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RELAÇÕES DE GÊNERO E AS DISPUTAS PELO PODER: INFLUÊNCIAS
NAS PRÁTICAS DISCURSIVAS DE GESTORES DA EDUCAÇÃO1
Luciana Santos Marques2
Neuda Alves do Lago3
Sônia Aparecida Faleiros4
RESUMO
Conscientes que na história nada é fruto de imediatismos, são relevantes pesquisas
como as de Lopes (2003), voltadas às práticas discursivas do universo escolar, em
especial as que nos remetem a realidade do gestor da educação. É notória a existência de
disputas de poder nas relações de gênero, estando em muitas situações concentradas no
mundo masculinizado e proclamadas como poder simbólico hegemônico. Neste breve
texto, objetivamos pontuar a temática das relações de gênero e as disputas pelo poder,
desvelando influências nas práticas discursivas de gestores da educação, estabelecidas
entre homens e mulheres, constituídas na cumplicidade de suas relações. Como critério
metodológico este estudo será de abordagem qualitativa, articulada a análise das
narrativas de enfoque socioconstrucionista, baseado em dados de pesquisa bibliográfica.
Para tanto, serão abordados os autores: Lopes (2003); Bakhtin (2006); Oliveira (2004);
Foucault (1978), Lebrun (2004), dentre outros. A sociedade define papeis de homens e
mulheres. Estes em suas posições de sujeitos controlam e dominam também no espaço
escolar. O poder se estabelece na dinâmica das relações, constituídas nas práticas sociais
(Lebrun, 2004). Dentre as relações existentes destacamos o poder pedagógico. É
fundamental que o gestor reflita a respeito das práticas discursivas, na relação com os
demais agentes da educação, considerando suas necessidades, carências e virtudes,
sendo capaz de se posicionar em busca de superação, transcendendo as relações de
poder hegemônico. Analisando a especificidade da temática, almejamos que a mesma
possa influenciar novos pesquisadores a direcionarem suas pesquisas a outros espaços
profissionais.
PALAVRAS-CHAVE: Relações. Gêneros. Poder. Gestão. Educação.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1 Artigo elaborado para ser apresentado no IV Congresso Internacional de História: Cultura, Sociedade e
Poder. Articulado ao Simpósio Temático: Literatura, Linguagem e Cultura: as relações de poder.
Coordenado pela Profa. Dra. Neuda Lago (UFG/Jataí). 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação pela Universidade Federal de Goiás/ Regional
Jataí (Bolsista CAPES). E-mail:[email protected]. 3 Orientadora do Programa de Pós-Graduação em Educação pela Universidade Federal de Goiás/
Regional Jataí. E-mail:[email protected]. 4 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação pela Universidade Federal de Goiás/ Regional
Jataí (Bolsista CAPES). E-mail: [email protected].
2
Conscientes que na história nada é fruto de imediatismos, são relevantes
pesquisas como as de Lopes (2003), voltadas às práticas discursivas do universo
escolar, em especial as que nos remetem a realidade do gestor da educação. É notória a
existência de disputas de poder nas relações de gênero, estando em muitas situações
concentradas no mundo masculinizado e proclamadas como poder simbólico
hegemônico.
Sabe-se que a sociedade define papeis de homens e mulheres. Estes em suas
posições de sujeitos controlam e dominam também no espaço escolar. O poder se
estabelece na dinâmica das relações, constituídas nas práticas sociais (Lebrun, 2004).
Neste breve texto, objetivamos pontuar a temática das relações de gênero e as
disputas pelo poder, desvelando influências nas práticas discursivas de gestores da
educação, estabelecidas entre homens e mulheres, constituídas na cumplicidade de suas
relações.
Dentre as relações de poder existentes, destacamos o poder pedagógico. O que
nos leva a intuir que é fundamental ao gestor da educação refletir a respeito das práticas
discursivas elaboradas no universo escolar, em especial, em suas relações com os
demais agentes da educação.
Na dinâmica, das relações discursivas, é necessário ao gestor, considerar as
necessidades, carências e virtudes dos indivíduos que compõem o universo escolar,
sendo capaz de se posicionar em busca de superação de normas e demandas de
autoridade, transcendendo as relações de poder hegemônico.
