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Relatório de Cidadania II Rede de Observatórios de Direitos Humanos Os Jovens, a Escola e os Direitos Humanos

Relatório de Cidadania II – Os Jovens a Escola e os Direitos ......elaboração do Relatório de Cidadania e de um novo número do informativo LUPA, este último com uma linguagem

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  • Relatório deCidadania II

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  • Relatório de Cidadania II

    Os Jovens, a Escola eos Direitos Humanos

  • Projeto Rede deObservatórios deDireitos Humanos

    Fase II

    Comitê Diretivo: Dr. Walter Franco, Coordenador do dasNações Unidas e Representante Residente do Programa dasNações Unidas para o Desenvolvimento, PNUD; Prof. Dr.Ignacy Sachs, Diretor Honorário do Centro de Pesquisa so-bre o Brasil Contemporâneo, CRBC, Paris; Malak Poppovic,Assessora Especial do Conselho do Comunidade Solidária eProf. Dr. Paulo Sérgio Pinheiro, Coordenador do Núcleo deEstudos da Violência NEV - CEPID/FAPESP/USP (licenciado).

    Coordenação do Projeto: NEV - CEPID/FAPESP/USP, eparceria com o Instituto Sou da Paz.

    Organizações participantes: Grupo Arco; AssociaçãoChico Mendes; Movimento Itapecericano de Luta contra aAIDS (Milca), União dos Núcleos e Associações de Morado-res de Heliópolis (Unas).

    Grupo Executivo: Fernando Salla e Marcelo Daher (coor-denadores); Pedro Guasco e Renato Antônio Alves.

    Monitores: Ângela Meirelles, Cristina Hilsdorf, EvandroSantos, Moisés Baptista, Raquel Amadei.

    Colaboradores: Beatriz Arantes, Roberto Camargo dosSantos e Viviane Nascimento.

    Jovens Observadores: Rogério Nascimento Campos,Everton Ferreira Sales, Rui da Costa Machado, Tatiane Gonçal-ves de Souza, Edileide Nascimento Santos, Daniela Sabino,Valteir Pereira, Jefferson Bueno, Marcela Marques do Nasci-mento, Luiz Alberto Nascimento, Marcileide Maria da Silva,Marli Maria da Silva, Cléia Barbosa Varges, Keteli Cristina Cottade Oliveira, Natália de Jesus Nascimento, Luciana Q. da Silva.

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    Agradecimentos

    A todos os jovens que participaram com tanto entusiasmo desse projeto.Ao embaixador José Gregori, ex- Ministro da Justiça e a Anna Samico, sua ex-chefe de gabinete.

    A Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e ao embaixador Gilberto Sabóia,ex-Secretário de Estado.

    À Carmelina dos Santos Rosa, Chefe de Gabinete da Secretaria de Estado dosDireitos Humanos.

    À Mary Robinson, ex- Alta Comissária das Nações Unidas para os DireitosHumanos.

    A Thord Palm Lund e Patrick Van Weerelt do Human Rights Strengthning(Hurist), do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

    A José Carlos Libânio, Maria Celina Berardinelli Arraes, Carlo Jacobucci e JuremaVarejão, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

    A Christoph Ernst, da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

    A Humberto Lopes e Danielle Renée Machado de Oliveira, da CoordenaçãoGeral da Cooperação com Organismos Internacionais da Secretaria de Estadodos Direitos Humanos.

    Ao professor Sérgio Adorno, Coordenador Científico e à professora NancyCardia, Coordenadora de Pesquisa, e aos pesquisadores Andrei Koerner e Gui-lherme de Almeida, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade deSão Paulo NEV-CEPID/FAPESP/USP

    A Denis Mizne, Luciana Guimarães e José Marcelo Zacchi, coordenadores doInstituto Sou da Paz,

    Às Associações que participaram do projeto e seus líderes, especialmente, JoséAparecido Martins de Souza e Manuelito Rodrigues da Silva da AssociaçãoChico Mendes, Solange Agda da Cruz da UNAS, Sidney Vinha da AssociaçãoArco e Mary Ângela Castilho Martins da MILCA.

    A Tatiana Amendola Didion, Fernando Faria, Sérgia Santos e Jucília Pereira dostaff do Núcleo de Estudos da Violência.

    À Beatriz Arantes, voluntária, que colaborou na primeira etapa do trabalho.

    A Antenor Vaz e Gabriela Goulart, que colaboraram com a produção do se-gundo número do LUPA.

    À Organização Imagemagica, responsável pela Oficina de Fotografia.

    Aos especialistas que comentaram os trabalhos desenvolvidos pelos jovensobservadores, Ana Paula Corti, Eduardo Brito, Prof. Dr. Elie Ghanem, Profa.Dra. Flávia Schilling, Profa. Dra. Izabel Galvão, Genecy Raimundo Leal, Dra.Maria Cristina Vicentin e Profa. Dra. Maria Helena Souza Patto.

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    Sumário

    Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

    Introdução Geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

    Quem somos e onde estamos? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

    Como trabalhamos? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

    Escola e Violência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

    Escola, Cultura e Lazer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75

    Propostas e sugestões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

    Escolas Observadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105

    Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111

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    Ao longo do ano 2000, na região Sul da cidade de São Paulo, foram dados osprimeiros passos para a implantação de um amplo projeto denominado Rede de Ob-servatórios de Direitos Humanos. A iniciativa ganhou força a partir do apoio do AltoComissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas, que nele reconheceu uma alternati-va para o fortalecimento do monitoramento qualitativo da situação dos direitos humanosno nível local.

    Os principais objetivos do projeto eram promover a observação das violações de direi-tos humanos nas comunidades selecionadas, envolvendo os jovens a elas pertencentes,transformar as informações levantadas num relatório para ampla divulgação no qual osprotagonistas da observação pudessem apresentar a sua percepção das violações vividas noseu cotidiano. Os Observatórios pretendiam, igualmente, identificar as boas práticas emrelação à promoção e proteção aos direitos humanos, além da constituição de um espaçopara a difusão da pauta dos direitos humanos nessas comunidades.

    A implementação do projeto dos Observatórios tem revelado a possibilidade de umanova forma de abordagem dos direitos humanos. A proposta de se envolver, como protago-nistas dessa discussão, grupos de jovens que se debruçam sobre o seu próprio cotidianotrouxe o desafio de conciliar o levantamento de informação e a formação em direitos huma-nos. Essa conjugação é a marca característica do projeto. Em cada atividade do Observató-rio são indissociáveis esses dois aspectos, afinal não se trata de apresentar aos jovens umaconcepção formal de direitos humanos, mas sim de construir, a partir da experiência vividade cada um, uma nova noção sobre esses direitos.

    Uma vez que o ponto de partida do trabalho dos Observatórios não é conceitual maso cotidiano dos jovens, a experiência da indivisibilidade dos direitos humanos tem se apre-sentado de forma inescapável. Todo o trabalho já realizado pelos observadores demonstrounão haver sentido em fragmentar os temas dos direitos civis e políticos dos econômicossociais e culturais. Desde o início do projeto, mesmo quando foram trabalhados temasespecíficos, as inúmeras falas registradas pelos observadores deram a dimensão concretapara a discussão da indivisibilidade dos direitos.

    Finalmente, o projeto está baseado em uma proposta de diálogo que é fundamentalpara a consolidação do monitoramento dos direitos humanos. A articulação entre gruposde jovens, universidade, organizações da sociedade civil, associações comunitárias, agênci-as governamentais e internacionais, abre espaço para um diálogo inovador e determinantepara a ampliação da luta pela defesa dos direitos humanos e da cidadania. Nesse sentido,quando foi implementado em 2000, o projeto piloto teve um caráter de aprendizado paratodos esses atores.

    Os sucessos e resultados alcançados no piloto foram consolidados nessa etapa queaqui apresentamos. Os apoios do programa Human Rights Strenghtening - uma agêncialigada ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos e ao Programadas Nações Unidas para o Desenvolvimento - e da Secretaria de Estado dos Direitos Huma-nos, do governo brasileiro, foram fundamentais para que fosse sistematizada umametodologia de trabalho que permitisse a replicação da proposta dos Observatórios, defi-

    Apresentação

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    nindo tanto o percurso da formação dos grupos de observadores, como as bases para aelaboração do Relatório de Cidadania.

    A experiência aqui relatada permitiu a formulação de um novo projeto que ampliou a áreade atuação da Rede de Observatórios de Direitos Humanos no Brasil. Com a cooperação estreitaentre a Secretaria de Estado de Assistência Social (graças à Secretária de Estado de AssistênciaSocial, Dra.Wanda Engel e ao ex-Secretário de Política de Assistência Social, Dr. Marcelo Garcia)e a Secretaria de Estado de Direitos Humanos, desde abril de 2002 a Rede de Observatóriosganhou mais diversos integrantes – atualmente estão em funcionamento 27 grupos de observa-dores nas cidades de São Paulo e Diadema (SP), Rio de Janeiro e Nova Iguaçu (RJ), Vitória, Serra,Cariacica (ES), Salvador, Itaparica, Vera Cruz (BA), Belém (PA), Recife, Arcoverde Alagoinha ePesqueira (PE). Cada região é coordenada por uma organização da sociedade civil local que, emparceria com outros grupos, vem implementando a metodologia aqui apresentada, totalizandocerca de 135 jovens diretamente envolvidos em Rede com a proposta de elaborar um novoRelatório de Cidadania com abrangência nacional.

    Este segundo Relatório de Cidadania traz um diagnóstico da situação de algumasescolas em relação aos temas da violência e do acesso à cultura e ao lazer. Escolas que,inseridas em um contexto de sobreposição de violações de direitos humanos, representamum papel fundamental na trajetória dos jovens dessas comunidades. Tanto para aquelesque serão os protagonistas da violência, como para aqueles que apontarão caminhos paraa sua superação. Além de serem por excelência, um dos mais importantes espaços para oacesso à cultura e o lazer.

    Tal como no primeiro Relatório, as falas e depoimentos tornam presentes o olhar e apercepção dos jovens sobre o papel dos moradores da comunidade, dos alunos, dos profes-sores, dos diretores, dos policiais em relação ao espaço da escola. Descreve com detalhes opanorama de escolas que, incapazes de se constituírem enquanto espaços públicos, vivema degradação do seu espaço físico, a precariedade dos equipamentos e a sua transformaçãoem espaços fortificados, com grades, câmeras e muros altos. Mostra também, como a esco-la desempenha um papel relevante na promoção das atividades de cultura e lazer para osalunos e para a comunidade e aponta novos rumos para ampliar essa participação.

    A publicação do segundo Relatório cumpre a tarefa fundamental de trazer para diver-sas esferas da sociedade um diagnóstico desses temas, partindo de uma percepção diferen-ciada. Contribuindo assim para uma melhor compreensão da situação dos direitos huma-nos no país e também para a formulação de políticas públicas voltadas para a escola, emrelação às questões de segurança e do acesso à cultura e ao lazer.

    Fernando Salla

    Marcelo Daher

    Apresentação

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    O segundo Relatório de Cidadania é o resul-tadode mais uma etapa de trabalho, realizada emSão Paulo entre os meses de novembro de 2001 e maiode 2002, dentro do processo de constituição e conso-lidação da Rede de Observatórios de Direitos Huma-nos. O projeto vem sendo coordenado pelo Núcleode Estudos da Violência e foi implementado em par-ceria com o Instituto Sou da Paz.

