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OO PPLLAANNEEJJAAMMEENNTTOO HHIISSTTÓÓRRIICCOO--CCRRÍÍTTIICCOO DDAA TTEEOORRIIAA ÀÀ PPRRÁÁTTIICCAA:: RREEFFLLEEXXÕÕEESS AACCEERRCCAA DDEE SSUUAA CCOONNCCRREETTUUDDEE
Valéria da Silva Marques Assis Rubo1
O artigo científico: “O Planejamento histórico-crítico da teoria à prática: reflexões acerca de sua concretude” é resultado do Programa de Desenvolvimento Educacional do Paraná, uma iniciativa inédita de retorno dos profissionais da educação aos estudos acadêmicos e desafia à reflexão acerca de uma sociedade que apesar de ser detentora de tecnologia e ciência suficiente para minimizar as imensas desigualdades sociais, continua fortalecendo a cultura do privilégio através de mecanismos de exploração humana. Destaca, entre outros objetivos, a necessidade de revelar os interesses econômicos e políticos que fundamentaram historicamente a educação no âmbito escolar, situa neste contexto o planejamento e aponta para sua transposição didática, numa perspectiva histórico-crítica, tornando-o mais próximo e acessível ao professor. Neste processo revela relatos de discussões com um grupo de pedagogos e professores, durante proposta de formação continuada, com a intencionalidade de aprofundar o tema, diagnosticar as dificuldades e investigar possibilidades de superação. Os resultados apontam para o abismo entre a teoria que se constitui de discurso emancipatório e a prática pautada em concepções ideológicas liberais, concluindo que a tomada de consciência sobre este paradoxo acerca do planejamento é o primeiro passo na tentativa de agregar-lhe sentido, finalidade e concretude.
Palavras-chave: Transformação social. Teoria e prática. Planejamento histórico-crítico.
1 Especialista em Didática e Metodologia, Educação Infantil e Anos Iniciais. Professora da Rede Municipal de Educação, Professora Pedagoga da Rede Estadual de Educação. Experiência profissional nas áreas de estrutura e funcionamento, psicopedagogia, assessoria pedagógica e coordenação da Equipe do NRE de Londrina.
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TTHHEE HHIISSTTOORRIICCAALL--CCRRIITTIICCAALL PPLLAANNNNIINNGG OOFF TTHHEEOORRYY TTOO PPRRAACCTTIICCEE::
RREEFFLLEECCTTIIOONNSS OONN HHIISS CCOONNCCRREETTEENNEESSSS
Valeria da Silva Marques Assis Rubo2
The scientific article: "The planning of the historical-critical theory to practice: reflections on its concreteness" is a result of the Program for Educational Development of Parana, a new initiative to return the education professionals to academic studies and thinking about the challenges of a society that despite being in possession of technology and science enough to minimize the huge social inequalities, continues to strengthen the culture of privilege through mechanisms of human exploitation. Highlights, among other objectives, the need to reveal the economic and political interests that historically supported education within school, situated in this context the planning and points to its implementation didactic, in a historical-critical, making it closer and more accessible teacher. Neste processo revela relatos de discussões com um grupo de pedagogos e professores, durante proposta de formação continuada, com a intencionalidade de aprofundar o tema, diagnosticar as dificuldades e investigar possibilidades de superação. The results emphasize the gap between the theory that it is of emancipatory discourse and practice based on liberal ideological conceptions, concluding that increased awareness about this paradox about the planning is the first step in trying to add him direction, purpose and concreteness.
Keywords: Social transformation. Theory and practice. Planning historical-critical. 2 Specialist Teach and Methodology, Education and Children's early years. Teacher Network's Hall of
Education, Professor Pedagoga of State for Education Network. Professional experience in the areas of structure and functioning, Psicopedagogia, educational assistance and coordination team of the NRE of Londrina.
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IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO
O PDE, Programa de Desenvolvimento Educacional da Rede Pública
Estadual do Paraná, tem proporcionado, após a fase de delimitação e
aprofundamento sobre o objeto de estudo, uma etapa de intervenção
pedagógica, que favoreceu a socialização de subsídios teóricos e metodológicos
referentes ao modelo pedagógico para o qual apontam as Diretrizes Curriculares
Estaduais. No caso que origina a construção deste artigo, os objetivos da
intervenção voltam-se ao aprofundamento histórico sobre as diversas
pedagogias em seu contexto econômico, político e social, enfocando como tema
o planejamento histórico-crítico enquanto instrumento de melhoria qualitativa do
processo ensino-aprendizagem.
As discussões aqui apresentadas são resultado deste processo de
estudos, bem como da intervenção realizada durante o ano de 2008, com um
grupo de 30 pedagogos e professores, mediante levantamento das defasagens
e limitações na construção e acompanhamento do planejamento, por meio de
entrevistas semi-estruturadas, análise dos planejamentos e dos relatos dos
profissionais envolvidos.
Nesse processo é utilizado como roteiro para reflexão o caderno
pedagógico, produzido no 2º período do PDE, no qual à luz de referenciais
teóricos e de estratégias, como análise de textos e filmes, procura-se de forma
dialética, construir possibilidades de superação das práticas encontradas. Longe
da pretensão de esgotar questões teóricas sobre o tema, a intenção é a de
possibilitar maior concretude ao planejamento na perspectiva histórico-crítica,
através da construção coletiva de amostragens de planejamentos, de acordo
com a perspectiva apontada por Saviani (2005-2007) e Gasparin (2005).
