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Reflexões sobre o processo de construção doconteúdo teórico
de disciplinas de EaD: estratégias para maximizar a interação,
o diálogo e a autonomia do aluno
Manoel Francisco Guaranha Universidade Cruzeiro do Sul – UNICSUL – São Paulo – Brasil
[email protected]; [email protected]
Resumo: O Objetivo principal deste trabalho é apresentar as etapas do percurso de
construção do material teórico da disciplina de Teoria Literária: Poética construída
para um curso de graduação em Letras oferecido totalmente por meio de Ensino a
Distância pela Universidade Cruzeiro do Sul – UNICSUL - São Paulo - Brasil.
Apesar dos problemas relativos à modalidade a distância, notadamente as
circunstâncias que levam ao desenvolvimento das atividades com professores e
alunos em tempo e espaços diversos, o projeto de construção do material centra-se na
ideia de educação como fundamento principal do processo e que precede o modo de
organização imposto pela modalidade, a distância. Diante do desafio de se produzir
textos estruturados em linguagem dialógica que permitam ao estudante exercitar sua
autonomia e desenvolvam a capacidade de aprendizado e controle do próprio
desenvolvimento, buscou-se pensar o material com base nas teorias linguísticas do
texto e no instrumental teórico da análise do discurso de linha francesa, cujos
conceitos – notadamente da concepção de discurso como linguagem em ação que se
materializa na superfície do texto – nortearam a seleção, síntese, organização e
apresentação do conteúdo.
Palavras-chave: Educação a distância, texto, discurso, educação e tecnologia.
Abstract: This work aims to show the steps to develop teaching materials of the
academic discipline of Poetic Literary Theory to a graduate studies in Letters fully
offered as distance learning by Universidade Cruzeiro do Sul – UNICSUL - São
Paulo - Brasil. Even though the distance learning’s problems, particularly the
circumstances involving this system, activities on which teachers and students are
in different space and different time, the production project of writing material was
based on the conception that the education precedes the method of organization
imposed by the modality, the distance. Face to the challenge, to produce texts in
dialogical language which allow the students to work autonomously, develop the ability
to learn and control their own development, we attempted to conceive the material
based on linguistic theories of text and on the French discourse analysis, whose basic
concepts – especially the concept of discourse as language in action that materializes
on the surface of the text – guided the selection, synthesis, organization and
presentation of content.
Keywords: Distance learning, text, discourse, education and technology.
CORE Metadata, citation and similar papers at core.ac.uk
Provided by The Repositório Aberto
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A partir de 2000, primeiro ano de coleta de informações sobre cursos de
educação a distância no Brasil (EaD), foi detectado o crescimento constante
dessa modalidade no país. A tendência foi confirmada pelo Censo de
Educação Superior de 2010 que revelou que 14,6% do total de matrículas
foram feitas em cursos não presenciais naquele ano (Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [INEP] & Ministério da
Educação e Cultura [MEC], 2010).
Por educação a distância compreende-se a “modalidade educacional na
qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem
ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação,
com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em
lugares ou tempos diversos” (Decreto nº 5.622, 2005). A definição evidencia o
que seria o principal problema desse modo de aprender frente ao tradicional
sistema presencial, o hiato espacial e temporal e, ao mesmo tempo, sugere
uma forma de solucionar esse entrave: o uso de tecnologia de informação e
comunicação o que nos leva a outro problema: como garantir a qualidade do
processo de modo que a novidade dos meios tecnológicos não ofusque ou
esvazie os conteúdos a serem transmitidos?
Para instituir referenciais de qualidade que norteiem os processos de
ensino e aprendizagem desenvolvidos por esse método, a Secretaria de
Educação a Distância – SEED, órgão do MEC, Ministério da Educação e
Cultura, elaborou, em 2007, os Referenciais de Qualidade para a Educação
Superior a Distância. Os objetivos desse documento são “garantir qualidade
nos processos de educação a distância e [...] coibir tanto a precarização da
educação superior, verificada em alguns modelos de oferta de EaD, quanto a
sua oferta indiscriminada e sem garantias das condições básicas para o
desenvolvimento de cursos com qualidade” (Ministério da Educação e Cultura
[MEC], 2007).
