mais baquetas. A mãe traz um CD com músicas gospel (que ele já ouve sempre em casa)

para ele ouvir na sessão. A musicoterapeuta põe o CD para tocar e toca as músicas ao piano.

Miguel larga seu pandeiro e pega o da sala, mais leve, e o toca estereotipadamente, sem

prestar atenção ao ritmo ouvido. Ela toca cada faixa do CD, chama sua atenção para ouvir a

música, desliga o som e ficam em silêncio. Ouvem todo o CD assim, abaixando o volume e

ele chegando cada vez mais perto do aparelho e prestando mais atenção. A musicoterapeuta

escolhe a única canção em português do CD e a tocam, ela ao piano e ele ao pandeiro.

Felipe pede para a musicoterapeuta lhe ensinar a tocar “Planeta Água”, ela escreve as

notas para ele em sílabas, porque ele não quer aprender a notação convencional. Ele diz que a

música é difícil, ela lhe diz que as músicas de criança é que são fáceis, que músicas de adulto

requerem esforço de adulto, e ele toca quase toda a música. Ele mostra incômodo por sua mãe

estar tentando tocar a mesma música ao violão, a musicoterapeuta abre a discussão e a mãe

propõe à musioterapeuta ter seu próprio horário para ter aulas de violão.

Eric está desanimado, a musicoterapeuta distribui guizos e chocalhos a todos, toca ao

piano “Oh, Suzana”, uma de suas músicas preferidas, e propõe que todos a acompanhem

tocando guizos e depois toca “Marcha Soldado” e diz ao grupo para acompanhá-la tocando

chocalhos. Eric toca seu guizão, construído pela musicoterapeuta para adaptar-se aos

movimentos que ele consegue fazer. Ela alterna trechos das duas músicas, e eles vão trocando

de instrumentos para acompanhá-las. Eric movimenta a cabeça, alterna o olhar entre ela e a

enfermeira, e seu riso e expressão surpreendem a todos na sessão, pois ele não costuma se

manifestar com tantos movimentos, mesmo em outros momentos em que suas músicas

preferidas são interpretadas.

Fred aperta as teclas no piano e diz que é uma buzina. A musicoterapeuta faz uma

música que diz que ele está buzinando seu carro, ele a acompanha marcando o ritmo no piano.

Jonathan faz sons vocais e diz que é o urso. A musicoterapeuta faz uma canção que

fala que ele vai brincar com o urso que faz aquele som, e os dois imitam o som do urso.

Após sua sessão, André, Artur, Felipe, João e Léo pedem à garota do horário seguinte

para tocarem com ela, ela deixa e eles ficam tocando na maior alegria, procurando

acompanhar as músicas que ela toca. Ao fim do horário dela, pedem à próxima cliente, que os

deixe tocar com ela. No fim desta sessão, pedem para ficar um pouquinho com o violão na

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calçada, e quando a musicoterapeuta vai buscá-lo, eles estão tocando com uma moça que

mora em frente à clínica, e dizem que estão fazendo curso intensivo de música.

Grupo 2 – Sala de Medicação Infantil do Hospital Borges da Costa (SMI)

Sessão 1 – SEG 23/04/07 (SMI1)

A musicoterapeuta traz violão, teclado e instrumentos de percussão, cumprimenta as

crianças/adolescentes e cuidadores. Todos as recebem bem, desligam a TV e se dispõem a

cantar e a tocar, dizendo que “música sempre é bom”. A mãe de Amanda diz “estas são nossas

pequenas grandes crianças, elas não crescem mas são grandes”.

A musicoterapeuta diz que está aqui para cantar e tocar o que as crianças/adolescentes

e cuidadores quiserem. Pergunta “que música vamos cantar primeiro?”, ninguém responde. A

mãe da Giovanna pergunta “qual que você quer cantar?” A musicoterapeuta distribui uma

folha com canções folclóricas infantis ilustradas, e dá lápis de cor às crianças. As mães da

Giovanna e da Amanda começam a cantar as canções logo que pegam a folha, antes da

musicoterapeuta tocar. A musicoterapeuta ensina a todos exercícios de aquecimento vocal,

explica que são para proteção das cordas vocais, e as mães os fazem prestando atenção. Bruna

diz que fica alegre porque agora vai ter música.

A musicoterapeuta distribui os instrumentos musicais, todos escolhem algum, a mãe

do Robert fala “dá pra ele esse mais leve, que esse pesado ele não agüenta”, ele pede o violão

e o sustenta. A mãe de Samuel pede para a musicoterapeuta tocar “Em nome do pai” para o

Samuel, ela toca e todos cantam. Cantam todas as canções da folha. Além das cinco macas

com as crianças listadas para a pesquisa, há mais cinco macas, ocupadas por outras

crianças/adolescentes e adultos, e todos participam. Uma senhora pede para a musicoterapeuta

tocar e cantar “Alguém me disse”, todos acompanham cantando e ela chora. A

musicoterapeuta pergunta a quem ela oferece a música e ela aponta uma enfermeira.

A mãe de Giovanna sabe cantar tudo que alguém sugere, a musicoterapeuta comenta

isso e ela diz que gosta de músicas evangélicas, que tem os CDs “Diante do trono infantil” e

uma das músicas fala sobre criança especial. Ela comenta surpresa como a Giovanna, que fica

sempre deitada e de olhos fechados, mudou a postura, se endireitou, se sentou na cadeira para

tocar o instrumento musical e participou das atividades de Musicoterapia sentada na maca.

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Sessão 2 – SEG 30/04/07 (SMI2)

A musicoterapeuta pergunta se alguém toca violão e Tiago diz que toca. A

musicoterapeuta distribui uma folha com a letra da canção “A casa”. Todas as mães e Bruna

cantam. Robert e Samuel prestam atenção. A mãe de Giovanna fala sobre como as casas

devem ser. Alguém comenta que o canto hoje está sem graça, a musicoterapeuta pergunta se é

porque não distribuiu os instrumentos musicais, pára o canto e oferece os instrumentos, de

maca em maca. Cada mãe escolhe, imediatamente, um instrumento para si e um para sua

criança. Cantam “A casa” de novo, agora todos tocam instrumentos, menos Tiago.

Uma senhora e uma criança chegam à porta da sala, pedem uma folha com a música e

pedem para participar da atividade, a menina lê a folha, a mulher parece não saber ler, canta

“Chico Mineiro” sem olhar para a folha. Samuel pega um instrumento e o toca. Robert

pesquisa o som de vários instrumentos, escolhe o teclado e o toca enquanto almoça. Uma

paciente adulta acompanha a música batendo seu ritmo com o pé. A mãe do Samuel sai de sua

maca e vai até a maca do Robert ajudá-lo a tocar teclado. A musicoterapeuta toca “A canoa

virou”, cantam cada vez com o nome de uma criança, e, no fim, a musicoterapeuta pergunta à

sua mãe “se você fosse um peixinho e soubesse nadar, de que mar você tiraria ... (nome da

criança)?” As mães respondem timidamente “não sei”, “do mar do Espírito Santo”, “não gosto

de água”, “tenho medo de mar”. Samuel quer ir embora, tenta arrancar a agulha do braço, sua

mãe diz que só falta uma hora, explica à musicoterapeuta que “normalmente eles ficam

pedindo para ir embora”, e pergunta “será que com música eles vão parar de pedir?”.

A musicoterapeuta toca “A moda das tais anquinhas”, todos cantam, a mãe da Bruna

faz os gestos, a mãe da Giovanna diz que sabe a melodia com outra letra e a canta. A

musicoterapeuta diz que isso acontece com a canção folclórica, que se espalha por meio oral.

A musicoterapeuta pergunta “agora vamos cantar com o nome de quem?”, uma mãe

diz “da Cláudia”. Tem duas Cláudias na sala, as duas se posicionam imediatamente sentadas

na maca e fazem os gestos pedidos pela letra da canção. Samuel, irritado, pede para ir embora.

A musicoterapeuta lhe oferece uma flauta e ele a lança ao chão, Robert pede a flauta. A mãe

da Bruna leva os instrumentos ao Samuel, tenta acalmá-lo, demonstra o som de cada um.

Um paciente adulto escolhe “Chico Mineiro”, a musicoterapeuta toca e todas as mães

cantam e ajudam suas crianças a tocar os instrumentos no ritmo. A mãe do Samuel diz “essa

música é linda, né? Vamos ‘Menino da Porteira’?”. A mãe de Bruna responde “bora” e

começa a cantar. A musicoterapeuta acompanha ao violão e todos cantam. Samuel grita

“pára”, sua mãe explica que ele está nervoso porque quer ir embora, a musicoterapeuta lhe

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pede que escolha uma música e ele grita “não quero”. Robert aproveita e diz “eu quero”, e

pede “Atirei o pau no gato” que todos começam a cantar antes da musicoterapeuta tocar.

A mãe da Bruna canta baixinho “Não aprendi dizer adeus” e todos a acompanham. A

musicoterapeuta chama a atenção deles para a letra da música e diz que a música serve para a

gente dizer cantando o que não consegue dizer com palavras, e reflete com eles sobre como,

em alguns momentos da vida, a gente tem que aprender a dizer adeus, e os adultos comentam

casos de perda do pai ou da mãe, mas nenhum se refere à possibilidade de ter que dizer adeus

aos doentes graves que estão ali na sala. Robert pergunta à sua mãe porque a folha com

canções sertanejas não tem desenho para colorir, lembrando da atividade da sessão anterior.

Giovanna é desligada da máquina e sua mãe busca em sua mochila um livrinho com

canções da Xuxa e canta “Vamos brincar de índio”, “Doce mel” e “Ilariê”, junto com outras

mães. A mãe de Bruna sai da maca e fica de pé, dançando “Ilariê”. A musicoterapeuta lhe diz

para dançar para todos, no meio da sala, e ela vai. Tiago tamborila o ritmo com os dedos sobre

o livro. A mãe de Giovanna a põe no colo, a leva para o meio da sala, e dança movimentando

alternadamente as pernas e braços da menina. Tiago larga o livro e fica olhando e rindo.

As outras mães conversam sobre a Xuxa. Samuel grita “sai daqui”. A musicoterapeuta

propõe uma “música de menino” e canta “Power Rangers”, a mãe de Giovanna conhece todas

as músicas e canta junto, Samuel diz que não quer. Sua madrinha chega e diz “a única música

que o Samuel canta sem parar é ‘boi boi boi’” e a musicoterapeuta toca “Boi da cara preta” e

todos cantam enquanto ele tenta tirar a agulha do braço. A musicoterapeuta pergunta “Samuel,

quem que o boi vai pegar?”, ele faz cara de bravo e sua mãe responde “a tia Lu”.

Bruna toca teclado e sorri. A musicoterapeuta pergunta a Tiago de que gênero musical

ele gosta, ele diz “rock”, ela pergunta “que rock?”, ele diz “toca uma dos Beatles, então”, a

musicoterapeuta toca e canta “All my loving”, a mãe de Giovanna dança. Tiago diz que só

volta daqui a dois meses, a mãe de Samuel diz “até lá a gente aprende a cantar até em inglês”.

A musicoterapeuta dá o violão a ele, ele diz “acho que não posso tocar, talvez o movimento

atrapalhe a entrada do medicamento”. A musicoterapeuta pergunta à enfermeira, ela diz que

pode, cuidando para não soltar a agulha do braço, ele experimenta e diz “não vou saber nada

de cor, não”, a mãe do Robert diz à musicoterapeuta “empresta pra ele suas folhas com essas

letrinhas” (cifras de acordes para violão), ela passa as folhas para ele, mas só tem canções

infantis e sertanejas, ele escolhe e toca “Não aprendi dizer adeus”, marca o ritmo com o pé, as

mães cantam e a mãe de Bruna fica de pé e dança, e pergunta “vocês vão voltar amanhã?”.

A música acaba e Tiago continua dedilhando o violão, a musicoterapeuta diz que ele

está convocado a participar da Musicoterapia toda semana e ele diz “vou ser estagiário”. As

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mães pedem “Menino da porteira” e ele toca, as mães cantam e Bruna dedilha o teclado junto,

tocando as teclas ao acaso mas começando e acabando as frases no tempo certo. Cantando, a

mãe do Robert se levanta e oferece biscoitos de maca em maca. A mãe de Samuel diz que sua

família é de violeiros, seus pais tocam violão e cavaquinho e tocam essa canção, e que seu pai

“tocava no Caxangá” (programa de músicas sertanejas no rádio). A mãe de Giovanna diz

“você é da linhagem”. A mãe do Luiz diz “essa música fica legal com sanfona”.

Bruna é desligada da máquina, sua mãe a pega no colo e a traz para despedir-se da

musicoterapeuta com um beijo. A mãe também a beija e diz que vão demorar a voltar, então a

musicoterapeuta lhes dá outra folha com canções, para elas treinarem em casa. Uma paciente

adulta começa a cantarolar “eu quero tudo de novo”, Tiago diz que não conhece a canção e

continua dedilhando o violão. Samuel mostra à madrinha a folha com as letras das canções, já

envolvido com a atividade e aparentando melhor humor. A musicoterapeuta começa a cantar

uma das canções infantis da folha e Tiago a toca ao violão. As mães pedem para repetir a

canção que elas não conhecem, para elas aprenderem.

Robert é desligado da máquina e vem para perto da musicoterapeuta e de Tiago. A

mãe de Robert diz “se não estivesse esse tempo de chuva, eu ficaria mais com ele”. As mães

do Luiz e da Giovanna começam a cantar uma música da folha, Tiago as acompanha ao

violão. A musicoterapeuta pergunta “essas duas músicas estão no papo?” A mãe da Giovanna

diz “estão no papo, agora vamos à terceira” e começa a cantar e Tiago toca. Uma paciente

adulta agradece e se despede da musicoterapeuta.

