77
Universidade de São Paulo Escola de Comunicações e Artes Departamento de Artes Visuais - CAP Relatório final Bolsa PIBIC CNPQ Período: fevereiro de 2011 a agosto de 2011 ____________________________________ Orientadora: Profª Drª Sumaya Mattar ________________________________ Bolsista: Agnello Augusto de Assis Vieira Nº USP: 5544288 São Paulo Agosto de 2011

Relatório final - eca.usp.br · 1 Tratam-se das disciplinas Metodologias do Ensino das Artes Visuais com Estágios Supervisionados II e Metodologias do Ensino das Artes Visuais com

  • Upload
    lamanh

  • View
    217

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Universidade de São Paulo

Escola de Comunicações e Artes

Departamento de Artes Visuais - CAP

Relatório final

Bolsa PIBIC – CNPQ

Período: fevereiro de 2011 a agosto de 2011

____________________________________

Orientadora: Profª Drª Sumaya Mattar

________________________________

Bolsista: Agnello Augusto de Assis Vieira

Nº USP: 5544288

São Paulo

Agosto de 2011

2

Sumário

Introdução 04

1- Os primórdios da fotografia: os precursores 08

1.1 - Nicéphore Nièpce e o desenvolvimento de uma escrita do sol 09

1.2 - Louis Daguerre: a primeira patente fotográfica 10

1.3 - William Talbot: a persistência no papel 11

1.4 - Hercule Florence e a fotografia no Brasil 12

1.5 - Breve histórico 13

2- Fotografia: uma arte mecânica 15

3- O que vemos ao contemplar imagens técnicas não é ‘o mundo’,

mas determinados conceitos relativos ao mundo: o ritual e a magia da

fotografia 19

4- O mundo existe para ser fotografado 22

4.1 Um problema educacional e fotográfico 24

5- A experiência como estrutura 27

6- Uma vela que acende a outra 31

6.1- Uma escola de bairro 31

6.2- Uma escola de centro 34

6.3- Um professor universitário 36

6.4- Onde está o professor? 37

7- Conclusão 40

3

8- Referências 42

9- Bibliografia 43

10- Anexos: fichamentos de leituras

Anexo I

Anexo II

Anexo III

Anexo IV

Anexo V

Anexo VI

Anexo VII

Anexo VIII

Anexo IX

Anexo X

Anexo XI

4

Introdução

Este texto partiu, inicialmente, da tentativa de compreender como a fotografia

poderia ser usada na escola pública. Participamos de duas experiências no âmbito

do estágio supervisionado do curso de licenciatura em Artes Plásticas duratne as

quais este problema foi sendo formulado, ocorridas no primeiro e no segundo

semestres de 2010. Ambas as experiências estavam sob a coordenação da Profª

Sumaya Mattar, orientadora deste trabalho.1

Na primeira disciplina, a partir de uma parceria com a Escola Estadual Profª

Clorinda Danti, os alunos de licenciatura realizam um estágio de regência com

estudantes das primeiras séries do ensino fundamental, com a duração de um

semestre, acompanhados pela docente. A segunda disciplina vincula-se ao curso de

extensão Vivências com a arte para jovens e adolescentes, coordenado pela mesma

professora, desenvolvido no Departamento de Artes Plásticas, desde o início de

2010. Nela, os alunos também realizam um estágio de regência com a duração de

um semestre com jovens e adolescentes de 13 a 18 anos.

No contato com os alunos de 4ª série do Ensino Fundamental e participantes

do projeto de extensão “Vivencias com arte para jovens e adolescentes”, percebeu-

se um interesse pela fotografia, assim como uma presença desta linguagem em

seus cotidianos, mais acentuadamente do que a de outras linguagens artísticas. Até

então, a fotografia só aparecia como registro das aulas. A análise dos registros

fotográficos evidenciou o gosto dos alunos em serem fotografados, ao mesmo tempo

que se observava a curiosidade deles em compreender a técnica.

Ao se pensar em como a fotografia poderia fazer parte da escola se não como

registro, foram encontradas alguns desafios e hipóteses. Ensinar a técnica

fotográfica, ainda que sem um espaço próprio para isto; não transformar a técnica

fotográfica na única finalidade do curso, mas em um meio para acessar a arte e

utilizar a fotografia como mote para a discussão de assuntos relacionados à

sociedade e como meio para os alunos trabalharem a sua subjetividade foram

alguns deles.

1 Tratam-se das disciplinas Metodologias do Ensino das Artes Visuais com Estágios Supervisionados

II e Metodologias do Ensino das Artes Visuais com Estágios Supervisionados IV, do curso de licenciatura em Artes Plásticas da Escola de Comunicações e Artes.

5

Baseados no problema: “como a fotografia poderia ser usada como linguagem

a fim de o aluno expressar-se e/ou dar significação à sua presença no mundo?”,

pensou-se em configurar uma prática educativa que pudesse não só responder a

essa questão, mas também contemplar a presença de um professor-artista no

espaço educativo, ou seja, na aula de arte.

A pesquisa foi desenvolvida em duas etapas. A primeira, ocorrida no período

de agosto de 2010 a fevereiro de 2011, voltou-se para o aprofundamento dos

conhecimentos teóricos específicos sobre fotografia, aí incluídos seus primórdios, no

século XIX, e seus precursores, além de algumas questões de ordem filosófica e

conceitual, como a delicada relação entre arte e fotografia e entre essa e os meios

de comunicação de massa. Com este objetivo foram lidos e fichados os seguintes

textos, na ordem que se apresentam:

Fabris, Annateresa. Fotografia: usos e funções no século XIX. São Paulo: Edusp,

1991;

Chiarelli, Tadeu. “A fotomontagem como „introdução à arte moderna‟: visões

modernistas sobre a fotografia e o surrealismo”. In ARS: Revista do Departamento

de Artes Visuais. Ano 1, nº 1, 2003;

Barthes, Roland. Câmara clara. Lisboa: Edições 70, 1980;

Benjamim, Walter. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”. In Magia

e Técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo:

Brasiliense, 1994;

Benjamim, Walter. “Pequena História da Fotografia”. In Magia e Técnica, arte e

política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994;

Flusser, Vilém. A filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da

fotografia. Rio de janeiro: Relume Dumará, 2002.

Além das leituras, neta etapa, foram realizadas outras atividades importantes

para os estudos e as reflexões relacionados à pesquisa. Estas atividades foram: a

participação no V Seminário Arte, Cultura & Fotografia, ocorrido no período de 08 a

12 de novembro de 2010, no auditório do MAC-USP, e a mesa-redonda “Fotografia

e Arquitetura: Interações”, realizada na FAU, no dia 11 de novembro de 2010, por

ocasião da exposição dos trabalhos dos alunos. Esta mesa contou com a

participação de quatro fotógrafos, entre eles, o professor João Musa, docente do

Departamento de Artes Plásticas, cuja fala foi especialmente importante para a

pesquisa.

6

Outra atividade da qual participamos, desta vez como aluno professor, foi o

curso de extensão “Vivências com arte para jovens e adolescentes”, já citado,

durante o qual pudemos ter um primeiro contato com esta faixa etária, pois até então

havíamos trabalhado apenas com crianças. Tivemos oportunidade de participar de

uma equipe interdisciplinar composta por licenciandos de artes plásticas, música e

artes cênicas, além de um aluno PAE. Esta equipe, sob orientação da Profª Sumaya

Mattar, planejou e realizou propostas educativas com os participantes.2

A segunda fase da pesquisa compreendeu atividades relacionadas ao campo

da arte e da educação, entre as quais, o aprofundamento sobre a abordagem

triangular e a utilização de imagens nas aulas de arte, a análise crítica da proposta

curricular para o ensino de arte nas escolas estaduais de São Paulo, o estágio de

observação de professores de escolas públicas e o contato com pensamentos

filosóficos sobre a educação e a arte, sobretudo através de um contato com a

experiência de Eugen Herrigel, que nos fez perceber a importância de uma

pedagogia artesã. As referências que nos serviram de base de estudo foram os

seguintes:

Barbosa, Ana Mae. A imagem no ensino da arte: anos oitenta e novos tempos. São

Paulo: Editora Perspectiva, 1999;

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN – Ensino Médio: Linguagens, códigos e

suas Tecnologias, Artes);

Proposta Curricular do Estado de São Paulo: Arte. São Paulo: SEE, 2008;

Richter, Ivone Mendes. Interculturalidade e estética do cotidiano no ensino das artes

plásticas. Campinas: Mercado de Letras, 2008;

Herrigel, Eugen. A arte cavalheiresca do arqueiro zen. 22ª ed. SP: Editora

Pensamento, 2007

Buti, Marco. Ir, passar, ficar. Tese de doutorado. São Paulo: USP, 1998.

Musa, João. Viagem a uma terra desconhecida. Dissertação de Mestrado. São

Paulo: USP, 1990.

2 Além dos alunos do curso de Licenciatura em Artes Plásticas que se matriculam na disciplina

Metodologias do Ensino das Artes Visuais IV, o curso de extensão conta com a participação de três

bolsistas do Programa Aprender com Cultura e Extensão, da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da

USP, um de cada curso de licenciatura da ECA, a saber: artes plásticas, artes cênicas e música, o

que tem favorecido o início de uma abordagem multi e interdisciplinar do ensino da arte.

7

Nesta fase da pesquisa, além das leituras, foram realizados dois estágios

vinculados às disciplinas de POEB (Política e organização da Educação Básica no

Brasil) e Didática lecionadas na FE-USP (Faculdade de Educação da USP), nas

escolas EE Prof. João Ramacciotti e EMEF Carlos de Andrade Rizzini, localizadas

respectivamente, no bairro de Artur Alvim e Santo Amaro, em São Paulo.

Estes estágios nos permitiram uma troca de experiencias com as professoras

de artes destas escolas, assim como o contato com duas realidades escolares

diferentes, além da possibilidade de, como parte da preparação da etapa prática da

pesquisa, ministrar uma aula para alunos do Ensino Médio.

Concomitante às leituras e aos estágios, houve uma intensificação da nossa

produção artistica no campo da fotografia, a qual culminou em nossa participação na

exposição “Mostra e Visualidade Nascente 2011”, onde expusemos três fotografias.

Esta produção evidenciou o nosso processo pessoal de criação, em que os

conflitos, problemas e construções do artista servem de anteparo e inspiração para o

professor e vive-versa. Nesta conversa, duas formas de pensar podem se apoiar

concomitantemente, produzindo um novo conhecimento permeado pela experiencia

e pelos saberes do professor e do educador.

O contato com a produção artistica pessoal, os estágios e as leituras foram

também complementados pela participação no “Grupo Multidisciplinar de Estudo e

Pesquisa em Arte e Educação”, do Departamento de Artes Plásticas, coordenado

pela Profª Drª Sumaya Mattar, para o qual se produziu um artigo para a discussão

em grupo, que está sendo finalizado. Este artigo, mais tarde fará parte de uma

publicação, junto com os demais trabalhos dos participantes do grupo.

Após estas experiências, o nosso próximo passo será a realização de um

curso de fotografia voltado a estudantes do ensino médio da Escola de Aplicação da

FE-USP, a ser desenvolvido no contraturno da escola, por meio do qual

pretendemos encontrar caminhos para o desenvolvimento de nossas hipóteses:

Ensinar a técnica fotográfica ainda que sem um espaço próprio para isto; não

transformar a técnica fotográfica na única finalidade do curso, mas em um meio para

acessar a arte, e encontrar na fotografia um mote para a discussão de assuntos

relacionados à sociedade e um meio para que os alunos trabalhem a sua

subjetividade.

Além de planejar aulas nas quais a fotografia seja trabalhada como liguagem

artistica, este momento da pesquisa envolve um segundo problema: como o

8

professor pode usar a fotografia enquanto linguagem artistica, tendo em

consideração, como professor a figura do mestre de arquearia, tal qual trabalhada

por de Herrigel ( em A arte cavalheiresca do arqueiro Zen), ou seja, como aquele

que acompanha o aluno trabalhando juntamente dele?

1- Os primórdios da fotografia: os precursores

A fotografia nasce de uma sucessão de experimentos realizados em locais

distintos com o interesse de fixar as imagens observadas pela câmara escura3, que

segundo Walter Benjamim4, tem como origem as câmaras escuras do século XV.

Mesmo sendo antigo o conhecimento sobre a capacidade de determinadas

substâncias reagirem à luz, ele era insuficiente para que se obtivesse uma imagem

fotográfica5. O material sensibilizado a ponto de uma imagem aparecer podia ser

conseguido, mas o mesmo não conseguia ser estabilizado para que não continuasse

a reação à luz, que fazia a imagem deixar de existir com o tempo. Claro que todo o

material reage à luz, porém, a questão era tornar algo altamente sensível à luz em

algo pouco sensível, sem perder determinadas propriedades, ou seja, a imagem

registrada em tal material.

A fotografia, enquanto registro da luz, é uma busca cientifica. Essa busca se

propaga quando o fotógrafo percebe que a luz é manipulável segundo a sua

vontade, ou seja, quando percebe que o jogo da fotografia é dizer o que se quer sem

que isto seja apenas uma vontade implantada no autor pela própria cultura que

gerou a técnica fotográfica, quando percebe que a fotografia pode ser um meio de

arte. Neste ponto, chegamos ao século XIX, onde alguns personagens, de formas

diferentes, alcançaram a fixação da imagem fotográfica, as quais foram importantes

ou pelo avanço técnico que permitiram ou por questões históricas. Independente

disto, eles demonstram não só o caráter variado que a fotografia possui como

também a vontade de se querer alcançá-lo.

3 A câmara escura pode ser exemplificada como uma caixa vedada da luz, mas com um orifício em

uma de suas paredes pelo qual penetra luz. Essa luz acaba por chegar à outra parede, nesse ponto é posto um papel transparente que também possa ser visto do lado de fora e pelo qual possa ser vista uma imagem. Este objeto é semelhante a uma câmera fotográfica. 5 Benjamim, Walter. “Pequena História da Fotografia” in Magia e Técnica, arte e política: ensaios

sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. 5Salles, Felipe W. Breve História da Fotografia. texto publicado em:

http://www.mnemocine.art.br/index.php?option=com_content&view=article&id=108:histfoto&catid=46:fotohistoria&Itemid=68, em Setembro de 2008. Acesso em: 10 jan 2011.

9

1.1 - Nicéphore Nièpce6: e o desenvolvimento de uma escrita do sol7

Niépce. Vista de sua janela em Le grás. 1827. Heliografia.

Coleção Gernsheim, Humanities Research Center, University of Texas 8

Nièpce nasceu na França, em 1765, onde seguiu a carreira militar. Porém,

realizava experiências como cientista amador com seu irmão, Claude, nas quais,

dedicando-se a mecânica, pode criar um motor a explosão em 1815.

Seu maior interesse era a busca por um registro visual. Essa busca o fez

perseguir a descoberta de técnicas reprográficas. Apesar de realizar assim alguns

avanços quanto à litografia, seu interesse maior, era o de registrar as imagens da

câmara escura.

No começo do século XIX, conseguiu fixar uma imagem usando betume da

Judéia. Nessa técnica, o betume é misturado a óleo de lavanda (um solvente), que

ao contato com a luz, não consegue dissolver o betume, permitindo que as partes

não expostas possam ser removidas, gerando uma imagem. Contudo, esse

experimento foi considerado um fracasso pelo seu autor, pois a imagem era

rudimentar.9

6 Salles, Felipe W. Breve História da Fotografia.

http://www.mnemocine.art.br/index.php?option=com_content&view=article&id=108:histfoto&catid=46:fotohistoria&Itemid=68. Acesso em: 10 jan 2011, p. 8-9. 7 Este seria o significado para o nome Helio grafia.

8 Coleção Gernsheim, Humanities Research Center, University of Texas, Austin. Newhall, Beaumont

The history of photography. New York: The museum of modern art, 1982. p. 15 9 Nessa técnica, a substância utilizada (o betume) é pouco sensível, a ponto de a placa ter ficado

para ser sensibilizada por oito horas, como podemos ver ao reparar que há incidência de luz em ambas as paredes mostradas na imagem. Quanto à nitidez, ela é difícil de se ver, pois precisa de uma luz particular e de ser vista sob um determinado ângulo. Contudo, sua aparente nitidez é resultado de tratamentos realizados para reproduzir a imagem em 1952, com a ajuda da Kodak. In Newhall, Beaumont. The history of photography. New York: Museum of Modern Art, 1982, p. 15.

10

A imagem obtida tinha pouca nitidez e o processo, em si, era muito lento. No

entanto, a experiência realizada com o betume da Judéia e a tentativa de emulsionar

placas de metal com o betume renderam a técnica da Heliografia, que se realizava

por contato10.

1.2 - Louis Daguerre: a primeira patente fotográfica11

Daguerre. Paris Boulevard, 1839. Stadtmuseum, Munique12

Daguerre era um francês que utilizava a câmara escura para a pintura. Por

algum motivo, desenvolveu o interesse pela fixação da imagem gerada pela câmara

escura, o que o levou a entrar em contato com Nièpce. Ambos tinham o interesse de

fixar essas imagens, no entanto, Daguerre se interessava em fazê-la com qualidade,

sem se preocupar se esta seria ou não reproduzível. Em 1829, eles firmam

sociedade a fim de procurarem juntos por uma solução do problema, porém, Nièpce

morre quatro anos após a sociedade ser firmada.

Sozinho nessa busca, Daguerre procura criar uma imagem mais nítida que as

de Nièpce, usando para isso, placas de cobre e prata. Contudo, ele não possui

10

Um registro fotográfico por contato é o ato de juntar duas folhas. Uma que é o negativo, onde se contém a imagem a ser gravada e outra uma folha sensibilizada com algum produto foto sensível. A imagem fica em contato com a região sensível da outra folha, e elas são expostas à luz. 11

Salles, Felipe W. Breve História da Fotografia. http://www.mnemocine.art.br/index.php?option=com_content&view=article&id=108:histfoto&catid=46:fotohistoria&Itemid=68. Acesso em: 10 jan 2011, p. 9-11. 12

In Newhall, Beaumont. The history of photography. New York: Museum of Modern Art, 1982. p. 16.

11

interesse em criar uma imagem que fosse reprodutível, então abandona alguns dos

avanços de seu ex-sócio, o que acabou por levá-lo ao daguerreótipo, patenteado em

1839.

O daguerreótipo consiste em uma placa de prata sensibilizada com vapores

de iodo, exposta à luz na câmara escura. A sensibilização dura por volta de vinte a

trinta minutos e a fixação é feita com cloreto de sódio.

A imagem obtida através do processo é mais nítida que as imagens obtidas

em papel por Talbot e por Nièpce. No entanto, ela não pode ser reproduzida. Mesmo

com este detalhe, Daguerre patenteia a sua descoberta e o governo francês lhe

paga um ônus, a fim de poder divulgar a invenção. Alguns inventores, após esta

divulgação, tentam se apresentar como sendo os primeiros a descobrir a fotografia,

como é o caso de Talbot, mas num primeiro momento não são reconhecidos.

1.3 - William Talbot: a persistência no papel13

H. Fox Talbot. Lacock abbey em Wiltshire.

14

Talbot pesquisou como fixar imagens, na Inglaterra e como todos os

pesquisadores até então, sofreu com o problema da fixação. Porém, ao contrário de

Daguerre, ele visava que a sua técnica pudesse ser reproduzível, fazendo-o

13

Salles, Felipe W. Breve História da Fotografia. http://www.mnemocine.art.br/index.php?option=com_content&view=article&id=108:histfoto&catid=46:fotohistoria&Itemid=68. Acesso em: 10 jan 2011, p. 11-13. 14

In Talbot, William Henry Fox. Pencil of nature. Londres: Longman, Brown, Green e Longmans, 1844. p. 43.

12

prosseguir com os experimentos com papel, ao invés de seguir o caminho do outro,

mesmo conhecendo os experimentos de Nièpce.

Em 1841, ele patenteia o calótipo ou talbotipo após conseguir um modo de

fixação da imagem. Porém, a sua técnica ainda deixava um pouco a desejar quanto

à nitidez. O calótipo consiste em um papel sensibilizado com nitrato de prata e ácido

gálico exposto a luz através da câmara escura por cerca de vinte minutos. Após

isso, a fixação ocorre com hipossulfito de sódio, resultando em uma imagem

negativa que, por contato em uma folha semelhante, gera uma cópia (seguindo o

processo descrito).

Apesar de seus avanços com o papel serem importantes no desenvolvimento

desta maneira de produzir fotografias e na consequente substituição da

daguerreótipia pelo uso de papel, o calótipo tem pouca nitidez e definição

comparado ao daguerrótipo, o que o fez não ser bem visto na época. Mesmo assim,

o passo dado com a técnica é importante, pois, o uso do papel predomina na

fotografia até hoje.

1.4 Hercule Florence e a fotografia no Brasil

Florence, Hercule. Etiquetas de farmácia. 1833. Coleção Arnaldo Machado Florence.

15

Hercule Florence foi um francês que viveu entre 1824 e 1879 na vila de São

Carlos (atual Campinas). Desenhista e tipógrafo, resolveu investigar materiais

fotossensíveis e um novo método de impressão, pois em São Paulo havia apenas

15

A imagem e as informações referentes a Hercule Florence foram extraídas do artigo de Neldson Marcolin, “Caminhos paralelos” in Revista de Pesquisa FAPESP. São Paulo, edição Nº 150, Agosto de 2008. http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=3599&bd=1&pg=1&lg=. Acesso em: 15 jan 2011, p. 1.

13

uma tipografia. Começou por utilizar sais de ouro e na falta de amônia como agente

fixador, utilizou sua própria urina, obtendo sucesso no processo, em 1833.

O alto preço do cloreto de ouro o fez utilizar nitrato de prata em seus

experimentos. Com os resultados que obteve, foi capaz de desenvolver um método

de impressão em que utilizava um vidro desenhado que funcionava como negativo e

era transferido para o papel através de cópias por contato.

O mérito de Florence reside no fato de ele ter conseguido descobrir o

procedimento fotográfico no Brasil, onde havia pouca informação e infra-estrutura

para isso, além de ter-se utilizado do vidro para tal. sendo esta uma técnica comum

apenas em 1851, com o colódio úmido.

Quando chega a noticia do daguerreótipo, em 1839, ele pára seus

experimentos e, em resposta ao jornal Phenix de São Paulo, diz: Não disputarei

descobertas a ninguém, porque uma mesma idéia pode vir a duas pessoas, porque

sempre achei precariedade nos fatos que eu alcançava, e a cada um o que lhe é

devido16.

1.5 - Breve histórico

Daguerre divulgou e patenteou primeiro a nova técnica, o que foi um sucesso

na Europa se pensarmos que em pouco tempo o daguerreótipo se tornou popular.

Ainda assim, até o fim do século XIX, em função de seu custo, a fotografia é

acessível apenas às camadas superiores da sociedade. Um operário, por exemplo,

demoraria certo tempo para contratar os serviços de um fotógrafo, como demonstra

Annateresa Fabris no livro: Fotografia: usos e funções no século XIX, no capítulo

referente ao circuito social da fotografia em Nápoles.

A fotografia passa rapidamente a competir, no mercado de retratos, com a

pintura, além de trazer muitos pintores para a profissão de fotógrafo. Segundo

Benjamim, em 1840, um grande número de pintores migra para fotografia em busca

do mercado em expansão que ela gera.17

16

Marcolin, Neldson. “Caminhos paralelos” in Revista Pesquisa FAPESP (versão on line da edição impressa 150, agosto de 2008). http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=3599&bd=1&pg=1&lg=. Acesso em: 15 de janeiro de 2011. 17

Benjamim, Walter. “Pequena História da fotografia” in Magia e Técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 97. Neste trecho ele comenta a migração de pintores de retrato em miniatura para o meio fotográfico, a principio parcialmente e mais tarde totalmente. p. 97.

14

Observando o cenário social que Fabris nos traz, sobre como a fotografia se

espalhou e foi causando mudanças ao longo da segunda metade do século XIX, é

possível presenciarmos que nela há um principio de um apelo visual, que se

estendeu até o século atual. A busca pelo outro.

Em um primeiro momento, além do retrato, a fotografia procura atender a uma

vontade da sociedade européia de buscar outros mundos além do seu. Claro que a

fotografia de ambientes diferentes daqueles que o cliente conhece, expressos

primeiramente pelas imagens de arquitetura, é algo que atende também a uma

peculiaridade, da técnica em seu principio: a longa exposição.

Como comenta Fabris, o aspecto imóvel da arquitetura contribuiu para que ela

fosse o primeiro alvo da fotografia, porém, o avanço técnico permitiu não só reduzir

o tempo como tornar o processo fotográfico móvel.

Neste quesito, o desenvolvimento da técnica do colódio úmido18 (1851) foi

essencial, pois era mais simples, e apesar de necessitar de certa rapidez, podia ser

executado, com as devidas precauções, em um número maior de lugares, formando

negativos que mais tarde poderiam gerar cópias positivas em locais mais cômodos.

Mesmo assim, o fotografo ainda teria que carregar um mini-laboratório consigo.

Porém, o avanço que permitiu uma aproximação cada vez maior das pessoas

com a técnica foi à invenção da primeira câmera portátil recarregável à luz do dia,

em 1895.19

Segundo Fabris, nessa época começa a se fortificar os photo clubs20, uma

evidencia da aproximação do povo com a fotografia. Outro momento importante

poderia ser a popularização da fotografia digital no começo do século XXI, quando a

fotografia acaba por estar presente na vida de um número maior de pessoas. Isso

ocorre muito em função do aparelho fotográfico estar embutido em outros aparelhos,

por exemplo, os celulares.

18

Esta é uma técnica que usa o colódio – uma substancia feita por partes iguais de éter e álcool numa solução de nitrato de celulose – como substancia ligante (funciona como uma cola) entre o nitrato de prata e a chapa de vidro. O negativo em vidro feito dessa forma deveria ser exposto à luz ainda úmido, daí o nome da técnica. 19

Fabris, Annateresa: Fotografia: usos e funções no século XIX. São Paulo, Edusp, 1991. 20

O photo club era uma associação de pessoas que tinham interesse por fotografia. Nesse grupo, os membros promoviam a divulgação de novas invenções, poderia haver publicações associadas ao grupo assim como exposições do trabalho dos integrantes. Os envolvidos não precisavam ser necessariamente profissionais. Ainda existem foto clubes, como por exemplo, o Foto Cine Clube Bandeirantes: http://www.fotoclub.art.br/

15

A fotografia avança, assim pela sua democratização. Contudo, o Fotografo

amador só obedece a modos de usar cada vez mais simples, inscritos do lado

externo do aparelho. Democracia é isto21.

2 - Fotografia: uma arte mecânica

Francesca Alinovi, citada por Annateresa Fabris, afirma que o nascimento da

fotografia e toda a sua história baseia-se num equivoco estranho que tem a ver com

sua dupla natureza de arte mecânica. 22 A fotografia é assim, precisa e exata como

uma ciência, porém inexata e “falsa” como uma arte: uma “arte exata”.

Na segunda metade do século XIX, a fotografia vive um momento complicado,

no qual almeja ser considerada arte. Os fotógrafos querem que a fotografia seja

olhada como um meio expressivo, como linguagem, e não apenas como um

instrumento de outras linguagens. A questão de ser algo que passa em parte por um

aparelho acaba por ser encarado, por um longo tempo, como um gesto isento de

pensamento e feito ao acaso.

