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REMOÇÃO DE DUREZA DA ÁGUA POR PRECIPITAÇÃO DOS ÍONS Ca +2 e Mg +2 E FLOTAÇÃO POR AR DISSOLVIDO – PROCESSO P-FAD R. D. R. SILVA 1 , R. T. RODRIGUES 1 e J. RUBIO 1 1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós Graduação em Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais e-mail: [email protected] , [email protected] e [email protected] RESUMO – A dureza da água (íons Ca +2 e Mg +2 , principalmente) representa um sério problema para muitas atividades industriais. Os principais problemas relacionados com a dureza são alto consumo de sabões, deposição de sais em membranas e incrustações em caldeiras e tubulações. Abrandamento de águas duras é normalmente realizado por técnicas de filtração e troca-iônica, mas problemas freqüentes de retro-lavagens e regeneração são comuns na indústria. Nesse trabalho o processo de precipitação química dos íons Ca e Mg, com íons fosfato e separação dos precipitados via flotação por ar dissolvido (processo P-FAD) foi investigado em escala de bancada e piloto (1 m 3 /h), em uma usina termelétrica no RS. Os melhores resultados foram obtidos utilizando 50 mg/L de fosfato, pH 11,5. Nestas condições foram alcançadas remoções de dureza total e de sílica solúvel superiores a 80% e 60%, respectivamente. Os resultados foram explicados em termos do equilibro químico da solução, fenômenos interfaciais e operacionais de flotação. PALAVRAS-CHAVE: Dureza da Água, Flotação por Ar Dissolvido e Precipitação Química 1. INTRODUÇÃO Os principais íons metálicos que conferem dureza à água são Ca +2 , Mg +2 (comumente associado ao íon sulfato), em menor grau Sr +2 (associado ao cloreto), Fe +2 e Mn +2 (Di Bernardo e Sabogal Paz, 2008). A dureza temporária é decorrente de cálcio associado aos ânions bicarbonato, sendo facilmente convertido a carbonato (pouco solúvel) por aquecimento ou elevação do pH da água. A dureza causada pelos cátions associados a outros ânions (sulfatos, cloretos e nitratos) é denominada dureza permanente. A dureza da água representa um sério e comum problema para muitas atividades industriais, principalmente em processos térmicos. Os principiais problemas relacionados com a dureza são consumo elevado de sabão pela água dura, deposição de sais em membranas e incrustações em caldeiras e tubulações devido à precipitação química de carbonatos de cálcio e hidróxido de magnésio com aumento da temperatura (Nalco, 1988; Kedem e Zalmon, 1997; Metcalf e Eddy, 2003; Ghizellaoui et al., 2007; Yuan et al., 2008). Além disso, problemas de corrosão em tubulações metálicas pela água dura ocorrem principalmente devido aos ânions cloreto e sulfato associados aos cátions determinantes de dureza (Kurita, 1999). O abrandamento (softening) de águas duras é convencionalmente realizado por técnicas de filtração (nanofiltração e osmose reversa) (Schaep et al., 1998; Khder, 2008) e ISSN 2178-3659 407

Remoção Da Dureza Da Água Por Precipitação Dos Ions CA e Mg COBEQ

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REMOÇÃO DE DUREZA DA ÁGUA POR PRECIPITAÇÃO DOS ÍONS Ca+2 e Mg+2 E FLOTAÇÃO POR AR DISSOLVIDO – PROCESSO P-FAD

R. D. R. SILVA 1, R. T. RODRIGUES1 e J. RUBIO1

1Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós Graduação em Engenharia de

Minas, Metalúrgica e de Materiais e-mail: [email protected], [email protected] e [email protected]

