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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO URBANO
CURSO DE MESTRADO
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DAS “TERRAS DE NINGUÉM” A Semi-Formalização em Novas Bases
Isauro Sousa
RECIFE, 2005.
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2
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO URBANO
CURSO DE MESTRADO
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DAS “TERRAS DE NINGUÉM” A Semi-Formalização em Novas Bases
Isauro Sousa
Orientadora: Drª Maria Ângela de Almeida Souza
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Desenvolvimento Urbano do
Centro de Artes e Comunicação da Universidade
Federal de Pernambuco como requisito parcial à
obtenção do grau de Mestre em Desenvolvimento
Urbano.
RECIFE, 2005.
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3
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DAS “TERRAS DE NINGUÉM” A Semi-Formalização em Novas Bases
Dissertação defendida e aprovada, em....... de ...................... de 2005.
Banca Examinadora:
................................................................................................................................
Profª. Dra. Maria Ângela de Almeida Souza
Orientadora
................................................................................................................................
Prof.
Examinador
................................................................................................................................
Prof.
Examinador
................................................................................................................................
Prof.
Suplente
................................................................................................................................
Prof.
Suplente
RECIFE/2005.
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4
À minha eficiente e dedicada Orientadora, Drª. Maria Ângela de Almeida
Souza, pela valiosa colaboração e paciência no curso deste trabalho.
“IN MEMORIAM”
Do meu querido e inesquecível filho Freddy, por estar sempre presente nos
meus pensamentos;
Do meu pai e amigo, Raimundo Nonato de Sousa, pelo exemplo, que me deu,
de incentivo aos estudos, de honra, trabalho e perseverança;
De minha querida e saudosa mãe, Maria Angélica Leite Sousa, em cujo seio
de amor e ternura alentou todos os filhos.
Isauro Sousa
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5
AGRADECIMENTOS
À professora Dra. Maria Ângela de Almeida Souza pelo incentivo, paciência
e dedicação dispensados à preparação deste trabalho.
Aos demais professores do MDU, pelos ensinamentos proferidos ao longo
do curso, especialmente ao Professor Dr. Luis de la Mora.
Ao Dr. Jan Bitoun pelas valiosas observações e contribuições a este
trabalho.
Aos meus filhos Alexandre e Charles pelos incentivos e ajudas desde os
primeiros momentos deste empreendimento.
A Aldely pelo zelo dispensado aos serviços de digitação.
Às pessoas entrevistadas e que prestaram declarações, sem dúvida,
fundamentais para elaboração desta dissertação.
Enfim, a todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para que
esta pesquisa se efetivasse.
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6
Autor:A.C.Jobim/Vinicius de Moraes
Autor: Marcos e Paulo Sergio Valle
Autor: Carlos Lyra/ G. Guarnieri
“O morro não tem vez “Podem me prender,
E o que ele fez já foi demais, Podem me bater
Mas olhem bem vocês, Podem até deixar-me sem comer,
quando derem vez ao morro Mas eu não mudo de opinião
Toda a cidade vai cantar”.1 Daqui do morro eu não saio não
Se falta água eu furo um poço
Se falta carne,
Eu compro um osso
E boto na sopa
“Feio não é bonito E deixa andar
O morro existe Falem de mim
Mas pede pra se acabar.... Quem quiser falar
Canta, mas canta triste, Aqui não paga aluguel
Porque tristeza é só o que se tem pra contar E se morrer amanhã seu dotô
Chora, mas chora rindo Estou pertinho do ceú”.2
Porque é valente nunca se deixa quebrar,
Ama, o morro ama
Amor bonito,
Amor aflito
Que pede outra história” 3
1 Trecho da Música “O Morro não Tem Vez”, Dois na Bossa, Tom Jobim/Vinicius de Moraes, 1965. 2 Trecho da Música “Terra de Ninguém”, Dois na Bossa, Marcos e Paulo Sergio Valle, 1965. 3 Trecho da Música “Feio não é Bonito”, Dois na Bossa, Carlos Lyra/G. Guarnieri, 1965.
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RESUMO
A problemática do acesso à moradia na cidade do Recife agravou-se a partir
de meado dos anos 70, principalmente em decorrência da ocupação dos
assentamentos populares, mediante invasões coletivas, o que frequentemente
ocasionava vários conflitos sociais entre os moradores, o proprietário fundiário e o
próprio Estado. Processo este, exarcebado pela intensidade dos movimentos sociais
urbanos em torno da temática da terra e da moradia.
O estudo aqui apresentado analisa o processo de regularização fundiária de
um extenso assentamento popular situado nos morros de Casa Amarela, na cidade
do Recife, abrigando mais de 16 mil famílias, denominado “Terras de Ninguém”, em
função de um movimento popular de mesmo nome que surgiu, pioneiramente no
Recife, em meado dos anos 70, lutando pela posse da terra dos moradores.
Após evidenciar aspectos conceituais da questão em foco, o trabalho aborda
o processo de ocupação da área, na sua transformação de espaço rural (engenho
de açúcar) para um espaço urbano, destacando a condição de semi-formalidade que
se estabeleceu entre as famílias que se assentaram na área e os proprietários
herdeiros das áreas remanescentes do engenho; destaca o movimento social que
emergiu do conflito com os proprietários de terra, representado pela Empresa
Imobiliária de Pernambuco Ltda; e focaliza o processo de regularização fundiária
promovido pelo Estado de Pernambuco através da COHAB-PE, que ocorreu a partir
da década de 80.
Destaca a atuação dos atores envolvidos naquela luta pelo acesso da terra,
as dificuldades e as soluções encontradas no processo de regularização fundiária
das “terras de Ninguém”; evidenciando que a semi-formalidade que caracterizou o
processo de ocupação se mantém, em novas bases, pela inconclusão do processo
de regularização fundiária.
7
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8
ABSTRACT
(FAZER A TRADUÇÃO PARA INGLÊS)
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9
SIGLAS
ANPUR – Associação Nacional de Pós–Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e
Regional
BNH – Banco Nacional de Habitação
CDRU – Concessão de Direito Real de Uso
CEF – Caixa Econômica Federal
CENDHEC – Centro Dom Hêlder Câmara de Estudos e Ação Social
CJP – Comissão de Justiça e Paz
CNDU – Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
COMUL – Comissão de Urbanização e Legalização
DIRCON – Diretoria de Controle Urbano
DIUR – Diretoria de Integração Urbanística
FIDEM – Fundação de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Recife
HABITAT – Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano
LUOS – Lei de Uso e Ocupação do Solo
MDU – Mestrado em Desenvolvimento Urbano
MHU – Ministério de Habitação e Urbanismo
ONG’s – Organização Não Governamentais
ONU – Organização das Nações Unidas
PC – Partido Comunista
PCR – Prefeitura da Cidade do Recife
PND – Plano Nacional de Desenvolvimento
PREZEIS – Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social
PROMORAR – Programa de Erradicação de Sub-Habitação
PSB – Partido socialista Brasileiro
PT – Partido dos Trabalhadores
RMR – Região Metropolitana do Recife
SEPLAN – Secretaria de Planejamento, Urbanismo e Meio Ambiente.
SFH – Sistema Financeiro de Habitação
ZEIS – Zona Especial de Interesse Social
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10
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES E DOCUMENTAÇÃO
• FIGURAS
Figura 1. Igreja do Engenho São Pantaleão do Monteiro.
Fonte: COSTA (2001, p. 126).
68
Figura 2: Assinatura do Decreto de Desapropriação das “Terras de Ninguém”
pelo Governador Marco Maciel, 1980.
Fonte: Jornal Habitação, COHAB-PE, ano 4, nº 4, Janeiro de 1981.
113
Figura 3: João Braga faz a leitura do Decreto de Desapropriação das “Terras de
Ninguém”, 1980.
Fonte: Cartilha de aniversário produzida pelo Movimento “Terras de Ninguém”,
2001.
114
Figura 4: João Braga entrega cartilha sobre “Terras de Ninguém” ao líder
comunitário João do Cigarro.
Fonte: Cartilha produzida no gabinete do Deputado estadual João Braga. 1998.
114
Figura 5. Entrega aos moradores das “Terras de Ninguém” dos Títulos de
Propriedade aos moradores.
Fonte: Jornal Chão e Teto, fevereiro de 1988.
117
Figura 6. Apresentação aos moradores das “Terras de Ninguém” dos
programas de melhora de habitação.
Fonte: Jornal Chão e Teto, fevereiro de 1988.
118
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11
• DOCUMENTOS
Anexo 1 - Mapa de cobrança nº 01, encontrado nos arquivos da Empresa
Imobiliária de Pernambuco Ltda; do período de 06 a 14 de julho de
1951, referente aos recibos nº 4045 a 4588, onde se vê os nomes
e assinaturas do cobrador Antonio David e do Diretor daquela
Empresa, Dr. Roberto Sarmento da Rosa Borges, o que comprova
o procedimento das cobranças efetuadas, relativas ao pagamento
do “aluguel do chão” nas “Terras de Ninguém”.
72
Anexo 2 – Em janeiro de 1977, uma caderneta de recibos de “terreno
alugado”, em nome de Maria de Jesus Silva, apresenta um valor
de Cr$ 15,70, a ser pago à Empresa Imobiliária de Pernambuco
Ltda.
74
Anexo 3 – Um Contrato Particular de Promessa de Compra e Venda, de
terreno situado no Alto do Eucalipto n. 907, tendo como promitente
comprador Laurentino Urbano Cabral e promitente vendedor a
Empresa Imobiliária de Pernambuco Ltda., firmado em junho de
1973, estipulado os seguintes valores: preço total do terreno de
Cr$ 6.048,00, a serem pagos em 96 parcelas: 12 de Cr$ 19,00; 12
de Cr$ 32,00; 12 de Cr$ 45,00; 12 de Cr$ 57,00; 12 de Cr$ 70,00;
12 de Cr$ 82,00; 12 de Cr$ 95,00; 12 de Cr$ 104,00.
75
Anexo 4 - Notas promissórias emitidas por nome de Laurentino Urbano
Cabral, em favor da Empresa Imobiliária de Pernambuco Ltda;
referentes a uma das primeiras, e uma das últimas parcelas. Nas
últimas parcelas, após a desapropriação, foram transferidos os
direitos destas para a COHAB-PE.
75
Anexo 5 - Os aluguéis do chão variavam entre Cr$20,00 e Cr$30,00, por mês,
segundo depoimento de moradores, em reportagem publicada no
Diário de Pernambuco, em 23/07/1978.
77
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12
Anexo 6 - Decreto nº 7.008 de 29/12/1980 sancionado pelo então Governador
do Estado de Pernambuco Dr. Marco Antônio de Oliveira Maciel
que desapropriou mais de 20.000 lotes em 53 comunidades,
pertencentes à Empresa Imobiliária de Pernambuco S/A., tendo
contemplando mais de 15.000 famílias, numa área com cerca de
350 hectares.
112
Anexo 7 - Instrumento particular de ajuste para fixação de preço de
desapropriação e outras avenças que entre si fazem a Companhia
de Habitação Popular do Estado de Pernambuco COHAB-PE e a
Empresa Imobiliária de Pernambuco S.A., destinado ao Cartório do
Registro Geral de Imóveis do 2º Ofício, datado de 31 de dezembro
de 1980.
113
Anexo 8 - O mandado de registro emitido pelo MM. Juiz de Direito da 2º Vara
de Sucessões e Registros Públicos da Comarca do Recife, BR
Josias Horácio da Silva, em 25.09.1987, cerca de sete anos após a
desapropriação das terras.
113
Anexo 9 - Certidão de Registro emitida pelo Cartório Geral de Imóveis do 2º
Ofício da Comarca do Recife, sob o nº 4730, emitido em
05.10.1987, referente às terras desapropriadas.
113
Anexo 10 - Título de propriedade (escritura particular de compra e venda),
emitido pela COHAB-PE em 24.04.1990 e “croquis” da planta de
um imóvel situado à rua Lago Azul nº 44 - Casa Amarela, das
“Terras de Ninguém”: beneficiário José Lyra de Almeida Freyre.
117
Anexo 11 - Título de propriedade (escritura particular de compra e venda),
emitida pela Companhia Estadual de Habitação e Obras – CEHAB
emitido em 14.02.2005, em favor de Maria de Lourdes Alves da
Silva.
118
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13
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS 05
RESUMO 07
ABSTRACT 08
LISTA DE SIGLAS 09
INDICE DE ILUSTRAÇÕES E DOCUMENTAÇÃO 10
INTRODUÇÃO 15
1. O ACESSO À TERRA URBANA: Bases Conceituais e Aspectos do
Recife
21
1.1 A QUESTÃO FUNDIARIA URBANA NO CONTEXTO DA QUESTÃO
DA MORADIA
21
1.1.1 A Questão da Moradia nas Sociedades Capitalistas 22
1.1.2 A Informalidade no Acesso à Terra e à Moradia 25
1.2. O ESTADO COMO MEDIADOR DOS CONFLITOS URBANOS 29
1.2.1 O Estado como Campo de Forças 29
1.2.2 O Direito Estatal/Legal e o Direito Social/Justo 31
1.2.3 Poder e Legitimidade Face aos Conflitos Sociais 33
1.3 OS FUNDAMENTOS DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA 36
1.3.1 A Propriedade Urbana: Conceito e Equacionamento no
Brasil
36
1.3.2 Regularização Fundiária: Conceito e Políticas 42
1.3.3 Instrumentos de Regularização Fundiária 46
2. “TERRAS DE NINGUÉM”: O Processo de Ocupação 51
2.1 AS CONDIÇÕES DE OCUPAÇÃO DAS ÁREAS POBRES DO
RECIFE
51
2.1.1 O Processo de Expansão do Recife 51
2.1.2 Os Conflitos Fundiários da Ocupação Informal do Recife 63
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14
2.2 O PROCESSO DE OCUPAÇÃO DAS “TERRAS DE NINGUÉM” 68
2.2.1 O Engenho São Pantaleão do Monteiro 69
2.2.2 O Aluguel do Chão nas “Terras de Ninguém”: a semi -
informalização negociada
72
3. “TERRAS DE NINGUÉM”: O Movimento Social Urbano pela Posse da
Terra
81
3.1 OS MOVIMENTOS SOCIAIS PELA TERRA URBANA NO RECIFE
DOS ANOS 70/80
81
3.1.1 A Trajetória dos Movimentos Sociais Urbanos no Recife 81
3.1.2 Origens e Antecedentes das Associações dos Moradores 88
3.2 O MOVIMENTO SOCIAL “TERRAS DE NINGUÉM” 95
3.2.1 As Bases do Movimento Social “Terras de Ninguém” 95
3.2.2 As Reivindicações do Movimento “Terras de Ninguém” 98
4. “TERRAS DE NINGUÉM”: O Processo de Regularização Fundiária 101
4.1 A POLITICA DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA PÓS 80 101
4.1.1 O PROMORAR - Início dos Anos 80 101
4.1.2 A Formalização das ZEIS e o PREZEIS 105
4.1.3 Chão e Teto - Final dos Anos 80 110
4.2 FORMALIZAÇÃO DOS TÍTULOS DE PROPRIEDADE PARA OS
MORADORES
112
4.2.1 Processo de Desapropriação das “Terras de Ninguém” 114
4.2.2 Processo de Regularização Fundiária dos Moradores das
“Terras de Ninguém”
117
4.2.3 A Semi-Informalidade na Regularização Fundiária das
“Terras de Ninguém”
121
CONSIDERAÇÕES FINAIS 124
BIBLIOGRAFIA 127
ANEXOS
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15
INTRODUÇÃO
Este trabalho analisa o processo de regularização fundiária das “Terras de
Ninguém”, nos morros de Casa Amarela, na cidade do Recife, destacando as
condições de formalização/legalização da ocupação da terra, anterior e
posteriormente à intervenção estatal. Parte da análise da ocupação do espaço
urbano, entendendo o espaço como produto e reprodutor das relações sociais, e
considerando a expansão urbana como expressão concreta da dinâmica da
sociedade que a produziu.
Enfocando as condições formais e legais de acesso à terra, este estudo
evidencia o distanciamento que se estabelece entre a legislação em vigor e a
realidade social, focalizando os conflitos urbanos do Recife na sua dimensão política
e jurídica e destacando a coexistência de vários direitos, como nos mostra Falcão
(1984). Destaca os avanços no sentido do reconhecimento de direitos não
institucionalizados, que respaldam as ações de regularização fundiária dos
assentamentos populares do Recife, a partir dos anos 80, destacando instrumentos,
estratégias e procedimentos utilizados pelas administrações locais - estadual e
municipal; e finalmente levanta alguns questionamentos que relacionam o processo
de regularização fundiária com a dinâmica dos movimentos sociais e com a crise do
Estado e seu rebatimento nas políticas habitacionais e de regularização fundiária.
O objeto de estudo remete para uma realidade perversa das grandes cidades
brasileiras, marcadas pela imensa desigualdade na distribuição da renda, que fica
concentrada nas mãos de uma pequena parcela da população. Enquanto isso, a
maioria experimenta uma vida de pobreza ou extrema miséria, sendo-lhe negadas
condições mínimas de sobrevivência, como o trabalho, a alimentação e a saúde.
Muitos e poucos desfrutam dos bens produzidos.
Um dos efeitos mais cruéis dessa concentração de renda é a falta de acesso
a um local adequado para as famílias morarem e criarem os seus filhos. Em nosso
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16
país, quem ganha menos de três salários mínimos está excluído do chamado
mercado imobiliário formal.
Essa situação faz com que a população busque, como meio de suprir sua
necessidade de moradia, a ocupação de áreas insalubres ou impróprias – sem as
mínimas condições de habitabilidade, sejam os morros, as encostas, os alagados, as
margens de rios e canais, ou a ocupação de áreas de manguezais. Nesses locais,
enfrenta-se a falta de água encanada, luz elétrica, saneamento ambiental, etc.
Um outro aspecto a destacar e que, mesmo em áreas impróprias para
construir a ocupação se faz, na maioria das vezes, sem formalização. Assim, depois
de consolidada a ocupação, e conquistados à custa de esforço da comunidade
alguns investimentos públicos, como eletrificação e água encanada, aparece o
“dono” do terreno, reivindicando judicialmente o seu direito de propriedade.
A falta de um lugar para morar ou as precárias condições de moradia,
experimentadas pela imensa maioria da população brasileira, passam a exigir do
Estado ações mais enérgicas, no sentido de minorar essa triste realidade.
Foi somente nas décadas 70 e 80, passadas que, com as mudanças no
quadro político do país - causadas, dentre outros fatores, pelo fortalecimento dos
movimentos populares - algumas administrações locais começaram a reconhecer os
direitos dos favelados de terem acesso ao solo urbano e à moradia.
A condição de agente financeiro da SFH conferiu à COHAB – PE, através da
Lei nº 4.380/64 e nº 5.049/66, a prerrogativa de exercer a função de emitir escritura
particular com força de instrumento público, a custos inexpressivos, para o
beneficiário, bem abaixo dos custos dos cartórios privados e sem o processo
burocrático, por vezes inacessível para as famílias mais pobres. Utilizando-se desta
prerrogativa, a COHAB – PE emitiu títulos de propriedade para as famílias situadas
nas áreas desapropriadas, inclusive nas “Terras de Ninguém”, objeto deste estudo.
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17
O final dos anos 70 é marcado por significativas mudanças na política de
habitação popular do Banco Nacional de Habitação - BNH, que resultam na criação
de programas alternativos, a qual é dirigida para urbanização e regularização de
assentamento pobres consolidados nas cidades. Esses programas alternativos
formulados, no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação - SFH, constituem-se
uma resposta do poder público às pressões sociais e visa o atendimento à
população inserida na faixa de renda inferior a 3 salários mínimos, conduzidos pelas
instâncias de governo local - estatal e municipal.
No contexto do processo de descentralização e pressionados pelos
movimentos sociais de luta pelo acesso à terra urbana e à moradia, o governo de
Pernambuco e a Prefeitura do Recife empreenderam, na década de 80, um amplo
processo de regularização fundiária dos assentamentos populares do Recife, no
qual se destacam as “Terras de Ninguém”. Registram-se, assim, avanços no sentido
do reconhecimento de direitos não institucionalizados, que respaldam as ações de
regularização fundiária dos assentamentos populares do Recife, a partir dos anos
80, destacando instrumentos, estratégias e procedimentos utilizados pelas
administrações locais - estadual e municipal;
Procurando aprofundar a análise do processo de regularização fundiária de
um assentamento pobre do Recife, as “Terras de Ninguém” - de grande relevância
no contexto da cidade, este estudo adota:
Como marco espacial - o assentamento popular que ocupa parte dos morros
de Casa Amarela, em áreas remanescentes do antigo engenho São Pantaleão do
Monteiro, onde se desenvolveu o Movimento Social “Terras de Ninguém”,
reivindicando a posse de terra para os moradores e conferindo o nome “Terras de
Ninguém” à área.
Como marco temporal, as décadas de 1970 e 1980, por compreender, de
um lado a constituição e o auge do Movimento “Terras de Ninguém”, e, de outro
lado, a política de regularização fundiária adotada pelo Governo de Pernambuco.
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18
Como recorte temático, o trabalho aborda a política de regularização
fundiária das “Terras de Ninguém” procurando contextualizá-la a partir do processo,
de ocupação dessas terras, o movimento social que ali se desenvolveu e a política
geral de regularização fundiária empreendida pelo Estado. Buscou-se assim, o
contexto mais amplo dos processos em que o tema está envolvido seja no âmbito da
cidade do Recife, seja no âmbito das políticas em vigor na época, adotando como
veio de análise a condição de formalização / legalização do acesso à terra.
O trabalho de investigação pautou-se em:
• Uma base documental, fornecida pelos antigos proprietários da terra, em
posse da Empresa Imobiliária de Pernambuco Ltda;
• Reportagens de jornais do período em estudo, de modo a recuperar os
fatos relacionados, seja com os conflitos estabelecidos entre os
moradores, o proprietário da terra e o Estado, sejam com os processos
implantados pelo Estado na ação de regularizar a área;
• Entrevistas semi-estruturadas com:
Ø Dirigentes e técnicos da COHAB-PE, visando captar os
procedimentos, as dificuldades, os conflitos e as realizações da
política de regularização fundiária implantada: João Batista de Meira
Braga (Diretor de Programa Especiais da COHAB-PE 1979 - 81) -
entrevista realizada em 27.07.2005; Carlos Magno Sampaio (Diretor
de Programas Especiais - 1987/90) - entrevista realizada em
11.06.2004; Fernando Barros (Assessor Jurídico da COHAB-PE -
1991/98) - entrevista realizada em 30.05.2005; Aurino Teixeira da
Silva Filho (Advogado e Gestor de Regularização Fundiária - da
CEHAB, atual substituta da COHAB-PE - 2004 até a presente data) -
entrevista realizada em 16.05.2005.
Ø Integrante do Movimento “Terras de Ninguém”, visando captar as
relações estabelecidas pelos integrantes do movimento com o
proprietário da terra e os técnicos e dirigentes da COHAB, e opinião
deles a respeito do processo instalado para a regularização fundiária:
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19
João Severino Alves (João do Cigarro) (Presidente do Movimento
“Terras de Ninguém” e responsável pelo Escritório do aludido
Movimento até o momento) - entrevista realizada dia 14.05.2005.
Ø 30 moradores das “Terras de Ninguém” que receberam título de
propriedade da COHAB-PE, visando captar a real repercussão desse
título para os moradores e os procedimentos posteriores adotados
para registro em cartório, visando a efetivação da formalização da
propriedade da terra - entrevistas realizadas dia 07.03.2005.
Ø Funcionário do 3º Cartório Geral de Imóveis da Comarca do Recife,
buscando informações sobre o Registro dos títulos das “Terras de
Ninguém”: Álvaro Henrique Campelo Vilaça (Técnico Judiciário) -
entrevista realizada dia 07.10.2004.
É importante ressaltar as dificuldades encontradas para realização da
pesquisa empírica, uma vez que a COHAB-PE, que realizou o processo de
regularização fundiária das “Terras de Ninguém”, foi extinta no final de 1998, e o
acervo documental, inclusive aqueles relativos ao processo de regularização
fundiária das “Terras de Ninguém” não se encontram disponíveis para consulta, em
face das mudanças ocorridas com esses arquivos. Ao ser extinta, a COHAB-PE foi
substituída por duas entidades: a Empresa de Melhoramentos Habitacionais de
Pernambuco – EMHAPE (1999-2002), que, por sua vez, foi substituída pela atual
Companhia Estadual de Habitação e Obras – CEHAB do Governo de Pernambuco,
as quais assumiram as funções que a COHAB-PE exercia; e a Pernambuco
Participações – PERPART, que assumiu os funcionários, o passivo trabalhista, os
imóveis, etc., bem como funções de comercialização de imóveis residuais da antiga
COHAB-PE e grande parte de seus arquivos, inclusive os processos de
regularização fundiária. A partir do ano de 2003, a CEHAB reinstala o processo de
regularização fundiária das áreas sob domínio da antiga COHAB-PE, inclusive as
“Terras de Ninguém”, porém vive a dificuldade de restaurar os arquivos e as
informações, na maioria, transferidas para a PERPART.
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20
Esta dissertação foi estruturada em quatro capítulos: o primeiro procura
explicitar as bases conceituais que envolvem o objeto de estudo, situando-o no
contexto mais amplo da cidade do Recife. Aborda a questão fundiária urbana no
contexto da problemática da moradia e enfoca a regularização fundiária, bem como
os instrumentos de regularização fundiária, em vigor no país, ressaltando a
intervenção do Estado como mediador, através da instância jurídica, bem como o
contraponto que se estabelece entre as normas vigentes e o clamor por direitos
sociais não positivados.
O segundo capítulo procura recuperar historicamente o processo de
ocupação das “Terras de Ninguém”, precedendo-o de uma contextualização mais
ampla ao abordar a formação do Recife e, em especial, o processo de ocupação das
áreas pobres da cidade. No caso especifico das “Terras de Ninguém”, destaca-se a
condição de semi-formalização negociada entre os moradores e os proprietários da
terra, apesar do não respaldo legal dos contratos estabelecidos.
O terceiro capítulo procura recuperar as bases e as reivindicações dos
movimentos sociais urbanos que emergem no Recife em meados da década de 70,
e trata de forma mais detalhada o Movimento “Terras de Ninguém”, destacando os
conflitos resultantes das relações de poder que se estabelecem entre o morador,
proprietário da terra e Estado no processo de (re) produção dos espaços favelados
do Recife, procurando identificar a lógica que preside tal processo.
O quarto e último capítulo aborda o processo de regularização fundiária das
“Terras de Ninguém”, no contexto da política habitacional da década de 80. Detalha
o processo de aquisição da terra pelo poder público e a formalização dos títulos de
propriedade para os moradores, destacando a superação dos entraves legais e
administrativos, envolvendo moradores, advogados e juizes, bem como o Poder
Público. Evidencia, em termos conclusivos, que a semi-formalidade dos moradores
referente ao domínio da terra que ocupam, de certa forma, permanece, após o
processo da entrega pelo Estado das Escrituras Públicas de Propriedade, uma vez
que a maioria dos moradores contemplados, não efetuou o registro em Cartório.
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21
1. O ACESSO À TERRA URBANA: Bases Conceituais e Aspectos do Recife
Este capítulo procura analisar a questão fundiária urbana no contexto da
moradia; a mediação do Estado nos conflitos urbanos e os fundamentos da
regularização fundiária. Enfatizamos que a problemática urbana decorre, em grande
parte, do sistema de acesso à propriedade da terra. Abordamos, então, a
problemática do acesso à terra urbana enquanto acesso à moradia, para situar o
modo como tal acesso é viabilizado, através da mediação do Estado, evidenciando,
a partir daí, a abordagem da questão.
Procuramos desenvolver uma análise sucinta da formação do sistema de
propriedade no Brasil e de sua evolução, indicando como este sistema de
propriedade se interpenetra no sistema de poder político e como contribuiu para
provocar a crise urbana dos dias atuais. Veremos, assim, que a solução do
problema urbano está ligado ao problema agrário, devendo seu questionamento ser
feito, levando em conta, a totalidade e não as características especificas de cada
um.
