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Max Weber e a incerteza do conhecimento científico: uma , resenha de A Etica Protestante e o Espírito do Capiialismc» RESENHA EDUCAÇÃO EM DEBATE Seguindo a epistemologia kantiana, Weber negou que o "conhecimento pudesse ser uma reprodução ou cópia fiel da realidade, em exten- são ou compreensão, já que a realidade é infinita e inexaurível" (FREUND, 1969, p. 39). Questio- nou, porém, muitos outros aspectos do conheci- mento científico além daqueles propostos pela sua adoção da fenomenologia de Kant. De fato, o nome de Weber pode ser relacionado a um gran- de número de achados sociológicos que recente- mente têm recebido uma atenção inusitada. A própria posição de Weber na história das ciên- cias sociais é uma evidência de que os paradigmas destas seguem leis completamente diferentes daquelas aceitáveis nas ciências naturais. O objetivo deste ensaio é analisar os aspec- tos metodológicos e episternológicos de A Etica Protestante eo Espírito do Capitalismo enfatizando os seguintes pontos: 1. Cada ambiente intelectual propõe as suas ques- tões particulares e as resolve em função do seu conhecimento disponível; 2. As ciências sociais operam simultaneamente dentro de diversos modelos; 3. Weber é o primeiro sociólogo a trabalhar fora do paradigma evolucionista. Publicado entre 1904-1905, quando Weber tinha cerca de 40 anos, A Ética Protestante eo Es- pírito do Capitalismo é a sua obra mais lida por- que neste trabalho ele questiona a proposição de Marx de acordo com a qual foram razões Bernadete Beserra I econômicas que produziram o surgimento do modo de produção capitalista. Weber procura demonstrar que os achados de Marx represen- tam apenas uma possibilidade entre muitas de explicação do surgimento do capitalismo. Weber não se posiciona claramente con- tra a idéia de evolução ou de proposições gerais sobre fenômenos universais. Mas, em vez de en- fatizar leis gerais, seu método da possibilidade objetiva e da causalidade adequada enfatiza a parti- cularidade de cada fenômeno. Ou seja, cada fe- nômeno é o resultado de uma situação única e deve ser considerado desta maneira. Seguindo tal raciocínio, jamais se teria esquemas expli- cativos sintéticos como os de Hegel, Marx ou Morgan, os quais postulavam a existência de uma idéia universal de história ou humanidade. Considerando que circunstâncias particu- lares produzem motivações particulares, Weber busca uma causa adequada para explicar o surgimento do capitalismo moderno e a encon- tra na ética calvinista. Para ele, esta ética foi o elemento sem o qual não teria sido possível o surgimento do capitalismo. Se, para Marx, a ex- ploração da mais-valia era a condição sine qua non para a acumulação capitalista, a ética calvinista era, para Weber, o fator que permitiu e justificou não apenas a acumulação capitalista, mas tam- bém o comportamento indispensável para a acei- tação e manutenção do estilo de vida capitalista. Porque concentra-se nas motivações dos indiví- duos como base do funcionamento da sociedade, Weber confere à superestrutura um valor que I Ph.D em Antropologia pela Universidade da Califórnia, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará. 2 A versão original deste ensaio foi escrita para a disciplina Anthropology 250, ministrada pelo prof. Gene Anderson em 1996 no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade da Califórnia, Riverside. EDUCAÇAo EM DEBATE. Ano 26. V I - N°. 47 - 2004 89

RESENHA Bernadete Beserra I MaxWeber eaincerteza do ... · tação emanutenção do estilo de vida capitalista. Porque concentra-se nas motivações dos indiví-duos como base do

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Max Weber e a incerteza doconhecimento científico: uma,resenha de A Etica Protestantee o Espírito do Capiialismc»

RESENHA

EDUCAÇÃOEM DEBATE

Seguindo a epistemologia kantiana, Webernegou que o "conhecimento pudesse ser umareprodução ou cópia fiel da realidade, em exten-são ou compreensão, já que a realidade é infinitae inexaurível" (FREUND, 1969, p. 39). Questio-nou, porém, muitos outros aspectos do conheci-mento científico além daqueles propostos pelasua adoção da fenomenologia de Kant. De fato,o nome de Weber pode ser relacionado a um gran-de número de achados sociológicos que recente-mente têm recebido uma atenção inusitada. Aprópria posição de Weber na história das ciên-cias sociais é uma evidência de que os paradigmasdestas seguem leis completamente diferentesdaquelas aceitáveis nas ciências naturais.

