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Relações Internacionais - Teoria e História - Módulo II
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MÓDULO II - EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS RELAÇÕES
INTERNACIONAIS - DA ERA MODERNA AO ENTRE-GUERRA
Unidade 1 - As Relações Internacionais na Era Moderna
Unidade 2 - A Nova Ordem Internacional do Século XIX
Unidade 3 - A Primeira Guerra Mundial e o Entre-Guerras
Esta aula apresenta um panorama histórico das Relações Internacionais.
Assista com atenção!
Unidade 1 - As Relações Internacionais na Era Moderna
Ao término desta unidade, o aluno deverá ser capaz de identificar os principais
aspectos da evolução histórica da Sociedade Internacional, do início da Idade
Moderna (século XV) ao fim das Guerras Napoleônicas (século XIX). Deverá,
portanto, estar apto a discorrer sobre:
• As grandes navegações;
• As lutas entre católicos e protestantes;
• A Guerra dos Trinta Anos (1618-1648);
• A paz de Westfália(1648) e
• Europa no século XVIII e a ascensão da França como Potência hegemônica.
Pág. 2 - A Sociedade Europeia da Era Moderna
O período que vai do ano 1000 até 1800 corresponde à transição do feudalismo
para o capitalismo. Nesse período, a sociedade europeia feudal – rural,
fragmentada no nível nacional, unida pela religião e marcada pelos vínculos de
vassalagem – transformou-se em outra completamente distinta, a sociedade
capitalista. Nesta, o importante era a vida urbana, influenciada pelas transações
comerciais e fundada nas relações de trabalho assalariado.
Quatro acontecimentos são especialmente importantes nesse processo: o
Renascimento, as Grandes Navegações, o advento dos Estados nacionais
absolutistas e a Reforma.
O Renascimento
Marvin Perry observa que “o termo Renascimento foi cunhado em referência à
tentativa de artistas e filósofos de recuperar e aplicar a antiga erudição e modelos
da Grécia e de Roma”. O movimento surgiu na Itália, aproximadamente em 1350
e se estendeu até meados do século XVII. Não surgiu na Itália por acidente. No
século XIV, ela era a região mais dinâmica da Europa: inúmeros centros
comerciais, como Gênova, Veneza, Florença e Milão se desenvolviam com vigor.
Essas cidades italianas dominavam o comércio com o Oriente e, com isso,
destacavam-se no contexto europeu como Potências comerciais e, algumas
vezes, militares.
O período é um ponto de inflexão. Os contemporâneos tinham a percepção de
que davam início a um novo tempo. Tanto é assim que, para se diferenciarem,
criaram o termo “Idade Média” para se referirem aos seus predecessores.
O Renascimento é especialmente marcado pelas mudanças ocorridas nas artes
– destacadamente na pintura, escultura e arquitetura – e nas ciências. Na Idade
Média, as artes tinham o propósito fundamental de servir à religião cristã,
vinculando-se, muitas vezes, às determinações da Igreja. Na Renascença, o
importante era a valorização do ser humano: tinha-se o antropocentrismo
renascentista se contrapondo ao teocentrismo da Igreja de Roma.
Essa percepção antropocêntrica de mundo não significa, todavia, que houvesse
uma rejeição à religião. Sem se afastarem da religião, os renascentistas
admitiam considerar o homem, obra máxima da Criação divina, o centro de suas
atenções.
Pág. 3 - A Sociedade Europeia da Era Moderna
O Renascimento (cont.)
E o Renascimento não ocorreu apenas nas Artes. A Ciência, da mesma forma,
foi afetada pelas investigações de Copérnico, Kepler e Galileu. Copérnico, por
exemplo, foi o criador da teoria heliocêntrica, que estabelecia o Sol como o
centro do universo. Isso era uma revolução, porque tirava da Terra a primazia
sobre os demais corpos celestes.
O Mapa 1 ilustra o desenvolvimento do Humanismo na Europa e a expansão
renascentista da Itália para todo o continente.
Mapa 1: O Humanismo e a Renascença na Europa
(Séculos XV e XVII)
Fonte :http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ma/matm30.html
Interessante notar nos círculos vermelhos e verdes os principais pontos de
florescimento do Renascimento na Itália e em toda a Europa, respectivamente.
O quadrado rosa marca o local do surgimento da imprensa, e os principais focos
artísticos estão assinalados pelos pontos negros, de fato, importantes cidades
europeias. Já as setas representam a difusão do renascimento italiano.
Sugerimos pesquisa mais aprofundada a respeito da importância do
Renascimento na formação da sociedade europeia. Uma fonte importante é A
Evolução da Sociedade Internacional, de Adam Watson (Brasília: Editora UnB,
2004).
Pág. 4 - A Sociedade Europeia da Era Moderna
As Grandes Navegações
As Grandes Navegações, iniciadas no final do século XV, são um marco na
evolução histórica da Sociedade Internacional. Por meio delas, os europeus
aventuram-se além dos limites tradicionais de seu continente e, de maneira
generalizada, lançam-se pelos oceanos e seguem para os “quatro cantos do
mundo”, entrando em contato com as sociedades asiática, africana e americana
como nunca ocorrera antes. Com as Grandes Navegações, tem início um
processo que culminaria na hegemonia europeia no mundo e na supremacia da
chamada “civilização ocidental” sobre outros povos – muitas vezes, com
resultados fatais para as civilizações não europeias.
As Grandes Navegações podem ser consideradas o primeiro processo de
globalização da era moderna. Com elas, o comércio internacional se
desenvolveu e foram estabelecidos vínculos entre as diversas sociedades
internacionais que existiam na época. Ademais, graças ao estabelecimento dos
vínculos mercantilistas com o Novo Mundo – as Américas –, com a África e com
o Extremo Oriente, a Europa se desenvolveu, o modelo capitalista se estruturou,
e os Estados-nações europeus se tornaram Grandes Potências. Chegou-se ao
ponto em que os conflitos entre os Estados europeus repercutiam pelo planeta.
Três fatores levaram às Grandes Navegações do século XV e seguintes. O
primeiro foi o surgimento de um vívido interesse pelas vantagens que poderiam
ser obtidas por meio do comércio. Para alcançarem a Europa, os produtos do
Oriente ou da África subsaariana passavam por uma quantidade significativa de
intermediários. Tal fato encarecia substancialmente os produtos tão desejados
pelos europeus, como cravo, canela, pimenta, gengibre, noz-moscada, seda ou
porcelana. A Economia, como força profunda, impulsionaria os europeus para as
Grandes Navegações.
Em segundo lugar, havia que se considerar a escassez de metais preciosos na
Europa. Sem eles, era muito mais difícil a compra de bens da Ásia ou da África.
Isso também dificultava o desenvolvimento das relações comerciais e,
consequentemente, das relações sociais e políticas entre as diversas regiões da
Europa.
Em terceiro lugar, o século XV foi um momento de grandes melhorias na
construção de navios, nos conhecimentos geográficos e nas habilidades navais.
Nesse sentido, a tecnologia passou a ser outra força profunda a produzir
mudanças na conduta dos Atores internacionais do período. Vale lembrar que o
conhecimento, tanto de construção de embarcações quanto de técnicas de
navegação, era considerado um bem de extremo valor e cuja proteção era
questão de Estado, fundamental para países como Portugal e Espanha.
Pág. 5 - A Sociedade Europeia da Era Moderna
As Grandes Navegações (cont.)
Foram os portugueses que primeiro se lançaram em busca de novas rotas de
comércio, desafiando não só a realidade do desconhecido oceano, mas também
as ideias e temores do desconhecido gerados pelo imaginário medieval. Apesar
dos custos e dos riscos altíssimos, as viagens compensavam pelos também
altíssimos lucros obtidos. As viagens geravam, muitas vezes, lucros de até
6.000%.
Os lucros serviam, pois, de motor que levava às incursões no litoral da África e
à posterior circum-navegação desse continente, bem como às viagens até a
Índia e à “descoberta”, pelos europeus, da América. E não tardou para que os
europeus – primeiro, os portugueses e espanhóis e, depois, holandeses,
franceses e ingleses – instalassem feitorias em locais da Ásia, África e América,
que, posteriormente, se transformaram em colônias.
O Mapa 2 ilustra os impérios coloniais português (em vermelho) e espanhol (em
verde) em seu apogeu. Destaque-se a linha divisória do mundo estabelecida por
Portugal e Espanha pelo Tratado de Tordesilhas (1494), por meio do qual, com
o assentimento do Papa, os dois Estados católicos buscavam legitimar seus
direitos sobre as terras “descobertas”. Claro que nem os povos que viviam
nessas terras e nem os demais monarcas europeus foram consultados, de modo
que rapidamente Inglaterra, França e Holanda questionariam essa hegemonia
luso-espanhola, inclusive com a irônica requisição do “testamento de Adão” que
garantira aos ibéricos a herança do mundo.
Mapa 2: Impérios Coloniais do Século XV (Portugal e Espanha)
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ma/matm36.html
O fato é que logo as principais potências europeias se lançariam em busca de
novas terras e novas rotas, e uma nova era se iniciaria nas relações
internacionais.
Como observa Perry (1999, p. 280), “num desenvolvimento sem precedentes,
uma pequena parte do globo, a Europa ocidental, tornara-se a senhora das vias
marítimas, dona de muitas terras em todo o mundo e o banqueiro e recebedor
de lucros numa economia mundial que começava a despontar”. O pequeno
continente dava sinais de seu poder e da dominação que exerceria nos séculos
seguintes sobre povos e impérios de todo o globo.
Sugerimos a leitura da obra de Paul Kennedy (1991), Ascensão e Queda das
Grandes
Potências, em que o autor comenta, entre outras coisas, como os povos de
um
continente fragmentado, com sociedades atrasadas em relação a outras
sociedades do planeta, conseguem se lançar nos oceanos e conquistar o
mundo e as sociedades mais prósperas e desenvolvidas.
Pág. 6 - A Sociedade Europeia da Era Moderna
As Grandes Navegações (cont.)
Os efeitos para as outras regiões do mundo foram profundos: populações inteiras
– especialmente nas Américas – foram dizimadas; outras tantas, particularmente
na África, foram reduzidas à condição de escravas; plantas, animais e doenças
foram espalhadas pelos quatro cantos do mundo, e, principalmente, dava-se
início a um tipo de economia global nunca antes visto. São forças profundas que
merecem atenção: a tecnologia, dado o aprimoramento das capacidades bélicas
dos europeus e a religião, uma vez que, junto com os conquistadores, iam os
catequizadores e a ideia de “obrigação” que tinham os europeus de “difundir o
cristianismo aos povos mais atrasados” (missões).
O Mapa 3 ilustra a época das grandes navegações e da expansão europeia. A
partir das terras conhecidas pelos europeus na Idade Média (trecho em laranja),
há a expansão por terra – com as viagens de Marco Pólo que apresentaram a
Europa ao Império Chinês – e por mar – graças a intrépidos navegadores como
Cristóvão Colombo (que descobriu a América), Vasco da Gama (o qual, ao
dobrar o
Mapa 3: As Grandes Navegações e as “Descobertas” Européias
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ma/matm34.html
“Cabo das Tormentas”, passando a chamá-lo de “Cabo da Boa Esperança”,
estabeleceu a rota marítima para as Índias, garantindo a Portugal a hegemonia
no comércio com a Ásia) e Fernando de Magalhães (primeira viagem ao redor
do mundo – apesar de ele mesmo ter morrido no caminho) –, e um Novo Mundo
surge diante do europeu renascentista. Cite-se ainda as viagens do inglês Jean
Cabot, que em 1497 chega à Nova Inglaterra, e do francês Jacques Cartier, que
em 1534 chega à foz do rio São Lourenço e “toma as terras do Canadá para a
Coroa Francesa”. O mapa revela as terras conhecidas pelos europeus no fim do
século XVI (em amarelo).
Para melhor compreender o significado das grandes navegações e seu
impacto nas relações internacionais dos séculos XV e XVI, um filme
interessante é 1492: A Conquista do Paraíso, de Ridley Scott. Para saber mais
sobre o filme, veja o resumo e o contexto histórico na internet.
Leia também o texto As Grandes Navegações .
Pág. 7 - A Sociedade Europeia da Era Moderna
O Advento do Estado Absolutista
A partir do século XIII, ocorreu na Europa o fenômeno do fortalecimento do rei e
da monarquia. Por intermédio de guerras, alianças e casamentos, os reis se
fortaleceram e foram decisivos nos processos de construção dos Estados
nacionais europeus. Os Estados nacionais se formaram, então, como uma cunha
entre o poder local da nobreza e das cidades e o poder universal da Igreja.
Alguns, como Espanha, França e Inglaterra, foram bem-sucedidos. Outros, como
Itália e Alemanha, não conseguiram constituir-se em unidades nacionais até a
última metade do século XIX.
O Mapa 4 revela a divisão da Europa no século XIII.
Mapa 4: A Europa no Século XIII
Fonte: http://perso.wanadoo.fr/alain.houot/index.html
No processo de fortalecimento da monarquia, foi importante a criação de
algumas instituições. A primeira delas foi a do imposto nacional, que se
diferenciava da cobrança de tributos feita pelos senhores feudais. Enquanto esta
se fundava nas relações pessoais de vassalagem, o imposto moderno baseava-
se na ideia de que a contribuição era feita para a construção de um bem comum.
A segunda importante instituição foi a de exércitos nacionais. Se, antes, os reis
dependiam das relações pessoais com a nobreza, pois precisavam dos senhores
feudais e de seus exércitos particulares, agora tinham uma força militar própria,
mantida com os novos impostos arrecadados.
Pág. 8 - A Sociedade Europeia da Era Moderna
O Advento do Estado Absolutista (cont.)
O terceiro aspecto importante para o desenvolvimento do Estado absolutista foi
a criação de uma administração civil ligada ou ao rei ou ao Estado. Dessa forma,
o soberano se desligava das relações particulares com a nobreza para poder
governar. Ademais, tinha-se aí o embrião do que seria a burocracia estatal,
essencial para o governo dos Estados modernos.
Uma obra importante sobre o Absolutismo é "Linhagens do Estado
Absolutista", de Perry Anderson.
Os Estados absolutistas eram, pois, Estados em que o poder se encontrava
concentrado, em razão das instituições como o sistema tributário, o exército
nacional e a administração pública, nas mãos do rei. A figura do Estado se fundia
com a do soberano. Daí as palavras atribuídas a Luís XIV, soberano absolutista
francês: “L’Etat c’est moi!” (“o Estado sou eu!”).
Importante considerar, também, a preocupação dos Estados absolutistas com a
economia nacional, especialmente com o comércio. Essa preocupação se dava,
porque visava à arrecadação de fundos, especialmente sob a forma de metais
preciosos e impostos. Nesse sentido, uma nova classe, cada vez mais próxima
do soberano, se estruturou: a burguesia. Era formada pelos comerciantes e
outros profissionais liberais das cidades que ganhavam força frente à nobreza
ao contribuir para o financiamento do Estado moderno.
Por fim, o aparecimento dos estados absolutistas provocou grande mudança no
sistema internacional. Hélio Jaguaribe (2001, p. 481) observa que “o século XVII
se caracterizou na Europa pela emergência de grandes potências, contrastando
com o mundo do Renascimento, quando as cidades-estado da Itália
desempenhavam os principais papéis na arena internacional, cercadas por
países potencialmente poderosos, como a França, a Espanha e a Inglaterra, que,
no entanto, viviam em condições medievais. No princípio do século XVII, esses
países tinham conseguido em grande parte alcançar sua integração nacional, e
começavam a ter um papel internacional importante."
Pág. 9 - A Sociedade Europeia na Era Moderna
A Reforma (cont.)
No ano de 529, a Academia de Platão, em Atenas, fora fechada. Em um decreto
desse ano, o imperador romano Justiniano manifestou-se contra a filosofia,
iniciando uma acomodação do desenvolvimento cultural em direção à Igreja. No
mesmo ano, é fundada a Ordem dos Beneditinos, a primeira grande ordem
religiosa. Dali em diante, os mosteiros passariam a deter o monopólio da
educação, da reflexão e da meditação. Na Idade Média, teve plena vigência o
clássico ensinamento de Agostinho: “é necessário compreender para crer e crer
para compreender”.
No século XVI, iniciou-se um amplo movimento de reforma religiosa, que marcou
o fim do monopólio religioso da Igreja Católica Romana sobre a Europa
Ocidental. Esse movimento afetaria definitivamente a política, a economia, a
cultura, a sociedade, enfim, as relações de poder no cenário europeu e mundial.
Até a Reforma, além do monopólio sobre a fé da cristandade, a Igreja Católica
tinha um domínio cultural, político, econômico e espiritual único. Cada aspecto
da vida era rigidamente controlado. A força do Papa, o Bispo de Roma, tanto
política quanto religiosa, sobre a Europa Ocidental era tamanha que, no século
XIII, a Igreja podia proclamar que cada pessoa, praticamente em toda a Europa
Ocidental, tinha fé em Deus de acordo com sua doutrina e seus sacramentos.
Esse controle, no entanto, acabou por se voltar contra a própria instituição. Como
observa Perry (1999, p. 231), “obstruído pela riqueza, viciado no poder
internacional e protegendo seus próprios interesses, o clero, do papa abaixo,
tornou-se alvo de um bombardeio de críticas.”. De um lado, criticava-se a
supremacia da Igreja sobre os reis. De outro, a corrupção, o nepotismo, a busca
de riqueza pessoal por parte dos bispos e do papa, o relaxamento do
cumprimento das obrigações espirituais e a venda de indulgências. Inúmeros
cristãos passaram a criticar abertamente as práticas da Igreja e do clero. O mais
famoso e mais importante crítico da Igreja foi o monge Martinho Lutero.