Tiago dedilha uma música da banda “Metallica”, a musicoterapeuta a reconhece e

comenta com ele, ele pergunta “é só nas segundas-feiras que vocês fazem isso?”. A mãe da

Giovana sugere “Era um garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones”, Tiago diz “em

português não dá”. A mãe do Samuel concilia “toca um Beatles”, Tiago diz “de cor não vai

sair”. As mães do Luiz e da Giovanna sugerem “toca do John Lennon”, Tiago pergunta

“vocês sabem aquela do Armandinho?” A musicoterapeuta acha que é o Armandinho do trio

elétrico de Dodô e Osmar e faz passo de frevo, mas ele explica que não, que é o Armandinho

da música “Desenho de Deus”, que tem tocado muito no rádio, a mãe do Luiz respira fundo,

satisfeita, diz “ah!” e todos cantam.

A mãe da Giovanna pede “aquela do Toquinho”, a musicoterapeuta diz “Aquarela”

mas Tiago não lhe dá resposta e toca uma dos Beatles, que todos cantam com lá-lá-lá e uns

poucos trechos em inglês lembrados pelas mães de Luiz e Giovanna. A musicoterapeuta

sugere Tribalistas, a mãe de Giovanna diz “eu gosto é de Legião, essas outras eu não conheço,

agora eu canto mais é música evangélica”, mas a musicoterapeuta ensina a Tiago as posições

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e ele toca “Velha Infância”, com ótimo ritmo, a mão direita muito hábil. A mãe da Giovanna

percebe que a enfermeira está cantarolando e diz “canta mais alto, enfermeira, que a gente não

sabe”. A musicoterapeuta vai até ela e lhe entrega a folha com as letras das músicas.

A musicoterapeuta redistribui instrumentos musicais para as mães e elas fazem a

percussão da música. Samuel e a mãe descobrem um jeito de tocar clavas, cada um segurando

uma clava e batendo na do outro (Samuel tem a mão direita presa à máquina) e tocam

brincando e rindo. Giovanna pega o chocalho e consegue tocá-lo. Samuel é desligado da

máquina e diz “vamos embora”, A musicoterapeuta pede um beijo, ele lhe dá e ri.

A musicoterapeuta anuncia “gente, agora toda segunda-feira o Tiago vem pra tocar”,

ele responde “ah, se eu pudesse...”. A musicoterapeuta diz “ele agora não é mais paciente, é

estagiário”. Ele fala sobre si, as mães entram na conversa. Todas as crianças são desligadas

das máquinas e trazidas pelas mães para dar um beijo de despedida na musicoterapeuta. As

mães perguntam se podem levar as letras pra cantar em casa e as levam.

As mães de Giovanna e Amanda ficam conversando com a musicoterapeuta, dizem

que foram a um show da Carla Perez e pegaram na mão dela.

Sessão 3 – SEG 07/05/07 (SMI3)

Os pacientes da pesquisa não compareceram à sessão porque houve alteração no dia da

medicação. A musicoterapeuta é requisitada pelos outros pacientes a fazer a sessão de

musicoterapia com eles e a faz, mas como ela ainda não havia decidido acolhê-los na pesquisa

e não tinha autorização deles, não foram feitas anotações desta sessão.

Sessão 4 – SEG 14/05/07 (SMI4)

A mãe de Amanda ensina costura às outras mães e todas estão envolvidas. A

musicoterapeuta distribui os instrumentos musicais às crianças, e lhes dá a folha com a música

“A Pulga” (de Toquinho e Vinícius). As mães comentam o desenho da pulga e se ajeitam para

cantar, colorir e costurar ao mesmo tempo; não querem abrir mão de nenhuma das atividades.

A musicoterapeuta faz o concurso da pulga mais colorida. Luiz tem dificuldades

motoras para pegar e guardar o lápis de cor. Ele e Vítor se esforçam, colorem a folha inteira.

As mães de Amanda, Giovanna, Robert e Samuel colorem as folhas dos filhos.

A musicoterapeuta vai de maca em maca, com o violão, pára em frente a cada criança

e toca para ela a música “A pulga” e outras músicas de sua preferência. Todas as crianças

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param e prestam atenção a ela. Amanda movimenta a mão ao acaso e bate no teclado, ouve o

som e se vira para procurá-lo, acha o teclado e tenta segurá-lo. Giovanna dorme toda a sessão.

Luiz colore todas as cifras e pautas de azul, e o resto da folha de verde, sem dar

atenção especial ao desenho da pulga. Hoje, excepcionalmente, ele está de excelente humor.

Acaba de colorir e fica deitado olhando para o desenho da pulga, com a expressão feliz.

O enfermeiro tem muita dificuldade para pegar a veia de Robert, que chora e puxa o

braço. A musicoterapeuta lhe dá a folha com a música, comenta com ele a ilustração da pulga

com dentão, canta a música, ele não resiste, vai parando de chorar e presta atenção à música.

Ri, alternando o olhar entre ela e o violão. Ela canta uma música-brincadeira que diz que a

bruxa vai pegar o Robert se ele não cumprir determinados comandos (mostrar a língua, tocar

o chocalho) e ele demora a entender os comandos, não consegue realizar todos, mas tenta, fica

rindo, se diverte, os olhos fixos nela. Os dois cantam “O rei Felipe VII” e ele se diverte.

Samuel está de muito bom humor, canta, toca e ri.

Vítor, que não está recebendo medicação e não está ligado à máquina, pede “a folha da

pulga” para colorir e circula entre as crianças/adolescentes, participando ativamente. Pede à

musicoterapeuta para lhe ensinar a letra da canção, de pedaço em pedaço, lê a letra e aprende

a pronúncia da palavra em alemão. As outras crianças olham e riem.

Uma senhora entra na sala, canta, sai para seu atendimento e volta para cantar mais.

Sessão 5 – SEG 21/05/07 (SMI5)

As mães olham roupas que uma delas faz. A musicoterapeuta canta e toca violão

diante da maca de cada criança, e elas ficam com os olhos fixos nela, rindo. Pacientes da

oncologia, que vêm em outros dias da semana, dizem que devia ter música todo dia.

Robert tem perda auditiva e fica de olho na musicoterapeuta tocando diante de sua

maca. Fica muito tempo concentrado colorindo a folha dele e a de todos os colegas. Abre a

pasta da musicoterapeuta e pede outra folha. A mãe do Samuel conta que levou a folha para

ensaiar na casa de sua irmã e toda a família cantou a música.

As máquinas disparam o tempo todo, os enfermeiros correm pela sala. Uma criança

conta que fez 10 anos ontem e todos cantam “Parabéns pra você”. As mães falam as datas de

aniversário dos filhos. Amanda, que não fala, reclama quando a musicoterapeuta pára de

cantar, fica fazendo sons vocais, a musicoterapeuta retoma o canto e ela pára e fica olhando.

Robert colore. Samuel joga tudo no chão, quebra os instrumentos musicais, sua mãe recolhe

os pedaços pelo chão e as outras mães a ajudam.

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Giovanna não recebe medicação porque está gripada, sua mãe fica com ela na sala,

participando da sessão de musicoterapia perto do Robert. Ela mostra alegria por vê-lo. Sua

mãe explica que, antes da Musicoterapia, as crianças ficavam sem se ver durante semanas,

mesmo estando lado a lado nas macas, porque ficavam dormindo.

Ana e Dionatha ficam de olho na musicoterapeuta, escolhem instrumentos musicais e

os tocam. Robert trouxe uma flauta que ganhou de presente numa festa. Sua mãe diz que ele

não queria vir e ela lhe falou que tinha música e ele veio. A musicoterapeuta lhe ensina a

segurar a flauta e a fazer a nota si, e desenha sua posição para ele e fala para sua mãe que ele

pode levar adiante o aprendizado da flauta. Todos solfejam as notas musicais.

Samuel está zangado, joga tudo fora. Sua mãe diz que ele é sempre zangado em casa,

que aqui fica dorme por causa do antialérgico que dão junto com a enzima, depois desperta e

é só grosseria. Enfermeiros medem saturação de oxigênio, pressão, febre e batimento cardíaco

na chegada e na saída. A musicoterapeuta diz às mães que uma outra pesquisa pode

acompanhar a evolução desses dados antes e depois da Musicoterapia, mas que não é esse o

objetivo dessa pesquisa, cujo foco é o recurso musical.

Cantam uma música infantil conhecida de todos e a mãe de Amanda e de Robert falam

que saiu legal porque eles já sabiam a música. A musicoterapeuta fala que as músicas novas a

gente aprende, e que vai mesclar novas e conhecidas. Dionatha grita pedindo para escolher a

próxima música. Cantam músicas infantis, com o nome de cada pessoa. Cantam “Fui na fonte

do Itororó” brincando de cada nomeado escolher o próximo nome a ser cantado.

A musicoterapeuta ensina a canção “Perdi meu anel no mar”, que ninguém conhece, e

fala sobre sua compositora. Os pais de Ana perguntam à musicoterapeuta onde comprar o CD

e lhe pedem mais indicações de música.

Dionatha fala que vai ensinar a música do Davi e Golias, mas fica com vergonha. A

mãe de Giovanna diz que vai ajudá-lo e canta uma música que fala de Davi e Golias, mas não

é a mesma. A musicoterapeuta toca a música e todos a cantam, fazendo os gestos (“quando o

espírito de Deus se move em mim eu canto/danço/ pulo como o rei Davi”). A musicoterapeuta

diz que na Musicoterapia podem-se cantar canções de todas as religiões. Não era essa a

música do Dionatha e no banheiro ele a ensaia com a mãe, mas não a canta para o grupo.

Robert está com muito sono, mas percebe que a sessão está acabando e pede “ô tia,

canta mais!”. A musicoterapeuta propõe a brincadeira do “Sapo não lava o pé”, todos cantam

a música e olham se cada colega lava o pé. Robert se esforça para manter-se acordado, luta

contra o sono, tenta cantar, de olho na musicoterapeuta, que toca em frente à sua maca.

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Chegam outros adultos para ocupar as macas vagas e ficam olhando, esperando

receber as folhas com músicas que os outros estão segurando.

Ana e sua mãe pedem para terem Musicoterapia na quarta-feira, que é o dia em que

elas vêm receber medicamentos. Ana pergunta se pode vir na segunda-feira só para cantar,

sem tomar remédio. A família conversa com a musicoterapeuta sobre a gravidade da doença

de Ana, com prescrição longa de medicação injetável, “assim, horas na máquina”, e pede a

indicação de um professor de música em sua cidade.

Duas adultas que foram fotografadas na sessão da semana passada estão no corredor

esperando para ocupar as macas. A musicoterapeuta lhes dá as fotos, ressaltando como elas

estão envolvidas na atividade de tocar instrumentos musicais. Os instrumentos são de

brinquedo, e, nas fotografias, elas os tocam na maior seriedade.

Sessão 6 – SEG 28/05/07 (SMI6)

Amanda olha fixamente para a musicoterapeuta, quando ela chega. Sua mãe está

dormindo, não estimula sua participação, mas ela fica ligada na musicoterapeuta, atenta,

alternando virar entre ela e a mãe, várias vezes, como chamando a mãe para vê-la.

Ítalo vem correndo pelo corredor, chega à porta da Sala de Medicação Infantil e

pergunta se pode participar. A musicoterapeuta diz para ele entrar, distribui instrumentos

musicais e uma folha com música, e começa a tocar violão.

Robert grita e arranca a agulha do braço, não deixa o enfermeiro pegar sua veia. A

musicoterapeuta chega perto dele, canta, ele fica dividido, olha um pouco para ela e presta

atenção, depois olha para a agulha e chora e se debate. A musicoterapeuta faz com o Robert a

brincadeira com a canção “Fui morar numa casinha”, ele tem que fazer um gesto determinado

a cada final de estrofe, e se esforça para acertar, faz os gestos, colore a folha inteira, responde

às brincadeiras da musicoterapeuta, e ri porque acerta sempre. Sua mãe colore outra folha de

música, atenta aos comandos da musicoterapeuta, e se envolve o tempo todo para ajudar o

Robert, que ganha da musicoterapeuta. Uma mãe comenta “ele está achando ótimo”.

Luiz se senta imediatamente, pronto para colorir. Prende o papel no colo com a mão

direita e colore com a esquerda, usando as duas mãos e estimulando a ação da mão não-

dominante. Colore as pautas inteirinhas, e mostra a folha, participando do concurso da música

mais colorida, com um bom-humor surpreendente.

A musicoterapeuta dá uma flauta a Crissen, mas ela não a pega, está desanimada,

deitada, mas se senta para colorir a folha com a letra da música, melhora a postura, interage

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com a musicoterapeuta e aumenta sua participação no entorno. Depois volta à postura deitada,

mas sua atitude já é de completa atenção às músicas cantadas.

A musicoterapeuta toca uma série de canções sertanejas e um senhor chega à porta da

sala e fica escutando, do corredor. Alguém canta “pau pau pau, vai morar no hospital”.

A musicoterapeuta começa a brincadeira “Carneirinho, carneirão” e dá comandos.

Todos se envolvem fazendo os gestos pedidos pela letra da canção, inclusive os adultos.

Quando ouve o comando “dar um abraço”, Robert pergunta “já vai embora?”.

Todos cantam “Capelinha de Melão”, contam casos de festas juninas, puxam canções

“de roça”, cantam “As mocinhas da cidade”. A musicoterapeuta pergunta se podem fazer festa

junina na Sala de Medicação Infantil, as mães olham em volta e dizem por onde passar o

cordão com bandeirinhas sem atrapalhar os enfermeiros. A mãe do Samuel diz que a

musicoterapeuta entra com a música de quadrilha e elas trazem os salgados e refrigerantes.

Sessão 7 – SEG 04/06/07 (SMI7)

As crianças/adolescentes da pesquisa não comparecem porque não há medicamento

para elas. A musicoterapeuta faz a sessão com os outros pacientes, que já estão à sua espera.

Ela lhes dá a folha com a canção “1 2 3 Formiguinha”. Michele, que o enfermeiro chama de

Sebastiana, a canta várias vezes, até ter certeza de que aprendeu a canção. A musicoterapeuta

canta para ela “Convidei a comadre Sebastiana”, e todos riem, até ela. Ela colore a folha toda.

