Upload
ibase-na-rede
View
221
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
1/92
1Relatrio Nacional do Brasil
BrasilR E L A T R I O N A C I O N A L
Juventude e Integrao Sul-Americana:
caracterizao de situaes-tipo e organizaes juvenis
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
2/92
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
3/92
Juventude e Integrao Sul-Americana:
caracterizao de situaes-tipo e organizaes juvenis
RELATRIO NACIONAL DO BRASIL
Rio de Janeiro, novembro 2007
Coordenao e instituies responsveis
Apoio
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
4/92
4 Ibase | Plis
Apoio
Centro de Pesquisas para o
Desenvolvimento Internacional (IDRC)
Instituio responsvel
Plis
Coordenao geral
Anna Luiza Salles Souto e Pedro Pontual
Coordenao tcnica / Elaborao do relatrio
Helena Wendel Abramo
Equipes por situao-tipo
Acampamento Intercontinental da Juventude doFrum Social Mundial/Porto Alegre
Nilton Bueno Fischer (coord.)
Ana Maria dos Santos Corra
Mrcio Amaral
Cortadores de cana do interior do estado de So Paulo
Jos Roberto Pereira Novaes (coord.)
Flvio Conde
Roberta Maiane
Tais Zeitune
Juventude e Integrao Sul-Americana:caracterizao de situaes-tipo e organizaes juvenis
RELATRIO NACIONAL DO BRASIL
Uma publicao Ibase e Plis
Frum de Juventudes do Rio de Janeiro
Ana Karina Brenner (coord.)
Lia Dias de Alencar
Movimento Hip Hop de Caruaru/Pernambuco
Adjair Alves (coord.)
Rosilene Alvim (coord.)
Revolta do Buzu (movimento de estudantessecundaristas de Salvador)
Jlia Ribeiro de Oliveira (coord.)
Ana Paula Carvalho
Sindicato de Trabalhadores em Telemarketingde So Paulo
Maria Carla Corrochano (coord.)rica Nascimento
Fotos
Flvio Conde
Samuel Tosta
Vanor Correia
Projeto grfico e diagramao
Dotzdesign
A publicao no foi editada, tendo sidorespeitado o estilo da autora.
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
5/92
5Relatrio Nacional do Brasil
NDICE
INTRODUO 61. ESTADO DA QUESTO NO BRASIL 8
1.1 HISTRICO 9
1.2 DIAGNSTICOS 11
1.3 AS DEMANDAS DOS JOVENS 20
2. SITUAES-TIPO ESTUDADAS 242.1 MANIFESTAES DOS ESTUDANTES SECUNDARISTAS CONTRA O AUMENTO
DA TARIFA DO NIBUS 24
2.2 OS TRABALHADORES JOVENS DO CORTE MANUAL DA CANA-DE-ACAR 25
2.3 GRUPO DE HIP HOP 26
2.4 TRABALHADORES DO TELEMARKETINGE A DEMANDA POR TRABALHO 262.5 FRUM DE JUVENTUDES DO RIO DE JANEIRO FJRJ 27
2.6 O ACAMPAMENTO INTERCONTINENTAL DA JUVENTUDE (AIJ) DO FRUM SOCIAL MUNDIAL
(FSM): EXPERINCIA DE UMA NOVA GERAO POLTICA 27
3. ANLISE CONSOLIDADA DAS SITUAES-TIPO 303.1 CONSTITUIO E IDENTIDADE JUVENIL 30
3.2 AS DEMANDAS E O MOTE DA ATUAO 40
3.3 AES AFIRMATIVAS E VALORIZAO DA DIVERSIDADE 66
4. PERCEPES DOS ATORES E/OU MEDIADORES DAS DIFERENTES SITUAES-TIPOSOBRE OS TEMAS RECORRENTES NAS AGENDAS PBLICAS CONTEMPORNEAS 70
5. FORMAS DE ATUAO E EXPRESSO PBLICA DAS DEMANDAS 72
5.1 INTERLOCUTORES/ MEDIADORES 786. AS POLTICAS RESPONDEM S DEMANDAS? 82
6.1 TRABALHO 84
6.2 PARTICIPAO 86
6.3 AS POLTICAS PBLICAS DE JUVENTUDE 86
BIBLIOGRAFIA 88
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
6/92
6 Ibase | Plis
INTRODUO
H uma pista sugerida no projeto pres-
supondo que as necessidades, as de-
mandas e os desejos dos jovens fizeram
surgir um espao de polticas pblicas
de juventude (que comporta aes, pro-
gramas e instituies especificamente
construdas para formulao e execuo
dessas aes), nos ltimos anos, neste
pedao do continente americano. As in-
terrogaes se colocam a partir da e in-
dagam, principalmente, at que ponto a
abertura desse espao tem logrado estru-
turar uma pauta dos direitos a serem ga-rantidos aos jovens. Qual tem sido a visi-
bilidade alcanada pelos atores juvenis
e, mais especificamente, qual tem sido
a disponibilidade para a incorporao
de suas demandas na agenda pblica?
As demandas apresentadas pelos jovens
tm logrado incidir no contedo das pol-
ticas a eles dirigidas? Qual a fora polti-
ca que a noo do jovem como um sujei-
to singular de direitos tem adquirido nas
sociedades latino-americanas? claro que essas questes pressu-
pem a necessidade de verificar com
mais acuidade como se configura a atu-
ao juvenil em torno de certas deman-
das, em que direo elas tm apontado
e que peso tm adquirido. A proposta da
investigao realizada foi, portanto, bus-
car compreender quais so as deman-
das dos jovens que tm tido interferncia
no espao pblico; quais atores as sus-
tentam e em que tipos de canais de mo-bilizao e negociao; se h semelhan-
as entre as demandas, para que seja
possvel a construo de pautas e redes
em comum. A metodologia adotada foi a
de eleger algumas situaes em que fos-
se possvel aprofundar essas verificaes,
no com a perspectiva de construir um
quadro descritivo ou analtico que des-
se conta do universo das mobilizaes ju-
venis ou que pudesse represent-lo, mas
que, aprofundando o olhar sobre situa-
es concretas, pudesse configurar algu-
mas pistas de entendimento e formular
novas questes que enriquecessem o de-
bate aqui proposto.
As possibilidades de respostas a es-
sas questes tambm dependem dos
contextos nacionais nos quais esses pro-
cessos so desenvolvidos. Neste rela-
trio sobre o Brasil, antes de entrar na
anlise das situaes estudadas, realiza-remos uma breve localizao do contex-
to nacional.
O objetivo mais geral desta pesquisa, tal como est
desenvolvido em seu projeto, contribuir para queas demandas dos jovens ganhem visibilidade, pautemas agendas pblicas e gerem novas iniciativas,enriquecendo o campo da luta por direitos no pas e naregio do Mercosul e perscrutando as possibilidadesde constituio de plataformas comuns na luta pordireitos envolvendo jovens.
6 Ibase | Plis
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
7/92
7Relatrio Nacional do Brasil 7Relatrio Nacional do Brasil
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
8/92
8 Ibase | Plis
1. ESTADO DA QUESTO NO BRASIL
A partir desse perodo, ocorre uma grande
modificao. Os movimentos estudantis
retomam a possibilidade de organizao e
manifestao pblica e participam ativa-
mente da luta pelo fim do regime militar
instaurado em 1964. Mas, em seguida, no
processo de redemocratizao, vo per-
dendo paulatinamente visibilidade e legiti-midade social. Ao mesmo tempo, emerge,
como um tema social, a questo dos me-
ninos de rua: como motivo de pnico, en-
gendrando ondas de represso e violncia
contra os menores de idade em situaes
diversas de abandono e desvio, e como
bandeira de luta e mobilizao social, en-
volvendo uma srie de atores dos setores
progressistas (entre juristas, funcionrios
pblicos, militantes de movimentos so-
ciais e comunitrios), demandando a de-fesa dos direitos dessas crianas para que
passassem a ser tratadas como sujeitos de
direitos e no como elementos perigosos
para a sociedade.
1.1 HISTRICO
Foi, nesse sentido, durante todo o scu-
lo 20, um componente do debate poltico,
mas no propriamente como um tema re-
lativo ao debate sobre as polticas pbli-
cas ou relativo ao debate sobre os direitos
sociais. A emergncia do tema das polti-
cas pblicas de juventude, e dos direitos
que devem ser garantidos aos jovens, data
de cerca de dez anos atrs, de certo modo
acompanhando uma tendncia presente
h mais tempo em outros pases do nosso
continente. O processo brasileiro guarda,
contudo, algumas particularidades.
Aqui, as aes desencadeadas pe-
las agncias da Organizao das Naes
Unidas (ONU) a partir do Ano Interna-
cional da Juventude, em 1985, no ti-
veram a mesma repercusso que em
outros lugares, produzindo pequeno im-
pacto na formulao de programas ou
organismos especficos de polticas paraesse segmento. Naquele momento, o
tema em relevncia no era o da juven-
tude, mas o da infncia.
Durante todo o ltimo quartel do scu-
lo passado, o foco da preocupao ficou
centrado na questo das crianas e dos
adolescentes em situao de risco, que
emergiu como um tema de extrema gravi-
dade e desencadeou tanto uma onda de
pnico social como uma importante mo-
bilizao em torno da defesa dos direitosdesses segmentos.1 Isso polarizou o deba-
te no que diz respeito juventude, fazen-
do com que o termo, por muito tempo, se
referisse ao perodo da adolescncia, mui-
tas vezes como algo indistinto da infncia.
A juventude, propriamente dita, ficou
de fora do escopo das aes e do deba-
te sobre direitos e cidadania. Nesse pe-
rodo, a juventude foi tematizada apenas
No Brasil, o tema da juventude encontrou inflexes
significativas nas ltimas dcadas. At os anos 1970,foi enfocada, principalmente, por meio da avaliaode sua capacidade de ser vetor de modernidadee transformao poltica e comportamental: ajuventude era identificada com o segmento de jovensescolarizados das classes mdias que podiam vivera moratria e a escolarizao secundria e superior;o interesse poltico se dirigia para o papel que(principalmente, por meio dos movimentos estudantis,da contracultura e do engajamento em partidos
polticos de esquerda) jogava na continuidade ou natransformao do sistema cultural e poltico.
1 Engendrando aes da sociedadecivil e do Estado e resultando noEstatuto da Criana e do Adolescente(ECA), que se tornou instrumentofundamental para implantar a idia decrianas e adolescentes como sujeitosde direitos.