    Nessa etapa de trabalho, contou-se com os re-cursos do Programa Hurist (Human RightsStrengthening) do Alto Comissariado das Nações Uni-das para o Desenvolvimento. Desde a etapa piloto, oprojeto vem também contando com os apoios da Se-cretaria de Estado dos Direitos Humanos, do Ministé-rio da Justiça, e do Programa das Nações Unidas parao Desenvolvimento (PNUD).

    Os Observatórios são formados por grupos dejovens, sediados em associações comunitárias, queacompanhados por universitários, pesquisadores e es-pecialistas em direitos humanos, desenvolvem levan-tamentos sobre a situação de suas comunidades emtemas ligados aos direitos humanos. A partir de en-trevistas, debates e leituras, os grupos de observado-res registraram e sistematizaram informações para aelaboração do Relatório de Cidadania e de um novonúmero do informativo LUPA, este último com umalinguagem voltada para o público jovem.

    No primeiro Relatório de Cidadania, os quatrogrupos de jovens apresentaram o resultado de sua ob-servação sobre o direito à cultura e ao lazer, direito àsegurança, direito ao trabalho e direito à educação.Cada grupo levantou informações sobre a situação deum desses direitos na sua comunidade, a partir da per-cepção dos vários atores envolvidos em cada um de-les, e os apresentou naquele Relatório.

    Para a elaboração do presente Relatório, a pro-posta era consolidar a metodologia esboçada a partirdo piloto. Assim, vários foram os desafios que se colo-caram desde o início do trabalho. Um dos primeirosdesafios estava relacionado à escolha de dois caminhospossíveis: manter as atividades com os mesmos grupose aprofundar o trabalho de observação nas comunida-

    Introdução Geral

    des ou montar uma nova experiência, envolvendo ou-tros grupos, outros temas, outras localidades. O cami-nho seguido foi o de trabalhar com os mesmos grupose nas mesmas localidades para que se aprofundassemos temas abordados no piloto. Foram, assim, mantidosos quatro grupos de jovens. Três distribuídos na zonaSul de São Paulo, nos bairros do Capão Redondo, Jar-dim Ângela e Heliópolis e um no município deItapecerica da Serra, no bairro do Jardim Jacira.

    Alguns novos jovens se juntaram àqueles que ha-viam participado da fase anterior. Novas informaçõessobre os temas anteriormente trabalhados foram colo-cadas à disposição dos jovens e mais conhecimentossobre direitos humanos foram proporcionados paraaprimorar a capacidade de observação dos grupos. Osjovens passaram a dar maior atenção para a identifica-ção de iniciativas, governamentais e não-governamen-tais, de promoção e proteção aos direitos observados.

    Além disso, foi alterada a forma de trabalho. Osquatro grupos passaram a atuar de forma mais inte-grada e os temas passaram a ser os mesmos para to-dos. Logo no início do trabalho, foi feita, em conjun-to, a opção de se retomar parte do conteúdo levanta-do no primeiro Relatório da Cidadania, mas se con-centrando em um espaço específico - as escolas públi-cas. Assim, a escola foi o ponto de articulação da ob-servação sobre os problemas de violência e de acessoà cultura e ao lazer (dois temas presentes também noprimeiro Relatório).

    O Relatório apresenta as principais informaçõeslevantadas em cinco meses de observação, divididasem sete itens. No primeiro, Quem Somos e OndeEstamos?, estão descritas as histórias de vida dos ob-servadores, suas associações e alguns indicadores so-bre a situação sócio-econômica dos distritos em quese situam as comunidades envolvidas. Em seguida, emComo Trabalhamos?, descreve-se o processo de tra-balho. Nos itens Escola e Violência e Escola, Cultura eLazer está reunido o conjunto principal das informa-ções observadas nas quatro comunidades, além doscomentários elaborados por especialistas nesses temas.Em Propostas e Sugestões apresentamos algumas idéi-as para a melhoria das escolas, construídas a partir

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    das discussões feitas com os grupos. E, finalmente, emEscolas Observadas, detalhamos as características dasescolas presentes nesse relatório.

    Com exceção do item Como trabalhamos?, queapresenta alguns aspectos das discussões realizadas pelaequipe de coordenadores e monitores sobre o processode trabalho, todos os demais itens deste Relatório fo-ram construídos a partir das informações levantadas,analisadas e registradas pelos jovens observadores.

    Grande parte das informações contidas nesteRelatório foi obtida a partir dos depoimentos das ex-periências que os próprios observadores viveciarame das entrevistas que realizaram com os vários atoresque se relacionavam com o tema abordado. Estes de-poimentos e entrevistas eram escritos pelos jovens,discutidos com seus monitores, demais observadorese coordenadores e, quando necessário, eram por elesreescritos, ajustando-os e complementando-os, paraserem utilizados no Relatório de Cidadania. Neste sen-tido, especial destaque se dá aos itens Escola e Vio-lência e Escola e Cultura e Lazer, onde está a maiorparte deste material levantado, discutido e trabalha-do pelos jovens.

    Como veremos, espaço fundamental para a socia-bilidade dos jovens, a escola é também, em diversas co-munidades, a única presença do poder público. Presen-ça que nem sempre contribui para a redução dos níveisde violência ali existentes, sendo ela mesma palco deagressões, foco de aumento das tensões entre os jovens.Presença que também não favorece, em muitos casos, apromoção de atividades de cultura e lazer para os alu-nos e para a comunidade como um todo.

    Esperamos que este Relatório possa auxiliar na dis-

    cussão sobre a situação das escolas, não apenas visandoa superação da violência ou a sua abertura para ativida-des de lazer e cultura, mas tornando-as um espaço defortalecimento da cidadania e exercício constante e co-tidiano dos direitos humanos. Nesse sentido, a reflexãoaqui descrita apenas abre mais uma janela para essedebate. Imaginamos que para se tornar efetiva a cons-trução do espaço escolar democrático é urgente que odebate sobre a situação dessas instituições seja perma-nente, envolvendo os novos atores que, a cada ano,entram e saem do espaço escolar.

    Neste ano, a partir da experiência dos gruposque prepararam este Relatório, a Rede de Observa-tórios de Direitos Humanos ganhou novas dimensõesexpandindo-se para seis capitais e mais uma propos-ta piloto na área rural. O desafio de sistematizar ametodologia de trabalho para a replicação nessaexpansão também marcou esse trabalho. Nossa ex-pectativa é que tanto essa metodologia, como o pró-prio Relatório estimulem novos debates, permitindoque cada vez mais, as propostas de diálogo e refle-xão trazidas pelos Observatórios possam ser aperfei-çoadas em novos contextos.

    Nesse sentido, os jovens têm um papeldeterminante como protagonistas desse debate. Pro-tagonistas não como entes isolados, que fazem e pro-põem apenas aquilo que lhes desperta interesse, massim como interlocutores de um diálogo, que apresen-tam seu ponto de vista e que procuram “observar” erespeitar as visões de outras pessoas, muitas vezes,dissonantes das suas. Partindo do olhar sobre a suaprópria experiência de vida, podem analisar e se apro-ximar de temas que não são apenas relevantes paraseus grupos, mas sim para a própria compreensão dosentido dos direitos humanos.

    Introdução Geral

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    Quem somos eonde estamos?

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    Jardim Ângela

    Marcela Marques do Nascimento

    Meu nome é Marcela Marques do Nascimento, tenho 21anos, nasci em Recife no dia 29 de janeiro de 1981 e vim paraSão Paulo, com meu pai, aos 6 anos de idade.

    Meus pais são separados desde que eu tinha 4 anos. Estudei nocolégio José Dias da Silveira, no Brooklin, até a 4ª série, depois meuspais mudaram para o Jardim Horizonte Azul, onde eu moro há 8anos. Fiz o ensino fundamental no colégio Amélia Kerr Nogueira,porque é o colégio mais próximo de onde moro. Como, na época, sóhavia ensino fundamental no Amélia, completei o ensino médio nocolégio José Lins do Rego, que ficava a meia hora de ônibus de casa.

    Meus pais nasceram em Pernambuco e os dois têm o primeiro grauincompleto. Meu pai trabalha como segurança e minha madrasta tra-balhou em uma loja de calçados por 10 anos, mas agora está desem-pregada. Ambos são católicos. É meu pai que sustenta a casa. Minhamãe biológica mora no Rio de Janeiro há 13 anos com o marido dela eminhas duas irmãs por parte de mãe e uma outra irmã, filha do meupai com minha madrasta.

    Eu gosto muito de onde moro porque é tranqüilo. Eu conheço todomundo e me dou bem com a maioria das pessoas. Para o futuro, eu

    Luiz Alberto Nascimento

    Meu nome é Luis Alberto do Nascimento, tenho 19 anos.Nasci em São Paulo, em 14 de junho de 1982 e moro commeus pais e meu irmão. Fiz o pré-primário no colégio Orlando Men-des de Moraes e morei por 9 anos no Jardim Vera Cruz. Moro noJardim Horizonte Azul há 11 anos. Estou cursando o terceiro ano doensino médio na escola Amélia Kerr Nogueira onde estudo desde aprimeira série do ensino fundamental.

    Meus pais vieram da Bahia há 28 anos. Moraram três anos emGuarulhos e se conheceram quando já moravam no Jardim Vera Cruz.Namoraram durante quatro anos e se casaram. Meu pai chama-sePaulo, é mecânico e tem o ensino fundamental incompleto. Minhamãe chama-se Jailma, é artesã, ela faz bonecas em uma cooperati-va e tem o ensino médio completo. Ambos são católicos e arcamcom as despesas da casa.

    Eu não gosto de onde moro porque não me dou muito bem com aspessoas. Penso em fazer uma faculdade de estilismo (designer), tra-balhar nesta área de moda e morar sozinho. Não tenho pretensãode casar, mas quero ter um filho.

    sonho em fazer uma faculda-de de moda, trabalhar naárea, casar, ter 2 filhos e daruma vida digna para eles.Meu hobby é escutar música,passear e namorar. Comeceia trabalhar com 18 anos comooffice-girl e depois como au-xiliar de escritório numa em-presa de contabilidade.

    No projeto, eu adorei ser ob-servadora. Eu gostei de passar por esta experiência porque, além deter aprendido várias coisas interessantes, pude também ouvir o pes-soal da comunidade de onde moro e passar para eles também umpouco do que aprendi sobre direitos humanos.

    Várias pessoas não sabiam o que era Direitos Humanos. Quando euia entrevistar e falava que era observadora de Direitos Humanos,eles falavam: o que é isso? Aí eu tinha que explicar e eles gostavamde saber que eles têm direito à vida, ao lazer, à educação etc.

    Meu hobby é dançar, pas-sear e namorar. Comeceia trabalhar ao 17 anoscomo vendedor de frutas.Já trabalhei também comtele-marketing, comodivulgador de uma auto-escola e também comovendedor de loja. Sempreque tenho oportunidade,faço um extra como co-brador dos ônibus alterna-tivos (clandestinos). Tiveuma participação voluntária no projeto de defesa do Meio Ambienteorganizado na associação comunitária Monte Azul. Sou observadordos Direitos Humanos há 5 meses. Eu gostei muito de ser observador.Nesses cinco meses, nós tivemos muitas experiências boas.

