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Caderno Espaço Feminino, v.15, n.18, Jan./Jun. 2006 85 Representações da mulher de meia Representações da mulher de meia Representações da mulher de meia Representações da mulher de meia Representações da mulher de meia idade na televisão: idade na televisão: idade na televisão: idade na televisão: idade na televisão: Ana Maria Braga Ana Maria Braga Ana Maria Braga Ana Maria Braga Ana Maria Braga e o programa e o programa e o programa e o programa e o programa Mais Você Mais Você Mais Você Mais Você Mais Você Ana Carolina Rocha Pessôa Temer Resumo: O foco principal deste artigo é a apresentadora Ana Maria Braga, que conduz o programa Mais Você, apre- sentado de segunda a sexta feira na Rede Globo de Televi- são. A análise envolve um histórico das revistas femininas e dos programas femininos na TV brasileira, o conteúdo do programa e as representações por ele sugeridas e em particular a representação adotada pela apresentadora Ana Maria Braga que trabalha a partir da persona de uma nova mulher da meia idade. Palavras-chave: Televisão. Revista Feminina. Mais Você. Abstract: The main focus of this article is the spokeswoman Ana Braga Maria, who conducts the television show Mais Você, shown Mondays to Fridays in Rede Globo de Tele- visão. The analysis involves the history of feminine maga- Ana Carolina Rocha Pessôa Temer. Doutora e Mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, Especialista em Socio- logia pela Universidade Federal de Uberlândia e Bacharel em jornalismo pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Profissionalmente é professora do Centro Universitário de Pa- tos de Minas, jornalista da Universidade Federal de Uberlândia e autora do livro Notícias & Serviços nos telejornais da Rede Globo. Rio de Janeiro: Sotese, 2002, e Para entender as Teorias da Comunicação. Uberlândia, Asppectus, 2004. Esse trabalho é uma revisão da dissertação de Mestrado da autora, a partir da confrontação dos dados obtidos na época com as declarações contidas em um livro depoimento de autoria de Edson Garcia Nunes, primeiro proprietário da TV Triângulo, que encaminhado a au- tora em 2004 pelo filho desse empresário, prof. Ms Rubens Garcia Nunes. E-mail: temer@triang .com.br.

Representaçoes Da Mulher de Meia Idade Na Tv

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"O foco principal deste artigo é a apresentadora\Ana Maria Braga, que conduz o programa Mais Você, apre-\sentado de segunda a sexta feira na Rede Globo de Televi-\são. A análise envolve um histórico das revistas femininas\e dos programas femininos na TV brasileira, o conteúdo\do programa e as representações por ele sugeridas e em\particular a representação adotada pela apresentadora Ana\Maria Braga que trabalha a partir da persona de uma nova\mulher da meia idade."

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Representações da mulher de meiaRepresentações da mulher de meiaRepresentações da mulher de meiaRepresentações da mulher de meiaRepresentações da mulher de meiaidade na televisão: idade na televisão: idade na televisão: idade na televisão: idade na televisão: Ana Maria BragaAna Maria BragaAna Maria BragaAna Maria BragaAna Maria Braga

e o programa e o programa e o programa e o programa e o programa Mais VocêMais VocêMais VocêMais VocêMais Você

Ana Carolina Rocha Pessôa Temer

Resumo: O foco principal deste artigo é a apresentadoraAna Maria Braga, que conduz o programa Mais Você, apre-sentado de segunda a sexta feira na Rede Globo de Televi-são. A análise envolve um histórico das revistas femininase dos programas femininos na TV brasileira, o conteúdodo programa e as representações por ele sugeridas e emparticular a representação adotada pela apresentadora AnaMaria Braga que trabalha a partir da persona de uma novamulher da meia idade.

Palavras-chave: Televisão. Revista Feminina. Mais Você.

Abstract: The main focus of this article is the spokeswomanAna Braga Maria, who conducts the television show MaisVocê, shown Mondays to Fridays in Rede Globo de Tele-visão. The analysis involves the history of feminine maga-

Ana Carolina Rocha Pessôa Temer. Doutora e Mestre em ComunicaçãoSocial pela Universidade Metodista de São Paulo, Especialista em Socio-logia pela Universidade Federal de Uberlândia e Bacharel em jornalismopela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ). Profissionalmente é professora do Centro Universitário de Pa-tos de Minas, jornalista da Universidade Federal de Uberlândia e autorado livro Notícias & Serviços nos telejornais da Rede Globo. Rio de Janeiro:Sotese, 2002, e Para entender as Teorias da Comunicação. Uberlândia,Asppectus, 2004. Esse trabalho é uma revisão da dissertação de Mestradoda autora, a partir da confrontação dos dados obtidos na época com asdeclarações contidas em um livro depoimento de autoria de Edson GarciaNunes, primeiro proprietário da TV Triângulo, que encaminhado a au-tora em 2004 pelo filho desse empresário, prof. Ms Rubens Garcia Nunes.E-mail: [email protected].

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1 GOMES, Pedro Gilberto. Tó-picos de teoria da comunicação. SãoLeopoldo: Unisinos, 1997, p.12

zines and television shows in Brazilian TV, the essence ofthe show and the representations it suggests, andparticularly the one adopted by the host Ana Braga Maria,who is developed from the persona of the new mid-lifewoman.

Keywords: Television. Woman Magazine. Mais Você.

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

Existe uma relação de interdependência entre acomunicação e o ser humano no processo de defini-ção e de construção da sua realidade social e cultural.GOMES entende que o O ser humano está e é em comuni-cação1. comunicação é um fato e uma necessidade soci-al, algo “inerente ao ser humano” e que existe desde oseu aparecimento no mundo. Essa necessidade é tãoampla que tudo aquilo que o ser humano atribui signi-ficado passou a compor um processo de comunica-ção.

