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Medicina social Recursos humanos em atenção primária à saúde: Relato de uma experiência na seleção de agentes de saúde ANA MARIA ARATANGY PLUCIENNIK· Médica. Master in Public Health pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de Harvard. REGINA SUMIE ISHIDA Enfermeira em Saúde Pública. ÁGUEDA MARIA C.L DA COSTA Assistente Sociel. THEREZAJORDÃO c. MATIAR Nu tricionis ta. 1. O MUNICíPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS São José dos Campos é uma cidade industrial, situada no Vale do Paraíba, que nos últimos anos sofreu uma radical transformação. Sua população, que em 1970 era de cerca de 150 mil habitantes, dobrou nesses dez anos, chegando, atualmente, a cerca de 300 mil habitantes. O desenvolvimento de São José é um fenômeno de nossa época e este crescimento ocorreu com Q estabelecimento de empre- sas, principalmente multinacionais, no município. A cidade recebeu grande conti- gente de migrantes de várias regiões do país e também da zona . rural do município, sendo que hoje 94% da população se 'localizam na zona urbana. Trahalho realizado no Departamento Médi- co Oaontotôoico da Secretaria de Saúde e Promoção Humana da Prefeitura Munici- pal de São José dos Campos (Secretário: Or. Walcy Alves de Souza Lima). Diante disso, com o rápido pro- gresso da atividade econômica, pode-se considerar· São José um pólo industrial na exata acepção do termo. Por outro lado, o desenvolvi- mento da infra-estrutura básica da cidade não acompanhou o cresci- mento econômico. Por exemplo, um enorme déficit habitacional nas classes de renda mais baixa, alguns bairros não possuem rede dá água e a grande maioria deles não possui rede de esgoto. O sistema escolar de 1ç e2 Ç graus também se tornou insuficiente e até cerca de um ano atrás não havia atendimento de saú- de na periferia, onde se encontra a maior parte da população. 2. DEFINiÇÃO DE AGENTE DE SAÚDE Em primeiro lugar, é necessário definir o que chamamos de agente de saúde. No nosso caso de São José dos Campos, o agente de saú- de é uma pessoa polivalente, capaz de aplicar injeções, vacinas, fazer curativos, visitas domiciliares, edu- cação sanitária de um modo geral e mais particularmente de dar orienta- ção sobre saneamento básico e cui- dados com crianças e gestantes. Ele pode tratar algumas patologias sim- ples através de rotinas preestabele- cidas e deve ser capacitado a de- sempenhar um papel na organiza- ção da comunidade. É em relação a este último item - organização cornunitária - que acreditamos ser. o agente de saúde também um agente de mudança. E entendemos por mudança não modificação de hábitos alimentares ou de higiene, mas mudança num sentido· mais amplo. Faz parte de nossa expectativa que 'os agentes de saúde se envolvam em atividades que tradicionalmente estão fora da área de saúde, como a organização de hortas coletivas, cooperativa de JUNHO, 1982 6 VOL 42·• N? b alimentos, conscientização da comunidade sobre seus direitos como cidadãos e no trabalho, limpe- za de terrenos e áreas COmuns, rei- vindicação de escolas, de transporte adequado, saneamento básico, pavi- mentação, lazer, segurança etc. É nesse sentido que estamos pro- curando, dentro do período de for- mação dos agentes de saúde, dar- Ihes uma visão ampla das conexões entre os problemas de saúde de uma comunidade com sua situação real de vida, ou seja. suas condições de habitação, alimentação, trabalho. seçurança. lazer etc. Apesar de o programa do curso de treinamento dos agentes de saúde ser eminente- mente técnico (entenda-se aí proce- dimentos de enfermagem e noções elementares de anatomia, microbio- logia, clínica médica etc.). sempre que possível tentamos levantar dis- cussões sobre a situação de vida dos participantes e. de maneira oeral. sobre a situacão sócio-econô- ;;'ica da comunidade e do país. Aqui em São José estamos utili- zando o agente de saúde tanto em unidades avançadas de saúde (UAS - unidades pequenas. sem médi- co) como em unidades básicas de saúde (UBS - unidades maiores, com médicos). lsso.ocorre nas uni- dades novas da rede; nas antigas ainda temos tipos diferentes de pro- fissionais: atendentes e auxiliares de enfermagem. principalmente. mas nosso objetivo é. no futuro. tra- balJ1ar só com agentes de saúde. 3. SELEÇÃO DE AGENTES DE SAÚDE -INTRODUÇÃO Antes de começarmos a falar sobre a seleção. faz-se necessário esclarecer que a Prefeitura de São José dos Campos tem como meta a implantação de uma rede de atendi- mento médico primário que cubra todo o município. Assim. indepen- 39