    Quem somos?

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    Marli Maria Da Silva

    Meu nome é Marli Maria da Silva, tenho 22 anos. Nasci nacidade de São Paulo em 01 de maço de 1980 e morei 15 anos noJardim Kagohara. Estudei no colégio Oswald de Andrade, no Jardim Her-culano até a 8ª série.

    Moro há sete anos na Chácara Bandeirante. Iniciei o primeiro ano doensino médio no colégio Maria Pencialli, no Piraporinha, mas saí daescola depois de três meses devido à morte de um amigo que estu-dava comigo. Ele foi morto dentro da própria escola, era meu únicoamigo na turma.

    Passados três anos fora da escola, eu ganhei uma bolsa para estu-dar no colégio jesuíta São Luiz, que fica na Avenida Paulista. Lá eurecomecei o primeiro colegial e, por não estar acostumada, demoreia pegar o ritmo e acabei repetindo o ano. Continuei no ano seguinte,mas infelizmente a bolsa acabou e eu tive que sair do São Luiz pornão ter condições de pagar a quantia que eles pediam. Adorei terestudado no Colégio São Luiz, ficaram comigo boas lembranças e fizmuitas amizades. Comecei, então, a estudar no Instituto Cardeal Rossiatravés do Telecurso 2000.

    Para o futuro, pretendo fazer uma faculdade, talvez pedagogia ouaté mesmo publicidade. Na verdade, não tenho muita paciência paraestudar mais quatro anos, mas minha intenção é a de adquirir co-nhecimentos. Pretendo trabalhar.

    Meu hobby é dançar, conversar com amigos, fazer novas amizades,

    Marcileide Maria Da Silva

    Meu nome é Marcileide Maria da Silva, tenho 25 anos.Nasci na cidade de Paulista, em Pernambuco, no dia 15 deoutubro de 1976. Vim para São Paulo com dois anos e seis meses.Morei durante dezessete anos no Jardim Kagohara e estudei no co-légio Oswald de Andrade, no Jardim Herculano até a 8ª série do en-sino fundamental.

    Moro há sete anos na Chácara Bandeirante. Estudei um ano no colé-gio Napoleão de Carvalho Freire, em Moema, onde fiz o primeirocolegial. O segundo e o terceiro colegiais fiz no colégio Padre Manoelde Paiva que fica no bairro de Campo Belo. Gostei dos três colégiosem que estudei e fiz muitas amizades.

    Meus pais são de Pernambuco. Minha mãe é dona de casa e meu paié aposentado. Os dois têm o primeiro grau incompleto. Somos emsete filhos. Um homem, que é casado, e seis mulheres. Destas, cincosão solteiras e uma é casada. Quatro moram em casa com meuspais e uma mora em uma instituição internacional que acolhe porta-dores de deficiência mental na Brasilândia (Arca do Brasil). Duasirmãs minhas são bolsistas da Educafro, a mais velha é pedagogaformada, a outra está no quarto ano de Direito.

    Gosto muito de onde moro porque é tranqüilo e aqui tenho um bomrelacionamento com várias pessoas. Pretendo fazer faculdade e tra-balhar. Tenho vontade de morar fora de São Paulo por uns tempos.Não está nos meus planos casar e ter filhos, mas se acontecer, fazero quê? É por estar no destino.

    passear e ir a igreja assistir a mis-sa. Trabalhei por dois anos numprojeto de meio ambiente (umano remunerada e um ano volun-tária). Dois anos como observa-dora de direitos humanos e trêsmeses como auxiliar de escritó-rio. Fiz a primeira comunhão, cris-ma na Igreja Católica e até de-zembro de 2001 era catequista,ou seja, sou católica praticante.

    Foram superproveitosos os momentos de observação dentro do pro-jeto. Pude desenvolver a capacidade de percepção e, com isso, notardiversas variações em mim e nas pessoas com as quais tive contato,podendo interferir na busca de soluções adequadas para a preven-ção ou eventualmente a correção de problemas encontrados. Tivetambém a oportunidade e o prazer de trabalhar com o grupo e fuiestimulada pelo crescimento dos participantes.

    Como observadora, pude avaliar que, em conjunto, todos somos ca-pazes de melhorar a comunidade e, conseqüentemente, contribuirpara melhorar nossa própria vida e para um mundo um pouco maisfeliz, isso, se tivermos em mente que cada gesto nosso interfere emtodo o universo.

    Meu hobby é conversar comamigos e ouvir música. Traba-lhei dois anos com um projetosobre o meio ambiente (um anocomo voluntária e um ano re-munerada). Fiz a primeira co-munhão e crisma na Igreja ca-tólica, mas não freqüento. Tra-balho há 2 anos como observa-dora de Direitos Humanos.

    Foi muito importante ser obser-vadora por que aprendi muitas coisas boas, principalmente, a respeitaras opiniões alheias e conhecer mais fundo a Declaração Universal dosDireitos Humanos. Eu conhecia muito pouco. Pude também passar umpouco do que eu aprendi enquanto observadora para os jovens.

    Gostei muito da primeira fase do projeto, quando tudo estava come-çando. O trabalho na comunidade e tudo o que nós descobríamos.Era chocante acreditar que as coisas mais prejudiciais aconteciam enós éramos os primeiros a ignorar. Hoje em dia, com mais clareza doque acontece, tenho certeza que meu papel na comunidade é o decontinuar passando um pouco da informação que aprendi sobre Di-reitos Humanos para ajudar a melhorar a comunidade em que vivo.

    Enfim, foi muito bom ser Observadora dos Direitos Humanos.

    Jardim Ângela

  • 17

    ASSOCIAÇÃO ARCO

    A ARCO foi fundada em janeiro de 1991 por umcasal que já atuava com a problemática social, com oobjetivo primordial de acolher crianças desamparadassocialmente em uma Casa-Lar. O trabalho teve iníciona casa do casal, numa chácara na periferia da ZonaSul de São Paulo, no Jardim Ângela, onde aparecemde forma dramática as situações de exclusão social, deprivação de direitos e de carência de condições bási-cas de vida.

    A realidade do bairro mostrou a necessidade de se realizarem outros programas deatendimento às crianças e adolescentes da região e, hoje, a ARCO atende 180 crianças eadolescentes em seus programas de Casa Abrigo, Creche, Jardim de Infância e Pré-Escolae Espaço Gente Jovem. A ARCO acolhe, ampara e promove estas crianças e adolescenteseducando-os, cuidando de sua saúde, abrindo-lhes os horizontes e apoiando sua forma-ção profissional. Também contribui na formação social da população excluída, educan-do-a para a cidadania e solidariedade. Através de programa governamental, fornececestas básicas para 50 famílias, encaminha jovens da região a cursos profissionalizantes eorienta adultos em seus problemas legais e direitos sociais.

    A preocupação maior da ARCO, no momento, tem sido os jovens que saem doEspaço Gente Jovem, aos 14 anos, sem idade ainda para trabalhar e sem acesso alazer e cultura. A região é totalmente carente de espaços culturais e de lazer. Jovense pais de família enfrentam inúmeras dificuldades e são muito cobrados os seus de-veres para com a sociedade mas pouco se faz pelos seus direitos. O Observatório deDireitos Humanos traz uma nova perspectiva para essa questão, onde deveres e di-reitos são observados por jovens, que acolhemos com o maior prazer aqui na ARCO.

    Sidney Vinha, Diretora

    Telefone para contato: 0xx11-5517-0747.

    Área: 3740 ha

    Localização: sudoeste do município de São Paulo

    Habitantes: 178.373 (1991) e 245.805

    Faixa etária da população: 40% dos moradores até 18 anos (1996)

    Taxa de mortalidade infantil: 18,86

    Renda média mensal do responsável do domicílio: R$ 568,00

    Taxa de alfabetização: 86,6%

    Anos de escolaridade: 22,91% dos chefes de família tinham entre1 e 3 anos de estudos (1996)

    Estabelecimentos públicos de Educação Infantil: 34

    Estabelecimentos de Ensino Fundamental: 36

    Número de matriculados no Ensino Fundamental: 44.475

    Estabelecimentos de Ensino Médio: 17

    Número de matriculados no Ensino Médio: 9721

    Estabelecimentos com atividade econômica: 631 (1997)

    Taxas de homicídio por 100 mil habitantes: 90,72

    Equipamentos públicos de atendimento básico à saúde (unidadesbásicas de saúde, centros de saúde e postos de atendimentomédico): 7

    Número de hospitais públicos e particulares: 1 (1998)

    Número de leitos: 144 (1998)

    * quando não especificado, o dado se refere ao ano 2000

    JARDIM ÂNGELA

    Onde estamos?

  • 18

    Cléia Barbosa Varges

    Sou Cléia, tenho 19 anos, nasci em Vitória da Conquista, naBahia, e vim para São Paulo com 11 anos de idade.Meus pais também são de Vitória, vieram casados para São Paulo,mas estão separados há 15 anos. Meu pai morou em São Paulo duran-te 20 anos trabalhando como pedreiro e, há pouco tempo, mudou-separa Vitória. Trabalha agora no comércio. Ele veio antes para cá, vol-tou para se casar e nós viemos depois que ele conseguiu recursos paratoda a família. Minha mãe mora no Jacira há 16 anos e trabalha deempregada doméstica. Os dois têm o ensino fundamental incompleto.

    Eu tenho três irmãos: Daiana, de 15 anos, Lucas, de 7 anos e Dora, de6 anos. Moro com minha mãe, que sustenta a casa e meus dois ir-mãos, pois minha outra irmã é filha de meu pai com uma outra mulhere mora na Bahia. Nossa casa é própria e ajudo minha mãe com abolsa que recebo do projeto, aliás, minha primeira atividade remune-rada, pois nunca trabalhei antes, apesar de ter procurado emprego.

    Faço dança contemporânea há 5 anos, sendo que 3 anos no Barra-cão Cultural, em Itapecerica da Serra. Há um ano, comecei a monitoraras aulas das crianças, supervisionada pela professora Rose, comovoluntária no Barracão.

    Saio às vezes com meus amigos para fora do bairro, pois aqui não temopção, além de ser muito perigoso. Às vezes, vou visitar alguns paren-

    tes que moram fora daqui.Quando estou em casa assis-to à televisão e ouço música.

    Pretendo fazer vestibular ecursar Educação Física e de-pois uma faculdade de dançapara me tornar uma profissi-onal. Sei que existem muitospreconceitos nessa área dadança, pois muitas pessoasnão consideram a dança umaprofissão. Mas é apenas mais um motivo para eu não desistir do meuobjetivo e do modo de vida que eu escolhi para mim. Sei que vouconseguir, porque eu sou capaz e amo o que eu faço: dançar.

    Ser observadora foi uma das experiências mais importantes que já vivi,em todos os sentidos, aprendi o que é uma cidadã ativa e a prestar maisatenção nas carências do meu bairro, a ajudar as pessoas a perceberessas carências e a se mobilizarem. Particularmente tudo isso me ajudoumuito na escola. Quando faço minhas redações referentes a esses assun-tos, tenho conteúdo para desenvolvê-los e sei me expressar melhor.

