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REFLEXÕES SOBRE PROPOSTAS DE ORGANIZAÇÃO CURRICULAR E DEMANDAS DE FORMAÇÃO DA SOCIEDADE ATUAL

Autor: Elaine Regina Olivares Volpato1

Orientadora: Maria Terezinha Bellanda Galuch2

Resumo:

Este artigo tem como objetivo refletir sobre a perspectiva de formação defendida por documentos oficiais que orientam o currículo da escola pública. Nos últimos anos, documentos como o Relatório Jacques Delors e os Parâmetros Curriculares Nacionais têm defendido uma educação voltada para o desenvolvimento de habilidades e competências como a solidariedade, a criatividade, o saber viver juntos. Esta perspectiva de formação, que responde às necessidades da sociedade atual, limita-se a uma educação adaptativa. Esta forma de conceber a educação, difundida em cursos de formação inicial e continuada de professores, dificulta a compreensão das relações entre a organização curricular, as políticas públicas e o contexto social mais amplo. Portanto, os pedagogos das escolas devem propor situações de estudos em que estas relações sejam reveladas no intuito de realizarem uma prática em que a escola exerça a sua função de trabalhar com o conhecimento sistematizado.

Palavras –chave: Currículo. Políticas Públicas. Formação de professores.

INTRODUÇÃO

Embora o tema “Políticas Públicas” seja frequentemente mencionado em

grupo de estudos, curso de formação inicial e continuada, bem como em

seminários da área educacional, envolvendo professores, equipe pedagógica e

gestores, o seu significado é motivo de muitas incompreensões.

1 Professora pedagoga do Colégio Estadual Juracy Rachel Saldanha Rocha, de Marialva - PR.2 Mestre em Educação-UEM; Doutora em Educação:História, Política, Sociedade-PUC/SP; professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação e do programa de Pós Graduação em Educação –UEM.

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Os documentos que contém as orientações para a educação chegam às

escolas como indicação de material a ser estudado, todavia a sua leitura, por

si, não nos possibilita compreender os determinantes sócio-políticos que estão

na base de sua elaboração e que os acompanham. Esta questão motivou-nos

a participar do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), com o

objetivo de melhor compreendermos as contradições que perpassam os

documentos que orientam as propostas curriculares para a educação básica.

Em cursos, seminários e estudos, durante a realização deste Programa de

formação continuada do Estado do Paraná, fomos nos apropriando de

elementos teóricos que nos conduziram à compreensão do projeto social que

está na base de propostas apresentadas por documentos como o Relatório

para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para a século

XXI, conhecido como “Relatório Jacques Delors”. Como parte das atividades

desenvolvidas no PDE, elaboramos um material didático para ser

implementado sob a forma de curso de formação continuada junto aos

professores da escola em que exerço o cargo de pedagoga. Este material foi

objeto de estudo durante o curso de extensão intitulado “Políticas Públicas e as

implicações na organização curricular da escola pública”. Este curso, com

duração de 40 horas, teve a participação de professores das áreas de

Matemática, Arte, História, Educação Física, Língua Portuguesa, Inglês e

Educação Especial; pedagogos e gestores do Colégio Estadual Juracy Rachel

Saldanha Rocha, de Marialva – PR.

Iniciamos o curso, buscando compreender que educar é um ato político

cujas escolhas teóricas dão a direção ao trabalho diário, quer seja do

professor, quer seja da equipe pedagógica/gestora da escola.

Algumas reflexões dos participantes foram o ponto de partida para

nossos estudos durante o curso. Estas reflexões mostram que, não raro, falta-

nos, como professores, a compreensão sobre a relação entre as Políticas

Públicas e a forma de organização do processo de produção. Abaixo,

apresentamos a resposta de um dos professores que participaram do curso,

quando solicitado a dizer o que são Políticas Públicas para a educação:

Políticas públicas do Estado ou do Banco Mundial? Qual a diferença? São bons parceiros. Políticas são boas... É o que

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sustentam a educação.

Este foi o ponto de partida para o estudo das orientações que chegam

às escolas por meio de documentos que, em última instância, buscam uma

educação que responda às demandas do capital em termos de formação.

Relatório Jacques Delors: qual a proposta de formação?

A década de 1990 foi marcada por transformações econômicas, sociais,

políticas, educacionais, dentre outras. Especificamente na educação, estas

transformações ocorrem, primeiramente, por meio de novas propostas e

concepções curriculares.

Nessa década, foram distribuídos para todas as escolas da educação

básica, os Parâmetros Curriculares para as séries iniciais do ensino

fundamental, bem como definidas as Diretrizes Curriculares Nacionais para o

ensino médio e aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –

Lei 9.394/96.

