Upload
others
View
4
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
1
RELATO DE EXPERIÊNCIA: ENSINAR HISTÓRIA PARA ALUNOS
JOVENS E ADULTOS PELA PLATAFORMA CEJA NUM CONTEXTO DE
PANDEMIA E DE ISOLAMENTO SOCIAL NO PRIMEIRO SEMESTRE DE
2020.
Cacilda Fontes Cruz1
INTRODUÇÃO
O presente artigo apresenta reflexão sobre a minha experiência como professora
de História, num contexto pandêmico, durante o primeiro semestre de 2020, em uma
escola da Rede CEJA (Centro de Estudos para Jovens e Adultos), localizado na cidade
do Rio de Janeiro. Importante destacar que atualmente a Rede CEJA é formada por 57
unidades, distribuídas por todo o estado do Rio de Janeiro, que oferecem o ensino
Fundamental (anos finais) e Médio, em regime semipresencial na modalidade de
Educação a Distância, para alunos jovens e adultos, com faixa etária fora da idade
escolar.
Em grande parte esse artigo é fruto não apenas da minha experiência profissional
com a educação de Jovens e Adultos, mas também do meu caminhar acadêmico. Em
2018 finalizei densa pesquisa sobre a formação do CEJA na cidade do Rio de Janeiro e
sua intersecção com tecnologia, que subsidiou a minha dissertação “A formação dos
centros de Educação de Jovens e Adultos no Rio de Janeiro: a memória do uso da
tecnologia e a experiência da disciplina de História no CEJA Copacabana”. Atualmente,
sou discente no curso de especialização em “Educação de Jovens e Adultos” do Instituto
Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) e continuo pesquisando sobre o CEJA, mas agora no
tempo presente, tentando compreender a estrutura pedagógica ofertada nesse momento
de pandemia e de isolamento social.
Destaco que na história recente foi de extrema importância o Decreto n
43349/2011, publicado em 12 de dezembro que estabeleceu uma parceria entre a
Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro (SEEDUC) e o Centro de Ciência e
Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro (Fundação CECIERJ), que seriam
1 Atua como professora de História da Rede Estadual do Rio de Janeiro há oito anos, trabalhando na Educação de Jovens e Adultos, Mestra (2018) pelo programa de Mestrado Profissional em Ensino de História na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Email para contato: [email protected]
2
corresponsáveis pela administração da rede. Assim, foi possível existir uma interligação
entre as escolas CEJA, criando uma ideia de rede que iria compartilhar um conjunto de
práticas pedagógicas.
De forma prática, essa parceria permitiu que a tecnologia se fizesse mais
presente na rotina escolar. Tanto que pelo Plano Pedagógico dos Centros de Educação
de Jovens e Adultos (2017) ficou instituído que 20% da carga horária do curso tem que
acontecer de forma presencial e o restante da carga horária pode ser na modalidade de
educação a distância (EAD), através de atividades como o estudo, individualizado dos
fascículos e a participação facultativa do aluno nos ambientes de aprendizagem virtual
disponíveis na Plataforma CEJA. Essa plataforma apresenta ainda chats, fóruns e
exercícios que funcionam como uma ferramenta didática para ajudar o aluno a assimilar
os conteúdos tanto do Ensino Médio quanto do Fundamental.
Todos esses recursos tecnológicos se tornam relevantes quando analisamos o
contexto de pandemia vivenciado a partir de março de 2020 no Brasil. Destaca-se que
em janeiro desse mesmo ano a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou que o
surto do novo coronavírus (2019-nCov) constitui uma Emergência de Saúde Publica de
importância internacional e que posteriormente estabeleceu o surto de Covid como uma
pandemia global. No Brasil durante esse período a Resolução n. 5843 de 11 de maio de
2020 determinou que “durante a vigência das medidas de exceção (...) e prevenção ao
contágio do coronavírus, as atividades pedagógicas serão realizadas, prioritariamente,
através da mediação tecnológica ou a partir de meios complementares (...)” (p.11) e em
consonância com Resolução 5843 a atividade da Rede CEJA vem acontecendo
exclusivamente através dos meios virtuais.
Portanto, esse artigo é composto por duas partes distintas, na primeira analiso o
uso de tecnologia como recurso pedagógico na Educação de Jovens e Adultos através da
reestruturação que aconteceu na rede CEJA a partir de 2011. Já na a segunda parte
versará sobre a minha experiência como professora em um ambiente virtual com alunos
tanto do Ensino Fundamental, quanto do Ensino Médio num contexto pandêmico
durante o período de março até agosto de 2020.
