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Seminário de Criminologia
Texto: (Re)encontrando o Cemitério dos Vivos ou quebrando a barreira do silêncio:
a experiência no Presídio de Camaquã (RS)
Autores: Augusto Jobim do Amaral e Juliano Gomes de Carvalho
Aline Frey Colussi
Camila Schneider Mallet
Isadhora Bolônia Horta de Oliveira
Lunna Borin Moura
Paula Garcia Gonçalves
O título do artigo faz uma alusão à obra de Lima Barreto chamada Diário do
Hospício e o Cemitério dos Vivos, já que desde sempre as instituições totais
desempenham esse papel de exclusão social e de retirada da subjetividade dos
indivíduos, o que Lima Barreto antecipou nesta obra.
Diante desta proposição, os autores realizaram uma pesquisa no Presídio de
Camaquã. O grande objetivo foi trazer à tona a voz daqueles que vivenciam o sistema
carcerário, que muitas vezes é ignorada. Ao invés de falar em nome do outro, buscaram
o dizer do outro. É interessante a abordagem feita pelos autores no sentido de evidenciar
que a forma mais eficaz de conhecermos o ambiente carcerário é conhecendo a
realidade, retirada daqueles que a vivenciam diariamente, ou seja, os detentos.
É relevante também a menção que fazem os autores à provisoriedade do
trabalho, o que se coloca justamente contra as definições tidas como definitivas pelo
senso comum.
A pesquisa consistiu em entrevistas com os apenados do regime fechado, não
havendo uma condução da conversa, de modo que os autores deixaram os detentos
livres para falarem sobre seus anseios. Procuraram, assim, trazer o detento para as
discussões acerca do sistema penal.
No início das conversas, os pesquisadores enfrentaram certa dificuldade, o que
limitou a compreensão. Devido à distância de realidades, as construções linguísticas
eram bastante diferentes, por isso levou certo tempo para haver maior entendimento da
fala. Além disso, se tratava de um ambiente completamente totalizador, e não só o
autoritarismo imperava em relação aos presos, mas era dirigido a todos que estavam
inseridos naquele ambiente.
Inicialmente, os voluntários contavam como funcionava a rotina do presídio.
Após, por começarem a sentirem mais confiança nos pesquisadores, o clima tensionado
do início foi se esvaindo. Os presos perceberam que sua voz realmente importava
naquele momento, e a indiferença absoluta, que sempre existiu naquele local, àquele
momento não existia. A partir daí, as visitas dos voluntários na sala que foi
disponibilizada para as conversas intensificaram. Isso trouxe à tona o quanto o sistema
carcerário não está hábil para lidar com os detentos.
Certamente, os autores notaram que a dificuldade trazida pela limitação da
linguagem foi um alerta, no sentido de que é essencial sair do universo do monólogo
jurídico, no qual semelhantes falam com e para semelhantes, o que não traz tanto
impacto assim.
É fundamental, para a percepção de uma realidade, ter a experiência de fazer
com que os protagonistas daquela realidade sejam também os protagonistas de suas
falas, a fim de transmitir o mais aproximado de suas vivências. Apenas desse modo será
possível compreender a dor alheia e impedir que seja expandido o poder punitivo.
No terceiro capítulo, os autores falam acerca da seletividade do sistema penal,
aludindo que a própria desigualdade social estabelecida em nosso país acarreta a
disseminação da violência. Essa desigualdade acaba criando “muros” na sociedade que
vão além dos muros físicos das prisões. Os autores concluem, dessa forma, que quanto
mais ficamos distantes e indiferentes, mais alimentamos o sistema que já é, por si só,
desigual.
Os autores ainda comentam os relatos dos detentos, marcados
predominantemente por momentos da infância, apresentando uma enorme fragilização
dos laços sociais. Podia se perceber, segundo os autores, uma ausência total por parte do
Estado na vida de certos grupos sociais.
Porém, ao mesmo tempo em que a fala dos detentos mostrava valentia por
terem conseguido sobreviver a toda desigualdade e dificuldade, mostrava também um
profundo ressentimento pelo abandono estatal, pois alguns deles tiveram a primeira
atenção do Estado quando foram punidos.
Quando questionados a respeito de suas famílias e como elas lidavam com o
cárcere, pode-se perceber a presença de vários sentimentos. A saudade do convívio
diário, o medo de que algo aconteça aos familiares, mas acima de tudo, o sentimento de
vergonha por encontrarem-se nessa situação. Nesse momento, os autores criticam o
princípio da pessoalidade da pena, pois mesmo que distante, a família sofre os efeitos da
prisão.