8 Ibase | Plis
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
9/92
9Relatrio Nacional do Brasil
com base em sua ausncia ou apatia, em
contraste com as geraes passadas, en-gajadas e propositivas.
O que parece valer a pena ressaltar
que a juventude, como tema poltico,
emerge depois do processo de redemo-
cratizao da sociedade brasileira, de-
pois do momento de debate mais intenso
sobre a consolidao dos direitos de ci-
dadania, que se corporificou no proces-
so da Constituinte no fim da dcada de
1980. Os sujeitos desse processo foram
os movimentos sociais que se articula-
ram (a maioria nos anos 1970, mas al-
guns antes), sobretudo, pela retomada
da democracia e pela constituio de po-
lticas setoriais (como educao, sade
e trabalho). Entre eles, estavam os cha-
mados novos movimentos sociais, com
novas identidades e pautas, e em torno
de condies singulares, como os mo-
vimentos de negros e mulheres. , tam-
bm, nesse perodo, que emerge a pautados direitos das crianas e dos adoles-
centes. Boa parte dos conselhos mais
consolidados, no mbito do governo fe-
deral, resulta da articulao e da con-
solidao desses movimentos e de suas
bandeiras na esfera pblica.
No entanto, nesse momento, a juven-
tude no se colocou como questo polti-
ca, como tema para os direitos e para as
polticas pblicas. Ficou, como tema, fora
do processo, embora muitos jovens e or-ganizaes juvenis tenham participado
ativamente da luta pela redemocratizao
e muitos jovens tenham participado da
construo dessas pautas no interior de
outros movimentos.
Nos ltimos dez anos, o debate sobre
a juventude e, principalmente, sobre po-
lticas pblicas para o segmento aumen-
tou bastante, envolvendo uma mirade de
atores de mbitos distintos e em diferentes
arenas pblicas: gestores locais buscandose articular e aumentar sua fora poltica e
oramentria; ONGs e entidades da socie-
dade civil aumentando o escopo de suas
aes e procurando constituir redes para
propor e executar polticas pblicas; fun-
daes empresariais e organismos de coo-
perao internacional financiando projetos
da sociedade civil e programas pblicos;
ncleos acadmicos e instituies ligadas
ONU realizando pesquisas para diagns-
ticos e fomentando espaos pblicos de
debate; parlamentares instituindo comis-
ses pblicas no mbito legislativo para o
acompanhamento e a proposio de polti-
cas pblicas e estabelecimento de marcos
legais para o tema.
Particularmente, nos ltimos cinco
anos, esse processo se intensificou com a
configurao de atores e espaos mais ar-
ticulados e visveis e a recente criao de
uma estrutura nacional para o desenvolvi-mento de polticas especificamente pensa-
das para a juventude. possvel identificar
algumas vertentes que contriburam para
a criao do ambiente que permitiu, final-
mente, que a juventude emergisse como
tema de poltica do Estado.
Por um lado, a presso de diferentes
atores juvenis, principalmente aqueles vin-
culados aos partidos progressistas e de es-
querda, assim como por certos atores e
movimentos juvenis (as entidades estudan-tis, de um lado, os movimentos culturais e
identitrios, de outro), para a participao
nos governos de carter democrtico e po-
pular que conquistaram mbitos executi-
vos locais e estaduais. A principal deman-
da era a criao de organismos gestores
para a formulao e execuo de polticas
especficas para a juventude e a participa-
o nesses processos.
9Relatrio Nacional do Brasil
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
10/92
10 Ibase | Plis
Ao mesmo tempo, diferentes tipos de
grupos juvenis, principalmente os ligados
a atuaes culturais e comunitrias, co-
mearam a estabelecer dilogo com os
poderes pblicos para reivindicar espa-
os e aes voltadas para suas ativida-
des, como a criao de festivais, shows,
centros comunitrios e/ou culturais, ofi-
cinas de formao em linguagens cultu-rais, desenvolvimento de programas es-
pecficos de sade, ao comunitria etc.
possvel dizer que foi, principalmente,
a ao desses e de outros grupos juve-
nis em diferentes espaos de interlocu-
o com o poder pblico que comeou
a montar a pauta atual de polticas mul-
tissetoriais e diversificadas de juventude
para alm das tradicionalmente incorpo-
radas aos programas partidrios, como
educao e segurana. A apresentao
de demandas nos centros de referncia
de juventude, nas assemblias de ora-
mento participativo, nos congressos de
cidade, nas conferncias municipais con-
vocadas pelos organismos gestores foram
tornando visveis questes especficas e,
assim, a lgica de necessidades singula-
res alcanou algum grau de reconheci-
mento por parte de outros atores sociais.
Numa outra linha, o desenvolvimen-to de projetos pela sociedade civil, entre
ONGs e entidades de apoio dos mais di-
versos tipos, apoiadas por organismos de
cooperao internacional e por fundaes
empresariais, tambm compe um acer-
vo de experincias na conformao do en-
tendimento das respostas a serem dadas
s questes identificadas nesse segmento.
Fundamentalmente, com base em uma vi-
so da necessidade de operar um resgate
da dvida social com os segmentos pobresou vulnerveis da juventude, esses atores
buscaram recuperar a possibilidade de jo-
vens terem acesso a certos servios, de-
mandando o direito a viver a juventude,
o que significava, em grande medida, usu-
fruir da moratria que jovens de classes
mdias e altas j usufruam, com progra-
mas de formao educativa e/ou de retor-
no escola, alm da possibilidade de viver
o tempo livre. Concomitantemente, aes
foram estruturadas para dirimir, resga-
tar ou prevenir os problemas engendrados
pelas situaes de vulnerabilidade, princi-
palmente a violncia, as doenas sexual-
mente transmissveis e a gravidez precoce,
que os afastavam da vivncia juvenil. Dife-
rentes aes nas reas de sade, educa-
o e cultura vo construindo os eixos pe-los quais programas e projetos pilotos se
organizam como repertrios comuns. So
esses eixos que orientaro muitos dos pri-
meiros programas governamentais, no
raro realizados em forma de parceria entre
Estado e ONGs.
Iniciativas desenvolvidas por agn-
cias da ONU (como Organizao das Na-
es Unidas para a Educao, a Cincia e
a Cultura Unesco; Programa das Naes
Unidas para o Desenvolvimento PNUD;
Fundo de Populao das Naes Unidas
FNUAP) ajudaram a construir e conso-
lidar (por meio de pesquisas, seminrios,
oficinas de capacitao, trocas de experi-
ncias em fruns internacionais e apoios a
programas e projetos de cooperao tcni-
ca) certos conceitos e certas diretrizes de
ao nesse repertrio, principalmente nos
temas de educao e sade.
A partir de determinado momento,atores polticos (basicamente aqueles li-
gados a partidos de esquerda, como o
Partido dos Trabalhadores PT e o Par-
tido Comunista do Brasil PCdoB) en-
campam o assunto, dispostos a transfor-
mar a juventude em tema de relevncia
poltica nacional. Vrios processos so
desencadeados, sendo um dos mais sig-
nificativos o desenvolvimento do Projeto
Juventude, entre 2003 e 2004, quando o
Instituto Cidadania promoveu amplo pro-cesso de discusso envolvendo organi-
zaes juvenis, pesquisadores e pesqui-
sadoras, representantes de movimentos
sociais, de ONGs, de fundaes empre-
sariais, gestores, intelectuais etc., em
uma srie de seminrios, oficinas e ple-
nrias, produzindo pesquisas e publica-
es com o propsito de elaborar um do-
cumento de referncia e uma proposio
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
11/92
11Relatrio Nacional do Brasil
de polticas de juventude para o pas. Na
verdade, tal processo j foi desenvolvido
em resposta a uma sinalizao emitida
pelo recm-eleito presidente Lula, a par-
tir de sua disposio de tomar o tema da
juventude como uma de suas preocupa-
es centrais.
assim que, em 2003, o governo fe-
deral, pela primeira vez no pas, instalouum canal para a articulao dos seus
programas setoriais de juventude (com
a criao de um grupo de trabalho inter-
ministerial), que resultou na criao de
um arcabouo institucional especfico
para polticas de juventude em 2005: a
Secretaria Nacional de Juventude, com
carter de articulao entre as polticas
desenvolvidas pelos diferentes minist-
rios, e o Conselho Nacional de Juventu-
de (Conjuve), rgo de articulao entre
governo e sociedade civil, consultivo e
propositivo. Ao mesmo tempo, o governo
federal definiu a execuo de um grande
programa nacional de incluso dirigido
a jovens entre 18 e 24 anos em situao
de vulnerabilidade social (fora da escola
e do trabalho, sem ter ainda concludo o
ensino fundamental). Apesar desse pro-
cesso estar, ainda, no incio, foi o maior
avano na consolidao pblica do temaat aqui.
Em 2003, foi tambm criada a Fren-
te Parlamentar de Juventude na Cmara
Federal, que organizou uma srie de au-
dincias pblicas em torno do tema, as-
sim como um seminrio e uma confern-
cia nacional voltados para a estruturao
de um Plano Nacional de Juventude,
convertido em projeto de lei em tramita-
o. Os parlamentares envolvidos nes-
sa frente tambm tm tido atuao signi-ficativa na aprovao dos decretos e das
leis propostas pelo governo federal para a
criao dos rgos e programas dirigidos
a esse segmento.
Houve dilogo e certa articulao en-
tre os processos, o que contribuiu para
a criao de uma pauta poltica em tor-
no do tema, apesar da diferena de m-
bitos, de escopos e de perspectivas entre
eles. desse modo, tambm, que a idia
da existncia de direitos da juventude co-
mea a ser esboada, embora ainda no
tenha adquirido consistncia poltica real,
como veremos adiante.