São orientações curriculares que buscam assegurar uma base comum a

todas as escolas, nos respectivos níveis de ensino. Ou seja, esses documentos

pretendem garantir certa unidade nos conteúdos, métodos de ensino e

avaliação, servindo de referência para a organização dos currículos das

escolas brasileiras. Apesar de não haver obrigatoriedade em adotar

tais orientações, acabam direcionando a prática pedagógica nas

escolas (GALUCH; SFORNI, 2011).

No Estado do Paraná, houve a elaboração das Diretrizes

Curriculares Nacionais, com a participação dos professores nesse

processo. A ideia que perpassava era a de que a escola teria

autonomia para elaborar a sua proposta pedagógica, definir

metodologias, fazer críticas e complementações ao modelo social

estabelecido.

Nesse processo, os documentos em elaboração eram enviados

às escolas para leituras, complementações e implementações.

Embora passava-se a ideia que se tratava de um processo que

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primava pela coletividade e participação de toda a comunidade

escolar, a concepção de formação, os objetivos da educação e do

ensino, os conceitos maiores de escola, de sociedade e de homem

que, em última instância, determinam o trabalho docente e,

consequentemente, a formação dos alunos, estavam presentes nos

documentos oficiais como os Parâmetros Curriculares Nacionais, a

LDB 9.394/96, o Relatório Jacques Delors, o Plano Decenal de

Educação,ou seja, documentos nacionais e internacionais que,

gradativamente, foram sendo incorporados por todos.

Esse processo nos remete à seguinte questão: o fato de

“incluir” a todos em discussões envolvendo a elaboração de diretrizes

para a educação básica, cuja perspectiva de formação já estava

delineada, acaba reduzindo o espaço para reflexões sobre o conteúdo

dessas mudanças.

E qual o conteúdos dessas mudanças? São mudanças que

buscam uma formação para atender às demandas do mercado,

portanto, a ênfase recai sobre o desenvolvimento de competências,

valores e habilidades que, não raro, seriam alcançadas, por exemplo,

mediante a organização do ensino por projetos, cujo objetivo é o

desenvolvimento de atitudes, mais do que a aprendizagem de

conteúdos disciplinares.

O Relatório Jacques Delors, publicado em 1996, sob o título

“Educação: um tesouro a descobrir – Relatório da Comissão Internacional

sobre Educação para o Século XXI”, aponta para uma formação voltada à

adaptação dos sujeitos às condições sociais atuais, ou seja, uma formação em

que os sujeitos estejam preparados para viver numa sociedade globalizada,

cujo objetivo é cada vez mais a garantia do consumo com vistas à manutenção

da própria sociedade, apesar de todas as suas contradições. Isso resulta numa

formação aligeirada e esvaziada da crítica social e política. Busca-se, isto sim,

a coesão social, quando a ruptura é uma questão visível.

Podemos perceber esta tendência em várias passagens do referido

Relatório. Uma delas, está destacada a seguir:

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Ante os múltiplos desafios do futuro, a educação surge como um trunfo indispensável à humanidade na sua construção dos ideais da paz, da liberdade, e da justiça social (DELORS, 1996, p.11).

Observa-se como a educação, perante os desafios do futuro, aparece

como possibilidade de resolver problemas cuja origem está na forma como a

sociedade está organizada. Daí, espera-se formar para a paz, liberdade e

justiça, enquanto permanece a sociedade da injustiça e da desigualdade. Eis,

ainda, o que diz o Relatório:

Contudo, os programas escolares estão cada vez mais sobrecarregados. É necessário, pois, optar, com a condição de preservar os elementos essenciais de uma educação básica que ensine a viver melhor, através do conhecimento da experiência e da construção de uma cultura pessoal (DELORS,1996, p.15).

O Relatório ressalta que os programas escolares estão

sobrecarregados, indicando a necessidade de conteúdos ligados à vivência das

pessoas. Segundo o documento, cabe à educação

[...] a missão de fazer com que todos, sem exceção, façam frutificar os seus talentos e potencialidades criativas, o que implica, por parte de cada um, a capacidade de se responsabilizar pela realização de seu projeto pessoal (DELORS, 1996, p.15).

Fica claro que a preocupação primeira não recai sobre a transmissão

dos conteúdos acumulados pela humanidade, tal como defendem autores

como Saviani (1984) e Libâneo (2012), por exemplo, mas que cada um se

ocupe e se responsabilize pelo seu projeto individual. Portanto, a formação

deve ser no sentido de adaptar-se à sociedade, formar para o trabalho, o que

dispensaria a ênfase no ensino de conteúdos estruturantes de todas as áreas

do conhecimento. Vejamos:

Com os progressos atuais e previsíveis da ciência e da técnica e a importância crescente do cognitivo e do imaterial na produção de bens e serviços, todos devemos convencer-nos das vantagens de repensar o lugar ocupado pelo trabalho e seus diferentes estatutos na sociedade do amanhã (DELORS, 1996, p.18).

