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REGIÃO: DA EXPRESSÃOCOTIDIANA AO CONCEITO GEOGRÁFICO
Em seus diálogos no dia a dia, é comum as pessoas se referirem ao termo região como uma área
determinada do espaço geográfico que apresenta características específicas.
A região, assim vista, expressa uma característica marcante que a distingue das áreas de entorno. Assim,
é comum ouvir expressões como "a região mais desenvolvida", "a região mais seca", "a região mais violenta",
entre outras. Usa-se o termo "região" para expressar uma particularidade de determinada área.
A mídia também utiliza essa expressão para definir uma área onde ocorre determinado fato. Em
algumas ocasiões, são empregadas as classificações regionais feitas pelos órgãos públicos, como
Região Norte, Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste.
Assim como os outros conceitos que foram discutidos neste capítulo, o de região também é
empregado em outras áreas do conhecimento, seja ele científico ou derivado de saberes elaborados
pelas pessoas no cotidiano, baseados em suas leituras de meios impressos, de suas vivências, suas
experiências ou aprendizagens escolares.
Em várias áreas do conhecimento, o conceito de região é utilizado com diferentes propósitos ou
objetivos. Na Literatura, por exemplo, esse conceito foi usado em obras literárias e traduz delimita-
ções espaciais, expressas no regionalismo, como foi o caso de escritores nordestinos como Rachel
de Queiroz, José Lins do Rego, Jorge Amado, Ariano Suassuna, entre outros. Na Sociologia, também
se pode encontrar esse mesmo recorte regionalista, como o elaborado por Gilberto Freyre. Para a
Geografia, o conceito de região tem importante significado, que estudaremos a seguir.
Construção do conceito de região
A região foi uma temática utilizada em estudos sobre o espaço mesmo antes de a Geografia se
constituir como ciência. Na Antiguidade, a região já dizia respeito à delimitação espacial e ao seu
controle. Essa palavra deriva do latim; sua raiz está no verbo regere, que deu origem a palavras
como regente, regência e regra. Assim, ela envolve a concepção de governar, de estabelecer regras,
apresentando, portanto, uma conotação política.
Na Roma antiga, a palavra regione era utilizada para se referir às áreas que, mesmo estando sob
uma administração local, se subordinavam às regras estabelecidas pelo Império Romano. Os governos
locais deviam obediência e pagavam impostos a cidade de Roma. Observe no mapa a seguir o modo
como os romanos representavam essa divisão regional.
X5EEMANIA INFERIOR\
l ' iGAUAv T. NÓR)CA
í_a Mar Mediterrâneo
ÁFRÍCA\ -̂~
! CIRENAICA
x- V
Fonte: DUBY, George. 6mnd atlas historique. Paris: Larausse, 2008.
Nos momentos históricos seguintes, como na Idade Média, e depois, com a constituição dos
Estados Nacionais na Idade Moderna, a região orientou a organização do poder sobre o espaço. Nos
dias atuais, a Geografia apresenta diferentes abordagens sobre região.
Para a Geografia, o debate sobre esse conceito se relaciona com o desenvolvimento da própria
ciência. No século XIX, iniciou-se a constituição do conceito de região natural, concebido como
uma porção do espaço que apresenta uma combinação de elementos da natureza, como o clima, a
vegetação e o relevo, que, integrados, vão compor uma paisagem natural específica. Essa perspectiva
influenciou, por exemplo, a elaboração de regionalizações do Brasil, as quais serão estudadas com
mais detalhes no 2a ano.
Ao longo do século XX, vários estudiosos criticaram o conceito de região natural, por acreditarem que
uma região não é algo dado"naturalmente". Os aspectos naturais não seriam suficientes para explicá-la,
pois ela se constituiria como resultado das atividades humanas em determinados ambientes.
Atualmente, a maioria dos geógrafos trabalha com o conceito de região geográfica, para os quais
a ação combinada dos processos naturais e o impacto da ação humana sobre a região natural são de
grande interesse. Entretanto, a região natural não é mais uma referência para explicar as diferenças
no processo de desenvolvimento económico e social.
Já na década de 1970, a região passou a ser entendida como uma criação intelectual, elaboradacom objetivos específicos e definida com base em critérios predefinidos. Assim, as concepçõesanteriores não foram eliminadas, mas passaram a ser compreendidas como apenas uma das formasde estabelecer regionalizações. A partir de então, outros conceitos de região foram estabelecidos econtinuam até os dias atuais servindo de base para as pesquisas no Brasil e no mundo. Dois conceitosde região são majoritariamente adotados nas análises geográficas atuais, sejam elas económicas ouculturais, e são referenciais para a elaboração de trabalhos académicos, projetos de planejamentogovernamental e de empresas privadas:
• região como organização espacial dos processos sociais associados ao modo de produção ;capitalista. A regionalização do Brasil com base no meio técnico-científico-informacional revelaum pouco dessa concepção, como pode ser constatado no mapa abaixo;
• região como um conjunto específico de relações culturais entre um grupo e os lugares. Essasrelações constituem uma determinada identidade.