Relato de uma experiência na seleção de agentes de saúde€¦ · sos grupos. coordenando-os e incen- aqueles que não foram aceitos tarn-tivando a participação de' todos. bérnrecebem

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Medicinasocial

Recursos humanos em atençãoprimária à saúde:

Relato de uma experiência na seleção de agentes de saúde

ANA MARIA ARATANGYPLUCIENNIK·Médica. Master in Public Healthpela Faculdade de Saúde Públicada Universidade de Harvard.

REGINA SUMIE ISHIDAEnfermeira em Saúde Pública.

ÁGUEDA MARIA C.L DA COSTAAssistente Sociel.

THEREZAJORDÃO c. MATIARNu tricionis ta.

1. O MUNICíPIO DE SÃO JOSÉDOS CAMPOS

São José dos Campos é umacidade industrial, situada no Vale doParaíba, que nos últimos anossofreu uma radical transformação.Sua população, que em 1970 erade cerca de 150 mil habitantes,dobrou nesses dez anos, chegando,atualmente, a cerca de 300 milhabitantes. O desenvolvimento deSão José é um fenômeno de nossaépoca e este crescimento ocorreucom Q estabelecimento de empre-sas, principalmente multinacionais,no município.

A cidade recebeu grande conti-gente de migrantes de váriasregiões do país e também da zona

. rural do município, sendo que hoje94% da população se 'localizam nazona urbana.

Trahalho realizado no Departamento Médi-co Oaontotôoico da Secretaria de Saúde ePromoção Humana da Prefeitura Munici-pal de São José dos Campos (Secretário:Or. Walcy Alves de Souza Lima).

Diante disso, com o rápido pro-gresso da atividade econômica,pode-se considerar· São José umpólo industrial na exata acepção dotermo. Por outro lado, o desenvolvi-mento da infra-estrutura básica dacidade não acompanhou o cresci-mento econômico. Por exemplo, háum enorme déficit habitacional nasclasses de renda mais baixa, algunsbairros não possuem rede dá águae a grande maioria deles não possuirede de esgoto. O sistema escolarde 1ç e 2Ç graus também se tornouinsuficiente e até cerca de um anoatrás não havia atendimento de saú-de na periferia, onde se encontra amaior parte da população.

2. DEFINiÇÃO DE AGENTEDE SAÚDE

Em primeiro lugar, é necessáriodefinir o que chamamos de agentede saúde. No nosso caso de SãoJosé dos Campos, o agente de saú-de é uma pessoa polivalente, capazde aplicar injeções, vacinas, fazercurativos, visitas domiciliares, edu-cação sanitária de um modo geral emais particularmente de dar orienta-ção sobre saneamento básico e cui-dados com crianças e gestantes. Elepode tratar algumas patologias sim-ples através de rotinas preestabele-cidas e deve ser capacitado a de-sempenhar um papel na organiza-ção da comunidade.