    A experiência vai valer para a vida toda.

    Quem somos?

    Natália de Jesus Nascimento

    Eu me chamo Natália, tenho 19 anos e terminei meus estudos no ano passado. Estudei em duas escolas, a primeira foi a E.E.Jardim Jacira, onde fiz o ensino fundamental, depois fui para a E.E.Jardim Sônia Maria, onde concluí o ensino médio.

    Moro, com meus pais e meu irmão, no bairro do Jardim Sônia Maria,que fica em Itapecerica da Serra, desde que nasci. Meu pai se cha-ma José e está desempregado, ele era pedreiro e às vezes faz algunsbicos. Ele tem 52 anos e é de Pernambuco. Minha mãe se chamaDalva, tem 41 anos e é da Bahia. Ela veio para São Paulo com 2 anosde idade e estudou até a 3ª série do ensino fundamental, como meupai. Minha mãe trabalhava também, de doméstica, mas está desem-pregada há 4 meses. Meu irmão se chama Diogo e tem 8 anos.

    Atualmente vivemos da minha bolsa como observadora e do dinheiroque eu ganho trabalhando no farol nos finais de semana, distribuindopanfletos de apartamentos na cidade de São Paulo.

    Já trabalhei em uma escola de computação em Pinheiros como pes-quisadora. Trabalhei, também, em um projeto do governo, “JovemCidadão: meu primeiro trabalho”. Era um estágio de 6 meses nosupermercado Barateiro.

    Faço aulas de dança contemporânea no Barracão Cultural, que ficano Jardim Jacira, em Itapecerica da Serra, há 5 anos e ali dou aulaspara crianças voluntariamente.

    Sou católica não praticante.Quando tenho tempo, vou aocinema, mas não sou muitode sair, porque quando que-remos sair temos que ir paraSão Paulo e isso leva pelomenos uma hora.

    No bairro onde moro não temmuitas opções de lazer, a únicaopção é o Barracão Cultural oua lagoa próxima à estrada dapedreira, que é longe.

    Meu sonho é fazer faculdade, mas ainda tenho dúvida do que quero fazer.

    Ser observadora foi uma experiência muito boa, principalmente ao observaruma escola. Pensávamos que era moleza dirigir uma escola.

    É difícil ser observadora porque quando vamos fazer uma entrevistanão podemos colocar a nossa opinião, mas, por outro lado, é bomporque ficamos sabendo como as pessoas do bairro pensam, o queelas gostariam que mudassem.

    Pudemos ver também que a solução está nas mãos de todos. Encaramoso bairro com outros olhos. Vimos que as pessoas nem sempre são acomo-dadas, que querem melhorar, mas talvez não tenham oportunidade.

    Jardim Jacira

  • 19

    Luciana Q. da Silva

    O i, tudo bem?Meu nome é Luciana, tenho 19 anos e concluí o ensino médio noano passado, no colégio E.E. Sônia Maria.

    Minha família é pequena, sou filha única. Meus pais são primos, elestêm 46 anos e nasceram em Pernambuco. Quando vieram para SãoPaulo, foram morar em Diadema, porque lá vivia um tio que podiaajudá-los. Eles não vieram juntos, minha mãe veio com 20 anos emeu pai com 13. Depois que se casaram, mudaram para o Jacira,onde moram há mais de 20 anos.

    Minha mãe trabalhou durante 8 anos como empregada doméstica,mas hoje não trabalha mais. Meu pai, assim que chegou em SãoPaulo, tirou a carteira de trabalho e foi trabalhar como marceneiro,depois foi ajudante de pedreiro e há 20 anos trabalha numa indús-tria como eletricista.

    Faço dança contemporânea há 5 anos, no projeto Barracão Cul-tural, no Jardim Jacira, e agora dou aulas ali de dança para crian-ças de 9 e 10 anos, como voluntária.

    Quando tenho tempo (dinheiro), gosto de ir ao cinema no Shopping

    Keteli Cristina C. de Oliveira

    Meu nome é Keteli C. de Oliveira, tenho 18 anos e acabeio ensino médio no ano passado, na E.E. Sônia Maria.Acho que minha história de vida até parece cena de novela. Nascino Amparo Maternal e lá fui deixada pela minha mãe biológica, atéter sido adotada com 8 meses de vida pelos meus pais, Dalva deOliveira e João Batista de Oliveira Filho. Mas não faço disso um dra-ma em minha vida. Meu pai estudou até a 8ª série e atualmentetrabalha como cobrador de ônibus. Minha mãe estudou até a 3ª sé-rie, atualmente é dona de casa, mas sempre trabalhou de domésti-ca, desde os 7 anos de idade.

    Meu pai é que sustenta a casa, minha mãe faz artesanato para comple-mentar a renda e eu também ajudo no que posso. Agora, meu primoRafael está morando com a gente já faz um ano. Assim, em casa, somosem 4 pessoas. O meu irmão Ricardo está casado e mora na casa ao lado.

    Eu tinha um outro irmão, mas ele infelizmente morreu em um dos casosmais comuns em São Paulo: a violência. Seu nome era Wanderson Fabi-ano e na época tinha apenas 18 anos. Então só restou o meu outroirmão, o Ricardo. Minha família é legal, têm alguns conflitos mas é legal.

    Todos nós somos católicos, mas não praticantes. Já morei no Capão Re-dondo, perto do Campo Limpo e Vaz de Lima. Era legal lá, mas tive quemudar para Figueira Grande. Saímos do aluguel que pagávamos no CapãoRedondo, mas a casa era de um cômodo só e éramos 5 pessoas paramorar. Enfim, depois de muitas dificuldades viemos morar no JardimJacira, em uma casa maior. Aqui, apesar dos pesares, é o melhor bairroem que eu já morei. Porque mudei para cá com 11 anos e acompanheias mudanças do meu bairro, e soube dar valor às coisas que vivi aquijunto com meus pais, irmãos e amigos. As melhores e as piores fases daminha vida eu vivi aqui. Não significa que o Jacira seja um mar de ale-

    Jardim Jacira

    Santa Cruz, em Interlagos.Não sou de sair muito para abalada, mesmo porque aquino bairro não tem nada paracurtir. Se eu gostasse, teriaque ir para Embu-guaçu, oupara o centro de Itapecerica,ou ainda para São Paulo.

    Esse é o segundo relatórioem que eu participo, segun-do ano como jovem observa-dora, mais uma vez relatando, discutindo problemas e procurandosoluções para a melhora do bairro. Mais uma vez me sinto como umespelho, refletindo a real situação da periferia.

    Eu gosto muito do bairro, pois eu moro aqui desde que nasci. Esperoque algum dia, algum administrador ou, melhor, autoridade compe-tente olhe mais para a periferia, pois grande parte dos moradoressão trabalhadores, cidadãos que têm direitos e que não estão sendogarantidos da maneira correta.

    gria, mas ainda continua sen-do o meu bairro. Foi onde meformei como pessoa, concluímeus estudos e aprendi o va-lor que se deve dar à vida. Aquitêm problemas como qualqueroutro bairro, só que têm tam-bém atividades culturais comoo Parceiros do Futuro, Três Ge-rações, Barracões Culturais etc.

    Bom, eu já trabalhei entre-gando panfletos nos faróis e no supermercado Barateiro, através doprojeto Jovem Cidadão. Foi uma fase muito importante da minhavida, porque aprendi a ter responsabilidade com o dinheiro e com otrabalho. Na realidade, comecei a trabalhar com 14 anos, porque emcasa quem trabalhava era só o meu pai e eu queria muito ajudá-lo ea mim também, não fazendo ele gastar comigo. No começo meuspais brigavam, falavam que era cedo demais para eu trabalhar, queeu deveria estudar. Mas a experiência nesses quatro anos de traba-lho ficou valendo.

    Bom, de esportes eu gosto de tudo um pouco. O que eu joguei muitofoi vôlei, na escola e em clubes amadores. Essa época foi super. Nasminhas horas vagas aproveito para falar com os amigos, ver televisão,ouvir som, dançar e, principalmente, namorar.

    Para o futuro, espero fazer faculdade de turismo e ajudar muitaspessoas como algumas me ajudaram. Quero ter uma famíliaestruturada financeiramente e pessoalmente. Gosto de viver na rea-lidade, mas o sonho faz parte da mágica.

  • 20

    MILCA

    O Movimento Itapecericano de Luta Contra Aids (MILCA) é oriundo do trabalhodesenvolvido pela Secretaria Municipal de Saúde de Itapecerica da Serra. Em 1993,iniciou seus trabalhos, com atuação conjunta com a Secretaria, através de oficinasdestinadas aos adolescentes das escolas da rede pública estadual, envolvendo temascomo: saúde sexual e reprodutiva, prevenção às doenças sexualmente transmissíveise principalmente sobre a infecção pelo HIV/AIDS.

    Em 1996, através de cooperação com o Ministério da Saúde, foi possível a aqui-sição de um circo completo que foi instalado em terreno cedido pela Prefeitura Mu-nicipal de Itapecerica da Serra. Nascia o Circo MILCAMALEÃO, um espaço de múlti-plas funções culturais e pedagógicas, aberto aos jovens de Itapecerica.

    A Entidade tem se dedicado também à pesquisa sobre o comportamento dacomunidade com relação à prevenção DST/AIDS. Recentemente foi feita pesquisasobre o comportamento sexual do jovem na Festa do Peão de Boiadeiro de Itapecericada Serra com o objetivo de detectarmos possíveis situações de risco.

    A MILCA conta com uma Diretoria Executiva e um Conselho Fiscal eleito emAssembléia e a participação da comunidade tem sido fundamental para o êxito dasnossas ações através do voluntariado.

    Mary Ângela Castilho Martins, Diretora

    Telefone: 0xx11 4666-3235.

    Área: 136 km2

    Localização: divisa com distrito Jardim Ângela,sudoeste do município de São Paulo

    Habitantes: 85.640 (1991) e 129.685

    Faixa etária da população: 47% da população commenos de 19 anos (1999)

    Taxa de mortalidade infantil: 15,20

    Renda média mensal: não disponível

    Taxa de alfabetização: 92,0%

    Anos de escolaridade: (não disponível)

    Estabelecimentos públicos de Educação Infantil: não disponível

    Estabelecimentos de Ensino Fundamental: 52

    Onde estamos?

    Número de matriculados no Ensino Fundamental: 26.555

    Estabelecimentos de Ensino Médio: 16

    Número de matriculados no Ensino Médio: 8.438

    Estabelecimentos com atividade econômica: 2.142 (1998)

    Taxas de homicídio por 100 mil habitantes: 85,50

    Equipamentos públicos de atendimento básico à saúde(unidades básicas de saúde, centros de saúde e postosde atendimento médico): 13

    Número de hospitais públicos e particulares: 2

    Número de leitos: 177

    * quando não especificado, o dado se refere ao ano 2000

    MUNICÍPIO DE ITAPECERICA DA SERRA

  • 21

    Valteir Pereira

    Eu me chamo Valteir dos Santos Pereira, tenho 18 anos, nasci no bairro de Santo Amaro, em São Paulo. Morei em Santo Amaro por poucotempo. Mudei depois para três lugares: Capão Redondo, Itapecerica daSerra, no bairro de Piraporinha, e moro em Heliópolis há aproximada-mente 13 anos.

