Relatorio Final Ufpb

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABA CENTRO DE TECNOLOGIA

BARRAGEM DE CAMAR

Eng. Civil Prof. Normando Perazzo Barbosa Eng. Civil Prof. Dr. ngelo Vieira Mendona Eng. Civil Prof. Dr. Celso Augusto Guimares Santos Eng. de Minas Prof. Dr. Belarmino Barbosa Lira Joo Pessoa, novembro de 2004

PREMBULO

No incio da noite do dia 17 de junho de 2004, ocorreu uma brusca ruptura de um trecho da Barragem Barra do Camar,. Onze dias depois, a parte remanescente sobre o orifcio que causou o esvaziamento rpido da barragem, tambm ruiu.

Um acidente desta monta em obra pblica no acontece costumeiramente. Assim a sociedade passou a exigir esclarecimentos sobre: - como foi construda essa barragem; - como ocorreu o acidente; - se teria sido possvel esvaziar o lago a tempo de evitar a catstrofe Os Ministrios Pblicos Federal e Estadual promoveram uma investigao. Um grupo de Engenheiros da Universidade Federal da Paraba foi encarregado de analisar o projeto e verificar o que se passou durante a construo da obra, como tambm calcular o tempo de esvaziamento do lago. Dois outros Gelogos de So Paulo, Drs. Milton Kanji e Carlos Nieble, encarregaram-se de analisar a geologia e explicar como aconteceu o sinistro. A anlise da documentao mostrou: que o acidente ocorreu por conta de uma m interpretao de um problema geolgico que se tentou sem sucesso corrigir; que a barragem foi construda por firmas consorciadas que, pela legislao no poderiam faz-lo; que houve indefinio de responsabilidades com o Proprietrio omitindo-se completamente da fiscalizao; que mais de 8 mil metros cbicos de concretos lanados foram dosados com p carregadeira; que ao final da construo no se tinha ensaios suficientes para uma anlise estatstica consistente das resistncias dos concretos; que o 1

paramento de montante apresentou-se muito permevel; que a barragem antes mesmo de ser entregue j apresentou defeitos; que com a subida da gua no lago evidenciou-se o mal funcionamento da barragem; que o Proprietrio no se mobilizou para acompanhar o primeiro enchimento e foi muito lento em tomar as providncias para correo das patologias; que se a tubulao de 800 mm tivesse sido aberta a tempo a gua poderia no ter atingido o nvel que provocou a ruptura. Por tudo isto e pelo que apresentado nos relatrios tcnicos que fazem parte do inqurito do Ministrios Pblicos, pode-se dizer que a Barragem de Camar no foi construda segundo os bons princpios da engenharia, to pouco foi considerada aps sua entrega como uma obra importante que deveria ser acompanhada no seu primeiro enchimento.

Joo Pessoa, 26 de novembro de 2004.

Eng. Civil Prof. Dr. Normando Perazzo Barbosa Eng. Civil Prof. Dr. ngelo Vieira Mendona Eng. Civil Prof. Dr. Celso Augusto Guimares Santos Eng. De Minas Prof. Dr. Belarmino Barbosa Lira

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1. Introduo A Universidade Federal da Paraba foi convocada pelo Ministrio Pblico para auxili-lo na misso de inquirir os envolvidos no acidente da barragem de Barra do Camar, em Alagoa Nova PB, tendo em vista a necessidade de apoio tcnico por parte do corpo jurdico daquele rgo. A Instituio indicou ento uma equipe multidisciplinar composta pelos engenheiros que assinam este documento. A equipe acompanhou o depoimento dos convocados nas procuradorias federal e estadual, fez algumas visitas ao local, analisou os documentos tcnicos relativos barragem e aqui apresenta um relatrio procurando usar uma linguagem compreensvel para todos, da a apresentao de alguns conceitos que vo parecer bvios aos engenheiros. O fato que ocorreu o insucesso em uma obra de engenharia. Como neste campo, e de resto em todas as atividades humanas, a certeza no existe, os engenheiros lidam com probabilidades e devem fazer com que a probabilidade de acontecer o insucesso seja a menor possvel, norteado pelos regulamentos tcnicos, pela experincia e tambm pela economia. Como aqui essa probabilidade foi atingida, deve-se ento procurar identificar fatores que contriburam para o ocorrido, com o fim de se aprender e evitar insucessos futuros. Uma razo principal existe, porm outros detalhes merecem ser analisados. Uma barragem uma obra que deve ser projetada para durar no mnimo um sculo, da valer a pena examinar tudo que, do ponto de vista da engenharia, possa ter concorrido para o colapso to prematuro. O que aqui se deseja apenas apresentar e comentar fatos que foram constatados, sem a menor inteno de fomentar animosidades. No sentido de contribuir para que o Estado, proprietrio de tantas obras de vulto passadas e futuras, aprenda com o acidente da barragem de Camar e possa melhor se articular nas construes futuras, aqui tambm se apresenta um procedimento que minimizaria a possibilidade de insucesso das obras, em beneficio de toda a comunidade, sendo feita comparao com o que se passou com a edificao da citada barragem. 2. Generalidades sobre construo de uma barragem A construo de uma barragem, em um determinado lugar, como de resto qualquer obra de vulto, deveria ser composta de duas grandes fases distintas: a de projeto e a de construo. Esta obviedade infelizmente muitas vezes no cumprida no Brasil, sendo comum projetos serem feitos concomitantemente com a construo. 2.1 Fase de projeto Pode dizer-se que, resumidamente, a fase de projeto seria composta pelas seguintes etapas: a- estudo hidrolgico: feito com o fim de se conhecer a disponibilidade de gua na bacia correspondente barragem em questo e estabelecer os parmetros necessrios ao projeto do corpo 3

da barramento, como sua altura, largura, dimenses necessrias para o vertedouro, altura de sangria, etc. b- estudo das topografia e geologia local: feito para se locar e para se conhecer a pequena parcela da superfcie da crosta terrestre onde vai ser assente a barragem, visto a necessidade de uma base firme para ela. Nesta etapa procede-se a sondagens, com especial ateno no local do eixo do barramento, definido ou estabelecido com base nos prprios estudos topogrficos e geolgicos. Em locais geologicamente complexos, podem ser necessrios estudos geofsicos e de geologia estrutural. c- estudo das jazidas dos materiais a serem usados na construo, estabelecendo-se sua localizao, volume e forma de explorao; d - elaborao de um projeto bsico com definio preliminar da obra e informaes sobre sua viabilidade tcnica; e - estudo dos impactos ambientais causados pela construo da barragem, com base no projeto bsico, contratado a terceiros, se o proprietrio, em geral, o Estado, no dispe de quadros tcnicos para tal; f - elaborao do projeto executivo ou detalhamento do projeto bsico. Este feito com base nas informaes das etapas anteriores, deveria, como manda a lgica, ser contratado pelo proprietrio a terceiros com experincia no ramo, uma vez aceita pelos rgos ambientais a proposio da barragem. Tal projeto, deve ser composto por: - memria de clculos: documento onde se registram todos os parmetros utilizados para o projeto, os critrios e as hipteses adotadas, os clculos efetuados; - conjunto de plantas: desenhos onde constam todos os detalhes construtivos que permitam a execuo da obra; - especificaes tcnicas: documento que define as normas a que devem obedecer os materiais de construo envolvidos, os procedimentos para sua aplicao, controle de qualidade dos produtos e servios e demais informaes necessrias construo; - oramento: planilha com todos os servios, materiais, equipamentos, e seus quantitativos. O oramento pode ser feito no obrigatoriamente pelo encarregado pelo projeto, podendo ser realizado por terceiros mas far parte do Projeto Executivo. No oramento dever-se-ia incluir um item relativo ao acompanhamento peridico do desenrolar da obra por parte do responsvel pelo projeto, e tambm um outro item destinado a uma firma de fiscalizao como um todo, ao longo de toda a sua construo; g avaliao de conformidade do projeto. De posse do projeto executivo, o que hoje recomenda a NBR 6118, norma relativa a estruturas de concreto, que se faa uma avaliao de conformidade do projeto que deve ser requerida e contratada pelo contratante (no caso o Governo do Estado) a um profissional habilitado, devendo ser registrada em documento especifico que 4

acompanha a documentao do projeto (em outras palavras, expedida ART do CREA). E diz mais que: a avaliao da conformidade do projeto deve ser realizada antes da fase de construo e, de preferncia, simultaneamente com a fase de projeto, como condio essencial para que seus resultados se tornem efetivos e conseqentes. Esta avaliao de conformidade destina-se busca da qualidade, da durabilidade e a tornar extremamente improvvel que o insucesso advenha nas obras de engenharia. Assim, o proprietrio da obra, quando encomendar o projeto deve prever tambm recursos para essa avaliao de conformidade. Muitos organismos pblicos e privados j utilizam essa prtica h bastante tempo. A avaliao de conformidade do projeto deveria ser obrigatria para as obras pblicas, sobretudo para aquelas de maior vulto. 2.2 Fase de construo Para se proceder construo em si, necessria a escolha dos construtores, os quais devem estar devidamente habilitados para a execuo dos trabalhos descritos no projeto executivo. Para tanto que organizado o processo licitatrio. A licitao deveria, portanto, acontecer j se tendo como referncia o projeto executivo e no, como soi acontecer, apenas com o projeto bsico para posterior detalhamento. Isto poderia at no evitar completamente, mas minimizaria enormemente a necessidade dos aditivos to comuns s obras pblicas. Evidentemente ter-se-ia que gastar muito mais no projeto, mas, no fim das contas, poderia ser vantajoso tcnica e economicamente. Evidentemente, ao longo do processo construtivo, pequenas modificaes so por vezes necessrias, devendo, estas, serem sempre aprovadas por todas as partes envolvidas. Assim, o projetista deve acompanhar, de tempos em tempos, o desenvolvimento da obra. por conta dessas modificaes que ao final da construo, deve reorganizar-se um conjunto de plantas conhecido como as built (como construdo). Em se tratando de obra pblica, cujo proprietrio o Estado, na fase de construo deveriam envolvidos estar: - as empresas construtoras para a materializao fsica da obra - o projetista para acompanhamento do desenvolvimento do projeto e pequenas adaptaes que se faam necessrias - uma empresa de consultoria para proceder ao controle tecnolgico dos materiais, definir os traos de concreto e seu modo de aplicao, acompanhamento da construo como um todo, com a funo tambm de fiscalizar as construtoras, zelando para a obteno de uma obra de qualidade. Esta empresa deveria ser contratada pelo Estado, proprietrio da construo, e no pelas prprias empresas construtoras. No entanto, como normalmente estes servios constam na planilha licitada, verifica-se que, muitas vezes, os construtores que indicam a empresa de consultoria, havendo a concordncia explcita do Estado, evidentemente. . 5

- o Estado, com presena de engenheiro residente permanentemente na obra, e corpo tcnico que deve ser mobilizado quando particularidades ocorrem ao longo do perodo construtivo. O engenheiro residente dever ter voz ativa e todo o respaldo para contestar possveis no conformidades constatadas ao longo do desenvolvimento dos trabalhos. Deve, pois, ter uma ao fiscalizadora tanto sobre a prpria empresa de consultoria e de fiscalizao, se for o caso, quanto das empresas construtoras. Evidentemente tem que se tratar de pessoa com experincia na rea. 2.3 Resumo dos procedimentos Na Figura 1 pode-se ver o resumo das seqncias mais lgicas para o rgo Pblico construir as obras pblicas, na Figura 2 tem-se o procedimento usualmente adotado. FASE DE PROJETO a- estudo hidrolgico b- estudo das topografia e geologia local c- estudo das jazidas dos materiais d - elaborao de um projeto bsico e - estudo dos impactos ambientais a construo vivel ? sim f - elaborao do projeto executivo g avaliao de conformidade do projeto licitao FASE DE CONSTRUO Empresas construtoras Empresa de consultoria e fiscalizao Acompanhamento do Projetista Fiscalizao do proprietrio

Figura 1 - Procedimento mais lgico para a construo de obras pblicas 6

FASE DE PROJETO a- estudo hidrolgico b- estudo das topografia e geologia local c- estudo das jazidas dos materiais d - elaborao de um projeto bsico e - estudo dos impactos ambientais vivel a construo ? sim licitao

FASE DE CONSTRUO f - detalhamento do projeto

Empresas construtoras Empresa de consultoria e fiscalizao Acompanhamento do Projetista Fiscalizao do proprietrio

Figura 2- Procedimento usual de construo de obras pblica 3. O caso da Barragem de Barra do Camar A barragem de Camar apresentou algumas peculiaridades, visto que houve uma mudana de uma barragem de terra para de concreto compactado com rolo. Resumindo, as etapas acima apresentadas podem ser listadas como indicado na Figura 3.