É em relação a este último item- organização cornunitária - queacreditamos ser. o agente de saúdetambém um agente de mudança. Eentendemos por mudança não sómodificação de hábitos alimentaresou de higiene, mas mudança numsentido· mais amplo. Faz parte denossa expectativa que 'os agentes desaúde se envolvam em atividadesque tradicionalmente estão fora daárea de saúde, como a organizaçãode hortas coletivas, cooperativa de

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alimentos, conscientização dacomunidade sobre seus direitoscomo cidadãos e no trabalho, limpe-za de terrenos e áreas COmuns, rei-vindicação de escolas, de transporteadequado, saneamento básico, pavi-mentação, lazer, segurança etc.

É nesse sentido que estamos pro-curando, dentro do período de for-mação dos agentes de saúde, dar-Ihes uma visão ampla das conexõesentre os problemas de saúde deuma comunidade com sua situaçãoreal de vida, ou seja. suas condiçõesde habitação, alimentação, trabalho.seçurança. lazer etc. Apesar de oprograma do curso de treinamentodos agentes de saúde ser eminente-mente técnico (entenda-se aí proce-dimentos de enfermagem e noçõeselementares de anatomia, microbio-logia, clínica médica etc.). sempreque possível tentamos levantar dis-cussões sobre a situação de vidados participantes e. de maneiraoeral. sobre a situacão sócio-econô-;;'ica da comunidade e do país.

Aqui em São José estamos utili-zando o agente de saúde tanto emunidades avançadas de saúde (UAS- unidades pequenas. sem médi-co) como em unidades básicas desaúde (UBS - unidades maiores,com médicos). lsso.ocorre nas uni-dades novas da rede; nas antigasainda temos tipos diferentes de pro-fissionais: atendentes e auxiliaresde enfermagem. principalmente.mas nosso objetivo é. no futuro. tra-balJ1ar só com agentes de saúde.

3. SELEÇÃO DE AGENTES DESAÚDE -INTRODUÇÃO

Antes de começarmos a falarsobre a seleção. faz-se necessárioesclarecer que a Prefeitura de SãoJosé dos Campos tem como meta aimplantação de uma rede de atendi-mento médico primário que cubratodo o município. Assim. indepen-

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denternente da existência ou não-da tros com a Comunidade e uma reu- vam uma redacão sobre o temareivindicação de urna unidade ·.deniãocja equipe de seiecão. ';'Me~ Bairro": .saúde numa determinada. com~ni7, . ··Na,p'ríméira'noí\égê/.~Jividades ',. ',Nà última. noite de atividades. nodade. a Prefeitura pode decidir p~la·'·, :nob?i rro;'a equipedekséleção "se: . ..ba i~~o'J,aze'n:ips"':,entrevistas .. indivi~criação d~yf)idaçJe.e é sq.,a'8ilr3ir.i.,'apresenta. explica o m9tivo desu.a .'duais,combS candidatOS; nasquais

'. da Ida aa:balrrodeurn~,córT]!S~~8>~~:prese.nça: o tfab:(l!J1Ç) éI);e/Qesenvo:I"ier,tamoscolher dádos sobre esco-~~"S,~~e~ãoOf~~ea POPOlãC:~-,t~7~J,·..~~ceO~ b~~~~S:':~~~"!~~'~I:~:.·..~t~~;~~~!~e.i~.~t:;o/i!isa~decr~:Çet?ded~~~~i~te~n6·~'~~I~~:C;·);;.~g'=/~;:P;fPJ1~~o~f:~;J~i1:od~~~:~,'.·.·.· 'ónd.e ·•.ten·tan1bs·obter,a .•..é!vali·ação.dopela população dos bairros. a~ésilr~.. IhainàUnidáde.'deSaÓdé. Depois' orlipoa respeitodométqció de sele-de saber-se que em muiias comlJr1i:':diss,h:é apreseJ\úidaünia sé~ie pé.çãb utifizado.Em seguida é aplicadodades outras necessidades se rnarn- $Iid.é"$ cornios quaís:séprEltend~ um socioçrama aos candidatos:{estam Como de maior pnonda.de;iev<fntar questões que dizem iespei- Cada um deles é solicitado a indicartais como a criação de redes .de,.toaÓsfàforesrelacionados à saúde por escritotr~{pessqas.· entre oságua e esgotO e escolas Ouvimos" v' 'da$>pessoas.Comogeralmente . há, 'presentes. CZ~~os quáís gostaria devárias vezes o seguinte comentário orande número de participantes . trabalhar. , . '.. 'da população: "Um posto de saúde . nessa primeira noite. deixamos a·' Finalmente. no último dia davai ser muno bom; mas o que precr- discussão destas questões aberta a semana. a comissão de seleção sesamos mesmo é de água". todos os interessados. independen- reúne para a avaliação das ativida-