MEIO TECNICOCIENTIFICO INFORMACIONALE AS REGIÕES BRASILEIRAS - 2001
| | Região Amazônica
| | Região Nordeste
~^\o Centro-Oeste
_J Região Concentrada
Fonte: SANTOS, M.; SILVEIRA, M. L. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001.
No Brasil, a divisão geográfica mais comumente utilizada é a elaborada pelo Instituto Brasileirode Geografia e Estatística (IBGE). Diferentes instituições, como escolas, empresas públicas eprivadas, empregam essa regionalização, resultante de outras criadas em momentos históricosanteriores.
Na primeira divisão, de 1940, é possível afirmar que havia a influência do conceito de regiãonatural. Note que, ao estabelecer os limites da Região Norte, foram incluídos os estados doMaranhão e do Piauí, em virtude de eles serem considerados, na época, uma área de transiçãodos aspectos naturais entre o Norte e o Nordeste.
BRASIL: EVOLUÇÃO DA DIVISÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA - IBGE
República dos EstadosUnidos do Brasil, 1945
Republica dos EstadosUnidos do Brasil, 1940
| Leste Setentrional
| Nordeste Oriental
República dos EstadosUnidos do Brasil, 1960
Republica Federativado Brasil, 1970
República Federativado Brasil, 1980
Republica Federativado Brasil, 1990-2010
Fonte: IBGE. Cartografia. Divisão territorial brasileira. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/organizacao_territorial/divisao_territorial/evolucao_da_divisao_territorial_do_
brasilj872_2010>. Acesso em: 16jul. 2012.
Outras formas de regionalização do Brasil foram elaboradas ao longo das últimas décadas. Elas
expressam tanto as análises académicas quanto aquelas destinadas às questões administrativas,
estatísticas ou didáticas.
Uma dessas regionalizações do Brasil é a geoeconômica, formulada a partir da década de 1960
pelo geógrafo Pedro Pinchas Geiger. Essa regionalização leva em consideração o processo histórico
de configuração territorial e da produção industrial, além de alguns aspectos naturais. Pinchas Geiger
propôs a divisão do Brasil em três complexos regionais - Amazónia, Nordeste e Centro-Sul -, sem
evidenciar os limites estaduais, mas sim considerando as inter-relações regionais e o papel que
cada região exerce na dinâmica económica nacional. O autor adotou como critério a ideia de
que o Brasil é um complexo que apresenta particularidades representadas por diferentes processos
de desenvolvimento socioeconômico.
Dependendo da área abrangida, a região pode ser classificada em macro, meso ou microrre-
gião. Tomando como exemplo o Nordeste brasileiro, podemos classificar como macrorregião a
própria Região Nordeste; como mesorregião, o Sertão; e como microrregião, o Cariri. Retomaremos
esses critérios de regionalização na unidade 1 do livro do 22ano.
BRASIL: REGIÕES CEOECONOMICAS - 2010
Comunidade próxima a Manaus (AM), 2012. Essa região
geoeconômica abrange toda a Floresta Amazônica e possui
grandes reservas de biodiversidade, parques e Terras
indígenas, Unidades de Conservação e, ao mesmo tempo,
grandes projetos de mineração e hidrelétricas.OCEANO \ }
Fonte: IBGE. Atlas geográfico escolar. Ensino Fundamental do 6a ao 9" ano. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2010.
Curitiba, capital do Paraná, possui cerca de 1,7 milhão de
habitantes. Na região geoeconômica na qual se encontra, a
Centro-Sul, está a maior concentração de indústrias e serviços
do Brasil.
Habitações populares
contrastam com
prédios de luxo em
Salvador (BA), 2011.
A Região Nordeste é
a que apresenta as
maiores disparidades
sociais do país.
