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Universidade Presbiteriana Mackenzie 1 NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS, AUTONOMIA E CAPACITAÇÃO NAS POLÍTICAS URBANAS PARTICIPATIVAS: O CASO EXEMPLAR DO MOVIMENTO OÁSIS Renata Minerbo Strengerowski (IC) e Volia Regina Costa Kato (Orientadora) Apoio: PIBIC Mackenzie Resumo A pesquisa busca ampliar a reflexão sobre as ações voluntárias, assim como a política de participação pública sobre comunidades carentes voltadas para a melhoria das condições urbanas e fortalecimento das identidades coletivas. Junto a isso, analisar a importância dessa participação pública, do papel dos Novos Movimentos Sociais e da rede (network), uma nova maneira de organizar e funcionar, de caráter igualitário e democrático, que tem se mostrado muito eficiente apesar dos desafios para se inserir na sociedade atual. Os objetivos específicos estão voltados para a análise dos Novos Movimentos Sociais, tendo o Instituto Elos e Oasis como exemplo de metodologia a ser aplicada em comunidades de maneira participativa. Realizar um balanço especulativo sobre os objetivos e resultados concretos de ações voluntárias e cooperativas dos movimentos sociais em torno da melhoria das condições urbanas de assentamentos precários, tomando-se o caso estudado como uma experiência exemplar. Palavras-chave: movimentos sociais, políticas urbanas participativas, empoderamento social Abstract The research wants to expand the reflection about the voluntary actions, as well as the policy on public participation on poor communities, looking for better urban conditions and strengthen collective identities. In addition, it wants to analyze the importance of public participation and the New Social Movements and its network, as a new way of organizing and working in a democratic way, that seems to be very efficient, even though it has difficulties penetrating in the actual society. The specific goal of this research is to analyze the New Social Movements, using the Instituto Elos and the Elos Oasis Methodology as an example of a methodology to be applied on communities in a participatory way. It aims to create a speculative balance between the goals and concrete results of the voluntary and cooperative actions of the social movements, around the improvement of urban conditions on settlements, using it as a successful case study. Key-words: social movements, participatory urban policies, social empowering

Renata minerbo

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Em parceria com a Professora Helena Abascal, publicamos os relatórios das pesquisas realizados por alunos da fau-Mackenzie, bolsistas PIBIC e PIVIC. O Projeto ARQUITETURA TAMBÉM É CIÊNCIA difunde trabalhos e os modos de produção científica no Mackenzie, visando fortalecer a cultura da pesquisa acadêmica. Assim é justo parabenizar os professores e colegas envolvidos e permitir que mais alunos vejam o que já se produziu e as muitas portas que ainda estão adiante no mundo da ciência, para os alunos da Arquitetura - mostrando que ARQUITETURA TAMBÉM É CIÊNCIA.

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NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS, AUTONOMIA E CAPACITAÇÃO NAS POLÍTICAS URBANAS PARTICIPATIVAS: O CASO EXEMPLAR DO MOVIMENTO OÁSIS

Renata Minerbo Strengerowski (IC) e Volia Regina Costa Kato (Orientadora)

Apoio: PIBIC Mackenzie

Resumo

A pesquisa busca ampliar a reflexão sobre as ações voluntárias, assim como a política de participação pública sobre comunidades carentes voltadas para a melhoria das condições urbanas e fortalecimento das identidades coletivas. Junto a isso, analisar a importância dessa participação pública, do papel dos Novos Movimentos Sociais e da rede (network), uma nova maneira de

organizar e funcionar, de caráter igualitário e democrático, que tem se mostrado muito eficiente apesar dos desafios para se inserir na sociedade atual.

Os objetivos específicos estão voltados para a análise dos Novos Movimentos Sociais, tendo o Instituto Elos e Oasis como exemplo de metodologia a ser aplicada em comunidades de maneira participativa. Realizar um balanço especulativo sobre os objetivos e resultados concretos de ações voluntárias e cooperativas dos movimentos sociais em torno da melhoria das condições urbanas de assentamentos precários, tomando-se o caso estudado como uma experiência exemplar.

Palavras-chave: movimentos sociais, políticas urbanas participativas, empoderamento social

Abstract

The research wants to expand the reflection about the voluntary actions, as well as the policy on public participation on poor communities, looking for better urban conditions and strengthen collective identities. In addition, it wants to analyze the importance of public participation and the New Social Movements and its network, as a new way of organizing and working in a democratic way, that seems to be very efficient, even though it has difficulties penetrating in the actual society.

The specific goal of this research is to analyze the New Social Movements, using the Instituto Elos and the Elos Oasis Methodology as an example of a methodology to be applied on communities in a participatory way. It aims to create a speculative balance between the goals and concrete results of the voluntary and cooperative actions of the social movements, around the improvement of urban conditions on settlements, using it as a successful case study.

Key-words: social movements, participatory urban policies, social empowering

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1. INTRODUÇÃO

Os propósitos iniciais da pesquisa se configuraram em torno de um duplo interesse:

primeiramente, ampliar, como participante do Movimento Oasis associado à ONG Instituto

Elos e aluna do Curso de Arquitetura e Urbanismo, o entendimento pessoal sobre esta

forma específica de se envolver e buscar soluções para os problemas das comunidades

carentes e, junto a isso, investigar os resultados de algumas ações na cidade de Santos, em

especial a Vila Alemoa, onde ocorreu em 2009 uma ação que resultou em um espaço

coletivo de lazer que atendia aos desejos manifestados pelos moradores. No decorrer da

pesquisa, este escopo inicial se ampliou. O olhar investigativo sobre o caso da Vila Alemoa,

interpelou-me sobre os conteúdos e significados mais amplos dos chamados Novos

Movimentos Sociais e suas práticas, nos quais se insere o Movimento Oasis. Ao contrário

dos movimentos sociais urbanos anteriores que se caracterizavam por ações de pressão,

reivindicações e protestos, as novas formas de organização social possuem composição

mais fluida dos agentes, facilitadas redes tecnológicas de contato, apelam para ações

concretas, buscam fortalecer os elos de identidade urbana e social e fomentam capacitação

dos indivíduos nos processos de participação inerentes às políticas públicas urbanas.

Mostrar como estes aspectos se articulam na aplicação da Metodologia Elos Oasis,

configura assim os objetivos e resultados desta pesquisa, destacando casos exemplares de

sua atuação.