te de serem candidatos ou não ao des de toda .a semana .e escolhatrabalho na unidade. Os presentes . definitiva dos candidatos. Possíveissão divididos em grupos. sendo que. suplentes são também selecionadosem cada um. éeleíto um relator. para'o caso de' desistência, ouque no final dos trabalhos contará ampliação do quadro de funcioná,ao plenário as conclusões de seu' rios em futuro próximo,grupo. Os membros da equipe de .Os candidatos são avisados. por

. seleção se dividem entre os diver- carta. de sua escolha. assim comosos grupos. coordenando-os e incen- aqueles que não foram aceitos tarn-tivando a participação de' todos. bérnrecebem uma carta agradecen-

Na segunda noite no bairro pedi- do sua participação.mos que somente os candidatos aocargo de Agente de Saúde permane-çam .na reunião, São anotados osnomes e endereços e cada pessoarecebe um crachá com seu nome enúmero de inscrição. Em seguida.as pessoas são novamente divididasem grupos e um artigo de jornalC'Nossa saúde depende da vida quea gente leva") é distribuído para lei-tura. Um relator é eleito e. no finalda discussão. Juntam-se os grupospara a leitura das conclusões. Hásempre um membro da equipe deseleção em cada, grupo. de formaque nessa segunda noite cadamembro da equipe participa de umgrupo diferente daquele da primeiranoite. Após a discussão aplicamosum teste de matemática aos candi-datos.

Na noite seguinte voltamos aobairro e discutimos um outro artigode jornal ("Vila Palmares - AComunidade que deu certo"). Apósa leitura das conclusões dos grupos,pedimos aos candidatos que escre-

4. COMISSÃO DE SELEÇÃO DEAGENTES DE SAÚDE .

Nossa comissão de seleçãovariou em sua composição. Partici-param sempre uma assistentesocial. uma nutricionista. uma enfer~meira e uma médica sanitarista. queelaboraram o cronograma das ativi-dades nos vários bairros. Da sele-ção 'em si participaram tambémagentes de saúde antigos - é pre-ciso dizer que. quando dizemos anti-gos. queremos dizer apenas comalguns meses de casa. já que fize-mos as primeiras seleções em agos-to de 1980,

5. DIVULGAÇÃO DA SELEÇÃO DEAGENTES DE SAÚDE

Em cada bairro. na semana queprecedeu as reuniões. houve umadivulgação das atividades a seremrealizadas através de: cartazes. rá-dio. Igreja. SAB (Sociedade Amigosde Bairro). professores. CentroComunitário e bilhetes para alunosdas escolas. Nos cartazes eramescritos os requísitos necessários àseleção: morar no bairro. ser maiorde idade. saber ler e escrever. . .

6. SELEÇÃO PROPRIAMENTEDITA

A semana de seleção propria-mente dita consta de quatro encon-

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7. CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DEAGENTES DE SAÚDE

Em princípio. temos cinco eJe-mentos para análise: a participação.no grupo. a redação. o teste dematemática. a entrevista individual eo sociograma.