1.1 A QUESTÃO FUNDIÁRIA URBANA NO CONTEXTO DA QUESTÃO DA
MORADIA
Este item se reporta à questão da moradia nas sociedades capitalistas. O
processo social analisado envolve uma questão social expressa pela problemática
habitacional urbana e uma política formulada pelo Estado, a partir dos interesses do
capital e das pressões populares. Procura-se também destacar a informalidade no
acesso à terra e à moradia, vez que este acesso remete, de igual forma, a questão
da distribuição de renda e traz, em si, as contradições presentes no regime
capitalista, que visam tão somente a exploração da força de trabalho, em prol do
bem-estar das minorias privilegiadas.
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1.1.1 A Questão da Moradia nas Sociedades Capitalistas
Os conflitos de propriedade no grande Recife e nas demais cidades
brasileiras nos mostram que as invasões de terrenos urbanos no Brasil se
intensificaram nas décadas de 70 e 80. Esta intensificação ocorre justamente no
período histórico em que o regime político de 1964 não consegue mais controlar
uma congênita crise de legitimidade.
Esta crise, que tem suas raízes no fracasso do modelo econômico, força o
regime a abandonar a via de legitimação autoritária e buscar a via democrática. O
país passa por período de transição entre um autoritarismo em vias de ser
abandonado e uma redemocratização ainda não alcançada denominada “abertura
política”. O Governo, ao desistir de se legitimar através da eficácia do projeto
econômico-social, pretende, democratizando-se, manter-se no poder. Vale dizer,
manter o pacto político e a estrutura sócio-econômica atual. As oposições, ao
aceitarem a distensão gradual do autoritarismo, pretendem explicitar a falta de
legitimidade política do regime, enfraquecendo-o.
Definida por Marx e Engels (1979, p. 80), como “concentração da produção,
dos instrumentos de produção, do capital, dos prazeres e das necessidades”, a
cidade capitalista é a sede do poder. Por ser abrigo da classe dominante, pressupõe
uma participação diferenciada dos homens no processo de produção e distribuição
de bens, estabelecendo uma relação de dominação e desigualdade, expressa pela
abundância de uns poucos e a carência da grande maioria. Assim sendo, o urbano
não é mera concentração de população, mas um arranjo espacial para atender às
exigências do capitalismo.
As relações de produção capitalista chegam a todos os setores da vida
nacional. Com a modernização e proletarização do campo se institui o “bóia-fria”, e o
“exército de reserva” já não é mais privilégio só da cidade. Com o urbano se
expande também à exploração e a miséria, o que leva Oliveira (1972) a dizer que “o
urbano é a antinação”. A complexidade do urbano só pode ser compreendida e
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analisada se abordada de acordo com a conjuntura histórica, na qual se acha
inserida, e com processos sociais que são expressos através das formas espaciais
resultantes.
Possibilitando o sistema capitalista enfrentar o desenvolvimento contraditório
de todas as condições gerais de produção o Estado, longe de suprimi-la, exacerba-
a, com a sua atuação cada vez maior o espaço urbano. Como agente principal da
distribuição social e espacial dos equipamentos urbanos para as diferentes classes e
frações de classe, o Estado, em última instância, reflete as lutas que se
desenvolvem na ocupação e uso do espaço urbano que, fruto do conflito, resulta
segregado.
Desde que o acesso à moradia por parte dos setores mais pobres da
população processa-se à margem do quadro jurídico instituído, a noção de
habitação como um direito configura-se não só para o morador como para o Poder
Público. (SOUZA, 1990).
A problemática da moradia, nas sociedades capitalistas, é estudada por um
dos teóricos clássicos do marxismo Engels (1982), que já no final do século XIX, via
a penúria aguda da habitação, na Alemanha, em conseqüência da Revolução
Industrial, o que naquela época já se entendia por escassez de habitação, para ele
era o agravamento das más condições dos operários, resultado do fluxo repentino
de população para as grandes cidades, sendo que “a extensão das grandes cidades
modernas dá aos terrenos, sobretudo nos bairros dos centros um valor artificial, às
vezes super elevado” (ENGELS, 1982, p. 117). Na realidade os operários vão sendo
afastados do centro para a periferia; tornando-se as residências operárias e, em
geral, as residências pequenas são cada vez mais escassas e mais caras.
(ENGELS, 1982, p. 118).
A escassez de moradia é a expressão da desigualdade implantada pelo
capitalismo como sistema de produção. È um fenômeno que cresce paralelamente
ao exército industrial de reserva, sendo ambos benéficos para o processo de
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acumulação, na medida em que o capitalismo cria, como condição necessária à sua
expansão, a existência de uma classe que não tenha outra coisa para vender a não
ser sua força de trabalho. Nesse sentido, a crise da habitação é, segundo Engels
(1982, p. 137),
“um produto necessário da ordem social burguesa”, visto que é “uma
sociedade na qual a grande massa trabalhadora não pode contar
senão com um salário e, portanto, exclusivamente com a soma de
meios disponíveis para sua existência e para reprodução de sua
espécie..., onde o retorno regular de violentas flutuações industriais
condiciona, por um lado, a existência de um grande exército de
reserva de operários desocupados e, por outro lado, lança à rua,
periodicamente, grandes massas de operários sem trabalho”.
Engels (1982) caracteriza a crise de habitação como um problema típico, e
inerente ao sistema de produção capitalista, criticando a solução que a burguesia
apresenta para essa problemática que, historicamente, tem sido proposta para
transformar o operário em proprietário de sua moradia, revelando desta maneira o
culto pela propriedade privada, um sustentáculo do próprio sistema.
O Estado, enquanto guardião do processo de acumulação capitalista,
segundo Engels (1982), não resolve nas suas bases o problema habitacional para a
classe trabalhadora. Parte dos recursos arrecadados da própria população é
empregado para criar a infra-estrutura necessária ao processo de acumulação,
ficando o consumo e até as medidas de produção e reprodução da força de trabalho
em segundo plano, devido à abundância da oferta de mão-de-obra no mercado. “O
Estado se preocupará, no máximo, em conseguir que as medidas usuais, que
representam um paliativo superficial, sejam aplicadas em toda parte de maneira
uniforme” (ENGELS, 1982, p.157), sendo que as soluções propostas pelo Estado
criam sempre outros problemas, reproduzindo a desigualdade social e as condições
precárias já existentes.
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Ao se analisar o acesso das classes populares à habitação no Brasil,
devemos considerar os seguintes aspectos: O primeiro que é o problema da
habitação, nas cidades, está intrinsecamente relacionado com a questão
fundiária urbana, uma vez que a excessiva valorização dos terrenos e o
crescimento desordenado produzem desequilíbrio na estrutura da cidade. Segundo,
a habitação ocupa um lugar importante no ciclo de reprodução do capital por ser um
componente do consumo social médio que contribui para a fixação do valor da força
de trabalho. Terceiro aspecto, devido ao Estado privilegiar os investimentos voltados
para a criação da infra-estrutura necessária para o desenvolvimento industrial, os
recursos não tem sido suficientes para que os investimentos estatais em bens de
consumo coletivo acompanhem o ritmo crescente da cidade, não tendo a habitação
popular merecido um tratamento sério até hoje no país, sendo esse na realidade, um
problema bem mais complexo que apresenta implicações econômicas, sociais e
políticas que expressa a dinâmica do processo de desenvolvimento capitalista no
país. Um problema que é formulado falsamente, vez que atende aos interesses do
poder e da ideologia dominante. (MARICATO, 1979).
A habitação popular, assim, se configura como um problema complexo que
apresenta implicações econômicas, sociais e políticas que expressa a dinâmica do
processo de desenvolvimento capitalista no país.
1.1.2 A Informalidade no Acesso à Terra e à Moradia
A questão do acesso à terra, associado à questão da moradia, dos mais
pobres no sistema capitalista, tem sido objeto de reflexão de muitos estudiosos,
mas, principalmente se constitui o motivo de muita luta daqueles que só na luta
alimentam a esperança de um dia morar com dignidade, tendo para isto que
enfrentar e confrontar-se com os interesses e a selvageria do capital que estão na
base dessa luta, bem como com o Estado que, pressionado e submisso a esses
interesses, se situa no centro desse conflito, tentando dar “respostas” às demandas
populares por moradia.
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A situação das grandes cidades brasileiras, marcadas pela precariedade e
ilegalidade do habitat das maiorias e pela segregação sócio – espacial foi induzida
por um Estado que, no passado, investiu pesadamente no fomento e estruturação
de um desenvolvimento urbano – industrial, voltado para as necessidades produtivas
do capital e para o consumo das camadas privilegiadas, omitindo-se completamente
diante da demanda do mercado interno de massas.
A continuidade dessas políticas concentradoras de renda, a diminuição do
investimento em políticas sociais e a privatização de serviços públicos só vieram a
agravar essa situação. O resultado é a imensa carência de habitação e de serviços
como educação, saneamento, atendimento médico, transportes, creches e
abastecimento nas áreas populares da cidade.
Nesse sentido, Souza (1990, p. 14) afirma que:
“O acesso à habitação por parte das classes de menor poder
aquisitivo remete, por sua vez, à questão da distribuição de renda e
traz, em si, a contradição presente em todas as esferas da produção
capitalista, que avança lentamente, não porque lhe faltem condições
formais, mas porque, em seu conjunto, aprofundam-se mecanismos
de exploração da força de trabalho que inviabiliza o seu próprio
mercado. Na mesma proporção em que o desenvolvimento da
produção capitalista leva à proletarização da população, fazendo
com que o salário seja a forma dominante de acesso aos bens
necessários à reprodução da força de trabalho, despendido no
processo produtivo, ela tende a reduzir a capacidade de compra do
conjunto da população”.
O desenvolvimento urbano dá-se em função de dois aspectos que
determinam o crescimento da acumulação capitalista: a redução no tempo de
circulação de mercadoria, inclusive a mercadoria força de trabalho, diminuindo,
assim, o tempo de giro de capital e, portanto, aumentando a taxa de lucro; e o
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aumento da produtividade que é uma condição necessária para a acumulação do
capital. (SOUZA, 1990)
A intervenção do Estado, através das políticas habitacionais tem se tornado
fundamental no sentido de criar as condições de inserção dos diversos setores da
população nesse sistema, especialmente aqueles mais pobres que se vêem
excluídos do mercado formal pelo custo cada vez maior que a habitação passa a
apresentar enquanto elemento essencial de seu consumo.
O trabalhador procura eliminar de suas despesas, gastos com moradia, tal
como o aluguel, por exemplo, através de estratégias que caracterizam um “sub-
mercado” ou mercado informal. O crescimento das favelas e dos loteamentos
clandestinos nas cidades brasileiras é um indicador disto (MARICATO, 1987).
Como “morar” é uma necessidade extensiva a todos, a desigualdade entre as
classes sociais transparece no âmbito da desigualdade de localização e consumo da
habitação. E as condições de acesso à moradia passam a constituir-se uma
dimensão das condições de acesso à cidade.
Nesse sentido, a noção de acessibilidade assume um caráter político –
espacial, denunciador de processos de exclusão social. Estreitamente vinculada à
noção de contradições urbanas, encontra-se na essência dos conflitos e movimentos
sociais que envolvem a luta pelo acesso aos bens e serviços urbanos, ao mesmo
tempo em que se constitui fundamento da política pública de caráter social de cunho
compensatório. A moradia popular neste país só pode ser entendida num contexto
de super exploração da força de trabalho. (SOUZA, 1990).
Nesse sentido, o movimento pelo acesso à habitação assume, no contexto
brasileiro, uma expressão significativa. E a complexidade da realidade urbano-
metropolitana do país localiza-se num plano tão cruel que um fenômeno da
dimensão das invasões de terrenos urbanos, que assola as grandes cidades em
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meados da década de 70, antes de constituir-se uma expressão de luta por
habitação, representa a luta pela própria permanência na cidade. (SOUZA, 1990).
Analisando o processo de ocupação das áreas pobres do Recife, Souza
(1985) identifica duas seqüências, ao longo deste século, onde a questão do direito
à moradia emerge de forma distinta:
- a principio, a ocupação faz-se sem luta, sem movimento organizado, sem
transparência, sem institucionalização. Diante da disponibilidade de espaço
a população ocupa o que sugere a percepção por parte desta de um direito
natural de morar;
- já em meados dos anos 70, a ocupação assume um teor de luta social
organizada, de caráter coletivo e, também, revolucionário em seu sentido
jurídico, na medida em que a luta instala-se enquanto quebra do direito
de propriedade.
Contudo, mesmo consolidando-se como um direito “naturalmente” ou
“coletivamente” conquistado, a habitação constitui-se um bem consumido e
apropriado privadamente. E esta dupla condição – de bem e de direito – torna-se
evidente no desdobramento do processo (SOUZA, 1990).
As classes sociais confrontam-se em lutas sócio - políticas nas quais o
objetivo é obter maior poder econômico e político. Essas lutas se manifestam, no
caso, como movimentos populares que desenvolvem práticas de apropriação das
condições que assegurem sua sobrevivência e sua própria reprodução enquanto
classe.
No Recife, a atuação da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de
Olinda e Recife, como mediadora dos conflitos se intensificou bastante entre meados
dos anos 70 e a década de 80. Sua atuação de assessoria jurídica aos conflitos
urbanos do Recife teve repercussão significativa na atuação do Estado como
mediador desses conflitos.
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1.2 O ESTADO COMO MEDIADOR DOS CONFLITOS URBANOS
Este item enfoca a intermediação do Estado como campo de forças;
procurando conceituar o Direito Estatal/Legal e o Direito Social/Justo, apresentando
suas diferenças e aplicabilidade no contexto social e a mediação que exerce frente
aos conflitos urbanos.
1.2.1 O Estado como Campo de Forças
O Estado é percebido como produto das relações sociais, a partir do interior
da sociedade civil, apresentando-se, por conseguinte, como uma expressão social
histórica, ao inserir-se no contexto econômico e político, é obrigado a adaptar-se às
conjunturas.
Além de se encontrar a serviço da manutenção da estrutura social, coloca-se
como instância contraditória e, como tal, assume funções também contraditórias,
conforme a correlação das forças sociais presentes na sociedade. Sendo assim,
num país capitalista como o nosso, as políticas sociais não chegam a alterar a
essência do processo de reprodução das desigualdades sociais.
Para Marx (1982), Direito e Estado pertencem ambos a esfera da
superestrutura, denominada “superestrutura jurídica e política”, na conhecida
passagem, que constituem um texto, da crítica da economia política. E como se trata
de um conjunto difícil de distinguir em partes diversas e separadas, de tal maneira
que a extinção do Estado comporta também a extinção do Direito e vice-versa.
Se considerarmos, os teóricos do Estado Moderno deste último século, Max
Weber e Hans Kelsen, a tendência em identificar o Direito, entendido como
ordenamento coativo, com o Estado, entendido como aparelho através do qual, os
detentores do poder legítimo exercem seu domínio, chega às suas extremas
conseqüências. Para Weber, o grande Estado Moderno é o Estado em que à
legitimidade do Poder depende de sua legalidade, isto é, do fato de que o poder se
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apresenta como derivado de um ordenamento normativo constituído e aceito e se
exerce segundo normas pré-estabelecidas. Para Kelsen, o Estado não é nada fora
do ordenamento jurídico. (BOBBIO, 1998).
As relações entre Direito e Poder se confundem, às vezes com as relações
entre Direito e Estado. O Estado simboliza e concentra o poder, tanto no sentido
sociológico como no direito público. O Direito e Poder se relacionam através de
valores que o Direito implica, e de normatividades que o Poder acarreta. (REIS,
1979).
O Estado, entendido como síntese de uma sociedade organizada, é também
concebido como “uma condensação material e específica de “uma relação de forças
entre classes e frações de classes” (POULANTZAS, 1978, p. 148). E entender o
Estado como tal é entendê-lo dividido, fragmentado; é entendê-lo como um campo e
um processo estratégico onde se interceptam núcleos e redes de poder que ao
mesmo tempo se articulam e apresentam contradições uns em relação aos outros,
emanando táticas contraditórias, cujo objetivo geral toma corpo nos aparelhos
estatais – aspecto material do Estado. Este, um grupo organizado para gerir a
sociedade, não se exclui, contudo, da sociedade, ao contrário, participam dela e
representam-na, levando para o seio do Estado os interesses contraditórios das
várias facções por eles representadas. Gerir, é assumir a coordenação do conjunto
social e, como tal, encerra um potencial de força, de poder. (SOUZA, 1985).
O poder do Estado, por sua vez, é uma expressão que designa o campo de
sua luta, o das relações de forças: os interesses de classe designam o horizonte de
ação de cada classe em relação às outras. A capacidade de uma classe em realizar
seus interesses está em oposição à capacidade (e interesses) de outras classes: o
campo do poder é, portanto estritamente relacional (POULANTZAS, 1984).
Baseado em Foucault (1982), Souza (1985, p. 28) afirma que o Poder não é
objeto que se detém, ou um lugar que se ocupa, mas algo que se disputa que se
exerce e, nessa disputa ou se ganha ou se perde. E o seu caráter relacional implica
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no entendimento de que a luta que se trava para o exercício do poder não se faz
fora dele, ou seja, a própria resistência ao exercício do poder é interior a ele e é,
também, uma certa dimensão de poder. Nesse sentido, o poder emana de todas as
relações sociais e, apesar de tomar corpo nas instituições, ultrapassa-as.
É nesse sentido que as lutas populares atravessam de lado a lado o Estado
porque estão nele inscritas, como afirma Souza (1985, p. 29).
“O Estado está imerso na luta que o submerge constantemente...
Até as lutas (e não apenas a de classes) que extrapolam o Estado,
não estão no entanto, ‘fora do poder’, mas sempre inscritas nos
aparelhos de poder que as materializam e que, também eles,
condensam uma relação de forças... Em razão do encadeamento
complexo do Estado com o conjunto de dispositivos do poder, essas
lutas mesmas têm sempre efeitos, ‘à distância’, desta feita, no
Estado”.
1.2.2 O Direito Estatal / Legal e o Direito Social / Justo
Abordando a questão da pluralidade do direito, Falcão (1984) contrapõe a
justiça legal e a justiça social. Para o senso comum do cidadão em geral, e do
profissional do Direito em particular, não se distingue uma de outra. A justiça legal,
realiza a justiça social. É contra-senso imaginar que realizar justiça legal seja se
opor à justiça social. Atualmente, a justiça enquanto ideal social foi apropriada pelo
Estado e por sua ordem legal. Assim, aplicar o Direito Positivo estatal é fazer justiça
legal, sendo talvez, o caminho privilegiado e exclusivo de praticar justiça social. Esta
apropriação não é gratuita. Ao contrário, é historicamente explicável, e situada.
Resulta do aparecimento dos estados nacionais nos dois últimos séculos. E toma
forma com associação do liberalismo como ideologia social, ao capitalismo como
teoria econômica, e ao positivismo dogmático como doutrina jurídica.
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Este senso comum é reforçado quotidianamente pela doutrina jurídica
dominante na prática dos tribunais e dos advogados. No Brasil, a concepção de
ordem jurídica enquanto ordem legal, formulada pela associação do positivismo
dogmático à ideologia liberal, é hegemônica e fundamenta doutrinariamente este
senso comum. Em três aspectos pelo menos: Primeiro, no sentido de que as nossas
Constituições enquanto normas fundamentais, teriam sempre (com exceções
transitórias) transformado ideais liberais, enquanto ideais sociais dominantes, em
ideais legais. Segundo, no sentido de que a estrutura lógico-hierárquica da ordem
legal, ao submeter normas inferiores às normas superiores, asseguraria o
compromisso de toda a ordem legal com os ideais liberais já constitucionalizados.
Finalmente, no sentido de que fora desta ordem legal liberalmente submetida, não
existiria direito nem justiça.
De uma forma geral, lidamos com a seguinte questão: Será que justiça legal é
necessariamente igual à justiça social? Ou será esta igualdade apenas uma
pretensão, que pode ou não ser concretizada? Em outras palavras: Será que no
Brasil de hoje, aplicar a ordem legal é fazer justiça social? Se não é, a que se deve
esta separação entre justiça legal e justiça social? (FALCÃO, 1982)
Ao falarmos de justiça, necessariamente falamos de direito, a instituição
social que nas sociedades contemporâneas tem a pretensão de concretizar o justo.
Neste sentido, o justo legal seria o valor social resultante da aplicação do direito
legal (o direito positivo estatal), e o justo social o valor social resultante da aplicação
do direito social (o direito positivo não-estatal). Por isto podemos também perguntar:
Será que no Brasil de hoje existem dois direitos: um direito legal estatal e um direito
social não-estatal? Se existe a que se deve esta duplicidade jurídica?
A legalidade significa a existência de um conjunto de leis, estruturado em
função de um conceito de Poder Público que diferencia os campos de ação dos
setores público e privado, e a conformidade de todos os atos praticados não apenas
pelos governados mas, também pelo próprios governantes. Ela é assim, um tema
moderno, considerando que o contratualismo, na linha de Locke e Rousseau,
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desenvolve nos séculos XVII e XVIII uma série de idéias que se cristalizam no
século seguinte e, em cujo bojo, está o princípio de que o governo das leis é
preferível ao governo dos homens.
O Estado moderno é basicamente um sistema jurídico, ou seja, o poder que
ele exerce não se baseia exclusivamente na violência, mas sim naquela força
suavizada e racionalizada empregada de acordo com as normas vigentes tanto para
os que obedecem como para os que mandam.
Esta exigência de respeito e conformidade à ordem jurídica, que pressupõe
até mesmo à existência de mecanismos que impeçam o comportamento irregular do
Estado, é uma decorrência do aumento de complexidades das sociedades
modernas e da necessidade de novas formas de organização, resultantes do
processo de industrialização que se iniciou no século XIX.
A legalidade pode ser considerada como uma qualidade do exercício do
poder. Uma norma é legitima quando sustentada sobre um valor e sua legalidade é
dada pelo direito vigente, impessoal e objetivo. A legitimidade implica valor, ou um
amplo conjunto de valores da comunidade mediante a capacidade humana de agir
em conjunto. Segundo Bobbio (1995), do ponto de vista do governante a
legitimidade expressa o fundamento de seu direito de mando, enquanto a legalidade
estabelece seu dever. Se a legitimidade do poder é o fundamento do seu dever de
obediência, a legalidade do poder é a mais importante garantia de seu direito de não
ser oprimido.
1.2.3 Poder e Legitimidade face aos Conflitos Sociais
Os conflitos de propriedade que durante a fase do regime autoritário
brasileiro, dos anos 60 do século XX, estavam latentes, explicitam-se como invasões
urbanas nas décadas de 70 e 80. Diante delas o regime tem duas opções: Ou aplica
a conservadora legislação existente, o que fatalmente levaria à convocação da força
policial para desalojar os invasores, aumentando o conflito social e incorrendo em
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graves perdas de legitimidade junto às populações marginalizadas; ou busca outras
formas de equacionamento destes conflitos, à margem ou mesmo contra o direito
estatal, mas sem agravar a crise de legitimidade.
Segundo Santos (1984), a dinâmica dos conflitos abertos entre as classes
populares, de um lado, e a burguesia fundiária e imobiliária e o Estado, do outro, as
primeiras, em luta pela habitação, ocupando terras devolutas para construir os seus
barracos ou defendendo ocupações mais ou menos antigas perante a ameaça de
remoção, os segundos, tentando obter e garantir o funcionamento pleno da renda
fundiária urbana mesmo que à custa da expulsão dos moradores “favelados”.
Expressa um impacto no processo de legitimação do poder político estatal.
O termo “legitimidade deriva de “legítimo”, que por sua vez, se origina do latim
legitimu (legitimus, a, um), que significa em conformidade com a lei. A palavra lei- lex
– designava, em Roma, diversos tipos de atos jurídicos, porém mais especialmente
os que emanavam das autoridades públicas. A história do vocabulário evidência
importantes conexões entre as palavras e as coisas, a experiência da relação
dialógica governantes/governados na formulação das normas do Direito Público.
(BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1986)
A democracia é uma tentativa de organizar o Poder numa Sociedade, de tal
forma que se dê essa mediação bem sucedida entre Estado e Sociedade Civil, em
cujo vértice se encontra o tema da legitimidade.
Para Faria (1978) o normativismo a strito sensu – positivismo - reduz o
legitimo ao legal, afirmando que o poder se torna legítimo quando sustentado por
qualquer legalidade. Como observa ainda o mesmo Autor, apoiado em Bobbio, a
Legalidade prende-se ao exercício do Poder, de acordo com normas, mas não
esclarece, por si só, por que estas normas são acatadas. No contexto do
normativismo, a grande contribuição analítica, para o estudo da Legitimidade,
encontra-se na distinção entre normas primárias e normas secundárias. As normas
primárias estabelecem regras de conduta para os governados, ao passo que as
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secundárias regulamentam a produção jurídica, isto é, o processo de criação
jurídica. Neste sentido, disciplinam o mecanismo de gênese da norma,
enquadrando-se no âmbito da Política do Direito, que é o campo em que se insere o
tema da Legitimidade.
A Legitimidade se constitui numa questão sempre em aberto, uma vez que
tanto o Direito como a Política não fornecem respostas com validade universal, mas
sim especificas e limitadas ao âmbito dos grupos sociais (com os quais se tornou
necessário um “diálogo” para se chegar a um pacto de concordância).
O pensamento Weberiano nos conduz àquela idéia de mandato que, se de
um lado permite passar do nível externo da violência para o nível interno da
obediência, do outro assenta-se na probabilidade de encontrar os meios necessários
de imposição. (WEBER, 1947).
A relativização da idéia de justiça e de bem comum conduz, desta maneira,
ao problema do relacionamento entre Poder e Legitimidade, e à conseqüente
distinção entre a obediência obtida pela eficácia do poder e a obediência sustentada
na autoridade da lei e do direito.
Se por um lado o direito não se reduz à lei, para ser válido, por outro ele
pressupõe uma decisão oriunda de um ato de poder soberano. Positividade e
Soberania são, portanto, dois conceitos que se exigem mutuamente: enquanto
soberania é o poder originário de declarar, em última instância, a positividade do
Direito, positivo é o Direito garantido pelo poder soberano do Estado. (BOBBIO,
1995).
A Legitimidade está de algum modo, associada à noção de democracia no
mundo moderno, pois ela resulta, de um lado, da lógica do pensamento político
ocidental e, de outro, da consolidação da sociedade burguesa. Em síntese, a
democracia é o regime dos sistemas abertos, ou seja, aqueles que procuram
garantir a manutenção das regras do jogo, a sobrevivência dos textos
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constitucionais, a impessoalidade e o rodízio do poder, e a ação dos diferentes
grupos sociais, sem a eliminação das partes descontentes e da maneira menos
coercitiva possível. Desta forma, o problema da legitimidade está associada a
múltiplas formas de organização política e aos diversos modos de obtenção do
consenso.
A legalidade significa a existência de um conjunto de leis, estruturadas em
função de um conceito de poder público que deferência os campos de ação dos
setores públicos e privados, e a conformidade de todos os atos praticados não
apenas pelos governados, mas, também pelos próprios governantes.
Estas considerações sobre a natureza da justiça como produto da aplicação
do direito na sociedade brasileira de hoje tem objetivo específico. Assim temos o
tema das relações entre o pluralismo jurídico e a legitimidade política.
1.3. OS FUNDAMENTOS DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
Este item procura mostrar a Propriedade urbana; seu conceito e conseqüente
equacionamento no Brasil; a Regularização Fundiária, seu conceito e políticas e os
instrumentos de regularização fundiária vigentes.
1.3.1 A Propriedade Urbana: Conceito e Equacionamento no Brasil
A palavra Propriedade vem do Latim, Propietas, tatis, significando a qualidade
do que é próprio. Pertença ou direito legítimo. Juridicamente falando, é o direito de
usar, gozar e dispor de bens, e de reavê-los do poder de quem quer que
injustamente os possua. Bens sobre os quais se exerce este direito. (FERREIRA
1988).
O termo “propriedade” deriva do adjetivo latino “proprius” e significa: “que é de
um indivíduo específico ou de um objeto específico (nesse caso, equivale a: típico
daquele objeto a ele pertencente), sendo apenas seu“. “O conceito que daí emerge é
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o de “objeto que pertence a alguém de modo exclusivo, logo seguido da implicação
jurídica: “direito de possuir alguma coisa”, ou seja,“ de dispor de alguma coisa de
modo pleno, sem limites”. (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1986).
A propriedade é, assim, a relação fundamental do direito das coisas,
abrangendo todas as categorias dos direitos reais. É a plenitude do direito das
coisas.