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Percebemos, também, a preocupação para que todos estejam ocupados

com o trabalho na sociedade de amanhã. Dado o progresso da ciência e da

tecnologia, passa-se a ideia de uma educação permanente. Observa-se, ainda,

a defesa de que cada um ocupe seu posto, ou seja, repense o seu lugar na

sociedade das incertezas.

É a ideia de educação permanente que deve ser repensada e ampliada. É que, além das necessárias adaptações relacionadas com as alterações da vida profissional, ela deve ser encarada como uma construção contínua da pessoa humana, dos seus saberes e aptidões, da sua capacidade de discernir e agir. Deve levar cada um a tomar consciência de si próprio e do meio ambiente que o rodeia e a desempenhar o papel social que lhe cabe enquanto trabalhador e cidadão (DELORS, 1996, p.18).

Com esta citação, podemos visualizar o conteúdo da formação

pretendida. O documento deixa claro que a defesa é a de uma educação

adaptável ao mercado, ao imediato; consequentemente, tem-se um currículo

que se esvazia, tanto de conhecimento científico como da crítica à sociedade.

Esta perspectiva de formação se expressa nos quatro pilares,

considerados o “norte para a educação”: aprender a aprender, aprender a ser,

aprender a conviver e aprender a fazer.

Os quatro pilares da educação: orientações para uma formação adaptativa.

Aprender a aprender

Este pilar propõe novas relações entre o conhecimento e o mundo do

trabalho ligadas às novas formas de produção e ao ideário neoliberal. Isso

significa estar adaptado a novas regras do trabalho, ou seja, à flexibilidade,

iniciativa, inovação, capacidade de responder aos problemas imediatos,

pontuais. Estar disposto a aprender sempre que a ocasião lhe solicitar, desde

saber tecnológico, competências para aprender num curto espaço de tempo

competências e novas habilidades.Um processo de educação permanente. A

esse respeito, destaca o documento:

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[...] a fim de se estar preparado para acompanhar a inovação, tanto na vida privada como na vida profissional. É uma exigência que continua válida e que adquiriu, até, mais razão de ser. E só ficará satisfeita quando todos aprendermos a aprender. (DELORS,1996, p.19).

Aprender a ser

O Documento sugere que o mundo necessita de um trabalhador

diferente do exigido pela produção de corte taylorista/fordista, portanto, o

sujeito precisa aprender a ser este novo sujeito, com o perfil esperado pelas

demandas do mundo do trabalho; um sujeito, que saiba agir de modo diferente,

adaptar-se a situações, ajustar-se àquilo que a empresa necessita. Essa

adaptação requer do sujeito não apenas estar preparado para um posto de

trabalho, mas atender a várias atividades ao mesmo tempo, muitas vezes, ser

competitivos com os próprios colegas, ser autônomo e responsável por várias

atividades.

Aprender a conviver

Para a permanência da sociedade, apesar de seus conflitos, torna-se

necessário que os sujeitos aprendam a conviver com a incerteza, com a

competição, que saibam trabalhar em equipe, superar cobranças e pressões no

trabalho, realizar projetos comuns, compreender o outro. Isso é condição para

a manutenção da paz, para formar sujeitos tolerantes com as desigualdades e

não sujeitos que lutem pela transformação em busca de uma sociedade

pautada na igualdade.

Trata-se de aprender a viver juntos, desenvolvendo o conhecimento acerca dos outros, da sua história, tradições espiritualidade. E a partir daí criar um espírito novo que, graças precisamente a esta percepção das nossas crescentes interdependências, graças a uma análise partilhada dos riscos e dos desafios do futuro conduza à realização de projetos comuns ou, então uma gestão inteligente e apaziguadora dos inevitáveis conflitos (DELORS, 1996, p.19).

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Este novo espírito “de aprender juntos” leva os sujeitos a verem as

coisas de forma a estabelecer a passividade e a tolerância diante dos futuros

conflitos sociais e até partilhar riscos, unindo-os em torno de projetos comuns,

aliados a um só pensamento, a um só desejo. Isso é chamado nos documentos

oficiais de gestão inteligente.

Aprender a fazer

Este novo trabalhador deve ter iniciativa, demonstrar prontidão, ceder à

improvisação, buscar soluções para problemas, atualizar conhecimentos e

técnicas, dominar relações de vendas, ser capaz de gerenciar trabalhos

paralelos, aceitar desafios, tomar decisões rápidas e precisas.

Segundo o Relatório Jacques Delors, o desejável é que a escola

transmita o gosto de aprender. O que à primeira vista aparenta ser uma

inovação, acaba concorrendo para o esvaziamento do conteúdo, justamente o

que poderia ser uma possibilidade de a escola contribuir para o

desenvolvimento cognitivo dos sujeitos.