No mundo globalizado o acesso à informação étambém uma necessidade. Parte significativa dessa in-formação chega hoje ao indivíduo por meio dos meiosde comunicação de massa. Conseqüentemente, essainformação carrega a marca da produção planejada eartificialmente acelerada que caracteriza os bens deconsumo da sociedade industrializada e também osbens culturais veiculados pelas grandes mídias.

Os meios de comunicação de massa não são neu-tros e não podem ser definidos como simples espe-lhos da realidade. A produção de bens culturais estáinserida em um processo industrial, em um movimen-to global que transforma cultura em mercadoria. Por-tanto, os produtos culturais passam a se submeter àsmesmas leis de produção dos demais produtos in-dustrializados e orientados em função do mercado con-sumidor.

As limitações impostas pela produção acelerada eem larga escala da informação, mudam a qualidade e a

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quantidade das informações accessíveis ao grande pú-blico. Esse conteúdo é igualmente afetado pelas rela-ções de dependência da mídia com o capital2 e a suaconstante busca por uma maior audiência, por um nú-mero sempre crescente de ouvintes, telespectadoresou leitores ávidos por conteúdos sempre renovadosque atendam a seus anseios e necessidades.

As representações dos meios de comunicação demassa não são aleatórios, mas sim idealizações de indi-víduos ou grupos sociais: a mídia trabalha a partir depersonagens ficcionais ou mesmo de pessoas públicascom os quais os leitores/telespectadores estabelecemelos emocionais tão fortes, que se projetam neles. Avida cheia de emoções desses personagens ou pesso-as públicas dão colorido a vida monótona das pessoascomuns, que “vivem” parte de sua vida emocional atra-vés deles. Ao mesmo tempo também esses persona-gens ou pessoas públicas incentivam o consumo, poiso indivíduo tenta alcançá-los através da imitação, con-sumindo os produtos disponibilizados por eles.

A sociedade moderna é marcada também por no-vas dinâmicas familiares, que passam pelo maior aces-so da mulher à escolarização e ao mercado de traba-lho. Em suas relações de dependência da audiência, amídia não pode ignorar essas mudanças, mas sua atua-ção em relação a elas nem sempre é transparente. Atéporque: As contradições nas relações sociais, abordadas pelomundo moderno, estão, neste século XX, presentes na vida dasmulheres e no que se pensou e escreveu sobre elas3. De umaforma geral podemos dizer que a comunicação demassa possui uma dupla face, mantenedora e transfor-madora — ao mesmo tempo em que tenta preservar omodelo social também é um veículo que introduz onovo, pois a novidade é um elemento fundamentalpara incentivar o consumo.

Nesse sentido este trabalho é a análise de uma des-sas representações, especificamente da persona4 daapresentadora Ana Maria Braga, que conduz o Progra-ma Mais Você, apresentado de segunda a sexta feira a

2 No caso específico da televisãoe do rádio de sinal aberto, quenão tem um custo direto parao receptor (ouvinte/telespecta-dor) e que são financiadas atra-vés dos anunciantes, portan-to do capital. De uma formageral essa regra vale para revis-tas e jornais, que mesmo arre-cadando o dinheiro das assi-naturas e vendas nas bancas,não conseguem sobreviver ape-nas com esses recursos e de-pendem de seus anunciantes.

3 BICALHO, Elisabeth. A mu-lher no pensamento moder-no. Estudo de Gênero. Cadernosde Área. n. 7. Goiânia: UCG,1998, p. 37.

4 O conceito de persona surge apartir da máscara que os anti-gos atores utilizavam para ca-racterizar o papel que estavamrepresentando. Persona “é umcomplexo funcional a que sechegou por motivos de adap-tação ou de necessária como-didade”, que confunde a ima-gem do indivíduo com as ex-pectativas das pessoas quantoao seu papel social, ficando oindivíduo reduzido a uma cas-ca impermeável de revestimen-to (JUNG, 1987, p. 478). Nocaso de pessoas que trabalhamfrente às câmeras nos meios decomunicação de massa, é co-mum o estabelecimento deuma persona, que seria um“personagem dela mesma”ou um “eu melhorado paraconsumo público”.

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partir da 8h 15min. da manhã na Rede Globo de Tele-visão.

O nome do programa, o conjunto do material exi-bido, o perfil do telespectador5 e mesmo a sua carac-terização geral definem esse material como RevistaFeminina para a Televisão. As mesmas característicaspermitem trabalhar a partir da hipótese de que a suacondutora, a apresentadora Ana Maria Braga, obtémuma ampla aceitação (confirmada através dos númerosde sua audiência) porque representa um novo “mode-lo” de mulher de meia idade, dona-de-casa e mãe,idealizada pela mídia a partir dos anseios conscientese subjetivos de seus telespectadores, buscando enten-der como as formas de feminilidade são reforçadas,imaginadas, dinamizadas, polemizadas, enfim,construídas através de produtos televisivos, que par-ticipam de uma espécie de organização dos ideais decada gênero televisivo, através de um conjunto de re-presentações sobre a mulher no Ocidente.

Sobre esse ponto, é importante destacar que ape-sar de estar presente na programação da televisão bra-sileira desde as suas primeiras transmissões e se des-tacarem por possuir um público significativo, o núme-ro de pesquisas científicas tendo como foco os pro-gramas voltados para o público feminino na televisãoé reduzido. Tal questão tornou-se ainda mais visívelnos últimos anos, uma vez que a partir do recentesucesso comercial do programa Note e Anote (RedeRecord), várias emissoras re-descobriram este forma-to e tem investido em novos títulos.

