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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO
PATERNO-FILIAL
VILMA CAVALHEIRO DE BONFIM
Itajaí (SC), 28 de abril de 2008.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO
PATERNO-FILIAL
VILMA CAVALHEIRO DE BONFIM
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientadora: Professora Mestranda Maria Inês França Ardigó
Itajaí (SC), 28 de abril de 2008.
3
AGRADECIMENTO
Existem pessoas para quem apenas agradecer parece pouco, pois possuem importância vital para mim, somente eles, sabem dos momentos passados durante este ano. A
estas pessoas eu devo minha eterna gratidão pela dedicação e apoio prestados, pela compreensão dos meus
limites e pelo que sou hoje. Luiz Guilherme Cavalheiro de Bonfim.
Há, contudo, pessoas que não são ligadas a mim pelo sangue, mas que com certeza tenho como irmãos:
Margarete de Cássia Dias. Amigo é irmão do coração.
A professora Maria Inês França Ardigó, que me apoiou no tema para essa monografia, e que soube com praticidade
me mostrar o caminho.
Agradeço a uma força maior, que me guia, a quem me sinto no dever de agradecer quando algo prazeroso acontece, e a
quem suplico ajuda quando não mais tenho vontade de persistir, DEUS.
DEDICATÓRIA
Este trabalho, dedico exclusivamente ao meu filho Luiz Guilherme Cavalheiro de Bonfim.
Pelo apoio incondicional, pois:
“(...) em família ninguém cresce sem fazer crescer,
nem destrói sem se autodestruir.” (Villela)
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí (SC), 28 de abril de 2008.
Vilma Cavalheiro de Bonfim Graduando
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Vilma Cavalheiro de Bonfim, sob o
título Responsabilidade Civil por abandona afetivo paterno-filial, foi submetida em
( data__________) à banca examinadora composta pelos seguintes professores:
(_______________________, ______________________,
___________________), e aprovada com a nota (___________)
(____________________)
Itajaí (SC), 28 de abril de 2008.
Profª. Mestranda Maria Inês França Ardigó Orientadora e Presidente da Banca
Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CRFB Constituição da República Federativa do Brasil
CC/19 - CC/2002 Código Civil Brasileiro
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n. 8.069, de 13.07.1990
ROL DE CATEGORIAS
Afeto
É o elemento constitutivo dos vínculos familiares. A busca da felicidade, a
supremacia do amor, a solidariedade social ensejam o reconhecimento do afeto
como o modo mais plausível para a definição de família�.
Direito de Família
Ramo do Direito Civil atinente às relações entre pessoas unidas pelo matrimônio,
pela união estável ou pelo parentesco e aos ramos complementares do direito
protetivo e assistencial, pois tanto a curatela como a tutela embora não se
originem das relações familiares, por sua finalidade, possuem conexão com o
Direito de Família2.
Poder Familiar
Nos primórdios do direito, o poder familiar nada mais significava que o conjunto
de prerrogativas conferidas ao pai sobre o filho. No direito Romano, ocupava
aquele a posição de chefe absoluto sobre a pessoa de seus filhos, com tantos
poderes a ponto de ser-lhe permitida a eliminação da vida do filho. Dizia que o
pater tinha o direito sobre a vida e a morte do filho3.
Responsabilidade civil
Em princípio, toda atividade que acarreta um prejuízo gera responsabilidade ou
dever de indenizar. Haverá, por vezes, excludentes que impedem a indenização,
como veremos. O termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na
1 CALHEIRA, Luana Silva. Os princípios do direito de família na Constituição Federal de 1988 e a importância aplicada do afeto: O afeto é juridicizado através dos princípios? Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, nº. 229. 2 DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro, p. 7.�3 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família, p.600.
qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deve arcar com as conseqüências de um
ato, fato, ou negócio danoso. Sob essa noção, toda atividade humana, portanto,
pode acarretar o dever de indenizar. Desse modo, o estudo da responsabilidade
civil abrange todo o conjunto de princípios e normas que regem a obrigação de
indenizar4.