RESUMO – A dureza da água (íons Ca+2 e Mg+2, principalmente) representa um sério problema para muitas atividades industriais. Os principais problemas relacionados com a dureza são alto consumo de sabões, deposição de sais em membranas e incrustações em caldeiras e tubulações. Abrandamento de águas duras é normalmente realizado por técnicas de filtração e troca-iônica, mas problemas freqüentes de retro-lavagens e regeneração são comuns na indústria. Nesse trabalho o processo de precipitação química dos íons Ca e Mg, com íons fosfato e separação dos precipitados via flotação por ar dissolvido (processo P-FAD) foi investigado em escala de bancada e piloto (1 m3/h), em uma usina termelétrica no RS. Os melhores resultados foram obtidos utilizando 50 mg/L de fosfato, pH 11,5. Nestas condições foram alcançadas remoções de dureza total e de sílica solúvel superiores a 80% e 60%, respectivamente. Os resultados foram explicados em termos do equilibro químico da solução, fenômenos interfaciais e operacionais de flotação.

PALAVRAS-CHAVE: Dureza da Água, Flotação por Ar Dissolvido e Precipitação Química

1. INTRODUÇÃO

Os principais íons metálicos que conferem dureza à água são Ca+2, Mg+2 (comumente associado ao íon sulfato), em menor grau Sr+2 (associado ao cloreto), Fe+2 e Mn+2 (Di Bernardo e Sabogal Paz, 2008). A dureza temporária é decorrente de cálcio associado aos ânions bicarbonato, sendo facilmente convertido a carbonato (pouco solúvel) por aquecimento ou elevação do pH da água. A dureza causada pelos cátions associados a outros ânions (sulfatos, cloretos e nitratos) é denominada dureza permanente.

A dureza da água representa um sério e comum problema para muitas atividades industriais, principalmente em processos térmicos. Os principiais problemas

relacionados com a dureza são consumo elevado de sabão pela água dura, deposição de sais em membranas e incrustações em caldeiras e tubulações devido à precipitação química de carbonatos de cálcio e hidróxido de magnésio com aumento da temperatura (Nalco, 1988; Kedem e Zalmon, 1997; Metcalf e Eddy, 2003; Ghizellaoui et al., 2007; Yuan et al., 2008). Além disso, problemas de corrosão em tubulações metálicas pela água dura ocorrem principalmente devido aos ânions cloreto e sulfato associados aos cátions determinantes de dureza (Kurita, 1999).

O abrandamento (softening) de águas duras é convencionalmente realizado por técnicas de filtração (nanofiltração e osmose reversa) (Schaep et al., 1998; Khder, 2008) e

ISSN 2178-3659 407

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métodos de troca-iônica (Chuang et. al., 2005; Asano et al., 2007). Entretanto, problemas de incrustação (scaling) na superfície de membranas são comuns em unidades industriais (Ghizellaoui et al., 2007). Usualmente são adicionados reagentes seqüestradores (anti-scalant) especialmente a base de Ethylenediamine tetraacetic acid (EDTA) que formam complexos solúveis com os íons cálcio e magnésio, inibindo a precipitação desses sais.

A técnica de abrandamento por precipitação química (correção do pH) pode ser complementada pelo condicionamento de fosfatos, cuja finalidade é remover traços de íons cálcio devido ao fosfato de cálcio apresentar menor produto de solubilidade

que o carbonato correspondente (Silva e Kulay, 2006). Os principais derivados fosfatados empregados na precipitação de cálcio são: fosfato e ortofosfato de sódio, fosfato trissódico e hexametafosfato de sódio (Silva e Kulay, 2006).

Os padrões de qualidade das águas utilizadas em determinadas atividades industriais possui, muitas vezes, limites bastante rigorosos de qualidade. A Tabela 1 mostra alguns limites para a qualidade da água quanto à dureza, cálcio, magnésio e bicarbonato (Metcalf e Eddy, 2003).O resumo de alguns estudos reportados de abrandamento de águas duras é apresentado na Tabela 2.