A Reforma se iniciou em 1517, com as críticas de Lutero à venda de
indulgências. Indulgências eram obras que os cristãos faziam, em vida, para
reduzir o seu tempo, após a morte, no purgatório. A maior parte dessas obras
era constituída de doações à Igreja. Lutero questionava a validade moral da
venda de indulgência e a possibilidade de que elas poderiam redimir o homem
pecador. Lutero defendia que o homem, apesar de ser intrinsecamente
condenado pelo pecado original, poderia obter a redenção por meio da fé, do
arrependimento pessoal, do arrependimento pelos pecados e pela confiança na
piedade de Deus.
Pág. 10 - A Sociedade Europeia na Era Moderna
A Reforma (cont.)
Aspecto importante das teses de Lutero repousa no fato de que o monge
propunha, em última instância, a dispensa da necessidade da própria Igreja para
que o homem tivesse sua religiosidade e seu contato com o Criador. As
consequências da doutrina luterana ultrapassavam a esfera religiosa, pois
ameaçavam a dominação político-ideológica que a Igreja de Roma exercia sobre
os reinos europeus e seus soberanos.
Lutero, ao contrário de outros que atacaram a Igreja, obteve proteção da
aristocracia europeia. Mais especificamente, foi protegido por Frederico, príncipe
da Saxônia, na Alemanha. Posteriormente, Lutero deixou claro que não desejava
de forma alguma ser uma ameaça à autoridade política dos príncipes alemães.
Além disso, declarou que o bom cristão era aquele que obedecia às leis e à
ordem.
De fato, Martinho Lutero obteve a simpatia de príncipes e de cidades em toda a
Alemanha. As razões foram simples. Ao se desqualificar a Igreja Católica, abria-
se a possibilidade de confisco das terras desta pelos príncipes e nobres e do fim
dos pesados tributos que a ela eram pagos. Além disso, os príncipes alemães
sentiam-se livres para resistir ao Sacro Império Romano, do católico Carlos V.
Este, pressionado por ameaças externas – a França, a oeste, e os turcos, a leste
– acabou por assinar a Paz de Augsburgo, em 1555. Esse acordo basicamente
definiu que cada príncipe poderia determinar a religião de seus súditos.
Filme indicado: Lutero, de Eric Till, conta a história do monge alemão que se
rebelou contra o abuso de poder na Igreja Católica há 500 anos. Trata-se de
filme interessante para auxiliar na compreensão da Reforma e da
Contrarreforma.
As 95 teses de Lutero que abalaram a Europa renascentista estão disponíveis
em um sitio interessante: a Revista Espaço Acadêmico. Veja, também, a
biografia do monge.
Pág. 11 - A Sociedade Europeia na Era Moderna
Reforma (cont.)
No Mapa 5, temos a Europa no século XVI, dividida entre os diferentes grupos
de protestantes (em verde) – calvinistas, luteranos e anglicanos –, católicos fiéis
a Roma (em rosa) e ortodoxos (em laranja). Cite-se ainda a constante pressão
do Império Otomano, baluarte do mundo islâmico e um Ator muito relevante no
cenário europeu da época. Claro que as disputas da cristandade centravam-se
em católicos x protestantes, mas alianças com Constantinopla muitas vezes
eram consideradas.
Mapa 5: A Europa à Época da Reforma: a Divisão da Cristandade
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ma/matm32.html
É importante observar que o descontentamento com a Igreja era grande em boa
parte da Europa. O protestantismo, não só da linha luterana, espalhou-se com
muita rapidez por todo o norte do continente. A reação católica, a
Contrarreforma, deu-se sob diversas formas. A primeira delas foi no campo da
atuação religiosa. Como observa Perry (1999, p. 242), “a princípio, a energia
para a reforma veio do clero comum, bem como de leigos como Inácio de
Loyola”. Loyola foi o fundador da famosa Companhia de Jesus. Como fora
treinado como soldado, ele organizou os jesuítas de forma rígida e altamente
disciplinada.
A Contrarreforma também enfatizava a pregação, a reconversão dos que se
afastaram da Igreja, a construção de templos, a censura, a perseguição a
protestantes e a outros hereges. Também é importante ressaltar que a Igreja,
por intermédio do Concílio de Trento, de 1545 a1563, modificou ou eliminou
muito dos pontos criticados pelos protestantes, como, por exemplo, a venda de
indulgências. Por outro lado, o Concílio não fez nenhuma concessão ao
protestantismo.
A Reforma significou o enfraquecimento da Igreja e o consequente
fortalecimento dos Estados. Além disso, a Europa se viu dividida em duas: uma
protestante, no norte, e outra católica, no sul do continente. Essa tensão
permaneceria e seria especialmente sentida no século seguinte.
De fato, as disputas entre católicos e protestantes teriam um importante reflexo
nas relações internacionais europeias durante mais de dois séculos, em especial
porque estavam associadas também às rivalidades entre as Potências
europeias. Do ponto de vista das relações internacionais, os novos Estados
protestantes aliavam-se para se contrapor à dominação hegemônica da Igreja e
de seu principal defensor político, a dinastia dos Habsburgos, o grandehegemon
europeu, que tinha um império que englobava a Espanha e a Áustria. Essas
rivalidades religiosas e políticas culminariam na Guerra dos Trinta Anos.
Os conflitos entre católicos e protestantes marcaram a Europa por dois séculos,
e seus efeitos alcançam nossos dias. Um filme muito interessante para se
compreender o período é A Rainha Margot, de Patrice Chéreau. Veja o resumo
e o contexto histórico do filme.
Pág. 12 - A Guerra dos Trinta Anos (1618-1648)
A Guerra dos Trinta Anos, de 1618 a 1648, primeiro grande conflito armado dos
tempos modernos, envolveu grande parte da Europa. Essa grande confrontação
do século XVII poria termo ao período de um século de disputas entre católicos
e protestantes e daria início a um novo sistema europeu de relações
internacionais cujos fundamentos alcançariam o século XXI.
O sistema internacional no século XVII foi marcado inicialmente pela
preponderância da Espanha. Seus concorrentes, porém, não tardaram a ocupar
o seu lugar de destaque. A França surgiu como um país importante enquanto a
Inglaterra preparou o terreno, especialmente nas últimas décadas do século,
para se tornar hegemônica no século seguinte. A perda da hegemonia espanhola
esteve ligada a vários fatores. Jaguaribe (2001, p. 486) observa que a
decadência espanhola “resultou da combinação de quatro causas principais:
certas debilidades institucionais; estruturas sociais predatórias; compromissos
ideológicos utópicos; e a adoção de políticas equivocadas”
Importante lembrar que a Espanha, católica, era a potência hegemônica no início
do século XVII. O domínio de Felipe III (1598-1621) abrangia toda a Península
Ibérica, as colônias da América, incluindo o Brasil, o sul da Itália, Milão, ilhas no
Mediterrâneo, Filipinas e enclaves na África.
Especialmente equivocada foi a decisão espanhola de ser defensora da fé
católica. Isso não apenas fez ressurgir, em grau muito maior, as guerras
religiosas do século anterior, mas também levou a Espanha a perder a sua
condição de principal potência do continente europeu.
O século XVII, ressalta Jaguaribe (2001, p. 485), "foi marcado pelos conflitos
religiosos mais agudos já ocorrido no ocidente. Herdados do século precedente,
eles culminaram na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648)", que foi, pois a tentativa
militar dos católicos de conter o protestantismo.
O Mapa 6 ilustra a Europa em 1600, dividida entre reinos católicos e
protestantes.
Fonte:
http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ancien_R/ancienr7.html
Antes de entrarmos diretamente na Guerra dos Trinta Anos, convém um rápido
parêntese. Em 1556, o Imperador Carlos V, após ter assinado a Paz de
Augsburgo, abdicou e dividiu em dois os seus domínios: de um lado, a Espanha,
Países Baixos, colônias americanas e Itália ficaram para seu filho Felipe II (no
mapa, em laranja); de outro, a Áustria, que ficou com seu irmão Fernando (em
amarelo). Com isso, a família Habsburgo ficou dividida em dois ramos, ambos
católicos e, frequentemente, aliados.
Pág. 13 - A Guerra dos Trinta Anos ( 1618-1648)
A Guerra
A chamada Guerra dos Trinta Anos começou em 1618 como conflito religioso
entre católicos e protestantes na Boêmia e adquiriu caráter político em torno das
contradições entre Estados territoriais e principados. Envolveu a Alemanha,
Áustria, Hungria, Espanha, Holanda, Dinamarca, França e Suécia.
Importante para o início da Guerra dos Trinta Anos foi a ascensão de Fernando
II ao trono austríaco, em 1619. Na época, Fernando II, imperador do Sacro
Império Romano-Germânico era também rei da Boêmia. Os rebeldes negaram-
lhe esse título e entronizaram o príncipe eleitor calvinista Frederico do
Palatinado. Segundo Perry (1999, p. 266):
A Guerra dos Trinta Anos começou quando os boêmios (...) tentaram colocar no
seu trono um rei protestante. Os Habsburgos austríacos e espanhóis reagiram,
mandando um exército ao reino da Boêmia; de súbito, todo o império foi forçado
a tomar partido dentro de linhas religiosas. A Boêmia sofreu uma devastação
quase inimaginável: três quartos de suas cidades foram saqueadas e queimadas
e sua aristocracia foi praticamente exterminada.
O resultado foi o envolvimento de outros príncipes protestantes. O mais
importante deles na primeira fase da Guerra, que vai até 1632, foi o rei da Suécia,
Gustavo Adolfo, morto em batalha naquele ano. A possibilidade de paz entre
Fernando II e os príncipes alemães leva à cena um novo Ator, a França,
preocupada com a excessiva força que poderia ter a Áustria.
Sob o comando do cardeal Richelieu, a França, apesar de católica como os
austríacos, posicionou-se contra estes. Primeiramente, de forma encoberta,
depois de maneira ostensiva. Richelieu estava convencido de que a continuidade
da França como grande poder internacional dependia da guerra contra os
Habsburgos. Assim, a França financiava ou apoiava todos os que se opusessem
ao domínio austríaco ou espanhol, ou, quando necessário, guerreavam
diretamente contra eles. A França, aliás, derrotou o até então imbatível exército
espanhol na batalha de Rocroy, em 1643. Para a Espanha, o custo dessa derrota
foi altíssimo, pois significou o fim da invencibilidade de seu poderoso exército e
a vida de 15 mil soldados.
A maneira como Richelieu se portou politicamente influenciaria o sistema
internacional pelos próximos séculos. Richelieu criou ou ajudou a criar conceitos
como o de “razão de estado” e “equilíbrio de poder”. Henry Kissinger (1999, p.
60) analisa que “de início, ele [Richelieu] queria impedir a dominação dos
Habsburgos sobre a Europa, mas ao final deixou um legado que por dois séculos
provocou seus sucessores a tentarem o primado francês na Europa. Do fracasso
dessas tentativas, brotou o equilíbrio de poder, primeiro como um fato da vida,
depois como forma de organizar relações internacionais (...). Quando a guerra
terminou, em 1648, a Europa Central fora devastada e a Alemanha perdera
quase um terço de sua população. No tumulto desse conflito trágico, o cardeal
Richelieu enxertou o princípio da raison d´état (razão de estado) na política
externa francesa, princípio que os outros estados europeus adotaram nos cem
anos seguintes”.
Convém reproduzir mais algumas das conclusões de Kissinger (1999, p. 63): “o
objetivo de Richelieu era romper o que ele considerava o cerco da França,
exaurir os Habsburgos e impedir a emergência de uma grande potência nas
fronteiras da França – especialmente na fronteira alemã. Seu único critério para
alianças era que elas atendessem aos interesses da França, aplicado
primeiramente aos estados protestantes, mais tarde até ao Império Otomano
muçulmano”.
Assim, a conduta da França reflete a maneira racional e pragmática como as
grandes Potências atuam no cenário internacional. Apesar de católica, a França
não hesitou em aliar-se aos protestantes para se contrapor à hegemonia
espanhola. Essa conduta garantiria o fortalecimento da França nos anos
seguintes, de modo que, com o fim da guerra e o declínio do poder espanhol, o
Estado francês assumiria o papel de nova Potência hegemônica no continente.
A Guerra dos Trinta Anos chegaria a termo por meio da Paz de Westfália (1648),
e uma Nova Ordem seria estabelecida no cenário europeu e,
consequentemente, nas relações internacionais da Era Moderna.
Leia mais sobre a Guerra dos Trinta Anos acessando o sítio “Vultos e episódios
da Época Moderna”.
Pág. 14 - A Guerra dos Trinta Anos (1618-1648)
A Paz de Westfália (1648)
A paz foi alcançada porque a guerra, após as suas várias fases, se mostrou
impossível de ser vencida de maneira efetiva. Segundo Jaguaribe (2001, p. 483),
“se foi possível chegar finalmente a um acordo negociado, depois de disputas
ferozes, isso se deveu à incapacidade dos Atores em conflito de impor pela força
os seus respectivos dogmas”.
O primeiro dos tratados, assinado em janeiro de 1648, pôs fim à guerra entre
Espanha e Holanda. Em outubro do mesmo ano, pressionada por seus aliados
alemães, a Espanha também selou a paz com os franceses.
Os tratados de Westfália significaram o fim das ambições dos Habsburgos
austríacos e espanhóis e a vitória da política externa francesa, iniciada com
Richelieu. Os franceses, além de acabarem com as pretensões dos seus
adversários, ainda tiveram algumas importantes conquistas territoriais. O
fantasma de uma Alemanha unificada, ameaça à França pelo leste, manteve-se
afastado por duzentos anos.
Carpentier e Lebrun (1993, p. 229) anotam que a Europa era “politicamente muito
diferente da de 1560 ou 1600. A Casa da Áustria já não era um perigo para a
paz europeia. (...) A Espanha, enfraquecida e amputada, já se não contava entre
as potências de primeira plana. A Inglaterra, saída do isolamento em que havia
ficado a seguir à guerra civil (...), as Províncias Unidas [Holanda], independentes
e aumentadas, a Suécia, dominadora do Báltico, eram já grandes potências (...).
O facto essencial era, todavia, a situação de preponderância adquirida pela
França. O reino (...) não só era mais vasto e mais bem defendido como também
dispunha de uma clientela em que se contavam quase todos os países europeus.
De resto, o prestígio intelectual e artístico da França não cessava de crescer.
Começara a era da preponderância francesa na Europa”.
No Mapa 7, pode-se perceber a nova configuração de poder no continente
europeu, com destaque para as fronteiras nacionais e os limites assegurados
pelo Tratado de Westfália. A maior parte dessas fronteiras acabaria modificada
nos séculos seguintes.
Mapa 7: A Europa em 1648
Fonte:
http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ancien_R/ancienr9.html
Pág. 15 - A Guerra dos Trinta Anos (1618-1648)
O Legado de Westfália
Importante sublinhar que o Tratado de Westfália marca o fim de cento e
cinquenta anos de conflito entre os nascentes Estados europeus e o fim das
ambições dos Habsburgos. Nasce, então, um novo tipo de Sistema
Internacional, cujos Atores eram, essencialmente, os Estados. Além disso, a
história posterior da Europa caracterizar-se-ia pelo princípio da anti-hegemonia,
isto é, os Estados agiriam no sentido de evitar que um se tornasse a potência
hegemônica (balanço de poder). O Tratado de Westfália, assim, foi responsável
por grandes mudanças no sistema internacional europeu. Ao contrário de boa
parte dos acordos e pactos que eram firmados anteriormente, ele não serviu
apenas para pôr fim a um conflito, mas também para tornar o Estado o principal
Ator das relações internacionais. Além disso, os Estados, independentemente
do tamanho, se viram como iguais e participantes de um mesmo Sistema
Internacional.
Trata-se de um momento histórico fundamental para as Relações Internacionais.
O Tratado de Westfália, de 1648, inaugurou uma nova fase na história política
daquele continente, propiciando o triunfo da igualdade jurídica dos Estados, com
o que ficaram estabelecidas sólidas bases para uma regulamentação
internacional mínima. Essa igualdade jurídica elevou os Estados ao patamar de
únicos Atores nas políticas internacionais, eliminando o poder da Igreja nas
relações entre os mesmos e conferindo aos mais diversos Estados o direito de
escolher seu próprio caminho econômico, político ou religioso. Ficou, então,
consagrado o modelo da soberania externa absoluta, tendo início uma ordem
internacional protagonizada por Atores com poder supremo dentro de fronteiras
territoriais estabelecidas. Mais tarde, os contratualistas (Locke, Rousseau) e, em
1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, trariam os elementos
caracterizadores da soberania que seriam adotados por várias Constituições:
unidade, indivisibilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade.
Importante também sublinhar que o primeiro ponto em que os diplomatas em
Westfália acordaram foi que as três confissões religiosas dominantes no Sacro
Império (o catolicismo, o luteranismo e o calvinismo) seriam consideradas iguais.
Revogava-se, assim, a disposição anterior nesse assunto, firmada pela Paz de
Augsburgo, em 1555, que dizia que o povo tinha que seguir a religião do seu
príncipe (cuius regios, eius religio). Isso não só abria uma brecha no despotismo
como abria caminho para a concepção de tolerância religiosa, que, no século
seguinte, se tornaria bandeira dos iluministas, como John Locke e Voltaire. Além
disso, a nova doutrina da Razão de Estado, extraída das experiências
provocadas pela Guerra dos Trinta Anos, exposta e defendida pelo Cardeal
Richelieu, defendia que um reino tem interesses permanentes que o colocam
acima das motivações religiosas. O antigo sistema medieval, que depositava a
autoridade suprema no Império e no Papado, dando-lhes direito de intervenção
nos assuntos internos dos reinos e principados, foi substituído pelo conceito de
soberania de Estado, inaugurando-se um novo sistema em que os Estados têm
direitos iguais baseados numa ordem constituída por tratados e pela sujeição à
lei internacional.