O processo criativo de uma imagem fotográfica envolve uma série de

considerações técnicas: a luz do ambiente; o aparelho usado (câmera); a técnica

usada para processar o negativo; como realizar o processo de um negativo para um

positivo (uma foto em si), se haverá retoques ou mudanças para expressar algo que

se queira acentuar e, por ultimo, a própria escolha do que será retratado.

Por ser algo muito recente, os fotógrafos no século XIX acabam por se apoiar

naquilo já conhecido, o desenho e a pintura. Suas temáticas, suas classificações e a

maneira de lidar com o ambiente, por vezes, se assemelham ao caráter físico deste.

Todos os itens servem de inspiração pra criar uma imagem.

21

Flusser, Vílem. A filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de janeiro: Relume Dumará, 2002. p. 54-55. 22

Fabris, Annateresa. Fotografia: usos e funções no século XIX . São Paulo: Edusp, 1991. p. 173.

16

Gertrude Käsebier. Retrato (senhora N.). 1903. fotogravura.23

Num primeiro momento, como comenta Annateresa Fabris, porque era uma

linguagem nova que ainda não possuía uma maneira para lidar com as imagens que

gerava e pelo fato de que fotografar objetos arquitetônicos condizia com os

problemas de longa exposição da técnica, a fotografia se ligou ao meio

representacional do desenho como base de sustentação de sua imagem, mas ao

almejar o status de arte, começou uma aproximação com a pintura.

No livro Camera Work24, que divulga a obra de fotógrafos pictorialistas, pode-

se observar o caráter do movimento que, à sua maneira, tentou fazer das fotografias

obras de arte. Segundo Fabris, este movimento, cujo auge se deu entre 1890 e

1914, aproximou-se, em vários aspectos, da pintura. Essa, guardando o lugar de

grande arte, servia de inspiração tanto na temática quanto numa aproximação em

aparência. No entanto, ao se aproximar da pintura, as fotografias tendiam a ser um

objeto único.

Heloise Costa critica o Pictorialismo, neste ponto. Considera que ao se

aproximar excessivamente da pintura, a imagem começa a ser uma obra única, o

que contraria o intento de produzir obras multiplicáveis, buscado ao longo do avanço

23

In Stieglitz, Alfred.Camera Work. Londres: Ed. Tachen, 2008. p.97. 24

Op cit.

17

técnico. Como se ao contrariar o aspecto reproduzível do meio, a fotografia estaria

mais próxima da arte.25

O caráter mecânico da fotografia foi questionado, ao longo do século XIX.

Mesmo que invenções tenham sido usadas pela arte desde o principio - a câmara

escura, por exemplo - ainda era inconcebível imaginar uma obra que tivesse que

passar pelos olhos de um aparelho. Mesmo que esse olho obedecesse ao olhar do

criador, mesmo que o modelasse durante toda confecção e assim chegasse a um

resultado depois de todo o processo.

Intrínseco ao mecânico esta a reprodutibilidade, que acarreta um problema: à

obra de massa e ao caráter único, a trincheira que separa a arte das outras

imagens, naquele momento.

O cinema, por exemplo, é tido como arte, mas possui o aspecto de se dirigir a

um grande número de pessoas e de, principalmente na segunda metade do século

XX, estar presente na casa de qualquer um que o adquira via uma reprodução em

VHS, DVD ou um formato de arquivo reconhecível.

O cinema não pode ser encarado nem como obra única, nem como algo que

se restrinja ao erudito apenas, pois cabe ao espectador querer ver o vídeo ou não.

Com a fotografia deveria ser o mesmo, mas há alguns problemas como ressalta

Benjamim. Para as massas, a obra de arte seria objeto de diversão, e para o

conhecedor, objeto de devoção26. O mesmo autor ressalta algo importante, outra

vez, no que se refere à arte. Ele diz:

Muito se escreveu sobre, no passado, de modo tão sutil como estéril, sobre a

questão de saber se a fotografia era ou não uma arte, sem que se colocasse

sequer a questão prévia de saber se a invenção da fotografia não havia

alterado a própria natureza da arte 27.

A obra arte, que antes, só poderia ser vista num lugar especifico ou via uma

reprodução de pintura ou gravura, agora seria vista pelos olhos de uma câmera. Mas

essa mudança não é tão simples, nela há a troca de uma experiência por outra. O

ato de estar diante de um quadro é um ato completamente diferente do de olhá-lo

25

Fabris, Annateresa(org.). Fotografia: usos e funções no século XIX . São Paulo: Edusp, 1991, cap. 9. 26

Benjamim, Walter. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” in Magia e Técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 192 27

Idem, p. 176.

18

via uma foto. Como Barthes insiste em comentar, a fotografia esta presa ao seu

referente28. Sentimos estar presentes ou diante daquilo que é mostrado. O que

acaba por afastar os indivíduos da aura.

O que é aura? É a figura singular, composta de elementos espaciais e

temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela

esteja. Observar, em repouso, numa tarde de verão, uma cadeia de

montanhas no horizonte, ou um galho, que projeta sua sombra sobre nós,

significa respirar ar dessas montanhas, desse galho29.

Mas como sentir a aura numa reprodução fotográfica ou viver a experiência

artística quando todos podem ter acesso a um quadro, a qualquer momento e se

sentirem possuidores do que ele transmite?

Eis o problema da arte durante a segunda metade do século XIX. Um objeto

poderia estar em muitos lugares e ao mesmo tempo em nenhum. É como se sentir

conhecedor de uma determinada catedral, mas ao mesmo tempo, nunca ter estado

nela. É a prisão ao referencial, que Barthes tanto comenta, discutido também por

Benjamim e Flusser.

Barthes afirma em um trecho: vejo os olhos que viram o imperador30. Pela

fotografia é como se nos possuíssemos esses olhos. Olhamos o que nunca vimos, e

ainda assim dizemos tê-lo visto, acreditando na ilusão que imagem transmite. Neste

momento, a fotografia alcança o que a pintura vem buscando há tempos remotos,

sob uma visão clássica, enganar os olhos dos homens e fazê-los acreditar numa

imagem, como sendo a realidade31, mesmo que ela ainda seja uma interpretação de

algo que passou pelo homem antes de vir a ser obra.

28

Barthes, Roland. Câmara clara. Lisboa: edições 70, 1980. 29

Benjamim, Walter. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” in Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 170. 30

Barthes, Roland. Câmara clara. Lisboa: edições 70, 1980. p. 15 31

Refere-se ao trecho: Parrásio (...) segundo se conta, travou uma disputa com Zêuxis. Tendo este ultimo pintando uvas com tal perfeição que aves voaram até a cena, na sua direção. Parrásio pintou uma cortina comum realismo tão grande que Zêuxis , todo orgulhoso com veredicto dos pássaros, reclamou que se abrisse, finalmente a cortina para exibir a pintura. Percebendo seu erro, concedeu a palma ao outro com franca modéstia, uma vez que “ele enganara aves, mas Parrásio a ele próprio, um artista”. Contam também que depois disso Zêuxis pintou um menino carregando uvas e, tendo aves voado até elas, com a mesma franqueza avançou irado contra sua obra e disse: “Pintei as uvas melhor do que o menino, pois se tivesse conseguido aqui com a mesma perfeição, as aves deveriam, ter sentido medo”. Lichtenstein, Jacqueline (org.). O mito da pintura. São Paulo: editora 34, 2004. p. 75.

19

Segundo Flusser, ai está à magia da fotografia. A fotografia como sendo o

mundo e não uma interpretação. A fotografia como o duplo da realidade torna-se

mais importante do que a própria realidade, pois: permite a fuga; a seleção; a auto-

satisfação e a montagem de um mundo, na medida de cada individuo32.

3 – O que vemos ao contemplar imagens técnicas não é ‘o mundo’, mas

determinados conceitos relativos ao mundo!33: o ritual e magia na fotografia.

O ritual, para Benjamim, é algo associado à prática religiosa, exemplificado no

caso do cirurgião e do mágico.

O mágico preserva a distancia natural entre ele e o paciente, ou antes, ele a

diminui um pouco, graças a sua mão estendida, e a aumenta muito, graças a

sua autoridade. O contrário ocorre com o cirurgião. Ele diminui muito sua

distancia em relação ao paciente, ao penetrar em seu organismo, e a

aumenta pouco, devido à cautela com que sua mão se move entre os

órgãos.34

O artista nesse caso é como o mágico, ele retém a autoridade sobre si e cria

um trabalho que carrega consigo esta autoridade. Porém, o fotografo age entre as

pessoas como outra qualquer, sua obra não é algo ligado a uma manifestação

divina. A fotografia é um resultado, a qual todos podem chegar, bastaria aprender

como manipular a máquina e o processo químico - considerando o contexto do

século XIX e inicio do XX - como é com o cirurgião: bastaria fazer um curso de

medicina.

O que importa, nessas imagens é que elas existem e não que sejam vistas35.

A magia pode ser encarada desta forma, segundo Flusser: As imagens foram

uma maneira que o homem usou para lidar com o mundo, porém, acabaram por

fazê-lo se desligar do mundo e viver em função delas, idolatrando-as. Assim, as

32

Fabris, Annateresa(org.). Fotografia: usos e funções no século XIX . São Paulo: Edusp, 1991, p. 56 33

Flusser, Vílem. A filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de janeiro: Relume Dumará, 2002, p. 14-15. 34

Benjamim, Walter. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” in Magia e Técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 187. 35

Idem, p. 173.

20

imagens serviram para o homem olhar o mundo através delas, de forma distanciada,

e não para compreendê-lo e mudá-lo.

Em função da idolatria da imagem, surge o texto. Nele o mundo é entendido

através de conceitos para que assim, as imagens possam ser rasgadas. Contudo, os

textos dominam o homem e se banalizam. A vida é vista em função deles

(textolatria).

As imagens, nesse momento, são afugentadas e relegadas a pequenos

recantos da sociedade, os salões de arte, e os textos, para fugir da banalização, se

isolam em recantos próprios, onde apenas um número pequeno de indivíduos tinha

acesso (textos eruditos e científicos).

Por causa dessa situação, surge a fotografia. Ela tenta recuperar o texto

(conceito) e a imagem (magia). No entanto, recria a ambos ao não transmitir os

conceitos (ciência) e tornar a magia outra magia. A fotografia é assim, uma imagem

feita a partir dos conceitos que os homens têm sobre o mundo.

Fotografias, no entanto, são complexas:

O caráter aparentemente não-simbólico, objetivo, das imagens técnicas faz

com que o observador as olhe como se fossem janelas e não imagens. O

observador confia nas imagens técnicas tanto quanto confia em seus próprios

olhos36.

A magia da fotografia reside no ato de ser encarada como uma janela para o

real e não enquanto imagem.

Pelo discurso de Barthes, em Câmara clara, podemos olhar para uma foto em

busca de nossas memórias e em busca de algo que nos remeta a sentimentos que

existem ou existiram em nós. Nesse caso, o espectador não desfruta da fotografia

enquanto obra de arte, pois ele não interage com ela, ele só a busca como elo com

sua memória ou com um desejo, como foi no século XIX, o desejo de ir além das

fronteiras de sua cidade. Provavelmente, busca-se a fotografia em função do mundo

que se quer estar, mas não se pode, ou então, por curiosidade pelo que ainda não

conhecemos.

36

Flusser, Vílem. A filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de janeiro: Relume Dumará, 2002, p. 14.

21

Olhando o mundo pela objetiva, Flusser lembra que o que vemos nas

fotografias não é o mundo, mas os conceitos que temos dele. Segundo o autor, o

fotógrafo é alguém que vive tomando decisões. Mesmo que elas se resumam a

escolhas parciais e sem grande envolvimento, pois ele sempre tenta descobrir mais

sobre o mundo e tenta ter o maior número de visões possível. Contudo, nunca tem

uma posição, pois seu posicionamento é provisório, assim como suas opiniões.

A nova magia não visa modificar o mundo lá fora, como o faz a pré-história,

mas os nossos conceitos em relação ao mundo. É magia de segunda ordem: feitiço

abstrato37.

Assim, todos que acreditam saber fotografar laçam suas escolhas parciais

sobre o mundo, conscientemente ou não, já que se julgam saberem fotografar.

Podemos crer que todos podem se posicionar, pois fotografam e entendem o

que vêem, e que todos querem mudar os conceitos sobre o mundo. Mudar os

conceitos sobre o mundo e não o mundo. Mas, primeiramente, todos realmente

sabem ler imagens? E segundo, se todos realmente se posicionam frente ao mundo,

porque, quando muito, mudam o que pensam sobre ao invés de mudá-lo?

Realmente estão mudando seu pensamento?

Mesmo considerando, que a função da imagem técnica seja mudar o homem,

como Flusser diz, se ela está subordinada ao maior número de visões ao invés de

ficar subordinada ao próprio fotografo, será que ela é expressão? O autor nem tenta

responder a isto, mas se expressar é dizer algo ao mundo e, conseqüentemente,

mudá-lo mesmo que em uma pequena parcela, possivelmente a resposta à pergunta

de Flusser é não.

O livro Filosofia da caixa preta é repleto de acusações sobre a submissão ao

aparelho (câmera). Porém ele também deixa transparecer algo que Benjamim

expressou em palavras, ao dizer que:

A natureza que fala à câmera não é a mesma que fala ao olhar; é outra,

especialmente porque substitui a um espaço trabalhado conscientemente pelo

homem, um espaço que ele percorre inconscientemente.38

O olhar percorre o mundo consciente, a câmera não. Por isso, Flusser

acredita no fotografo experimental, assim como Benjamim acreditou que um

37

Flusser, Vílem. A filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002, p. 16 38

Benjamim, Walter. “Pequena história da fotografia” in Magia e Técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987, p. 94

22

fotógrafo, por volta de 1850, estava à altura do seu instrumento – pela primeira vez

e, durante muito tempo, pela ultima39. A questão era que fotografo fizesse jus ao

aparelho, que o ímpeto de dominá-lo não sobrepujasse a vontade do outro

.4 – O mundo existe para ser fotografado40

Na escola, os professores podem ouvir de alguns alunos que estes não

sabem desenhar ou que não tem talento. A arte, por vezes, é margeada por esta

questão do talento, o que, porém, não ocorre na fotografia, por esta ligar-se ao que a

câmera oferece e não a uma possível capacidade do individuo.

Tanto no desenho quanto na fotografia é necessária dedicação, e a

expressão, em ambos, se torna, com o tempo, cada vez mais sofisticada, fruto do

trabalho, da compreensão sobre o processo e sobre si mesmo. Em ambos, a criação

é algo que se dá pelo estudo e trabalho.

Ao contrário disso, qualquer um que apenas aperte o botão de disparo da

câmera assemelha-se a quem pega qualquer lápis e sai rabiscando, sem se

conscientizar do que está fazendo.

Um desenho sem motivo, aleatório, que possa ser feito por qualquer um, não

é desenho. Desenhar e fotografar requer identidade, pois exigem que se escolha

algo e se envolva com ele. É fazer algo que somente a pessoa será capaz. É tentar

entender o mundo a sua volta.

Talento não é uma benção divina, ele é desenvolvido. A maioria daqueles que

são tidos como talentosos ou são considerados gênios se esforçaram muito por um

longo tempo.

No entanto, na escola ainda predomina a noção de talento. Neste ponto, a

fotografia pode ajudar a quebrar o paradigma. Se fotografar se tornar um gesto

consciente, se o aluno não se subjugar pela câmera, mas, ao contrario, a fizer

realizar sua vontade, ele começará a entender o que significa a imagem que faz e as

que o cercam. Aprenderá que talento não é algo dado a uma minoria, mas algo que

se cultiva com estudo e trabalho.

Mas a problemática envolvendo a fotografia, no presente momento, não se

assemelha a de Flusser, Barthes ou Benjamim, pois os jovens vivem cercados por

39

Idem, p. 96 40

Fabris, Annateresa (org.). Fotografia: usos e funções no século XIX. São Paulo, Edusp, 1991, p.35

23

redes virtuais41. Antes se questionava quantas pessoas conheciam uma obra de

arte, agora a pergunta seria: Quantos conhecem a própria cidade ou a maior parte

dos amigos que dizem ter no Orkut ou no Facebook?

Fotografa-se compulsivamente e se posta estas fotos a uma imensidão de

pessoas. Mas o que querem dizer com isso? Será que a foto passa pela máquina ou

pelo sujeito antes de virar imagem? Aparelho-arma. Fotografar pode virar mania, o

que evoca uso de drogas42.

Porém essa droga é mais complexa, não é droga, mas pode se tornar. O

problema não é mais o mundo que existe para ser fotografado, é que ele existe para

ser consumido. Consumimos suas imagens. Sempre as mesmas e em todo o lugar.

Não são as mesmas, contudo, são tantas que não as digerimos. Os mortos em

algum lugar da África parecem iguais ao comercial sobre comida de cachorro,

simplesmente passam, e depois já estamos esperando o próximo.

Segundo Flusser, o mais estranho será se não houver mais novidades. E

mais estranho ainda seria parar, respirar e reparar no que está ocorrendo antes de

buscar outra informação... Seria refletir.

As últimas gerações cresceram ou nasceram nesse mundo. Mas é realmente

assim que tem de ser? Criar e consumir imagens, desesperadamente? Em uma

mesa de debates no V Seminário de Arte, Cultura e Fotografia, o fotógrafo Paulo

Brusky disse que os artistas existem por que as pessoas não sabem ver, que ele

tem a missão de ensiná-los a ver43. Será que esta também não é uma missão do

professor?

Ensinar a ver é uma missão complexa. A fotografia possui uma forma de olhar

o mundo que não existe no desenho ou na pintura, uma forma diferente daquela que

temos a olho nu, mostrar isso é uma das questões.

Assim como mostrar que fotografar não é um gesto mecânico e que nele há

uma série de significados, assim como no desenho.

A questão é como trabalhar o olhar e a expressão sem torná-los a mesma

fotografia substituível que os alunos se acostumaram a produzir e ver.

41

Orkut, Facebook e Flicker, por exemplo. 42

Flusser, Vílem. A filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de janeiro: Relume Dumará, 2002, p. 54. 43

V Seminário de arte, cultura e fotografia, em 09 de Novembro de 2010.

24

4.1 – Um problema educacional e fotográfico.

Considerando os problemas ligados a imagem fotográfica mostrados até o

momento, podem-se destacar alguns: a relação com o mundo se dar pelos conceitos

que se tem dele; o consumo de imagens; a relação do sujeito com o mundo, muitas

vezes se realizar através da fotografia; e a associação da fotografia com o real.

Estes problemas, além de serem fotográficos, também se encontram na arte e na

educação. Como fazer o aluno apreciar e produzir fotografias diferentes daquelas

que ele costuma ver em revistas e jornais, feitas para o consumo, que viciam o olhar

ao invés de aprofundá-lo e levá-lo a uma reflexão, mesmo frente aos problemas

citados?

Voltando a questão da missão do artista se referir ao ensinar a ver,

mencionada por Paulo Bruky, pode-se levantar uma outra, a de Marcos Buti, que

nos ajuda a pensar como desenvolver o ato fotográfico reflexivo no aluno:

Não teria toda vida necessidade de uma forma, desconhecida a priori,

construída ao decidir e passar à ação, no tempo e espaço, desenhando uma

imagem em movimento que só poderá ser vislumbrada no ultimo instante?

E não seria neste sentido que poderíamos pensar todo ser como artista, muito

mais que pela prática de atividades reconhecidas como arte?44

A arte, como o autor da citação acima nos diz está ligada a construção de

algo, que inicialmente não se conhece, mas que ao longo do processo toma forma e,

ao final, pode ser vislumbrado. Será que toda pessoa não possui algo assim em sua

vida? Pensando que essa construção possa ser um desejo há muito tempo

cultivado, algo que se deseja alcançar, ter ou criar, que serve de passo inicial para

uma busca mais profunda do sujeito, não seria esta busca que pode levar a tal

fotografia? Contudo, como Georges Gusdorf argumenta, há outro dado que tem de

ser levado em consideração:

A verdade só pode surgir como resultado de uma busca e de uma luta que

cada um de nós tem que travar consigo próprio, por sua própria conta e risco.

(...) O caminho a verdade não conduz a uma imitação desta ou daquela

44

Buti, Marco. Ir, passar, ficar. Tese de doutorado. São Paulo: USP, 1998, p. 43.

25

personagem exterior; leva ao exame de consciência em que cada pessoa tem

que conhecer suas próprias razões de ser45.

A busca da fotografia reflexiva leva inevitavelmente, a um conjunto de

mudanças que permeiam o ser. O conhecimento gerado desse modo promove uma

ampliação da consciência, que já não basta por aquilo que era, não se limitando a

aceitar um conceito externo ao sujeito, mas relendo o já existente para adaptá-lo a

sua realidade. Esta releitura é algo semelhante ao que George Lukács, em Star

Wars, faz do pensamento desenvolvido por Joseph Campbell quanto à sua pesquisa

sobre mitologia comparada, onde toca na relação do herói ou o conjunto de pinturas

que Van Gogh fez a partir das de Millet, estabelecendo uma conversa. Porém nos

dois casos, a releitura não se reduz a repetir os dizeres de outro, mas tenta entender

e se propõe a reescrever o já dito pelas palavras e com a reflexão daquele que

reescreve.

45

Gusdorf, Georges. Professores para quê? Por uma pedagogia da pedagogia. Lisboa: Moraes Editores, 1970, p. 21.

26

A fotografia reflexiva se baseia no olhar o mundo antes de olhá-lo através da

câmera, pois a mediação exagerada do mundo através dela pode resultar no

afastamento do primeiro. As teorias estéticas e cientificas que dizem como ou o que

a realidade é não devem, por fim, submeterem-se à experiência humana, porém

ajudá-la a passar por ela e a caminhar para a próxima. Como Gusdorf comenta: Os

defensores do intelectualismo cometem um abuso de confiança quando pretendem

submeter a realidade humana, no seu conjunto, à ordem que reina na geometria,

álgebra ou mecânica de fluídos46.

A questão da massa, a politização, a exigência de um aparato de verdades

universais e leis que pesem sobre o individuo, são questões que estão em Gusdorf,

assim como na fotografia, que Benjamim e Flusser comentam. O fotógrafo tem de

evidenciar a “verdade”, pregá-la, enviá-la a multidão. O professor parabeniza o aluno

que absorve e reproduz a “verdade”. Em muitos casos, ambos trabalham uma séria

de conceitos sem se ater à experiência com o real. Em ambos os casos, pode-se

falar em coletivo, mas marginalizar-se o particular.

Não ocorreria isto com algumas noções de arte, métodos de ensino,

conhecimentos básicos, a melhor foto ou a simplificação de uma informação

complexa?

Ao longo do segundo capitulo do livro Professores para quê?47, coloca-se a

questão de como o Ocidente se focou em formar um grande número de indivíduos,

com um conteúdo semelhante, enquanto no Oriente, a educação se focou na

relação pessoal do mestre e discípulo. Outro dado apreensível do educar oriental é a

forte presença da experiência por si própria. Um aprender através da experiência.

A partir de alguns contatos com o pensamento oriental, gerou-se uma reflexão

de que a busca pela fotografia reflexiva, o uso dela, conduza à busca da “forma” que

Marco Buti comentou sobre a busca de uma forma, que está implícita no ser. Um

processo que tenha como parte dele o uso da câmera como instrumento e não um

aparelho que domine o homem. Mas que, por isso mesmo, precisa se apoiar na

experiência individual a fim de conseguir significação.

46

idem, p. 23-24. 47

Idem, p.47-93.

27

5 – A experiência como estrutura.

Como já foi dito anteriormente, a arte sofreu uma crise no século XIX, durante

a qual ela precisou achar uma nova função para si. O artista, antes apoiado no valor

ritual ou mágico da arte, perde-se numa sociedade onde a aura se vê questionada,

apoiando-se assim, na política, como comenta Benjamim. Isto ocorre conjuntamente

a um problema citado no capítulo anterior. A educação e a arte, neste momento, são

ligados a uma disseminação em massa e a construção de um pensamento

cientificista e laico, que como comenta Gusdorf, separa a formação intelectual da

moral e espiritual48.

A aura tem a ver com a experiência, pensando-se a “aura” de Benjamim e o

que Dewey e Campbell demonstram como experiência. Antes de ser ato político,

mágico, religioso ou educacional, a arte tem a ver com a experiência, sendo que

esta ocorre continuamente, porque a interação do ser vivo com as condições

ambientais está envolvida no próprio processo de viver49. Esta interação,

ocasionalmente, pode ser traduzida para alguma linguagem: oral, escrita, imagem,

objeto, encenação, música ou simplesmente ficar marcada na memória do sujeito.

Porém, como toda tradução, há brechas que a linguagem não pode penetrar,

abrindo espaço para a arte fazer-se, criando os símbolos necessários para sobrepor

a barreiras que cada expressão possui.

Uma imagem pode ser criada e fazer-se sentir. Pode ser aceita ou recusada.

Nada disso, no entanto, pode ser compreendido através de um processo

exclusivamente cerebral. A idéia do infinito não pode ser expressada por

palavras ou mesmo descrita, mas pode ser apreendida através da arte, que

torna o infinito tangível.50

A experiência se dá sempre, mas com o tempo nos acomodamos aos nossos

conceitos e verdades, o que pode fazer com que a experiência com a arte se torne

cada vez mais mediada ou interrompida. Frente a isso lembro uma das palavras de

um professor de fotografia: Do que adianta ir a vários lugares com o mesmo olhar?51

48

Idem, p. 82. 49

Dewey, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010. P.108. 50

Musa, João. Viagem a uma terra desconhecida (tese de mestrado). São Paulo: USP, 1990, p. 103. 51

João Musa. aula: 1º semestre de 2011

28

Considerando cada lugar como uma experiência singular, assim como cada

momento, mesmo que o conhecimento naquele instante sirva apenas de preparo

para uma experiência que ainda se esboçará.

Mas em uma sala de aula comum, qual o atrativo? O aluno está longe do

mundo. Ele não sente o calor do sol, o vento... Ele está cercado por paredes e

ouvindo sobre teorias, que nem sempre vê ocorrerem na prática. Isso não se resume

apenas às aulas de ciências, mas também às de artes. Fala-se de arte, mas aquela

que está nos museus, que nem sempre se vai, ou de técnicas que nem sempre se

experimenta, por exemplo, a fotografia. Poucas escolas possuem espaços para se

trabalhá-la, porém, algumas experiências com ela, auxiliadas por algumas

informações, podem tornar mais compreensível o diálogo com o momento histórico

do século XIX, como a mudança progressiva no pensamento artístico, onde a pintura

deixou a cópia da realidade para a fotografia.

Contudo, não basta levar o aluno para sentir o calor do sol, também é

necessário prepará-lo para tal. Tal preparação é fundamental para que a experiência

seja vivenciada, pois assim como uma história não se inicia sem uma introdução,

sem uma iniciação ao mundo ao qual será transportado, assim o é com certas

experiências. Porém, se uma experiência for significativa para o sujeito que a sofre,

sendo capaz de ultrapassar apenas o aspecto informativo do conhecimento e por

sua vez mudar a consciência desse ser, a preparação para ela se faz necessária.