Para Pessoa (1982), a propriedade imóvel é uma forma de riqueza. Ela é um
fator essencial de produção, permanece fixa e pode ser dito que nunca será
totalmente destruída, exceto, talvez, por inundação. Foi no sentido de riqueza ou de
patrimônio, e não era de exploração econômica, que se pensou inicialmente na
propriedade.
A noção de propriedade foi evoluindo para a amplitude, extensão ou
profundidade dos direitos do proprietário em relação à comunidade. A idéia inicial
visava assegurar a um indivíduo o direito exclusivo sobre uma determinada área e
destiná-la ao fim ou ao uso que lhe aprouvesse. Apesar da lei não conceder a
ninguém o direito de propriedade nem a exclusividade sobre o ar que respiramos ou
a água que bebemos, admite esta exclusividade sobre o solo urbano.
A evolução do conceito de propriedade, no mundo ocidental, tem uma
progressiva mais prudente e vagarosa redefinição. As medidas legais e os institutos
jurídicos com o objetivo de modernizar conceitos fundiários ou de dar utilização às
terras no Brasil, foram destinados ao equacionamento da questão agrária, o que se
explica pelo padrão de economia que o colonizador desejava para o País e o
sistema rudimentar de seu desenvolvimento.
As origens e os primeiros aspectos do regime de Terras do Brasil encontram
suas raízes nas capitanias hereditárias, no século XVI, logo após a sua descoberta.
Das capitanias e sesmarias surgiram as fazendas agropastoris e os engenhos de
cana-de-açúcar.
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Portugal implantou o regime das capitanias hereditárias e das sesmarias para
colonizar o Brasil devido à grande extensão de terras e invasões por outros povos.
Do regime jurídico das sesmarias ramificou-se a nossa propriedade imóvel.
Entrelaça-se, em suas origens, o regime jurídico das sesmarias com o das terras
comunais do município medievo, desfrutadas uti singüli permunícipes, ou seja, com
o regime jurídico dos assim chamados communalia.
De acordo com Medeiros (1998, p264):
“A titulo de esclarecimento o termo ‘sesmaria’ vem da palavra
sesma, a sexta parte de algo e para grande parte dos
estudiosos significa a concessão de terras mediante o
pagamento do foro, a sexta parte dos frutos.”
No Brasil, este instituto provocou o surgimento dos latifúndios. As terras, no
Brasil, foram doadas aquele com excelentes condições financeiras para o plantio da
cana-de-açúcar.
O sistema das sesmarias predominou em todo o período colonial (1530 a
1822), e nele o sesmeiro tinha apenas a posse da terra e não o domínio; mas, com o
poder de que desfrutavam, exerciam a exploração total das terras que lhes eram
destinadas, dominando tanto escravos, índios e negros, como os que trabalhavam
para ele como meeiros ou empregados. Havia, também, sem situação jurídica
regulamentada, em grandes áreas distantes dos centros governamentais, grupos de
migrantes que, não dispondo de títulos de posse, se estabeleciam em terras que
conquistavam, vivendo à margem da administração colonial. Foi reconhecendo a
importância destes grupos que José Bonifácio, antes da Independência, fez extinguir
o sistema de sesmarias, substituindo-o pelo “direito de posse”. (PORTO, 1980)
Do ponto de vista formal, o “direito de posse” foi uma evolução sobre o
sistema das sesmarias; ele abria a exploração da terra a pessoas que haviam
conquistado sem dependerem das relações com as autoridades, mas a forma de
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reconhecimento dificultaria a execução da lei. Esta intervenção do Patriarca da
Independência pode ser apontada como uma primeira tentativa, frustrada, de
democratizar o acesso à propriedade e à posse da terra.
O sistema do direito de posse vigoraria até os meados do século XIX, ou seja,
até a edição da Lei de Terras (Lei nº 601, de 1850), quando foi aprovada a lei de
acesso à propriedade pelo sistema de compra e venda. Esta lei resultara de uma
reação dos proprietários de terra que temiam ter dificuldades em reter os
trabalhadores em suas propriedades quando fosse abolida a escravidão.
O Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964), promulgado
alguns meses após o golpe de estado conservador, representou um documento
jurídico de grande importância e, ao mesmo tempo, uma providência para conter o
movimento vindo da base em favor de modificações na estrutura fundiária.
Essas formas de direito - de propriedade e de posse - convivem em nossa
legislação brasileira. E a história brasileira é uma luta permanente dos excluídos do
acesso à terra pela obtenção de direitos ligados à possibilidade de sua exploração.
A promulgação da Lei de Terras em 1850 e o seu regulamento, de 1854,
consolidaram legalmente a propriedade fundiária privada, formaram um mercado
capitalista de terras e permitiram o surgimento de inúmeros latifúndios privados
porque não havia mais a restrição, imposta para as sesmarias, de tamanho de área.
As doações foram proibidas e as terras devolutas, vendidas. Desta forma,
quando o solo se tornou uma mercadoria, modificaram-se o uso, o desenho e a
estética do espaço urbano (FRIDMAN, 1995). A partir de então surgiram os
loteamentos de grandes parcelas de terras, tanto na cidade quanto nos subúrbios.
Surgem novos agentes e novos vetores de expansão na cena urbana e se redefiniu
o papel do Estado.
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A primeira Constituição Republicana de 1892 conferiu aos Estados o domínio
das terras devolutas. Houve posteriormente muita discussão porque os Estados
compreendiam que as “terras de marinha” eram devolutas. A lei de 24-11-1892
concedeu a remissão dos foros aos foreiros e a instrução de 26.7.1893 regulou o
preço da remissão e permitiu a transformação dos arrendatários em foreiros. Foram,
por esta lei, revalidados os contratos de aforamentos concedidos após 1830.
Nas últimas quatro décadas, e em razão dos fluxos migratórios para as
cidades, surge a preocupação com o equacionamento da questão urbana. O direito
agrário encontra-se institucionalizado. Teve equacionamento moderno e recente,
sendo ao mesmo, aplicadas regras de natureza tributária e administrativa que o
compatibilizam, ao menos em parte, com as necessidades sociais. O Direito urbano,
contudo, é ainda embrionário, demandando definições de natureza constitucional
que sequer ocorreram e não possui existência autonomia.
O direito de propriedade até hoje ainda se encontra no âmbito do Direito Civil,
sendo considerado como direito real fundamental, apesar de ser vinculado a uma
função social, expressa na Constituição Federal vigente, isto é, o Direito Civil não
disciplina a propriedade, mas regula as relações civis, estabelecendo as faculdades
de usar, gozar e dispor dos bens, na melhor forma que lhe aprouver. O que nem
sempre é coerente com a função social da propriedade. Como estabelece o Código
Civil Brasileiro (1916).
“Juridicamente, a propriedade é o poder assegurado pelo grupo
social à utilização dos bens da vida psíquica e moral”.
E como afirma Ortolan (apud NAUFEL, 1989, p. 764).
“É o poder de ocupar a coisa, de dela retirar todos os proveitos,
todos os produtos, periódicos ou não, todos os acréscimos, poder de
modificá-la, de dividi-la, de aliená-la, de destruí-la, mesmo salvo as
restrições legais; enfim, de reivindicá-la das mãos de terceiros
(seqüela)” .
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O art. 1.228 § 3º do Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002
define propriedade como o “direito de usar, gozar e dispor da coisa, e de reavê-la do
poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. Baseia-se essa
definição no mesmo conceito adotado pelos antigos romanos: “domínium est jus
utendi, fruendi et abutendi re sua, quatenus juris ratio patitur”.
O direito de propriedade está inserido no direito civil brasileiro, considerado
como direito real fundamental, estando expressamente vinculado a uma função
social, o que está previsto na Constituição Federal vigente, que garante o direito de
propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública,
ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro.
A propriedade é o direito complexo, absoluto ou quase absoluto, perpétuo e
exclusivo, pelo qual uma coisa fica submetida à vontade de uma pessoa, sob as
limitações da lei. Pode ser plena ou limitada, como pode ser também resolúvel, se
sujeita a uma condição ou termo resolutivo. Regulam a propriedade a Constituição
Federal e o Código Civil. Outras leis a ela se referem. Modos de aquisição da
propriedade imobiliária, no sistema brasileiro, são a transcrição do título no Registro
Geral de Imóveis, a acessão natural e a industrial, o usucapião ordinário, o
extraordinário e o especial previsto na Constituição e nas leis além do endosso de
título no Registro Torrens, de pouco uso no Brasil.
Um dos grandes avanços trazidos pela Constituição Federal de 1988 é que a
propriedade urbana cumpra a sua função social quando atender às exigências
fundamentais de ordenação expressas no plano diretor. Assim sendo, a função
social da propriedade ainda se encontra sem regulamentação.
Baseada no principio da Função social da propriedade, surge, a partir da
década de 70, uma discussão aberta sobre a redefinição do direito de propriedade e
sobre a prevalência do direito â habitação. Uma discussão que circunda uma base
fundamental da organização da sociedade, o que reforça a importância de se
estudar a questão que suscitou tal discussão e de recuperar seu trajeto.
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No contexto da cidade do Recife, alguns avanços foram alcançados nesse
sentido. A lei do PREZEIS, por exemplo, que regulamentou as áreas pobres
Institucionalizadas como Zonas Especiais de Interesse Social - ZEIS, é respaldado
no reconhecimento da previdência do direito à moradia, ou o direito de quem utilizou
o solo. Entretanto, este fato se opõe com o direito mais tradicional tutelado pelo
Estado que é direito de propriedade, que constitui o contraste jurídico.
A função social da propriedade foi contemplada na Constituição Federal de
1965, entretanto, somente a atual, promulgada em 1988 é que explicitou: no caso da
propriedade, “reavê-la de quem injustamente a possua”. Por outro lado, a pré-falada
Carta Magna estabelece que “a propriedade urbana cumpre sua função social
quando atende às exigências fundamentais de ordenação expressas no plano
diretor;” o que na prática, ainda não se observa.
Vale salientar que a função social da propriedade ainda permanece sem
regulamentação, quando deveríamos fazer uso do conceito: a função social da
propriedade se constitui em um equilíbrio entre o interesse privado e o interesse
público, isto é, que o interesse coletivo se superponha ao interesse individual.
A função social da propriedade - expressão que denomina o princípio pelo
qual o interesse público deve ter preferência sobre a propriedade privada, embora
sem eliminá-la - respalda a ação intervencionista do Estado na esfera individual, a
fim de concretizar uma visão social de bem comum. Os institutos mais expressivos
do princípio em epígrafe são a desapropriação da propriedade privada (CF, Art. 5º,
XXIV) e a requisição desta (CF, Art. 5º, XXV).
1.3.2 Regularização Fundiária: Conceito e Políticas
O termo fundiário vem do latim fundus, é utilizado como adjetivo relativo a
terrenos. Sendo comumente empregado, a regularização fundiária, como “processo
destinado a tornar terrenos regulares para o cumprimento de determinado fim”.
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(BARROS, 1998, p. 68). Porém o conceito de regularização fundiária tornou-se mais
abrangente, entendido por Alfonsin (2002) como:
“processo conduzido em parceria pelo Poder Público e população
beneficiária, envolvendo as dimensões jurídica, física e social de
uma intervenção que prioritariamente objetiva legalizar a
permanência de moradores de áreas urbanas ocupadas
irregularmente para fins de moradia e acessoriamente promove
melhorias no ambiente urbano e na qualidade de vida do
assentamento bem como incentiva o pleno exercício da cidadania
pela comunidade - sujeito do projeto”.
Segundo Alfonsin (2002), as políticas de regularização fundiárias derivadas
das propostas da reforma urbana e introduzidas entre nós por permissão expressa
da Constituição Federal de 1988 estão de fato, em processo de implantação no
Brasil, se inserem em uma história da política urbana e habitacional brasileira como
uma radical novidade e o Estatuto da Cidade vêm para lhes dar novo fôlego,
desacreditadas que já estavam em um quadro em que era quase impossível
trabalhar juridicamente para dar-lhes eficácia.
A legalidade/ilegalidade está presente na formação do estado e do território
brasileiro, principalmente nas cidades.
Em relação aos avanços da regularização fundiária, podemos destacar: como
um novo paradigma para lidar com o direito de propriedade; um modelo de gestão
urbana democrática e sustentável: a regulamentação da concessão de uso especial
para fins de moradia; a possibilidade de regularização fundiária COLETIVA de
terrenos tanto privada quanto públicos (ALFONSIN, 2002).
Segundo Fernandes (2002), o termo regularização tem sido usado com
sentidos diferentes, referindo-se em muitos casos tão somente aos programas de
urbanização das áreas informais, principalmente através da implementação de infra-
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estrutura urbana e prestação de serviços públicos. Em outros casos, o termo tem
sido usado para se referir exclusivamente às políticas de legalização fundiária das
áreas e dos lotes ocupados informalmente. As experiências mais compreensivas
combinam essas duas dimensões: a jurídica e a urbanística. São ainda poucos os
programas que têm se proposto a promover a regularização de construções
informais.
Entretanto, a falta de compreensão da natureza e da dinâmica do processo
de informalidade urbana tem levado a todo tipo de problema. Com freqüência, os
programas de regularização acabam por reproduzir a informabilidade urbana em vez
de promover a integração sócio espacial. Por outro lado, a regularização fundiária só
é efetivamente demandada pela população quando existe ameaça de expulsão.
Passada a ameaça a demanda maior é por urbanização e por melhores condições
de habitabilidade.
Os programas de regularização objetivam a integração dos assentamentos
informais ao conjunto da cidade, e não apenas o reconhecimento da segurança
individual da posse para os ocupantes.
Diante do exposto, é relevante conceituar Regularização Fundiária numa
dimensão mais ampla, em vez de admitir o entendimento meramente jurídico de
regularização. Assim sendo, consideramos que a regularização fundiária é uma
intervenção que abrange um trabalho jurídico, urbanístico, físico, social, sob pena de
que faltando uma destas dimensões o processo fatalmente será interrompido e
fragmentado.
Como podemos deduzir, há uma implicação ética ao se garantir a titulação de
um lote, pois muitas vezes a forma como a área foi ocupada consagra injustiças.
Entretanto, caso o Poder Público não proceda a concessão da titulação dos lotes em
nome dos moradores, corre o risco de haver despejos e/ou desperdício de dinheiro
público.
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45
O Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, em seu artigo 2º,
inciso XIV, a regularização fundiária é estabelecida como uma das diretrizes da
política urbana, que tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e da propriedade urbana.
As áreas não edificadas, sub-utilizadas ou não utilizadas podem ser
delimitadas como áreas urbanas para fins de regularização fundiária. Com base
nesta norma, o Plano Diretor pode delimitar áreas urbanas destinadas à
regularização fundiária, onde poderão ser aplicados os instrumentos destinados a
garantir que a propriedade urbana atenda a sua função social previstos no § 4º do
artigo 182 da Constituição Federal vigente.
O instrumento das Zonas Especiais de Interesse Social está previsto como
um dos instrumentos de regularização fundiária na alínea “f”, do inciso V do artigo 4º
do Estatuto da Cidade. Foi pioneiramente instituído no recife, na Lei Municipal de
Uso e Ocupação do Solo, em 1983, que formalizou como Zonas Especiais de
Interesse Social - ZEIS, 27 áreas pobres da cidade - a maioria em processo de
conflito e luta pela posse da terra - inclusive as “Terras de Ninguém”, nos morros de
Casa Amarela.
As Zonas Especiais de Interesse Social são destinadas primordialmente à
produção e manutenção de habitação de interesse social. Essas zonas especiais
visam incorporar os espaços urbanos da cidade clandestina — favelas,
assentamentos urbanos populares, loteamentos irregulares e habitações coletivas
(cortiços) — à cidade legal. Por este instrumento fica reconhecido, pela ordem
jurídica da cidade, que para atender à sua função social as áreas ocupadas pela
comunidade de baixa renda devem ser utilizadas para fins de habitação de interesse
social.
A aquisição das áreas ou a sua regularização através de títulos de
propriedade ou posse apresenta-se consequentemente como uma perspectiva
amplamente presente para os moradores de locais onde se estabelecem situações
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de conflito, comparecendo como a forma mais imediata de garantir a permanência
no local e de fazer face às pressões para sua expulsão.
1.3.3 Instrumentos de Regularização Fundiária
O Estatuto da Cidade, aprovado como Lei nº 10.257, em 10 de julho de 2001,
oferece aos municípios uma série de instrumentos que podem intervir no mercado
de terras e no processo da exclusão social, garantindo o cumprimento integral da
função da cidade e da propriedade urbana. Alguns desses instrumentos já se
encontravam constantes de legislação anteriores, sendo aplicado por diversos
municípios.
Um avanço fundamental propiciado pelo Estatuto é a previsão de normas
para a regularização fundiária, onde as irregularidades jurídicas são um dos maiores
entraves a universalização do direito à cidade. Ao mesmo tempo, o Estatuto incluiu a
regularização fundiária na agenda obrigatória da política urbana e habitacional das
cidades.
Segundo Rolnik (2002) ainda que incorporam a avaliação dos efeitos da
legislação urbanística sobre o mercado de terras, propiciando ao município uma
maior capacidade de intervir e não apenas normatizar e fiscalizar ─ no uso, na
ocupação e na rentabilidade das terras urbanas, realizando, assim, a função social
da cidade e da propriedade.
Esses instrumentos, se bem aplicados, podem promover uma verdadeira
reforma urbana, estruturando uma política fundiária municipal que garanta a
destinação do território do município para moradia e atividades econômicas da
população de baixa renda, e evitando dessa forma a proliferação de assentamentos
irregulares o objetivo desses instrumentos é induzir a ocupação de áreas já dotadas
de infra-estrutura e equipamentos, mais aptos para urbanizar ou povoar, evitando
pressão de expansão horizontal na direção de áreas não servidas de infra-estrutura
ou frágeis do ponto de vista ambiental.
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Entre os instrumentos de atuações urbanísticas destinadas a promover a
regularização fundiária, está o instituto da Concessão do Direito Real de Uso, criado
em l967 e escassamente utilizado até agora. Evidencia-se a importância da maior
utilização desse meio de ocupação do solo para o assentamento de populações de
baixa renda.
A Concessão de Direito Real do Uso – CDRU, é um instrumento instituído em
nível nacional pelo Decreto – Lei nº 271/67, que permite ao Poder Público legalizar
espaços públicos utilizados para fins residenciais. Em alguns estados a CDRU é
também regulamentada por meio das Constituições Estaduais, leis orgânicas ou
legislações especificas, na maioria, anteriores ao Estatuto da Cidade.
Trata-se de um direito real devido à relação estabelecida entre o imóvel
(terreno, casa, prédio) e a pessoa que o possui e utiliza para satisfazer suas
necessidades de moradia. O direito real permite o uso de ações pra defender a
posse ou a propriedade contra qualquer pessoa que viole ou prejudique o direito de
possuir, utilizar e dispor do imóvel.
A CDRU dispõe também, sobre loteamento urbano e concessão do espaço
aéreo. Segundo Meirelles (1980), a CDRU é o contrato através do qual o Poder
Público transfere a utilização remunerada ou gratuita de terreno público ou particular,
como direito real resolúvel, para fins específicos de urbanização, industrialização,
edificação, cultivo ou qualquer outra exploração social. Pode ser definida como um
direito real resolúvel, aplicável a terrenos públicos ou particulares, de caráter gratuito
ou oneroso, para fins de urbanização, industrialização, edificação, cultivo de terra ou
outra utilização de interesse social.
Este direito poderá ser constituído através de instrumento público ou
particular, a ser celebrado entre concedente (proprietário) e concessionário
(posseiro). Ou ainda, como reza o Decreto – lei 271/67, através de simples termo
administrativo, sendo inscrito e cancelado em livro especial (art. 7º § 1º).
Anteriormente, discutia-se a possibilidade e até a necessidade do registro deste
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direito no Cartório de Registro de Imóvel. Face à sua redação, a constituição de
direito real de uso pela CDRU foi objeto de divergência entre aplicadores do direito.
A questão central residia na dúvida quanto à necessidade de registro cartorário da
CDRU. Verificada a necessidade de registro, caberia ser definido, então, qual o “livro
especial” para sua inscrição e cancelamento, mencionado no Decreto - Lei. Hoje,
estão superadas essas dúvidas.
O Estatuto da Cidade prevê também, a regularização fundiária através da
Usucapião (inclusive coletivo) para regularizar posses em terrenos privados, e a
Concessão do Direito Real de Uso Especial para fins de moradia, destinados a
imóveis públicos ocupados por posseiros.
A usucapião urbano, de acordo com o artigo 183 da Constituição Brasileira, é
o instituto que tem a finalidade de reconhecer o direito de propriedade urbana, das
pessoas que possuírem como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros
quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-o para sua
moradia ou de sua família.
A usucapião especial de imóvel urbano apesar de constituir-se em dispositivo
auto-aplicável da Constituição Federal, o artigo 10, do Estatuto da Cidade veio
ampliar a possibilidade de iniciativa para a usucapião coletiva, o que pode facilitar a
regularização fundiária de áreas urbanas de difícil individualização como as favelas.
A desapropriação, por sua vez, é uma forma excepcional de aquisição da
propriedade privada pelo Poder Público, sujeita a estritos requisitos e condições
constitucionais e legais. A desapropriação pode ser aplicada, em casos de
necessidade, de utilidade pública, ou de interesse social, como é o caso da
regularização fundiária. (SAULE JR., 2002).
Com base na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade, o Poder Público
Municipal pode aplicar a desapropriação para fins de reforma urbana nos casos em
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que o imóvel não estiver cumprindo sua função social, ou seja, quando não atender
às exigências fundamentais da ordenação da cidade, expressa no Plano Diretor.
O instrumento deve ser utilizado com muita cautela pelos graves ônus
financeiro que usualmente acarreta para o Poder Público. A incidência de juros
moratórios e compensatórios, cumuláveis, e o valor elevado atribuído ao imóvel,
frequentemente tornam os custo insuportáveis para a Administração Pública
podendo, inclusive, gerar a responsabilidade do Prefeito. A Lei de Responsabilidade
Fiscal estabeleceu ser nulo o ato de desapropriação de imóvel urbano sem prévia e
justa indenização em dinheiro ou prévio depósito judicial do valor da indenização.
Com base na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade, o Poder Público
Municipal pode aplicar a desapropriação para fins de reforma urbana nos casos em
que o imóvel não estiver cumprido sua função social. (SAULE JR., 2002)
No Código Civil Brasileiro Lei nº 10.406, aprovado em 10 de janeiro de 2002,
a desapropriação está prevista nos Art. 1.275, V, 1.228, § 3º, e 2.030; bem como o
direito de propriedade deve ser exercido, conforme o Art. 1.228, § 1º; encontra-se o
direito real no Art. 1.225, I; o direito do proprietário está previsto no Art. 1.228; por
outro lado, o usucapião Art. 1.238 a 1.244.
Na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Cidade de 2001, a
desapropriação por interesse social nas áreas urbanas vem atrelada a mais dois
instrumentos seqüenciados e anteriores: a parcelamento ou utilização compulsória e
o Imposto Predial e Territorial urbano progressivo no tempo. No caso, a
desapropriação pode ser efetivada mediante pagamento da divida pública.
Os fundamentos da regularização fundiária, através de seus instrumentos,
têm por objetivo legalizar a permanência de populações moradoras de áreas
urbanas ocupadas em desconformidade com a lei, significando a integração dessas
populações ao espaço urbano formal, e o resgate de sua cidadania. Contudo, a
titularidade definitiva das áreas ocupadas por assentamentos informais, para seus
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verdadeiros moradores, vem esbarrando em processos judiciais intermináveis e
enormes dificuldades de registro junto aos cartórios.
No caso do Recife, desde a década de 80, vem sendo aplicando, de forma
associada, instrumentos jurídicos de regularização fundiária, estabelecendo uma
ponte entre procedimentos de regularização urbanística e fundiária, através do Plano
de Regularização de Zonas Especiais de Interesse social, o PREZEIS. Mesmo
instituídos no âmbito municipal, as ZEIS, se constituem numa referência para o
processo de regularização fundiária assumida por outras instancias governamentais
como é o caso do governo do Estado, através da COHAB-PE.
Alinhados com os princípios do PREZEIS, os processos de regularização
fundiária empreendido pelas instâncias municipais e estadual, tiveram como objetivo
a conjugação da regularidade urbanística e fundiária, bem como a inibição da ação
de especuladores imobiliários e a permanência da população original. Como
principal destaque, se assinala a resistência da população ao instrumento CDRU,
priorizado pelo governo municipal, que se contrapõe à uma preferência manifesta
pelo titulo de propriedade plena, largamente aplicada pela instancia estadual,
através da COHAB-PE, inclusive nas “Terras de Ninguém”, objeto central deste
trabalho.
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2. “TERRAS DE NINGUÉM”: O Processo de Ocupação
Este capítulo procura analisar como se processou a ocupação das áreas
pobres do Recife e mais especificamente das “Terras de Ninguém”. Aborda, nessa
análise da formação e expansão urbana, como a propriedade fundiária rural, em
função da qual o Recife foi criado, transformou-se em propriedade fundiária urbana;
e, no caso especifico das “Terras de Ninguém”, como o antigo engenho São
Pantaleão do Monteiro tornou-se a maior área de morro da cidade, ocupada por
população pobre.
2.1 AS CONDIÇÕES DE OCUPAÇÃO DAS ÁREAS POBRES DO RECIFE
Este item apresenta o processo da expansão do Recife, destacando a
apropriação desigual do solo urbano pelas classes mais abastadas e pelas classes
mais obras, o que originou os grandes conflitos pela terra urbana.
Os conflitos fundiários da ocupação informal do Recife remotam ao início do
século XX, e se ampliam no final dos anos 30, ocasião em que o governo estadual -
à frente o interventor Agamenon Magalhães - começou a intervir de forma mais clara
nos padrões de uso do solo e das áreas a serem urbanizadas. Foi criada, então, a
“Liga Social Contra o Mocambo” financiada pelo Governo do Estado e contando com
contribuições de empresas e entidades classistas. A partir de então, ocorreu o
combate ao mocambo realizado pela mencionada “Liga”, objetivando a
implementação da política de erradicação dos mocambos, “a fim de transformar os
165 mil habitantes dos mocambos em pequenos proprietários, em pequenos
burgueses, segundo as palavras do próprio interventor”. (PANDOLFI, 1984, p. 64).
2.1.1 O Processo de Expansão do Recife
O Recife surgiu como um pequeno núcleo de pescadores que se
estabeleceram na zona peninsular (hoje ilha do Recife), na foz dos rios Capibaribe e
Beberibe, por volta de 1537. Inicialmente ligado a Olinda pela sua função de porto
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da vila sede da Capitania, Recife cresce em tamanho e importância; sua história
então relaciona-se com as alternâncias de comando político – administrativo, ora em
Olinda, ora em Recife, até que este se firma incontestavelmente como centro político
e econômico da região.
A colonização de Pernambuco teve como base econômica a monocultura da
cana de açúcar, e a formação do Recife – cidade situada entre o oceano, os rios e
os alagados – está vinculada à exportação do açúcar. Já na sua fundação, em 1537,
o Recife abriga engenhos de açúcar, originando grandes “latifúndios urbanos”.
Da vila de pescadores, surgida em 1537, originou-se o bairro do Recife. Os
bairros de Santo Antônio e da Boa Vista surgiram somente no século XVII e o
restante da cidade era chamado, até o início do século passado, de arredores.
Segundo Freyre (apud COSTA, 2001), o Recife é uma cidade de formação
notadamente rurbana, visto a sua condição de porto exportador do açúcar produzido
pelos engenhos que, a partir do século XVI, surgiram ao longo da Várzea do
Capibaribe. Muitos desses engenhos deram origem aos bairros atuais: Apipucos,
Madalena, Cordeiro, Torre, Engenho do Meio, São João da Várzea, Dois Irmãos,
Beberibe, Jiquiá, Casa Forte, São Paulo, Curado, Santo Antonio, São Braz, São
Sebastião, São Cosme e Damião, entre esses, o Engenho São Pantaleão do
Monteiro. (COSTA, 2001). Parte desse engenho São Pantaleão do Monteiro
transformou-se, no final da década de 70, nas “Terras de Ninguém”.