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Licitao de barragem de terra a- estudo hidrolgico: aproveitado da Atecel b- estudo das topografia e geologia local: aproveitado da Atecell c- estudo das jazidas dos materiais: Holanda Enga. d - elaborao de um projeto bsico em CCR: Holanda Enga.

FASE DE CONSTRUO f detalhamento do projeto e - estudo dos impactos ambientais Construtoras: CRE-Andrade Galvo Empresa de consultoria e fiscalizao: Holanda Enga. Acompanhamento do projetista: Eng. Holanda Fiscalizao do proprietrio: confiada inteiramente Holanda Enga.

Figura 3 Procedimento ocorrido na Barragem de Camar Aqui quando se fala de proprietrio, entenda-se no apenas o Estado da Paraba mas tambm o prprio Governo Federal que enviou os recursos. 3.1 Consideraes iniciais O exame da documentao disponvel no Ministrio Pblico mostrou que foi a Companhia de guas e Esgotos do Estado da Paraba (CAGEPA) que em 1997 solicitou da ATECEL um estudo hidrolgico, um estudo da geologia local e um projeto executivo para a construo de uma barragem de terra. De posse desse projeto foi feita uma licitao para barragem de terra tendo sado vencedora a empresa CRE. Quando tiveram inicio as obras, segundo relatrio de auditoria do TCU, datado de 24/07/2001, aps primeiros cortes da fundao...presena de material rochoso e em decomposio nas ombreiras, abaixo de reas detectada na sondagem como rocha s...bem como jazidas de areia 8

...de pouca espessura... exigncia de reas grandes de desmatamento... aumentando impacto ambiental, concluiu-se invivel o modelo inicialmente apresentado (ou seja, barragem de terra). Mediante novo estudo de solo com sondagem mais acurada... houve mudana para barragem Concreto Compactado com Rolo (CCR). Segundo o prprio TCU, (folha 72 Vol 1 do inqurito) este rgo foi informado que se houvesse a deciso pela continuidade da barragem de terra, o preo seria elevado para R$17.767.462,25 enquanto que com a mudana do projeto para barragem CCR, o custo ficaria em torno de R$16.738.799,77. Para essa mudana, concorreram tambm pareceres tcnicos favorveis da CEC Engenharia e da Holanda Engenharia. Como a CRE, vencedora da licitao para uma barragem de terra, no tinha habilitao tcnica para construo de barragem de CCR, consorciou-se com a construtora Andrade Galvo. Assim, o projeto da barragem de CCR que ruiu comeou a ser feito quando os construtores j estavam no campo, executando os servios preliminares, como desmatamento, limpeza, construo de acessos, instalao de equipamentos etc. Como no se dispunha do projeto executivo, tornou-se impossvel definir o custo final, e evidentemente no se pde seguir a lgica seqncia dos passos aqui anteriormente apresentados. Ficou mantido exatamente o mesmo oramento inicial da barragem de terra, de aproximadamente 9 milhes e quinhentos mil reais, e assim no foi feita nova licitao. Essa situao resultou em aditivos financeiros ao longo da construo da obra, o primeiro para reajustar o preo para o valor acima citado (R$16.738.799,77), o segundo que levou o valor da obra a R$19.705.603,59. Posteriormente atualizaes monetrias foram ainda feitas, levando o montante final para cerca de 24 milhes de reais. Assim, no caso da Barragem de Camar, houve um desacerto entre fases de projeto e de construo, com mudanas radicais no objeto original da licitao e variao do valor final da obra. No depoimento dos envolvidos, uma certa indefinio de responsabilidades ficou patente. Segundo os engenheiros da Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hdricos, SEMARH, a fiscalizao da obra estava totalmente a cargo da Holanda Engenharia. J a Holanda Engenharia cita que foi contratada pela CRE, com anuncia da SEMARH, para o controle tecnolgico dos materiais aplicados na obra, no tendo a incumbncia de fiscalizao. A Engenheira que consta nos relatrios da Holanda Engenharia (e, em nome dela assina-os), afirma que no pertence essa firma e sim Andrade Galvo, sendo responsvel apenas pelo controle de qualidade da obra, contratada por esta ltima. Os engenheiros da SEMARH dizem que a Engenharia pertencia Holanda Engenharia. Se assim fosse, estaria fiscalizando a si prpria! O projetista e o encarregado pelo controle so a mesma empresa! Examinando-se o contrato entre a CRE Engenharia Ltda e a Holanda Engenharia, verifica-se que a Holanda teria as seguintes responsabilidades: execuo de dosagens experimentais de todos os traos de concreto; caracterizao de todo o agregado e materiais de construo; elaborao de estudos de estrutura de CCR experimental; acompanhamento de todos os trabalhos de campo no que se refere a preparo de fundaes; acompanhamento de todos os trabalhos envolvendo montagem de forma antes da aplicao dos concretos; acompanhamento de todos os trabalhos envolvendo colocao de armaduras; acompanhamento de todos os trabalhos envolvendo montagem de embutimentos metlicos e de tubulaes; acompanhamento e verificao de todos os trabalhos envolvendo limpeza e preparo de fundaes para aplicao de concreto convencional, instalao dos sistemas de drenagens, 9

instalao dos sistemas de aterramento e instrumentao; acompanhamento de todos os trabalhos envolvendo limpeza e preparo de juntas em concreto; acompanhamento de todos os trabalhos de lanamento de concreto; elaborar com equipe de construo plano de concretagem para cada pea, acompanhamento de todo o processo de cura do concreto; acompanhamento de todos os servios de reparo necessrios; anlise e estudos dos projetos viabilizando de maneira econmica a aplicao das especificaes tcnicas; elaborao de relatrios mensais sobre as atividades de controle de qualidade; definio de materiais aglomerantes mais adequados, estudos de propriedades de caracterizao de agregados; acompanhamento dos servios de lanamento e compactao de CCR; fornecimento e instalao dos equipamentos necessrios rotina de acompanhamento e realizao de ensaios de laboratrio e campo; inspeo dos lotes de materiais industrializados quando do seu recebimento; visita obra no mnimo uma vez a cada 45 dias (despesas por conta da contratante). Estas atividades correspondem de uma empresa tambm com o papel de fiscalizar a construo. Convm lembrar que o valor do contrato pelos 12 primeiros meses entre a CRE e a Holanda Engenharia para prestao dos servios acima envolvidos foi de R$80.800,00 (oitenta mil e oitocentos reais) o que corresponde a um valor mensal de R$ 6.733,33. Como se v, impossvel o cumprimento do supra especificado sem a presena de um engenheiro permanentemente na obra. A Holanda Engenharia tinha no canteiro dois laboratoristas, que no poderiam assumir todas as funes citadas. O valor mensal apresentado seria de tudo insuficiente para a contratao de um profissional com experincia para assumir funes de tanta responsabilidade! O intervalo entre visitas, tambm excessivo nesse tipo de obra que avana rapidamente. Aqui nota-se a omisso do Estado, que como proprietrio, deveria exigir presena permanente de um engenheiro da consultoria, e atentar para o fato de que o valor do contrato seria insuficiente para tal. Cabe, no entanto, voltar a relatar que se estabeleceu uma certa confuso entre a consultoria, uma das construtoras e o Estado. A engenheira da Queiroz Galvo era considerada como pertencente aos quadros da Holanda Engenharia (e seu nome consta nos relatrios mensais). Na realidade, a mesma afirmou que no cumpria as funes que foram acima citadas, apenas coletava os resultados de ensaios e os enviava, por correio eletrnico, Holanda para elaborao dos relatrios. Assim, de fato, a Holanda no tinha engenheiro na obra! Ou se tinha, no teria sentido ser a mesma engenheira contratada, tambm, pela construtora. E o Estado no se deu conta deste fato! 3.2 A barragem em CCR Conforme j citado, a Holanda Engenharia foi contratada pelo Consrcio, com autorizao SEMARH, para detalhamento do projeto executivo a partir de um projeto bsico por ela mesma desenvolvido. O valor do contrato foi de R$ 67.300,00, segundo informaes colhidas na documentao. Considerando-se o valor inicial estimado para a obra de CCR de R$17.767.462,25, o projeto no atinge a 0,4% daquele valor, percentagem muito pequena considerada a responsabilidade e a

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importncia da construo, qual seja: uma barragem com 50 metros de altura, situada a montante de cidades. O projeto final da Holanda Engenharia definiu a uma barragem com as seguintes caractersticas: Tipo: Gravidade em concreto compactado com rolo Altura do macio: 50 m Comprimento do coroamento: 296 m Largura do coroamento: 5,5 m Largura do sangradouro: 39 m Revanche: 4m (cota do topo menos conta do sangradouro) Lmina mxima de sangria: 2,30 m Paramento de montante: vertical Paramento de jusante: em degraus Capacidade aproximada: 26,5 milhes de m3 A Figura 4 indica a seo transversal no trecho central da barragem e uma vista de montante. Aps a catstrofe, teve-se acesso ao projeto que foi executado bem como a relatrios da Holanda Engenharia e outros documentos e sobre eles alguns comentrios so feitos.

Figura 4- Seo transversal tpica da barragem Barra do Camar e vista de montante 11

a-estudos hidrolgicos Foram considerados pela Holanda Engenharia os estudos anteriores feitos pela ATECEL para a barragem de terra. Com eles fez-se o dimensionamento hidrulico do sistema de desvio do rio durante a construo e definiram-se os parmetros como largura de vertedor, altura de sangria, geometria da crista vertente, etc. b-estudos geolgicos Conforme atestado pelo depoimento da Holanda Engenharia, foi aproveitado o estudo geolgico da ATECEL, e feitas complementaes. Na anlise da geologia pela ATECEL, foram feitas sondagens e foram constatadas fraturas nas rochas que tendem ao desaparecimento com a profundidade. ... as fraturas ocorrem at uma profundidade de cerca de 14 m no domnio das ombreiras e cerca de 4,3 m no vale....Com relao estabilidade e estanqueidade: no h ocorrncia destes problemas pois so rochas altamente resistentes aos esforos de trao, compresso, toro, etc. Todavia em razo da sua compartimentao em macios rochosos pelas fraturas de lasqueamento, a estabilidade e a estanqueidade da barragem est condicionada remoo no somente destes blocos de rocha no domnio do eixo do barramento como tambm da capa intemprica, inclusive solo das reas do eixo, do sangradouro e da bacia hidrulica.... Na Figura 5 pode-se ver o aspecto da geologia local, na regio onde foi construda a barragem.

