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10392 RELAÇÃO HUMANA E DIREITO DE FAMÍLIA: EM BUSCA DA EXPRESSÃO DE UMA RELAÇÃO HUMANA CONSTITUTIVA DA EXPERIÊNCIA FAMILIAR * HUMAN RELATIONSHIP AND FAMILY LAW: IN SEARCH OF THE EXPRESSION OF A HUMAN RELATIONSHIP CONSTITUTES THE FAMILY EXPERIENCE Renata Ovenhausen Albernaz Camila Salgueiro da Purificação Marques RESUMO Esse artigo objetiva iniciar uma reflexão sobre a relação humana e os reflexos que essa deva lançar na confirmação das relações familiares, no intuito de apresentar algumas hipóteses sobre a essência e a finalidade da relação de família como um espaço de amadurecimento e atualização individual e de encontro autêntico entre pessoas envolvidas em relações de afeto. Também visa questionar se algumas prescrições normativas ou sociais na definição da família possam consistir em uma possível causa de insucesso no cumprimento desses fins até então. Este trabalho foi fruto de algumas reflexões e angústias referentes à matéria - relações humanas e direito de família - e de algumas leituras em obras de referências importantes na psicologia - tais como Carl Rogers, J. L. Moreno e Richard Hycner, entre outros, bem com autores relevantes no Direito de Família, tais como Luiz Alberto Warat e Eduardo de Oliveira Leite. Sem esgotar o assunto e sem pretender firmá-lo como uma verdade absoluta e inquestionável, apresenta uma tentativa de definir a relação humana e de defender a relação de família como uma relação de reforço dos atributos da relação humana verdadeiramente autêntica e possibilitadora. PALAVRAS-CHAVES: DIREITO DE FAMÍLIA, RELAÇÕES HUMANAS, RELAÇÕES FAMILIARES. ABSTRACT This article aims to initiate a reflection about the human relationship and the reflexes that is required to make the confirmation of family relationships in order to make some assumptions about the essence and purpose of family relationship as a place of maturity and update individual and authentic encounter between those in relationships of affection. It also aims to question whether some prescriptive or social definition of family may consist in a possible cause of failure in meeting these goals so far. This work was the result of some thoughts and anxieties regarding the matter - human relations and family law - and some readings in major reference works in psychology - such as Carl Rogers, J. L. Moreno and Richard Hycner, among others, and with relevant * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

RELAÇÃO HUMANA E DIREITO DE FAMÍLIA: EM BUSCA DA … · O trabalho foi fruto de algumas reflexões e angústias pessoais referentes à matéria – relações humanas e direito

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RELAÇÃO HUMANA E DIREITO DE FAMÍLIA: EM BUSCA DA EXPRESSÃO DE UMA RELAÇÃO HUMANA CONSTITUTIVA DA

EXPERIÊNCIA FAMILIAR*

HUMAN RELATIONSHIP AND FAMILY LAW: IN SEARCH OF THE EXPRESSION OF A HUMAN RELATIONSHIP CONSTITUTES THE FAMILY

EXPERIENCE

Renata Ovenhausen Albernaz Camila Salgueiro da Purificação Marques

RESUMO

Esse artigo objetiva iniciar uma reflexão sobre a relação humana e os reflexos que essa deva lançar na confirmação das relações familiares, no intuito de apresentar algumas hipóteses sobre a essência e a finalidade da relação de família como um espaço de amadurecimento e atualização individual e de encontro autêntico entre pessoas envolvidas em relações de afeto. Também visa questionar se algumas prescrições normativas ou sociais na definição da família possam consistir em uma possível causa de insucesso no cumprimento desses fins até então. Este trabalho foi fruto de algumas reflexões e angústias referentes à matéria - relações humanas e direito de família - e de algumas leituras em obras de referências importantes na psicologia - tais como Carl Rogers, J. L. Moreno e Richard Hycner, entre outros, bem com autores relevantes no Direito de Família, tais como Luiz Alberto Warat e Eduardo de Oliveira Leite. Sem esgotar o assunto e sem pretender firmá-lo como uma verdade absoluta e inquestionável, apresenta uma tentativa de definir a relação humana e de defender a relação de família como uma relação de reforço dos atributos da relação humana verdadeiramente autêntica e possibilitadora.

PALAVRAS-CHAVES: DIREITO DE FAMÍLIA, RELAÇÕES HUMANAS, RELAÇÕES FAMILIARES.

ABSTRACT

This article aims to initiate a reflection about the human relationship and the reflexes that is required to make the confirmation of family relationships in order to make some assumptions about the essence and purpose of family relationship as a place of maturity and update individual and authentic encounter between those in relationships of affection. It also aims to question whether some prescriptive or social definition of family may consist in a possible cause of failure in meeting these goals so far. This work was the result of some thoughts and anxieties regarding the matter - human relations and family law - and some readings in major reference works in psychology - such as Carl Rogers, J. L. Moreno and Richard Hycner, among others, and with relevant

* Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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authors in family law, such as Luiz Alberto Warat and Eduardo de Oliveira Leite. Without exhausting the subject and without intending to establish him as an absolute and unquestionable truth, presents an attempt to define the human relationship and defend the family relationship as a reinforcing relationship of the attributes of a human relationship truly authentic and enabler.

KEYWORDS: FAMILY LAW, HUMAN RELATIONS, FAMILY RELATIONSHIPS.

Introdução

A relação de família já apresentou várias conformações. Já foi entendida como laços de sangue em que se buscava garantir sobrevivência e perpetuação da espécie; como instituição destinada à preservação legítima do patrimônio acumulado; já foi marcada pela desigualdade e subserviência da mulher e filhos ao marido e pai; pela forçada fidelidade, principalmente feminina, pois aos homens seus rigores eram atenuados; já foi palco de encargos, enganos e frustrações, o túmulo dos sonhos e da compreensão. Agora, diante da força da realidade social, dos novos posicionamentos doutrinários e legislativos, principalmente com o advento da Constituição Federal brasileira de 1988, surgem novas possibilidades de redefinir a família, encontrando sua verdadeira essência como relação humana fundamental.

Redefinir a família como espaço relacional, mais do que institucional, impende considerar que a sua construção é feita por aqueles envolvidos na relação, e não dada como um conjunto de valores e papéis externos arbitrariamente impostos a conformá-la; é tê-la como um espaço de encontro individual, de relações duais autênticas, de desenvolvimento e de amadurecimento; um núcleo de compreensão, aceitação, respeito, afeto e amor, muito mais possível no pequeno grupo da família, em que a proximidade é intensa e as escolhas são livres e afetuosas, que em qualquer outro. Um espaço protegido como um direito essencial humano de buscar o encontro com o outro e consigo mesmo.

Algumas doutrinas psicológicas, tais como as de ROGERS, MORENO, HYCNER, que tratam da relação humana, parecem indicar que esta deve ser essencialmente possibilitadora da manifestação autêntica do “eu” perante o “tu”, que deve permitir o amadurecimento individual de cada um pela descoberta dos valores internos do ser, pelo encontro espontâneo e criativo, pelo diálogo de suas singularidades. Outros autores, como FOLLET, admitem que a relação é dinâmica, está sempre em construção de si mesma e de seus autores e, assim, também a solução dos inevitáveis conflitos advindos do contato de pessoas essencialmente distintas, com interesses diversos, deve ser construída pela relação, em uma proposta integradora, possibilitada pela manifestação autêntica de cada parte.

A relação familiar, como a relação humana mais íntima, não pode desconhecer ou atentar contra essa essencialidade da relação humana. Não se pode prescrever um tipo

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enrustido com valores que a tornem, em vez de uma matriz fundamental de encontro e autenticidade, uma das principais prisões do “eu” e do “outro”.

Avanços já foram conquistados, mas um maior entendimento acerca do ser humano e da relação humana permitir-nos-á ir mais longe, na tentativa de afirmar o eterno direito do encontro, do descobrir-se enquanto ser, e de, em conseqüência disto, empreender uma felicidade que não é um padrão, mas uma verdade individual, definida por cada ser humano em sua singularidade[1]. Talvez a família deva ser considerada como aquele espaço relacional onde ocorra a preservação de relações autênticas e de manifestação da tendência atualizante e do amadurecimento proposto por ROGERS; onde se dá o encontro espontâneo e criativo defendido por MORENO; onde as regras sejam criadas na dinâmica da própria relação.