UM BREVE PANORAMA DA REDE CEJA: MUDANÇAS E
PERMANÊNCIAS
3
A Rede CEJA (Centro de Estudos de Jovens e Adultos) faz parte do cenário da
oferta de Educação de Jovens e Adultos, no Rio de Janeiro. A origem dos CEJAS
remonta aos Centros de Ensino Supletivos (CES), fundados na década de 1970 em todo
o Brasil. Como contexto político o Brasil estava, naquele momento, sob a égide da
ditadura militar que perdurou durante 21 anos, de 1964 até 1985, e foi “comandada por
generais presidentes, cuja face mais tenebrosa foi a violência e a tortura, como políticas
de Estado”. (FERREIRA; GOMES, 2014, p.7).
A criação dos CES estava em consonância com o recrudescimento do Ensino
Supletivo, modalidade que se caracterizava por um cunho compensatório e que
preconizava a certificação do ensino de 1º e 2º Graus, através de cursos e exames, como
uma substituição ao ensino regular e se constituía como uma alternativa para jovens e
adultos que tinham abandonado o universo escolar, e almejavam a certificação num
curto prazo. Portanto, o Ensino Supletivo se “propunha a recuperar o atraso, reciclar o
presente, formando uma mão de obra que contribuísse no esforço para o
desenvolvimento nacional, através de um novo modelo de escola”. (HADDAD; DI
PIERRO, 2000, p. 118)
Nesse contexto o investimento em educação era o bem mais valioso desde que
fosse percebido como “produtora de capacidade de trabalho, potenciadora do fator
trabalho” (FRIGOTTO, 1984, p. 40), a chamada teoria do capital humano, ou seja, a
educação estava subordinada à lógica econômica de modernização acelerada da
sociedade brasileira, e tinha como objetivo “maximizar a produtividade do PIB,
independente da distribuição de renda nacional” (FERREIRA; BITTAR, 2008, p. 349).
Segundo Frigotto essa teoria:
tem como base e horizonte o fetiche, a mistificação do mercado de trabalho,
que consiste no fato de que o conceito de mercado de trabalho passa uma
ideia de uma relação de igualdade e liberdade entre compradores da força de
trabalho (capitalistas) e vendedores dessa força de trabalho (trabalhadores).
Esconde –se a violência dessa relação, uma relação desigual porque uma
relação de classe. A ilusão que se sedimentou é que no plano econômico
social a democratização do acesso à escola (que não significa
democratização do conhecimento) se constitui em panacéia da superação do
subdesenvolvimento e, no plano individual, em mecanismo de distribuição
de renda e ascensão social pelo acesso igual ao mercado de trabalho. (1989,
p. 36 e 37)
4
E de fato percebia-se no Ensino Supletivo uma preocupação em facilitar o
acesso à escola através de cursos que “serão ministrados em classes ou mediantes a
utilização de rádio, televisão ou correspondência ou outros meios de comunicação que
permitam alcançar o maior número de alunos” (BRASIL, 1971, Artigo 25), contudo não
havia uma preocupação com a formação integral do aluno.
Foi fundamental para a normatização do ensino supletivo a elaboração do
Parecer Federal de Educação n 699, publicado em 28 de julho de 1972, de autoria de
Valnir Chagas. Com esse intuito o parecer 699 especificou as quatro funções que o
permeiam:
(..) a suplência (a substituição compensatória do ensino regular pelo
supletivo via cursos e exames com direito à certificação de ensino de 1◦ grau
para maiores de 18 anos e de ensino de 2◦ grau para maiores de 21 anos), o
suprimento (complementação do inacabado por meio de cursos de
aperfeiçoamento e atualização), a aprendizagem e qualificação. Elas se
desenvolviam por fora dos então denominados ensinos de 1◦ e 2◦ graus
regulares (BRASIL, 2000, p. 20)
Esse modelo de escola devia ser considerado, segundo a análise de Barcelos
(2012) como um espaço “do conhecimento dominante e economicamente necessário ao
momento, (...), promovendo uma educação de cunho compensatório, que busca
compensar o que não foi desenvolvido no tempo adequado” (p.5).