A falta de estudo também é presente na fala dos detentos. Muitos relataram que
abandonaram a escola por falta de incentivo dos pais, outros por necessidade financeira
optaram pelo trabalho e a grande maioria por conta das drogas. Os autores mencionam
que a grande maioria da população carcerária é analfabeta ou analfabeta funcional, o
que os deixa ainda mais excluídos de todo o processo que define suas vidas – falta de
capacidade de entenderem suas situações jurídicas –, corroborada ainda pela falta de
auxílio profissional.
O fator escolar demonstra a seletividade da criminalização, visto os notáveis
índices de pauperização em que se encontram os “clientes do sistema”. O que não
afirma o simplismo redutor que alia pobreza à criminalidade, mas que considera
pobreza como elemento sensível e profundamente funcional aos meios de
criminalização primária e secundária.
O relato dos entrevistados sobre o lugar que a escola deixou de ocupar em suas
vidas é muito interessante, pois embora o meio social e família não tenham nenhum tipo
de valorização do estudo, os apenados têm ciência da importância e buscam em seus
planos retomar de onde pararam, planejando, assim, a mudança de vida. Salienta-se que
a principal causa do abandono escolar é a drogadição, definida pelos autores como “rede
complexa e multifacetada”.
Pelas entrevistas percebe-se, na maioria, problema claro de vulnerabilidade
social. Esse problema é levado ao discurso das agências de criminalização para traçar a
relação entre a violência e um grupo como patologicamente delinquente.
Além disso, os entrevistados relatam o distanciamento entre as necessidades
dos internos e o oferecido pelo aparato da justiça. O apenado muitas vezes não consegue
acompanhar o seu processo, demora meses para conseguir contato com a assessoria
jurídica, não entende os mecanismos processuais que acabam por decidir seu futuro.
Esses fatores de incerteza fomentam o descrédito na justiça, os apenados
relatam que não vêem possibilidade de justiça em seus julgamentos, não somente no
tocante a condenação, mas com o fato de não terem sido ouvidos de verdade.
Ademais, o explícito desamparo legal acarreta instabilidades emocionais,
revoltas e violência. Os apenados buscam por alguma esperança frente a tantas
incertezas do sistema, de modo que alguns casos acabam em fugas desesperadas, o mais
comum é o refúgio nas drogas e na religião.
O capítulo quatro destina-se a retratar a violência disciplinadora inserida no
cotidiano penitenciário. Sobre o objetivo disciplinado, é o paradoxo que aflora: sabe-se
que a prisão constrói a delinquência e ainda se teima em buscar o apenado
“enquadrado”, aquele sujeito modelar da obediência (des)individualizadora degradante
da subjetividade. Nesse raciocínio de desconstrução da subjetividade se busca a
transformação do preso em um cidadão ideal, dócil e produtivo.
As entrevistas testemunham o grande esforço dos apenados na busca de meios
que amenizem as aflições durante os dias na prisão. A sanidade mental dos apenados
depende da habilidade de desviar o pensamento para fora daquele ambiente. Assim,
sobrevivem na tentativa de imaginar o mundo do outro lado dos muros.
Nesse sentido, os autores esboçam a dificuldade dos apenados manterem a
saúde mental diante do aprisionamento e encerram o capítulo com a seguinte frase:
“encarar a realidade da prisão exige grande esforço mental, aprisionar o corpo é
considerado o menor dos males pela grande parte dos entrevistados frente ao flagelo
da alma”.
Assim, os autores finalizam o texto fazendo uma análise crítica do
distanciamento existente entre a pena aplicada ao condenado e a realidade da execução
penal. Referem que há de se ter uma doutrina de vanguarda crítica, a qual poderá
melhorar a tensão entre os dois pontos.
Nesse contexto, os autores acreditam que a metodologia utilizada na sua
pesquisa pôde contribuir para tanto. Quer dizer, ao dar voz a quem não tem voz,
iluminando e trazendo à tona sua realidade, seus sentimentos, seu cotidiano, de forma
genuína e livre, há uma esperança em se clarificar as interfaces do poder político que
controla o corpo social – gestão das ilegalidades (FOUCAULT). Aduzem que talvez
não exista outra forma melhor de compreender o sistema prisional e os apenados que
não se inserindo no meio e tomando conhecimento total de sua realidade prática, dando
voz aos apenados e aos carcereiros, inclusive.