Este ensaio objetiva, assim, propor uma reflexão sobre a relação humana que pode justificar e dar um sentido existencialmente significativo à experiência da família, espelhando a potencialidade do reconhecimento de novas experiências relacionais como experiências familiares, e, assim, que devam ser garantidas e resguardadas no mesmo nível que a família institucionalizada o é. Pretende-se especular acerca da hipótese de que as relações familiares, que também são relações humanas, têm por essência o encontro autêntico, e por finalidade o amadurecimento e a atualização individual entre pessoas envolvidas em relações de afeto. Também visa questionar se algumas prescrições normativas ou sociais na definição do papel da família institucionalizada podem consistir em uma possível causa de insucesso no cumprimento desses fins até então.

O trabalho foi fruto de algumas reflexões e angústias pessoais referentes à matéria – relações humanas e direito de família – e de algumas leituras em obras de referências importantes na psicologia – tais como Carl Rogers, J. L. Moreno e Richard Hycner, entre outros, bem com autores relevantes no direito e no direito de família, tais como Luiz Alberto Warat e Eduardo de Oliveira Leite. Sem esgotar o assunto, em si tão inesgotável como a complexidade do ser humano e suas relações, e sem pretender firmá-lo como uma verdade absoluta e inquestionável – talvez impossível num campo tão vasto e passível de olhares sob tantas e diversas perspectivas, esse ensaio nada mais faz do que nos convidar a refletir sobre a relação humana, para entendê-la e tratá-la de modo a construí-la ou permiti-la mais autêntica, libertadora e potencializadora das capacidades e sensibilidades humanas.

1. O humano e a relação humana: em busca de si e do outro.

Todo o ser humano procura aproximar-se, o máximo possível, do estado de liberdade e amor, procura aprender a ser livre[2], a amar e a ser amado. Liberdade esta, não apenas física, mas, principalmente, a de ser si mesmo, a de possuir-se, a de expressar-se ao outro sem máscaras, sem medos, sem repressões, de escolher os seus caminhos. A liberdade, segundo ROGERS & KINGET[3], refere-se à experiência[4], aos fenômenos internos, e ela

consiste no fato de que o indivíduo se sente livre para reconhecer e elaborar suas experiências e sentimentos pessoais como ele o entende. Em outras palavras: supõe que

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o indivíduo não se sinta obrigado a negar ou a deformar suas opiniões e atitudes íntimas para manter a afeição ou o apreço das pessoas importantes para ele.

Pensar a liberdade desta forma é percebê-la muitas vezes negada – pelos condicionamentos sociais, culturais, políticos, religiosos, normativos, publicitários, institucionais que normalizam e padronizam os comportamentos – uma vez que são tantos os valores impostos de fora, são tantas ordens a que obedecer, tantos condicionamentos e conformações de conduta a serem cumpridos, que sobra muito pouco espaço para a obediência aos valores, experiências e sentimentos que, verdadeiramente, fazem sentido ao sujeito. E nesta supremacia dos condicionamentos, a experiência se dissocia da representação; o outro próximo, potencialmente força de libertação, acaba se invertendo no seu oposto – ele se transfigura em uma fonte de repressão do eu e acaba exigindo, em troca do reconhecimento que dá, um cuidadoso auto-controle deste eu sobre si; e, infelizmente, este auto-controle em troca da aceitação é fatal para qualquer relação autêntica.

Essa inversão do outro também é perigosa, pois aniquila um princípio fundamental da relação autêntica segundo o qual estar perante outro é condição de liberdade, de expressar-se livremente, de ser o que se é. Daí que a busca do encontro, nesta inversão, é profundamente tensa – procuro o outro a quem me oportuniza a liberdade, mas temo encontrar aquele que me pode aprisionar em troca de sua aceitação. Este tem sido um dos dilemas da relação familiar contemporânea, pois no choque entre sua função existencial de encontro e liberdade e sua função social de controle e integração social, o indivíduo se vê, nas relações familiares, hora em intensa liberdade, ora na mais profunda repressão – posta que a relação familiar advém de arraigados laços afetivos aos quais não se pode desvencilhar.

Neste conflito, oportuno suscitar a hipótese de que a família deve ser localizada naquele espaço relacional onde as relações interpessoais possam ser verdadeiramente autênticas; espaços que possibilitem a manifestação da tendência atualizante[5] dos indivíduos, onde predomina a aceitação e respeito a essa liberdade de cada um. Limites existem, mas não podem ser tão agressivos ou totalizantes que abafem o ser individual em sua riqueza e singularidade.

Várias são as formas pelas quais a experiência pode estar dissociada da representação: normas sociais, morais, interferências interpessoais castrantes. Quanto mais elas atuam, mais frustrado o indivíduo, maior a tensão a qual ele está submetido, menor sua atualização e desenvolvimento. Pelo contrário, ensinam ROGERS & KINGET[6], quando a tendência atualizante se desenvolve sob condições que as favorece – ou seja, sem entraves psicológicos graves – o ser humano caminhará para seu desenvolvimento, para a sua maturidade, alcançando uma percepção de si mesmo e de seu ambiente – e articulando seu comportamento segundo essa percepção – no sentido de uma autonomia crescente, típica do progresso rumo à idade adulta. “A personalidade”, segundo os citados autores, “representa a atualização máxima das potencialidades do ‘organismo”.

Esse nível de maturidade e autonomia, porém, não se dá como uma manifestação exacerbada e irresponsável das expressões livres, de modo que o comportamento que dele decorra fira ou agrida o outro. Pelo contrário, a experiência livre dos sentimentos

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permite perceber, por si mesmo – e não como algo imposto e insignificante – os limites de nossa conduta frente àqueles com quem nos relacionamos. Afirmam ROGERS & KINGET[7] que uma das necessidades mais essenciais do ser humano é o afeto e o respeito de seus semelhantes e que, na medida em que ele desenvolve suas experiências, apercebe-se que a melhor forma de conquistar esse afeto e respeito é, justamente, comportar-se de forma razoável e social, e, segundo suas percepções, o indivíduo se autocorrige e auto-avalia rumo à maturidade nestas relações. Ocorre que nesse estado o ser humano se expressa e se comporta, de modo responsável e maduro, de acordo com as suas descobertas pessoais sobre as melhores formas de conquistar e manter o afeto daqueles a quem ama ou convive, descobertas essas, possíveis diante de elementos (relações, substancialmente) que as permitam. Com essas descobertas ele mesmo se corrige e por si só e se avalia, independentemente de qualquer padrão objetivo que se lhe queira impor de fora para dentro, padrão imposto, na maior parte das vezes, infrutiferamente. “Em última análise”, ensinam ROGERS & KINGET[8],

é, pois, a capacidade do ser humano de tomar consciência de sua experiência, de avaliá-la, verificá-la, corrigi-la, que exprime sua tendência inerente ao desenvolvimento em direção à maturidade e, portanto, em direção à autonomia e à responsabilidade.