Esse guia aponta a “necessidade de ressignificações de alguns
paradigmas que norteiam nossas compreensões relativas à educação, escola,
currículo, estudante, professor, avaliação, gestão escolar, dentre outros”. Essas
reformulações metodológicas devem ter em mente a “EDUCAÇÃO como
fundamento primeiro, antes de se pensar no modo de organização: A
DISTÂNCIA”(MEC, 2007, grifos dos autores). Objetivamente, o material aponta
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o que os Projetos Pedagógicos dos cursos a distância devem contemplar: “(i)
Concepção de educação e currículo no processo de ensino e aprendizagem;
(ii) Sistemas de Comunicação; (iii) Material didático; (iv) Avaliação; (v) Equipe
multidisciplinar; (vi) Infraestrutura de apoio; (vii) Gestão Acadêmico-
Administrativa; e (viii) Sustentabilidade financeira.” (MEC, 2007). Basicamente,
interessa-nos aqui os itens (ii)Sistemas de Comunicação e iiii Material didático.
Tendo que lidar com a criação do material didático para a disciplina de
Teoria literária: poética que seria oferecida no Curso de Letras a distância da
Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo – Brasil, nos deparamos com a
necessidade de pensar na construção do conteúdo em face do sistema de
comunicação para produzir textos “estruturados em linguagem dialógica, de
modo a promover autonomia do estudante, desenvolvendo sua capacidade
para aprender e controlar o próprio desenvolvimento”(MEC, 2007), como
determinam os referenciais de qualidade em questão. Isso nos conduz a
reflexões sobre o objeto de estudo, Teoria literária – poética, e sobre a noção
de texto dialógico.
No caso da própria natureza do objeto de estudo, o termo regente,
“Teoria”, pressupõe um “conjunto de regras ou leis, mais ou menos
sistematizadas, aplicadas a uma área específica” ou ainda um “conjunto
sistemático de opiniões e ideias sobre um dado tema” (Houaiss & Villar, 2001,
p. 2697). Ambos os conceitos de teoria ressaltam o caráter genérico da
disciplina como se percebe pela ementa da qual partimos: “Estudo dos
fundamentos teóricos que sustentam e caracterizam o texto poético, levando-
se em consideração o papel da literatura no campo das manifestações
artísticas e culturais. Noções básicas de análise literária e da historiografia da
literatura a partir da abordagem dos elementos que compõem a poesia.”
Quanto ao termo regido, “da literatura”, ressalta-se o caráter bastante
difuso do objeto de estudo, variável diacrônica e sincronicamente, além do que
vinculado à manifestação artística o que o torna um fenômeno um tanto difícil
de ser tratado do ponto de vista técnico.
Quanto à questão dos textos estruturados em linguagem dialógica,
compreende-se serem aqueles que consideram que:
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...texto e discurso constituem uma mesma materialidade linguística, ou
seja, um mesmo conjunto de palavras e ideias organizadas com coesão
e coerência. A diferença entre texto e discurso não está na
materialidade, mas nos traços com que o processo de enunciação
marca a materialidade textual. O conjunto de palavras deixa, pois, de
ser texto e se transfigura em discurso, quando o leitor ou ouvinte
focaliza o objetivo de suas intenções (Guimarães, 2009, p. 127).
Desse modo, os materiais teóricos para disciplinas EaD, talvez mais do
que aqueles destinados às disciplinas presenciais, devem considerar o
contexto de produção ou o “conjunto de parâmetros que podem exercer uma
influência sobre a forma como o texto é organizado” (Bronckart, 2009, p. 92).
Esses parâmetros dizem respeito ao mundo físico: lugar de produção,
momento de produção, emissor, e receptor; e aos mundos social e subjetivo,
denominado quadro de atividades de uma formação social: o lugar social, as
posições sociais do emissor e do receptor e o objetivo da interação.