1.2 DIAGNSTICOS
O debate pblico sobre juventude se con-
centrou muito mais nas possibilidades e
nos entraves para a participao dos jo-
vens nos processos de reconstituio de-
mocrtica e nos modos de resgat-los
das situaes de risco e vulnerabilida-
de em que se viram crescentemente en-
volvidos que nas suas necessidades e
nos seus direitos. No possvel dizer
que havia, nesse sentido, uma pauta j
consolidada de demandas ou de reivin-
dicaes relativas aos direitos dos jovens
quando os aparatos institucionais para a
formulao de polticas pblicas de ju-
ventude foram montados. Havia um acer-
vo multifacetado e bastante desarticula-
do de questes publicamente expressas,
de propostas e experincias-piloto (tan-
to no mbito governamental como no das
ONGs), mas poucos espaos de articula-
o e negociao dessas demandas. Res-taram, assim, muitos hiatos e muitas po-
lmicas mal enfrentadas a respeito da
composio dessa pauta.
possvel dizer que a construo da
pauta de direitos a serem garantidos pelo
Estado (e exigidos pelos atores da so-
ciedade civil) ainda est sendo feita, as-
sim como est em debate a definio da
perspectiva que orienta a constituio
do paradigma dos jovens como sujeitos
de direitos. O processo de construo deuma poltica nacional de juventude en-
tre poder executivo, legislativo e socieda-
de civil est sendo feito em meio a esse
acelerado, mas ainda frgil, processo de
debate pblico. A formulao de progra-
mas com investimento oramentrio sig-
nificativo por parte do governo federal e
a montagem de estruturas institucionais
tm interferido nesse processo. Como
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
12/92
12 Ibase | Plis
lembram Marlia Sposito, Hamilton Harley
de Carvalho Silva e Nilton Alves Souza,
a conformao de polticas e programas
pblicos no sofre apenas os efeitos de
concepes, mas pode provocar modula-
es nas imagens dominantes que a so-
ciedade constri sobre os sujeitos jovens
(Sposito; Silva; Souza, 2006).
Deve ser ressaltado que cresceumuito, nos ltimos anos, a legitimidade
poltica do tema e o espectro de atores
que se acercam desse campo de aes
e debates, como o movimento sindical,
o Movimento dos Sem Terra (MST), mo-
vimentos de mulheres, pela liberdade de
orientao sexual, alm do crescente n-
mero de ONGs, fundaes empresariais,
instituies religiosas etc. Mesmo assim,
h ainda invisibilidade e incompreenses
a respeito do tema tanto quanto interro-
gaes e polmicas nas formas de abor-
dagem, at mesmo relacionadas pr-
pria pertinncia da constituio desse
campo de atuao. H desde uma inter-
rogao genrica sobre a validade para
o fortalecimento dos princpios da demo-
cracia e da universalidade dos direitos,
da afirmao das singularidades identi-
trias (e, nesse sentido, por que fortale-
cer mais um movimento identitrio?), atdiferentes tipos de dvidas ou contesta-
es da consistncia da singularidade
juvenil para a produo de uma alterida-
de poltica significativa.
Com relao a esse ltimo ponto,
existem pelo menos trs linhas de contes-
tao. Primeiro, o questionamento sobre
a possibilidade de construo de uma
identidade poltica com base em uma
condio passageira e no permanente,
como so as identidades relacionadas afases do ciclo da vida (diferentes, nesse
sentido, da condio fundada no gne-
ro ou na raa/etnia). Em segundo lugar (e
esta tem sido uma das mais fortes fontes
de resistncia manifestadas por parte dos
atores envolvidos no campo da defesa
dos direitos de segmentos vulnerveis), a
discusso sobre a pertinncia de consti-
tuio de um campo relacionado juven-
tude separado do da infncia e da ado-
lescncia baseada em argumentos que
questionam a existncia de diferenas
significativas entre essas fases do ciclo de
vida que justifiquem a conformao de
polticas, equipamentos, estrutura institu-
cional e marco legal diferenciados para a
juventude, alm da oportunidade poltica
de desviar recursos, financeiros e polti-cos (de militncia), do campo da infncia
para o da juventude, uma vez que a pri-
meira foi definida, constitucionalmente,
como prioridade nacional. A terceira linha
de questionamentos diz respeito pos-
sibilidade de tomar a juventude como
segmento para alm das diferenas e de-
sigualdades internas, to profundas que
explodiriam a possibilidade de pensar em
direitos gerais da juventude ou de polti-
cas universais a ela dirigidas.
A ltima linha tem sido desenvolvi-
da no interior do prprio campo de de-
bate sobre as polticas de juventude, em
torno da crescente produo de dados,
reflexes e manifestaes sobre os dife-
rentes aspectos e as diferentes situaes
que compem o imenso mosaico que
o universo juvenil brasileiro. Ela se as-
socia ao debate relacionado s definies
contemporneas sobre a condio juve-nil ou sobre o conceito de juventude to-
mado para definir as aes polticas. in-
teressante verificar que o item conceito
de juventude tem entrado em todos os
documentos e processos de debate vol-
tados para a definio das polticas e dos
rumos de atuaes poltica dos jovens,
o que pode, de certo modo, revelar um
processo de definio de um novo para-
digma em torno do qual o tema pode ser
pensado e enfrentado.Parece relevante, aqui, localizar duas
questes sobre as quais parte desse de-
bate conceitual tem se processado.
Uma delas diz respeito posio relacio-
nada necessidade de considerar dife-
renas e desigualdades que percorrem
o segmento, reafirmada na insistncia
em usar o termo no plural juventu-
des para evitar o risco de naturalizar
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
13/92
13Relatrio Nacional do Brasil
uma condio que social e historica-
mente construda e para no reprodu-
zir desigualdades ao tomar o todo pela
parte. Assim, boa parte do esforo atu-
al dos diagnsticos e do debate se diri-
ge considerao de diferenas e de-
sigualdades, assim como boa parte do
esforo poltico se dirige busca de in-
corporar no processo de construo dasarenas de debate atores juvenis dos dife-
rentes segmentos. No entanto, ainda no
est equacionado, no debate, o que si-
milar e o que diferencial na juventude.
No plano conceitual, avana-se na bus-
ca para estabelecer uma diferena entre
condio, que diz respeito ao modo como
uma sociedade constitui e atribui signi-
ficado a esse momento do ciclo de vida,
e que alcana abrangncia social maior
quando referida a uma dimenso hist-
rico-geracional, e situao, que revela
o modo como tal condio vivida com
base nos diversos recortes relaciona-
dos s diferenas sociais classe, gne-
ro, etnia etc. (Abad, 2003; Sposito, 2003;
Abramo, 2005 a e b). Porm, no plano
poltico, ainda muito incipiente o debate
sobre o que comum juventude e, por-
tanto, de quais seriam as pautas comuns
aos jovens brasileiros.H, tambm, outra questo relati-
va ao entendimento do significado da
condio juvenil contempornea. Se h
compreenso generalizada sobre sua
transformao no atual momento hist-
rico, h diferenas de interpretao dos
sentidos dessa mudana, principalmen-
te em torno do entendimento sobre o ca-
rter da moratria, sobre se h acentu-
ao ou diluio desse fenmeno, se a
tendncia o adiamento generalizadoda entrada na vida adulta ou o estabele-
cimento de uma relao peculiar de in-
sero e experimentao. Dito de ou-
tro modo: se o contedo da transio se
faz como passagem de uma etapa a ou-
tra (da infncia idade adulta, da esco-
la ao trabalho, como etapas sucessivas
e opostas) ou se muito mais o desen-
volvimento de uma trajetria de inser-
o, longa e plena, de contedo prprio,
o que confere condio juvenil uma
dupla dimenso a ser considerada a
preparao para a vida futura e a expe-
rimentao da vida presente. Aqui, con-
tudo, preciso dizer que ainda predomi-
na, na postura da maior parte dos atores
e na formulao das polticas destinadas
aos jovens, o paradigma da juventudecomo perodo preparatrio:2 esta viso
do jovem como sujeito em preparao
e, portanto, como receptor de formao,
o eixo que predomina em quase to-
das as aes a ele dirigidas, combinada
aos mais diferentes paradigmas, no s
nas polticas pblicas estatais (Abramo,
2005b). Como aponta Livia De Tommasi
em texto de anlise sobre o trabalho de
ONGs brasileiras com jovens, a abor-
dagem principal aquela orientada pela
idia de formao (Tommasi, 2004).
Alm disso, a relao que os adultos (os
militantes, tcnicos e funcionrios das
ONGs) estabelecem com os jovens, em
qualquer projeto desenvolvido, a de
educadores (Abramo, 2005).
H, contudo, um esforo despendido
por parte de vrios atores no sentido de
construir outra abordagem, que pode ser
observado no documento publicado peloConselho Nacional de Juventude:
Mas a vivncia juvenil na contem-poraneidade tem se mostrado maiscomplexa, combinando processosformativos com processos de ex-perimentao e construo de tra-jetrias que incluem a insero nomundo do trabalho, a definio de
identidades, a vivncia da sexuali-dade, da sociabilidade, do lazer, da
fruio e criao cultural e da parti-cipao social. [...] Assim, a tendn-cia ao prolongamento e multiplici-dade de dimenses da vida juvenilprovocariam a considerao de doiseixos de viso sobre os jovens: suavida presente (a fruio da juventu-de) e sua projeo para o futuro (osmodos pelos quais deixam de serjovens para se tornarem adultos).
2 Por exemplo, isso pode ser visto nadefinio constante de um dos diag-nsticos mais importantes realizadosrecentemente: Esta deciso estrelacionada ao conceito de juventudeaqui adotado, como fase de transio,em que cada sociedade define umtempo socialmente necessrio para atransformao dos jovens de depen-dentes em adultos autnomos eprodutivos. As atividades dos jovens,desse modo, remetem preparao eao aprendizado para o cumprimentodos papis de adulto na sociedade(Waiselfisz, 2004).
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
14/92
14 Ibase | Plis
Desse modo, no s as possibilida-des de formao para o exerccio davida adulta tm que ser considera-das, mas tambm as possibilidadespara a vida juvenil. Disso decorre aimportncia de considerar essa mul-tiplicidade das dimenses(Novaes;Cara; Silva; Papa, 2006).
De todo o modo, esse um debate
que informa e, ao mesmo tempo, se en-
riquece com a definio das polticas e
dos diagnsticos que orientam sua for-
mulao. Esse , tambm, um ponto no
qual academia, tcnicos de informao,
gestores e militantes de diversos campos
tm se encontrado e confrontado ,
ajudando a construir as representaes
em torno das quais as disputas polti-
cas se processam. Nesse processo, tem
crescido a produo de informaes,
pesquisas e reflexes sobre a juventu-
de brasileira, embora muito ainda tenha
que ser feito. preciso superar a natu-
reza episdica dos estudos realizados e
criar espaos mais permanentes de re-
flexo que permitam gerar acmulo de
conhecimento, assim como afinamento
das informaes sobre as mltiplas e di-
ferentes questes que afetam os jovens.No interior do debate, diversos so
os pontos de partida para o delineamen-
to das questes da juventude. Um de-
les o que foca nas condies e possi-
bilidades da participao dos jovens na
conservao ou transformao da socie-
dade e seus traos dominantes, exami-
nando, valores, opinies, atuao social
e poltica para avaliar como os jovens
podem vir a interferir no destino do pas
e tambm nas questes singulares queos afetam. Outro ponto importante o
que toma a juventude como contingen-
te demogrfico e busca verificar as ca-
ractersticas das situaes de incluso e
excluso dos diferentes subgrupos de jo-
vens, e das vulnerabilidades que os afe-
tam especialmente, para concluir sobre
os focos prioritrios para as polticas so-
ciais necessrias. H, tambm, aque-
le que, partindo da postulao do jovem
como sujeito de direitos, busca examinar
o que constitui a singularidade da con-
dio juvenil e quais so os direitos que
dela emergem e que devem ser garanti-
dos por meio de polticas pblicas.