John Dewey comenta que a experiência possui uma dose de sofrimento. Tal

sofrimento revela-se necessário e uma conseqüência da dedicação, imposta na

medida em que se é necessário reconstruir, mais do que colocar numa estante o

saber é construí-lo, o que pode ser doloroso52. A exigência para se tornar concreto o

objetivo, muitas vezes, necessita de pequenas ou grandes mudanças, adaptações

ou uma transformação profunda no individuo. O artista, desse modo, pode ser

considerado qualquer pessoa imersa em uma experiência na qual confronta

problemas e cria algo significativo à sua vida com o auxilio da experiência que vive

ou viveu e de alguns interlocutores das mais diversas áreas do pensamento.

A arte, sendo conseqüência da experiência, envolve uma tentativa de

compreensão não necessariamente racional sobre o que se está vivendo ou o que

52

Dewey, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p.118.

29

ocorreu: “a arte genuína”, afirmou o mestre, “não conhece nem fim nem intenção (...)

o que obstrui o caminho é a vontade demasiadamente ativa53.

A arte é um fazer que possui sentido em si mesmo e para aquele que o faz, é

um trabalho significativo, pois, enquanto isso, movimenta o seu ser integralmente.

A arte desse modo atende a um terceiro e mais importante objetivo. O

objetivo final da arte é contribuir para a realização do ser humano integral.

Justamente por isso, está ligada ao destino dos homens, compartilhando os mesmos

perigos54. E, por conseqüência, o que também precisaria ser o objetivo da educação:

a construção do sujeito.

Sob um ponto de vista oriental, mostrado por Herrigel em A arte cavalheiresca

do arqueiro Zen, a educação, segundo uma perspectiva do Zen, é a edificação do

ser, permitindo que este tome consciência de si próprio e prepare-se para ser um

mestre. Sob esta perspectiva a experiência se dá num contexto mais intenso, pois o

aluno é educado para se dedicar àquilo que escolheu da melhor forma que puder. O

mestre, ao longo do ensinamento, demonstra uma atitude de ensinar tudo em

medida, sem excesso ou falta, porém ele se preocupa pouco com o tempo

necessário para isso.

“Assim como com uma vela que acesa se acende outra”, o mestre transmite o

genuíno espírito da arte, de coração a coração, para que eles se iluminem55. Mais do

que transmitir o conhecimento, o educador promove e orienta a experiência para que

esta alcance o ser e ele se dê conta de si e talvez, a seu modo, seja capaz de

acender a outra vela. Então, se a graça lhe é reservada, o discípulo descobre em si

mesmo que a obra interior que ele deve realizar é bem mais importante que as obras

exteriores56. Esta obra interior, segundo Herrigel, surge das profundezas, onde não

há luz, no lugar mais profundo de nós. Esta obra é parte integral daquilo que o

sujeito é, como o autor comenta:

A obra interior consiste em que o aluno, como homem que é, como o eu que

se sente ser e como quem e como que se reencontra uma ou outra vez, se

converta na matéria-prima de uma criação, de uma realização formal, que

termina no domínio da arte escolhida. Nele se fundem o artista e o homem,

53

Herrigel, Eugen. A arte cavalheiresca do arqueiro zen. 22ª ed. SP: Editora Pensamento, 2007, p.42. 54

Buti, Marco. Ir, passar, ficar. (Tese de doutorado). São Paulo: USP, 1998, p. 81. 55

Herrigel, Eugen. A arte cavalheiresca do arqueiro zen. 22ª ed. SP: Editora Pensamento, 2007, p. 56. 56

Idem, p.56.

30

no sentido amplo da palavra, em algo superior. O domínio pleno da arte é

válido como forma de vida pelo fato de viver arraigado na verdade ilimitada e

ser, com sua ajuda, a arte primordial da vida. O mestre já não busca, mas

encontra. Como artista, é um sacerdote; como homem, um artista em cujo

coração – no seu agir e não-agir, criar e silenciar, ser e não-ser – penetra o

olhar do Buda. O homem, o artista, a obra formam um todo. A arte da obra

interior que não se desprende do artista como a exterior, a que ele não pode

fazer, mas unicamente ser, surge das profundezas que não conhecem a luz

do dia.57

A arte sob este aspecto não se reduz à execução de uma obra, uma

fotografia, por exemplo, mas a edificação do ser, o encontro consigo mesmo, depois

do penoso estágio de maturação para chegar a tal ponto, constituindo uma obra a

qual ele chega com o auxilio da arte escolhida. Esta obra interior não pode ser

executada mas é a chama que move o sujeito e lhe permite alcançar o aluno,

posteriormente. A obra externa, uma foto, é conseqüência do processo de aquisição

da obra interna – através do aprendizado fotográfico, por exemplo – e esta o artista

precisa ser. Como Buti diz: Sob um nome comum, o artista que não se reconhece.

Talvez nunca necessite escrever uma linha ou desenhar uma imagem. Há vidas que

são quase obras de arte, obras que são quase pessoas.58.

Porque não pensar assim o professor? O professor que se limitar apenas a

técnica ou ao conhecimento especifico, que rege, não chega à obra interior. Nem a

sua, nem a do aluno. Através do exercício de um “fazer”, o artista busca realizar algo

que baste por si mesmo. Se uma obra não basta por ela, está incompleta e

suscetível ao esquecimento. O artista dá vida a uma obra. Com sua chama dá

existência a outra vida. O professor realiza o mesmo, ao mesmo tempo acende a

chama do aluno e permite que este possa fazer o mesmo, seja criar algo com vida

ou levar a chama adiante. Tudo isto promovendo uma experiência que alimente a

tomada de consciência do ser.

Assim, desiludido e desanimado, cheguei à conclusão de que só quem

verdadeiramente se isola é capaz de aprender o que significa isolamento, e

57

Idem, p. 56-57. 58

Buti, Marco. Ir, passar, ficar. Tese de doutorado. São Paulo: USP, 1998, p. 126.

31

só quem leva uma vida contemplativa está completamente livre e desprendido

de si para a união com o seu deus supra-divino.59

6 – Uma vela que acende a outra

Em todas as sociedades existe a figura de educador, o qual transmite alguns

conhecimentos e ajuda na inserção do individuo na sociedade em que é criado. O

educar através da arte, além disto, também contribui para a formação do ser

integral. Mas um professor antes de tudo deve ser aquilo que constitui a sua obra

interior, ou seja, construir um trabalho significativo para si a fim de manter acesa sua

chama, a qual acenderá a do aluno, como a uma vela. Caso esta esteja apagada,

nada ocorrerá.

Mais do que escolher esta ou aquela metodologia, deve usar-se delas como

as ferramentas que um artista usa para alcançar determinado desenho, aquele que

se constitui dessa obra interior. O que funciona na educação pode variar e deve

variar. Mas há um essencial em tudo isso: o amor pelo próprio trabalho; a vivência

na área que ensina e o empenho para com o estudante, não para o aluno, mas para

aquele individuo. Em resumo, o professor edificado como pessoa, auxilia a edificar o

aluno, através de um conhecimento que serve de mote para isso, onde a

metodologia de ensino serve apenas como maneira de comunicar algo maior

Sobre estes professores, há a história de três personagens, que a sua

maneira buscam esses aspectos. Cada um possui sua metodologia, espaço escolar,

idade escolar diferentes, porém, todos através de suas práticas chegam à arte e

tentam atingir o individuo ao qual se propõem a educar.

6.1 – A escola de bairro

São 6:30, é hora de correr até a escola. Vou para uma escola estadual

localizada na zona leste, numa região marcada por algumas realidades distintas. Ao

longo do caminho para a escola, passa-se por casas construídas há 20 anos e

outras recém construídas, mas chegando à escola, pode-se ver um lugar que há

alguns anos era uma favela e hoje é uma COHAB, um conjunto habitacional.

59

Herrigel, Eugen. A arte cavaleiresca do arqueiro zen. São Paulo: Editora Pensamento, 2007. P. 20

32

Adentrando a escola, sou bem recebido pela professora de arte, uma mulher

alta de aproximadamente 40 anos, chamada Cristina. A sala dos professores onde

nos encontramos é um lugar de clima pesado, aonde, aos poucos, alguns

professores vão chegando e respirando fundo antes de se encaminharem para as

salas de aula, mas não sem antes reclamar da estrutura da escola, dos alunos ou do

governo, algumas vezes de tudo. Porém, Cristina está sempre alheia a tais

professores, ela está sempre sorrindo e diz gostar de dar aula.

No caminho até a sala de aula, há alguns alunos no corredor que a

cumprimentam. Ao entrar na primeira sala, um segundo ano do ensino médio, ainda

há poucos alunos, eles vão entrando na sala aos poucos e ainda sonolentos. A

explicação sobre a aula ocorre misturada a um pouco de conversa com os alunos:

sobre uma peça de teatro ligada ao tema da aula, outra hora, uma exposição.

Durante a aula, alguns alunos não participam e um número menor ainda está alheio,

porém, aos poucos, todos parecem adentrar a aula e ela introduz um exercício que

deverá ser entregue dali a algumas semanas.

O sinal soa. A professora pega seus materiais e caminha novamente para a

sala dos professores, pois neste horário ela possui uma “janela60”, o que só ocorre

neste dia e num outro. Neste momento, ela aproveita para resolver alguns

problemas ligados a determinados alunos que não vêm às suas aulas e procura o

telefone de outros que tem sido mal-educados para saber o que está acontecendo.

Porém, ainda sobra algum tempo para conversarmos.

A professora fez um curso particular de licenciatura em artes, numa instituição

pouco conhecida, e afirma estar dando aula desde os 17 anos, pois em seus

estágios foi obrigada a isso. Ela faz algumas pinturas, mas confessa não estar

dando muita atenção a isso, sempre as começando, porém, nunca as terminando.

Contudo, percebo que ela prefere ler livros, frequentar espaços culturais ou cursos

de arte que tendem para um lado teórico. Percebo que o seu foco é a teoria, a

história, pois o seu contato com a arte é via a obra de arte. Ela fala sobre isso,

dizendo que sempre possuiu interesse por história e argumenta que, para o Ensino

Médio, estar sempre estudando é uma necessidade, justificando seus cursos e

leituras.

60

Um horário entre duas aulas, a qual um professor não tem aula para dar, porém precisa estar na escola pois dará aula no próximo horário.

33

A próxima aula é numa sexta série. Para esta aula a atividade é pratica,

envolvendo tinta e um barbante, o qual é molhado no guache e depois colocado

dentro de uma folha dobrada ao meio e após isso movimentado. É um pouco

simples, mas os alunos parecem estar envolvidos e a tinta é um estimulo

interessante para trabalharem um pouco de composição. Os alunos se divertem e

alguns fazem várias vezes a atividade. E até aqueles que não estavam realizando a

atividade a fazem ao ver os outros alunos trabalhando. Quanto à professora, ela

está ocupada vendo o trabalho dos alunos e fazendo alguns com eles. Perto do fim

da aula, ela já propõe que se joguem fora os materiais que não podem ser re-

utilizados novamente e limpem as mesas para a próxima aula. O que o ocorre bem,

apesar de alguma bagunça.

O sinal toca outra vez e caminhamos para a próxima sala, uma sétima série.

Esta turma é bem agitada e tenta sempre se aproximar de mim mais do que as

outras. Apesar de considerada, por outros professores, a pior turma da escola, esta

professora em questão não a vê assim. Em sua aula, a turma está sempre agitada,

mas realiza as atividades e participa da aula. A aula de hoje é sobre música e eles

falam sobre duas músicas que ouviram e o que acharam delas, depois escrevem

respeito.

Durante a aula, a professora percebe que alguns alunos estão curiosos sobre

o caderno que carrego, pois tem alguns desenhos nas suas páginas. Vendo que os

mesmos alunos estão me procurando, ela propõe que se atentem à aula e que,

faltando 15 minutos para o fim da aula, que eu faça algum desenho na lousa para

todos verem. Eu aceito. A aula acabou e eu vou meio acanhado até a lousa.

Pergunto se tem algo que eles querem ver desenhado, mas por haver muitas

respostas, pergunto quantos querem que eu desenhe um mangá, apenas dois

alunos não levantam a mão, então desenho isto. Faço o desenho do rosto de um

garoto, dura apenas uns 6 minutos, mas a sala fica em silêncio, com alguns poucos

murmúrios, porém, de curiosidade, e a professora explica o que é mangá. Mas eles

querem mais e uma das alunas sugere que eu desenhe uma garota agora, no que

demoro um pouco menos desta vez e quando termino devolvo o giz à professora e

vou conversar com ela. Alguns alunos vêm conversar comigo perguntando quanto

tempo demorei para aprender a desenhar e se sei desenhar outras coisas.

A aula acaba, mas fico impressionado em como a lousa ficou sem um lugar

limpo, todos espaços tem desenhos agora. Lembro que nunca vi alunos desenharem

34

tão facilmente. Será que isso foi semelhante ao momento em que o mestre de

Herrigel tocou o arco?61 O momento em que ele fica fascinado e sente estimulo para

praticar Kyudo62.

6.2 – Uma escola de centro

Esta escola se localiza em um bairro comercial da zona sul de São Paulo. O

bairro é socialmente mais elevado que o da primeira escola, contudo os alunos que

freqüentam esta escola municipal são de classes mais baixas e boa parte não mora

no bairro, mas esta ligada a um familiar que trabalha na região.

As condições para a aula de arte nessa escola são diferentes da primeira.

Nesta escola, a professora Clarissa tem uma sala de arte, onde realiza todas as

aulas; uma sala de informática em funcionamento; um piano; uma biblioteca

acessível e monitorada e uma sala para apresentação de vídeos. Esta escola, além

de tudo, é muito organizada, limpa, ampla e com alguns projetos para os alunos nos

horários de extra-turno.

Nesta escola, no entanto, minha jornada é um pouco maior. Acordo muito

cedo e percorro um grande caminho através da rede ferroviária de São Paulo,

observando a paisagem se transformar enquanto viajo até esta escola, pelas

margens do rio. Ao chegar à escola, procuro pela professora em sua sala de aula,

parece uma aula comum, a não ser pelo fato de que já estamos de partida da

escola. A aula aqui não será na escola, mas na Pinacoteca de São Paulo. A

professora me recebe e logo me leva junto dela, para o ônibus que nos levará até o

museu. Pelo caminho, conversamos pouco, porque a todo o momento Clarissa está

atenta para seus alunos (duas 6ª séries), chamando-lhes a atenção para atitudes

que possam ser perigosas ou atendendo ao chamado de outros alunos.

Ao chegarmos à Pinacoteca, os alunos saem do ônibus em fila, pegando seus

lanches. Antes de entramos na Pinacoteca, os alunos comem seus lanches e têm

um tempo para conhecerem o Parque da Luz, ao lado da Pinacoteca. É um

momento um pouco movimentado, pois as crianças vão para todos os lados, mesmo

estando em três (Clarissa, uma outra professora de artes da escola e eu), é um

61

Herrigel, Eugen. A arte cavaleiresca do arqueiro zen. São Paulo: Editora Pensamento, 2007, p. 29-30. Este trecho se refere a primeira aula de Herrigel, quando seu mestre explica sobre o arco e ao fim, faz vibrar a corda deste, extraindo um som que impressiona o autor. 62

Arquearia japonesa.

35

pouco assustador ver as crianças soltas, ainda que sob o olhar atento e já preparado

das professoras.

Após, mais ou menos uma hora, as crianças vão entrar na Pinacoteca em

duas turmas e acompanhamos a monitora. As crianças andam por parte do prédio e

participam a atividade da monitora, inclusive um dos alunos mais agitados da turma.

Tudo ocorre sem a interferência da professora Clarissa, que deixa a monitora

realizar seu trabalho. A atividade transcorre bem e voltamos para escola.

De volta à escola, a professora me convida para comer com ela. Sentamo-nos

numa mesa onde os alunos costumam comer, mas que neste horário está menos

movimentada, pois muitos alunos já foram para casa. Aos poucos, alguns alunos

mais novos chegam e começam conversar comigo e com a professora, que apesar

de não dar aula para eles, os conhece. Vou percebendo que a professora conversa

com quase todos os alunos, que convive com eles. Porém, esse dia é pouco para

conhecer a professora e volto mais uma vez.

A aula da professora Clarissa começa com ela levantando uma noticia

polêmica que estava sendo noticiada no dia anterior, ela levanta algumas questões

para os alunos pensarem e começa uma atividade. Ela usa alguns folders e

materiais dos educativos de exposições, que ela freqüentou sozinha ou com alunos,

para realizar a uma atividade de análise de obras. Isto parece dar significação a uma

exposição que estes alunos de oitava série haviam visitado no mês anterior.

A próxima aula ocorre na sala de vídeo, onde uma turma de alunos de sétima

série vêem um curta-metragem de Charles Chaplin (Vida de Cachorro). Por ser um

pouco longo, só é possível que a turma veja o vídeo, deixando o desenvolvimento da

aula para outro dia.

Na ultima aula, a professora conversa com os alunos de outra das 7as séries

para ajudá-los na apresentação que farão na próxima semana. Antes de terminar o

dia, vejo alguns dos trabalhos dos alunos que estão expostos no corredor onde se

localiza a diretoria e a sala dos professores.

Conversando com a professora, que é formada pela UNESP em um curso

que abordava artes cênicas, música e artes visuais, percebo um viés político muito

forte em sua vida. Ela atua como militante e tem um interesse pela arte de rua, além

de uma experiência anterior como assistente de um professor de fotografia, com

quem aprendeu algumas técnicas não convencionais de fotografia. Aos poucos,

percebo que para Clarissa a arte-educação é uma atitude um pouco política, o que

36

explica a condução de seus temas para questões sociais e ela atuar na escola,

movimentando os alunos. Na semana seguinte, isso se tornou bem claro.

Ao ver o sarau com as apresentações dos alunos, percebo que o que a

professora Clarissa provoca é uma movimentação, uma experiência extra-classe,

sempre que possível. A sua maneira de expor a arte é mostrá-la como um meio de

protesto, como critica e/ou como parte da sociedade, distanciando-a do museu e

trazendo-a para a escola e para a rua.

6.3 – Um professor universitário

O ultimo personagem desta história é um professor de uma universidade

pública. O professor João é responsável pelas disciplinas de fotografia do curso de

artes visuais e atua como fotógrafo publicitário e na reprodução de livros de arte,

além de possuir um trabalho artístico. Porém, ao contrário das duas professoras, ele

se formou em engenharia na POLI-USP e aos poucos foi se aproximando da

fotografia.

Freqüentando uma de suas aulas, percebe-se a vontade de ver os alunos

trabalhando, pois, apesar de propor mostrar alguns fotógrafos, ele exige que os

alunos apresentem o que estão fazendo. Mas ao invés de criticar os trabalhos, ao

ver os trabalhos dos alunos, ele levanta a discussão sobre eles e conversa, sempre

procurando deixar que os alunos falem e procurando onde tal aluno se encontra no

trabalho mostrado. A conversa do professor com a turma ocorre, misturando

conteúdo teórico e algumas histórias pessoais, como se ele estivesse falando de

suas experiências.

Ao perceber o que fala para os alunos, encontro uma raiz na tentativa de

pedir para que os alunos entendam e vivam sua liberdade, o que ocorre também nos

fotógrafos que mostra. Além de mostrar fotógrafos para estimular a produção, neles

há aspectos da discussão que ocorreu anteriormente sobre os trabalhos dos alunos.

Ele não dita o caminho verdadeiro, mas vive dizendo que precisamos encontrar o

nosso caminho.

Ele é mais velho que as duas professoras anteriores, possuindo 60 anos. Em

suas palavras, há a voz do artista que busca mostrar os problemas que podem

surgir numa vida em busca da arte e o conselho de nunca desistir de seu trabalho.

Sua fala é de um apaixonado pela fotografia. Enquanto conduz suas aulas, é

37

evidente que o que faz ali não é dar, mas compartilhar sua experiência, os autores

que ele percebe serem interessantes para a turma, filmes e livros que podem nos

beneficiar. Ele dificilmente ensina uma técnica, porém ajuda o aluno a encontrar o

seu caminho.

6.4 - Onde está o professor?

Muitos homens ensinam – uma disciplina intelectual ou manual, uma técnica, um

ofício –, pouquíssimos gozam desse acréscimo de autoridade que lhes não vem do

saber ou da capacidade, mas do seu valor como homens.63

As três pessoas mostradas trabalham em lugares diferentes, para instituições

diferentes: Uma escola estadual, uma municipal e uma universidade. Lugares

distintos, porém em todos eles, independente do método, eles conseguiram estar

presentes em suas aulas, estar presentes para seus alunos, pois, (...) o ensino é

antes de mais uma relação humana, cujo sentido varia com a idade e personalidade

dos que entram em relação64.

Apesar do aspecto emocional que isso possui, o que diferencia um professor,

em muitos casos, é sua relação com aquilo que se compromete a dar, a relação com

o aluno e com a profissão escolhida. A vivência com a arte, presente em ambos os

casos, permitiu que eles reconhecessem algo comum para a experiência com a arte;

o respeito e a preocupação com os alunos possibilitaram que construíssem vínculos

com os alunos e lhes deu o sentido de responsabilidade; terem realmente escolhido

ser professores os diferencia, pois decidiram que viveriam isso.

O professor, nestes casos, como confirma Gusdorf: o bom professor pertence

a uma ordem superior. Ama a sua profissão, na qual encontra, não apenas um

ganha-pão, mas uma razão de ser65. O professor, como já foi dito até o momento,

possui responsabilidade para com seus alunos, como individuo que se usa do

ensino de algo a fim de educar alguém, porém isto é inviável caso assuma esta

profissão como algo qualquer, um emprego provisório para pagar algumas contas.

Não apenas para edificar o sujeito, fazê-lo tomar consciência de si mesmo, a

63

Gusdorf, Georges. Professores para que? Para uma Pedagogia da Pedagogia. Lisboa: Moraes Editores, 1970, p. 10 64

Idem, p. 66. 65

Idem, p.68.

38

educação também serve como maneira de permitir-lhe o acesso à sociedade a qual

pertence.

Na medida em que a criança não tem familiaridade com o mundo, deve-se

introduzi-la aos poucos a ele (...). Em todo caso, todavia, o educador está

aqui em relação ao jovem como representante de um mundo pelo qual deve

assumir responsabilidade.66

Estabelece-se, portanto, duas responsabilidades: uma para com a sociedade

e outra para com o individuo. O aluno deve ser preparado para as regras sociais,

para as linguagens, convenções e contradições da sociedade a qual pertence. O

educar, neste ponto, tem o papel de preparar o individuo tanto para se proteger

quanto para participar do jogo social, sem que a sociedade o esmague e lhe

permitindo contribuir para com o coletivo. Como Hanna Arendt comenta, o professor

precisa proteger o mundo sem privá-lo da chegada do novo, que a cada nova

geração tem o poder de renovar o mundo.

A responsabilidade para com o aluno incumbe o professor de ajudá-lo a

reconectar-se consigo mesmo. Isto, porém, necessita de um desapego, pois o aluno

precisa aprender, antes de mais nada, a caminhar por si próprio, e encontrar o que é

essencial para ele. Como Herrigel comenta:

Até onde o discípulo chegará é coisa que não preocupa o mestre. Ele apenas

lhe ensina o caminho, deixando-o percorrê-lo por si mesmo, sem a

companhia de ninguém. A fim de que o aluno supere a prova a prova da

solidão, o mestre se separa dele, exortando-o cordialmente a prosseguir mais

longe do que ele e a se “elevar acima dos ombros do mestre”.67

Como Musa comenta, para ensinar alguém é necessário se atentar para

aquilo que o aluno traz e completar as informações de que ele necessita68. Assim, o

caminho que o aluno percorre não envolve apenas uma descarga de informações,

nem sempre necessárias, mas um conjunto de informações que o ajudem a construir

o conhecimento. Mais do que memorizar, construir.

66

Arendt, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: perspectiva, 2009, p. 239. 67

Herrigel, Eugen. A arte cavaleiresca do arqueiro zen. São Paulo: Editora Pensamento, 2007, p. 57. 68

68

Primeiro encontro da Rede de Produtores Culturais da Fotografia Brasileira. 28/05/2010, Brasília.

39

O que o aluno construirá, o caminho que ele percorrerá, não cabe a mais

ninguém percorrer ou construir. É algo que deve fazê-lo sozinho, porém este não

exclui as orientações que o mestre forneceu. O professor, desse modo, deve se

preocupar menos com a avaliação e mais com o desejo e a necessidade do sujeito à

sua frente possui. O conhecimento será completamente inútil se for incapaz de

ajudar diretamente na vida daquele que o possui, seja em um problema externo ou

interno.

O professor, desse modo, usa da sua experiência pra promover uma nova

experiência, próxima ou diferente daquela que teve, a fim de criar uma situação que

estruture, signifique ou inicie o aluno em descobrir-se, aprender uma ferramenta útil,

saber opinar, ou sobre sua presença na sociedade.

O professor de arte usa da experiência, considerando que o conhecimento em

artes se dá na intersecção da experimentação, da decodificação e da informação69.

Assim se estabelece um conjunto de relações, onde a teoria ajuda a contextualizar

uma obra no tempo e a prática significa este conjunto de conhecimentos teóricos.

Assim o aluno, através da teoria e da prática artística, encontra-se em um todo

maior, que quando estabelece sua crítica evidencia sua presença no coletivo... em

sua sociedade.

Ao fim, o professor de arte faz um processo de associar muitas formas de

pensar num único processo, anexando a intuição, a reflexão e a codificação e

decodificação. Ele pode, se o aluno permitir, promover o reencontro consigo mesmo

e ser uma ponte de ligação com a sociedade. Ele pode, apesar de isso nem sempre

ocorrer. O olhar de cada professor apresentado, cada um a seu modo, que exerce o

diálogo com seus alunos e aí realiza o seu papel social, recai sobre cada aluno e,

sem pregar-lhes a verdade, iniciam os alunos na busca de sua verdade.

Mesmo que: Cada um deve apresentar as suas verdades particulares, mas as

verdades particulares são apenas pequena parte da verdade humana, no seu

conjunto.70

69

Barbosa, Ana Mae. A Imagem no ensino da arte: anos oitenta e novos tempos. São Paulo: Perspectiva, 1999, p. 32. 70

Gusdorf, Georges. Professores para que? Para uma Pedagogia da Pedagogia. Lisboa: Moraes Editores, 1970, p.73

40

Conclusão

Herrigel se preparou por anos para disparar uma flecha sem a intenção clara

de fazê-lo. Mas ao fazê-lo ganhou a autonomia de simplesmente fazer, ele alcançou

o lugar mais profundo de si mesmo e esteve preparado para fazê-lo. Para o aluno,

isto parece difícil e demorará, mas pode ser alcançado. Alcançar a si mesmo não é

simplesmente uma auto-ajuda, mas um conjunto de processos que mais cedo ou

mais tarde desembocam em um ponto onde a entrega e a aceitação de si mesmo

são uma decisão. Pode-se encontrar o melhor de si mesmo, ou ficar por muito

tempo perdido.