BBRREEVVEE CCOONNTTEEXXTTUUAALLIIZZAAÇÇÂÂOO HHIISSTTÓÓRRIICCAA SSOOBBRREE OO PPLLAANNEEJJAAMMEENNTTOO
A educação tem sempre uma intencionalidade diretamente
relacionada a questões políticas e econômicas, originando modelos de
pedagogia implantados no sentido de servir a propósitos hegemônicos, de
acordo com as concepções de homem e sociedade que se pretende formar. Da
mesma forma, os paradigmas de planejamento são constituídos, de matéria-
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prima (valores, concepções, conceitos), que copiam as formas de produção da
existência humana. Nessa perspectiva, precisamos ter clareza de que por trás
de toda prática há necessariamente uma teoria, (quer a enxerguemos ou não,
seja ela ao nosso favor ou contra nós), que decorre do movimento histórico e
cuja consciência é imprescindível para a transformação das bases sociais.
Analisando o planejamento ao longo da história podemos observar
que no Brasil, do modelo jesuítico até os dias atuais, a pedagogia tradicional -
versão laica - é aquela que predomina nas formas de organização escolar,
apresentando-se através dos passos didáticos de Herbart: preparação,
apresentação, assimilação, generalização e aplicação. (BRUBACHER apud
VASCONCELLOS, 2005, p.21), ou ainda sob sua forma reduzida: a
apresentação de um assunto; a resolução de um exercício modelo; e a
proposição de uma série de exercícios, muitas vezes sem a reflexão crítica
sobre suas variáveis.
Nesta organização pedagógica o conhecimento é apresentado como
absoluto. O professor, como dono da verdade, apresenta-se autoritário, distante
dos alunos e, em nome da obediência, procura discipliná-los. O aluno,
considerado um adulto em miniatura, caracteriza-se como um ser receptivo e
passivo, realizador de tarefas. (BEHRENS, 2000). Esta proposta caracteriza-se
essencialmente pelo planejamento baseado no livro didático adotado, no qual os
blocos de conteúdos são apresentados de forma linear, na seqüência lógica de
determinado autor e revela-se, na maioria das vezes, como a didática do
“atalho”, como nos alerta Vasconcellos:
O professor querendo ‘ganhar tempo’, ‘dá’ logo o resultado, a síntese, a conclusão, o modelo, a fórmula, o algoritmo [...] Dessa forma, deixa de lado a preocupação com o tempo de reflexão necessário para a reapropriação do conhecimento pelo educando, bem como sua respectiva fundamentação e significação. (2005, p. 30-32).
Todas essas características prevalecem dentro do modelo econômico
hegemônico, de reprodução de modelos e de dependência com relação ao
primeiro mundo, legitimando a tese de que o que interessa de fato à escola, não
é a apropriação cultural, mas a domesticação dos futuros trabalhadores ou a
alienação das novas gerações de consumidores. (VASCONCELLOS, 2005).
Com o acelerado processo de urbanização e a intensificação do
discurso democrático, em contraposição ao paradigma tradicional, as idéias de
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intelectuais como Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho,
ganham força, e estes publicam o “Manifesto dos Pioneiros de Educação Nova”
um divisor de águas entre educadores conservadores e renovadores.
(GHIRALDELLI, 1991)
Nesse modelo, o ensino passa a ser centrado no aluno, enquanto ser
ativo do processo, sendo valorizado o atendimento aos interesses, diferenças e
ritmos individuais, a partir do trabalho em grupo. Atribui-se grande importância
aos métodos, nos quais o professor desenvolve o papel de facilitador da
aprendizagem – aquele que auxilia o desenvolvimento livre e espontâneo do
aluno. (BEHRENS, 2000). Trata-se de um período no qual as escolas
experimentais ou escolas muito bem equipadas, destinadas à elite, aprofundam-
se a respeito do desenvolvimento da criança e das características próprias da
infância, trazendo contribuições da psicologia para a construção do
conhecimento em sala de aula. O professor age como estimulador e orientador
da aprendizagem, deixando a iniciativa principal aos próprios alunos. Dessa
forma, o ambiente estimulante, com jogos e desafios, propicia a interação entre
os alunos e entre estes e o professor, facilitando a descoberta e a construção
dos conhecimentos por meio da experimentação.
No entanto, esses pressupostos, considerados inovadores, nas
escolas públicas são fragmentados ou distorcidos, sem a devida apropriação do
professor, e sem as respectivas condições necessárias à sua efetivação (grande
número de alunos em sala de aula, falta de equipamentos, laboratório, entre
outros). O que ocorre de fato é que, pelo viés do escolanovismo, muitos
conceitos são deturpados e assimilados pelo corpo docente. Dessa forma, o
planejamento flexível (de acordo com as curiosidades, ritmos e interesses das
crianças) sem a devida transposição, sistematização e apropriação para os
conhecimentos científico-culturais, acaba servindo a propósitos de esvaziamento
dos conteúdos.
Mais tarde, no contexto da Ditadura Militar, com o golpe de 1964, a
pedagogia tecnicista é que se expande, seguindo a tendência administrativa
inspirada no taylorismo, vigente nas indústrias, visando a qualificação para o
mercado de trabalho, de acordo com interesses da sociedade capitalista. Nesse
período, a partir de uma seqüência lógica focada nos princípios de eficiência,
racionalização e produtividade, busca-se uma padronização dos planejamentos.