A maior parte dos documentos dirigi-
dos para o debate das polticas pblicas,
apesar de afirmarem a postulao dos jo-vens como sujeitos de direitos e a neces-
sidade de incorporar a participao dos
jovens tanto nos processos sociais mais
amplos como na prpria definio e im-
plementao das polticas a eles dirigidas
(como protagonistas na busca de solu-
es para sua vida e para a comunidade,
como agentes estratgicos para o desen-
volvimento ou como sujeitos fundamen-
tais para a transformao, dependen-
do da vertente), desenham as questes
da juventude que devem ser enfrentadas
pela sociedade, gerando respostas de
polticas pblicas principalmente, pela
segunda senda acima enumerada.
Um rpido exame de parte desses
documentos nos revela as questes dese-
nhadas no debate atual sobre a juventu-
de brasileira.
A primeira questo ressaltada o
peso demogrfico da populao juve-nil brasileira, argumento inicial e evi-
dente da importncia e magnitude do
tema: segundo dados do Instituto Bra-
sileiro de Geografia e Estatstica (IBGE),
em 2005, o pas contava com cerca de
35 milhes de pessoas entre 15 e 24
anos (representando 19% da populao
do pas); computada a faixa entre 15 e
29 anos, os nmeros sobem para mais
de 50 milhes de jovens, representando
mais de um quarto (27%) do total dosbrasileiros.3
A anlise demogrfica ganha rele-
vncia, tambm, por meio da referncia
ao fenmeno da onda jovem alarga-
mento momentneo da faixa etria ju-
venil na virada do sculo 20 para o 21,
constituindo, naquele momento, a popu-
lao juvenil como o grupo qinqenal
mais numeroso da estrutura etria bra-
3 Quando o debate se instituiu, emmeado dos anos 1990, o recorteetrio adotado pela maior parte dosatores e das instituies foi o de 15 a24 anos, tomando as referncias dasagncias da Organizao das NaesUnidas. Mas quando a estrutura ins-titucional federal criada, em 2005,toma como definio a faixa maislarga, ampliada at os 29 anos. Noentanto, a maior parte dos dados con-solidados pelos institutos de pesquisase refere ao primeiro recorte.
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
15/92
15Relatrio Nacional do Brasil
sileira (cf. Madeira, 1998; Rua, 1998).
Esse fenmeno foi (e ainda ) ampla-
mente citado como fator constituinte da
emergncia da juventude na agenda p-
blica, uma vez que acentua a presso
que os jovens exercem sobre o mercado
de trabalho e os servios oferecidos pelo
Estado (educao, sade etc.), tal como
aparece no Documento-base para a IConferncia Nacional de Juventude:
Esse grupo etrio nunca foi (e nemser, desde que se mantenham astendncias demogrficas) to nu-meroso, em termos absolutos, como hoje. Essa onda jovem tem gera-do, ao mesmo tempo, preocupaoe esperana. A preocupao por-que o Estado no se preparou parareceber adequadamente esse enor-me contingente de jovens. A ofertade bens e servios pblicos insu-ficiente para atender toda a deman-da(Secretaria Nacional da Juventu-de, 2007).
Muitos tm buscado ressaltar a pos-
sibilidade de ver como oportunidade esse
bnus populacional, apostando no re-
torno de contribuio que essa gerao
pode dar sociedade se receber adequa-do investimento para o desenvolvimento.
H, porm, quem questione o peso
do argumento, alertando para o fato
de que os jovens j tiveram maior peso
na composio da populao do pas e
nunca foram incorporados com facilida-
de ao mercado de trabalho, assim como
nunca se alcanou cobertura comple-
ta dos servios oferecidos pelo Estado,
nem mesmo dos servios educacionais
(Porchmann, 2004). Fundamentadasnum outro tipo de percepo, as neces-
sidades e questes dos jovens so com-
preendidas como componentes da dvi-
da social histrica que o pas tem com
as classes desapossadas e, particular-
mente, como conseqncias do mode-
lo econmico adotado nas ltimas dca-
das. A falta de crescimento econmico,
a crise no universo laboral gerada pela
reestruturao produtiva, o desmonte
do estado pelo neoliberalismo, a des-
responsabilizao do poder pblico com
relao questo social so entendidos
como fatores de aprofundamento da de-
sigualdade e da gerao de novas for-
mas de excluso, num processo que
atinge, especialmente, os jovens.
As altas taxas de desemprego e aprecariedade da ocupao profissional
dos jovens apontam as dificuldades de
incluso que a juventude brasileira tem
de enfrentar: no comeo da dcada, em
2001, a taxa de desemprego aberto es-
tava em torno de 18% e a mdia brasi-
leira era de 9,4%. Naquele ano, cerca
de 3,7 milhes de jovens estavam sem
trabalho, representando 47% dos de-
sempregados do pas.
Nesse sentido, tem sido chamada a
ateno para a singularidade da experi-
ncia histrica dessa gerao quanto s
dificuldades de construir perspectivas de
vida e processar a insero social (pro-
cessos constituintes da juventude) num
momento histrico que se verifica o agra-
vamento das desigualdades e da exclu-
so, ou seja, as dificuldades relativas a
entrar numa sociedade onde cabe cada
vez menos gente. Para alguns (ver, porexemplo, Abramo e Novaes) essa expe-
rincia geracional que faz com que os jo-
vens tenham passado a ocupar o centro
das questes que comovem o pas (Ins-
tituto Cidadania, 2004).
Em todos os documentos e diagns-
ticos, os dados indicando as diferen-
tes situaes de excluso, assim como
de risco e vulnerabilidade social, so
os mais acionados para compor o qua-
dro de questes da juventude e de ar-gumentos a respeito da urgncia em de-
senvolver repostas que a resgate dessas
situaes. A questo da vulnerabilidade
e do risco entendida tanto pela chave
do resultado de processos cumulativos
de excluso como pela de caractersticas
comportamentais associadas idade:
Exibir acentuada vulnerabilidade for-
mao de hbitos e padres de compor-
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
16/92
16 Ibase | Plis
tamento de risco, bem como morte por
causas externas e a formas diversas de
morbidade devido maternidade pre-
coce, uso de drogas, acidentes de trn-
sito, violncia fsica, AIDS (Rua, 1998).4
possvel dizer que essas so as ques-
tes que polarizam o empenho de en-
frentamento tanto por parte do governo
como por parte dos atores que desen-volvem projetos de ao social dirigidos
a jovens. Uma srie de indicadores tem
sido construda para definir e permitir a
focalizao desses segmentos como al-
vos prioritrios de ao pblica.
A questo do envolvimento dos jo-
vens com a violncia, como autores e v-
timas, aparece como o tema mais dra-
mtico na composio das questes. Os
dados de mortalidade, tomados como
os principais indicadores desse envol-
vimento, iluminam o tamanho do pro-
blema e se tornam parte constitutiva do
argumento central a partir do qual as
aes dirigidas aos jovens podem ga-
nhar legitimidade como alvo a ser atingi-
do. A preocupao com o tema cresce,
onipresente, e sua magnitude torna-
se eloqente. Em 2002, a Unesco pu-
blicou documento apontando que a taxa
de homicdios entre a populao juvenilera de 54,5 para cada 100.000, contra
21,7 para o resto da populao. Os prin-
cipais atingidos so os jovens do sexo
masculino, negros e moradores de regi-
es com pouca infra-estrutura e presen-
a de grupos criminosos. O envolvimen-
to com o crime e, principalmente, com o
narcotrfico uma das principais faces
do problema, seguido da suspeio e re-
presso por parte dos aparatos policias,
que constitui outra fonte de relaes vio-lentas. Outro dado significativo revela
que mais de 50% das pessoas com pri-
vao de liberdade no pas tm entre 20
e 29 anos.
H, contudo, crescentemente, pre-
ocupao em no construir uma abor-
dagem da juventude como problema e,
principalmente, no reforar a estigma-
tizao que se abate sobre certos seg-
mentos juvenis. Embora muitos setores
permaneam ancorados numa perspec-
tiva de abordagem criminalizadora da
juventude (em alguns casos, num pro-
cesso de radicalizao, como atestam
os ataques ao ECA5 e as proposies
de reduo da idade de responsabilida-
de penal), outros buscam respostas no-
vas para o dilema de enfrentar o proble-ma sem transform-lo na nica maneira
pela qual os jovens aparecem como me-
recedores de ateno por parte da so-
ciedade e do Estado, sem transformar os
jovens pobres na verso atualizada das
classes perigosas. Afirmaes so de-
senvolvidas para reforar a necessria
ampliao do escopo do foco da ateno
do Estado e produzir uma abordagem
fundada no cumprimento dos mltiplos
direitos, construindo pontes e conexes
entre as polticas estruturantes e aquelas
emergenciais e compensatrias, e para
superar a reproduo da abordagem di-
cotmica estabelecida no pas a respeito
da juventude.
No entanto, essa , ainda, uma das
polmicas mais profundas na formatao
do entendimento sobre a necessidade
de polticas para jovens. Boa parte do es-
foro atual de construo dos novos pro-gramas e das novas polticas para jovens
acontece com base nesse paradigma.
H, muito disseminado, entendimento de
que na vulnerabilidade e exposio aos
riscos que reside a singularidade da ju-
ventude e que por isso devem ser gera-
das polticas especficas. Isso pode ser
visto neste trecho de recente e importan-
te documento de avaliao de um progra-
ma federal dirigido aos jovens:
Recentemente, no entanto, a deman-da por polticas para juventude temum sentido mais preciso, em que oproblema da juventude se articulaem torno de segmentaes socioeco-nmicas, raciais e de classe, das mu-danas recentes no mercado de tra-balho e da associao entre violnciae falta de oportunidades de educa-o e trabalho. Neste sentido, trata-
4 Ver, tambm, documentos maisrecentes, como o captulo V do livroBrasil: o estado de uma nao,publicado pelo Ipea, em 2005, eorganizado por Fernando Rezende ePaulo Tafner.5 Estatuto da Criana e do Adoles-cente, marco legal de referncia aosdireitos da infncia e adolescncia.