Figura 5- Camada superficial no local da barragem, composta por solo, rochas em decomposio entre blocos: caractersticas da geologia local Continua o trabalho da ATECEL: As condies topogrficas ... so favorveis implantao de barragem de terra ou de enrocamento ou mesmo de concreto compactado a rolo. Os taludes das ombreiras so ngremes e apresentam blocos soltos, aos quais deve ser dispensada especial ateno tendo em vista que a estabilidade do barramento est condicionada remoo desses blocos.

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Muitos blocos foram retirados, inclusive com explosivos. A escavao foi at maior que a prevista inicialmente. Porm aps o acidente, ficou visvel que, apesar de tudo, a barragem foi assente sobre blocos praticamente soltos no removidos. Pode-se alegar que na ocasio da construo no se podia perceb-los, mas com a descrio geolgica feita, maiores cuidados deveriam ter-se tido antes do lanamento de concreto sobre a fundao.

Figura 6 Parte da ombreira esquerda construda sobre rocha intemperizada e blocos soltos Tambm dito que a estanqueidade das fundaes apresenta-se como um problema a ser solucionado... indispensvel o tratamento das fundaes por meio de injeo de calda da gua e cimento... no mnimo entre as estacas 2 e 10, em trs linhas de furos espaadas de 3 m ... a linha central deve coincidir com o eixo da obra. Na Figura 7 percebe-se que o projeto de CCR adotou apenas uma linha de furos para injeo. O espaamento foi superior ao especificado, sendo adotado 3,5 m. Na realidade comum que tres linhas de injeo sejam usadas em barragens de terra e uma em barragem de concreto. Tambm se sabe que as injees de cimento so mais eficazes quando os vazios entre rochas so preenchidos com solo de granulometria grossa. Quando se tem considervel frao de silte e argila no material entre os blocos, como parece ser o caso, outros produtos (bem mais caros) seriam mais adequados. Com o resultado das injees mostrando pequena penetrao de calda de cimento na maioria dos furos, sabendo-se que se tinha material excessivamente compartimentado, talvez tivesse merecido a pena se investigar mais como estabilizar melhor os blocos.

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Como a ruptura da barragem ocorreu nas fundaes, conveniente lembrar que quando ocorreu a mudana de uma barragem de terra para uma de CCR seriam necessrios estudos geolgicos mais aprofundados para o assentamento seguro da obra. Uma barragem de terra tem os paramentos de montante e de jusante com pequena inclinao, o peso do material que a compe se distribui em uma grande rea. A barragem de CCR tem o paramento de montante vertical, grande inclinao a jusante, o peso do concreto bem superior ao do solo compactado, distribuindo-se em uma rea cerca de cinco vezes menor que a da barragem de terra (Figura 8).

Figura 7 Indicao no projeto de apenas uma linha de injeo

Figura 8 rea de fundao muito maior na barragem de terra Alm disto, uma barragem de terra flexvel, permitindo maiores deformaes e acomodaes, enquanto a de CCR uma estrutura muito rgida. Logo, preciso seria complementar os estudos geolgicos para se dar uma soluo de engenharia capaz de oferecer segurana s fundaes da barragem.

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Alm das sondagens, tcnicas existem que podem ajudar a complementar as dados que permitem se ter uma idia mais precisa da estrutura rochosa. Com recursos ecogrficos, por exemplo, pode-se obter algumas informaes da presena de fraturas, foliaes, planos preferenciais de deslizamento (Figura 9). Associados sondagem rotativas e com apoio da geologia estrutural terse-ia muito maior chance de definir corretamente o modelo geolgico. A partir dele, e com analise granulomtrica do material entre os blocos, providencias podem ser tomadas para a consolidao total da fundao atravs de um nmero adequado de furos de injeo de pasta de cimento, concreto, betonita, poliuretano, acrilato, etc.

Figura 9 - Resultado de imageamento ecogrfico bidimensional de subsuperfcie por reflexo eletromagntica (GPR) (Fonte relatrio SEMARH) Os relatrios da Holanda Engenharia mostram que foram feitas injees de cimento ao longo do eixo da barragem, porm tudo leva a crer que em quantidade insuficiente e sem maiores preocupaes sobre sua eficcia ou no. c - estudo das jazidas dos materiais A Holanda Engenharia encarregou-se da escolha e estudo das jazidas dos materiais para serem usados na construo da barragem. Apresenta um bom trabalho indicando as especificaes e como controlar a qualidade dos agregados. d - elaborao de um projeto bsico Existiram duas proposies de projeto bsico: uma da CEC Engenharia, de Fortaleza, Ce, outro feito pela Holanda Engenharia, tendo este ltimo sido escolhido para dar seguimento ao processo. Estes projetos bsicos foram feitos a partir do momento em que se pensou em substituir o projeto original em terra pelo em CCR.

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e - estudo dos impactos ambientais Foram feitos pela j com a barragem em construo, contrariando a ordem natural das coisas. f - elaborao do projeto executivo/ detalhamento do projeto Como j apresentado anteriormente o projeto composto por - memria de clculo - conjunto de plantas - especificaes - oramento O projeto foi bem detalhado pela Holanda Engenharia apesar de se estranhar o sagradouro com uma mudana brusca na geometria, apresentando uma angulosidade no recomendada pelos princpios da Hidrulica. Foram apresentadas as memrias de clculo relativas parte envolvendo os parmetros hidrolgicos, dimensionamento da galeria da tomada dgua e anlise da estabilidade do macio.. O conjunto de plantas foi bem elaborado com os detalhes necessrios boa execuo da obra. No que diz respeito s especificaes tcnicas, elas esto bem redigidas, atualizadas e corretamente apresentadas (resta a discutir se so todas adequadas). L se indicam claramente os requisitos necessrios para os concretos atingirem as resistncias de projeto. Tambm so indicadas de forma objetiva como fazer o controle da qualidade dos agregados, alm de mostrar detalhes sobre o procedimento para limpeza e tratamento da fundao. Ressalve-se que no foi considerada a complexidade da geologia local. O oramento no vai aqui ser discutido, no entanto, alguns aspectos parecem interessantes para serem comentados. Por exemplo, na planilha apresentada para licitao, tem-se especificaes para alguns concretos em funo do consumo de cimento por metro cbico (Tabela 1): Tabela 1- Extrato da planilha oramentria4.0 4.2 4.3 MACIO Preparo, carga, descarga, transporte, lanamento, espalhamento e adensamento de concreto de regularizao com consumo mnimo de cimento de 250 Kg/m Preparo, carga, descarga, transporte, lanamento, espalhamento e adensamento de concreto de impermeabilizao do contato com a fundao com consumo mnimo de cimento de 350 Kg/m Preparo, carga, descarga, transporte, lanamento, espalhamento e adensamento de concreto de face com consumo mnimo de cimento de 300 Kg/m, usado no paramento de montante unidade m m

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m

Analisando-se as composies dos concretos fornecidos pelo Eng. Holanda em trabalho intitulado Barragem de Barra do Camar, publicado nos anais do Congresso Brasileiro do Concreto 16

do Instituto Brasileiro do Concreto, em Vitrias, ES, em agosto de 2003, e tambm os relatrios mensais da Holanda Engenharia, v-se que no concreto correspondente ao item 4.2 foi utilizado 200 kg/m3, no do item 4.3, 338 kg/m3 e finalmente no correspondente ao item 4.4, 190 kg/m3. Na realidade esses valores no se mantm obrigatoriamente fixos, variando um pouco no decorrer da obra por conta at de variao da composio dos agregados. No entanto, eles podem ser tomados como base. Aqui cabe uma discusso que deveria ser estendida a todas as obras pblicas de vulto. No se pode imputar culpa ao tecnologista de concreto (no caso a Holanda Enga.) se foram atingidas as caractersticas desejadas para o concreto com um menor consumo de cimento. O projetista especificou, no caso do concreto do item 4.4 da Tabela 1 uma resistncia caracterstica de 10 MPa aos 90 dias. Ora, essa baixa resistncia pode ser obtida com muito menos cimento que os 300 kg/m3 preconizados. Alm disso, pode o projetista tambm justificar sua deciso em reduzir o consumo de cimento com base no fato que a liberao de calor de hidratao (capaz de gerar fissuras de origem trmica) maior num concreto com um consumo mais alto. Da adotar um consumo bem menor, que o previsto na planilha. No caso da Barragem Camar, embora com justificativa tcnica, resta um constrangimento: o projetista e o tecnologista so a mesma pessoa! Assim, o projetista especifica um concreto de baixa resistncia e o tecnologista consegue reduzir o consumo de cimento de 300 para 190 kg/m3. Essa reduo comumente considerada como um ganho tcnico, e a medio (pagamento) feita com base no que est indicado na planilha. Embora sejam usados 190 kg/m3 de cimento o pagamento feito sobre 300 kg/m3. Este procedimento adotado corriqueiramente em outras obras, portanto, no se quer absolutamente dizer que houve m f, mas apenas expor o fato para esses procedimentos serem mais discutidos. Tambm merece debate o fato de se reduzir muito o consumo de cimento em concretos de maior importncia, como o caso do concreto de face de montante e o das superfcies em contato com gua em movimento. Adiante vai-se ver como isto influenciou no desempenho da barragem. Particularidades do projeto No que se segue, vo-se apresentar alguns comentrios relativos a alguns itens do projeto. O prprio projetista salientou como aspectos importantes: - utilizao de concreto com adio de fibras na construo do perfil Creager (parte superior do sangradouro) e na laje da bacias de dissipao do vertedor em substituio s armaduras convencionais - muros laterais do vertedor fazendo parte do prprio macio do CCR, envelopados por concretos convencionais nas zonas de exposio ao fluxo hidrulico (Figura 10)

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Figura 10 Muros laterais do vertedor fazendo parte do macio - paramento de jusante das sees no submersveis (fora da regio do vertedor) feito com a combinao de duas declividades diferentes, eliminando-se o trecho superior usualmente vertical com aplicao de faceamento de concreto convencional. Resultou em uma bela construo. Galeria de drenagem Foi projetada uma galeria de inspeo e de drenagem ao longo do corpo de parte da barragem. Na Figura 11 pode ver-se o seu posicionamento. As dimenses da entrada da galeria parecem ser relativamente grandes (Figura 12), causando reduo da seo til. Se for feito um corte transversal no trecho inclinado da galeria de 2,6 m de largura, a distncia entre o piso e o teto chega a 4,20 m! Note-se que foi na entrada da galeria e propagando-se atravs dela que a ruptura aconteceu (Figura 13). Lgico que no foi a galeria a responsvel pelo colapso, porm vale o alerta para se pensar melhor neste detalhe de enfraquecimento do macio por conta do vazio da galeria. Note-se que perto da zona em que rompeu ( esquerda do vertedouro na Figura 11), h um trecho vertical da galeria atingindo uma altura de 12 m! No deixa de ser um valor significativo, fazendo com que seja necessria uma anlise de tenses pois quando se tem um vazio num macio comprimido, normalmente por ali aparecem tenses de trao.