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Estes são apresentados como formulários diagramados em colunas referentes
aos objetivos, conteúdos, estratégias e avaliação. Nessa padronização
reforçam-se os objetivos instrucionais, que se referem às mudanças esperadas
no comportamento dos alunos nos domínios cognitivo, afetivo e psicomotor,
além dos objetivos comportamentais que tratam do que o aluno precisa fazer ou
realizar para demonstrar atingir o objetivo. (FUSARI, 1994). Estes formulários de
planejamento são amplamente divulgados e passam a fazer parte da cultura
escolar. Destituídos de significado, colocam os meios e os recursos no centro da
prática educativa (priorizam-se os recursos tecnológicos, os audiovisuais, os
estudos dirigidos), ficando o conteúdo em plano secundário. Neste modelo, o
Planejamento passa a ser considerado assunto para especialistas e técnicos de
educação, sendo apenas reproduzido na escola, de forma que professor e aluno
se tornam meros executores.
Em nossas práticas educacionais encontramos influências de todas
estas pedagogias: traços tradicionais, escolanovistas e tecnicistas. Caímos
assim nos extremos do autoritarismo, da flexibilidade ou da burocracia. Todos
esses comportamentos são fundamentados nos princípios gerais da ideologia
liberal que legitima e sanciona a sociedade de classes, o menor poder do
Estado e a concepção segundo a qual os indivíduos mais talentosos devem ser
materialmente recompensados. (CUNHA, 1980). Nesse sentido, continuamos,
de forma alienada, e até ingênua, trabalhando para atender a propósitos
excludentes, esquecendo a premissa para a qual Engels já chamava a atenção:
[...] que a “natureza” (e a sociedade), a médio e longo prazos se vinga das ações que nós praticamos sem uma visão de totalidade, ou seja, [...] que atos aparentemente positivos no nível individual ganham características negativas no nível coletivo. (apud LUCKESI, 2006, p.108).
Desta forma, ao desconsiderar a desigualdade de condições
(econômicas, físicas, culturais, políticas) e assumir uma educação voltada à
individualidade, ao corporativismo e à competitividade, equivocadamente
tratamos os desiguais com igualdade (numa perspectiva pseudo-democrática), o
que ocasiona o efeito “bumerangue” de uma sociedade injusta, devolvendo a si
própria, o resultado das chagas provocadas.
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UUMMAA PPRROOPPOOSSTTAA DDEE SSUUPPEERRAAÇÇÃÃOO:: OO PPLLAANNEEJJAAMMEENNTTOO HHIISSTTÓÓRRIICCOO--CCRRÍÍTTIICCOO
A questão da igualdade [...] não está dada no ponto de partida, mas [...] é algo que tem que ser alcançado no ponto de chegada. (SAVIANI, 2005, p.80).
A análise de nosso percurso histórico nos revela que muitos
professores deixam de planejar ou o fazem de forma aleatória porque, sem o
devido tempo para a reflexão teórica de sua prática, são expropriados do seu
saber, talvez porque o imediatismo pragmático de nosso tempo, ao provocar o
aumento de encargos que extrapolam a dimensão pedagógica, vem esvaziar os
instrumentos que realmente lhe agregam valor, sendo destituídos do real
sentido de seu trabalho, conforme alerta Saviani “... parece que a escola cuida
de tudo, menos de ensinar, de instruir.” (1996, p.159).
Mas qual seria, então, a proposta de educação da qual lançaríamos
mão e investiríamos forças, na tentativa de modificar as imensas desigualdades
de nossa sociedade?
Neste trabalho buscamos discutir uma proposta voltada à noção de
omnilateralidade (conceito de Gramsci retomado em Frigotto (1995) e Saviani
(2003), que compreende o desenvolvimento integral do ser humano em todas as
suas dimensões. Essa proposta busca a superação da divisão do trabalho e a
união do trabalho manual com o trabalho intelectual num processo histórico-
concreto de construção da sociedade, pressupondo a politecnia - o domínio
científico e tecnológico dos processos produtivos.
Esta concepção de educação necessita de uma real concepção de
interdisciplinaridade que, para além da justaposição das disciplinas, busque
entender a articulação das partes, e as conexões teóricas e práticas que, de
forma dialética, vão constituir a totalidade na produção do conhecimento, como
explicitou Ciavatta (2001, p.132). “A totalidade é um conjunto de fatos
articulados ou o contexto de um objeto com suas múltiplas relações ou, ainda,
um todo estruturado que se desenvolve e se cria como produção social do
homem”
Para o professor consiste numa nova postura, articulada com a
prática social e produtiva. Constitui-se na visão de que, para estudar um objeto,
é necessário concebê-lo na totalidade de relações que o determinam, sejam elas
de nível econômico, cultural, político, ou de qualquer outra área.
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Trata-se de uma concepção que supera as formas mercadológicas e
fragmentadas de enxergar a realidade: “preparação para o vestibular”,
“preparação para o mercado”, porque se volta para a compreensão do caráter e
da essência da educação, contemplando a retomada destes aspectos num
contexto mais amplo de desenvolvimento multilateral e de construção de uma
sociedade igualitária.
Corrobora com esta concepção Acácia Kuenzer ao incluir nesse
processo a necessidade do acesso e domínio dos princípios que estão na base
da emancipação da classe trabalhadora, quais sejam os princípios científicos.
Nesse sentido,
[...] a novidade em termos de finalidade, não só para o Ensino Médio, mas para todos os níveis de ensino, seria o desenvolvimento da capacidade de usar conhecimentos científicos de todas as áreas para resolver situações que a prática social e produtiva apresenta ao homem cotidianamente. (2000, p.36).