    Meu pai nasceu no Mato Grosso, tem 57 anos e mora com minha mãe háaproximadamente 25 anos. Está atualmente desempregado. Estudou atéa 8ª série e foi padeiro ao longo de sua vida, mas hoje não trabalha mais.Minha mãe nasceu na Bahia, tem 52 anos, cursou até a 4ª série. Trabalhacomo empregada doméstica há aproximadamente 10 anos.

    Tenho cinco irmãos e 2 irmãs. Três trabalham. O irmão mais velho termi-nou o ensino médio e, hoje, é gráfico. Entre minhas duas irmãs, só umaterminou o ensino médio e faz cursinho atualmente. A outra parou deestudar no 2º ano do ensino médio. Os outros quatro meninos estãoestudando. Eu terminei o ensino fundamental na escola Presidente Cam-pos Sales e o ensino médio na escola Manuela Lacerda Vergueiro, noano passado. Sempre tive vontade de estudar. Atualmente, faço cursi-nho pré-vestibular e pretendo prestar para sociologia.

    Milito na comunidade de Heliópolis desde os 10 anos de idade. Gos-to da favela porque para mim existem pessoas que acreditam nopróximo e que as coisas vão mudar e que nem tudo é ruim. Já fizvárias atividades, como trabalhar na prevenção de DST/AIDS, medi-ação de leitura para as crianças da comunidade, curso de mobilizaçãosocial, entre outras. Atualmente, além de participar do projeto Ob-

    servatório de Direitos Huma-nos, trabalho também comoeducador em um dos núcle-os da comunidade deHeliópolis, administrado pelaUNAS (União de Núcleos eAssociações dos moradoresda comunidade de Heliópolise São João Clímaco) que échamado de Espaço GenteJovem 120, que é um lugarque atende crianças de 7 a14 anos e que tem como finalidade formar as crianças como cida-dãos para atuarem na sua própria realidade.

    Para mim, foi divertido ser observador, porque ao mesmo tempo em quevocê trabalha vai descobrindo cada vez mais um pouco da sua comunida-de e das pessoas também. Acredito que aprendi bastante e tambémensinei com o nosso trabalho. Ser observador é ter consciência de que tempessoas que não se contentam com a sua realidade dura e hipócrita.

    O trabalho foi bom, deu para ter muitas aberturas em outros lugares esermos reconhecidos. Hoje, poucas pessoas da favela conhecem a USP,e nós freqüentemente estamos dentro dela, isso é umas das aberturasque nós tivemos. Aprendi bastante. Isso vai servir para minha vida toda,como está servindo. Estou satisfeito com o meu e o nosso trabalho.

    Daniela Sabino

    Eu me chamo Daniela Sabino, tenho 17 anos e nasci no bairroHeliópolis, no Hospital Ipiranga, em São Paulo. Estudei na escolaCampos Salles durante sete anos. Hoje estou cursando o ensino mé-dio. Quero ser psicóloga.

    Minha mãe é baiana, chama-se Maria Aparecida de Souza, tem 61anos e foi casada duas vezes. Tem cinco filhos, dois do primeiro ca-samento e três do segundo. Ela é evangélica e não trabalha. Estudouaté a sexta série do ensino fundamental e parou porque tinha que sesustentar. Tenho quatro irmãos, duas casadas e dois solteiros.

    Adoro meu bairro, porque foi ali que eu vivi até hoje e é ali que estãominhas amigas e família.

    Não tenho namorado. Gosto de ouvir música, viajar e comprar coi-sas, apesar de não ter o hábito freqüentemente. Adoro me divertir,adoro a noite. Não tenho religião.

    Com sete anos, comecei a estudar no CJ (Centro de Juventude), ondecomeçou o meu interesse na luta pela comunidade. Com 14 anos, fiz parte

    do Grupo de Adolescentes, que jáfez e continua fazendo trabalhosde Mediação de Leitura, despertan-do o interesse nas crianças para aleitura e para oficinas de sexuali-dade, com a intenção de diminuira contaminação por doenças se-xualmente transmissíveis na comu-nidade.

    Para mim foi muito importantee um privilégio ser observadora, porque comecei a entender bemmais como são tratados os direitos das pessoas. Quem tem maisacesso, quem não tem. Percebi que todo mundo tem direito a terdireito. Percebi, também, que as pessoas que têm mais informaçõestratam com arrogância e descaso as pessoas que não têm, pois emalguns lugares que íamos fazer entrevistas, precisávamos levar onosso monitor para sermos bem recebidos.

    Heliópolis

    Quem somos?

  • 22

    Edileide Nascimento Santos

    Meu nome é Edileide Nascimento Santos, mas gosto que me chamem de Leide. Tenho 17 anos, nasci em São Paulo, em Heliópolis.Terminei o ensino fundamental na escola Campos Salles e hoje es-tou estudando no colégio Ataliba de Oliveira, no 3° ano do ensinomédio, no período da noite. Gosto de estudar nesta escola porque éum lugar onde tenho amigos e por ser perto de Heliópolis.

    Meu pai se chama Libera dos Santos. Ele tem 50 anos, nasceu emSergipe, não concluiu o ensino fundamental, parou na 5° série, por-que teve que ajudar sua família. Meu pai tem uma funilaria do ladode casa na qual trabalha para o sustento de casa. Todas as terças equintas-feiras dá aula de futebol para as crianças na quadra da UNAS(União de Núcleos e Associação de Moradores de Heliópolis e SãoJoão Clímaco) e, de domingo, é técnico de um time de futebol doqual também faz parte. De segunda a sexta-feira, faz uma progra-mação na rádio Heliópolis tocando musicas do Roberto Carlos.

    Minha mãe se chama Nair Nascimento Santos, tem 48 anos, nasceuno Paraná, estudou até a 6° série e, também, largou os estudos paraajudar seus pais. Minha mãe é diarista, trabalha em casa de família.Meus pais moram em Heliópolis há 19 anos.

    Tenho um irmão de 26 anos que é casado e faz parte de um grupo derap chamado Mandamentos, uma irmã de 21 anos que trabalha numaloja de CDs no Shopping Vergueiro, e um irmão de 16 anos que éestudante e joga futebol com meu pai. Moramos todos em casa pró-pria e somos todos católicos.

    Gosto muito de sair com minhas amigas para salões à noite, fazerviagens nos feriados, ouvir musica, dançar, conversar, dar risada. Ado-ro comprar roupas.

    Faço mediação de leitura e palestra sobre sexualidade com o grupode adolescentes de Heliópolis do qual faço parte. Faço aula de karatê,dança Axé, e um curso de contabilidade nos sábados. Trabalho na

    rádio Heliópolis tocando mú-sicas românticas à noite.

    Já trabalhei numa gráfica emacabamentos gráficos, atueino programa de L. A. (liber-dade assistida) com oficinasde sexualidade e mediaçãode leitura. Nas unidades daFEBEM de Tatuapé, RaposoTavares e Franco da Rochaatuei com as oficinas de se-xualidade com o grupo de adolescentes.

    Muitas pessoas pensam que quem mora aqui no bairro, por ser peri-feria, são todos bandidos. Mas, pelo contrário, muitas vezes as pes-soas julgam as outras sem ao menos conhecê-las, pois quem moraaqui dentro sabe que têm muitas coisas boas. A UNAS oferece cur-sos para as crianças e adolescentes, tem os CJ (centros de juventu-de), creches, rádio comunitária, grupos de adolescentes que traba-lham com prevenção e mediação de leitura para comunidade, gru-pos de teatro, futebol, capoeira, samba, tem hospital, farmácias,padarias, mercados aqui dentro tem de tudo.

    Minha expectativa para o futuro é me formar em jornalismo. Preten-do me formar educadora e radialista. E um sonho que tenho é verminha família com saúde e feliz acima de tudo.

    Para mim, foi muito importante ser uma observadora dos DireitosHumanos porque aprendi a conviver com pessoas totalmente dife-rentes, com pensamentos e idéias diferentes. Foi uma experiêncianova, aprendi várias coisas que não sabia como, por exemplo, políti-ca e cidadania. Aprendi a conviver melhor com as pessoas, a saberouvir e a falar na hora certa.

    Jefferson Bueno

    Eu tenho 19 anos, sou de São Paulo. Terminei o ensino médio eagora me preparo para prestar vestibular. Também pretendo fa-zer um curso de inglês.

    Minha mãe se chama Dejanira, tem 37 anos e nasceu na Bahia. Meupai, Adelino, tem 42 anos. Minha mãe veio para São Paulo com 14anos para fazer a 2ª cirurgia contra o câncer na tiróide, cirurgia queteve grande sucesso. A 1ª cirurgia foi feita em Salvador e não atingiuos seus objetivos. Ela concluiu o ensino fundamental aqui em SãoPaulo e depois começou a trabalhar como garçonete, depois comooperadora de máquinas e vendedora e, hoje, ela tem um bazar namesma rua em que moramos. Meu pai terminou o 1º ano do ensinomédio e saiu de Lambari (MG) e veio para cá trabalhar. Ele traba-lhou de cobrador de ônibus e motorista de caminhão. Hoje, ele con-tinua trabalhando de motorista com veículo próprio.

    Os dois tiveram 3 filhos, dos quais sou o mais velho. Minha irmã,Vanessa, tem 18 anos e já é casada e mora em Itaquaquecetuba. ORobson é o meu irmão mais novo e tem 13 anos, estuda a sétimasérie. Meus pais sempre moraram na região do Ipiranga pagando

    aluguel, mas com a família cres-cendo eles se esforçaram paracomprar a casa em Heliópolis emque estamos há 13 anos.

    Eu gosto de onde moro, aqui eusó tenho amigos. Quando não es-tou trabalhando, estou em casaestudando ou jogando video-game. Gosto de sair com os ami-gos, jogar futebol e basquete. Tra-balhei como vendedor de sorve-te com 13 anos, empacotador com 15 e vendedor de carros com 18anos. Além de trabalhar no Observatório sou ator da Cia. de TeatroHeliópolis há 2 anos e locutor da rádio comunitária há 4 anos, am-bos projetos da UNAS. Eu e minha família somos Testemunhas deJeová com exceção do meu pai que é católico não praticante.

    A experiência de ser um observador dos direitos humanos é inigualável.Ficar sabendo do que acontece na nossa comunidade por vários ângu-

    Heliópolis

  • 23

    UNAS

    A UNAS, União de Núcleos, Associações e Socie-dades de Moradores de Heliópolis e São João Clímaco,foi fundada há 20 anos pelos moradores da favela deHeliópolis, com o objetivo de lutar pela melhoria daqualidade de vida na região. A UNAS tem em sua dire-toria moradores da favela eleitos para um mandatode quatro anos em eleições abertas onde todo mora-dor maior de 16 anos pode votar nas chapas que seapresentam para a direção da entidade.

    No início da década de 80, a UNAS surgiu a partirda luta pela manutenção da posse da terra. Atualmen-te a UNAS vem desenvolvendo projetos voltados para a criança e o adolescente, comu-nicação, direitos humanos e continua firme na luta pela moradia digna e a urbaniza-ção da favela, que tem hoje 95 mil habitantes e está localizada em uma área de ummilhão de metros quadrados de propriedade da Cohab/SP.