Mediante os avanços tecnológicos, cobra-se uma educação permanente:

[...] tendo em conta as rápidas alterações provocadas pelo progresso científico e as novas formas de atividade econômica e social, há que conciliar uma cultura geral suficientemente vasta, com a possibilidade de dominar, profundamente, um reduzido número de assuntos. Esta cultura geral constitui, de certa forma maneira, o passaporte para uma educação permanente, na medida em que fornece o gosto e as bases para a aprendizagem ao longo de toda a vida (DELORS,1996, p. 20).

Esta educação geral propõe que o homem se aperfeiçoe

constantemente. Cobra-se do trabalhador, agora denominado como

colaborador, conhecimentos referentes à tecnologia. Como a sociedade da

informação muda a todo instante, multiplicam-se as possibilidades de acesso a

dados e fatos. Com isso, todos têm de gerir e utilizar informações. Vejamos:

Exatamente para poder criar esta nova sociedade, a imaginação humana deve ser capaz de se adiantar aos avanços tecnológicos, se quisermos evitar o aumento do

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desemprego, a exclusão social ou as desigualdades de desenvolvimento (DELORS, 1996, p. 18).

Com a ideia de educação ao longo da vida e de que o desenvolvimento

tecnológico exige domínio de muitos instrumentos, acredita-se que a inclusão

social dar-se-á por meio da inclusão digital. Daí a ideia que tem sido

disseminado de que as desigualdades sociais seriam minimizadas com a

escola incluindo em seus currículos trabalhos com mídias, com laboratório de

informática. Com isso, desloca-se do professor para os instrumentos a

possibilidade de ensino.

Com esta nova maneira de se pensar, acredita-se que as pessoas se

desenvolvem, se humanizam pela formação que enfatiza o uso de novas

tecnologias. Resulta dessa ideia o fato de que em diversos cursos de

formação inicial e continuada de professores defende-se que a inclusão se

efetiva mediante a incorporação de novas tecnologias aos processos de

ensino.

Vale destacar que este entendimento sobre a formação não é algo que

nasce na escola, mas decorre de um projeto social cuja base está nas

transformações ocorridas na forma de organização da produção e suas

implicações sociais, econômicas e políticas e se efetiva por meio de propostas

curriculares. Nesse contexto, as discussões em torno do currículo acabam

incorporando o discurso em prol da adaptação às condições atuais, apesar de,

muitas vezes, primar pela reflexão crítica.

Adaptação ou reflexão: dificuldades de exercício da crítica

As Diretrizes Curriculares Nacionais, ensino fundamental e ensino

médio, por exemplo, trazem em seu texto a clara intencionalidade de uma

formação voltada para a adaptação dos sujeitos ao mundo globalizado, cujas

habilidades e competências alteram-se a cada dia.

Na tentativa de analisar este processo, as Diretrizes de Língua

Portuguesa mencionam:

Um sujeito é fruto de seu tempo histórico, das relações sociais em que está inserido, mas é, também, um ser singular, que atua

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no mundo a partir do modo como o compreende e como dele lhe é possível participar. Ao definir qual formação se quer proporcionar a esses sujeitos, a escola contribui para determinar o tipo de participação que lhe caberá na sociedade. Por isso, as reflexões sobre o currículo têm, em sua natureza, um forte caráter político (PARANÁ, 2008, p.14).

Estas Diretrizes propõem uma reorientação na política curricular,

apontando uma reflexão, com o objetivo de construir uma sociedade justa,

cujas oportunidades sejam iguais para todos.

Percebemos que nestas Diretrizes há uma preocupação em favor de

uma compreensão crítica do mundo atual e de formas de atuação nele. Este

documento também deixa claro que o currículo é resultado de embates

políticos que produzem um projeto pedagógico vinculado a um projeto social

que, a priori, deveria ter a participação dos sujeitos nele envolvidos.

Nesse processo, cabe-nos uma reflexão: como, de fato, ser justo e

possibilitar oportunidades para todos, numa sociedade da exclusão?

Observamos que estas Diretrizes, apesar de em alguns trechos

apontarem para a necessidade de uma formação crítica, alinham-se à

centralidade das discussões de documentos oficiais como o Relatório Jacques

Delors e os Parâmetros Curriculares, nos quais podemos observar uma

educação esvaziada da crítica.

As Diretrizes em discussão fazem a crítica a um currículo academicista,

ou seja, fechado em si, sem dimensão da totalidade, não chegando a ser

crítico, e também fazem a crítica ao discurso que prevaleceu na década de

1990, que esvaziou os conteúdos disciplinares para dar destaque aos

chamados temas transversais ou temas contemporâneos.

As Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa dão ênfase à filosofia e

à pesquisa científica, ao mesmo tempo em que enfatizam a necessidade de a

escolar incluir temas contemporâneos como: meio ambiental, enfrentamento à

violência, problemas relacionados à sexualidade e às drogas. Neste

documento, há a defesa de que estes temas sejam trabalhados pelas

disciplinas afins, de forma contextualizada.

Apesar de haver a defesa à formação crítica, o fato de a escola

responsabilizar-se por incluir temas (desenvolvidos através de projetos)

consequentes das próprias contradições da sociedade pode haver o

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esvaziamento do conteúdo especificamente escolar. Quando não se tem a

compreensão do contexto atual, do projeto de sociedade que perpassa os

documentos oficiais sobre a educação, corremos o risco de aderirmos à

ideologia neoliberal, apesar de considerarmos que estamos praticando uma

educação crítica.

Percebemos que há alterações em termos, não nos conceitos. Por

exemplo, enquanto os Parâmetros Curriculares Nacionais propõem o trabalho

com temas transversais, as Diretrizes se referem a temas contemporâneos, ou

seja, mudam-se nomenclaturas, mas permanece a perspectiva de formação

adaptativa.

Com a aparência de inovação e de melhor qualidade, o conteúdo

dessas propostas curriculares chegam às escolas por meio de cursos de

formação continuada, cursos de formação inicial de professores e por meio da

própria bibliografia especializada. Nestas propostas, pouco se reflete sobre a

necessidade de uma formação voltada para o desenvolvimento humano, em

primeiro lugar. Ao contrário, percebe-se que a prioridade é para uma educação

voltada para o desenvolvimento de atitudes e valores como os de

solidariedade, respeito, convivência que, em última instância, estão coerentes

com as orientações mundiais em prol de uma educação voltada para a

manutenção da coesão social, o que pode ser facilmente observado nas

propostas pedagógicas das escolas, sobretudo, quando definem o perfil de

homem a ser formado.

Desta forma, ao desviar o foco para outras aprendizagens que não são conceituais, bem como ao dar destaque ao trabalho com temas transversais como sinônimo de uma prática escolar voltada para a promoção do pensamento crítico, esses documentos retiram da educação justamente a possibilidade de uma formação que promova o desenvolvimento humano em sua integridade. Pois, desvincular o desenvolvimento do pensamento crítico do domínio do conhecimento científico implica o esvaziamento do conteúdo da própria crítica e, consequentemente, da possibilidade de desenvolvimento cognitivo presente na aprendizagem escolar (SFORNI; GALUCH, 2006, p.155).

Portanto, se pretendemos compreender a escola e suas propostas

curriculares há que compreendermos as políticas nacionais e globais que dão o

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contorno às práticas pedagógicas. Se pretendemos uma formação para além

da adaptação, uma das ações é entendermos este processo contraditório,

repensando o papel da educação. Isso não é tarefa fácil, uma vez que o

discurso é envolvente e nos sensibiliza, tornando-se complicado o

entendimento dos limites da proposta de formação veiculada em documentos

oficiais. Nestas propostas, termos como harmonia, solidariedade, viver juntos,

pensamento crítico e autonomia acabam desviando o foco do conteúdo de

estudo das diferentes disciplinas que compõem o currículo da escola.

Sem o entendimento do que produz a necessidade desse tipo de

formação, fica difícil nos posicionarmos contrariamente às propostas de formação

que assumem estes objetivos. Ou seja, como sermos contrários à

solidariedade, à cultura da paz, à liberdade, à igualdade, à justiça, à harmonia?

Realmente, não somos. O que estamos defendendo é que possamos

compreender as contradições presentes nesses discursos, para que possamos

lutar por uma escola que trabalhe com o conhecimento científico, que busque a

formação humana, sem aderirmos à formação unicamente adaptativa.

Se a escola tem a função de trabalhar com o conhecimento

historicamente construído, para aqueles que efetivam o currículo em sala de

aula faz-se necessário uma formação que os possibilitem compreender a

relação entre o contexto social, econômico e político e as propostas para a

educação. Sem ter clareza de seu papel, ou melhor, sem condições de fazer

análises profundas desta formação, fica difícil transformarmos nossa prática e

entendermos a crise educacional.

Nesse sentido, é fundamental analisarmos as Diretrizes, os Parâmetros

Curriculares Nacionais, o Relatório Jacques Delors, refletindo sobre a forma

como influenciam o encaminhamento das práticas pedagógicas em nossas

escolas.