O objetivo deste ensaio é analisar os aspec-tos metodológicos e episternológicos de A EticaProtestante e o Espírito do Capitalismo enfatizandoos seguintes pontos:

1. Cada ambiente intelectual propõe as suas ques-tões particulares e as resolve em função do seuconhecimento disponível;

2. As ciências sociais operam simultaneamentedentro de diversos modelos;

3. Weber é o primeiro sociólogo a trabalhar forado paradigma evolucionista.

Publicado entre 1904-1905, quando Webertinha cerca de 40 anos, A Ética Protestante e o Es-pírito do Capitalismo é a sua obra mais lida por-que neste trabalho ele questiona a proposiçãode Marx de acordo com a qual foram razões

Bernadete Beserra I

econômicas que produziram o surgimento domodo de produção capitalista. Weber procurademonstrar que os achados de Marx represen-tam apenas uma possibilidade entre muitas deexplicação do surgimento do capitalismo.

Weber não se posiciona claramente con-tra a idéia de evolução ou de proposições geraissobre fenômenos universais. Mas, em vez de en-fatizar leis gerais, seu método da possibilidadeobjetiva e da causalidade adequada enfatiza a parti-cularidade de cada fenômeno. Ou seja, cada fe-nômeno é o resultado de uma situação única edeve ser considerado desta maneira. Seguindotal raciocínio, jamais se teria esquemas expli-cativos sintéticos como os de Hegel, Marx ouMorgan, os quais postulavam a existência de umaidéia universal de história ou humanidade.

Considerando que circunstâncias particu-lares produzem motivações particulares, Weberbusca uma causa adequada para explicar osurgimento do capitalismo moderno e a encon-tra na ética calvinista. Para ele, esta ética foi oelemento sem o qual não teria sido possível osurgimento do capitalismo. Se, para Marx, a ex-ploração da mais-valia era a condição sine qua nonpara a acumulação capitalista, a ética calvinistaera, para Weber, o fator que permitiu e justificounão apenas a acumulação capitalista, mas tam-bém o comportamento indispensável para a acei-tação e manutenção do estilo de vida capitalista.Porque concentra-se nas motivações dos indiví-duos como base do funcionamento da sociedade,Weber confere à superestrutura um valor que

I Ph.D em Antropologia pela Universidade da Califórnia, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará.2 A versão original deste ensaio foi escrita para a disciplina Anthropology 250, ministrada pelo prof. Gene Anderson em 1996 no

Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade da Califórnia, Riverside.

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Marx não lhe havia dado porque manteve suaatenção na estrutura econômica buscando suasleis e evolução natural, procedimento que Weberrejeita completamente.

A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismoestá dividido em cinco capítulos e a edição emanálise, publicada pela Charles Scribner's Sons,New York, em 1958, contém uma introduçãoescrita por Anthony Giddens, em 1976, e umaoutra introdução escrita pelo próprio Weber em1920, para a série sobre sociologia da religião.

No primeiro capítulo, Weber explica que asua motivação empírica para relacionar as ori-gens do capitalismo com o protestantismo é ofato de que a maioria esmagadora dos homensde negócios e donos de capital, assim como ostécnicos de alto nível são protestantes (WEBER,1976, p. 35). Por que os protestantes estão maisintrinsecamente ligados à riqueza material e aoprestígio do que os católicos? O que de especialos protestantes teriam e os católicos não? Weberoferece a seguinte resposta:

A emancipação do tradicionalismo econô-mico parece, sem dúvida, ser um fator quefortalece extraordinariamente a tendênciapara duvidar da tradição religiosa assim comode qualquer autoridade tradicional. Mas é ne-cessário observar, como sempre tem-se esque-cido, que a reforma não significou a elimi-nação do controle da igreja sobre a vida diária,mas, ao contrário, a substituição da forma decontrole anterior por uma nova (1976: 36).