    As atividades da UNAS têm como objetivo geral o desenvolvimento local e aconstrução da cidadania e a participação popular. O fio condutor destas ações desen-volve como conteúdo os Direitos Humanos como postura frente aos desafios da supe-ração do estado de pobreza e miséria. O Observatório de Direitos Humanos traz essadiscussão à tona e marca sua produção com o Relatório de Cidadania.

    Solange Agda da Cruz, Diretora

    Telefone: 0xx11 272-3677

    E-mail: [email protected]

    Área: 1420ha

    Localização: centro-sul do município de São Paulo

    Habitantes: 211.200 (1991) e 228.283

    Faixa etária da população: 33,56% dos moradores até 18 anos(1996)

    Taxa de mortalidade infantil: 14,83

    Renda média mensal: R$ 1.149,00

    Taxa de alfabetização: 92,1%

    Anos de escolaridade: 13,96% dos chefes de família tinham entre1 e 3 anos de estudos (1996)

    Estabelecimentos públicos de Educação Infantil: 22

    Estabelecimentos de Ensino Fundamental: 45

    Onde estamos?

    SACOMÃ (HELIÓPOLIS)

    Número de matriculados no Ensino Fundamental: 28.536

    Estabelecimentos de Ensino Médio: 14

    Número de matriculados no Ensino Médio: 7.649

    Estabelecimentos com atividade econômica: 2.128 (1997)

    Taxas de homicídio por 100 mil habitantes: 50,81

    Equipamentos públicos de atendimento básico à saúde (unidadesbásicas de saúde, centros de saúde e postos de atendimentomédico): 10

    Número de hospitais públicos e particulares: 2 (1998)

    Número de leitos: 715 (1998)

    * quando não especificado, o dado se refere ao ano 2000

    los e discutir esses problemas em grupo é maravilhoso. Trabalhar comjovens de outras localidades e várias pessoas formadas em ciênciassociais, psicologia, história entre outras profissões, foi enriquecedor,pois agora consigo entender melhor as coisas. Às vezes, eu fico chate-

    ado por não poder fazer muita coisa pelas pessoas que realmenteprecisam, mas, ao lembrar que o relatório vai ser lido por muitas pes-soas e representantes de várias entidades que podem ajudar, fico felize torço para que isso realmente aconteça.

  • 24

    Tatiane Gonçalves De Souza

    Eu me chamo Tatiane, sou paulistana e tenho 17 anos. Estou naterceira série do ensino médio. Minha mãe tem 45 anos, nasceuem Brumado-BA, estudou somente até a 4ª série do ensino funda-mental, já trabalhou como empregada doméstica e hoje ela é donade casa. Meu pai tem 48 anos e veio do Pernambuco, não completouo ensino fundamental. Já trabalhou como ajudante geral e operadorde máquinas, hoje ele é pedreiro.

    Eles estão aqui em São Paulo há 27 anos e há 13 anos moramos noJardim Comercial. Eu moro com meus pais, com uma irmã e doisirmãos. No momento, só meu irmão mais velho, meu pai e eu traba-lhamos, todos nós contribuímos para o sustento da casa.

    Estudei no colégio Afiz Gebara até a 4ª série, depois fui estudar noMaud Sá de Miranda Monteiro e estou lá até hoje, nunca participeide grêmios, porque nunca tive vontade.

    Comecei a trabalhar com 14 anos. Cuidava de crianças, ganhavamenos de um salário mínimo e trabalhava oito horas por dia. Fiqueitrabalhando assim durante dois anos e meio, depois parei. Em buscade algo melhor, fiquei sem trabalhar durante seis meses, pois tivedificuldade de encontrar emprego por causa da idade.

    Conheci melhor a Associação Chico Mendes através do curso de com-putação, em que aprendi digitação e a usar a Internet. Depois defazer o curso, passei a ensinar digitação para os moradores. Até hojefreqüento a sala de computação para ter acesso a Internet.

    Atualmente, participo do Observatório de Direitos Humanos e trabalho naEscola Municipal de Educação Infantil Paulo Zingg como auxiliar de pro-fessora. Gosto de dançar, ler e jogar vôlei com o pessoal da rua onde moro.Também gosto das atividades que há na Associação Chico Mendes.

    O bairro onde moro não tem muitas atividades de cultura e lazer e asegurança também não é muito boa. Apesar disso, o pessoal quemora lá é muito legal e tenho muitos amigos e amigas.

    Espero para o futuro terminar meus estudos e construir minha famí-lia. Espero que por essa época o bairro não esteja pior e sim que, acada dia que passa, ele possa superar todas as crises existentes,para que nós possamos viver mais tranqüilamente.

    Meu primeiro contato com o projeto foi através do jornal LUPA. O Ruiestava com ele nas mãos e mostrou para mim. Nessa época, eu nãoimaginava que o projeto fosse tão fundo nos problemas da comunidade,que fosse se preocupar tanto com o estudo destes problemas. Por isso,quando me convidaram para fazer parte do projeto eu achei que não

    Quem somos?

    daria certo, achava que não tinhacapacidade para fazer parte daequipe, pois eu nunca havia parti-cipado de nenhum projeto.

    Para mim, foi muito bom ter par-ticipado do projeto. Gostei mui-to, além de saber da opinião dacomunidade, saber o que as pes-soas pensam, o que elas querem,conhecer novas pessoas, outrasopiniões, a gente acaba aprendendo novas coisas e conhecendo maiso bairro. Descobri que a comunidade necessita de espaços de cultu-ra e de lazer para as pessoas poderem aproveitar o tempo. Tambémaprendi que existem outras escolas no bairro com problemas pioresque os da escola onde eu estudo.

    Antes, eu olhava para os problemas que existem no nosso bairro e nãoligava. Só que, participando desse projeto, a gente acaba se interessan-do mais em saber como anda a nossa comunidade, em saber o que estáfaltando. Eu passei a me interessar mais pelos problemas do bairro, afi-nal esses problemas acontecem dentro da comunidade onde eu moro.Por exemplo, quando eu via algum evento na escola que não era abertopara a comunidade eu não ligava. Eu pensava: “ah, eles só querem sedefender, não querem que entrem pessoas de fora para evitar brigas”.Agora vejo que não é bem assim, a comunidade tem o direito de estarparticipando desses eventos, afinal a escola faz parte da nossa comuni-dade. E se a pessoa que está do lado de fora for um ex-aluno que querparticipar do evento? Só porque ele não estuda mais na escola ele nãovai poder participar? Eu acho que esse aluno tem o direito de mantervínculo com a escola, ele é da comunidade, já estudou lá e quer continu-ar participando.

    Gostaria que depois do lançamento do relatório e do LUPA, alguém dealguma forma pudesse levar esse material para alguma autoridade. Achoque muitas pessoas vão ler o relatório e algumas delas poderiam fazercontato com autoridades que poderiam usar as informações do relató-rio para pensar em melhorias para o nosso bairro.

    Agora que nós jovens aprendemos a observar os problemas da co-munidade, seria muito legal se a comunidade também passasse aobservar esses problemas, que as pessoas da comunidade vissemesses problemas com outros olhos. Divulgando o relatório para acomunidade, talvez as pessoas enxerguem esses problemas de umjeito diferente, assim como eu, hoje em dia.

    Rogério Nascimento Campos

    Meu nome é Rogério Nascimento Campos, tenho 19 anos e jáconcluí o ensino médio há dois anos.Sou filho de Marli Lima Nascimento Campos e de Jaime dos SantosCampos, minha mãe nasceu em Vitória da Conquista e meu pai emItabuna na Bahia. Minha mãe trabalhava em pequenas fazendascomo lavradora e meu pai trabalhava numa pequena propriedadede seu pai (já falecido) com plantações de cacau.

    Aos 14 anos, minha mãe se ca-sou com meu pai que tinha 18anos na época. Devido ao traba-lho e ao casamento precoce, elesnão puderam terminar nem o en-sino fundamental. Ao completar15 anos, minha mãe teve a pri-

    Capão Redondo

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    meira filha Joelma e logo mais aos 16 nasceu o Jorge.

    Eles vieram para São Paulo, onde meu pai foi trabalhar na constru-ção civil e minha mãe como doméstica. A vida deles estava muitodifícil, pois moravam em uma pequena casa no Jardim Macedônia(Zona Sul) juntamente com a família da irmã da minha mãe. Nessaépoca nasceram mais dois filhos, Jaime e Joel. Com a família cres-cendo numa casa tão pequena, resolveram voltar para a Bahia.

    Mesmo morando na Bahia, meus pais tentavam achar uma casa emSão Paulo onde pudessem viver em condições melhores. Nasci em Vitó-ria da Conquista e antes de completar um ano de idade, voltamos paraSão Paulo onde estamos até hoje. Por motivo de alcoolismo, não vive-mos mais com o nosso pai, alguns dos meus irmãos mais velhos se casa-ram e eu moro com a minha mãe e mais cinco irmãos.

    No bairro em que eu moro a violência é constante, em alguns locaiso tráfico de drogas é grande. Independente desses problemas é umaregião onde os moradores sabem de suas crises e, mesmo assim,lutam para amenizá-las. É como nosso amigo Roberto diz: “As pes-soas não vivem no Capão Redondo, eles sobrevivem nele”. Mesmoassim, acredito que mais do que moradores sofredores, somos mo-radores vencedores.

    Trabalho desde os 7 anos de idade, quando durante a semana vendiasorvetes nos bairros próximos de casa e, às vezes, no Parque do Ibirapuera.Dos nove aos treze anos de idade, trabalhei com meus pais e meusirmãos entregando areia para construções residenciais. Com 13 anos, fizum curso de elétrica residencial e aos 14 anos trabalhei alguns mesescomo representante de catálogo para uma revista. Neste mesmo perío-do, passei a trabalhar numa fábrica de blocos e posso afirmar que estefoi o trabalho que mais marcou a minha vida, pois era um serviço muitopesado e à noite eu sofria com dores nas costas. Depois disso, fui convi-dado por uma agência de empregos para trabalhar como empacotadorem um supermercado. Trabalhava o dia todo e à noite estudava.

    Fui conhecendo novas pessoas e novos interesses e objetivos foramsurgindo, um deles foi de fazer curso de teatro. Descobri um cursoque ficava na mesma rua do meu trabalho. Um dos meus professo-res de teatro me convidou para fazer um teste de dança, no qual

    passei e, sem nenhuma experiência anterior, acabei me tornandocoreógrafo da agência de modelos em que ele era sócio.

    Alguns de meus amigos do Capão ficaram sabendo que eu estava dan-do aulas na Bela Vista e me pediram para dar aulas num local maispróximo, onde eles pudessem participar. Foi por isso que eu fiz contatocom o pessoal da Associação Chico Mendes que aceitou a minha pro-posta e eu fiquei ministrando aulas de dança por quase dois anos.

    Atualmente participo do Observatório, ministro aulas e faço um cur-so de especialização em dança de salão. Fiz cursinho e prestei vesti-bular no ano passado, infelizmente, não passei.

