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24 | POLÍTICA DOMINGO, 19 DE NOVEMBRO DE 2017 REPORTAGEM ESPECIAL | ENTREVISTA Alex Cavalcante Alves “É preciso priorizar o atendimento ao cidadão” Entusiasta do Movimento Gestão Pública Eficiente, servidor federal avalia que o “feijão com arroz” do serviço público ainda é menosprezado NATALIA DEVENS [email protected] Para alcançar a oferta do serviço de qualidade espe- rado pela população, a ges- tão pública brasileira pre- cisa se reestruturar. Pensan- do nisso, Alex Cavalcante Alves, que é servidor públi- co federal, reuniu entusias- tas sobre o assunto para criar o Movimento Gestão Pública Eficiente, organiza- ção sem fins lucrativos. A iniciativa é centralizada em Brasília e começa a se ex- pandir pelos Estados. Em entrevista a A GA- ZETA, ele analisoucomo é possível promover a me- lhoria contínua das insti- tuições e das pessoas que nelas prestam serviços. Quais são os maiores en- traves que o serviço pú- blico ainda enfrenta? Um dos pilares seria es- pecialmente a ampliação da participação social, que é o cidadão conseguir pe- netrar nas barreiras da ad- ministração pública. A par- tir da transparência, ele consegue ser ouvido dentro desses órgãos, ter alguma interação, e isso é um ga- nho muito grande para que ele possa enxergar com ou- tros olhos o órgão com a qual está tratando e expor suas demandas. Outra questão que é básica é a priorização do investimen- to na área finalística, do atendimento ao cidadão propriamente dito. Muitas vezes se vê um balcão de atendimento muito precá- rio, que não tem nem uma ferramenta de senha, en- quanto o gabinete do se- cretário está muito bem es- truturado, com os melhores técnicos, conforto e compu- tadores de última geração. Assim, o cidadão recebe um serviço aquém do esperado e nem se anima de reivin- dicar seus direitos. Em quais setores o poder público vem se moderni- zando com maior ênfase? O discurso atual está mui- to voltado para o uso da informatização, e para a sustentabilidade, que são de fato importantíssimos. Mas entendo que, antes dis- so, ele deve tentar buscar a excelência no atendimento daquilo que é a sua função básica: prestar o serviço de saúde, de educação, admi- nistrativo, ou qualquer ou- tro, da melhor forma pos- sível. Quando se fala em Tecnologia da Informação, às vezes pensa-se em ten- dências super modernas, aplicativos, mas uma série de órgãos não tem sequer um site organizado. E outra questão é que ao tentar ino- var, o foco tem que ser no usuário. É preciso primeiro verificar com o seu público se há aquela demanda. Ou A cobrança do cidadão aumentou, e hoje nenhum governo pode se dar ao luxo de parar no tempo. O cidadão vai nas redes e reclama, e isso causa efeito na política” um servidor que não está motivado, não queria estar ali. Falta um pouco dessa boa vontade, de colocar bons quadros próximos do cidadão, reformar essas es- truturas de atendimento. A cobrança aumentou? Sem dúvida, e muito fruto das tecnologias. Hoje o ci- dadão não quer ser tratado de forma regular, mediana. Quer ser bem tratado tanto na iniciativa privada ou pú- blica. Como o setor público não tem concorrente, isso levava a uma posição de tranquilidade. Mas hoje ne- nhum governo pode mais se dar ao luxo de parar no tem- po. O cidadão vai nas redes e reclama, o que gera con- sequências políticas, res- ponsabilização aos servido- res. E uma reclamação pode gerar muitas outras, o que não é positivo para a ima- gem do órgão. Ou seja, as novas tecnologias resulta- ram numa maior prestação de contas dos órgãos para a sociedade. então algo que promete ser muito inovador, terá a ade- são baixa. Resumindo: não adianta não saber fazer o bom feijão com arroz e que- rer pular para a cereja do bolo. O que é preciso fazer para mudar a imagem desse serviço público atrasado e que não funciona? Precisa haver um esforço de cada órgão público para revisar seus processos, ver o que está sendo excessivo e trabalhar para desburocra- tizar. Olhar para si e ver o que realmente é necessário e onde há preciosismo. Te- mos um excesso de produ- ção normativa, não só de leis, como também dos ór- gãos públicos, por meio de instruções normativas, reso- luções, portarias. Chegamos a um ponto em que o ci- dadão tem que ser quase um advogado, tem que enten- der de todas as normas da sua atividade finalística e da sua parte burocrática. Por que, mais do que nunca, a população pre- cisará encontrar os ser- viços de referência no setor público? Ainda temos essa visão de que a excelência está na ini- ciativa privada. O que é um contrassenso, pois bons quadros profissionais que temos estão no setor pú- blico, devido ao alto nível dos concursos, mas a po- pulação não consegue en- xergar dessa forma. Pri- meiro por causa da ima- gem consolidada de que o serviço público é ineficien- te, e esses bons quadros ge- ralmente estão mais sendo aproveitados no alto esca- lão. E quem vai estar aten- dendo o cidadão às vezes é Se o órgão quiser inovar, é um avanço e tanto. Mas primeiro é preciso fazer autoanálise e verificar sobre como está prestando o básico e tentar aperfeiçoar” Alex defende a transparência como valor para melhorar serviços ANDRÉ SOBRAL/PMV

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24 | POLÍTICA DOMINGO, 19 DE NOVEMBRO DE 2017

REPORTAGEM ESPECIAL | ENTREVISTA

Alex Cavalcante Alves

“É preciso priorizar oatendimento ao cidadão”Entusiasta do Movimento Gestão Pública Eficiente, servidor federalavalia que o “feijão com arroz” do serviço público ainda é menosprezado

NATALIA [email protected]

Para alcançar a oferta doserviço de qualidade espe-rado pela população, a ges-tão pública brasileira pre-cisa se reestruturar. Pensan-do nisso, Alex CavalcanteAlves, que é servidor públi-co federal, reuniu entusias-tas sobre o assunto paracriar o Movimento GestãoPública Eficiente, organiza-ção sem fins lucrativos. Ainiciativa é centralizada emBrasília e começa a se ex-pandir pelos Estados.