Com efeito, as novas conjunturas brasileiras, desde os processos sociais de

redemocratização que culminaram na Constituição de 1988 e posteriormente no Estatuto da

Cidade (2001), consolidam a participação social como elemento inerente das políticas

públicas urbanas. Entretanto, avaliações críticas sobre as formas de inserções dos agentes

sociais na formulação e execução destas políticas têm evidenciado processos ainda

incipientes de envolvimento participativo cujo fortalecimento dependeria de experiências

continuadas nesta direção e, portanto, de uma dinâmica histórica de aprendizagem política.

Tudo indica que os Novos Movimentos Sociais têm caminhado nesta direção, como pode

ser visualizado nos resultados desta pesquisa. À partir de alguns referenciais teóricos,

busca-se descrever e analisar atuações exemplares na Vila Alemoa, Paquetá e outras, que

podem ser entendidas como o movimento em ação.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O embasamento teórico da pesquisa se dá em duas dimensões fundamentais: a contextual,

onde se destacam as formas de inserção da participação popular no Brasil, e a conceitual,

destacando interpretações sobre os movimentos sociais e as características das ONGs.

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O século XX foi marcado pelo crescimento intenso e desordenado das áreas urbanas que se

apresentavam como reflexos de acentuadas e cumulativas desigualdades sociais. Deficits

de infraestruturas e de atendimento de demandas habitacionais, além de carências de

saneamento básico, apelam para os questionamentos de qualidade de vida e

sustentabilidade urbana global. A urbanização mundial passa a assumir contornos cada vez

mais preocupantes, não apenas pela proeminência de crescimento populacional nas

cidades (desde 2007 a população urbana já supera a população rural no mundo). Uma vez

que os processos tanto econômico como político-sociais são cada vez mais interconectados

na escala mundial, o avanço da pobreza é preocupante, sendo evidente a necessidade de

adoção de outros mecanismos de gestão urbana capazes solucionar os problemas da

cidade. Levando em conta tais fatores, desde a Conferência Urbana Mundial de 1998, A

Conferência de Istambul, a ONU vem formatando diretrizes aos Estados Nacionais no

sentido de incorporar a cooperação entre iniciativas públicas, privadas e sociais. O Plano

defende novos modelos de governança que envolvam parcerias entre atores que constroem

e operam as cidades, aproveitando os recursos e infraestruturas existentes, investindo nos

recursos humanos disponíveis como condição fundamental para o desenvolvimento de

qualquer comunidade.

“A Conferência [UN- Habitat] de Istambul marca uma nova era de cooperação, uma era de cultura à solidariedade. Enquanto caminhamos para o século XXI, oferecemos uma visão positiva de assentamentos humanos sustentáveis, um sentido de esperança para um futuro comum e um conselho de participar de um desafio verdadeiramente vantajoso e atraente, de construirmos junto um mundo onde cada um pode viver em uma casa segura com a promessa de uma vida decente de dignidade, boa saúde, segurança, felicidade e esperança.” (Istambul Declaration - The Habitat Agenda, 2006)

Especialmente com a Declaração do Milênio (2000) e a instituição do UN-HABITAT como

responsável por metas de atendimento da demanda habitacional no mundo, a ONU

estabelece os Fóruns Urbanos Mundiais como o principal canal de participação sócio-

política entre os Estados nacionais, mobilizando ações práticas e inovações urbanas de

minimização da pobreza mundial. (ANTONUCCI, 2010) No avanço desta perspectiva, o

Fórum Urbano Mundial de 2006, ocorrido na cidade de Vancouver declara, como um dos

seis temas fundamentais a serem debatidos internacionalmente, a necessidade de se

fomentar novas metodologias de capacitação dos movimentos sociais visando inovações

nas políticas públicas urbanas e uma efetiva inserção social das comunidades carentes.

Construir uma nova cultura cívica, significa conceber um processo em construção e que

depende entre outros aspectos, de capacitação da população e de possibilidades de acesso

a informações. (Idem, 2010: 99)

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No Brasil, se a participação popular sempre exerceu pressões no sentido do avanço de

conquistas sociais através de protestos e mobilizações em torno das necessidades de

habitação e de infra-estruturas urbanas é, sobretudo nos anos de 1980, que as

reivindicações que acompanham as lutas pela redemocratização do país, se associam a

propostas específicas de inclusão social nas políticas públicas urbanas. Tal como situa

Gohn (2003:50):

“A participação popular foi definida, naquele período, como esforços organizados para aumentar o controle sobre os recursos e as instituições que controlavam a vida em sociedade. Esses esforços deveriam partir fundamentalmente da sociedade civil organizada em movimentos e associações comunitárias.(...) Tratava-se de mudar as regras do controle social e de alterar a forma de fazer política no país”.

A mudança de conotação em prol de apelos participativos significa um aumento na

democratização (como defende a Constituição de 1988) e o surgimento de um mediador da

relação Estado- Sociedade e proposições de qualidade, uma vez que os civis estão

presentes no cotidiano do local, possibilitando uma real interpretação das prioridades,

estabelecendo diagnósticos e estratégias específicas para o local. Além disso, essa nova

maneira de governar significa uma mudança na postura e valores dos indivíduos em seu

habitat, que passam a abrir mão de certos interesses individuais pelo bem comum (o que

raramente vemos na política brasileira). Deve haver cooperação e coletividade, com

responsabilidades distribuídas conforme as afinidades das pessoas e de preferência com

uma organização horizontal, ou seja, sem hierarquia- em rede- para que elas cumpram seus

deveres com prazer, e não por obrigação. É nesta conjuntura de mobilização social que

desponta o conceito de empoderamento, isto é, a capacidade de autonomia para a ação e

fortalecimento de caminhos específicos aos ideais das diversas organizações sociais ao

largo de possíveis manipulações e cooptações políticas.