    Atualmente, não tenho nenhuma religião, mas tenho fé em Deus daminha maneira.

    Gosto de dançar, ler livros de história e literatura, ouvir um samba deraiz e espero voltar para uma das minhas maiores paixões, o teatro.

    Sou um jovem com muitos sonhos e alguns objetivos. O sonho é poderviver em uma sociedade justa em que as pessoas tivessem as mesmascondições sociais. O objetivo é dar continuidade aos trabalhos sociais eculturais, me especializando e profissionalizando na área de dança eteatro. Quero também fazer o curso de Ciências Sociais e com isso fazerum projeto social e cultural na região do Capão Redondo.

    Meu envolvimento com o Observatório começou com o convite quea Associação Chico Mendes recebeu para participar do Projeto. Sa-bendo do meu interesse em participar de projetos sociais, fui convi-dado para fazer parte da equipe de jovens que trabalharia no proje-to. Confesso que recebi este convite com muita satisfação.

    Antes do projeto, eu achava que o maior problema da nossa regiãoera a falta de interesse de mudança das próprias pessoas. Mas, ob-servando, analisando, questionando e discutindo, percebi que nãoera a falta de interesse pela mudança e sim a dificuldade de acessoaos canais de informação que não permitia essa mudança.

    Hoje em dia, me sinto um aprendiz de cientista, pois, independente daárea que o cientista trabalha, ele precisa observar o que estuda. E o queeu mais fiz nestes últimos dois anos, além de dançar, foi observar.

    Rui Da Costa Machado

    Prazer! Meu nome é Rui Costa Machado, sou paulista, tenho 20anos de idade e estou cursando o 3º ano do ensino médio. Comrelação aos estudos, tenho como objetivo: terminar o ensino médio,fazer cursinho e me preparar para o vestibular, embora eu aindaesteja decidindo qual curso fazer. Acredito que estando formado te-rei maiores oportunidades para encontrar um bom emprego.

    Minha mãe tem 49 anos, nasceu na cidade de Rui Barbosa (daí o porquêdo meu nome). Ela estudou até a quarta série do ensino fundamental enão deu continuidade aos estudos por três motivos: primeiro porque nacidade onde ela morava o ensino nas escolas só ia até a quarta série,segundo porque a cidade onde ela poderia dar continuidade aos estu-dos ficava a quatro horas de viagem dali e, por último, ela era a filhamais velha e tinha que cuidar dos seus seis irmãos.

    Aos 19 anos de idade, ela veio para São Paulo cuidar dos filhos domeu tio. Foi aqui em São Paulo que a minha mãe conheceu o meupai. Ele nasceu na cidade de Presidente Kubitchek, em Minas Gerais,

    estudou até a sexta série e teveque parar com os estudos porquemeu avô queria que ele traba-lhasse na roça. Meu avô diziapara o meu pai que os estudosnão iam levar ele a lugar nenhum.

    Com 25 anos de idade meu paiveio para São Paulo morar com aminha tia e trabalhar como pe-dreiro . Depois, foi porteiro em umprédio residencial. Era neste mesmo prédio que minha mãe traba-lhava, ele a conheceu, eles namoraram durante um ano e resolve-ram morar juntos. Como ainda não tinham uma casa para morar, osdois passaram a viver juntos com a minha tia na Vila Brasilândia.

    Foi durante o tempo que eles moraram nesta casa que eu e mais duasirmãs nascemos. Quando eu tinha uns dois anos de idade, nos mudamos

    Capão Redondo

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    para uma casa de aluguel no Jardim Macedônia, em seguida fomospara o Jardim Mitsutani. Foi no Mitsutani que meus pais tiveram contatocom o movimento de moradia da região,. Depois de dois anos de luta,em 1989, conseguimos conquistar nossa casa própria, no ConjuntoHabitacional Chico Mendes, localizado no bairro do Capão Redondo.Nesta casa moramos eu, minha mãe, meu pai e minhas três irmãs. Atu-almente, só minha irmã mais velha e eu trabalhamos, minha mãe é apo-sentada e meu pai está desempregado.

    Acho que o meu bairro é legal para se morar, existem coisas boas eruins. Penso que seria bom ter um pouco mais de segurança nasruas, asfaltamento e melhoria da rede de esgotos. De bom tem oParque Santo Dias onde o pessoal pode correr, jogar futebol, bas-quete, vôlei, ter aulas de capoeira e ter contato com a natureza.Existem também várias associações de bairro onde as pessoas po-dem fazer cursos de informática e de idiomas.

    Eu sempre freqüentei a Associação Chico Mendes. Comecei fazendocursos de silk-screen, computação, montagem de micro. Comeceitambém um curso de espanhol, mas não terminei porque o horáriodo curso batia com o horário da escola. O pessoal da Associaçãopercebeu que eu era um cara interessado, pois eu sempre estava porlá fazendo algum curso. Acho que por isso, quando surgiu o projetodo Observatório, eles me indicaram. Quando eu fui convidado, con-fesso que fiquei surpreso. Eu achava que não tinha o perfil para estetipo de trabalho, porque eu era uma pessoa muito quieta que nãogostava de falar em público.

    Disseram que o meu trabalho seria o de observar a comunidade pres-tando atenção às coisas que faltavam e que precisavam ser melho-radas. O projeto era do jeito que eu estava pensando, era observar edividir as informações com a comunidade, assim como um repórterfaz com as notícias do mundo, só que no meu caso seriam informa-ções do meu pequeno mundo.

    O meu envolvimento com o projeto fez com que algumas mudançaspessoais acontecessem. Percebi que comecei a me expressar melhordiante das pessoas, não ficava calado e nem ficava falando sobrecoisas que não tinham a ver com o assunto, comecei a ficar maisatento aos assuntos que eram discutidos pelo grupo.

    Percebi também que o meu senso crítico mudou, por exemplo, anteseu apenas criticava os “boys”, tudo neles me desagradava, e essesentimento surgiu apenas do fato de eu ouvir o que as outras pesso-as falavam, eu mesmo não tinha uma opinião própria sobre eles, euia pela opinião dos outros. Agora, depois de todo esse tempo atuan-do como observador, acho que não devo julgar as coisas sem antesconhecê-las, que tenho que formar a minha própria opinião sobre oque acontece.

    Espero, no futuro, trabalhar em alguma atividade de cultura e lazer queenvolva a comunidade, pois eu gosto de ter contato com as pessoas dolocal onde eu moro. Já percebi que são atividades como estas que atra-em mais as pessoas do bairro, daí a minha vontade de exercer ativida-des deste tipo.

    Everton Ferreira Sales

    Olá, meu nome é Everton Sales, tenho 20 anos, sou paulistano epassei parte da minha infância morando em uma casa de doiscômodos no Jardim Ibirapuera, próximo ao Jardim São Luiz. Há trezeanos, eu me mudei para um conjunto habitacional no Valo Velhoonde até hoje moro com a minha família.

    Meus pais são baianos e migraram para São Paulo na década de 70.Infelizmente, nem meu pai e nem minha mãe concluíram o ensinofundamental. Eu sou o caçula de cinco irmãos e sou o único evangé-lico da família também.

    A comunidade onde moro tem boas condições de infra-estrutura ur-bana, porém, o espírito que havia (quando éramos do mutirão) seperdeu com o tempo.

    Estudei na escola Beatriz de Quadros Leme desde a segunda série econcluí o ensino médio. Sempre me destaquei nas matérias da áreade humanas, porém nunca fui um exemplo a ser seguido nas matéri-as exatas. Eu sempre participava dos principais eventos da escola,desde a marcha de sete de setembro até a organização dos grupospara a semana cultural.

    Fui apresentado ao teatro no ano de 1997 quando eu comecei aparticipar de um projeto chamado Teatro de Militância Social. Juntocom um parceiro daquela época, estou iniciando uma equipe de te-atro na região, a Equipe Prole.

    Mesmo sem condições financeiras, estou fazendo um curso de línguainglesa. Participo do projeto FALO, no qual temos acesso gratuito aoaprendizado desse idioma. Reuni um grupo de jovens que fazem o curso

    comigo e implantamos um projetosemelhante em nossa comunidadee repassamos o que aprendemosda língua inglesa. Com muito es-forço conseguimos cadeiras, livros,estantes e quadro branco para asala de aula que improvisamos nagaragem da minha casa, onde jáestamos dando aula há seis meses.

    Gosto de me divertir assistindo abons filmes, lendo bons livros e tentando jogar futebol com os ami-gos, pois eu nunca consegui aprender a jogar direito.

    De agora em diante, pretendo intensificar meus estudos, conseguiruma graduação universitária e buscar meios para ampliar os proje-tos dos quais faço parte.

    Quando fui convidado a integrar o grupo de jovens observadores, eu jáhavia tido contato com os integrantes do grupo da Associação ChicoMendes. Em função dessa prévia, eu já fazia uma idéia do que seria otrabalho como observador. Tive, então, a oportunidade de conhecer me-lhor a diversidade que há na região onde eu moro, passei a entendermelhor os porquês que giram em torno da violência, da comercializaçãodas drogas ilícitas e lícitas, e o desinteresse na área da educação.

    Quando nos é feita a pergunta: como foi ser um jovem observador?Posso dizer que me tornei um observador para o resto de minhavida. Ainda que eu tente não ser, existirá em mim sempre a necessi-

    Capão Redondo

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    ASSOCIAÇÃO CHICO MENDES

    A Associação dos Moradores do ConjuntoHabitacional “Chico Mendes” é uma entidade sem finslucrativos que se situa na região sul da Capital. Vemdesde sua fundação exercendo várias atividades - cul-turais, educacionais, esportivas etc. - voltadas para amelhoria da comunidade.

    A sede social é no Centro Comunitário do Con-junto Habitacional que foi construído pela CDHU (Se-cretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano do Estado de São Paulo). Com maisde 1000 famílias moradoras, o conjunto está entre os bairros do Parque Fernanda,Cohab Adventista, Jardim São Bento, Valo Velho, Jardim Independência, sendo quetodas essas comunidades se beneficiam de nossas múltiplas atividades.

    Nosso objetivo, além de promover o bem-estar social e solucionar problemas demoradia, é o de proporcionar a adolescentes e jovens de baixa renda a apropriaçãode espaços e serviços públicos, bens culturais, sistemas de informação e conhecimen-tos técnicos como ponto de partida para sua inserção social consciente, crítica e inte-grada com a sua Comunidade. É neste eixo que a discussão sobre Direitos Humanos,promovida pela atuação dos jovens no Observatório é muito importante para nossaatuação enquanto entidade.