4 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil, p. 14.
SUMÁRIO
RESUMO.......................................................................................... XII
INTRODUÇÃO ................................................................................... 1
CAPÍTULO 1
DIREITO DE FAMÍLIA
1.1 ORIGENS DO DIREITO DAS FAMÍLIAS .........................................................3
1.2 CONCEITO DO DIREITO DAS FAMÍLIAS.......................................................4
1.3 EVOLUÇÃO DO DIREITO DAS FAMÍLIAS......................................................5
1.4 DOS PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA .................................................8
1.4.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE FAMÍLIA........................................9
1.4.2 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ................................................11
1.4.3 PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE E DA SOLIDARIEDADE FAMILIAR ..............................14
1.5 PODER FAMILIAR .........................................................................................16
1.5.1 BASE DE CONCEITO ........................................................................................20
1.5.2 DOS DIREITOS E DOS DEVERES .......................................................................22
1.5.3 RESPONSABILIDADE PARENTAL .......................................................................24
1.5.4 EXTINÇÃO DO PODER FAMILIAR .......................................................................25
1.5.5 SUSPENSÃO ...................................................................................................27
CAPÍTULO 2
TEORIA GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL
2.1 TEORIA GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL.......................................29
2.1.1 RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA.....31
2.1.2 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL .................................................34
2.2 DO DANO .......................................................................................................35
2.2.1 DO DANO MORAL ...........................................................................................37
2.2.2 DO CRITÉRIO DE AVALIAÇÃO E DO VALOR DA REPARAÇÃO MORAL....................40
2.3 PRESCRIÇÃO DAS AÇÕES..........................................................................41
CAPÍTULO 3
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO
PATERNO-FILIAL
3.1 AFETIVIDADE ................................................................................................45
3.1.1 O AFETO NA RELAÇÃO PATERNO-FILIAL ...........................................................46
3.1.2 VALORIZAÇÃO DO AFETO, CONSEQÜÊNCIA DA EVOLUÇÃO DE PENSAMENTOS
SOBRE A FAMÍLIA. ...................................................................................................48
3.2 DO ABANDONO AFETIVO E SEUS EFEITOS..............................................50
3.3 DO RECONHECIMENTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR
ABANDONO AFETIVO PATERNO-FILIAL..........................................................52
3.4 DA DESCARACTERIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR
ABANDONO AFETIVO PATERNO-FILIAL..........................................................59
3.5 DO POSICIONAMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA .............62
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 66
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .......................................... 68
REFERÊNCIAS LEGISLATIVAS ..................................................... 73
RESUMO
A presente Monografia tem como objeto a Responsabilidade Civil
por Abandono Paterno-filial. No campo do direito, o ramo do direito de família tem
o devido destaque, pois busca acompanhar a evolução da sociedade e assim
atender os anseios dos integrantes do núcleo familiar. A Constituição Federal de
1988 inseriu em seu texto, princípios importantes no que diz respeito a família,
dentre eles a dignidade da pessoa humana, o valor jurídico dado à afetividade e o
da solidariedade familiar. O objetivo do presente trabalho é investigar como está
sendo o entendimento dos magistrados, nos diversos Tribunais Brasileiros, acerca
dos pedidos de Reconhecimento da Responsabilidade Civil por Abandono
Paterno-filial. Para tanto, principia-se, no Capítulo 1, com o Direito de Família, no
Capítulo 2, se referirá à Teoria Geral da Responsabilidade Civil e o Dano e, no
capítulo 3, sobre a Responsabilidade Civil Por Abandono Afetivo Paterno-Filial. O
presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas
quais serão apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da
estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a
Responsabilidade Civil Por Abandono Afetivo Paterno-Filial
INTRODUÇÃO
A presente Monografia tem como objeto a Responsabilidade
Civil por Abandono Paterno-filial.