Quanto ao mundo físico, especificamente no caso de textos destinados à
EaD, temos um emissor e um receptor que atuam em espaços e tempos
diferentes. O espaço está relacionado aos diferentes lugares em que atuam os
interlocutores e o tempo vincula-se à extensão dos conteúdos disponibilizados
para os alunos. Muitos cursos a distância acabam confundindo quantidade com
qualidade. Extensos textos teóricos são disponibilizados aos estudantes talvez
como forma de compensar a distância e muitas tarefas são exigidas em um
tempo exíguo o que pode provocar uma leitura diagonal do conteúdo e a
realização mecânica das atividades pelos educandos. Acreditamos que um
material teórico mais conciso que se desdobre em atividades de
aprofundamento que envolvam produções escritas objetivas são mais
eficientes porque estimulam a interatividade.
Nesse sentido, o texto para EaD, que não pode ser muito extenso para
não desencorajar o aluno, deve desdobrar-se e remeter o estudante a outras
seções dentro da própria disciplina ou a outros materiais, de preferência
acessíveis via Internet, transformando-se em uma espécie de hipertexto.
As marcas de oralidade nos textos para EaD têm sido uma estratégia
para simular a situação de aprendizagem presencial. Trata-se de um recurso
importante uma vez que o receptor deve sempre ser considerado como
interlocutor ou coprodutor e ser convidado a responder às questões propostas
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pelo locutor. Esse convite, contudo, não deve consistir apenas em rechear o
material com questões retóricas de caráter fático que, muitas vezes,
comprometem a progressão das informações, mas o enunciador deve
estabelecer relações entre o conteúdo e aspectos práticos da vida do
estudante, por exemplo. Por esse motivo, nossa opção quando construímos a
disciplina de Teoria da Literatura – poética consistiu em apresentar os
elementos essenciais da poesia, tais como ritmo, métrica e sonoridade,
conteúdos previstos como aspectos estruturais que se articulam para
reconstruir literariamente o “compasso da vida” Goldstein (2006). Para tanto,
partimos de uma reflexão sobre um texto poético de Manuel Bandeira, “Poema
tirado de uma notícia de jornal” no sentido de mostrar como a poesia se
apropria de temas do cotidiano e, ao mesmo tempo, os reconstrói
esteticamente servindo-se dos elementos formais de que dispõe.
A partir dessa conexão entre a literatura e a experiência cotidiana, que é
reiterada algumas vezes ao longo do conteúdo teórico como estratégia para
reativar a memória do leitor e dar um tom de oralidade ao material, busca-se
estabelecer a interlocução com o aluno. Essa interlocução foi complementada
no fórum da unidade, que constitui o espaço para a manifestação do aluno.
Quanto aos mundos social e subjetivo que exercem influência sobre a
forma como o texto é organizado, há que se considerar que o lugar social de
que se fala em um texto para educação a distância é bastante diverso daquele
que ocupa o produtor de um artigo acadêmico, por exemplo. Isso implica textos
menos densos e carregados de citações, mais arejados do ponto de vista da
paragrafação. Um importante papel no processo é, certamente, solicitar aos
alunos a leitura de artigos acadêmicos de qualidade, disponíveis em revistas
científicas eletrônicas, como parte daquele processo de hipertextualização que
comentamos, mas as posições sociais que ocupam os enunciadores de um
artigo acadêmico e os produtores de conteúdos para disciplina a distância são
muito diversos, já que o objetivo da interação em ambos os gêneros é
diferente. No caso do artigo, procura-se divulgar resultado de pesquisas, lançar
novas ideias, relatar experiências; no caso dos textos didáticos, o objetivo da
interação é sistematizar uma ampla gama de conhecimentos teóricos
colocando-os a serviço dos objetivos da disciplina. Ambos os gêneros são
marcados pela heterogeneidade discursiva sendo que, nos textos teóricos para
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disciplinas EaD, essa heterogeneidade pode ser diluída ao longo do material
substituindo-se a citação direta pela paráfrase tanto quanto possível sem, é
claro, deixar de dar crédito ao autor das ideias.