“O empoderamento de grupos e indivíduos via capacitação política e organizacional, que leva ao resgate – crescimento da auto-estima – e à construção da identidade, assim como ao acesso a oportunidades de emprego e geração de renda, itens de grande relevância em uma conjuntura de desemprego. O empoderamento torna mais fácil, também, o acesso aos serviços públicos, devido à difusão de informações que gera”. (Idem, 2003: 58)

De acordo com a análise crítica desta autora em torno dos processos vigentes, essas novas

práticas tendem a se defrontar com obstáculos decorrentes da cultura política nacional, em

que predominam valores como clientelismo, paternalismo, e populismo, além da

implementação de projetos privilegiando interesses particulares, a descrença na eficácia das

leis, o “jeitinho brasileiro” com percepções distorcidas como a naturalização da corrupção e

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a valorização das estruturas corporativas, nos aspectos de vícios e privilégios que elas

carregam. Em muitos casos, os processos participativos se resumem em um grande

discurso descolado de práticas condizentes. Em suas avaliações,

“Observa-se que a operacionalização não plena dessas novas instâncias democratizantes se dá devido à falta de tradição participativa da sociedade civil em canais de gestão dos negócios públicos; a curta trajetória de vida desses conselhos e, portanto, a falta de exercício prático; e ao desconhecimento das possibilidades por parte da maioria da população.” (GOHN, 2003: 90).

Pode-se dizer que a falta de divulgação da possibilidade de participação pública está ligada

não só à falta de tradição no país, mas também a uma estratégia para conservar os vícios

de privilégios particulares e troca de favores. A participação social, num modelo que vem

sido incorporado pelas ONGs contemporâneas, busca uma relação ideal entre sociedade e

Estado. Tem um grande poder de mobilização, e passa a ser vista como energias

canalizadas para objetivos comuns, buscando cotidianamente os resultados desejados por

todos, ainda que o conteúdo político seja quase esquecido. Questões como a de que

maneira motivar as pessoas a se envolverem com a comunidade e seu bairro estão sempre

em discussão, notando-se que o sentimento de pertencer e de identidade podem motivar tal

participação. Nota-se também que com as novas ONGs, o que une as pessoas mais do que

sua comunidade e localidade é uma causa em comum, a busca pela solidariedade, como

um valor ético que se contrapõe ás tendências predominante, competitivas e individualistas.

Sem dúvida, a identificação com a causa e a conexão com o lugar são essenciais para o

envolvimento do indivíduo, uma vez que as pessoas passam a querer fazer, e não dever. O

fato de ser uma organização mais fluida, por cada vez mais estarem organizados em rede,

deixando de lado a hierarquia, também atrai mais as pessoas. Esta é a estratégia utilizada

pela Metodologia Elos (explicada adiante), exemplo de um Novo Movimento Social que

busca o desenvolvimento comunitário através da participação da população na realização

dos sonhos coletivos e utilizando a organização em rede, que tem se mostrado muito efetiva

para catalisar as ações práticas.

Em termos conceituais, Ilse Scherer (1996) define os Novos Movimentos Socais (NMS)

como organizações a partir da sociedade civil que buscam estabelecer um novo equilíbrio

de forças entre o Estado e a sociedade, assim como dentro dela própria, entre os

dominantes e os dominados. Além disso, buscam a descentralização do poder, criando

novas relações comunitárias através da reapropriação política. “(...) tal fenômeno poderia

ser considerado como estatisticamente pouco significativo. Porém, creio que

qualitativamente é importante considerar estes focos de transformação que emergem a

partir das bases da sociedade”. (IDEM, 1996: 50)

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Unir o potencial do Estado (poder institucional) com o da população (vitalidade,

numerosidade e força) de maneira equilibrada, pode potencializar a força para a

transformação social numa dialética entre força comunitária e política participativa, como

defendem os Novos Movimentos Sociais (NMS). Entende-se aí como política participativa o

trabalho coletivo e cooperativo de três instâncias na resolução de questões da cidade: os

órgãos públicos, as entidades privadas e as organizações populares. Já a organização

comunitária requer uma responsabilidade coletiva, isto é, autonomia e pró-atividade dentro

do grupo, criando e/ ou fortalecendo uma identidade. Esta, por sua vez, é essencial para

que haja dedicação e engajamento dos indivíduos para com seus coletivos.

A partir dos anos de 1990, Scherer (1996: 51) destaca a importância da compreensão das

redes de movimento (network organizations) estabelecidas entre organizações populares e

outros movimentos culturais e políticos. “Parte-se da hipótese de que é nas articulações

entre organizações e atores políticos e nas subseqüentes criações de redes que vem se

constituindo um movimento social”. Nota-se que tais articulações criam uma identidade entre

os agentes por conta de valores e ideais comuns, mesmo que os Movimentos tenham focos

distintos. Esta identidade fortalece tal rede, conectando atores de movimentos culturais e

políticos, potencializando e unindo os focos de transformações sociais existentes, que

isolados costumam ser pouco efetivos. Conclui-se que a rede de movimentos, sejam eles

culturais ou políticos, consiste na conexão dos pequenos focos de transformação. Como

dito, esta conexão amplia a efetividade das ações vindas da sociedade civil, além de

fortalecer sua atuação no campo político e revolucionário na cultura tradicional da

população. A rede liga grupos de objetivos comuns, além de facilitar a troca de informações,

conhecimentos e contatos úteis aos mais diversos Movimentos, possibilitando o surgimento

de uma cultura de caráter mais coletivo e cooperativo.

Como aponta Scherer (Idem: 60- 63) existem desafios a serem superados por essa nova

maneira organizacional: a falta de homogeneização entre os Movimentos, até mesmo dentro

de uma mesma organização em diferentes locais, não fortalece Movimentos com mesmos

objetivos e valores que poderiam trabalhar juntos; a dificuldade de inserção na sociedade

como movimento cultural, a que questiona os valores tradicionais; o conflito entre o discurso

ideológico e a prática é comum dentro dos próprios Movimentos. Estes, possuem algumas

características comuns independentemente do que defendem ou reivindicam, como a

política participativa e o equilíbrio de forças sociais.

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3. O MÉTODO

A pesquisa se caracteriza por uma diversidade de métodos de levantamento de dados e de

análise, perseguindo um caminho interpretativo não linear, envolvendo revisão bibliográfica,

observação de campo, contatos e entrevistas informais e outras orientadas por uma pauta

de conteúdos. Numa primeira etapa, a pesquisa bibliográfica onde se buscava a ampliação

conceitual e análise dos movimentos sociais urbanos, possibilitou uma compreensão mais

consistente e abrangente sobre a atuação do Oasis, redirecionando os focos iniciais da

pesquisa. Ao invés de se ater a uma única ação, a análise passou a focar nas

características do próprio Movimento e no alcance de suas práticas. Sobretudo, permitiu

orientar a interpretação em termos de convergência entre o discurso do movimento e as

suas ações concretas. No que diz respeito à Metodologia Elos Oasis, foram usados sites,

materiais da formação dos jovens e entrevistas informais com Rodrigo Rubido (um dos

fundadores do Instituto Elos) e Thais Polydoro, (Guerreira Sem Arma e integrante da equipe

desde 2000), além do conhecimento pessoal adquirido nesses dois anos de prática.