O seu objetivo é investigar como está sendo o entendimento
dos magistrados, nos diversos Tribunais Brasileiros, acerca dos pedidos de
Reconhecimento da Responsabilidade Civil por Abandono Paterno-filial que vêm
sendo aforados.
Para tanto, principia-se, no Capítulo 1, com o Direito de
Família, trazendo suas origens, o seu conceito e a sua evolução. Após, ainda no
mesmo capítulo, se analisará os Princípios do Direito de Família, mais
precisamente os princípios constitucionais do direito de família, tais como: o
princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da afetividade e o princípio
da solidariedade familiar. Por fim, será analisado o poder familiar, sua base de
conceito, os direitos e os deveres oriundos deste, bem como sobre sua extinção e
suspensão.
No Capítulo 2, ver-se-á, a Teoria Geral da Responsabilidade
Civil, abrangendo a responsabilidade civil subjetiva e a responsabilidade civil
objetiva, bem como os pressupostos da responsabilidade civil. Mais adiante
trabalhar-se-á sobre o Dano, especificando-se o dano moral, o critério de
avaliação e o valor da reparação moral, além da prescrição das ações.
No capítulo 3, se trabalhará a Responsabilidade Civil Por
Abandono Afetivo Paterno-Filial, tema principal do referido trabalho. Iniciar-se-á
com a afetividade, trazendo o afeto na relação paterno-filial, a valorização do
afeto, a conseqüência da evolução de pensamentos sobre a família e o abandono
afetivo e seus efeitos. Superada essas peculiaridades, estudar-se-á o
reconhecimento da responsabilidade civil por abandono afetivo paterno-filial,
finalizando com o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça.
2
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as
Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos
destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões
sobre a Responsabilidade Civil Por Abandono Afetivo Paterno-Filial
Para a presente monografia foram levantadas as seguintes
hipóteses:
1) No ramo do direito de família, o direito tem buscado
acompanhar a evolução da sociedade e assim atender os anseios dos integrantes
do núcleo familiar;
2) A Constituição Federal de 1988 inseriu em seu texto,
princípios importantes no que diz respeito à família;
3) Existem no ordenamento jurídico brasileiro fundamentos
para possível reparação de dano moral decorrente do abandano afetivo paterno-
filial, dependendo de como este ocorreu, levando em consideracão a
culpabilidade dos genitores ou pais, e os objetivos específicos que são a
valoração do afeto e o dano causado pela falta deste na vida da criança ou
adolescente.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase
de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados
o Método Cartesiano e, o Relatório dos Resultados expresso na presente
Monografia é composto na base lógica Indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as
Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa
Bibliográfica.
CAPÍTULO 1
DIREITO DE FAMÍLIA
Para iniciar o presente trabalho científico, se faz necessária
uma abordagem concisa sobre o direito de família, bem como uma breve análise
sobre a origem da família. Será relevante também, que nesta fase introdutória,
sejam analisados alguns pontos essenciais, tais como a constitucionalização do
direito de família, abrangendo os novos princípios atinentes ao Direito de Família
atual, por fim, será analisado o poder familiar. Importante ressaltar que tais
análises servirão de aporte teórico necessário ao estudo do tema principal do
referido trabalho.
1.1 ORIGENS DO DIREITO DAS FAMÍLIAS
A família, mesmo na sua forma mais primitiva, foi o berço da
sociedade, um instituto que antecedeu a qualquer norma jurídica, ao próprio
Direito, este por sua vez, objetivou regrar as inúmeras relações entre os
indivíduos, decorrentes de determinado momento histórico, cultural, moral e
econômico, como bem acentua Fachin5:
A família como fato cultural, está antes do Direito e nas entrelinhas do sistema jurídico. Mais que fotos nas paredes, quadros de sentido, possibilidades de convivência. Na cultura, na história, prévia a códigos e posteriores a emoldurações. No universo jurídico, trata-se mais de um modelo de família e de seus direitos. Vê-la tão só na percepção jurídica do Direito de Família é olhar menos que a ponta de um “iceberg”. Antecede, sucede e transcende o jurídico, a família como fato e fenômeno.