Nesse sentido, cabe aqui uma reflexão sobre a “voz” ou o ethos que
deve ser construído ao longo do texto específico para EaD, já que “o discurso é
inseparável daquilo que poderíamos designar muito grosseiramente de uma
‘voz’” (Maingueneuau, 1997, p 45). O conceito de ethos para a análise do
discurso se compreende por analogia a “uma dimensão bem conhecida da
retórica antiga que entendia por ethé as propriedades que os oradores se
conferiam implicitamente, através de sua maneira de dizer: não o que diziam a
proposito deles mesmos, mas o que revelavam pelo próprio modo de se
expressarem” (Maingueneuau, 1997, p 45, grifos do autor).
As considerações sobre o ethos na Análise do Discurso e,
consequentemente, no modo como esse conceito integra o processo de
criação de textos didáticos para educação a distância devem levar em conta
que os efeitos relativos ao modo de dizer “são impostos, não pelo sujeito, mas
pela formação discursiva. Dito de outra forma, eles se impõem àquele que, no
seu interior, ocupa um lugar de enunciação, fazendo parte integrante da
formação discursiva [...] O que é dito e o tom com que é dito são igualmente
importantes e inseparáveis” (Maingueneuau, 1997, p 45, grifos do autor).
Concorre na formação do ethos didático a presença de certas marcas de
oralidade inerentes ao gênero que o separam do artigo acadêmico; certas
repetições que não caracterizam quebra de progressão, mas necessária
retomada do que foi dito para a construção de novas ideias – um texto de
estrutura espiral; e a necessidade de apresentação de exemplos práticos e
próximos da realidade do estudante imediatamente após o desenvolvimento de
conceitos, pois assim como para Maingueneau(1997, p.146), “Parece-nos que
a fé em um discurso, a possibilidade de que os sujeitos nele se reconheçam
presume que ele esteja associado a uma certa voz (que preferiremos chamar
de tom, à medida que seja possível falar do ‘tom’ de um texto do mesmo modo
que se fala de uma pessoa)”.
No caso específico da disciplina que elaboramos, procuramos atender a
esses aspectos estruturando cada unidade em: “Conteúdo teórico”, “Atividade
de Sistematização”, “Atividade de aprofundamento” e “Material Complementar”.
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Como o excesso de conteúdo teórico pode desestimular o aluno, as diferentes
seções da disciplina cumprem o importante papel de aplicar, sob diversas
formas, a teoria, bem como de aprofundá-la.
Uma das ferramentas mais produtivas para a aplicação teórica do
material é o fórum de discussão da unidade. Nele, um problema é proposto e
pede-se que o aluno escreva comentários que serão mediados pelo professor-
tutor.
Na unidade I, que denominamos “Elementos essenciais da poesia”
depois de discutirmos as conexões entre a arte e a vida cotidiana elencamos
os conceitos de ritmo, métrica e sonoridade como forma de instrumentalizar o
aluno para a identificação dos elementos formais do texto, sempre procurando
conscientizá-lo de que esses elementos que são, muitas vezes, apenas
enumerados no ensino médio, não são apenas de caráter taxonômico, mas
constituem recursos que produzem sentido em determinado texto de
determinado modo convidando o estudante não simplesmente a decorá-los,
mas a observá-los em funcionamento nos poemas.