Para colocar em pratica essa nova modalidade de ensino foi criado em janeiro de
1973 o Departamento de Ensino Supletivo (DSU), subordinado ao MEC, que deveria
“exercer a administração das atividades do ensino supletivo em nível federal, de que
trata o Capítulo IV, da Lei 5692, de 11 de agosto de 1972”. (BRASIL, 1973). Foram
muitas as iniciativas gestadas pelo DSU, no entanto vou me ater ao meu objeto de
estudo, que seja a criação dos Centros de Estudos Supletivos (CES), que tornou
realidade um modo de atendimento diferenciado capaz de proporcionar ao aluno jovem
e adulto um retorno ao universo escolar e que tinha na sua concepção o cerne do ensino
supletivo. Importante ressaltar que a implementação desses centros aconteceu de forma
nacional, “o primeiro na cidade de Natal no Rio Grande do Norte e em seguida o da
cidade de Goiânia, no Estado de Goiás.” (MONACO, 2016, p.85)
Assim, de acordo com o seu regimento inicial o CES pretendia:
5
[...] atender, de forma mais efetiva a adolescentes e adultos que não tenham,
no todo ou em parte, escolarização regular, na preparação para cursos e
exames do Ensino Supletivo, mediante a utilização de metodologia
adequada, tendo em vista as diferenças individuais no que se referem a
aptidões, interesses e necessidades. (DSU, 1974, p. 5 apud MONACO, 2016,
p. 85)
De forma prática a rotina escolar do CES consistia em duas etapas: o estudo dos
módulos e a posterior execução das provas. Assim, o aluno conseguia concluir o Ensino
Fundamental ou o Ensino Médio em menos tempo, que era objetivo básico do Ensino
Supletivo. Esse vai acabar se tornando o grande estigma dos CES/CEJAS, que passaram
a ser considerados como “fábricas de certificado sem se preocupar com a formação
humana” (BARCELOS, 2012, p. 6), essa formação que sempre será imprescindível
quando se tange a Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Já num contexto de redemocratização, vislumbra se uma nova concepção de
EJA, que rompe com esse aspecto de suplência e a reafirma suas especificidades através
de diversas diretrizes legais, como por exemplo, o acréscimo “do Artigo 208 da
Constituição de 1988 que garantiu como dever do Estado a educação básica obrigatória
e gratuita (...) assegurada inclusive para todos os que a ela não tiveram acesso na idade
própria.” (BRASIL, 1988) Além das seguintes referências legais, como: a LDB
9394/96, o Parecer CNE–CNB 11/2000 e as Diretrizes Operacionais para EJA, de 2010.
Elas conceituam a EJA como direito de todos e dever do Estado, e normatizam a sua
oferta nas redes de ensino (VENTURA 2016). Portanto, a Constituição de 1988
considerou a educação sistemática como um direito de todos em qualquer faixa etária, e
como um dever do Estado fornecê-la. Assim,
o direito à educação não se limita às crianças e jovens. A partir desse
conceito devemos falar também de um direito associado – o direito à
educação permanente – em condições de equidade e igualdade para todos e
todas. [...] Esse direito deve ser garantido pelo Estado estabelecendo
prioridade à atenção dos grupos mais vulneráveis. (GADOTTI, 2013, p. 22)
Passo importante nessa nova concepção foi a elaboração das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos pelo Conselheiro Roberto
Jamil Cury e aprovada em maio de 2000, que reconhece a EJA “como uma modalidade
de educação básica nas etapas de ensino fundamental e médio e usufrui de uma
especificidade própria, que como tal deveria receber um tratamento consequente.”
6
(BRASIL, 2000, p. 2). E ainda define três funções para essa modalidade de ensino, que
são: 1. função reparadora – restaurar de um direito negado, o direto a uma educação de
qualidade; 2. função equalizadora – atender aqueles que antes foram desfavorecidos
quanto ao acesso e permanência na escola, devendo receber proporcionalmente maiores
oportunidades educacionais; 3. função qualificadora – propiciar a todos a atualização de
conhecimento por toda a vida.
Importante salientar que a democratização do acesso à escola não pode ser
considerado como sinônimo de democratização do conhecimento. Nesse sentido,
Arroyo (2017) alerta que:
a organização do nosso sistema escolar materializa que o conhecimento
acumulado somente é direito dos poucos que chegarem ao Ensino Superior,
ao menos ao o Ensino Médio. Nos andares de baixo, os conhecimentos são
elementares. É aonde chegam (e nem todos) pobres, negros, camponeses,
indígenas, quilombolas, trabalhadores empobrecidos. É a parte que lhes cabe
no latifúndio do conhecimento. (...) Se a escola elementar e a EJA
garantirem esses conhecimentos mínimos será difícil reconhecer esse tempo
como garantia do seu direito. (p.126)
Em sintonia com essa nova perspectiva, que amplia de forma significativa a
função da EJA, aconteceu uma reestruturação na estrutura desses Centros de Estudo.