Weber observa que razões específicas li-gadas à ética religiosa poderiam explicar não ape-nas porque os protestantes ocupam as melhoresposições no mercado de trabalho, mas tambémporque os católicos preferiam ou eram motiva-dos a se graduar nas áreas das ciências humanas,por exemplo; ou, por que os católicos preferemdormir bem a comer bem? Havia qualquer coisasobre a ética protestante que sugeria que ela de-veria ser entendida para que se pudesse explicarporque os protestantes se comportam tão dife-rentemente dos católicos e, especialmente, por-

que tais diferenças pareciam tão favoráveis àempresa capitalista.

O título do capítulo seguinte, "O Espíritodo Capitalismo", revela o que há de diferenteno protestantismo: sua ética carrega o "espíritodo capitalismo". O próprio Weber revela sua pre-ocupação em usar expressão tão pretensiosacomo "espírito do capitalismo" e chama a aten-ção para as dificuldades de definição do fenô-meno histórico:

Se há qualquer objeto ao qual o termo [Espí-rito do capitalismo] pode ser aplicado comalgum significado, este objeto somente podeser um indivíduo histórico, isto é, um com-plexo de elementos associados a uma realida-de histórica a qual podemos reunir num todoconceitual do ponto de vista do seu significa-do cultural. Tal conceito histórico, entretanto,uma vez que se refere no seu conteúdo a umfenômeno significante pela sua individuali-dade, não pode ser definido de acordo com afórmula genus proximum, differentia specifica, masdeve ser gradualmente montado com todas assuas partes individuais retiradas da realidadehistórica. Então, o conceito final e definitivonão pode ser elaborado no início da investi-gação, mas no final.

É provavelmente por esta razão que aoinvés de iniciar o seu estudo sobre o espírito docapitalismo pela definição deste termo, Weberinicia reproduzindo as proposições utilitárias deBenjamin Franklin sobre o comportamento apro-priado ao mundo capitalista em crescimento.'Para Weber tais proposições representam a sín-tese moderna do espírito do capitalismo. To-mando as proposições de Franklin como refe-rência, volta ao passado buscando fenômenossimilares nas origens do mundo capitalista.

Embora não parecendo estar interessadoem negar nenhuma das condições materiais queMarx apresenta como pré-requisitos para o sur-gimento do capitalismo, ele está certamente in-teressado em demonstrar que as condições ma-teriais sozinhas jamais seriam suficientes para

3 Weber enumera várias dessas proposições, dentre as quais as seguintes resumem bastante bem a sua lógica utilitária e bastanteconhecida da sociedade capitalista: "Lembre-se que tempo é dinheirompo é dinheiro. Para aquele qz shillings por dia pelo seutrabalho e vai passear, ou fica ocioso metade do dia, apesar de não gastar mais que seis pence em sua vadiagem ou diversão, não deveser computada apenas essa despesa, ele gastou, ou melhor, jogou fora, mais cinco shillings (WEBER, 1976, p. 48)."

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produzir o capitalismo moderno, já que este pre-cisava de um ingrediente especial cuja falta im-pediu o seu surgimento no mundo clássico (China,India, Babilônia).

Embora não questione Marx explicita-mente, Weber sugere que a produção do capita-lismo é mais o resultado de uma acomodação/negociação entre as classes sociais do que resul-tado da luta entre elas. Sem uma justificação di-vina para o trabalho incansável como obrigaçãoreligiosa, o capitalismo moderno jamais teria sidopossível, propõe. Para ele, portanto, a base parao surgimento do capitalismo foi o "chamado" re-ligioso o qual tornou possível que um "empresá-rio capitalista aceitasse não usufruir nada da suariqueza a não ser o sentimento irracional de terrealizado bem o seu trabalho" (1976, p. 71).