    José Aparecido Martins de Souza, Presidente

    Telefone: 0xx11 5821-1120

    CAPÃO REDONDO

    Área: 1360 ha

    Localização: sudoeste do município de São Paulo

    Habitantes: 193.497 (1991) e 242.368

    Distribuição da população por faixa etária: 38,57% dos moradoresaté 18 anos (1996)

    Taxa de mortalidade infantil (por mil nascidos vivos): 14,66

    Renda média mensal: R$ 711,00

    Taxa de alfabetização: 88,9%

    Anos de escolaridade: 17,48% dos chefes de família tinham entre1 e 3 anos de estudos (1996)

    Estabelecimentos públicos de Educação Infantil: 23

    Estabelecimentos de Ensino Fundamental: 61

    Número de matriculados no Ensino Fundamental: 50.194

    Estabelecimentos de Ensino Médio: 23

    Número de matriculados no Ensino Médio: 14.387

    Estabelecimentos com atividade econômica: 672 (1997)

    Taxas de homicídio por 100 mil habitantes: 63,96

    Equipamentos públicos de atendimento básico à saúde (unidadesbásicas de saúde, centros de saúde e postos de atendimentomédico): 7

    Número de hospitais públicos e particulares: 0 (1998)

    Número de leitos: 0 (1998)

    * quando não especificado, o dado se refere ao ano 2000

    dade voraz de saber, de explorar, de identificar os erros e proporacertos, a venda nos meus olhos não pode mais ser recolocada, a

    voz não pode mais ser calada, pois a missão de observador é vitalí-cia, não importam as circunstâncias.

    Onde estamos?

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    Área: 1.509 km2

    Localização: sudeste do estado de São Paulo

    Habitantes: 9.646.185 (1991) e 10.434.252.

    Faixa etária da população: 33,66% da população com menos de18 anos (1996)

    Taxa de mortalidade infantil: 15,80

    Renda média mensal do responsável pelo domicílio: R$ 1.480,00

    Taxa de alfabetização: 92,0%

    Anos de escolaridade: 12,73 dos chefes de família tinham entre 1e 3 anos de estudos (1996)

    Estabelecimentos públicos de Educação Infantil: 1106

    Estabelecimentos de Ensino Fundamental: 2.366

    INFORMAÇÕES GERAIS

    Fontes

    Os dados relativos ao ano 2000 são do Censo Demográfico realizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

    Os dados do Censo foram recolhidos nos sites do IBGE (www.ibge.gov.br), da Fundação SEADE (www.seade.gov.br) e da Secretaria de Planejamento daPrefeitura do Município de São Paulo (www.prefeitura.sp.gov.br).

    Os dados sobre as taxas de homicídio nos distritos do município de São Paulo são produzidos pelo Programa de Aprimoramento das Informações deMortalidade no Município de São Paulo (PRO-AIM).

    Os relativos a Itapecerica da Serra são citados pelo SEADE com base nos dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo.

    Número de matriculados no Ensino Fundamental: 1.678.445

    Estabelecimentos de Ensino Médio: 1.130

    Número de matriculados no Ensino Médio: 601.271

    Estabelecimentos com atividade econômica: 194.941 (1997)

    Taxas de homicídio por 100 mil habitantes: 57,29

    Equipamentos públicos de atendimento básico à saúde (unidadesbásicas de saúde, centros de saúde e postos de atendimentomédico): 359

    Número de hospitais públicos e particulares: 183 (1998)

    Número de leitos: 38.441 (1998)

    * quando não especificado, o dado se refere ao ano 2000

    MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

  • 29

    Como Trabalhamos?

  • 31

    Iniciamos esse trabalho a partir da experiência acumulada na fase piloto do projeto que resultou noprimeiro Relatório de Cidadania. Na fase piloto, cadagrupo de observadores definiu separadamente os te-mas de sua preferência e escolheu as formas comopretendia abordá-los. Por um lado, isto nos permitiuque testássemos diferentes caminhos e estratégiaspara o trabalho, mas, por outro, preparar o primeiroRelatório significou um grande esforço de sistemati-zação, já que o material produzido pela observaçãoera muito diverso, mesmo dentro de cada grupo.

    Nessa etapa do projeto, pretendíamos aprimo-rar e consolidar nossa metodologia de trabalho e, paratanto, optamos por definir um mesmo caminho paraos grupos de observadores. Estabelecemos, assim, umtema e um modo de trabalho que seria comum entretodos os grupos. Com isso, buscávamos, também, fa-cilitar a sistematização das informações levantadaspara a produção do segundo Relatório de Cidadania.

    Optamos em permanecer nas mesmas comuni-dades que trabalhamos, tendo como parceiras as as-sociações comunitárias da fase piloto do projeto. Nascomunidades, houve necessidade de se recompor osgrupos de trabalho locais, pois alguns jovens deixa-ram o projeto em virtude de outros compromissosprofissionais e cada grupo passou a ter um integran-te a mais que na fase piloto, passando de três paraquatro jovens. A estrutura da equipe de acompanha-

    mento foi a mesma do piloto: cada grupo continuousendo acompanhado diretamente por um monitor, eum grupo executivo fazia a supervisão do andamen-to geral do trabalho.

    A retomada das atividades passou também peladefinição de uma agenda comum de trabalho, sendoinstituída uma rotina mínima de encontros semanais paraos observadores: dois dias de trabalho na comunidade,reunidos com os monitores (reuniões de grupos); doisdias para o levantamento e a sistematização das infor-mações; e um dia para as reuniões gerais com os gruposde todas as comunidades e os coordenadores.

    Nas reuniões gerais, os grupos de observadoreseram mediados pela coordenação e trabalhavam jun-tos discutindo, principalmente, os temas de trabalhoe a metodologia de observação. As reuniões de gru-pos eram mediadas pelos monitores que acompanha-vam os grupos nas associações. Nestes encontros, osjovens observadores apresentavam e discutiam comos monitores os materiais produzidos, organizando otrabalho de observação naquela comunidade. Alémdesses encontros, houve também reuniões semanaisentre a equipe de monitores e a coordenação. Nessasreuniões, cada monitor relatava como estava o anda-mento do trabalho em seu grupo, discutiam-se os pro-blemas encontrados e eram planejadas as atividadesque seriam realizadas, durante a semana, na comuni-dade e na próxima reunião geral.

    Os temas de observação foram os mesmos de-senvolvidos na primeira fase do projeto. Ao mesmotempo, pretendíamos também conhecer o impactolocal de algumas das políticas públicas relacionadasaos direitos abordados naquela fase. Assim, recome-çamos o trabalho rediscutindo os temas já tratadospara aprofundá-los, mas com um olhar direcionadopara o impacto de políticas públicas presentes nasquatro comunidades observadas.

    Nossa primeira atividade conjunta foi, então, aleitura e discussão do primeiro Relatório de Cidada-nia para identificarmos quais temas eram mais inte-ressantes para essa retomada. Isso também permitiu

    que os novos integrantes dos grupos se inteirassemsobre o modo de trabalho e, assim, pudessem seposicionar sobre os diferentes temas, contribuindopara a sua discussão.

    Nessas leituras surgiam conexões entre o traba-lho dos diferentes grupos (educação, cultura e lazer,trabalho e segurança) e a identificação de pontos ondeestes direitos se encontravam. A partir destas relações,foi discutida e aprofundada a idéia da indivisibilidadedos direitos.

    Como ocorreu no início da fase piloto do proje-to, a escola foi o tema mais presente nas discussõesdas reuniões gerais. Vários episódios relatados na fase

    Como Trabalhamos?

    A escolha dos temas de observação

    Como Trabalhamos

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    piloto do projeto tiveram a escola como cenário e,nas discussões da relação existente entre os quatrodireitos, ela foi uma das referências mais presentes.Além disso, se considerarmos as políticas públicas pre-sentes nas comunidades observadas, a escola é,inquestionavelmente, uma das expressões mais impor-tantes, sendo, talvez, o único equipamento públicopresente nas quatro comunidades. Por esses motivos,escolhemos trabalhar a escola como o foco de nossaobservação e através dela tratarmos dos direitos abor-dados na fase piloto.

    Se a escola foi o espaço mais lembrado nas dis-cussões, o direito mais debatido foi o direito à segu-rança. Os episódios de violência foram focos de gran-de preocupação: ao descreverem suas experiências nasescolas, os casos de insegurança eram uma constantenos diferentes grupos. A segunda maior preocupação,muitas vezes partindo do tema da violência, foram asquestões relacionadas ao uso da escola como um pos-

    sível espaço de cultura e lazer pela comunidade e, apartir disso, passamos a discutir a escola e o direito àcultura e ao lazer.

    Para a discussão destes direitos, estabelecemosque, em cada comunidade, observaríamos pelo me-nos duas escolas diferentes, dando prioridade à ob-servação das escolas públicas de ensino médio. Dian-te do tempo que dispúnhamos para a realização dasobservações, quatro meses, optou-se em dividir a ob-servação em etapas, para se verificar a situação decada um destes direitos nas escolas.

    Cada etapa de observação contaria com um mêse meio de duração, a primeira trataria da relação en-tre a escola e o Direito à Segurança e a segundasobre a escola e o Direito à Cultura e ao Lazer.Pretendíamos, caso houvesse tempo, trabalhar tam-bém com o Direito ao Trabalho e à Escola, mas,infelizmente, a sua realização não foi possível.

    Estabelecidas as principais etapas, iniciamos o tra-balho de observação. Para tratarmos da violência nasescolas, como para discutimos seu papel enquanto umespaço para a cultura e o lazer, começamos pela obser-vação dos fatos, relacionados aos temas, vividos ouconhecidos por cada um dos jovens observadores. Apósas primeiras discussões, cada observador se responsa-bilizou por relatar uma experiência pessoal ou um casoque conhecesse e que julgasse ser importante.

    Na primeira etapa, quando o tema era a violên-cia, foi mais simples definir e relatar essas experiênciaspessoais. Avaliamos que isso estava ligado ao fato queé mais fácil se definir o momento em que ocorre umcaso de violência que, normalmente, tem seus atores,contexto, começo, meio e fim claramente demarcados,do que determinar um momento em que se violou ouexerceu o direito à cultura e lazer. Além disso, as expe-riências violentas são sempre muito marcantes na me-mória de cada um. Mas, mesmo assim, nas duas etapasforam redigidos vários relatos pessoais.

    Depois de escritos, estes relatos foram trocadosentre os membros dos grupos para que fossem lidos ecomentados. Em uma das reuniões gerais, elegemosalguns textos, que foram lidos em voz alta, para quefossem discutidas as seguintes questões: o Relato estácompleto? Quem são os envolvidos no caso? Existem

    outras pessoas que poderiam estar envolvidas e nãoforam citadas? O relato tem relação com nosso tema?Por quê?

    Aproveitamos esta oportunidade para que, aomesmo tempo em que se ia reunindo o material quecomporia o Relatório, também se discutisse a impor-tância dos detalhes e da clareza na hora derecontarmos um caso, tanto para enriquecer uma dis-cussão, como para se evitarem mal entendidos. A par-tir dessas discussões, cada relato foi reescrito.

    Os relatos pessoais, além de servirem para a dis-cussão de nossos métodos, foram também muito im-portantes para o planejamento das entrevistas. Foi apartir deles que se buscou estabelecer uma lista de ato-res, lugares e pessoas que teriam alguma relação, di-reta ou indireta, com estes episódios. Inicialmente, foielaborada uma grande lista, permitindo a discussãodos motivos que justificassem entrevistar ou visitar oslugares listados. Feita esta discussão, cada grupo apon-tou os locais que teriam prioridade para serem visita-dos e as pessoas que seriam entrevistadas.

    De modo geral, tanto para o levantamento deinformações sobre segurança como também sobrecultura e lazer, surgiram os mesmos focos de traba-lho: os alunos e ex-alunos, dando