Segundo Campbell, um indivíduo é feito de muitas consciências71 e – sendo

que algumas delas podem ser encaradas como inconsciente – a grande busca,

considerando o Zen, nas palavras de Diasets T. Suzuki, é harmonizar o consciente

com o inconsciente72. Encontrar a harmonia para consigo mesmo.

Talvez em uma sociedade tão cheia de certezas, graças aos grandes avanços

e pesquisas cientificas das décadas passadas, algo misterioso assim seja

amedrontador. Mais do que isso, numa sociedade onde muitas das experiências

sofrem algum tipo de mediação, onde muitos valores são dados como produções de

massa nem sempre de boa qualidade, cabe ao professor, não necessariamente de

arte, ajudar na construção do sujeito e na passagem para o mundo adulto.

A tarefa da construção dos novos membros da sociedade não é uma tarefa

exclusivamente dos pais. O educador tem a responsabilidade de iniciar seu aluno no

mistério da vida, abrir-lhe a porta e compartilhar suas experiências, fornecendo,

através do ensino da, uma educação útil à formação, tanto intelectual quanto interna

do sujeito. Nas artes, talvez caiba ao professor ensinar ao aluno, assim como diz

João Musa, a aceitar o mistério e construir o segredo73. Aceitar o mistério inerente à

existência; construir um segredo, que só se revela àqueles que o buscam e o

compreendem, ainda que sem palavras para descrever a experiência profunda que

vivenciam enquanto seres vivos.

71

Campbell, Joseph. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 1990, p. 15. 72

Herrigel, Eugen. A arte cavaleiresca do arqueiro zen. São Paulo: Editora Pensamento, 2007, p.10. 73

João Musa. aula: 1º semestre de 2011

41

Mas como se formar assim como educador? Um principio, além do estudo, é

harmonizar-se, encontrar-se consigo mesmo e, por fim, encontrar sua obra interior.

Encontrar um (s) mestre(s) e algum (s) interlocutor (s) faz parte dessa busca.

A palavra do mestre é uma palavra mágica. Ao apelo de um espírito, outro

desperta; pela graça de um encontro, uma vida foi mudada. (...) Jazia na

ignorância e passou a conhecer-se e pertencer-se, a depender unicamente de

si própria, a sentir-se responsável pela realização que doravante cumprirá.74

Como professor iniciante, ser ainda não desperto, procura-se por alguém já

desperto que com a chama necessária, a força, a vontade, provoque a sua

existência para cumprir aquilo a que se auto-destina ser. Procura-se por alguém que

o ajude a compreender e a aceitar o trabalho que precisa cumprir. Para

compreender a importância de fazê-lo.

Considerando essa parte da formação iniciada ou concluída, resta uma

segunda, porém não menos complexa: caminhar com seus próprios pés. O mestre

inicia, mas é o aluno que prossegue. Após encontrada a obra interior, é necessário

executá-la, ser ela.

Entre o desenho existente na mente e aquele que põe no papel, há grande

abismo. Com a educação também. Compreender e conquistar aquilo que movimenta

o sua ação como educador é importante, mas é necessário um novo aprendizado

que se encontra no se relacionar com alunos: criar e realizar aulas.

Como auxiliar alguém a fotografar, da mesma forma como respira

naturalmente? A esperar o momento certo e a lidar com seus próprios conflitos?

Essa é uma tarefa importante, que talvez apenas a prática educativa nos possa

ajudar a responder, pois sem ela, nem a busca por interlocutores pode ser

acessada. Uma discussão só pode ser iniciada se há algo a ser discutido.

74

Gusdorf, Georges. Professores para que? Para uma Pedagogia da Pedagogia. Lisboa: Moraes Editores, 1970, p. 19.

42

Referências

Arendt, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: perspectiva, 2009;

Barbosa, Ana Mae. A imagem no ensino da arte: anos oitenta e novos tempos. São

Paulo: Editora Perspectiva, 1999;

Barthes, Roland. Câmara clara. Lisboa: edições 70, 1980;

Benjamim, Walter. Magia e Técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história

da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994;

Buti, Marco. Ir, passar, ficar. Tese de doutorado. São Paulo: USP, 1998.

Campbell, Joseph. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 1990;

Chiarelli, Tadeu. “A fotomontagem como “introdução à arte moderna”: visões

modernistas sobre a fotografia e o surrealismo” in ARS: Revista do Departamento de

Artes Plásticas, Ano 1, nº 1, 2003;

Fabris, Annateresa (org.). Fotografia: usos e funções no século XIX. São Paulo,

Edusp, 1991

Flusser, Vilém. A filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da

fotografia. Rio de janeiro: Relume Dumará, 2002.

Gusdorf, Georges. Professores para que? Para uma Pedagogia da Pedagogia.

Lisboa: Moraes Editores, 1970;

Herrigel, Eugen. A arte cavalheiresca do arqueiro zen. 22ª ed. SP: Editora

Pensamento, 2007;

Lichtenstein, Jacqueline(org.). O mito da pintura. São Paulo: Editora 34, 2004.

Marcolin, Neldson. “Caminhos paralelos”. São Paulo: Edição Impressa 150 - Agosto

2008. http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=3599&bd=1&pg=1&lg=, 15 de Jan de

2011

Musa, João. Viagem a uma terra desconnhecida. Tese de Mestrado. São Paulo:

USP, 1990;

Newhall, Beaumont. The history of photography. New York: Museum of Modern

Art, 1982.

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN – Ensino Médio: Linguagens, códigos e

suas Tecnologias, Artes);

Proposta Curricular do Estado de São Paulo: Arte. São Paulo: SEE, 2008;

Richter, Ivone Mendes. Interculturalidade e estética do cotidiano no ensino das artes

plásticas. Campinas: Mercado de Letras, 2008;

43

Salles, Felipe W. “Breve História da Fotografia”.

http://www.mnemocine.art.br/index.php?option=com_content&view=article&id=108:hi

stfoto&catid=46:fotohistoria&Itemid=68; acesso em: 10 de Janeiro de 2011.

Stieglitz, Alfred. Camera Work. Londres: Ed. Tachen, 2008;

Talbot, Willian Henry Fox. The pencil of nature. Londres: Longman, Brown, Green e

Longmans, 1844.

Eventos:

V Seminário de Arte, Cultura e Fotografia. 08 a 12/11/2010, MAC/USP, São Paulo.

Fotografia e Arquitetura: Interações. Mesa-redonda com os fotógrafos: Daniel Ducci,

João Musa, Nelson Kon e Tuca Vieira. 11/11/2010, FAU/USP, São Paulo.

Primeiro encontro da Rede de Produtores Culturais da Fotografia Brasileira.

28/05/2010, Brasília. Vídeo com a síntese das falas de João Musa.

Levantamento bibliográfico

Fotografia

Benjamim, Walter. Sobre La fotografia. Valencia: Pre-textos, 2007.

________________________. “Foto e gravura”. São Paulo: Jornal da USP, Vamos,

ago. a 02 set. 2001, p. 16, 27.

Costa, Heloise. A fotografia moderna no Brasil. São Paulo: Cosac Naify, 2004.

Dubois, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1994.

Fabris, Annateresa. Identidades virtuais: uma leitura do retrato fotográfico. Belo

Horizonte: Ed. UFMG, 2004.

García Felguera, María de los Santos; Gallardo, Helena Pérez; In Carmelo. Historia

general de la fotografía. Madrid: Cátedra, 2007.

Kossoy, Boris. São Paulo, 1900. São Paulo, CBPO, Kosmos, 1988

____________. Origem e expansão da fotografia no Brasil: século XIX. Rio de

Janeiro: FUNARTE, 1980

____________. Hercule Florence: a descoberta isolada da fotografia no Brasil. São

Paulo: EDUSP, 2006.

44

____________. Imagem fotográfica: fundamentos teóricos e proposições

metodológicas. São Paulo: ECA/USP, 2006.

____________. Realidades e Ficções na trama fotográfica. Cotia: Ateliê Editorial,

2002.

Krauss, Rosalind. O fotográfico. Barcelona, Editorial Gustavo Gili 2002.

Monforte, Luis Guimarães. Fotografia pensante. São Paulo: Senac, 1997;

Musa, João Luis et Pereira, Raul Garcez. Interpretação da luz: O controle de tons na

fotografia preto-e-branco. São Paulo: olhar impresso, 1994;

Samain, Etienne (org.). O fotográfico. São Paulo: Editora SENAC, 2005.

Vários. O olhar. São Paulo: Ed. Schwarcs LTDA, 1998.

Wall, E.J.. Photographic Facts and Formulas. Boston: American Photographic

Publishing Co., 1924.

Arte e educação

Aranha, Carmen Sylvia Guimarães. Exercícios do olhar: uma fenomenologia do

conhecimento visual. São Paulo: Escola de Comunicações e Artes da Universidade

de São Paulo, 2000 (tese de livre docência).

Arendt, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: perspectiva, 2009.

Arnheim, Rudolf. Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora. São

Paulo: Cengage Learning, 2008

Barbosa, Ana Mae Tavares Bastos. Arte-educação no Brasil. São Paulo:

Perspectiva,2010.

______________. As mutações do conceito e da prática. São Paulo, SP: Cortez,

2008.

Dewey, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010

Duarte Junior, João Francisco. Fundamentos Estéticos da Educação. 2ª ed.

Campinas: Papirus Editora, 1988.

Freire, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários para à prática

educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

Fritzen, Celdon e Moreira, Janine. Educação e arte: as linguagens artísticas na

formação humana. São Paulo, SP: Papirus, 2008.

Iavelberg, Rosa. O desenho cultivado na criança: pratica e formação de educadores.

Porto Alegre: Zouk, 2008.

45

______________. "Eu não sei desenhar". São Paulo: Carta Fundamental, n. 24, p.

20-23, dez. 2010/jan. 2011.

______________. Para gostar de aprender arte: sala de aula e formação de

professores. Porto Alegre: Artmed, 2008.

Lowenfeld, Viktor. Desenvolvimento da capacidade criadora. São Paulo: Mestre Jou,

1977.

Machado, Regina, Stella Barcellos. Acordais: fundamentos teórico-poéticos da arte

de contar histórias. São Paulo: Difusão Cultural, 2004.

Moraes, Sumaya Mattar. Aprender a ouvir o som das águas: o projeto poético-

pedagógico do professor de artes. São Paulo: Faculdade de Educação de

Universidade de São Paulo, 2002 (tese de mestrado).

Moreira, Ana Angélica Albano. Espaço do desenho: a educação do educador. São

Paulo: Loyola, 2002.

Oliveira, Marilda Oliveira de (org.). Educação e cultura. Santa Maria:Ed.

UFSM, 2007.

Pillar, Analice Dutra (org.). A educação do olhar no ensino das artes. Porto Alegre:

Mediação, 2009.

Pimenta, S. G. e Ghedin, E. (org.). Professor reflexivo no Brasil – gênese e critica de

um conceito. São Paulo: Cortez, 2002.

Read, Herbert. A educação pela arte. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

Richter, Ivone Mendes. Interculturalidade e estética do cotidiano no ensino das artes

plásticas. Campinas: Mercado de Letras, 2008.

Silveira, Adriana Ximenez Machado. Estado da arte sobre juventude na pós-

graduação brasileira: educação, ciências-sociais e serviço social. Belo Horizonte:

Argvmentvm, 2009, v. 1 e 2.

_______________. O trabalho da educadora e o da pesquisadora: o

desenvolvimento de projetos artistico-esteticos na educacao infantil. São Paulo:

Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 2006. (Tese de mestrado).

Tripoli, Suzana Guimarães. A arte de viver do adolescente: a travessia entre a

criança e o adulto. São Paulo: Arte & Ciência, 1998.

46

Artigos publicados na internet:

Fabris, Annateresa. “Entre arte e propaganda: fotografia e fotomontagem na

vanguarda soviética”. São Paulo: Anais do Museu Paulista, Ano. 13, nº 1, jan – jun

de 2005, p. 99 -132. http://redalyc.uaemex.mx/pdf/273/27313104.pdf. Acesso em: 05

fev 2011.

_____________. “A captação do movimento: do instantâneo ao fotodinamismo”. São

Paulo, 2004. http://www.cap.eca.usp.br/ars.htm. Acessos em: 05 fev 2011

Name, José Otavio Lobo. “Reflexões para uma foto-educação”.

http://www.joname.xpg.com.br/foto-edu.htm. Acesso em: 05 fev 2011.

Schultze, Ana Maria. “Fotografia e educação: a escola como formadora de leitores

críticos da imagem midiática”. In: Anais do Congresso Brasileiro de Ciências da

Comunicação, 27, 2004. Porto Alegre. São Paulo: Intercom, 2004. CD-ROM.

file:///C:/Users/GALVAOJR/Searches/Textos/USP/inicia%C3%A7%C3%A3o%20cient

ifica/textos/educa%C3%A7%C3%A3o/Nova%20pasta/Reposcom%20%20Item%201

904%2018395.htm. Acesso em: 05 fev 2011.

Wunder, Alik. “Uma educação visual por entre literatura, fotografia e filosofia”.

http://www.anped.org.br/33encontro/app/webroot/files/file/Trabalhos%20em%20PDF/

GT24-6614--Int.pdf. Acesso em : 09 fev 2011.

47

Anexos – Fichamentos de leituras Anexo I

Annateresa Fabris (org.). Fotografia: usos e funções no século XIX. São Paulo: Edusp, 1991.

Cap. 1 - Invenção da fotografia: repercussões sociais. (Annateresa Fabris)

A autora considera o desenvolvimento da fotográfica, como decorrente do desenvolvimento

técnico das imagens consumo, sendo estas, pertencentes as artes gráficas: Xilogravura, Gravura em Metal e Litografia. Seguindo este principio, o seu desenvolvimento é decorrente de um desenvolvimento técnico, que visou melhor atender ao mercado de imagens.

A princípio, a fotografia é uma técnica cara, contudo, alvo de invenções sucessivas que ampliaram seus usos (comercio, ciência, jornalismo) até o ponto de se popularizar, com maior intensidade, após a invenção da Câmera portátil em 1895. E de sua descoberta até a invenção da câmera portátil, passou por alguns dilemas e crenças que se refletem nela até hoje, por exemplo: a boa fotografia (fisionomia agradável, nitidez geral, sombras, meio-tons e claros acentuados, proporções naturais, detalhes em preto, beleza – Disdérie, (página 20) e pelo confronto na tentativa de se por como arte, que no inicio até poderia ser mais bem interpretada como tal, pela dificuldade que o daguerreótipo possuía em sua manipulação e pela não reprodutibilidade da técnica.

Contudo, seu discurso inicial, tinha um viés cientifico. Mesmo que o Artista Fotógrafo nessa época, assim como parece ser hoje, efetuasse escolhas com relação à imagem, composição e dos processos para criar algo a seu gosto (p. 23).

Na segunda metade do século XIX surgem algumas das concepções, mais recorrentes, sobre a fotografia: a câmera fotográfica é o olho da história e o mundo existe para ser fotografado (p. 35). Assim como, também seus grandes problemas. Ela se tornou algo que representa a verdade, através da qual, pode-se ver o mundo e sua história, mesmo que a imagem fotográfica seja tão parcial quanto um texto. Um exemplo disso é o uso de fotos em alguns dos mais importantes documentos de um cidadão.

A fotografia cria uma visão do mundo a partir do mundo, molda um imaginário novo, uma memória não-seletiva porque cumulativa. Em sua superfície o tempo e o espaço inscrevem-se como protagonistas absolutos, não importa se imobilizados, ou até melhor se imobilizados porque passiveis de uma recuperação, feita de concretude e devaneio, na qual a aparente analogia se revela seleção, construção, filtro (p. 36). A fotografia é uma maneira de se chegar ao passado, mesmo que este, seja manipulado, ela também é uma maneira de acumular memórias que não são suas ou de forjá-las. Naquele momento, a fotografia ainda presa a beleza da pintura, não pode se assumir, mesmo porque, ainda estava engatinhando.

Cap. 2 - O circuito social da fotografia: estudo de caso I (Annateresa Fabris) Nápoles O capitulo dois descreve a fotografia no contexto de Nápoles e assim como o próximo, utiliza

para isso, a divulgação que os ateliês de fotografia colocavam nos jornais. A partir disto, comenta o furor que a nova técnica trouxe para a sociedade.

A fotografia, diferente da pintura, da escultura ou da gravura, no seu principio foi associada diretamente com realidade. O „duplo da realidade‟ parece tornar-se mais importante que a própria realidade, pois, permite a fuga, a seleção, a auto-satisfação, a “montagem” de um mundo na medida de cada indivíduo (p. 56). Uma foto era a imagem da realidade, que quem podia comprá-la, iria querer. A compulsão por adquirir fotos, a fim formar álbuns correspondia à necessidade da sociedade, de buscar uma catalogação do mundo, a busca pelo exótico, pelo que esta de fora de sua cultura.

Porém, apesar do discurso democrático, na prática, o proletariado não tinha acesso ao invento pelo custo dela na começo da segunda metade do século XIX.

Cap. 3 - Circuito social da fotografia: estudo de caso II (Solange Ferraz de Lima)

48

A fotografia em São Paulo desenvolveu-se de forma diferente da Europa. Um deles é o fato

dela ser divulgada e aceita pela academia com os valores de arte, contudo deve-se pensar que como o autor disse: nos dez primeiros anos da fotografia, quando somente a exercia um restrito número de especialistas e as dificuldades dos procedimentos requeriam conhecimentos muito particulares, a fotografia, como as outras artes, parecia envolta pelo mistério da criação. Mais tarde com a simplificação dos procedimentos que permitia a qualquer individuo desenvolver-se facilmente nesse terreno, a fotografia acabaria perdendo seu prestigio. Paralelamente a essa evolução, se consumiu a decadência artística do retrato fotográfico (p. 65).

A fotografia, como dito anteriormente, tinha um ideal democrático, assim pensado, segundo a crença de que ela nivelava as pessoas de classes diferentes: “na vida social, foste tu (o sol) que os nivelaste, ajudando a colocar o busto do cozinheiro na mesma galeria em que figuram os grandes homens” (p. 71). Talvez, ai se encontre um inicio para relação, que alguns movimentos de artísticos, têm em relação ao homem comum: tornando-o inspiração para as obras, tanto quanto grandes personagens.

Cap. 4 - Descobrindo a fotografia nos manuais: América (1840-1880) (Ricardo

Mendes) Este capítulo foca o discurso em três livros, manuais usados para a divulgação da fotografia:

The history and pratice of the art of photography; The silver sunbeam; The ferrotype and how to make it. Estes manuais foram usados nos EUA, sob uma cultura peculiar para a época. O aperfeiçoamento da fotografia é rápido, assim como as transformações que ela causa, mas são transformações e aperfeiçoamentos mais rápidos, e sem pausa, que o homem do século XIX não consegue se adaptar. O mundo muda mais rápido que o homem (p. 88).

Nesse contexto, os manuais e publicações em revistas são a maneira mais eficiente para que se tome o conhecimento sobre a fotografia, assim como para se atualizar. Para Snelling, em função da baixa qualidade dos profissionais da época, era aconselhável aos principiantes buscar bons manuais. Assim eles são o meio de ensino no momento, em função de ser recente demais para que se tenham profissionais capacitados para isso

No entanto, o contexto Norte Americano se diverge do europeu, pois nele não há migração da área artística para a fotográfica. O que para Snelling, autor de The history and pratice of the art of photography, pode ser um problema, pois para ele o fotógrafo deve ter gosto e conhecimento de artes para não se prender ao processo mecânico (em síntese ele deve ter zelo (com o estúdio), dedicação e gosto pelas artes. A fotografia americana sob este aspecto se baseia muito nos modelos da pintura acadêmica.

Em Silver sunbeam é focada a reprodutibilidade e o fotógrafo é dotado de outro aspecto: ele é aquele que erra e aprende sobre o seu fazer. Assim destaca-se o artista de ateliê: o homem esconde a si e ao seu trabalho, da vista dos visitantes.

Há a valorização do cenário como estereótipo da realidade, assim como dos outros processos ligados ao fotografar (iluminação, negativo, lentes e ampliação).

O ultimo livro, porém, se destaca como um manual de como se apresentar como fotografo, sem destacar as técnicas do ferrotipo que se ligam ao seu titulo. Ele falha quanto à divulgação da técnica, mas se torna interessante como manual para estabelecer um ateliê fotográfico, pois enfoca a rotina de ateliê. No restante, suas idéias se assemelham as de Snelling, quanto ao que é primordial para um fotógrafo.

Cap. 5 - Arquitetura e Fotografia no século XIX (Maria Cristina Wolff de Carvalho

e Silvia Ferreira Santos Wolff) A fotografia e a arquitetura se ligaram de forma simples. A princípio, a fotografia exigia longos

tempos de exposição e a arquitetura por ser um objeto estático, favorecia a técnica. Além disto, ela identifica facilmente, a cultura a qual pertence, o que ajuda no gosto popular de busca pelo outro.

Contudo a relação não é tão intensa quanto hoje, em que fotografia divulga e interpreta a arquitetura, pois seu embate com arte era maior naquele momento, relegando isso a uma questão secundária. E também porque, naquele momento, a fotografia se usa das características do desenho para mostrar a arquitetura e hoje, ainda que autoral, a base é mais ampla. Não a limitação a um meio único, como a linguagem do desenho foi.

Mas ela, mesmo assim, atendia a um desejo antigo do ser humano, de perpetuar sua própria imagem, assim como a desejo burguês pelo exótico.

49

Cap. 6 - A Fotografia e o sistema das Artes Plásticas (Annateresa Fabris)

O nascimento da fotografia, assim com toda a sua história – afirma Francesca Alinovi

– „baseia-se num equivoco estranho que tem a ver com sua dupla natureza de arte mecânica: o de ser um instrumento preciso e infalível como uma ciência e, ao mesmo tempo, inexato e falso como arte‟. A fotografia, em outras palavras, encarna uma forma hibrida de uma „arte exata‟ e, ao mesmo tempo, de uma ciência artística, o que não tem equivalentes na história do pensamento ocidental (p. 173). Este trecho do texto resume o capítulo seis. Ele é uma extensa explicação sobre o confronto

da fotografia com a arte (a dita arte alta) em busca de sua afirmação como arte. Paul Virilio encara a fotografia sob três aspectos: um artístico (como a gravura, considerando

o fator do negativo como matriz e seu processo de impressão); um de lógica industrial (considerando sua vertente de reprodutibilidade e a questão do consumo de imagens); e por ultimo um vetor científico (por ser originária de processos que dependem do conhecimento cientifico, neste caso, a óptica e a química).

Daguerre, consciente dos aspectos econômicos de sua sociedade, faz um discurso cientifico sobre a técnica que acabara de divulgar. O que pode ter sido o principio de toda a luta, pelo reconhecimento da fotografia como linguagem e seus aspectos estéticos inerentes. O problema, porém é profundo, pois o aspecto documental, que pode ser inerente a linguagem, também foi exaltado por Talbot, em seu livro The pencil of nature. Neste livro, o autor comenta que em suas fotos, não há sua mão, que elas são inteiramente frutos da natureza, o que, ao longo do livro de Fabris, é o motivo mor que permeia o discurso da anti-fotografia. O discurso de fidelidade ao real, mobilizado pela própria fotografia, confere veracidade ao que registra, independentemente, da natureza do referencial. O que acaba por se voltar contra ela, quando tenta ser aceita no panteão artístico.

A separação entre „espírito‟ e „matéria‟, latente nesse discurso, levará a catalogar a fotografia entre as artes mecânicas: ao fotógrafo não se reconhece a capacidade de selecionar, de distinguir o belo do vulgar, de organizar a composição, de modificar a apreciação aquilo que a imagem registrou. Nem mesmo um defensor da poética realista com Champfleury escapa dessa visão redutora. Ao contrapor o romancista ao fotógrafo, escreve o autor de Recordações e retratos da Juventude:

Aquilo que vejo penetra em minha cabeça, desce para minha e pena e se torna o que vi (...) Posto que o homem não é uma máquina, não pode traduzir mecanicamente os objetos. O romancista escolhe, agrupa, distribui; o daguerreotipista se empenha com tal intensidade? (p. 175 e 178)

Independentemente da fotografia ser usada como meio de estudo para se fazerem pinturas (o que acabou influenciando a pintura deste século), ela se torna, com a invenção do negativo, uma concorrente da pintura e mais tarde da gravura, ao passar a ser o meio preferido para a reprodução de obras de arte. O que gerou mais conflito, pois o impasse, agora é no campo comercial também.

No campo artístico, alguns de seus partidários ainda afirmam, que ela não tem inteligência: até mesmo as fotografia sobre papel, mais próximas da arte, só produzem ilusão quando reproduzem modelos que a inteligência humana já tinha animado e tornado poéticos (p. 179). Porém, há fotógrafos que a exploram pela via plástica (Octavius Hill, Robert Adamson, Gustave Le Gray, Nadar, Atoine Samuel Salomon, Julia Cameron). Aos quais, tal discurso não faz sentido.

Na busca do status artístico surgem vertentes que afirmam ser o retoque, o que lhe confere o tom artístico e outras que acreditam na temática (temas históricos, literários, anedóticos, ricos em imaginação, ago além da mera reprodução da realidade). Neste contexto, o fotógrafo Brogie, em 1885, defende sua autonomia artística ao dizer que:

É necessário que o operador tenha muito conhecimento químico; prática e gosto artístico para escolher o ponto de vista quando se trata de monumentos ou de vista. É necessário que estude o ponto de luz mais favorável para obter aqueles justos contrastes de claro-escuro, meio-tons, com suficiente força de conjunto. É necessário, finalmente, que espere o beneplácito do fator principal da fotografia (a luz) para realizar o trabalho (p. 186). Nesse contexto, se enquadram os fotógrafos pictóricos que tendem a usar técnicas visando a

aproximar-se da imagem de quadros e desenhos. O livro Camera Work, de Alfred Stieglitz divulgou muitos dos artistas desse movimento. Contudo, depois do impacto da arte contemporânea, ele privilegia um fotógrafo purista, Paul Strand, 1917, abrindo passagem para a fotografia moderna, e assim fundando o Photo Secession.

Há outras teorias, ao final do capítulo, de que o Realismo deriva da fotografia, já que para os defensores da arte como fantasia, o Realismo é igual à Fotografia. Ambos compactuam em algumas

50

buscas estéticas, entre elas o imediato, a fragmentação e a espontaneidade. Além disso, ambos são socialmente compatíveis com a mentalidade do século XIX, que almeja o „império‟ dos fatos e dos „cálculos‟.

Cap. 7 - Representação da Natureza na Pintura e na Fotografia Brasileiras do

Século XIX (Vânia Carneiro de Carvalho) O século XIX conhece a paisagem, de modo diferente do até então tratado pela arte. A

paisagem vira tema central, ao invés de um elemento decorativo para os personagens que a habitam. Dentre os Pintores que se destacaram neste tipo de produção há William Turner, John Constable, artistas da escola francesa de Barbizon – e Rosseau, Daubigny, Millet e Durné e Georg Grimm, que no Brasil, iniciou um movimento de levar a pintura para fora do ateliê.