O desenvolvimento, assim, para esses autores, decorre da conjugação de forças internas, positivas em sua orientação, flexíveis ou até mesmo instáveis, e de forças externas que sejam favoráveis[9] à atualização das primeiras[10]. Com forças externas favoráveis, ROGERS & KINGET[11] não buscam negar quaisquer normas que pudessem reprovar condutas entre aquelas passíveis de ofender ou agredir o indivíduo ou a sociedade impondo sanções em face desse fato. O que os autores afirmam é que essas reprovações não podem atingir o indivíduo como um todo, mas apenas o espaço limitado e passageiro daquele ato. Caso contrário, a reprovação fulminaria o “eu” e o sujeito acabaria entendendo-se segundo esse julgamento, que na íntegra lhe afeta, passando, assim, a agir de acordo com essa idéia. Este tipo de atuação relacional, aliás, é muito comum na família nos atos de educação de filhos, sendo uma importante configuradora da personalidade destes. Diz-se: “meu filho é levado”, “minha filha é desorganizada”, quando o que as crianças fazem são atos levados e omissões de organização, mas esses atos são comunicados pelos pais aos filhos como atributos do caráter destes e, quando reiteradamente ditos, as crianças os absorvem como o sendo de verdade. E esses juízos e reprovações, ensinam ROGERS & KINGET[12], se apresentam ao indivíduo como uma ameaça que acaba por reprimir não apenas a expressão de seus sentimentos tidos por proibidos, como também sua própria representação de si. Eles fazem com que o humano se quede às normas que governam o seu grupo e que lhe são transmitidas por suas pessoas-critério (pessoas importantes em sua existência), incorporando-as em sua estrutura psíquica e se censurando, penosamente, quando se apercebe contido de pensamentos e sentimentos que lhe são proibidos ou contrários às normas. Mas essa tensão não se estabiliza facilmente, e o indivíduo acaba buscando se livrar ou de si, ou desses elementos ameaçadores, gerando desencontros e frustrações.

O indivíduo, assim, acentuam ROGERS & STEVENS[13], abandona seus centros de avaliação de valores para, numa tentativa de conservar amor, consideração e aprovação, passar a se comportar segundo os valores estabelecidos por outros, mesmo que sejam absurdamente contrários aos que sente. Este choque torna a defesa de valores altamente

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contraditória – uma vez que não sentidos, a vigília para protegê-los constantemente sucumbe – e a pessoa sente-se profundamente insegura, já que se enquadra em algo que não lhe acomoda. Ao contrário, continuam os autores, quando a pessoa sente-se valorizada em sua individualidade e singularidade, pode, lentamente, começar a valorizar os aspectos de si mesma, a perceber e sentir o que ocorre no seu íntimo, a entender como reage, como suporta, a questionar os valores que lhe foram impostos, enfim, a tornar-se um ser humano psicologicamente maduro. No âmbito das relações humanas, acrescentam os autores, essas só são realmente profundas e proveitosas se permitem a manifestação dessa maturidade, se são sentidas como formas de auto-realização[14]. Esta relação que permite o desenvolvimento individual, do mesmo modo, é sempre marcada pela autenticidade – como expressão sincera de sentimentos e atitudes que ocorrem no momento, pela atenção positiva incondicional – ou seja, o interesse pelo outro não é possessivo ou condicional, aceitando-se todos os comportamentos, de modo a não os destinguir em reprovados ou aprovados – e pela compreensão empática – ou a capacidade de percepção dos sentimentos vivenciados pelo outro. [15]

Urge acrescentar que esta defesa de ROGERS & STEVENS[16] segundo a qual maturidade seja alcançada pela possibilidade de expressar seus sentimentos e construir suas próprias valorações – libertando-se das valorações externas e objetivas – não significa a impossibilidade do sucesso de relações interpessoais e até mesmo sociais, mesmo que tal singularidade, segundo uma vista superficial do assunto, pareça conduzir ao caos de integração social. Isto porque, estes autores entendem que, quando os indivíduos tendem a ser valorizados e quando existe maior liberdade de ser e sentir, surgem algumas orientações de valor espontâneas que apresentam certa homogeneidade entre todos os demais seres humanos. Seriam como valorações pertinentes a espécie humana:

[...] Ouso acreditar que, quando o ser humano fica interiormente livre para escolher o que quer que valorize profundamente, tende a valorizar os objetos, experiências e objetivos que permitam sua sobrevivência, seu crescimento e seu desenvolvimento, bem como a sobrevivência e o desenvolvimento de outras pessoas. A minha hipótese é que é característico do organismo humano preferir estes objetivos de realização e socialização, quando se expõe a um clima que favorece o crescimento.

[...] Finalmente parece que voltamos à questão da universalidade dos valores, mas por um caminho diferente. Em vez de valores universais ‘lá fora’, ou um sistema universal de valor imposto por algum grupo – filósofos, governantes ou sacerdotes – temos a possibilidade de orientações humanas e universais de valor que surgem da experiência do organismo humano.

Deste modo, ao invés do caos e do egoísmo, apenas esse reconhecimento da liberdade do indivíduo pode permitir o aprimoramento e a autenticidade das relações humanas[17]. Isto por que é essa percepção do “eu” que condiciona a direção do comportamento e permite aceitar o outro também como ele é. Reportando-se a ética, ROGERS & STEVENS[18] enfatizam, ainda, que esta pode ser entendida como uma resposta livre à vida e ao viver, uma resposta que defende o “eu” mas também o “tu”.

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Sob outra perspectiva[19], MORENO[20] parece defender a relação humana, nos métodos que adota em sua atividade, segundo uma posição que abarca alguns aspectos interessantes à nossa discussão, tais como:

Primeiro, a hipótese da espontaneidade-criatividade como força propulsora do progresso humano, acima e independente da libido e de motivos sócio-econômicos – o que não nega o fato de que eles estão freqüentemente inter-relacionados, mas que nega o fundamento de que são meramente função e derivativo; segundo, a hipótese de crédito nas intenções de nossos companheiros – desconsiderando a obediência resultante da coerção física ou legal – a hipótese do amor e da partilha mútua como princípio funcional poderoso e indispensável na vida de um grupo; e, terceiro, a hipótese de uma comunidade superdinâmica baseada nesses princípios, que podem ser efetivados através de novas técnicas.

Nesta defesa de MORENO, relações humanas deveriam conduzir-se segundo uma espontaneidade e criatividade[21] peculiar, garantida por um pressuposto de uma comunidade de amor. Talvez na família, mais do que em qualquer grupo social, esses preceitos possam, ou mesmo devam, ter vigência. Mesmo porque, MORENO defende a tese de que a proximidade espacial e temporal faz o ser humano dedicar aos seus mais próximos sua maior atenção e a firmar laços mais estreitos de aceitação e de amor, e a proximidade é uma marca das relações familiares. A proximidade, as palavras que se voltam uns aos outros, as escolhas daqueles com quem se interage, o tempo que se passa juntos, a distância espacial que as separa ou une, os papéis que escolhem atuar, as interações que estabelecem e as influências recíprocas, tudo isto tem um significado para as pessoas envolvidas no enredo da vida do grupo, quando enredo este se dá de maneira espontânea, com atores espontâneos, significado este que é rompido (ou corrompido), segundo MORENO[22], quando esse enredo, esses elementos, as interações, já se encontram preestabelecidos, seja por quem for, roubando dos atores em interação a sua espontaneidade criativa. A Psicoterapia em grupo, defendida por MORENO[23], “é um método que protege e estimula os mecanismos de auto-regulagem dos grupos naturais”, fazendo prevalecer a espontaneidade, o envolvimento natural e a emergência de diferenciações e atribuições próprias ao grupo (e não alienadas dele, impostas de fora dele).[24]

Essa espontaneidade[25] criativa nas relações interpessoais, no entanto, adverte MORENO[26], não é possessiva. A criação não pode ser guardada pelo criador, conduzida por ele, possuída por ele, ser seu patrimônio; ela existe, é concebida e entregue a universalidade, pois o gênio que a concebe não pretende sua posse[27].

Também MORENO defende seus métodos e teorias – a sociometria, por exemplo – focalizando as relações reais e específicas entre as pessoas, e não situações abstratas e gerais por qualquer natureza. Assim, entendendo-se, segundo a definição de MORENO[28], a sociometria[29] como a “teoria e, depois, o método – método de como reunir os fatos realmente vitais para o relacionamento interindividual de pessoas que vivem em grupos sociais e como corrigir, imediatamente, o atrito dos membros com o mínimo de esforço”, podemos propor, na regulação das relações interindividuais, uma análise particular da relação em questão e o apelo à espontaneidade e criatividade dos elementos envolvidos nessa relação, como o mecanismo mais adequado (talvez o único

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realmente eficaz na solução do conflito) e menos dispendioso de solução de conflitos interpessoais em pequenos grupos, principalmente naqueles marcados por grande proximidade espaço-temporal, tal como é a família. Neste sentido, são questionáveis, na solução desses conflitos, o apelo à intervenção de qualquer elemento externo que tente se impor a essa relação de modo coercitivo, bulindo a espontaneidade e subestimando a capacidade humana interpessoal.