Portanto, nos arredores do Recife, os holandeses já encontraram dezenas de
engenhos de açúcar, todos ligados à Olinda. Todos esses engenhos foram sendo
incorporados no processo de expansão da cidade e deram origem aos atuais bairros
— subúrbios, alguns dos quais ainda conservam o nome do seu engenho. (BALTAR,
1951).
A colonização do Brasil iniciada pelos portugueses despertou em meados do
século XVI, o interesse pelo cultivo da cana-de-açúcar, o que ocasionou o primeiro
grande ciclo econômico do Brasil, desenvolvido na região Nordeste e tendo o Recife
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53
como o principal núcleo portuário de exportação do produto. Essa economia que
deteve o monopólio internacional do século XVII, foi deprimida no século XVIII, pela
concorrência antilhana, vindo se recuperar só no século seguinte, já num quadro de
forte concorrência com a produção cubana e o açúcar de beterraba. (SOUZA et al,
1984).
Apesar de um período de relativa estagnação na produção açucareira, não se
assistiu a uma involução do desenvolvimento do mercado externo nordestino. Na
verdade, houve um surto algodoeiro, a partir do momento em que os EUA,
envolvidos com a guerra da Independência, deram lugar ao Brasil enquanto
fornecedor de algodão no mercado inglês, passando então o Recife a constituir-se o
segundo porto algodoeiro do País.
Com a abolição da escravatura houve um período de transição dessa
economia colonial, baseada no trabalho escravo, para um sistema produtivo fundado
num regime de trabalho livre. A despeito de o sistema econômico do período pós –
abolição haver se caracterizado pela exportação de produtos agrícolas, tanto o
conteúdo como a forma do processo de acumulação capitalista mudaram. O
processo contínuo de modernização, começou a transformar os antigos engenhos
em usinas, passando de unidades agrícolas para unidades agroindustriais.
(SINGER, 1977).
Inúmeras inovações tecnológicas foram realizadas - o uso do bagaço como
combustível, a substituição de tambores de moenda e a introdução de moendas a
vapor - mas o surto algodoeiro, uma opção de menor inversão de capital e a
inexistência de uma política urbana, entendida enquanto forma de intervenção do
Estado nas condições gerais da produção capitalista, apareciam como obstáculo ao
processo de modernização da produção açucareira (MELO, 1982).
O período seguinte à expulsão dos holandeses coincidiu com o início da crise
da economia açucareira do século XVIII. Aguçou-se, em conseqüência, o
desentendimento entre os senhores de engenho e os comerciantes portugueses,
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54
habitantes do Recife, que comercializavam o açúcar em troca de especiarias
européias e escravos. Resulta dessa disputa a decisão do governo português de
elevar Recife à categoria de Vila (1710) – Vila de Santo Antônio do Recife.
Aproveitando as estreitas faixas de terreno sólido que se estendiam pela
planície, “foram desenvolvendo-se os caminhos de ligação de cada um daqueles
engenhos com o centro da povoação” (BALTAR, 1951, p. 45-46). E os povoados em
que foram transformando-se os engenhos, estenderam-se naturalmente em forma
linear ao longo desses caminhos de ligação. A cidade em expansão ampliou a ilha
de Antônio Vaz, aterrou os alagados de Afogados e da Boa Vista, modificando a
configuração hidrográfica da planície.
Quando se tornou capital da província, em 1825, Recife teve sua área
acrescida do território, antes, pertencentes à Olinda. Compreende então, as
freguesias de São Pedro Gonçalves, Santo Antônio, São José, Boa Vista, Afogados,
Poço da Panela, Graças e Várzea. No meado do século XIX, o Recife apresentava-
se com três tipos de agrupamentos distintos:
• um núcleo central, formado pelos bairros do Recife, Santo Antônio, São
José;
• diversos núcleos suburbanos, constituindo freguesias ou mesmo
povoados;
• os agrupamentos lineares ao longo das vias de acesso e ligação entre
uns e outros.
Na metade do século XIX, o Recife experimentou um rápido crescimento
populacional que quase dobra a sua população, acompanhado por uma expansão
urbana inédita e pela melhoria dos equipamentos de infra-estrutura. Se processa o
desenvolvimento dos transportes urbanos como os bondes de burro (1871) e os
ferros-carris – as “maxambombas” (1876) que vieram permitir o acesso, às zonas
urbanas, inclusive das classes menos favorecidas. As estradas de ferro de
penetração para o interior seguiam antigos caminhos de gado e as vias urbanas
aperfeiçoavam os caminhos de ligação dos antigos engenhos, o trem de carga com
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55
destino a Limoeiro, por exemplo, que, também, transportava passageiros, seguia
pela Avenida Norte, margeando os morros de Casa Amarela, onde se situa as
“Terras de Ninguém” . A estrutura viária da cidade já se definia, então, em forma de
“leque aberto”. (SOUZA et al, 1984).
Como parte integrante do processo de transformação do habitat natural dos
engenhos em habitat urbano e suburbano, a primeira transformação fundiária urbana
haveria de ocorrer. Assim é que as grandes propriedades canavieiras ou engenhos
foram-se dividindo em propriedades menores ou chácaras denominadas “sítios”.
Estes passaram a desenvolver cultura de subsistência e produção de alimentos em
pequena escala, como é o caso dos famosos sítios nas áreas alagadas, que
desenvolviam a atividade pesqueira em viveiros. (SOUZA et al, 1984).
Um grande marco do século XIX foi o verdadeiro surto de industrialização que
se verificou no país e que guardou íntima vinculação com impulso e a modernização
da produção açucareira. E Recife, pela sua condição portuária, polarizava o espaço
regional a partir do seu sistema de transporte.
As primeiras indústrias a se instalarem na área urbana do Recife foram
aquelas que mantinham uma complementaridade com a produção açucareira —
fundição para reparos de equipamentos, fiação e tecelagem para fabricação de
sacos e vestimentas dos escravos. A renda gerada por essas indústrias e atividades
comerciais de intermediação é que constituíam a base da economia urbana.
No final do século XIX, o Recife, como centro econômico da região, chegou a
ter estabelecida uma pequena Indústria de bens de consumo dirigida à sua área de
influência, chegando a atingir o mercado consumidor do sul do país, que aumentava
consideravelmente. Entretanto, esta industrialização recifense não conseguiu firmar-
se com posição de destaque no cenário nacional, devido a perda de parte do
mercado externo do açúcar e do algodão, ao passo que o café se fortifica, e a
posterior intensificação da economia do Sudeste, confirmou a transferência de
comando entre os centros econômicos nacionais (COSTA, 1982).
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56
Esta situação reflete-se, sobretudo no urbano e, no caso do Recife, como não
poderia deixar de ser, a cidade apresenta problemas dos mais complexos.
Problemas expressos na própria estrutura social e econômica da população e
problemas que se retratam a nível espacial pelo crescimento vertiginoso e
desordenado do seu sítio.
A implantação das usinas gerou uma decomposição do “complexo rural” da
região. Com a abolição da escravatura e a proletarização de grande parte dos
trabalhadores do campo, a cidade intensificou o seu crescimento demográfico em
função do grande contingente migratório que afluiu para o seu espaço urbano, o que
explica a terceirização que passou a caracterizar esse crescimento na base de um
setor informal.
Embora não tenha acompanhado a industrialização e o seu crescimento
tenha sido provocado por fatores externos à economia da cidade, Recife chega a
ocupar o 3º lugar em número de habitantes, entre as cidades brasileiras, na primeira
metade do século XX. No entanto, segundo dados do Censo dos Mocambos de
1939, 50% dessa população habitavam mocambos e apresentava uma proporção de
um terço de desempregados.
O desemprego e a falta de moradia passaram a constituir-se o principal
problema da população pobre do Recife, passando a refletir no espaço urbano os
primeiros traços de segregação de uma população marginalizada.
Os negócios imobiliários, inclusive os especulativos, foram crescendo em
volume dentro da área urbana e a fonte de renda proporcionada pela terra urbana foi
tornando-se atrativos para os investidores da área rural. Assim é que, muitos dos
investimentos que passaram a se processar no setor imobiliário, eram provenientes
dos lucros que os capitalistas ou proprietários fundiários rurais extraíam da
agricultura.
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Os antigos sítios dos arredores da cidade, que aos poucos foram sendo micro
- parcelados e incorporados ao recinto urbano, marcou a segunda transformação
fundiária que ocorreu no processo de formação do Recife. (MELO, 1974).
Sob o condicionamento da expansão urbana e em função desse processo,
começou a vigorar, também, uma nova forma de uso do solo, onde os sinais da
segregação no setor habitacional já se tornavam visível ao tecido da cidade.
A estagnação relativa da agroindústria do açúcar e a crise do algodão foram
fatores mais importantes de impedimento para que a industrialização do Nordeste
tomasse forma nesse período entre as duas Guerras. Com a crise mundial
prolongada até o início da 2ª Guerra Mundial, a economia brasileira se vê
encurralada e, como única saída possível, inicia o processo de substituição de
importações de artigos manufaturados por produtos da indústria nacional nascente.
O desenvolvimento industrial resultante, não se dá em todos os centros urbanos,
beneficiando apenas os centros que possuíam um amplo mercado local e um
sistema de mecanização já iniciado, concorrendo para acentuar o processo de
concentração industrial que terá lugar no País. (SOUZA et al, 1984).
A cidade do Recife em expansão, mantendo a sua estrutura de irradiação, ia
aos poucos conquistando por aterros os terrenos alagados, dando continuidade à
planície. Estes terrenos adquiriram um alto valor imobiliário que permitia o acesso
apenas às classes mais favorecidas, dando por isso origem aos bairros residenciais
da classe média e alta como os bairros do Derby, Espinheiro, etc. Os baixios sujeitos
à inundação das marés mais altas e terrenos acidentados, cujo custo de implantação
de infra-estrutura não viabilizava a especulação, adquiriram baixo valor imobiliário
em relação aos terrenos planos e secos ou facilmente recuperáveis, ficando ao
alcance das classes menos favorecidas. (SOUZA, 2002).
A ocupação das áreas desprezíveis e desvalorizadas por habitações de baixa
renda, foi adquirindo formas peculiares ao longo do seu processo: aqueles que
encontravam empregos nos “viveiros” construíam sua moradia nos mangues — as
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palafitas, mediante o “aluguel do chão” ao proprietário; morros próximos às vias de
penetração da cidade, como os de Casa Amarela, tiveram seus sítios pouco a pouco
micro-parcelados e alugados a terceiros que, mediante o “aluguel do chão”, poderia
construir e ter a “posse” do imóvel; e as “Terras de Marinha” passaram a ser refúgio
daqueles que não tinham acesso à terra urbana. (SOUZA et al, 1984).
No período de 1920 a 1940, o Recife registrou um crescimento populacional
da ordem de 46%, o que veio acirrar as contradições urbanas, já que esse
crescimento não teve a necessária contrapartida na oferta de bens e serviços
coletivos. O crescimento de nossa cidade, nessa época, não foi resultante direta da
expansão da economia urbana, mas devido a fatores externos à cidade, tais como o
êxodo rural e ainda o proveniente de pequenas cidades. Êxodo esse ocasionado
pelas secas e em parte pela industrialização do açúcar. As usinas, ao irem
substituindo os engenhos bangüês, propiciaram a formação do exército industrial de
reserva. Assim, o Recife recebeu um contingente populacional maior do que o seu
mercado de trabalho poderia absorver. (CEZAR, 1985).
Desse modo, tal crescimento populacional do Recife não se deveu aos “seus
atrativos”, suas “maiores possibilidades de trabalho no comércio, na indústria e nos
prazeres. Consequentemente, oferecendo melhores salários” como afirmava
Bezerra. (1965, p. 33). Em 1940, apenas 6% da população ativa desta cidade eram
empregados na indústria e nem mesmo o setor de serviços apresentava um bom
desempenho estrutural. No mínimo 1/6 da população recifense, em 1940, eram
desempregados disfarçados ou não.
Na década de 40, o Poder Público estadual, através da Liga Social Contra o
Mocambo, e com o apoio de iniciativa privada, promoveu, uma campanha cuja
perspectiva era livrar o Recife da paisagem desagradável dos mocambos nas zonas
centrais. Isto provocou, por um lado, a recuperação da maioria dos terrenos
alagados do centro da cidade e, por outro, a transferência compulsória de grandes
contingentes da população para a periferia do Recife em morros e córregos que
circundavam a planície da cidade. Desses morros, os de Casa Amarela — Alto
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59
Santa Izabel, Alto da Esperança, Alto da Conceição, Alto José do Pinho, etc., foram
os primeiros a serem densamente ocupados. A via férrea que os margeava,
correspondente hoje à Avenida Norte, apesar de ser linha de um trem de carga com
destino a Limoeiro, supria o subúrbio com um transporte de passageiros, o que
conferia aos morros de Casa Amarela uma vantagem sobre os demais morros
periféricos. (SOUZA et al, 1984).
A expulsão do homem do campo para a cidade acelerou o aumento da
população urbana, o que também acarretou a ocupação dos morros e outras áreas
periféricas, haja vista, não haver alternativas para aqueles que aqui chegavam
ávidos de encontrarem condições de sobrevivência.
É nesse contexto que se dá a ocupação das “Terras de Ninguém”, em Casa
Amarela, que se intensificou a partir de 1940. Os ocupantes dessas terras haviam
sido, em grande maioria, expulsos das áreas centrais do Recife, por ocasião da
implementação da Política de Erradicação dos Mocambos que fundou a Liga Social
Contra o Mocambo - entidade privada, de “caráter humanitário”, ligada à Secretaria
de Saúde Pública - destinada a promover a extinção dos mocambos e a incentivar a
construção de casas populares “dotadas de condições higiênicas de fácil aquisição”.
Esta instituição se compunha de Secretários de Governo e da maior parte dos
empresários das grandes indústrias, alguns dos quais eram, também, grandes
proprietários urbanos. Através de uma campanha publicitária o Governo de
Agamenon Magalhães divulgou à população o plano a ser executado, cujas
medidas, entre outras incluíam: a proibição de mocambos na Cidade e a interdição
pela Saúde Pública de todo mocambo desocupado, intimando seu proprietário a
demoli-lo; a taxação rigorosa dos terrenos onde existissem mocambos; o aterro dos
terrenos alagados. (SOUZA, 2004).
O Decreto Municipal nº 76 de 1938, que proíbe a construção de mocambos
nas zonas urbanas e suburbanas do Recife, foi estabelecido a pedido do interventor
federal de Pernambuco, como parte integrante de sua Política de Erradicação dos
Mocambos. Este decreto indica o descompasso entre legislação e realidade social.
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O recenseamento dos mocambos constata, em 1939, a existência de 45.581
mocambos, o que significa 164.637 habitantes que residiam no perímetro urbano do
Recife, representando 63,7% das habitações da Cidade. (Imprensa Oficial, 1939).
O relato das condições de habitação na cidade do Recife, no final da década
de 30, mais precisamente, em 1939, foi realizado pelo do então interventor do
estado de Pernambuco, Agamenon Magalhães. Um Censo sobre os mocambos,
conhecido por “Observações Estatísticas sobre os Mocambos do Recife” se constitui
em fonte de maior relevância, dada à abrangência da pesquisa realizada que
envolve desde os dados referentes à população que habita os mocambos, passando
pelos preços de “aluguel do chão” e indicando a forma de apropriação e
concentração da propriedade territorial urbana. (SOUZA, 2004).
A Comissão Censitária dos Mocambos, responsável pela elaboração do
censo, foi criada pelo decreto nº 182, de 17 de setembro de 1938. O objetivo
expresso no documento era reconhecer as condições de habitabilidade nos
mocambos, tendo em vista a sua solução. Para tanto se fazia necessário investigar a
ocupação da população economicamente ativa, a renda familiar, a renda fundiária, e
a concentração da propriedade. É importante destacar que o cálculo da renda da
terra, bem como os preços do solo no Recife nos proporcionam obter a grandeza
dos dispêndios estatais, em caso de indenização que deveria ser pago aos
proprietários.
No período após Guerra com a penetração do capital monopolista no Brasil,
competiu ao Estado a criação das condições gerais urbanas. Por outro lado, o
capital monopolista criou uma série de novas necessidades, tanto na esfera da
produção propriamente dita, como no consumo, que necessariamente se aglomerou
no urbano. Assim, transportes, infra-estrutura urbana, habitação, equipamentos
urbanos, etc., passaram a ser cada vez mais, componentes fundamentais do
processo de acumulação do capital e de reprodução da força de trabalho. Como tais
empreendimentos exigem grandes somas de investimentos e não são rentáveis a
curto prazo, o Estado foi requisitado para atender a essas necessidades e passou a
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atuar nos setores básicos para o aprofundamento do processo industrial. (SOUZA et
al, 1984).
Os movimentos migratórios que acompanharam o processo de
industrialização, desde o seu início, levaram as cidades mais industrializadas a um
processo de metropolização, em que as cidades periféricas passaram a crescer em
taxas mais elevadas que a própria metrópole. Por outro lado, a excessiva oferta de
força de trabalho frente a uma retração geral de mercado agrava os problemas de
moradia e saúde. Esses problemas, à proporção que o desemprego e a queda do
valor do salário aumentam, assumem proporções desmedidas.
A proporção da população urbana que, na década de 30 era de 30% sobre a
população rural foi invertida em 40 anos. As condições criadas para o
desenvolvimento do setor da construção civil, que representava um atrativo para a
mão-de-obra não especializada do campo, responderam, em grande parte,
urbanização acelerada por que o Recife passou nesses últimos anos. Por outro lado,
o Estado, que assumia a competência de todo empreendimento necessário a essa
urbanização, e não rentável à iniciativa privada — como a implantação de infra-
estrutura, por exemplo, — vai levando a especulação que a oferta de imóveis foi
gerando na cidade, cada dia mais, para áreas mais distantes. Mais tarde a política
de urbanização implantada pela SUDENE no Nordeste, adotando o Recife como
pólo industrial da região, concorreu para transformar a relação cidade/campo.
Com a expansão da cidade, a tendência à mudança do tipo do uso do solo é
então comandada pelo seu valor. A propriedade do solo urbano requer a posse de
uma renda monetária para permitir o acesso à terra urbana mas, a economia
capitalista, não assegura esse mínimo de renda a todos. (SINGER, 1982). No
espaço da cidade isso se reflete, a cada dia, na expansão das áreas caracterizadas
por suas condições precárias de urbanização.
Com o golpe militar de 1964 haviam sido afastados os políticos
comprometidos com mudanças e reformas sociais. A ditadura militar, que se instalou
no país desestruturou, proibiu e reprimiu as organizações populares.
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62
Os governantes entre 1964 e 1978, empreenderam grandes obras, visando
modernizar a Cidade, viabilizando contratos com empresas de cimento, aço, entre
outras cujos recursos, muitas vezes, eram oriundos de empréstimos ao exterior.
Assim, a Cidade ganha os viadutos da Avenida Norte, de Afogados, da Cabanga,
João de Barros, Cinco Pontas e Joana Bezerra. Grandes avenidas são construídas
ou ampliadas como a Avenida Dantas Barreto e a Avenida Agamenon Magalhães.
Com isso, muitas favelas foram removidas e as populações ali residentes foram
jogadas na periferia, cada vez mais distantes. Milhares de moradores das favelas do
Recife foram removidos para os morros do Ibura e de Casa Amarela, longe da
Cidade.
O Governo de Pernambuco, que nas décadas de 70 a 90, interveio no setor
habitacional, de forma mais intensiva como mediador do sistema e agente financeiro
do BNH, não conseguiu acompanhar o déficit de moradias, cada dia mais crescente
na área metropolitana. Seu programa em quinze anos foi ampliado. De simples
promotor de lotes e habitações em conjuntos residenciais construído pela COHAB,
ele passa, também, a recuperar as favelas espontâneas através de seu programa
“PROMORAR”, também implantado pela COHAB.
Atualmente, no espaço urbano do Recife, a estrutura original de irradiação se
mantém inalterada; o tecido urbano já ocupa o recinto da planície quase por
completo e se liga aos tecidos das cidades vizinhas; os arrabaldes já constituem-se
centros secundários e a segregação no seu espaço urbano se dá principalmente no
seu setor residencial. A disparidade entre classes sociais se concretiza na cidade
por zonas geograficamente distintas de áreas residenciais da classe média e alta, de
favelas espontâneas, de conjuntos habitacional COHAB, e de novos bairros
residenciais de alta renda em expansão que invadem a área norte da cidade, onde
os “sítios” não sofreram ainda a segunda transformação fundiária.
A pobreza da moradia dos mocambos nos mostra dois pontos para reflexão: o
primeiro refere-se não à pobreza da moradia em si, mas à pobreza do próprio
morador, o segundo refere-se às formas de ocupação do solo pelos mesmos, onde
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na maioria das vezes eram construídos sobre as áreas menos apropriadas para
habitação como lama, mangue, beira de riacho, morros etc.
2.1.2 Os Conflitos Fundiários da Ocupação Informal do Recife
Segundo afirma Souza (2004), momentos da história da cidade do Recife
retratam o fosso existente entre aparato regulatório e o processo excludente de
urbanização, que resulta na ocupação informal e nos conflitos urbanos. Um desses
momentos remete ao final do século XIX e início do século XX, quando já era
expressiva a quantidade de mocambos na cidade, ocupando predominantemente os
mangues e alagados. Em recenseamento realizado no Recife, em 1913, os
mocambos representavam 43,2% das habitações da cidade. Nesta fase, o discurso
higienista, que desde os anos de 1850 condenava as condições de salubridade dos
sobrados, voltava-se para os mocambos da cidade. No primeiro Congresso Médico
em Pernambuco, em 19074, os mocambos do Recife são considerados “uma
ameaça constante à saúde pública” e “um perigo sério para a parte da população
mais favorecida da fortuna”. Em face dessa argumentação, um Secretário de
Estado5 assegura que esses mocambos não poderiam, “a bem da salubridade
pública, permanecer por mais tempo (...) na capital e nos seus subúrbios”.
O Estado, até 1939, não se encontrava diretamente envolvido na questão da
proliferação dos mocambos, que ocupavam, predominantemente, as “Terras de
Marinha” - áreas de propriedade pública. As terras nas mãos dos latifundiários
urbanos não eram consideradas, ainda, como fonte de lucro através da especulação
imobiliária e a ocupação dessas propriedades encontraram pouca resistência.
Para atender as suas necessidades de moradia, as classes menos
favorecidas da população, que possuíam apenas sua força de trabalho, sem outra
opção, procuravam, aos poucos, proceder aterros sobre os alagados nas áreas do
4 Relatório de Dr. José Carlos Torres Coltrim em Chermont, O. casas para Proletários em Annaes do I
Congresso Médico de Pernambuco, Recife, 1907, p. 559 - 603, apud SOUZA, (2004). 5 Idem Relatório op. cit.
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64
centro, onde estas terras firmes já eram escassas, o que caracterizou o crescimento
da cidade.
Posteriormente, a partir da incorporação dos alagados ao Patrimônio da
União e a regulamentação da cessão aforamento dos terrenos de Marinha, em 1831,
através da Lei Orçamentária de 15 de novembro de 1831, em seu artigo 51, §§ 14 e
15, os posseiros foram obrigados a pagar pela utilização dos terrenos em que
edificaram sua morada àqueles que se apresentassem como “proprietários”. Os
moradores foram sendo ameaçados de expulsão de seus mocambos ora pelo
aumento abusivo dos aluguéis, ora pelo uso de força policial, à medida que os
alagados foram se tornando alvo de interesse da especulação imobiliária, para
realização de grandes empreendimentos. (SOUZA, 2002).
Desta forma a legislação vigente e os conflitos decorrentes de ocupação e de
formalização das terras ocupadas pelos favelados do Recife, denota o desacordo
entre as leis vigentes e a realidade social. Os mocambos em sua maioria se
situavam em terras de mangues e alagados, inserindo-se assim, em “terrenos de
Marinha” - terras de praia, de margem, de beira - mar, de mangue, de maré - os
quais estavam regulamentados em legislação especial (Aviso de 18 de novembro de
1818); Lei Orçamentária de 15 de novembro de 1831 (artigo 51 §§ 14 e 15);
Instruções nº 348, de 14 de novembro de 1832; e decreto nº 4105, de 22 de
fevereiro de 1868 e compondo o quadro fundiário brasileiro, conforme o contido na
Lei Imperial nº 601, de 18 de setembro de 1850 - a Lei de Terras, a qual institui o
estatuto fundamental do regime de terras no país, regulamentando: as terras de
sesmeiros regulares, sesmeiros irregulares e posseiros; as terras devolutas
(devolvidas) e as terras públicas - de domínio público, para uso institucional ou para
uso comum - entre as quais se inseriam as “terras de Marinha”, que passaram a
integrar o patrimônio nacional. (SOUZA, 2004).
Em 1920, havia 240 mil pessoas morando no Recife e até 1940 a Cidade
cresceu lentamente, a uma taxa anual de crescimento em torno de 1.91%. No
entanto nos próximos 20 anos esta taxa seria duas vezes maior que a de 1940.
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(MOURA, 1990, p. 66). Contudo, o Recife não cresceu, portanto, como outras
capitais, pelo aumento da oferta de emprego mais devido à expulsão dos
camponeses pelo latifúndio. Além de não haver moradias também não havia
trabalho para os novos moradores da Cidade, pois a indústria, até 1940, empregava
apenas 6,3% e o comércio 3,0% da população. (BEZERRA, 1965).
No “Recenseamento dos Mocambos do Recife” (1939), foi constatado uma
população estimada em 164.837 pessoas que habitavam nos mocambos,
significando dizer que quase 50% da população da cidade. Os mocambos somavam
45.581 moradias pobres, representando cerca de 2/3 das moradias da cidade.
Desses mocambos, 67,76% eram construídos de taipa e coberto de palha, e apenas
6% eram de taipa com cobertura de telha, o que comprova a extrema pobreza dessa
moradias. (SOUZA, 2002)
Segundo esse Recenseamento dos Mocambos, parte expressiva dessas
habitações, na época, era objeto de “contrato” entre os moradores e o aforante ou
proprietário da terra. Cerca de 76,6% dos mocambos pagavam aluguel, seja do
imóvel em si e do chão (33,8%), seja o “aluguel do chão” (42,8%). Apenas 8,6%
eram próprios e não pagavam nenhum aluguel. Os 15% restantes obedeciam a
outras formas. Podemos destacar que, 76,3% pagavam aluguel pelo direito ao uso
da moradia, quer seja em renda da terra simplesmente ou acrescida de uma taxa de
juros sobre o capital aplicado na edificação. Os 15% restantes estavam isentos de
qualquer pagamento, por serem próprios, ou ainda cedidos gratuitamente. (CEZAR e
COSTA, 1992).
A população pobre expulsa dos mocambos situados nas áreas centrais da
cidade, teve que se alojar em outras áreas. Aproximadamente 20.000 pessoas
emigraram do Recife para outras cidades, estados vizinhos e também para São
Paulo, para onde se promovia “embarques compulsórios”; outras famílias em grande
número, dirigiu-se para os morros de Casa Amarela e outras áreas alagadas da
Cidade. Uma vez aterrados esses alagados e aplanadas as áreas em declive das
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encostas dos morros para a construção de suas moradias, tinha início a luta contra
os proprietários, muitas vezes falsos.
O modo de ocupação predominante da população mais pobre era aterrar o
mangue e ocupar os morros. Naquela época a ocupação desses espaços ainda se
deu de maneira quase pacifica. Os proprietários permitiam e os pobres aterravam,
limpavam e zelavam os terrenos vazios em troca do direito de morar
temporariamente nessas terras. O mercado só tinha começado a despertar para a
ocupação imobiliária e muitos proprietários cobravam dos moradores “aluguel do
chão”.`’E nesse sentido que, parte expressiva das áreas pobres do Recife não se
caracterizavam, no final da década de 70, pela condição de “informalidade” total.
(SOUZA, 2004).
Surgindo sobre os aterros em áreas de maré e em terras de antigos engenhos
de açúcar que, até o final do século XIX, margeavam os mangues da cidade, o
Recife apresenta uma estrutura fundiária caracterizada por grandes extensões de
“Terras de Marinha” e áreas loteadas dos latifúndios originários daqueles engenhos,
o que confere aos conflitos urbanos, que emergem em meados de 70, um aspecto
peculiar.