Nesse modelo evidencia-se a função social da escola pública, qual
seja democratizar o saber científico às camadas populares, e assim efetivar uma
opção política de compromisso com a construção de uma sociedade mais justa
e igualitária.
Se do ponto de vista histórico continua em pauta, sob o aspecto político, a questão do socialismo como expressão da exigência de superação da ordem capitalista, ainda vigente, então, sob o aspecto pedagógico, mantém-se também em pauta a questão da politecnia, já que é por meio dessa expressão que se pode reconhecer imediatamente a concepção de educação que busca, a partir da própria sociedade capitalista, superar a concepção burguesa de educação. (SAVIANI, 2003, p.147).
Considerando-se que a classe dominante não tem interesse na
transformação histórica da escola (ela está empenhada na preservação de seu
domínio e, portanto, apenas acionará mecanismos de adaptação que evitem a
transformação), segue-se que uma teoria crítica (que não seja reprodutivista) só
poderá ser formulada do ponto de vista dos interesses dos dominados.
(SAVIANI, 2007, p.30).
Caminhando nessa direção, a pedagogia histórico-crítica dissemina o
papel político da educação, cujo foco principal consiste em tornar acessível às
classes populares o saber erudito, sistematizado, possibilitando ao mesmo
tempo a elaboração de conteúdos da cultura popular na perspectiva
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emancipadora. Neste sentido explicita Saviani ao comentar seu texto “Para além
da curvatura da vara”:
Se as escolas se limitarem a reiterar a cultura popular, qual será sua função? Para desenvolver cultura popular, essa cultura assistemática e espontânea, o povo não precisa de escola [...] O povo precisa da escola para ter acesso ao saber erudito, ao saber sistematizado e, em conseqüência, para expressar de forma elaborada os conteúdos da cultura popular que correspondam aos seus interesses. (2005, p. 80).
Essa perspectiva considera fundamental a mediação do professor na
relação com os alunos e com o objeto do conhecimento em questão, bem como
a superação dialética da relação teoria-prática, valorizando os conteúdos por
meio de métodos eficazes, que se situem para além dos métodos tradicionais e
novos, superando-os.
Métodos que, de acordo com Saviani (2007), devem estimular a
atividade e a iniciativa dos alunos sem dispensar a iniciativa do professor;
favorecer o diálogo dos alunos entre si e com o professor, mas sem deixar de
valorizar o diálogo com a cultura acumulada historicamente; levar em conta os
interesses dos alunos, os ritmos de aprendizagem e o desenvolvimento
psicológico, mas sem perder de vista a sistematização lógica dos
conhecimentos.
Para que haja coerência com a referida mobilização optamos por
configurar o planejamento utilizando a metodologia dialética, que consiste em
movimento - prática-teoria–prática - utilizando os níveis de desenvolvimento de
Vigotsky (1987/2001) e, ao invés de “passos”, (que lembram um movimento
mais linear) a expressão “momentos articulados”, proposta por Saviani (2007) e
explicitados de forma mais didática por Gasparin (2005): a prática social inicial
(nível de desenvolvimento potencial) e a prática social final (nível de
desenvolvimento real) que compõem o contexto de onde provêm e para onde
retornam os conteúdos reelaborados pelo processo escolar, além da
problematização, da instrumentalização e da síntese que constituem os três
momentos de efetiva construção do conhecimento (nível de desenvolvimento
proximal) na e para a prática social.
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OOSS MMOOMMEENNTTOOSS AARRTTIICCUULLAADDOOSS DDOO PPLLAANNEEJJAAMMEENNTTOO HHIISSTTÓÓRRIICCOO--CCRRÍÍTTIICCOO
Os momentos articulados que integram o planejamento histórico-
crítico serão aqui relatados de forma didática, como um “passo a passo”, mas
devem ser compreendidos de forma integrada, na tentativa de contínua
superação dialética. Tratam-se de estratégias metodológicas que tem a
finalidade de transpor o conteúdo teórico em questão, para mais próximo da
realidade do professor.
Como em toda construção dialética estas estratégias metodológicas
organizam-se através de reflexões que foram sendo tecidas na relação prática-
teoria-prática com nossos pares e professores durante os estudos, gerando
novos questionamentos, o que exige que aqueles que queiram aprofundar seus
pressupostos leiam os originais de Saviani, Gasparin, Vasconcellos e Vygotsky.
Neste sentido, buscando a simplicidade de um primeiro contato, apresentamos
os cinco momentos articulados.
O primeiro momento – a prática social – parte do pressuposto da
diferenciação do posicionamento do professor e do aluno, afirmando entre
outras razões, o fato do professor já ter uma visão sintética, embora precária
(porque possível de superação), do domínio científico específico e pedagógico
acerca do conhecimento e o aluno uma visão sincrética (fragmentada ou
distorcida, muitas vezes pautada no senso comum), ou seja, em sua vivência
empírica.
Esta diferença de posicionamento justifica o fato de que antes de
iniciar seu trabalho com os alunos, o professor deva assumir a grande
responsabilidade por já ter realizado um pré-planejamento de suas atividades,
(no qual vislumbrou todo o caminho a ser percorrido), não de forma individual,
mas a partir de uma visão de coletividade, em coerência com as Diretrizes
Curriculares e o Projeto Político Pedagógico da Escola.
Neste pré-planejamento o professor deve privilegiar o essencial e
secundarizar o acessório, selecionando conteúdos relevantes a uma práxis
transformadora. Isto não significa diminuir, mas priorizar, elencando o que de
fato trará contribuição à prática social do aluno (a curto, médio e longo prazo).