Tabela 1. Qualidade da água requerida para uso em sistemas térmicos (adaptada de Metcalf e Eddy, 2003. p. 1416-1420)

Alimentação de caldeiras - Geração de vapor Características Baixa pressão Alta pressão

Mn, mg.L-1 0,3 0,01 Ca, mg.L-1 ** 0,01

CaCO3, mg.L-1 350 0,07 Água de resfriamento

Sistemas abertos Água de reposição (makeup) Sistemas semi-abertos Características

Águas doces Águas doces Mn, mg.L-1 ** 0,5 Ca, mg.L-1 200 50

CaCO3, mg.L-1 850 650

Tabela 2. Estudos de abrandamento de águas duras via processos com membrana, troca-iônica e precipitação química (coagulação)

Técnica de remoção de dureza/Autores Aplicação/Comentários Precipitação química, Kedem e Zalmon, 1997; Nason, 2006; Yan et al., 2008

Precipitação de cristais CaCO3 e Mg(OH)2 para remoção de íons Ca+2 e Mg+2, respectivamente. Remoção associada de matéria orgânica.

Filtração em membranas, Nicolaisen, 2003; Park et al. 2007; Low et al., 2008

Remoção de salinidade de água para abastecimento e aplicações industriais; Dessalinização de água do mar.

Troca-iônica, Mavrov et al., 1997; Bekri-Abbes et al., 2008

Remoção de íons Cálcio e Magnésio por troca-iônica (Sódio) em resinas e materiais reciclados.

Precipitação térmica, Silva e Kulay, 2006 Aquecimento da água até a decomposição dos íons HCO3

- em CO32- e conseqüente precipitação

de sais insolúveis na água.

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No Brasil, comparativamente, o limite

de dureza para águas de abastecimento público (drinking water) é de 500 mg.L-1 (Portaria 518/MS, 2004).

O objetivo desse trabalho foi estudar a remoção de íons cálcio e magnésio na água de poços tubulares que abastecem o sistema de geração de vapor de uma usina termoelétrica na cidade de Uruguaiana (RS – Brasil) via precipitação química dos íons cálcio e magnésio, seguida de flotação por ar dissolvido (processo P-FAD). Para isso, estudos dos aspectos químicos e operacionais de processo foram largamente investigados em laboratório e em unidade piloto de FAD – 1 m3.h-1. 2. METODOLOGIA

2.1 Materiais e Reagentes

Os estudos de caracterização, precipitação química dos íons determinantes de dureza e flotação por ar dissolvido em escala de bancada foram realizados com soluções sintéticas de CaCO3 (Synth®) e com água dos poços tubulares de uma usina termelétrica na cidade de Uruguaiana/RS, Brasil (água usada nas caldeiras da usina). Soluções aquosas de NaOH 1M (Merck) e H2SO4 1M foram usadas no controle do pH. Na2PO4.7H2O (Vetec Ltda.) foi usado nos estudos de precipitação de fosfato de cálcio a pH 11,5 e oleato de sódio na hidrofobização dos precipitados. Água deionizada com condutividade inferior a 4 μS.cm-1 foi utilizada em todos os estudos.

2.2 Métodos

Cromatógrafo iônico modelo 861 (Advanced Compact Ionic Cromatograph) da Metrohm® foi usado para determinação dos íons cálcio, sódio, sulfato e nitrato em solução. As determinações de carbono orgânico total e carbono total foram realizadas no medidor StarToc da Star Instruments LTDA. A dureza foi determinada pela complexação (solúvel) dos

cátions nas amostras com ácido etileno diamino tetracético (EDTA).

2.3 Estudos de Bancada

Nos estudos de flotação por ar dissolvido (FAD) de precipitados de cálcio e magnésio foram usadas soluções sintéticas de CaCO3 com concentração inicial de Ca+2 igual a 80 mg.L-1, além das águas dos poços da usina AES. A Figura 1 mostra o sistema utilizado na separação dos precipitados de cálcio e magnésio e que consta de um vaso saturador com volume de 3 L e uma célula de flotação em acrílico.

O efeito do pH no abrandamento das soluções por precipitação química foi estudado em 9, 10, 11 e 11,5. As concentrações de fosfato (PO4

-) estudadas foram de 10, 30, 50 e 100 mg.L-1 a pH 11,5, equivalente a razões de PO4

-:Ca+2 iguais a 0,2:1; 0,6:1; 1:1 e 2:1, respectivamente. Oleato de sódio foi usado como agente coletor dos precipitados de fosfato de cálcio gerados em concentrações de 10, 20 e 60 mg.L-1.