A tese da espontaneidade se reforça em MORENO[30] na idéia de um estado natural do homem, um estado no qual esse desenvolva seus esforços e relações dentro da mais primária espontaneidade, sem qualquer sugestão doutrinária ou externa, através de afinidades e padrões construídos ou reconstruídos nos agrupamentos de acordo com interações espontâneas e na qual possa expressar livremente sua individualidade dentro do momento presente em que se encontra. MORENO[31] afirma, ainda, que as relações interpessoais se baseiam na experiência do encontro, como um evento concreto-situacional entre dois atores, que se experimentam e vivenciam um ao outro, segundo um direito nato, e não imposto, e no qual podem exercitar a franqueza e a liberdade, unidos pelos objetivos mútuos - “somente pessoas que se encontram podem formar um grupo natural e começar uma verdadeira sociedade de seres humanos.”

Nesta luta pela afirmação do princípio da liberdade, MORENO[32] também questiona todas as formas de aprisionamento da espontaneidade, tais como a linguagem, a tomada de papel completa[33], normas rigidamente prescritas pelo costume ou pela lei, entre outros, e busca retirar do humano todas as camadas de conserva as quais foi exposto, deixando nua a sua personalidade para que ela possa expressar o processo inerente a seu próprio organismo, o seu processo natural de resposta à nova situação presente ou a uma situação já conhecida a qual traga novas soluções. Isto porque, mMuitos dos problemas humanos, adverte o autor, são decorrentes da perda da espontaneidade, e todos aqueles que procuram os fatores patológicos do ser humano e de suas relações acabam não se apercebendo disso, já que acabam por desconsiderar a capacidade de respostas satisfatórias e adequadas advindas da espontaneidade, aprisionando-a ainda mais em sistemas determinísticos para evitar os estados patológicos excepcionais.

Logo, tanto para Rogers como para Moreno, as relações humanas são possíveis na espontaneidade libertadora, e o ser humano, quando permitido, tende a comportar-se perante o outro de forma a também respeitá-lo. Qualquer padrão que não esteja de acordo com as tendências individuais só poderá ser mantido artificialmente e a custa de uma grande fragilização das relações e do ser humano, uma vez que não baseadas na verdade do ser, mas na mentira do manter-se o que não se é.

Seguindo a proposta dialógica, e tendo como principal referência MARTIN BUBER, HYCNER[34], por sua vez, defende que a natureza humana é inerentemente relacional – relação na qual a individualidade é um dos pólos, rendendo-se ao “entre”, mas que, apesar disto, quando do encontro do EU e do TU, a singularidade de cada um é manifesta, aceita e compreendida em um diálogo perfeito, espontâneo, de interesse recíproco, em que um e outro se interpenetram[35]. E no dilema familiar segundo o qual a família é tanto espaço de autenticidade relacional como foco dos olhares atentos e julgadores da sociedade, importa-nos refletir sobre algumas afirmações de HYCNER[36]:

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Diferentemente dos animais, que parecem não questionar sua natureza animal, o ser humano precisa ser confirmado pelos outros, para se perceber como ser humano. ‘... Secreta e timidamente, ele espera por um Sim que lhe permita ser e que só pode chegar até ele vindo de uma pessoa para outra. [...]

Devido a essa necessidade desesperada de confirmação acabamos nos tornando ‘falsos eus’ (Laing, 1965) ou, o que Buber chama de ‘parecer’. Estamos tão sedentos de confirmação que, se não a recebemos por sermos quem somos, nos esforçaremos para obter qualquer coisa semelhante. Isto é, tentaremos consegui-la nos ‘mostrando’ da maneira que pensamos que a outra pessoa deseja. Criaremos uma impressão – nos empenhando em alguma forma de ‘parecer’, a fim de receber aprovação. Não somos nós mesmos. A ironia, é claro, está em que isto nunca é uma confirmação genuína e a pessoa, no fundo, sabe disso. Porém, esse reconhecimento de nosso existir, mesmo como um ‘falso self’, é preferível à ausência de reconhecimento (May, 1969). Todos os seres humanos desenvolvem o ‘parecer’ em alguma medida, a fim de sobreviver psicologicamente. Ainda assim, bem no íntimo da pessoa, a alma clama pelo reconhecimento de que esta pessoa única existe.

Este reconhecimento de cada pessoa como um ser único é um dos elementos do diálogo genuíno[37]. Diálogo, porém, que não descarta o conflito. FOLLET[38], neste sentido, percebe que a relação humana não é estática, ao contrário, ela é dinâmica, está sempre a evoluir; além disso, a relação não é meramente dual, simplificada, como se o Eu e o Outro nada tivéssemos em nosso comportamento em comum, mas apenas diferenças. Ao contrário, para a autora a relação é uma resposta circular, ou seja, ela se dá pelo encontro, pela interpenetração das minhas atividades com as outro, pela recíproca influência que o Eu e o outro, relacionando-se, cria sobre eu e sobre o outro e de como isto ocorre continuamente. Eu influencio o outro na mesma medida que o outro me influencia e o “nós” relacionando-se, modifica a ambos. Nesta relação circular, as atividades de seus membros se modificam a cada instante, a cada situação e na medida em que se desenvolve a relação. O comportamento, assim, não é estático, evolui a cada nova situação relacional, pois que esta é sempre incremental.

Já que, segundo a autora, não há como prescindir das relações e partindo-se do pressuposto que no âmago da consideração dos entes humanos encontramos, acima de tudo, diferenças, estas fazem com que, nessas relações a regra seja o conflito; ocorre que este deve ser tratado, não pelo julgamento de quem está ou não certo, pois em questão de interesses, ambos sempre o estarão, mas pelo entendimento do que é importante para um e outro, de modo que as soluções possam satisfazer a ambos. Esta é a única forma de se usar o conflito construtivamente.

Nas relações humanas, assim, a essência daquelas que procuram ser denominadas como verdadeiramente autênticas e significativas aos sujeitos envolvidos consiste na liberdade que permite a um e outro ser o que são, respeitando e aceitando o outro nas diferenças que sua singularidade lhe dispõem, e na afirmação do caráter espontâneo e construtivo da relação e das soluções aos conflitos que surjam na interação; elas tendem a ser relações que não sofram a interferência inibitória de valores que não pertençam ou nada signifiquem para os sujeitos envolvidos, e que realcem o amadurecimento individual e pessoal como a única forma de realização humana e, por conseqüência, de realização

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social. Mais intensa que qualquer outra, a relação familiar sã deveria se apresentar como a que mais se aproximaria desse modelo relacional.

2. A Família e sua importância na realização humana

Inspiraram-nos as palavras de WARAT[39] para o despertar de nossas reflexões sobre a família, seu significado, sua verdadeira essência, sua mais importante finalidade. Vejamos a doçura de seus ensinamentos:

O próximo milênio nos há de encontrar comprometidos com um novo projeto de sociedade. Para que a espécie humana sobreviva temos que nos engajar na procura de um homem novo. Um projeto que tente começar por reconhecer que existe um espaço psíquico que está sendo absolutamente destruído pela tecnologia avançada. [...]

Para o próximo século o ego affectus est deve tentar substituir aos processos excludentes do ego cogito. [...]

As relações humanas encontram-se permeadas por um sentido que precisa situar-se no amor para extrair sua fonte de significação. [...]

É evidente, para mim, que o amor perde sua qualidade quando transforma o homem em espelho amante das imagens estabelecidas e estabilizadoras, em espelho amante das culpas e dos códigos normativos.

A qualidade do amor há de ser sustentada por uma experiência interior que dispense as exigências de uma moral culpabilizadora, de um sistema de valores que pretenda organizar a vida a partir de um inventário de expectativas maximamente repressivas.

Tais pensamentos nos levaram a questionar até que ponto a família jurídica, principalmente antes das inovações louváveis da Constituição Federal Brasileira de 1988, não estava por demais tipificada, normalizada, padronizada, encarnada de pesados e desconfortáveis deveres, e não tinha a afetividade como seu eixo fundamental. A evolução do próprio conceito de família nos sugere este questionamento.