Afirmar que o capitalismo precisou de umdeterminado éthos para começar a funcionar nãosignifica que este mesmo éthos o acompanhariapara sempre. Na verdade, Weber está preocupa-do apenas em explicar as circunstâncias que tor-naram possível o capitalismo moderno. Nessesentido, ele tem consciência de que a condiçãoinicial desse surgimento está ligada a uma deter-minada circunstância histórica, além da qual ou-tras razões seriam necessárias para permitir o seufuncionamento.

Na síntese do primeiro capítulo pode-seafirmar que Weber descobre que o capitalismomoderno está intrinsecamente relacionado e de-pendente de um único pensamento: a razão prá-tica. Consciente de que tal conceito se refere acoisas bastante diferentes, Weber propôs,

descobrir de quem é filha a forma de pensa-mento racional, da qual a idéia de chamado edevoção ao trabalho cresceu, a qual é, comotemos visto, tão irracional do ponto de vistade um auto-interesse puramente eudemonista,mas que foi e ainda é uma dos mais impor-tantes elementos característicos da nossacultura capitalista. Estamos aqui particular-mente interessados na origem do elementoracional que nela reside, como em cada con-cepção de chamado (1976, p. 78).

Será esta a tarefa que Weber empreenderáno capítulo três e seguintes. Antes de passar àsíntese dos próximos capítulos, é importante exa-minar mais algumas questões relativas à obra deWeber. O seu e ruo, por exemplo, segue muito

próximo a sua metodologia científica. Ou seja,ao invés de conceituações formuladas a priori ouformuladas fora da história do fenômeno sobobservação ou estudo, Weber acreditava que amelhor forma de compreender a particularidadede um fenômeno é através da sua descrição. Euma descrição não se faz instantaneamente. Acompreensão, neste caso, não surge imediata-mente após a análise dos primeiros elementosapresentados, ao contrário, é alcançada aos pou-cos e iluminada por cada novo elemento ou con-junto de relações introduzi das na análise. Talprocedimento parece, muitas vezes, bastantefragmentado àqueles acostumados às explicaçõessintéticas.

Como Weber formulou sua hipótese sobreo surgimento do capitalismo a partir da observaçãodos comportamentos dos membros de igrejas ca-tólicas e prostestantes no mundo dos negócios,ele sabia que a explicação deveria ser buscada nahistória das religiões protestantes. Ele, então, co-meçou examinando o conteúdo da Reforma deLutero. Weber percebe que na ética de Lutero,como na Católica, "a busca do ganho materialalém das necessidades pessoais aparece como umsintoma da ausência da graça, e já que tal ganhoera obtido aparentemente à custa de outros, eradiretamente repreensível" (idem, p. 84).

Observando que a Reforma de Lutero nãofoi o instrumento para o "chamado capitalista",Weber passa a descrever e interpretar o chamadono reino do ascetismo protestante. Mas, no ter-ceiro capítulo, enquanto analisa a doutrina deLutero, estabelece que seu principal interesse nãoera afirmar que "o capitalismo como sistemaeconômico é uma criação da Reforma [mas], aocontrário, afirmar se e até que ponto as forçasreligiosas têm tomado parte na formação e naexpansão quantitativa desse espírito em todo omundo" (1976, p. 91).

No capítulo quatro, "Os FundamentosReligiosos do Ascetismo Laico", Weber descreveas quatro manifestações principais do Protestan-tismo as cético: os movimentos Calvinista,Pietista, Metodista e Batista. Foi na doutrinaCalvinista da predestinação que Weber encon-trou o que ele buscava. Ele diz que não estava

preocupado com a questão do que era teóricoe oficialmente ensinado no compêndio éticoda época, [mas] em algo completamente dife-rente: a influência das sanções psicológicas as

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quais, originadas na crença e na prática reli-giosa deram uma direção à conduta prática eamarrou o indivíduo a ela" (1976, p. 97).

A questão a se responder, portanto, é comoa doutrina Calvinista da predestinação produziuuma conduta prática na qual ou através da qualo espírito capitalista se desenvolveu. A doutrinada predestinação de Calvino acreditava que de-terminadas pessoas são eleitas por Deus à salva-ção, enquanto outras são rejeitadas por Ele econdenadas à maldição eterna.