Com a Resolução n◦ 4673/2011 publicada em 25 de fevereiro de 2011, pela Secretaria
de Educação do Estado do Rio de Janeiro, SEEDUC-RJ que foi alterada a nomenclatura
Centro de Estudos Supletivos (CES) para Centro de Estudos de Jovens e Adultos
(CEJA) e foi estabelecida uma parceria entre o Centro de Ciência e Tecnologia do
Estado do Rio de Janeiro, Fundação CECIERJ e a SEEDUC-RJ para a gestão da
referida Rede. Ao analisar essas resoluções, pode-se perceber uma tentativa de dissociar
os CEJAS da marca do Ensino Supletivo, ao mesmo tempo em que, aponta para uma
aproximação com a educação semipresencial. Tendo em vista, que a Fundação
CECIERJ seria responsável pela elaboração de um material didático próprio e da
criação de um ambiente virtual de aprendizagem através da plataforma MOODLE2.
2 O Moodle é um AVA (Ambiente Virtual de Aprendizagem) que pode ser definido “como um sistema de administração de atividades educacionais destinado à criação de comunidades online (...) que potencializa a aprendizagem colaborativa, apresentando diversos recursos importantes dentre eles: chat, fórum, mensagens, workshops (oficina de trabalho), wikis (coleção de documentos em hiperextos)” (ROSTAS; ROSTAS, 2009, p. 135)
7
Assim, a partir do momento que o aluno se matricular na Rede, tem à sua
disposição um ambiente virtual, que está definido na página do CECIERJ, como:
a Plataforma CEJA é o ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) dos
alunos do CEJA. É um espaço disponibilizado em um site da internet em que
é possível encontrar diversos tipos de material didático para auxiliar nos
estudos como vídeos, animações, textos, listas de exercício, exercícios
interativos, simuladores etc. Além disso, também existem algumas
ferramentas de comunicação como chats e fóruns3
Importante destacar que o uso de tecnologia na Educação de Jovens e Adultos
fez parte de diversas propostas e esteve presente até mesmo na própria concepção
original dos CES, pois estava normatizado o uso da televisão ou o rádio como recurso
pedagógico. Contudo,
nos dias atuais, os novos recursos e tecnologias na área da informática e ds
telecomunicações, ao mesmo tempo, em que alargam os horizontes da vida
humana, podem produzir e têm produzido uma abismo entre os que têm e os
que não têm acesso a essas ferramentas: é a modernidade produzindo um
novo e perigoso tipo de abismo social que é a exclusão social. (Souza, 2011,
p. 36)
Portanto, uma das funções da educação de adultos, no futuro, “deve ser o de
limitar esses riscos de exclusão de modo que a dimensão humana das sociedades de
informação se torne preponderante” (Declaração de Hamburgo sobre a Educação de
Adultos, 1997, p.3).
No caso do CEJA o uso de tecnologia como um recurso pedagógico aproximou
mais ainda a proposta pedagógica da escola a Educação à distância, tendo em vista que
ainda existem aspectos da rotina escolar que permanecem os mesmos, como por
exemplo, o estudo individualizado através de módulos com objetivo de fazer uma
prova. Assim, quando o aluno jovem ou adulto que retorna ao universo escolar e opta
pela modalidade semipresencial ofertada pela Rede CEJA se depara com uma realidade
diferente do ensino regular. O aluno tem que aprender a estudar de forma solitária e
conviver com o fato de que elementos normalmente associados ao universo escolar
como carteiras, lista de chamada, e o quadro branco inexistem no universo do CEJA. Ao
3 Disponível em: http://cederj.edu.br/ceja/conheca/ Acesso em 10 de junho de 2020.
8
se retirar esses elementos de cena, percebemos indícios do processo que Nicodemos
(2019), denomina como “desescolarização”, que pode ser entendido como:
[...] um processo [...] que não implicará, entretanto, na negação da possibilidade de certificação de seus estudos, pois terminalidade se desenvolverá através de outros modelos de oferta. No entanto, como a perspectiva é o radical contingenciamento tal oferta se dará de forma aligeirada e pedagogicamente fragilizada e principalmente em duas possibilidades de atendimento, que consideramos a materialidade da desescolarização: a política de certificação e a Educação à Distância. (p. 210)
Portanto, nessa concepção o modelo de escola ofertado para a EJA estaria
limitada a duas práticas: a certificação e educação à distância. Analisando a trajetória da
concepção pedagógica que pauta o CEJA o papel da certificação sempre esteve em
primazia. O aluno estuda para uma prova específica que vai permitir avançar no
fascículo e assim construir de forma progressiva a sua trajetória escolar.