Demasiados foram os autores que se dedicaram a tratar, no
início de suas exposições, as origens históricas da família, porém, poucas são as
obras que trazem teorias similares a esta matéria.
5 FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família, p. 14.
4
1.2 CONCEITO DO DIREITO DAS FAMÍLIAS
O Direito de Família consiste no complexo de normas que
regulam a celebração do casamento, sua validade e os efeitos que dele resultem,
bem como as relações pessoais e econômicas da sociedade conjugal e do
matrimônio, a própria dissolução destes, a união estável, as relações entre pais e
filhos, o vínculo do parentesco e os institutos complementares da tutela e
curatela, recepcionados pelo CC, nos artigos 1.511 a 1.7836.
Para Gomes7, o Direito de Família é o conjunto de regras
aplicáveis às relações entre pessoas ligadas pelo casamento, pelo parentesco,
pela afinidade e pela adoção.
É ramo do Direito Civil atinente às relações entre pessoas
unidas pelo matrimônio, pela união estável ou pelo parentesco e aos ramos
complementares do direito protetivo e assistencial, pois tanto a curatela como a
tutela embora não se originem das relações familiares, por sua finalidade,
possuem conexão com o Direito de Família�.
Estes direitos somente se positivam nas relações familiares,
que correspondem aos membros da família. Alguns são recíprocos, como os dos
cônjuges, outros são ao mesmo tempo poder e dever como ocorre no pátrio-
poder, alguns tem caráter patrimonial, ainda encontram-se aqueles chamados
direitos reais como o de usufruto do pai sobre os bens do filho menor, direitos de
crédito, como o legitimado a reclamar alimentos, direitos obrigacionais, pois
consistem em exigir de uma pessoa determinadas condutas, etc.
Tais direitos ligam-se por suas afinidades e caracteres
exteriores, em condições de se coordenarem num sistema em que se agrupem
logicamente, sem o inconveniente da adjunção de direitos profundamente
diversos�.
6 BRASIL, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, Código Civil. 7 GOMES, Orlando. Direito de família, p. 3-4. 8 DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro, p. 7. 9 GOMES, Orlando. Direito de família, p. 3-4.
5
Na visão de Rodrigues10, o Direito de Família tem por objeto
a exposição dos princípios de direito que regem as relações de família, do ponto
de vista da influência dessas relações sobre as pessoas e os bens.
As regras familiares afetam o indivíduo dentro daquele núcleo social, relativamente pequeno, em que ele nasce, cresce e se desenvolve, disciplinando suas relações de ordem pessoal e patrimonial. Tais medidas de interesse do indivíduo são, indiretamente, de interesse da sociedade, pois preservam a harmonia social e cooperam para a estabilidade da família.
Por sua vez, Fachin11 analisa o direito de família num
contorno mais positivado, ao ponto que descreve:
O Direito de Família, se analisado num contorno positivado, limita-se a tratar de regras relacionadas às famílias, sejam elas derivadas do casamento, da união estável, da adoção ou da presença de somente um dos membros (monoparental), seus efeitos pessoais e patrimoniais, a dissolução das sociedades conjugais, bem como da curatela e da tutela, ou seja, da assistência familiar (princípio de solidariedade entre os membros familiares).
Contudo, o objeto do Direito de Família é a própria família e
esta, é formada por pessoas, na sua totalidade e complexidade, desta forma, o
Direito de Família também trata do ser humano, no local onde ele deve
desenvolver-se espiritual, material e sentimentalmente, o núcleo familiar, e tal
conseqüência, acarreta uma gama de situações específicas em que esta parte da
legislação brasileira deverá atuar.