As áreas pobres situadas em “Terras de Marinha” – Coque, Brasília Teimosa,
Coelhos, etc. - eram fortemente assediadas pelo mercado imobiliário em busca de
espaço para sua realização. Já os assentamentos pobres em propriedades privadas
- “Terras de Ninguém”, entre outros - eram objeto de conflitos entre moradores e
proprietários fundiários.
Sem ter acesso aos programas oficiais e sem terra para construir sua própria
moradia, convivendo numa conjuntura de intensa repressão política que sufocava
qualquer forma de reivindicação, a população pobre não tinha outra saída senão
multiplicar as ocupações informais. Escolhido o local, centenas de mocambos eram
construídos numa só noite. Poucas horas bastavam para o seguimento de uma nova
favela. Em conseqüência aumentaram consideravelmente os conflitos entre
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proprietários e ocupantes. Não demorou muito e a questão da moradia virou caso de
polícia, na década de 70, dezenas de ocupações foram violentamente derrubadas
por força da ação policial. (FALCÃO E SOUZA, 1984).
Nessas ocupações surge uma nova qualidade de luta pela organização dos
ocupantes, decididos a resistir de todas as maneiras contra a expulsão,
transformando as áreas em verdadeiros campos de batalha contra a polícia e o
proprietário da terra. Em tempos de abertura política, a guerra desencadeada contra
pobre sem-teto por parte do Estado ganhou espaço na imprensa, influenciando a
opinião pública e provocando alianças entre invasores e entidades da sociedade
civil, além do apoio por parte da Igreja Católica, progressista naquele tempo.
Em 1977, uma pesquisa da Arquidiocese de Olinda e Recife mostra que
nesse ano, na Região Metropolitana do Recife, 50.000 famílias, mais de 300.000
pessoas, estavam ameaçadas de expulsão. O problema cresceu mais ainda entre
1978 e 1981, quando 80 novas invasões se verificaram, envolvendo outras 250.000
pessoas. (BARROS E SILVA, 1985).
Alguns fatores contribuem para a elevação das taxas de crescimento
populacional e de moradias em áreas pobres. O desenvolvimento do setor da
construção civil, empreendido pela política implantada após 1964, através do
Sistema Financeiro de Habitação – SFH, contribuiu para uma urbanização
acelerada, seja no Recife, seja nos municípios circunvizinhos, desencadeando um
processo de metropolização, a partir dos anos 70, A excessiva oferta de mão de
obra aliada à limitação do mercado de trabalho urbano eleva, por sua vez, o número
de pobres no Recife e nos municípios a ele vizinhos.
A especulação imobiliária decorrente deste processo contribuiu para elevação
dos preços dos terrenos urbanos. A redução e conseqüente valorização dos
espaços disponíveis da cidade do Recife impuseram maiores dificuldades à fixação
residencial nos limites do município, o que levou à emergência, em finais da década
de 70, de sucessivas invasões urbanas com caráter de luta organizada.
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A população pobre da Cidade empurrada pela especulação imobiliária e pelo
gradativo aumento das áreas de terras nobres, para dentro dos mangues e para as
encostas dos morros, sofreu sua tragédia em julho de 1977, quando chuva e cheia
provocaram mais de 60 mortes e desabrigaram mais de 20.000 pessoas, moradores
de favelas e bairros populares.
Em 1993, segundo a pesquisa “Perfil Econômico dos Bairros” realizados pela
Prefeitura da Cidade do Recife, nesta cidade, existiam 526 assentamentos de baixa
renda. Estas favelas ocupavam 15% da área territorial da Cidade, onde se concentra
50% da população, enquanto 40% do espaço urbano esta destinado à especulação
imobiliária, o que provoca “efeitos contraditórios”, quais sejam: a existência de vazios
urbanos e, ao mesmo tempo, a saturação, que provoca a expulsão da população
para a periferia, ou para áreas insalubres ou de risco (alagados, morros, mangues e
canais).
Esse processo de segregação sócio - espacial de parte da população e a
degradação de suas condições de vida é o retrato das cidades brasileiras e o
produto resultante do modelo de desenvolvimento excludente adotado pelo Estado.
A política neo-liberal adotado pelo Estado Brasileiro tem levado a desativação de
programas sociais, agravando cada vez mais as precárias condições das
populações carentes.
O processo de empobrecimento gradativo da população, por sua vez, vai
resultar nos grandes conflitos urbanos pela posse da Terra. O Recife, onde essa
população pobre representa metade de sua população total, reflete no seu espaço a
expressão desse conflito, que hoje, já ultrapassa as fronteiras da cidade.
2.2 O PROCESSO DE OCUPAÇÃO DAS “TERRAS DE NÍNGUEM”
Este item analisa a ocupação do Engenho São Pantaleão do Monteiro, que
deu origem posteriormente à partir do bairro de Casa Amarela, onde se situam as
“Terras de Ninguém”. As fontes de informações que versam sobre essa ocupação,
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69
constituem-se de documentos que datam não só da época em que toda aquela área
era uma propriedade rural, mas que registram uma boa parte das transformações
fundiárias por que passou a antiga propriedade.
2.2.1 O Engenho São Pantaleão do Monteiro6
Segundo Galvão (1910, p. 389-429) Dicionário Corográfico e Estatístico, às
folhas 389 e 429: o Engenho São Pantaleão foi um dos primeiros construídos na
“Capitania de Pernambuco” na época Nova Luzitânia. As terras que deu origem a
propriedade, foram cedidas pelos donatários da Capitania, à Pantaleão de Siqueira,
constituindo o que era denominada de “Sesmaria”, a propriedade do engenho se
limitava com o engenho Beberibe, ao norte, o engenho Casa Forte à leste, o
engenho Dois Irmãos à oeste, e o Rio Capibaribe ao sul. (COSTA, 2001).
Este foi depois vendido ao Senhor Manoel Vaz e sua esposa Dona Maria
Rodrigues, que em seguida venderam ao Jorge Camelo e sua mulher Dona Isabel
Cardoso, cuja escritura foi lavrada no dia 05 de dezembro de 1577 na vila de Olinda.
Em 1593, pertencia o Engenho a Fernão Martins Pessoa, casado com Dona
Maria Gonçalves Raposo, no ano de 1606, a Francisco Monteiro Bezerra e sua
mulher Dona Maria Pessoa, filha do referido Fernão Martins Pessoa. É do nome
desse último proprietário que veio a denominação de “Monteiro”, acrescentando ao
nome do engenho que passou a ser engenho Pantaleão de Monteiro, cuja
denominação perdurou, passando à localidade que hoje constitui um próspero bairro
do Recife - bairro do Monteiro.
Passou o referido engenho pelas mãos de outros herdeiros até que com o
falecimento de Dona Maria Helena Pessoa de Melo, estas terras passaram a
pertencer a sua filha Dona Josefa Francisca de Mello Marinho, casada com
Francisco Marinho de Albuquerque Mello, que era conhecido como “seu Chico
6 As informações contidas neste item foram, na maioria, extraídas de documentação fornecida pelos
herdeiros do Engenho São Pantaleão do Monteiro e proprietários das “Terras de Ninguém”
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70
Marinho”, tendo este ficado à frente da administração da propriedade, tornando-a
conhecida como Propriedade Marinho.
Em 1860, foi feito por Francisco Marinho o registro dessa propriedade, vindo o
mesmo a falecer posteriormente em 02 de agosto de 1881 e sua mulher em 30 de
dezembro de 1892. Em 24 de março de 1916, foi reaberto o inventário sendo
nomeado inventariante Alfredo Bartolomeu da Rosa Borges, conforme Carta de
Sentença do Formal de Partilha, homologada em 16 de dezembro de 1916 pelo Dr.
Juiz de Direito Samoel Martins e registrado no Cartório de Imóveis, às fls. 53v - Livro
3AA, nº 9549.
Vale salientar que da descrição dos limites do Engenho São Pantaleão do
Monteiro, feita no ano de 1860, constam nomes e referências que perduram até
hoje, tais como: Estrada do Arraial - Beco do Quiabo, “Assude do Monteiro” e do
nome de Hemetério Veloso da Silveira, provém a designação de “Bomba do
Hemetério”, que é parte do subúrbio do Bartolomeu, em Casa Amarela.
Por ocasião da depressão sofrida
pela indústria açucareira nordestina, os
proprietários do engenho São Pantaleão do
Monteiro, em meados do século XVIII,
abandonaram o fabrico do açúcar. Já no
início do século XIX, o engenho não
safrejava mais. Como ocorreu com todos os
engenhos dos arredores do Recife, a
propriedade teve suas terras divididas em
sítios diversos para plantio e criação de
animais, arrendados a terceiros. Data de meados do século XIX, um documento do
engenho onde se encontra registrado a relação dos arrendatários dos sítios e a
respectiva quantia do arrendamento. A Igreja do Engenho, construída no início do
século XVII (1606) e demolida no início do século XX (1921), representa a fase em
Figura 1. Igreja do Engenho São Pantaleão do Monteiro. Fonte: COSTA (2001, p. 126)
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71
que o engenho desempenha suas funções rurais e, posteriormente, se transforma
em sítios nas bordas da cidade. (Figura 1)
A renda que o proprietário extraía da sua terra, antes originária da atividade
produtiva desenvolvida no engenho, já na primeira transformação fundiária da
propriedade, passa a se constituir uma renda proveniente da monopolização do
acesso à terra pelo proprietário.
Com a abolição da escravatura, a decomposição do “complexo rural” e o
conseqüente crescimento populacional do Recife, acompanhado pelo
desenvolvimento dos serviços de transportes coletivos, os sítios do antigo engenho
São Pantaleão, por suas condições de acessibilidade, foram aos poucos sendo sub-
parcelados e incorporados à função urbana.
O engenho incorporava, no seu acervo, regiões planas e irrigadas por rios,
riachos e açudes, e regiões de topografia bastante acidentada, o que levou a
propriedade, no seu processo de transformação fundiária, a se dividir em zonas de
condições de urbanização bem diferenciada que refletem as condições de seus
ocupantes.
Os sítios localizados nas áreas planas da propriedade tiveram, alguns deles,
seus lotes facilmente alugados ou mesmo vendidos, enquanto outros permaneceram
como sítios durante um período maior, vindo a ser loteados mais recentemente e
ocupado por uma população mais privilegiada. (SOUZA et al, 1984).
As áreas de relevo acidentado remanescentes do antigo engenho São
Pantaleão Monteiro, no entanto, não ofereciam grandes atrativos ao capital
imobiliário que já especulava outros arrabaldes da cidade como Derby, Madalena,
etc. O alto custo de implantação de infra-estrutura urbana e as dificuldades de
ocupação do solo, comparadas às facilidades que as demais áreas planas
disponíveis da cidade ofereciam, atribuíram um baixo valor imobiliário, aqueles
morros que tornaram-se objeto de demanda da população de baixo poder aquisitivo.
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72
Com a expulsão dos mocambos para recuperação dos mangues centrais da
cidade, promovida pela Companhia da Liga Social Contra o Mocambo, na década de
40, acelerou-se a urbanização dos morros do bairro de Casa Amarela, bairro a que o
antigo engenho São Pantaleão do Monteiro deu origem. (SOUZA et al, 1984).
2.2.2 O Aluguel do Chão nas “Terras de Ninguém”: a “Semi-Informalidade
Negociada.
A aceleração no processo de ocupação dos morros de Casa Amarela (ao
norte da Av. Norte) iniciou-se nos anos 40 como resultado da política de erradicação
dos mocambos nas áreas centrais da cidade, promovida pela campanha da Liga
Social Contra o Mocambo, no governo do interventor Agamenon Magalhães. Ao
longo da década de 1950, ocorreu maior concentração em torno do mercado público
e o espraiamento de uma ocupação sem alinhamento e sem regularidade
característica de mocambos, subindo os morros da Conceição, Alto José do Pinho,
Alto José Bonifácio, Alto do Mandú, Alto da Esperança e Alto da Favela, e descendo
pelos córregos do Euclides, Zeca Tatu, Saudade e Zé Grande. O bairro de Casa
Amarela apresentava no ano de 1960, 114,97 hab./ha., a mais alta densidade da
cidade (SOUZA et al, 1984).
Em 1943, segundo levantamento fotogramétrico do Serviço Geográfico do
Exército, já encontravam-se ocupados os Altos, Santa Izabel, do Mandú, da Favela
da Esperança, da Conceição e José do Pinho. Dominava o tipo de ocupação em que
as habitações eram próprias, ou seja, construídas precariamente pelo próprio
morador, que se comprometia a pagar o “aluguel do chão” cuja área variava, em
média, de 100 a 150m². As condições mínimas de urbanização, necessárias para
ocupação da área eram também criadas pelos ocupantes que, rudimentarmente
construíam as vias de acesso, furavam poços para extração d’água e puxavam
redes elétricas clandestinas. (SOUZA et al, 1984).
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73
Nesta fase, as áreas remanescentes do antigo engenho, já dilapidadas por
diversas transações de venda a terceiros, contavam com 33 co-proprietários, o que
trazia grandes dificuldades não só para os rendatários, que não sabiam a quem
prestar contas, como também para os proprietários, devido à dificuldade de precisão
dos limites das áreas pertencentes a cada um.
A Empresa Imobiliária de Pernambuco Ltda foi criada em 1942, a fim de
proceder o controle administrativo e financeiro da “Propriedade Marinho”, que não
possuía uma direção unificada. Desta forma, o condômino Alfredo Bartolomeu da
Rosa Borges teve a idéia de organizar uma Empresa comercial, para a qual os
condôminos daquela propriedade transferissem seus direitos, sub-escrevendo e
integralizando suas cotas no capital da Empresa, com as respectivas partes nas
terras. Esta Empresa foi organizada e registrada posteriormente na Junta Comercial
do Estado de Pernambuco em 20 de março de 1943, sob o nº 160 e com o capital
CR$ 185 mil.
Um acordo e divisão amigável entre proprietários, em 1952, sob escritura
pública registrada no Cartório de Imóvel do 1º Ofício, culminou na divisão da
“Propriedade Marinho”, oriunda do Engenho São Pantaleão do Monteiro, em três
grandes glebas: a área onde se situa a Fábrica da Macaxeira, que ficou para Othon
Bezerra de Melo; a propriedade Santo Marinho, que foi reservada para o grupo de
herdeiros e sucessores de Manuel Alfredo Marinho do Passo e Primitiva Marinho ; e
a Propriedade Marinho, que abrangeu o restante da área que foi incorporada à
Empresa Imobiliária de Pernambuco Ltda. (SOUZA et al, 1984).
Quando, em julho 1951, essa Empresa assumiu a administração da
propriedade, ela promoveu a ocupação das áreas ainda despovoadas dos morros,
ao modo de ocupação que vinha já se processando. Os custos de investimentos que
a área requeria para implantação de uma infra-estrutura por parte da iniciativa
privada, inviabilizava qualquer perspectiva de exploração econômica que não aquela
que já estava instalada.
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74
A Empresa iniciou, então, um grande trabalho de organização e controle das
áreas já ocupadas e implantou uma política de incentivo para ocupação das demais
áreas. Para isso, contratou cobradores que percorriam os caminhos abertos pelos
ocupantes pioneiros; legalizou a compra do terreno para aqueles que preferiam e
podiam adquirir sobre ele direitos “perpétuos” já que, em caso de desabamento da
casa, o proprietário da casa que pagava aluguel do chão perdia seu direito ao chão;
reprimiu energicamente as “invasões”, quando detectadas. (SOUZA et al, 1984).
O mapa de cobrança nº 01, encontrado nos arquivos da Empresa Imobiliária
de Pernambuco Ltda; do período de 06 a 14 de julho de 1951, referente aos recibos
nº 4045 a 4588, onde se vê os nomes e assinaturas do cobrador Antonio David e do
Diretor daquela Empresa, Dr. Roberto Sarmento da Rosa Borges, comprovam o
procedimento das cobranças efetuadas, relativas ao pagamento do “aluguel do
chão” nas “Terras de Ninguém” 7. (Anexo 1)
Ressalte-se que, segundo informações contidas nos arquivos da Empresa
Imobiliária de Pernambuco Ltda; a mesma administrava uma propriedade com mais
de 15 mil casas, abrangendo uma população de mais de 50 mil pessoas.
O “aluguel do chão”, que era uma prática institucionalizada no Recife, desde o
final do século XIX, que remete aos aforamentos de terra à Igreja, ao Estado, etc., foi
também adotada nas terras da Imobiliária de Pernambuco. Implica o domínio útil do
imóvel, mediante a posse regularizada através de contrato, porém não envolve o
domínio real que é detido pelo proprietário das terras; sendo este, também, uma
forma de rendimento fundiário, no Recife, além do aluguel e venda.
Desse modo, os mocambos do Recife, em grande parte, ocupam a terra
mediante o pagamento do aluguel, uma soma de dinheiro que representa a parcela
referente à renda da terra. Constituindo-se portanto como um tributo extraído dos
recursos dos mocambos e transferidos ao proprietário fundiário.
7 Documento 1: “Histórico do Engenho São Pantaleão do Monteiro “Propriedade Marinho”, da
Empresa Imobiliária de Pernambuco LTDA. (Anexo 1). Esses documentos são do acervo da família Rosa Borges, fornecido para a elaboração deste trabalho.
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75
A ocupação das “Terras de Ninguém”, em Casa Amarela, desde o principio,
ocorreu mediante o pagamento do foro, “aluguel do chão”, como se cobrava da Terra
Pública e da Igreja.
Conforme o recenseamento dos mocambos cerca de 42,7% dos mocambos
do Recife pagavam “aluguel do chão” aos proprietários das terras que ocupavam, o
que evidencia a consolidação do pacto, isto é, levando a prática já institucionalizada
entre os mocambos da cidade de pagar o “aluguel do chão”.
Essa prática era, de certa forma antiga, e decorria de “falsos” proprietários,
que obtinham o aforamento legal, isto é, aqueles que pertencentes as classes mais
abastadas, conseguiram “mediante o pagamento à União de uma taxa anual, o foro”
(...), “o aluguel do chão dos mocambos situados nas terras de marinha”. Segundo
Falcão e Souza (1985, p. 76).
“Ao direito de usar para morar começa a se contrapor o direito para
gozar e dispor”; passaram a cobrar dos habitantes dos alagados “o
aluguel do chão” ou a expulsa-los e a destruir os mocambos. Esta
expulsão passa a ser mais significativa na década de 20, quando os
alagados se tornaram alvo de interesse para empreendimentos
imobiliários. “Construir ou comprar mocambos, para alugar ou para
utilizar junto ao judiciário como provas das benfeitorias, tornaram-se
práticas correntes, que exacerbaram a disputa pela terra”.
Tal prática é transferida para as “Terras de Ninguém”, aos proprietários
herdeiros das terras remanescentes de um antigo engenho de açúcar - o Engenho
São Pantaleão do Monteiro - embora esse instituto jurídico fosse estabelecido para
as terras de domínio público. Dá-se, então, lugar a uma favelização “consentida”. Tal
prática, por sua vez institucionalizada desde o inicio do século para grande parte dos
mocambos da Cidade, relativiza a condição de “informalidade” atribuída ao processo
de ocupação dessas habitações, e permite caracterizar os morros de Casa Amarela
como uma favela “consentida”, pelos proprietários da terra, e semi-formalizadas,
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76
mediante contrato entre esses proprietários e os moradores, porém à margem do
quadro jurídico instituído. (FALCÃO e SOUZA, 1985).
Essa peculiar situação jurídica acima levou, também Falcão e Souza (1985,
p.79) a ressaltar que:
“... além de terem diferentes conceitos e práticas de Direito, os
grupos e classes sociais defendem os respectivos direitos
recorrendo não só ao direito positivo estatal - a legalização e a
prática vigente nos tribunais como também ao direito social informal
(...) os próprios proprietários, por exemplo, não hesitaram em
assinar o histórico “aluguel do chão”, irregular do ponto de vista do
Código Civil, quando foi preciso “legalizar” a solução negociada que
corresponde aos interesses de ambas as partes”.
Os autores, ainda, constatam que “raramente os proprietários e a população
pobre defendiam seus direitos e deveres a partir das normas do Código Civil,
mantendo larga margem de ambigüidade legal em seus contratos”. (FALCÃO &
SOUZA, 1985, p. 76).
A partir de 1960, a Empresa Imobiliária de Pernambuco Ltda., inicia um
processo de venda dos seus lotes. O preço de um lote em 1960 era de Cr$
12.240,00. O pagamento do preço da terra podia ser feito em até 6 anos, em
prestações mensais, o que equivalia a uma prestação de Cr$ 170,00. O “aluguel do
chão” na mesma época era em torno de Cr$ 6,20. (EGLER, 1986),
Esses preços variavam, segundo o tamanho do lote, ou da casa, e conforme
o ano de cobrança. Em documentos fornecidos pelos moradores entrevistados,
constatamos os seguintes valores:
• Em janeiro de 1977, uma caderneta de recibos de “terreno alugado”, em
nome de Maria de Jesus Silva, apresenta um valor de Cr$ 15,70, a ser
pago à Empresa Imobiliária de Pernambuco Ltda. (Anexo 2)
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77
• Em junho de 1973, um Contrato Particular de Promessa de Compra e
Venda, de terreno situado no Alto do Eucalipto n. 907, tendo como
promitente comprador Laurentino Urbano Cabral e promitente vendedor a
Empresa Imobiliária de Pernambuco Ltda (Anexo 3), traz os seguintes
valores: preço total do terreno de Cr$ 6.048,00, a serem pagos em 96
parcelas: 12 de Cr$ 19,00; 12 de Cr$ 32,00; 12 de Cr$ 45,00; 12 de Cr$
57,00; 12 de Cr$ 70,00; 12 de Cr$ 82,00; 12 de Cr$ 95,00; 12 de Cr$
104,00.
• O Anexo 4 apresenta duas notas promissórias, em nome de Laurentino
Urbano Cabral, emitidas pela Empresa Imobiliária de Pernambuco Ltda,
referentes uma das primeiras e uma das últimas doze parcelas. Nas
últimas parcelas, após a desapropriação, eram transferidos para a COHAB-
PE.
A venda dos 12.000 lotes é lenta e culmina em 1980, quando o Estado,
através da COHAB - PE desapropria o que restou da propriedade. A intervenção do
Estado concretizada pela desapropriação foi o resultado das pressões populares
através do movimento “Terras de Ninguém”, após intensos conflitos com
proprietários fundiários, inclusive com o Estado.
Desta forma, o “aluguel do chão”, no Recife, correspondia, por conseguinte ao
pagamento do foro, previsto no contrato de enfiteuse, isto previsto no Código Civil
Brasileiro, Lei nº 3.071 de 01 de janeiro de 1916.
Segundo Beviláqua (Código Civil Brasileiro, 1916), o termo Enfiteuse {Do
grego empheiteusis, emphyteuse}. - o direito real de posse, uso e gozo de imóvel
alheio, alienável e transmissível por herança, conferido perpetuamente ao enfiteuta,
obrigado a pagar uma pensão anual invariável (foro) ao senhorio direto. O emitente
civilista nos dá breve notícia sobre a etimologia da palavra, à qual atribui origem
grega. Mas, segundo informam historiadores do direito, nos documentos
genuinamente helênicos, não se depara a palavra emphyteusis, que parece ter
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entrado para a terminologia jurídica do direito romano por intermédio das províncias
gregas. Jus emphyteuticon. (NÁUFEL, 1989).
Dá-se a enfiteuse, aforamento, ou emprazamento, diz o artigo 678 do Código
Civil Brasileiro de 1916, quando por ato entre vivos ou de última vontade, o
proprietário atribui a outrem o domínio útil do imóvel, pagando a pessoa, que o
adquire, e assim, se constitui enfiteuta, ao senhorio direto uma pensão, ou foro,
anual, certo e invariável.
O contrato de enfiteuse é perpetuo. A enfiteuse por tempo limitado considera-
se arrendamento e como tal se rege. Só podem ser objeto de enfiteuse terras não
cultivadas ou terrenos que se destinem a edificação. Já o termo Aforamento
corresponde o mesmo que enfiteuse, ou seja, arrendamento com o foro. (NÁUFEL,
1989).
Por outro lado, o novo Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro
de 2002, em seu artigo 2.038, parágrafos 1º e 2º, das disposições finais e
transitórias, preceitua que:
“ Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses,
subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do
Código Civil anterior Lei nº 3.071 de 01 de janeiro de 1916, e leis
posteriores”.
§ 1º Nos aforamento a que se refere este artigo é defeso:
I - cobrar laudêmio ou prestação análoga nas transmissões de bem
aforado, sobre o valor das construções ou plantações;
II - Constituir subenfiteuses.
§ 2º A enfiteuse dos terrenos de marinha e acrescidos regula-se por
lei especial.”
A formação de um mercado imobiliário de construção de habitações para
aluguel e venda, não elimina a prática do “aluguel do chão” contrariamente, ele
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permanece sendo uma das formas de rendimento da propriedade fundiária, em
Recife, embora em processo de extinção.
A luta em relação à moradia tomou características distintas, constituindo-se
numa resistência ao pagamento do “aluguel do chão”, a proprietários ou pseudo-
proprietários, pelo uso dos terrenos, ou seja, o chamado foro. Estas lutas populares
tinham como questão fundamental o acesso ao solo urbano, e o descontentamento
agravou-se com os aumentos da cobrança do “aluguel do chão”.
É importante ressaltar que, apesar do pagamento do “aluguel do chão” se
constituir um dos problemas centrais da luta pela posse da terra nas “Terras de
Ninguém”, era também relevante a questão dos aluguéis.
O fato das áreas dos morros da zona norte não atraírem a cobiça do capital
imobiliário não impediu que até a década de 80, muitos dos moradores fossem
obrigados ao pagamento do “aluguel do chão”. Havia, na época, certas condições, à
nível de mercado, que propiciavam uma regularidade daquele tipo de ocupação:
regularidade esta que deixou de existir quando a partir dos anos 60, os proprietários
da terra não mais “consentem”, passando eles próprios a construírem “casas de
aluguel”.
Apesar das “casas de aluguel” e das casas que pagam o “aluguel do chão”
possuírem condições construtivas idênticas e, ainda, do capital investido nessas
construções serem irrisórios, o que não justifica uma grande diferença entre o preço
do “aluguel da casa” e o “preço do aluguel do chão”, passou a haver um
distanciamento gradativo entre esses dois preços.
Os aluguéis das casas variavam entre Cr$20,00 e Cr$30,00, por mês,
segundo depoimento de moradores, em reportagem publicada no Diário de
Pernambuco, em 23/07/1978. (Anexo 5). O que nos leva a deduzir, acerca da média
do aluguel mensal de um mocambo e da renda auferida pelo proprietário, é que se
tratava de uma atividade econômica altamente lucrativa.
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80
No final dos anos 50 e início da década de 60 eram comuns as reuniões, em
diversos bairros, contra os aumentos do foro - “aluguel do chão” e de aluguéis de
casas. Constitui exemplo destas lutas, a do Núcleo Nacionalista do Alto de Santa
Terezinha, que pretendia averiguar a quem pertenciam às terras dos altos e
córregos de Casa Amarela, Beberibe e Água Fria, em resposta à “espoliação” com
os aumentos do foro indo até 100%.
Essa luta contra o pagamento do “aluguel do chão” se estende até os anos
80. Ainda no fim da década de 70, cerca de 8.000 famílias pagavam “aluguel do
chão” às famílias Marinho/Rosa Borges/Campos e ao Cotonifício Othon Bezerra de
Melo. O “direito” às “Terras de Ninguém”, em Casa Amarela baseava-se na suposta
herança, que remontava a três séculos, de terras pertencentes a uma “Irmandade
Religiosa de São Cosmo e São Pantaleão”, passando posteriormente, ao domínio do
Engenho São Pantaleão por Manoel Vaz a Jorge Camelo.
Essa luta contra a exploração imobiliária fundamentou o primeiro e maior
movimento pela posse da terra no Recife, em meados dos anos 70: o movimento
“Terras de Ninguém”.
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81
3. “TERRAS DE NINGUÉM”: O Movimento Social Urbano pela Posse da Terra
Este capítulo procura relatar os conflitos fundiários urbanos, no Recife dos
anos 70/80, que se processavam entre o proprietário fundiário, os moradores e o
Estado; bem como resgata a história do movimento “Terras de Ninguém”.