Por exemplo, ao invés de gastar tempo com datas comemorativas com fins
comerciais ou em homenagem a heróis da classe dominante, levá-los a
11
pesquisar outros aspectos da história sob o ponto de vista dos dominados, e
assim ir propiciando um olhar mais crítico sobre a realidade; ao invés de
memorizar conceitos científicos destituídos de sentido, compreender sua
utilização prática no sentido de viabilizar condições mais dignas de vida.
É imprescindível ainda, que ao selecionar esses conteúdos, o
professor imagine-se, por alguns momentos, desempenhando o papel dos
alunos e busque prever quais perguntas eles fariam, ou quais necessitariam
fazer, levando em conta o domínio e uso do conteúdo em sua vida social. Desta
forma, ao prever no esboço que antecede a ação, um olhar historicizado sobre o
objeto de conhecimento, possibilita-se a condução do processo pedagógico com
maior segurança dentro de uma visão de totalidade.
Esse passo preliminar para ser legitimado deve estabelecer
posteriormente um diálogo com os alunos buscando verificar qual o domínio que
já possuem sobre o conteúdo e que usos fazem dele na prática social cotidiana,
a fim de ratificar e, se necessário, retificar o caminho a ser percorrido. Em outras
palavras deve realizar uma primeira leitura da realidade, ou seja, o contato inicial
com o tema a ser estudado, propiciando um ambiente de preparação e
mobilização para a construção do conhecimento, junto aos alunos.
Nesta etapa, num diálogo com a turma, mostra-se aos alunos o
quanto já conhecem, ainda que de forma caótica, a respeito do assunto que
será trabalhado; evidencia-se que qualquer assunto a ser desenvolvido em aula,
já está presente na prática social como parte constitutiva dela, o que consiste
também numa contextualização do conteúdo. Desta forma, o professor, a partir
do referencial dos alunos, vai desafiá-los a mostrar o que já sabem sobre cada
um dos itens que serão estudados (sentido), ao mesmo tempo provocando-os,
desafiando-os, para que elaborem mental e oralmente uma grande quantidade
de perguntas sobre cada tópico a ser estudado (finalidade).
Este passo pode acontecer em alguns minutos, precedendo os
passos ou movimentos seguintes, ou demorar mais, dependendo do nível de
envolvimento da turma. No início os alunos, por não estarem acostumados a
esta forma de participação podem ficar tímidos ou inseguros; portanto nas
primeiras vezes o professor deverá de forma mais enfática, conduzir a
discussão, mediando e provocando a curiosidade dos alunos.
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O segundo momento articulado - a problematização - é o passo que
constitui a retomada, o aprofundamento e a sistematização das perguntas
inicialmente abordadas na prática social inicial. Trata-se do fio condutor de todas
as atividades que os alunos desenvolverão no processo de construção do
conhecimento e deve ser estruturado levando-se em conta diversas dimensões
(científica, conceitual, cultural, social, religiosa, filosófica, estética, política,
econômica, histórica, psicológica, etc.)
Neste sentido, as perguntas que forem elaboradas devem expressar
a mesma perspectiva, ou seja, os problemas apreendidos pelo professor e pelos
alunos precisam ser resolvidos, não pela escola, ou na escola, mas no âmbito
da sociedade como um todo.
Serão, portanto, grandes questões sociais, mas limitadas ao
conteúdo da unidade que está sendo trabalhada pelo professor, ficando este
responsável por coordenar a sistematização evitando que se fuja do tema
proposto.
Como forma prática o procedimento consiste em repetir cada item do
conteúdo e, em seguida, formular, junto com os alunos, questões que se
encaminhem à totalidade desse tópico nas dimensões selecionadas (não
necessariamente todas sempre, mas sim aquelas que contribuem com o estudo
em questão).
Essas perguntas, mediatizadas pelas necessidades e problemas
sociais, têm o intuito de gerar no aluno a necessidade de conteúdos
historicizados, ou seja, conteúdos necessários para o enfrentamento e
superação da realidade social, ainda que, inicialmente, na esfera intelectual,
mas já com perspectivas práticas.
As perguntas agrupadas (duas ou três podem, dependendo do caso,
constituir uma única) ou selecionadas (de acordo com a relevância) devem ser
sistematizadas pelo professor a fim de serem respondidas na fase da
instrumentalização quando os alunos estarão efetivamente construindo de forma
mais elaborada seu conhecimento.
Esta fase, conquanto não tenha exatamente este intuito, acaba,
assim, sendo um diagnóstico rápido, no qual se obtêm parâmetros sobre a
necessidade de retomar, mesmo que brevemente, alguns conteúdos básicos,
que facilitem o avanço dos conteúdos ou, ainda, conclui-se que seja possível
13
avançar com maior rapidez nos estágios iniciais (de acordo com o domínio da
turma) para aprofundar-se nos estágios mais complexos inicialmente previstos.
A fase do terceiro momento articulado – a instrumentalização -
consiste na apreensão dos instrumentos teóricos e práticos necessários ao
equacionamento dos problemas detectados na prática social. Trata-se da
apropriação, pelas camadas populares, das ferramentas culturais necessárias à
sua emancipação.