De forma perspicaz Barcelos (2012) se utiliza dos termos praticas instituídas,
que se refere ao mecanismo “leva o módulo, estuda, tira dúvidas (quando necessário) e
faz prova” (p. 3) e práticas instituintes para designar as tentativas de superação do
modelo proposto originalmente. O embate entre esses dois modelos de prática cria uma
tensão dentro do próprio sistema, e pode ocasionar o processo que Barcelos (2012)
denomina como “inclusão/excludente” (p. 3). Ou seja, o sistema dos CEJAs “aberto,
não seriado, pleno de possibilidades não aproveitadas/inexploradas – permite a inclusão
do aluno mais facilmente do que na rede regular, contudo suas praticas instituídas (...)
pouco contribuem para a permanência e o sucesso dos alunos.” (p. 3)
RELATO DE EXPERIÊNCIA: ENSINANDO HISTÓRIA NUM TEMPO
DE PANDEMIA.
Em 2013, como professora de História na rede pública estadual do Rio de
Janeiro, atuei em quatro escolas diferentes para formar os doze tempos de aula semanais
que compõem a minha carga horária de trabalho4. Naquele momento, a grade curricular
4 Nesse momento o Estado do Rio de Janeiro começava a enfrentar um cenário de grave crise fiscal e tributária. Tanto que, “em 2015 e 2016, foram extintos 420 mil postos de trabalho, número superior ao registrado na década de 90, quando foram extintas 389 mil vagas no estado. Consequência disso houve forte queda da arrecadação de tributos, mais intensa inclusive que a da atividade econômica. Enquanto a produção industrial acumulou queda de 4,0% em 2016, a arrecadação de ICMS do setor apresentou retração de 15,7%, segundo dados do IBGE e da Secretaria de Fazenda do estado. Nesse ambiente, o Rio
9
estabelecia três tempos da disciplina por semana provocando uma situação inusitada, ou
seja, uma turma diferente em cada escola na qual eu trabalhava. Dessa forma, a
realização de um trabalho docente produtivo era colocada em xeque, uma vez que essa
distribuição fragmentada não permitia que eu tivesse uma sensação de pertencimento ao
corpo escolar e, assim, pudesse realizar um trabalho mais elaborado. Contudo, foi nesse
contexto adverso que entrei numa escola da Rede CEJA localizada na Zona Sul do Rio
de Janeiro, primeiro como professora de Sociologia (minha segunda habilitação) e
posteriormente como professora de História.
No ano subsequente consegui transferir a minha carga horária de forma integral
para o CEJA. Começava assim o meu caminhar como professora da Educação de Jovens
e Adultos que já perdura quase oitos anos. No início houve estranhamento de minha
parte ao ter como rotina o contato individual com cada aluno e não mais de forma
coletiva na sala de aula como era minha realidade até então. Apesar da principal atuação
do professor estar concentrada na aplicação e na correção de provas, aos poucos percebi
a importância da experiência do atendimento individual com cada aluno.
A minha transferência para o CEJA coincidiu com um período de grandes
transformações no próprio espaço escolar. O aluno passou a contar com uma sala
específica para a aplicação de prova. Foi disponibilizado também para uso dos alunos
um laboratório de informática com instalações adequadas contando com oito
computadores e monitores, como podemos perceber na figura 1:
Figura 1: Laboratório de Informática do CEJA Copacabana em 11/2018
de Janeiro decretou estado de calamidade financeira e iniciou negociações com o governo federal em vistas à um novo plano de recuperação fiscal”. (Mercês; Freire, 2017, p.65)
10
f
Fonte: Arquivo pessoal.
Concomitantemente a essas mudanças específicas toda a rede escolar estava
também passando por algumas alterações, como a criação da já citada plataforma CEJA
e foi disponibilizado para o corpo docente um Sistema de Controle Acadêmico (SCA)
que permitia registrar e acompanhar toda a trajetória escolar do aluno. Essas medidas
tinham como objetivo estimular a autonomia do educando e permitiam uma organização
melhor da rotina da escola.