O termo “família”, segundo DE PLACIDO SILVA,[40] podia ser entendido, em sentido estrito, como a sociedade conjugal, constituída pelo casamento, e sua prole. Em sentido lato, ela significa todas as pessoas ligadas por laços de consangüinidade, ou seja, todas aquelas ligadas por um ancestral comum. No Direito Constitucional, o sentido de família se expande para o de entidade familiar. Adverte o autor que a família romana consistia no conjunto de pessoas submetidas ao poder de um mesmo cidadão independente e compreendia todos os bens que lhes pertenciam, tendo forte conotação patrimonial. O termo “família”, ensina LEITE[41], em suas primeiras significações por escrito, significava “o conjunto de escravos e servos que trabalhavam para a subsistência e se achavam sob a autoridade do pater familias”, o que liga o termo família ao sentido de subordinação comum, e que vai permear a noção de família por vários séculos.

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LEITE[42], em seu estudo acerca dos tipos que a organização familiar assumiu ao longo da história, traz-nos alguns esclarecimentos e aprofundamentos importantes para o entendimento da relação familiar. Segundo ele, a família, apesar de, ao longo da evolução dos sistemas sociais, assumir características diversas, origina-se de dados biológicos primários que são a união sexual do homem e da mulher e a procriação. No início, apesar de advertir que poucas são as informações existentes que permitem qualquer afirmação categórica, a família parecia estar intimamente ligada à necessidade de sobrevivência e acompanhava a evolução dos sistemas criados para tanto. Segundo o autor, só após a fase superior da barbárie, quando alguns fatores técnicos permitiram a sedentariedade, pôde a família ser estudada sobre dados concretos. Tomada em função de seu contexto social, ensina o autor, citando Lévy-Strauss, a família era caracterizada como um grupo social originado pelo casamento, composto por marido, mulher e filhos unidos por laços legais, direitos e obrigações econômicas e religiosas e de algum tipo, compondo uma rede precisa de direitos e proibições sexuais além de sentimentos variáveis. A sociedade, aliás, menciona o LEITE, explicando os estudos de Morgan, exerce influência inquestionável sobre a estrutura e forma da família, impondo às relações que se estabelecem regras de observância obrigatória, mas que se modificam constantemente.

Analisando os diversos tipos de família, LEITE[43], baseado em estudos, agrupa-os em algumas categorias tais como: (1) a família consangüínea, onde as relações se davam entre os membros de um grupo familiar sob a característica da promiscuidade[44]; (2) a família pulaluana, baseada na noção de casamento grupal e, em conseqüência disto, a descendência era estabelecida apenas pelo lado materno (matriarcado) dando posição de destaque à mulher frente a certeza da maternidade e a dúvida da paternidade; (3) a família sindiásmica[45], como união de um só casal num sistema de exogamia; (4) a família patriarcal, em que a hereditariedade, o nome, o status e a propriedade são afirmados sobre o tronco paterno e marital[46] e no qula a mulher assume o papel de quase serva; e (5) a família monogâmica, caracterizada pela coabitação de casais isolados, onde o caráter de manutenção de propriedade parece justificá-la.

O modelo de família jurídico oficial seria este modelo monogâmico. Quanto ao sentido patrimonial deste, sobrepujando ou mesmo desconsiderando o amor como elemento de sua composição, ENGELS[47] revela que estes casamentos eram promovidos por conveniência e a intenção era garantir ao homem não só a supremacia da família, subjugando a mulher, com a certeza de herdeiros legítimos a quem propagar seu patrimônio acumulado; afora este sentido, ela significava um fardo, um dever a que se era obrigado assumir, inclusive nos deveres conjugais aos quais se era constrangido ao seu cumprimento. Dentro desse contexto em que o amor e o afeto não estão necessariamente associados na instituição do casamento, as relações extraconjugais tornam-se comuns, o que ENGELS denomina “heterismo”. Como instituição social, o heterismo supria a ausência do amor conjugal e era praticado, sobretudo, e com vantagens pelos homens, pois as mulheres que buscassem essa prática eram gravemente condenadas e censuradas. Assim, às esposas restava o abandono ou a reação com o adultério perigoso, mas inevitável. “Eis o resultado final de três mil anos de casamento monogâmico”, conclui o autor.

GLOTZ[48], em seu estudo sobre a sociedade grega, aponta que, já naquela época despontava a “crise do casamento” e o “reinado das cortesãs”, mesmo que não se negasse a busca da harmonia sonhada com o casamento, contra o que o fazia parecer

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uma mera convenção, uma instituição fria e artificial. Chegou-se a declarar, afirma o autor, coisas do gênero: “Temos esposas para que se perpetue nosso nome, concubinas para que cuidem de nós, cortesãs para que nos divirtam”. [...]

Mesmo na Idade Média, apesar do enaltecimento do amor sexual como paixão, acentua ENGELS[49] que essa forma de amor não era característica do matrimônio, mas apenas dos casos de adultério, causa de grandes romances. A monogamia, nesses sistemas era, assim, conhecida como um pesado aborrecimento, denominado, explica o autor, como “felicidade doméstica”.

O casamento, como instituição pública, ensina LEITE[50], adveio da Revolução Francesa, mas teve sua origem na Reforma quando se questionava a interferência da religião na sua regulamentação por entendê-lo matéria de direito público. O casamento foi, assim, regulamentado pela inclusão da matéria nas codificações do século XIX, edificando-se o Direito de Família e afirmando a proteção, o controle e a preservação da família como um dever assumido pelo Estado. O Código Civil Francês de 1804, continua o autor, imprimiu características à família legítima e expurgou àquelas que se afastavam do modelo advindo do casamento. O Imperador francês – Napoleão Bonaparte – tipificou a família com um caráter hierarquizado e patriarcal, marginalizando todas as demais estruturas familiares fora do casamento. A família passou a ser desenhada segundo aspectos estritamente legais e só ganhava proteção do Estado se estabelecida de acordo com a Lei. Família legítima, até então, era “a constituída por homem e mulher, livres e desimpedidos, que declaram solenemente sua vontade diante da Lei.”

No entanto, a família, segundo estudos da FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS[51], passou a assumir outras funções, para além da reprodução da espécie, a criação e socialização dos filhos e a transmissão do patrimônio cultural, tais como a função econômica, a de conferir status e classificação social de seus membros, a função recreativa, a de assistência e a função de solidariedade. Também, em relação à família extensa de outrora, passou a ser afirmada a família nuclear como a grande responsável da socialização dos filhos e da estabilidade emocional e mental das personalidades adultas, muito em virtude da livre escolha dos parceiros, do maior número de divórcios, da maior mobilidade residencial, do enfraquecimento dos laços de parentesco, da emancipação da mulher, entre outros. A família nuclear, continuam, constitui uma adaptação especializada que acentua valores de desempenho, mobilidade social e solidariedade, em contraposição aos valores da família tradicional extensa que acentuava a permanência, a estabilidade e a continuidade através do nome, da profissão e da herança. A tendência, porém, segundo esses estudos, é considerar essa família nuclear não como uma mera relação de indivíduos, mas como um sistema de papéis[52].

Apesar de concordar no estreitamento das relações familiares ao núcleo central de relações entre os pais entre si e seus filhos, dissolvendo a força da família extensa, LEITE[53] parece discordar que tal concentração reforce os papéis de cada parte, tal como acima foi afirmado. Afirma que neste momento em que a família deixa de ser uma instituição de finalidades patrimoniais e passa a ser uma escolha, uma decisão individual no estabelecimento de relações, as considerações de ordem econômica não mais prevalecem e se passa a dar espaço às considerações afetivas e pessoais. O casamento, antes funcionalizado para a procriação e transmissão do patrimônio, passa a

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ser visto como espaço de companheirismo e afeto, onde a hierarquia e a autoridade se dissolvem e a rígida divisão de papéis se atenua, sendo enfatizada a linearidade dos sentimentos. Com isto, continua o autor, ao invés da fidelidade às gerações, passou-se aos valores da felicidade e do desenvolvimento pessoal sustentados, não na quantidade da família tradicional, mas na densidade dos laços da família nuclear.[54]

Essa nova configuração familiar em que não mais prevalecem funções e papéis, mas sim afetuosidade, compreensão e solidariedade, não dissolve ou destrói a instituição família, tal como pode parecer, pelo contrário, a nosso ver, a reconfigura, talvez para fazê-la assumir sua verdadeira essência enquanto construção humana, pois a afirma em relações mais orgânicas, mais humanizantes e realizadoras, um grupo em que realmente as pessoas se encontram[55], compreendem-se e se atualizam[56]. E, consoante opinião de FARIAS[57], pelo princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III da Constituição Federal), o casamento deixou de ser o modelo oficial de família, pois não há superioridade hierárquica entre ele e outras entidades, como união estável e família monoparental, o que significa a opção pelo amor, prestigiando o vínculo da afetividade.