Às instituições da educação cabe, como espaço crítico, promover debates,
discussões, análises, reflexões e avaliações de distintos assuntos, dentre eles, os das
relações de gênero e práticas discursivas. Aos agentes que ali trabalham, cabe a
responsabilidade de serem pessoas pensantes, críticas e participativas em todos os
processos desenvolvidos neste espaço.
A gestão escolar, em suas atribuições, precisa promover capacitação sistemática
para seus agentes, permitindo que todos estejam envolvidos em colaborar para
construções de práticas produtivas mais humanas, alicerçadas em fundamentação
teórica.
Todos os aspectos mencionados são necessários para abarcar a temática, e a
pesquisa científica é uma possibilidade vigente, pois, “pesquiso para constatar,
constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que
ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade” (FREIRE, 2013, p. 31).
3
Pensando assim, é que surgiu o interesse pela temática, que justifica-se pela
busca de reflexão teórica sistemática, direcionada ao cotidiano escolar, tendo como foco
a urgência de debates referentes as relações discursivas de poder e as relações de
gênero, com a possibilidade de aproximar teoria e prática, partindo da realidade de cada
escola, de cada momento e de suas reais peculiaridades.
Neste sentido, é importante ressaltar que o cotidiano escolar é um ambiente
marcado por complexas relações, de influências políticas e ideológicas condicionantes.
Em nossa individualidade, possuímos concepções e olhares de mundo distintos,
constituídos por significativas construções culturais, definidos nas interações
linguísticas, no intercâmbio e nas correspondências das relações sociais. A linguagem
só tem sentido no diálogo, revelado nas relações humanas.
Com efeito, como critério metodológico este estudo será de abordagem
qualitativa, articulada à análise das narrativas de enfoque socioconstrucionista, baseado
em dados de pesquisa bibliográfica. Para tanto, serão abordados os autores: Lopes
(2003); Bakhtin (2006); Oliveira (2004); Foucault (1978), Lebrun (2004), dentre outros.
De acordo com estudos de Lopes (2003), as práticas discursivas, na visão
socioconstrucionista das identidades sociais definem quem somos por intermédio de
nossas práticas sociais, deliberando nossos pensamentos e ações. Em síntese, “[...] todo
ato discursivo se dirige a alguém e toda prática discursiva é situada no mundo sócio
histórico e cultural em que ocorre, isto é, não ocorre em um vácuo social” (p. 22). Sendo
assim, os significados sociais são identificados como resultados dos processos
sociointeracionais, como perspectiva de compreender, avaliar e descrever o mundo
social.
Considerando a relevância da temática, a exposição do texto se dará inicialmente
com considerações a respeito da gestão escolar e a descrição das formas de poder,
pontuando as categorias linguagem e gênero, para então, tecermos algumas
considerações finais alusivas ao tema.
2 GESTÃO ESCOLAR
A perspectiva histórica da educação no Brasil revelou e continua revelando
novas e inusitadas reflexões a respeito da designação “Gestão Escolar”, promovendo
inovações e significativas mudanças nas práticas de organização e planejamento, de
ações comprometidas com a democratização da escola pública.
4
A introdução do conceito de gestão escolar no debate educacional se deu
juntamente a crítica de caráter conservador e autoritário da administração, na área da
educação. Esta perspectiva enfatizou, no contexto socioeconômico e político dos anos
de 1970-80, o seu compromisso com a transformação social e com a democratização do
ensino e da escola (PARO, 2001).
A gestão, numa concepção democrática, efetiva-se por meio da participação dos
sujeitos sociais envolvidos com a comunidade escolar, na elaboração e construção de
seus projetos, como também nos processos de decisão, de escolhas coletivas e nas
vivências e aprendizagens de cidadania. A escola necessária para fazer frente a essas
realidades é a que prevê formação cultural e científica, que possibilita o contato dos
alunos com a cultura. Cultura que favoreça e zele pelo conhecimento científico, técnico,
pela linguagem, pela estética, pela ética. Neste sentido, uma escola de qualidade é
aquela que se dispõe a lutar contra qualquer tipo de exclusão, seja ela: econômica,
política, cultural e pedagógica (LIBÂNEO, 2008).