Foi feita uma entrevista com Ronaldo Pereira, morador da Alemoa que recebeu os

Guerreiros Sem Armas em 2009 e que, foi tão transformado e conquistado pela

metodologia, que acabou de participar dos Guerreiros Sem Armas 2011. A entrevista foi

feita em campo, buscando observar também as características urbanas e mudanças

ocorridas depois da primeira ação do Oasis. Os dados oficiais da área foram adquiridos em

pesquisas no site da Prefeitura de Santos e em Trabalhos Finais de Graduação de

Arquitetura e Urbanismo que englobam a área em questão, referenciados na Bibliografia.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Metodologia Elos Oasis é um exemplo de práticas dos Novos Movimentos que utilizam-se

da participação pública para atingir seus objetivos, além de serem organizados de maneira

inovadora- em rede- e buscando parcerias para viabilizar projetos. É interessante analisar a

iniciativa dos pontos de vista de participante do Movimento e de estudante em busca de

esclarecimento dessa nova maneira de se organizar e atuar na sociedade. Abaixo consta

toda a descrição da Metodologia Elos Oasis, desde sua origem até cada etapa do processo.

4.1. O INSTITUTO ELOS E O MOVIMENTO OASIS

4.1.1. Origem

O Oasis surgiu na mobilização de estudantes de arquitetura da FAU-Santos que discutiam a

metodologia da disciplina de projeto. Integrantes do Diretório Acadêmico, os jovens

organizaram o ENEA Santos (Encontro Nacional de Estudantes de Arquitetura), com o tema

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da “arquitetura na rua”, propondo ações práticas em comunidade e dando início a um

movimento que daria muitos frutos.

Na época (1996), o Museu da Pesca de Santos estava em péssimas condições de

conservação, prestes a ser desativado caso não surgisse uma proposta eficiente e em

conta. Quatro estudantes se mobilizaram para fazer o projeto e execução por meio de

mutirão, com campanhas de divulgação e arrecadação de recursos que iam desde venda de

adesivos à grandes festas. Organizaram oficinas, conseguiram apoios estratégicos e

contaram com a participação de cerca de 100 pessoas ao longo de todo o processo, que

terminou no ano 2000, dando origem ao Instituto Elos e à Metodologia Elos Oasis que foi

sendo criada nesse processo e veio a ser oficializada em 2003. Hoje ela está patenteada no

modelo mais aberto possível- o Criative Commons- que consiste na livre manipulação,

distribuição, compartilhamento e replicação destes conteúdos.

Durante o processo, que durou quatro anos, o grupo foi se consolidando e percebendo

elementos fundamentais para que ações como essa dessem certo. Segundo Rodrigo

Rubido, um dos quarto estudantes que deram origem à metodologia e um dos fundadores

do Instituto Elos, destaca alguns destes elementos: fortalecer o jovem para agir pela

sociedade, estimular a política participativa e criar um desafio real, com resultados visíveis a

curto ou médio prazo. O desenvolvimento de uma metodologia com um passo-a-passo de

como implementar a política participativa tira do discurso e facilita a prática da mesma.

4.1.2. O Propósito

A ideia é estimular protagonistas da transformação desejada, visando a pró atividade e

ações concretas e resultados a curto ou médio prazo. Há uma extrema necessidade da

participação da sociedade civil na resolução dos problemas das cidades, uma vez que as

esferas governamentais não dão conta da demanda e muitas vezes não sabem a

necessidade real das cidades, municípios ou bairros. Como levantado anteriormente, o

envolvimento de cidadãos na política pode, não só agilizar os processos e responder

diretamente às necessidades locais, como agir em prol de questões relacionadas ao

governo brasileiro, uma vez que a politização da população é essencial para um

desenvolvimento e mudança efetivos.

O Instituto Elos define seu propósito como “Impulsionar um movimento de fazer

acontecer já o mundo que todos sonhamos”. Em entrevista, Rodrigo explica a frase.

“Impulsionar um movimento” pelo fato de que sozinho uma ação é muito pontual,

enquanto um movimento tem a força coletiva e promove mudanças maiores e mais efetivas

que podem ir se expandindo mais rapidamente; “Fazer acontecer já” traz para a realidade; a

materialização é um estímulo para dar continuidade ao movimento. O fato de materializar os

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sonhos e projetos é um estímulo para dar continuidade ao uso da metodologia, envolvendo

as pessoas cada vez mais em sua filosofia; “O mundo que todos sonhamos” é lutar pelo

melhor mundo, não apenas por um mundo melhor; buscar a utopia como realidade. É

acreditar no potencial de transformação que cada um tem dentro de si e investir para que se

materialize.

4.1.3. Definição

O Instituto Elos é responsável pela formação de jovens para que possam aplicar o jogo onde

e quando desejarem. Isso se dá de duas maneiras: a primeira, o Guerreiros Sem Armas,

que acontece a cada 2 anos e é o principal programa do Instituto, em que jovens do mundo

todo vão à Santos em uma imersão de 1 mês para serem capacitados nas tecnologias

sociais e no passo a passo da metodologia (o qual participei da edição de 2009). O segundo

formato é o Oasis Training, que é uma espécie de Guerreiros Sem Armas express, com

capacitação adaptada em 10 dias, 1 semana ou 1 fim de semana.

O Oasis é uma tecnologia social prática de desenvolvimento comunitário que convida uma

comunidade a projetar e construir de forma cooperativa um projeto desafiador escolhido

pelos moradores para satisfazer suas necessidades. O Jogo visa despertar e cultivar um

espírito de empreendedorismo social cooperativo nos membros da comunidade, mas

também enfatiza o estímulo à comunidade em si. Sob esse aspecto, dois dos principais

objetivos são restaurar e/ou fortalecer as relações e ligações afetivas que unem uma

comunidade; e cultivar um senso de oportunidade e de responsabilidade de cuidar das

pessoas e do ambiente à sua volta.