3.1. O MOVIMENTO PELA TERRA URBANA NO RECIFE NOS ANOS 70/80
Este item busca resgatar a trajetória dos movimentos sociais urbanos no
Recife, bem como as origens e antecedentes das associações de moradores. As
reivindicações por habitação, veiculadas pelos líderes dos trabalhadores e expressa
através de sindicatos, movimentos de cultura popular e associações de bairro.
3.1.1 A Trajetória dos Movimentos Sociais Urbanos no Recife
Os movimentos sociais pela posse da terra no Recife e, mais
especificamente, nas “Terras de Ninguém”, emergiram em meados da década de 70,
com uma alta capacidade de organização e de pressão social. Essa mobilização
possibilitou, por exemplo, o surgimento de inúmeros movimentos populares,
envolvendo outros assentamentos pobres, como é o caso de Brasília Teimosa,
Coque, Coelhos, etc. Especialmente nos anos 70 e 80, os movimentos sociais
urbanos atuam com mais vigor, e a sua relação com os partidos políticos e a Igreja
se mostrou, bastante incisiva.
As lutas sociais pela posse da Terra, no Recife, evidenciam, por outro lado, o
debate pobre a multiplicidade dos “direitos” e seus agentes, como dão consistência à
hipótese das mudanças na relação Estado e movimentos sociais urbanos, em um
período de crise de legitimidade que “abre espaço para o surgimento de
manifestações normativas não estatais”. Afinal, os invasores, lembra Falcão (1984,
p. 26), “não são contra o direito de propriedade”, pelo contrário, “querem ser
proprietários”. Estabelece-se, assim, o acordo mútuo de abandono da rígida ordem
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legal, embora não do terreno do direito. Desconfirmação, portanto, e não
propriamente contestação. Evidenciando a incapacidade da ordem legal de se impor
como expressão da justiça social. A idéia ainda arraigada na cultura jurídica
nacional, do judiciário como arena essencial de conflitos, esta ultrapassada diante
do Brasil contemporâneo. Aparentemente, a burocracia estatal vem aos poucos
assumindo um papel acentuado na resolução dos conflitos sociais.
O final dos anos 70 e toda a década de 80 foram marcados pelos avanços da
participação popular no Brasil, quando se constata a crise de hegemonia política das
elites. A expressão “Movimentos Sociais” surge associada à análise das relações de
classe e do movimento da sociedade. Na década de 70 ocorre um rompimento, pelo
menos parcial, com esta tradição de análise das mobilizações coletivas. A expressão
“Movimentos Sociais” passa a designar um conjunto de estudos que continua a
crescer constituindo um campo de análise acadêmica.
No Recife, os movimentos sociais dos anos 70 vêm evidenciar uma mudança
no processo de acesso à terra e è moradia. A ocupação dos alagados do Recife no
início do século XX, produziu-se de forma lento, paulatina. As reivindicações por
moradia se dão no âmbito do movimento operário, emergente na época. Em 1909
estoura a greve da Great Western, e 10 anos depois, a “grande greve”. A primeira
organização operária mais abrangente data de 1914: A Federação dos
Trabalhadores de Pernambuco.
Segundo Melo (1984), no final dos anos 20, na inauguração da Vila de São
Miguel, em Afogados, dois representantes do povo tomaram a palavra: Um, fala em
nome do operário e o outro, em nome dos moradores. O movimento operário e o
movimento urbano se confundem. Para Cezar (1985), esses movimentos se
distinguem, em 1931, quando se registra a criação da Liga dos Proprietários da Vila
de São Miguel, objetivando congregar proprietários pobres.
As contradições urbanas evidenciam-se. Os sobrados e os mocambos se
opõem. O desemprego atinge níveis alarmantes. Em 1939/1940, o confronto do
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83
espaço urbano já era objeto e palco das lutas sociais, culminando com a expulsão
de mais de 12 mil mocambos dos mangues do entorno do canal Derby - Tacaruna.
“As invasões - e formação das favelas - sucedem, com seu lado
dialético e necessário, as expulsões”. O povo não esquecerá este
jogo gravando-o num mote popular: ‘Sinhô dotô, onde vô morar? É
de macacos pra lá!’ (NASCIMENTO, 1984 p. 23).
Moisés (1978) afirma que o desenvolvimento do capitalismo no pós - 30 e a
crescente intervenção do Estado na sociedade são dados fundamentais para se
pensar os avanços das mobilizações populares, sobretudo nos momentos de crise
de hegemonia, nas conjunturas políticas de abertura. O Estado é agente
fundamental para garantir a reprodução do sistema capitalista, na fase monopolista,
e isso tem profundas repercussões na elaboração das estratégias políticas, na
atuação dos partidos políticos, sobretudo no Brasil.
Apesar de alguns estudiosos afirmarem que os movimentos sociais urbanos
se dirigirem contra o Estado, em Pernambuco, entre 1955 a 1964, estes movimentos
representados pelas associações de bairro poderiam ser questionados, haja vista ter
sido o próprio Estado através de seus agentes locais que os estimulou. A justificativa
é conseqüência da conjuntura política naquele momento histórico e as forças
políticas que se encontravam no bloco do poder. O caráter do Estado continuava
capitalista mas, em nível estadual, os governos eram ligados à Frente do Recife,
com uma orientação nacional-reformista. O movimento das associações fazia parte
da luta mais geral pelas reformas sociais. As associações de bairro, em sua maioria,
deram apoio às administrações Pelópidas e Arraes. Não havia, nesse caso, uma
caracterização do Estado enquanto antagonista, embora a ele estivessem dirigidas
às reivindicações.
As associações não tinham autonomia políticas, de uma forma geral, estava
na dependência da política institucional, não se pode deixar de ressaltar o seu lado
positivo, principalmente por ter propiciado a participação popular. Havia discussão
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de problemas locais gerais, mobilizações por reivindicações denotavam a
importância da mobilização popular.
Contudo os movimentos sociais não podem ser pensados, apenas, como
meros resultados da luta por melhores condições de vida, produzidos pela
necessidade de aumentar o consumo coletivo dos bens e serviços. Os movimentos
sociais devem ser vistos, também, (e neles, é claro os seus agentes), como
produtores da História, como forças instituintes que além de questionar o Estado
autoritário e capitalista, questionam com sua prática a própria centralização /
burocratização tão presentes nos partidos políticos.
Segundo Castells, a prática desses agentes tende a transformar a estrutura
urbana ou a modificar relações de poder (CASTELLS, 1977, p. 263). Poder nesse
caso é entendido como a capacidade de uma classe ou fração de classe em realizar
seus interesses às custas dos interesses de outras classes (POULANTZAS, 1968, p.
129).
Os movimentos sociais urbanos politicamente organizados ensejam
modificações substanciais nas relações de poder. Assim, as mudanças legais
poderão alterar as relações de poder entre classes. Com efeito, a luta dos invasores
do Recife trouxe algumas mudanças legais.
O movimento social urbano pela posse da terra teve seu marco após o golpe
militar em março de 1964, com a supressão do estado de direito civis e políticos e da
participação popular. Nesse sentido a luta dos moradores por direito à moradia no
Recife, mais especificamente, nas “Terras de Ninguém”, que emerge em meados
dos anos 70, pode ser considerado sob o prisma dos movimentos sociais urbanos.
Os “Movimentos Sociais”, no Brasil dos anos 70, têm por objetivo a
reivindicação da democratização da propriedade urbana impulsiona a redefinição
das políticas estatais, no sentido de urbanizar favelas e, para tal, desapropriar
propriedades, e repassa-las à comunidade residente. Não raras vezes essa política
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traz mecanismos que buscam impedir a realização da venda e da renda por parte
dos moradores beneficiados com a regularização da posse da terra.
Nesta época, segmentos da sociedade civil, principalmente nos bairros, com o
apoio das bases eclesiásticas da Igreja Católica, tendo à frente a Comissão de
Justiça e Paz, pertencente a Arquidiocese de Olinda e Recife, com o apoio
expressivo do seu arcebispo Dom Hêlder Câmara, empreenderam a defesa em prol
das populações carentes que residiram nas favelas. Esta luta pelo acesso ao solo e
à moradia urbana, defendia a permanência das famílias em suas moradias.
Essas camadas populares que chegavam ao Recife em busca de
sobrevivência eram procedentes dos municípios circunvizinhos e dos municípios de
outros estados, eram atraídas pelas oportunidades geradas pelo impulso da
construção civil, decorrente da política do Sistema inanceiro de Habitação SFH.
O quadro de desigualdades sociais e de oportunidades se expressa no
espaço urbano. A injustiça social provocou a discussão e propostas de instrumentos
jurídicos, capazes de conferir às populações carentes, condições dignas de moradia
e acesso a trabalho, serviços públicos, transporte, saneamento e infra-estrutura.
Essa discussão toma corpo no Movimento Nacional pela Reforma Urbana -
MNRU, em diversas iniciativas municipais e, apesar da tentativa frustradas de
aprovar o projeto de Lei Federal nº 775 de 1983 - o Estado da Cidade - alguns
instrumentos defendidos foram incorporados à Constituição Federal de 19888 e,
mais adiante, em 2001, a lei Federal nº 10.257 consolida os demais instrumentos do
Estatuto da Cidade, ampliando inclusive, o seu escopo, como é o caso da usucapião
urbano coletivo.
No Recife, em 1980, já são registrados avanços conquistados pelos
movimentos sociais. Por força de decreto municipal, foram reconhecidas 26 Áreas
8 Os instrumentos urbanísticos normativos explicitados na Constituição Federal de 1988, são: os
instrumentos seqüenciados; parcelamento ou utilização compulsória; IPTU progressivo no tempo e desapropriação por títulos da divida pública; e a usucapião urbana.
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86
Especiais de Interesse Social - ZEIS. Em 1983, a Lei de Uso e Ocupação do Solo -
LUOS nº 14.511 reconheceu 27 ZEIS, num universo de 72 favelas identificadas pela
Fundação de Desenvolvimento Metropolitano - FIDEM em 1978. Foi um grande
avanço do movimento popular o reconhecimento, pelo poder público municipal, da
existência de uma cidade informal.
A participação popular na elaboração da Lei do PREZEIS, nº 14.947,
instituída em 1987, consolida primeiramente propostas do movimento nacional em
defesa de uma política urbana, incorporando avanços que futuramente foram
inseridos na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Cidade de 2001. Dentre
outras contribuições, a Lei do PREZEIS, avança no sentido de, garantir à função
social da propriedade, inibindo a especulação imobiliária.
Nesse contexto percebe-se que a questão habitacional urbana no Recife
como, também, na localidade, “Terras de Ninguém”, e nas demais cidades inseridas
no modo de produção capitalista, configura-se como uma das condições gerais em
torno da qual as classes sociais confrontam-se em lutas sócio - políticas, cujo
objetivo é obter maior poder econômico e político. Essas lutas se manifestam, no
caso, como movimentos populares que desenvolvem práticas de apropriação das
condições que assegurem sua sobrevivência e sua própria reprodução enquanto
classe.
A questão habitacional, ou seja, o acesso ao solo urbano e à moradia, dentro
da atual realidade contraditória, através de falsas aparências, nos leva a
compreender que esta não poderá ser resolvida dentro do sistema capitalista
vigente, que provoca uma ordem injusta que preside a construção da conjuntura
atual em nossa sociedade, porque o bloco do poder que organiza socialmente esta
ordem, a reproduz em função de seus próprios interesses: concentrar as riquezas e
o poder.
Os movimentos sociais populares por sua vez, são considerados enquanto
instância organizativa e representativa das classes populares, os quais, em sua luta
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cotidiana, por moradia e acesso aos serviços básicos de consumo coletivo, têm, por
vezes, ultrapassado os limites geográficos dos bairros e das favelas, relacionando-
se, na dinâmica da sociedade, com outras forças sociais, como sindicatos e partidos
políticos, passando a se vincular às questões políticas mais amplas.
Os movimentos sociais urbanos no seu processo de constituição encontram-
se direta ou indiretamente articulados às instituições, seja com forma de apoio ou
motivação. Na maioria das vezes, destaca-se o papel da Igreja enquanto motivadora
e difusora de valores éticos sobre moradia e propriedade.
A Igreja através de uma ação pedagógica que enfatiza dimensões cotidianas
dá vez ao poder criador. Há, então, uma valorização do saber popular que permite a
organização lenta e consistente dos grupos de reflexão. No entanto, na medida em
que ela é sedimentada e vinculada à população o espaço de avaliação crítica é
pequeno. Como separar Igreja e Povo, se ela aparece como sendo o próprio povo?
Nesse sentido, o simbolismo absoluto da Igreja dificulta avaliação crítica de
sua prática, na medida em que sua distância é menos visível. Por outro lado, a
percepção da conquista do poder, como finalidade última da organização, dificulta a
aceitação de práticas diferenciadas e provoca a luta por hegemonia no interior dos
movimentos. A democracia e autonomia são valores ou fins a serem perseguidos e
são também resultantes de experiência dos movimentos em determinado contexto
social.
3.1.2 Origens e Antecedentes das Associações de Moradores.
Na década de 20, já se registrava reivindicações por habitação, veiculadas
pelos líderes dos trabalhadores. O movimento de bairro surge em 1931, com o
registro em Cartório da “Liga dos Proprietários da Vila São Miguel”, em Afogados.
Entretanto, só entre 1955 e 1964, é que eclodiram os movimentos populares,
expressos pelos sindicatos, Movimento de Cultura Popular e associações de bairro.
(CEZAR, 1985).
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Constata-se que, desde o ano de 1929, os moradores das áreas pobres do
Recife vinham formando associações para a luta em defesa do solo ocupado, em
diversas épocas. Dentre estas associações, talvez a mais antiga seja a “Sociedade a
Bem de Nossa Defesa”, em Afogados, com 280 sócios, depois transformada em
“Liga Mista dos Proprietários Pobres da Vila de São Miguel”, em 1931. Outras tantas
organizações populares surgiram, mas é apenas no pós-45 que elas assumem
nitidamente um importante papel de foco de resistência às investidas
governamentais.
A liga dos Proprietários da Vila de São Miguel (Afogados) foi registrada em
cartório, em 1931 e tinha por objetivo:
“Congregar debaixo de uma bandeira, sem distinção de cor,
nacionalidade, credo político ou religioso todos os proprietários
pobres da Vila São Miguel, sendo sócios todos aqueles que
possuírem mocambos, casa ou qualquer imóvel sobre os terrenos
aforados a mesma liga”. (CEZAR, 1985, p. 126)
O Estado politiza o espaço urbano, bem como as organizações populares, as
associações de bairro e ligas de moradores, à medida que interferem nos padrões
de uso do solo e das áreas a serem urbanizadas. Estas entidades foram criadas
para garantir a ocupação de alagados e morros e reivindicar serviços de infra-
estrutura e equipamentos coletivos (água, luz, esgoto, transporte, etc.). As classes
populares urbanas passaram a requerer espaços de participação política.
Após a redemocratização, em 1947, surge os “Comitês Populares
Democráticos de Bairro” por iniciativa do PCB. No ano seguinte surge a sociedade
Mixta Largo do Viveiro de Afogados, e ainda a Sociedade Beneficente Mixta 30 de
Setembro, na Mustardinha. No mesmo período surge a Sociedade dos Proprietários
do Largo dos Pescadores da Estrada dos Remédios. Essas organizações foram as
precursoras das associações de bairro. (CEZAR, 1985).
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Pelópidas Silveira, após um período de sessenta anos, em 1955, foi eleito o
primeiro prefeito do Recife. Este tinha como plataforma política, a questão da
participação popular, através das associações de bairro, daí ser ele considerado o
criador desse tipo de organização. Paulo Cavalcanti afirma que a idéia surgiu dos
grupos comunistas, reconhecendo, entretanto, que a idéia partiu de Pelópidas
Silveira. As associações funcionavam como vetores de pressão (CEZAR, 1985).
Havia a preocupação com a participação popular, mas a ênfase era dada às
reivindicações de cada localidade, referente aos problemas do bairro. Nesse sentido,
para Cezar (1985), as associações de bairro não surgiram espontaneamente. Está
patente a ação do Prefeito Pelópidas Silveira e da Frente do Recife, em especial do
Partido Comunista. A Prefeitura do Recife forneceu um modelo de estatuto e esta
era estimuladora do movimento.
As associações de bairro tinham mandato de cada diretoria, era de dois anos
e as eleições eram efetuadas em assembléias gerais. O objetivo geral era “promover
o bem – estar da comunidade e lutar por melhorias do bairro”. (CEZAR, 1985, p.
128)
A maioria das associações não era registrada em cartório, por ser
dispendioso o registro e nem a Prefeitura do Recife exigia. Era levada em
consideração a atuação e não a questão formal.
A forma de mobilização posta em prática para conseguir o atendimento
dessas demandas era abaixo-assinados, reuniões com secretários e Prefeitos, e
atos públicos. Posteriormente, a Prefeitura da Cidade do Recife pôs em pratica as
“audiências populares” nos bairros. Aos poucos as reivindicações coletivas foram se
sobrepondo àquelas de caráter pessoal. (CEZAR, 1985).
Pelópidas Silveira introduziu ainda o regime mutirão para realização de obras
de interesse coletivo, em bairros populares, tendo continuidade na gestão de Miguel
Arraes, no qual foi criado o Movimento de Cultura Popular - MCP, tendo atuação em
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90
vários bairros. Além das reivindicações por terra e bens de consumo coletivo, havia
atividades educativas e culturais nas associações bem como atos de apoio às
greves de trabalhadores, às reformas de base e a Miguel Arraes. (CEZAR, 1985).
O relacionamento entre movimento de bairro e os prefeitos da Frente do
Recife (Pelópidas, Arraes e novamente Pelópidas) foi estreito e possibilitou, em certa
medida, a participação das classes populares. Esses prefeitos deram prioridade à
questão social, especialmente à população, mais pobre. Um exemplo foi a instalação
de dezenas de chafarizes nos bairros, o que gerou a reação de Cid Sampaio que, ao
invés dos chafarizes, queria estações de tratamento d’água e rede distribuidora, o
que implicava em altos recursos. (CEZAR, 1985)
Era sempre enfatizado que o atendimento de reivindicações como chafarizes,
escadarias e escolas, se era, e é importante não é tudo. Segundo Arraes:
“o que era importante seria lutar para resolver os problemas
nacionais, sem os quais teremos sempre uma periferia cada vez
maior, meninos sem escolas, povo sem saúde. O problema não é
problema do Recife, é o problema do Brasil” (apud. SINGER, 1977,
p 331).
O Partido Comunista considerava que as associações podiam ajudar os
poderes públicos na indicação de seus problemas mais urgentes. Em 1963, as
associações eram consideradas o traço de união entre o povo e os governantes
funcionado ao lado dos sindicatos e outros organismos de classe, como elementos
de controle da administração pública e de expressão das forças populares que
marchavam para ocupar, de direito e de fato, o seu lugar na direção do estado.
O Partido Comunista frisava que essas organizações tinham caráter
apartidário, além de que estas associações de bairro não poderiam ser
transformadas em núcleos eleitorais. Entretanto, a partir do início de 1959, são
criadas seis associações e, no ato de inauguração, são lançadas as candidaturas de
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Arraes à Prefeitura do Recife, e Eduardo Lima à Câmara dos Vereadores,
constatando-se depoimentos de militantes do Partido, utilizando essas entidades
durante a campanha eleitoral. (CEZAR, 1985).
Paulo Cavalcanti justificava o engajamento das associações na campanha de
Arraes por que os outros candidatos que se opunham a Arraes no pleito municipal
hostilizavam as associações. Estas associações pretendiam que ficasse à frente do
Recife um governo ou um prefeito que fosse simpático as suas teses. (CEZAR,
1985).
Por outro lado, Bezerra (1965) destaca que o comício de lançamento da
candidatura de Arraes ao governo estadual foi convocado por “dezenas de
associações de bairro”.
Às associações defendiam que estas deveriam ser abertas à participação de
toda e qualquer pessoa, independente de religião ou posição política, segundo Paulo
Cavalcanti,
“(...) a coisa era tida como comunista já naquele tempo, e que
dela se acercasse era suspeito de ser comunista. As diretorias,
em sua maioria, eram formadas” “dentro de um terreno muito
estreito ideologicamente, de comunista ou assemelhado (...).
Entretanto nem todos os dirigentes eram comunistas nem
mesmo a maioria desses dirigentes”. (apud CEZAR, 1985, p.
135)
O Partido Comunista - PC tinha alguma penetração em áreas populares,
realizando um trabalho nos bairros. E além do PC, outros grupos tentavam influir nas
associações. O Partido Socialista Brasileiro – PSB estimulou o surgimento de
algumas dessas associações apesar de não deter à mesma influencia do PC. A luta
pela hegemonia sempre está presente e o movimento de bairro não se constituir em
uma exceção. (CEZAR, 1985).
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92
As reações relativas às associações eram várias, desde a campanha de
Pelópidas Silveira, à Prefeitura do Recife. As reações mais contundentes partiram da
Câmara dos Vereadores e da Secretaria de Segurança Pública, (governo Cordeiro
de Farias), estes alegavam de que se tratava de “células comunistas”.
Os vereadores oposicionistas ao governo de Pelópidas Silveira, em número
de 21, redigiram um manifesto contra a criação das associações, mesmo antes dele
tomar posse. O temor era de que “sendo as associações um ponto de contato entre
o prefeito e a população suburbana, por onde correrão as reivindicações do povo”,
ficarão anuladas, praticamente as funções da Câmara que se encarregará apenas
de redigir as leis. (Folha do Povo – 12 a 18 de março de 1959).
Na verdade o que estava por trás da resistência dos vereadores era a defesa
do clientelismo. O temor maior era com a possibilidade de deixarem de ser
intermediários entre a população e o executivo municipal. Eles queriam aparecer
como os patrocinadores daquelas coisas (calçamentos, escola, Luz, etc.).
Para se ter uma idéia do caráter fisiológico da oposição dos vereadores na
câmara, basta citar o documento por eles lançado onde propõem que seja limitado a
cinco o número de associações por bairro, sendo que os presidentes deveriam ser
os vereadores da localidade. O Prefeito do Recife recusou a proposta, mantendo-se
firme na defesa das associações como entidades de reivindicações de interesses
legítimos da população. E Pelópidas Silveira afirma: “Eu me opus tenazmente a isso
e considerei que as associações tinham que surgir do povo”. (apud CEZAR, 1985).
A Secretaria de Segurança Pública – SSP-PE, no Governo Cordeiro de
Farias, também reage às associações, fazendo intimidações a líderes do movimento
e apreendendo material supostamente subversivo. A ação da SSP sofre mudanças
com a eleição de governadores ligados à Frente do Recife.
Em 15 de julho de 1963 foi criada a Federação das Associações dos Bairros
do Estado de Pernambuco – FABEP, a qual deveria apoiar “os trabalhadores”,
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estudantes e outras classes do estado, em toda luta de caráter reivindicativo desde
que justas, em toda manifestação de rebeldia pela legalidade democrática e defesa
da soberania nacional, pedindo-lhes cobertura para a auto-organização das
camadas populares e para as exigências junto ao governo no que tange ao rápido
atendimento das reivindicações expostas nos seus estatutos.
Os objetivos da Federação estavam em sintonia com o Partido Comunista,
que, no seu V Congresso, decidiu:
“as tarefas fundamentais que se colocam hoje diante do povo
brasileiro são a conquista da emancipação do país do domínio
imperialista e a eliminação da estrutura agrária atrasada, assim
como o estabelecimento de amplas liberdades democráticas e
a melhoria das condições de vida das massas populares”.
(CEZAR, 1985, p. 135).
A FABEP teve sua atuação marcada pelo grande apoio que deu ao governo
Miguel Arraes. Segundo reportagem de Manoel Barbosa, veiculada no Diário de
Pernambuco, em 13/12/1987, existiu naquela data mais de 200 associações
comunitárias no Grande Recife. E a quase totalidade delas estava agregada à
Federação de Bairros da Região Metropolitana do Recife - FEMEB, criado naquele
ano com a pretensão de ser o embrião de uma entidade de nível estadual.
Os debates que ocorreram entre autoridades municipais e associações, bem
como seus resultados, demonstraram um avanço no processo de participação
popular, processo este que foi interrompido com o golpe militar de 1964.
Após um período de desmobilização pós-64, o movimento de bairro do Recife,
ressurge em meados de 1975 com o “Movimento Terras de Ninguém”, em Casa
Amarela. A pressão exercida pelo mercado imobiliário em expansão sobre os
moradores das áreas pobres do Recife, fortaleceu a luta pela moradia em vários
bairros da cidade.
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O redirecionamento da política habitacional do Banco Nacional de Habitação -
BNH, através da COHAB-PE, instalando práticas de participação através do
Programa PROMORAR e envolvendo as Prefeituras como agentes promotores,
incentivou e criação de entidades representativas nas áreas de interpretação, um
exemplo desse estímulo é dado pelos Núcleos de Planejamento Comunitário - NPC -
os chamados “barracões” - instalados pela Prefeitura do recife nos assentamentos
sob sua intervenção. (SOUZA, 1990).
Segundo a ETAPAS (1987), em 1985 o Recife totalizava cerca de 151
Associações de Moradores em atividade. As lutas empreendidas por algumas
dessas entidades extrapolam os limites do bairro, incentivando a mobilização de
organização de quase todos os bairros da cidade, dando lugar a entidades como a
Assembléia dos Bairros, a Reunião dos Conselhos de Moradores do Setor Sul, a
Federação dos Moradores do Núcleo Habitacionais da COHAB (FEMOCOHAB), a
Comissão de Luta do Ibura, o Conselho Popular do Setor Caxangá, a Federação
Comunitária de Pernambuco (FECOPE). (ETAPAS, 1986).
Muitas das entidades representativas surgiram para realizar ocupação
coletivas de terrenos, outras emergiram de comunidades consolidadas para
reivindicar os atendimentos de necessidade concreta. Algumas dessas se
fortaleceram em função de Problemas que, a partir de certo momento, foram
sentidos como insuportáveis pela maioria dos moradores. Este é o caso do
Movimento “Terras de Ninguém”, que luta pela posse da terra onde seus integrantes
habitavam. 9
3.2 O MOVIMENTO “TERRAS DE NINGUÉM”
O “Movimento Terras de Ninguém“, em Casa Amarela, ganha um maior
impulso em 1978, com a criação da Pró-Federação de Casa Amarela, a atual
Federação das Associações e Centros Comunitários e Conselhos de Moradores de
9 ETAPAS, Folhas do Bairros. Recife. Etapas, 1986.
ETAPAS, Retrato da Gente. Conselho e associação de Moradores da Região Metropolitana do Recife. Etapas, 1987.
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Casa Amarela - FEACA. Havia naquela ocasião grande pressão exercida pelo
mercado imobiliário em expansão sobre os moradores das áreas pobres do Recife, o
que favoreceu o fortalecimento da luta pela moradia, em várias partes do Recife, e
inclusive nas “Terras de Ninguém”.
Este item aborda inicialmente, as condições de formação do movimento e
destaca, em seguida, as suas principais reivindicações.
3.2.1 As Bases do Movimento Social “Terras de Ninguém”
A história e o movimento social urbano pela posse de terra, as lutas e
reivindicações populares, as formas de organização que nasceram na periferia, o
cotidiano de um povo que na sua resistência e perseverança constrói a sua
sobrevivência, é a própria história do povo que habita as áreas em conflito.
A forma de ocupação semi-formalizada e resistência dos moradores contra a
exploração do proprietário, caracterizaram um avanço qualitativo na forma de
organização dos moradores das “Terras de Ninguém”, frente a um Estado mais
exposto às reivindicações populares no clima da abertura política que tomava conta
do País, no final da década de 70. As lutas populares saíram da clandestinidade
para as manchetes dos meios de comunicação, despertando a opinião publica e
mobilizando em apoio, diversos setores da sociedade civil.
Na realidade, o Estado impotente, frente à demanda popular, minimiza os
programas voltados para dar acesso às populações mais pobres, demandando por
habitação popular, enquanto a especulação imobiliária avança inviabilizando o
acesso ao mercado imobiliário por parte dessa população de baixa renda.
Quando, na década de 70 a crise que começou a assolar o país intensificou
as tensões nas camadas mais pobres da população, os conflitos entre os moradores
das “Terras de Ninguém” e o proprietário, representado pela Empresa Imobiliária de
Pernambuco Ltda., começou a tomar vulto e, em meados da década de 70, já se
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constituía um movimento social urbano reivindicatório pelo direito à propriedade da
terra que ocupavam — o movimento “Terras de Ninguém”.