Efetivamente, na legalidade constitucional, a família assume um desenho plural, aberto, multifacetário e globalizado, servindo como locus privilegiado para o desenvolvimento da personalidade humana. Enfim, é o ambiente ideal para a realização espiritual e física do ser humano. Ou seja, somente se justifica a proteção da família para que se efetive a tutela da própria pessoa humana. É, por conseguinte, a família servindo como instrumento para a realização plena da pessoa humana e não mais vislumbrada como simples instituição jurídica e social, voltada para fins patrimoniais e reprodutivos.

A instituição do divórcio[58], o reconhecimento pela Constituição de outras entidades familiares que não as constituídas pelo casamento[59], além da igualdade[60] entre o homem e a mulher[61] e a todos os filhos[62], sem qualquer distinção discriminatória, representam esses avanços rumo a um novo conceito de família baseado em relações de fato, mais do que nas prescritas que não correspondem à realidade.

Além de tais modificações, principalmente no âmbito constitucional, o Código Civil também trouxe algumas mudanças, sendo que o moderno direito de família, de acordo com DINIZ[63], é regido por princípios como o da ratio do matrimônio e da união estável, segundo o qual o fundamento básico do casamento é a afeição entre os cônjuges ou conviventes e a necessidade de que perdure a completa comunhão de vida; o princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros, isto é, as decisões devem ser tomadas de comum acordo entre conviventes ou entre marido e mulher; o princípio da igualdade jurídica de todos os filhos[64], incluindo o reconhecimento de filhos havidos fora do casamento; o princípio do pluralismo familiar, uma vez que a norma constitucional abrange a família matrimonial e as entidades familiares (união estável e família monoparental); o princípio da consagração do poder familiar, considerado como um poder-dever; o princípio da liberdade para constituir uma comunhão de vida familiar por meio de casamento ou união estável, sem qualquer restrição de pessoa jurídica de direito público ou privado; e o princípio do respeito à dignidade da pessoa humana que constitui base da comunidade familiar, na garantia do pleno desenvolvimento e da realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente.

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As políticas públicas recentes têm aberto ainda mais este sentido de família contemporâneo. Segundo o texto base do “Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos direitos de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária”,[65] estas definições acabam colocando a ênfase na existência de vínculos de origem natural ou adotiva, independentemente do tipo de arranjo familiar onde esta relação de parentalidade e filiação estiver inserida, para definir, em termos jurídicos, o vínculo familiar legal; assim, para a lei, não importa se a família é do tipo “nuclear”, “monoparental”, “reconstituída” ou outras, além de que, em qualquer desses arranjos estará reconhecida a igualdade de direitos dos filhos. Não é pela lei, portanto, que se distingue uma dada estrutura familiar como “natural” e outras qualificadas como deficientes ou patológicas. Deve-se, segundo este Plano, ultrapassar a ênfase na estrutura familiar para passar a “enfatizar a capacidade da família de, em uma diversidade de arranjos, exercer a função de proteção e socialização de suas crianças e adolescentes”.[66]

A importância de destacar essas outras alternativas de arranjos familiares é possibilitar o reconhecimento de outras tramas relacionais, para além daquelas estabelecidas com os vínculos de conjugalidade e de filiação (natural ou civil), como espaços de relações familiares, espaços estes regidos por lógicas de afetividade, de espontaneidade, de auto-realização e de amadurecimento. Mesmo se considerando que eles possam não ser marcados pela mesma persistência relacional das relações de família natural (em face do inescapável determinismo biológico), a multiplicação dos arranjos amplia as chances dos seres humanos estabelecerem encontros, no sentido de Moreno, e neste vínculos se formarem seres mais íntegros e próprios.

Diante dessa evolução conceitual, doutrinária e legal, a relação de família se potencializa e começa a encontrar seu verdadeiro significado enquanto relações verdadeiramente importantes e indispensáveis ao ser humano. Nesta tendência humanizante e não mais prescritiva, proibitiva e discriminatória da relação familiar, caem as obrigações legais, a forte pressão externa que a família suportava e obedecia, os rígidos papéis, funções sociais, divisões de tarefas, hierarquia, subjugação. Tudo isto que transformava a família em um encargo suportado pelos indivíduos envolvidos, um berço de inautenticidade por imposições de uma perfeição impossível ao marido, à mulher e aos filhos[67], um frio conjunto de deveres, é quebrado para fazer enxergar a verdadeira essência da relação familiar. Emerge a liberdade de escolha, a possibilidade de relações autênticas e afetuosas, mesmo que apenas enquanto elas durem, pois a segurança pende ante a qualidade relacional.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As relações mais próximas, presas a tantos papéis, funções e valores que lhes são impostos, não está estabelecida para nos compreender; é pelo contrário, o mais potente instrumento para a nossa negação, pois é nela, em primeira instância que nos é ensinado os valores que, vindos de fora, nos aprisionam. Contentamo-nos, assim, com ela para manter nossos gens e nosso patrimônio, mesmo que matemos nossos sentimentos. E, assim, vivemos em um mundo super-habitado sozinhos. Para vencer a solidão nos

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conformamos a ser o que querem que sejamos, a assumir os papéis, funções, atribuições que nos são impostos. Feliz a sociedade pela nossa infelicidade. Mas como o todo pode ser feliz se todas as suas partes estão infelizes? Que terrível e, aparentemente insolúvel, paradoxo!

Mas o humano é persistente. Nada que lhe negue a essência perdura por muito tempo e aí, ou ele burla de fato o que abstratamente está prescrito ou busca negar e destruir a prescrição. É o que parece estar tendendo, no que se refere à família, sejam as relações sociais reais, sejam as defesas da doutrina, jurisprudência, sejam os avanços na legislação. O grito ardente e fervoroso da necessidade de um espaço para se manifestar enquanto ser que é, enquanto potencial e fragilidade, está fazendo o ser humano questionar a família e, quem sabe, fazer dela um novo espaço. Espaço de relações autênticas, de compreensões profundas, de um abrigo e consolo em nenhum outro grupo alcançado; de relações que permitam o amadurecimento e a tendência atualizante e não, como ocorria, negando-os pelo reforço de uma sociedade fria e materializante. Família não mais como um pesado encargo de deveres e proibições, mas como um grupo liberto, baseado na afetuosidade e em que os valores individuais possam expressar-se. Família como uma escolha livre e tão ansiosamente buscada no encontro do outro. Família como instituição em que é protegida pelo Estado e pela sociedade, não o patrimônio ou a procriação biológica, mas uma busca humana muito maior e mais significativa: a busca incessante do encontro, tal como afirma MORENO, da felicidade, da liberdade e espontaneidade criativa. O humano e, por conseqüência, toda a sociedade, só alcançará a tão buscada harmonia se, no nosso ver, perdermos o medo de quem por tanto procuramos – o outro e a nós mesmos. A família, talvez, seja o espaço desse encontro.

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[1] O encontro, por exemplo, não distingue, em MORENO, as diferenças de sexo.

[2] ROGERS, Carl R; STEVENS, Barry. De pessoa para pessoa. O problema do Ser Humano. (colaboração de Eugene T. Gendlin, John M. Shilen e Wilson Van Dusen; trad. de Mirian L. Moreira Leite e Dante Moreira Leite. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 1977, p. 53-77).