1.3 EVOLUÇÃO DO DIREITO DAS FAMÍLIAS
Na era primitiva, o instinto é que determinava os
relacionamentos, razão pela qual o homem e a mulher se aproximavam para o
acasalamento, sem qualquer laço afetivo, imitando as espécies irracionais12.
10 RODRIGUES, Silvio. Direito civil, p. 3. 11 FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família, p. 49-50. 12 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, p.16-17.
6
Engels13, em sua obra que trata da origem da família, da
propriedade privada e do Estado, menciona a existência de uma promiscuidade
primitiva, na forma de poliandria, onde haveriam vários homens para uma só
mulher, bem como o matrimônio por grupo, que seria a união coletiva de algumas
mulheres com alguns homens, oriundos de tribos distintas.
Na referida obra, Engels14 aponta com detalhes as diversas
manifestações ancestrais referentes à formação da família e o seu
desenvolvimento até o Século XVII, quando a publicou, sendo, desde então,
constantemente mencionada por doutrinadores e pensadores contemporâneos,
devido a sua relevância sobre o assunto.
A concepção de família, como já mencionado, sofreu
distintas conceituações. Para Engels15:
Na sua origem, a palavra família não significa o ideal – mistura de sentimentalismo e dissenções domésticas – do filisteu da nossa época; - a princípio, entre os romanos, não se aplicava sequer ao par de cônjuges e aos seus filhos, mas somente aos escravos. Famulus quer dizer escravo doméstico e família é o conjunto dos escravos pertencentes a um mesmo homem. Nos tempos de Gaio, a família “id est patrimonium” (isto é, herança) era transmitida por testamento.
Com toda a certeza, uma das primeiras funções da família
foi a de proteger seus membros das agressões do mundo exterior, seguindo-se
de uma função de cunho religioso onde as famílias se reuniam com o intuito de
cultuar os antepassados, tanto na Grécia como em Roma, conforme ensinamento
de Foustel de Coulanges.
Na Roma antiga, a família se fundava sobre relações de
poder, que tinham por base a profunda desigualdade entre os indivíduos do corpo
familiar.
13 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado, p. 90. 14 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado, p. 90. 15 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado, p. 95-96.
7
O pátrio poder era exercido somente pelo pai, o “pater” que
possuía domínio total sobre sua família e o seu patrimônio, tendo inclusive o
direito de expor, matar, vender, trocar ou receber como recompensa, todos os
membros da família, que eram considerados incapazes, e estavam sob seu julgo,
e como tais, não possuíam patrimônio nem personalidade jurídica, dependendo
sempre do pater famílias 16.
Wald faz referência à família romana, definindo-a como “o
conjunto de pessoas que estavam sob a pátria potestas do ascendente comum
vivo mais velho”17. Portanto, não havia a consangüinidade determinando o
conceito de família, inclusive o pater famílias era exercido sobre todos os
descendentes não emancipados, sobre a esposa e às mulheres casadas com
manus com os seus descendentes.
Havia ainda, a gens, tida como subdivisão da cúria por
alguns e como um agregado das famílias provenientes de um tronco comum, por
outros, a qual criava entre seus membros direitos sucessórios, exercendo
importante caráter político, possuindo território próprio e chefe, denominado de
pater gentis.
Gradativamente, a autoridade exercida pelo pater famílias foi
sendo restringida, ocorrendo a concessão de certa independência à mulher e aos
filhos, bem como a substituição do parentesco descendente do homem para o
que descende da mulher.
Decorrente da evolução pós-romana, o direito germânico
inseriu novo formato à família, influenciado pela espiritualidade cristã, reduzindo o
grupo familiar aos pais e filhos, dando-lhe um cunho sacramental18.
1.4 DOS PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA
A palavra Princípio vem do latim ‘principium’, que significa
começo, origem, base, ou fonte do direito e de aplicação imediata.