Em relação à participação no gru-po são levadas em conta as seguin-tes características positivas: 1)capacidade de compreensão domaterial fornecido para discussão;2) capacidade de elaboração a par-

• tir desse material; 3) facilidade deexpressão e coordenação dasidéias; 4) espírito crítico; 5) entu-siasmo pelo trabalho a ser realiza-do; 6) capacidade de falar e ouvir;7) cooperação com os outros mem-bros do grupo; 8) abertura a idéiasnovas; 9) capacidade de defendersuas idéias sem tentar impô-Ias; 10)espontaneidade. Quanto à redação.observamos: 1) o conteúdo; 2) acapacidade de apresentar as idéias'

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de uma forma coerente; e 3) a for-ma propriamente dita, ou seja, aortografia e a concordância grama-tical.

O teste de matemática é feitopara se observar se o candidatopossui um mínimo de conhecimentonessa área, o que será necessáriodurante o curso e a atividade profis-sional.

Na entrevista individual colhemosdados pessoais do candidato comoidade, estado civil. número de filhos'etc. Indagamos sobre seu grau deescolaridade e sobre cursos isoladosque porventura ele possa ter fre-qüentado. Também perguntamosdetalhadamente sobre experiênciasprofissionais anteriores. Nas primei-ras seleções que fizemos considera-mos a escolaridade alta e experiên-cia prévia em saúde como elemen-tos positivos num candidato. Pude-mos verificar que nem sempre issoera bom, podendo" mesmo ser preju-dicial. Além disso procuramos saberde sua participação na comunidade,seus gostos etc. Na entrevista esta-belece-se um relacionamento maisprofundo entre os candidatos e omembro da equipe de seleção, demodo que, desse diálogo, surgeuma possibilidade de se sentir ocandidato globalmente. Também,para os que tiveram uma participa-ção pequena no grupo, surge aoportunidade de se colocar de umaforma mais desinibida. Além disso,observamos o entusi.amo pelo tra-balho a ser desenvolvido, pela ativi-dade comunitária em si, a vontadede aprender coisas novas e dividiresses conhecimentos com os outrosmembros do bairro. Todas estascaracterísticas são consideradaspositivas:

No sociograma observamos aspessoas mais votadas, mais no sen-tido de confirmar uma escolha jáfeita com elementos anteriores, doque utilizá-Io em si como fatordeterminante de selecão.

De todos osinstr~mentos paraaaálise utilizados na seleção é aparticipação no grupo O mais impor-tante, ou seja, o que tem pesomaior. O teste matemático e a reda-ção, entretanto, podem ser conside-

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rados elimínatórios se o candidatonão apresentar um mínimo dedesempenho. Se esse desempenhofor razoável é novamente a partici-pação no grupo que determinará aclassificação. A entrevista é impor-tante para comprovar ou nãoimpressões causadas anteriormenteno grupo e, como já foi dito, darUma imagem global do candidato.Daí a entrevista apresentar tambémum peso alto. É preciso dizer aindaque os candidatos são tambémobservados fora dos elementos for-mais de seleção (grupos, entrevis-tas, teste). Aqueles que ajudam naarrumação do local e que, de umaforma ou de outra, demonstram uminteresse maior por tudo o que estáacontecendo no momento são con-siderados positivamente. .

8. IMPRESSÕES A RESPEITO DASELEÇÃO DE AGENTES DESAÚDE

Um fato ficou evidente: em todosos bairros que visitamos, a aceita-ção do trabalho da equipe de sele-

. cão pela comunidade foi boa. Emtodas as comunidades pudemossentir que os participantes gostarammuito da maneira como foram con-duzidas as reuniões. Chegou-se acriar mesmo uma relação afetivaentre os candidatos e a equipe deseleção. No primeiro bairro visitado,essa relação foi mais intensa. Acre-ditamos que pelo fato de estarmosmeio .spreensivos quanto à acolhidaque teríamos pela comunidade, anossa reatividade emocional estavaalta. Assim, nos demos muito, oque, de certa forma, fez com que aspessoas também se dessem muito.Essa vibração foi sentida por todos eexpressa verbalmente. Ouvimos decandidatos frases como:. "desdeque me casei, nunca me senti tãolivre", "foi maravilhoso discutir osnossos problemas com vocês"."vamos nos ver de' novo: até a inau-guração da Unidade de Saúde" etc.