[3] ROGERS, Carl R.; KINGET, G. Marian. Psicoterapia e relações humanas (trad. de Maria Luisa Bizzoto; supervisão técnica de Rachel Kopit) v I. Belo Horizonte: Interlivros, 1975, p. 46.

[4] Segundo ROGERS & KINGET (1975: 62), “o vocábulo ‘experiência’ refere-se aqui a tudo o que constitui o psiquismo nos seus elementos tanto conscientes quanto inconscientes em cada momento determinado. Os elementos conscientes são denominados com o nome de percepções ou experiências simbolizadas. Essas englobam tudo aquilo que o indivíduo se dá conta atualmente, assim como todas as experiências passadas ou periféricas capazes de entrar imediatamente no campo da percepção sob a influência de um estímulo adequado – seja um estímulo externo, físico, ou interno, proveniente de associações de imagens, de pensamentos, etc. Quanto aos elementos experimentais não disponíveis à consciência, são designados pelo nome experiências não-simbolizadas. Estas se compõem de duas espécies – uma engloba elementos de experiência cuja simbolização é impedida em razão de sua significação ameaçadora em relação à imagem do eu. Estes elementos são indicados pelo nome de experiências potencialmente simbolizáveis.” Essas experiências potencialmente simbolizáveis, deixam de o ser, pois manifestam a ausência de liberdade individual, ensinam ROGERS & KINGET (1975: 65), pois se liga à ameaça ao eu decorrente da transgressão de normas sociais e morais. A outra espécie de experiência não disponível, continuam os autores (1975:62) “compõem-se de experiências não simbolizáveis, isto é, definitivamente inacessíveis à consciência, seja por terem sido percebidas pelo indivíduo como não tendo importância em relação ao eu, seja por sua intensidade ser muito reduzida para ultrapassar o limiar da percepção.”

[5]Parece-nos deveras importante o conceito “tendência atualizante”, que segundo ROGERS & KINGET (1975: 41), pode ser definido como o exercício de funções que objetivem desenvolver as potencialidades do indivíduo para garantir sua conservação e

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enriquecimento, levando-se em conta as limitações e necessidades do meio. Por enriquecimento, continuam os autores, pode ser entendido “tudo que leva ao desenvolvimento integral do indivíduo pelo crescimento de tudo o que possui e tudo o que é, de sua importância, seu saber, seu poder, sua felicidade, seus talentos, seu prazer, suas posses e tudo aquilo que aumenta a satisfação que ele obtém disso” (p. 41). Insta ainda, esclarecer, que, segundo a posição dos citados autores, o enriquecedor é o que o sujeito percebe como tal, e não o que é posto ou imposto objetiva ou intrinsecamente com essa qualidade.

[6] ROGERS, Carl R.; KINGET, G. Marian. op. cit., p. 53.

[7] ROGERS, Carl R.; KINGET, G. Marian. op. cit., p. 54.

[8] ROGERS, Carl R.; KINGET, G. Marian. op. cit., p. 55.

[9] Insta acrescentar que na terapia centrada no cliente o papel do terapeuta é fornecer essas condições favoráveis; não intervir, não interpretar, não explorar as experiências e interpretações do cliente, apenas permitir que elas se dêem livremente. Com essa base ROGERS também fundamenta a educação centrada no educando, na qual o educador não ensina ou condiciona, mas apenas facilita as descobertas individuais e significativas pelo sujeito do processo – o próprio educando.

[10] Percebe-se que os autores defendem sua tese de maturidade pela experiência da descoberta em contraponto às teses de generalidade e universalidade de comportamentos sociais ou de qualquer tendência intrínseca de maturidade seletiva. A maturidade, para eles, parece uma conquista existencial; nem essencial universalizante, nem essencial determinista.

[11] ROGERS, Carl R.; KINGET, G. Marian. op. cit., p. 55.

[12] ROGERS, Carl R.; KINGET, G. Marian. op. cit., p. 65.

[13] ROGERS, Carl R; STEVENS, Barry. De pessoa para pessoa. O problema do Ser Humano. (colaboração de Eugene T. Gendlin, John M. Shilen e Wilson Van Dusen; trad. de Mirian L. Moreira Leite e Dante Moreira Leite. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 1977, p. 13 – 32.

[14] Os autores chegam a correlacionar o nível de tensão menor ou maior ao qual está submetido o sujeito em virtude de maior ou menor possibilidade de expressar livremente seus sentimentos. (p. 51)

[15] ROGERS & STEVENS, insta não deixar de fazer menção, acentuam tais características como essenciais a uma relação terapêutica, não outras.

[16] ROGERS, Carl R; STEVENS, Barry. op. cit., p. 27-28.

[17] ROGERS & STEVENS (1977, p 65), fazendo referência a AUGUST AIRCHRN, assim se manifestam na descrição dos resultados dos estudos desse autor em um experimento radical de reeducação de delinqüentes: “Dentro da instituição, no grupo em que era chefe, deu-lhes liberdade para que se comportassem como o desejassem. Depois

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de um período de um caos que, sem dúvida, poucos suportariam, esses jovens gradativamente escolheram uma vida social, disciplinada e cooperativa como algo que preferiam. Aprenderam, através da vivência de uma relação de aceitação, que preferiam uma liberdade responsável e limites auto-impostos ao caos da desordem e da agressão.” No mesmo sentido são os estudos de A. S. NEILL na escola Summerhil.

[18] ROGERS, Carl R; STEVENS, Barry. op. cit., p. 65.

[19] Diferentemente da terapia centrada no cliente de ROGERS, MORENO adota métodos (a Sociometria, o Psicodrama, a Psicoterapia de Grupo e o Sociodrama), como formas que enfatizam a terapia em relações interpessoais, em grupos, baseada na espontaneidade criativa das interações. Insta esclarecer que MORENO também não se afilia à doutrina de FREUD, baseada no sistema psicoanalítico, pois questiona a análise, o determinismo, a ênfase em aspectos que acentuam a calamidade e o trauma passados, e não a normalidade das interações humanas presentes, entre outros aspectos. Para MORENO, o terapeuta atua juntamente com o cliente, há um encontro entre eles, havendo influência recíproca.

[20] MORENO, J. L. Quem sobreviverá. Fundamentos da Sociometria, Psicoterapia de Grupo e Sociodrama. (trad. Alessandra Rodrigues de Faria, Denise Lopes Rodrigues, Márcia Amaral Kfouri. Rev. Téc. Dr. Geraldo Francisco do Amaral, Dr. Paulo Maurício de Oliveira), v. I. Goiânia: Dimensão, 1992, p. 23.

[21] Para amparar a criatividade na construção psíquica e comportamental, em contraposição aos atos de análise que os busca decompor, MORENO (1992) utiliza-se da metáfora de Deus criador do universo, ator, psicodramatista, que, de maneira espontânea e criativa faria de tudo para tornar a criação o mais bela possível para só depois do ato criativo analisá-la. Neste sentido o trabalho do supra citado autor trata da definição criativa de brincar de Deus como o máximo do envolvimento, colocando toda a inércia do caos no primeiro momento do ser.

[22] MORENO, J. L. op. cit. p. 41.

[23] MORENO, J. L. op. cit. p. 58.

[24] Estas são, primordialmente, segundo MORENO (1992: 74) as características da psicoterapia centrada no grupo.

[25] Para MORENO (1992: 74), “a espontaneidade de um é o que faz a espontaneidade do outro funcionar”. Daí se pode depreender sua importância nas relações interpessoais realmente autênticas e favoráveis.

[26] MORENO, J. L. op. cit. p. 41-43.

[27] Neste sentido MORENO (1992) destingue a categoria do gênio, de criação espontânea e não possessiva, da categoria da paternidade, usualmente possessiva de sua criação.

[28] MORENO, J. L. op. cit. p. 79.