16 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga, p. 124. 17 WALD, Arnoldo. O novo direito de família, p. 09. 18 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, p. 19
8
O termo princípio é o indicativo de começo, origem. No plural
o vocábulo significa o alicerce, normas elementares, a base. Já o sentido de
princípios jurídicos é o de servir como início ou como instituto elementar ao
Direito19.
O fato, o valor e a norma são três subsistemas formados
pelo sistema jurídico. O fato é o início, o valor reflete o desejo da sociedade. A
norma é a moldura dos fatos, vivenciados pela sociedade20.
Os princípios encaixam-se na esfera dos valores, não há
hierarquia entre eles. Entretanto, alguns princípios se posicionam mais próximos
às normas, enquanto outros mais próximos dos fatos sociais. Cada qual carrega
um valor imprescindível à sociedade, porém algumas vezes, para um mesmo fato
social há a aplicação de dois ou mais princípios. Nestes casos, deve-se buscar a
proporcionalidade. Para que, dependendo do caso concreto, seja aplicado o
princípio mais adequado aos interesses da sociedade, pois não se pode
simplesmente anular um princípio, para que outro seja observado21.
Os direitos fundamentais são parâmetros materiais e limites do desenvolvimento judicial do direito. Com a reconstrução do conceito de pessoa, o direito teve que construir os princípios e as regras visando à proteção da personalidade humana, sendo atributo a qualidade do ser humano. Porquanto deverá o juízo outorgar os direitos fundamentais com a maior eficácia possível, aplicando diretamente os princípios22.
Portanto, podemos dizer que os princípios são os pontos de
partida para o direito, e são construídos por valores inscritos no contexto social e
cultural de cada indivíduo, dentro da sociedade.
19 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, p. 1094-1095. 20 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos do direito ambiental, p. 166. 21 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Fundamentos do direito ambiental, p. 166. 22 COSTA, Judith Martins. Os danos a pessoa no direito brasileiro e a natureza de sua reparação. Revista dos tribunais, p.21.
9
1.4.1 Princípios Constitucionais do Direito de Família
Propriamente dito, é no direito de família que se recai os
mais numerados princípios possíveis, que estão contidos na Constituição da
República Federativa do Brasil23.
Segundo Berenice Dias24,
É no direito das famílias onde mais se sente o reflexo dos princípios eleitos pela Constituição Federal, que consagrou como fundamentais valores sociais dominantes. Os princípios que regem o direito das famílias não podem distanciar-se da atual concepção da família dentro de sua feição desdobrada em múltiplas facetas.
O primeiro princípio explícito na CRFB/88 é o da dignidade
da pessoa humana, contido no art. 1º, inciso III. Logo em seguida, temos o
princípio da solidariedade familiar, explícito no art. 3º, inciso I. Esses dois
princípios serão estudados nos subtítulos seguintes, pois é de grande valia ao
presente trabalho.
No art. 226 da CRFB/88 encontram-se princípios
importantes ao direito de família, que segue:
Art. 226. A família, base da sociedade tem especial proteção do Estado.
(...)
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. § 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.
23 BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 24 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 50.
10
Assim o caput do presente artigo trata do princípio do
reconhecimento da família como instituição básica da sociedade e como objeto
especial de proteção do estado. Seguido pelo inciso 5º, que trata do princípio da
igualdade entre os cônjuges e companheiros, e por fim o inciso 6º, que versa
sobre igualdade entre os filhos.
O caput do art. 227 da CRFB/88, trata do princípio do melhor
interesse da criança.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Oliveira25 descreve:
O objetivo da Constituição Federal foi o de explicitar que a família, como célula de uma sociedade pluralista, deve avançar cada dia mais na busca de maior coesão, ao mesmo tempo em que seus integrantes ganhem maior liberdade de diálogo e de desenvolvimento de suas aptidões pessoais. O fortalecimento da família, como se vê, não é refratário à inevitável liberdade que seus membros ganham a cada dia que passa.