Se, independentemente da sua obra nomundo, algumas pessoas são a priori salvas oucondenadas, Calvino transferiu a salvação dasmãos dos homens para as mãos de Deus. Porém,para responder quem são os eleitos, Calvino tevede elaborar uma doutrina capaz de guiar a açãodos seus seguidores na qual os seguintes pontosestavam presentes: 1. É, em princípio, rejeitadaa afirmação segundo a qual alguém pode apren-der através da conduta de outros, sejam estesescolhidos ou condenados (p. 110); 2. É obri-gação absoluta considerar a si mesmo escolhidoe combater todas as dúvidas como tentações doMal, já que a falta de autoconfiança é o resul-tado de uma fé insuficiente, portanto de umagraça imperfeita (p. 111): 3. Para se obter essaautoconfiança a pessoa precisa se envolverintensamente com os negócios do mundo. O tra-balho e somente ele pode dispersar as dúvidasreligiosas e conferir a certeza da graça. (p.112).

Weber conclui que na prática a doutrina deCalvino "significa que Deus ajuda aqueles que aju-dam a si próprios [e] o Deus do Calvinismo re-quer dos seus fiéis não bons trabalhos eventual-mente, mas toda uma vida de bons trabalhoscombinados num sistema unificado" (p. 115-117).

Se o chamado para o trabalho é nelemesmo importante, seu objetivo, no entanto, éa base da racionalização requerida para o sur-gimento da atitude capitalista. Portanto, "essaracionalização da conduta dentro do mundo,mas pelo amor de um mundo além, foi a conse-qüência do conceito de chamado do protestan-tismo as cético" (p.154).

No último capítulo, "Asceticismo e o Es-pírito do Capitalismo", Weber examina o traba-lho de Richard Baxter, considerado uma das me-lhores interpretações da doutrina calvinista. Noúltimo capítulo, de fato, Weber mostra, sempretendo a pregação de Benjamin Franklin em

mente, que a doutrina calvinista continha os ele-mentos essenciais da atitude que ele denominoude espírito do capitalismo. A diferença, diz ele, éque faltava às idéias de Franklin "a base religiosa,que, no tempo de Franklin, já havia desapare-cido" (p.180).

É interessante observar que paradoxal-mente, em nome de Deus e da Sua glória, oscalvinistas construíram (na verdade, apenas aju-daram a construir) o mais pagão dos mundos.Agora, breves respostas as questões propostasno início desta resenha.

A primeira hipótese pode ser exemplificadaatravés da comparação entre Durkheim e Weber.Embora contemporâneos, produziram métodoscompletamente diferentes de explicação do fe-nômeno social. Durkheim, refletindo o seu am-biente intelectual, aceitou como absolutamenterazoável a afirmação de que as ciências sociaisdeveriam ser assimiladas pelas ciências naturais,e assumiu a missão histórica de organizar umcampo científico para a sociologia. Por outro lado,a sociologia de Weber desenvolveu-se num con-texto no qual a mencionada verdade positivistaera absolutamente questionada.

Analisando o background intelectual deWeber, Freund (1969, p. 37-39) explica que "jános finais do século XIX, os acadêmicos germânicosestavam divididos numa disputa metodológica emtorno do status das ciências humanas: elas deve-riam ser assimiladas às ciências naturais, como ospositivistas reivindicavam ou, ao contrário, serconsideradas de forma totalmente autônoma?

Aqueles que sustentavam que as ciênciashumanas deveriam ser autônomas, Dilthey en-tre eles, acreditavam que a realidade pode sersubdividida em setores independentes. Outros,dentre estes Rickert, rejeitaram tal fragmentação,afirmando que a realidade é indivisível e sempreidêntica a si mesma. Para estes, as diferentes ciên-cias estudam a realidade sob ângulos diferentes,e os princípios-guias de classificação devem por-tanto estar na diferença dos métodos utilizados.De acordo com esta perspectiva, há dois méto-dos: o método generalizante, que busca desco-brir relações gerais e leis; e o método indivi-dualizante, que estuda os aspectos particularesde um dado fenômeno. Duas categorias funda-mentais das ciências surgiram deste raciocínio:as ciências naturais e as culturais.