Em outras palavras consiste no buscar as respostas a serem dadas
às questões da prática social que foram consideradas fundamentais na fase da
problematização. Nesse sentido, a tarefa do professor e dos alunos
desenvolver-se-á através de ações voltadas à efetiva construção conjunta do
conhecimento nas diversas dimensões, oportunizando as operações mentais de
analisar, comparar, criticar, levantar hipóteses, julgar, classificar, conceituar,
deduzir, generalizar, discutir, explicar, etc.
Assim, dependendo dos objetivos propostos, os professores utilizarão
as ações didático-pedagógicas (pesquisa bibliográfica, resolução de problemas,
experiências, visitas, pesquisa de campo, entrevistas, relatórios, entre outros) e
os recursos humanos e materiais (professor, alunos, laboratórios, apostilas,
livros, vídeos, entre outros) mais adequados para a apropriação construtiva dos
conteúdos. Em sentido prático, a cada tópico do planejamento, especificam-se
as ações didático-pedagógicas e os recursos que serão utilizados para a efetiva
incorporação dos conteúdos, não apenas como exercício mental, mas como
uma necessidade social.
Nesta etapa o professor deve utilizar-se de todas as possibilidades
capazes de aproximar os alunos das respostas que procuram, tendo a clareza
da função da escola, bem como da sua responsabilidade pela transmissão
direta ou indireta dos conhecimentos historicamente acumulados pela
humanidade, assumindo o papel de mediador e dominando os conceitos
científicos para conseguir estabelecer uma relação com os conhecimentos
cotidianos, incorporando-os e superando-os.
Como resultado espera-se, com relação à visão do aluno sobre o
conteúdo escolar (presente em sua vida social), a passagem da visão sincrética
(distorcida/fragmentada) para a visão sintética (elaborada/ concreta/
reconstituída com consciência da articulação de suas partes constitutivas), ou
14
como afirma Saviani (2007, p.74) da “visão caótica do todo” à “uma rica
totalidade de determinações e de relações numerosas.”
Durante este processo ocorre, propriamente, a aprendizagem - pela
mediação da análise. Esta caminhada não é linear, mas se dá em espiral, de
forma que se retomam aspectos do conhecimento anterior, aprofundando-os ou
ampliando-os em outras dimensões, caminhando sempre rumo à totalidade.
No quarto momento articulado – a síntese – uma vez incorporados os
conteúdos e os processos de sua construção, ainda que de forma provisória, é
chegado o momento em que o aluno deve mostrar o quanto se aproximou da
solução dos problemas anteriormente levantados sobre o tema em questão.
Esta é a fase em que o educando manifesta que assimilou, que assemelhou a si
mesmo, os conteúdos e os métodos de trabalho em função das questões
anteriormente enunciadas.
É o momento em que evidencia se de fato incorporou ou não os
conteúdos trabalhados, se é capaz de entendê-los em um novo patamar, mais
elevado, mais consistente e estruturado, revelando assim a síntese efetuada,
marcando nova posição em relação ao conteúdo e a forma de sua construção
no todo social. Trata-se do momento em que demonstrará, pela mediação da
análise levada a cabo no processo de ensino, a passagem da síncrese à
síntese: ponto culminante e momento oportuno para a avaliação da
aprendizagem do conteúdo, entendido como instrumento de transformação
social.
Neste momento são montados os instrumentos e definidos os critérios
que mostram o quanto o aluno se apropriou de um conteúdo particular como
uma parte do todo social. Conforme as circunstâncias, a avaliação pode ser
realizada de maneira informal, ou formal. No primeiro caso, o aluno, por
iniciativa própria, manifesta se incorporou ou não os conteúdos e os métodos na
perspectiva proposta pelas questões da problematização. No segundo, o
professor elabora as questões que deverão oferecer ao educando a
oportunidade de se manifestar sobre o conteúdo aprendido.
Na síntese, o aluno deverá mostrar que a realidade, que ele conhecia
antes como "natural", não é exatamente desta forma, mas é "histórica", porque
produzida pelos homens em determinado tempo e lugar, com intenções
políticas, sociais, econômicas e culturais implícitas ou explícitas advindas
15
desses mesmos homens. É o momento em que ele é capaz de estruturar, em
nova forma, seu pensamento sobre as questões que conduziram à construção
do conhecimento, o que significa dizer uma nova maneira de entender a prática
social.
Consiste assim na chegada ao quinto momento articulado - o retorno
à prática social. Nesta etapa professor e alunos passam a uma fase de maior
clareza e compreensão dos conteúdos em suas diversas dimensões. Trata-se
do momento ideal para que docente e educandos elaborem um plano de ação a
partir do conteúdo trabalhado.
Este plano de ação consiste no compromisso com a prática social
que, tendo como pressuposto a articulação entre educação e sociedade, deve
reverter em nova postura mental do aluno e/ou proposta concreta de ação (que
dependendo da complexidade do conteúdo, pode efetivar-se em sua totalidade
a curto, médio e longo prazo), o que é possibilitado por seu movimento dialético,
ou seja, ao se constituir em prática social final retoma a posição de prática social
inicial, sendo continuamente ampliada e aprofundada.
Conforme Saviani a prática social inicial e final é a mesma, embora
não o seja:
É a mesma enquanto se constitui o suporte e o contexto, o pressuposto e o alvo, o fundamento e a finalidade da prática pedagógica. E não é a mesma, se considerarmos que o modo de nos situarmos em seu interior se alterou qualitativamente pela mediação da ação pedagógica. (2007, p.73).
Nesta perspectiva deve-se ter consciência de que em alguns casos
serão constatadas mudanças reais (compromissos), em outros, um nível de
argumentação coerente que revela uma mobilização inicial e uma proximidade
com a perspectiva de mudanças (intenções), mas que necessita de maior prazo
para se concretizar.