Em seguida, servindo-nos do fórum de discussão, propusemos o
seguinte problema com vistas a pôr em prática os conceitos estudados:
Leia o poema de Manuel Bandeira a seguir, “Boi morto” (Bandeira, 2006, p. 66):
Como em turvas águas de enchente, Me sinto a meio submergido Entre destroços do presente Dividido, subdividido, Onde rola, enorme, o boi morto, Boi morto, boi morto, boi morto. Árvores da paisagem calma, Convosco – altas tão marginais! Fica a alma, a atônita alma, Atônita para jamais. Que o corpo, esse vai com o boi morto, Boi morto, boi morto, boi morto. Boi morto, boi descomedido, Boi espantosamente, boi Morto, sem forma ou sentido Ou significado. O que foi
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Ninguém sabe. Agora é boi morto, Boi morto, boi morto, boi morto.
Para que você realize esta atividade, é imprescindível a leitura do
conteúdo teórico desta disciplina e do livro Versos, sons e ritmos, de Norma Goldstein, editora Ática, Série Princípios, especialmente os capítulos “2. O Ritmo do poema” e “3. Ritmos”. Você encontra esta obra à disposição na biblioteca eletrônica da instituição, por meio do link:
http://sites.cruzeirodosulvirtual.com.br/biblioteca.
Depois de ler os capítulos sugeridos, produza comentários sintéticos no fórum nos quais você identifique pelo menos um efeito de sentido que se constrói por meio da assonância (repetição de sons vocálicos) ou da aliteração (repetição de sons consonantais), ou seja, por meio da sonoridade do poema. Relacione esse efeito de sentido ao tema do poema. Comente as postagens dos colegas.
Boa discussão!
A proposta de trabalhar com o poema “Boi morto”, de Manuel Bandeira,
fundamentou-se primeiro nas qualidades sonoras do texto bastante adequadas
ao propósito da unidade, mas também no fato de haver na Internet estudos de
qualidade que utilizaram a obra como corpus. Selecionamos a seguir algumas
postagens dos alunos que foram resultado do exercício:
Postagem de aluno I:
Olá tutora X, tive dúvidas na realização da atividade, depois da leitura do
material didático, realizei uma pesquisa a qual estou postando. (aguardo
retorno para saber se atendi ao solicitado)
Boi morto / boi morto / boi morto
3 sílabas / 3 sílabas / 2 sílabas, com as tônicas nas sílabas 2-5-8, sempre em
“mor”
No campo da sonoridade, predominam as assonâncias da vogal “a” com som
aberto – associado a “alma” e “árvores”, mas também a “águas” – e as de “o”
fechado – associadas a “morto” e “corpo”, mas também a “atônita”. Há ainda
presença importante da vogal “o” com som aberto (“destroços”, “rola”,
“enorme”, “agora”) e da vogal “i” (“boi”, “dividido”, “subdividido”, “marginais”,
“sentido”, “significado”). A oposição central ocorre entre os pares “morto/corpo”
e “alma/árvores”. Mas “águas”, no poema, ligam-se diretamente ao par
“morto/corpo”, enquanto “atônita” é característica central de “alma”. No campo
da sonoridade, os pares ao mesmo tempo distinguem-se e tocam-se,
configurando a ambivalência como elemento central da construção e dos
sentidos em jogo no poema.
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Algo semelhante ocorre quando se observa as assonâncias de “i”. Predominam
associações ligadas ao “boi” que é apresentado pelo eu-lírico ora como objeto,
coisa em si, ora como elemento metaforicamente constituinte da subjetividade
lírica.
http://www.abralic.org.br/anais/cong2011/AnaisOnline/resumos/TC0214-1.pdf
Postagem de aluno II:
Boa Tarde, Nota-se assonância na primeira estrofe no segundo verso -
submergidO, terceiro verso – destrOçOs, quarto verso – divididO, subdivididO, quinto verso – Onde rOla, enOrme, O bOi morto, segunda estrofe no segundo verso – cOnvOscO, quinto verso – O cOrpO, cOm O bOi mOrto; e na terceira estrofe no primeiro verso – bOi mOrtO, bOi descOmedidO, segundo verso – bOi espantOsamente bOi, terceiro verso – mOrtO, fOrma Ou sentidO, quarto verso – Ou significadO. O fOi, bem como no estribilho – bOi mOrto, .... A repetição da vogal O reforça a dimensão e as proporções do animal, da pessoa em comparação a dimensão dos seus sentimentos. A letra O é redonda e espaçosa e transmite essa ideia de tamanho.