As pessoas capacitadas são quem alimentam o Movimento Oasis, que acontece em

rede, através da união de pessoas nos ambientes virtual e presencial, considerando uma

definição ampla de comunidade e envolvendo representantes de diferentes setores da

sociedade – ONGs, governo municipal, iniciativas privadas, assim como moradores de

outras partes da cidade. Neste caso, surgem ações espontâneas em todo o mundo, não

necessariamente com o envolvimento do Instituto Elos, contando com o poder, força e apoio

da rede. As pessoas que fazem acontecer normalmente são jovens com espírito de

liderança e com uma visão crítica de sua atuação e papel na sociedade.

“Estimular e habilitar grupos para cooperação e empreendedorismo de grupo e comunitário; promover o olhar apreciativo e ampliar a capacidade de cada um propor soluções criativas para as questões críticas da nossa sociedade, do nosso bairro; trazer para o cotidiano dos participantes a percepção que é possível transformar o mundo sem sofrimento; sem comprometer a sua liberdade ou autonomia e ainda fazer tudo com muito prazer; promove a prática de valores humanos como: respeito, compaixão, cooperação, aceitação de diferenças etc.; amplia o nível de informação sobre estratégias de sustentabilidade ambiental e auto construção; e

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restaurar ou constrói um sonho comunitário, podendo ser replicável.” (INSTITUTO ELOS, 2009)

A Metodologia Elos Oasis, tal como aponta Engels (2009), foi inspirada na cultura Guarani e

no mito da Terra Sem Males, nas tradições caiçaras, nos princípios da multidisciplinaridade

e visão holística, no conceito de associativismo, cooperação e construção coletiva. Além

dessas inspirações, a metodologia foi baseada na filosofia Waldorf (antroposofia), no

conceito de capital social de Augusto de Franco, no livro Alfabetização Ecológica de Fritjof

Capra, no livro “O Teatro do oprimido” de Augusto Boal, no sentimento humano trazido por

Paulo Freire, na prática de atividades lúdicas (a arte de brincar) e na prática de fazer

perguntas (estimular as pessoas a buscar as próprias respostas).

Há alguns pré requisitos para que a ação do Oasis seja efetiva, como por exemplo, a

existência de uma organização prévia da comunidade (associação dos moradores ou ONGs

atuantes), ou ao menos um sonho comum, com um mínimo de 5 moradores encantados

com a proposta. O envolvimento e empoderamento de adultos também é essencial para que

haja continuidade e que novas ações aconteçam, sendo essencial criar metas de médio

prazo para estimular o engajamento. O contato constante para garantir o envolvimento dos

moradores assim como a disseminação da proposta para o máximo de pessoas possível

também é essencial antes da chegada dos voluntários, que por sua vez fortalecem os laços

com a comunidade e iniciam a fase da Proposição e da Ação.

A metodologia propõe, por meio de 8 tecnologias sociais e de 7 etapas, transformar espaços

degradados em espaços coletivos de maneira dinâmica e trabalhando o campo afetivo,

criando laços e reforçando a identidade daquela população para com aquele local. Em

poucos dias são implementadas soluções projetadas coletivamente a partir do levantamento

de talentos, recursos e sonhos locais. Uma vez que o projeto é feito quase que unicamente

com elementos da própria comunidade, ele funciona como uma fonte para a auto-estima

daquela população, que passa a acreditar na sua capacidade de criar e suprir seus próprios

desejos, deixando de depender do poder público, e estabelecendo uma nova possibilidade

de relação: a parceria. A transformação é principalmente interna nos indivíduos, à medida

que se mobilizam para a criação de um espaço físico que representa a materialização dessa

transformação, assim como do esforço conjunto em função de um objetivo comum. Isto

significa que a construção física não é a prioridade da ação, e sim um estímulo visual para a

transformação interna de cada indivíduo e da comunidade como unidade (comum-unidade).

Ainda assim, nota-se a importância de espaços de convivência, encontro, permanência e

lazer do ponto de vista urbanístico, uma vez que o desenho da cidade influencia diretamente

no comportamento das pessoas.

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4.1.4 Metodologia

Como dito, a metodologia consiste em 7 passos do processo desde o diagnóstico até a

realização, que devem ser aplicados após uma conversa prévia com os moradores, com o

comprometimento e constatação da vontade de fazer acontecer. Cada passo utiliza-se de

tecnologias sociais (Comunicação Não Violenta, Olhar Apreciativo, Cafe Comunitário, Open

Space, Danças Circulares, Jogos Cooperativos, Rede e Mutirão) e que facilitam ações em

grupos, assim como auxiliam na assimilação do processo. Cada etapa é essencial para que

o processo seja efetivo, e é aplicada primeiro pelos participantes e depois pela comunidade.

a. O olhar (Percepção): Reeducar o olhar e a percepção dos espaços e pessoas,

através do Olhar Apreciativo (ou Investigação Apreciativa), buscando sempre o belo e a

abundância onde aparentemente só existe escassez. O exercício estimula a prática de fazer

perguntas que reforcem a capacidade de elevar o potencial positivo.

b. O afeto (Informação): Conhecer a vida da comunidade: quem são as pessoas que

produzem o belo (coisas e ações), quem são as lideranças afetivas (pelo respeito e afeto

que a comunidade tem a ela), como rezadeiras, educadores, artesãos ou anciãos. Nesse

momento são mapeados os talentos e recursos existentes no local, além de aprofundar

nas origens culturais da comunidade e nas características dos moradores locais

c. O sonho (Reflexão): Descobrir quais são os sonhos da comunidade trabalhada através

de conversas com os moradores. A abordagem é feita perguntando os sonhos das pessoas,

ao invés de perguntar dos problemas, uma vez que os sonhos normalmente são a resolução

dos problemas (eles mesmo já propõe a solução), mas abordados de maneira positiva e

Passo a Passo da metodologia.