Isso poderá, de alguma forma, contribuir para que os modismos

pedagógicos, presentes no cenário da década de 1990, muitos deles

materializados, por exemplo, no livro didático, deixem de continuar atendendo

prioritariamente à formação requerida pelo sistema capitalista, empobrecendo o

currículo e, por outro lado, cobrando, muitas vezes, resultados contraditórios,

baseados em estatísticas do Saeb, Pisa, Enem e Prova Brasil, culpabilizando

somente as pessoas ou escolas envolvidas.

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Reflexões sobre a organização curricular

Com o propósito de melhorar a qualidade do ensino e de formar o

cidadão crítico tão falado nas leis, a Secretaria de Estado da Educação do

Estado do Paraná - SEED, de forma sistematizada por meio de ações voltadas

para as práticas curriculares e reflexão do trabalho do professor, vem buscando

a articulação para que o professor possa identificar sua prática e entender a

ligação entre os Parâmetros Curriculares Nacionais e as políticas neoliberais

(PARANA, 2009).

Esta tentativa de análise pode ser observada, por exemplo, nos

documentos recebidos pelas escolas, em 2010, para a semana pedagógica.

Estes documentos buscam na Teoria Histórico Cultural elementos para a

compreensão dos processos de ensino e aprendizagem, apontando a

necessidade de rompermos com modismos pedagógicos e buscarmos uma

educação que valorize o conhecimento.

Algumas análises das políticas educacionais de 1990 nos permitem perceber as rupturas ou descontinuidade de um currículo que expressam as necessidade da escola pública e suas especificidades. [...] Os descaminhos produzidos pelos modismos pedagógicos que envolveram e seduziram grande parte dos professores ao longo das políticas em âmbito nacional da década de 1990, ainda provocam impactos, não só na formação, como na própria compreensão do papel do professor (PARANA, 2010, p.08).

Esta perspectiva é fundamentada em críticas de Sforni (2004) sobre as

políticas da década de 1990. Para esta autora, a escola secundarizou seu

papel ao privilegiar os quatros pilares defendidos no Relatório Jacques Delors.

Em detrimento aos conteúdos de ensino, passou-se a privilegiar o aprender a

aprender; aprender a fazer; aprender a ser e aprender a conviver.

Segundo a autora, a escola não existe somente para o aluno comunicar-

se. Esta instituição não pode reforçar uma educação que visa tão somente

adaptar o sujeito às novas demandas do mercado. É importante que

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instrumentalize o aluno para compreender o processo histórico que gerou esta

necessidade. Isso envolve a apropriação de conceitos de todas as áreas do

conhecimento e a relação com o contexto em que foram produzidos. Envolve,

ainda, a compreensão da sociedade e suas contradições.

Compreender o processo histórico implica, por exemplo, compreender o

contexto em que se defendeu que o conhecimento deveria ser construído pelo

próprio aluno, cujos gostos e preferências deveriam ser respeitados. Assim,

disseminou-se a ideia segundo a qual nada mais pode substituir a atuação do

próprio aluno na tarefa de construir significados sobre os conteúdos da

aprendizagem, eliminando-se a necessidade de o professor direcionar o

ensino.

Com isso, negligenciou-se o papel do ensino e do conhecimento que,

por vezes, ficou no senso comum, construindo conceitos desvinculados da

teoria.

No que se refere à formação dos professores, Sforni (2004) defende a

necessidade de entendermos o papel dos conceitos na formação dos sujeitos,

destacando a diferença entre conhecimento espontâneo e científico.

No documento para estudo na Semana Pedagógica de 2010, consta:

As demandas que incidem sobre a escola devem ser refletidas e até ponderadas no limite como ela (escola) pode ou não se responsabilizar pelas questões, que muitas vezes estão nela, mas não são inerentes a ela como ex: desigualdade social, falta de emprego, fome, violência, miséria, preconceito e a exclusão. Elas expressam, portanto, desafios a se enfrentar, os quais, muitas vezes,revelam um enfrentamento que é histórico cultural e social (PARANÁ, 2010,17-18).

Aqui está expresso que as políticas curriculares têm de pensar o sujeito

epistêmico, buscar enfrentar a dicotomia expressa no âmbito do capitalismo entre

os que pensam e os que executam. Este mesmo documento aponta que desde

2005 a Secretaria de Estado da Educação do Estado do Paraná busca propor

discussões sobre a função social da escola, a gestão democrática, o currículo

escolar, as concepções de ensino e aprendizagem e os desafios do cotidiano

escolar: a inclusão, o enfrentamento ao preconceito e discriminação de raça e

gênero.

O documento enviado para as escolas para ser estudado durante a

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Semana Pedagógica de 2010 mostra que a inclusão de várias temáticas no

currículo significa a transferência das demandas da sociedade da mercadoria

para a escola. Esta reflexão esclarece que há uma intencionalidade quando a

escola passa a trabalhar com temas que se põem como problemas fora da

escola: o que é uma questão social passa a ser entendida como uma questão a

ser resolvida pela educação.