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
17/92
17Relatrio Nacional do Brasil
se agora de uma demanda por aesfocalizadas, uma vez que o pblico-alvo das mesmas tende a ser definidoem termos de necessidade, pobrezaou risco(Cardoso et al, 2006).
importante ressaltar que, como
j anunciamos acima, comeam a ga-
nhar ateno as informaes que permi-tem mapear as diferenas e desigualda-
des entre os jovens. Os atores juvenis do
campo tm insistido para que a juventu-
de rural no fique apartada do debate so-
bre os diagnsticos e as proposies po-
lticas. Embora representem apenas 19%
da populao juvenil brasileira, persisten-
te presena de atores significativamen-
te consolidados tm logrado superar essa
invisibilidade e pontuar suas questes,
que abrangem, simultaneamente, dife-
renas internas (por exemplo, as existen-
tes entre jovens de famlias de pequenos
proprietrios rurais e os trabalhadores as-
salariados) e semelhanas com questes
vividas pelos jovens do meio urbano.
Outras singularidades tambm ocu-
pam espao: as diferenas raciais, so-
bre as quais o debate comea a se am-
pliar da denncia das desigualdades para
a formulao de aes afirmativas quepermitam resgatar a dvida histrica, e as
questes de gnero, que ganham amplia-
o de enfoques a partir da militncia de
grupos de jovens mulheres que propem
inflexes novas em temas como os dos
direitos sexuais e reprodutivos. Alm des-
ses, h os temas emergentes ainda inci-
pientes, mas que tm logrado conquistar
ateno significativa a partir de uma for-
te militncia de pequenos grupos, como
os relativos liberdade de orientao se-xual e aos grupos com deficincia. Outra
dimenso que envolve um esforo de ex-
plicitao quando se trata de pensar os
parmetros para a elaborao de polti-
cas a da considerao das diferenas
nas faixas etrias internas categoria ju-
ventude, principalmente no que diz res-
peito diferena entre adolescentes e jo-
vens adultos.
Para a composio do quadro de ne-
cessidades e questes da juventude so
tomados, com larga margem de impor-
tncia, os dados sobre a situao educa-
cional, principalmente os que permitem
indicar os avanos e as entraves na eleva-
o da escolaridade da juventude brasilei-
ra, que apresenta ndices bem abaixo dos
de outros pases do continente: na mdia,menos de oito anos de estudo.
Nesse tema, coincidente a consta-
tao do avano na cobertura educacio-
nal e nos anos de escolaridade com re-
lao s geraes passadas (o nmero
de estudantes passa de 11,7 milhes em
1995 para 16,2 milhes em 2001). En-
tre 1995 e 2001, o nmero de pessoas
de 15 a 24 anos que freqentavam a es-
cola cresceu 38,5%, o que corresponde
ao acrscimo de 4,5 milhes de jovens
condio de estudantes.
Mas, mesmo assim, o pas ainda no
oferece aos jovens oportunidades ade-
quadas para a educao. H problemas
de oferta de educao pblica nos graus
mdio e superior, persistindo dificuldades
para que amplas parcelas de jovens per-
severem na trajetria escolar, assim como
graves problemas de qualidade do ensino.
Apesar do crescimento de freqn-cia, mais da metade dos jovens (em tor-
no de 60%) j no est na escola. No ano
de 2005, 18,4 milhes de jovens entre 15
e 29 anos no haviam concludo o ensino
bsico e no estavam freqentando ne-
nhuma escola. Desses, 12,5 milhes no
tinham sequer concludo o ensino funda-
mental. Apenas a metade, aproximada-
mente, chega ao ensino mdio. Alm dis-
so, a defasagem idade/srie permanece
como grave problema, atingindo cerca de60% dos jovens estudantes.
Na maior parte dos documentos, tra-
ta-se de verificar em que medida o direi-
to fundamental educao est sendo
atendido, alm de examinar de que modo
as diferenas de acesso educao so
condicionadas pelas desigualdades (e as
reforam) existentes entre os diferentes
segmentos juvenis.
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
18/92
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
19/92
19Relatrio Nacional do Brasil
mos: 73% entre os jovens de mais baixa
renda e 72% entre os de renda mais alta.
J quando se considera o nvel de esco-
laridade, as mais altas taxas de jovens na
populao economicamente ativa (PEA)
esto entre os de mais baixa escolarida-
de (84% entre os jovens com at a quar-
ta srie do ensino fundamental) e os de
escolaridade mais alta (82% entre aque-les que tm o ensino superior). As maio-
res desigualdades aparecem com rela-
o possibilidade de encontrar trabalho
e qualidade do trabalho encontrada:
nessa faixa etria, o ndice de desempre-
go aumenta na proporo inversa ren-
da (cai de 47% nas duas primeiras faixas
de renda para 27% na ltima). O mesmo
com relao escolaridade: somente en-
tre os jovens com ensino superior que
a proporo de jovens trabalhando supe-
ra (quase dobra) a de desempregados ou
procurando emprego: 54% trabalhando,
22% j desempregados e mais 6% pro-
curando o primeiro emprego.
No entanto, ainda tmida a preocu-
pao com a qualidade do trabalho dos
jovens, uma vez que o debate fica pola-
rizado entre posies que defendem o
retardamento da entrada dos jovens no
mundo do trabalho enquanto se com-pleta sua escolarizao e os que bus-
cam afirmar a perspectiva de garantir o
direito ao trabalho.
Nos ltimos anos, o que emerge
como maior preocupao o segmen-
to dos que no estudam nem trabalham,
definido como a populao em situa-
o de maior excluso e vulnerabilidade
, que se transformaram no pblico-alvo
prioritrio para as aes emergenciais e
as polticas sociais.H, revelada por estudos qualitati-
vos e pelas demandas de grupos juvenis
de conformao cultural, uma crescente
percepo da importncia das dimenses
da cultura e sociabilidade na vida dos jo-
vens que devem ser consideradas para
a formulao das polticas. Na pesquisa
Perfil da Juventude Brasileira, 15% dos
entrevistados participavam de algum gru-
po de jovens, sendo que 7% deles parti-
cipavam de grupos de msica, dana e
teatro. Em 2003, um mapeamento rea-
lizado pela Prefeitura Municipal de So
Paulo identificou que dos 1.609 grupos
com participao de jovens, 35,8% dedi-
cavam-se a formas diversas de manifes-
taes artsticas.
As interpretaes que ganham peso nopas entendem que o lazer apresenta-se:
Como tempo sociolgico no qual a li-berdade de escolha preponderantee que se constitui, na fase da juven-tude, como campo potencial de cons-truo de identidades, descoberta depotencialidades humanas e exerc-cio de insero efetiva nas relaessociais. [...] No espao-tempo do la-zer, os jovens consolidam relaciona-mentos, consomem e re-significamprodutos culturais, geram fruio,sentidos estticos e processos deidentificao cultural. [...] Nos espa-
os de lazer, os jovens podem encon-trar as possibilidades de experimen-tao de sua individualidade e dasmltiplas identidades necessrias aoconvvio cidado nas suas vrias es-feras de insero social. As diferentes
prticas de experincia coletiva emespaos sociais pblicos de cultura elazer podem ser consideradas comoverdadeiros laboratrios onde se pro-cessam experincias e se produzemsubjetividades(Dayrell; Brenner; Car-rano, 2005).
Porm, ainda pouco incorporada
a idia de que a dimenso cultural deve
ser tomada como direito a ser garantido.
Geralmente, vista como meio de apro-ximao do pblico juvenil por meio do
uso de linguagens desenvolvidas no in-
terior das culturas juvenis ou como ele-
mento de desenvolvimento de recursos
pedaggicos no interior de programas de
formao para os jovens. Assim, ativida-
des culturais para jovens tm sido valori-
zadas como bons instrumento para ele-
vao da auto-estima, para afirmao do
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
20/92
20 Ibase | Plis
protagonismo juvenil e, em grande medi-
da, como recurso de anteparo ao envol-
vimento dos jovens com a violncia.
Com relao ao tema da participao,
h, ainda, uma viso cindida ou pelo
menos dbia na sociedade brasileira.
Por um lado, se manifesta a preocupao
com a baixa participao dos jovens, as-
sentada numa percepo ainda muito di-fundida sobre uma apatia e um desinte-
resse poltico existente nesta gerao. Por
outro lado, e esta a principal percep-
o entre os atores que compem o cam-
po do debate a respeito das polticas de
juventude, h a constatao da existn-
cia de uma grande vontade de participar,
da diversidade de formas que a participa-
o pode ter e do papel protagnico que
os jovens tm assumido e podem assu-
mir na definio das repostas que o pas
deve formular. Nesse sentido, tem cres-
cido muito a predisposio para acolher
a participao dos jovens, embora com
muitas limitaes.
Algumas informaes permitem ver
que um nmero significativo de jovens
tem participado de espaos de mobiliza-
o e debate: em 2003, o 48 Congresso
da Unio Nacional dos Estudantes (UNE)
reuniu 15 mil estudantes, sendo que 10mil eram delegados que representavam
alunos de todo o pas. A Conferncia Na-
cional de Juventude, convocada pela C-
mara Federal e realizada em Braslia, em
2004, reuniu 2 mil jovens, de vrias par-
tes do pas. O Festival Nacional da Ju-
ventude Rural, organizado pela Confe-
derao Nacional dos Trabalhadores da
Agricultura (Contag), em 2007, reuniu
5 mil jovens. Os acampamentos dos f-
runs sociais locais e mundial tm reunidomilhares de jovens no Brasil, chegando,
na ltima verso do Acampamento Inter-
continental de Juventude (AIJ), em Porto
Alegre, a 35 mil jovens.
Vrias pesquisas recentes tm a am-
plitude da diversidade dos motes de par-
ticipao dos jovens. O mapeamento re-
alizado pela Prefeitura de So Paulo, que
identificou a existncia de 1.609 grupos
com participao juvenil, revelou que
mais da metade deles (52,1%) forma-
da exclusivamente por jovens e que em
46,4%, embora tambm haja adultos,
eles formam a maioria. Alm do grande
nmero de grupos, chama a ateno a
diversidade de motivaes que levam
organizao desses grupos. A maior par-
te (35,8%) se rene em torno de dife-rentes manifestaes artsticas, mas par-
celas significativas se renem em torno
da religio (14,4%), do lazer (13,7%),
da ao social (12,6%), dos esportes
(7,3%), da poltica partidria (6,9%), da
educao (3,1%), da etnia (2,1%), da
sexualidade (1,3%) e de pessoas com
deficincia (0,7%).