Tal reivindicação se consolida em decorrência do desejo de libertar-se do
pagamento do “aluguel do chão”, haja vista os questionamentos pelos seus
ocupantes junto aos órgãos judiciais, questionando a efetiva propriedade da família
Rosa Borges. A defesa dos moradores assessorados pela Comissão Justiça e Paz,
sustentava-se na indevida transmissão da propriedade que teria ocorrido no inicio do
século XX. Assim sendo, a partir desse entendimento, o movimento procurava
provar que os pretensos proprietários que se beneficiavam do “aluguel do chão” não
faziam jus a esses rendimentos.
É relevante destacar a importância do Movimento “Terras de Ninguém”, no
contexto da cidade do Recife, por envolver mais de 53 comunidades, com uma
população estimada em 50 mil pessoas, que ocupavam uma área de cerca de 350
hectares nos morros da zona norte da cidade. Essa área era subdividida em cerca
de 15 mil lotes, dos quais cerca de 6 mil continuavam pagando o “aluguel do chão”,
enquanto que cerca de 6 mil lotes vinham sendo adquiridos pelos moradores, pagos
em prestações mensais, monetariamente corrigidas. A Empresa Imobiliária de
Pernambuco Ltda., de propriedade da família Rosa Borges, era a beneficiaria desse
empreendimento. Essa particular forma de apropriação dos rendimentos fundiários,
perdurou até a década de 80 na cidade do Recife quando as reivindicações do
Movimento repercutiram na intervenção do Estado. (EGLER, 1986)
A insatisfação se dava de ambos os lados. O “aluguel do chão”, já não se
constituía na melhor opção de rendimentos para o proprietário da terra por isso, ao
vender a terra, o proprietário fundiário das “Terras de Ninguém”, procurou
certamente, novas formas de valorização do seu capital.
A diferença que se estabelecia entre o “preço do aluguel do chão” — que
corresponde à renda de 0,15% ao mês sobre o preço do terreno — e o “preço do
aluguel da casa” — que corresponde à renda de 1% ao mês sobre o preço da terra
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que ocupa — fez surgir o poder do proprietário da casa construída sobre o chão
alugado, advindo, do direito de posse sobre o imóvel que construiu e sobre o qual o
proprietário de terra não tem o direito de intervir. (EGLER, 1986).
Assim, esse aspecto fundamentou a grande disputa pela posse da terra
ocasionando grandes conflitos entre os moradores das “Terras de Ninguém”, e o
proprietário fundiário.
Depoimentos daqueles que lideravam a luta pela desapropriação das “Terras
de Ninguém”, denotam a angústia e o medo vivido pelos moradores:
“Fazíamos reuniões às escondidas, com portas fechadas. Tínhamos
muito medo da polícia e das ameaças do que se diziam donos da terra.
Braga dizia muito pra gente os caminhos que a gente deveria seguir. Ele
dizia que a força da gente era bonita e ensina a lutar. Eu achava tão
engraçado”!
Graciema Alves da Silva (moradora do Morro da Conceição).
“Eram muitas reuniões. E bastava a gente se reunir num dia, que a
polícia ia atrás da gente no outro. Até que um dia, a gente se reuniu com
o governador Marco Maciel. Ele nos apoiou e enviou o problema para a
COHAB. Foi ai que conheci João Braga. Ele foi um cara certo nas horas
incertas”!
Djalma Rodrigues de Freitas (morador de Nova Descoberta).
“Eu vi surgir este movimento contra os que se diziam donos das terras e
nós não tínhamos tranqüilidade. Procuramos o governador Marco Maciel,
através de uma audiência, e ele determinou que o Secretário de
Habitação, José Jorge, fizesse um levantamento do problema. Braga,
como Diretor da COHAB - PE, foi encarregado da solução. Hoje,
vivemos sem o aperreio de pagamento de terreno, mas ainda falta muita
gente receber o título de posse”!
Adamastor da Silva Ramos (morador do Alto Santa Izabel)
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“A perseguição era grande quando nós não pagávamos o “aluguel do
chão”. Trabalhava na Macaxeira, ganhava muito pouco e atrasei três
meses. Consegui juntar o dinheiro de dois meses e eles não aceitaram e
cancelaram o meu contrato e perdi tudo que havia pago. Fui para o
Tribunal e, com a ajuda das ‘Terras de Ninguém’, foi o que me salvou“.
Marciano do Santos (Alto do Eucalipto)
Enquanto “favela semi-formalizada” os Morros de Casa Amarela tornam-se,
pois, objeto de controle dos proprietários, não só no que se refere ao pagamento dos
alugueis do chão e de casas construídas pelos proprietários como à repressão a
novas “invasões” no interior da propriedade.
O ponto auge do movimento expressou a revolta dos moradores quanto à
elevação dos aluguéis, culminando na cessação do pagamento do “aluguel do
chão”, não apenas nas terras desta propriedade, mas como prática dominante no
contexto das favelas da Cidade. A exacerbação do conflito implicou na intervenção
do Governo do Estado.
3.2.2 As Reivindicações do Movimento “Terras de Ninguém”
Com a intervenção do Governo do Estado, no início dos anos 80, visando a
desapropriação das Terras e a conseqüente regularização para os moradores, o
movimento “Terras de Ninguém” amplia suas reivindicações para melhoria da área.
Em meados dos anos 80, com um maior teor de organização dos
movimentos, as reuniões e as assembléias haviam se tornado e principal forma de
encaminhamento das reivindicações populares ao governo estatal e municipal.
Especialmente entre os anos 1986 e 1998, com o Programa “Prefeitura nos Bairros”,
implantado pela Prefeitura do Recife. (SOUZA, 1990).
O Movimento “Terras de Ninguém”, com a força de cerca de 53 comunidades
e diversas representações e Pró-Federação de Casa Amarela, o Conselho de
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Moradores de Casa Amarela - FEACA, os centros Comunitários - reivindicaram
obras de urbanização, tais como calçamento, iluminação pública, aterros de
alagados nos córregos; e instalação de escolas, postos de abastecimento de
gêneros alimentícios, entre outras. A questão da precariedade dos transportes
coletivos aparecia entre as reivindicações mais comuns das diversas associações.
Apesar da introdução dos ônibus elétricos já na década de 60, na gestão de
Pelópidas Silveira. A extensão da área e a complexidade das vias num
assentamento de relevo acidentado, só queria um melhor serviço de transporte
público.
Contudo, o centro das reivindicações e da luta do movimento “Terras de
Ninguém” permanecia como a posse da Terra legalizada pelo Estado enquanto tal
situação não se consolidasse plenamente.
Antes da intervenção estatal, e em razão do pagamento do “aluguel do chão”,
as “Terras de Ninguém” caracterizavam-se como uma favela “consentida” e “semi-
formalizada”. Como ressaltam, Falcão e Souza (1985:79), uma vez que tal solução
negociada era legitimada pelos contratantes, embora fosse irregular do ponto de
vista do código civil em vigor.
Contudo, conforme esses autores afirmaram (Falcão e Souza 1985: 80), é o
movimento da reação à exploração que veio reforçar:
“... um processo de construção coletiva de uma nova cidadania,
definida por um conjunto de direitos, tomados como auto-evidentes,
que é pressuposto da atuação política e fundamento da legitimidade
do poder”.
É importante salientar que, no movimento “Terras de Ninguém”, Igreja e
partidos políticos de oposição, na época, lutaram juntos aos moradores oferecendo
seu apoio e difundindo o problema para o restante da sociedade, fortalecendo as
suas reivindicações.
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A luta pelo direito à moradia empreendida pelo Movimento, foi apoiada pela
Comissão de Justiça e Paz, tendo à frente D. Hêlder Câmara, Arcebispo de Olinda e
Recife. Os assessores do movimento pautavam sua luta no tratado dos Direitos
Humanos, do qual o Brasil era signatário. Estes participantes confrontavam o direito
natural (social) com o direito positivo estatal e desempenharam papel relevante na
politização das invasões inclusive no âmbito jurídico, onde os argumentos em defesa
do direito dos invasores passam a ser utilizados.
Diante disso, Egler (1986) comenta que os movimentos sociais urbanos, que
têm por objeto de reivindicação a democratização da propriedade urbana, provocam
políticas estatais que vem no sentido de desapropriar grandes propriedades, que
são loteadas e repassadas à comunidade. Não raras vezes essa política vem
embutida de mecanismos que buscam impedir a realização da venda e da renda. O
fato da propriedade ser dividida e utilizada para fins habitacionais, não elimina a
formação e apropriação da renda.
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4. “TERRAS DE NINGUÉM”: O Processo de Regularização Fundiária.
Este capítulo traça um quadro geral da política de regularização fundiária pós
80, implantada na Região Metropolitana do Recife - RMR e especificamente nas
“Terras de Ninguém”, pelo Governo do Estado, através da COHAB - PE. Este
processo foi empreendido intensamente na gestão estadual de 1987/90, no Governo
de Miguel Arraes de Alencar, porém manteve sua continuidade até a extinção da
COHAB - PE , em 1988, quando foram paralisadas todas as ações de regularização
fundiária por parte da instância estadual. Destaca ainda, a formalização dos títulos
de propriedade para os moradores, enfatizando seus impasses e fornecendo um
esboço das condições de implantação desta política, visando discutir a atuação da
esfera estadual e no campo habitacional.
4.1 A POLÍTICA DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA PÓS 80
Este item procura explicitar a política de regularização fundiária pós 80,
implantada na Região Metropolitana do Recife - RMR, onde se aborda a formas que
viabilizaram tal política, como o Programa de Erradicação de Sub-Habitação -
PROMORAR, instituído em 1979; a formalização das ZEIS e o PREZEIS, criados
após o início dos anos 80 e o Programa Chão e Teto, implantado pelo Governo do
Estado, através da COHAB-PE, no final dos anos 80.
4.1.1 O PROMORAR - Início dos Anos 80
No Brasil, em meados de 1970, um grande movimento de questionamento
da política social, inclusive a habitacional, assola o País. A universidade, os partidos
políticos, a Igreja e as Entidades de Assessoria aos movimentos populares passam
a desempenhar papel relevante no desenvolvimento de um movimento de
contratendência do caráter empresarial da política de Habitação Popular.
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Os partidos políticos, ressurgidos e rearticulados no processo de “abertura”
não só passam a ter alguns de seus membros como interlocutores dos movimentos
populares, como formalizam planos de ação e de governo que têm papel relevante
como elemento de propaganda e arregimentação partidária, assim como proposto de
políticas alternativas.
As Entidades de Assessoria aos movimentos populares, multiplicam-se na
década de 70 e, as já existentes intensificam o seu papel quanto assessoria, antes
bloqueado pelo regime de repressão. Vinculadas, na sua maioria, a organismos
religiosos, tais entidades reforçam o papel da igreja nesse processo.
A Igreja, que se aliara às forças condutoras do golpe de 64, teve alguns
setores distanciados destas pelo regime de exclusão e de repressão imposto pelo
sistema. Redefinindo seu papel em meados da década de 70, dá origem a
instituições de forte atuação junto aos Movimentos Sociais entre as quais destaca-se
a Comissão de Justiça e Paz (CJP). Na sua tarefa de defesa dos direitos dos
invasores e de assessoria jurídica aos movimentos populares, a CJP desempenha
papel relevante na politização das invasões, inclusive, no âmbito jurídico, onde os
argumentos em favor dos invasores passam a ser utilizados em vários estados do
país (MOURA, 1988).
Havia ficado evidente, nesse final dos anos 70, que os programas da COHAB
- PE, dirigidos por famílias com rendimentos mensais de 3 a 5 salários mínimos, não
conseguiram resolver o problema da habitação popular, especialmente para as
famílias mais pobres. Nesta mesma ocasião, ocorreram mudanças significativas na
política habitacional do BNH, com a inovação de programas alternativos, que eram
direcionados para urbanização e regularização das classes pobres, o que
proporcionaram um engajamento local – estadual e municipal.
A política habitacional, até então fortemente baseada na construção de
conjuntos padronizados (definidos por alguns autores como programas
“convencionais”), dá lugar a programas (definidos como “alternativos”) baseados nos
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preceitos: Tipologias locais de assentamento, reconhecimento de favelas e cortiços
como espaços legítimos para habitá-lo, que devem ser urbanizados e não
destruídos.
O uso de tecnologias locais e a ênfase em auto-ajuda e participação
comunitária tiveram um impacto positivo na redução de custos e na viabilização de
projetos urbanos. E ainda, a urbanização e regularização de favelas evitou os
problemas de remoção, reduzindo custos e gastos.
O Governo de Pernambuco, em 1979, cria a Secretaria de Habitação, com
uma unidade administrativa especifica para implantar os programas “alternativos” do
BNH. A COHAB - PE como único agente financeiro SFH em Pernambuco, teve uma
ação bastante expressiva, durante toda a década de 80 atuando, também, como
agente promotor do sistema. Assim, o BNH instituiu vários programas, PROFILURB
(1975), FICAM (1977) e finalmente o Programa de Erradicação de Sub-habitação -
PROMORAR (1979), que visa à urbanização das áreas pobres consolidadas e em
processo conflitos ou o reassentamento de favelas removidas, em face da
impossibilidade de urbanização.
Tais programas alternativos implantados pelo SFH, correspondiam ao
contexto de crise de recursos e de legitimidade do Estado, como resposta do Poder
Público às pressões sociais e por outro lado, para atender às populações carentes
com renda inferior a 3 salários mínimos.
O traço distintivo dos programas alternativos, entre eles o PROMORAR, em
relação ao programa convencional foi de início, a área de intervenção e a população
beneficiada. Atuando em favelas consolidadas ou promovendo reassentamentos, os
programas alternativos tiveram como pressuposto para a sua atuação a identificação
prévia da clientela, em geral, politicamente fortalecida. (SOUZA, 1990).
Em termos de regularização fundiária, os programas alternativos apresentam
dois momentos expressivos, especialmente no que se refere a aquisição de áreas
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ocupadas pela população pobre para fins de regularização fundiária, no âmbito do
governo estadual: o início dos anos 80, com a aquisição de cerca de 350 hectares
nos morros de Casa Amarela — “Terras de Ninguém“, viabilizadas com recursos do
PROMORAR; e, posteriormente, em 1987, em resposta às grandes invasões de
terrenos urbanos, o que levou o governo estadual a adquirir mais de 200 hectares
onde estas foram consolidadas nas seguintes localidades — Buriti (60 a 79
hectares); Roda de Fogo (63,41 hectares); Brejo (25,69 hectares) e Vinte e Sete de
Novembro (antigo Plano Cruzado — (78,00 hectares)) — tendo sido desembolsados
recursos da Receita Interna do Estado. (SOUZA, 1990).
A COHAB – PE, como único agente financeiro do Sistema Financeiro de
Habitação em Pernambuco, teve a partir do inicio da década de 80, uma grande
atuação no processo de reversão do quadro fundiário dos assentamentos populares
do Recife.
Por ocasião da implantação do projeto “PROMORAR” no Recife, em 1979, foi
feito um levantamento dos conflitos na área urbana, as favelas nos morros de Casa
Amarela, não só por sua dimensão espacial, como pela intensidade do seu conflito,
se apresentaram como as de maior expressão da Cidade. A intervenção do Estado
na área, como já dissemos acima, deu-se com a desapropriação das terras da
Empresa — as chamadas “Terras de Ninguém”. Com isso, o conflito se aplacou e as
áreas vizinhas que tinham se contagiado com o movimento, ainda esperam, mas
com certa passividade, a sua oportunidade.
A regularização fundiária empreendida pelo PROMORAR, promovia também,
conciliações dos conflitos existentes, reconhecendo de maneira tácita o direito de
propriedade x direito de moradia.
Segundo Falcão (1984, p. 84) aquele momento político em que se inicia a
implantação dessa política, confirma o argumento de que, há uma relação entre
autoritarismo/redemocratização e exclusividade/não exclusividade do direito estatal.
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Nesse sentido, o processo de redemocratização vivido no país do início dos anos 80,
propiciou o reconhecimento de outros direitos não estatais.
Com a queda do padrão de financiamento estatal e, conseqüentemente, com
a instabilidade do Sistema Financeiro da Habitação - SFH, a indústria da construção
civil teria no PROMORAR uma alternativa para canalizar, ainda, algum padrão de
investimento público para o setor. Os municípios, por sua vez, teriam que adequar
suas legislações para permitir a alocação de recursos em áreas que não dispunham
de parâmetros legais para se tornarem objeto de financiamento, a partir das políticas
federais. Nesse contexto, emergem os primeiros exemplos notáveis de
reestruturação legal, com a introdução da figura das ZEIS na Lei do Uso e Ocupação
do Solo de Recife e a Pró-Favela na legislação de Belo Horizonte, no início da
década de 80.
4.1.2 A Formalização das ZEIS e o PREZEIS
A partir de 1980, vemos efetivamente a implantação de uma política de
habitação popular na RMR, voltada para a pobreza urbana, a qual visava mediar
conflitos, implicando, na maioria das vezes, numa dimensão jurídica. A escolha das
áreas de intervenção é resultado de um processo de negociação com as lideranças
comunitárias das áreas de maior conflito e se baseiam no levantamento de dados
dos assentamentos de baixa renda realizados pela FIDEM, em 1978. Estes dados
também serviram para que o Prefeito do Recife decretasse, já em 1980, as 26 Áreas
Especiais de Interesse Social - AEIS, dentro de um universo estimado de 70 favelas,
as quais, acrescida de mais uma, passaram a ser institucionalizadas como Zonas
Especiais de Interesse Social - ZEIS, na Lei de Uso e Ocupação do Solo - LUOS nº
14.511, aprovada em janeiro de 1983. Esta lei estabelece um tratamento
diferenciado para as ZEIS, visando garantir a sua integração à estrutura formal da
cidade, e consolida, assim, uma ação de vanguarda do governo municipal do Recife
no processo de legalização urbanística e fundiária dos assentamentos pobres.
(SOUZA, 2004).
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A regulação das ZEIS veio a acontecer em 1987, na gestão do Prefeito
Jarbas Vasconcelos (1986/1988), após longo processo de articulações, pressões e
negociações das organizações de bairros, apoiadas pela Comissão de Justiça e Paz
da Arquidiocese de Olinda e Recife. A lei do PREZEIS nº 14.947/87 garantiu as
condições urbanísticas de ocupação das famílias pobres no solo conquistado e, não
apenas a conservação de um padrão social semelhante, mas também propicia
mecanismos para a regularização da posse da terra.
Segundo Rolnik (2004, p. 01), a Lei do PREZEIS apresenta como fundamento
a segurança da posse da terra da população em áreas não regularizadas no Recife
e cria condições de participação popular na definição das ações e urbanização e
regularização fundiária. O PREZEIS foi a primeira experiência municipal, no âmbito
brasileiro, e é uma referência quando se pensa em mecanismo de co-gestão no trato
da política urbana.
Destacando o processo de institucionalização do PREZEIS, é importante citar
que, em abril de 1986, três meses após a posse do Prefeito Jarbas Vasconcelos,
numa grande assembléia do movimento popular, foi entregue solenemente a ele, a
proposta do PREZEIS, para ser encaminhada ao Poder Legislativo como Projeto de
Lei Municipal. Esta proposta depois de ser minuciosamente examinada e
aperfeiçoada pela Secretaria de Assuntos Jurídicos da Prefeitura do Recife foi
encaminhada para a Câmara Municipal, sendo finalmente aprovada e sancionada
pelo Prefeito, em março de 1987, a Lei nº. 14.947/87, que instituiu o Plano de
Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social – PREZEIS que instituía um
instrumento de gestão para as ZEIS, através das Comissões de Urbanização de
Legalização – COMUL.
A Lei do PREZEIS (1987) trataria, portanto, sobretudo de institucionalizar os
canais de gestão urbana, colocando a população próxima à arena divisória. Seriam,
criadas, em lei, as Comissões de Urbanização e legalização da Posse da Terra
(COMUL) – institucionalizando as práticas das antigas comissões de bairros – com o
objetivo de tratar dos problemas específicos de cada uma das ZEIS. Seria também
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criada a figura, ainda consultiva, do Fórum do PREZEIS, destinado a ocupar-se das
questões pertinentes ao conjunto da ZEIS.
A agenda institucional do PREZEIS, bem como a pauta do Fórum, teriam na
regularização fundiária o foco privilegiado das discussões. Tratava-se de um período
embrionário de consolidação institucional, com novas ZEIS sendo legalmente
reconhecidas, demandando um grande esforço, embora disperso, em busca da
aplicação dos instrumentos jurídicos de regularização fundiária.
A Lei do PREZEIS autoriza o Executivo Municipal a utilizar os instrumentos
necessários à regularização fundiária destacando: a usucapião, para a aquisição,
pelos moradores, da propriedade dos terrenos particulares ocupados; e a CDRU -
Concessão de Direito Real de Uso, utilizada para garantir a permanência daqueles
que ocupam áreas públicas municipais, ou cedidas em aforamento pela União ao
Município, firmada através de um contrato entre este e o morador; e a
desapropriação figurava como os instrumentos jurídicos disponíveis para promover a
regularização através do PREZEIS.
O desdobramento no processo de regularização da posse da terra tem sido
lento e complexo, necessitando neste particular, cada vez mais, do envolvimento
direto da comunidade para superação das dificuldades relacionadas à regularização.
Essa lei foi resultado de uma ampla discussão que contou com a participação
expressiva de entidades e organizações da sociedade civil, elaborado pela
Comissão de Justiça e Paz, da Arquidiocese de Olinda e Recife, após longo
processo de articulações, pressões e negociações das organizações de bairro,
tornando-se referência nacional para a gestão municipal no campo dos programas
de urbanização e regularização fundiária em áreas pobres. Em 1993, é editada a Lei
nº. 15.790/93, que instituiu o Fundo do PREZEIS. Posteriormente a Lei do PREZEIS
foi alterada pela Lei Municipal nº 16.113/95.
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Através da nova Lei Municipal nº 16.176 sancionada pelo Prefeito da Cidade
do Recife, em 09 de abril de 1996, amplia-se a classificação das ZEIS para 45 áreas
e remete todas as definições para transformação de áreas em ZEIS, de
regularização urbanística, fundiária e de gestão das ZEIS, para a Lei do PREZEIS
estabelecendo um tratamento diferenciado para essas áreas, visando garantir a sua
integração à estrutura formal da Cidade, sendo por conseguinte, o primeiro grande
passo do direito à moradia e à permanência no local de moradia das classes pobres,
em prol da legalização urbanística e fundiária desses assentamentos informais.
Hoje, as ZEIS representam 80% das localidades de interesse social no Recife.
São 66 ZEIS, instituídas, onde residem mais de 150.000 famílias e 38 COMULS
instaladas. Quarenta comunidades reivindicam a sua transformação em ZEIS e doze
ZEIS reivindicam a instalação de novas COMULS. (MIRANDA, 2002). É importante
salientar que a ZEIS Morros de Casa Amarela, instituída desde 1983, não possui
COMUL, devido a dificuldade de representação de suas comunidades (Mapa 1 e 2)
Segundo Botler e Marinho (1993), o plano de Regularização das Zonas
Especiais de Interesse Social (PREZEIS) é um marco na renovação dos moldes de
gestão de políticas urbanas no Recife. Criado há dez anos, no contexto da
redemocratização, apropria-se – enquanto instrumento jurídico, urbanístico e como
ferramenta gerencial – de práticas iniciadas por governos anteriores, do período de
transição democrática, introduzindo, ampliando e enfatizando aspectos políticos de
participação e descentralização, tendo em foco uma ampla representatividade social.
Ancorado numa lei de regulamentação de instrumentos previstos nas normas de uso
do solo, o programa envolve um vasto campo de ação na recuperação de áreas
faveladas e propõe uma ampla estrutura institucional para gerenciamento e controle
da ação governamental.
Com a Lei nº 14.947/87, do PREZEIS, abriu-se um leque para que novas
áreas pudessem ser reconhecidas como ZEIS, sendo introduzidos mecanismos de
proteção contra as ações especulativas do mercado. Dentre os principais
instrumentos de inibição, encontra-se aqueles fundamentados em critérios de
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regulação sobre as dimensões dos lotes – antecipados pelo projeto Teimosinho – e
na proibição de remembramentos, o que reforçaria a conservação das
características das ocupações locais, bem como do perfil social dos ocupantes.
Estes aspectos definem o perfil de uma primeira fase do PREZEIS,
predominada pelo argumento em favor da legitimação das ocupações e centrado,
quase exclusivamente, na defesa da regularização da posse da terra. Naquele
momento, as ações de urbanização a serem promovidas pelo Poder Público eram
interpretadas sob desconfiança – entendidas como ações “predatórias” – à medida
que potencializavam uma ação especulativa do setor imobiliário: em registros de
manifestações populares, chegava-se a empunhar faixas de protestos contra
possíveis iniciativas de urbanização, sem que antes fosse promovida a regularização
da posse da terra.
Observe-se que, naquele período, as ações de urbanização estavam
exclusivamente vinculadas aos programas federais de habitação. No caso, o
PROMORAR, que previa programas de urbanização de favelas sem remoções para
a periferia da cidade, como costumeiramente realizado na década de 70.
Ressalta-se, no entanto, que a ótica hegemônica, na esfera do movimento
popular e das entidades de assessoria envolvidos no PREZEIS, sendo a garantia de
permanência daquelas populações no solo conquistado e não apenas a
conservação de um padrão social semelhante, consolida o PREZEIS até os dias
atuais, apesar de algumas dificuldades que apresenta no seu processo de gestão,
que faze ao escopo deste trabalho aprofundar.
Segundo Rolnik (1997) o PREZEIS, introduz critérios de regulação espacial
calcados, principalmente, num formato de acesso igualitário ao solo urbano. Critérios
traduzidos, sobretudo, em padrões de lotes mínimos e máximos previamente
definidos, de forma a conservar uma homogeneidade sócio-espacial e assegurar o
solo urbano em favor daquelas populações carentes.
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4.1.3 Chão e Teto - Final dos Anos 80
Os programas habitacionais implementados pelo Governo do Estado, através
da Secretaria de Habitação e Companhia de Habitação Popular - COHAB - PE, no
final dos anos 80 são voltados, basicamente, para a população de baixa renda que
ganha entre zero e três salários mínimos.
No início de 1987, Miguel Arraes assume o Governo do Estado e traz Pedro
Eurico Barros e Silva — assessor do movimento popular — como Secretário de
Habitação, que adotou como princípio substituir o caráter de provedor da habitação
em si, pelo promotor das condições de acesso à habitação. Procurou assim, formular
um programa, de modo que, a intervenção governamental se desse nos pontos de
estrangulamento do sistema, promovendo, portanto, em primeiro plano, o acesso à
terra e à infra-estrutura básica, e num segundo plano, apoiando a produção da
habitação em si, através do financiamento do material de construção e da
assistência técnica no canteiro da obra. (SOUZA, 2003).
Desta forma, aquele governo através da Secretaria de Habitação e
Companhia de Habitação Popular - COHAB-PE, lança programas sob o título de
“chão e teto”, voltados, basicamente, para a população de baixa renda que ganha
entre zero e três salários mínimas. São eles: Projeto Construção; Projeto Melhoria
de Habitação; Projeto Inquilino; Barro; Legalização da Terra; Urbanização de
Favelas e Lotes Urbanizados.
Com estes programas, a COHAB-PE reformulou por completo o tratamento
que era dado à questão habitacional no Estado. Anteriormente esta política era
voltada quase que exclusivamente para os conjuntos habitacionais para a faixa de 3
e 7 salários mínimos, em detrimento da maioria da população, composta por
pessoas de baixíssima renda.
A necessidade de moradias alia-se à perspectiva da possibilidade de obtê-las
no governo que se instala, constituindo-se a razão maior do crescimento do número
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de invasões nesse momento. A invasão do Buriti (61 hectares) em Casa Amarela,
envolvendo quase 3.000 famílias, ocorre no dia da posse do novo Secretário de
Habitação. E é interpretada por muitos como a própria “manifestação da esperança”
que o governo instalado passara a representar. Dias após, no Brejo da Guabiraba
(26 hectares) em Nova Descoberta, 500 famílias também invadem, instalando um
conflito com a polícia que havia sido requisitada pelo proprietário.