Figura 11 Vista de montante da galeria de drenagem projetada 18

Figura 12 Entrada da galeria de drenagem e seu interior

Figura 13 Ruptura envolvendo a entrada da galeria de drenagem propagando-se atravs dela Resistncia especificada para o CCR O projetista fixou uma nica resistncia para o concreto compactado com rolo, qual seja, 7 MPa aos 90 dias, consumo de 80 kg de cimento por metro cbico de concreto. Foi estabelecido um peso especfico terico de 2412 kgf/m3. Apesar de a altura mxima da barragem chegar aos 50 m, a resistncia e o consumo de cimento indicados correspondem a valores corriqueiramente usados em barragens de CCR no Brasil. Nos Estados Unidos, por questes de durabilidade, so recomendadas resistncias mnimas da ordem do dobro (2000 psi) da aqui citada (EP110-2-12 Seismic design provisisons for roller compacted concrete dams- Corps of Eng. 30 set 1995). 19

Na anlise da estabilidade feita pelo projetista aparece tenso mxima de compresso de 0,38 MPa na seo vertedoura na face jusante e 0,707 MPa na cota 420. O fator de segurana mais que adequado, se a resistncia real do CCR atingir realmente os 7 MPa. No foi apresentada pela Holanda Engenharia uma anlise de tenses ao longo do corpo da barragem. Porm, conforme j citado, nas vizinhanas da galeria, por conta do vazio por ela causado, comum aparecerem tenses de trao no material. Atravs de uma anlise pelo Mtodo dos Elementos Finitos pode-se perceber este fato. Resultados para diversas situaes so apresentadas no Anexo. Aqui foi considerada a seo indicada na Figura 14 (praticamente onde houve ruptura). Foi considerado estado plano de deformaes, mdulo de elasticidade do CCR de 12,6 GPa, coeficiente de Poisson 0,2, peso especfico 23.5 kN/m3, altura d`gua correspondente ao dia da ruptura, sem sub-presso. Na Figura 14 pode-se ver que aparecem, por exemplo, tenses de trao na direo x, (direo horizontal no plano da seo transversal) da ordem de 0,3 MPa e picos de compresso de 1,85 MPa (Figura 14). Se for considerado que a resistncia trao do CCR seja 10% da resistncia compresso, se esta no atingir os 7 MPa, como se ver no anexo, est-se em nveis de tenso sem a adequada segurana.

Figura 14 Tenses x nas vizinhanas da galeria (valores em tf/m2) Resistncia especificada para o concreto de face de montante Numa barragem de CCR so empregados diversos tipos de concreto. Na parte em contato direto com a gua tem-se o chamado concreto convencional de face de montante (CCV de face montante). Este deve ser um concreto de baixa permeabilidade que tem a funo de reduzir ao mximo a percolao de gua atravs do macio. Valores tpicos de resistncia para estes concretos

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so da ordem de 18 MPa a 25 MPa. Tambm a espessura no deve ser muito pequena, pois, o caminho de percolao sendo menor, mais gua atravessa-o no mesmo intervalo de tempo. Valores tpicos da espessura do concreto de face vo de 80 cm -120 cm na parte inferior das barragens, prximas ao fundo do lago, a cerca de 50 60 cm nas partes superiores onde menor a presso de gua. Embora a resistncia compresso no esteja diretamente ligada permeabilidade, em principio um concreto mais resistente menos permevel. No caso, foi especificada uma resistncia caracterstica compresso aos 90 dias de idade de apenas 10 MPa. Em seu depoimento, a Holanda Engenharia justificou a baixa resistncia indicada com base no consumo de cimento especificado, de 190 kg/m3, que, segundo ela, conduziria a um concreto de baixa permeabilidade, mesmo tendo sido usado uma relao gua/cimento de 0,74. Difcil acreditar, como se ver adiante, que um concreto com essas caractersticas seja capaz de apresentar permeabilidade suficientemente baixa pra reduzir a nveis desejados a percolao de gua atravs dele sob presso de uma coluna dgua de 50 m de altura! A espessura da camada de concreto de face adotada foi varivel, entre 20 e 55 cm, conforme detalhe mostrado na Figura 15, retirada do projeto da Holanda Engenharia.

Figura 15 Detalhe do concreto de face Na prtica, no paramento de montante assim projetado, ocorrem estrangulamentos que reduzem a espessura a valores menores que 20 cm (Figura 16) facilitando a passagem da gua.

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Figura 16 Concreto de face da barragem com espessura varivel e estrangulamentos Na Figura 17 v-se que a idia de evitar a percolao de gua atravs do macio com os dados do projeto relativos ao concreto de face no funcionou. A jusante se consegue identificar qual o nvel de gua a montante da barragem, isto cinco dias antes do colapso. Em pouqussimo tempo a gua atravessou a barragem!

Figura 17 Percolao de gua pelo corpo da barragem, 5 dias antes do infortnio, mostrando que o paramento de montante est trabalhando de forma ineficaz

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Compare-se com uma outra barragem tambm de CCR que, apesar acumular gua a nvel elevado, no deixa transparecer a jusante o nvel em que ela se encontra (Figura 18).

Figura 18 Barragem de CCR em que no se percebe por jusante o nvel dgua a montante Um exame do concreto de face da parte da barragem que no ruiu mostra que se trata de um concreto permevel, de baixa resistncia e com imperfeies como as mostradas na Figura 19. A fissura vertical provavelmente coincide com uma junta e normal, porm a inclinada corresponde a uma patologia. Pode alegar-se que se tratam de pontos localizados na imensa rea do paramento de montante, que poderiam ser reparados, verdade. Porm o fato que a barragem foi entregue e os reparos no foram feitos. difcil admitir que seja considerado normal o que mostra a citada Figura. Merece at melhor anlise a origem das fissuras inclinadas pois podem representar pequenos deslocamentos de fundao. A percolao contnua de gua no concreto provoca lixiviao (dissoluo e transporte) (Figura 20) do hidrxido de clcio oriundo da reao qumica dos silicatos do cimento com a gua, deixando vazios e diminuindo a resistncia j baixa do concreto. Costuma dizer-se que com o tempo as fissuras e os poros maiores colmatam (o hidrxido de clcio reage com o CO2 do ar formando carbonato de clcio que preenche e veda os poros). Isto pode at ser verdade em alguns casos, mas num concreto pobre em cimento, com poucos finos, muito permevel, pouco provvel que a percolao visvel na Figura 24 seja estancada pela carbonatao. Note-se que se trata de uma barragem nova que pela primeira vez est recebendo um nvel de gua significativo. Os fatos mostram que ela no foi projetada e construda pensando na durabilidade

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Figura 19 Imperfeies no concreto de face que permitem percolao mais intensa de gua

Figura 20 Trecho jusante no vertedor com intensa lixiviao provocada pela percolao da gua atravs do macio

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A lixiviao do hidrxido de clcio da pasta endurecida produz vazios no seu interior. Alm disso, quando aquele material, que uma base, sai da massa de concreto, vai reduzir a alcalinidade da matriz cujo pH diminui. Isto facilita o desencandeamento do processo corrosivo das armaduras que comeam a se estragar, como se v na Figura 21, na galeria por onde passa a tubulao da tomada dgua da barragem de Camar.

Figura 21 Concreto com lixiviao e processo corrosivo desencadeado 25

Comentados alguns aspectos do projeto e do que se passava na barragem, passa-se a tecer algumas consideraes sobre a fase construtiva da obra. Fase de construo e implicaes com o acidente O problema geolgico e suas consequncias Pela anlise da documentao no se tem informao de estudos geolgicos adicionais alm dos feitos pela ATECEL, para uma barragem de terra. Ao que consta nenhum estudo de geofsico ou de geologia estrutural foi executado. Sem maiores informaes, no incio da construo da barragem, quando se procedia limpeza para executar fundao, percebeu-se um grande bloco de rocha fraturado, em posio instvel, cujo desenho, fora de escala, apresentado na Figura 22 que tambm mostra uma viso do local.

Figura 22 Esquema de rocha instvel na ombreira esquerda e vista do orifcio preenchido com solo residual (fonte: relatrios da Holanda Enga.) No relatrio de dezembro de 2000, o relatrio da Holanda Enga. se refere falha citada. A falha detectada se revelou como contato no soldado, com preenchimento de material arenoso e de alterao, na regio do contato da rocha no leito do rio e o talude esquerdo. Foi trazido um Engenheiro Geotcnico que props um procedimento para estabilizao do grande bloco. O relatrio relativo a abril de 2001 mostra a preocupao da Holanda com o bloco de pedra, que ela esperava conter tambm pelo confinamento provocado pelo macio de CCR:

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Durante o ms de Abril, foi dada continuidade a execuo das recomendaes do Eng. Geotcnico Alexandre Sagnoli, com a finalidade de minimizar os riscos de instabilidade da superfcie rochosa, decorrente da infiltrao das guas das chuvas nas falhas das ombreiras direita e esquerda. Conforme j comunicado por carta, na data de 17 de abril de 2001, observada a necessidade de ser iniciada e concluda a construo do macio de CCR at a elevao correspondente ao piso da bacia de dissipao do sangradouro da barragem, de modo a promover o tratamento do macio rochoso da Ombreira Esquerda, na regio da descontinuidade geolgica detectada no sentido do fluxo. Esta necessidade deve ser observada, haja visto que um deslizamento que eventualmente possa ocorrer naquele local, poder acarretar em trabalhos adicionais para remoo de rocha s e recomposio em volume de concreto (CCR e CCV), com conseqentes impactos em termos de prazo de execuo da obra e custos decorrentes. O procedimento proposto consistia em se retirar o material sob a rocha (Figura 23), limpar e preencher com concreto. Para tanto foi construdo um muro de arrimo escalonado como se v na Figura 23.

Figura 23 Retirada do material intemperizado sob o bloco de rocha Na figura 24 pode-se ver o aspecto geral durante e aps o trabalho.

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Figura 24 Vista geral durante e aps execuo da soluo proposta para conteno do bloco (Fonte: relatrios da Holanda Enga.) O relatrio de maio de 2001 da Holanda Engenharia volta a insistir: Considera-se fundamental que haja o confinamento da fundao, principalmente o trecho do talude da ombreira esquerda, onde ocorre a descontinuidade no sentido do fluxo. Os tratamentos previstos e aprovados para o enchimento da falha, tero a dupla finalidade de estabilizar a massa 28

de rocha da ombreira como tambm evitar que seja formado um caminho preferencial de percolao atravs do material. A soluo de engenharia proposta foi infeliz, no sendo capaz de conter o deslizamento da rocha e de sua conteno (Figura 25).