Os parâmetros de flotação estudados na unidade FAD em bancada foram pressão de saturação: 4 atm e taxa de reciclo: 30 %. A água usada no vaso saturador foi deionizada e a taxa de diluição causada pela adição do incremento de água do saturador na célula de flotação foi de 1,2 (20 % de reciclo). Uma válvula agulha foi usada na constrição de fluxo da água saturada com ar. O diâmetro médio (Sauter) das bolhas nesse sistema, extensamente investigado por Rodrigues e Rubio (2003), foi assumido em 40 μm.

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Figura 1. Unidade FAD em bancada.

a) Vaso saturador V = 3 L e pressão de saturação de 4 atm; b) Célula de flotação V = 2 L alimentada por uma válvula agulha para geração de microbolhas. Diâmetro de

bolhas menor que 120 µm.

2.4 Estudos Contínuos (Piloto)

Os estudos em nível piloto de flotação dos precipitados pelo processo P-FAD foram realizados com água proveniente dos poços da usina termelétrica, sendo a mesma armazenada em um tanque pulmão de aproximadamente 140 m3.

Foram coletadas alíquotas de 200 mL para as análises físico-químicas da água bruta, água tratada e do lodo flotado. Essas alíquotas foram imediatamente acidificadas com HNO3 (exceto a do lodo) até pH 3 e preservadas sob refrigeração para as análises químicas. Em cada ensaio piloto foram coletadas de 4 a 6 alíquotas da água bruta e da água tratada, em intervalos de 10 minutos entre as mesmas, após 1,5 horas de operação (estabilização) do equipamento piloto. A duração de cada ensaio piloto foi de aproximadamente 2,5 horas. Todas as análises químicas foram realizadas no LTM-UFRGS, exceto as de Sílica, as quais foram realizadas pela AES-Uruguaiana.

A Figura 2 apresenta o sistema de flotação piloto usado nos estudos. O sistema era composto por um vaso saturador do tipo leito de percolação (“packed saturator”) e uma célula de precipitação/flotação, em acrílico, com volume útil total de 430 L,

além de tanques de preparo de reagentes e bombas dosadoras. A célula FAD possuía um total de 4 câmaras (Figura 3). As câmaras de mistura rápida e lenta (A e B) possuíam agitação mecânica, a qual foi mantida constante em 200 e 30 rpm, respectivamente, com a utilização de inversores de freqüência.

Figura 2. Fluxograma do sistema de P-FAD

piloto contínuo.

Figura 3. Detalhe da célula de

precipitação/FAD. (A – câmara de mistura rápida para ajuste de pH; B – câmara de

mistura lenta para precipitação/hidrofobização; C – câmara de

contato bolha-sólido; D – câmara de separação)

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A Figura 3 apresenta também o

detalhamento dimensional e volumes de cada câmara. A Tabela 3 apresenta os tempos de retenção e as velocidades superficiais dos fluxos em cada câmara da célula P-FAD para vazão de alimentação = 1m3.h-1 e vazão de reciclo de água saturada = 0,3 m3.h-1.

Tabela 3. Tempo de retenção e velocidades superficiais nas câmaras da célula P-FAD

(Figura 3).

Câmara Retenção, min

Velocidade Superficial,

m.h-1

A – M. rápida 3,6 22,2 B – M. Lenta 7,2 11,1 C – Contato 2,7 28,9 D - Separação 8,7 9,0

A injeção da água saturada (reciclo do efluente tratado) na câmara de contato foi realizada com uma válvula agulha de 1 polegada e um distribuidor de fluxo tipo flauta (Figura 4). A vazão de alimentação do equipamento piloto foi de 1 m3h-1 e foi monitorada por um fluxômetro. A taxa de reciclo empregada foi de 30 % (0,3 m3.h-1) e a pressão de saturação foi mantida constante em 4 atm em todos os ensaios.

Figura 4. Aspecto das microbolhas saindo

no difusor tipo flauta, na câmara de contato.