Ressalto que sempre procurei pautar minha prática docente na importância de se
reconhecer que a capacidade do ser humano de aprender ao longo da vida não deve
esvanecer. Sentia no cotidiano a já citada tensão que Barcelos (2012) aponta entre as
praticas instituídas e as práticas instituintes, pois, no CEJA, existia espaço e tempo para
criar uma alternativa para o aluno ir além do trinômio: pega o módulo, estuda e faz
prova. Assim, com esse intuito faz parte do projeto pedagógico da escola o incentivo a
atividades variadas, como palestras, idas a exposição e museus. Essas visitas estavam
pautadas no conteúdo programático de diversas disciplinas tanto do Ensino
Fundamental quanto no Médio. Foi na sala nove da escola que concentrava a maioria
dos professores das áreas de Humanas, como Sociologia, Filosofia e Geografia que
surgiram a maior parte das propostas dessas atividades. O resultado desse trabalho que
foi bastante prolífico nos anos de 2017, 2018 e 2019 compõe a última parte da minha
dissertação.
11
Logo no primeiro trimestre do ano de 2020 foi decretado pela Organização
Mundial da Saúde (OMS) que o surto do novo coronavírus (2019-nCov) constitui uma
Emergência de Saúde Publica de importância internacional e que posteriormente
estabeleceu o surto de Covid como uma pandemia global. Como reflexo dessa situação
se estabeleceu meios de “buscar soluções para implementar medidas de redução de
riscos à saúde, sem deixar ofertar a educação básica”, determina se que “as atividades
pedagógicas serão realizadas prioritariamente, através e mediação tecnológica ou a
partir de meios complementares a fim de garantir a manutenção do processo ensino-
aprendizagem” (Resolução n 5843, maio de 2020). Assim, a partir daquele momento a
escola migrava para os meios virtuais, e suspendia as atividades presencias.
No que tange ao CEJA Copacabana posso perceber até o presente momento que
a minha experiência como professora de História num ambiente virtual foi marcado por
três momentos distintos. Num primeiro momento, após a antecipação do recesso que
aconteceria no meio do ano, mantive apenas o contato com os alunos através da
Plataforma CEJA, apenas sanando dúvidas pontuais e estimulando que os alunos
continuassem os estudos. Num segundo momento resolvemos de forma coletiva, com os
outros professores da área de humanas, que iríamos elaborar atividades que valeriam
pontos até 3 pontos que seriam somados a nota da prova. De forma prática a equipe de
professores de História elaborou um roteiro de estudos para ajudar o aluno a estudar os
fascículos que estão disponíveis na própria plataforma. Contudo, existia por parte dos
alunos uma demanda grande pela aplicação de provas. Apenas realizar exercícios que
não permitam que eles avançassem nos módulos não estava sendo suficiente. Depois de
variadas considerações, mais uma vez de forma coletiva com os outros professores
passamos a aplicar provas online que permitiriam aos alunos ir avançando nos estudos.
Pesou nessa decisão o fato de ser perceber que ainda estávamos longe de uma solução
para a crise de saúde pública que se instaurava e muitos dos nossos alunos têm a
necessidade da certificação, seja por conta de trabalho ou para ingressar no ensino
superior.
Posto essa determinação a equipe de professores de História se deparou com
uma questão prática que seria definir que recursos poderíamos usar para aplicar essas
provas na própria plataforma. Nesse ponto tanto a direção quanto à coordenação nos deu
12
autonomia para que cada disciplina optasse pelo modelo de prova que mais lhe
conviesse. No caso de História levamos em consideração alguns aspectos: a qualidade
da internet que tínhamos à disposição, o que seria mais fácil para o aluno não em termos
de conteúdo, mas de execução de tarefa e ainda a idoneidade do processo.
Nessa busca por uma solução percebi a minha própria limitação e a dos outros
professores em operar na plataforma CEJA. Essa ferramenta pedagógica não era uma
novidade na nossa escola, mas sempre foi pouco utilizada tanto por parte dos docentes
quanto pelos próprios discentes. Fazendo uma pesquisa preliminar no sistema
acadêmico (SCA) da escola percebi que até meados de março a quantidade de
Atendimentos Virtuais que fiz foi mínima, menos de 2% dos meus atendimentos.
Importante explicar que quando professor acessa o SCA, existem quatro tipos de
atendimento possíveis no registro do aluno, o acolhimento, o atendimento virtual, a
oficina presencial e a orientação. O acolhimento é aquele momento no qual o aluno
ingressa na escola e é explicado o funcionamento da escola, já na orientação o aluno
pode sanar as dúvidas em relação ao conteúdo de forma presencial e individualizada e
as oficinas presencias englobam as atividades coletivas que acontecem de forma regular.
Ainda existe a opção de aplicar a prova de cada fascículo, mas essa é uma função que
normalmente é usada pelo professor responsável pela sala de avaliação. Nesse momento
de exceção os professores estão fazendo atendimentos virtuais, aplicando e corrigindo
provas.