A fotografia, nesse tipo de produção, entra por volta de 1855, mas a ela cabem alguns pontos importantes:

O mais importante deles, a meu ver, é o fato dela possuir um pequeno problema técnico que se resolverá, apenas em1885, que é o de sua sensibilidade à luz. Antes da Sensibilidade Ortocromática, havia pouca sensibilidade ao verde e menos ainda ao amarelo e vermelho;

Os avanços técnicos chegavam rapidamente ao Brasil; Com essas duas informações já é possível entender alguns “porquês” da composição

fotográfica. Repetindo o que já havia elucidado no capitulo anterior, a fotografia se justifica como arte através da pintura, seja pelo tema, composição ou pela tentativa de aproximar suas técnicas da aparência, que um quadro possui. Assim, as imagens fotográficas são próximas do impressionismo e o ponto de diferenciação com a pintura, fica no caráter de monumentalização da paisagem.

Por ultimo, há um uso da fotografia que visava construir uma imagem de país compatível com o mundo capitalista.

A fotografia não se constitui enquanto linguagem própria, mas será responsável pela transformação em senso comum de uma visualidade, que germinava no circulo restrito dos produtos de obras de arte (p. 228)

Cap. 8 - Fotomontagem e Pintura Pré- Rafaelista (Margot Pavan)

Este capítulo aborda os mesmos problemas que a fotografia enfrentou, mas com relação ao

movimento Pré-rafaelista. Nele, os pintores usavam a fotografia como instrumento de ajuda para confeccionar suas pinturas, pois ela seria necessária para chegar ao verismo e detalhamento que almejado.

Os dados novos, que o capitulo lança são sobre uma exposição feita na Inglaterra, onde pela primeira vez, fotografias estiveram em condição de igualdade com a pintura. E a uma idéia, de que a arte é a mistura de algo que a natureza fornece e um artifício, uma técnica.

Cap. 9 - Pictorialismo e Imprensa: O caso da revista O Cruzeiro (Helouise Costa)

O capítulo trabalha a relação do Fotopictorialismo e a Imprensa no Brasil. Os quais, são

vistos considerando duas entidades: o Photo Club Brasileiro e a Revista O Cruzeiro. Primeiramente, a autora coloca o movimento pictórico, que teve seu auge na Europa entre

1890 e 1914, fazendo duas criticas: na vontade de se tornar arte, nega sua linguagem ao usar meios a fim de parecer outra; e na tentativa de se aproximar da pintura, aumenta a dificuldade de produzi-la e de sua circulação, aproximando-a da cópia única. (...) se descobrisse um método capaz de multiplicar o quadro de um pintor que lucraria a arte? (p. 269).

O que o Pictorialismo responde com: (...) Para nós a cópia única é um luxo, um refinamento do artista. (p. 269).

O Photo Club Brasileiro nasce em 1923, associado ao Fotopictorialismo. Este, em resumo, é um movimento que tenta se aproximar da alta-arte, através de técnicas que aproximam a fotografia da pintura, e usando a temática e método de composição da Acadêmica de arte. Desse esquema fechado, o autor aponta apenas uma fotógrafa, que tenha se diferenciado no Photo Club, Herminia Nogueira Borges.

O Photo Club Brasileiro possui um papel importante na divulgação e desenvolvimento técnico da fotografia, além do papel na aceitação da fotografia como tendo, também, um caráter subjetivo. Na divulgação teórica e estética da fotografia, o Photo Club publica a revista Photogramma (1926-1931).

O fotojornalismo moderno remonta da década de 1940, porém seu principio pode ser a revista O Cruzeiro (1928-1932). Ela fazia concursos mensais de fotografia, a principio, com enfoque no que

51

seriam as características do fotojornalismo, favorecendo o instantâneo e o movimento. Contudo amplia a gama do concurso, para abranger o artístico e o amador mais tarde, além do documental.

A Revista foi responsável por um momento impar na Fotografia. No seu principio, não havia a figura de escritores ligados a revista ou de indivíduos que trabalhassem nela, a fim de realizar temas específicos. Assim ela usava textos que os profissionais da Academia Brasileira de Letras, Academia de Belas de Artes e do Photo Club Brasileiro (os fotógrafos pictóricos brasileiros foram os únicos a participarem de outros meios, fora o próprio Photo Club, como a imprensa). Mas também havia a presença dos Fotógrafos do Photo Club como jurados dos concursos, na publicação de algumas fotos, o que ajudou, por fim, a divulgar uma estética que fazia falta, ao meio fotográfico ao Photo Club.

Anexo II

Chiarelli, Tadeu. “A fotomontagem como “introdução à arte moderna”: visões modernistas sobre a fotografia e o Surrealismo”. In ARS: Revista do Departamento de Artes Plásticas, Ano 1, nº 1, 2003.

O texto do professor Tadeu Chiarelli, aborda a fotomontagem e o surrealismo da primeira metade do século XX, que segundo ele são movimentos que se entrelaçam. A princípio ele trata de maneira geral a fotografia, colocando-a no contexto da arte moderna brasileira: como ela foi aceita e o próprio Modernismo. Neste primeiro momento do texto, o professor lembra que a proposta do Modernismo brasileiro, foi o de criar um imaginário nacional. Logo, as tendências mais radicais ou que tendessem a não figuração e ao abstracionismo, foram marginalizadas e a fotografia, enquanto linguagem, foi pouco trabalha com cunho estético, quando muito, foi trabalhada como “atividade periférica” a outra: pintura, poesia ou sendo usada esporadicamente.

Outro fator importante é o do Surrealismo não ter vingado no Brasil e, conseqüentemente, a Fotomontagem. O meio artístico brasileiro, ao contrário do Europeu, não havia formado um sistema estruturado e firme que possibilitasse o surgimento de um movimento que viesse a confrontá-lo, que questionasse suas formas de ser e seus porquês. Assim, o radicalismo do Modernismo europeu não faria sentido no Brasil. Se pensarmos no caso de Berlim, o Surrealismo se insere como um movimento que faz frente à pintura burguesa, assim ele não procura o embate com o real dadaísta, ele se volta para o interno do individuo, privilegiando o subjetivo, o onírico ao invés das questões sociais. Tanto no Surrealismo quanto no Dadaismo, há a presença da fotomontagem, contudo, suas formas de trabalharem elas são tão diversas quantos suas propostas.

Assim no Brasil, poucos artistas foram conhecidos por trabalhar a fotomontagem: entre eles Athos Bulcão, Alberto da Veiga Guignard e Jorge de Lima. Este último publicou, em 1943 o livro Pintura em pânico, no qual, demonstra ter consciência do papel desestruturador da fotomontagem, que corrompe o ideal de arte, enquanto obra única. Se formos pensar na presença fotomontagem surrealista no Brasil, o que ela tinha de confronto, seria com a sociedade burguesa. Ele busca um espaço, que não possui a harmonia que habita as paisagens e nem valoriza o homem brasileiro, mas pelo contrário, cria um lugar que pode ser comum a todos e também, criando uma fragmentação da realidade, que até poderia caracterizar o Brasil, mas também caracteriza qualquer sociedade. Ele criou um espaço para o homem enquanto individuo e não enquanto massa, enquanto objeto de uma cultura ainda em formação.

Em uma ultima discussão, o autor se refere ao papel de Mário de Andrade. Este, posicionou-se contra o Surrealismo por considerá-lo desnecessário para o contexto do modernismo em 1927, contudo, em 1939, diante das fotomontagens de Jorge de Lima não se põe tão contra, mas ainda vislumbra um forte caráter lúdico e educativo nele. O critico moderno, posicionou-se a favor da proposta modernista e por ela, se pôs contra movimentos que não se encaixavam na realidade brasileira, segundo o que acreditava ser importante.

A fotomontagem hoje é uma tendência popular, assim como a fotografia o tem sido cada vez mais nos últimos anos. Contudo, a proposta gira muitas vezes em torno de criações forçadas, que criam cenas cômicas ou com a intenção de degenerar alguém, como na caricatura. Poderia estabelecer um “porquê” para isso, mas o mais provável é o caráter, assim como no século passado, do grande avanço técnico da fotografia e de sua popularização nas ultimas décadas. E para isso há um apoio em outras linguagens mais comuns: o desenho, a caricatura e a HQ.

52

Anexo III Barthes, Roland. Câmara Clara. Lisboa: edições 70, 1980 Este livro terminou de ser escrito em 15 de abril de 1979 e se divide em dois capítulos: um, no

qual, o autor tenta se aproximar da fotografia e defini-la; e outro em que faz o mesmo, porém se usando de uma foto de sua mãe, a qual tenta entender o que há nela, que a destaca de todas as outras. Sobre o livro, cabem algumas observações, sendo que delas, derivam algumas conclusões:

primeiramente, o livro é baseado no ponto de vista de uma pessoa, que apesar de querer se aprofundar na fotografia, o faz do ângulo do observador;

Durante o livro, ele comenta que não é um fotografo, e que não teve este contato com a fotografia (pelo menos te então);

O livro pouco toca na questão do artístico, esta questão está relegada a um ou dois parágrafos ao fim do livro;

O autor baseia o seu estudo em fotos ligadas ao retrato e fotojornalismo;

E por ultimo, o livro além de ser dividido e dois grandes capítulos, é dividido em pequenos sub-capitulos que, apesar de trabalharem idéias próximas, são unitários e algumas vezes possuem quebra abrupta do assunto, como se o texto fosse escrito por tópicos.

Em função do livro, este fichamento será dividido em duas partes, correspondendo aos dois capítulos em que o trabalho se divide, mais um capitulo direcionado a conclusões gerais.

Parte I Vejo os olhos que viram o imperador (p. 15). Esta é uma das primeiras frases do escritor e

por ela, evidencia-se o que o atraiu para a fotografia. Porém, dela surge outra que no segundo capitulo se torna mais clara: a vida é feita assim de pequenas solidões (p. 15). Está é bem cabível ao método, com o qual, o autor, se aproxima da imagem: pelo viés sentimental e afetivo, sendo que ela foi escrita, diante do fato, perceber que ele e o irmão, não viam a mesma foto pelo mesmo olhar.

Além da conclusão anterior, a primeira parte do texto, resume-se numa busca para estabelecer, alguns primeiros conceitos que definam o que seria a Fotografia. Alguns dos apontamentos do autor são:

Dir-se ia que a fotografia é inclassificável (p.17): aqui, Barthes comenta o fato de a fotografia ser submetida a classificações, que foram criadas para os objetos dela, não para ela. Eles correspondem a uma temática usada pela Pintura, mas não consideram o que a Fotografia diz, enquanto linguagem distinta das outras.

Aquilo que Fotografia reproduz até ao infinito só aconteceu uma vez: ela repete mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente. (p. 17): o trecho evidência uma das características, essenciais do ato fotográfico: assim como uma pintura não pode ser feita duas vezes, igualmente, por que o gesto e as cores misturadas são difíceis de serem refeitas, como uma impressão de Xilográfica, por depender da quantidade tinta, da pressão posta e do desgaste da matriz, uma foto não se repete, pois o instante não se repete. Aquilo que não foi fotografado não volta como era, pois o mundo muda e o individuo também. É claro que há outros motivos ligados a impressão da imagem, mas esta é a característica mais nítida do meio.

A fotografia não pode sair desta pura linguagem deictica (p.18): aqui, a questão é quanto ao referente. A Fotografia é dependente dele, seja o que for que ela dê a ver e qualquer que seja a sua maneira, uma foto é sempre invisível: não é ela que nós vemos (p. 20). A discussão é o fato, de ao invés, de se olhar a imagem, numa foto se olha o objeto fotografado. A foto é tão referencial, que em muitos momentos, Barthes comenta como só a foto transmite a sensação de que aquilo esteve lá, de que aquele objeto (ser vivo ou não) realmente existiu. Em suma, o objeto fotografado é visto e não a imagem.

Essa coisa um pouco terrível que existe em toda a fotografia: o regresso do morto (p. 24). Essa característica é ligada ao fato de, que ao mesmo tempo, em que parece viva e

contemporânea, ela também é passado e pode representar o instante que não volta. A morte como aquilo que não regressa. Uma foto evidencia o fim, o que já cessou.

As fotografias, pelo autor, são tomadas pelo olhar do curioso, daquele que ao se defrontar perante elas, procura seu passado. Elementos que chamem seus amores, que lembrem as pessoas

53

que amou, e situações e lugares que viveu ou quer vivenciar. A fotografia é olhada na maioria das vezes, por um olhar emocional, quando não pelo olhar daquele que procura o inusitado ou comprar um sonho, uma idéia. Como momento em que comenta sobre uma foto, que o fez sentir a vontade de morar na casa, ali retratada.

Há alguns debates secundários, durante o texto, que apesar de serem de algum interesse, são pouco profundos. Como o fato dele não gostar de todas as fotos, que um fotógrafo produz. Mas é um pouco inocente o comentário. Será que alguém gosta de tudo que um músico, artista plástico ou ator, produz?

Independente do assunto, ele sempre se define como o espectador e ressalta a força do referente, da morte. A morte e o referente nem sempre são, necessariamente o foco da imagem fotográfica. Em algumas fotos de artistas (a série sobre Francis Bacon de Edouard Fraipont, as fotomontagens de Jorge de Lima e as fotos, expostas no primeiro semestre de 2010 na Caixa Cultural, de Marie Hippenmeyer), os elementos ditos pelo autor como dominantes na Fotografia estão lá, mas de uma maneira em que não dominam. A imagem é imagem. A reflexão se faz sem transmitir algo que pareça existir ou tendo algo que pode estar morto.

O ultimo ponto, conflitante do texto é o momento em que comenta que o órgão do fotógrafo é dedo. Infelizmente, neste momento, há uma relação deprimente com a Fotografia, uma relação apenas mecânica. O autor generaliza excessivamente a fotografia, pois ela não se resume ao que é produzido em massa (comercialmente). Esquece-se que há imagens que também podem refletir.

Parte II Neste segundo momento do livro, o autor começa relembrando a morte da mãe. Nesse

momento ele comenta sua relação com a Fotografia, nas quais tentava buscar sua mãe, a qual não encontrava nas fotos que via. Sua mãe é vista por ele diferencialmente, ele a reconhece como um individuo especifico no meio dos outros, porém ele não a vê essencialmente nas fotos. Com isso começa a discutir outros aspectos da Fotografia.

Na busca por sua mãe, encontra-se com um autor: todas as fotografias do mundo formavam um labirinto. Eu sabia que no centro desse labirinto não encontraria nada mais que essa única foto, concretizando assim as palavras de Nietzsche: „um homem nunca procura a verdade, mas apenas a sua Ariana‟ a foto do jardim de inverno era a minha Ariana (p.104). O que ele procura é aquilo que o fará recuperar, em sua memória, a mãe que amou. Ele procura uma foto que tenha um momento que recupere toda uma história. Daí a foto do Jardim de inverno, uma caixa onde contém todo um contexto além daquilo que está sendo mostrado. Porém, é levantada uma contradição: ela é recordação e contra-recordação, pois ela não carrega o cheiro, nem a música do momento.

Durante o texto ocorre outra oposição de valores, ele coloca em um ponto uma relação da fotografia com as imagens Acheiropoetós (Achiropita) (imagens que não são feitas pela mão do homem) por causa da idéia de ressurreição. Contudo, logo mais ele a associa a Crise da Morte: contemporânea do recua dos ritos, a Fotografia correspondia talvez à intrusão, na nossa sociedade moderna, de uma morte assimbólica, fora da religião, fora do ritual, uma espécie de mergulho brusco na morte literal (p.130).

Eu poderia adorar uma imagem, uma pintura, uma estátua, mas uma foto? só posso colocá-la

num ritual (sobre a mesa, um álbum) se, de qualquer forma, evitar olhá-la (ou evitar que ele me olhe), frustrando voluntariamente a sua plenitude insuportável e, pela minha própria desatenção, remetendo-a para toda outra espécie de feitiços: os ícones que, nas igrejas gregas, as pessoas beijam sem os verem pousando os lábios no vidro gelado (p.128). O autor, tenta relacionar este tipo de imagem a um contexto, que sim, nasceu no meio de crise da magia na vida humana (século XIX), uma era ligada a ciência. Adorar uma imagem é inviável, não porque seja inviável, mas pelo fato do místico não ter mais tanto valor na vida das pessoas. Contudo, procurando se acha pessoas que adoram fotografias, como a pintura de algum santo, porém com um novo detalhe: a essência da fotografia é ratificar aquilo que representa (p. 120), aquilo que vejo não é uma recordação, uma imaginação, uma reconstituição, um fragmento da Maya, como a arte prodigaliza, mas o real no estado passado: simultaneamente o passado e o real (p.17), ou seja, não é o olhar de alguém sobre aquilo, mas aquilo capturado, a “verdade”.

Roland Barthes comenta, sucessivamente, durante o texto o “isto é” e o “isto foi”, colocando o fotógrafo como uma criança curiosa, que fica apontado tudo o que vê.

O ultimo momento do livro é dedicado a uma critica social e artística, na qual ele explica que a fotografia quer se por como arte por que assim, ela seria menos louca (louca quando se usa de um

54

realismo absoluto) e que uma das saídas, para fugir dessa loucura era a banalização da imagem, que o autor indica ser o que foi assumido.

Conclusões Roland Barthes é interessante, considerando que sua visão é a de alguém de fora, ele não se

põe como um profissional da área, o que permite perceber que a fotografia possui um caráter de ligação com os indivíduos, geralmente, pelo viés emocional. Como fotógrafo, é difícil olhar para a fotografia com símile do real, mas para o senso comum ela o é, o que pode gerar diversas interpretações que nem sempre podem fazer sentido, ou que podem criar paradoxos. Desenvolvendo o olhar se chega a Fotografia como linguagem, assim como a pintura, o desenho e a poesia, e como tal, pode ser tratada de diversas maneiras sem negá-la enquanto isso. Fotografia, antes de tudo é o registro da luz, e como tal não precisa ter a ver com o real, pois o real é apenas um conjunto de convenções, que foram criadas para interpretar o que sentimos via nossos sentidos.

Anexo IV

Benjamim, Walter. “Pequena história da fotografia”. in Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. Começando pelo fim, assim como em Memórias póstumas de Brás Cubas de Machado de

Assis, mostrarei dois textos, que o autor emprega, de Antoine Wiertz e Baudelaire, respectivamente, ao fim do trabalho:

Há alguns anos nasceu, para a glória do nosso século, uma máquina que diariamente assombra nossos pensamentos e assusta nossos olhos. Em cem anos, essa máquina será o pincel, a palheta, as cores, a destreza, a experiência, a paciência, a agilidade, a precisão, o colorido, o verniz, o modelo, a perfeição, o extrato da pintura... Não se creia que o daguerreótipo será a morte da arte... Quando o daguerrótipo, essa criança gigantesca, tiver alcançado sua maturidade, quando toda sua força se tiver desenvolvido, o gênio o segurará pela nuca, subitamente, clamando: Aqui! Tu me pertences agora! Trabalharemos juntos (p. 106).

Antoine Wiertz Nesses dias deploráveis, uma nova indústria surgiu, que muito contribuiu para confirmar a

tolice em sua fé... de que a arte é e não pode deixar de ser a reprodução exata da natureza... Um deus vingador realizou os desejos dessa multidão. Daguerre foi seu Messias... Se for permitido à fotografia substituir a arte em algumas funções, em breve ela a suplantará e corromperá completamente, graças à aliança natural que encontrará na tolice da multidão. È preciso, pois, que ela cumpra o seu verdadeiro dever, que é o de servir as ciências e as artes (p. 107).

Baudelaire

Por elas vemos duas realidades comuns, mas que, no entanto, parecem opor-se. O pensamento de Walter benjamim perpassa por ambas as situações que, contudo não se excluem em virtude de outro elemento, o sócio-político. A crítica posta é de cunho social e não contra a progressão técnica.

Para o autor, o primeiro decênio da fotografia – onde, podem se encontrar alguns nomes importantes para benjamim: Nadar, Hill, Hugo, Cameron, Pierson, Stelzner e Bayard. Nesse momento se encontra o auge da Fotografia, que durou até sua industrialização.

Em 1840, segundo Benjamim, quase todos os pintores haviam se tornado fotógrafos profissionais e que, para estes, a experiência enquanto artesã foi mais útil que a artística. Aqui há duas posturas problemáticas: a fotografia se perde quando ela se torna elemento de massa e a da importância maior do lado artesão que o do artista para a fotografia.

Posteriormente aqui aparece, com todo o peso de sua nualidade, o conceito filisteu de „arte‟, alheio a qualquer consideração técnica e que pressente seu próprio fim no advento provocativo da nova técnica. E, no entanto, foi com esse conceito fetichista de arte, fundamental anti-técnico, que se debateram os teóricos da fotografia durante quase cem anos, naturalmente sem chegar a qualquer resultado (p. 92). Este comentário se aproxima do conteúdo da frase de Baudelaire, no qual „arte‟ é vista sob um ângulo restrito e com dogmas fechados, por onde a produção artística se restringe ao que uma camada “culta” julga como de valor. A posição de Benjamim quanto aos primeiros fotógrafos pode advir disso, pois mesmo havendo „charlatões‟ no principio do invento, eles ainda se pareciam

55

muito com „feirantes‟, mas com a disponibilidade dos materiais, favorecida pela produção industrial, a sociedade veio a ser sobrecarrega de imagens e aproximações artificiais da arte.

Se Benjamin se posiciona a favor dos primeiros fotógrafos é por que: A síntese da expressão, obtida à força pela longa imobilidade do modelo, é a principal razão pela qual essas imagens, semelhantes em sua simplicidade a quadros bem desenhados ou bem pintados, evocam no observador uma impressão mais persistente e mais durável que as produzidas pelas fotografias modernas (p.96). Para o autor, a industrialização enfraquece o artista, no momento em que lhe retira a conscientização sobre o processo de fazer sua arte em troca de uma facilidade, por valorizar mais a velocidade e a distribuição que outros aspectos. Como diz Bernard Von Brentano: um fotógrafo, por volta de 1850, estava à altura do seu instrumento‟ – pela primeira vez e, durante muito tempo, pela ultima (p.96).

Por algum tempo, o autor cita a valorização da fotografia via seu contexto histórico, que se encontra e critica à aproximação da pintura, através da montagem de cenários. Aqui há a busca do fotógrafo, em seu cliente, pela aura de uma classe em emergência.

A fotografia surrealista tem um papel importante, ao trazer a tona, temáticas não clássicas (sobre elas, ele cita Atget como expoente). O autor considera importante o surrealismo, por ele renovar a visualidade fotográfica em função da artificialidade dos cenários, que estavam em moda, como pano de funda das fotos, assim como a saída para o exterior em busca de imagens.

A natureza que fala à câmera não é a mesma que fala ao olhar; é outra, especialmente

porque substitui a um espaço trabalhado conscientemente pelo homem, um espaço que ele percorre inconscientemente (p. 94). Nesse ponto, entramos num outro campo, que mesmo tratado em dois momentos, pode ser encaixado sob um mesmo aspecto, o do inconsciente, talvez coletivo. Mas antes há dois trechos que trazem essa questão:

Nenhuma obra de arte é contemplada tão atentamente em nosso tempo como a imagem fotográfica de nós mesmos, de nossos parentes próximos, de nossos seres amados (p. 103).

A importância da fotografia de obras de arte para a função artística é muito maior que a construção mais ou menos artística de uma fotografia, que transforma a vivência em objeto a ser apropriado pela câmera (P. 104).

A fotografia coloca-se como um sintoma, que começa a surgir na modernidade e se agrava, absurdamente, na sociedade contemporânea: a propriedade e a substituição das experiências. A fotografia, nesses casos, age como algo a ser apropriado, algo que está ao alcance das mãos de qualquer um, que possa pagar seu valor, sendo ele irrelevante, se comparado ao que custaria ir ver uma obra de arte original em seu local de origem. Contudo, isso avança até o ponto de substituir a experiência. Aqui, a fotografia é um símbolo vazio do que ela representa, ela não é o ente amado nem a obra de arte, mas por todo seu valor referencial ela é encarada como aquilo que referenciado nela, apesar de suas mentiras e ilusões. Este fato, e outros já citados anteriormente, fazem que o autor critique a criatividade.

Para Walter benjamim a “criatividade” é vista sob outro ângulo: Quanto mais se propaga a crise da atual ordem social, quanto mais os momentos individuais dessa ordem se contrapõem entre si, rigidamente, numa oposição morta, tanto mais a „criatividade‟ – no fundo, por sua própria essência, mera variante, cujo pai é o espírito da contradição e cuja mãe é a imitação – se afirma como fetiche, cujos traços só devem a vida à alternância das modas (p. 105-106). Nele, apesar da critica a algo, que parece inerente a arte, a critica é aos modismos, ao mesmismo sem embasamento, ao sistema de arte e da fotografia circulante na época. O pensamento aqui desenvolvido, não contradiz as duas citações do inicio do texto, ele as reafirma. Porém, o autor defende outra criatividade: aquela ligada a construção do conhecimento, a ligada à experimentação, a que diz não ao artificialismo que impera sobre a sociedade, aquela que se isola do mundo, a que não conversa ou faz associações em seu mundo, a que não conversa, mas só apresenta.

Walter Benjamim é um pensador de posição política e isso, o faz se por frente a sua sociedade. Se Baudelaire diz que a fotografia veio para os anseios de uma multidão, que quer a exata reprodução da natureza e, portanto, não a arte, pode-se perguntar: será que a fotografia era usada com seu devido potencial? A sociedade, naquele momento, enfrentou uma crise quanto à arte, o que é evidente se associado à efervescência causada pelos modernismos e pelo momento de crise social do período das guerras.

A fotografia é parte de um contexto, ao qual Flusser encaixa, de uma crise da simbologia da imagem, que perdeu seu valor „religioso‟ (de item mágico, ou simbólico de algo maior e de ligação com o imaterial), de uma confusão aludida por Roland Barthes sobre a sobrecarga de imagens por todos os lados. As imagens perderam seu valor, logo a arte perdeu seu lugar, ao qual, tenta de

56

formas variadas, posicionar-se numa sociedade descrente e acostumada ao consumo e não a apreciação, de maneira reflexiva, a qual a fotografia se insere como um dos resquícios mais próximos dessa magia. A fotografia ainda aproxima os distantes (parentes que moram longe, por exemplo, tempos que se foram). Porém, ela não o faz por uma força afetivo-espiritual que seu dono lhe confere, ela o faz por um valor que foi promulgado, ao longo de sua história, quanto a sua carga referencial. O ritual de fazer uma imagem se perdeu, pois o gesto fotográfico, muitas vezes se resume em apertar um botão.

Anexo V: Benjamim, Walter. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”. in Magia

e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. A arte contemporânea será tanto mais eficaz quanto mais se orientar em função da

reprodutibilidade e, portanto quanto menos colocar em seu centro a obra original (p. 180). INTRODUÇÃO Este texto é formado por diversos tópicos que, de forma continua, discorrem sobre a arte,

após o fenômeno da reprodutibilidade técnica iniciado pela fotografia. O autor acaba por colocar suas questões ligadas ao proletariado, circunscrevendo-a pela questão da massificação até chegar ao uso político, ao qual ela se ligou no período militarista (segunda guerra mundial principalmente).

Walter Benjamim coloca o objeto artístico em xeque. Partindo do pressuposto de que o aqui e agora do original constitui o conteúdo de sua autenticidade, nela se enraíza uma tradição que identifica esse objeto, até os nossos dias, como sendo aquele objeto, sempre igual e idêntico a si mesmo (p. 167). Ele coloca que a reprodução se difere do original e que, mesmo quando ela é boa, esta ainda é incapaz de substituí-lo, mas que por outro lado, é capaz através de sua massificação, de aproximá-lo da população.