Dessa forma, Libâneo (2008, p. 101), faz uma comparação entre a gestão e a
direção, ao afirmar que, os processos intencionais e sistemáticos para se chegar a uma
decisão e de fazê-la funcionar caracterizam a ação que denomina-se gestão. Assim, a
gestão é a atividade pela qual são mobilizados meios e procedimentos para se atingir os
objetivos da organização, sendo neste sentido sinônimo de administração.
Para o teórico a direção é um princípio e atributo da gestão. Integrando o
trabalho conjunto das pessoas, a fim de alcançarem os objetivos. A direção promove a
ação nas tomadas de decisões da organização, coordenando os trabalhos, de maneira que
sejam executados de forma eficiente.
No entanto, de acordo com a concepção que se tenha dos objetivos da educação
e sua relação com a formação dos alunos, a organização e a gestão podem assumir
distintos significados. Como exemplo é possível citar a concepção técnico-científica de
escola, em que a direção é centralizada em uma única pessoa, com decisões verticais,
sem a participação dos demais agentes da educação. Diferente da concepção
democrático-participativa, em que o processo de tomada de decisões se faz no coletivo,
com decisões horizontais, onde os agentes educativos participam ativamente
(LIBÂNEO, 2008).
Libâneo (2008), ainda declara que a participação é o principal meio de assegurar
a gestão democrática da escola. Proporcionando um melhor conhecimento dos objetivos
e metas, da estrutura organizacional e de sua dinâmica, nas relações da escola com a
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comunidade e os agentes do espaço escolar. Destaca ainda que nas empresas, a
participação nas decisões é quase sempre uma estratégia que visa o aumento da
produtividade, não sendo descartado esse fato, na realidade escolar, que objetiva
também, bons resultados. Estes espaços firmam-se na contradição, pois a escola deve
promover práticas não autoritárias no exercício do poder e das decisões da organização,
além de definir coletivamente as propostas dos trabalhos.
É indispensável que a gestão escolar esteja voltada para a transformação,
contestando a centralização de poder nos espaços da educação e demais organizações,
reavaliando a concepção de trabalho, sua estrutura organizacional, e as condições reais
de trabalho pedagógico.
Pensar em gestão, numa concepção democrática, sugere abarcar que ela deve
efetivar-se por meio da participação dos agentes sociais envolvidos com a comunidade
escolar, na elaboração e construção de seus projetos, como também nos processos de
tomada de decisão, de propostas coletivas e nas vivências e aprendizagens de cidadania.
Para Ferreira (2005) a gestão da educação constitui tomada de decisões,
organização, direção e participação. Uma educação comprometida com a “sabedoria” de
conviver, leva em consideração o respeito às diferenças. Uma educação envolvida com
a construção de um mundo mais humano e justo para todos os indivíduos, independente
de raça, cor, credo ou opção de vida.
Ter consciência do coletivo é fundamental nas ações do gestor escolar. Processo
essencialmente pedagógico, que efetive em sua lógica a gestão democrática de
educação, fortalecendo em sua prática mecanismos no envolvimento de todos os agentes
da educação nas tomadas de decisão, processo de cunho altamente desafiador.
3 FORMAS DE PODER: linguagem e gênero
Ao pensar nos desafios que envolvem as relações interpessoais e o cotidiano
escolar justifica-se o interesse pelo estudo dos aspectos hegemônicos circundantes na
cultura escolar, a priori, porque o espaço de trabalho, especificamente a área da
educação, é marcado por distintos conflitos.
A década de 1980 foi marcada por inúmeras mudanças sociais, como o fim da
ditadura militar, pelo movimento das “Diretas já”, a promulgação da Constituição
Federal de 1988 e a primeira eleição para presidente do país. Mudanças como essas
oriundas do processo de democratização da sociedade brasileira, colaboraram para que
6
fosse delineado, segundo Cruz (2004, p. 175), “[...] um novo perfil de lutas e
organizações sociais profundamente interligadas à dinâmica sociopolítica que
caracterizava a sociedade daquele momento”. Já na década de 1990, foram anunciadas
novas mudanças, gerando novas identidades, em toda esfera social, dentre elas, gênero e
sexo.