1.3 AS DEMANDAS DOS JOVENS
Alm das identificaes das questes e
necessidades dos jovens apontadas pe-
los dados estatsticos constantes nos
diagnsticos, possvel produzir, tam-
bm, um levantamento sobre as deman-
das e os desejos expressos pelos jovens
brasileiros. Podemos contar com duas
vertentes de informao: por um lado,
demandas identificadas em situao depesquisa (o que poderia ser interpreta-
do como desejos dos jovens), captadas
em processos de consultas, pesquisas
quantitativas e qualitativas. Por outro, as
demandas expressas por diferentes ti-
pos de atores juvenis, as expresses p-
blicas de atores coletivos em espaos
sociais e polticos, tanto aquelas publi-
cizadas em cartas, documentos, mobi-
lizaes e aes de presso pblica por
entidades, organizaes e movimentosjuvenis, como as listas de reivindicaes
resultantes de processos de consulta/
construo de pautas coletivas por inte-
grantes de grupos, entidades e associa-
es juvenis, tais como nos seminrios
e oficinas do Projeto Juventude, do Vo-
zes Jovens, de fruns municipais e ou-
tros tipos de fruns e redes, seminrio
nacional etc.
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
21/92
21Relatrio Nacional do Brasil
As questes que podem ser desen-
volvidas aqui, principalmente para inves-
tigar at que ponto as demandas dos jo-
vens tm orientado a construo das
pautas pblicas, so: at que ponto esses
nveis coincidem e quais as diferenas
entre os diversos planos de formulao?
Quais ganham legitimidade e fora social?
A quais o Estado busca responder? Quaisso as assumidas e incorporadas por ou-
tros atores? Quais so as polmicas exis-
tentes em torno delas?
Para levantar o que aparece como
preocupao, interesse ou desejo (que po-
deriam ser considerados como informa-
es para perceber as demandas latentes)
dos jovens brasileiros, podemos lanar
mo dos resultados de duas pesquisas
feitas recentemente: Perfil da Juventude
Brasileira, realizada, em 2003, pelo Insti-
tuto Cidadania no bojo do Projeto Juventu-
de, e Juventude Brasileira e Democracia:
participao, esferas e polticas pblicas,
realizada, em 2005, pelo Instituo Brasilei-
ro de Anlises Sociais e Econmicas (Iba-
se) e pelo Instituto Plis. Embora tenham
usado metodologias e universos diferentes
(a primeira realizou pesquisa quantitativa
com 3.500 jovens de meio rural e urbano,
em pequenas, mdias e grandes cidades;a segunda realizou pesquisa quantitativa
com 8 mil jovens e pesquisa qualitativa,
com rodas de dilogos, envolvendo 913 jo-
vens de sete regies metropolitanas), as
duas nos do informaes sobre os jovens
em geral, que podem ser confrontadas
com aquelas advindas dos processos que
envolveram os jovens organizados ou dis-
postos a participar dos processos de deba-
te e consulta.
A primeira observao feita a par-tir da leitura cotejada dos resultados das
duas pesquisas que h concluses
muito semelhantes. So coincidentes os
resultados sobre o que mais preocupa os
jovens: violncia (e outras questes rela-
tivas segurana) e desemprego (e ou-
tras questes relativas s dificuldades
enfrentadas no mundo do trabalho) ocu-
pam primeiro e segundo lugar nos dois
levantamentos; a continuidade dos estu-
dos e a qualidade da educao, drogas,
misria e sade so outros problemas re-
feridos, mas tm ordens diferentes de
citao em cada uma delas. Por outro
lado, educao, trabalho e cultura e lazer
aparecem como temas que interessam e
mobilizam os jovens.
Tambm coincidente a anlise deque as demandas se configuram mais no
campo das questes sociais que na di-
menso relativa s liberdades polticas,
indicando que a experincia histrica da
gerao que vive a juventude na passa-
gem do milnio inclui, no seu mago, as
dificuldades relacionadas insero so-
cial. Como foi observado no relatrio final
da pesquisa Ibase/Plis:
A pouca enunciao espontnea ademandas por garantia de direitos ci-vis, tais como aquelas que se rela-cionam com o direito participaona vida pblica, e a forte referncia a
demandas sociais insatisfeitas ates-tam o estgio de espoliao urba-na ao qual a maioria dos jovens estsubmetida. Nesse contexto, o que seevidencia que a conscincia de di-reitos para esses jovens mais ime-
diatamente percebida no plano daquesto social do que na esfera dosdireitos relacionados com a vida cvi-ca e as liberdades fundamentais(Ri-beiro; Lnes; Carrano, 2005).
A interpretao dos dados da pesqui-
sa Perfil da Juventude Brasileira tambm
caminha nesse sentido:
Pode-se dizer que os jovens esto an-tenados com seu tempo histrico, em
que muito do debate poltico e dasmobilizaes sociais e disputas se pro-duzem em torno dos direitos sociais,ameaados de diferentes modos pelastransformaes desencadeadas na es-fera da economia e da poltica nos lti-mos anos(Abramo, 2005a).Com relao s demandas apresenta-
das por organizaes, movimentos juvenis
em processos de discusso, fruns etc.,
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
22/92
22 Ibase | Plis
preciso dizer que, a partir dos anos 1990,
comeam a ocorrer encontros de jovens
vinculados a certos setores para estrutu-
rar possveis formas de organizao e par-
ticipao no interior de organizaes mais
amplas ou para debater temas especficos,
prtica j comum nos setores estudan-
tis (que contam com uma srie de redes
e estruturas de articulao local, regionale nacional, como congressos da UNE, da
Unio Brasileira dos Estudantes Secunda-
ristas Ubes e das correspondentes en-
tidades estaduais; Conselhos Nacionais de
Entidades de Base Coneb; encontros de
estudantes universitrios por reas etc.).
Entre as organizaes religiosas, essa
prtica tambm mais consolidada. Des-
de 1995, a Pastoral da Juventude, por
exemplo, discute polticas pblicas para a
juventude. No campo sindical, o processo
se inicia em meado da dcada de 1990: o
primeiro encontro nacional da juventude
da Central nica dos Trabalhadores (CUT)
ocorre em 1996, apesar de ter se intensi-
ficado mais recentemente. No meio rural,
o processo parece mais consolidado, com
encontros peridicos e documentos ela-
borados pela Confederao Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura (Contag), Fe-
derao dos Trabalhadores na AgriculturaFamiliar do Estado (Fetrafe) etc.
Outros segmentos e movimentos tm
iniciado processos de encontro e debate,
como o da juventude negra, que realizou,
este ano, sua segunda conferncia, e o
movimento hip hop, que j realizou dois
encontros nacionais no interior do Frum
Social Mundial.
Nesses encontros, alm do levanta-
mento de bandeiras especficas dos jo-
vens, ocorrem processos de formaopoltica, discusso das bandeiras mais
gerais do setor ao qual esto vinculados e
de temas gerais da poltica nacional.
Por outro lado, durante todo a ltima
dcada, foram realizados encontros de re-
des de ONGs envolvendo jovens atendi-
dos em seus programas e/ou pertencentes
a grupos comunitrios apoiados por elas
(por exemplo, a iniciativa da Fundao
Kellogg, que resulta no Redes e Juventu-
des). Ao mesmo tempo, encontros, ofici-
nas e seminrios promovidos por agn-
cias internacionais, como aquelas ligadas
ONU, tambm incluram a participao
de jovens em projetos desenvolvidos por
ONGs, principalmente nos tema de sa-
de e sexualidade, meio ambiente, direitos
humanos, preveno violncia, gneroe raa. Tomadas como referncias de de-
mandas para polticas pblicas e aes da
sociedade civil (embora, nesse caso, en-
volvendo mais adolescentes que jovens
propriamente), as pautas dos encontros
so, fundamentalmente, os projetos envol-
vendo o protagonismo de jovens.
Esses processos, de linhas paralelas,
produziram listas de demandas e propos-
tas ainda pouco desenvolvidas e explici-
tadas e muito timidamente publicizadas.
Poucas geraram processos significativos
de mobilizao ou reivindicao pblica.
Foi a partir do ano 2000 que ocor-
reram, mais intensamente, certas expe-
rincias de encontros de grupos e orga-
nizaes juvenis, oriundos de diferentes
setores, em duas vertentes: em torno do
debate e da criao de canais para pol-
ticas pblicas e juventude, como j assi-
nalamos anteriormente, e em torno daslutas anticapitalistas, como os acampa-
mentos dos fruns sociais mundial, bra-
sileiro e do Nordeste.
Para termos uma rpida viso a res-
peito desse conjunto de demandas, usa-
mos como fonte um relatrio elabora-
do por um grupo de trabalho do Conjuve
com base nos seguintes documentos:
Projeto Juventude (Instituto da Cidada-
nia, 2004); Vozes Jovens (Banco Mun-
dial, 2004); Seminrios e Audincias P-blicas do Plano Nacional da Juventude. A
primeira observao nesse relatrio :
A demanda principal a demanda deincluso social, sendo a escola e o tra-balho considerados como fundamen-tais para essa incluso. Nesse sentido,a garantia de uma educao pbli-ca de qualidade para todos aparececomo a grande demanda prioritria.
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
23/92
23Relatrio Nacional do Brasil
A desigualdade no acesso educao citada como fator fundamental demanuteno de outras desigualdades.
A importncia do tema educao
pode ser percebida, tambm, pela ordem
e pelo volume de itens relacionados ao
tema na maior parte dos documentos re-
sultantes dos processos de consulta dasdemandas juvenis: sempre a primei-
ra mesa nos processos de debate, o pri-
meiro item nos documentos e o que re-
ne maior quantidade de reivindicaes e
contribuies.