Além do crescimento do número de programas comesse perfil a mídia eletrônica está apostando tambémna setorização do modelo, investindo em conteúdosdiferenciados. No entanto, os mesmos motivos queviabilizam esse tipo de produção (baixa necessidadede investimentos, amplo espaço para merchandising, pos-sibilidade de atrair um público com tempo ocioso esignificativo poder de compra) faz com, mesmo entreos profissionais de televisão, estes programas sejam

5 Conforme definido pelo site daemissora.

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visto como opções de segunda linha ou tapa buracosem uma programação mais nobre.

Do ponto de vista científico, no entanto, os veícu-los destinados ao público feminino fornecem dadosimportantes para entendermos os costumes sociais,além de influenciarem esses costumes. As revistas fe-mininas representam instituições que diferenciam pro-dutos a partir da construção de narrativas que reúnemalguns significados míticos comuns à figura da mu-lher. As redes de figuras que se estampam nos textosverbais e visuais destas publicações contribuem tam-bém para definir papéis que sintetizam os modelosfigurativos atribuídos à mulher em que a leitora possaespelhar-se.

Essa postura fica clara quando vemos que as re-vistas femininas foram elementos importantes para ademocratização da moda e o surgimento da indústriado vestuário — antes um artesanato de luxo — osurgimento da puericultura, da personalização das re-sidências, da popularização dos cosméticos. De fato,sobre as revistas femininas podemos dizer que: Suasfunções não são transparentes, não visam apenas conselhos prá-ticos ou lazer. No espelho da imprensa feminina, as imagens eas verdades são muitas6.

Do jornal para senhoras aos programas de televisãoDo jornal para senhoras aos programas de televisãoDo jornal para senhoras aos programas de televisãoDo jornal para senhoras aos programas de televisãoDo jornal para senhoras aos programas de televisão

O mais antigo título de veículo periódico destina-do exclusivamente às mulheres que se tem registrofoi o Lady’s Mercury, que circulou na Inglaterra em 1693.Vários títulos se seguiram, e entre eles destaca-se oLadies’ Diary, que foi veiculado por mais de um século.Rapidamente o modelo alcançou outros países com apublicação de Akademie der Grazien, Journal fur DeutscheFrauen, na Alemanha, Die Elegante, na Áustria, Toillete–1770, Biblioteca Galante–1775, Giornalle della Donn–1781,na Itália7. Todos esses veículos tinham em comum ofato de trazerem poesias, receitas culinárias e, na mai-or parte dos casos, um consultório sentimental.

6 BUITONI, Dulcília Schroeder.Imprensa feminina. São Paulo:Ática, 1986, p. 5.

7 Idem, Ibidem, p. 25.

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8 Ibidem, p. 37 e A revista noBrasil. São Paulo: Abril, 2000,p. 232.

Em 1928 o Ladies’ Magazine consolida o termo “ma-gazine” oferecendo entretenimento, esclarecimento eserviço. Outro marco importante na área ocorreu em1863, quando um editor norte-americano, Mr. Buttericklançou o molde para a confecção de roupas encartadonas revistas e impresso em série. As revistas passam,então, a ser vendidas em lojas comerciais e livrarias,democratizando a moda. Pouco depois, novos temas(decoração, cuidados com os filhos, educação e ou-tros assuntos ligados à vida cotidiana da família), seincorporaram ao veículo.

Aos poucos a vida prática foi invadindo as revistas.Após a Segunda Guerra o setor ganhou sofisticaçãocom capas coloridas contendo closes de artistas e maté-rias com moda de alto luxo. O passo seguinte foi asegmentação, o direcionamento para diferentes faixasetárias e poder aquisitivo.

No Brasil, a situação de colônia dificulta a chegadada imprensa e, é claro, das revistas femininas. O pri-meiro periódico feminino brasileiro foi lançado no Riode Janeiro em 1827: o Espelho Diamantino. A ele se-guem-se diversos outros: O Espelho das Brasileiras (pu-blicado em 1831 em Recife), Jornal de Variedade (1935),Relator de Novelas (1838) Correio das Modas (1939), Espe-lho das Bellas (1941), A Marmota (1949), o primeiro atrazer litografias impressas no Brasil8. Neste início,muitos veículos reservavam um espaço considerávelpara a literatura, trazendo histórias em capítulos. NoArmazém de Novellas Escolhidas ou Novelista Brasileiro (am-bos de 1951) existiam fascículos encartados onde poucoa pouco o espaço genérico foi sendo utilizado peloromance folhetim.

A Revista Feminina, fundada em 1914, dá novo im-pulso ao setor, introduzindo um esquema comercialque incluía a fabricação e distribuição de produtosdestinados ao público feminino. Também são exemplode revistas prioritariamente dirigidas ao feminino operiódico Vida Doméstica, que começa a circular em1920, e trazia, além de materiais de propaganda, textos

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e imagens a respeito de temas referentes à família,como reportagens sobre cuidados com infância, casa-mento e moda, além de grande quantidade de fotos.Vida Doméstica já entendia a mulher como consumido-ra e destacava aspectos referentes à beleza, além depropagandas de tecidos para confecção de vestidos ejóias, óculos, camisas, carrinhos de bebês, relógios, ci-garros, móveis, lenços, porcelanas, brinquedos, remé-dios, alimentos, hotéis, agências de turismo, ítens demoda: além do que a editoria chamava de assuntosúteis, como avicultura e criação de outros animais.