A fim de desvelar a cultura de poder estabelecida no espaço escolar, vamos ao
encontro do pensamento de Orlandi (2012, p.57), que baseia-se nos pressupostos de
Bakhtin5, afirmando que, “[a] abordagem da língua deve ser feita por sua inserção no
contexto social e no universo da tensão humana em que ela atua. O território da língua é
lugar de disputa e de conflitos, da relação entre o sujeito e a sociedade”.
A partir desse olhar, Lebrun (2004, p. 17), também declara que, “a maior parte
do tempo, os homens vão vivendo de uma forma ou de outra com o poder, resignam-se
a ele, reconhecem-no [...]”. Existe uma relação intersubjetiva em nossas relações, seja
ela acadêmica, profissional, comercial ou sentimental.
[...] o poder não é um ser, “alguma coisa que se adquire, se torna ou se
divide, algo que se deixa escapar”. É o nome atribuído a um conjunto de
relações que formigam por toda a parte na espessura do corpo social (poder
pedagógico, pátrio poder, poder do policial, poder do contra-mestre, poder do
psicanalista, poder do padre, etc.) (LEBRUN, 2004, p. 20).
Seguindo nessa linha de pensamento, dentre os aspectos que configuram o poder
no espaço escolar, temos o poder simbólico. Este poder, segundo Souza (2012), não se
revela simplesmente como poder de domínio, pode estar oculto, velado, pode ser
dissimulado, apresentando distintas formas, no entanto, é presente, astuto, invisível,
constituído de dominação.
O poder que o coletivo de professores tem em relação ao discurso pedagógico
para os familiares dos alunos é uma forma de poder simbólico. A presença do
diretor, em si, na reunião do conselho de escola manifesta o poder simbólico.
Isto é, esse tipo de poder é vivenciado cotidianamente nas escolas nas
disputas por espaço, imposição de ideias e influência na definição dos rumos
a serem perseguidos pela instituição (SOUZA, 2012, p. 167).
5 Para Bakhtin, “A filosofia marxista da linguagem deve colocar como base de sua doutrina a enunciação,
como realidade da língua e como estrutura socioideológica”. [...] a comunicação verbal, inseparável das
outras formas de comunicação, implica conflitos, relações de dominação e de resistência, adaptação ou
resistência à hierarquia, utilização da língua pela classe dominante para reforçar seu poder, etc.
(BAKHITIN, 2009, p. 14 e 16).
7
O agir do gestor em suas múltiplas relações, suas ações e decisões, pode ser
condicionante, indicando ações de dominação. Essas ações, nem sempre esclarecem
seus propósitos, os objetivos e as determinações que são geradas no espaço de trabalho,
presentes como poder legítimo. As realidades constituídas no mundo social formatam
ações de poder simbólico. Dentre elas, destacaremos o poder de gênero e o poder da
linguagem.
Essas ações se constituem, nos diversos espaços profissionais, em uma definição
de regras coercitivas que devem ser necessariamente obedecidas, condicionantes de
controle social, que a sociologia define como meios utilizados pela sociedade para
“enquadrar” os indivíduos resistentes, rebeldes, diante das normas determinantes. Para
isso é necessário variar os métodos de acordo com a finalidade e caráter específicos de
cada grupo. Mecanismos de controle, potentes, ou sutis são aplicados, levando os
indivíduos a modificarem suas opiniões originais, convencionando a norma do grupo
utilizando estratégias de persuasão, ridículo, difamação e opróbrio (BERGER, 1983).
De acordo com Bosi (1981, p. 89), “as várias vidas do sujeito organizam-se em
compartimentos estanques, de modo que a vida profissional não se coordena com a vida
familiar nem com os momentos livres da vida pública”, visto que, a maneira como nos
relacionamos, nos posicionamos e nos comunicamos no espaço de trabalho está
diretamente ligada com nossas concepções de vida. São essas relações que vão nos
constituindo, como seres de múltiplas identidades.