Desta forma, a pressão popular através das invasões cresce expressivamente
nos primeiros meses do ano de 1987 e declina, posteriormente, contribuindo, para
isso, a postura adotada pelos governantes no trato da questão (EGLER, 1986).
Com a filosofia do Programa Chão e Teto, a COHAB - PE reformulou por
completo o tratamento que era dado à questão habitacional no Estado.
Anteriormente esta política era voltada quase que exclusivamente para os conjuntos
residenciais convencionais para a faixa de três e sete salários mínimos, em
detrimento da maioria da população, composta por pessoas de baixa renda.
Os programas que compõem a nova sistemática implantada pelo Governo do
Estado, sob a denominação de Chão e Teto, são: Projeto Construção; Projeto de
Melhoria de Habitações; Projeto Inquilino; Barro; Legalização da Terra; Urbanização
de Favelas e Lotes Urbanizados.
No que concerne ao programa de regularização fundiária das áreas
adquiridas, grande parte do processo iniciado, ainda, através do PROMORAR, foi
consolidado no governo de Miguel Arraes com a legalização da posse da terra de
cerca de 30.000 moradores. Este governo, por sua vez, arcou com os custos do
parcelamento e assumiu o retorno do empréstimo ao BNH/CEF. Os custos do
processo de legalização foram em parte viabilizados com recursos do Banco Mundial
através do convênio FIDEM/MHU. Quase um quarto do total de favelas do Recife,
seus ocupantes já possuem o título de propriedade (cerca de 90%) ou a Concessão
do Direito Real de Uso – CDRU (SOUZA, 1990).
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112
O processo de Regularização Fundiária empreendido pelo Governo do
Estado, através da COHAB-PE, utilizou como instrumentos - a Desapropriação e a
Titulação de Propriedade para os Moradores.
Segundo Saule Jr. (2002) a desapropriação é uma forma excepcional de
aquisição da propriedade privada pelo próprio Poder Público, sujeita a estritos
requisitos e condições constitucionais e legais. A desapropriação pode ser aplicada
em casos de necessidade, de utilidade pública, ou de interesse social, como é o
caso da regularização fundiária das “Terras de Ninguém”.
A adoção predominante por parte da COHAB-PE do instrumento da
desapropriação e conseqüente regularização fundiária mediante título de
propriedade se deve à sua condição de Agente financeiro do SFH, como será
explicitado no item a seguir.
Um outro aspecto a destacar é que a COHAB-PE, conduz o processo de
regularização fundiária alinhada aos princípios do PREZEIS, que permite a
legalização das áreas, respeitando suas características e tipicidades,
independentemente das normas e parâmetros urbanísticos da Cidade. (Jornal Chão
e Teto, fevereiro de 1988).
O reconhecimento do direito do acesso à terra urbana por parte do Estado,
tornou-se explícito, especialmente pós 1987, não só no processo de legalização
empreendido, como também pela atitude política e não policial adotada no trato das
invasões.
4.2 FORMALIZAÇÃO DOS TÍTULOS DE PROPRIEDADE PARA OS MORADORES
Em Recife, para efeito de regularização fundiária dos assentamentos, são
adotados procedimentos e instrumentos legais diversos. Este processo avança a
partir da segunda metade da década de 80, de modo distinto entre a COHAB – PE
(governo estadual) e a URB RECIFE (governo municipal).
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113
Para as “Terras de Marinha”, bem como para as Terras Públicas cedidas à
COHAB – PE para fins de regularização fundiária, a COHAB – PE adota o CDRU,
transferindo para o morador o direito de uso de terra e não o direito pleno, em
conformidade com a regulamentação das “Terras de Marinha” e com as disposições
da Lei do PREZEIS.
Este procedimento para as “Terras de Marinha” e para as Terras Públicas é,
também, adotado pela Empresa de Urbanização do Recife – UBR, incumbida do
processo de regularização fundiária das ZEIS, seguindo os princípios da Lei do
PREZEIS, que prevê a utilização exclusiva para regularização fundiária em áreas
públicas a CDRU, proibindo a doação.
Contudo, ao contrário da COHAB – PE, a URB – RECIFE adota para as áreas
privadas, o instrumento da usucapião urbana, enquanto que a COHAB-PE utilizou,
predominantemente a escritura de propriedade com procedimentos que
possibilitaram resultados bem expressivos. (SOUZA, 2004).
Souza (2004, p. 11) apresenta um quadro geral dos avanços do processo de
regularização fundiária no âmbito da cidade do Recife, promovido pelas instâncias
estatal e municipal, destacando a atuação da COHAB-PE nesse processo:
“Dados disponíveis sobre a situação da regularização fundiária
atual dos assentamentos pobres do Recife apontam para um total
de 32.397 famílias regularizadas ou em processo de
regularização, o que representa cerca de 21% do total de famílias
residentes nesses assentamentos. Desse total, 93% refere-se às
titulações emitidas pela COHAB - PE. Cerca de 87% do total de
títulos emitidos já foram entregues, o que significa que 28.201
famílias residentes nas áreas pobres do Recife dispõem de seu
título de regularização fundiária. Isto representa 18,6% do total de
famílias residentes nessas áreas.
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114
Segundo dados apresentados, a COHAB-PE emitiu cerca de 26 mil títulos de
propriedade e entregou cerca de 24 mil desses títulos, 50% são destinados à
regularização fundiária das “Terras de Ninguém”, evidenciando a sua importância no
contexto político de regularização fundiária implantada no Recife.
4.2.1 Processo de Desapropriação das “Terras de Ninguém”
A desapropriação das “Terras de Ninguém”, em Casa Amarela, constituiu-se
no maior processo de regularização fundiária em terras urbanas, já ocupadas, que
se tem registro, na história do Recife. Esta vitória do povo, cujo movimento começou
com uma simples reunião de moradores, nos idos de 1975, cresceu e passou a
contar com a colaboração da Igreja, que na época, tinha à frente o arcebispo de
Olinda e Recife, Dom Hêlder Câmara; políticos, ONG, advogados, etc. Sabe-se que
mais de 100 mil pessoas foram beneficiadas, sendo 20 mil lotes de terra
desapropriados.
Antes, o povo pagava o “aluguel do chão” ou foro, nestas terras. Na
localidade, ainda se vê casas com placas com TP (terreno próprio), o que hoje, faz
parte de um passado que todos querem esquecer, haja vista que hoje todos os
moradores ficaram donos de seus lotes.
A extensão da área - cerca de 350 há - e o elevado número de comunidades
(53) compreendidas nas “Terras de Ninguém”, dificultaram a inserção da ZEIS Casa
Amarela no âmbito do PREZEIS - Plano de Regularização das Zonas Especiais de
Interesse Social.
A desapropriação ali implementada, envolveu 53 comunidades, e
desapropriou cerca de 20.000 lotes, pertencentes à Empresa Imobiliária de
Pernambuco Ltda., tendo contemplando mais de 15.000 famílias, numa área com
cerca de 350 hectares, cuja desapropriação foi feita pelo Governador do Estado de
Pernambuco Dr. Marco Antônio de Oliveira Maciel, através do decreto nº 7.008 de
29/12/1980 (Anexo 6), que:
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115
“Declara de necessidade e utilidade pública e de interesse social,
para fins de desapropriação, áreas de terra, localizadas na cidade
do Recife...”.
Várias foram às áreas integrantes das
“Terras de Ninguém”, as quais foram declaradas
de necessidade pública e interesse social, para
fins de desapropriação. Dentre elas destacam-se:
Oiteiro, Nova Descoberta, Vasco da Gama,
Córrego do Euclides, Córrego da Areia, Brejo,
Córrego da Bica, Córrego da Telha e Córrego do
Eucalipto. E, além desses 20 mil lotes
desapropriados o engenheiro João Braga10,
afirmou que havia mais 10 mil lotes em processo
de negociação perfazendo um total de 30 mil
lotes. (Mapa 2)
Todas essas áreas estão constantes do
“Instrumento particular de ajuste para fixação de
preço de desapropriação e outras avenças que
entre si fazem a Companhia de Habitação
Popular de Pernambuco e a Empresa Imobiliária
de Pernambuco S.A.”, destinado ao Registro do Cartório Geral de Imóveis, datado
de 31 de dezembro de 1980 (Anexo 7). O mandado de averbação de registro da
gleba foi emitido pelo Juiz, cerca de sete anos depois (1987), conforme se pode
verificar no Anexo 8, sendo o registro da referida gleba efetivado no Cartório Geral
de Imóveis do 2º Ofício da Comarca do Recife, sob o número 4730, também no ano
de 1987. (Anexo 9).
10 Em entrevista realizada em 26.07.2005, com o Engenheiro João Braga, Diretor do Programa Especiais da Secretaria de Habitação no período 1979-81
Figura 2: Assinatura do Decreto de Desapropriação das “Terras de Ninguém” pelo Governador Marco Maciel, 1980. Fonte: Jornal Habitação, COHAB-PE, ano 4, nº 4, Janeiro de 1981.
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116
As despesas com a referida desapropriação, ocorreram por conta dos
recursos financeiros do BNH, no âmbito do Programa PROMORAR, através da
Companhia de Habitação Popular do Estado de Pernambuco - COHAB - PE -
Sociedade de Economia Mista Estadual, da qual o Estado de Pernambuco detém o
controle acionário. O Governo de Pernambuco arcou com os custos do
parcelamento e dos procedimentos operacionais necessários à regularização da
área e, ainda, assim o retorno do empréstimo ao BNH.
A desapropriação amigável foi feita
entre o Espólio de Manuel Alfredo Marinho
do Passo e a Companhia de Habitação
Popular do Estado de Pernambuco -
COHAB - PE, pelo preço de Cr$
7.000.000,00 (sete milhões de cruzeiros),
pago no ato da aquisição, em moeda
corrente e legal no país. A leitura do
Decreto de Desapropriação realizada na
própria área constitui-se um marco de
vitória do movimento. (Figura 3).
A desapropriação das “Terras de
Ninguém” e sua conseqüente legalização
através da titularização, foi resultado de
uma grande mobilização popular dos seus
moradores e demais atores anteriormente
mencionados, os quais reivindicavam na
sua luta, o direito à moradia. E, mesmo
depois do Decreto de Desapropriação das
“Terras de Ninguém”, aquele movimento
pela posse da terra continuou com o líder
comunitário João do Cigarro à frente do movimento. 11 (Figura 4)
11 Como se constata em reportagem publicada em jornal local, em 6 de abril de 1981 e em entrevista
com João do Cigarro, presidente do movimento e responsável pelo Escritório, desde a fase de implantação da regularização fundiária.
Figura 3: João Braga faz a leitura do Decreto de Desapropriação das “Terras de Ninguém”, 1980. Fonte: Cartilha de aniversário produzida pelo Movimento “Terras de Ninguém”, 2001.
Figura 4: João Braga entrega cartilha sobre “Terras de Ninguém” ao líder comunitário João do Cigarro. Fonte: Cartilha produzida no gabinete do Deputado estadual João Braga. 1998.
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117
Em 1981, o governador em exercício Roberto Magalhães inaugura o Escritório
do projeto “Terras de Ninguém”; em Casa Amarela, ocasião em que o Secretário
José Jorge de Vasconcelos Lima informa que a Secretaria de Habitação investirá
naquela área recursos no valor de Cr$ 700 milhões de cruzeiros.
Por ocasião da desapropriação das “Terras de Ninguém”, em dezembro de
1980, coube a COHAB - PE receber naquela ocasião, os documentos da Empresa
Imobiliária de Pernambuco Ltda., incluindo as fichas de controle dos aluguéis. Além
dessas fichas cadastrais de cobrança, foram entregues também os contratos de
compra e venda dos lotes negociados anteriormente pela Empresa.
4.2.2 Processo de Regularização Fundiária dos Moradores das “Terras de
Ninguém”
Após o ato de desapropriação das “Terras de Ninguém”, os lotes foram
cedidos aos moradores, através de Escritura Particular de Compra e Venda, com
força de Escritura Pública, pela COHAB-PE, que, exercendo a condição de agente
financeiro do SFH e a conseqüente prerrogativa conferida pelas Leis 4380/64 e
5049/66, emitia escritura particular com força de escritura pública, a custos
inexpressivos para o beneficiário, bem abaixo dos custos cartoriais.
Apesar da desapropriação ter ocorrido em dezembro de 1980, pondo fim aos
conflitos sociais que perduravam por várias décadas, tendo como atores, os
moradores, o proprietário fundiário e o próprio Estado, a formalização dos títulos de
Propriedade para os moradores somente ocorreu a partir da instalação do Governo
de Miguel Arraes de Alencar, em 1987.
Os processos de regularização fundiária, empreendidos, seja pela COHAB -
PE, seja pela URB - RECIFE, enfrentaram várias dificuldades, destacando-se a
rigidez da legislação dos registros de imóveis, a cultura conservadora do poder
judiciário, a estrutura dos cartórios, com precárias formas de registro e
armazenamento, a falta de continuidade dos programas em função da mudança de
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118
prioridades dos governos, além de outros mais específicos, referentes ao
descompasso entre as ações de regularização jurídico-fundiária e o planejamento
das intervenções urbanísticas. (SOUZA, 2004).
Para enfrentar as dificuldades de registro em cartório dos títulos de
propriedade da terra emitidos, a COHAB - PE adotou um procedimento, no final dos
anos 80, que merece ser destacado. A Lei de Registros Públicos nº 6.015, de
31.12.1973 e Lei nº 6.815, de 19.08.1980, artigos 30, 33, 43 - 49; exige
determinados parâmetros – dimensões e padrões de ruas, de lotes, etc. – não
compatíveis com as condições especiais dos assentamentos pobres, o que até
então não permitia que os lotes das “Terras de Ninguém” e demais favelas do Recife
fossem registradas em cartório geral de imóveis. Para superar este entrave, a
COHAB – PE, por iniciativa do advogado responsável - Rita Carvalho, passou a
escritura de um lote das “Terras de Ninguém”, e solicitou ao 3º Cartório de Registro
Geral de Imóveis desta Comarca, ocasião essa que o mesmo rejeitou o registro do
respectivo lote. Suscitada a dúvida, o processo foi levado ao Juiz da 2ª Vara de
Sucessões e Registros Públicos da Comarca do Recife - PE, MM. Juiz Josias
Horácio da Silva, tendo a referida advogada, em nome da COHAB – PE, preparado
um arrazoado e juntado ao processo, bem como, baseando-se nas condições
especiais das ZEIS, utilizando argumentos políticos e justificando os motivos da
legalização, inclusive ressaltando a situação de ocupação espontânea, há mais de
200 anos, sem solução legal. Concedida a autorização pelo Juiz, para o registro em
Cartório do lote mencionado e, com base nesse registro, a COHAB – PE solicitou
por extensão, os registros dos demais lotes de “Terras de Ninguém”, como de outras
áreas do Recife que se encontravam em processo de legalização12.
Vale destacar a iniciativa inovadora da advogada Rita Carvalho, que
repercutiu na viabilização do processo de regularização fundiária das “Terras de
Ninguém” e de outros assentamentos em vias de regularização fundiária.
12 As informações sobre os procedimentos operacionais utilizados para a emissão dos títulos e a
regularização fundiária das “Terras de Ninguém” foram fornecidas pelo Advogado Carlos Magno Sampaio - Diretor de Programas Especiais da COHAB-PE (1987 - 90) - em entrevista realizada 16.06.2004.
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119
Na implementação deste processo de regularização, foi possível ser adotado
uma grande simplificação para a obtenção da emissão dos títulos de propriedade. A
exigência do levantamento topográfico foi dispensada, sendo substituído por outros
procedimentos: Era realizado levantamento fotogramétrico, no qual se baseava uma
equipe de campo, com dois medidores e um desenhista, os quais elaboraram
“croquis”, onde constavam as dimensões e limitações dos lotes, a ser anexado à
escritura emitida por lote. (Anexo 10).
Este processo simplificado não apresentava topografia, traçado urbanístico,
dimensões de rua, e outras exigências cartoriais, constituindo-se também mais uma
conquista da Advogada Dra. Rita Carvalho. O levantamento fotogramétrico servia de
auxílio aos medidores.
Os custos do processo de legalização - levantamento fotogramétricos,
equipes de medidores e desenhistas, emissão de escrituras e propriedade e
mobilização da comunidade para entrega dos títulos - foram viabilizados com
recursos do Banco Mundial, mediante o convenio FIDEM/MHU (SOUZA, 1990).
O êxito do processo de titulação
de propriedade empreendido pela
COHAB - PE repercutiu nas demais
comunidades, facilitando as
negociações com aquelas situadas em
terras públicas, cuja condição de
legalização seria a utilização do CDRU
- instrumento com dificuldades de
aceitação pelas comunidades, por
conceder apenas o direito de uso do
imóvel, ou seja, por não implicar na
aquisição de direitos equivalentes aos
da transferência da propriedade. (SOUZA, 2004).
Figura 5. Entrega aos moradores das “Terras de Ninguém” dos Títulos de Propriedade aos moradores. Fonte: Jornal Chão e Teto, fevereiro de 1988.
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120
O processo de regularização
fundiária, iniciado nas “Terras de
Ninguém”, tornou-se referência para
as demais áreas pobres que lutavam
pelo direito à posse da terra, sendo
aclamado pelo próprio movimento.
(Figura 5). Segundo os princípios do
instalados na gestão estadual, o
processo de regularização fundiária,
consolidando as famílias no seu local
de moradia, possibilitaria a
implantação de outros programas de
melhoria de habitações que passaram
a ser implantados na área. (Figura 6).
Estendida a experiências em outras áreas a COHAB-PE teve como resultado
a emissão de cerca de 26 mil títulos de propriedade no Recife, dos quais 12.678 mil
foram emitidos para as “Terras de Ninguém” numa13 experiência que pode ser
considerada inovadora, além de legal, já que os títulos emitidos são efetivamente
válidos e passíveis de registro em Cartório. Este processo foi empreendido
intensamente na gestão estadual de 1987 – 90, porém manteve sua continuidade
até a extinção da COHAB – PE, em 1998, quando foram paralisadas todas as ações
de regularização fundiária por parte da instância estadual.
Desde 2003, a Companhia Estadual de Habitação – CEHAB retoma o
processo de regularização fundiária interrompido com a extinção da COHAB-PE, em
1998. A Titulação de Propriedade das “Terras de Ninguém” segue, inclusive, o
processo instalado desde 1987, com modelo de escritura e de “croquis” dos lotes.
(Anexo 11).
13 Em entrevista com o Advogado Fernando Barros este afirma que dos 12.678 mil títulos emitidos e
entregues nas “Terras de Ninguém”, destinaram: para a área nº1- 10.155 e a área nº 2- 2.523. Entrevista realizada no dia 30.05.2005.
Figura 6. Apresentação aos moradores das “Terras de Ninguém” dos programas de melhora de habitação. Fonte: Jornal Chão e Teto, fevereiro de 1988.
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121
4.2.3 A Semi-informalidade na Regularização Fundiária das “Terras de
Ninguém”
Se os investimentos em urbanização nos assentamentos têm alto interesse
político, os processos de titulação podem ter um efeito ainda mais intenso, já que se
trata de uma formalização da segurança de permanência em contexto extremamente
vulnerável.
Vale destacar, que apesar do resultado expressivo da COHAB-PE, no sentido
de regularizar a posse de terra dos moradores das “Terras de Ninguém”, entregando
cerca de 12 mil títulos de propriedade, seria necessário para a conclusão do
processo de formalização da propriedade o registro dos títulos em cartório.
Contudo desse montante de 12 mil títulos entregues, apenas cerca de 1.600,
foram registrados. Esses títulos foram registrados a preço irrisórios e simbólicos, ou
seja, R$ 100.00 (cem reais); 14
Conforme informações do advogado Carlos Sampaio, Diretor dos Programas
Especiais da COHAB-PE, em entrevista realizada em 16.06.2004, os moradores das
“Terras de Ninguém” e de outras áreas, que receberam seus títulos de propriedade,
ficaram cientes da necessidade de registrá-los em Cartório Contudo, constatamos
que menos de 15% o fizeram, o que suscita algumas indagações.
Uma possibilidade que pode ser aventada remete à precariedade da difusão e
da precisão da informação fornecida pela COHAB-PE, da necessidade do registro
dos títulos de propriedade no cartório.
Outra possibilidade remete ao custo do registro em cartório, que dificulta a
conclusão do processo de regularização fundiária por parte dos moradores.
14 Informação obtidas no 3º Cartório do Registro Geral de Imóveis da Comarca do Recife, em
entrevista com Álvaro Henrique Campelo Vilaça (Técnico Judiciário) realizada dia 07.10.2004.
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122
Recentemente a Lei nº 10.931/04, que altera a Lei nº 6.015 de 31.12.73,
isenta às custas cartoriais, quando em Zonas Especiais de Interesse Social, e
emitidas por regularização fundiária promovida pelos órgãos públicos. Inicialmente
houve certa rejeição nos cartórios, mas a Corregedoria de Justiça está cientificando
os cartórios para fazer cumprir esta lei. Contudo, a medida é recente e a informação
pode não ter chegado até os moradores das “Terras de Ninguém”.
Deve-se ressaltar a dificuldade de implementação das leis em vigor, devida
em parte à falta de informação e educação jurídicas e ao difícil acesso ao Poder
Judiciário para o reconhecimento dos interesses sociais.
Admitimos, ainda, a possibilidade de que o sentimento de garantia de
permanência no seu lugar de moradia, minimize a necessidade da formalização
plena da propriedade.
Nesse sentido vale a pena destacar alguns depoimentos, que retratam esse
sentimento segurança, bem como o estímulo para melhoria do bem que considera
garantido.
Em entrevista com moradores das “Terras de Ninguém” que receberam título
de propriedade, observamos mudanças significativas no seu estado de espírito,
decorrente do fato de não serem mais molestados com ameaças de expulsão ou de
cobranças do “aluguel de chão” e adquirirem a confiança da permanência no local
de moradia.
“antes a gente nem dormia, ficava com medo de ser expulso. Braga
se juntou a nossa causa e o governo Marco Maciel desapropriou a
terra. Hoje me sinto tranqüila. Sei que ninguém, nem proprietário,
nem policia vão me incomodar” (Maria de Jesus Avelino)
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123
Verificamos que também, o engenho desses moradores detentores de titulo
de propriedade melhoraram as sua moradias, mediante financiamento do governo
ou mesmo por conta própria.
“(...) depois da desapropriação todo dinheiro que juntamos
empregamos em nossa casa, além daquele que o governo nos
emprestou para melhorar o barraco (...)” (Maria Pereira Cardoso).
Por outro lado constatamos que antes da desapropriação os moradores não
se dispunham a melhorar seus imóveis temendo a expulsão.
“Eu antes da desapropriação nunca me esforço para colocar um
prego nessa casa. O medo de ser mandado embora era grande”
(José Fabrício da Silva).
Por fim, podemos aventar que o Estado ao privilegiar a sua função regulatória
no âmbito da política urbana e habitacional, ocasiona uma “dispersão” das
contradições sem, no entanto, resolvê-las, deslocando a atenção das contradições
capitalistas para a legalização dos conflitos (MOURA, 1987). Ao conseguirem a
titularização de suas terras, por exemplo, os moradores tendem a não se sentirem
mais “marginalizados” na sociedade, minimizando questões como a sua própria
marginalidade econômica e evidenciando, neste contexto, a busca da cidadania.
(SOUZA, 1991).
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124
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A crise do padrão de desenvolvimento urbano e seus impactos sociais,
econômicos, políticos, institucionais tem sido uma problemática sentida por toda a
sociedade civil em suas mais diversas formas. A falta de áreas adequadas e
acessíveis à habitação, a ausência de atendimento por parte do Estado a este
quadro sócio-habitacional deficitário e carente, o elevado preço da terra urbana
devido à sua concentração monopólica e privada, o desemprego ou sub-emprego,
com conseqüente queda dos salários, que impede o trabalhador a ter acesso aos
programas habitacionais financiados, enfim, fatores estes que conformam um
conjunto de obstáculos que obrigam a população sem teto a utilizar a ocupação
irregular ou a “invasão”, como último recurso para ter acesso à terra e à habitação,
em terrenos públicos ou privados, sendo na maioria dos casos, em condições
precárias de saneamento e localização.
Em decorrência da crise do Estado - crise de recursos e crise de legitimidade
- o Estado redefine sua política habitacional em resposta aos setores populares que
reivindicam o direito ao acesso à moradia urbana, propiciando abertura de um
espaço de negociação entre o povo e o governo.
Nesse contexto, surge o movimento “Terras de Ninguém”, de base popular,
que eclodiu no Recife, em meados da década de 70, pondo em questão a política
social do governo instalado. As necessidades sociais passam então, a serem
circunscritas ao campo do direito que, assumindo um significado simbólico, passa a
configurar os princípios de uma nova política.
O acesso à habitação constitui-se, pois, o âmago da questão. O
reconhecimento do direito à moradia torna-se então, o principio central da política
implantada pela COHAB-PE, que, no âmbito da regularização fundiária, resultou na
concessão e emissão de títulos de propriedades, para cerca de 26 mil famílias no
Recife, das quais 12 mil são moradores das “Terras de Ninguém”.
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125
Verificamos, que o modo como ocorreu a ocupação das “Terras de Ninguém”,
objeto deste estudo, ocasionou grandes conflitos sociais, os quais estão diretamente
relacionados com o processo especulativo e excludente de ocupação do espaço
urbano, nos moldes capitalistas.
O processo de desapropriação e legalização da posse da terra dos
assentamentos populares do Recife, e em especial das “Terras de Ninguém”,
empreendido pela COHAB-PE, ao se constituir respostas às reivindicações de maior
expressão da população mobilizada politicamente, em torno da consolidação e
formalização do seu espaço de moradia, coloca a questão da habitação, não sob o
prisma exclusivo da escassez de recursos, mas no âmbito do processo decisório do
Estado e das contradições emergentes da interação do Estado e movimentos sociais
urbanos.
Vinda de um aparelho de Estado cuja função básica é a defesa e a
valorização da propriedade, vital para a reprodução e manutenção do modo de
produção capitalista vigente, a regularização fundiária assume papel fundamental no
processo de urbanização porque um dos pressupostos dos programas de titulação é
que os favelados, possuindo os títulos de propriedade e assim pagando os impostos
que isto implica, atingirão o sentimento e o exercício da cidadania.
Os programas de concessão de títulos de propriedade visam, em última
análise, permitir acesso à propriedade para aqueles que, via mercado de terras
urbanas, não dispõe de condições de realizá-los. Assim, dá-se o “status” de
proprietário àqueles que até então, são encarados como “posseiros”, invasores de
propriedade alheia.
Contudo, ao constatarmos que o esforço empreendido pelo poder público,
não se concretizou plenamente, no caso das “Terras de Ninguém”, em face da
pequena proporção de moradores que registraram seu titulo em Cartório, concluímos
que a semi-formalidade permanece.
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126
É importante ressaltar que, regularizar sem interromper o ciclo de produção
da irregularidade, além de renovar o sofrimento da população, provoca a
multiplicação permanente da demanda por recursos públicos. Além disso, o ciclo que
leva da informalidade à regularização tem frequentemente reafirmando e ampliando
as bases da política clientelista tradicional co-responsável pela própria produção da
informalidade. Em outros casos, a inadequação ou o fracasso dos programas tem
facilitado o surgimento de novos pactos sociais que, sobretudo nas áreas
controladas pelo tráfico de drogas e pelo crime organizado, desafiam cada vez mais
as estruturas, político - institucionais oficiais, assim como as bases e a validade da
ordem jurídica.
Ampliando sua avaliação para um contexto mais amplo de intervenção estatal
sobre os assentamentos precários, Rolnik (2002), destaca que a gestão pública
cotidiana incorpora lentamente essas áreas à cidade, regularizando, urbanizando,
dotando de infra-estrutura, mas nunca eliminando a precariedade e as marcas da
diferença em relação às áreas que já nascem regularizadas. Essa dinâmica tem alta
rentabilidade política, pois dessa forma o Poder Público estabelece uma base
política popular, de natureza quase clientelista, uma vez que os investimentos são
levados às comunidades são assim convertidas em reféns, eternamente devedoras
de quem as protegem ou “olhou por elas”. Essa tem sido uma das grandes moedas
de troca nas contabilidades eleitorais, fonte da sustentação popular de inúmeros
governos.
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