Fonte: www.elosmaiscultura.com.br

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otimista. Fazem-se perguntas que estimulam a reflexão, até que a pessoa conclua quais

são seus sonhos mais íntimos no que diz respeito ao espaço e a sua vida naquele lugar.

d. O cuidado (Proposição): Elaborar coletivamente a proposta de ação, que deve atender

ao maior número possível de sonhos coletivos da comunidade, considerando as

informações levantadas nos processos 1 a 3. Essa proposta de ação é feita em uma

reunião com a comunidade, onde eles sistematizam seus sonhos, recursos e talentos

através do World Café. Depois disso é feita uma maquete física para que os moradores

possam visualizar o sonho coletivo escolhido a ser realizado, além de servir como um apoio

para o momento da materialização.

e. O milagre (Ação): É o momento Mão na Massa para materializar o sonho projetado. Isto

é feito através de um mutirão com uma mobilização prévia dos recursos necessários

(espaço físico, matéria-prima, ferramentas, mão de obra, alimentação, entre outros). Nesta

etapa trabalha-se principalmente a cooperação, autonomia e pró atividade, buscando a

materialização imediata dos sonhos, o fortalecimento e a articulação da rede de

parceiros.

f. A Celebração: Comemorar o milagre da transformação atingida coletivamente. A forma

de celebração fica a critério da comunidade; este é o momento de fortificar os elos criados,

compartilhando os aprendizados e desafios vivenciados no processo.

g. Re- Evolução: É o momento de colher aprendizados e planejar ações a partir da

iniciativa e autonomia de cada comunidade, conectando-a à rede de outras comunidades e

parceiros do Oasis. Inicia-se com o Encontro do Futuro, lançando novos desafios e traçando

novos objetivos com a comunidade. (www.oasismundi.ning.com)

4.2. AÇÃO DO MOVIMENTO OASIS NA VILA ALEMOA - SANTOS

Presente na Zona Noroeste de Santos, o bairro da Alemoa possui 945400m² de área de

caratáter majoritariamente industrial. A ocupação da comunidade deu-se na década de 50,

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À Esq: mural feito na ação GSA 2009

À Dir: praça pronta e presença de inúmeras pessoas

(Fonte: arquivo Elos 2009)

na margem da ferrovia onde atualmente passa a Rodovia dos Bandeirantes. Localizada

estrategicamente próxima às indústrias e o matadouro, onde a maioria dos moradores

trabalhava, a Vila Alemoa foi expandindo até atingir as dimensões que tem hoje, com 1113

famílias cadastradas em 2009 das quais 160 foram para o CDHU. (PRADO: 2000)

Com apenas quatro vias pavimentadas, a área ocupada pela Vila Alemoa está localizada

sobre o mangue, que em partes foi aterrado e em partes não. Com praticamente todas as

casas construídas por seus próprios moradores, as mais recentes datando 16 anos, suas

tipologias variam entre o barraco (25%), a casa de alvenaria (65%) e as palafitas (10%).

“É uma inversão da prática projetual e de planejamento urbano: enquanto nas cidades ou nos espaços urbanos projetados as plantas existem em projeto antes mesmo da cidade real, nos espaços labirínticos, como as favelas, é o oposto que acontece, as plantas só são produzidas a posteriori, e são desenhadas a partir do espaço já existente.” (BERENSTEIN, 2002: 54)

Em janeiro de 2009, a Vila Alemoa foi uma das três comunidades que receberam o grupo

Guerreiros Sem Armas. Depois de 3 semanas exercitando o Olhar, o Sonho, o Afeto e o

Cuidado, o Milagre ia acontecer. Em 5 dias, o mão na massa teve a participação dos

Guerreiros, pessoas da comunidade (principalmente as crianças), um grupo de jovens do

Clube Rotary, estudantes e professor da UFABC e os Lideranças Executivas, estudantes de

administração que vivenciam a última semana do programa. O sonho realizado pela

comunidade e seus parceiros foi uma praça com parquinho, mesas de convivência e jogos,

horta comunitária, pergolado, paisagismo e um mural com um logo da Alemoa.

Abrigos emergenciais Situação das palafitas Circulação e acesso

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À Esq: mural feito no encontro dos grafiteiros 2009.

À Dir: estado de conservação da

praça em Jul. 2010.

(Fonte: Arq. Pessoal 2010 e Arq. Elos

2009)

“A favela é um espaço em constante movimento porque os moradores são os verdadeiros responsáveis por sua construção, ao contrário do morador da cidade formal, que muito raramente se sente envolvido na construção do seu espaço urbano e, em particular, dos espaços públicos de sua cidade. A participação comunitária ocorre de forma muito mais representativa nas favelas e áreas favelizadas em geral do que na cidade formal.” (BERENSTEIN, 2002: 56)

Depois dessa ação, os moradores organizaram alguns eventos ao longo do ano, muitos

deles em parceria com a Vila dos Criadores, outra comunidade com ação dos Guerreiros

Sem Armas 2009. Já em março, alguns jovens organizaram o Encontro dos Grafiteiros na

Alemoa para colorir a avenida; Em pela única vez na história da comunidade, a associação,

os jovens e o grupo abril, na Páscoa, a comunidade organizou uma festa que conseguiu

reunir, Comu; A Festa Junina, o Dia das Crianças e o Natal são festas que sempre

acontecem lá e que ganharam ponto fixo para acontecer: a praça construída no Oasis de

janeiro; Em julho, o Encontro Anual das Comunidades foi anfitrionado pelos moradores da

Vila dos Criadores e da Alemoa, que foi quem sediou o evento. Eles discutiram “o que fazer

juntos que não dá para fazer sozinho”, e estão trabalhando para criar uma nova associação:

já estão com o Estatuto pronto, estão articulando as comunidades de Santos e em busca de

um CNPJ para facilitar as relações burocráticas. Junto a isso, montaram um roteiro de

Turismo de Base Comunitária com o Projeto bagagem que está em desenvolvimento.

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Em setembro de 2009, a Vila Alemoa realizou o Oasis Anima, e em dois dias de mão na

massa reformaram a praça existente, fizeram campo de futebol, musculação e ampliaram o

mural de pinturas e grafites.

Em visita a campo no dia 28/07/10, Ronaldo, morador e líder da Vila Alemoa, guiou-me e

contou alguns fatos. A respeito da infra estrutura básica, parte da população paga uma taxa

para a luz, outros pagam a conta normalmente; pagam pela água, mas pela energia elétrica

e esgoto não, sendo a primeira obtida por meio de “gatos”, e o segundo, sem tratamento,

fica céu aberto com riscos de contaminação e doenças. Há um alojamento emergencial com

31 casas que abrigam moradores de áreas de risco e que se mudarão para os CDHUs. No

entorno da comunidade encontram-se 3 mercados atacadistas, uma Escola Municipal de

Ensino Médio e uma de Ensino Fundamental com cursos apenas durante o dia, uma clínica

de saúde que atende a 3 comunidades próximas e por isso não dá conta da demanda.