Neste sentido, Louro (2001), aponta considerações significativas a respeito de
identidade, afirmando que:
Reconhecer-se numa identidade supõe, pois, responder afirmativamente a
uma interpelação e estabelecer um sentido de pertencimento a um grupo
social de referência. Nada há de simples ou de estável nisso tudo, pois essas
múltiplas identidades podem cobrar, ao mesmo tempo, lealdades distintas,
divergentes ou até contraditórias. [...] Essas muitas identidades sociais podem
ser, também, provisoriamente atraentes e, depois, nos parecem descartáveis;
elas podem ser, então, rejeitadas e abandonadas. Somos sujeitos de
identidades transitórias e contingentes (LOURO, 2001, p. 12).
Essa dualidade apontada pelo teórico faz parte da vivência do cotidiano escolar,
promovendo nos educadores uma sensação de estranhamento, de análise complexa, pois
condicionantes como poder, alienação, mando, desmando, coerção, autoridade,
hegemonia, submissão, colaboram para uma visão desfocada de sua constituição
identitária.
8
Nesta dinâmica, de situações dicotômicas, experienciadas no cotidiano escolar e
reveladas nas práticas educativas, Louro (2003), enfatiza as relações relativas ao
expressivo e efetivo poder de gênero, que se mostram, na maioria dos casos, veladas.
Dentre as considerações pertinentes da autora citada, destacamos os apontamentos sobre
o caráter das desigualdades sociais, vivenciados por homens e mulheres. A princípio as
desigualdades referem-se às desigualdades biológicas, distinção sexual, elemento
justificador da desigualdade. No entanto, é necessário contrapor-se a tal argumentação.
A questão não está centrada nas diferenças biológicas e sim na forma como essas
características são representadas, aquilo que se “diz” ou que se “pensa” das
características femininas e masculinas, de uma respectiva cultura social e de um
contexto social.
Cabe salientar que, para Louro (2003, p. 41), “os gêneros se produzem, portanto,
nas e pelas relações de poder”. Sendo assim, o diálogo estará baseado não nas
particularidades biológicas, que não devem ser desconsideradas, mas o foco será a
construção social e histórica produzida por meio das características biológicas.
As relações de poder não são fixas ou estáticas, a sociedade apoia e legitima
determinados tipos de discursos, como observado, na suposta superioridade do homem
em detrimento à mulher, efetivando-o como verdadeiro e promovendo discursos
reconhecidos como naturais em nossa sociedade.
Os saberes que a escola pretende fixar ou os saberes que a escola pretende
ocultar podem (e são) contestados, desafiados, convertidos e subvertidos.
Dar-se conta desses múltiplos e, por vezes, divergentes espaços educativos é
fundamental (LOURO, 2003 p. 137).
A abrangência do domínio masculino nas relações sociais se reflete também nas
ações femininas, identificadas em seus espaços de trabalho. Nesta perspectiva, a
proposta de uma educação voltada para reflexão sistemática da subjetividade da
linguagem, das práticas discursivas6, da constituição do indivíduo e da diversidade
6 [...] não se deve imaginar um mundo do discurso dividido entre o discurso admitido e o discurso
excluído, ou entre o discurso dominante e o dominado; mas, ao contrário, como uma multiplicidade de
elementos discursivos que podem entrar em estratégias diferentes. [...] Os discursos, como os silêncios,
nem são submetidos de uma vez por todas ao poder, nem opostos a ele. É preciso admitir um jogo
complexo e instável em que discurso pode ser, ao mesmo tempo, instrumento e efeito de poder, e
também obstáculo, escora, ponto de resistência e ponto de partida de uma estratégia oposta. O discurso
veicula e produz poder; reforça-o, mas também o mina, expõe, debilita e permite barra-lo. Da mesma
forma, o silêncio e o segredo dão guarita ao poder, fixam suas interdições; mas, também, afrouxam seus
laços e dão margem a tolerâncias mais ou menos obscuras (FOUCAULT, 1988, p. 96).
9
linguística, ideológica, política, dentre outras circunstâncias que norteiam o espaço
escolar, devem promover em todos os educadores, o desafio de se tornarem atentos às
propostas ou mecanismos de repressão que estabelecem ou determinam relações de
poder.