Figura 25 Deslizamento dos blocos sob a barragem: a soluo adotada e o confinamento do macio no foi capaz de cont-lo Segundo palavras do Dr. Milton Assis Kanji, que tambm fez uma anlise do acidente de Camar para o Ministrio Publico, e consta em relatrio complementar a este, a soluo proposta foi ineficaz porque houve julgamento inadequado na interpretao geolgica da extenso da falha. Imaginava-se que ela se estendia apenas cerca de 3 m para o interior do macio rochoso, quando na realidade ela ia muito mais alm. Maiores explicaes constam no citado relatrio, mas aqui ainda se tecem algumas consideraes sobre a soluo adotada. 29

Foi indicado para preencher o vazio sob a rocha j referida um concreto de regularizao de resistncia compresso de apenas 10 MPa. Ora, esse concreto bem menos resistente que as rochas e apresenta mdulo de elasticidade bem inferior ao do material ptreo. Conseqentemente mais deformvel. Talvez valha a pena em se pensar no fato, apesar de as tenses de compresso no serem de grande monta. Alm disto, num caso deste, o preenchimento do vazio para assegurar o contato completo do concreto com a parte inferior da rocha no simples. Note-se que o assentamento do concreto fresco e a prpria retrao do material pode ocasionar a separao das superfcies de contato concreto-rocha na parte inferior dela, ainda mais num volume grande como o do caso. Para corrigir isto foram feitas injees de consolidao, conforme atesta documentao da barragem. Se a interpretao geolgica feita fosse real, possivelmente a soluo proposta teria sido eficaz. No corpo da barragem, a ruptura ocorreu nas proximidades da ombreira esquerda e est esquematizada na Figura 26. A verdade que a barragem foi assente em rochas fraturadas com material intemperizado entre os blocos. Com a elevao do nvel de gua, as injees de calda de cimento foram insuficientes para impedir a permeabilidade do macio rochoso. A presso da gua paulatinamente foi expulsando o material intemperizado entre os blocos de forma a facilitar o escoamento. Chegou-se a um ponto em que os blocos ficaram sem apoio o empuxo horizontal da gua empurrou-os, fazendo um trecho da barragem perder o equilbrio. A Figura 26 evidencia alguns blocos remanescentes, percebendo-se que a gua retirou o material que lhes dava apoio.

Figura 26 Blocos remanescentes sem apoio Ocorreu tambm a desestabilizao dos blocos enormes mais abaixo da regio mostrada na Figura 26. Assim, o trecho em questo passou a ter liberdade de movimento horizontal na sua extremidade inferior, passando a ter o comportamento de uma placa engastada no macio e com borda livre (Figura 27). Essa parte da parede passou a ser flexionada pelo empuxo horizontal da gua (Figura 28). A barragem foi projetada para trabalhar como um corpo rgido, apoiada na base, no estando dimensionada para receber momentos fletores. As tenses previstas de trabalho so majoritariamente de compresso. No instante em que faltou o apoio na base, mudou completamente o comportamento estrutural daquela parte da construo. Apareceu o momento que provocou tenses de trao no pedao a montante na ligao com o trecho restante da barragem. Como a 30

resistncia trao do concreto relativamente baixa, principalmente num concreto especificado para ter apenas 10 MPa e pequena espessura, as tenses trativas superaram-nas, provocando a ruptura. Note-se que o colapso ocorreu de forma inclinada, acompanhando a galeria (Figura 29). Isto porque ali diminuda a capacidade resistente do macio. Os esforos de trao arrancaram a parede da galeria no lado de montante, a ruptura parando na seo plena. No lado de jusante isto no ocorreu, o que atesta que de fato a ruptura ocorreu por trao a montante da galeria, provocada pela flexo indicada. de se perguntar se em vez de um paramento de montante de baixa resistncia e pouca espessura se tivesse um outro com concreto de 25 MPa e 60 cm de espessura se tal ruptura aconteceria!

Figura 27 Esquema da barragem

Figura 28 Flexo no trecho da barragem que perdeu apoio

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TRAO

COMPRESSO

Figura 29 Vista de montante mostrando que a ruptura ocorreu acompanhando a galeria Ligao CCR-Fundao Uma recomendao da Holanda Engenharia que nos macios de CCR, apoiados sobre fundao de rocha, primeiramente ser lanado um concreto de regularizao do tipo convencional com espessura mnima de 0.30 m. Tambm dito que no caso de reas muito planas, que no o caso da Figura 30, essa espessura poder ser reduzida mas nunca inferior a 5 cm. Foram lanados mais de 5 mil metros cbicos de concreto de regularizao mas, mesmo assim, aps a catstrofe, notam-se reas em que ele est ausente, conforme indica Figura 30.

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Figura 30 Trechos com CCR diretamente em contato com a rocha: ausncia do concreto de regularizao especificado 33

Anlise dos controles dos concretos Como j citado, h vrios tipos de concreto empregados na barragem. O controle de qualidade deste material consta nos relatrios mensais, apresentados pela Holanda Engenharia. A leitura dos relatrios permite que alguns comentrios sejam feitos. O controle de qualidade do concreto nas obras de engenharia se faz com base em parmetros estatsticos. Convm ento lembrar que resistncia caracterstica (que a especificada nos projetos) aquela que tem uma certa probabilidade de acontecer em um determinado lote de concreto. Para se atingir a resistncia caracterstica especificada, necessrio que a resistncia mdia lhe seja superior, pois as resistncias dos corpos de prova de um mesmo concreto apresentam sempre uma variao que pode ser considervel. Essa variao pequena em concretos bem controlados e grande, caso contrrio. Assim, a resistncia caracterstica est ligada resistncia mdia e ao desvio padro (ou coeficiente de variao) da amostra, assim como percentagem tolerada de resultados que se admite que possam ser inferiores resistncia caracterstica. Por exemplo, nos concretos estruturais de edificaes correntes, admite-se que 5 % dos corpos de prova que compem um determinado lote podem ter resistncia inferior caracterstica. No caso de barragens esse quantil pode passar a 10% ou mesmo 20%. No caso, o projetista fixou para os diversos concretos os parmetros para se estabelecer a resistncia caracterstica. Assim, a Holanda engenharia estabeleceu que a resistncia mdia (fcj) necessria para ser atingida a resistncia caracterstica (fck) dada pela expresso: fcj = fck/(1-t.Vn) onde t um parmetro funo da probabilidade de ocorrncia admitida de valores abaixo da resistncia caracterstica; Vn o coeficiente de variao da amostra (desvio padro dividido pela mdia) Desta forma, a Holanda Engenharia admitiu, conforme consta no documento Procedimento para avaliao de resultados de ensaios de resistncia dos concretos aplicados na barragem de CCR, o que est indicado no Tabela 2, para os principais concretos da barragem de Camar. Note-se que o projetista faz uma previso para o coeficiente de variao dos diversos concretos, no caso entre 15% e 18 %. Posteriormente vai-se ver que na prtica, em alguns concretos, chegaram-se a valores bem superiores aos estimados..

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Tabela 2 Informaes sobre alguns concretos e resistncia mdia necessria segundo a Holanda Engenharia Local de aplicao Regularizao Vertedor Face montante Face jusante Galeria de desvio Argamassa de selo CCR Resist. caracterstica e idade de controle 10 MPa a 90 dias 25 MPa a 28 dias 10 MPa a 90 dias 7 MPa a 90 dias 15 MPa a 90 dias 12 MPa a 90 dias 7 MPa a 90 dias Consumo de cimento (kg/m3) 200 350 190 170 280 338 80 Vn Resistncia mdia (%) necessria (MPa) 0,854 15 11,5 1,282 15 32,5 0,854 18 11,8 0,854 1,282 18 15 17,7 14,9 7,0 t

No ms de fevereiro de 2001 comeou-se a lanar concreto de regularizao, em maro de 2001 j se lanava concreto de face de montante. O relatrio de maio de 2001 da Holanda Engenharia diz: A obra, para a execuo dos concretos, nesta fase inicial, conta com situao ainda improvisada, sendo que os concretos so dosados com auxlio de uma p carregadeira. A admisso da gua e dos agregados para misturas feita volumetricamente. Inicialmente, os aditivos foram empregados apenas nos concretos bombeados. Note-se, conforme indicado na Tabela 3, que j tinham sido lanados 8635 m3 de concreto dosados com p carregadeira! E logo nas partes inferiores da barragem! S no paramento de montante, 246 m3 de concreto tinham sido preparados desta forma. Apesar de tais concretos serem inteiramente inadequados, louve-se a atitude da Holanda Engenharia em relatar o fato. Porm mais correto seria ela no aceitar o lanamento desse concreto, mesmo que o cronograma ficasse comprometido. Tambm de admirar a omisso do pessoal da SEMARH. sabido que posteriormente foram postas em funcionamento modernas usinas para a dosagem dos concretos convencional e compactado com rolo.

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Tabela 3 Concretos medidos no ms de maio de 2001, dosados com p carregadeiraItem Descrio Un Quantidade executada No Acumulada Perodo

4.0 4.2

4.3

4.4

4.6

MACIO Preparo, carga, descarga, transporte, lanamento, espalhamento e adensamento de concreto de regularizao com consumo mnimo de cimento de 250 Kg/m Preparo, carga, descarga, transporte, lanamento, espalhamento e adensamento de concreto de impermeabilizao do contato com a fundao com consumo mnimo de cimento de 350 Kg/m Preparo, carga, descarga, transporte, lanamento, espalhamento e adensamento de concreto de face com consumo mnimo de cimento de 300 Kg/m, usado no paramento de montante Preparo, carga, descarga, transporte, lanamento, espalhamento e adensamento de concreto armado de face Fck >= 18 MPA, usado nas alas e paramento de jusante do sangradouro

m 73,54 m m 409,47 m

7.588,58

73,54

246,00

727,55

No mesmo relatrio de maio, dito: O julgamento estatstico das misturas de concreto, no pde ser efetuado para todos os traos de concreto, nesta fase, pelo fato de no estarem ainda disponveis resultados de ruptura em quantidade superior a 30 amostras na idade de controle especificada para a classe, conforme estabelecido no critrio de avaliao de resultados de ruptura elaborado para a obra. Assim, aps mais de 8 mil metros cbicos de concreto lanados, no se tinha resultados de controle adequado de resistncia! O mximo de que se dispunha eram resistncias mdias, com coeficiente de variao elevados como adiante se ver. No relatrio de julho de 2001 o volume de concreto lanado j passava de 9 mil metros cbicos. Continua-se a dizer: O julgamento estatstico das misturas de concreto, no pde ser efetuado para todos os traos de concreto nesta fase, pelo fato de no estarem ainda disponveis resultados de ruptura em quantidade superior a 30 amostras, na idade de controle especificada para a classe, conforme estabelecido no critrio de avaliao de resultados de ruptura elaborado para a obra. A seguir, convm analisar alguns tipos de concreto para verificar o que se passava com seu controle, sempre com base nos relatrios da Holanda Engenharia.

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Concreto de regularizao Examinando-se as partes dos relatrios relativas resistncia do concreto de regularizao v-se que ela apresenta uma variao relativamente elevada (Figura 31). No incio, vem-se resistncias elevadas, posteriormente h certos lotes onde a resistncia muito baixa. Os lotes com resistncia aos 7 dias inferior a 5 MPa ou mesmo menos tm pouca aderncia s rochas e baixa resistncia ao cisalhamento.

Figura 31 Resultados de resistncia compresso do concreto de regularizao (Relatrio de junho de 2002: obra acabada) Note-se que o coeficiente de variao foi de quase 30 % aos 90 dias, distante dos 15 % ou 18% imaginados e adotados na Tabela 2. Conforme indica a Holanda Eng. (Figura 32) um

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coeficiente de variao maior que 20 % indica controle deficiente, no entanto est escrito controle de produo razovel na Figura 32.