Ante ao exposto, vale ressaltar que vários são os princípios
fundamentais que regulam o direito de família, sendo quase impossível expor
todos os existentes. Assim, para o presente trabalho vale destacar que é
fundamental fazer uma análise aprofundada dos princípios que dizem respeito à
dignidade da pessoa humana, à afetividade, e à solidariedade familiar.
1.4.2 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
O princípio da dignidade da pessoa humana encontra-se
explícito na CRFB/88, em seu artigo 1º, § 3º que em síntese traz:
25 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família, p. 276.
11
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento:
(...)
III – a dignidade da pessoa humana.
A palavra “dignidade” vem do latim “dignitas”, que significa
honra, consideração, respeito, podendo assim definir dignidade da pessoa
humana como sendo a base do direito justo e comum a todos26.
A dignidade humana destaca-se como o princípio mais valoroso estabelecido pela ordem jurídica brasileira, sendo redigido como um princípio fundamental constitucional contida na CRFB/88. Assim é de se elevar o ser humano ao centro de todo sistema jurídico, sendo que as normas são feitas para a pessoa e para a sua realização, devendo ter o mínimo de garantia para lhe proporcionar dignidade27.
É de suma importância trazer o entendimento de Sarlet28,
que assim estabelece:
Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de proporcionar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
Assim, conforme a ordem constitucional elevou a dignidade
da pessoa humana, ocorreu uma opção expressa pela pessoa ligando os
26 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, p. 458. 27 FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito civil. Teoria geral, p. 92.
12
institutos à personalidade, ocorrendo por quanto desta o “desfazimento da
patrimonialização e a personalização dos institutos jurídicos, colocando a pessoa
humana no centro protetor do direito”29.
Dias, sobre o princípio da dignidade humana e a
despatrimonialização e personalização, assim descreve “O princípio da dignidade
humana não apresenta apenas um limite à atuação do Estado, mas constitui
também um norte para a sua ação positiva”30.
Portanto, o Estado não tem apenas o dever de resguardar
pelos atos que atentem a dignidade humana, mas também tem que promover tal
dignidade.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, Sarlet31 discorre
sobre o tema:
O princípio da dignidade da pessoa impõe limites à atuação Estatal, objetivando impedir que o poder público venha a violar a dignidade pessoal, mas também implica que o Estado deverá como meta permanente, proteção, promoção, e realização concreta de uma vida com dignidade para todos.
Neste sentido, não há duvidas de que os órgãos estatais
deverão estar vinculados ao princípio da dignidade da pessoa humana, para que
lhe sejam impostos os direitos e deveres inerentes de sua obrigação.
É sábio trazer que no direito de família, a dignidade da
pessoa humana também é considerada um patamar superior. Referente à
paternidade, tema principal do presente trabalho, é de grande valia que se tragam
à tona os entendimentos de Schuh32, neste sentido:
28 SARLET, Ingo Wolfgand. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição de 1988, p.62. 29 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 52. 30 DIAS, Maria Berenice, Manual de direito das famílias, p. 52. 31 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição de 1988, p. 113. 32 SCHUH, Lizete Peixoto Xavier. Responsabilidade civil por abandono afetivo: a valoração do elo perdido ou não consentido. Revista brasileira de direito de família, p.68.
13
A dignidade da pessoa humana, vista sob uma acepção moral e jurídica, está intimamente ligada às relações humanas, as quais implicam um recíproco dever de respeito, para que as pessoas se sintam valorizadas, seguras no meio social as quais estão inseridas. No concernente às crianças, tem-se que o primeiro lugar onde estabelecem relações sociais é no seio da família, a mais importante instituição na reforma do ser humano; é inaceitável que a paternidade não seja uma escolha consciente.