Nas outras comunidades que seseguiram, à medida que adquiría-mos uma certa desenvoltura aolidar com os participantes (e tam-bém nos cansávamos fisicamente

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pelo intenso trabalho) diminuiu umpouco a relação afetiva. Mas conti-nuou a haver um interesse grandede nossa parte por cada pessoa. E,em outros bairros, houve a necessi-dade sentida pelos participantes deinão deixar morrer o clima de díscus-.são criado nas reuniões. A motiva-Ocão inicial para grande parte dosparticipantes foi, sem dúvida, o pos-sível vínculo empregatício com aPrefeitura e o salário. Mas acredita-mos que, à medida que os trabalhosse realizavam e as pessoas se envol-viam, os fatores citados inicialmentepassavam a ser secundários. Embairros onde o poder aquisitivo eramaior, surgiram várias pessoas quemanifestaram o desejo de colabo-rar conosco voluntariamente.

Um outro ponto que é precisolevantar é o que toda a equipe este-ve extremamente motivada e entu-siasmade' com o trabalho realizadoe que esse entusiasmo foi sentido eabsorvido pela população. Por parteda equipe houve um aprendizadomuito arande da realidade dos bair-ros pe~féricos de São José. Apesarde conhecermos as condições devida dos cidadãos, o contato diáriocom essa realidade nos assustou.

As necessidades mínimas desobrevivência muitas vezes .não sãosatisfeitas. Em um bairro particular-mente carente, pudemos sentir odesespero das pessoas e o senti-mento de impotência que as domi-na. Algumas mulheres quase chora-ram ao discutir seus problemas nosgrupos. Some-se a isso a revolta.que causou o assassinato de umparticipante da reunião. Foi. assalta-do e morto com uma facada a 20metros de distância do local onderealizávamos os grupos. Precisamosdizer ainda que em todos os bairrosocorreram pedidos de contrataçãopor pessoas de alguma forma liga-das a indivíduos consideradosinfluentes. Nenhuma das pessoasindicadas preenchia os critériosestabelecidos por nós durante aseleção e não foram portanto sele-cionadas. Em relação a este fato, osagentes de saúde mais antigos nosdisseram que foram participar dasreuniões de seleção só por curiosi-

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dade Nenhum deles acreditavaque seria escolhido por não possuir"cartucho Depois da primeira reu-nião, entretanto, sentiram que ascoisas poderiam ser diferentes des-sa ve: e que tinham alguma chance.permanecendo então até o final daseleção.

Um fato que pudemos observarnas nossas ctllninh·adas pela pérife-ria de São José é que as comunida-des estão inuito pouco organizadas.O que existe são alguns rnovirnen-:tos ligados à Igreja com atividadesassistenciais além das atividadesreliQiosas e Sociedades Amigos deBairro, pouco expressivas, muitasvezes mesmo desconhecidas damaioria das pessoas do bairro emuito dependentes da Prefeitura.

Por fim, uma dificuldade nossa foivencer o cansaço físico imposto porquase dois meses de trabalho inin-terrupto de seleção. Consideramosque o plariejamento das próximas·vezes deva obedecer a um esquemade semanas alternadas, o que trariabenefícios, não só por não causarcansaço físico aos membros dacomissão de seleção, mas tambémpelo desgaste que as pessoas sen-tem em realizar, seguidas vezes, amesma tarefa, o que de certa formatorna rotina uma coisa que não épara o ser. Consideramos, porém,que nosso trabalho se desenrolou acontento até o seu final. dada amotivação que a equipe sentia emrealizá-to.