Nesta dinâmica da constituição identitária, somos cercados por condicionantes
que nos distinguem, tais como, sociais, econômicas, políticas, religiosas, familiares,
raciais, gênero, etc. Neste percurso, inicialmente, para melhor compreensão da
constituição feminina atual, serão apontadas algumas considerações referentes à
categoria gênero. É indispensável para se entender a categoria gênero7, distinguir o
significado existente entre sexo e gênero. Inúmeros teóricos, ao longo dos anos, vêm
enfatizando essa concepção.
Sexo refere-se às características e diferenças biológicas que correspondem a
homens e mulheres, já o gênero refere-se, às construções sociais e culturais que são
desenvolvidas a partir dos elementos biológicos (MACÊDO, 2003).
Dentro desta perspectiva que trata gênero como uma construção social, em
que as relações são norteadas pelo poder, os papéis de gênero são tomados
como um sistema de papéis e de relações entre mulheres e homens, os quais
não são determinados pela biologia, mas pelo contexto social, político e
econômico. Baseando-se nisto, diz-se que o sexo biológico de uma pessoa é
dado pela natureza, mas o gênero é construído (MACÊDO, 2003, p. 93).
A década de 70 é um marco do movimento feminista, identificado como
fenômeno mundial. Momento em que o termo gênero começou a ser utilizado por
teóricos. Década identificada também, por grandes movimentos estudantis e a
contestação dos aspectos sexuais (SILVA, 2007).
Como visto as identidades não são estáveis, mas estão sempre se constituindo e
se transformando, em uma relação dialética no processo histórico social. Não se pode
7 Desnaturalizar hierarquias de poder baseadas em diferenças de sexo tem sido um dos eixos centrais dos
estudos de gênero. Estabelecer a distinção entre os componentes natural/biológico em relação a gênero
foi, e continua sendo, um recurso utilizado pelos estudos de gênero para destacar essencialismos de
toda ordem que, há séculos, sustentam argumentos biologizantes para desqualificar as mulheres,
corporal, intelectual e moralmente (MACÊDO, 2003, p. 26). [...] as concepções de gênero diferem
não apenas entre as sociedades ou os momentos históricos, mas no interior de uma dada sociedade, ao
se considerar os diversos grupos (étnicos, religiosos, raciais, de classe) que a constituem (LOURO,
2003, p.23).
10
desconsiderar que as ações, as escolhas e o modo de vida das mulheres atuais, são fruto,
das influências de suas construções sociais, culturais e históricas.
O movimento feminista aborda questões diversas como a ideia da superioridade
masculina, do assédio sexual, etc. Definir o termo feminismo não é tarefa fácil, seu
significado altera-se de acordo com o grupo que lhe define, uns buscam promover a
dignidade e o valor da mulher, enquanto outros defendem a ideologia sociopolítica
específica.
Neste percurso, Lopes (2003, p.19), ao considerar a importância da concepção
da linguagem como discurso, afirma que “todo uso da linguagem envolve ação humana
em relação a alguém em um contexto interacional específico”. Considerar a linguagem,
no contexto da educação e as relações de gênero, nos permite voltar à história,
pontuando que o discurso, em dado momento, exprime a reprodução de poder.
Esta afirmação está diretamente ligada ao histórico da profissionalização da
mulher brasileira, que viveu e, de certa forma, ainda vive submetida à superioridade
masculina, marcada por circunstâncias sociais e históricas específicas, não acontecendo
em um vazio social. O que significa que, ao investigarmos as identidades, presume-se
que, as mesmas, não estão prontas e fixas, mas sim estabelecidas nos processos
discursivos de sua construção (LOPES, 2003).
Na visão socioconstrucionista das identidades sociais que estou utilizando
aqui está claro que aprendemos a ser quem somos como mulheres,
heterossexuais, negros, professores, etc. nas práticas discursivas em que
agimos com outros e que têm, portanto, uma base sócio-histórica e cultural
(LOPES, 2003, p. 25).
O espaço escolar sempre esteve cercado e concentrado nas mãos do domínio
masculino, reproduzindo-se em um universo efetivamente feminino. No entanto, existe
um debate a respeito do assunto masculinidade, difundindo novas perspectivas do tema,
de sua hegemonia e controvérsias constituídas nas culturas ocidentais, definida como
crise da masculinidade. Existe, no entanto, mecanismos sociais velados, que favorecem
e beneficiam a hegemonia masculina (OLIVEIRA, 2004, p. 142).