Tainá fica muito tempo colorindo, distraída, cantarolando a canção baixinho.

Um paciente adulto canta lendo a letra da música, muito interessado.

A musicoterapeuta canta e toca a canção da Adriana Calcanhoto “Fico assim sem

você” e a médica residente passa cantando, pára em frente a cada maca, mas não conversa,

senta-se e fica batendo o pé no ritmo da música, distraída, cantando.

Vitório colore a folha toda, vê que a musicoterapeuta tem outras músicas na pasta e lhe

pede outra, ela lhe dá, ele pergunta qual é a música de cada folha, e as colore cantando.

Sessão 8 – SEG 11/06/07 (SMI8)

Tainá fica olhando os enfermeiros tentarem pegar sua veia e sua mãe tenta chamar sua

atenção mostrando a folha com a música.

Robert arranca a agulha, morde e chuta os enfermeiros, grita. A musicoterapeuta chega

perto, canta, toca, conversa, oferece diferentes instrumentos musicais, mas não adianta. As

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mães ficam angustiadas, a médica vem ver o que está acontecendo, conversa com ele, os

enfermeiros se mostram irritados com a proximidade da musicoterapeuta e com o fato da cena

estar sendo filmada. A mãe de Robert bate nele e os dois dormem.

A musicoterapeuta canta e toca para o Vinícius. A mãe de Giovanna a traz para dançar

perto deles, afastando-a da gritaria do Robert. Ela posiciona Giovanna em pé no chão e a

apóia por trás, balança-a e canta a canção que a musicoterapeuta toca. Depois, volta com ela

para a maca. A musicoterapeuta vai até sua maca e canta para ela, e ela balança sozinha o

braço com o guizo preso ao pulso, fazendo sons durante quase toda a música.

A musicoterapeuta toca flauta para Eviele e ela também toca flauta, imitando a

musicoterapeuta. A musicoterapeuta canta a canção “Abelhinha” e ela faz com as mãos um

gesto muito expressivo de abelhinha voando. Ela ri e mexe os lábios tentando cantar a canção.

Tiago colore com a mão não-dominante, porque a outra está presa à máquina.

Sessão 9 – SEG 18/06/07 (SMI9)

A médica responsável pelo atendimento de algumas crianças/adolescentes da pesquisa

diz à musicoterapeuta que as mães reclamaram do barulho da sessão de musicoterapia, que

preferem que as crianças/adolescentes fiquem dormindo, para não implicar com os

procedimentos da enfermagem, e sugeriram que as sessões sejam à tarde, quando elas já estão

conformadas com o procedimento e perto da hora de ir embora.

Inquirida pela musicoterapeuta, a chefe de enfermagem lhe diz que as

crianças/adolescentes estão fazendo mais manha quando o enfermeiro tenta pegar sua veia,

para conseguir compaixão da musicoterapeuta, e que os momentos de som muito forte

confundem os enfermeiros. A musicoterapeuta lhe pergunta se ela relaciona esses momentos

ao som das flautas-doce, semelhante ao apito da máquina de administração de medicamentos

e ela concorda. A musicoterapeuta lhe pergunta se pode continuar a pesquisa sem distribuir as

flautas-doce às crianças e ela lhe diz que sim.

A musicoterapeuta diz às mães que percebe no fato delas terem reclamado a outra

pessoa que elas não se sentem à vontade para reclamar com ela, lhes lembra que o

oferecimento da música pode ser interrompido a qualquer momento que elas desejarem, sem

atrapalhar a pesquisa, que já tem dados suficientes, e que a pesquisa precisa que elas

comuniquem os transtornos causados, para adequar a dinâmica das sessões ao espaço de

saúde. Elas negam que a Musicoterapia atrapalhe, reforçam que ela só ajuda, que elas esperam

a musicoterapeuta chegar e gostam de tudo. A musicoterapeuta lhes pergunta se elas se

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reportaram à enfermagem porque têm dificuldade de expressar os próprios sentimentos e

idéias para ela, se temem sofrer alguma represália, se não querem magoá-la, e elas repetem

que não reclamaram de nada. A musicoterapeuta lhes diz que acha positivo as

crianças/adolescentes aumentarem a intensidade de suas reclamações sobre os procedimentos

dolorosos de seu atendimento, que a persistência da reclamação delas pode levar

pesquisadores a desenvolver métodos não-dolorosos de lhes administrar os medicamentos,

que talvez a música esteja fortalecendo a coragem delas de pedir melhores condições de

tratamento. A musicoterapeuta propõe seguirem o prazo combinado para a pesquisa e diz que

vai esperar as crianças/adolescentes estarem ligadas à máquina para começar.

A mãe de Amanda aproveita que a musicoterapeuta está afinando o violão para contar

que sua irmã está aprendendo a tocar violão e que está super orgulhosa, se achando uma

artista. Ela diz que, quando ela e Amanda chegam em casa, mostram a folha com a música

nova para a irmã, e ela aprende a cantar e tocar todas as músicas, para cantar para a Amanda,

aproveitando que a folha traz letra, ilustração, cifras e notas, “então serve para todo mundo

cantar e tocar”. Amanda presta atenção à conversa.

Sara diz que sabe as músicas que a musicoterapeuta canta, e muitas outras, porque sua

mãe é cantora e sabe muitas músicas. Ela fala sobre a profissão da mãe, “depois que eu fiquei

doente ela não canta mais, fica cuidando de mim”. Diz que vir no dia de música é muito

melhor do que vir na quarta-feira. Colore a folha da letra da canção com a mão esquerda,

embora seja destra, mostrando coragem para tentar novas formas de escrever/colorir/ser.

Luiz colore com orgulho a folha com a letra da música, demonstrando um humor que

não tinha antes. Seu interesse e dedicação ao colorido das folhas de música chamam a atenção

das mães cujas crianças não colorem, e elas pedem para ele e Robert, quando acabarem de

colorir as próprias folhas, colorirem as das suas crianças, e eles estão gostando muito disso.

A mãe de Amanda elogia o desenho que Robert está colorindo, fica conversando com

ele de sua maca, ele olha para ela, ri, e continua colorindo.

A musicoterapeuta toca e canta a canção sertaneja “Entre tapas e beijos”, e a mãe de

Luiz canta junto, distraída, fazendo carinho nele.

Sara canta canções sertanejas, depois pede canções românticas, a musicoterapeuta

propõe cantarem alguma coisa dos Tribalistas. Os adultos pedem tangos, boleros e músicas

sertanejas. A musicoterapeuta fala sobre como a diversidade de pessoas na Sala de Medicação

Infantil dá ao grupo a chance de cantar muitos gêneros diferentes. Sara fala dos CDs e DVDs

que tem em casa, atualiza o grupo sobre os últimos lançamentos musicais, coloca-se para o

grupo como adolescente antenada com a música antiga e atual, expressa preferências

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musicais, conta costumes musicais de sua família, aceita sugestões dos colegas, canta com

eles canções de Cláudia Leite, que a musicoterapeuta acompanha ao violão.

A mãe de Giovanna dança “Capelinha de melão”, com Giovanna no colo, cantando

suavemente e balançando-a para dormir. A musicoterapeuta acompanha seu canto ao violão,

tocando suavemente. A mãe de Giovanna diz que a Musicoterapia criou um problema, porque

as pessoas já contam com ela e, quando a pesquisa acabar, vão ficar sem música. A

musicoterapeuta lhe diz que elas podem continuar cantando, mas ela responde que sem uma

pessoa para coordenar e sem o acompanhamento do violão não vai ser a mesma coisa. A

musicoterapeuta lhe explica que um dos objetivos da pesquisa é descobrir formas da música

contribuir com a saúde das crianças, para que ela seja implantada em espaços de saúde. A mãe

de Giovanna lhe diz que, embora isso ainda demore, vai ser bom.

Sessão 10 – SEG 25/06/07 (SMI10)

A musicoterapeuta distribui os instrumentos e a mãe do Robert lhe diz que a

Musicoterapia o mantém acordado e ela prefere que ele durma para não lhe dar trabalho,

porque é muito difícil mantê-lo satisfeito todo o período em que eles ficam deitados na maca,

“sem poder fazer nada”. A musicoterapeuta lhe diz que eles fazem muita coisa enquanto estão

lá, cantam, tocam, conversam, bordam, costuram, combinam festas e viagens, comentam os

avanços da pesquisa sobre a doença, mobilizam o governo para comprar o medicamento, que

eles podem melhorar essas atividades para que o período transcorra de forma mais agradável.

Ela pede à musicoterapeuta uma canção que fale sobre os benefícios da música, porque sua

professora lhe deu um trabalho sobre isso.

Todos cantam, tocam e se despedem alegres.

Grupo 3 – Setor de Terapia Ocupacional do Hospital Bias Fortes

Sessão 1 - TER 24/04/07 (STO1)

A musicoterapeuta espalha os instrumentos musicais sobre o colchão, as estagiárias

dizem que esperam por ela desde o início do ano, porque têm notícia de que o trabalho é legal.

A estagiária traz Júlia e diz à musicoterapeuta que ela adora música e que seu objetivo

é aprimorar a marcha e a interação.

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Lucas é sentado sobre o colchão, a musicoterapeuta toca uma canção na marimba, ele

pára e presta atenção à música ouvida, quando percebe que ela tem o ritmo regular começa a

dançar. A musicoterapeuta lhe oferece o teclado e aperta uma tecla que dispara o som do

cachorro, ele reconhece o som e sorri.

A estagiária posiciona Vítor no colchão, ele ouve o som do teclado e começa a dançar.

Ouve a gravação com voz de cachorro e faz som de latidos. Faz dois movimentos diferentes

para conseguir dois sons diferentes em dois instrumentos, percute um e depois o outro. Sua

mãe diz que não conseguiu vaga em sete escolas e fica feliz dele estar sendo aceito na

Musicoterapia, porque “música é mais difícil do que o que ensinam na escola, e ele dá conta”.

A estagiária traz Kamilly e diz à musicoterapeuta que seu objetivo é estimular o braço

direito, paralisado. Esta lhe oferece a marimba com duas baquetas e estimula a coordenação

motora dos dois braços, igualando-os e pondo-os para interagir. Depois propõe brincarem de

“Qual é a música?” e toca na marimba canções folclóricas, fáceis de serem identificadas e

resultarem em sucesso. A mãe de Kamilly diz que ela a puxa pela mão até a TV pedindo para

ver o DVD do Amado Batista.

Juan ouve a música ritmada, pega o pandeiro e o toca durante toda a música. Dança ao

ouvir o som do violão. Sorri à audição da canção “Até logo”. Canta e dança a música “Meu

Pintinho Amarelinho”. A musicoterapeuta compõe para ele “Palmas pro campeão” e ele ri.

A estagiária traz Kimberly e diz que seu objetivo é sentar-se com apoio. Sua mãe diz

que ela gosta de cantar. Ela ouve a gravação no teclado, a mãe tenta trocar a música, ela diz

“deixa aqui, espera” e ouve a música. Percebe que a musicoterapeuta está cantando, se

interessa mais pelas músicas que ela canta e larga o teclado. Chora, ouve o som do violão e

pára de chorar, chora, olha para o violão, não resiste e pára de chorar. Chora de novo, ouve a

musicoterapeuta tocar “Meu pintinho amarelinho” na marimba, pára de chorar. Presta atenção

à música “Pula, pula, palhacinho” que a musicoterapeuta canta para o Victor.

Ludmila pega logo o teclado, o toca e bate palmas ao final da apresentação. Toca mais

o teclado, depois larga-o e toca violão. Vê que aplaudiram Kamilly e fica esperando aplausos.

A musicoterapeuta canta improvisando uma letra que fala em tirar a roupa e ela ajuda a tirar a

própria roupa, envolvida na atividade. A musicoterapeuta toca na flauta “Ciranda cirandinha”

e ela pega imediatamente outra flauta e toca junto, mostrando completa concentração ao

seguir o ritmo, andamento e duração das notas, embora não saiba suas posições. Volta ao

violão e vai trocando de mão, dando seu jeito para tocar os dois instrumentos musicais. Bate

palmas e pés ao final, acompanhando o ritmo da canção “Até logo”.

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Ângelo dá a mão à estagiária, que diz à musicoterapeuta que ele precisa trabalhar

variações de marcha rápido/lento. Ele vai direto à marimba e a toca com baquetas nas duas

mãos. A musicoterapeuta inventa uma música que diz que ele agora vai “guardar a língua” e

ele fecha a boca, rindo. Leva a marimba para a mãe do Victor e toca junto dela. Quando a

musicoterapeuta começa a tocar a canção “Até logo”, ele corre e pega o teclado e começa a

tocá-lo para aproveitar o restinho da oportunidade de fazer música.

Victor recebe um pandeiro da musicoterapeuta e bate nele com a mão esquerda

(paralisada) várias vezes, sozinho, parecendo gostar muito. Bate muito tempo no pandeiro,

espontaneamente, com os pés e as mãos. Bate palmas espontaneamente quando ouve o som

do violão e as gravações do teclado com sons de vozes dos animais. A musicoterapeuta

pergunta à sua mãe de que músicas ele gosta, e ele se anima só de ouvir o nome “Xuxucão”.

A musicoterapeuta canta a canção “Roda e bate”, alternando passar e bater a mão dele sobre a

pele do pandeiro e ele estende a mão para ela fazer de novo. A musicoterapeuta canta “Meu

Pintinho Amarelinho” e ele levanta os braços para imitar o gavião e dá tchau sob estímulo da

canção “Até logo”. Sua mãe pergunta à musicoterapeuta se deve comprar instrumentos

musicais como os dela, para ele “continuar a Musicoterapia em casa” e a musicoterapeuta lhe

diz para comprar os que ela puder e achar interessantes, para estimulá-lo a usar as mãos de

formas diferentes, pois cada um tem seu jeito de fazer som, e para ela fazer uma bandinha

batendo duas tampas de panela, esticando uma sacola de supermercado sobre a boca da lata de

Nescau, enchendo frascos vazios com grãos de arroz, feijão ou milho.