Novas mudanças acontecem no meio do séculoXX com Grande Hotel, da Editora Vecchi e Capricho, daEditora Abril, que publicam fotonovelas. O cresci-mento da indústria relacionada à mulher, a ampliaçãoda classe média e o crescimento do mercado internofortalece o poder de venda dos veículos voltados parao público feminino. Títulos como Cláudia inauguramum novo estilo, sofisticando o setor.

A migração do mesmo modelo para a televisão,começava a utilizar as fórmulas consagradas pelas re-vistas para veicular programas destinados ao públicofeminino. De fato, Buitoni lembra que:

Quando falamos em imprensa feminina, focalizamos preferen-cialmente veículos impressos, fonte mais abundantes em nossaexemplificação. Porém, as características de um programa femi-nino de rádio ou na televisão são muito parecidas com que as queapontamos aqui. Na verdade, os programas da mídia eletrônicaestão calcados nas formas impressas.9

Ainda que a data da transmissão do primeiro pro-grama dedicado exclusivamente ao público femininonão esteja documentada, Rixa afirma que Desde osprimórdios, a TV Tupi de São Paulo produziu programasdirigidos à mulher, especialmente a dona de casa10. Entre osprimeiros programas veiculados nos primeiros anosde TV, estão a Revista Feminina, com Lolita Rios, e Nomundo feminino conduzido por Maria de Lourdes Lebert

9 Ibidem, p. 11.

10 LORÊDO, João. Era uma vez...a televisão. São Paulo: Alegro,2000, p. 156.

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11 O programa foi levado ao arcom diferentes denomina-ções.

e depois por Elisabeth Dary. Também na década de1950, a própria Hebe Camargo apresentou programascomo Maios a Beira Mar e Com a Mão na Massa (1957).Também é dessa década o programa Faça Você Mesmo(LORÊDO, 2000, p.56) que ensinava corte e costura,e os programas da culinarista Ofélia Annunciato11 esua equipe, que traziam receitas simples para seremfeitas pela própria dona-de-casa, cujo modelo tornou-se um marco entre os programas femininos.

Na década de 1980, a Rede Globo lança o TVMulher, que inaugura a exploração sistemática e rentável dohorário matinal na TV12, dando uma “cara nova” a ummodelo cujos destaques incluíam apresentadoras comoEdna Savaget (Edição Feminina), Xênia Bier e IoneBorges13 e Rosita Tomaz Lopes14, essa última respon-sável pela lista das “10 mais elegantes”.

Na década de 1990 a apresentadora Ana Maria Bragatraz uma nova referência para o universo dos progra-mas femininos, introduzindo na seqüência de receitasculinárias, dicas sobre moda e cabelos, “aulas” de ar-tesanato além de novidades sobre os bastidores datelevisão. O sucesso e os índices de audiência do Notee Anote acordaram a imprensa para as revistas femini-nas na televisão e leva o gênero de volta a Rede Glo-bo: a apresentadora Ana Maria Braga, sua equipe deprodução e suas atrações principais são convidadaspara “transferir-se” para Rede Globo de Televisão.

A apresentadora Ana Maria BragaA apresentadora Ana Maria BragaA apresentadora Ana Maria BragaA apresentadora Ana Maria BragaA apresentadora Ana Maria Bragae o programa e o programa e o programa e o programa e o programa Mais VocêMais VocêMais VocêMais VocêMais Você

Ana Maria Braga é paulista de São Joaquim da Barrae estudou em internatos no interior de São Paulo até seformar em biologia pela Universidade de São Paulo, emSão José do Rio Preto, onde iniciou sua carreira comoapresentadora de um telejornal local, na TV Rio Preto,canal 8, em 1973. Transfere-se para São Paulo, ondefoi repórter da TV Bandeirantes e apresenta o progra-ma feminino E Agora, Boa Tarde, na extinta TV Tupi.

12 LIMA, F. B. & PRIOLLI,Gabriel. Televisão e vídeo. Rio deJaneiro: Zahar, 1985, p. 40.

13 RIXA. Almanaque da TV. SãoPaulo: Objetiva, 2000.

14 LORÊDO, João. Era uma vez...a televisão. São Paulo: Alegro,2000, p. 56.

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Com o fim da TV Tupi, Ana Maria foi assessora deimprensa e diretora comercial das revistas femininasda Editora Abril. A apresentadora volta para televisãoem 1992, com o programa Note e Anote, que por seteanos dirigiu, produziu e apresentou na Rede Record.15

Segundo a apresentadora, a idéia do programa sur-giu porque ela

... queria falar com as mulheres que gostam de cozinhar e comas que não gostam de encostar a barriga no fogão de um jeitomais alegre. Pela minha formação profissional — fui diretoracomercial de sete revistas femininas — eu conhecia bem o perfilda mulher que lia Nova, Capricho, Cláudia, Elle. Juntei a issominha formação interiorana para falar com gente como minhatia, minha mãe.16

O afastamento da Record e o convite feito paratrabalhar na emissora de maior audiência do país nãoacontece por acaso. Em 1997, o rosto de Ana MariaBraga foi o que mais apareceu na televisão brasileira:ao todo, foram 24,5 horas no ar por semana.17 No mes-mo ano, no lançamento de seu primeiro livro de recei-tas, Receitas preferidas de Ana Maria Braga no Salão doLivro do Rio de Janeiro, a apresentadora ficou seishoras autografando mais de 600 exemplares.