Embora aceitando a distinção entre osmétodos generalizante e individualizante, Weber

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rejeito ões, isto é, a classificaçãodas ciê e da diferença de métodos.Ele acre ,ct ao contrário, que cada ciênciausa um o o rro método em função das suasnecessidades circunstanciais, mas nenhum dosmétodos é preferível ou superior ao outro.Freund sintetiza:

Qualquer que seja o método adotado, cadaum faz uma seleção na infinita diversidade darealidade empírica. Dessa forma, por causade seu fim, o método generalizante despoja oreal de todos os aspectos contingentes e sin-gulares, reduzindo as diferenças qualitativasa quantidades que podem ser medidas comprecisão e podem formar uma proposiçãogeral de caráter legal. O método individua-Iizante omite os elementos genéricos, a fimde dirigir sua atenção apenas aos caracteresqualitativos e singulares dos fenômenos.Neste sentido, um e outro se afastam da reali-dade por força das necessidades da conceitua-lização, sem a qual não poderia haver conhe-cimento científico. Por conseguinte, nada nospermite dizer que, em confronto com a reali-dade, um desses métodos seria mais viável,mais exato ou mais completo do que o outro(1969, p. 33-34);

A teoria sociológica de Weber é o resul-tado das suas posições metodológícas' e episte-mológicas. A noção de tipo ideal, por exemplo, éum resultado evidente da sua compreensão deque as categorias científicas não correspondemdiretamente à realidade. Elas são, portanto, se-res de um outro mundo, do mundo das concei-tualizações e interpretações e, como tal, servemao mundo da interpretação. Já que o método éuma função do problema, Weber propôs ques-tões cujas respostas requeriam a utilização dométodo individualizante, o qual considera todosos fenômenos históricos como únicos ou parti-culares. Através da interpretação das razões oumotivações de certos fenômenos sociais do pontode vista daqueles que o produzem, Weber inaugu-rou a perspectiva subjetivista na sociologia - urnaperspectiva exatamente oposta à de Ourkheim

que se baseia na compreensão do funcionamentodo sistema e das suas leis.

É importante observar que a metodologiadas ciências sociais de hoje incorpora ambas asalternativas. Aliás, é da complementariedadedessas perspectivas combinadas com a de Marxque Pierre Bourdieu, por exemplo, tem produ-zido os seus insights. Isto é, as ciências sociaistêm-se desenvolvido diferentemente das ciênciasnaturais porque as primeiras não têm que negaros seus ancestrais completamente para formularnovas teorias. Ao invés disso, elas apenas têmque formular novas questões cujas respostas re-querem um esforço coletivo buscado pelas dife-rentes tradições.

Weber desconsidera completamente oparadigma evolucionista. Embora enfatizando acivilização ocidental como um fenômeno singu-lar, não parece interessado ou preocupado emlocalizar tal fenômeno numa escala geral de pro-gresso e produzir a sua compreensão a partir dassemelhanças ou diferenças entre as sociedadesdispostas em tal escala. Ao contrário, ele buscoua compreensão de cada fenômeno através da com-preensão dos seus próprios elementos (catego-rias analíticas) os quais aparecem através da des-crição do fenômeno.

Finalmente, pode-se dizer que a compre-ensão de ciência de Weber não foi ainda incor-porada por muitos cientistas sociais que desen-volvem suas teorias em torno de valores políticose morais os quais acabam por desviar o debatena direção de categorias não científicas como averdade ou a retidão. A não ser que considere-mos essas categorias como categorias históricas,jamais alcançaremos um acordo científico. Porém,é saudável lembrar que não é da concordânciaque a ciência se nutre.

Referências bibliográficas

WEBER, Max. The protestant ethic and the spiritof capitalismo New York: Charles Scribner'sSons. 1976.

FREUNO, Julien. Sociologia de Max Weber. Rio deJaneiro: Editora Forense Ltda, 1975.

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