Isabel é sentada no colchão, a musicoterapeuta canta “Roda e bate” e roda sua mão

sobre a pele do pandeiro, e quando a solta ela bate a mão com força no pandeiro. A

musicoterapeuta lhe oferece a marimba e depois o teclado, e ele toca os dois, com ajuda, aí

segura o teclado com força. A musicoterapeuta levanta o teclado acima de sua cabeça, ela o

acompanha com o olhar, endireita a postura para pegá-lo e dá gargalhada ouvindo seu som. O

pai diz que vai tocar mais o violão em casa, que quase não toca para ela.

Gabriel, deitado no colchão, se vira na direção dos instrumentos que está ouvindo,

tenta pegá-los e as estagiárias comentam "ah, ele nunca tinha feito isso" (em sua anamnese, a

mãe descreve exatamente esses dois movimentos como ausentes em seu desenvolvimento).

Karen recusa o violão que a musicoterapeuta lhe dá, toca marimba com a mão

esquerda, pega o violão, brinca com ele. Não dá a mão para Lisa na brincadeira de roda. Toca

pandeiro. Quando ouve a canção “Até logo”, começa a tocar marimba, para não ir embora.

Lisa toca marimba acompanhando a música que a musicoterapeuta canta. Pega todos

os chocalhos, toca marimba, toca teclado com todos os dedos, inclusive os da mão direita

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(paralisada), toca pandeiro. Quando a musicoterapeuta pára de cantar ela se desinteressa

imediatamente da atividade e larga os instrumentos musicais.

Maycon sorri ao ouvir a canção “Olhe quem vem pra música hoje”, bate uma mão na

outra enquanto a musicoterapeuta canta com Karen e Lisa, aproveita a música direcionada ao

outro. Percebe a música mesmo quando a musicoterapeuta não está em seu campo de visão.

Vira-se para pegar o pandeiro (mesmo tendo muita dificuldade de movimento) e o toca.

Responde com sons vocais quando a musicoterapeuta toca seus pés e canta para ele. Sua mãe

diz que em casa ele ouve música o dia inteiro, e ela também, porque “ouvir música faz

esquecer as coisas ruins da vida, só lembrar as boas”.

Sessão 2 - TER 08/05/07 (STO2)

A música chama a atenção de Júlia, que sorri ao ouvir o som da marimba. A

musicoterapeuta lhe dá a marimba, ela mostra gostar de tocá-la e observa a musicoterapeuta

cantando. A estagiária a incentiva a bater palmas, Júlia presta atenção, sorri, bate a mão na

mesa, bate palmas com a estagiária e a musicoterapeuta, toca piano com a musicoterapeuta,

bate no piano, toca pandeiro, observa a musicoterapeuta fazendo brincadeiras musicais com

Lucas, dança e observa a estagiária tocar marimba, colore o cartão com a canção “Mamãe”,

dança enquanto a estagiária canta. A musicoterapeuta e a estagiária cantam e ela dança “Até

logo” e dá tchau para ir embora.

Lucas sorri ao ouvir a musicoterapeuta cantar. Ela lhe entrega um teclado, ele bate nas

teclas, ela diz “Lucas tá tocando”, ele sorri e toca o teclado. A musicoterapeuta e a estagiária

batem palmas e ele sorri, dá um abraço na estagiária, dá a mão a Júlia. A musicoterapeuta

brinca de barquinho com ele, puxa-o e o empurra cantando “Que coisa boa é navegar”, ele se

deixa levar, fala “ca-ca” pedindo música de carrinho. A musicoterapeuta canta “Pirulito” e o

estimula a bater na sua mão, ele sorri, gostando da música, e bate em sua mão. Toca marimba.

A musicoterapeuta lhe mostra o cartão com a música de Dia das Mães ilustrada e pergunta

“quem é essa?” e ele diz “minha mãe”. Diz “olha!” e mostra o chocalho para a estagiária. A

musicoterapeuta lhe dá o lápis de cor para colorir o cartão com a canção ilustrada e ele joga o

lápis para cima e ri. A estagiária diz para ele colorir, ele diz “não”, joga o cartão e o lápis para

longe e diz “pega lá”, várias vezes. A musicoterapeuta cantarola “pega lá, pega lá, pega lá, o

Lucas é quem vai pegar” e ele ri. Seu horário termina, ele diz “abraço” e “tchau”.

Yuri brinca com o tecladinho, fala “música”, mostra gostar da música gravada que

ouve no teclado. Quer o tambor, bate no tambor, sorri, quer abrir o tambor. Senta-se no chão,

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a estagiária insiste “vamos levantar”, Yuri diz “música”, segura o chocalho e o balança, bate o

chocalho no teclado, presta atenção à música que a musicoterapeuta toca na flauta, segura o

violão, fica em frente ao espelho colando brinquedos no espelho com a estagiária, mas pára e

presta atenção quando ela toca teclado, colore o cartão de Dia das Mães. A estagiária diz

“manda beijo, Yuri”, ele diz “Júlia”, manda beijo e pega o chocalho em cima do tambor.

A estagiária deita Juan e pede para ele se levantar, ele se senta devagar e movimenta a

cabeça para um lado e para o outro o tempo todo, segura o teclado e o toca. A

musicoterapeuta lhe dá um guizo e ele o segura, solta e o joga longe. A musicoterapeuta

coloca uma luva com guizo em sua mão e ele balança a mão até tirá-la. A musicoterapeuta

coloca seus pés nas bolinhas de gude e rola as bolinhas, cantando “Perdi meu anel no mar”,

ele segura as bolinhas e as joga longe. A musicoterapeuta toca o teclado com seus pés e canta.

Ele aumenta a freqüência dos movimentos laterais de cabeça quando ouve música, mostra

alegria com sorriso, toca o teclado, dança, movimenta a cabeça. A estagiária o incentiva a tirar

o tênis, ele segura o tênis e puxa a roupa. A estagiária começa a tirar sua roupa, a

musicoterapeuta canta “eu vou tirar a roupa pra ficar bem gostosão”. A estagiária veste a

roupa nele, ele sorri. A musicoterapeuta toca para ele e ele balança a cabeça e sorri.

Ludmila ouve a musicoterapeuta tocando flauta, toma a flauta dela e a põe na boca. A

musicoterapeuta lhe ensina a soprar a flauta, ela mostra dificuldade, mas acaba soprando.

Todos batem palmas, ela pára de soprar e aplaude também. Dança quando a musicoterapeuta

toca. Sob estímulo da estagiária, balança o guizo junto com ela. Toca teclado com as duas

mãos, dança e sorri. Veste roupa de bailarina com ajuda da estagiária, enquanto a

musicoterapeuta canta música de bailarina. Colore o cartão de Dia das Mães, sentada na

mesinha. A musicoterapeuta canta “Até logo” para ela, ela sorri e dá tchau.

Sofia é deitada de lado, a musicoterapeuta e a estagiária cantam “Rolando”,

composição improvisada pela musicoterapeuta e seguida pela estagiária, que vira Sofia de um

lado para o outro, estimulando-a a prosseguir o movimento. A estagiária incentiva Sofia a

segurar o guizo em forma de bola e ela abre a mão para segurá-lo. A estagiária toca o guizo

para chamar a atenção de Sofia. Sofia vira a cabeça em direção à musicoterapeuta quando ela

começa a tocar flauta. A musicoterapeuta canta perto de Sofia e ela emite som vocal em sua

direção. A estagiária coloca Sofia na posição sentada, a musicoterapeuta põe a baqueta na

mão da menina e segura a marimba para ela tocar, depois veste as luvas com guizo nas mãos

de Sofia, bate pandeiro em seu pé, roda seu pé no pandeiro, e ela sorri. Sofia segura o

chocalho e é posicionada mais em pé. A musicoterapeuta canta “Roda e bate” rodando e

batendo sua mão no pandeiro. Quando a musicoterapeuta larga sua mão, ela toca sozinha.

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Sofia acompanha Juan com a cabeça, guiando-se pelos sons que ele faz. A musicoterapeuta

bate com sua mão esquerda no pandeiro e ajuda Sofia a colorir o cartão de Dia das Mães.

A estagiária posiciona Rafael no colchão, a musicoterapeuta canta a música “Mamãe”

tocando marimba, ele a observa, pega o giz e colore. Rafael toca teclado com uma mão só, a

musicoterapeuta lhe diz para tocar com as duas mãos, ele diz que a “coleguinha da mão

direita” ajuda a outra a tocar. Ele pega uma mão com a outra, posiciona-a no teclado e toca

com as duas mãos, liga e desliga o teclado, toca as teclas com gravações de vozes de animais

e identifica cada um, falando seus nomes, estica o braço e toca com a mão direita, a

musicoterapeuta o estimula a tocar com a esquerda. A musicoterapeuta propõe a brincadeira

de tocar teclas brancas ou pretas conforme o comando, ele acerta, ela lhe dá parabéns,

aplaude, ele sorri e quer continuar a brincadeira, ela varia a brincadeira introduzindo a cor dos

botões de controle e ele segue acertando. Rafael sai sorrindo e dando tchau.

Victor chega no colo da mãe (sempre chega e sai no colo da mãe). Amparado pela

estagiária, ele bate no pandeiro, enquanto a musicoterapeuta canta para ele, e sorri. A

musicoterapeuta canta “Roda e bate”, ele bate a mão no pandeiro. Ele quer se levantar, as

cuidadoras o incentivam, ele vê o tambor e bate no tambor. A musicoterapeuta canta uma

música que diz que ele tem força para bater no tambor, ele pára de bater e dança, ela continua

improvisando “o Victor sabe ficar de pé, o Victor é muito esperto”, ele dança e sorri e pega a

mão de Isabel. Desce para o chão e vai embora andando. Sua mãe diz à musicoterapeuta que

viu no shopping de seu bairro um teclado e quis comprá-lo para o Victor, mas que é caro. A

musicoterapeuta lhe dá o dinheiro e lhe pede para comprá-lo para as sessões.

A musicoterapeuta canta para Isabel “Olhe quem vem pra música hoje!”, ela sorri, faz

muito som vocal, parece identificar o espaço, a musicoterapeuta diz “já chega cantando!”. Ela

presta atenção à música do teclado, a técnica pergunta ao pai se ela tem teclado em casa e diz

que é muito bom para incentivar seu desenvolvimento manual. Isabel observa um desenho, a

musicoterapeuta roda sua mão no pandeiro e canta “Roda e bate”, ela bate no pandeiro. A

musicoterapeuta bate palmas e ela sorri e dá um abraço no pai quando ele pede. A

musicoterapeuta senta Isabel e Victor frente a frente, une suas mãos e canta “Que coisa boa é

navegar”, fazendo movimento de balanço para frente e para trás com os dois e diz “os dois

são amiguinhos, fazendo barquinho”, o pai de Isabel a estimula a fazer carinho em Victor.

Gabriel chega cantando, a musicoterapeuta valoriza seu canto dizendo “Gabriel tá

cantando!”, ele toca pandeiro e ela canta “Eu vou tocar pandeiro”. Ele dança enquanto sua

mãe canta para ele, a musicoterapeuta o aplaude e ele sorri. Ele não tem controle da cabeça,

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que abaixa sempre, a estagiária o incentiva a levantá-la e o ajuda a colorir o cartão de Dia das

Mães, mas ele não se interessa pela atividade, feita na mesa à parte, sem música.

Lisa, com ajuda, colore o cartão de Dia das Mães e canta a música “Mamãe”.

Maycon é posicionado no colchão, a musicoterapeuta conversa com ele e ele balança a

cabeça afirmativamente. A musicoterapeuta toca pandeiro com sua mão e ele segue tocando

sozinho, depois toca teclado e sorri para a estagiária. A musicoterapeuta toca e canta para ele,

que sorri. Ele é reposicionado para ficar com o tronco mais reto e se inclina para a frente, se

esforçando para tocar o teclado. É colocado num banco alto para ser estimulado a levantar a

cabeça, apoiado para ficar em posição mais reta. Segura firme o teclado e ri com o som que

faz, tomba para o lado esquerdo, não consegue firmar o tronco. A musicoterapeuta canta “Eu

vou tocar chocalho”, ele sorri e bate o chocalho durante todo o tempo em que ela canta.

Segura o guizo e o balança. Com ele apoiado no corpo da estagiária, a musicoterapeuta o

incentiva a tocar as cordas do violão, ele toca e sorri.

Sessão 3 - TER 15/05/07 (STO3)

A mãe de Júlia chega alegre, conta o sucesso da filha depois que começou a

Musicoterapia, dizendo que sua atenção à música aumentou muito, que “todas músicas que

passa ela já tá dançando e cantando do seu jeito”. Júlia toca marimba com a baqueta, pega a

guitarrinha e tenta tocá-la com a baqueta também, a musicoterapeuta lhe ensina o

posicionamento correto e as formas de tocar, ela aprende logo todas. Atenta ao entorno, Júlia

dança as músicas que Lucas toca. A musicoterapeuta toca flauta e ela toca também, olha para

a musicoterapeuta e tenta imitar seu sopro e seu movimento de dedos. Gosta do pandeiro,

explora seus sons. Sopra a flauta e sorri. Canta. A estagiária toca violão e Júlia a imita, depois

entrega o violão para a mãe tocar. A estagiária pede para ela colocar uma pulseira no braço e

ela não obedece, então a estagiária pede a mesma coisa cantando e tocando, e Júlia coloca a

pulseira dançando. Júlia experimenta novos sons batendo um instrumento em outro. Toca

todos os instrumentos com a baqueta, a musicoterapeuta lhe ensina que alguns são tocados

sem a baqueta. Enquanto veste a roupa e abraça a estagiária para ir embora, ela vai trocando a

flauta de uma mão para a outra para não largá-la, e quando vai embora não quer entregá-la.