Ainda assim quando o programa Mais Você entrouno ar em outubro de 1999, a audiência foi decepcio-nante. Mesmo recebendo um alto salário — especula-se mais de R$ 1 milhão18 o sucesso não foi o mesmoda emissora anterior. A justificativa era que o estiloadotado pela direção — marcado pela fria eficiênciado chamado “padrão Globo de qualidade” — estavaafastando a apresentadora do seu público, mas acostu-mado ao tom popularesco. Borelli & Priolli, explicamque isto acontece porquê:

Ao tentar encorpara personagem, fórmulas, esquemas de produ-ção dos programas populares, a Globo acaba enquadrando-osao seu esquema de produção, mais limpo, mais esquematizado,k

15 Segundo o seu site oficialh t t p : / / a n a m a r i a b r a g a .globo.com/biografia.htm, aapresentadora é também for-mada em jornalismo.

16 REIS, Leila Acorda, menina!Disponível em: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=299ASP020. Copyright O Es-tado de São Paulo, 15/10/2004.Acesso em: 07 jul. 2006.

17 No Brasil, quem mais se apro-ximou dessa marca foi Angé-lica, em 1992, que ficava 23horas no ar na Manchete. Sil-vio Santos já conseguiu 15horas.

18 BORELLI, Sílvia H. Simões;PRIOLLI, Gabriel (Coord.) ADeusa Ferida — Porque a RedeGlobo não é mais campeã deaudiência. São Paulo: Sum-mus, 2000, p. 129.

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19 Idem, Ibidem, p. 171-172. descaracterizando-os.19

A apresentadora enfrentou o problema em uma“conversa” dirigida aos telespectadores, assumindo aovivo que nem tudo estava correndo conforme o espe-rado Para se adaptar ao eixo da identidade da novaemissora (o seu padrão de qualidade) o Mais Você enfren-tou numa série de trocas de horários e formatos. Em2001, a diretora Marlene Mattos (que tinha obtido gran-de sucesso dirigindo a Xuxa) assumiu o programa, masos índices de audiência só se estabilizaram em 2002.

Comparado com os demais programas femininosem exibição, o Mais Você de Ana Maria Braga tem umtempo relativamente restrito — uma hora e meia. Oprograma é centrado na prestação de serviço, ou oque se convencionou chamar matérias de serviço. Otermo, que teve origem nos Estados Unidos, envolveuma expressão diretamente ligada às Revistas Femini-nas, e tem como objetivo “poupar tempo e/ou dinhei-ro” para o receptor. Eide20 assume que a função dessejornalismo seria “servir de guia” para o receptor, pre-parando-o para agir como consumidor racional de pro-dutos, serviços e direitos sociais21. Informações quetragam dicas de como se tornar mais saudável, maisdispostos, mais felizes e mais aptos a gerir o seu tem-po e as suas finanças.

Dessa forma, o serviço é um reconhecimento deque em la edad de la información, la gente pueda necessitarmenos información e mas guia.22

O programa tem um esquema tradicional, com qua-dros voltados para a culinária, artesanato, moda, bele-za, saúde, entrevistas com pessoas ligadas a essas áre-as e personalidades (principalmente contratadas da pró-pria emissora). Tudo isso, é claro, somado a uma gran-de quantidade de merchandising.

Mesmo respeitando esse esquema já conhecido, oprograma também apresenta alguns fatores diferenci-ais, como as brincadeiras com o Louro José, a presen-ça constante de Belinha — a cadelinha de estimação

20 EIDE, Martin. A new kind ofnewspaper. Undestending apopularization processe. Mí-dia, Culture and Society. Lon-don, Thousand Oaks na NewDelhi; Sarge Publications.Abr., 1997, p. 173-182, v. 19.

21 JOFILLY, Ruth. Jornalismo eProdução de Moda. Rio de Janei-ro: Nova Fronteira, 1994.

22 DIEZHANDINO, Maria Pi-lar. Periodismo de Servicio — Lautilidad como complementoinformativo en Time, News-week U.S. News na Wold re-port y unos apontes del casoespañol. Colecion Bosh Co-municación, Icaria Editorial,1994, p. 77.

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da apresentadora — e outros momentos de descon-tração.

Finalmente, o programa também abre espaço paraentrevistas e debates de temas considerados “maispolêmicos”, geralmente abordando questões ligadas àsaúde e a comportamento.

Mais VocêMais VocêMais VocêMais VocêMais Você: uma análise de conteúdo: uma análise de conteúdo: uma análise de conteúdo: uma análise de conteúdo: uma análise de conteúdo

Segundo a programação anunciada pela Rede Glo-bo de Televisão, o programa Mais Você vai ao ar desegunda a sexta feira entre as 8 e 9 horas. Como nor-malmente acontece na televisão, esse horário não érígido, obedecendo a variações de dez e até 15 minu-tos. O programa é praticamente todo transmitido aovivo, o que dá o “tom”, onde os espaços mortos sãopreenchidos pela verborragia constante da apresenta-dora, simulando uma conversa descontraída.

A apresentadora comanda o programa circulan-do em um ambiente integrado, onde existe uma cozi-nha planejada e uma “sala de estar”, onde faz entre-vistas e pequenos debates ao vivo. Todo o ambiente éuma simulação do espaço doméstico, com mesinhas,enfeites e até um pretenso armário para guardar rou-pas, onde ficam peças em exposição quando as matéri-as de moda e artesanato exigem. A simulação de do-mesticidade é reforçada pela decoração e pela presen-ça da cadela Belinha, com a qual a apresentadora even-tualmente conversa ou se dirige na terceira pessoa,além do Louro José que representam os “animais deestimação da casa”.