A aliteração aparece na primeira estrofe no primeiro verso – coMo, segundo verso – Me subMergiDo, quarto verso – DiviDiDo, subDiviDiDo quinto verso – enorMe Morto; na segunda estrofe no primeiro verso – caLMa, segundo verso – aLMa, terceiro verso – jaMais, quinto verso – Morto. Esta aliteração remete a si, o eu lírico do poema, o estado em que encontra: a divisão do corpo e da alma: o grande corpo que perece e a alma que permanece.
Postagem de aluno III:
O poema começa com assonâncias no segundo e quarto versos (sinto, submergido, dividido, subdividido), vogais mais fechadas, que se abrem na revelação do último verso com as palavras "rola" e "enorme", para desembocar no tema do poema: o boi morto.
Que se repete três vezes no próximo verso, ainda por cima isolado dos demais, causando grande impacto. A repetição das palavras sugere a própria imagem do boi morto descendo lento o rio.
Na segunda estrofe, assonâncias com a vogal "a" parecem expandir o poema, não à toa descrevendo a paisagem circundante num primeiro momento que, pelas assonâncias entre "calma", "alta" e "alma", se associam ao aspecto subjetivo do "eu" que narra o poema (o que se sente a meio submergido da primeira estrofe).
Novamente a imagem repetida do boi morto descendo o rio. A última estrofe apresenta uma aliteração com a letra "s" em palavras
como: descomedido, espantosamente, sem (forma), sentido, significado, sabe. O som sibilante do "s" parece nos encaminhar para o fim do poema, onde se repete ainda: boi morto, boi morto, boi morto.
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Postagem de aluno IV:
“No campo da sonoridade, predominam as assonâncias da vogal “a” com som aberto – associadas a “alma” e “árvores”, mas também a “águas” – e as de “o” fechado – associadas a “morto” e “corpo”, mas também a “atônita”. Há ainda presença importante da vogal “o” com som aberto (“destroços”, “rola”, “enorme”, “agora”) e da vogal “i” (“boi”, “dividido”, “subdividido”, “marginais”, “sentido”, "significado”...). A oposição central ocorre entre os pares “morto/corpo” e “alma/árvores”. Mas “águas”, no poema, liga-se diretamente ao par “morto/corpo”, enquanto “atônita” é característica central de “alma”. No campo da sonoridade, os pares ao mesmo tempo distinguem-se e tocam-se, configurando a ambivalência como elemento central da construção e dos sentidos em jogo no poema”. (Wilson Flores, XII Congresso Internacional da ABRALIC 18 a 22 de julho de 2011, UFPR – Curitiba, Brasil)
Lancei mão desta análise feita por Wilson Flores, pois confesso que
tenho dificuldade de enxergar tudo isso no texto em questão, em virtude de ter uma mente muito prática e voltada para as coisas lógicas. No entanto, agora sim consigo ver as associações importantes da repetição dos sons vocálicos (assonância) na poesia de Manuel Bandeira. Eu creio que somente com o treino de leitura e análise poderei desenvolver essa capacidade de perceber as minúcias, às vezes claras, às vezes obscuras, da literatura poética. Melhor sorte aos companheiros de estudo.
Desespero Pensei, tentei, procurei De todo jeito alcançar. Mas como eu não logrei, Tive mesmo de apelar. A quem pedir tais favores? Quem há que possa ajudar? Só mesmo Wilson Flores, Mestra, queira desculpar.