Essa situação político-jurídica perdura até os nossos dias, apesar de haver hoje,
particularmente da parte dos EUA, um forte movimento supranacional
intervencionista, com o objetivo de suspender as garantias de privacidade de
qualquer Estado frente a uma situação de emergência ou de flagrante violação
dos direitos humanos.
Pág. 16 - A Guerra dos Trinta Anos (1618-1648)
A Nova Ordem Internacional a partir de Westfália
A história europeia após o tratado de Westfália é a contínua busca, por parte da
França, de obtenção da hegemonia europeia e a resistência, por parte dos
demais Atores europeus, a esse intento. Na busca desses objetivos, imperam as
relações pragmáticas e as alianças de ocasião. No século que se seguiu à Paz
de Westfália, “a raison d’état [razão de estado] passou a ser o princípio
orientador da diplomacia europeia”, registra Kissinger (1999, p. 66).
O período pode ser divido em três fases:
A primeira vai de 1648 a 1740 e é de preponderância francesa. A Áustria recuou
de suas pretensões na Alemanha e conquistou, gradativamente, vastas regiões
ao longo do rio Danúbio. A Espanha lentamente se retirava do papel de potência
de primeira ordem. A Inglaterra, a partir da Revolução Gloriosa, de 1688, tornou-
se uma monarquia em que o Parlamento tinha papel preponderante. A França,
especialmente sob Luís XIV “esforçou-se (...) por reforçar o absolutismo
monárquico em França e por impor, mais ou menos diretamente, a sua lei à
Europa. Falhou, porém, nesta sua última pretensão perante a coligação dos
Estados europeus – enquanto, na Europa Central e Oriental, a Prússia começava
a salientar-se, e Pedro, o Grande, procurava conseguir que a Rússia saísse do
seu isolamento” (CARPENTIER; LEBRUN, 1993, p. 233).
Essa Europa do início do século XVIII encontra-se no Mapa, veja:
Mapa 8: A Europa no Início do Século XVIII
Fonte:
http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ancien_R/ancienr11.html
Pág. 17 - A Guerra dos Trinta Anos (1618-1648)
A Nova Ordem Internacional a partir de Westfália (cont.)
A segunda fase vai de 1740 a 1792 e se caracteriza pela preponderância
marítima da Inglaterra e pelo equilíbrio das potências continentais. “A luta, no
mar e nas colônias, entre a Inglaterra – onde, a despeito das tendências de poder
pessoal de Jorge III, prosseguia a evolução para o regime parlamentar – e a
França – onde o absolutismo de Luís XV e Luís XVI enfrentava dificuldades cada
vez maiores – veio a dar a vantagem à Inglaterra, que se tornou a primeira
potência mundial graças à sua superioridade marítima e ao avanço resultante
dos começos da revolução industrial. Na Europa Central e Oriental, a Prússia de
Frederico II, a Áustria de Maria Teresa e José II e a Rússia de Isabel e de
Catarina II eram concorrentes entre si, mas equilibravam-se e chegaram a
acordo para crescer à custa do Império Otomano e da Polônia, que foi totalmente
desmembrada” (CARPENTIER; LEBRUN, 1993, p. 247).
O último período vai de 1792 a 1815 e se caracteriza por ser o momento do
apogeu e do fracasso do projeto de uma Europa francesa. “Entre 1789 e 1815,
a Europa respirou ao ritmo da França. A ‘Grande Nação’ impôs-se, primeiro, pela
força das ideias e, depois, pela das armas. De 1792 até 1815, a guerra opôs
permanentemente a França às monarquias europeias. Napoleão Bonaparte,
herdeiro dessa guerra, tentou construir uma Europa Continental francesa. Mas a
obstinação britânica, que inspirava e financiava as diversas coligações das
coroas, acabaria por vencer o Grande Império. A França foi, então, vítima não
só dos reis como também dos povos, cujos sentimentos ajudara a despertar”
(CARPENTIER; LEBRUN, 1993, p. 277).
Sob o prisma das Relações Internacionais, convém observar a importância da
Potência hegemônica em um sistema e o grau de influência sobre os outros
Atores. Na Nova Ordem estabelecida a partir de Westfália, a França ascendeu à
condição de Potência hegemônica, que havia sido da Espanha sob os
Habsburgos. O século que se seguiu à Guerra dos Trinta Anos foi um século
francês, no qual a sociedade internacional era influenciada pela sociedade
francesa. Daí a expansão do Iluminismo pela Europa e Américas, os costumes
e até o idioma francês influenciando outros povos ou gerando reações
nacionalistas, como ocorre hoje com a língua inglesa e o american way of life.
Assim, o sistema passou a gravitar em torno da França. Essa ordem começou a
ruir quando se modificou o equilíbrio de poder no continente, em virtude de
transformações radicais no interior do hegemon. A maior dessas transformações
foi a Revolução Francesa, que abalou a estrutura de poder no interior da
Potência hegemônica e acabou repercutindo em todo o continente – chegando
inclusive ao Novo Mundo – com as guerras napoleônicas.
Mais um livro útil como referência sobre o período a partir de uma perspectiva
de
Relações Internacionais, além do já sugerido anteriormente - “Ascensão e
Queda
das Grandes Potências", de Paul Kennedy -, é "Diplomacia", de Henry
Kissinger.
Leia mais sobre a Guerra dos Trinta Anos acessando o sítio “Vultos e episódios
da Época Moderna”.
Unidade 2 - A Nova Ordem Internacional do Século XIX
Ao concluir o estudo desta Unidade, o aluno deverá ser capaz de discorrer
sobre os
principais aspectos das relações internacionais do século XIX, particularmente
sobre:
• Os antecedentes da Nova Ordem do século XIX: a Revolução Francesa e as
Guerras Napoleônicas;
• O congresso de Viena (1815) e o Concerto Europeu;
• As Revoluções do século XIX;
• os nacionalismos e as unificações da Itália e da Alemanha;
• a ascensão da Alemanha unificada como Grande Potência;
• o neocolonialismo;
• os novos atores entre as Grandes Potências fora da Europa;
• Estado-nação.
Bom estudo! Não se esqueça de fazer anotações, de abordar com
comprometimento os exercícios de fixação oferecidos e de,
sempre que possível, realizar atividades propostas para tornar o curso mais
dinâmico: filmes, livros, links na Internet.
Pág. 2 - A Nova Internacional do Século XIX - Antecedentes
A Revolução Francesa
A Revolução Francesa (1789) foi um evento que marcou profundamente a
sociedade europeia. Inspirada pelos ideais iluministas e liderada pela burguesia
com apoio popular, a Revolução tinha por lema "Liberdade, Igualdade,
Fraternidade" e ressonou em todo o mundo, da Europa ao continente americano,
pondo abaixo regimes absolutistas e ascendendo os valores burgueses. Foi
marco e referência para grandes transformações sociais e políticas que
aconteceriam pelo mundo nos séculos seguintes.
O Mapa 9 apresenta a configuração política da Europa à época da Revolução
Francesa. Note-se como a França Revolucionária estava cercada pelas
potências absolutistas defensoras do Antigo Regime. Apesar disso, os ideais
revolucionários se expandiriam para muito além das fronteiras do Reino da
França.
Mapa 9: A Europa à época da Revolução Francesa
Fonte:
http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ancien_R/ancienr13.html
Registre-se que essa ressonância da Revolução Francesa foi tanto prática
quanto simbólica. A Revolução foi marcante por ter atingido a principal
monarquia europeia e o maior e mais populoso país europeu (se excluída a
Rússia). De fato, as transformações que marcariam a Europa e a civilização
ocidental no século XIX seriam influenciadas diretamente por aquelas mudanças
ocorridas no âmbito doméstico da França, então a Potência hegemônica no
continente. Nesse sentido, podemos perceber como transformações nas
Grandes Potências acabam afetando todo o sistema internacional,
proporcionalmente ao grau de poder dessa Potência.
Exemplo disso são as mudanças ocorridas nos EUA após o 11 de setembro de
2001 e seus efeitos em todo o globo.
Pág. 3 - A Nova Ordem Internacional do Século XIX - Antecedentes
Revolução Francesa (cont.)
Assim, para os defensores da ordem, a Revolução era perigosa, porque retirava
os alicerces do Antigo Regime. A título de exemplo, foi apenas em 1789 que,
pela primeira vez na história da França, uma Assembleia Nacional foi eleita e
aboliu o feudalismo e seus privilégios. Além disso, também naquele ano, a
Bastilha, o símbolo do poder real, foi tomada de assalto, palácios foram
saqueados e revoltas ocorreram no campo, com os camponeses se sublevando
e questionando, de maneira praticamente inédita no país, o modelo de servidão
estabelecido pelo sistema feudal. Como se não bastasse, uma Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão foi proclamada como preparativo para uma
Constituição, e a Igreja foi subordinada ao Estado. Eram mudanças que
afetavam o cerne de uma ordem doméstica tradicional e que acabariam afetando
as estruturas da ordem internacional que tinha a França como principal
protagonista.
Denominou-se Antigo Regime à ordem estabelecida na Idade Moderna na qual
a monarquia absolutista conjugou-se com as principais forças políticas da
sociedade: por meio do Mercantilismo, a monarquia aliou-se à burguesia e ao
mesmo tempo manteve-se unida à nobreza e ao alto clero, concedendo
privilégios a esses dois últimos grupos, muitas vezes em detrimento da burguesia
e sempre às custas dos impostos cobrados do povo.
Não tardou, pois, a reação. As Potências Europeias promoveram ataques contra
o território francês na tentativa de restabelecer o trono de Luís XVI e o Antigo
Regime (vide Mapa 10 – em roxo, a ofensiva dos países da coalizão). As
cabeças coroadas da Europa não poderiam arriscar que um de seus membros
mais importantes fosse derrubado por um levante popular.
Nesse contexto, Luís XVI tentou fugir para o exterior. Preso no meio do caminho,
foi levado de volta a Paris e guilhotinado. A República foi proclamada, e a França
se viu, externamente, em um estado quase permanente de guerra. Internamente,
a Revolução mergulhou no Terror – aproximadamente 40 mil pessoas morreram
– e na luta entre as diversas facções. Após um período de contrarrevolução e de
agravamento dos conflitos internos, o poder passou para as mãos dos generais.
Um deles, Napoleão Bonaparte, assumiu o controle do governo em novembro
de 1799.
Mapa 10: A Revolução Ameaçada (1792-1794)
Fonte:
http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/Rev_Emp/revemp3.html
Pág. 4 - A nova Ordem Internacional do Século XIX - Antecedentes
Napoleão Bonaparte
Napoleão, “na verdade, pertencia à tradição do despotismo esclarecido do
século XVIII. Da mesma maneira que os déspotas reformadores, admirava a
uniformidade e a eficiência administrativas, era avesso ao feudalismo, à
perseguição religiosa e à desigualdade civil e defendia a regulamentação
governamental na indústria e no comércio” (PERRY, 1999, p. 339).
Apesar de não se identificar com o republicanismo e com a democracia das fases
mais radicais da Revolução, Bonaparte era visto, pelos demais países europeus
como seu continuador. Isso se deu, em grande parte, porque o general corso
estendeu, “com diferentes graus de determinação e sucesso, (...) as reformas da
Revolução a outras terras. Seus funcionários instituíram o Código Napoleônico,
organizaram um serviço civil efetivo, abriram carreiras de talento e nivelaram os
encargos tributários. Além de abolir a servidão, os pagamentos senhoriais e as
cortes da nobreza, eliminaram os tribunais clericais, fomentaram a liberdade
religiosa, autorizaram o casamento civil, exigiram que se concedessem direitos
civis aos judeus e combateram a interferência do clero na autoridade secular.
(...) Napoleão dera início a uma revolução social de amplitude europeia, que
atacou os privilégios da aristocracia e do clero – que se referiam a ele como o
‘jacobino coroado’ – e beneficiou a burguesia” (PERRY, 1999, p. 344).
Vejamos como se deu a influência das ideias e das novas instituições, segundo
Duroselle (1976, p. 8):
- As zonas “assimiladas”, anexadas ao território do grande Império, ou
efetivamente vassalas (reino da Itália): aí, os direitos feudais foram suprimidos,
a igualdade estabelecida perante a lei, o código napoleônico adotado e a
administração calcada sobre a da França.
- As zonas de “influência”, onde a anexação foi indireta, mas o Antigo Regime foi
eliminado pelas autoridades francesas. É o caso da maior parte da Alemanha
entre o Reno e o Elba, do Grão-Ducado de Varsóvia, do Reino da Sicília e do
Reino de Nápoles.
- As zonas de “resistência positiva”, essencialmente a Prússia, onde os dirigentes
(...) calcularam que o melhor meio de encerrar a luta contra a França era pôr em
prática extensas reformas sociais (abolição da servidão e dos direitos feudais).
- As zonas de “resistência passiva”, essencialmente a Áustria e a Rússia, onde
a luta contra a França não se fez acompanhar de nenhuma reforma profunda: o
sistema senhorial foi mantido na Áustria, a servidão e o Tchin (nobreza ligada à
função pública) na Rússia.
Enfim, a Inglaterra, depois de 1800 chamada de “Reino Unido da Grã-Bretanha
e Irlanda”, que, por um lado, jamais havia sido conquistada e, por outro, já
possuía um regime suficientemente liberal para que tivesse a tentação ardente
de imitar a França.
Pág. 5 - A Nova Ordem Internacional do Século XIX - Antecedentes
Napoleão Bonaparte (cont.)
Portanto, a Era Napoleônica foi marcada por uma série de conflitos armados
ocorridos entre 1799 e 1815, quando a França enfrentou várias alianças de
Potências europeias. O principal motivo das campanhas francesas, após 1789,
era defender e difundir os ideais da Revolução Francesa, mas, com a ascensão
de Napoleão, o objetivo passou a ser a expansão da influência e do território
franceses. O império napoleônico chegou a dominar parte significativa
daEuropa. Napoleão sonhava com uma Europa em que, sob a hegemonia
francesa, não houvesse mais espaço para as estruturas absolutistas do Antigo
Regime. Nessas regiões, as sementes dos ideais revolucionários de 1789 foram
plantadas e germinariam nas décadas seguintes. Para a contenção do
expansionismo francês, foram necessárias várias coalizões das Grandes
Potências.
No Mapa, pode-se ter a ideia da dimensão do Império Napoleônico em seu
apogeu (em verde).
Mapa 11: O Império Napoleônico em seu Apogeu (1810-1811):
Pág. 6 - A Nova Ordem Internacional do Século XIX - Antecedentes
Napoleão Bonaparte (cont.)
Em 1812, Napoleão conduziu uma campanha vitoriosa contra os russos
chegando até Moscou. Entretanto, a vitória logo se converteu em grande derrota.
Os russos simplesmente abandonaram Moscou, depois de destruir os campos
cultivados e de incendiar a cidade. Sem abrigo ou provisões, o exército francês,
enfrentando o rigoroso inverno, foi obrigado a deixar a Rússia sob o intenso fogo
do exército russo, perdendo aproximadamente 95% dos cerca de 600 mil
homens que participaram da desastrosa campanha.
Aproveitando-se do enfraquecimento de Napoleão, Áustria, Prússia, Rússia,
Inglaterra e Suécia formaram a 6.ª Coalizão e declararam guerra à França.
Napoleão derrotou os exércitos da Rússia e da Prússia, enquanto os exércitos
franceses estavam sendo derrotados na Península Ibérica por forças espanholas
e inglesas. Após a Batalha de Leipzig, a Batalha das Nações, em 1813, os
exércitos de Napoleão abandonaram os principados alemães. A rebelião contra
o império se estendeu à Itália, Bélgica e Holanda.
Em 1814, um grande exército da 6.ª Coalizão invadiu a França e ocupou Paris.
Napoleão, obrigado a renunciar, foi exilado na Ilha de Elba (próxima da Córsega,
sua terra natal), e a monarquia francesa restaurada com Luís XVIII, irmão de
Luís XVI. Os membros da Coalizão reuniram-se, então, no Congresso de Viena
para restaurar as monarquias na Europa.
No entanto, enquanto era traçado o novo mapa europeu, em março de 1815,
Napoleão fugiu de Elba, voltou à França, e iniciou a formação de um novo
exército. O rei enviou uma guarnição de soldados para prendê-lo, mas estes
aderiram a Napoleão. Luís XVIII fugiu para a Bélgica.
Contra Napoleão foi rapidamente formada uma 7.a Coalizão, composta por
Inglaterra, Áustria, Prússia e Rússia. Sem tempo para preparar um exército,
Bonaparte enfrentou novos combates, mas foi derrotado definitivamente
naBatalha de Waterloo (18 de junho de 1815). Napoleão foi então mantido
prisioneiro na Ilha de Santa Helena, no Atlântico Sul, onde morreu em 1821. Luís
XVIII reassumiu o trono francês com o apoio do Congresso de Viena. Chegaram
ao fim as Guerras Napoleônicas.
Apesar da derrota definitiva em 1815, as ações de Napoleão e os ideais
revolucionários atingiram, de forma irreversível, o Antigo Regime em boa parte
da Europa e aceleraram o processo de modernização do continente. Seus efeitos
alcançaram o continente americano, repercutindo nos processos de
independência de toda a América Latina e nos princípios jurídicos e políticos que
regeriam os novos governos na região. O mundo passou, portanto, por grandes
transformações em virtude da Era Napoleônica. As relações internacionais
nunca mais seriam como antes.