“O tecido urbano da favela é maleável e flexível, é o percurso que determina os caminhos. Ao contrário da planificação urbana tradicional, que determina a priori o traçado, as ruas da favela (e todos os espaços públicos) são determinadas exclusivamente pelo uso.” (BERENSTEIN, 2002: 54)

Em 1981 foi fundada a associação dos moradores, pelo mesmo homem que é hoje o diretor

e que, segundo Ronaldo, não dá abertura para discussão sobre a gestão do espaço.

Rampas de acessibilidade foram criadas ano passado, quando um cadeirante passou a

trabalhar na associação. Lá são oferecidos cursos e serviços básicos de saúde, mas suas

atividades são independentes de qualquer outra iniciativa da comunidade.

“A maior diferença entre a ocupação planejada da cidade formal e a ocupação selvagem das favelas diz respeito ao tipo de raíz, uma fixa e a outra aberta, a qual tem um enorme potencial de transformação.” (BERENSTEIN, 2002: 56)

Em março de 2011 foi inaugurada uma biblioteca em conjunto com a Vila dos Criadores,

resultado de parcerias com os doadores dos livros. Ronaldo está articulando um novo Oasis

na mesma área, e tem identificado novos líderes que podem fortalecer a comunidade. Isto

representa a efetividade da primeira ação, que desencadeou tantas outras e que elevou a

auto-estima de moradores que agora são protagonistas das transformações que desejam.

4.3. OUTROS EXEMPLOS DE PRÁTICAS SIGNIFICATIVAS

4.3.1. Paquetá - Santos

O bairro do Paquetá, localizado no centro de Santos, próximo ao porto, era tido como um

dos locais mais degradados e violentos da cidade, com alto índice de tráfico de drogas,

prostituição, e 18 mil famílias morando em cortiços em péssimas condições. O bairro conta

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com inúmeros imóveis de valor arquitetônico, muitos deles extremamente decadentes, sem

uso ou ocupado por famílias.

Em 2002, começou uma nova gestão na ACC (Associação dos Cortiços do Centro), que

estava reestruturando a entidade e conhecendo o trabalho do Instituto Elos, procurou-os em

busca de uma ação. No ano seguinte, o Elos foi convidado pelo SESC- Santos para dar uma

palestra sobre participação comunitária, e aproveitou a oportunidade para mostrar na prática

como fazer, iniciando aí as ações no bairro do Paquetá. Em 2007, o bairro recebeu os

Guerreiros Sem Armas com o sonho de transformar um casarão abandonado em um Centro

Cultural (o qual está em atividade e a busca pela apropriação do imóvel está em

andamento).

A primeira ação aconteceu na Praça Nagasaki, reformada algumas vezes pelo poder

público, mas sem grande adesão da comunidade. Neste caso, houve grande participação da

população, que construiu bancos, jardins, pintou muros e fez um parquinho para as crianças

em apenas 2 dias. No Encontro do Futuro, dias após a ação, houve grande presença de

moradores de diversas idades, gerando novas ações e metas para os próximos 3 meses.

Desde então, fizeram reuniões semanais, reestabelecendo a comunicação na comunidade e

resgatando costumes como festas de páscoa, dia das crianças e Natal, que há alguns anos

tinham deixado de comemorar coletivamente, além de criar parcerias importantes com

ONGs e empresários para a consolidação de seus projetos. Em função dos inúmeros

sonhos coletivos, foram criados 5 frentes de trabalho que se responsabilizariam pela busca

da realização: o grupo dos jovens, que criaram uma central de cursos (oferecendo teatro,

dança, filmes, entre outros), se integraram nos eventos das cidades e criaram o Festival

Nagasaki, evento oficial de Santos; o grupo das crianças, que mobilizaram contadoras de

histórias, passeios, cozinha coletiva (levavam comida e as mães preparavam) e oficinas,

com apoio da assistência social; o grupo da geração de renda, que teve início como uma

terapia grupal e virou uma cooperativa que vende bonecas de panos, artesanato, design de

bijouterias (já são vendidas no exterior com o auxílio da Petrobrás que deu apoio financeiro)

e hoje estão com um projeto buscando a interação com presidiários; o grupo da creche e da

padaria em parcerias com ONGs e recursos do Instituto HSBC inauguraram em 2009 a

padaria em estabelecimento próprio, e hoje estão trabalhando para materializar a creche; e

por fim, o grupo de habitação popular (sendo este o maior objetivo da comunidade), que deu

início com visitas à experiências bem sucedidas e graças ao apoio da ONG Ambienta e o

financiamento da Caixa Econômica Federal, estão finalizando as obras de 174 habitações.

Pode se dizer que este é o caso que mais evoluiu desde a primeira ação da Metodologia

Elos Oasis. As pessoas se organizaram, reivindicaram e conquistaram seu principal objetivo,

a moradia digna. Ainda estão em busca de outras coisas, porém com a certeza de que

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unidos eles são capazes. É um exemplo inspirador principalmente para outras comunidades

que estão em lutas semelhantes em busca da melhoria da qualidade de vida.

4.3.2. Instituto Elos e a Iniciativa Privada

Em dezembro de 2010 foi realizado um Oasis com os trainees da Natura. São 30 jovens em

processo de formação que dura 2 anos, iniciado no começo do ano. Eles escolheram aplicar

a Metodologia Elos em uma das comunidades do entorno da sede principal, em Jundiaí.

Foram 2 fins de semana: um de visita e diagnóstico apreciativo, e no outro, a ação. Foram

feitas duas áreas de lazer e convivência próximas aos dois campinhos existentes, buscando

atender às demandas dos diferentes usuários.

A experiência foi muito interessante, principalmente pelo fato de os jovens terem um espírito

extremamente competitivo, e conseguirem redirecionar suas habilidades de maneira

cooperativa. É importante conscientizar os futuros grandes empresários do país, fazendo

com que entendam que trabalhar junto é mais produtivo e muito importante para o

desenvolvimento do país e da própria empresa, e que não é necessário “derrotar” o outro

para se dar bem, que em parceria as coisas se tornam mais agradáveis e simples de serem

realizadas.