Seguindo nesta perspectiva, Louro (2003), aponta novas propostas pedagógicas,
que visam romper com a hegemonia posta.
A partir da constatação de que a educação formal – na sua concepção, em
suas políticas e suas práticas – havia sido e continua a ser definida e
governada pelos homens, estudiosas feministas procuraram produzir um
paradigma educacional que se contrapusesse aos paradigmas vigentes [...].
11
Pensada como um novo modelo pedagógico construído para subverter a
posição desigual e subordinada das mulheres no espaço escolar, a pedagogia
feminista vai propor um conjunto de estratégias, procedimentos e disposições
que devem romper com as relações hierárquicas presentes nas salas de aulas
tradicionais (LOURO, 2003, p. 112 e 113).
Reflexões convergem na direção desta temática, sinalizando conflitos no atual
quadro das mudanças e crises sociais. A palavra crise, segundo Santomé (2003, p. 13)
aparece como uma das mais peculiares muletas no vocabulário de qualquer analista.
Segundo o teórico, “esse pano de fundo é a melhor constatação de que muitas situações
sociais estão presentes no ponto de vista de cidadãs e cidadãos, e que estes se sentem
perplexos e mesmo ameaçados”.
As múltiplas diversidades sociais, construídas em nossa realidade social,
possibilitaram condições de inúmeras ingerências e questionamentos. O movimento
feminista ao questionar o mundo da educação e dos seus agentes, contribuiu para
desvelar influências de concepção patriarcal do mundo (SANTOMÉ, 2003).
A dinâmica das relações de poder colaborou por configurar práticas
hegemônicas e consequentemente de comportamentos subalternos. Pensar a vida do
homem é pensar a vida cotidiana, que não se desvincula da vida pessoal e da divisão do
trabalho intelectual e físico8.
Todo este contexto leva-nos a considerar a sociedade e sua realidade subjetiva,
configurada por Berger e Luckmann (1999, p. 173), pois os mesmos consideram que,
“sendo a sociedade uma realidade ao mesmo tempo objetiva e subjetiva, qualquer
adequada compreensão teórica relativa a ela deve abranger ambos estes aspectos.”
Santomé (2003) traz uma descrição da sociedade de mercado capitalista,
necessária a esta reflexão. Pois segundo afirma o teórico:
As identidades e subjetividades promovidas pela sociedade de mercado
capitalista se chocam com as personalidades que não apoiam esse domínio do
mercado. As pessoas preocupadas com valores como a solidariedade, a
igualdade, a justiça e a democracia passam a ser consideradas estranhas,
antiquadas, fora de moda, utópicas, no seu sentido mais negativo, ou seja,
8 Esse “afinamento” da sensibilidade (para observar e questionar) talvez seja a conquista fundamental para
a qual cada um/uma e todos/as precisaríamos nos voltar. Sensibilidade que supõe informação,
conhecimento e também desejo e posição política. As desigualdades só poderão ser percebidas – e
desestabilizadas e subvertidas – na medida em que estivermos atentas/os para suas formas de produção e
reprodução. Isso implica operar com base nas próprias experiências pessoais e coletivas, mas também,
necessariamente, operar com apoio nas análises e construções teóricas que estão sendo realizadas (LOURO, 2003, p.121).
12
seres fantasiosos, sonhadores e situados fora do mundo (SANTOMÉ,2003 p.
226).
A lógica do mercado cria e recria modelos educativos, e neste processo, é
inegável que, “modelos educativos são produtos de grupos sociais e, assim, são campos
simbólicos e políticos de poder e do saber” (BRANDÃO, 1984, p. 78), servindo, em
muitos casos, para prover nos educandos a acomodação e passividade, diante das
propostas estabelecidas.
Sendo assim, segundo Freire (2008, p.48), vale ressaltar que, “um dos saberes
indispensáveis à luta de professoras e professores é o saber que devem forjar neles, que
devemos forjar em nós próprios, da dignidade e da importância de nossa tarefa”. De
acordo com o teórico, é necessário reconhecer que nossa tarefa como educadores é
fundamental, indispensável à vida social, pois, “é bem verdade que a educação não é a
alavanca da transformação social, mas sem ela essa transformação não se dá” (p.53).