A obra é parte de um conjunto maior, a autenticidade de uma coisa é a quintessência de tudo o que foi transmitido pela tradição, a partir de sua origem, desde sua duração material até o seu testemunho histórico (p. 168). Por uma problemática, existente no século XIX, essa tradição sofre com um processo de desligamento que a arte tem para com ela. Um desligamento, que acaba por ser agravado, pela reprodução do objeto, que acaba levado para cada individuo, porém, de forma a não trazê-lo em essência, com sua aura.

MAGIA Para explicar a questão da aura, pode-se uma comparação antes. A diferença entre o pintor e

o cineasta, exemplificada pela do mágico e do cirurgião:

o mágico preserva a distancia natural entre ele e o paciente, ou antes, ele a diminui um pouco, graças a sua mão estendida, e a aumenta muito, graças a sua autoridade. O contrário ocorre com o cirurgião. Ele diminui muito sua distancia em relação ao paciente, ao penetrar em seu organismo, e a aumenta pouco, devido à cautela com que sua mão se entre os órgãos (p. 187).

Pensando assim, podemos ramificar o problema para o século XIX, e posteriormente para o

XX, quanto à posição do artista e a de quem vê uma obra de arte. O artista abdica do que havia antes, de pressuposto a ele, para assim se embrenhar na sociedade e buscar um lugar novo, já que a arte parece, nesse momento ter perdido sua função social.

A obra de arte, até esse ponto histórico, é permeada por algo que Benjamim chama de aura, a qual ele define no parágrafo a seguir:

O que é aura? É a figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a

aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja. Observar, em repouso, numa tarde de verão, uma cadeia de montanhas no horizonte, ou um galho, que projeta sua sombra sobre nós, significa respirar a dessas montanhas, desse galho (p. 170).

Definindo melhor, a obra esteve ligada ao ritual, inicialmente mágico, depois religioso, que no

momento atual – do século XIX até 1936 – começa a perder seu caráter ritual, em função da

57

reprodução a que ela fica sujeita. Com aparecimento da fotografia – que agrava a situação pelos próximos 100 anos, acaba por ser contra posta por uma doutrina de “arte pela arte”.

Com a fotografia, o valor de culto começa a recuar, em todas as frentes, diante do

valor de exposição. Mas o valor de culto não se entrega sem oferecer resistência. Sua ultima trincheira é o rosto humano. Não é por acaso que o retrato era o principal tema das primeiras fotografias. O refugio derradeiro do valor de culto foi o culto da saudade, consagrada aos amores ausentes ou defuntos. A aura acena pela ultima vez na expressão fugaz de um rosto, nas antigas fotos (p. 174). As obras antigas possuíam um caráter outro. Nelas o importante era sua existência –

produção artística começa com imagens a serviço da magia. O que importa, nessas imagens é que elas existem e não que sejam vistas (p. 173). Elas eram avatares ou representações de objetivos, ideais, por vezes até do próprio artista, mas agora a sua função se perde da questão espiritual em função de sua não existência, ou melhor, de sua existência fragmentária. A obra se desliga destes valores, pois a sociedade acaba por se voltar aos aspectos racionais da vida, seu olhar não é mágico, é cientifico. Nesse ponto, a arte, em função de sua perda funcional, apóia-se em outros lugares: o aprendizado, a política.

Apesar de não ter sido notado pelos seus contemporâneos, a fotografia mudou o que se vê como arte, assim como a arte perdeu qualquer aparência de autonomia. Ela agora não está mais ligada a produção de um objeto só para ele existir, porém projetado para dizer algo, ensinar ou defender algo.

Porém, a reprodução não passa a ser vista como arte, ela é só uma reprodução, no máximo consegue alguns valores artísticos. Mas ainda é um objeto diferente da arte, que apesar de tudo ainda tenta se estruturar, apesar das corrupções, o objeto único, que mais tarde também se perde.

CINEMA

Sem duvida, os adolescentes de outrora também sonhavam em entrar no teatro. Porém o sonho de fazer cinema tem sobre o anterior, duas vantagens decisivas. Em primeiro lugar, é realizável, porque o cinema absorve muito mais atores que o teatro, já que no filme cada interprete representa somente a si mesmo. Em segundo lugar, é mais audacioso, porque a idéia de uma difusão em massa de sua própria figura, de sua própria voz, faz empalidecer a glória do grande artista teatral. (p. 182 – 183) O cinema age de maneira a traduzir os desejos ou saciar os anseios de uma sociedade,

Benjamin ao longo do texto acaba por comentar dois deles: a vingança contra a máquina e o apaziguamento do sadomasoquismo. Na primeira, o ator, quando interpreta, não se assume como outro, contudo, reforça a si mesmo, ele expressa uma vingança dele, contra máquina, que por sua vez, é aos olhos do espectador a sua vingança. A vingança daqueles que estão subjugados à máquina por que, pelo menos aparentemente, o ator na frente da câmera não se sujeita a ela, mas, demonstra sua humanidade.

Na segunda, é uma questão que está presente nos desenhos animados e em alguns filmes – Loney Tunes, Disney e Chaplin – nos quais os personagens realizam cenas que envolvem violência ou humilhação. Sendo que nelas, a sociedade dissipa seus impulsos psicóticos, como se o cinema servisse de terapia para a massa.

Apesar destes aspectos positivos, com o cinema surgem problemas novos. Por um olhar histórico, observamos que a arte possui momentos, em que ela tenta através de uma técnica, realizar algo que só será feito, sem esforço por outra que está por vir. Assim, vemos na pintura, que sempre possuiu sua característica de contato pessoa-obra, enfrentar problemas ao tentar se apresentar massivamente. É o caso do Dadaísmo. Sua proposta envolvia desvalorizar, de forma mercantil a obra – através dos materiais – e pelo escândalo chamar a atenção da sociedade, assim como esmagar a aura da pintura. Mas esse objetivo, só pode ser alcançado de forma intensa no cinema, que pode ser identificado pela sensação tátil que ele oferece.

Mas o tátil do cinema também é um problema. Com relação à forma anterior de encarar a arte, o seu tátil, se da por uma convulsão de imagens: a massa é a matriz da qual emana, no momento atual, toda uma atitude nova com relação à obra de arte. A quantidade se converteu em qualidade(p. 192). O que acaba por levar a experiência de um filme, a se dar pela distração, pois a quantidade de imagens torna a atenção cada vez menor, em função da velocidade, a qual elas são transmitidas. Porém, para as massas, a obra de arte seria objeto de diversão, e para o conhecedor,

58

objeto de devoção (p. 192). Os dois itens levantam um problema quanto à apreciação, ou o como se defrontar contra a obra de arte.

Quanto mais se reduz a significação social de uma arte, maior fica a distancia, no público,

entre a atitude de fruição e a atitude critica, como se evidencia com o exemplo da pintura (p. 188). A sociedade, em seu anseio pela imagem, se desgruda do querer vivenciar uma experiência

profunda e se apega ao que lhe chamar mais a atenção, mesmo que isso seja de uma qualidade inferior. O que conseqüentemente, a leva a se afastar do que é mais trabalhado, por este oferecer um desafio maior, incumbindo quem a vê ter que achar uma resposta para o que está lá. O costume de ler imagens com respostas prontas acaba por atrofiar este olhar imaginativo.

Porém, o cinema possui um lado mais perverso. Ou melhor, o homem o usou para que ele assim se tornasse em alguns momentos.

A política, em função reprodutibilidade técnica, se adapta. O que antes se realizava pelo contato direto e menor, considerando o número de pessoas atingidas, agora pode atingir um número grande de pessoas. A imagem de alguém pode estar em cada rua de uma cidade e sua apresentação, mostrada em diversos lugares ao mesmo tempo. Entretanto, este é o aspecto menos nocivo que o cinema alcançou, pois o próximo passo é a política Fascista.

Em decorrência do crescimento da população e da crescente proletarização, alguns valores, como a propriedade e os modos de produção, tenderam a ser questionados. Nisso surge o Fascismo, que se aproveitando dos meios de reprodução da imagem, controla o proletariado permitindo-lhe a expressão, mas de uma forma, a qual não interfere nos dois valores questionados. Contudo, há outra faceta, essa política, em função do que tenta realizar só pode se sustentar se, com isso, conduzir à guerra. O que para alguns pode ser um ato estético, mas que pode ser o reflexo de uma sociedade imatura em relação técnica que desenvolveu.

CONCLUSÃO Pensar na reprodutibilidade técnica, hoje, é como intensificar tudo que já foi dito. Vivemos

numa época onde uma foto pode ser vista por milhões, assim como os vídeos. Mas, com um porém. O acesso a tecnologia foi facilitado.

Vivemos num país onde uma eleição se ganha pela imagem, onde uma foto e/ou um vídeo pode levar alguém a ser o astro pop do momento, mesmo sem nenhuma canção que faça jus a seu posto. Vender um apartamento se faz pelo que ele demonstra numa imagem e não pelo que ele é. Em suma, vivemos mais pela imagem e pela apresentação dela, que para o que podemos ver independente desta. Olhamos o mundo por vídeos e fotos e não com nossos olhos. Ai a educação pode achar seu ponto de entrada: propor o olhar o mundo, desvendar as imagens, questioná-las e refletir sobre elas.

Anexo VI

Flusser, Vilém. A filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de janeiro: Relume Dumará, 2002 Neste livro, o autor lança determinados conceitos e olhares sobre a história da humana, com

relação a sua maneira de lidar com mundo através da imagem, para assim, poder chegar à questão da imagem técnica. Assim, cada capítulo debate um assunto, os quais juntos demonstram um discurso sobre o problema da sociedade contemporânea a ele, no que se referem à maneira de lidar com as imagens que produz (a fotografia).

Em função dos capítulos do livro terem algumas idéias auto-explicativas e, para mim, serem mais interessantes as palavras do autor do que usar as minhas próprias, transcrevo essas idéias por tópicos. Ao final, farei um parecer sobre as idéias centrais.

A Imagem

Imagem: “Devem sua origem à capacidade de abstração especifica que podemos chamar de imaginação” (p. 7). “Imagens tem o propósito de representar o mundo. Mas, ao fazê-lo, interpõem-se entre

mundo e homem” (p. 9).

59

“O homem, ao invés de se servir das imagens em função do mundo, passa a viver em função das imagens. Não mais decifra as cenas da imagem como significados do mundo, mas o próprio mundo vai sendo vivenciado como conjunto de cenas” (p. 9).

Imaginação: “Imaginação é a capacidade codificar fenômenos de quatro dimensões em símbolos planos e decodificar as mensagens assim codificadas. Imaginação é a capacidade de fazer e decifrar imagens” (p. 7).

Tempo circular: “O canto do galo dá significado ao nascer do sol, e este dá significado ao canto do galo. Em outros termos: no tempo da magia, um elemento explica o outro, e este explica o primeiro. O significado das imagens é o contexto mágico das relações reversíveis” (p. 8).

Texto: “Os textos não significam o mundo diretamente, mas através de imagens rasgadas. Os conceitos não significam fenômenos, significam idéias” (p. 10).

“Embora textos expliquem imagens a fim de rasgá-las, imagens são capazes de ilustrar textos, a fim de remagicizá-los. Graças a tal dialética, imaginação e conceituação que mutuamente se negam, vão mutuamente se reforçando. As imagens se tornam cada vez mais conceituais e os textos, cada vez mais imaginativos” (p. 10).

Imagem técnica Aparelho: “aparelhos são produtos da técnica que, por sua vez, é texto cientifico

aplicado” (p. 13) Imagem técnica: “Ontologicamente, a imagem tradicional é abstração em primeiro

grau: abstrai duas dimensões do fenômeno concreto; a imagem técnica é abstração de terceiro grau: abstrai uma das dimensões da imagem tradicional para resultar em textos (abstração de segundo grau); depois reconstituem a dimensão abstraída, a fim de resultar novamente em imagem. (...) Ontologicamente, as imagens tradicionais imaginam o mundo; as imagens técnicas imaginam textos que concebem imagens que imaginam o mundo” (p. 13).

“O caráter aparentemente não-simbólico, objetivo, das imagens técnicas faz com que o observador as olhe como se fossem janelas, e não imagens. O observador confia nas imagens técnicas tanto quanto confia em seus próprios olhos” (p. 14).

“O que vemos ao contemplar imagens técnicas não é „o mundo‟, mas determinados conceitos relativos ao mundo” (p. 14-15)

“A nova magia não visa modificar o mundo lá fora, como o faz a pré-história, mas os nossos conceitos em relação ao mundo. É magia de segunda ordem: feitiço abstrato” (p. 16)

“Todo ato cientifico, artístico e político visa eternizar-se em imagem técnica, visa ser fotografado, filmado, videoteipado. Como a imagem técnica é a meta de todo ato, este deixa de ser histórico, passando a ser um ritual de magia” (p. 18)

O aparelho

Sobre os instrumentos e trabalho: Nesse capitulo as idéias base começam pela definição de bens de produção (uma agulha) e bens de consumo (sapato). E define que a função dos instrumento é arrancar objetos da natureza e aproximá-los do homem, ao fazê-lo, modificam-no. O produzir e informar, característico de processo de produção, chama-se trabalho.

Os instrumentos, nessa relação, agem como prolongamentos do corpo humano. “Antes os instrumentos funcionavam em função do homem; depois grande parte da

humanidade passou a funcionar em função das máquinas” (p. 21) Os aparelhos não trabalham, eles tendem a transformar vida dos homens ao invés de

modificar o mundo.

Sobre a fotografia: “o fotografo age em prol do esgotamento do programa e em prol da realização do universo fotográfico.” p. 23

O fotógrafo age. Ele produz, manipula e armazena símbolos. Por isso não é possível classificar o que faz como trabalho.

Uma câmera fotográfica não vale nada enquanto objeto, paga pelas virtualidades que nela se encontram. Virtualidades que a tornam um jogo, ao qual o fotografo se vê refém

O gesto fotográfico

“Quem observar os movimentos de um fotografo munido de aparelho (ou de um aparelho munido de fotografo) estará observando movimentos de caça.” p. 33

60

Lugar onde ocorre a caça: “A selva consiste objetos culturais, portanto de objetos que contem intenções determinadas.” p. 33

Nesse capitulo além das frases lançadas, o autor em um momento se refere ao fotografo como alguém, que toma ao longo do gesto de fotografar, uma série de decisões. Está se refere aos pontos de vista, que vão sendo desvendados a cada fotografia. Para este individuo a escolha entre os pontos de vista é quantitativo, pois, o que vale é possuir o maior número de pontos de vista.

A fotografia

As intenções do fotografo: 1. Codificar em imagem, conceitos que tem na memória; 2. Usar do aparelho para isso; 3. Torná-las (as imagens) modelos paras os homens; 4. Fixar as imagens para sempre.

As Intenções do aparelho: 1. Transformar os conceitos de seu programa em imagens; 2. Usar do fotografo, caso seja necessário, para isso; 3. Torná-las modelos para os homens; 4. Fazer imagens sempre mais aperfeiçoadas. A distribuição da fotografia Aqui Flusser expõe sobre os modos de divulgação e dá algumas classificações de

informação:

Estruturas fundamentais do discurso e suas situações culturais correspondentes: 1. Os receptores cercam o emissor em forma de semi-circulo (teatro) – responsável; 2. Emissor distribui a informação entre retransmissores, que purificam de ruídos para

retransmiti-la (exercito) – autoritária; 3. O emissor distribui a informação entre círculos de diálogo, que a inserem em síntese

de informação nova (ciência) – progressista; 4. O emissor joga a informação em espaços vazios onde pegara quem quiser-la (rádio)

– massificada.

Classes de informação: 1. Imperativas (ligada a verdade): A deve ser A; 2. Indicativas (ligada a bondade): A é A; 3. Optativas (ligada a beleza): que A seja A. Essas classificações são importantes, enquanto o fotografo está imerso nesse meio e lida

com isso. “A fotografia enquanto objeto tem valor desprezível. Não tem muito sentido querer possuí-la. Seu valor está na informação que transmite. (...) Pós-indústria é justamente isso: desejar informação e não mais objetos” (p. 47). Sendo a informação privilegiada em detrimento do objeto, o fotógrafo se usa de um canal para divulgá-la a um grande número de pessoas e em contrapartida ganhar seu sustento, já que a fotografia enquanto objeto não possui valor.

A recepção da fotografia

Sobre o aparelho e o fotógrafo: “Aparelho de publicidade programam tal compra. O aparelho fotográfico assim comprado será

de „ultimo modelo‟: menor, mais barato, mais automático e eficiente que o anterior” (p. 53). “Aparelho-arma. Fotografar pode virar mania, o que evoca uso de drogas” (p. 54). “Fotografo amador só obedece a modos de usar cada vez mais simples, inscritos ao lado

externo do aparelho. Democracia é isto” (p. 54-55). “Recortar a fotografia do jornal ou rasgá-la é agir ritualmente. A fotografia está sendo

manipulada como em ritual de magia. No fundo, não somos nós que a manipulamos, é ela que nos manipula” (p. 56).

“E como tal a realidade é mágica, a fotografia não a transmite; é ela a própria realidade” (p. 57).

“O símbolo é o real e o significado é o pretexto” (p. 57) O universo fotográfico

61

O universo fotográfico é:

Surge de um jogo programático e é um lance de tal jogo;

O jogo não obedece a uma estratégia deliberada;

O universo possui imagens claras e distintas que não significam o lá fora, mas determinadas permutações do programa;

As imagens programam magicamente a sociedade para se comportar em função do jogo. Ligado a esta idéia, vem a de que a existência é robotizada, programada por agentes externos a atitude do próprio individuo.

“Não é o pensamento que significa a coisa extensa; é a fotografia que significa um „pensamento‟” (p. 64).

A urgência de uma filosofia da fotografia Este último capítulo é uma recapitulação das idéias lançadas ao longo do livro e uma

afirmação da fotografia experimental, como um braço que tenta vencer, a corrente que age por agir no meio fotográfico.

Sobre o livro e algumas conclusões As reflexões de Flusser, ao longo do livro, são interessantes e, em certa medida, dialogam

com o pensamento de Walter Benjamim. Por exemplo, a magia, que em benjamim corresponde ao ritual e a aura, Flusser desenvolve melhor, inserindo desse modo, ligações com o texto, o tempo circular e mais amplamente, a questão de como o ser humano lida com a imagem. A história em Flusser é um vai-e-vem (começa com imagem, mágico, vai para texto, conceito e volta à imagem), mas que ao final não volta ao mesmo que era..

A imagem técnica em Flusser não é um elemento puramente cientifico e não-simbólico. Contudo, ela ainda é imagem, mesmo que sua magia não corresponda mais à tentativa de entender e transformá-lo, ela, agora, é nascida no conceito e o que tenta mudar não é mundo, mas o ser humano. O momento em que o autor escreve, porém, é diferente do que a sociedade atual se encontra, pois, os pontos em que ao autor toca, agora, são mais exagerados. Se antes parecia haver o principio de um vicio em produzir imagens, agora nem sintoma chega a ser, é hábito, esta aderido à cultura.

Diferente de pessoas que observaram a mudança social, as novas gerações não questionam o porquê de ser tão importante fotografar. O mundo e o individuo, parecem nascer para se transformarem em imagem, assim como para divulgar a própria imagem, tentando transmitir sua própria autopropaganda. Um eu que se apaga, se reforma, com o simples ato de deletar (pois, com a internet, o rasgar a imagem passa a ser deletá-la). O mundo humano não é, nem mágico, pois a razão o questiona, nem linear, mesmo com o excesso de linearidade que o cinema possui, por que o tempo parece um amontoado de capítulos, que podem ser lidos, independente de uma ordem. Esta é uma das conclusões que o autor parece propor ao caminhar do texto.

A resposta é vaga, pois se considera um número maior de possibilidades do que poderia ser necessário. Este pode um sintoma da robotização da vida, os homens esquecem ou abdicam de ter ideais, eles vivem sua suposta liberdade sem lutar por algo, o que abre espaço para os sugestionamentos, que aparentam ser inocentes. A escolha dos indivíduos é controlável à medida, em que se deixam pensar na fotografia como realidade, à medida, em que esquecemos que imagens possuem intenções e significados, por mais dissimulados que sejam. Será que todas a praias das revistam são tão lindas como aparentam? Ou são assim para estimular nossa curiosidade por conhecê-la?

A realidade é um amontoado de simulações, mas não a experiência completa. É questionável até o quanto nós conhecemos nosso próprio mundo, nossa cidade, nossas obras de arte. Quantos prédios não são apenas conhecidos via fotos? Quantas obras de arte conhecemos? E mesmo assim, dizemos conhecer. Essa realidade, se antes (1972) tocava isso, com a internet, o mundo que realmente conhecemos, é menor, pois tudo esta ao alcance de um clique.

O que Flusser, tenta ao longo do livro é suscitar essas questões. Problematizar as imagens técnicas. Ele não aparenta ver uma resposta para estes problemas, contudo deixa claro, ao fim do livro, que talvez haja como mudar. Se a questão não é apenas se deixar usar pelo aparelho, a proposta seria usá-lo consciente de suas possibilidades, e fazê-lo trabalhar de acordo com o que se quer ao invés de se limitar as opções que o aparelho oferece. Contudo, ai está um grande problema por que poucos são os que, realmente, querem entender o que se passa, para fazer uma imagem

62

fotográfica hoje, e questionam suas câmeras. Contudo há mais um problema: ao entender os mecanismos de criação de uma imagem e ao dominar ao aparelho, o fotografo pode, muito bem ser capaz de gerar dominação. Ele pode sugerir algo através de suas fotos e vinculá-la da maneira que lhe for mais rentável.

Talvez o que o autor queira ao longo do livro seja um pedido por uma solução mais educativa. Pois, considerando que ao adquirir o conhecimento seja possível dominar, talvez seja melhor que o conhecimento seja igualmente distribuído. E considerando o estado geral mostrado durante o discurso, o fotografo amador seria o melhor para fazê-lo, pois, os outros ainda estariam imersos no jogo fotográfico, incapazes de sair.

Anexo VII Barbosa, Ana Mae. A imagem no ensino da arte: anos oitenta e novos tempos. São

Paulo: Editora Perspectiva, 1999.

Material didático que ajude a leitura de obra de arte deve propor problemas e não

somente dar soluções (p. 62).

O livro A imagem no ensino da arte foi escrito a partir de artigos, que a professora Ana Mae Barbosa escreveu para eventos ou que fizeram parte de outros trabalhos. Todos os textos, porém dialogam com o que ocorre no cenário da arte-educação, no Brasil e nos EUA.

Percorrendo o livro, percebe-se que em um primeiro momento há a defesa da arte quanto a sua posição na sociedade, que acaba por justificar sua presença no ensino público. Os argumentos, neste primeiro momento, giram em torno do grande espaço na vida, e no mercado, que arte ocupa. Como o campo editorial e a indústria televisiva.

O segundo momento do livro desenvolve o que seria a proposta triangular, das suas origens até o projeto desenvolvido no MAC-USP, que começa em 1987. Por ultimo, há um texto que comenta a situação da arte-educação em museus nos EUA, aonde comenta brevemente a situação brasileira também.

A história da proposta triangular começa no Brasil em 1983, quando no festival de Campos do Jordão, ocorre a associação entre o fazer artístico e a teoria ligada a arte (história da arte, critica e estética). No entanto, tal associação já havia sido feita por Edmund Feldman em 1970 no Becoming human through art:Aesthetic experience in the school. Mas se observarmos, como a autora comenta mais tarde, esse aspecto do aprendizado artístico já esta presente na formação do artista.

A origem mais remota da proposta triangular são as escuelas al aire libre do México, em 1910. Estas almejavam lidar com a história da arte erudita em sintonia com a cultura local, não deixando de lado o fazer artístico. Porém, Tendo em mente o que ali foi cultivado e a situação educacional, tanto norte americana quanto brasileira, essas escolas mexicanas são quase uma utopia.

O ensino de arte, no Brasil, polivalente e associado, excessivamente, ao fazer, não abria espaço para algo assim. Porém é evidente, para alguém que trabalha com arte que o fazer artístico alimenta da pesquisa teórica (história da arte e critica) e esta, do fazer artístico. A autora percebe isso quando observa um trabalho de faculdade da sua filha, e o compara com sua produção artística.

Ao longo do terceiro capítulo é desenvolvido o tema da proposta triangular, mostrando alguns autores específicos que lidaram com ele. Contudo, existe uma proposta presente em todo o livro e que tem certa importância quanto ao assunto tratado, assim como influenciadora do trabalho dos quatro autores que serão citados: o DBAE (Disciplined Based Art Education), criado na década de 1960 em Newcastle University, e desenvolvida nos trabalhos do Getty Center of education in the arts.

Porém a discussão a respeito dessa maneira de articular o ensino de arte é algo recente. Mesmo que a origem de toda a discussão remonte do inicio do século XX, com as escolinhas ao livre do México, a discussão só ganha força, nos EUA na década de 80. Ainda que, em função dos estudos desenvolvidos a partir do DBAE no Getty Center.

63

Todos os autores expostos, ao longo do terceiro capítulo, acrescentam ou apresentam algo a se pensar, sobre como poderia lidar-se com a prática e a teoria em aula. Nenhum problema por eles levantado é, no entanto, auto-excludente do outro. Seria um sonho desenvolvê-los numa única aula, sem que um pesasse mais que o outro, para o professor ou para o aluno. Porém ao longo de um projeto de aulas, este sonho é menos irreal, pois abre maior espaço para as necessidades momentâneas dos alunos (que podem variar e ocorrerem sem prévio aviso). Basicamente, as propostas mostradas são:

Edmund Feldman em Becoming Human Through Art: Aesthetic experience in the School (1970): defende que em aula, deve-se usar mais de uma imagem, para que a análise se forme através de comparação. Mas é necessário precaução, para não emitir juízos de valor já que é inapropriado julgar, certas obras, como melhores que outras. De qualquer forma, Feldman compara a fim de mostrar como um assunto pode ser tratado, em diferentes épocas ou linguagens.

Robert Sanders na série Teaching Through Art (1971): propõe, também, o uso de várias imagens em sala de aula, porém enfatiza o uso de boas reproduções. Para ele, o uso dos slides é fraco em comparação a uma boa reprodução em papel. As múltiplas imagens ajudam a elucidar diferenças históricas, porém seu tema é muito restritivo para os alunos trabalharem, segundo Ana Mae Barbosa. O autor também elabora um conjunto de imagens, que considera interessantes para serem tratadas em determinados períodos escolares (o livro é dividido em série A, B e C). Contudo, para ele não há problema, em uma mesma imagem, ser analisada por mais de um ano. O que ocorre em suas propostas de aula.

Monique Brière na série Art Image (1988): considerada por Ana Mae Barbosa, como uma das melhores obras que incorpora os princípios do DBAE, ela é composta por trinta reproduções e um livro de professor. Porém, ao contrário dos outros autores citados, ela prioriza mais a prática, tanto que a coloca no inicio de cada aula. Segundo a autora, o mais importante é julgar, formular hipóteses, justificar e contextualizar as imagens de arte. Para este fim é usada a história da arte, a critica e a estética.