O sistema de raspagem (Figura 5) possuía duas pás que raspavam continuamente o lodo flotado, cobrindo 100 % da área superficial da câmara de separação. A velocidade de raspagem foi de 0,79 m.min-1, e a freqüência de raspagem foi

de 1,2 min-1. A altura da espuma foi mantida constante em aproximadamente 4 a 5 cm.

Os parâmetros físico-químicos e operacionais do tratamento por P-FAD empregados nos estudos pilotos foram definidos na Etapa de Bancada do estudo. Especificamente, os estudos piloto foram realizados nessa seqüência: correção do pH em 11,5, adição de fosfato (PO4) a 50 e 100 mg.L-1, adição de oleato de sódio a 20 mg.L-

1. A pressão de saturação foi de 4 atm e taxa de reciclo de 30 %. A dosagem de fosfato foi realizada a partir de uma solução de fosfato de sódio heptahidratado (Na2HPO4.7H2O; PM = 268,07), da marca Labsynth Ltda. Água desmineralizada foi utilizada no preparo de todas as soluções.

Figura 5. Raspador contínuo do lodo

flotado.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Estudos de Bancada

Uma extensa caracterização físico-química das águas dos poços foi realizada a fim de conhecer os principais parâmetros de qualidade da água e possíveis interferentes na precipitação dos íons determinantes de dureza. A Tabela 4 mostra os resultados encontrados para água dos poços. As análises de Carbono Total (CT) – 81,4 mg.L-

1 e Carbono Orgânico Total (COT) – 1,2 mg.L-1 mostraram altos teores das espécies carbônicas de fonte inorgânica, provavelmente devido à ocorrência de carbonatos no solo da região.

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Tabela 4. Caracterização química das águas

usadas no estudo de P-FAD em nível de laboratório.

Parâmetros Poços tubulares Ferro, mg.L-1 0,08Cobre, MG.L-1 0,4Fosfato, mg.L-1 Não identificadoNitrato, mg.L-1 105,1Cloreto, mg.L-1 32,8Sulfato, mg.L-1 41,9Cálcio, mg.L-1 55,3COT, mg.L-1 1,2Carbono total, mg.L-1 81,4Dureza total, mg.L-1 170,0Sílica solúvel, mg.L-1 35,0

Efeito do pH. O equilíbrio das espécies carbônicas foi estudado para avaliar o efeito do pH na precipitação de carbonato de cálcio. Espécies carbônicas estão em equilíbrio em solução e os íons bicarbonatos (HCO3

-) predominam até o pH 10,3 e não formam sais com os íons cálcio. Para valores de pH acima de 10,3 as espécies iônicas carbonatos (CO3

-2) predominam e os íons cálcio são capturados para formação de um sal (calcita-CaCO3). A calcita apresenta solubilidade teórica em solução de aproximadamente 10 mg.L-1 (Kps = 4,47.10-

9, a 25°C). No entanto condições químicas naturais como a dissolução do gás carbônico (CO2) e a força iônica em solução aumentam a solubilidade da calcita na água.

A Figura 6 resume os resultados obtidos na remoção dos íons cálcio e magnésio em bancada. Foi observado que a redução da concentração dos íons cálcio foi maior nas soluções sintéticas do que na água de poços. Isso pode ser explicado por interferências de cátions metálicos e magnésio (vide Tabela 4) na precipitação (co-precipitação) do cálcio em águas naturais. A Figura 6 também mostra que na água dos poços a redução nas concentrações

finais de cálcio e magnésio foi melhor no pH 11,5 devido a completa conversão das espécies carbônicas para CO3

-2, facilitando a formação da calcita.

Efeito da adição de PO4-3. A Figura 7

mostra o efeito da concentração de fosfato na remoção dos íons cálcio da água dura na forma de fosfato de cálcio, esse sal apresenta solubilidade de aproximadamente 0,06 mg.L-1 a temperatura de 25°C. Os resultados mostram que a remoção dos íons cálcio aumenta proporcionalmente com o aumento da adição de fosfato. Por outro lado, a concentração final (pós precipitação-flotação) de íons magnésio não mudou com o aumento de fosfato a pH 11,5. Esses resultados mostram que os ânions PO4

-3 não interagem com os íons magnésio na formação de sais insolúveis nas condições estudadas.