Neste sentido, Bakhtin (2009, p. 32), afirma que “qualquer produto de consumo
pode, da mesma forma, ser transformado em signo ideológico”. A linguagem na
sociedade capitalista identifica-se como uma forma de produto, voltada ao consumo,
pode ser usada segundo o autor, para distorcer realidades, diante de situações
específicas, por ser, em determinadas situações, transformada em signo ideológico. A
maneira como usamos a linguagem está revestida de significados associados a situações
específicas e influenciadas pela organização social, cultural e política.
Conforme Brandão (1984), ao abordar as questões das relações influenciadas
pelas organizações, afirma que:
Existimos dentro de um mundo social onde senhores do poder, através do
Estado, decidem e definem para os “outros” (para nós) o que querem que seja
a relação entre eles e os “outros” (nós). Vivemos em uma sociedade onde um
Estado de democracia restrita não é o lugar coletivo do poder consensual de
criar direitos, de criar por consenso as normas da vida coletiva, mas apenas é
o lugar de obedecê-las (BRANDÃO, 1984, p. 11).
A afirmação do teórico é coerente com as relações discursivas existentes no
universo escolar, pois esse espaço é conduzido de maneira a reafirmar as desigualdades.
Repartidos hierarquicamente, a palavra de um superior, pode ser legitimada e
consagrada como verdade, sendo aceita de maneira submissa pela maioria, sem direito a
réplica. A linguagem é uma ferramenta vivaz na promoção de poder revelado nas
práticas educativas.
13
Contrapondo-se a esta realidade Freire (2014, p. 109) declara que, “[...] se dizer
a palavra verdadeira, que é trabalho, que é práxis, é transformar o mundo, dizer a
palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens”. Sendo
direito de todos, é importante que cada um possa exercer seu direito à palavra, mais que
isso, direito de expor a palavra e de que esta palavra seja ouvida.
A tomada de reflexão referente aos aspectos hora fomentados neste artigo, são
necessários em busca de promover reflexões e estimular posicionamento dos gestores
diante dos paradoxos vividos no cotidiano escolar, visando estimular o diálogo e
anulação do silêncio dos que acreditam não terem nada a contribuir ou compartilhar.
Nesse processo, é fundamental a disciplina intelectual, um exercício essencial,
de caráter árduo e indispensável, na dinâmica para a transformação e superação das
influências das práticas discursivas de poder.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao elaborarmos este artigo almejamos descrever elementos que contemplam
peculiaridades na interação comunicativa do gestor da educação vividas no universo
escolar, na tentativa de desvelar especialmente situações referentes às relações de poder
configuradas neste espaço, já que estamos conscientes que este assunto está longe de ser
esgotado e que discussões a respeito da temática exigirão longos percursos.
O referencial teórico trouxe elementos substanciais para reflexão, avaliação e
considerações da temática. Reafirmando a importância de pesquisas que abarquem as
ações comunicativas dos educadores; estudo necessário em busca de contextualizar
práticas educativas que contribuam para promover a transformação.
Tomando como parâmetro as considerações de Freire (2014), a respeito do
diálogo como elemento humano, da importância e do valor da palavra como processo de
ação-reflexão, de um diálogo que promova um pensar crítico, de ações que não se
justificam no negar e no silenciar o outro, mas do valor de um diálogo que contribua e
promova o encontro dos homens para ser mais, conclui-se que a produção deste artigo
seja relevante, em busca de uma interação comunicativa mais humana e libertadora,
mesmo diante de tantos paradoxos.
Finalmente, este artigo, ao evidenciar as relações de poder legitimadas em
determinados tipos de discursos, como analisado na suposta superioridade do homem
em relação à mulher, de regras coercitivas experienciadas no cotidiano escolar, são
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algumas das ações que contribuem para configurar a identidade do gestor da educação,
estabelecidas nos processos discursivos de sua construção.
Sendo conhecedores de tais ações, por intermédio da leitura deste texto, é
possível pensar em criar mecanismos e alternativas democráticas, visando modificar
rotinas e condutas, consideradas normais no cotidiano escolar.
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