A mãe de Lucas conta que ele dança toda vez que ouve Bruno e Marrone, Calipso, a

trilha de O Profeta e duas músicas que aprendeu na escola, “Balão” e “Merenda”. Ele

cumprimenta a musicoterapeuta batendo na mão dela com sua mão aberta e depois fechada. A

mãe diz “nunca fiz brincadeira com música com ele, lá em casa só tem um pianinho, mas ele

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não gosta, ele adora violão, vê os outros tocarem e finge que tá tocando”. A mãe lhe diz

“canta pra ela a música da ‘Merendinha’, do ‘Balão’, do ‘Sapinho’”, ele não canta. A mãe diz

à musicoterapeuta que ela não inventa música para ele. Ela diz a ele “estica e dança” e ele se

posiciona para dançar. Ela diz que “qualquer música que ele ouve ele fica querendo cantar, ele

grava uns pedaços, não esquece”. A musicoterapeuta toca marimba, Lucas toma uma baqueta

de sua mão e os dois tocam juntos, ele sorri quando o aplaudem. A musicoterapeuta se

posiciona atrás dele e toca flauta e ele se vira para ver e sorri. A musicoterapeuta improvisa

uma canção que diz que ele “vai tocar com as duas mãos” e ele pega as duas baquetas e toca

marimba com as duas mãos e diz “pau” e ela lhe ensina que se chama “baqueta”. Lucas brinca

com o pandeiro, toca teclado e parece feliz com a música que faz. A musicoterapeuta aperta o

botão que dispara sons de animais e ele diz “au au”. Lucas abraça a musicoterapeuta, toca o

violão com as duas mãos e mostra que está tocando, diz “aqui ó”, abraça de novo a

musicoterapeuta e a beija, chama a mãe e mostra que está tocando violão.

O pai de Kamilly pede que a musicoterapeuta toque alguma coisa de Amado Batista,

que ela gosta. Kamilly toma o violão que Ludmila está tocando e vai com ele se olhar no

espelho. A musicoterapeuta propõe brincarem de roda para estimular seu braço paralisado.

Kamilly brinca de roda com Ludmila e a estagiária enquanto a musicoterapeuta canta.

Kamilly olha sempre para Ludmila, e a abraça no fim da canção “Um abraço vamos dar”.

Juan chega chorando, presta atenção ao som da marimba tocada pela estagiária, se

acalma. A musicoterapeuta roda sua mão no pandeiro, canta “Roda e bate” e ele bate no

pandeiro sozinho com força, aperta o teclado ao acaso, dispara sons gravados e dança

balançando a cabeça, ouvindo o som. Joga o pandeiro no chão, acompanha o som do teclado

com a cabeça. Presta atenção ao som da marimba, sorri, balança a cabeça e toca pandeiro

junto. Sempre que ouve música toca pandeiro. A musicoterapeuta mostra para a estagiária

como ele começa a sessão desorganizado e vai se organizando, ela concorda. A coordenadora

diz “ele chegou gritando muito e foi se acalmando, agora tá com a expressão mais tranqüila,

mais feliz”. Juan chora quando a música pára, se levanta e vai para o colo da mãe.

Ludmila é levada pela estagiária a tirar a roupa para vestir uma fantasia, para treinar

trocar a roupa sozinha e usar os dois lados do corpo. Enquanto se fantasia, ela toca teclado,

sorri com a música e bate no pandeiro com a outra mão. A musicoterapeuta toca flauta e ela

tenta tomar a flauta dela para tocar. A musicoterapeuta toca teclado e ela bate palmas. A

musicoterapeuta canta “Do re mi fa”, ela olha, presta atenção, balança a cabeça no ritmo da

canção. Despede-se e sorri quando a musicoterapeuta canta “Até logo” com seu nome.

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Sofia sorri enquanto a musicoterapeuta toca pandeiro com sua mão cantando “Roda e

bate”, vira a cabeça para o lugar de onde vem o som. A musicoterapeuta e a estagiária cantam

para ela, ela faz expressão alegre, elas tocam pandeiro à sua direita e depois à sua esquerda,

várias vezes, e ela sempre se vira em direção ao som e segura o pandeiro com a mão direita.

Rafael toca o teclado com as duas mãos e diz “o meu não é de brinquedo”, lembrando

que tem um teclado maior em casa. Ele segura a flauta com as duas mãos e a sopra. Consegue

segurar a baqueta com a mão direita e toca a marimba. Colore o cartão de Dia das Mães com a

mão esquerda e estimula a mão direita a colorir também. Toca marimba.

A musicoterapeuta brinca de barquinho com Isabel, canta “Que coisa boa é navegar” e

ela sorri. A musicoterapeuta canta “O Sapo não lava o pé” com seu nome, ela olha para a

musicoterapeuta e sorri. Toca teclado com as duas mãos, dispara uma música de Natal, faz

expressão alegre e dança. A musicoterapeuta e seu pai cantam um bolero, ela presta atenção e

sorri. Após a musicoterapeuta cantar “Roda e bate” e fazer os gestos com sua mão, ela roda a

mão no pandeiro sozinha. Presta muito mais atenção ao que os adultos dizem.

A mãe de Gabriel diz que hoje é seu aniversário, a musicoterapeuta canta e toca

“Parabéns pra você”, ele sorri, bate palmas, percebe a vibração do teclado e expressa alegria.

Sessão 4 - TER 22/05/07 (STO4)

Júlia pega instrumentos musicais e os toca enquanto a estagiária a chama para passear

e trocar de roupa, e ela se recusa a ir. A musicoterapeuta lhe diz que a música é uma coisa

muito chique e que ela deve trocar de roupa para ficar bem linda e tocar, improvisa uma

canção que diz “eu vou ficar bem linda pra tocar o meu teclado”. Júlia pega uma boneca no

colo e olha para a musicoterapeuta, parece esperar uma música, a musicoterapeuta canta

“Dorme neném”. Júlia toca o teclado, a musicoterapeuta a aplaude, ela adora o aplauso,

arruma a baqueta na mão para conseguir aplaudir sem largá-la. A musicoterapeuta canta

“palmas pra Júlia que vai tirar os sapatos, palmas pra Júlia que vai tirar as meias”,

transferindo os aplausos para esses conteúdos e Júlia tira os sapatos e as meias, sempre de

olho nos aplausos e rindo. A musicoterapeuta canta e toca a canção “Pastorzinho” e a

estagiária a aproveita para cantar que “a Júlia vai calçar sandálias”. Júlia calça olhando para

as mãos da musicoterapeuta e quando acaba é muito aplaudida e festejada, e sorri. Júlia se

vira imediatamente ao ouvir o som de um instrumento musical diferente (pandeiro), que o

Lucas está tocando às suas costas. A estagiária pega um outro pandeiro e o usa criando uma

estratégia para a Júlia andar, diz “vamos lá tocar pro neném”, põe a boneca do outro lado da

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sala e vai cantando e marcando o ritmo da canção batendo no pandeiro, ao lado de Júlia, para

as duas caminharem até chegar à boneca. A mãe de Júlia pega um outro pandeiro e lhe

estende e ela o toca. A estagiária canta “eu vou acertar a cesta” com a melodia da música que

estavam cantando antes, organiza umas bolas num canto da sala e uma cesta em outro canto, e

cria uma brincadeira de Júlia atravessar a sala para arremessar as bolas e voltar para buscar

mais bolas. Júlia não quer vestir o agasalho, mostra raiva, a musicoterapeuta canta para ela

parodiando a canção “O sapo não lava o pé”, dizendo “a Júlia sabe dançar, a Júlia é muito

esperta, ela dança, dança, dança sem parar”, e vai mudando para agachar, pular, vestir a

roupa, vestir o agasalho e ela ri e volta a mostrar bom-humor e obedece aos comandos.

Lucas reconhece a musicoterapeuta e a cumprimenta. A estagiária lhe dá um teclado,

ele o toca com as duas mãos e indica o violão para ela tocar. Quando ouve Júlia tocar, puxa a

musicoterapeuta para perto dele, se encosta nela e presta atenção à Júlia. A musicoterapeuta

lhe dá diferentes instrumentos para ele fazer diferentes usos das mãos. Ele joga fora o

pandeiro que está tocando e diz “violão”, toca, agarra a musicoterapeuta e a beija, alegre. Ela

se afasta dele e canta para Júlia dançar e ele a chama, enciumado, dizendo “ô, Lucas”.

A estagiária posiciona Yuri em frente ao espelho, lhe dá o teclado para tocar, canta e

toca com ele, independentes das atividades musicais desenvolvidas pelos outros. No fim da

sessão, pede que a musicoterapeuta cante “Até logo” para ele ir embora.

Num mesmo momento, três estagiárias cantam para dar comandos às crianças. A

musicoterapeuta diz “não preciso vir mais, vocês já estão planejando, criando e executando

atividades musicais com as crianças, aqui todo mundo canta, toca e compõe”, e a estagiária

diz “estamos aprendendo”.

A estagiária coloca o teclado na mesa e senta Kimberly nela, parecendo ter um plano

para usá-lo sem pedir ajuda à musicoterapeuta, e toca com ela durante toda a sessão.

A estagiária diz a Ludmila “vamos trocar a roupa pra fazer música”, a musicoterapeuta

canta “Eu vou tirar a calça”, Ludmila olha para ela, tira a calça e bate palmas no fim. A

musicoterapeuta canta “eu vou dobrar o braço pra tirar o agasalho”, Ludmila olha para ela e

tira peça por peça, atenta à letra da canção. Adora os aplausos, vira-se para ver a

musicoterapeuta aplaudindo cada etapa do processo. Antes de acabar de tirar a roupa, pega o

teclado e aperta botões de comando, sem distinguir para que eles servem nem compreender o

mecanismo de ligá-lo/desligá-lo. Toca o teclado, olha para a musicoterapeuta e se aplaude.

Sofia vem nos braços da mãe, canta um som forte e longo, a musicoterapeuta diz “a

Sofia sabe que vem pra música e já chega cantando”, e canta “Bom Dia, Sofia”, se

acompanhando ao violão. A estagiária despe Sofia e a deita de barriga para cima, ela entra em

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clonos. A estagiária põe Sofia na bola de rolar, diz “olha como a Sofia tá com as mãozinhas

bem mais relaxadas”. A musicoterapeuta toca marimba perto de Sofia, ela ri e a estagiária

festeja “a Sofia tá rindo, a Sofia gosta de música, a Sofia gosta do som da marimba!”.

Rafael é sentado no colchão, a musicoterapeuta lhe pergunta se ele quer sentar-se no

banquinho para tocar com o teclado mais alto, sobre a mesa, ele responde que quer e ela o

posiciona. Ele presta atenção em Lisa tocando. A musicoterapeuta pede silêncio e explica que

vai contar até quatro para todos começarem a tocar juntos e todos esperam e começam a tocar

na hora certa. Rafael pergunta à musicoterapeuta por que a estagiária dele está segurando a

Isabel, a musicoterapeuta lhe explica que é porque a Isabel é pequena e precisa de ajuda, e que

ele já sabe tocar sozinho, mas ele fala para outra estagiária cuidar da Isabel e chama a

estagiária dele para perto dele. A musicoterapeuta canta a canção “A mão direita” alterando a

letra para “toca o teclado” e ele o toca com a mão paralisada, ajudando-a com a mão esquerda.

A mãe de Victor entrega o teclado novo à musicoterapeuta e ela o mostra às crianças,

diz que é presente da mãe do Victor que todo mundo vai tocá-lo. A estagiária leva Victor para

um canto da sala e ele dança enquanto ela canta, dança e toca diferentes instrumentos

musicais com ele, independente do grupo. Quando ela o veste e se despede dele, sua mãe olha

para a musicoterapeuta e fala “pode cantar a música de ‘Até logo’ que ele já vai embora”.

Lisa olha a cantoria, vê a musicoterapeuta e vai para perto dela, quer ver o instrumento

musical que ela está tocando, tira as sandálias sozinha, sobe no colchão, se senta ao lado dela

e espera para tocar também. A musicoterapeuta lhe dá uma marimba, sua mãe sugere que elas

cantem e toquem “Nesta rua”, e as duas tocam juntas, Lisa de olho na musicoterapeuta. A

estagiária diz para ela parar de tocar um pouquinho para trocar de roupa e voltar bem bonita

para dar um show. A musicoterapeuta toca para Lisa dançar, vestida de bailarina.

Isabel chega alegre, dá gargalhada, pega a bola, ri, bate na bola, sobe na bola com

ajuda, bate muito na bola com as duas mãos, faz sons vocais, passa as mãos, boca e nariz na

bola, quer pegar a bola e levantá-la. A musicoterapeuta canta a seu lado “a Isabel vai tirar as

sandálias”, Isabel vira o rosto e olha para ela, faz gesto de mandar beijo. A estagiária a chama

e a posiciona para ver Lisa dançar vestida de bailarina, mas Isabel se vira para ver a

musicoterapeuta tocando flauta. Isabel toca pandeiro com as duas mãos.

Gabriel mostra atenção aos eventos musicais em torno dele e bate palmas por tudo. A

estagiária leva-o para treinar segurar a colher e comer na mesa. A musicoterapeuta lhe dá o

teclado para tocar, como prêmio por ter comido tudo, e ele o toca.

Maycon identifica toda música que a musicoterapeuta inicia na flauta e ri feliz a cada

nova música. Os polegares inclusos dificultam o manuseio do teclado, mas ele toca com as

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duas mãos e, quando se cansa, toca só com a mão direita. A musicoterapeuta faz um jogo

musical com ele, abrindo suas mãos, batendo nelas ritmadamente e cantando “Pirulito”.

Maycon sai no colo da mãe, olhando para trás para ver Gabriel tocar.

No final do horário, Rafael, Isabel, Lisa e Victor tocam juntos e um menino que não é

do setor, vem à porta da sala “ver a banda tocando”.

Sessão 5 - TER 29/05/07 (STO5)

A estagiária posiciona Lucas no colchão e pede para a musicoterapeuta compor uma

música para ele escovar os dentes. A musicoterapeuta canta “O Lucas vai tocar violão”, ele

sorri, ela vai completando a letra com “o Lucas pega a escovinha e escova os dentes”, ele faz

hora mas acaba escovando. A musicoterapeuta canta “Até logo” para ele e ele sai no colo da

mãe, olhando para trás e cantando junto.