4.3.3. instituto ELOS e o Governo Federal

O Projeto Elos no Canteiro Mais Cultura (http://mais.cultura.gov.br) é parte do Programa

Mais Cultura desenvolvido pelo Ministério da Cultura, que visa a criação de espaços físicos

em áreas com escassez de equipamentos públicos e infra-estrutura (onde serão

implantadas bibliotecas e espaços de cultura pelo Ministério). A Metodologia Elos é utilizada

para formar e mobilizar agentes locais para elaborar ações colaborativas e colocá-las em

prática com as construções coletivas, tendo como princípio a participação social ampla

durante todo o processo. Dessa forma, deverão ser articulados como atores primordiais do

processo o Ministério da Cultura, as Prefeituras, Governos Estaduais e órgãos públicos

locais, a comunidade, entidades e instituições parceiras.

Em 2010 foram realizadas ações em 20 cidades do Brasil que estão recebendo a ação, que

acontece em 3 etapas: a Expedição, com visita e diagnóstico apreciativo nas comunidades;

a Formação, que forma agente locais com a Metodologia Elos; e o Mão na Massa, que são

as ações nas comunidades coordenadas pelos participantes da formação e com supervisão

de facilitadores do Elos, sendo eles Guerreiros Sem Armas formados em 2007 e 2009.

(www.elosmaiscultura.com.br)

Esta é a primeira experiência de Oasis em parceria com o governo que se mostrou muito

eficiente e satisfatória. Neste projeto foram identificados 3 eixos principais de ação:

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socioeconômico, socioambiental e sociocultural. O primeiro, ajuda no desenvolvimento de

alguma atividade de acordo com a habilidade local para a geração de renda, com produtos

de alta qualidade. O segundo cuida do paisagismo e outras frentes relacionadas ao meio

ambiente, e o terceiro, por fim, trabalha o campo do lazer e cultura, desenvolvendo as áreas

de convivência e lazer como parquinhos, praças e outros espaços construídos coletivamente

pela comunidade.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Metodologia Elos Oasis se encaixa em inúmeros quesitos levantados pela ONU ou por

Ilse Scherer como essenciais para a resolução de problemas na sociedade atual,

destacando principalmente a participação da população desde a concepção de novas

políticas urbanas até a execução das mesmas. Não só o governo não dá conta da demanda

de questões consideradas essenciais, como o envolvimento da sociedade civil acata em

uma relação diferenciada entre as pessoas e o espaço, assim como entre os próprios

indivíduos, gerando respeito, solidariedade e identidade, fortalecendo laços e aumentando a

autonomia e auto-estima de comunidades que passam a ser protagonistas das ações.

A análise da efetividade de ações utilizando a Metodologia Elos- Oasis identificou que a

mudança nos moradores (seu comportamento, valores e pró-atividade) e suas atuações são

mais importantes do que o estado de conservação das construções feitas na sexta etapa, o

Mão na Massa; o resgate da auto-estima junto ao fortalecimento das relações das pessoas,

gera autonomia e a crença na capacidade de transformação sem necessidade de ajuda das

autoridades, estabelecendo parcerias com o governo, iniciativa privada e o terceiro setor.

Ainda assim, nota-se a importância de lugares de lazer, encontro e convivência em

comunidades, uma vez que tais espaços passam a fazer parte da vida das pessoas, e sua

qualidade influencia diretamente na qualidade de vida dos moradores. Além disso, o fato de

serem feitos pela própria comunidade fortalece as relações pessoais e o sentimento de

pertencimento e inspira outras ações, pois remete à capacidade de fazer coletivamente.

Cabe salientar que o sentido das ações nestas comunidades visa, portanto, mais do que

alterar as condições materiais de carência hoje existentes, fortalecer o potencial humano,

capacitando os indivíduos, através de um processo de auto-percepção e auto-estima, a

agirem com mais autonomia frente aos seus próprios problemas de exclusão social.

A transformação ocorre não só nas comunidades que recebem a ação, mas nos voluntários

que participam do processo. Este fato pode ser considerado tão importante quanto o

primeiro, uma vez que essas pessoas desencadeiam outras ações e estimulam suas redes

a transformarem suas realidades.

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Como Guerreira Sem Arma e participante efetiva das ações do Oasis, destaco algumas das

dificuldades encontradas para o crescimento e fortalecimento do Movimento, como a união

com outras organizações de mesmos objetivos e valores, ou a dificuldade de inserção na

sociedade, uma vez que questiona os valores tradicionais e desafia as pessoas a pensarem

e agirem de maneira diferente do que estão acostumadas (mesmo notando que as pessoas

se dispõe a isso com freqüência). Nota-se que ações que acontecem espontaneamente em

cidades sem a participação do Instituto Elos ou de um Guerreiro Sem Armas, dificilmente

serão efetivas na comunidade, já que cada passo deve ser feito garantindo sua essência;

mas, a mudança nos voluntários pode ocorrer da mesma maneira.

Outro fator que se mostrou interessante é a eficiência da organização em rede, que é uma

tecnologia estimulada há tempos, porém raramente vista em prática. Sua eficácia se dá pelo

fato de que as responsabilidades são divididas sem hierarquia, e sim por afinidade. Isso não

só estimula as pessoas a fazerem o que gostam, como agilizam os processos, já que todos

tem autonomia para tomar decisões. O poder da rede também está nas conexões,

compartilhando contatos e sugerindo parcerias, o que é essencial para viabilizar projetos,

principalmente do terceiro setor. Isso possibilita ampliar a área de atuação, avançando para

outras cidades e países, como é a intenção do Instituto Elos de dissipar a Metodologia Elos

Oasis pelo mundo- e já está sendo posta em prática, mas com certeza ainda há muito que

aprender e compreender.

Cabe salientar finalmente e reafirmando algumas análises críticas, que o potencial destes

novos movimentos sociais onde se agilizam formas de aglutinação social em moldes mais

solidários e horizontais, se defronta com horizontes incertos e ambíguos se considerado os

processos mais amplos de transformação histórica da sociedade contemporânea. Contém

sinais de possibilidades e, sobretudo operam formas inovadoras de capacitação dos

indivíduos aos processos de participação social, tão enfatizados pelas políticas públicas

urbanas.

6. BIBLIOGRAFIA

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Contato: [email protected] e [email protected]