Rosalind Ragans em Arttalk (1988): ao contrário de Monique Brière, se apóia na critica, o elemento mais forte de seu trabalho. A sua leitura de obras é mais flexível que a dos demais autores e, em função disso, quatro quintos do livro são para instrumentalizar esta critica do professor.

Esses elementos destacam os autores entre si, mas neles há a constante presença do fazer artístico + critica de arte + história da arte + estética. Segundo Elliot Eisner, grande expoente do Getty Center, esses elementos correspondem ao que as pessoas fazem em relação à arte: Elas a produzem, elas a vêem, elas procuram entender seu lugar na cultura através do tempo, elas fazem julgamento acerca de sua qualidade. (p. 36-37)

Esses elementos, postos à mesa não são nem irracionais, nem antiquados. Assim como Ana Mae Barbosa percebe isso ao olhar na sua filha, o modo como artistas ensinam e aprendem. Se bem que não deveria ser tão presente apenas na formação artística, mas na educação básica também.

Mesmo assim, naquele momento, educadores brigam contra isso, como se a proposta triangular fosse uma blasfêmia. A verdadeira questão, porém, é se esses educadores já tentaram entender processo de criação deles mesmos, ou se eles realmente o exercitam. Pois assim, logo perceberiam que ao criar algo, a teoria e a prática trabalham lado a lado, e avaliar o que se faz e o que os outros fazem, faz parte do processo, tanto quanto, julgar se o trabalho feito é esteticamente válido.

Quanto às outras questões apresentadas pela autora, considero que o problema da arte na sociedade é um sintoma social. A arte no ocidente é um problema, principalmente do século XIX em diante. A arte tenta se aproximar da vida, mas é afastada ao mesmo tempo, por preconceitos ou barreiras. Afinal, se aproximar da arte é ganhar alguma autonomia, é refletir, ritualizar... Ensinar isso é provocar a reflexão sobre o ambiente em que se encontra e criar a indagação de como mudá-lo.

64

Nesses últimos dois séculos a sociedade ocidental sofreu, por racionalizar demais e guardar muito pouco tempo e energia para o lado mais ritual da vida. Ritual, nesse sentido, é vivenciar uma atividade que precisa de um tempo próprio, que precisa ser feita por uma necessidade do próprio individuo, na qual, são inseridos valores estéticos. Aonde a experiência conta tanto quanto o produto final. Aonde pressa não possui espaço e tudo em volta se torna importante.

Quando uso “sociedade ocidental”, não significa que considero que os povos orientais, simplesmente, não são afetados pelo ritmo do mundo capitalista contemporâneo. Pelo contrário, no oriente o problema também existe, ao ver Tokyo percebe-se isso. Contudo, ao fazer esse comentário tenho em mente, que apesar do meu pouco conhecimento, sobre o Japão principalmente, acredito que nessas sociedades o aspecto ritualístico da vida ainda é muito presente.

Por exemplo, observando-se práticas orientais, como a meditação, o yoga ou as artes marciais, é possível que se note o aspecto pouco racional, ou melhor, não presente numa forma de pensar puramente cientifica ou técnica, que possa ser expresso pela escrita ou fala. A experiência da arte não se enquadra em realizar algo para extravasar suas emoções. Expressa-se, sente-se, experimenta-se de forma particular e única.

Resumindo, o ensino da arte, assim como a arte, são desvalorizados em nossa sociedade. valorizamos o que esta escrito e explicado de forma racional e à arte, cabe apenas o papel lidar com o emocional.

Hoje, apesar de a arte ser considerada como conhecimento, ainda faltará um tempo para assimilar-lhe seus outros aspectos, aqueles que não estão em nenhum livro. Aqueles que têm de ser sentidos e vividos, sem outro meio de aproximação. O que não quer dizer se tornar artista, que fique claro isso. A arte é para todos, mas assim como nem todos se tornaram médicos por estudar anatomia em biologia, é desnecessário que todos virem artistas para compreender um pouco sobre a arte.

Por considerar dessa maneira arte, acredito que se usar da metodologia triangular é uma boa opção. Usar tanto o lado mais teórico quanto a prática, em sintonia. Mas não esquecendo que, mesmo assim em cada aula e em cada turma, um aspecto pode ser privilegiado momentaneamente, em função das próprias características dos alunos e da maneira própria do docente, que pode lidar melhor com um assunto ou outro. O importante é não negligenciar o necessário.

Anexo VIII

Ensinar a voar: alguns pontos sobre o PCN e a proposta curricular do estado.

Não posso ensinar nada a ninguém, que eu não saiba.75

A leitura dos documentos: Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN – Ensino Médio: Linguagens, códigos e suas Tecnologias. p. 46-57), Proposta Curricular do Estado de São Paulo: Arte e das apostilas fornecidas pela Secretaria de Educação de São Paulo para a disciplina de Arte (cadernos do aluno, correspondentes ao volume 1 e 2 do Ciclo II do ensino Fundamental e do Ensino Médio), examinados nesta seqüência, ocorreu em função de sua abrangência territorial.Porém, estes documentos parecem escritos de forma diferente. O PCN procura registrar os elementos necessários para a educação, enquanto a proposta curricular procura ser um guia para a educação de São Paulo.

Em relação à arte, os documentos procuram abrangê-la de forma ampla. No PCN76

, os temas que separa, não se implicam na maneira de como educar, mas abre espaço para que o educador

75

João Musa. I encontro da rede de produtores culturais da fotografia. Brasília, Maio de 2010. http://www.imafotogaleria.com.br/noticias/noticia.php?cdTexto=1763. Acesso em: 02/04/2011. 76

Uma das particularidades do conhecimento em Arte está no fato de que, nas produções artísticas, um conjunto de idéias é elaborado de maneira sensível, imaginativa, estética por seus produtores ou artistas. De diversos modos, esse conjunto sensorial-de-idéias aparece no produto de arte enquanto está sendo feito e depois de pronto ao ser comunicado e apreciado por outras pessoas. Esse conhecimento, essa sabedoria de expor sensibilidades e idéias na obra de arte é aprendida pelo produtor de arte ao longo de suas relações interpessoais, intergrupais e na diversidade sócio-cultural em que vive. Emoções e pensamentos elaborados, sintetizados, expressos por pessoas produtoras de arte e tornados presentes nos seus produtos artísticos,

65

insira seu próprio modo de lidar com os assuntos levantados. As competências (produção artística, apreciação e fruição de arte, analisar e refletir sobre as diversas manifestações artísticas, respeitar e preservar a arte, valorizar o trabalho dos profissionais da arte)

77. Porém, na Proposta curricular do

estado é exigido do professor que ele lide com os temas correspondentes a cada bimestre do programa escolar, segundo a diretriz Estadual. Mesmo que o documento paulista não contradiga o que o PCN apresenta como arte, ele determina quais assuntos devem ser tratados, levando em consideração as áreas que expõe no texto (linguagens artísticas, processo de criação, materialidade, forma-conteúdo, mediação cultural, patrimônio cultural, saberes estéticos e culturais

78). Esse

engessamento pode ser percebido, por exemplo, na adoção do material didático na rede de escolas estaduais de São Paulo.

Ainda assim, existem três itens da proposta curricular estadual que precisam de uma atenção. A concepção de “fruição” e “apreciação”, a proposta de uma educação para preservação do patrimônio cultural e a forma como o conteúdo é disposto e apresentado, para os alunos.

Alguns termos, que aparecem na proposta curricular estadual são complicados, quanto ao seu uso. “Apreciar” (dar apreço a; estimar, prezar; admirar; considerar; julgar) e “Fruir” (desfrutar; possuir; gozar)

79 que aparecem no trecho: Fruição estética – apreciação significativa da arte e do

universo a ela relacionado; leitura; critica80

, podem vir a serem interpretados de outras formas. Mesmo que a palavra “critica” tenha aparecido ao fim do trecho, é ela que deveria nortear o momento e não o primeiro termo, “fruição”. A “fruição”, segundo os significados do verbo fruir, pode levar a uma ação onde o elemento principal é o prazer, enquanto na “critica” está declarada a noção de discutição e analise.

Ana Mae Barbosa81

, ao expor as distinções que William Hare fazia sobre o sentido de apreciação, atentava para o uso desta expressão. Segundo a passagem do livro, a expressão poderia significar: entender, gratidão e admiração, no dicionário também se encontra o de critica, porém, tanto o gesto de “apreciar” quanto o de “fruir”, são pessoais enquanto a critica, por mais que tenha uma ligação com o lado pessoal, se estende para fora do individuo. Assim, o termo “critica de arte” é mais especifico e se encaixa melhor no que se propõe, tanto por se referir a uma área da arte como por não recorrer a um gesto passivo em relação à obra.

Criticar uma obra é se colocar, tanto como alguém que pode gostar daquilo que está diante dele, quanto se afastar e olhar a obra como ela é. Criticar significa olhar o que a obra é em si, em aspectos físicos (a matéria e a resposta do artista frente a ela) e culturais (história, biografia do artista, influências culturais...) e transcendê-los, procurando entender o que o trabalho de tal artista causa no expectador, e em si próprio. O que é bem diferente de pensar em fruir e apreciar, com a conotação de ter que aceitar a obra, mesmo não a considerando interessante. Para realizar uma critica é desnecessário admirar ou gozar, porém, é necessário compreensão (contexto histórico, aspecto técnico, relações compositivas...), e assim se posicionar. Ter o direito de não estimar, prezar, admirar.... Porém, não julgar através de preconceitos e apenas do gosto pessoal.

O segundo item é o do patrimônio cultural. Longe de ser algo ruim, pelo contrário, ensinar aos jovens o respeito pelo legado cultural da humanidade é importante. Porém, como fazê-lo? Tanto o PCN quanto a proposta curricular de São Paulo citam-lhe, mas não dizem como. Parece simples, no entanto é difícil fazer o outro enxergar a importância de um produto cultural, ao qual não entende ou considera de baixo valor. O PCN cita a questão de criar uma identidade, o respeito e a convivência

mobilizam, por sua vez, sensorialidades e cognições de seus apreciadores (espectadores, fruidores, públicos) considerados, portanto, participantes da produção de arte e de sua história. É nas relações socioculturais – dentre elas as vividas na educação escolar – que praticamos e aprendemos saberes.

Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio, Parte II. 2000. p. 48 77

Idem, p. 50-56. 78

Idem. p. 46 79

Fernandes, Francisco ET alli. Dicionário Brasileiro Globo. São Paulo: Globo, 1996 80

Fini, Maria Inês. Proposta Curricular do Estado de São Paulo: Arte. São Paulo: SEE, 2008. p. 46. 81

Barbosa, Ana Mae. A imagem no ensino da arte: anos oitenta e novos tempos. São Paulo: Editora Perspectiva,

1999. p. 39.

66

com as alteridades82

, mas patrimônio cultural é um tema delicado. Ele pode caminhar por lugares que levam a debates de valores, que nem sempre chegam a alguma conclusão.

Por exemplo, lembrando-se de quando Sadam Husseim foi derrubado do poder, veremos vê-se um problema. Naquela época, derrubaram a estátua dele e a destruíram, e não houve estranhamento quanto à sua destruição. Alguém nega que a estátua do ditador era um objeto que representou um momento histórico e a presença de um conjunto de valores, que naquele momento desabaram? Porém, o mesmo ocorre com as esculturas de artistas ou construções públicas. A identificação de uma geração com a tradição de outra pode se perder com o tempo. Patrimônios culturais não estão isentos disto. Se somente um pequeno grupo, possui interesse e respeito por algo, este não é patrimônio para os demais, mesmo que seja um patrimônio cultural. Esse é um caso grande (afinal está registrado pelos jornais), mas quem nunca ouviu falar de alguém que rasgou uma foto de alguém, com quem tenha se desentendido ou terminado um relacionamento? As pessoas costumam querer apagar alguns elementos de suas vidas, que as desagradam. Assim, com a foto como com a estátua. Considerando tais pontos, pensar em patrimônio cultural torna-se um pouco mais difícil, pois não é apenas compreender aquilo que se desconhece, mas também conviver com o passado que lhe desagrada, ao invés de apagá-lo.

O problema da questão é criar o respeito e a convivência com o diferente. A identificação com uma cultura que não lhe corresponde, ainda que de sua cidade ou país, não é necessária. O educador tem de ter em mente que, tanto seus valores quanto o de seus alunos é diferente e que podem continuar o sendo ao termino da escolarização, mas que ambos podem conviver e se respeitar. Se a identificação fosse o pré-requisito para a preservação de um patrimônio cultural, como o fazê-lo numa cidade como São Paulo? Num lugar onde convivem muitas culturas, não se identificar com uma maioria é normal. Porém, a convivência e o respeito devem existir, para que, mesmo a minoria, se sinta se sinta valorizada. O patrimônio cultural traz consigo os valores de uma forma de lidar com o mundo diferenciada, e isso pode ser importante para um individuo em desenvolvimento, pois ao passo que se oferece mais de uma visão, mais de uma cultura, lhe é oferecido repertório e opções de interpretação do mundo.

Mas, esses são problemas pequenos se comparados ao que se propõe realizar em São Paulo. Existe um claro problema de tempo e estrutura. O tempo exigido para a realização de todos os temas propostos em sala de aula, não leva em consideração o tempo que os alunos podem levar para usufruírem bem do conteúdo ensinado. Nem de que este tempo pode variar de aluno para aluno.

Nesta proposta paulista, o que o governo oferece na área de artes é muito maior e mais denso do que um aluno poderia entender no espaço de um bimestre e do que um professor poderia oferecer, considerando sua formação. Um professor de artes precisaria de quatro formações especificas para dominar ou compreender: artes visuais, música, dança e artes cênicas.

Ainda assim, considerando que exista este perfil de professor, em quantidade suficiente para suprir o número de escolas que necessitem deles. Em um bimestre, tendo 16 aulas de 50 minutos, dos quais pelo menos 15 são usados para organizar a sala, para a chegada e a saída de professores, para a realização da chamada e o que vier a ser necessário antes do inicio da aula, ainda assim seria possível lidar com o conteúdo exigido?

83 Para o conteúdo sugerido no cronograma seria necessário

mais tempo, pois mesmo o número de aulas apontado acima, não equaciona os imprevistos de uma sala de aula. Menos ainda, que uma aula pode ser insuficiente para trabalhar bem um tema: pode faltar tempo para propor um exercício e acompanhá-lo ou realizar atividades que necessitem de um espaço, que a sala de aula convencional não possui.

A escola está longe de ser a que se necessita. Além do professor ser obrigado a lidar com mais de uma área ao mesmo tempo, é colocado que deve promover a expressão e a criatividade dos alunos em salas lotadas (em torno de 30 a 40 alunos), em um ambiente pouco favorável, pois nem

82

Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio, Parte II. 2000. p. 54 83

Os temas podem ser encontrados em: Fini, Maria Inês. Proposta Curricular do Estado de São Paulo: Arte. São

Paulo: SEE, 2008. Um exemplo podem ser o dos temas sugeridos para 5ª série do Ensino Fundamental (p. 55): escultura, assemblages, objeto, ready-made, parangolés, instalação, intervenção urbana, site especific, land art, web art, cenografia e a cena contemporânea, topografia de cena, dança moderna, danças de Bauhaus, dança clássica, dança contemporânea, desenho de figurino, re-harmonizações tonais e modais e percepção harmônica. Só aqui há 19 temas e são apenas 16 aulas. Muitos temas podem se entrelaçar, mas ainda são muitos para o tempo que se dispõe.

67

todas as escolas possuem uma sala de artes e onde o aluno tem de fazê-lo em um pequeno espaço, disposto entre um e outro exercício, que o seu “caderno”

84 oferece. Um simples espaço em branco,

menor que o de uma folha comum de sulfite.

Ao aluno, o problema é o mesmo. O ambiente em si, da sala de aula (superlotação e baixa infra-estrutura) e o que lhe é cobrado (excesso de conteúdo e aprender algo que pouco lhe faz sentido) são desestimulantes por si só. Fora isto, a escola pública, algumas vezes, pouco oferece de concreto ao aluno, além do diploma. Em algumas localidades, a escola é para os alunos um local de convívio, mas não de estudo. São poucos os que acreditam que através do ensino público, poderão se destacar no mercado de trabalho ou garantir acesso a um bom curso universitário, ou ao que quiserem realizar. A escola é, em geral, um ambiente obrigatório, mas que pouco tenta ser significativo para as necessidades do aluno, sejam elas pessoais ou profissionais.

A fotografia e algumas conclusões

Mas afora toda esta problematização do currículo, onde está a fotografia?

Pelo material didático analisado (o caderno do aluno oferecido pela secretaria de educação do estado de São Paulo) e a Proposta Curricular do Estado de São Paulo, percebe-se que há poucos fotógrafos mostrados e que a linguagem possui pouco espaço. Porém, isto não é preconceito quanto à fotografia, isto é falta de espaço para ela e para as outras formas de arte. Por haver pouco tempo para abordar tudo o que está proposto para a educação estadual, pouco de cada item pode ser mostrado e aprofundado. Ao juntar em um único lugar quatro áreas, pouco delas pode-se trabalhar.

Por este “pequeno” problema, a fotografia se apresenta, na maior parte das vezes, como registro de outras artes. Se fossemos trabalhar a fotografia, mais alguns fotógrafos seriam necessários, além daqueles que o material didático traz, e uma improvisação seria necessária. Pois, entender fotografia, de alguma forma, passa por entender a câmera e o processo fotográfico, ainda que apenas na teoria, pois, nem sempre há um laboratório de ciências onde se possam realizar alguns experimentos químicos.

Em artes, seja em fotografia, teatro, canto ou qualquer outra forma de expressão é importante que se privilegie o que o aluno tem a dizer. Para ensinar alguém, vocês precisam estar atentos ao que esse ser traz a você e completar a necessidade de informação, que essa pessoa procura

85. Para

seguir esta frase do prof. João Musa, o currículo teria de ser menor e pensarmos que a expressão se dá de forma diferente para cada um. Ou seja, cada aluno, mesmo que deva em algum momento de sua educação conhecer as diferentes formas de arte, precisa decidir o que fazer e se dedicar a isso. Mesmo que isso esteja sugerido na Proposta Curricular de São Paulo para a 1ª e 2ª série do Ensino Médio

86, isto deveria ocorrer até a 3ª série, mesmo que de forma optativa. A arte faz parte da vida dos

indivíduos. Imagens, por exemplo, estão por toda parte, e este é um mercado que está sempre presente (indústria televisiva, editoras, setor educacional...) . Ao aluno deveria caber a decisão sobre o que fazer (que linguagem trabalhar) e ser ofertada a possibilidade de estar perto de pessoas que dominem a área de sua escolha, seja em artes visuais, artes cênicas, dança ou música.

Dificilmente alguém poderia se expressar em uma linguagem que lhe incomoda ou não lhe interessa. O que não inviabiliza o trabalho com outros indivíduos, que trabalham em diferentes formas de expressão. O mais importante é que o individuo ganhe autonomia, que ele diga o que acredita... O que ele quer. Para isto, não é útil pré-determinar o currículo e tão pouco, sobrecarregá-lo de conteúdo. Talvez, para as crianças, isso passe sem grandes estragos, porém, no Ensino Médio, não. O adolescente, por vezes anseia pelo mundo adulto, então por que não oferecer o item mais importante deste mundo: a decisão de escolher caminhos, a de escolher os meios?

Anexo IX

84

“Caderno” se refere ao “caderno do aluno”, o material didático referente aos alunos das escolas estaduais. 85

João Musa. I encontro da rede de produtores culturais da fotografia. Brasília, Maio de 2010. http://www.imafotogaleria.com.br/noticias/noticia.php?cdTexto=1763. Acesso em: 02/04/2011. 86

Fini, Maria Inês. Proposta Curricular do Estado de São Paulo: Arte. São Paulo: SEE, 2008. p. 58 á 61.

68

Richter, Ivone Mendes. Interculturalidade e estética do cotidiano no ensino médio. Campinas: mercado de Letras, 2003.

Sobre o livro

O livro é baseado em uma pesquisa de campo feita em escola pública (Escola Municipal Aracy Barreto Sacchis) na cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul. O objetivo principal da pesquisa era lidar com o aspecto multicultural numa aula de artes, valorizando as culturas comuns aos alunos, as que fazem parte de seu repertório e da comunidade a que pertencem assim como aquelas que puderam ser expostas em aula. A proposta se põe a trabalhar, principalmente, com as culturas não dominantes (por exemplo, a indígena) e da estética do cotidiano feminino, partindo do pressuposto da mulher (mãe) como influencia primeira a estética da criança.

A primeira parte do livro é sobrecarregada de conceitos e expressões de outros autores, que são o lugar, no qual Richter se apoiou para pensar nesta experiência com a escola. É interessante a maneira como a autora decide usar essas referencias sem inundar o texto de notas de rodapé (ela coloca o autor e um dado que possa ser consultado na bibliografia, apenas o necessário esta entre parênteses). Já a segunda parte é mais fluida e se apega mais a experiência de coletar os dados e à sala de aula.

Sobre cada capitulo, trarei apenas os itens que considerei importantes e evitarei descrevê-los, pois a partir do momento em que a autora descreve sua experiência seria pura transcrição de minha parte retomá-los. Assim colocarei os pontos que mais me tocaram e, ao final, colocarei algumas das questões mais suscitadas pelo livro.

Capítulo 1. Multiculturalidade: uma policromia dinâmica

Neste Capítulo a autora expõe os conceitos que a ajudaram na pesquisa. Entre eles os:

Sobre a “cultura” (Thomaz, Omar Ribeiro. A antropologia e o mundo contemporâneo: cultura e diversidade. Cap. 17, s/ed, s/d, p. 427): (...) fenômeno unicamente humano, a cultura se refere à capacidade que os seres humanos têm de dar significado às suas ações e ao mundo que os rodeia. A cultura é compartilhada pelos indivíduos de um determinados grupo, não se referindo, pois, a um fenômeno individual; por outro lado, cada grupo de seres humanos, em diferentes época e lugares, dá diferentes significados a coisas e passagens da vida aparentemente semelhantes. As culturas mudam, seja em função de sua dinâmica interna, seja em função de diferentes tipos de pressão interior. (...) A cultura é, pois, „um processo dinâmico de reinvenção continua de tradições e significados‟.” (p. 17).

Defende a expressão “hibridação cultural” em detrimento dos: “mestiçagem” e “sincretismo”. Estes termos referem-se mais a mistura racial e as fusões religiosas do que a uma pluralidade cultural, que segundo a autora, marca os países latino americanos.

As expressões “macroestética” e “microestética” (Pereira, Marcos Villela. A estética da professoralidade. Um estudo interdisciplinar sobre a subjetividade do professor. São Paulo: PUC, 1996 (tese de doutorado): Macroestética se refere a uma subjetividade que procura instituir um modelo homogeneizante. O belo e a criatividade, por exemplo. Já a microestética é um processo de produção de subjetividade: como o sujeito se organiza enquanto subjetividade.

Na seqüência a definição de estética surge, segundo Pereira, como: Dessa forma, a estética tem a ver com a maneira pela qual “o mundo toma sentido para nós, de acordo com a maneira pela qual nos afeta e pela qual nós o afetamos (1996, p. 127)”.( p. 21)

Segundo Ellen Dissanayake essa microestética é equivalente a expressão “fazer especial” (What is art for? 2ºed. Seattle: University of WashingtonPress, 1991). Esta expressão é muito usada ao longo do texto.

69

O que é valor estético? Para Rader e Jessup, valor estético se relaciona com o prazer que o ser humano experiência no simples olhar a natureza ou objetos fabricados; o prazer em ouvir a canção dos pássaros ou uma música; em sentir um pedaço de madeira ou a textura da lã; em arrumar uma mesa atrativa ou um canteiro de flores. Dizem os autores que, quando experiência estética vem a nós nesses exemplos familiares da vida diária, não precisa de explanação ou justificativa, não precisa de razões. Ela é simplesmente boa, como respirar ar puro (1976, PP. 7-8). (Rader, Melvin e Jessup, Bertram. Art and human values.

New Jersey: Prentice-hall,1976) (p. 23-24)

Sobre a multiculturalidade a autora mostra haver duas correntes, a liberal e a critica.

No multiculturalismo liberal acredita-se em uma igualdade natural entre as diferentes raças e etnias, mas é a falta de oportunidades sociais que leva á desigualdade no capitalismo. Já o multiculturalismo crítico vê as representações de raça, classe e gênero como sinais e significados advindos das lutas sociais.

McLaren levanta duvidas sobre à “critica” como olhar privilegiado e não contaminado, por visões distorcidas da realidade. Para ele é mais viável que se criem espaços públicos de discussão, onde se confrontem diferentes pontos de vista. Para ele, uma democracia em que as identidades consigam fazer-se ouvir é uma “democracia barulhenta”. (p.36).

Capítulo 2. Vivenciando a experiência estética

O capitulo fala um pouco sobre estética e o ensino de arte, no qual destaquei alguns pontos.

Cada ser humano é como todos

Os outros seres humanos,

Como algum outro ser humano,

Como nenhum outro ser humano. (Kluckhohn e Murray) (p.37)

O trecho dos autores acima foi usado por Richter para declarar que o ser humano é igual a todos os outros seres humanos (todos possuem um ciclo de vida e morte, precisam se alimentar e dormir), que os seres humanos têm um lado cultural (vivem em grupos sob as mesmas regras, o mesmo idioma e com alguns hábitos comuns entre os membros do grupo) e que todos possuem um componente singular (a maneira como o individuo lida com sua própria cultura, a maneira de responder ao mundo através da cultura a que pertence, seu jeito próprio).

Sobre a educação, há um comentário de como os valores que a arte e a ensino de arte partilham. No desenrolar do capitulo é mostrado como houve um apego, durante parte do século XX, à maneira modernista de ensinar, que possui uma faceta “universalista”, fruto de um argumento essencialista. Porém, este argumento não mostra que cada cultura, na sua medida, é etnocêntrica, menos ainda, discute quem propõe esse universalismo.

Contemporaneamente, com o pós-modernismo, começa-se a quebrar as barreiras que existem entre erudito e o popular. Havendo uma condenação ao elitismo.

Capítulo 3. Tecendo o olhar

70

Neste capitulo a autora descreve como se realizou o primeiro momento da pesquisa de campo. Foi escolhida uma escola municipal de Santa Maria, na qual se trabalharia com apenas duas classes, duas 5ª séries. Richter comenta o apoio dos professores e da diretoria, e que estes também ajudaram no primeiro passo da pesquisa, que era entrevistar algumas mulheres que tivessem alguma ligação com a escola. Estas mulheres, porém, teriam de ter um aspecto desejado, deveriam ter algum “fazer especial”. Nisto, a escola colaborou em indicar alguns nomes e estabelecer os primeiros contatos.

A escolha pela mulher, parte do pressuposto de que é a mulher a fomentadora da sensibilidade no ambiente familiar. Além de pensar nos aspectos já citados, queria-se um contato com grupos de origens culturais diferentes.

Para a entrevista, ficou então confirmada a presença de: uma negra (variadas origens), uma mulher de origem espanhola e portuguesa, uma de origem alemã, uma de origem japonesa (pais japoneses) e outra que é índia (nasceu numa tribo e mais tarde veio para a cidade). Esta ultima, tinha um fazer que pouco se associaria a arte, no entanto, em seu fazer especial há uma forte presença mística e estética.