Júlia ouve a musicoterapeuta cantando “Até logo” para o Lucas e põe-se a bater as

mãos e a dançar, seguindo o ritmo da música. Júlia toca o teclado, a musicoterapeuta lhe dá os

parabéns e ela sorri e bate palmas. A musicoterapeuta toca “Atirei o pau no gato” na flauta e

Júlia toca junto na outra flauta, a musicoterapeuta toca “Cai cai balão” e Júlia procura

rapidamente outro instrumento e acompanha a musicoterapeuta na marimba.

Sofia é recebida pela musicoterapeuta cantando “Olha quem vem pra música hoje”

com seu nome, e inclina a cabeça em sua direção. A musicoterapeuta toca com ela o teclado,

apertando as teclas com seus dedinhos, e ela inclina a cabeça em direção ao som produzido. A

musicoterapeuta canta “Roda e bate” passando sua mão no pandeiro e ela sorri.

Juan é recebido pela musicoterapeuta cantando “Olha quem vem pra música hoje”

com seu nome, acompanhada ao pandeiro. Ela põe o pandeiro em sua mão e ele toca junto

com ela. A estagiária balança o pandeiro e ele o procura com a mão e toca o pandeiro com

força. A musicoterapeuta canta “o Juan vai tocar pandeiro”, ele balança a cabeça e o toca, e ri

com os aplausos. A musicoterapeuta canta “Roda e bate” e ele bate no pandeiro com as duas

mãos. A musicoterapeuta posiciona as mãos dele no teclado e toca “Eu vi uma barata” e ele

presta atenção até o fim da música, depois procura o teclado com a mão. Ele está mais

organizado, toca com as duas mãos, toca os dois pandeiros ao mesmo tempo, um em cada

mão, ao lado do seu corpo. A musicoterapeuta e a estagiária vão afastando os pandeiros e ele

vai abrindo os braços para continuar tocando e dá gargalhadas. A musicoterapeuta canta “Até

logo” para Sofia e Juan toca o pandeiro. A musicoterapeuta bate um ritmo na mesa e ele

presta atenção. A musicoterapeuta canta “O Juan vai tocar pandeiro” e ele toca sozinho, mais

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devagar. A musicoterapeuta toca a música “São João” no teclado e ele presta atenção, pára e

bate palma quando a música acaba, mostrando tê-la apreciado. A musicoterapeuta toca de

novo “São João” e ele bate a mão no tablado durante a música e sorri muito. A estagiária do

semestre passado visita o setor e diz que Juan teve uma evolução boa.

Ludmila é recebida pela musicoterapeuta cantando “Olha quem vem pra música hoje”

com seu nome, ela presta atenção, fica olhando para a musicoterapeuta, quando esta bate no

banco, tocando para o Juan, ela chega perto para ver e aplaude.

Emilly é posicionada no colchão, a musicoterapeuta toca teclado perto dela e ela quer

tocá-lo. A musicoterapeuta canta “A Emilly vai tocar pandeiro” e ela toca junto o pandeiro. A

estagiária usa o pandeiro para levá-la a passar da posição deitada para sentada e a fazer

rotação de tronco (objetivos da fisioterapia), e ela se vira inteira para tocar o pandeiro, com a

musicoterapeuta cantando “O pandeiro vai pra cá, o pandeiro vai pra lá e a Emilly não parou

de tocar”. Emilly geme de tanto esforço para acompanhar o pandeiro. Emilly toma o teclado

da Isabel. Mãe diz que “Emilly adora música, quando sai da Musicoterapia chega em casa e

fica cantando e tocando, o estímulo se mantém depois que ela sai daqui, ela muda de ambiente

mas permanece estimulada”. Emilly toca o pandeiro enquanto a musicoterapeuta canta a letra

“Toca, toca, menininha” com a melodia de “Pula, pula, palhacinho”.

Isabel chega feliz, pega o pandeiro que a estagiária lhe entrega e bate nele de vez em

quando enquanto o grupo canta “Toca, toca, pandeirinho”. A estagiária toca teclado para ela e

ela mostra gostar do som de cachorro do teclado. A musicoterapeuta reforça o som, fala sobre

o cachorro. Isabel grita, a musicoterapeuta toca “Cai cai balão” na marimba e ela se acalma.

A musicoterapeuta propõe que Emilly e Isabel façam barquinho, começa a cantar “Que

coisa boa é navegar” e Emilly puxa Isabel. A musicoterapeuta posiciona as duas meninas e

canta movimentando-as para a frente e para trás, no ritmo da música. No final, Emilly bate

palmas. A musicoterapeuta canta “Até logo” com o nome de Isabel e ela faz expressão feliz.

Sob estímulo da estagiária, Gabriel toca pandeiro, bate palmas, toca teclado e violão.

Ela comenta “hoje ele está mais ativo”. A musicoterapeuta toca e canta “Até logo” com seu

nome e ele abraça a estagiária.

Maycon dança quando ouve o som do teclado e toca o teclado com a mão direita. Ri

quando a estagiária deixa o pandeiro cair, sorri quando a musicoterapeuta canta “O Maycon

vai tocar teclado”, se concentra ao ouvi-la tocar na flauta “Pastorzinho” e depois dança. Presta

bastante atenção quando ela toca marimba com ele e canta “1 2 3 formiguinha”. A estagiária

comenta “está mais centrado”.

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No final do atendimento, a musicoterapeuta recebe um telefonema da mãe do Gabriel

dizendo “estou aqui no ônibus e fiz uma música pro Gabriel, essa Musicoterapia está me

fazendo virar compositora”, a musicoterapeuta lhe pede que cante a canção e a anota.

Sessão 6 - TER 05/06/07 (STO6)

Lucas fica feliz ao ouvir a musicoterapeuta cantando “Olha quem vem pra música

hoje” com seu nome e ri. Ela canta “A araínha” e ele a abraça. A estagiária o posiciona em

frente à bacia com escova de dentes e água, ele luta para não segurar a escova nem deixá-la

escovar seus dentes. A musicoterapeuta escova seus dentes cantando “Pra cima, pra baixo” e

ele segura a escova e escova os dentes. Como prêmio, a musicoterapeuta lhe dá o teclado para

tocar, e Lucas chama a estagiária para vê-lo tocando. A musicoterapeuta canta “o Lucas toca o

teclado, a Maíra toca o violão, a Gena toca o pandeiro”, ele sorri, olha para as duas e toca o

teclado. A musicoterapeuta canta “O Lucas toca a marimba, que força ele faz para tocar” e ele

ri. Ele toca, as duas batem palmas e ele bate palmas também, feliz. A musicoterapeuta canta

“Até logo, Lucas” e ele canta fazendo a baqueta da marimba de microfone, dando show.

Juan é recebido pela musicoterapeuta cantando “Olhe quem vem pra música hoje”

com seu nome, a estagiária levanta o pandeiro e ele firma o pescoço e levanta a cabeça para

seguir o som do pandeiro. Juan faz gesto como se estivesse aquecendo a voz para cantar.

Procura o pandeiro com o pé e a musicoterapeuta canta “Com o pé não” e põe sua mão no

pandeiro e canta “Bate, bate, Juan, bate, bate o pandeiro, todo mundo vai gostar”. Ele fica

calmo e até dança com ela, que canta “O Juan vai tocar pandeiro” enquanto a estagiária toca o

pandeiro. Juan bate no pandeiro e sente sua textura passando as duas mãos sobre ele. Bate no

banco ao som de “Roda e bate” e sorri quando o aplaudem. É estimulado a rodar o guizo com

as duas mãos. Percebe um som diferente (a musicoterapeuta tocando flauta) e bate palmas.

Vinícius fica olhando e rindo, parece gostar de tudo. A musicoterapeuta põe o teclado

bem perto dele, toca para ele, ele sorri quando ouve o som. Ela toca no teclado, com as mãos

dele, a música “O sapo não lava o pé”. Depois ela canta “1-2-3 formiguinha” contando nos

seus dedos e ele sorri. A musicoterapeuta o estimula a tocar teclado e ele se vira para olhar

para ela e presta atenção ao que ela fala. Ela toca com sua mão “Marcha soldado” no teclado.

Ele demonstra perceber a música organizada, diferenciando-a do ruído das experimentações

sonoras, é uma das poucas demonstrações de inteligência dele. Fica um instante distraído e

quando ouve uma música começando no teclado volta de novo sua atenção para ele,

percebendo o som. Ludmila lhe toma o teclado e ele não reage.

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Ludmila presta atenção ao ouvir a musicoterapeuta cantar “Marcha soldado” e “O sapo

não lava o pé” para o Vinícius e as aplaude. Tira a meia enquanto ela canta “A Ludmila não

tem chulé porque lava o pé”, canta e pega a marimba e a toca, acompanhando a música “Cai,

cai, balão” que ela canta. Quando a musicoterapeuta toca flauta ela larga a marimba e pega

também uma flauta e toca a música “1-2-3 formiguinha” acompanhando-a. A musicoterapeuta

toca teclado com Vinícius e ela toma o teclado dele e o toca.

Ângelo trabalha variações de marcha com a estagiária. Ela enche a sala de obstáculos,

ele se desvia e chega ao teclado para tocar, aprende a ligá-lo e desligá-lo, toca um pouquinho

e o desliga, atravessa de novo a sala e volta para tocar mais.

Emilly, deitada, ouve o teclado tocar e se vira para pegá-lo. A musicoterapeuta toca

“1-2-3 formiguinha”, ela presta atenção. A estagiária e a musicoterapeuta usam o pandeiro pra

induzi-la a se sentar, lhe mostram o pandeiro, fazem som nele e ela tenta pegá-lo, faz muita

força para se levantar, não consegue dar o impulso inicial, mas com ajuda segue se levantando

até pegar o pandeiro e tocá-lo. A musicoterapeuta balança o pandeiro, o som chama sua

atenção. Ela escuta todos batendo palmas para o Victor e bate também, brinca com ele de

barquinho ao som de “Que coisa boa é navegar”. Atende ao pedido da estagiária e dá tchau.

Victor está deitado e levanta-se para pegar o pandeiro no tablado. Recusa brincar de

barquinho com Emilly. A musicoterapeuta canta “Eu vou vestir a calça” e ele dança. Sua mãe

diz que ele não quer ir embora da Musicoterapia, que chega em casa e começa a chorar.

Bernardo presta atenção na musicoterapeuta tocando marimba, segura no colchão e

caminha até à marimba, vê três marimbas diferentes sobre o colchão, toca em cada uma e

descobre como e com que força deve bater com a baqueta para tocar cada uma delas.

A musicoterapeuta canta “Olhe quem vem pra música hoje” com o nome do Maycon e

ele sorri. Ela toca com as mãos dele o teclado e ele sorri, olhando para ela. A coordenadora e

a estagiária dizem que ele gosta muito de música. Ele ouve o teclado e balança a cabeça rindo.

Ele fica feliz com os sons que ouve do teclado. Toca com os cinco dedos estendidos, a mão

aberta. A musicoterapeuta toca “1-2-3 formiguinha”, ele pára, presta atenção, sorri e leva a

mão ao teclado. A estagiária chama sua atenção, a musicoterapeuta canta “Tero lero” e ele a

olha de novo, ela canta sem tocar e ele toca o teclado.

Gabriel chega e a musicoterapeuta o recebe cantando a canção “Gabriel de janelinha”,

que sua mãe fez no ônibus na semana passada, distribui a folha com a letra e partitura da

canção com a ilustração de um menino banguela. Todos aprendem a canção e a cantam.

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Sessão 7 - TER 12/06/07 (STO7)

Júlia pega a flauta e imita a musicoterapeuta tocando com as duas mãos, experimenta

tocar com uma mão só, olha a musicoterapeuta e toca de novo com as duas mãos. Afasta-se

tocando, a musicoterapeuta faz um trinado na flauta e ela se vira rapidamente para o lugar de

onde vem o som. Olha os instrumentos musicais sobre o colchão, olha para a musicoterapeuta

tocando e explora todos os instrumentos, depois volta à flauta, sopra e a explora de várias

maneiras. A estagiária quer que ela treine hábitos da vida diária e lhe dá uma boneca para

ninar, a musicoterapeuta canta um acalanto e ela nina a boneca por um tempo pequeno. A

estagiária diz “ela não se concentra muito tempo em nenhuma atividade, até me surpreendeu o

tempo grande que ela ficou tocando flauta, ela escolheu mesmo a flauta”.

Lucas brinca com a estagiária, atrás do quadro-negro. A musicoterapeuta toca flauta e

pergunta “cadê a música?” e ele, detrás do quadro-negro, levanta o dedo indicador e aponta a

flauta, sem enxergá-la. Brinca com a estagiária, prestando atenção na musicoterapeuta

tocando com Júlia, e no fim da música “Cai, cai, balão” aplaude sorrindo.

Yuri fica quase toda a sessão explorando os sons do teclado, concentrado, curvado

sobre o teclado, usando as duas mãos, sério, desligado do entorno.

A musicoterapeuta e a estagiária dão pandeiro e marimba a Thiago e ele pega a

baqueta e toca sozinho, muito tempo. Chora, a mãe diz que ele está gripado e se cansou. A

musicoterapeuta canta com ele a canção “Roda e bate”, ensina a ele diferentes formas de tocar

o pandeiro e ele presta atenção. Ele toca o teclado com o pé e com a cabeça, ela canta “Com o

pé não, com a cabeça não”. Ela faz barquinho com ele, canta os nomes das pessoas, ele olha

para cada pessoa nomeada. A musicoterapeuta diz que vai cantar com o próprio nome, ele não

olha para ela, olha para o Yuri e a musicoterapeuta diz “ah, então vamos cantar pro Yuri”.

A musicoterapeuta posiciona Lucas, Júlia, Thiago e Yuri próximos uns dos outros,

canta com eles e todos tocam juntos.

Juan bate com as duas mãos no banco, pedindo o pandeiro, a musicoterapeuta e a

estagiária põem os pandeiros ao seu alcance, ele os pega para jogar fora mas acaba tocando e

dando gargalhadas. A musicoterapeuta lhe oferece o teclado e ele bate nele com muita força.