A abertura do programa é normalmente marcadapor um pequeno monólogo da apresentadora, que usatextos de motivação, parábolas e casos (causos?) quedestacam a esperança, a perseverança e os chamados“bons sentimentos” de uma forma geral. O encerra-mento do monólogo é, tradicionalmente, um “bom dia”;que funciona como a indicação que o programa está“começando”.

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Em seguida entram no ar os quadros de serviço,que pode ser culinária, bem estar físico ou psicológi-co — uma reportagem sobre os benefícios da medita-ção ou uma nova proposta de exercício físico, ou dedieta alimentar e, entrevistas com personalidades. Tam-bém neste miolo estão inseridas brincadeiras, piadas,pegadinhas e adivinhações — disputadas com o “Lou-ro” José — entrevistas com personalidades e eventu-almente com pessoas da comunidade. Em ocasiõesespeciais a apresentadora participa de quadros especi-ais que variam desde externas gravadas dos “jardins”da sede da Rede Globo (em São Paulo) ou em viagens,em uma imensa possibilidade de variações.

No conjunto do programa, a culinária ainda predo-mina. Isso parece apontar que essa atividade ainda évista como a mais importante para a mulher e mesmoquando esta se dispõe realizar um trabalho economi-camente rentável, permanece presa a atividades tradi-cionais.

Todo o processo é seguido passo a passo, com aapresentadora ao lado da culinarista/artesã ou mesmoassumindo o papel de “executora da receita”, mas sem-pre tirando dúvidas, elogiando, confirmando ingredi-entes, etc. Ao mesmo tempo em que faz a receita, ouauxilia no seu preparo, a apresentadora conversa comos especialistas e/ou autores da receita, sobre aspec-tos específicos de sua realização, possibilidades decomercialização e outros dados complementares.

Independente do produto, a apresentadora se es-força para acrescentar a ele um “toque de classe”, sejaatravés da decoração ou de detalhes sobre a originali-dade (pratos típicos regionais ou internacionais) oupratos que ganham destaque em restaurantes. Aliás, aconfecção dos pratos exige da apresentadora uma apre-sentação especial. Embora não aja de forma ostensiva,luvas e chapéus de “chef ” são comuns, bem comooutros apetrechos característicos da culinária requin-tada. De fato, a cozinha apresentada pelo Mais Vocêpode ser classificada de sincrética ou híbrida, uma vez

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que mescla recursos locais com produtos industriali-zados, muitas vezes originariamente oriundos de hábi-tos alimentares culturalmente distantes, mas hoje tãoligados ao processo alimentar nacional que se tornadifícil distinguí-los.

Um segundo aspecto em destaque é o artesanato,mostrado através de aulas práticas, em geral com aprópria apresentadora confeccionando o produto ouatravés de reportagens que explicam passo a passocomo o produto é elaborado.

No que diz respeito à aparência física, as represen-tações femininas propostas pelo programa também se-guem determinados padrões característicos do univer-so feminino, como, por exemplo, esbelteza, a preocu-pação com a elegância (o bem vestir) e o cuidado coma aparência.

De fato, as questões sobre beleza estão sempresubjetivamente presentes, mas de uma forma sutil eeventualmente contraditória. Basicamente, não existeuma apologia a esbelteza e ou mesmo a belos rostos,mas os elogios e comentários sobre “manter a forma”estão sempre presentes. Inserido entre propagandasde cremes e produtos para o cabelo e para a estéticaem geral, predomina um discurso no qual a beleza éassociada com a saúde e, principalmente, com o bemestar.

Um exemplo desse discurso pode ser sintetizadona declaração dada pela apresentadora em uma entre-vista:

Há belezas variadas e existem diversas maneiras de se falar queuma pessoa é bela. Acho que o principal encanto é aquele quevem de dentro, por meio da felicidade. (...) A beleza é muitomais o seu estado de espírito, que se reflete em seu exterior, noscabelos, nos olhos, no corpo inteiro... Acredito que amar é omelhor remédio para se manter bela.23

As referências à idade não são comuns, e apenasacontecem quando da comemoração de um aniversá-

23 ASSITANI, Cléo. Ana MariaBraga. Admirável Guerreira. Co-luna Gente. Disponível em:<http://plasticaebeleza.terra.com.br/38/gente/ana-maria.htm>. Acesso em: 09 jul. 2006.

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rio ou fato marcante. No entanto, a apresentadora as-sume o papel de mulher de meia idade através de re-ferências aos filhos mais velhos — já criados e ouinseridos no mercado de trabalho e do próprio passa-do profissional.

Nessa condição fica clara a representação de umadona-de-casa de classe média alta, relativamenteintelectualizada, com uma parcela significativa de tem-po livre em relação as atividades domésticas já quenão necessita dedicar uma grande parcela do seu tem-po aos filhos (pois já não exigem tantos cuidados dire-tos), embora se preocupe com o bem estar deles.

O material comercial — merchandising — está clara-mente embutido no programa, com a apresentadoradiscutindo e explicando as vantagens do produto, numdiálogo onde impera a redundância. O programa é todoentremeado por esses “patrocinadores”, que se mes-clam com as matérias de serviço, é difícil de distinguirum do outro.

A grande disponibilidade de recursos técnicos éevidente e contrasta de forma quase agressiva com alimitação de recursos presente em revistas femininasde outras emissoras. Em muitos casos, as câmaras ocul-tas trabalham em paralelo com os microfones de ouvi-do que permitem que a apresentadora “converse” comos autores da receita ao mesmo tempo em manipula osprodutos.