O trabalho, no entanto, tem ocupado
lugar cada vez maior nas demandas, mas
de um modo diferente do ocupado pela
educao. Com menos clareza e insistn-
cia na ordem das reivindicaes, o de-
semprego aparece como um dos fatores
mais importantes a denunciar a preca-
riedade em que se encontra a juventude,
explicitada pelas altas taxas de desem-
prego entre os jovens. Desse modo, so
acionadas diversas bandeiras articula-
das busca de enfrentamento do desem-
prego, particularmente a necessidade
de criar mecanismos para a superao
das discriminaes sofridas pela condi-
o juvenil, como a questo da inexperi-ncia que dificulta o acesso ao primeiro
emprego. Demandas de apoio ao empre-
endedorismo juvenil e s alternativas de
economia solidria esto cada vez mais
presentes nas reivindicaes. Aparecem,
tambm, demandas relacionadas possi-
bilidade de articulao entre escola e tra-
balho muito fortemente, a de educao
profissional pblica e de qualidade.
importante notar que, associa-
dos a essa questo, documentos dos ato-res juvenis tm apresentado, de forma
destacada, a demanda por crescimento
econmico ou por outro modelo de desen-
volvimento, afirmando que a resoluo das
questes dos jovens s pode ser processa-
da se considerada nessa perspectiva.
Outra grande demanda diz respeito
participao dos jovens em vrias di-
menses, principalmente a de participar
das decises e do controle das polticas
pblicas.
A demanda por transporte aparece
constantemente, com expresses varia-
das na cidade e no campo: passe para
estudantes; passe para jovens; pas-
se para estudantes ou jovens para ati-
vidades alm da escola; passe livre; ga-
rantia de transporte rural para a escola;transporte para circulao entre proprie-
dades e municpios no meio rural, neces-
srio para trabalho e sociabilidade; pas-
se livre para pessoas que no conseguem
primeiro emprego etc.
A demanda por cultura se traduz em
demanda por equipamentos culturais di-
versificados e com infra-estrutura; ma-
nuteno dos equipamentos existentes;
incentivo e valorizao da produo cul-
tural dos jovens; formao e capacitao
na rea da cultura; possibilidade de apos-
tar na cultura como modo de insero
econmica; descentralizao das aes e
dos equipamentos culturais (incluso das
periferias); apoio para intercmbio cultu-
ral; democratizao do acesso cultura.
No tema relacionado ao esporte e la-
zer, so citados a criao de espaos e
programas dirigidos aos esportes pratica-
dos pelos jovens; a ampliao de reasde lazer; programas voltados para desen-
volvimento e no s para competio ou
especializao; espaos e programas no
meio rural e nas periferias das cidades.
Com relao a esse ponto, preci-
so dizer que se h congruncias entre as
muitas necessidades identificadas pelos
diagnsticos, entre as demandas laten-
tes captadas pelas pesquisas e aquelas
expressas publicamente pelos jovens, h
tambm alguns deslocamentos de pesoe ngulos entre os diferentes planos. Por
exemplo, a questo do trabalho aparece,
aqui, como tema mais demandado que
enfrentado por atores juvenis e gestores.
Os temas relacionados cultura e ao direi-
to circulao ainda no aparecem como
pontos to sensveis ou urgentes entre os
jovens nem como temas dignos de maior
ateno por parte dos gestores.
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
24/92
24 Ibase | Plis
2. SITUAES-TIPO ESTUDADASPara verificar, com mais cuidado, o sen-
tido dessas demandas, analisaremos osestudos de situaes-tipo nas quais elas
se ancoram. No caso do Brasil, decidi-
mos eleger seis situaes, descritas a se-
guir, com o objetivo de investigar as ques-
tes aqui assinaladas.
2.1. MANIFESTAES DOSESTUDANTES SECUNDARISTAS
CONTRA O AUMENTO DA TARIFADO NIBUS
A Revolta do Buzu Salvador Bahia agosto e setembrode 2003JLIA RIBEIRO DE OLIVEIRA E
ANA PAULA CARVALHO
A srie de manifestaes em resistncia
ao aumento do valor da tarifa do trans-
porte pblico, de agosto a setembro de2003, em Salvador, conhecida como A
Revolta do Buzu, foi protagonizada, prin-
cipalmente, pelos estudantes secundaris-
tas, em sua maioria das escolas pblicas
da cidade, e incorporou estudantes de n-
vel universitrio, de cursinhos preparat-
rios para vestibular e de ensino tcnico.
Esse movimento surpreendeu pela
massividade (reuniu cerca de 20 mil es-
tudantes) e pelo vigor com que foi sus-
tentado. Manteve-se por aproxima-damente 20 dias, com assemblias e
manifestaes pblicas (concentraes
e passeatas), paralisando vias principais
de circulao, causando alto impacto na
vida da cidade e nas suas relaes polti-
cas. considerado um marco na histria
local das organizaes, dos grupos estu-
dantis e dos jovens que dela fizeram par-
te, sobretudo pelo grau de envolvimen-
to dos manifestantes e da repercusso e
amplitude alcanadas. Essa manifestaose vincula, tambm, a outras semelhan-
tes ocorridas em outras capitais brasilei-
ras, revelando forte disposio de mobili-
zao dos jovens estudantes em torno da
demanda do direito circulao.
Alm da reivindicao pelo congela-
mento da tarifa, outras necessidades fo-
ram levantadas, como extenso da meia
passagem para os estudantes nos fins
de semana, feriados e frias; garantia da
meia passagem para estudantes de cur-
sos pr-vestibulares, supletivos e ps-gra-
duao (mestrado e doutorado); gratui-
dade da primeira via do carto de meia
passagem (Smart Card); revitalizao do
Conselho Municipal de Transporte e me-
lhoria dos transportes.
Vrios atores estiveram envolvidos,
principalmente entidades estudantis de
amplitude regional e nacional (UNE, Ubes
e a Associao dos Estudantes da Bahia Abes), os grmios das escolas estaduais
e as organizaes poltico-partidrias,
como as juventudes partidrias e as orga-
nizaes de inspirao anarquista. Hou-
ve divergncia sobre a conduo do movi-
mento, o que revela diferenas de postura
poltica e de compreenso sobre a defini-
o da demanda, o carter da representa-
o e o sentido poltico do acontecimento.
A divergncia revelou-se, fundamental-
mente, na postura em torno da negocia-o da demanda com o poder pblico
local: parte das lideranas (ligadas s enti-
dades gerais e aos partidos polticos) deci-
diu aceitar a proposio do poder pblico,
posio no aceita por muitas lideranas
locais e pela massa dos estudantes que
continuaram a mobilizao, que se esva-
ziou, depois de muitos dias, sem lograr o
atendimento da reivindicao.
24 Ibase | Plis
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
25/92
25Relatrio Nacional do Brasil
A identificao da questo do trans-
porte como poltica que abrange todaa famlia e a sociedade de modo ge-
ral foi um dos principais argumen-
tos utilizados e o que fez os estudan-
tes sustentarem as manifestaes por
tanto tempo e receberem grande apoio
da populao. Os trabalhadores, de
maneira geral, professores e at mes-
mo alguns policiais e motoristas de ni-
bus reconheciam a importncia do ato,
mesmo diante do imenso transtorno
causado na cidade.
2.2 OS TRABALHADORESJOVENS DO CORTE MANUAL DACANA-DE-ACAR
Jovens migrantes canavieiros:entre a enxada e o facoJOS ROBERTO PEREIRA NOVAES
A expanso recente da agroindstria ca-
navieira ao combinar mecanizao e
trabalho manual ampliou a deman-
da de trabalho temporrio, procurando
para o corte manual da cana,o trabalha-
dor migrante sazonal, principalmente os
jovens rapazes, que so potencialmente
mais produtivos. O foco do estudo des-
ta situao tipo so esses jovens, perten-
centes a famlias de agricultores pobres
do Nordeste, onde as oportunidades detrabalho so escassas. Por isso, migram
e buscam na safra da cana uma oportu-
nidade concreta de obter renda para si e
assegurar a sobrevivncia da sua famlia
na agricultura. Sua demanda , central-
mente, a de trabalho.
O corte manual da cana um traba-
lho duro e extremamente desgastante. O
padro de produtividade das usinas im-
pe a cada trabalhador o corte de 10 to-
neladas de cana por dia. Para cumprir ameta, o corpo precisa de resistncia fsi-
ca, da a necessidade de trabalhadores
jovens nos canaviais. O ritmo de trabalho
alucinante: os trabalhadores ficam no
limite da capacidade fsica, os proble-
mas de sade pelo excesso de trabalho
se agravam e no so raras as ocorrn-
cias de acidentes fatais. As demandas,
nesse sentido, dizem respeito s condi-
es de trabalho e se configuram, tam-
bm, no desejo de um trabalho melhor.
No h, aqui, identidade ou organizao
ancorada na categoria juventude, a no
ser em situaes e dimenses circuns-
critas (sociabilidade nas regies de ori-
gem, marcas corporais, desejos de con-
sumo e expectativas de mudana de
vida que carregam consigo). Os atores
com que se relacionam so os Sindica-
tos de Empregados Rurais e a Pastoral
dos Migrantes. importante salientar que os jovens
migrantes canavieiros com ou sem par-
ticipao sindical ou em movimentos so-
ciais se relacionam com dois conjuntos
de demandas: o trabalho na agricultura
familiar e o trabalho assalariado.
Mesmo sem a existncia de um ator
juvenil envolvido nesta situao-tipo, a
escolha se justifica pela atualidade do de-
bate pblico que tem colocado em pau-
ta a produo do etanol e seus benefcioscomo fonte energtica e que, via de re-
gra, no se detm na questo do trabalho
(do fator humano) nas plantaes cana-
vieiras. Por outro lado, jovens trabalhado-
res assalariados da cana so quase invis-
veis no debate sobre polticas pblicas de
juventude. Se os jovens rurais j se res-
sentem do lugar que seus problemas es-
pecficos ocupam na hierarquia das
25Relatrio Nacional do Brasil
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
26/92
26 Ibase | Plis
demandas juvenis, podemos dizer que a
juventude dos trabalhadores assalariados
da cana recorrentemente ignorada.