Pág. 7 - A Nova Ordem Internacional do Século XIX - Antecedentes
O Congresso de Viena (1815) e o Concerto Europeu
O fim das guerras napoleônicas marcou o início de um sistema internacional
baseado no equilíbrio de poder entre as Potências europeias que durou cem
anos, até a Primeira Guerra Mundial. Foi o mais longo período de paz da história
da Europa ou, pelo menos, o período em que não houve nenhuma guerra que
envolvesse, de forma generalizada, as Potências europeias. Durante 40 anos,
isto é, entre o Congresso de Viena e a Guerra da Crimeia (1854), não houve uma
guerra sequer entre as grandes Potências e, nos 60 anos seguintes, exceto pela
Guerra Franco-Prussiana de 1871, nenhum conflito importante ocorreu.
O Congresso de Viena foi marcado pelo medo e pelas lembranças trazidas pelos
25 anos anteriores. Os homens que reconstruíram o mapa da Europa em 1815
o fizeram preocupados em evitar que a ordem sofresse novos abalos. Apesar de
todos os negociadores serem adversários da Revolução, estavam perfeitamente
conscientes de que a Europa de 1815 não poderia voltar a ser aquela de 1792.
Não obstante, estavam determinados a evitar novas catástrofes. Para isso,
seriam utilizados dois princípios: o da legitimidade e o do equilíbrio europeu. Nas
palavras de Duroselle (1976, p. 4):
Primeiro, restabelecer a ‘legitimidade’ dos soberanos. Mas ‘na ordem das
combinações legítimas, ligar-se de preferência àquelas que podem com maior
eficácia concorrer para o estabelecimento e conservação de um verdadeiro
equilíbrio’. Serão, então, utilizados com flexibilidade e em proveito dos grandes
Estados os dois princípios, um moral e jurídico, o da legitimidade, outro,
puramente prático, o do equilíbrio europeu.
Como resultado dos debates de Viena, o mapa da Europa sofreu alterações
importantes que refletiam a nova configuração de poder estabelecida pelas
Grandes Potências. A Alemanha, por exemplo, passou de 300 Estados para 38
(comparar o Mapa 12 com o Mapa 11).
Um fato, porém, não pode ser deixado de lado. Na conformação do novo sistema
de equilíbrio europeu, a França continuava a grande preocupação. Sua condição
hegemônica tinha sido excessivamente danosa para as outras Potências
europeias. O Congresso de Viena foi realizado sob o signo de se evitar que ela
ameaçasse novamente o resto do continente.
Dois tratados pós-Congresso de Viena merecem destaque. O primeiro é o
Tratado da Santa Aliança, firmado entre o Czar da Rússia, o Imperador da
Áustria e o Rei da Prússia, em 26 de setembro de 1815. O segundo é o tratado
conhecido como o da Quádrupla Aliança, entre os Quatro Grandes (Inglaterra,
Rússia, Áustria e Prússia) em 20 de novembro de 1815.
Pág. 8 - A Nova Ordem Internacional do Século XIX - Antecedentes
O Congresso de Viena (1815) e o Concerto Europeu
O Tratado da Santa Aliança estabelecia a restauração na Europa da ordem
religiosa e monárquica, fundamento do Antigo Regime que a Revolução
Francesa quis derrubar. Fundando-se no mundo cristão, excluía o sultão
otomano, apesar de o Czar desejar que o sistema abarcasse a França e a
Espanha. Segundo Duroselle (1976, p. 5), “a ‘Santa Aliança’, produto dos sonhos
do Czar tinha pouca consistência, e que a verdadeira realidade era a Quádrupla
Aliança, assinada secretamente a 20 de novembro de 1815 entre a Rússia, a
Inglaterra, a Áustria e a Prússia, contra a França.”
Mapa 12: O Congresso de Viena (1815)
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix1.html
Até 1830, o equilíbrio europeu foi assegurado graças aos entendimentos entre
Inglaterra, Rússia, Áustria e Prússia – os “Quatro Grandes” – e à estabilização
política da França. Como resultado de habilidosa diplomacia, já em 1818 os
franceses conseguiram associar-se à política de garantia da ordem na Europa.
Estava estruturado o Concerto Europeu, por meio do qual as Grandes Potências
europeias conduziriam o continente por décadas. O equilíbrio de forças entre
Inglaterra, Rússia, Áustria, Prússia e França garantia a estabilidade, uma vez
que nenhum desses Estados ou qualquer outro país europeu era
suficientemente poderoso para enfrentar sozinho uma coalizão formada pelos
demais. Assim, estabelecia-se um verdadeiro consórcio entre as Grandes
Potências europeias, que lhes permitiu projetar seu poder sobre toda a Europa
e pelo mundo. O século XIX seria o século da Paz na Europa e da hegemonia
europeia sobre todo o planeta.
A partir de 1815, a ação dos países europeus intensificou-se em escala mundial.
A Inglaterra, por exemplo, divulgava mais e mais o liberalismo político e
econômico, e a expansão desses ideais liberais foi um dos objetivos da política
externa inglesa no século XIX, pela qual os britânicos atuaram, direta ou
indiretamente, na independência das colônias espanholas e portuguesas na
América e na organização dessas novas nações americanas. Da mesma forma,
os russos cada vez mais se preocupavam com a decadência e o fatiamento
territorial do Império Otomano. Isso explica, em grande parte, a concorrência e
a inimizade que iriam marcar as relações entre Inglaterra e Rússia em boa parte
do século XIX.
A Europa que emergiu do Congresso Viena estava ansiosa pela eliminação dos
traços da Revolução Francesa. Era uma Europa legitimista, clerical, desigual,
aristocrática e, principalmente, reacionária.
Importante registrar, no entanto, que o fantasma de 1789 não desapareceu.
Intelectuais, trabalhadores, liberais, democratas, burgueses estavam
descontentes com o restabelecimento do Antigo Regime. Sob diversos matizes
ideológicos, o século XIX testemunhou um longo desenrolar de revoluções.
Pág. 9 - A Nova Ordem Internacional do Século XIX - Antecedentes
O Século das Revoluções
A Europa pós-Congresso de Viena foi marcada pelo equilíbrio de poder entre os
Estados europeus, o que permitia certa estabilidade no cenário internacional.
Apesar desse quadro de tranquilidade, o século XIX foi tempo de revoluções
tanto políticas quanto econômicas.
Politicamente, houve três grandes ondas revolucionárias: 1820, 1830 e 1848. O
período entre 1817 e 1850 foi época de crise econômica e baixa de preços, ou
seja, período de grande tensão. As grandes ondas revolucionárias de 1830 e
1848, bem como as investidas contrarrevolucionárias, estão indicadas nos
Mapas 13 a 15.
A onda revolucionária de 1830 marca a derrota definitiva dos aristocratas pelo
poder burguês na Europa Ocidental e o triunfo do liberalismo moderado.
Propagou-se o sistema parlamentar (com inspiração no modelo britânico) de
qualificação por propriedade (voto censitário) sob monarquias constitucionais.
No Mapa 13, as estrelas em amarelo apontam as insurreições, as setas pretas
a propagação da onda revolucionária, e as setas vermelhas os movimentos de
repressão dessa onda.
Mapa 13: As revoluções de 1830
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix4.html
Pág. 10 - A Nova Ordem Internacional do Século XIX - Antecedentes
O Século das Revoluções
A França era o ponto de irradiação, dada a classe média liberal e radical que se
formara com o movimento jacobino na época da Revolução Francesa. Em 1830,
também já era possível notar o aparecimento de uma classe operária como uma
força política autoconsciente e independente, que começava a reunir os
jacobinos mais extremados. Já em 1848, a agitação popular tornava-se contrária
à classe média liberal (o “perigo vermelho”).
No Mapa 14, as setas vermelhas indicam a difusão da nova onda revolucionária
francesa e, as setas verdes, a difusão da onda austríaca. As estrelas vermelhas
e verdes apontam os centros revolucionários.
Mapa 14: As Revoluções de 1848
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix5.html
Os radicais ficaram desapontados com o fracasso dos franceses em
desempenhar o papel de libertadores internacionais. Esse desapontamento,
junto com o crescente nacionalismo da década de 1830 e a nova consciência
das diferenças nos aspectos revolucionários de cada país, despedaçou o
internacionalismo unificado (centrado na França) a que os revolucionários
tinham aspirado durante a Restauração (o pós-1815). Em 1848, as nações de
fato se sublevaram separadamente.
Pág. 11 - A Nova Ordem Internacional do Século XIX - Antecedentes
O Século das Revoluções
Os radicais, os republicanos e os novos movimentos proletários se retiraram da
aliança com os liberais, dado que o liberalismo moderado se tornara hostil em
razão do seu maior medo, a república social e democrática (em oposição à
monarquia constitucional), a qual era, nesse momento, o slogan da esquerda.
No Mapa abaixo, os quadrados indicam os centros de contrarrevolução e as
setas o movimento da contrarrevolução.
Mapa 15: A Contrarrevolução de 1848
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix6.html
De uma forma geral, as revoluções de 1848 foram revoluções sociais de
trabalhadores pobres. Quando se viram diante da revolução “vermelha” (ameaça
à propriedade), os moderados liberais e os conservadores se uniram. Os
trabalhadores ficaram isolados diante da união de forças conservadoras e ex-
moderadas aliadas ao velho regime. Com essa aliança, os regimes
conservadores restaurados estavam preparados para fazer concessões ao
liberalismo econômico. A década de 1850 viria a ser, de fato, um período de
liberalização sistemática: fim da legislação de guildas e liberdade para se praticar
qualquer forma de comércio; fim do severo controle estatal sobre a mineração;
realização de uma série de tratados de livre-comércio etc. Nesse momento, a
burguesia deixava de ser uma força revolucionária.
Esses fatos abriram o caminho para a Revolução Industrial a partir da segunda
metade do século XIX (vários autores se referem a ela como “Segunda
Revolução Industrial”, para distingui-la do avanço industrial no século XVIII).
Com a retirada da nobreza e a diversificação das formas de se fazer dinheiro
(início da chamada haute finance – conjugação dos capitais comercial e
financeiro), as décadas de 1850 e 1860 foram prósperas e capazes de incorporar
os cidadãos instruídos ao mercado de trabalho.
Pág. 12 - A Nova Ordem Internacional do Século XIX - Antecedentes
O Século das Revoluções
De 1850 até pelo menos 1873, o tempo foi de prosperidade. Como observa
Duroselle (1976, p. 21), a prosperidade, “interrompida por alguns recessos,
rompe o ímpeto revolucionário. Este só voltará a ressurgir na França em 1869
aproximadamente. Com um nível de vida momentaneamente acrescido, as
massas toleram mais facilmente o jugo, se tiverem a impressão de que o poder
favorece a expansão.”
Em termos gerais, em 1850, a ameaça revolucionária estava encerrada. Os
partidários da ordem estabelecida saíram vitoriosos. Em parte, o fracasso
revolucionário de 1848 se deveu ao “perigo vermelho”. Na França, Napoleão III
ascendeu ao poder, criando o II Império.
A outra grande revolução europeia foi de natureza econômica, como já referido,
com a Revolução Industrial. Após 1850, a economia europeia se expandiu com
rapidez. Novas máquinas e novas tecnologias apareceram por toda parte.
Napoleão III (1808-1873) foi o criador do Segundo Império francês na metade do
século XIX. Governou entre 1852 e 1870, até sua derrota na Guerra Franco-
Prussiana. Carlos Luís Napoleão Bonaparte era sobrinho de Napoleão I. Eleito
presidente da nova República Francesa, deu um golpe de estado em 1851, que
lhe permitiu assumir poderes ditatoriais e transformar a Segunda República no
Segundo Império. Entre as ações de política externa de Napoleão III estão a
intervenção na Guerra da Crimeia, o apoio ao Piemonte nas guerras que
enfrentou como consequência da unificação italiana e a promoção e instalação
de um efêmero Império no México, na pessoa de seu sobrinho, Maximiliano da
Áustria. Em 1870, por ocasião da Guerra Franco-Prussiana, a derrota do Exército
francês na batalha de Sedan provocou o aprisionamento do Imperador, cujo
regime foi derrotado.
Pág. 13 - Antecedentes
O Século das Revoluções (cont.)
A Revolução Industrial modificou toda a sociedade europeia. Se na sociedade
pré-industrial do século XVIII a agricultura ainda era o centro das atividades
humanas, no século XIX a vida se deslocava progressivamente para as cidades
e para as indústrias. Simultaneamente, o poder, a influência e os valores da
aristocracia perderam força. Em seu lugar, ganharam importância o dinheiro e a
capacidade individual. A modernização da sociedade colaborou, também, para
a progressiva universalização do voto e para a secularização da sociedade. Por
fim, a tecnologia ampliou a diferença entre o Ocidente e as demais regiões do
mundo.
O Mapa 16 ilustra a Europa do século XIX sob plena efervescência da revolução
industrial. O mapa destaca as minas de carvão (em marrom), em torno das quais
se desenvolveram centros siderúrgicos (em vermelho) e industriais (em roxo).
Também na base da revolução industrial estava a indústria têxtil, cujos centros
são destacados em azul. O mapa registra, ainda, as principais cidades industriais
e os centros financeiros (quadrados verdes).
Mapa 16: A Europa Industrial no Século XIX
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix3.html
Procure se informar mais sobre a Revolução Industrial, processo que alterou
definitivamente os rumos da História e a partir do qual as relações
internacionais seriam redefinidas, com o poder se concentrando cada vez mais
nas nações ditas "industrializadas".
Um livro interessante sobre o século XIX e a Revolução Industrial é Germinal,
de Émile Zola.
Amplamente considerada a obra máxima de Émile Zola, Germinal (1885)
elevou a estética e a descrição naturalistas a um novo patamar de realismo e
crueza. O romance é minucioso ao descrever as condições de vida subumanas
de uma comunidade de trabalhadores de uma mina de carvão na França. Após
ter contato com ideias socialistas que circulavam pela classe operária
europeia, os mineradores retratados na obra revoltam-se contra a opressão e
organizam uma greve geral, exigindo condições de vida e trabalho mais
favoráveis. A manifestação é reprimida e neutralizada, entretanto permanece
viva a esperança de luta e conquista.
Pág. 14 - Antecedentes
Divisão da Europa – Nacionalidade X Legitimidade
A Europa de 1815 foi construída sobre o princípio de que era essencial preservar
o continente de uma possível ameaça francesa. Assim, no redesenho do mapa
continental, o princípio da nacionalidade fora deixado em segundo plano. Nem
por isso, no entanto, inexistia a afirmação da nacionalidade.
O nacionalismo foi um dos filhos das ondas revolucionárias da primeira metade
do século XIX. O nacionalismo se propagou a partir da classe média e teve nas
escolas e nas universidades seus grandes defensores. Vários movimentos
nacionalistas jovens começaram a se espalhar a partir das revoluções de 1830:
a Jovem Itália, a Jovem Polônia, a Jovem Suíça, a Jovem Alemanha, a Jovem
França e a Jovem Irlanda.
Parte da onda nacionalista vinha dos escombros do Império Otomano, o qual,
nas palavras do Czar, era o ancião enfermo da Europa.
Progressivamente, o Império Otomano foi perdendo terras para austríacos,
russos e para nações que iam surgindo de suas fraquezas. A primeira delas foi
a Grécia, cuja independência foi tema de preocupação durante toda a década de
1820. Finalmente independente em 1830, serviu como exemplo para muitos
outros: a Sérvia, alguns anos depois, conquistava autonomia, e, em 1856,
Romênia e Bulgária se tornaram independentes.
O Império Otomano existiu aproximadamente de 1300 a 1922 e, no período de
maior extensão territorial, abrangeu três continentes: da Hungria, ao norte, até
Aden, ao sul, e da Argélia, a oeste, até a fronteira iraniana, a leste, embora
centrado na região da atual Turquia. Por meio do Estado vassalo do janato da
Crimeia, o poder otomano também se expandiu na Ucrânia e no sul da Rússia.
Seu nome deriva de seu fundador, o guerreiro muçulmano turco Osman (ou
Utman I Gazi), que fundou a dinastia que governou o império durante sua
história.
No restante da Europa, no entanto, apenas a Bélgica se tornou independente da
Holanda, em 1830. Para isso, assumiu o caráter de nação neutra, com aval das
Grandes Potências. A neutralidade belga, garantida pela Grã-Bretanha, seria
violada em 1914 pelo avanço alemão contra a França e contribuiria para que
Londres declarasse guerra a Berlim.
Outras tentativas de independência no continente europeu fracassaram. A
Polônia não conseguiu a autonomia diante da Rússia (1830), e a Hungria
alcançou uma semi-independência em relação à Áustria (1867). Dos
movimentos nacionais de afirmação, os mais importantes foram os da Itália e da
Alemanha, países que se unificaram a partir da segunda metade do século. De
fato, a unificação da Itália e, sobretudo, a da Alemanha, seriam acontecimentos
importantes para alterar o equilíbrio de poder na Europa estabelecido pelo
Concerto Europeu, e afetariam diretamente as relações internacionais do
período, culminando nos processos que levaram à I Guerra Mundial.
Os processos de unificação da Itália e da Alemanha podem ser percebidos no
Mapa 17.
Pág. 15 - Antecedentes
A Unificação da Itália
A unificação da Itália foi resultado de uma habilidosa política externa e do
aproveitamento das oportunidades quando elas surgiram. O artífice desse
processo foi Cavour, primeiro-ministro do Estado do Piemonte (norte da
península itálica). Ele conseguiu, graças às alianças com Napoleão III, um aliado
contra os austríacos que ocupavam o norte da Itália. A sua primeira vitória se
deu em 1858. Em troca da cessão da cidade de Nice e da região de Saboia,
Cavour obteve a promessa de auxílio da França ao Piemonte em uma eventual
guerra deste contra a Áustria. Por ocasião do conflito, entretanto, a ajuda
francesa seria menor do que o esperado, e Napoleão III, receoso das possíveis
implicações que uma aliança contra a Áustria poderia ter, acabou retirando seu
apoio antes do esperado. Mesmo assim, o Piemonte se viu vencedor e aumentou
seu território com a conquista da Lombardia.