Figura 32 Qualidade do controle do concreto em funo do coeficiente de variao dos ensaios Com o coeficiente de variao de 30 %, a resistncia mdia necessria para ser atingida a resistncia caracterstica desejada passaria a ser: fcj = fck/(1-t.Vn) = 10/(1-0,854.0,3) = 13,4 MPa superior ao valor mdio de 12,7 MPa encontrado nos ensaios. Teoricamente o concreto no estaria conforme. Sabe-se perfeitamente que essa diferena no importante em se tratando de concreto de regularizao. No entanto, j que se est fazendo um controle, o mais lgico seria que uma vez detectado pelo acompanhamento da obra que o concreto no estava obedecendo ao especificado, correes fossem feitas para evitar a no conformidade. Ao final da obra, no relatrio de junho de 2002, a anlise feita pela Holanda Enga. sobre esse concreto a que segue: Trao Reg. 002 Esta mistura, apresenta resultados de ensaios na idade de 7 dias, indicando um valor de 6,3 MPa, na idade de 28 dias um valor de 10,1 MPa, e na idade de 90 dias um valor de 12,7 MPa, atendendo ao valor caracterstico de projeto de 10 MPa na idade de 90 dias. Esta mistura est em conformidade com as exigncias de Projeto, apresentando um padro de produo classificado como RAZOVEL e um padro de controle de laboratrio BOM. V-se que um engano foi cometido! Confunde-se resistncia mdia com resistncia caracterstica! Classifica-se um concreto com 30 % de coeficiente de variao como padro razovel de controle quando na realidade seria deficiente. Concreto das superfcies hidrulicas (vertedor: ogiva, degraus, muros laterais) Analise-se agora o concreto das superfcies hidrulicas, projetados para terem uma resistncia caracterstica de 25 MPa aos 28 dias, e uma resistncia mdia, naquela idade, de 32,5 MPa. Na Figura 33 vem-se os resultados dos ensaios. O valor mdio obtido menos de metade do teoricamente desejado. 38

Estranho que, ao final da obra, como a resistncia no foi atingida, a Holanda Engenharia justifique-se da seguinte forma: Considerando que a mistura de concreto tem aplicao principal nas estruturas hidrulicas da barragem, a resistncia caracterstica de campo no um fator determinante para a aceitao do concreto. O que a Holanda Enga. quer dizer que a resistncia secundria, em relao ao consumo de cimento do trao empregado. Mas de se questionar, se foi previsto, aos 28 dias, 32 MPa de resistncia e chegou-se a 15,7 MPa, no ser isto porque o consumo de cimento no est correspondendo ao especificado de 350 kg/m3 ? A menos que no haja controle da relao gua/cimento, a resistncia de 15,7 MPa pode ser conseguida com muito menor consumo de cimento que o especificado. O coeficiente de variao agora foi menor que 20%, porm note-se que os valores iniciais so incompatveis com uma superfcie onde vai haver fluxo de gua sobre ela. A durabilidade estaria comprometida.

Figura 33 - Resultados de resistncia compresso do concreto para superfcies hidrulicas (Relatrio de junho de 2002: obra praticamente acabada) 39

Aqui torna a questo da mistura de responsabilidades. O projetista especificou uma resistncia de 32,4 MPa aos 28 dias e o tecnologista chegou apenas a 15,7. Seria o caso de o projetista no aceitar o concreto, recusando o trabalho do tecnologista e exigindo que atendesse ao desejado. Ora, mas aqui o projetista e o tecnologista so a mesma pessoa, assim, um no poderia recusar o trabalho dele prprio. Ento, o projetista diz que aceita o concreto e acha uma desculpa para tal, acatada pela SEMARH e por outros engenheiros que acreditam que agir assim fazer uso das boas prticas da engenharia. Desta forma, um concreto de muita importncia, destinado receber gua em velocidade, com partculas slidas em suspenso, em nenhum instante atingiu a resistncia desejada e no sofreu nenhuma correo para se tornar conforme! Concreto de face de montante O concreto de face de montante comeou a ser lanado em maro de 2001, conforme Tabela 4 extrada do relatrio relativo quele ms. Tabela 4 - Volume de concreto de face lanado em maro de 2001 no ms Preparo, carga, descarga, transporte, lanamento, espalhamento e adensamento de concreto d e face com 4.4 consumo mnimo de cimento de 300 Kg/m, usado no paramento de montante m 206,00 acumulado 206,00

No relatrio de janeiro de 2002, a Tabela 5 indica que j tinham sido aplicados mais de 3400 m3 de concreto de face. Tabela 5 Concreto de face aplicado e acumulado em janeiro de 2002 no ms Preparo, carga, descarga, transporte, lanamento, espalhamento e adensamento de concreto de face com consumo mnimo de cimento de 300 Kg/m, usado no m 262,70 paramento de montante acumulado

4.4

3.439,92

Apesar disto, 8 meses depois do primeiro lanamento deste concreto, ainda se l no citado relatrio: Esta mistura, de aplicao na Face de Montante, apresenta resultados de ensaios de ruptura insuficientes para uma anlise estatstica consistente. Os valores de ensaio indicam valores mdios da ordem de 6,1 MPa na idade de 07 dias, de 7,8 MPa na idade de 28 dias e de 10,6 MPa na idade de 90 dias. O valor caracterstico de projeto de 10 MPa na idade de 90 dias. No relatrio de junho de 2002, com a barragem concluda l-se: Esta mistura, de aplicao na Face de Montante, apresenta resultados de ensaios de ruptura insuficientes para uma anlise estatstica consistente. Os valores de ensaio indicam valores mdios

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da ordem de 5,7 MPa na idade de 07 dias, de 7,7 MPa na idade de 28 dias e de 10,5 MPa na idade de 90 dias. O valor caracterstico de projeto de 10 MPa na idade de 90. A mistura apresenta conformidade com as exigncias de projeto. O padro de controle da produo e o padro de controle de laboratrio so classificados como excelentes, segundo... Assim, est-se a dizer que foi terminada a aplicao do concreto de face de montante e o nmero de ensaios de corpo de prova foi insuficiente para anlise estatstica. de se perguntar que controle este? E o estanho que so apresentados resultados como os indicados na Figura 34, onde inclusive o desvio padro foi menor, da ordem de 10% aos 90 dias.

Figura 34 Resistncia do concreto de face de montante Assim, usando o procedimento j descrito, seria necessria uma resistncia mdia de: fcj = fck/(1-t.Vn) = 10/(1-0,854.0,1) = 10,9 MPa A resistncia mdia obtida de 10,5 MPa, foi ainda inferior necessria de 10,9 MPa, embora a diferena seja pouco significativa. Teoricamente, tem-se uma no conformidade. Mais uma vez, confunde-se resistncias mdias e caractersticas! Aos 28 dias esse concreto tem uma resistncia mdia de apenas 7,7 MPa. muito baixa para a misso a que estaria destinado.

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Concreto compactado com rolo Em setembro de 2001, comeou-se o lanamento do CCR. Neste ms, foram aplicados mais de 12,5 mil metros cbicos, com o respectivo controle de compactao das camadas. Os valores apresentados satisfazem ao que foi preconizado. No entanto, no que se refere a resistncia compresso, no deixam de ser preocupantes os valores apresentados na Figura 35. Mesmo que se diga que a energia de compactao no ensaio foi inferior da obra, no se sabe se as camadas iniciais aplicadas correspondem ao citado. Veja-se que se est em patamares inferiores a 2 MPa aos 7 dias, e mesmo que a resistncia triplique at os noventa dias (o que de tudo improvvel) o material ainda estaria no conforme. A esperana que essas resistncias no sejam equivalentes do concreto aplicado.

Figura 35 Resistncias iniciais aos 7 dias do CCR apresentadas Veja-se agora o que est escrito no relatrio de Holanda Engenharia de junho de 2002, meses aps terem sido concludos lanamentos de concretos. O prprio controle da obra no confia no que fez! a) Trao CCR1

Esta mistura de CCR apresenta poucos resultados de ensaios de ruptura para uma anlise estatstica consistente. Os valores de ensaio indicam valores mdios de resistncia da ordem de 1,7 MPa na idade de 07 dias, de 3,8 MPa na idade de 28 dias e de 6,5 MPa na idade de 90 dias. O valor caracterstico de projeto de 7 MPa na idade de 90 dias. Essa mistura apresentou no incio da obra algumas deficincias no processo de moldagem que refletiram nos valores mais baixos de ruptura. Na realidade os valores devero corresponder a nveis de resistncia compatveis com a energia de compactao adotada no processo de moldagem dos corpos de prova conforme confirmado nos controles subseqentes executados (como exemplo cita-se o trao modificado j controlado nessa condio, que comentado a seguir).

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b)

Trao CCR1.2

Esta mistura de CCR apresenta resultados de ensaios de ruptura insuficientes para uma anlise estatstica consistente. Os valores de ensaio indicam valores mdios de resistncia da ordem de 3,5 MPa na idade de 7 dias, de 5,3 MPa na idade de 28 dias e de 7,5 MPa na idade de 90 dias. O valor caracterstico de projeto de 7 MPa na idade de 90 dias. O valor mdio do peso unitrio obtido para este trao igual a 2279 kg/m3. Note-se que o de projeto mais de 2400 kg/m3! Alguma coisa deve estar errada pois no possvel se pagar a uma empresa de controle de qualidade para no final ela dizer que tem resultados insuficientes. Outros concretos Os concretos de face de jusante e a argamassa de selo, satisfizeram as resistncias desejadas. O relatrio de maro de 2002 diz: No ms de Maro, foram concludos todos os trabalhos no Aude Barra do Camar, com a concretagem do bloco de apoio da casa de comando da vlvula dispersora, das vigas e pilares da estrutura de acionamento da comporta de montante, e da montagem do descarregador de fundo. Neste relatrio no h Boletim de Medio devido ao esgotamento do valor contratual J no relatrio de Junho de 2002 da Holanda est escrito: No ms de Junho, foram concludos todos os trabalhos no Aude Barra do Camar, com a concretagem do bloco de apoio da casa de comando da vlvula dispersora, das vigas e pilares da estrutura de acionamento da comporta de montante, e da montagem do descarregador de fundo. Portanto, desde maro no se lanava concreto, no entanto, aparece em junho a seguinte anlise (entre outras j discutidas): Trao A1.25.4 Esta mistura, de aplicao nas estruturas do prtico e da casa de comando apresenta resultados de ensaios que indicam valor de resistncia mdia de 17,5 MPa aos 7 dias. O valor caracterstico de projeto de 25 MPa na idade de 28 dias. Certamente a resistncia caracterstica no seria atingida na idade de 28 dias. Seria mais um concreto no conforme. Trao F.25.1