A estagiária apóia o teclado num banco à sua frente, passa o pandeiro na sua cabeça e vai

descendo o pandeiro pelo seu corpo e ele gosta, se deita sobre o pandeiro. Dá gargalhadas

quando o grupo canta “Parabéns pra você”. A estagiária encosta o chocalho nele e ele grita, vê

a flauta e ri e bate as mãos, ouve o som do pandeiro, volta o rosto em sua direção e acha o

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pandeiro. Esbarra nos instrumentos musicais espalhados no colchão e explora o espaço amplo,

nas laterais, além da linha média, fazendo movimentos de cintura escapular.

Kimberly é posicionada no banco e cai para o lado. A musicoterapeuta lhe dá uma

flauta-doce e ela a segura com a mão esquerda e a põe na boca. A musicoterapeuta toca uma

música em outra flauta, dublando-a. Kimberly fica sentada, tentando soprar a flauta, sem cair.

Sua mãe diz que ela lembra muitas canções da escola, e as canta em casa, e que lembrou à

mãe que não se pode jogar lixo na rua, porque a canção da escola dizia isso. Sua mãe diz “ela

já levanta cantando, mistura diferentes canções, se acalma com música”.

Ludmila traz sua irmã e a musicoterapeuta ajuda-a a tocar teclado com ela, acolhendo-

a. Ludmila pesquisa timbres no teclado por muito tempo, reconhece as vozes dos animais,

mostra muito prazer em tocar e olha para as pessoas em volta para mostrar que está tocando.

Presta atenção às instruções da musicoterapeuta, tenta apertar as teclas que ela lhe mostra e

achar de novo as vozes dos animais. Descobre o poder que tem com o botão de ligar/desligar

o teclado e dar alegria/tristeza ao grupo. A musicoterapeuta toca com as mãos de Ludmila

que, muito agitada, não espera o fim de uma canção e já aperta botões no teclado. A

musicoterapeuta insiste para ela tocar com as duas mãos, ela toca um pouco, pega uma flauta

e dá outra para a estagiária tocar, depois troca de flauta com a estagiária, depois tenta tomar a

da musicoterapeuta, segura sua flauta com a mão esquerda e com a mão direita vai pegando

outra flauta e o teclado. A estagiária diz para ela tocar com as duas mãos e ela se concentra

mais e diminui a agitação. Sua mãe diz que “depois da música a Ludmila melhorou muito,

aumentou a fala, chega em casa cantando, eu tô gostando muito e vendo muito resultado”.

A estagiária molda o splint na mão de Sofia, na outra sala. A musicoterapeuta vai até

lá e toca flauta para ela, que mexe a cabeça rumo à flauta, gostando, distraída.

Victor tem preguiça de andar, a estagiária põe o pandeiro longe para forçá-lo a andar,

apoiado no colchão. Ele vai até o pandeiro, bate nele, olha feliz se mostrando para as pessoas

em volta, parece entender que o som é a culminância do show. A estagiária move o pandeiro

para cima e para baixo, para forçá-lo a levantar-se e mudar de postura. A musicoterapeuta

canta e as estagiárias põem Victor e Isabel para dançar “Pula, pula, palhacinho”.

Isabel presta atenção em Victor pulando durante a canção “Pula, pula, palhacinho” e

bate os braços tentando pegá-lo, percebendo-o. Percebe o teclado, bate nele com as duas

mãos, descoordenada mas interessada no instrumento, que é muito colorido, cheio de botões

de cores contrastantes. A coordenadora adapta o teclado a uma mesa inclinada e Isabel toca

firmando a coluna, sentada, melhorando a postura, deixando de cair para a frente. A

musicoterapeuta diz “assim consegue bater as mãos no teclado e tirar som, o som é o estímulo

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para ela tocar mais e manter a postura erguida, melhor do que quando o teclado estava abaixo

dela, no colchão ou no rolo”. Ela grita e bate as mãos, tentando alcançar o teclado.

Emilly presta muita atenção quando a musicoterapeuta e a estagiária cantam “Olhe

quem vem pra música hoje” com seu nome. Toca teclado muito tempo, aperta os botões e

presta atenção aos sons que ouve. A estagiária lhe dá uma flauta e ela olha a musicoterapeuta

tocar flauta e põe as duas mãos sobre a flauta para imitá-la. A musicoterapeuta lhe dá duas

marimbas e duas baquetas e ela joga as baquetas fora. A musicoterapeuta põe o engrossador

nas baquetas. Emilly vai atrás de Isabel que está tocando teclado e tenta tocar também. Bate

palmas quando o grupo canta “Parabéns pra você”.

Rafael toca teclado com a mão esquerda, a musicoterapeuta lhe diz para usar a mão

direita, com splint, ajuda-o e ele a usa. Sua cuidadora diz “ele adora música, tem DVD de

música, tem instrumento, música é com ele mesmo”. Ele pede para mudar de posição para

apoiar as costas, mostrando intenção de tocar mais tempo, e é reposicionado. Ele toca e ela

canta uma canção que diz que ele toca com a mão esquerda e com a mão direita, e ele vai

alternando as mãos. A musicoterapeuta canta uma canção que diz que ele vai levantar e

abaixar a mão sobre o teclado e ele faz os movimentos. Ela brinca dele tocar a gravação da

voz do cachorrinho em momentos determinados de “Cachorrinho está latindo”, ele percebe

melhor a canção cantada do que tocada, porque, quando ela toca, ele toca também. Ela toca

flauta e ele pega uma flauta, pergunta de que cor é, parece não conhecer cores. Toca junto da

musicotrapeuta, mantém contato visual com ela e usa a mão paralisada.

Bernardo toca marimba, a estagiária vai afastando-a para forçá-lo a andar, inventa

canções que dizem “toca, toca, toca a marimba”, põe o pandeiro à sua esquerda e o teclado à

sua direita e os toca para chamá-lo. Ligado na música que a musicoterapeuta faz, ele alterna

obedecer aos comandos da estagiária e prestar atenção ao que a musicoterapeuta toca,

mantendo contato visual com ela e com os instrumentos musicais.

A mãe do Gabriel dá à musicoterapeuta uma letra que fez homenageando a estagiária

que cuida dele, e a canta, pedindo que ela escreva a partitura para eles cantarem para ela.

Sessão 8 - TER 19/06/07 (STO8)

As estagiárias dizem que terça-feira é o dia mais cheio de crianças, por causa da

música, que elas querem aproveitar a Musicoterapia para as crianças que respondem menos ao

tratamento, pois elas reagem mais ao estímulo musical. Uma estagiária diz “Vinícius só vem

na terça-feira por causa da música, como ele não reage a mais nada estou tentando com a

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música, no caso dele a confusão de muitas músicas ao mesmo tempo estimula”. Outra

estagiária diz “a terça-feira está tumultuada porque está cheia de menino, a gente sabia que

seu trabalho era bom e então colocou outros meninos na terça-feira pra eles aproveitarem a

Musicoterapia”. A terceira estagiária diz “é tumultuado mas tá dando muito resultado”.

Lucas brinca com a estagiária, ouve a música dos instrumentos musicais que a

musicoterapeuta espalha e muda de postura, a estagiária diz “aí, ouve a música, pronto, quer

ver, escutou a música ficou doido”. A musicoterapeuta pergunta ao Lucas de onde vem a

música e ele se joga para onde estão os instrumentos musicais.

A estagiária está com Thiago e diz “o Thiago na semana passada gostou demais da

música, não foi, Thiago? Você lembra da música, Thiago?”.

A musicoterapeuta canta “Até logo”, Kamilly percebe que seu horário acabou mas

começa a tocar com Ludmila e Emilly, formando uma bandinha, as três meninas interagindo

umas com as outras. A musicoterapeuta canta “Até logo” com o nome da Emilly e ela bate a

mão esquerda marcando o ritmo da música e depois bate palmas. A musicoterapeuta e a

estagiária fazem roda com Kamilly e Ludmila e elas mantém contato visual com as duas e

entre si o tempo todo. Ludmila dá um beijo de despedida na musicoterapeuta, volta, pega um

violão e o toca para estender sua permanência na sala, mostrando que não quer ir embora.

Vinícius mostra alegria em ter o pandeiro e o teclado no colo, move a mão esquerda

com intuito de tocá-los. A musicoterapeuta toca os instrumentos com as mãos dele e ele

mostra prazer e direciona o olhar para ver de onde vem o som. A musicoterapeuta diz “o

Vinícius tá tocando com a mão” e abre a mão dele, fletida. Ela toca “Cai cai balão” inteira

com a mão dele e comemora “Vinícius tocou”, e as pessoas em volta festejam. Ele parece

gostar dos jogos e brincadeiras dos colegas, presta atenção, vira a cabeça e ri com a confusão

dos colegas cantando, tocando e dançando, as brincadeiras musicais chamam sua atenção.

Ângelo e a estagiária trabalham sua marcha com variações de rápido/lento, enquanto a

musicoterapeuta canta “Marcha soldado” marcando o ritmo no tambor.

Bernardo larga o que está fazendo para prestar atenção ao som da flauta, muda de

direção e anda, segurando no colchão, tentando pegá-la.

A coordenadora pede à musicoterapeuta que, ao final da pesquisa, deixe para o setor

os instrumentos musicais, para que os estagiários os usem com as crianças/adolescentes.

Gabriel chega e a musicoterapeuta distribui a folha com a letra que agradece o carinho

da estagiária com ele e todos cantam para ela.

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Sessão 9 - TER 260607 (STO9)

A musicoterapeuta traz chocalhos que ela construiu, de presente para as crianças e

técnicos. As estagiárias dizem que vão sentir saudades. A musicoterapeuta lhes dá os parabéns

porque todas elas compuseram canções e paródias dirigidas ao atendimento das crianças,

mostrando que a criação musical é acessível a não-musicistas.

A estagiária diz “teve um dia que o Thiago tava mais nervoso, a música deu uma

tranqüilizada, acalmou; a Kamilly nunca interagia com outra criança, no mesmo dia ela se

aproximou da Ludmila querendo brincar com ela, tranqüiliza, a criança interage mais”.

Outra estagiária diz “eu uso a música com o Yuri, criança desatenta em ambiente de

muito barulho dispersa, mas com criança com dificuldade de interagir a música ajuda”.

A terceira estagiária fala “crianças participam mais dos atendimentos com música; sem

a música o Lucas não ia conseguir escovar os dentes, eu sempre uso no atendimento dele e foi

positivo; a música bagunça o ambiente, interfere um pouco com meninos agitados, a Ludmila

precisa muito de concentração e com a música ela pára num instrumento, toca uma música,

buscar esse objetivo de concentração com música dá certo; eu vi mais resultado com o Lucas

e o Victor, eles respondem muito com música, têm uma relação muito boa com música”.

A quarta estagiária diz “mantenho os objetivos iniciais no dia da música, a Sofia

responde muito mais aos estímulos oferecidos, a Júlia que antes não ficava quieta nem um

minuto se concentrou muito mais, a música ajuda bastante nas atividades com a Emilly”.

Lucas come iogurte no prato, com colher, todos cantam as músicas feitas para ajudá-lo

a comer. Ele escolhe um chocalhinho, abraça e beija a musicoterapeuta.

A mãe de Kimberly diz “com música ela fica mais calma, a viagem no ônibus é

demorada e eu canto pra ela não estressar, ela presta atenção à letra da música, faz as vozes

dos bichinhos, aqui toca todos os instrumentos”. Kimberly, séria, presta atenção em tudo.

A mãe de Sofia diz “ela fica calma quando ouve rádio, eu não sou muito de cantar”, a

musicoterapeuta diz “você é que vai vir para a Musicoterapia agora”. A estagiária põe um

chocalho nas mãos de Sofia e o balança dizendo “ó o presente pra Sofia, Sofia vai levar pra

casa pra tocar pra mamãe”.

A estagiária adapta o teclado a uma mesinha para o Vinícius tocar, ele sorri.

Ângelo ouve a musicoterapeuta cantando “Olha quem vem pra música hoje” e aponta

para si mesmo, pedindo para ela cantar seu nome. Ele tenta tocar marimba com uma mão e

teclado com a outra mão, mas acha difícil. A estagiária deixa-o sozinho, tocando os

instrumentos musicais, e sai, confiante que ele dá conta da atividade. Ele anda desritmado,

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cai, pisa na ponta do pé. Sua mãe diz “ele adora música, principalmente violão, ele pula

dançando quando os irmãos põem música, na festa da escola puseram ele pra tocar tambor e

ele inventou uma música com seu próprio nome, ele gosta de fingir que tá cantando, faz

microfone com a mão e faz som vocal ããã”.

Victor chega, a estagiária canta “Pula, pula, palhacinho” para ele pular na cama

elástica, ele sobe, pula, desce, volta. Sua mãe diz “ele adora axé, hip hop com bastante som,

DVD da Xuxa, eu ponho Xuxa ele vê a tela azul e já vai pra frente da tv, bate palma, presta

atenção, quando acaba e começam as novelas ele gosta, mesmo a novela nova, ele percebe a

semelhança na sonoridade, eu canto pra ele, danço com ele, uso música mais quando ele tá

chorando muito, quando brinco com ele é com rádio ligado, quando ele tá nervoso chorando

pra dormir eu canto e danço e ele dorme, depois que começou a fazer Musicoterapia melhorou

em tudo, mesmo quando chora não é do jeito que ficava antes, ficou muito mais calmo,

quando meus irmãos ligam o vídeo-game e aparece a tela azul toca uma musiquinha e ele já

vai pra frente da TV, presta atenção no som e quando acaba ele chora, quando algum som

destaca mais uma imagem na TV ele olha e presta mais atenção à imagem por causa do som”.

A estagiária chama a musicoterapeuta “cê não viu nada, Gena, olha aqui!” e lhe mostra

Bernardo em pé sozinho. Ele dá quatro a oito passinhos, pega o teclado, carrega-o, grita e

chora quando a estagiária toma o teclado dele para forçá-lo a buscá-lo de novo. A mãe do

Bernardo canta “Parabéns pra você” para trocar fralda dele e diz “só assim ele fica quieto”.