Enfim a equipe de professores de História optou por usar o recurso de chat da
plataforma para disponibilizar a prova que é feita com hora marcada. O aluno abre a
prova e tem um tempo de 2 horas para realiza-la. Pedimos aos alunos que redijam a
prova de próprio punho, fotografem a prova e enviem para um e-mail criado pela equipe
de professores com essa finalidade. Assim, independente da qualidade da internet que o
aluno tiver a disposição acreditamos que ele conseguirá realizar a prova.
As provas estão sendo aplicadas desde o início de julho até o presente momento.
Um motivo de preocupação foi perceber a baixa procura por parte dos alunos. Em mais
uma pesquisa preliminar dessa vez comparando o mês de agosto de 2019 com o mês de
agosto de 2020 a quantidade de provas aplicadas caiu quase que pela metade, de 210
provas para 86 provas corrigidas. É claro que diversos fatores podem explicar esse
13
decréscimo que vão desde consequências econômicas do momento que estamos
passando, como inflação, perda de emprego, até mesmo a já citada exclusão digital.
Tendo em vista que a Deliberação n 384 de 01 de setembro de 2020 determinou
ao “o discente ou seu responsável legal, o direito a opção pelo ensino remoto que deverá
ser oferecido de forma regular pela rede ou instituição de ensino” (p.14). E esse mesmo
decreto normatiza que valerão como instrumentos virtuais de avaliação vídeos, notas de
áudio ou podcast e participação em fóruns específicos. Ou seja, percebe se que essa
situação de excepcionalidade deve se estender por mais algum tempo e que ao mesmo
tempo abre se espaço para novas ferramentas avaliativas.
Com esses dados preliminares pode se constatar que pelos nesse CEJA
específico a evasão está sendo acentuada. Isso preocupa, pois, estudos anteriores
apontam “que ocorre uma expressiva diminuição matrículas em quase todos os
municípios, apesar da evidencia de elevada demanda”. (Ventura, 2016, p. 1). Essa
diminuição no índice de matricula também acontece no universo dos CEJAS. De certa
forma, esse contexto pandêmico que vivemos evidencia a fragilidade da EJA, tornando
se fundamental refletir sobre práticas educacionais que garantam o direito a educação.
Esse direito não se restringe ao aspecto quantitativo, que seja facilitar o acesso a
escola, mas também e principalmente no aspecto qualitativo. Seria importante repensar
as práticas educativas, para que mesmo num ambiente virtual de aprendizagem, seja
possível investir na formação completa do educando.
CONCLUSÃO
O presente artigo apresentou experiência de uma professora de História numa
escola especifica da Rede CEJA localizada na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro
durante um contexto de pandemia. Durante esse período, como já visto, as atividades
escolares estão acontecendo apenas pelos meios virtuais. Como até o presente momento
não temos uma previsão de por quanto tempo essa situação irá se estender urge uma
reflexão sobre as nossas práticas como professores. E analisar como podemos garantir
não apenas o acesso do aluno ao universo escolar virtual, mas também proporcionar
uma formação qualitativa, que abarque a formação integral dele. Nesse cenário de
incertezas não sabemos que modelo de escola CEJA irá surgir. Esse artigo termna não
14
com respostas mas talvez apontando para algumas perguntas que merecem estudos
posteriores.
15
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARROYO, Miguel G. Passageiros da noite: do trabalho para a EJA: itinerários pelo
direito a uma vida justa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.
BARCELOS, Luciana Bandeira. O Ceja e a qualidade na Eja uma utopia possível? In:
Anais do I Seminário Internacional e I Fórum de Educação do Campo da Região Sul do
RS: Campos e cidade em busca de caminhos comuns, 2012, Pelotas – RGS. Disponível
em
http://coral.ufsm.br/sifedocregional/images/Anais/Eixo%2010/Luciana%20Bandeira%2
0Barcelos.pdf Acesso em 23 de maio de 2020
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www2.planalto.gov.br/. Acesso em: 10 de agosto de 2020..
_____Lei número 5692 de 11 de agosto de 1971. Disponível em
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-5692-11-agosto-1971-357752-
publicacaooriginal-1-pl.html Acesso em 15 de março de 2018.
_______. Ministério da Educação. CNE. Resolução CNE/CNB n° 1, de 05 de julho de
2000. Estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e
Adultos. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pceb011_00.pdf
CASTRO, Josélia Saraiva. O exame de madureza do sistema de ensino brasileiro.