9,0 9,5 10,0 10,5 11,0 11,50

20

40

60

80

100 Cálcio - Solução sintética Cálcio - Água dos poços Magnésio - Água dos poços

Con

cent

raçã

o fin

al, m

g.L-1

pH

Figura 6. Efeito do pH na remoção dos íons cálcio e magnésio pelo processo P-FAD –

Estudos de bancada. Condições: (a) Solução sintética - [Ca+2] = 82,5 mg.L-1; (b) Água

dos poços - [Ca+2] = 53,9 mg.L-1 e [Mg+2] = 20,75 mg.L-1.

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0 20 40 60 80 1000

10

20

30

40

Con

cent

raçã

o fin

al, m

g.L-1

Fosfato (PO4-), mg.L-1

Cálcio - Água dos poços Cálcio - Solução sintética Magnésio - Água dos poços

Figura 7. Efeito da adição de íons fosfato (PO4

-) na remoção de íons cálcio e magnésio pelo processo P-FAD – Estudos de bancada. Condições: (a) Solução sintética - [Ca+2] = 80,0 mg.L-1; (b) Água dos poços - [Ca+2] = 50,6 mg.L-1 e [Mg+2] = 18,7 mg.L-1. pH de

condicionamento - 11,5.

A flotação de determinado sólido em suspensão na água se deve fundamentalmente aos mecanismos de interação entre bolha-partícula (interface ar-sólido). Nesse sentido, oleato de sódio foi usado como reagente coletor dos precipitados de cálcio e magnésio na etapa FAD. A Figura 8 mostra os resultados do efeito do oleato de sódio em laboratório. A concentração de 20 mg.L-1 (6,6.10-5 M) de oleato de sódio apresentou vantagens quanto aos resultados obtidos em 10 mg.L-1 (3,3.10-

5 M). A concentração de 10 mg.L-1 do coletor não foi suficiente para alcançar a melhor condição de interação bolha-partícula. A partir de 20 mg.L-1 o excesso de oleato de sódio não contribuiu na flotação dos precipitados e a concentração residual dos íons estudados se mantiveram similares.

A taxa de reciclo da água saturada com ar e a pressão de saturação de ar comprimido em água foram otimizados em laboratório a valores iguais a 30% e 4 atm nos estudos FAD. Esses resultados serviram de base para os estudos contínuos (piloto) desenvolvidos posteriormente.

0

5

10

15

20

25

10 20 60Oleato de sódio, mg.L-1

Con

cent

raçã

o fin

al, m

g.L-1

Cálcio - Solução sintéticaCálcio - Água dos poçosMagnésio - Água dos poços

Figura 8. Efeito da concentração de oleato de sódio na remoção de íons cálcio e

magnésio pelo processo P-FAD – Estudos de bancada. Condições: (a) Solução sintética - [Ca+2] = 88,5 mg.L-1; (b) Água dos poços - [Ca+2] = 53,55 mg.L-1 e [Mg+2] = 20,3 mg.L-

1. pH de condicionamento - 11,5.

3.2 Estudos Contínuos (Piloto)

As Tabelas 5 e 6 mostram os resultados dos estudos com concentrações de 100 mg.L-1 e 50 mg.L-1 de PO4

-3, respectivamente, no condicionamento da água dos poços a pH 11,5. Cada amostra foi identificada pelas letras E (de Ensaio), A (Alimentação) e T (água Tratada pelo processo P-FAD). A redução na dosagem de PO4

-3 foi estudada para avaliar as concentrações de dureza e fosfato residual na água tratada. Os estudos apresentaram valores de eficiência de remoção muito similares. Entretanto, foi observado que o residual de íons fosfato nos estudos com 100 mg.L-1 de PO4

-3 foi da ordem de 30-40 mg.L-1 e os estudos com 50 mg.L-1 de PO4

-3 foi freqüentemente inferior a 2 mg.L-1. Isso revela uma importante vantagem no tocante aos aspectos ambientais de despejo dessa água em rios e lagos da região.