Segundo a autora, o mundo sensível precisa ser preservado na escola. O ensino da arte na escola precisa preservar essa linha de encantamento do universo estético das crianças, para poder não somente contextualizar o ensino da arte, mas também contextualizá-lo em relação ao meio cultural e estético em que as crianças estão inseridas (p.54).

Capítulo 4. Vivendo a vida com arte

Neste capitulo é analisado melhor o material vindo das mulheres entrevistadas, a imagem da casa, por exemplo, que neste caso foi fotografado pelas próprias entrevistadas. Isso por que, segundo uma autora citada por Richter (Maria Cristina S. de Souza Campos), a fotografia revela as ideologias de mundo de seu autor. Algumas questões foram levantadas pelo material e pela entrevista em si.

Outro detalhe importante é que a autora percebe pela fala das entrevistadas, que o fazer especial precisa de um tempo diferente. Assim, foi comum elas reclamarem mais tempo para essas atividades, o que a autora percebe que nas aulas também viria a ocorrer.

Um ultimo ponto, é a diferença entre o que as entrevistadas pensam sobre a aula de arte e o que o professor de arte pensa. Para elas a aula deveria ter um caráter mais prático, como aquela, referente às aulas que algumas tiveram e que preparassem para a vida (doméstica), enquanto para o professor de arte a função da aula é desenvolver a expressão estética individual. Outro detalhe é que estas mulheres diferenciam o seu “fazer especial” da arte. Segundo elas o que tornaria esse fazer especial em arte, seria a criação, pois a maioria só copia.

Um parênteses deve ser aberto também, pois Doralina, a de origem indígena, vê a arte de uma forma diferente. Para a sua tribo, Muriaco (a palavra relativa à arte) é tudo aquilo que eles fazem. Isso pode indicar que o conceito de arte, ou não é compatível com o dos índios, ou a forma de encarar a vida é encarada sob um olhar estético diferenciado do das outras entrevistadas. Enquanto as outras precisam de um tempo especifico para seus fazeres especiais, na tribo, tudo que era feito (objetos) era especial. É praticamente o mesmo que dizer que tudo se faz com dedicação, com estética e com um valor místico (este último, presente apenas em Doralina).

Capítulo 5. Propondo uma performance.

Neste capitulo a autora expõe a experiência em sala de aula. Nas quais se queria mostrar diversas culturas e valorizar o trabalho de mulheres, que lidassem com o cotidiano feminino.

71

A variedade cultural trazia um problema. A discriminação aparece no livro, como algo velado na sociedade brasileira, e mais ligado as questões sócio-econômicas. Frente a isto, a escola é impotente, pois por seu caráter monocultural, ela acaba não sendo capaz de lidar com as questões de poder, que estão por detrás desta discriminação.

Segundo Lucimar Bello Frangi: tenho duvidas de que a arte deva estar mesmo na escola. Precisamos de ”outras” escolas, abertas para vidas e espaços-tempos de fazer, pensar, discutir, sonhar, construir nossas formas ”imagizadas”, espaços nos quais realmente se faça arte. (p. 169). Aqui se questiona o espaço engessado da escola, os tempos curtos e padronizados que não colaboram para a imersão que a arte precisa, o tempo de cada um, para se concentrar e construir algo, um tempo sem interrupções.

Capítulo 6. Montando uma instalação possível

Aqui se conclui o livro e há a consideração de pensar no professor, como um indivíduo que deve viver sua estética, assim como o questionamento do artesanato ser ou não uma arte. Segundo a autora o conceito de arte deve ser diversificado, pois, não é apenas a pintura e a escultura que são artes, pois o artesanato não é apenas um fazer mecânico de objetos para serem vendidos.

Outra questão importante é que, em função de uma situação de aula, ela veio a considerar a possibilidade de tratar o tema da discriminação de forma direta, ao invés da indireta, como foi feito na escola. Por considerar que a discriminação no Brasil é velada, decidiu-se pelo viés indireto, pensando que uma conversa direta poderia causar desconforto, principalmente na parte discriminada. Porém, não desconsidera a atitude tomada em relação ao tema, por que, pelo viés da valorização da cultura oprimida, feito em aula, valorizou-se ela, conferindo-lhe respeito e dando maior auto-estima para as crianças de tal origem.

Conclusões

O texto em si, não trouxe grandes informações, apesar de que, ouvir sobre o conceito de macro e microestética, assim como o de fazer especial, terem sido importantes. Porém o texto me trouxe alguns problemas, que só agora me atentei. A questão do gênero e da discriminação.

Sobre a multiculturalidade, ainda considero o tema complexo para pô-lo em aula, por que seria complicado para um professor em formação. É necessário mais conhecimento sobre um número maior de culturas do que o que a graduação oferece. As culturas africanas e indígenas quase nunca aparecem, por exemplo, e quando ocorrem é sob um viés generalizante. Afinal, áfrica não é um país, mas continente com muitos povos assim como “índios” é uma expressão que se refere aos muitos povos que habitam e habitaram as terras do “novo mundo”, neste caso, as Américas.

Por considerar este aspecto, penso que o meu enfoque na escola deve ser outro, porém a discriminação e as questões de gênero continuam. Como lidar com elas? Por enquanto só penso na hipótese de trabalhar com fotógrafas, pintoras e outras artistas ao invés de me acomodar aos grandes nomes (em geral, homens). E sobre a discriminação racial, talvez abrir espaço para a discussão aberta.

Anexo X

Herrigel, Eugen. A arte cavalheiresca do arqueiro zen. 22ª ed. SP: Editora Pensamento, 2007

Resumo:

O presente texto é baseado em algumas experiências de regência no projeto Eu na USP jr em fevereiro de 2010 e na disciplina de metodologia do ensino de artes visuais II no primeiro

72

semestre de 2010. Além disto, muito do que é apresentado nele, diz respeito ao livro A arte cavaleiresca do arqueiro zen e das aulas e falas, no primeiro encontro da rede de produtores culturais da fotografia brasileira (28 de maio de 2010), do professor João Musa. Por fim, uma reflexão sobre meu processo de criação artístico, que inevitavelmente, se irradia para a educação.

Antes de penetrar no zen, as montanhas e os rios nada mais eram senão montanhas e rios. Quando aderi ao zen, as montanhas não eram mais montanhas, nem os rios eram rios. Mas, quando compreendi o zen, as montanhas eram só montanhas e os rios, apenas rios. p. 7

Prefácio (J. C. Ismael)

Síntese e análise

A citação é o prefácio do livro de Eugen Herrigel, no qual tenta transmitir um relato pessoal sobre uma experiência no Japão. Ele narra sua experiência ao aprender Kyudo (no texto é chamado tiro com arco), que aprendeu ao ir morar no Japão para lecionar na Universidade Imperial de Tohoku. A escolha pelo Kyudo ocorreu por que Herrigel pretendia entender o zen, no que lhe é aconselhado fazê-lo através de uma das artes ligadas ao zen.

Durante essa busca, o papel do mestre é colocado como o de um educador, por vezes convencional (considerando a idéia de iluminar o aluno), mas que se destaca em diversos momentos, através de um educar que segue um princípio de não ter uma finalidade ou um fim especifico. Tanto o kyudo quanto o ensino dele, e talvez das outras artes ligadas ao Zen, respeitem o mesmo principio: fazer uma “arte sem arte”, fazer sem a intenção de fazer. Como Herrigel descreve em seu livro: “a arte genuína”, afirmou o mestre, “não conhece nem fim nem intenção (...) o que obstrui o caminho é a vontade demasiadamente ativa. O senhor pensa que o que não for feito pelo senhor mesmo não dará resultado”. P. 42.

Este trecho sintetiza a essência do livro e, para mim, uma grande lição. Durante minha experiência de regência, vinculadas à algumas disciplinas e projetos na faculdade em que estudo, percebo que os momentos em que a aulas fluíram, o conteúdo não estava apenas no plano, ele ocorreu em decorrência da aula. Estes momentos ocorreram ao “acaso”, mas movimentado por “algo”, não houve excesso de pensar ou a intenção de fazer arte. Claro, por conseqüência disto, o processo em si foi mais importante que o fim em si. Este “algo” é uma intenção sem intenção que o mestre arqueiro estimula Herrigel a despertar ao longo da experiência dele, é o momento em que ele atira e nem percebe que atirou a flecha, como se o gesto tivesse fluido sem que se precisasse pensar, ou forçar-se a fazê-lo. Atirar com o arco era natural como respirar, assim penso que deveria ser uma aula.

As palavras de Flusser, também começam a se complicar. Em síntese, Flusser associava o fotografar com um gesto mecânico, no momento em que a única opção dada ao fotógrafo era a de apertar o botão. A fotografia, como resultado técnico e objetivo, retransmite a natureza, mas não faz deste potencial o seu limite. O olho fotográfico não é frio nem imparcial, pois é através dele que se projeta a intenção do fotógrafo em materializar conceitos e emoções (Simão, p. 51). A fotografia (...) é centrifuga, pois, quando fraciona uma parte de um todo, absolutiza essa fração, fazendo que sua exposição seja privilegiada e se torne um centro de atenção que impulsiona forças de dentro para fora. Viabiliza uma visualidade que poderia passar desapercebida (idem, p. 59). Em suma, a fotografia ou o desenho, seja em que nível de qualidade for não é gratuito. Mesmo sendo um pouco mais inocente com relação a si mesmo, ao trazer pouco de si mesmo para a foto, o fotógrafo amador não é inocente na escolha que faz.

Ao mirar excessivamente na arte, acabei esquecendo, que o fotógrafo amador é fotógrafo ao fotografar, assim como a criança é médica ao brincar de médico. Ao exercitar uma destas duas atividades, um pouco da estética do individuo vem para fora, pois ele escolheu o que fotografa, assim como a criança escolheu a profissão de que vai brincar. É claro, que o artista é diferente, mas no que se refere à sensibilidade que tem para consigo mesmo. Mas este não é um item que vem de nascença, pelo contrário, é adquirido. Assim como Herrigel precisou sensibilizar a si mesmo, para deixar que o tiro fluísse, assim como ele precisou se reconectar consigo mesmo, o artista em formação tem de fazê-lo também. Em função disto, as palavras de Paulo Brusky no V Seminário de Arte, Cultura e Fotografia, ganham força. Para ele, o artista existe por que as pessoas não sabem ver e que por isso devem ensiná-las, porém, mais do que ver, a missão seria a de reconectar os

73

indivíduos ao que há de mais profundo neles: imaginação, espírito, alma, inconsciente, intuição, satori, não importa o nome, é a este lugar obscuro do ser humano que se procura.

A fotografia é importante, enquanto modo de desenvolver a sensibilidade para consigo mesmo e para com o mundo externo. Oferecendo -se as ferramentas para isso, sejam técnicas ou exemplos (artistas), o aluno pode perceber o caminho, contudo:

até onde o discípulo chegará é coisa que não preocupa o mestre. Ele apenas lhe ensina o caminho, deixando-o percorrê-lo por si mesmo, sem a companhia de ninguém. A fim de que o aluno supere a prova da solidão, o mestre se separa dele, exortando-o cordialmente a prosseguir mais longe do que ele e a se “elevar acima dos ombros do mestre” (p.57).

Isto, talvez, seja o mais difícil. No Brasil, quer-se que aluno seja aprovado em provas, chegue ao curso superior ou aos ditos empregos bons. O professor se preocupa com o aonde o aluno chegará ou simplesmente se desapega da maneira mais vazia disto, deixando, por vezes, de se importar com o aluno. A frase não diz que o mestre não se preocupa com o aluno, mas que lhe dá as ferramentas para caminhar e deixa que o aluno aprenda, depois de um certo ponto, a usá-las por si mesmo. Deixa que ele aprenda como deve usá-las para seguir o próprio caminho. Mais do que isso, o aluno está crescendo mais por dentro do que por fora, naquilo que pode usar em qualquer aspecto de sua vida e não apenas para ganhar dinheiro ou status, menos ainda para ir bem em uma prova.

É complexo explicar esta maneira de ver o mundo e as pessoas, pois no oriente (na arte zen) o lado místico não parece ser algo pejorativo, como é no ocidente. Para Herrigel o homem, o artista, a obra formam um todo. A arte da obra interior que não se desprende do artista como a exterior, a que ele não pode fazer, mas unicamente ser, surge das profundezas que não conhecem a luz do dia (p.57). Este lugar tão associado ao escuro não é por sinal ruim, mas desconhecido, e por isso temido. No ocidente uma tradução mais próxima, para esse lugar, que no Japão é conhecido como Satori, é intuição. Segundo Suzuki, que prefere traduzir o Satori como intuição prájnica, satori é:

(...) podemos traduzir prajnâ como sabedoria transcendental (...), porquanto se trata de uma intuição especial, que capta simultaneamente a totalidade e a individualidade de todas as coisas. Essa intuição reconhece, sem nenhuma espécie de meditação, que o zero é o infinito e o infinito é o zero. E isso não constitui uma indicação simbólica ou matemática, mas uma experiência diretamente apreensível , resultante de uma experiência direta (p. 10-11).

Essa região escura do homem, fonte da imaginação e da criação é o mesmo que Goya mostra na sua gravura Sono da razão produz monstros. Um lugar que conecta o indivíduo com uma essência, que parece monstruosa, diante da falta de explicação que ela gera. Mas como explicar um

sopro que conduz um ato extremante íntimo, estético e sem vontade. Ai está à origem do que o professor João Musa dizia em suas aulas de fotografia no curso de Artes visuais da ECA , quando afirmar que a arte não precisa de um motivo para ser feita. A arte nasce da intersecção dos nossos monstros e nós. O disparo da flecha surge, quando o arqueiro se esquece de si mesmo e espera, espera o “algo” disparar. O disparo ocorre quando tudo flui sem exaustão, pressa ou necessidade, quando o momento daquilo que dispara vem a tona e a flecha caminha até o seu alvo externo que nada mais é do que o próprio arqueiro, internamente.

A fotografia se dá no momento, onde o individuo se conecta consigo mesmo e espera. A foto sai, sem razão ou necessidade, registrando com seu foco o mundo que nada mais é do que o próprio fotógrafo. Esta é a mensagem de Herrigel (trazida para a fotografia), quanto a experiência em Kyudo, ensinada a mim pelas vivencia em fotografia com João Musa. Assim como as palavras de Flusser que dizem que o nascer do sol justifica o canto do galo e este o nascer do sol, não há um fim mas uma experiência em que os elementos dela justificam-se mutuamente.

74

Um educador assim, porém é difícil. Assim como o professor João Musa diz que não pode ensinar aquilo que não sabe, o educador não deve fazer, propor, aquilo que não vivenciou. Assim como Herrigel comenta que só aquele que verdadeiramente se isola pode aprender o sentido de isolamento, somente aquele que vive verdadeiramente a arte pode entendê-la. Mas vamos ampliar o sentido de arte. Arte não é pintura ou música apenas, ela é um fazer que se explica em si mesmo, que conecta o individuo consigo mesmo e ao qual o meio pouco importa, pois é esta experiência de transe, de auto-gestão consciente-inconsciente que importa. Sendo assim, o ikebana (arranjo de flores), o kendo (esgrima japonesa), o tricotar, o tecer, o fazer remédios ou qualquer outra atividade pode ser arte, pois, o estético parte si mesmo e atinge o outro na sua forma mais pura sem necessitar com isso, de criar um modelo de beleza a ser seguido. É o pensamento presente no livro de Richter, é o “fazer especial” da autora. É um valor estético que agrega prazer, como o respirar a ar puro ou se banhar no sol, sem a necessidade de justificativa ou explanação (Richter p.23-24). Isto está além de ser professor de português ou de arte, essa é uma questão pessoal, que propõe uma evolução pessoal ao individuo e que independe da ferramenta.

Mas o maior desafio que o educador, que se proponha a educar dessa maneira, é esquecer-se de si mesmo também. O seu desejo, ambição para aquela(s) aula(s), o futuro que quer para os seus alunos tem de serem esquecidos. O ficar acima dos ombros do mestre não é superar, mas estar de pé ao invés de olhar de baixo o mestre. O educador não prepara o aluno para a profissão, mas educa-o para confiar e andar por si mesmo, seja qual for seu caminho. As poucas aulas em que consegui ser estético, não eram aulas de arte ou uma recreação, eram uma experiência onde não havia finalidade artística e nem culpa de minha parte, por ela não o ter. A minha primeira aula assim foi quando misturei música e desenho, propondo um desenho cego em que os alunos sentissem o ritmo da música e o transmitissem para o desenho através de um lápis ou giz, que pegaram em uma mesa próxima. O mais interessante foi deixá-los a deriva com música, caminhando sem um destino e sem um “certo” a fazer. A experiência para alguns era difícil, para outros envolvia o corpo. Contudo, foi minha primeira aula que deu certo e a primeira em que senti prazer de realizar e vi prazer nos alunos que me ensinaram, um pouco mais, a ensinar. A lição para eles não era sobre como pintar, mas como se envolver com o seu fazer. Não importa o que fizeram com aquilo, mas o “algo” que sentiram, mesmo que de relance, ao fazerem a atividade. O mesmo “algo” que atirou a flecha de Herrigel.

Longe de propor que aula seja mística ou ligada uma espécie de acaso, proponho que ela seja livre, para professor e aluno. Proponho que ambos se sintam bem. Pode-se questionar que o ambiente para estas aulas de Herrigel ou esta que mostrei, sejam em lugares diferentes do espaço escolar. Mas a questão é que o real ambiente delas não é a escola, um dojo (escola onde se ensina uma arte marcial) ou um ateliê, o ambiente dela é aquele que se cria dentro do individuo. A aula não parte de fora, mas de dentro do aluno e de dentro do educador. Quando ambos se encontram ela ocorre. Os elementos do ambiente devem apenas ajudar a preparação para esse ambiente e não serem o fim em si. Adaptando a frase: mestre Ittei disse: na caligrafia, o processo flui apenas quando o papel, o pincel e a tinta estão em harmonia (Tsunetomo p.75). A aula só flui quando o aluno, o professor e o ambiente entram em harmonia.

Anexo XI Buti, Marco. Ir, passar, ficar. Tese de doutorado. São Paulo: USP, 1998. Musa, João. Viagem a uma terra desconhecida. Tese de Mestrado. São Paulo: USP,

1990.

Os dois trabalhos, a que se refere este texto, são trabalhos poéticos de professores com os quais mantenho contato no curso de Artes Visuais da ECA. Nestes dois trabalhos, ligados as linguagens do desenho (Buti) e da fotografia (Musa), as quais possuo maior experiência, os autores além de exporem as imagens que criaram escrevem alguns textos que muito ajudaram a pensar sobre a arte.

A partir destes trabalhos, percebi alguns pontos do pensamento de ambos os autores que repercutem sobre suas práticas pedagógicas. Nesses trabalhos fica evidente uma entrega de ambos ao trabalho artístico. Essa entrega e busca de ambos gerou uma reflexão, que se tornou o material de ambos em suas práticas educativas. Frente aos problemas ligados ao caminho que escolheram, eles antecipam os problemas daqueles que começam a se adentrar neles, porém, considerando que

75

busca deles se difere da de seus alunos, mas mesmo parecem se interessarem por ver o caminhar deles.

Em Ir, passar, ficar, Buti encadeia um texto depois de cada imagem, sendo que estes texto são de ordem poética. Em alguns momentos, se fazendo perguntas que, não passam de afirmações sobre aquilo que acredita sobre seu trabalho e sobre a arte.

Em Viagem a uma terra desconhecida, Musa explica como montou seu ensaio (Viagem a uma terra desconhecida), apresentando tanto as imagens usadas como o que originou o trabalho e os textos que permearam as imagens. Um dos pontos interessantes do trabalho é o seu ultimo texto. Nele o professor conta uma pequena auto-biografia artística, explicitando suas escolhas e apresentando alguns dos autores e pensamentos que o auxiliaram em sua formação como fotógrafo.

Por serem livros permeados por imagens e textos, sendo alguns de mais poética, opto por transcrever alguns dos pensamentos que permeiam os livros. Estes trechos são sínteses de um amadurecimento artístico, ou itens com os quais refleti sobre o meu ato artístico e educativo. Com estes pensamentos, fui capaz de perceber problemas e fortalecer intenções sobre o meu eu-professor que estou construindo.

Ir, passa, ficar

Para se tentar atingir o patamar de qualidade mais elevado, há que se respeitar em primeiro lugar o rigor e as exigências da própria arte, fundados na necessidade e na paixão, dificilmente qualificáveis. Não há texto perfeitamente formalizado capaz de transformar em arte o que não acontece de fato na obra. Não creio de devamos aceitar, no âmbito acadêmico, uma idéia bastante aceita nos espaços artísticos: tudo o que é apresentado ali pode ser considerado arte. Em poéticas visuais, a pesquisa em arte deve ser realmente arte. Se não for, é uma pesquisa inútil (p.2).

A verdadeira realização é acompanhada por um processo invisível e continuo. Não há como garantir objetivamente o sucesso das tentativas, mesmo trabalhando sempre no limite. Quando um artista é tido como mestre, trata-se do reconhecimento de toda uma vida de buscas que gerou uma obra de fato (p.4).

A obra visual realizada, mas realizada de fato, até as ultimas conseqüências, supera o artista, emancipa-se das referências, adquire vida própria, emite freqüências fora do espectro verbal (p.7).

A primeira visão impressiona por faltar a memória à percepção. Um segundo olhar pode corrigi-la a ponto de mostrar que tudo fôra apenas equívoco. A repetição continua pode apagar os estímulos e transformar a surpresa em tédio. A repetição continua pode revelar o que sempre foi e nos aguardava. Um instante pode refazer a história do lugar. Quando estamos mais próximos do real? (p.9).

Os traços no papel, antes de se organizar como estrutura visual que possa ser classificada, possuem alguma vida, mesmo ainda incapazes de eleger sua intenção (p.19).

Desenhamos algo querendo dizer mais, procuramos o invisível no espelho do visível. O desenho mais simples denota uma existência no mundo, uma identidade em formação. Manifesta-se tanteando, escolhe sem saber, segue uma direção que só reconhecerá mais tarde. Desenha (p.21).

76

O olhar opera por ilusões e certezas que se invertem constantemente. Para traçar um rumo, elege-se uma referencia fora de si (p.23).

(...) no ato poético, a simultaneidade abrange o pular de todas as relações, unido o material e o mental, o consciente e o inconsciente (p. 25).

Se a manifestação do desejo torna-se desenho, não só no plano do papel, mas no espaço e tempos reais, gerando fatos, comprometimentos consequências, escolhas e responsabilidades, buscando um fim, não deveríamos acrescentar o destino ao conceito de desenho? (p. 39).

Não teria toda vida necessidade de uma forma desconhecida a priori, construída ao decidir e passar a ação, no tempo e no espaço, desenhando uma imagem em movimento que só poderá ser vislumbrada nos últimos instantes?

E não seria neste sentido que poderíamos pensar todo ser como artista, muito mais que pela prática de atividades reconhecidas com arte? (p.43).

(...) o sujeito e o objeto das experiências visuais é sempre e unicamente o ser humano integral. Uma substancia complexa e insubstituível, preciosa demais para ser tratada com a razão (p.61).

O objetivo final da arte é contribuir para a realização do ser humano integral. Justamente por isso, está ligada ao destino do homem, compartilhando os mesmos perigos. Contemporaneamente, como resultado de um longo processo de alienação, a impossibilidade da experiência real num mundo mediatizado é um dos focos da produção artística. No entanto, coexistem muitos presentes num mesmo tempo. (...) A impossibilidade da experiência é hoje é um dado inevitável da existência humana, ou um privilégio das classes dominantes? (p. 81).

Notei que as técnicas respondem a altura só quando se aprende a dialogar com sabedoria e simplicidade. Admiti que desejo e intenção ainda não são nada, e a realização apenas se alcança apenas se alcança pela capacidade de fazer. E quando o produto custou esforço, o tratamos com respeito; não queremos que passe depressa demais. E como aquilo somos nós, o esforço não poderia ser compartilhado com mais ninguém. A natureza da tarefa excluía falta e o excesso, ensinando a paciência de aguardar a hora justa para cada ação: um gesto inconseqüente poria tudo a perder (p. 106).

Ir e ficar são decisões, passar não (p.112).

É preciso saber ver para desenhar, saber ouvir para tocar, ler para escrever. O artista é um bom espectador (p.114).

Imagem: olhar que responde a outro olhar (p.118).

Além do espaço público, além da galeria, além do museu, além do cubo branco, o lugar da arte é a mente e o coração (p.120).

Sob um nome comum, o artista que não se reconhece. Talvez nunca necessite escrever uma linha ou desenhar uma imagem. Há vidas que são quase obras de arte, obras que são quase pessoas (p.126).

(...) Arte que é só arte decepciona (p.149).

A paisagem é a extensão do mundo que nossa vista alcança. Mas é também um espelho, onde o olhar atento vai alcançar o próprio observador. Não revela seu rosto, mas um auto-retrato interior. Onde o espaço real e mental ficam indistintos, toda rua pode ser parte do labirinto (p.163).

Ao artista cabe apenas cumprir as solicitações da obra, assentando aqui os tijolos de um projeto além da visão (p.173).

Viagem a uma terra desconhecida.

Uma imagem pode ser e fazer-se sentir. Pode ser aceita ou recusada. Nada disso, no entanto, pode ser compreendido através de um processo exclusivamente cerebral. A idéia do infinito não pode ser expressada por palavras por palavras ou mesmo descrita, mas pode ser aprendida através da arte, que torna o infinito tangível (p. 103).

Achava impossível desenhar ou escrever, mas sentia necessidade de produzir imagens, pequenas sínteses sobre a nossa experiência com o real (p.104).

77

Sobre o encontro que teve com a obra de certos fotógrafos: é como se pudéssemos sentir nossa presença quando diante das cenas fotografadas por outras pessoas (p.105). Conclusão Nesses textos não encontrei artistas, mas seres humanos em busca de algo. É neste

sentido que percebi a criação e o aprendizado da arte. Numa busca a algo, percebe-se necessidades novas ou essências para nós, no encontro com problemas e soluções nos forçamos ao limite. A arte neste sentido, não é um fazer convencionado artístico, mas um fazer que produz algo, que a linguagem por si só é incapaz de descrever.

Na busca da forma que cada um quer, pode-se encontrar um ou mais mestres e alguns indivíduos com os quais se estabelecerá uma conversa e se perceberá como parte de uma linhagem. Como se houvesse uma herança transmitida que se perpetua... Uma herança que será levada adiante e da qual se faz parte.

Considerando o que li e refleti a partir destes autores, olhando para o espaço de uma escola me pergunto: se todo o ser humano possuir a necessidade de expressão, que de diversas maneiras, as quais podem levar a um aprofundamento e aceitação de si mesmo e do mundo, como trabalhá-las? Mais do que trabalhá-las, como indicar as vias que levaram os alunos a encontrar esses meios de expressão, considerando, que com certeza, serei incapaz de lidar com todas elas, mas que ainda assim tenho de usar da minha vivencia para trabalhar da melhor forma estes seres, para que busquem aquilo que encontro no desenho, na expressão particular deles? Querendo eles encontrem a si mesmos.