Estas questões se ampliam no âmbito curricular. Aparecem, por

exemplo, no Guia do Livro Didático, que ressalta como pontos positivos para a

indicação de um determinado livro didático o fato de o livro destacar a

construção da cidadania, ressaltando-se o respeito à diversidade cultural e às

diferenças entre os povos (BRASIL, 2002, p. 219-220).

Vale ressaltar que ao se exaltar o respeito à diversidade, descarta-se a

possibilidade de compreensão daquilo que uniria os homens para lutarem pela

transformação das condições objetivas que geram as desigualdades, ou seja,

esta possibilidade dilui-se em meio à valorização da diversidade social e

cultural, banalizando-se a crítica.

Esta banalização corresponde aos objetivos de formação apontados

pelo Relatório Jacques Delors como mencionam Galuch e Sforni (2010). Neste

sentido, o respeito à diversidade significa a defesa da manutenção da

sociedade de classes e, consequentemente, o desejo da harmonia entre as

classes, contribuindo, assim, para o “[...] desenvolvimento do querer viver

juntos, elemento básico da coesão social e da identidade nacional” (DELORS,

1996, p. 59), correspondendo às orientações do Relatório Jacques Delors.

Desse modo, termos como: transformação social, luta de classes e

contradições desaparecem dos debates educacionais. Em seu lugar,

aparecerem outros termos que nos seduzem pela aparência de um discurso

“politicamente correto”. Destacam-se, neste novo discurso, incorporados pelas

propostas curriculares, termos como coesão social, solidariedade, equidade,

harmonia que, à primeira vista, mostram-se como uma diretriz para a formação

de sujeitos respeitosos em relação a seus pares. Todavia, uma análise na sua

relação com as questões sociais mais amplas, leva-nos a perceber que estas

propostas ao invés de alçarem uma formação voltada para a luta contra as

desigualdades sociais, como propunham as teorias críticas, fazem a escola

tomar para si a responsabilidade de formar cidadãos que respeitem as

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diferenças, nomeadas como diversidade (GALUCH; SFORNI, 2011).

Para alterar esta sociedade temos que entender esse fenômeno

denominado por Moraes (2001) de sutil exercício linguístico que compõe um

horizonte ideológico apaziguado. Segundo a autor,

Termos e conceitos têm sido absorvidos pela pragmática retórica corrente. Uns foram naturalizados – o capitalismo, por exemplo – alguns foram construídos, re-significados, modificados ou substituídos por outros mais convenientes. O termo igualdade, entre outros tantos exemplos, cedeu lugar à equidade, o conceito de classe social foi substituído pelo de status sócio-econômico, os de pobreza e riqueza pela peculiar denominação de ‘baixo’ e ‘alto’ ingressos sociais. Destinado a assegurar a obediência e a resignação públicas, o novo e pragmático vocabulário faz-se necessário para erradicar o que é considerado obsoleto e a criar novas formas de controle e regulação sociais. Alcançar o consenso é então fundamental, o que é efetivado com inegável sucesso, seja pela cooptação de intelectuais – tantos deles educadores –, bem como pela monocórdia repetição de um mesmo discurso reformista para a educação nos documentos das agências multilaterais e nas políticas de governo de vários países, notadamente na América Latina ( MORAES, 2001, p.14).

Às vezes, entender o contexto político e seu viés requer afastar-se da

realidade imediata, para adquirir um repensar mais detalhado, mais elaborado.

Este pensamento é alcançado quando dispomos de instrumentos simbólicos

que permitem analisar os fenômenos para além da sua aparência. Assim, é

possível entendemos, por exemplo, o porquê de no discurso reformista, além

de novos termos, em nome “da igualdade”, falar-se tanto em saberes e não em

conhecimento. O conhecimento implica em valorizar um pensamento mais

elaborado, teórico, preocupado em desenvolver as funções complexas do

pensamento. Os saberes se diluem em situações do cotidiano e na ideia de

que não existe um conhecimento verdadeiro, mas diferentes narrativas sobre o

mesmo fenômeno. A defesa desta ou daquela fala se traduz em ações éticas,

quando, muitas vezes, essa defesa do relativismo não alcançou patamares

condizentes de transformar as reais situações educacionais. Esta defesa

acaba, não raro, conduzindo os professores e pedagogos a pensarem e

atuarem no contexto escolar de forma ilusória, disseminando uma ideia

reduzida daquilo que poderia propiciar uma reflexão crítica sobre a realidade.

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Nesse contexto, o pedagogo acaba assumindo na escola o papel de

gestor de conflitos, amparando-se pelas experiências cotidianas, sem um

respaldo teórico para suas ações.