Em entrevista a A GA-ZETA,eleanalisoucomoépossível promover a me-lhoria contínua das insti-tuições e das pessoas quenelas prestam serviços.

Quaissãoosmaioresen-traves que o serviço pú-blicoaindaenfrenta?Um dos pilares seria es-

pecialmente a ampliaçãoda participação social, queé o cidadão conseguir pe-netrar nas barreiras da ad-ministração pública. A par-tir da transparência, eleconsegueserouvidodentrodesses órgãos, ter algumainteração, e isso é um ga-nho muito grande para queele possa enxergar com ou-tros olhos o órgão com aqual está tratando e exporsuas demandas. Outraquestão que é básica é apriorização do investimen-to na área finalística, doatendimento ao cidadãopropriamente dito. Muitasvezes se vê um balcão deatendimento muito precá-rio, que não tem nem umaferramenta de senha, en-quanto o gabinete do se-cretário está muito bem es-truturado,comosmelhorestécnicos,confortoecompu-tadores de última geração.Assim,ocidadãorecebeumserviço aquém do esperadoe nem se anima de reivin-dicar seus direitos.

Em quais setores o poderpúblico vem se moderni-zandocommaiorênfase?O discurso atual está mui-

to voltado para o uso dainformatização, e para asustentabilidade, que sãode fato importantíssimos.Masentendoque,antesdis-so, ele deve tentar buscar aexcelência no atendimentodaquilo que é a sua funçãobásica: prestar o serviço desaúde, de educação, admi-nistrativo, ou qualquer ou-tro, da melhor forma pos-sível. Quando se fala emTecnologia da Informação,às vezes pensa-se em ten-dências super modernas,aplicativos, mas uma sériede órgãos não tem sequerumsiteorganizado.Eoutraquestãoéqueaotentar ino-var, o foco tem que ser nousuário. É preciso primeiroverificar com o seu públicose há aquela demanda. Ou

A cobrança docidadãoaumentou, ehoje nenhumgoverno podese dar ao luxode parar notempo. Ocidadão vainas redes ereclama, e issocausa efeito napolítica”

um servidor que não estámotivado, não queria estarali. Falta um pouco dessaboa vontade, de colocarbons quadros próximos docidadão, reformar essas es-truturas de atendimento.

Acobrançaaumentou?Sem dúvida, e muito fruto

das tecnologias. Hoje o ci-dadão não quer ser tratadode forma regular, mediana.Quer ser bem tratado tantona iniciativa privada ou pú-blica. Como o setor públiconão tem concorrente, issolevava a uma posição detranquilidade. Mas hoje ne-nhumgovernopodemaissedaraoluxodepararnotem-po. O cidadão vai nas redese reclama, o que gera con-sequências políticas, res-ponsabilização aos servido-res.Eumareclamaçãopodegerar muitas outras, o quenão é positivo para a ima-gem do órgão. Ou seja, asnovas tecnologias resulta-ram numa maior prestaçãode contas dos órgãos para asociedade.

então algo que promete sermuito inovador, terá a ade-são baixa. Resumindo: nãoadianta não saber fazer obomfeijãocomarrozeque-rer pular para a cereja dobolo.

Oqueéprecisofazerparamudar a imagem desseserviço público atrasadoequenãofunciona?Precisa haver um esforço

de cada órgão público pararevisar seus processos, ver oque está sendo excessivo etrabalhar para desburocra-tizar. Olhar para si e ver oque realmente é necessárioe onde há preciosismo. Te-mos um excesso de produ-ção normativa, não só deleis, como também dos ór-gãos públicos, por meio deinstruçõesnormativas,reso-luções,portarias.Chegamosa um ponto em que o ci-dadãotemqueserquaseum

advogado, tem que enten-der de todas as normas dasuaatividade finalísticaedasua parte burocrática.

Por que, mais do quenunca, a população pre-cisará encontrar os ser-viços de referência nosetorpúblico?Ainda temos essa visão de

queaexcelênciaestánaini-ciativaprivada.Oqueéumcontrassenso, pois bonsquadros profissionais quetemos estão no setor pú-blico, devido ao alto níveldos concursos, mas a po-pulação não consegue en-xergar dessa forma. Pri-meiro por causa da ima-gem consolidada de que oserviço público é ineficien-te, eessesbonsquadrosge-ralmente estão mais sendoaproveitados no alto esca-lão. E quem vai estar aten-dendo o cidadão às vezes é

Se o órgãoquiser inovar, éum avanço etanto. Masprimeiro épreciso fazerautoanálise everificar sobrecomo estáprestando obásico e tentaraperfeiçoar”

Alex defende atransparênciacomo valor paramelhorar serviços

ANDRÉ SOBRAL/PMV