Desta forma não importa que a cada unidade corresponda um plano
de ação, contanto que efetivamente ele venha sendo construído, com sentido e
finalidade tal, que os alunos possam ir traduzindo a sua nova ação mental em
atos capazes de compor uma prática transformadora.
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RREELLAATTOOSS DDAA IINNTTEERRVVEENNÇÇÃÃOO:: RREEFFLLEEXXÕÕEESS,, DDEESSAAFFIIOOSS EE PPEERRSSPPEECCTTIIVVAASS
Ao buscar coerência com a perspectiva teórica adotada, a pesquisa
iniciou-se através da coleta de informações acerca das concepções, dificuldades
e desafios da prática social de um grupo de 30 professores e pedagogos, com
referência ao planejamento construído no coletivo escolar.
A intervenção ocorreu por meio de evento de Extensão junto à UEL,
com o tema: "Planejamento e avaliação: reflexões acerca da práxis", organizado
por meio de grupos de estudos quinzenais (distribuídos em 7 encontros de 4
horas cada um), além de 12 horas de leituras orientadas e atividades
complementares do Caderno Pedagógico: "O Planejamento na perspectiva
Histórico-Crítica".
Para dar início ao trabalho de reflexão acerca da amostragem de
planejamentos, aplicou-se um questionário do qual foram selecionadas 3
questões para análise: o planejamento enquanto documento burocrático; o
planejamento pautado exclusivamente no livro didático; e o planejamento
enquanto instrumento a ser redimensionado em seu percurso. Em seguida
buscou-se a análise da transcrição de trechos das falas de alguns professores,
sendo que as que não foram relatadas aproximam-se das mencionadas:
Indagados sobre a função do planejamento e sua dimensão
burocrática, crítica que normalmente aparece no interior das escolas, dos 21
professores e pedagogos entrevistados, 85,7% afirmou que considera o
planejamento burocrático sim, alegando motivos como:
“[...] é elaborado sem um estudo da comunidade e não é utilizado, não deixa de ser um documento para a gaveta” (resposta a); “[...] muitas vezes não contempla as necessidades do aluno” (resposta b); “[...] dá trabalho repensar o cotidiano escolar” (resposta c); “[...] depois cada um faz como quer e sabe” (resposta d); “[...] porque não consegue se priorizar [...] o entendimento dos diversos pares na escola, principalmente na periferia mais carente” (resposta e); “[...] na maioria das vezes [...] é feito antes de uma verdadeira sondagem diagnóstica” (resposta f); “[...] porque equipe pedagógica e professor não estão sendo orientados corretamente para desenvolver este trabalho, falta capacitação profissional” (resposta g).
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Por outro lado, 14,3% considerou que o planejamento não é
burocrático, alegando que:
“[...] os professores precisam planejar para executar e ter uma direção no processo ensino-aprendizagem” (resposta a); “[...] cada vez mais não [...] justamente pela evolução que tem havido na maneira como o planejamento é concebido, buscando integrar a fundamentação teórica que o embasa com a prática educativa desenvolvida” (resposta b).
Estes dados demonstram que existem indícios de “comodismo” e um
predomínio tecnicista da perspectiva burocrática (que entende o planejamento
enquanto cumprimento de uma formalidade), mas ao mesmo tempo
considerações acerca da necessidade de se implementar as condições para que
o planejamento seja instrumento de democratização do saber para as camadas
populares. Neste sentido são explicitadas, por exemplo a necessidade da
pesquisa acerca da realidade, a formação continuada, e a criação de espaços
coletivos para articulação teórico-prática entre professores e equipe pedagógica.
Quanto à questão que busca confirmar se o planejamento é
realmente baseado no livro didático adotado, dos 21 professores e pedagogos
entrevistados, 66,6% afirmou que sim, enfatizando que:
“[...] é o único material de apoio do aluno” (resposta a); “[...] o professor limita-se muitas vezes a planejar somente o conteúdo do livro didático; não planeja estratégias para que o aluno possa atingir o aprendizado do conteúdo [...] esquece de incluir valores, formação humana em seu plano de ação” (resposta b); “[...] entre outras coisas formação inicial distante da realidade, das atribuições do professor” (resposta c); “[...] é mais prático para o professor” (resposta d); “[...] acredito que deve ser em boa parte por acomodação” (resposta e); “[...] a prática tradicional, mais presa a modelos prontos” (resposta f); “[...] pois esta conduta está muito forte na formação dos docentes” (resposta g).
Ao contrário, 33,4% afirmou que não é baseado no livro didático,
justificando que:
“[...] hoje ele é realizado mediante as diretrizes de cada área de ensino” (resposta a); [que o livro é visto] “[...] como apoio” (resposta b); “[...] complemento” (resposta c), “[...] consulta” (resposta d); [ou que] “[...] apenas alguns professores ainda mantém esta prática” (resposta e);.
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Estes apontamentos revelam que o livro didático continua sendo
defendido e utilizado em sala de aula, sendo um modelo reproduzido de geração
em geração, com modelos prontos e uma ordem pré-estabelecida de conteúdos.
Trata-se da predominância do ensino linear, herança da escola tradicional tão
presente no modelo atual. No entanto, já surge um reconhecimento quanto a
construção coletiva das Diretrizes Estaduais e, em alguns casos o livro passa a
ocupar seu local de fonte de pesquisa e de consulta, o que vem resgatar o papel
do professor na articulação de conteúdos que realmente agreguem valor à
prática social.