Camillo Benso, conde de Cavour (1810-1861), político italiano, foi Presidente do
Conselho em 1852. Aliou-se a Napoleão III contra a Áustria, porém este firmou
a paz em 1859 sem consultá-lo. Cavour demitiu-se quando Victor Emanuel II,
Rei da Sardenha, aceitou as condições do Imperador francês. No início de 1860,
ajudou Giuseppe Garibaldi na conquista do Reino das Duas Sicílias. Conseguiu
a proclamação do Reino da Itália em17 de março de 1861 e de Vítor Emanuel II
como seu primeiro soberano.
Mapa 17: Unificação da Itália e da Alemanha no Século XIX
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix7.html
Posteriormente, pequenos Estados italianos – Parma, Módena, Toscana e
Romanha – votaram pela união com o Piemonte. Com as conquistas do sul da
península, foi proclamado o reino da Itália, em 1861. Faltavam, porém, a cidade
de Roma e o Vêneto. Só em 1866 La Vénétie foi incorporada, como recompensa
pelo apoio dos italianos aos prussianos durante a guerra contra a Áustria. Roma,
por fim, foi ocupada em 1870, quando os franceses retiraram os seus soldados
da cidade em razão da Guerra Franco-Prussiana. Com a anexação de Roma e
dos Estados Papais, estava consolidada a unificação da Península Itálica sob
uma única autoridade: o Reino da Itália.
Pág. 16 - Antecedentes
A Unificação da Alemanha
Não seria temerário afirmar que a unificação da Alemanha, ocorrida em 1871,
foi, após o Congresso de Viena, o evento mais importante da política
internacional do século XIX. A unificação alemã provocou o desmoronamento
dos fundamentos do equilíbrio internacional surgidos em 1815 e levou a política
internacional ao retorno às lutas irrestritas do século XVIII. Ademais, seus efeitos
estariam diretamente relacionados com eventos marcantes do século seguinte,
como a I e a II Guerras Mundiais, a Guerra Fria e a integração europeia.
O principal temor dos franceses do século XVII era a unificação alemã. Richelieu,
por exemplo, via na Alemanha unificada uma ameaça potencialmente mais
perigosa para a França. A unificação, entretanto, somente foi possível porque a
Prússia conseguiu, ao longo de 150 anos, construir um Estado forte o bastante
para que pudesse, no fim do século XIX, almejar a preponderância entre os
Estados alemães.
Também não se pode esquecer a ação deBismarck, primeiro-ministro prussiano
que soube, por meio de uma política interna autoritária e uma política externa
cuidadosa e pragmática, unificar a Alemanha. A maneira racional, pragmática e
calculada como Bismarck conduziu a política alemã ficou conhecida como
Realpolitik.
Assim, externamente, o Chanceler prussiano foi bem-sucedido em três guerras.
Junto com a Áustria, atacou e conquistou territórios da Dinamarca, em 1864.
Dois anos depois, a luta pelos espólios dessa conquista fez com que os
austríacos declarassem guerra à Prússia. Vencedores, os prussianos
conseguiram afastar a Áustria dos assuntos alemães. Continuando com a sua
Realpolitik e derrotada a Áustria, Bismarck conquistou territórios e forçou os
Estados alemães menores a se aliarem a ele.
Em 1871, sabedor de sua vantagem militar, Bismarck provocou os franceses.
Estes declararam guerra e foram rapidamente derrotados. Como vitória,
Bismarck conseguiu o apoio suficiente de que necessitava para que os outros
Estados alemães aceitassem integrar-se à Prússia, formando o Império Alemão,
ou Segundo Reich
Otto von Bismarck (1815-1898), o “Chanceler de Ferro”, foi o grande artífice e
primeiro chanceler do segundo império alemão. Seu pai era um latifundiário de
origem nobre, e sua mãe pertencia à burguesia. Em sua personalidade, fundiam-
se a sutileza intelectual e o provincianismo da aristocracia conservadora. Entrou
na política em 1847. Como delegado da primeira Dieta prussiana, destacou-se
como um dos mais férreos conservadores. Quando eclodiu a Revolução de 1848,
foi para Berlim e pediu que o rei Frederico Guilherme IV reprimisse a sublevação.
Seu conselho não foi levado em consideração, mas sua lealdade foi
recompensada ao ser nomeado representante prussiano na Confederação
Germânica, a liga dos 39 estados alemães, em 1851. Passou a ser embaixador
na Rússia em 1859 e foi designado para a França em 1862. Designado
Chanceler prussiano no mesmo ano, procedeu com uma série de reformas
internas e deu início à suaRealpolitik, que garantiria a vitória sobre Grandes
Potências europeias, como a Áustria e a França, e conduziria à unificação alemã.
Em 1890, desentendeu-se com o Kaiser (ou Imperador) em virtude do
direcionamento da Política Externa do Reich, sendo demitido e deixando a vida
pública.
Depois da unificação, a Alemanha desenvolveu-se de maneira significativa,
sobretudo nas áreas industrial e militar. Em três décadas, o país já se mostrava
a principal Potência do continente em desenvolvimento industrial e tecnológico,
superando a França. Ademais, com uma intensa política de construção naval,
logo as marinhas mercante e de guerra alemãs ameaçavam a hegemonia
britânica no mundo.
Na virada do século, os alemães já deixavam claro que desejavam ocupar seu
lugar de destaque entre as Grandes Potências, sendo fundamental para isso o
estabelecimento de um império colonial e a conquista de novos mercados pelo
planeta. Entretanto, as pretensões do Reich acabariam chocando-se com os
interesses das Grandes Potências tradicionais – em especial, Grã-Bretanha e
França –, o que levaria a Europa à Primeira Guerra Mundial, em agosto de 1914.
Pág. 17 - Antecedentes
Expansão colonial
Outro aspecto importante da Sociedade Internacional do século XIX é a nova
expansão colonial. Durante todo o século, mas sobretudo em sua segunda
metade, desenvolveu-se um processo de conquistas europeias sobre a África e
Ásia, denominado Neocolonialismo. Na virada do século, praticamente todo o
continente africano, à exceção da Etiópia e da Libéria, estava sob jugo das
Potências europeias como parte de seus impérios coloniais.
O Neocolonialismo foi a principal expressão do Nacionalismo e do Imperialismo,
este último a forma assumida pelo capitalismo a partir da Segunda Revolução
Industrial, segundo os globalistas.
Os defensores do Estado-nação entendiam o Estado como progressista (capaz
de desenvolver uma economia, tecnologia, organização burocrática e força
militar viáveis), ou seja, precisava ser pelo menos territorialmente grande. Para
a sociedade burguesa moderna, liberal e progressista, a unidade estatal natural
deveria ser extensa, daí o decorrente expansionismo colonial. O padrão de
programa nacional do século XX seria diferente: Estado totalmente
independente, homogêneo territorial e linguisticamente, laico e provavelmente
republicano/parlamentar.
O sionismo, que refundaria o Estado de Israel, seguiria esse padrão: tomar o
território, inventar uma língua e laicizar as estruturas de um povo cuja unidade
histórica havia sido apenas a prática de uma religião comum.
A concepção nacionalista de Estado do século XIX se casou perfeitamente com
os objetivos capitalistas. O domínio das Potências europeias sobre povos dos
outros continentes não foi apenas econômico, mas também militar, político e
social, impondo à força um novo modelo de organização do trabalho que
pudesse garantir, principalmente, a obtenção de matéria-prima para as indústrias
europeias. À violência militar e à exploração do trabalho somam-se as
imposições sociais, incluindo a disseminação do cristianismo entre os povos
nativos, num processo de aculturação, sob a justificativa de que se estaria
levando os valores ocidentais da “civilização” aos povos primitivos. Era o “ideal
civilizador do homem branco”.
Nesse processo mercantil-civilizador, a África foi conquistada e dividida, o
mesmo acontecendo com parte da Ásia. Impérios tradicionais como a China
sucumbiram à hegemonia europeia. O mundo nunca se mostrara tão
eurocêntrico, e as nações europeias efetivamente eram as protagonistas das
relações internacionais. O planeta como um todo tornou-se o tabuleiro do jogo
de poder entre as Potências europeias.
Pág. 18 - Antecedentes
Expansão Colonial (cont.)
Paralelamente ao fornecimento de matéria-prima pelas colônias, os europeus
buscavam mercados consumidores para seus produtos em outras partes do
mundo, por exemplo, no continente americano. E esses mercados eram
disputados pelas Grandes Potências.
A partir da segunda metade do século XIX, portanto, as preocupações europeias
se tornaram mundiais. As rivalidades se projetavam nos outros continentes. “O
século XIX é extraordinariamente dinâmico: vai assistir-se à expansão da Europa
pelo mundo, tanto pela ação política dos seus Estados, pelos fluxos migratórios,
pelo escoamento das suas economias, como pela sua influência civilizadora.”
(PELLISTRANDI, 2000, p. 115). As Grandes Potências europeias cuidavam de
estabelecer seus impérios coloniais subjugando os povos dos outros
continentes, particularmente da Ásia e da África. O quadro de 1914, conforme
ilustra o Mapa 18, seria de um mundo partilhado entre as Potências Europeias,
com a Grã-Bretanha e França detentoras dos maiores impérios coloniais.
Mapa 18: Impérios Coloniais em 1914
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix8.html
Especialmente importante é o Congresso de Berlim, em 1885. As razões
políticas do imperialismo de final do século XIX eram tão importantes quanto as
razões econômicas. Para as nações recém-unificadas – Itália e Alemanha – a
obtenção de territórios na África e na Ásia significava prestígio e
autorreconhecimento. Para a França, profundamente traumatizada após a
derrota de 1871 (na Guerra Franco-Prussiana), as conquistas coloniais eram um
meio de readquirir respeito.
Pág. 19 - Antecedentes
As novas Potências – Estados Unidos da América e Japão
A segunda metade do século XIX vê também o aparecimento de dois Atores
importantes no jogo político internacional: Estados Unidos da América (EUA) e
Japão.
Os EUA começaram a se projetar como Potência após a violenta Guerra Civil,
travada para impedir a separação dos estados do sul do país. Pouco antes, os
norte-americanos haviam consolidado o seu processo de expansão colonial às
expensas do México. Além disso, em 1867, compraram da Rússia o Alasca e,
após derrotarem a Espanha, em 1898, adquiriram Porto Rico, Filipinas e um
virtual controle sobre Cuba. Da mesma forma, o Oceano Pacífico tornava-se uma
área de projeção de poder dos EUA.
Internamente, os EUA iniciaram um vigoroso processo de industrialização graças
a um mercado interno crescente, a uma estrutura tarifária protecionista para
afastar a concorrência estrangeira, a uma estrutura estável de comércio e ao
grande número de inovações tecnológicas. Em 1914, às vésperas da I Guerra
Mundial, o país já era, de longe, a principal Potência industrial do planeta.
Sobre a situação dos EUA frente a outras potências na virada do século, vide
Paul Kennedy, op.cit.
O Japão é outro exemplo de rápido crescimento econômico. Até 1854,
mantivera-se fechado ao exterior. Nesse ano, uma esquadra norte-americana
forçou o país a abrir-se e aceitar o comércio com o exterior. “Decidido a preservar
a independência do país, um grupo de samurais (...) tomou o governo. A
Restauração Meiji de 1867, como ficou conhecido esse episódio, devolveu o
poder ao imperador” (PERRY, 1999, p. 473).
Inspirado por uma forte ideologia nacionalista, o governo Meiji iniciou um
importante conjunto de reformas: os privilégios sociais foram eliminados, o
serviço militar obrigatório foi implantado, uma Constituição foi elaborada, e
passou a existir parlamento. Além disso, a economia foi rapidamente
modernizada. Fábricas foram instaladas, tecnologia europeia foi comprada,
ferrovias, portos, estradas e telégrafos instalados. Em menos de 20 anos, o novo
poder japonês dava sinais de existência: em 1894, derrotava a China, e, em
1905, a Rússia.
Na Guerra Russo-Japonesa (1904-1905), pela primeira vez na era moderna
uma Potência do Oriente derrotava um poderoso Estado europeu.
Pág. 20 - Antecedentes
O Estado-nação
O Estado-nação é o resultado moderno da experiência de formação e construção
do Estado desde Westfália e pressupõe a formação propriamente dita de uma
burocracia (no sentido de separação dos meios administrativos dos patrimônios
particulares dos agentes da administração). Testemunhou-se um processo de
racionalização da atividade estatal. A relação entre poder político e território
sofreu uma revolução, com uma completa transformação das relações do poder
político central com as múltiplas tradições locais – o estabelecimento de uma
única lei, uma única língua, uma única política fiscal e preceitos políticos
uniformes para todo um território.
Havia razões políticas e econômicas por trás desse processo. De um lado, a
necessidade de um contrato social voltado para a “coisa pública”, em que os
“objetivos públicos” deixariam de ter nos corpos estamentais de privilégios os
intermediários da ação político-administrativa estatal; e, de outro, a necessidade
de facilitar a circulação dos bens num território, através da redução, simplificação
e uniformização do sistema tributário (com a superação da fragmentação
legislativa e do patrimonialismo fiscal), e de estimular o equilíbrio entre as regiões
de um Estado e o aumento das trocas inter-regionais.
Uma das consequências desse processo foi a anulação sistemática das
tradições locais de vários povos; ou seja, a partir das várias identidades dever-
se-ia inventar uma identidade nacional que integrasse a população em novos
referenciais de pertencimento, de associação. Assim, os vários Estados
buscaram constituir internamente suas nações. A mesma demanda conjuntural
ocorria nas grandes massas territoriais e étnicas do centro-leste europeu
(Império Prussiano, Império Austro-Húngaro e Império Russo). Todos passaram
a buscar pelo caráter de sua nação e a igualmente se perguntar se de várias
nações era possível formar um espírito comum. Enfim, construir um Estado-
nação significou, do século XIX ao XX, não apenas desenvolver uma economia
e uma organização econômico-político-militar viável, mas também agrupar vários
grupos sociais localmente circunscritos com suas línguas, tradições, costumes e
leis próprias num grande agrupamento social politicamente representado e
juridicamente nivelado por um Estado laico regido por um conjunto geral de leis
soberanas – a Constituição.
Estados constitucionais e não constitucionais aprenderam a avaliar a força
política que era a capacidade de apelar para seus súditos na base da
nacionalidade (o Czar da Rússia não apenas baseava seu governo nos
princípios da autocracia e da ortodoxia como passou a apelar aos russos como
russos na década de 1880). A escola primária passou a ser o meio de se ensinar
às crianças a serem bons súditos e cidadãos. Os Estados criaram nações, ou
seja, o patriotismo nacional, e cidadãos linguística e administrativamente
homogeneizados (a Itália usou a escola e o serviço militar para fazer italianos,
os EUA tornaram o conhecimento da língua inglesa condição para a cidadania
americana, a Rússia tentou dar à língua russa o monopólio da educação, com o
fim de “russificar” as nacionalidades menores). Esse processo auxiliava a definir
as nacionalidades excluídas da nacionalidade oficial, que, caso contrário,
poderiam vir a oferecer resistência e a se refugiar em algum partido socialista.
Esse era o pano de fundo para um século “de extremos”, o século XX, em que
os principais Atores internacionais se confrontariam numa intensidade nunca
antes vista na história da Sociedade Internacional.
Pág. 21 - Conclusão
O período de 1815 a 1914, quando comparado aos séculos anteriores e ao
século XX, foi de relativa paz para a Europa. Excetuando-se a Guerra da
Crimeia (1854), não existiram grandes conflitos entre as principais potências.
O sistema de equilíbrio de poder estabelecido no Congresso de Viena
mostrou-se bastante bem-sucedido e só foi desarticulado a partir do momento
em que Bismarck conseguiu unificar a Alemanha.
Após 1871 e especialmente após 1890, a Europa viveu tempos de incerteza.
A guerra voltou a ser considerada alternativa cada vez mais provável. França
e Alemanha não poderiam se reconciliar por causa da Alsácia-Lorena, território
que a primeira perdera para a segunda na Guerra Franco-Prussiana de 1870-
1871. França e Inglaterra estavam envolvidas em um grande processo de
divisão colonial na África. A Inglaterra e a Rússia, por causa da Índia e da Ásia
Central, encontravam-se em permanente estado de tensão. Na Ásia, uma nova
Potência surgia: o Japão. Além disso, a mais complexa das áreas de conflito
não pode ser esquecida: os Bálcãs. Ali, os interesses contraditórios de Áustria-
Hungria, Rússia, Sérvia e Império Otomano fomentavam uma rivalidade
crescente. Uma disputa de poder daria início à I Guerra Mundial (1914-1918),
que, por sua vez, poria fim à “Era dos
Impérios”.
A Era dos Impérios, de Eric Hobsbawm (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988), é
obra fundamental para a compreensão do período que antecede a I Guerra
Mundial e no qual se consolida a hegemonia europeia no mundo.
Unidade 3 - A I Guerra Mundial e os Entre-Guerras
Ao final desta unidade, o aluno deverá ser capaz de:
• identificar os principais fatos que levaram à deflagração da I Guerra Mundial;
• descrever a dinâmica de desenvolvimento da I Guerra Mundial;
• explicar a relação entre o Congresso de Versalhes e o estabelecimento de
uma
nova ordem internacional;
• deliminar o estabelecimento da Crise de 1929.
Esperamos que você tenha um excelente aproveitamento em seus estudos!