De fato, a competência comunicativa do programase define pela identificação do receptor com o univer-so doméstico apresentado pela apresentadora. A inti-midade com o receptor é constantemente reforçadacom a utilização de um diálogo simulado, em umapretensa conversação onde se repetem termos como“você que está em casa”, “você aí”.

Todo esse aparato visa dar ao receptor uma sensa-ção de interatividade, reforçada não apenas pela lin-guagem (o diálogo simulado), mas também por sortei-os, brindes e participações restritas pelo telefone, in-tencionalmente trabalhadas para obter um destaque

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que não condiz com a brevidade e as limitações dessaparticipação. Sobre esse ponto, aliás, é necessário ques-tionar o uso do termo interatividade, uma vez que setrata de um modelo reativo, em que os conteúdos sãogestados e controlados pela produção do programa epela participação diretiva da apresentadora.

A disponibilidade de recursos é detectável tam-bém na realização das externas, quando cenários com-pletos são montados para o programa ou mesmo paraum único quadro do programa.

Outra estratégia do programa é a articulação per-manente do conteúdo emocional com o conteúdo ra-cional: receitas gastronômicas são fórmulas para “con-quistar corações” e o próprio texto emocional e preten-samente filosófico que abre o programa é constante-mente indicado como uma dica para se “pensar e apren-der a viver melhor”.

ConclusãoConclusãoConclusãoConclusãoConclusão

Ainda que classificados como programas de varie-dades, as considerações aqui expostas deixam claro oseu caráter didático e formador de comportamentosdesse modelo. Fica claro que é no plano das idéiasque os veículos dedicados ao público feminino pare-cem convergir e ter sua maior importância, uma vezque buscavam/buscam divulgar comportamentos so-cialmente adequados.

As transformações ocorridas no universo femini-no nas últimas décadas conduzem a perigosa idéia deque a programação voltada para as mulheres tem maisespaço e expressão do que antigamente. Mas é neces-sário refletir sobre quais mudanças realmente aconte-ceram.

A evolução histórica desse modelo mostra quehouve uma evolução dos cenários e até mesmo umaevolução dos assuntos — muito do que antes era tabu,como sexo, gravidez, religião, etc — hoje é discutidolivremente. O modelo feminino, da “rainha do lar”

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dedicada a nutrir os filhos e o marido foi substituídopor um modelo mais flexível, preocupado com a pró-pria aparência, com a saúde, em “ganhar algum dinhei-ro extra” (com o artesanato doméstico ou com ativida-des informais) e (até) mesmo com um verniz cultural.

De muitas maneiras, no entanto, são mudanças su-perficiais. Assim o programa e a sua apresentação sãouma novidade, mas não um modelo realmente novouma vez que o novo é uma invenção, é o que repre-senta uma mudança em relação a sua própria história.Já a novidade é um elemento referencial para repetir amesma coisa com novas roupagens, fazendo o que natelevisão costuma ser definido como “museu de novi-dades”, que na essência são sempre as mesmas. A ne-cessidade de apresentar tudo como uma novidade éuma estratégia para convencer as pessoas a adquiriralgo que elas já têm, e que em geral elas não necessi-tam. Portanto, a novidade só tem significado para oconsumo.

Assim é o programa e a sua apresentadora: algoque só se justificam como mantenedores de uma or-dem instalada e divulgadores de produtos/novidadesa serem consumidos.

Os padrões culturais que delineiam a subjetividadefeminina propagada no Mais Você são, de muitas for-mas, semelhantes aos do século passado: a mulherrepresentada ainda é aquela que se impõe pela habili-dade doméstica — é prendada ou simplesmente habi-lidosa; e trabalhadeira — no sentido que põe as suashabilidade domésticas para melhorar a qualidade davida da família, seja através do ganho direto, vendendoo seu produto como forma de reforçar o orçamento,seja indireto, contribuindo para a economia dentro do lar.

Em defesa do programa, no entanto, é preciso res-saltar que ele não é uma exceção. A própria apresenta-dora admite que: No mundo inteiro existe esse tipo de pro-grama. Há canais só de artesanato, decoração, bricolagem. Aquino Brasil não se pode ter apenas a visão do Morumbi, Leme,Belo Horizonte, ou seja, onde as pessoas têm supermercados com

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os produtos que vão nas receitas.24

A análise do programa Mais Você mostra que omodelo proposto para um programa feminino (e con-seqüentemente, o modelo imaginado de mulher) con-tinua a se alimentar das atividades domésticas, comtodas as suas ações prosaicas e banais. Trata-se damulher que mantém a casa, não como provedora derecursos, mais como “compradora” de tudo, ou quasetudo, que a família necessita: um alvo propício paratodos os tipos de merchandising que permeiam o con-teúdo do programa.

De uma forma geral a apresentadora representa ummodelo de mãe/mulher da classe média intelectuali-zada; ou seja, modelo de vida desejável: um modelosimbólico associado simultaneamente a um reforço deoutros enunciados liberais clássicos do sucesso indi-vidual, mas que não deixou de lado o “ser mulher”,que no caso se reflete na preocupação com a beleza, asensualidade do corpo feminino e, sobretudo, o cui-dado com o espaço doméstico como o grande espaçode realização do feminino na cultura contemporânea.

Mulheres profissionalmente bem sucedidas nãoestão ausentes do programa, mas a sua apresentaçãoindiretamente reforça a sua condição de exceção, poisé quase rotina a apresentadora inserir questionamentossobre o esforço que é feito para conciliar família etrabalho e outros aspectos semelhantes. Embora o temada mulher que trabalha, que é auto-suficiente finan-ceiramente esteja sempre presente no discurso, essacondição é tratada como uma exceção, ou pelo menoscomo uma tendência para o futuro.