O descarte de efluentes com baixos níveis de macronutrientes (NPK) é importante para evitar proliferação de algas (eutrofização) e problemas com o equilíbrio

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ecológico no corpo hídrico. Não foram identificadas concentrações significativas de fosfato na água natural dos poços, sendo o fosfato presente na água tratada resultado apenas do reagente adicionado.

Os valores de sílica solúvel analisados em quatro amostras tratadas são apresentados na Tabela 7 (método GE Process Technologics Silica Alta LS 016 - análises realizadas na usina termelétrica). Valores de remoção superiores a 60 % de sílica solúvel foram alcançados, o que representou uma vantagem adicional do processo para a indústria do setor em função do grau de dificuldade de remoção desse elemento da água.

A quantidade de sólidos suspensos (flotáveis) na água dos poços foi de aproximadamente 190 mg.L-1 após a

precipitação em pH 11,5, adição de fosfato e oleato de sódio. A quantidade teórica de ar disponível para flotação (microbolhas) na pressão de 4 atm foi determinada segundo a Lei de Henry a 90,3 g.m-3 (T = 25 °C). A razão ar/sólido utilizada (calculado a partir da Equação 1), empregando-se um fator de eficiência de saturação do ar de 85 %, determinado em estudos prévios, foi de 0,046 mg ar/mg sólidos suspensos.

Tabela 7. Concentrações de sílica na água tratada e eficiências de remoção.

Amostra Teor de Sílica (mg.L-1)

Remoção* (%)

E1T3 12,5 64,3 E1T4 10,6 69,7 E2T3 15,8 54,8 E2T4 15,3 56,3

Tabela 5. Resultados de remoção de dureza nos estudos piloto. Condições operacionais: pH = 11,5, concentração de fosfato (PO4

-3) 100 mg.L-1, concentração de oleato de sódio de 20 mg.L-1.

ND – não detectado

Tabela 6. Resultados de remoção de dureza nos estudos piloto. Condições operacionais: pH = 11,5, concentração de fosfato (PO4

-3) 50 mg.L-1, concentração de oleato de sódio de 20 mg.L-1.

Água bruta Água tratada Remoção

Ensaio/amostra

Cálcio (mg.L-1)

Magnésio (mg.L-1)

Dureza (mg.L-1 CaCO3)

Ensaio/amostra

Cálcio(mg.L-1)

Magnésio(mg.L-1)

Dureza (mg.L-1 CaCO3)

Fosfato(mg.L-1)

Sódio (MG.L-

1)

Cálcio (%)

Magnésio(%)

Dureza(%)

E1/A1 50,1 17,1 207 E1/T1 21,4 2,8 23,0 37,9 362 57,2 83,6 88,8 E1/A2 50,1 17,4 218 E1/T2 17,9 0,1 20,0 34,2 347 64,2 99,4 90,8 E1/A3 48,9 16,6 227 E1/T3 18,5 2,5 22,8 36,8 347 62,1 84,9 89,9 E1/A4 49,6 17,1 216 E1/T4 8,9 ND 16,4 37,9 347 82,0 ND 92,4 E1/A5 49,1 16,4 216 E1/T5 9,2 0,8 17,2 39,5 349 81,2 95,1 92,0 Média 49,6 16,9 216 Média 15,2 1,6 19,9 37,3 351 69,4 90,8 90,8

Água bruta Água tratada Remoção

Ensaio/amostra

Cálcio (mg.L-1)

Magnésio (mg.L-1)

Dureza (mg.L-1 CaCO3)

Ensaio/amostra

Cálcio(mg.L-1)

Magnésio(mg.L-1)

Dureza (mg.L-1 CaCO3)

Fosfato(mg.L-1)

Sódio (MG.L-

1)

Cálcio (%)

Magnésio(%)

Dureza(%)