Pág. 2 - A I Guerra Mundial
Para muitos estudiosos das relações internacionais, o século XX não se inicia
em 1901, mas em 1914, com a deflagração do maior de todos os conflitos que o
mundo presenciara até então: a I Guerra Mundial. Durante muito tempo chamado
de a Grande Guerra, esse conflito, que durou de 1914 a 1918, iniciou-se na
Europa e acabou envolvendo outras nações do globo, inclusive novas Potências
emergentes que não pertenciam ao continente europeu, com destaque para os
EUA e o Japão.
Nunca se havia tido um conflito tão destrutivo e arrasador como a I Guerra
Mundial. Trata-se do primeiro grande confronto internacional da era industrial.
Foi maciço o uso das ferrovias, e “os caminhões se tornaram tão importantes
quanto os cavalos no abastecimento de soldados no campo” (ROBERTS, 2002,
p. 681). Pela primeira vez, foram empregados de maneira efetiva novos
equipamentos de combate, como o avião e o tanque de guerra. Também foram
utilizados, por ambos os lados em luta, gases letais, responsáveis por milhares
de baixas.
http://www.brasilescola.com/
Ao final do conflito, o sistema internacional mudaria definitivamente. A Europa
sofreria intensa destruição, os impérios coloniais começariam a ruir, e a
hegemonia europeia no mundo daria seus últimos suspiros. A Sociedade
Internacional se apresentaria ainda mais complexa e com novos Atores não
europeus a ditar suas regras. A Belle Époque seria apenas nostalgia.
Pág. 3 - A I Guerra Mundial
Causas da Grande Guerra
Crise e incerteza. Esses eram os sentimentos que dominavam a Europa após
1890. Essa data não é aleatória. É o ano em que Bismarck deixa de ser o
Chanceler alemão. Bismarck sabia muito bem o que queria: manter a França
permanentemente enfraquecida e sem chances de revanche, além de afastada
das preocupações territoriais. Seus sucessores, especialmente o
KaiserGuilherme II, não tinham planos nesse sentido, ou, se os tinham, eram
confusos, erráticos e provocativos. A isso se somava o fato de que cada país
europeu tinha a sua lista de reivindicações.
A França não esquecia a perda da Alsácia-Lorena para a Alemanha. Tal fato era
o motor do nacionalismo francês. Além disso, preocupada em recuperar
prestígio, a França lançou-se, com todas as suas forças, na corrida colonial.
A Rússia buscava expandir-se na Ásia Central, no Extremo Oriente e nos Bálcãs.
Como resultado dessa política, atritou-se com os ingleses na disputa pelo
Afeganistão, com o Japão (guerra em 1905), e permanecia em constante estado
de tensão com os austríacos e com os otomanos pela hegemonia da península
balcânica.
Convém lembrar que a França havia sido derrotada na Guerra Franco-
Prussiana, duas décadas antes.
Entre outras consequências, havia perdido o território da Alsácia-Lorena para
os alemães. As décadas que se seguiram à derrota francesa foram marcadas
por um profundo sentimento revanchista, pela baixa estima francesa e pelo
desejo de ver a Alemanha subjugada a qualquer custo.
Pág. 4 - A I Guerra Mundial
Causas da Grande Guerra
Os britânicos, por sua vez, temiam as ambições russas na Ásia Central e as
pretensões coloniais francesas na África. Passaram, também, a temer cada vez
mais os alemães, principalmente depois que estes ensejaram uma política de
construção naval em 1897. Além disso, a Alemanha unificada revelou-se
formidável concorrente econômica, superando os ingleses em áreas como
química, siderurgia e energia, mostrando-se, por fim, a partir da queda de
Bismarck, mais e mais interessada em estabelecer um império colonial e disputar
espaço com outros países europeus na África e Ásia.
A Áustria-Hungria era percebida, assim como a Rússia e o Império Otomano,
como a Potência decadente da Sociedade Europeia. Cercados por todos os
lados, os austríacos tinham interesses conflitantes com os russos e com os
eslavos da península balcânica. Além disso, sendo um país multiétnico, o
Império Austro-Húngaro defrontava-se com crescentes pressões domésticas das
minorias internas que desejavam maior autonomia. Cada vez mais, a Áustria-
Hungria sustentava sua segurança no apoio da Alemanha. Tratados de não
agressão e assistência recíproca foram celebrados entre os dois Estados
germânicos nos anos anteriores à I Guerra Mundial.
O temor de Bismarck de ver a Alemanha ameaçada nos fronts oriental e
ocidental tornou-se realidade, em grande parte, em virtude da política externa de
Guilherme II. Preocupado em mostrar-se forte e influente, mas sem a habilidade
política de Bismarck, o Kaiser acabou atraindo para si muitos inimigos. Grã-
Bretanha, França e Rússia se aliaram, principalmente, para fazer frente ao
poderio alemão.
Para agravar a situação, as políticas governamentais nas Potências europeias
eram ditadas por ânimos nacionalistas e não havia nenhuma instituição
internacional que pudesse mediar conflitos. O Congresso de Viena há muito
deixara de ter importância e nada de significativo surgira em seu lugar. É verdade
que existia, desde 1899, a Corte Internacional de Justiça de Haia. Infelizmente,
no entanto, ela se mostrou ineficaz. A paz anterior a 1914 era obtida pelas
ameaças mútuas, e não pelas decisões da Corte de Haia. A guerra, por sua vez,
era articulada por meio de alianças secretas entre as Potências: era a diplomacia
secreta que marcava as relações internacionais da Europa até a I Guerra
Mundial.
Acrescente-se a isso o recrudescimento dos discursos nacionalistas, como o
pan-germanismo e o pan-eslavismo, que pregavam a reunião dos povos de etnia
germânica e eslava, respectivamente, em uma só nação, ou a coalizão dos
Estados de uma mesma etnia contra ameaças de Estados de outras. Esses
movimentos também questionavam a existência de impérios multiétnicos como
o Otomano, o Austro-Húngaro e mesmo o Russo, e defendiam a independência
dos povos sob o jugo de Viena, Constantinopla e São Petersburgo. Outra forma
de nacionalismo era o francês, com forte viés revanchista contra a Alemanha e
desejoso de recuperar a “grandeza da França”. As minorias nacionais como se
encontravam na Europa de 1914 podem ser vistas no Mapa 19.
Mapa 19: A Europa de 1914 – Minorias Étnicas
Ainda sobre a Grande Guerra, indica-se Coronel Redl, de István Szabó, que
mostra o funcionamento do exército austro-húngaro às vésperas da Primeira
Guerra.
Preste atenção no modo como a organização militar se fundava em valores
como tradição e separação em classes.
Pág. 5 - A I Guerra Mundial
Causas da Grande Guerra
Assim, as relações internacionais às vésperas da I Guerra Mundial eram
marcadas pela disputa entre as Grandes Potências por mercados e pelo
interesse das novas Potências, em especial a Alemanha e a Itália, de possuírem
impérios coloniais e de se equipararem às principais Potências coloniais
europeias. Também caracterizava as relações internacionais anteriores à
Grande Guerra uma significativa corrida armamentista entre os principais Atores
europeus, com rivalidades que afloravam entre eles e refletiam-se em um
sistema de alianças estabelecidas, na maior parte das vezes, por meio da
diplomacia secreta.
As diferenças entre as Potências eram, ademais, significativas. Na arena
europeia havia novas Potências, como a Alemanha e a Itália, que desejavam
ampliar seu poder e tinham interesses conflitantes com as Grandes Potências
tradicionais e ainda poderosas Grã-Bretanha e França, que buscavam manter-
se na liderança da Sociedade Internacional a qualquer custo. Havia, ainda, os
grandes impérios em decadência – o Império Russo, o Império Austro-Húngaro
e o Império Otomano – que, em virtude das dificuldades domésticas, em especial
dos movimentos nacionalistas separatistas em seu interior, viam-se
enfraquecidos demais para permanecerem, ainda durante muito tempo, em
condição de igualdade com a Grã-Bretanha, a França e a Alemanha.
No início do século XX, a estrutura do Concerto Europeu fora definitivamente
substituída pela política de alianças. De um lado, ainda sob a articulação de
Bismarck, as chamadas Potências Centrais – Alemanha e Áustria – assinaram
com a Itália, em 1882, o Tratado da Tríplice Aliança, que dava a cada parte
garantia de assistência das demais em caso de ataque por uma Potência
externa. Como resposta à Tríplice Aliança, franceses, britânicos e russos
constituíram a Tríplice Entente, a qual reuniria as Potências aliadas na Grande
Guerra.
A Europa, antes de 1914, viu-se, pois, em uma série de crises. Após sobreviver
a duas ou três realmente graves, o assassinato do Arquiduque Francisco
Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro, foi o estopim que deu início ao
conflito.
A Áustria considerou o assassinato a oportunidade ideal para resolver, de forma
definitiva, os problemas com a Sérvia. Sob a alegação de que o governo sérvio
era responsável pelo assassinato, fez uma série de exigências. Em suas
exigências, os austríacos contavam com o apoio irrestrito do Kaiser alemão.
Sobre o conflito... Em 28 de junho de 1914, o arquiduque Francisco Ferdinando
e sua esposa foram assassinados por um nacionalista sérvio quando visitavam
a cidade de Sarajevo, que se encontrava em uma região conturbada do
Império Austro-Húngaro.
Pág. 6 - A I Guerra Mundial
Causas da Grande Guerra
A Sérvia, por sua vez, como país eslavo, acreditava que contaria com o apoio da
Rússia. Como em um dominó, o sistema de alianças fez com que a guerra entre
austríacos e sérvios atingisse, também, alemães e russos. Estes últimos, graças
a outra aliança, atraíram para o conflito os franceses. Os ingleses entraram na
guerra para defender a Bélgica, país que fora invadido pelos alemães. Assim,
um sistema de alianças rígido e um sistema de mobilização militar conduziram
os europeus para a Guerra. De um lado, estavam Inglaterra, França, Rússia e
Sérvia. De outro, Alemanha e Áustria-Hungria. Durante o desenrolar do conflito,
muitos outros países se envolveriam. O Mapa 20 retrata essas alianças às
vésperas da I Guerra Mundial
Mapa 20 : A Europa de 1914 – As Alianças
Fonte: http://www.geografiaparatodos.com.br/index.php?pag=mapastematicos
Sobre a Guerra: As hostilidades se iniciaram quando, diante da ineficácia das
gestões diplomáticas, a Áustria declarou guerra à Sérvia, em 28 de julho de
1914. A Rússia, aliada dos sérvios, mobilizou-se contra a Áustria, e a
Alemanha, aliada do Império Austro-Húngaro, declarou guerra à Rússia em 1.º
de agosto. As tropas alemãs cruzaram a fronteira de Luxemburgo, em 2 de
agosto, e, no dia seguinte, 3 de agosto, a Alemanha declarou guerra à França,
a qual era aliada da Rússia. O governo britânico declarou guerra à Alemanha
no dia 4 de agosto, em virtude de os alemães terem violado a neutralidade
belga, da qual os ingleses eram garantes. A Itália permaneceria neutra até 23
de maio de 1915, quando, então, declarou guerra à Áustria-Hungria. O Japão
declarou guerra à Alemanha em 23 de agosto de 1914 e, em 6 de abril de
1917, os Estados Unidos fizeram o mesmo.
Pág. 7 - A I Guerra Mundial
A Guerra
Inicialmente, os que iam para o front acreditavam que a guerra terminaria em
poucas semanas. Não é falso dizer que os soldados, de ambos os lados, iam
para a guerra entusiasmados pelo fervor nacionalista, acreditando que
alcançariam vitória fácil e rápida. Infelizmente, no entanto, o conflito acabou por
ser longo e penoso.
As operações militares na Europa se desenvolveram em três frentes: a ocidental
ou franco-belga, a oriental ou russa e a meridional ou sérvia. Posteriormente,
surgiriam novas zonas de combate, com a intervenção do Império Otomano, da
Itália e da Bulgária.
Durante décadas, cada um dos países fez planos detalhados. Os alemães, por
exemplo, tinham o famoso Plano Schlieffen. Elaborado pelo general Schlieffen,
previa o pior cenário possível: uma guerra em dois fronts – um contra a França,
outro contra a Rússia. Para o sucesso do plano, era necessária uma rápida
vitória contra os franceses, para, depois, vencer a Rússia. Temerário, arriscado
e de difícil execução, o plano acabou por fracassar. A almejada rápida vitória
contra os franceses acabou transformando-se na estática guerra de trincheiras,
que durou a maior parte dos quatro anos de conflito.
Os russos assumiram a ofensiva, na frente oriental, no início da guerra, mas
foram detidos pelos exércitos austríacos e alemães. Em 1915, as Potências
Centrais haviam conseguido expulsar os russos da Polônia e da Lituânia e
tinham tomado todas as fortalezas limítrofes da Rússia, que ficou sem condições
de empreender ações importantes por falta de homens e de suprimentos. O
fracasso na guerra contribuiria para o aumento da crise político-institucional
interna da Rússia, que culminaria na deposição do czar, no estabelecimento de
um governo republicano e na revolução bolchevique de outubro de 1917.
O Império Otomano entrou na guerra em 29 de outubro de 1914, ao lado dos
alemães e austríacos. Os turcos iniciaram a invasão da zona russa da cordilheira
do Cáucaso em dezembro. O governo russo pediu auxílio aos britânicos, que
tentaram tomar o Estreito de Dardanelos. Porém, a Campanha de Gallípoli, como
ficou conhecida a ação, resultou em fracasso total para as tropas aliadas, que
foram tenazmente derrotadas pelos turcos.
Pág. 8 - A I Guerra Mundial
A Guerra
Nos Bálcãs, em 1915, os austríacos, com apoio dos búlgaros, conseguiram
derrotar e ocupar a Sérvia. Eclodiram duas lutas na região em 1916: o ataque
conjunto de sérvios e italianos às forças búlgaras e alemãs e uma ofensiva aliada
sobre a Macedônia.
O triunfo obtido pelos alemães contra os russos e sérvios, em 1915, deu-lhes
condições de concentrarem suas operações na frente ocidental.
Desencadearam a batalha de Verdun em 21 de fevereiro, mas não conseguiram
conquistar esta cidade devido à contraofensiva do general francês Henri Philippe
Pétain. Os aliados contra-atacaram, por sua vez, na batalha do Somme, iniciada
em 1º de julho e na qual os britânicos usaram pela primeira vez carros de
combate modernos. Os franceses empreenderam nova ofensiva em outubro,
restabelecendo a situação que existia antes de fevereiro. Todos esses
movimentos podem ser vistos no Mapa 21.
Mapa 21: A Guerra em Agosto de 1914
Fonte:
http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre14_18/gun7.html
Essas batalhas de 1916 já revelavam quão assustadoramente mortífera seria a
Grande Guerra: nos cinco meses da batalha de Verdun, “os exércitos franceses
e alemães sofreram mais de seiscentas mil baixas (mortos, feridos e
desaparecidos) e, no primeiro dia da batalha do Somme (...), o exército britânico
(...) teve vinte mil mortos e quase quarenta mil feridos. No monumento em
Thiepval, dedicado aos soldados britânicos mortos em pouco mais de um ano
em Somme, há mais de setenta mil nomes, exclusivamente daqueles cujos
corpos nunca foram encontrados” (ROBERTS, 2002, p. 682).
Pág. 9 - A I Guerra Mundial
A Guerra
A guerra continuaria estática. Os exércitos dos dois lados acabaram fincando
posições que se manteriam por meses. A guerra de trincheiras, com homens
com lama até o pescoço, enfiados em valas imundas e sujeitos a doenças, como
cólera e tifo, e a ataques da artilharia inimiga, alguns empregando gases letais,
seria uma traumática realidade quotidiana pela qual a Grande Guerra seria
lembrada. Nesse sentido, a I Guerra Mundial seria distinta de todas as que a
precederam e, de fato, também dos conflitos seguintes, nos quais a guerra
dinâmica, de velocidade, seria a regra. Em resumo, nos primeiros três anos que
se seguiram a 1914, poucas conquistas houve por parte de ambos os lados além
daquelas obtidas nos primeiros meses da guerra.
1917: Grandes Mudanças
Em 1917, os aliados tiveram um revés: a Rússia saiu da guerra. Em março
daquele ano, uma revolução culminou na implantação de um governo provisório
e na abdicação do Czar Nicolau II. Em novembro (outubro no calendário russo),
uma nova revolução, liderada pelos bolcheviques, derrubou o governo provisório
e tomou o poder. As autoridades russas propuseram à Alemanha a cessação
das hostilidades. Representantes da Rússia, Áustria e Alemanha assinaram o
armistício em 15 de dezembro, cessando, assim, a luta na frente oriental. Os
alemães puderam redirecionar suas forças para o front ocidental.
Se saíra vitoriosa contra a Rússia, a Alemanha fracassara em seu intento de
provocar a rendição da Grã-Bretanha por meio da destruição da frota aliada. Em
janeiro de 1917, a Alemanha declarava guerra submarina generalizada e
anunciava que afundaria qualquer embarcação que encontrasse em uma vasta
área do Atlântico Norte, considerada zona de guerra, não importando se fosse
navio de guerra, mercante ou de passageiros. Com isso, muitas embarcações
foram torpedeadas, causando milhares de baixas, inclusive entre civis de países
neutros, como os EUA e o Brasil.
A política de neutralidade norte-americana mudou com a guerra submarina
promovida pelos alemães. Em 3 de fevereiro de 1917, os EUA romperam
relações diplomáticas com a Alemanha, declarando-lhe guerra em 6 de abril.
Uma força expedicionária foi enviada para a Europa. A sorte mudara novamente
na direção dos aliados.