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Os resultados de ensaios na idade de 28 dias apresentam resistncia mdia da ordem de 20,5 MPa, indicando um excesso de resistncia quando comparada necessidade de Projeto. Esta mistura est em conformidade com as exigncias de Projeto. Trao F.50.1 Esta mistura apresenta poucos resultados de ensaios de ruptura para uma anlise estatstica consistente. Os valores de ensaio indicam valores mdios da ordem de 12,2 MPa na idade de 7 dias, 16,7 MPa na idade de 28 dias, e 18,8 MPa aos 90 dias indicando um excesso de resistncia quando comparada necessidade de Projeto. Esta mistura est em conformidade com as exigncias de Projeto Trao B.25.1 Esta mistura de concreto de bomba indica valores mdios de resistncia da ordem de 10,4 MPa aos 7 dias, de 13,9 MPa aos 28 dias e de 16,6 MPa aos 90 dias. A resistncia de controle desta mistura de 15 MPa aos 90 dias. O resultado mdio de resistncia obtido aos 90 dias teve uma queda em relao ao perodo anterior, de 17,0 MPa para 16,6 MPa, conduzindo a um valor que conforme o documento BC-002 Procedimento para avaliao de resultados de ensaios de resistncia dos concretos aplicados na barragem de CCR, aprovado para uso na obra, apresenta uma no conformidade com as exigncias de Projeto. Esta queda do valor mdio de resistncia na idade de 90 dias se deve as amostras de concreto aplicado na parede da galeria da tomada dgua, no dia 18 de maio, que apresentaram valores individuais abaixo do esperado, sendo ainda valores abaixo dos valores obtidos na idade de 28 dias. O fck est para o controle desta mistura indicou, na idade de 90 dias, o valor de 13,4 MPa. Considerando que o carregamento da estrutura e posta em servio no ocorrer em idade anterior a 180 dias para os concretos executados nesta estrutura, considerando os atrasos havidos, o concreto em questo poder ser aceito conforme condies ensaiadas. Veja-se que em vez de correes nos traos, quando a resistncia obtida no satisfaz, procura-se outra justificativa. Trao JF.50.1 Esta mistura, de aplicao na Face de Jusante, apresenta resultados de ensaios de ruptura insuficientes para uma anlise estatstica consistente. Os valores de ensaio indicam valores mdios da ordem de 4,9 MPa na idade de 07 dias, de 5,9 MPa na idade de 28 dias e de 7,7 MPa na idade de 90 dias. O valor caracterstico de projeto de 7 MPa na idade de 90 dias. Trao Coroamento

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Esta mistura, de aplicao no Coroamento da barragem, apresenta poucos resultados de ensaios de ruptura. Os valores de ensaio indicam um valor mdio da ordem de 5,2 MPa na idade de 07 dias. O valor caracterstico de projeto de 10 MPa na idade de 90 dias. c )Trao Arg 4,8.1

Esta mistura de argamassa apresenta poucos resultados de ensaios de ruptura. Os valores de ensaio indicam valores mdios da ordem de 6,6 MPa na idade de 07 dias, de 9,0 MPa na idade de 28 dias e de 12,2 MPa na idade de 90 dias. O valor caracterstico de projeto de 12,0 MPa na idade de 90 dias. Mais uma vez, confundida resistncia mdia com caracterstica! Assim, a barragem j terminada h mais de trs meses e diversos traos apresentavam poucos resultados, resultados insuficientes, no conformidades. A Holanda Enga. em vez de corrigir as no conformidades, forou a aceitao com outros argumentos que no o previamente estabelecido. Outras consideraes A Figura 36 mostra o aspecto do muro da bacia de dissipao. V-se que a armadura estava exposta, assim lanou-se uma camada de argamassa para encobri-la. Seria pois uma construo pouco durvel.

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Figura 36 Muro da bacia de dissipao com pouco cobrimento de armadura

A Figura 37 mostra o aspecto da galeria por onde passa a tubulao da vlvula dispersora e de onde sairia a adutora. V-se que ali j est instalada a corroso das armaduras do concreto armado. Num local como este, que pode ser considerado de classe de agressividade ambiental de ordem III ou IV, deveria ser especificado e aplicado um concreto de muito melhor performance, no mnimo um concreto de classe C30, e at mais! Uma obra pblica como uma barragem para durar 100 anos, pelo menos, ento tem que ser projetada para a durabilidade. Seria necessrio cobrimentos de armadura maiores e limitada a relao gua/materiais cimentcios. Se, com apenas dois anos a performance da parede da galeria a indicada na Figura 37 j se v que os critrios de durabilidade no foram sequer ventilados.

Figura 37 Aspecto da galeria j com problemas de corroso Antes de se passar para o que se segue, fica claro que o aqui exposto no representa a boa prtica da engenharia!

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Desempenho da barragem aps a construo A anlise da barragem aps a construo mais detalhadamente feita nos relatrios dos professores Nieble e Kanji que tambm participaram da comisso de tcnicos que auxiliaram os Ministrios Pblicos Federal e Estadual na investigao sobre a Barragem de Camar. E No entanto, aqui pode-se dizer que antes mesmo de ser entregue, a barragem de Cama comeou a apresentar problemas, ou seja a barragem j nasceu doente. Vistoria da Holanda aps concluso da obra constatou que, mesmo com nvel muito baixo havia gua em excesso na galeria (suspeita de trinca no paramento de montante) e drenos com artesianismos, a ponto de ser sugerida investigao com presena de mergulhadores! A Barragem recebida em dezembro de 2002. Em 2003 pouca chuva houve na regio e o nvel dgua permaneceu baixo. Apesar de doente, a barragem ficou esquecida e abandonada prpria sorte! Em janeiro 2004 comeou a chover mais intensamente no local onde estava construda a barragem. O doente comeou a dar sinais mais fortes de sua doena, e o proprietrio no foi gil o suficiente para bloquear a propagao do mal. Os relatrios j citados explicam com detalhes o que ocorreu. Mas convm mostrar as possibilidades que se tinha de esvaziamento do lago quando do agravamento do problema. Na Figura 37 pode-se ver o o Hietograma e o esvaziamento da barragem se tivesse sido aberta a vlvula de 400 mm. Na Figura 38 tem-se o caso de desmonte da vlvula para vazo completa no tubo de 800mm. V-se que era possvel baixar o nvel do lago para cota de segurana, se decises houvessem sido tomadas neste sentido com uma certa antecedncia em relao ao dia da tragdia. Houve, pois, imprudncia do Proprietrio! Maiores detalhes sobre a obteno dos diagramas de esvaziamento encontram-se no Anexo II.

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Figura 37 Hietograma e esvaziamento do lago com abertura de vlvula de 400 mm

Figura 38 - Hietograma e esvaziamento do lago com abertura de vlvula de 400 mm

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Consideraes finais Considerando que a barragem de Barra do Camar foi construda: Pelas empresas CRE e Andrade Galvo, que oficialmente no poderiam faz-lo, a primeira sem acervo tcnico para construir em CCR, a segunda por no ter participado da licitao e sendo vedada a formao de consrcio; Com preos de projeto e de controle tecnolgico aviltados; Com uma absurda indefinio de responsabilidades; Com ausncia completa de fiscalizao por parte do proprietrio;; Com engenheiro do Estado designado para fiscalizar a construo sendo engenheiro residente em outras obras; Com avaliao errnea de um problema geolgico; Com oito mil e quinhentos m3 de concreto dosados com p carregadeira e sem aditivos; Com ausncia de engenheiro oficial da consultoria na obra; Com as funes de projeto e consultoria de controle dos materiais (e fiscalizao) exercida pela mesma empresa; Com concreto de face de montante de baixa resistncia, de pequena e varivel espessura, com defeitos localizados e permevel; Com inmeros concretos ao final da construo com resultados de ensaios insuficientes para uma avaliao estatstica consistente; Com visitas espordicas do responsvel pelo controle dos materiais que terminou sendo realizado distncia, sem correo das no conformidades quando detectadas; Com enxugamento excessivo de parmetros de resistncia e de espessura do paramento de montante

j apresentou defeitos antes mesmo antes de ser entregue, pode-se afirmar que a Barragem de Camar no foi construda conforme os bons princpios da Engenharia. O desprezo a ela dedicado aps a construo vai de encontro aos princpios bsicos daquela cincia!

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ANEXO I

Anlise de tenses na barragem

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Anlise numrica bidimensional da barragem de CamarApresentaoNesta seo esto discutidos alguns aspectos das simulaes numricas, feitas pela comisso dos Ministrios Pblicos Estadual e Federal (MPE/F), no macio de Concreto Compactado com Rolo (CCR) da barragem de Camar.

GeneralidadesNa elaborao de um projeto visando o dimensionamento dos componentes estruturais de uma construo, as normas tcnicas, em geral, prescrevem o atendimento simultneo de dois grupos de condies: o primeiro, chamado de estado limite ltimo, est associado ao estgio em que a construo torna-se imprpria para finalidade para qual foi projetada e o segundo, denominado de estado limite de servio, est vinculado aos nveis limites para que se tenha uma boa operacionalidade da estrutura. Estado Limite ltimo(ELU) Convm notar que sua simples ocorrncia do ELU determina a paralizao, no todo ou em parte, do uso da construo para a finalidade especificada de projeto. Dentre os fatores cruciais que provocam a inoperncia da construo, tem-se: a)Esgotamento da capacidade resistente da estrutura, no todo ou em parte, devido s solicitaes normais e tangenciais; b)Instabilidade mecnica (flambagem); c) Perda de equilbrio total ou parcial da estrutura considerada como corpo rgido; d)Transformao da estrutura em um mecanismo; e)Fadiga (diminuio da resistncia devido a cargas cclicas); f) Outros estados limites que possam ocorrer em casos especiais ( por exemplo, falta de estanqueidade em reservatrios)

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Vale ressaltar que os fatores acima mencionados cobrem um vasto espectro de finalidades em conjuno do sistema estrutural adotado pelo projetista, contudo, no difcil perceber que parte desses fatores se aplica, sim, ao caso de barragens, por exemplo, itens a, c, f. A partir de inspees na documentao tcnica apresentada pela projetista percebeu-se que houve um estudo relativo a estabilidade da construo (item c), em que foi analisado macio da barragem (considerado como um corpo rgido), em relao ao deslizamento, tombamento e flutuao. Convm ainda, ressaltar que a projetista determinou as tenses de contato da base do macio de concreto e o macio rochoso da fundao. Para este clculo foi utilizada a teoria de flexo composta normal, cujos fundamentos so amplamente discutidos nos cursos de graduao em engenharia. Uma das hipteses assumida neste modelo que a seo transversal da pea permanece plana ao longo de todo o processo de carregamento. Tal procedimento plenamente aceitvel, se for admitido o material como rgido, isto , com mdulo de elasticidade infinito (pelo menos 104 vezes maior que a do ao). Por outro, se o material for deformvel, a hiptese de manuteno das sees planas um tanto questionvel, principalmente quando as dimenses envolvidas so considerveis como no caso da base da barragem de Camar. Isto pode acarretar alteraes nos valores dos campos de tenses obtidos via teoria clssica de flexo composta. Alm do mais, a barragem de Camar apresenta uma galeria de inspeo peculiar. Os trechos verticais assinalados com uma seta na Figura 1 constitui-se num orifcio com nada menos que 12 m de altura e 2,6 m de largura. Um corte transversal no trecho inclinado indica uma altura para a galeria de 4,2 m!

Figura 1 Galeria da Barragem de Camar Assim, prudente e recomendvel empregar outras tcnicas, tais como as simulaes numricas, para estudar os campos de tenses, no s na base de apoio do macio de concreto, mas tambm em

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todo seu domnio, sobretudo nas vizinhanas da galeria onde comum o aparecimento de tenses de trao.