E2/A1 49,3 17,4 218 E2/T1 12,5 0,7 40 2,4 326 74,6 96,2 81,6 E2/A2 47,9 18,0 220 E2/T2 14,1 1,1 35 1,5 336 70,5 94,0 84,1 E2/A3 49,6 17,6 213 E2/T3 14,4 1,2 35 1,6 343 70,9 93,3 83,5 E2/A4 47,4 16,7 215 E2/T4 12,8 0,6 50 1,5 343 73,1 96,7 76,7 Média 48,6 17,4 216 Média 13,5 0,9 40,0 1,7 337 72,3 95,0 81,5

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QeflSSeflEfQrecPsH

SARazão

⋅⋅⋅⋅

= (Equação

1)

onde: H = cte Henry (g.m-3.atm-1); Ps = pressão de saturação (atm); Qrec = vazão de reciclo de água saturada (m3.h-1); Ef = Eficiência de saturação; SSefl = sólidos suspensos (mg.L-1); Qefl = vazão de efluente (m3.h-1).

A produção de lodo (densidade – 0,55 Kg.L-1, devido à presença de ar aprisionado da flotação) do efluente tratado foi da ordem de 14 kg por m3, contendo 1,4 % de sólidos em peso. A Figura 9 mostra as características do lodo gerado após 2 horas, pelo processo P-FAD. De modo geral, ainda foi observada uma capacidade de compactação do lodo flotado devido à separação (drenagem) da água.

Figura 9. Processo P-FAD. Características do lodo flotado após 2 horas.

Considerações Técnico-Econômicas. Em base aos resultados dos estudos piloto foi realizada uma pré-avaliação econômica (estimativa) com os principais custos envolvidos no tratamento de águas duras pelo processo P-FAD. Os resultados são mostrados na Tabela 8. Os principais custos com reagentes foram devido à adição de fosfato de sódio, esse incremento representou custos de R$ 2,80 e 5,60 para os

estudos de 50 e 100 mg.L-1 de PO4-3,

respectivamente.

Tabela 8. Processo P-FAD. Custos totais no tratamento de águas duras a pH 11,5.

Condições de estudo

Reagente R$.m-3

EnergiaR$.m-3

Total R$.m-3

50 mg.L-1 PO4

-3 3,4 0,5 3,9

100 mg.L-1 PO4

-3 6,2 0,5 6,7

Esses resultados indicam que os melhores resultados foram obtidos em pH 11,5, com adição de fosfato de sódio a concentração de 50 mg.L-1 de PO4

-3 e oleato de sódio em 20 mg.L-1. Estudos estatísticos estão sendo investigados para avaliar a condição ótima dos experimentos.

4. CONCLUSÕES Os resultados obtidos permitem

estabelecer as seguintes conclusões: O processo P-FAD apresentou elevada

capacidade de remoção de íons cálcio e magnésio da água. A remoção de dureza total média foi da ordem de 80% com uma concentração de fosfato igual a 50 mg.L-1. Nessa condição operacional, a concentração de íons cálcio na água tratada foi de 12 mg.L-1 e íon fosfato (residual) menor que 2 mg.L-1. Esses resultados caracterizam a água com boa qualidade para ser alimentada no sistema de desmineralização usado na geração de vapor nas caldeiras.

O processo P-FAD apresentou um bom potencial no tratamento de águas duras com elevada eficiência na remoção de íons cálcio, magnésio e sílica solúvel. Além dos reduzidos teores de fosfato residual na água tratada. A viabilidade de uma unidade de tratamento com precipitação e flotação por ar dissolvido (custos estimados de operação de R$.m-3 3,9 usando 50 mg.L-1 de PO4

-3 no condicionamento da água), como pré-tratamento a planta de desmineralização, deve ser investigada principalmente no tocante a redução dos custos de

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manutenção/retro-lavagem com as membranas e leitos de troca-iônica.

6. AGRADECIMENTOS Os autores desse trabalho gostariam

de agradecer a todas as instituições de fomento a pesquisa no Brasil, em especial ao CNPq pelo apoio na concessão de bolsa de doutorado. Agradecimentos aos colegas do LTM e LACER pelo apoio e ambiente amigável no desenrolar dessa pesquisa.

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