Perfil
Pedro Pinchas Geiger
Pedro Pinchas Geiger é um geógrafo graduado pelaUniversidade do Brasil (atual Universidade Federal doRio de Janeiro), no Rio de Janeiro, em 1943, onde con-cluiu seu doutorado em 1970. Trabalhou no IBGE de1942 a 1984. Em 1967, foi responsável por uma divisãoregional do Brasil que levava em conta não apenasos aspectos naturais, mas também os humanos e oprocesso histórico de formação do território do país,em especial a industrialização, considerando assim os
complexos regionais e ignorando os limites das uni-dades da federação. Dessa forma, conseguiu captar oimpacto espacial do planejamento regional e territorial.Escreveu obras importantes como As formas do espaçobrasileiro e Evolução da rede urbana no Brasil.
Atualmente, atua como professor-visitante no cur-so de Geografia da Universidade do Estado do Rio deJaneiro (Uerj).
Regionalizações do mundo
Ao observar os planisférios que apresentam regiões, é possível perceber que o mundo tem sidoregionalizado com diversas finalidades, sejam elas de ordem socioeconômica, cultural ou militar.
As regionalizações elaboradas na atualidade são comumente utilizadas por órgãos internacio-nais para definir e estabelecer suas ações pelo mundo, como é o caso da Organização das NaçõesUnidas (ONU), do Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (Bird), do BancoMundial, da Organização Mundial de Saúde (OMS), da Organização Mundial do Comércio (OMC),entre outros. Veja a seguir um exemplo de regionalização mundial.
CIRCULO PÕCÃH ÁKTKO-
,. C/fiCUlO POLAR ANTÁRTKO OCEANO GLACIAL ANTÁRTICO
O 2444 4888 km
Fonte: Portal do Professor. Regionalização mundial. Disponível em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=25579>. Acesso em: 18 jul. 2012.
Essa regionalização tem sido usada em análises académicas, jornalísticas e de instituições finan-
ceiras. É elaborada com base em dados socioeconômicos que evidenciam as condições dos grupos
de países. Alguns desses dados são representados e espacializados em mapas, como os índices de
esperança de vida ao nascer. Observe o planisfério a seguir.
ESPERANÇA DE VIDA AO NASCER - 2007
Esperança de vidaao nascer (anos)
[ ] De 40 a 50
F l De 50 a 60
[ j De 60 a 70
•i De 70 a 75
§• Mais de 75
l j Sem dados
onte: IBGE Jrtos geógrafos esco/ar: Ensino Fundamental do 6a ao 9aano. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. (Ma pá anterior à independência do Sudão do Sul em 9 de julho de 2011.)
Outros propósitos ficam evidentes em algumas regionalizações mundiais, como a representação
dos países que compõem uma mesma organização militar, caso da Organização Mundial doTratado
do Atlântico Norte (Otan); a definição de países que compõem organizações económicas, como a
Organização Mundial dos Países Produtores de Petróleo (Opep), entre outras.
PAISES-MEMBROS DA OPEP - 2012
OCEANO l *^-f-z? ',''' ,XI~
\f CArmcóKNjp^ _ JWja. l -
Fontes: Organização Mundial dos Países Produtores de Petróleo (Opep). UemberCountries. Disponível em: <http://www.opec.org/opec_web/en/about_us/25.htm>. Acessoem:18jul. 2012; Government oftheRepublicof South Suúan. States ofSouth Sudan. Disponível em: <http://www.goss.org>. Acesso em: 18 jul. 2012.
Existem ainda as regionalizações destinadas à localização de grupos de países, nas quais se con-
sceram também as especificidades sociais, económicas, políticas e culturais. A divisão do mundo
e~ continentes apresenta essa característica, uma vez que vai além de uma simples organização
ré países próximos uns aos outros.
PLANISFERIO: CONTINENTES
NO GJ-AC-IAk-ARTI
~=>.ÕplCOJ)E CÂNCER VíSíl? , 'i»_ _ P
OCEANOPACÍFICO
OCEANO 'PACÍFICO
OCEANOÍNDICO
-SÒPICO DE CAPRICÓRNIO
OCEANO GLACIAL ANTARTICO~ -CIRCULO POLAR ANTÁRTICO
-T-Í BGE. Atlas geográfico escolar. Ensino Fundamental do 6s ao 9a ano. Rio de Janeiro: IBGE, 2010; Government ofthe Republic of South Sudan. States of South Sudan. Disponível em:
^c - www.goss.org>. Acesso em: 18 jul. 2012.
Outras regionalizações trazem marcas de uma época e expressam formas de domínio socioe-
;;iômico. É o caso da divisão do mundo em colónias e metrópoles no período entre as Grandes
Savegações e a Revolução Industrial. Essa regionalização tem como referencial o desenvolvi-
—ento do mercantilismo e a primeira forma de Divisão Internacional do Trabalho (DIT). Nessa
-epresentação diferenciam-se dois blocos de países: as colónias, produtoras de matérias-primas
-. ;om economia fundamentada na agricultura, na pecuária e no extrativismo; e a metrópole,
com economia baseada na produção industrial.