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[29] Importa-nos acrescentar mais alguns elementos característicos do método sociométrico proposto por MORENO (1992: 79-80): “[...] as pessoas que formam o objeto da pesquisa não são usadas como cobaias: são suas iniciativas, sua espontaneidade, seus julgamentos e suas decisões que têm valor maior nos procedimentos usados a seu favor. [...] A certeza máxima possível poderá ser assegurada, entretanto, se cada membro do grupo for observador participante de todos os outros membros do grupo e de si mesmo.[...] Como questão de princípio, cada situação nova é abordada de forma concreta, remoldando suas ferramentas para a situação específica. [...] Já que a sociometria se encarrega de compreender e medir o mundo como ele é, cada dimensão humana é aceita e integrada na sociedade humana como um todo. [...] Além do mais, uma vez que a sociometria trata, diretamente, de qualquer situação humana com a intenção de descobrir, predizer e ajustar transtornos e conflitos, deve levar em consideração cada elemento ligado à situação – fatores econômicos, religiosos, culturais, biológicos e psiquiátricos.[...] Não oferece nenhum plano [...], exceto o de descobrir as condições dinâmicas de cada situação social e empregar esse conhecimento em benefício de melhor equilíbrio. [...] Lida, objetivamente, com todas as situações sociais.”

[30] MORENO, J. L. op. cit. p. 117-120.

[31] MORENO, J. L. op. cit. p. 37 e 169.

[32] MORENO, J. L. op. cit. p. 147-154.

[33] Interessa-nos diferenciar a tomada de papéis da criação de papéis (MORENO 1992: 186): Enquanto aquela é imposta, impedindo qualquer liberdade criativa de seu ator, essa é desenvolvida naturalmente pelo indivíduo em sua interação social.

[34] HYCNER, Richard. De pessoa a pessoa. Psicoterapia dialógica. (trad. Elisa Plass Z. Gomes, Enila Chagas, Márcia Portella). São Paulo: Summus, 1995.

[35] Para o autor (HYCNER, 1995: 56), a verdadeira singularidade surge da relação genuína com os outros e com o mundo. A individualidade é apenas um dos pólos de uma alternância rítmica global entre separação e relação, e ambas ocorrem dentro da esfera do “entre”. Nesta relação autêntica alguns dos aspectos evidenciados pelo autor são: (1) a inclusão – um fenômeno no qual volto toda a minha existência para o outro a fim de experimentar tanto a sua experiência como a minha; (2) a aceitação – considerar que o outro ser é um ser único e particular e afirmando e confirmando a sua existência; (3) e a construção de técnicas ou métodos para aquela relação que surjam a partir dela, de modo a impedir formas prontas e receitas de lidar com relações humanas.

[36] Idem, ibidem, p. 60 - 61.

[37] Insta esclarecer a importância que HYCNER aufere ao diálogo como elemento de cura. Logo, poderíamos pensar nessa modalidade também para o ajuste de relações humanas.

[38] FOLLET, Mary Parker. Profeta do Gerenciamento. Organizado por Pauline Grahan (Trad. Eliana Chiocheti e Maria Luiza de Abreu Lima). Rio de Janeiro: Qualitymark Editora, 1997.

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[39] WARAT, Luiz Alberto. Introdução geral ao direito. O direito não estudado pela teoria jurídica moderna. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Edito, 1997.

[40] DE PLÁCIDO SILVA. Vocabulário Jurídico. 15. ed. Rev. e Atualizada por Nagib Slaibi Filho e Geraldo Magila Alves. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 347.

[41] LEITE, Eduardo Oliveira. Tratado de Direito de Família. Origem e evolução do casamento. Curitiba: Juruá, 1991.

[42] LEITE, Eduardo Oliveira. op. cit. p. 3-51.

[43] LEITE, Eduardo Oliveira. op. cit.

[44] Segundo o autor (1991:25), “a promiscuidade é um estado em que as relações entre adultos não se encontram submetidas a nenhuma regra, a nenhuma limitação do número de parceiros, nem para um sexo, nem para outro.

[45] Neste sistema, ensina LEITE (1991: 37) que a incerteza da paternidade é vista como um risco de modo a impor à mulher uma rígida obrigação de fidelidade, ao contrário do homem, e o sentido masculino de posse, propriedade e obrigação de guarda e sustento da mulher que marcam, até o século XX a profunda desigualdade entre homem e mulher.

[46] Para esse sistema foi importante o elemento econômico.

[47] ENGELS, F.. A base da família. (Sociedade e mudanças sociais).

[48] GLOTZ, Gustave. A cidade grega. (trad. Henrique de Araújo Mesquita e Roberto Cortes de Lacerda). 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil S.A., 1988, p. 243-245.

[49] ENGELS, F.. op. cit.

[50] LEITE, Eduardo de Oliveira. O concubinato frente à nova Constituição. Hesitações e Incertezas. in ARRUDA ALVIM PINTO, Teresa (Coord.). Repertório de jurisprudência e doutrina sobre direito de família. Aspectos constitucionais, civis e processuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993

[51] FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS – INSTITUTO DE DOCUMENTAÇÃO. Dicionário de ciências sociais. (coord. geral de Benedito Silva e outros). Rio de Janeiro, Editora Fundação Getúlio Vargas, 1986, p. 457 – 459.

[52] “Entende-se por papel social o fato de que o indivíduo se destaca e assume socialmente um perfil à medida em que cumpre determinadas tarefas ou funções, as quais encontra, na maioria das vezes, dadas e definidas pela sociedade em que vive” (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS – INSTITUTO DE DOCUMENTAÇÃO. Dicionário de ciências sociais. (coord. geral de Benedito Silva e outros). Rio de Janeiro, Editora Fundação Getúlio Vargas, 1986, p. 862).

[53] LEITE, Eduardo Oliveira. op. cit., p. 18-20

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[54] Por família nuclear, LEITE (1994: 19) entende aquele grupo de pessoas composto pelos pais e os filhos que vivem sob um mesmo teto, excluindo avós, colaterais e até mesmo filhos economicamente independentes.

[55] Encontro, aqui, é usado conforme acima foi definido por MORENO.

[56] Tendência atualizante de Rogers, tratada acima.

[57] FARIAS, Cristiano Chaves de. A Família da pós-modernidade: mais que fotografia, possibilidade de convivência.. Síntese Jornal. Ano, Mês, Dia:20060215. v.7, n.76, p.19, jun./2003.

[58] Ensina LEITE (1994: 79) que não há lei, humana ou divina, que possa manter unidas pessoas que já não mais tenham afinidade, ou capacidade de amar e se doar uma a outra, mesmo diante das inconveniências sociais que disto possa decorrer. O divórcio, ao que parece, reconheceu, talvez, a redução da ênfase em valores coletivistas em detrimento do indivíduo singularizado.

[59] Adverte Leite (1993: 48) que “outros modos de conjugalidade, que não o casamento, surgiram, denunciando a crise do casal: casa-se menos, vive-se mais em uniões fáticas se há um forte crescimento de indivíduos vivendo sós.”

[60] Igualdade, segundo Bastos & Martins (citado por Leite, 1994: 68), não biológica, psicológica e fisiológica, que é impossível, mas a igualdade que não permita que essas diferenciações sejam tratadas como fatores de diferenciação na dignidade jurídica, moral ou social; que legitime, podemos dizer, a dominação de um pelo outro.

[61] Artigo 5º, inciso I e artigo 226, parágrafo 5º da Constituição Federal Brasileira de 1988.

[62] Artigo 227, parágrafo 6º da Constituição Federal Brasileira de 1988.

[63] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 5: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 17 a 28.

[64] Artigo 227, parágrafo 6º da Constituição Federal de 1988 e artigos 1596 a 1629 do Código Civil de 2002.

[65] Texto disponível em http://www.mds.gov.br/arquivos/plano_nacional_de_promocao_protecao_e_defesa_do_direito_de_criancas_e_adolescentes_a_convivencia_familiar_e_comunitaria.pdf/view. Acesso em 09/09/2009

[66] Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. In. http://www.mds.gov.br/arquivos/plano_nacional_de_promocao_protecao_e_defesa_do_direito_de_criancas_e_adolescentes_a_convivencia_familiar_e_comunitaria.pdf/view. Acesso em 09/09/2009, p. 26

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[67] Veja acima a idéia de inevitabilidade do heterismo em ENGELS e GLOTZ acima mencionados, diante dos casamentos formais.