Sobre a efetiva reavaliação do planejamento, dos 21 professores e
pedagogos entrevistados, 66,6 % afirmou que esta ocorre, sendo que deste
percentual 33,3% relatou que o planejamento é realimentado, individualmente,
por cada professor, de forma “[...] contínua” (resposta a); “[...] de acordo com as
necessidades da turma” (resposta b); e 33,3% que o replanejamento é coletivo,
porém semestral, consistindo de “[...] reunião pedagógica organizada pela
escola” (resposta c).
Apenas 33,4% confessaram que o replanejamento não ocorre; “ [...]
muitas vezes os conteúdos do planejamento não conferem com os conteúdos
do registro de classe” (resposta a); e que de modo geral “ [...] os professores
não percebem a necessidade de estar avaliando o percurso” (resposta b).
No entanto, as respostas a esta última questão, revelam que entre o
discurso e a prática há ainda um distanciamento significativo. Afinal, se quem
replaneja de forma contínua o faz individualmente e quem replaneja de forma
coletiva o faz apenas a cada seis meses, existe uma lacuna de tempos, que
propicia a dificuldade de um acompanhamento sistemático e acaba, muitas
vezes, propiciando o esvaziamento dos conteúdos.
Desta forma a conclusão da pesquisa coincide com nosso estudo
acerca de quanto o planejamento tem se constituído, ao longo da história, num
documento meramente burocrático, desvinculado da prática, muitas vezes
transcrito de um ano para outro, para cumprimento de uma obrigação, sendo
posteriormente engavetado; confirma o predomínio do livro didático enquanto
fonte básica para construção do planejamento; e ainda, explicita as dificuldades
de encontrar tempos e espaços para realizar, de forma coletiva, adequações no
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planejamento, na perspectiva de torná-lo um instrumento eficiente e eficaz no
processo ensino-aprendizagem.
A partir do levantamento da prática social e diante da
problematização constatada, tornou-se imprescindível refletir sobre os
fundamentos histórico-educacionais: os modelos de produção que influenciam
os modelos de educação, as tendências pedagógicas liberais (tradicional,
escolanovista e tecnicista), o planejamento histórico-crítico e seus movimentos
articulados, a fim de criticamente retomar o sentido e o significado acerca do
planejar. Nesta fase de instrumentalização, ao contextualizar historicamente a
educação na trama de interesses políticos e econômicos, intencionalmente
fornecemos subsídios para uma maior reflexão prática-teoria-prática.
Em seguida, a partir dos pressupostos teóricos, foram construídos
coletivamente planejamentos na perspectiva histórico-crítica, o que propiciou ao
grupo reconhecer as contribuições da proposta para alteração qualitativa da
prática social, com conteúdos que realmente oferecem maiores oportunidades
de emancipação social, bem como síntese sobre o objeto de estudo da
intervenção.
Ao final, enquanto compromisso com a prática social em suas
escolas, concluíram que, para efetivação da construção de planejamentos
histórico-críticos faz-se necessário um investimento maior de tempo, formação
continuada, embasamento teórico e pesquisa. Foi consensual a afirmação de
que para efetivar a construção de um planejamento histórico-crítico é necessário
o rompimento de antigos paradigmas e que, neste sentido a mudança deveria
ser processual.
Todavia não apenas a realidade material e a ação do homem sobre ela dão origem ao conhecimento humano. As organizações culturais, artísticas, políticas, econômicas, religiosas, jurídicas, etc. também são expressões sociais que cumprem essa função. Enfim, é a existência social que gera o conhecimento. (GASPARIN, 2005. p. 4)
Desta forma consideraram que o banco ou acervo de planejamentos
possibilitaria maiores oportunidades de articulação dos conteúdos em suas
diversas dimensões e relações, bem como, ao longo do tempo, caracterizar-se-
ia, como construção coletiva e identidade histórica da escola, constituindo um
valioso instrumento de busca e auxílio ao professor.
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CCOONNSSIIDDEERRAAÇÇÕÕEESS FFIINNAAIISS
O Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná
foi uma oportunidade ímpar de socializar conhecimentos construídos através do
retorno às atividades acadêmicas de nossa área de formação inicial e
proporcionou condições de atualização e aprofundamento dos conhecimentos
teórico-práticos com nossos pares, permitindo a reflexão-ação necessária à
contínua melhoria qualitativa do ensino na escola pública.
Concluímos, no entanto, que a pedagogia histórico-crítica merece um
olhar histórico-crítico acerca de sua própria concepção, de forma a sempre
considerar o respeito à coletividade e ao bem-estar comum. Trata-se de uma
pedagogia sobre a qual o próprio Saviani ao definir seus embasamentos, não
quis dar caráter de conclusão ou completitude, afirmando serem “[...] algumas
aproximações suscetíveis de serem aprofundadas e ampliadas” (SAVIANI, 2005,
prefácio à 4ª Edição), o que abre o desafio para que, a partir de sentido e
intencionalidade marcadamente a favor das classes populares, se possa
continuar a escrevê-la.
A intervenção foi apenas um primeiro passo nesta direção, mas fica
clara a necessidade da criação de condições efetivas que promovam espaços
para a construção coletiva do saber, na forma do diálogo entre o conhecimento
acadêmico (teórico) e o conhecimento empírico (prático), para superação de
modelos de formação continuada fragmentados, descontínuos ou distantes da
realidade escolar.
RREEFFEERRÊÊNNCCIIAASS
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