Como destacam Almeida e Placco, aos pedagogos:

São solicitadas inúmeras tarefas de ordem burocrática, organizacional, disciplinar que dificultam sua dedicação a um trabalho de formação de professores e o faz cair numa certa frustração pelo ‘mundo de vozes’ que ouve, que vê e que subentende, mas não consegue administrar.(ALMEIDA; PLACCO, 2001, s/d).

CONSIDERAÇÕES

Tomando-se como ponto de partida o papel do pedagogo e a relação

com os professores no processo de organização do trabalho pedagógico, há

muito que se avançar na clareza da relação entre educação e intencionalidade

política.

Assim, cabe ao pedagogo fazer análises de documentos, programas

educacionais, acompanhar com criticidade o currículo para direcionar, pontuar

e esclarecer, fortalecendo teoricamente os professores de sua escola.

Buscamos em Saviani (1985) elementos que nos ajudam a esclarecer a

especificidade do trabalho do pedagogo. Ao falar a um grupo de formandos do

curso de Pedagogia, o autor diz:

Empenhem-se no domínio das formas que possam garantir às camadas populares o ingresso na cultura letrada, vale dizer, a apropriação dos conhecimentos sistematizados. E, no interior das escolas, lembrem-se de que o papel próprio de vocês será provê-las de uma organização tal que cada criança, cada educando, em especial aquele das camadas trabalhadoras, não veja frustrada a sua aspiração de assimilar os conhecimentos metódicos, incorporando-os como instrumento irreversível a partir do qual será possível conferir uma nova qualidade às lutas no seio da sociedade. (SAVIANI, 1985, p. 27-28).

Portanto, fica-nos claro que a formação do pedagogo é específica. Ele

deve realizar a mediação das formas deste saber pedagógico, voltando-se a

garantir às futuras gerações o conteúdo sistematizado, científico. Esta forma de

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conceber o trabalho do pedagogo e da escola condiz com a perspectiva

segundo a qual a apropriação dos conhecimentos é condição para o exercício

da cidadania, pois são eles os mediadores culturais que permitem aos sujeitos

compreenderem a realidade para além daquilo que ela se apresenta

empiricamente (GALUCH; SFORNI, 2011).

Sob esta perspectiva, compreendemos que os embates diários, exigidos

pelas inúmeras demandas da escola pública, devem ser travados no sentido de

possibilitar que escola cumpra a sua função: possibilitar àqueles que a

frequentam o acesso ao saber sistematizado.

Esta discussão nos permite, como pedagogos, visualizarmos que não

basta falarmos em reformas educacionais, em reorganização do tempo escolar,

em inclusão, se não tivermos a clareza dos objetivos que estão postos para a

educação e, consequentemente, para as propostas curriculares. Portanto, se

compreendermos a relação entre as propostas de reestruturação curricular, as

políticas públicas e as demandas da sociedade, teremos condições de

refutarmos as propostas que primam simplesmente pela adaptação e levarmos

a termo uma educação que busca a formação humana.

REFERENCIAS

ALMEIDA, L. R; PLACCO, V. M. N. S. O coordenador pedagógico e o espaço de mudança. São Paulo: Loyola, 2001.

DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. São Paulo: Cortez, 1998.

GALUCH, Maria Terezinha Bellanda; SFORNI, Marta Sueli de Faria. Interfaces entre políticas educacionais. Práxis Educativa. Ponta Grossa, v. 6, n.1, jan/jun. 2011, p. 55-66. Disponível em http://www.periodicos.uepg.br

LIBÂNEO, José Carlos. O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento para os ricos, escola do acolhimento social para os pobres. Educação e Pesquisa. Revista da Faculdade de Educação da USP. vol. 38 n.1. São Paulo. Jan/Mar. 2012. p. 13-28. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ep/v38n1/aop323.pdf.

MORAES, Maria Célia Marcondes de. Recuo da teoria: dilemas da pesquisa

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em educação. Revista Portuguesa de Educação. Braga, Portugal: Universidade do Minho, v. 14, n.1, 2001, p.7-25.

PARANÁ. Diretrizes Curriculares da Educação Básica de Língua Portuguesa. SEED: Curitiba, 2008. Disponível em: http://www.portugues.seed.pr.gov.br/

PARANÁ. As necessidades da escola a partir de seus limites avanços. Curitiba. SEED. Orientações para a organização da semana pedagógica Fev/2010. Disponível em: < ttp://www.pedagogia.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=10>

SAVIANI, Dermeval. Sentido da pedagogia e o papel do pedagogo. Revista ANDE - Revista da Associação de Educação. São Paulo, nº 9, 1985.

SFORNI, Marta Sueli de Faria. Aprendizagem conceitual e organização do ensino: contribuições da teoria da atividade. Araraquara: JM Editora, 2004.