2.3 GRUPO DE HIP HOP
A Famlia do Morro do Bom Jesus
(FMBJ) Caruaru PernambucoROSILENE ALVIM E ADJAIR ALVES
O hip hop tem se desenvolvido como
uma das mais expressivas e vigorosas
culturas no interior da qual se organizam
os jovens vivendo em situao de exclu-
so e discriminao na sociedade brasi-
leira. Apesar de ter aparecido (e ainda ser
majoritariamente) como um fenmeno li-
gado aos jovens negros das periferias das
grandes metrpoles do Sudeste do pas,
extrapola, hoje, esses contornos e se tor-
na referncia e canal de expresso tam-
bm para jovens de outras regies e con-
figuraes urbanas. A Famlia MBJ surgiu
no incio dos anos 2000, em um bairro
pobre da cidade de Caruaru, no interior
de Pernambuco, estado do Nordeste do
Brasil, como uma espcie de comisso
coordenadora de uma dzia de grupos
de hip hop do bairro.Sua demanda principal a incluso
e o reconhecimento social, buscando,
fundamentalmente, a superao da dis-
criminao e da excluso por serem po-
bres, negros e moradores de regies so-
cialmente desprestigiadas. Porm, essa
demanda congrega vrias outras, como
educao mais inclusiva e de qualida-
de, acesso a um trabalho digno, condi-
es para a produo e expresso cultu-
ral, possibilidade de construo de umaperspectiva de vida que no seja minada
pela violncia (criminal e policial).
As formas de atuao esto funda-
das, principalmente, na expresso artsti-
ca (o rap, os grafites, o break), por meio
da qual expressam demandas, denncias
e viso de mundo, visando construir al-
ternativas centradas, principalmente, na
busca por conquista/melhoria/transforma-
o de equipamentos para o atendimen-
to de suas necessidades (escola, centro
cultural, cursos profissionalizantes) e de
outros jovens da comunidade. Seus inter-
locutores so, nesse sentido, autoridades
e representantes do poder pblico local.
H, tambm, uma forte relao de con-
flito com as foras policiais, e o tema da
violncia sofrida constante.
2.4 TRABALHADORES DOTELEMARKETING E A DEMANDAPOR TRABALHO
Demandas de jovens no mun-do do trabalho urbano: jovens,sindicato e trabalho no setor detelemarketingCARLA CORROCHANO E RICA NASCIMENTO
O setor de telemarketing um dos que
mais tm crescido, nos ltimos anos, no
bojo das mudanas provocadas pelo avan-
o das tecnologias da informao, pela
privatizao dos setores de telecomuni-
cao e adoo da terceirizao. Repre-
senta um nicho de mercado de trabalho
para os jovens, principalmente para aque-
les oriundos de famlias de baixa rendae que lograram alcanar uma escolariza-
o maior que a de seus pais, concluindo
o ensino mdio. O trabalho como operador
de telemarketing representa, muitas vezes,
o primeiro emprego formal e se configu-
ra como uma sada para a forte demanda
por um trabalho que permita a concilia-
o com a continuidade dos estudos (em
funo da jornada ser de 6 horas). As du-
ras condies e a desvalorizao do tra-
balho (ritmo intensivo, alto nvel de estres-se, assdio moral, baixos salrios), porm,
engendram lutas sindicais especficas e
abrem a discusso sobre a qualidade do
trabalho e a demanda por um trabalho de-
cente, ainda pouco desenvolvida no cam-
po de debate sobre a juventude.
Os atores presentes so os sindica-
tos da categoria (existem dois em So
Paulo. O escolhido para a pesquisa foi
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
27/92
27Relatrio Nacional do Brasil
o Sindicato dos Trabalhadores em Tele-
marketing Sintratel , que se apresen-
ta como um sindicato to jovem quanto
sua categoria) e os coletivos juvenis das
centrais sindicais, principalmente a CUT,
qual o Sintratel filiado. Foram anali-
sados, neste estudo, tanto a expresso
das desmandas dos jovens trabalhadores
como a dos sindicalizados e suas lideran-as jovens e adultas. O resultado permi-
te constatar as mesmas polmicas e os
mesmos debates que marcam o cenrio
nacional a respeito do tema do trabalho
para os jovens, revelando, principalmen-
te, que a configurao das demandas e
do entendimento do trabalho como um
direito dos jovens est, ainda, em pro-
cesso de disputa e formatao.
2.5 FRUM DE JUVENTUDES DORIO DE JANEIRO FJRJ
ANA KARINA BRENNER
Desde meado dos anos 1980, vem se
compondo um campo de aes de or-
ganizaes da sociedade civil (principal-
mente ONGs, mas tambm entidades
ligadas a movimentos sociais e entida-des empresariais) voltado para crianas
e adolescentes em situaes variadas de
desvantagem social (principalmente, os
moradores de favelas e bairros das peri-
ferias urbanas), que desenvolve projetos
sociais de diferentes escopos, mas cen-
trados na perspectiva de um resgate das
situaes de vulnerabilidade e risco e no
oferecimento de alternativas de incluso
e desenvolvimento de vnculos de cida-
dania. Nos ltimos anos, aumentou o n-mero de projetos desse tipo voltado para
jovens e cresceu o envolvimento desses
atores no campo do debate a respeito
das polticas de juventude.
O Frum de Juventudes do Rio de
Janeiro (FJRJ) se estruturou, no incio
dos anos 2000, com a perspectiva de
congregar militantes e jovens atendidos
pelas entidades responsveis por esses
projetos, participar dos debates e incidir
na formulao de polticas. Na formao
atual, congrega dez entidades com pre-
sena mais permanente, alm de um n-
mero no preciso de colaborao even-
tual. Tem como principais bandeiras a
discusso sobre as polticas pblicas de
juventude e a participao dos jovens em
espaos de definio e elaborao des-sas polticas. Alm de participar de certos
mbitos onde tal debate se desenvolve,
realiza, peridica e itinerantemente, En-
contros de Galeras, com o objetivo de
desenvolver a discusso dos temas e das
demandas com os jovens em locais prxi-
mos aos bairros onde eles moram.
As demandas dos jovens que par-
ticipam de projetos, a forma como elas
tm sido consideradas no debate pbli-
co e de que modo a constituio de um
ator como FJRJ tem possibilitado que os
jovens se configurem como sujeitos de
participao poltica na definio das po-
lticas a eles dirigidas so questes de-
senvolvidas nesse estudo.
2.6 O ACAMPAMENTOINTERCONTINENTAL DA JUVENTUDE
(AIJ) DO FRUM SOCIAL MUNDIAL(FSM): EXPERINCIA DE UMA NOVAGERAO POLTICA
NILTON BUENO FISCHER, ANA MARIA DOS
SANTOS CORRA E MRCIO AMARAL
O Acampamento Intercontinental da Ju-
ventude foi um espao organizado por jo-
vens durante a realizao das edies
do Frum Social Mundial em Porto Ale-
gre. Foi, em primeira instncia, propos-to como um modo de garantir e ampliar a
participao dos jovens nesse importan-
te acontecimento dos movimentos empe-
nhados na afirmao da possibilidade da
transformao do mundo. Porm, carac-
terizou-se, na sua realizao e posterior
proposio, como um territrio juvenil de
prticas e experincias dos mais diversos
grupos e movimentos juvenis em torno de
8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil
28/92
28 Ibase | Plis
diferentes demandas na direo de um
outro mundo possvel. Surpreendeu pela
capacidade de convocao (reuniu 2 mil
jovens na primeira edio, em 2001, e
35 mil na quinta edio, em 2005) e pelo
vigor utpico, ensejando o desenvolvi-
mento de uma srie de proposies ex-
perimentadas na prtica, tais como a de-
mocracia direta, a economia solidria e aauto-gesto.
Reuniu diversos movimentos e gru-
pos juvenis: partidos e movimentos as-
sociados a um posicionamento poltico
de esquerda, MST, entidades de repre-
sentaes estudantis e sindicais, pas-
torais da juventude, jovens de militn-
cias e organizaes autnomas ligadas
a temticas sociais e culturais especfi-
cas (movimento hip hop, punksetc.), jo-vens de movimentos antiglobalizao e
anticapitalistas, diversos grupos de ins-
pirao anarquista etc. O acampamen-
to favoreceu a convergncia desses dife-
rentes grupos, mantendo sua identidade
e seu posicionamento, sem criar uma
sntese nica, mas uma leitura diversifi-
cada, fortalecida por meio de prticas so-
ciais alternativas ao capitalismo que fo-
ram amplamente discutidas e postas em
voga, caracterizando um espao de con-gruncia de intencionalidades e, ao mes-
mo tempo, de dilogo de diversidades.
O ator estudado nessa pesquisa foi
o Comit Organizador do Acampamen-
to (COA), formado por jovens de diferen-
tes comisses de organizao do acampa-
mento e cerca de uma dezena de jovens
do estado do Rio Grande do Sul, respon-
sveis pela organizao de todas as edi-
es nacionais, assim como pela sistema-
tizao da experincia. Eles acabaram porconstituir um grupo com demanda e pro-
posio poltica prprias, o que deu forma-
tao experincia dos acampamentos.
O presente relatrio foi elaborado com
base nas informaes e reflexes elabora-
das nesses seis relatrios de situaes-tipo
desenvolvidas no Brasil. Cada uma delas
foi desenvolvida por uma equipe diferente,
em uma cidade diferente. Apesar da pers-
pectiva e do roteiro de investigao co-
muns, cada uma das situaes foi pesqui-
sada de um modo singular, em funo da
peculiaridade do caso e dos recursos dis-
ponveis. Alguns obstculos e, principal-
mente, a limitao de tempo impuseram a
necessidade de realizar recortes e rearran-
jos no planejamento original. Em alguns
casos, entrevistas desmarcadas em cimada hora no puderam ser, de novo, pro-
gramadas. Algumas contaram com maior
possibilidade de pesquisa documental, se-
gundo a existncia de fontes mais ou me-
nos disponveis. Outras tiveram que fazer
uma reconstituio histrica, por se tratar
de fato ocorrido h alguns anos, ou con-
taram com material de outras relaes de
investigao, devido relao do pesqui-
sador com o objeto ser de longa data.
Em alguns casos, a disputa pelas ver-
ses e interpretaes do fato investigado
exigiu cuidados redobrados e ocupou boa
parte do esforo interpretativo. Tambm
importante dizer que cada equipe de
investigao apresentou um tipo de pro-
blematizao, que tentaremos apresen-
tar no decorrer deste relatrio. As cita-
es a esses estudos aparecero com as
referncias do autor e do ano indicados
na bibliografia. Para mais detalhamentos,podem ser consultados os relatrios dos
respectivos estudos.
O esforo de investigao e anlise
apresentados neste relatrio, com base
nos estudos das situaes acima des-
critas, esto voltados para compreen-
der as demandas dos jovens e as carac-
tersticas dos atores que as sustentam:
como se expressam tais demandas e
que mobilizaes engendram; que ato-
res as sustentam, que tipo de organiza-o e com que identidade as sustentam;
como so ou no absorvidas pela socie-
dade, que apoios e oposies desenca-
deiam, como so ou no respondidas
pelas polticas pblicas dirigidas aos j