Mesmo o enunciado do fórum não tendo dado notícia da existência de
análise do texto na Internet, as postagens I e IV foram construídas a partir de
pesquisas elaboradas pelos discentes e que foram devidamente creditadas ao
autor. No caso da postagem IV, o aluno parece ter se envolvido na atividade a
ponto de construir seu próprio poema, o que nos parece um eco daquele ponto
que discutimos na abertura do conteúdo teórico da unidade: a aproximação da
arte com a vida. De qualquer modo, o artigo citado pelo discente e pesquisado
no site da ABRALIC, Associação Brasileira de Literatura Comparada, foi
conveniente sintetizado por ele e, segundo o depoimento, serviu como base
para o desenvolvimento da sensibilidade de atentar para os elementos sonoros
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dos textos poéticos como aspectos produtores de sentido e não apenas como
produtores de beleza.
As postagens dos alunos II e III revelam, por sua vez, uma boa
capacidade de síntese e, ainda que não tenham citado o estudo em que,
provavelmente, se fundamentaram, não se limitaram só a copiar trechos do
artigo, mas souberam construir a resposta ao problema por meio de um texto
coerente que revela certo grau de internalização dos conceitos estudados.
A pesquisa autônoma, a capacidade de seleção e organização dos
dados de forma coerente para atender aos objetivos do enunciado mais as
contribuições pessoais dos alunos revelam, nesta pequena amostra, que a
distância entre o professor e o aluno pode ser suprida por técnicas de produção
do material didático que levem em contra a interatividade.
Ao longo das outras unidades da disciplina, procuramos desenvolver
atividades de forma que o aluno realize um percurso de leitura. Desse modo,
em atividades de aprofundamento do conteúdo teórico sobre figuras de
linguagem, por exemplo, ao invés de apresentarmos fragmentos de poemas
que ilustram usos das figuras de linguagem estudadas, apresentamos um texto
apenas, uma letra de música do cancioneiro popular do Brasil, e nela foram
destacadas as diferentes figuras bem como os diferentes efeitos de sentido
que, nessa situação específica de comunicação, são construídos no poema. A
seguir transcrevemos o enunciado da atividade:
Atividades de Sistematização: Figuras de linguagem e reflexões sobre a forma e o conteúdo da poesia. Leia a letra de música “Flor do Cafezal”, de Carlos Carlos Paraná, interpretada pela dupla Cascatinha e Inhana, transcrita a seguir e ouça a música no site do Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=xNtQGfej0_o.
Flor do Cafezal (Luiz Carlos Paraná) Meu cafezal em flor, quanta flor meu cafezal Meu cafezal em flor, quanta flor meu cafezal Ai menina, meu amor, minha flor do cafezal Ai menina, meu amor, branca flor do cafezal Era florada, lindo véu de branca renda Se estendeu sobre a fazenda, igual a um manto nupcial E de mãos dadas fomos juntos pela estrada Toda branca e perfumada, pela flor do cafezal Meu cafezal em flor, quanta flor do cafezal Meu cafezal em flor, quanta flor meu cafezal
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Ai menina, meu amor, minha flor do cafezal Ai menina, meu amor, branca flor do cafezal Passa-se a noite vem o sol ardente bruto Morre a flor e nasce o fruto no lugar de cada flor Passa-se o tempo em que a vida é todo encanto Morre o amor e nasce o pranto, fruto amargo de uma dor Meu cafezal em flor, quanta flor meu cafezal Meu cafezal em flor, quanta flor meu cafezal
Como vimos no texto teórico da disciplina, a poesia e a música são irmãs. Este texto é bastante simples do ponto de vista gramatical, mas mostra a sensibilidade aguçada e a percepção poética do homem do campo, que é capaz de estabelecer analogia entre os elementos de que dispõe, a lavoura de café, no caso, e a própria existência. Isto confirma a ideia de que o ritmo está ligado às atividades humanas, mas não só ele: também a arte nasce do cotidiano e uma grande obra pode surgir em qualquer circunstância, não apenas a partir de grandes acontecimentos ou versando sobre coisas nobres. As atividades a seguir buscam fazer com que você entenda as relações entre forma e conteúdo e baseiam-se, principalmente, na ideia da analogia, que é a base do texto em questão. Por analogia entende-se, para esta atividade, o estabelecimento de relação de semelhança entre coisas ou fatos.