Estado Limite de Servio O segundo grupo de condies que as normas, em geral, prescrevem aquele relacionados operacionalidade da estrutura, tais como: durabilidade, aparncia, conforto, boa utilizao funcional da estrutura, seja em relao aos usurios, seja em relao s mquinas e aos equipamentos conectados ela. Aqui as recomendaes normativas so, em princpio, destinadas s estruturas em geral, contudo, no se precisa fazer um exerccio hercleo de atividade mental, para perceber que o macio da barragem deve oferecer durabilidade (manuteno das propriedades fsicas e mecnicas durante sua vida til); alm disso, as deformaes impostas ao macio no devem prejudicar operao adequada de equipamentos instalados no interior ou exterior a ele, tais como: tubulaes, comportas, etc. Anlise Numrica do macio de concreto Conforme apontado anteriormente, uma das alternativas para o estudo dos campos de tenses em macio deformvel de concreto via simulaes numricas, que so construdas a partir de modelos matemticos que requerem idealizaes no meio contnuo do problema em questo. Modelizao do contnuo do macio Nas anlises numricas, dos campos de tenses no macio de concreto, realizadas pela comisso tcnica dos Ministrios Pblicos Estadual e Federal (MPE/F) foram admitidas as seguintes hipteses para o modelo matemtico: a)Comportamento elstico e linear, istropo, homogneo para o CCR; b)Regime cinemtico da estrutura do macio com pequenas deformaes e rotaes; c)Carregamentos externos de superfcie(hidrosttico) e/ou volumtrico( gravitacional) estaticamente aplicados.

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Aps admitidas as idealizaes para o modelo matemtico, indicadas nos itens (a at c), equaes diferenciais governantes do problema so geradas, cujas solues analticas (exatas), infelizmente, s esto disponveis na literatura tcnica para casos de geometria e carregamentos mais simples. Assim, para anlise dos campos de tenses em problemas de geometria mais complexa, tal como o da barragem de Camar, necessrio partir-se para solues aproximadas utilizando tcnicas numricas, tais como: Mtodo dos Elementos de Contorno (MEC), Mtodo dos Elementos Finitos (MEF) e outros. Embora ambas tcnicas numricas estejam disponveis nos laboratrios da Universidade Federal da Paraba, a comisso tcnica optou pelo MEF devido existncia de um software comercial, denominado ANSYS, que possui um pr e um ps-processamento muito verstil, aliado ainda a uma extensa biblioteca de classes de elementos. Convm ressaltar que diante dessas facilidades, diversas empresas e centros de pesquisa ao redor do mundo tm optado pelo citado programa para simulaes numricas de um grande espectro de problemas de Engenharia. J a plataforma em elementos de contorno, embora muito eficiente matematicamente, possui uma entrada de dados mais trabalhosa, por se tratar de um programa que foi desenvolvido localmente para fins acadmicos. Propriedades Mecnicas e Fsicas do CCR Para que seja efetuada a anlise numrica, necessrio alimentar o sistema com uma base de dados associada geometria, carregamentos, propriedades fsicas e/ou mecnicas dos materiais constituintes e condies de contorno. Especificamente em relao s propriedades fsicas e mecnicas, por no existir uma norma tcnica brasileira especfica para o CCR, a comisso do MPE/F incorporou as recomendaes tcnicas do Corpo de Engenheiros do Exrcito Norte-Americano(USCE), publicado no panfleto de nmero 1110-2-12 intitulado Seismic design provision for roller compacted dams publicado no dia 30 de Novembro de 1995. Nessa publicao esto descritos alguns procedimentos: a) No captulo 3, item 3-5 diz: CCR usualmente prover um mdulo de elasticidade igual, ou maior, que o concreto massa convencional. Na ausncia de ensaios, pode ser assumido igual a E = 57000 f ck [ACI committee-207] , com resistncia dada em Psi. (Se for transformada em MPa, a expresso se transforma em: E = 4900 f ck ).

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b)No captulo 3, item 3-6 diz: O coeficiente do CCR o mesmo do concreto massa convencional. Para cargas estticas, o intervalo de valores ficam entre (0,17 e 0,22), com o valor 0,20, quando no houver ensaios. Se o item a do USCE for adotado, isto , de que o mdulo de elasticidade igual ou maior que o do concreto convencional de mesma resistncia, ento uma alternativa para estimar esse parmetro pode ser feita via NBR 6118/1978 que estipula: E c = 0,9 * 6600 f c k + 3,5 5940 f c k + 3,5 , onde fck dado em MPa. J a expresso do ACI torna-se E = 4900 f ck , se fck for dado em MPa ao invs de psi. O Coeficiente de Poisson tanto no item b das recomendaes do USCE quanto na NBR 6118/1978 pode ser adotado com um valor igual a 0,2 para os casos em que no se efetuem ensaios. As dimenses da barragem, cota de fundo e nvel do reservatrio em diversas sees transversais foram obtidas diretamente dos projetos disponibilizados nos autos registrados nos MPE/F. As propriedades fsicas e mecnicas do CCR efetivamente utilizadas na anlise bidimensional no estado plano de deformaes da barragem de Camar so indicadas na Tabela 1.. Mdulo de elasticidade lontitudinal Coeficiente de Poisson Peso especfico Resistncia compresso Tenso admissvel compresso Tenso admissvel trao 12,6 GPa 0,2 23,5 kN/m3 fck=7 MPa 0,5.fck = 3,5 MPa 0,05.fck = 0,35 MPa

Apresentao dos resultados Na Figura 2 est indicada as caractersticas geomtricas da seo transversal localizada na estaca E04+03m, posicionada ao longo da barragem; alm disso, a mesma figura mostra a

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discretizao do modelo em elementos finitos e as condies de contorno aplicadas. Convm ressaltar que nessa primeira etapa a anlise de tenses da seo E04+03m ser feita para o caso do reservatrio vazio (sem gua).

Figura 2-Geometria, discretizao da seo E04+00

Na Figura 3 tm-se as tenses principais 1 e pode-se var que no topo do orifcio da galeria aparecem tenses de trao. Elas esto destacadas na Figura 4 e h valores de at 0,6 MPa! Como o topo da galeria feita com vigas pr-moldadas concreto convencional armado, essas tenses devem ser absorvidas sem maiores problemas.

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Figrura 3 Tenses principais 1 (barragem vazia)

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Figura 4 Tenses no topo da galeria no trecho de 12 m (barragem vazia)

Na Figura 5 tem-se agora o caso da barragem cheia com 2 metros de sangria. Veja-se agora que aparecem tenses de trao com valores superiores s admissveis, meia altura da galeria.

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Figura 5 Barragem com carga hidrulica 59

Figura 6 Tenses principais 1 (barragem cheia)

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Figura 7 Tenses principais nas paredes da galeria (barragem cheia)

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Considere-se agora a seo transversal da barragem na estaca E04+10. As Figuras 8 a 10 indicam o as tenses. Novamente aparecem tenses de trao no topo da galeria. Nas paredes laterais quando a barragem est cheia as traes tambm aparecem!

Figura 8 Tenses principais 1 (barragem vazia) 62

Figura 9 Detalhe das tenses no topo da galeria (barragem vazia)

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Figura 10 Tenses no topo da galeria (barragem cheia) Nas Figuras 11 a 14 vem-se as tenses principais na estaca 6 +02. Na barrem cheia, ocorre uma flexo na parede que conduz a tenses trativas que superam a resistncia trao admissvel no CCR. 64

Figura 11 65

Figura 12

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Figura 13 -

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Figura 14 Tenses de trao na parede lateral da galeria (barragem cheia)

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Consideraes finais Nas anlises realizadas, no se obtiveram tenses de compresso superiores ao valor admissvel de 0,5fck. Isto sugere que a resistncia especificada no projeto de 7 MPa suficiente para resistir s tenses de compresso solicitantes no macio de CCR; Nas vizinhanas da galeria de drenagem e inspeo, as anlises numricas efetuadas indicaram valores de tenso de trao solicitantes superiores ao limite de resistncia trao de trabalho especificado para o CCR( 0,05 fck). Da podem-se sugerir duas opes: a)Manter a resistncia caracterstica desde que o contorno da galeria de drenagem seja feito com concreto convencional com resistncia flexo que satisfaa segurana b)Aumentar o fck para um valor que promova a segurana relativa s tenses trativas Nos casos em que se tem a galeria de drenagem com dimenses relativas no desprezveis com respeito s dimenses da barragem, uma anlise de tenses, mesmo bidimensional um instrumento til para se averiguar a segurana da construo e deve ser utilizado.

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ANEXO IIEsvaziamento da barragem

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Esvaziamento da Barragem de Camar1. Dados sobre a Barragem Barra de Camar A Tabela 1 mostra a rea da bacia hidrulica da barragem de Cmara e o volume armazenado correspondentes a cada cota. Os valores das cotas e volumes foram plotados na Figura 1, na qual fornecida uma curva de aproximao para clculo da cota dado um certo volume. 2. Dados Observados Precipitao Os dados de precipitao obtidos, correspondem aos dados dirios coletados no posto pluviomtrico de Alagoa Nova, disponibilizados pelo LMRS, correspondentes ao perodo de janeiro a julho de 2004 (Tabela 2). Volume do Reservatrio Os dados do volume da barragem de Camar observados pelo LMRS em 2004 esto listados na Tabela 3.

3. Clculo do Esvaziamento da Barragem de Camar Para o clculo do esvaziamento da barragem de Cmara, alguns coeficientes se fazem necessrios e so listados na Tabela 4. A Figura 2 mostra a chuva observada (Tabela 2) e o volume observado da barragem de Camar (Tabela 3). Baseados nos coeficientes da Tabela 4 foi calculado o volume na barragem devido precipitao ocorrida e descontados as possveis perdas, definido aqui como o coeficiente de rendimento da bacia, o qual foi obtido atravs do ajustamento dos volumes observados e

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calculados, dando prioridade aos ltimos volumes observados. Estes volumes calculados so apresentados na mesma Figura 2, onde pode-se observar o ajuste destes volumes com os observados, principalmente para os volumes de maio e junho de 2004. Para o clculo do esvaziamento foi usados primeiramente a opo com a vlvula de 400 mm, e os respectivos clculos so apresentados na Tabela 5, de onde pode-se observar a data limite (05/04/04) para iniciar o esvaziamento e se ter o esvaziamento completo na data do acidente (17/06/2004). A Figura 3 mostra a precipitao observada e a situao do reservatrio para vrias datas de incio do esvaziamento (30/03, 19/04, 29/04, 09/05, 19/05, 29/05 e 07/06/04). Por exemplo, abrindo a vlvula de 400 mm no dia 30/03/04, o reservatrio estaria com menos de 5% do volume total da barragem. Para o clculo do esvaziamento usando a vlvula de 800 mm, os respectivos clculos so apresentados na Tabela 6, de onde pode-se observar a data limite (06/06/04) para iniciar o esvaziamento e se ter o esvaziamento completo na data do acidente (17/06/2004). A Figura 4 mostra a precipitao observada e a situao do reservatrio para vrias datas de incio do esvaziamento (30/03, 19/04, 29/04, 09/05, 19/05, 29/05 e 07/06/04). Por exemplo, abrindo a vlvula de 800 mm no dia 29/05/04, o reservatrio estaria com cerca de 5% do volume total da barragem. Tabela 1. Barragem Camar - Ozanete Duarte Gondim Cota (m)417 418 419 420 421 422 423 424 425 426 427 428 429 430

rea (m2)25,668 34,513 43,358 45,039 60,872 75,180 89,520