Outro filme muito interessante é O Batalhão Perdido, de Russell Mulcahy (EUA,
2001, 92 min), que conta a história real de um batalhão norte-americano que se
perde no meio das linhas alemãs durante a I Guerra Mundial.
Várias nações latino-americanas, entre elas o Peru, o Brasil e a Bolívia,
apoiariam a ação dos EUA. O afundamento de alguns navios levou o Brasil, em
26 de outubro de 1917, a participar da guerra, enviando uma divisão naval em
apoio aos aliados. Aviadores brasileiros participaram do patrulhamento do
Atlântico, navios do Lóide Brasileiro transportaram tropas norte-americanas para
a Europa, e uma missão médica foi enviada para a França.
Pág. 10 - A I Guerra Mundial
1918: o fim da carnificina
Apesar da entrada dos EUA no conflito, os primeiros meses de 1918 não foram
favoráveis às Potências aliadas. O Mapa 22 ilustra a disposição das forças no
início de 1918 (comparar com o Mapa 21). Em 3 de março, a Rússia assinou o
Tratado de Brest-Litovsk, com o qual punha oficialmente um fim à guerra com os
Impérios Centrais. Em 7 de maio, a Romênia, derrotada, assinou o Tratado de
Bucareste com a Áustria-Hungria e a Alemanha, às quais cedia diversos
territórios.
Mapa 21: A Guerra em Agosto de 1914 Mapa 22 - A Grande Guerra em 1918
Fonte:
http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre14_18/gun8.html
Pág. 11 - A I Guerra Mundial
1918: o fim da carnificina (cont.)
Em 1918, no entanto, a luta nos Bálcãs foi catastrófica para os Impérios Centrais.
Uma força de cerca de 700.000 soldados aliados iniciou uma grande ofensiva
contra as tropas alemãs, austríacas e búlgaras na Sérvia. Os búlgaros,
derrotados, assinaram um armistício. Além disso, os aliados obteriam a vitória
definitiva na frente italiana entre outubro e novembro. A comoção da derrota
provocou rebeliões revolucionárias no Império Austro-Húngaro, que se viu
obrigado a assinar um armistício em 3 de novembro. O Imperador Carlos I
abdicou oito dias depois, e, em 12 de novembro, foi proclamada a República da
Áustria.
A frente turca também caiu. As forças britânicas tomaram o Líbano e a Síria,
ocupando Damasco e outros pontos estratégicos. A Marinha francesa, por sua
vez, ocupou Beirute, e o governo otomano solicitou um armistício.
Depois da paz em separado com a Rússia, a Alemanha tentou uma ofensiva final
contra a França. Nesse momento derradeiro, porém, os alemães tiveram que
enfrentar as recém-chegadas tropas americanas. Cansados e com parcos
recursos materiais, os germânicos fracassaram em seus ataques finais. Depois
de quatro anos, a exaustão atingiu todos os países combatentes, enquanto os
EUA acabavam de entrar no conflito. Em fins de 1918, os principais aliados da
Alemanha – Áustria-Hungria, Turquia e Bulgária – pararam definitivamente de
lutar. Áustria-Hungria e Turquia simplesmente se desmancharam depois de
quatro anos de combate.
A Alemanha, sob pressões internas e externas, pediu a paz. O Kaiser Guilherme
II abdicou, e o país se transformou em república. A Alemanha, ao contrário de
seus aliados, não se desintegrou, e o armistício foi feito antes que o seu território
fosse invadido. Isso teria grandes implicações simbólicas posteriormente.
Pág. 12 - A I Guerra Mundial
O saldo da Grande Guerra
O saldo da guerra foi a morte de mais de 8 milhões de pessoas. Outras 10
milhões de pessoas ficaram inválidas. Economicamente, o trauma foi profundo.
A França gastou 30% da riqueza nacional, e a Inglaterra, 22%. A produção
industrial caiu entre 30% e 40%. Além disso, enormes dívidas foram contraídas
para pagar a guerra. Nunca o mundo assistira a uma hecatombe de tamanhas
proporções, com tantas baixas, tantos mutilados e tanta destruição.
Sob a ótica das relações internacionais, a Grande Guerra provocou mudanças
profundas no equilíbrio de poder no mundo. Os velhos impérios, que foram
protagonistas da política entre as nações nos quatro séculos anteriores,
desaparecem. O II Reich chega a termo, e uma frágil democracia é estabelecida
na Alemanha, que continuava como Ator de destaque no cenário europeu e cuja
recuperação influenciaria definitivamente os destinos da Europa e o sistema
internacional. Grã-Bretanha e França, apesar de vencedoras da Grande Guerra,
foram obrigadas a admitir que uma nova configuração de poder seria
estabelecida, com dois Atores não europeus tremendamente importantes, o
Japão e a nova Potência que se afirmava, os EUA.
Terminado o conflito, que deveria ter sido rápido e fácil, a Europa estava em
situação lamentável e não mais teria forças para estar à frente da Sociedade
Internacional. Os EUA já deveriam ser consultados sobre os destinos do sistema
internacional, e, no Oriente, o Japão avocava sua parcela de influência. E essas
transformações estavam apenas começando... O mundo já dava sinais de deixar
de ser eurocêntrico. A Primeira Guerra Mundial foi a grande tragédia europeia.
A Grande Guerra foi um evento marcante na história da humanidade e deu
início ao século XX. Há muitas obras a respeito. Sugere-se, para leitura inicial,
o livro de John Keegan, História Ilustrada da I Guerra Mundial (Ediouro). Os
livros de John Keegan são indicados para os que se interessam por história
militar. Também sobre a realidade da Grande Guerra, sugere-se a leitura de
Nada de Novo no Front, de Erich Maria Remarque (Porto Alegre, L&PM, 2004).
Trata-se de um romance histórico, contado por alguém que viveu a dura
realidade da guerra e foi considerado, no pós-guerra, uma obra-prima da
literatura pacifista mundial. Baseado no livro, foi feito o filme de mesmo nome
(All Quiet on the Western Front,
Lewis Milestone, 1930), também um clássico do gênero.
Pág. 13 - O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional
A Conferência de Paris, O Tratado de Versalhes e o Advento de uma Nova
Ordem Internacional
Em janeiro de 1919, 25 países se reuniram em Paris para as conversações de
paz. Os derrotados e a Rússia, entretanto, não participaram dos debates.
Os norte-americanos, guiados pelo idealismo do Presidente Woodrow Wilson,
desejavam a criação da Sociedade de Nações, entidade que pudesse resolver
amigavelmente as questões internacionais. Também conhecida como Liga das
Nações, essa organização internacional deveria servir de foro onde os Estados
poderiam resolver suas animosidades sem recorrer à guerra, que deveria ser
definitivamente banida das relações internacionais. A paz seria assegurada por
meio de um mecanismo de segurança coletiva, e o direito internacional, a
autodeterminação e a democracia deveriam prevalecer nas relações entre os
povos. Esses valores, que constituiriam o norte moral para a conduta dos
Estados, seriam fomentados pelas instituições então criadas, como a Liga das
Nações e a Corte Internacional de Justiça (denominada à época Corte
Permanente de Justiça Internacional).
Grã-Bretanha e França, todavia, buscavam defender seus interesses de forma
mais incisiva e pragmática. Os franceses desejavam a reintegração da Alsácia-
Lorena a seu território, o desarmamento alemão e o pagamento de indenizações
de guerra. Os ingleses, por sua vez, queriam o controle sobre a frota e sobre as
colônias alemãs. Eram posições antagônicas aos anseios estadunidenses e
refletiam o realismo da política internacional europeia do século XIX.
O Tratado de Versalhes, principal convenção de paz da Grande Guerra, continha
termos bastante duros para os vencidos. A Alemanha perdeu vários territórios e
todas as suas possessões coloniais. Além da Alsácia-Lorena, devolvida para a
França, perdeu territórios para a Lituânia e, principalmente, para a Polônia.
Como resultado das perdas territoriais para esta última, a Alemanha foi
fisicamente dividida, com a Polônia separando a Prússia Oriental do restante do
país. Tinha-se aí um dos motivos que fomentaram o nacionalismo e o
revanchismo alemães no Entre-Guerras (1919-1939).
Pág. 14 - O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional
A Conferência de Paris, O Tratado de Versalhes e o Advento de uma Nova
Ordem Internacional (cont.)
Militarmente, a Alemanha foi desarmada. O exército foi reduzido para 100 mil
homens e 4 mil oficiais. Não mais teria marinha, aviação, tanques ou artilharia
pesada. Também não poderia fabricar material bélico. Por fim, o país se viu
obrigado a pagar uma grande indenização financeira para os vencedores. Para
se ter ideia da indenização que a Alemanha se viu obrigada a pagar, o valor
acordado era tão expressivo que seria pago em parcelas que só acabariam no
início da década de 1980. Claro que esse pagamento não se daria como
previsto...
Outros tratados de paz foram firmados entre 1919 e 1923. Como resultado,
inúmeros países surgiram da desintegração do Império Austro-Húngaro, do
Império Otomano e do Império Russo: Finlândia, Letônia, Estônia, Lituânia,
Polônia, Tchecoslováquia, Hungria e Iugoslávia. Um novo mapa político da
Europa era desenhado, com novas nações constituídas do esfacelamento das
colchas de retalho étnicas, que eram os citados velhos impérios.
O Mapa 23 ilustra a nova configuração política europeia do pós-I Guerra (em
amarelo, os novos Estados).
Fonte:
http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre14_18/gun12.html
Pág. 15 - O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional
Uma Nova Ordem Internacional
A Europa que saía da guerra era bastante diferente daquela que a iniciara. De
certo modo, o impacto da I Guerra para algumas nações europeias foi ainda
maior do que o da II Guerra Mundial. Sangrada e traumatizada, a Europa não
conseguiu se recuperar por meio dos Tratados de Paz. Ao contrário de uma paz
duradoura, conseguiu-se, apenas, por intermédio de tratados impiedosos, deixar
os alemães desejosos de uma revanche. Diferentemente do Congresso de Viena
(1815), que fora um exemplo de como se obter a paz, Versalhes foi a expressão
de raiva dos vencedores. O resultado é que, vinte anos depois, eclodiria outra
guerra mundial.
Novas Potências não europeias: EUA e Japão
Quais foram os verdadeiros vencedores da I Guerra Mundial? França e Grã-
Bretanha saíram em frangalhos do conflito. Perderam milhões de vidas e tiveram
uma geração inteira traumatizada. Perderam recursos industriais, econômicos e
financeiros. Para ganhar a guerra, tiveram que se aliar e se endividar junto aos
EUA. Estes, se já eram um país importante antes de 1914, tornaram-se, após o
fim da guerra, a principal Potência mundial. Inegável que a vitória das Potências
ocidentais só foi possível porque os norte-americanos enviaram um contingente
significativo para a França a partir de 1917. Os EUA foram o fiel da balança na
Grande Guerra: não apenas impediram que as ofensivas alemãs fossem bem-
sucedidas como também mostraram para os alemães que a continuidade da
guerra era inútil.
O Japão, mesmo com papel secundário na I Guerra Mundial, soube tirar proveito
do enfraquecimento das Potências europeias. Conseguiu ocupar as possessões
alemãs na China e na Oceania. Além disso, como se envolvera apenas
marginalmente no conflito, encontrava-se pronto para as suas aventuras
militares nas décadas de 1920 e 1930 e, posteriormente, na II Guerra Mundial.
Pág. 16 - O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional
Idealismo na política internacional e a Liga das Nações
A Grande Guerra havia sido demasiadamente traumática. Nunca o mundo
presenciara tanta carnificina e destruição em um conflito entre “nações
civilizadas”. Os europeus, que haviam comemorado o início do ansiado conflito,
concluíram-no exaustos e dispostos a fazer daquela a derradeira guerra.
O sentimento mundial e, sobretudo, europeu, ao fim da Grande Guerra, era de
que não se poderia mais tolerar que os povos se dizimassem em um conflito
armado, e que a Sociedade Internacional deveria empreender todos os esforços
no intento de garantir um mundo pacífico e regido pelo Direito, e não pela força.
O presidente estadunidense Woodrow Wilson foi o idealizador do programa de
construção de uma nova ordem internacional chamado Quatorze Pontos. Esse
programa, apresentado para a Conferência de Paris, previa um acordo de paz
sem anexações territoriais ou indenizações de guerra e baseava-se no princípio
da autodeterminação dos povos, isto é, cada nacionalidade teria direito de ter a
própria independência, caso, por exemplo, da Hungria, Polônia e Sérvia. Além
disso, o programa wilsoniano previa a criação de uma Sociedade das Nações,
para assegurar que o mundo não entrasse novamente em guerra.
A Sociedade das Nações, ou Liga das Nações, foi fundada em 28 de abril de
1919. Apesar das pretensões de Wilson, ela acabou sendo bastante limitada.
Um Conselho Permanente, formado por Estados Unidos, Grã-Bretanha, França,
Japão e Itália, serviria como árbitro nas questões internacionais. Caso não fosse
bem-sucedido, a Assembleia Geral, composta por todos os membros, poderia
votar sanções morais, econômicas ou militares.
Para fins práticos, os efeitos trazidos pelo advento da Sociedade das Nações
foram desprezíveis. Como exercia, na realidade, pouco poder, quando votava
algum tipo de sanção ou de agravo, o país atingido simplesmente se retirava da
Liga. Ademais, a organização já começara enfraquecida, pois a principal
Potência mundial e pátria do seu idealizador, os EUA, acabaram não aderindo à
Liga, por decisão do Congresso norte-americano.
Pág. 17 - O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional
A Revolução Russa
A Revolução Russa foi um dos eventos mais importantes do século XX, tal como
fora a Revolução Francesa no século XVIII. Surgiu da derrota para o Japão em
1905 (em que disputou o território da Manchúria), dos escombros da I Guerra
Mundial, da disseminação das ideias socialistas e revolucionárias geradas no
século XIX e da incapacidade do governo czarista de ouvir os anseios populares.
A entrada russa na Grande Guerra, tal como ocorrera em outros países, fora
celebrada pelo povo. O governo de São Petersburgo imaginava que a
superioridade numérica da Rússia em homens seria suficiente para derrotar os
alemães. Isso não se mostrou verdadeiro. Apesar de estar em inferioridade
numérica, a Alemanha soube lidar com a incompetência militar e com os
problemas logísticos russos. As derrotas militares não tardaram a surgir e,
rapidamente, transformaram-se em desastres. Além disso, a guerra pressionou,
de modo exagerado, a economia russa: os camponeses foram retirados de suas
terras para lutar no front, empresas e indústrias faliram, a inflação corroía o poder
de compra e não havia comida suficiente para abastecer as principais cidades.
Em fins de 1916, a Rússia czarista estava à beira do colapso.
Apesar disso, o Czar Nicolau II, preso aos compromissos de guerra com a
França e com a Grã-Bretanha, não dava sinais de que desistiria do conflito.
Pressionado, abdicou em março de 1917. O governo passou às mãos de um
governo moderado sob o comando de Alexander Kerenski. Entretanto, o novo
governo não eliminou o principal problema do país: a guerra. Em outubro do
mesmo ano, Lênin, líder bolchevista que retornara do exílio, preparou a tomada
do poder. Kerenski, abandonado pelo exército, fugiu. Lênin assumiu então o
governo
Lênin conseguiu retornar do exílio e chegar à Rússia para promover a
Revolução graças ao auxílio dos alemães, particularmente dos serviços de
inteligência do Kaiser, com os quais o líder bolchevista comprometeu-se a pôr
fim à participação de seu país na guerra assim que tomasse o poder.
A Revolução Russa e o Stalinismo são o pano de fundo dos filmes Dr. Jivago e
Reds, de Warren Beatty. Confira!
Pág. 18 - O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional
A Revolução Russa (cont.)
Os bolchevistas eram guiados pelas ideias de Karl Marx e Friedrich Engels,
pensadores comunistas do século XIX. Assim, tinham o objetivo de, uma vez
tomado o poder, realizar profundas mudanças na sociedade. De acordo com
Marx, a história se funda na luta de classes, e essa seria superada pela classe
mais revolucionária e vanguardista, o proletariado. A contribuição de Lênin para
a política do século XX foi a seguinte: a revolução seria feita através da condução
e organização do disciplinado partido de vanguarda de revolucionários
profissionais. A revolução de 1905 mostrara uma burguesia russa politicamente
fraca; a Constituição liberal-burguesa formulada era muito restrita, e o czarismo
tornara a se implantar. Para uma revolução sem burguesia, o partido conduziria
a classe operária com o apoio do campesinato, ansioso por terras.
As repercussões de uma revolução russa seriam mais amplas que as de 1789.
A simples extensão física e a plurinacionalidade de um império que ia do Pacífico
à fronteira alemã significava que sua queda afetaria um número muito maior de
países, em dois continentes, que a de um Estado marginal ou isolado na Europa
ou na Ásia.
Uma das primeiras medidas de Lênin foi a retirada da Rússia da guerra. Por meio
do armistício de Brest-Litovsk, entregou parte importante do território e dos
recursos industriais e econômicos russos na Europa para os alemães em troca
da paz. Mesmo arriscado, foi um lance bem-sucedido. Junto com isso, implantou
um regime de partido único apoiado em uma poderosa polícia política, a Tcheka,
e no Exército. Depois de três anos de sangrenta guerra civil, inclusive com a
invasão do território russo por forças estrangeiras, a vitória e o controle do país
foram definitivamente alcançados.