Embora, na maioria das vezes,tenhamos podido identificar os ele-mentos mais entusiastas e maiscapazes de levar adiante um traba-lho de agente de saúde, acredita-mos que o ideal seria que a comuni-dade tivesse voz ativa na seleção deseus agentes. Infelizmente, devido àinexistência de organização comuni-tária - ou existência apenas deentidades pouco representativas epraticamente desconhecidas - fez-se necessária uma comissão deselecão formada por elementosexclusivamente da Prefeitura.

9, TREINAMENTO DOS AGENTESDE SAÚDE

Depois desse processo de sele-ção, os agentes escolhidos, já contratados, participam de um treina-mento de mais ou menos 360horas de dur acão. Esse curso é teó-rico e prático 'e nele atuam profes-sores ou membros do Departamen-to Médico e Odontológico da Prefei-tora e alouns convidados de foraApós eSSE;período inicial os agentesde saúde começam suas atividadese se reúnem semanalmente paradiscussão de casos, problemasencontrados, reciclagem e treina-mento em técnicas de dinâmica deorupo e relacionamento interpes-soa/. Nessas reuniões semanais sãotambém lidos e discutidos artigosde jornal que relatam experiênciasde movimentos comunitários. E pre-ciso notar que as reuniões contri-buem para manter a coesão e oentusiasmo dos agentes de saúdeque durante os outros dias encon-trem-se isolados nos diversos pon-tos da cidade

10, OS AGENTES DE SAÚDEAGORA

Apesar do pouco tempo que osaoentes de saúde estão trabalhandoe;;' nossas unidades. podemos dizerque, de uma maneira geral. estamossatisfeitos com o seu desempenhoPrincipalmente quando compara-mos as unidades antigas (com aten-dente e auxiliar de enfermagem)com as novas, podemos sentir adiferenca. É evidente que se usar-mos cr(térios de avaliação como nú-mero de atendimentos, número deinjeções ou curativos realizados etc..a unidade 'ântiga vai apresentar umnúmero maior, inclusive por sermais conhecida da população. Masqual o significado do número deatendimentos? Será que a popula-cão no bairro com maior número deatendimentos está em melhorescondicões de saúde do que a dobairro' vizinho? .Provavelmente não.

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É principalmente quando compara-mos características dificilmentequantificáveis. como entusiasmo,interesse real pelas pessoas atendi-das, criatividade, espírito comunitá-rio etc. que vemos que os agentesde saúde levam grande vantagemsobre os profissionais que tradicio-nalmente atuam nessa área.Enquanto que nas unidades antigashá sempre disputa pela liderança eambiente de trabalho "pesado", nasunidades novas. se há algum líder.esse surge naturalmente, o trabalhoé feito em conjunto, com rotativida-de das tarefas. Atividade como for-mação de grupos de mães, gruposde gestantes e teatrinhos educati-vos para as crianças já se estãodesenvolvendo em uma das unida-des novas, apesar de só estar emfuncionamento há dois meses.Inclusive o taajrinho (onde as crian-cas representam as vacinas) vai serapresentado na Igreja e em váriasescolas do bairro - tudo por inicia-tiva exclusiva dos agentes de saúdedaquela unidade.

Para finalizar, queremos contar oque ouvimos de uma agente de saú-de dias atrás. Ela disse: "Estou mui-to entusiasmada e quero trabalharbastante. Eu sei que não ganhopor produção; na fábrica, onde agente ganha por produção, quantomais eu trabalho, mais eu encho obolso do patrão Aqui, quanto maiseu produzir. mais eu estou servindoo povo"

Agradecimentos - Queremos agra-clecer ao Dr Sebastião de Morais,ex-diretor da Secretaria de Saúde daPrefeitura Municipal de Csmpines.que muito nos incentivou. fornecen-do importantes subsídios para arealizaçã.o desse trabalho.

Endereço da autora:ORA ANA MARIAA PLUCIENNIKHospual de Clínicas da UERJClínica Médica - 39 andarAv. 28 de Setembro, 77 - Vila Isabel20551 - Río de Janeíro - RJ

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