Este enunciado procura, agora na unidade III da disciplina, resgatar os
conceitos teóricos da unidade I no que diz respeito à relação entre a arte e a
realidade e também às questões de forma e conteúdo do texto poético. Nesse
sentido, o texto escolhido, por ser uma letra de música, reforça a relação com o
ritmo e a sonoridade já estudados nas unidades precedentes. Além disso, as
questões objetivas de múltipla escolha procuram destacar no texto as
analogias, base da linguagem metafórica e a construção desta figura a partir
das relações de semelhança estabelecidas pelo sujeito.
As questões sobre o texto procuram levar o aluno, entre outras coisas, a:
a) identificar que o sujeito faz uma analogia entre a flor do cafezal e a
sua amada, ressaltando as qualidades comuns de ambas, sobretudo
a brancura.
b) compreender que o cruzamento sintático entre os referentes:
“Cafezal em flor” e “flor do cafezal” com “menina, meu amor” e “flor
do cafezal”, reforça a construção da metáfora construída pela
analogia: “a menina é a flor do cafezal”.
c) verificar a alternância dos tempos verbais no texto, presente e
passado, e perceber que o presente diz respeito aos elementos da
natureza que se repetem todos os anos: a florada do cafezal, fase de
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renascimento, de promessa de vida, enquanto o passado remete à
narrativa de um caso pessoal, representando a relação entre o
sujeito e sua amada, que acompanhou as diferentes fases da planta:
flor, fruto maduro e fruto amargo, do qual se extrai o café.
d) compreender que a metáfora não apresenta termo de comparação
em “a florada era um lindo véu” e que o símile corresponde à
aproximação de duas realidades diferentes, flor e véu, unidas por um
termo comparativo “igual” em “a florada [era] igual ao manto nupcial”.
O símile aí se estabelece pela delicadeza e, principalmente, pela
brancura, mas também pela beleza e delicadeza que há na flor e no
manto nupcial (véu de renda branca).
Em face da extensão da disciplina e a multiplicidade de textos e
atividades que a compõem, não é possível neste artigo analisar todas as
propostas, contudo acreditamos que esta breve exposição de atividades e de
alguns resultados obtidos são suficientes para exemplificar algumas estratégias
que utilizamos no desenvolvimento do material com a finalidade de torná-lo
mais interativo e, consequentemente, mais adequado ao que se espera de um
curso de graduação.
Embora reconhecendo que há um caminho muito longo a se percorrer
para conseguirmos maximizar a eficácia didática dos textos produzidos para
educação a distância, sabemos que esse caminho não pode ser percorrido
sem que sejam levadas em consideração que:
...pensar e falar são duas atividades distintas por essência, que se conjugam pela necessidade prática da comunicação, mas que têm cada uma o seu domínio e as suas possibilidades independentes, consistindo as da língua nos recursos oferecidos ao espírito para o que chamamos a expressão do
pensamento” (Benveniste, 2005, p. 68).
Desse modo “A possibilidade do pensamento liga-se à faculdade da
linguagem, pois a língua é uma estrutura enformada de significação e pensar é
manejar os símbolos da língua” (Benveniste, 2005, p. 80). Sob essa
perspectiva, que articula texto e discurso, enunciado e enunciação e pressupõe
a construção de um ethos discursivo didático que estimule a autonomia do
aluno por meio da pesquisa, da produção de conhecimentos e do
desenvolvimento do senso crítico, esperamos contribuir significativamente para
14
o desenvolvimento dos futuros licenciados em Letras, caso específico do
público-alvo a que se destinou o material didático que produzimos.
Referências:
Bandeira, M(2006). 50 poemas escolhidos pelo autor. São Paulo: Cosac Naify. Benveniste, E(2005). Problemas de linguística geral I. Campinas: Pontes
Editores. Bronckart, J(2009). Atividade de linguagem, textos e discursos: por um
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