O programa reproduz, portanto, um olhar que éproduzido para as mulheres, e não pelas mulheres —ou pelo menos não pelas mulheres realmente livresdos estereótipos criados sobre o feminino.

A apresentadora é o elemento chave do programa,que se constrói a partir de seu carisma. Essa é, aliás,uma característica marcante nos programas femininos,quase todos marcados ou identificados pela personali-

24 apud REIS, 2004.

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25 CAMPBELL, Joseph. O heróidas mil faces. São Paulo: Cultrix,1993, p. 93.

26 MORIN, Edgar. Cultura demassa no século XX. O espíritodo tempo. Rio de Janeiro:Forense, 1967, p. 67.

dade de suas apresentadoras. Cada apresentadora éverdadeiramente uma atriz, que desempenha um pa-pel ao mesmo tempo único — ela mesma (daí a im-portância do seu carisma) — e múltiplo: anfitriã sim-pática, vizinha fofoqueira, amiga carinhosa, conselheiraexperiente. Bem vestida, elegante, alegre, risonha, ca-rinhosa e disposta a compartilhar, ela é, ao mesmotempo cúmplice da receptora e alvo de sua inveja.

A importância do carisma ou da personalidade daapresentadora não diminui o trabalho da produção oumesmo da equipe que viabiliza o modelo. O programaMais Você, e as Revistas Femininas de uma forma ge-ral, funcionam porque oferecem às receptoras váriaspossibilidades (ou níveis) de identificação. Manter es-sas pontes de identificação abertas todos os dias não éuma tarefa fácil, pois significa transformar a rotina do-méstica em possibilidades mais ricas e excitantes doque as oferecidas na vida real. Significa buscar assun-tos que, não sendo distantes do dia-a-dia da receptora,também represente algo novo, diferente daquilo aoqual ela já se acostumou.

Para entendermos melhor o status ou a condiçãoda apresentadora do programa, é necessário, seguir ocaminho já trilhado por CAMPBELL25 e MORIN26 einterpretar o conceito de herói. Assim como o heróimítico, a condutora do programa “acredita” ter umamissão a cumprir (ou, pelo menos, transmite essa idéia).Mas enquanto o herói deve domar o cotidiano e viverna esfera do extraordinário, a “missão” dos conduto-res dos programas femininos é transformar o cotidia-no em extraordinário, transformando-o em algo sem-pre novo e, ao mesmo tempo, expurgando os riscos(como problemas conjugais ou doenças) que possamatrapalhar o seu aproveitamento integral e prazeroso.Da mesma forma, enquanto na mitologia clássica oherói tem habilidades e atitudes que os diferencia dosdemais mortais, na situação dos condutores das revis-tas femininas essas habilidades residem justamente nacapacidade criativa e na satisfação que elas retiram da

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realização de suas tarefas.Por fim, assim como o herói deve “entregar-se a

um propósito maior e ao seu destino glorificado”,construído única e exclusivamente por ele mesmo,também o “ídolo” televisivo é o condutor da sua pró-pria glória ou sucesso, resultado de seu esforço e dadedicação. A sua generosidade — grandiosidade — étambém medida pela gentileza com a qual procuramdividir essa glória com a sua equipe.

É nesse sentido, aliás, que a produção do Mais Vocêparece ter incorporado o que há de melhor do padrãoGlobo de qualidade. Os temas apresentados conseguem,na maior parte das vezes, unir as duas características eainda deixar espaço para aprofundamentos futuros.

O Mais Você também chama atenção pela naturali-dade extremada (estudada?) de sua condutora, que cir-cula em cena como se “vivesse” em cena, transmitin-do à receptora a confiante sensação de que, todo dia,durante uma hora, é a convidada de honra daqueleespaço perfeito, onde tudo permanece arrumado, ade-quado e com um toque de classe.

Curiosamente, no entanto, Ana Maria Braga é umafigura solitária em cena. Assim como é solitário o tra-balho doméstico, a apresentadora embora eventual-mente brinque com a equipe técnica, receba seus en-trevistados — seus convidados — e fale ao telefonecom o pessoal “de casa”, está a maior parte do temposozinha. Sua principal companhia são os “animais” deestimação, e em particular o Louro José, com queminterage durante todo o programa.

O Louro José, aliás, é a presença masculina emcena. Mas um masculino divertido, sempre presente edisponível, bem humorado, sem cobranças ou insinu-ações sexuais. Não fosse feito de espuma e penas,seria o homem ideal.

O programa, portanto, trabalha a valorização domodelo feminino, da mulher de meia-idade que “ven-ce” a própria idade, é o pilar do próprio lar (um novolar, onde a presença masculina é secundária), onde

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predomina o bom humor e a felicidade e, é claro, apossibilidade de recriar o antigo e consumir novidades.

Mas é também a representação da dona de casasolitária — e é significativo que o programa se destineàs donas-de-casa — sufocada pela busca da perfeição,pela busca do reconhecimento e da valorização desuas atividades. A mulher sozinha, que transfere umaparte significativa do seu afeto para os animais domés-ticos (os únicos que têm tempo para realmente ouvi-la?), que busca na atividade frenética, no contato adistância e nos textos de auto-ajuda uma maneira depreencher os seus vazios.

Uma solidão partilhada via satélite em milhares deaparelhos de televisão, e que só não é insuportávelporque oferece a promessa de um novo diálogo, deum novo encontro, de um novo dia perfeito na próxi-ma edição.

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