1973. 153 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Departamento de Educação, PUC-
Rio, Rio de Janeiro, 1973.
Declaração de Hamburgo sobre a Educação de Adultos. V Conferencia Internacional
sobre a Educação de Adultos V CONFITEA. Disponível em:
http://forumeja.org.br/pi/sites/forumeja.org.br.pi/files/V%20Confintea%20Hamburgo%
201997.pdf . Acesso em 01 de agosto de 2020
DI PIERRO, Maria Clara. Notas sobre a redefinição da identidade e das políticas
públicas de educação de jovens e adultos no Brasil. Educ. Soc., Campinas, v. 26, n. 92,
p. 1115-1139, especial – out. 2005
DI PIERRO, Maria Clara e HADDAD, Sérgio. Escolarização de Jovens e Adultos. In:
Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n 14, p. 108-194, 2000. Disponível em
https://www.scielo.br/pdf/rbedu/n14/n14a07.pdf Aceso em 26 de junho de 2020.
FERREIRA, Amarildo Jr. e BITAR, Marisa. Educação e Ideologia Tecnocrática na
Ditadura Militar. In: Cadernos. Cedes, Campinas, vol. 28, n 76, p. 333-355, set. / dez.,
2008 Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v28n76/a04v2876 Acesso em 20
de janeiro de 2020
16
FERREIRA, Jorge e GOMES, Ângela de Castro. 1964: o golpe que derrubou um
presidente, pôs fim ao regime democrático e instituiu a ditadura no Brasil. Editora
Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2014.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia, saberes necessário à prática educativa.
Editora Paz e Terra, São Paulo, 2011.
FRIGOTTO, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva: um (re) exame das
relações entre educação e estrutura econômico-social capitalista. Ed. São Paulo: Cortez:
Autores Associados, 1984.
FUNDAÇÃO CECIERJ. Plano Pedagógico dos Centros de Educação de Jovens e
Adultos do Estado do Rio de Janeiro. Coordenação Acadêmica e Pedagógica da Rede
CEJA. Rio de Janeiro. 2017
GADOTTI, Moacir. Educação de Adultos como Direito Humano. In: EJA em Debate,
Florianópolis. Ano 2, Julho de 2013.
MONACO, Rosa. O Centro de Estudos Supletivos de Niterói: uma proposta de
educação para jovens e adultos (1976-1986). Dissertação (Mestrado em Educação),
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, São Gonçalo, 2017.
NICODEMOS, Alessandra. As juventudes na educação de Jovens e Adultos: Desafios
para o seu acesso e permanência em contexto conversador e ultraneoliberal do tempo
presente. In: Seminário do Laboratório de Investigação, Ensino e Extensão em
Educação de Jovens e Adultos. Políticas públicas e educação de jovens e adultos: entre
inquietações, retrocessos e resistências. Anais Eletrônicos. UFRJ. Faculdade de
Educação, 2019.
RIO DE JANEIRO. SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO. Resolução nº
5.843 de 11 de maio de 2020.
RIO DE JANEIRO. SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO. Resolução nº
4.673 de 16 de março de 2020.
RIO DE JANEIRO. SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO. Deliberação CEE
nº 384 de 01 de setembro de 2020.
ROSTAS, Márcia Helena S. Guimarães e ROSTAS, Guilherme Ribeiro. O Ambiente
Virtual de Aprendizagem (MOODLE) como ferramenta auxiliar no processo ensino
aprendizagem: uma questão de comunicação in MAYRINK, MF, SOTO, U. e
GREGOLIN, I.V. (ORGS), Linguagem e, educação e virtualidade , São Paulo, Editora
Unesp, 2009, págs 135 até 151. Disponível em:
http://books.scielo.org/id/px29p/pdf/soto-9788579830174-08.pdf Acesso em 17 de
agosto de 2020.
17
SOUZA, José Carlos de. EJA: de ensino supletivo à condição de um novo paradigma
para a educação no tempo presente. In SESC. Currículos em EJA: saberes e práticas de
educadores: Sesc Departamento Nacional, Pág. 24-37, 2011.
UNESCO. Conferência Internacional de educação de Adultos. Declaração de
Hamburgo: Agenda para o Futuro. CONFINTEA V. Brasília: SESI/UNESCO, 1999.
VENTURA, Jaqueline. A oferta de Educação de Jovens e Adultos de nível médio no
estado do Rio de Janeiro: primeiras aproximações. Revista Brasileira de Educação de
Jovens e Adultos, v 04, p 09-35, 2016.