Na fase denominada de capitalismo financeiro, diante da globalização da economia e de uma
- ova DIT, foi elaborada uma regionalização que busca expressar esses fenómenos, classificando
os países como ricos ou pobres (retome o mapa da página 41). Atualmente, essa classificação
também vem sofrendo alterações com a ascensão de economias emergentes, tema que apro-
-jndaremos no volume 3 desta coleção.
Como se pode perceber, as regionalizações têm objetivos e critérios específicos e são elaboradas
historicamente, para representar dados. Trazem consigo uma determinada visão de mundo.
Para entender melhor o que é a Divisão Internacional doTrabalho (DIT) e como ela se consolidou
ao longo do tempo, veja o quadro na página a seguir.
r; Ampliando conceitosInterdisciplinaridade-
HISTORIA
A Divisão Internacional do Trabalho (DIT)
A Divisão Internacional doTrabalho (DIT) pode ser entendida como uma classificação dos países, em deter-
minado período da história, elaborada com base na função que cada um assume na economia mundial.
Um país pode ser classificado como fornecedor de matéria-prima; outros como parcialmente industrializados;
e ainda há os altamente industrializados. Essa classificação é dinâmica, ou seja, pode alterar-se de acordo com
as mudanças que ocorrem no mercado internacional de bens e serviços, motivo pelo qual se pode falar de uma
"evolução" da DIT que acompanha as diferentes fases do capitalismo.
Foi durante o capitalismo comercial-mercantilista (séculos XV a XVII) que surgiu a DIT, quando as colónias de
exploração forneciam metais preciosos, especiarias e produtos primários em geral e, de outro lado, a metrópole
detinha a produção e o fornecimento das manufaturas.
TROCASCOMERCIAIS
Metrópoles• Tecidos• Calçados• Roupas
Matérias-primas
Especiarias, escravos etc.
Mercadorias manufaturadas
Colónias• Ouro• Prata• Açúcar• Madeira
A DIT consolidou-se na fase seguinte, a do capitalismo industrial (séculos XVIII e XIX e início do século XX),
caracterizada pela mesma divisão de papéis entre os países: as colónias e ex-colônias (países recém-independentes
politicamente na América do Sul, Ásia e África) forneciam produtos primários (agrícolas e minerais, principalmente),
e os países industrializados (europeus e Estados Unidos) transformavam essa matéria-prima em bens industriali-
zados para comercializar no mundo todo.
DIVISÃOINTERNACIONALDOTRABALHO
Metrópoles(Revolução Industrial)• Indústria
Produtos primários
Imperialismo
Produtos industrializados
Colónias (exploração)• Banana• Café• Minérios• Produtos agrícolas
Após a Segunda Guerra Mundial, em plena fase do capitalismo financeiro ou monopolista, a DIT caracterizou-se
pelo fluxo internacional de capitais, como os investimentos feitos por governos e empresas de países indus-
trializados nos países pouco industrializados e, em contrapartida, as remessas dos lucros das multinacionais
localizadas nos países mais pobres para seus países de origem. É a chamada DIT clássica.
Atualmente, fala-se de uma nova DIT, mais complexa que as anteriores, em virtude da mundialização da
economia capitalista e da industrialização de alguns países, como Brasil, México, Argentina, China, (ndia, Coreia
do Sul, entre outros, antigas colónias ou países pouco industrializados que agora estão, em maior ou menor
medida, inseridos na economia mundial. Os produtos fabricados não são mais fornecidos unicamente pelos
países altamente industrializados, mas estes passam a fornecer a maior parte dos bens e serviços de tecnologia
mais avançada e comandam o fluxo internacional de capitais produtivos e especulativos nas bolsas de valores
e em grandes instituições financeiras, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).
NOVA Dl VIS AOINTERNACIONALDOTRABALHO
PaísesDesenvolvidos• Máquina de
equipamentos• Remédios• Bancos• Laptops, celulares, tablets
Bens primários
Produtos industrializados com pouco valor agregado
Remessa de lucros, juros, royalties
Produtos de alta tecnologia
Capitais, empréstimos, investimentos
PaísesEmergentes• Soja• Ténis• Minérios• Roupas
Por fim, é importante destacar que existem os intensos fluxos de mercadorias, serviços, pessoas e informações
entre os países do Norte e também entre as nações do Sul, o que torna a DIT ainda mais complexa. Para alguns
autores, esta realidade já configura uma novíssima DIT.