A mãe de Gabriel chega anunciando “cheguei, pode cantar ‘Olha quem vem pra

música hoje’, ele bate palmas e a mãe diz “ele já chega batendo palma”. Sua mãe conta que

“ele precisou se internar, ainda não está bem mas não podia perder a Musicoterapia”. A

musicoterapeuta canta e Gabriel dança, toca pandeiro e bate palmas. A estagiária diz “ele já tá

procurando intencionalmente o instrumento, vai com a mão, melhorou”.

A mãe de Maycon diz “ele adoeceu, ficou uma semana no hospital, mas continua

gostando de música do mesmo jeito, adora, Rio Negro e Solimões, cada coisa palha que nem

eu gosto, música antiga, não gosta muito de música de criança, gosta de Zezé di Camargo e

Luciano”. Maycon ri feliz, tenta se arrastar para chegar até ao pandeiro, ri do Gabriel batendo

palma. Quando a musicoterapeuta fala dele, ele lhe responde fazendo sons vocais.

Todas as crianças escolhem um chocalho e se despedem da musicoterapeuta e das

estagiárias. A musicoterapeuta deixa os instrumentos musicais para o Setor de Terapia

Ocupacional e a estagiária comemora “vai deixar os violões também? Ó que bom!”

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Apêndice B - Criações musicais realizadas na pesquisa

1. A barata diz que tem

Paródia sobre canção folclórica.

Objetivo: Chamar a atenção da criança para seu nome próprio,

preparando sua pronúncia através de uma rima

A barata diz que tem um vestido e um chapéu, é mentira da barata que isso tudo é da Bebel

A ha ha, ho ho ho, isso tudo é da Bebel (bis)

A barata diz que tem um livrinho de história, é mentira da barata que o livrinho é da Vitória

A ha ha, ho ho ho, o livrinho é da Vitória (bis)

A barata diz que tem um colar e um anel, é mentira da barata que isso é do Gabriel

A ha ha, ho ho ho, isso é do Gabriel (bis)

A barata diz que tem uma pera e uma maçã, é mentira da barata que isso tudo é do Luan

A ha ha, ho ho ho, isso tudo é do Luan (bis)

2. A buzina

Composição feita pela musicoterapeuta.

Objetivo: Ampliar uma idéia trazida pela criança.

A buzina do carro vai tocar: fon fon! Quem está tocando a buzina? É o Fred

Esse Fred toca, toca a buzina, esse Fred é muito esperto e toca a buzina

3. A mão direita

Paródia de “A mão direita tem uma roseira”, do folclore brasileiro.

Objetivo: Estimular o movimento da mão paralisada.

A mão direita toca o teclado, a mão direita toca o teclado

Que som lindo! Que som lindo! Que som lindo! Que som lindo!

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4. A turma de sexta

Paródia de “Ode à alegria”, da Nona Sinfonia de Ludwig van Beethoven Objetivo: Descrever os componentes e a dinâmica do grupo

Toda sexta-feira nossa turma se encontra para fazer música e muita brincadeira

Gena e Henrique na flauta, Eric no guizo, Fátima no violão

E a Fabíola no teclado com animação

5. Caminhando

Composição musical feita pela musicoterapeuta.

Objetivo: Evidenciar para a criança o fato dela estar andando,

tornar prazerosa sua marcha, apontar benefícios da marcha

e orientar a regularidade de seu ritmo de marcha.

O Luan já sabe caminhar, ele põe um pé e depois o outro pé

O Luan é tão esperto, ele vai aonde ele quer

O Luan agora vai passear, pé direito, pé esquerdo, quem quiser que venha ver

Onde é que vai esse Luan? O Luan é quem vai nos dizer

6. Esses meninos maravilhosos

Composição musical feita pela musicoterapeuta.

Objetivo: Estimular a articulação orofacial das crianças

através da imitação de sons onomatopaicos

relacionados a conteúdos conhecidos por elas.

Esses meninos maravilhosos sabem imitar os animais

A Bebel imita o carneirinho e a Sofia imita o boizinho

O Juan imita o gorila e o Gabriel imita o leão

O Vítor imita o cachorrinho e o Rafael imita o cavalinho

Vamos todos prestar atenção que os animais já vão cantar

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7. Eu vou

Paródia feita pela musicoterapeuta.

Objetivo: Estimular a aquisição de atividades da vida diária.

Eu vou tirar a roupa, eu vou tirar a roupa, eu vou tirar a roupa pra ficar bem gostosão

Eu vou vestir a roupa, eu vou vestir a roupa, eu vou vestir a roupa pra ficar bem gostosão

Eu vou calçar os tênis/ escovar os dentes/ pentear os cabelos/ cortar as unhas ...

8. Festa junina

Letra da musicoterapeuta sobre melodia de “O tambor”, de Mário Mascarenhas.

Objetivo: Personalizar a participação dos adolescentes na festa junina.

Vamos todos juntos preparar a festança lá no arraiá

Festejando com animação Santo Antônio, São Pedro e São João

Os meninos, todos chiques, de bota e chapéu, vão soltando balõezinhos, colorindo o céu

As meninas, com alegria, mexem no fogão a canjica, a pipoca e o quentão

Gena e Henrique tocam flauta pra gente cantar

Lindos versos que Eva e Lília gostam de inventar

E o Eric, a Fabíola e a Fátima também o teclado tocam muito bem

A Waldith até escolhe teclado ou violão e a Bianca canta alegre a linda canção

Tá faltando um sanfoneiro pra festa animar? A Edna não pode faltar!

9. Gabriel de janelinha

Composição musical feita pela mãe de uma criança.

Objetivo: Atualizar a consciência corporal da criança.

O Gabriel tem um sorriso lindo, vai trocar dentinho, ficar de janelinha

Que lindo, que lindo que é esse menino! Eu quero estar sempre perto do Gabrielzinho

Eu estou dentro do ônibus inventando uma música

Porque cantar e tocar é a coisa mais linda do mundo

Eu canto pro Gabriel e ele fica tão feliz, e abre um sorrisinho e mostra sua janelinha

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10. Gustavo no piano

Paródia de “Carnaval de Veneza”, do folclore italiano, feita pela musicoterapeuta.

Objetivo: Evidenciar para a criança suas aquisições psicomotoras.

Gustavo no piano toca com as duas mãos

E todos ouvem felizes, encantados com as canções

Elvira e Gena se alegram e vêm logo escutar

Miguel, que ouve quietinho, vem pra perto pra tocar

11. Jogando Bola

Composição musical feita pela musicoterapeuta.

Objetivo: Estimular e amparar a interatividade entre as crianças.

A Adriana joga a bola, vai jogar para o Paulo

O Paulo joga a bola, vai jogar pra Adriana

12. Kátia

Composição musical feita pela mãe de uma criança.

Objetivo: Agradecer à estagiária o cuidado com a criança.

Kátia, você é legal, é especial, valeu a atenção!

Deus te proteja, menina, ilumine seus passos, seja feliz!

O Gabriel entendeu, até beijo mandou e foi de coração

Kátia, você é legal, é especial, eu sigo feliz (bis)

Kátia, você é legal, é especial, valeu a atenção!

Deus te proteja, menina, ilumine seus passos, seja feliz!

O Gabriel vai andar, pode até demorar, na T. O. vai estar

Eu nunca vou desistir, confio em Deus, e agradeço a você

Kátia, você é legal, é especial, eu sigo feliz

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13. Levanta e toca

Composição da musicoterapeuta.

Objetivo: Estimular a criança hemiplégica a usar a mão paralisada.

Levanta e toca! Levanta e toca!

Levanta lá no alto! Muito bem!

14. Mais uma primavera!

Paródia grupal sobre “Primavera”, de “As quatro estações”de Antonio Vivaldi.

Objetivo: Comemorar o aniversário do adolescente

e reforçar o conhecimento do grupo sobre música erudita.

Vamos nos preparar para a festa que vai chegar, festejando o dia do Eric

Vamos todos cantar, instrumentos vamos tocar pra alegria sempre reinar

Depois vai rolar comida, depois vai rolar bebida, docinhos pra gente saborear

Depois é fazer dieta pra gente ficar esbelta, bem lindos, pra outra festa esperar!

15. Marcha nupcial

Letra coletiva sobre melodia de Felix Mendelsohn.

Objetivo: Trabalhar o desejo de casamento dos adolescentes

e reforçar seu conhecimento sobre música erudita.

Lá vem a Bianca toda branca para casar (mas que linda noiva!)

E lá no altar o Renato a esperar

Ela já vem entrando, o seu pai a está levando, e os seus amigos felizes a admirar

E, lá na frente, o Renato, de emoção, vai desmaiar (todo mundo corre)

Ainda bem que o padre está lá pra segurar

16. Marcilene toca piano

Composição da musicoterapeuta sobre dedilhado de escala pentatônica.

Objetivo: Estimular a mãe a participar da atividade musical da criança.

Olha, a Marcilene já vai tocar, ela toca, toca, não quer parar

Vem logo a Gena pra ajudar, ela toca junto pra acompanhar

Do re mi fa sol, sol fa mi re do, essa turma vai levantar o pó

Já chegou o Miguel para escutar, ele se animou e já quer tocar

E o Sparky chora, chora sem parar, porque cachorrinho não pode entrar

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17. O Alessandro vai solfejar

Composição da musicoterapeuta sobre dedilhado da escala diatônica.

Objetivo: Estimular a criança/adolescente a solfejar.

O Alessandro vai solfejar pulando numa perna só

Do re mi fa sol la si do, do si la sol fa mi re do

18. O Gatinho

Composição musical feita pela musicoterapeuta.

Objetivo: Estimular o referenciamento do olhar da criança

através do acompanhamento visual de um objeto sonoro.

O gatinho foi embora, sumiu, sumiu, ele foi lá pra longe, ele foi pro bebeléu

Mas depois ele ficou com saudade, com saudade, e então ele voltou pra pertinho da Bebel

19. O leão marinho

Composição musical feita pela musicoterapeuta.

Objetivo: Atualizar a consciência corporal da criança

e seu conhecimento sobre animais.

O leão marinho gosta muito do André (bis), ele sobe na mão, ele sobe no pé

O elefante/leão/girafa/rinoceronte/canguru/golfinho gosta muito do André (bis)

Ele sobe na mão, ele sobe no pé

20. Olhe quem vem pra música hoje

Versão da musicoterapeuta para canção “Look who’s come for music today!”, de Laurie A. Farnan.

Objetivo: Saudar a criança/adolescente e reforçar seu nome.

Olhe quem vem pra música hoje! Olhe quem vem pra música hoje, olá!

Bebel é quem vem pra música hoje! Bebel, seja bem vinda!

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21. O Miguel sabe tocar, aleluia!

Paródia da canção religiosa “Michael rows the boat ashore”

Objetivo: Atender ao pedido da criança,

criar uma letra em sua língua,

inserir seu nome para reforçar sua identidade.

O Miguel sabe tocar, aleluia! O Miguel sabe cantar, aleluia!

O Miguel toca tambor, aleluia! O Miguel toca piano, aleluia!

Vamos todos escutar, aleluia! Que o Miguel já vai tocar, aleluia!

Ele bate as duas mãos, aleluia! Ele toca sem parar, aleluia!

22. O Urso

Composição musical feita pela musicoterapeuta.

Objetivo: Apoiar e ampliar os sons feitos pela criança/adolescente.

O ursão vem brincar aqui com o Jonathan

Como faz esse ursão? Ele faz bem assim: Grrrrr!

23. Quem está batendo na porta?

Composição musical feita pela musicoterapeuta.

Objetivo: Evidenciar para a criança suas realizações.

Quem está batendo na porta da Gena? Toc toc toc, vamos ver quem é

Esse menininho que veio pra música, tão bonito e tão esperto é o André

Ele toca tambor pam pam pam! Ele toca violão blão blão blão!

Ele toca pandeiro, toca flauta e caxixi, toca gaita e teclado, canta e dança sem parar

24. Rolando

Composição musical feita pela musicoterapeuta.

Objetivo: Estimular o movimento de rolagem supino/prono.

Rolo pra lá, rolo pra cá, vou parar com a barriga pra cima

Passo a mão na barriga e bato 1, 2, 3

Rolo pra lá, rolo pra cá, vou parar com o bumbum para cima

Passo a mão no bumbum e bato 1, 2, 3

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25. Shrek

Composição musical feita pela musicoterapeuta.

Objetivo: Ampliar o mundo da criança partindo de um objeto obsessivo dela.

Lá vem o Shrek pra brincar com o Iago, lá vem o Shrek pra brincar com a Gena

Esse Shrek gosta muito de brincar e também gosta muito de tocar tambor

E também gosta muito de tocar flauta, e também gosta muito de tocar piano

E também gosta muito de tocar teclado, e também gosta muito de tocar chocalho

26. Tico e Teco

Composição musical feita pela musicoterapeuta.

Objetivo: Ampliar o mundo da criança partindo de um objeto obsessivo dela.

O Tico e Teco comem pipoca, o Tico e Teco comem amendoim

O Tico e Teco sobem na árvore, o Tico e Teco dão tchau pra mim

27. Um fantasma de pano

Composição da musicoterapeuta.

Objetivo: Elaborar a fala da criança sobre personagens assustadores.

Um fantasma de pano, como é que ele faz? E o menino corajoso, como é que ele faz?

A Dona Morte, como é que ela faz? E o menino corajoso, como é que ele faz?

Um lobisomem, como é que ele faz? E o menino corajoso, como é que ele faz?

Um Frankenstein, como é que ele faz? E o menino corajoso, como é que ele faz?

Uma caveira, como é que ela faz? E o menino corajoso, como é que ele faz?

Um Frankenstein, como é que ele faz? E o menino corajoso, como é que ele faz?

Uma múmia enfaixada, como é que ela faz? E o Pedro Vítor, como é que ele faz?