Dos escombros do império dos czares surgiu um novo país, a União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), primeira nação do mundo sob um
regime marxista e que se tornaria a única Potência do planeta capaz de rivalizar
com os EUA. O governo revolucionário enfrentaria ainda grandes crises políticas
e econômicas, mas conseguiria superar esses obstáculos e retomar o processo
de industrialização e de crescimento iniciado pela Rússia czarista. Entretanto,
essas transformações acarretariam a morte de milhões de pessoas, não só em
virtude da insuficiência de alimentos, mas também por causa de decisões
desastrosas da política econômica – tomadas por burocratas do Partido
Comunista – e, ainda, como resultado de perseguições e expurgos contra toda
e qualquer pessoa suspeita de ser contrária ao regime. Nesse contexto, a figura
de Josef Stalin, que assumiu o poder após a morte de Lênin, em 1924, e
governou ditatorialmente a URSS até a sua própria morte, em 1953, teve um
papel central.
Pág. 19 - O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional
A Crise de 1929
Com o fim da Primeira Guerra Mundial, os EUA se tornaram a principal Potência
econômica do mundo. A década de 1920 foi um tempo de grande crescimento
econômico. Empolgados com a possibilidade de lucro rápido, milhares de
pessoas se puseram a investir na Bolsa de Valores, inclusive comprando ações
a crédito. Esse movimento de especulação fez com que os preços das ações
fossem muito maiores do que elas realmente valiam.
Em outubro de 1929, a “bolha” da Bolsa explodiu. Em poucas semanas, bilhões
de dólares evaporaram. Empresas reduziram a produção, milhões de
trabalhadores ficaram desempregados, agricultores tiveram que entregar as
suas terras para os bancos, e centenas de bancos fecharam as portas. O índice
de produção estadunidense, que era de 100 em 1929, caiu, em pouco tempo,
para 60.
Externamente, os efeitos da crise também foram devastadores. Como sempre
ocorre, problemas na principal Potência repercutem rapidamente no restante do
sistema internacional. Desemprego, inflação e quebra de empresas atingiram
praticamente todos os outros países do mundo, à exceção da União Soviética,
que não dependia do sistema econômico internacional por ter sido isolada pelas
Potências, em virtude da Revolução de 1917 e do estabelecimento do regime
comunista.
Saiba mais sobre a crise de 1929.
Pág. 20 - O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional
Fascismo e Nazismo
Após a I Guerra Mundial, a Europa foi tomada por uma onda de radicalização
política. Regimes totalitários, à esquerda e à direita, apareceram por todo o
continente. Os antigos regimes liberais foram, pouco a pouco, substituídos por
regimes onde imperava a força. E isso ocorreu com o apoio popular, que, em
diversos países, manifestou descrédito na democracia.
Após 1916, o constitucionalismo liberal e a democracia representativa batem em
retirada, embora restaurados após 1945. Em 1939, os únicos dentre os 27
Estados europeus que podiam ser descritos como democracias parlamentares
eram: Reino Unido, Estado Livre da Irlanda, França, Bélgica, Suíça, Holanda e
os quatro escandinavos. Todos eles, salvo o Reino Unido, a Irlanda, a Suécia e
a Suíça, logo desapareceriam temporariamente em virtude de ocupação ou de
aliança com a Alemanha nazista.
O Tratado de Versalhes comprometeu as chances de recuperar a estabilidade
capitalista da Alemanha e, portanto, da Europa, em bases liberais.
O comunismo, que já havia alcançado o poder na Rússia por ocasião da
Revolução de 1917, apresentava-se, para muitos europeus, como a saída da
esquerda. À direita, foi o fascismo que surgiu como o grande adversário dos
regimes democráticos.
A Itália é o primeiro país em que um regime fascista estabeleceu-se e adquiriu
importância. Benito Mussolini, antigo militante socialista, catalisou em torno de
si toda a insatisfação do povo italiano com o resultado da I Guerra Mundial. Os
italianos pouco poderiam comemorar dos resultados da Grande Guerra. Apesar
de oficialmente vitoriosos, as baixas em vidas foram altíssimas. Além disso, a
Itália não conseguiu obter o prestígio que há tanto tempo desejava. Para as
outras potências europeias, a Itália ainda era uma nação de segunda categoria.
Também não se pode esquecer que a Itália chegou à década de 1920 em grave
crise econômica: o desemprego grassava, empresas quebravam, a inflação era
alta e os trabalhadores perdiam renda. Tratava-se de cenário bastante propício
a soluções autoritárias. Mussolini aproveitou-se da oportunidade. Em 1921,
fundou o Partido Fascista e, em 1922, realizou a Marcha sobre Roma, dizendo-
se defensor da ordem contra o caos e a anarquia. Inicialmente, o discurso
fascista manteve um aspecto de normalidade, mas, em 1925, os fascistas
tomaram, definitivamente, o poder.
Sobre as questões relacionadas ao totalitarismo e ao autoritarismo da Europa,
vide Mark Mazower, O continente sombrio: a Europa do século XX (São
Paulo:Companhia das Letras, 2001). Obra teórica fundamental a respeito é
Origens do Totalitarismo, de Hannah Arendt (São Paulo: Companhia das Letras,
1989).
Pág. 21 - O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional
Fascismo e Nazismo (cont.)
O Fascismo italiano, copiado depois por muitos outros países, tinha entre seus
princípios:
a existência do Estado autoritário, baseado na figura do chefe (ou líder)
e no partido único
a preponderância do coletivo – ou das massas – sobre o indivíduo;
o Estado como o árbitro nas relações entre patrões e empregados;
a exaltação da guerra e da grandeza nacional.
Muitos outros países adotaram regimes similares ao italiano ou inspirados nele:
Espanha, Portugal, Polônia, Hungria, Iugoslávia, Grécia, Bulgária, Lituânia,
Estônia, Letônia e Áustria, para citar os Estados europeus. Até no Brasil, em
1937, com o Estado Novo de Getúlio Vargas, foi estabelecido um regime
fortemente influenciado pelas ideias fascistas.
Não obstante, o fascismo não seria a opção mais autoritária de direita no Entre-
Guerras. Em 1933, chegava ao poder na Alemanha o principal discípulo das
ideias de Mussolini: Adolf Hitler. O novo líder alemão conseguiu não apenas
superá-lo como radicalizar mais ainda a ideologia fascista: estabelecia-se o
nacional-socialismo na Alemanha.
Pág. 22 - O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional
As origens do nazismo
O nacional-socialismo, ou nazismo, como é também chamado, surgiu em meio
à crise da década de 1920 e encontrou nos problemas da Alemanha e do mundo
no pós-I Guerra Mundial as razões de seu fortalecimento. A primeira dessas
razões é o perene revanchismo alemão oriundo da derrota e das imposições dos
vencedores da I Guerra Mundial.
Simbolicamente, os alemães não se sentiam derrotados, porque o território
alemão não fora invadido em 1918. Ademais, quando os combates foram
suspensos por meio de um armistício – e não de uma capitulação –, parecia
haver um equilíbrio entre os lados combatentes, pois ambos estavam exauridos.
A culpa para o armistício era jogada sobre as costas do poder civil, os
“entreguistas”, particularmente os socialistas que negociaram o armistício,
supostos responsáveis pelo fracasso.
Em segundo lugar, as condições do Tratado de Versalhes para a Alemanha
foram muito mais duras do que o Presidente Wilson sugerira. Os alemães foram
declarados culpados pela guerra, obrigados a pagar uma reparação gigantesca
e impedidos de ter um exército de tamanho compatível com a realidade de uma
Potência.
Por fim, as crises econômicas da década de 20 – primeiro, em 1923, quando o
país passou pela hiperinflação, depois, em 1929, resultado da quebra da Bolsa
de Nova York – se mostraram fundamentais para criar um caldo simbólico de
ódio e rancor. Razões econômicas que repercutiram em movimentos sociais
questionaram a frágil democracia da República de Weimar, como foi
denominado o regime alemão em sua breve experiência democrática (1919-
1933).
Pág. 23 - O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional
As origens do nazismo (cont.)
Aos ingredientes do fascismo, os nazistas juntaram o racismo – especialmente
contra judeus, eslavos e ciganos. Também aprofundaram o autoritarismo
fascista, ao resumirem o Estado a um chefe único, o Führer: alicerçava-se um
Estado totalitário, que só encontraria congênere na URSS stalinista.
Os nazistas eram, simultaneamente, antimarxistas e anticapitalistas: o
marxismo, para os nazistas, seria obra dos judeus, e o capitalismo, por sua vez,
era desigual e individualista. Ademais, defendiam um sistema de partido único,
hierarquizado e presente em todas as etapas da vida do indivíduo – o indivíduo
não existia fora do partido –, e pregavam um nacionalismo levado às últimas
consequências.
No pós-I Guerra Mundial, o nacionalismo foi definitivamente incorporado pela
direita política. Desde o final do século XIX que as organizações de massa do
nacionalismo alemão desviaram-se do liberalismo herdado de 1848 para uma
postura militarista, agressiva e antissemita. No Entre-Guerras, ganhava ainda
mais força um novo movimento político baseado no chauvinismo, na xenofobia
e na idealização da expansão nacional, na conquista e no próprio ato da guerra.
Tal nacionalismo passou a atrair as classes médias frustradas, os antiliberais e
os antissocialistas.
Uma vez no poder, alcançado por meio de eleições democráticas, os nazistas
iniciaram profundas reformas: instituíram um modelo de partido único,
dominaram o Judiciário, estabeleceram a censura, promoveram expurgos no
serviço público e nas universidades e criaram os campos de concentração, para
onde eram enviados os elementos indesejados. Também conseguiram o rápido
rearmamento do Exército. Ao lado dessas ações práticas, os nazistas agiram
com muita força no campo simbólico. Uma palavra resume esse processo:
propaganda.
Pág. 24 - O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional
A Guerra Civil Espanhola (1936-1939)
Episódio marcante do Entre-Guerras foi a Guerra Civil Espanhola (1936-1939).
O conflito foi caracterizado pelo confronto entre as grandes correntes
ideológicas da época e nele lutaram voluntários de diversas partes do mundo,
inclusive do Brasil.
Após a queda da ditadura de Primo de Rivera, em 1930, o rei da Espanha Afonso
XII tentou restabelecer um governo constitucional. Entretanto, as eleições de
1931 acabaram com as pretensões monarquistas: o rei foi exilado e a República
proclamada. Apesar das resistências, a República espanhola mostrou-se
democrática e, em 1936, ganhou as eleições a Frente Popular, composta por
anarquistas, comunistas, socialistas e radicais. O novo governo apoiou as
reivindicações dos movimentos operários e camponeses, e os trabalhadores
começaram a ocupar as fábricas e a invadir terras.
O assassinato do líder monarquista Calvo Sotelo por forças anarquistas, em 13
de julho de 1936, serviu de justificativa para o levante militar liderado pelo
general Francisco Franco, a partir do Marrocos espanhol. Para fazer frente à
revolta do Exército, o governo republicano recorreu a milícias, armando os
populares. Em dois meses, as tropas de Franco já dominavam metade do
território espanhol. Entretanto, a guerra se prolongaria por três anos,
constituindo-se em um confronto sangrento e generalizado.
Enquanto os nacionalistas, liderados por Franco, tinham apoio de setores
conservadores, como o Exército e parte do clero católico, e das províncias
ocidentais do país, os republicanos contavam com a Força Aérea e a Marinha,
com os trabalhadores, a pequena burguesia radical e parte do campesinato.
Contavam os republicanos também com as regiões industriais que ocupavam o
triângulo Madri-Valência-Barcelona. Bascos e catalães apoiavam a República.
Em 1938, os franquistas conseguiram isolar a Catalunha de Madri. Barcelona
capitulou em janeiro de 1939 e Madri em março do mesmo ano. Em 1º de abril
de 1939, acabou a sangrenta guerra que dividira a Espanha, deixara cerca de
500.000 mortos e 450.000 exilados. Estabeleceu-se um governo de índole
fascista, liderado por Franco, e que perduraria por quase quatro décadas.
Pág. 25 - O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional
A Guerra Civil Espanhola (1936-1939)
Economicamente, a guerra civil deixou a Espanha em uma situação catastrófica.
A renda per capita só recuperaria os níveis de 1936 em meados da década de
1950. A malha industrial espanhola foi destruída, e o país voltou à condição de
economia eminentemente agrária. A infraestrutura foi muito danificada, a
Espanha gastou todas as suas reservas e a dívida externa cresceu.
Com o fim da guerra, o governo de Franco instaurou uma ditadura de direita,
simpática aos países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Esse regime se
manteria até a morte de Franco, em 1975, quando então a monarquia seria
restabelecida, e o país iniciaria um processo de redemocratização.
No que concerne às relações internacionais, a Guerra Civil Espanhola foi um
conflito que repercutiu muito além da Península Ibérica: com a participação
das Potências – Alemanha e Itália apoiando Franco e URSS auxiliando os
republicanos – e dos grupos de voluntários de diversas nacionalidades, o
conflito adquiriu um caráter internacional e extremamente ideológico.
Também sobre o Entre-Guerras, assista ao filme Tempos Modernos, de Charles
Chaplin, um clássico que ilustra o impacto da Segunda Revolução Industrial
sobre a vida humana. Trata-se do último filme mudo de Chaplin, que focaliza a
vida urbana nos Estados Unidos nos anos 30, imediatamente após a crise de
1929, quando a depressão econômica atingiu toda a sociedade norte-americana,
levando grande parte da população ao desemprego e à fome. Leia a sinopse do
filme!
Pág. 26 - O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional
A Guerra Civil Espanhola (1936-1939) (cont.)
A guerra na Espanha foi o prelúdio da nuvem negra que se abateria sobre a
Europa e o mundo a partir de 1939. Nela as ideologias se confrontaram, os
regimes autoritários puderam mostrar seu poder e testar sua máquina de guerra,
e as democracias deixaram claro o misto de desinteresse e impotência para lidar
com temas que envolviam o risco de abalo da “segurança coletiva”.
Toda a extensão da tragédia causada pela Guerra Civil Espanhola pode ser
constatada pela reportagem do The Times, de 28 de abril de 1937, da qual
extraímos o seguinte trecho:
“Guernica, a mais antiga cidade dos bascos, centro de suas tradições culturais,
foi completamente destruída ontem à tarde por um reide aéreo dos revoltosos.
O bombardeio dessa cidade aberta, muito atrás das linhas de combate, durou
três horas e quinze minutos, durante as quais uma poderosa esquadra aérea
alemã, composta de bombardeiros Junker e Heinkel, e caças Heinkel, não
parava de despejar sobre a cidade bombas de1000 libras e, calcula-se, mais
de 3000 projéteis incendiários de 2 libras, de lumínio. Ao mesmo tempo, os
caças mergulhavam sobre a cidade para metralhar a parte da população civil
refugiada nos campos(...).”
A Guerra Civil Espanhola é o pano de fundo do filme Por Quem os Sinos Dobram,
de Sam Wood (EUA, 1943, 159 min), estrelado por Ingrid Bergman e Gary
Cooper.
Pág. 27 - O Entre-Guerras e a Nova Ordem Internacional
O III Reich e os antecedentes da II Guerra Mundial
Nos três anos que se seguiram à nomeação de Adolf Hitler Chanceler da
Alemanha, em 30 de janeiro de 1933, o governo nacional-socialista promoveu
transformações que rapidamente reconduziram o país ao seleto clube das
Grandes Potências. Em 1936, o III Reich, como ficou conhecida a Alemanha
nazista, já era uma das maiores economias do mundo: havia reduzido o
desemprego em 40% já em 1934; inúmeras obras públicas estavam sendo feitas,
e a indústria retomara sua força, de modo que o país já se mostrava
internacionalmente competitivo. Como aconteceu na União Soviética, é inegável
que a opção totalitária reergueu o país.
Recuperada do ponto de vista doméstico, a Alemanha se lançaria em uma nova
empreitada de política externa. Como sempre prometera, Hitler desejava
conduzir os alemães à retomada do orgulho nacional, por meio do repúdio às
imposições estabelecidas pelo Tratado de Versalhes e da busca do “espaço vital”
a leste, indispensável para a sobrevivência do III Reich. Com ações calculadas
que jogavam com a capacidade de reação das Grandes Potências, a Alemanha
foi, aos poucos, derrubando cada imposição do acordo de paz de 1919 e
anexando novos territórios ao Reich.
Grã-Bretanha e França, ainda traumatizadas pelos efeitos da Primeira Guerra,
evitaram agir para impedir o avanço da política externa nazista. Era a política do
apaziguamento, da paz a qualquer preço, que se fez ao custo da entrega da
Áustria e da Tchecoslováquia para a Alemanha. Havia também a expectativa,
por parte das democracias europeias, de que, em seu avanço para o leste, logo
o III Reich se chocaria com a URSS. Assim, Grã-Bretanha e França contavam
com o conflito entre os dois grandes Estados totalitários, o que seria para elas
demasiadamente interessante.
Vide “A Política Exterior do III Reich: Algumas Reflexões”, de Joanisval Brito
Gonçalves. In: Albene Menezes e Mercedes Kothe (orgs.). Brasil e Alemanha,
1827-1997, Perspectivas Históricas, 170 anos da assinatura do 1º Tratado de
Comércio e Navegação. Brasília: Thesaurus, 1997.
Entretanto, Londres e Paris não consideraram o improvável: em agosto de 1939,
Alemanha e URSS assinaram um tratado de não agressão. Para desespero das
democracias ocidentais, os dois inimigos figadais aliavam-se. Estava pronto o
quadro que levaria à Segunda Guerra Mundial.
Parabéns! Você chegou ao final do Módulo II de estudo do curso Relações
Internacionais - Teoria e História.
Como parte do processo de aprendizagem, sugerimos que você faça uma
releitura do mesmo e resolva os Exercícios de Fixação. O resultado não
influenciará na sua nota final, mas servirá como oportunidade de avaliar o seu
domínio do conteúdo. Lembramos ainda que a plataforma de ensino faz a
correção imediata das suas respostas!