Ora, é no direito de família como menciona a citada autora,
que o princípio da dignidade humana ganha uma acepção moral. Porquanto,
importa ter em consideração que, em se tratando de um valor, a dignidade da
pessoa humana remeterá aos direitos fundamentais, conseqüentemente, quando
negado o direito à paternidade, o amor e o convívio familiar, estarão se negando à
dignidade33.
Assim, cabe ao direito oferecer instrumentos para impedir a
violação da tutela da dignidade da pessoa humana, devendo ser assegurado
tanto no curso das relações familiares como no seu rompimento34.
Portanto, não é somente o Estado que é responsável pelo
fornecimento da dignidade humana ao individuo, mas também é na família que
ela deve ser encontrada, onde os pais são responsáveis em dar a devida atenção,
amor e respeito aos seus filhos.
1.4.3 Princípio da Afetividade e da Solidariedade Familiar
Diante das relações familiares, surge o afeto, considerado
atualmente o fundamento das relações familiares, sendo que mesmo não
constando expressamente a palavra ”afeto” no texto constitucional, este se
projetou no campo jurídico e levou à consideração da superação dos fatores de
discriminação.
33 SCHUH, Lizete Peixoto Xavier. Responsabilidade civil por abandono afetivo: a valoração do elo perdido ou não consentido. Revista brasileira de direito de família, p. 69. 34 SILVA, Regina Beatriz Tavares da. A tutela da dignidade da pessoa humana no casamento, Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u66402.shtml>. acesso em 15 de agosto de 2007
14
Lôbo35 descreve o princípio da afetividade como sendo um
salto à frente da pessoa humana nas relações familiares identificando na
CRFB/88 quatro fundamentos essenciais de tal princípio, quais sejam:
A igualdade de todos os filhos independentemente da origem, explícito na CRFB/88 art. 227, §6º, a adoção como escolha afetiva com a igualdade de direitos, também no art. 227, parágrafos 5º e 6º; a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluídos os adotivos, com a mesma dignidade da família, CRFB/88 art. 226, §4º; e por fim, o direito à convivência familiar como prioridade absoluta da criança e do adolescente, explícito no art. 227 da CRFB/88.
No mesmo sentido tem-se que o Código Civil (CC)36 também
não utiliza a palavra “afeto”, mesmo que em alguns de seus dispositivos possa
verificar esse elemento como situação caracterizadora e merecedora de tutela.
Lôbo37 explica:
O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência e não do sangue. A história do direito à filiação confunde-se com o destino do patrimônio familiar, visceralmente ligado à consangüinidade legítima. Por isso, é a história da lenta emancipação dos filhos, da redução progressiva das desigualdades e da redução do quantum despótico, na medida da redução da patrimonialização dessas relações.
Portanto, a filiação não advém apenas da relação biológica,
ela é conseqüência do convívio, da dedicação. As pessoas que se unem em
comunhão de afeto, por livre e espontânea vontade, visando assim, ter uma
família, ficam protegidas pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Já em outra concepção, tem-se o princípio da Solidariedade
Familiar no âmbito das relações familiares.
35 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Código civil comentado, p. 47. 36 BRASIL, Código Civil. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 37 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípio jurídico da afetividade na filiação. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=527>. acesso em 12 de agosto de 2007
15
O princípio da solidariedade familiar é uma das técnicas
originárias de proteção social que até hoje se mantém. Tal princípio está
extremamente ligado aos deveres recíprocos entre os integrantes do grupo
familiar, sendo assim o Estado que geralmente norteia os princípios neste caso se
livra do encargo de promover e assegurar este princípio constitucionalmente.
Plausível a citação do entendimento de Berenice Dias38:
Esse princípio, que tem origem nos vínculos afetivos, dispõe de conteúdo ético, por contém em suas entranhas o próprio significado da expressão solidariedade que compreende a reciprocidade. Assim, deixando um dos parentes de atender com obrigação parental, não poderá exigi-la de quem se negou a prestar auxílio.
Imprescindível se faz destacar que o princípio da
solidariedade familiar, até mesmo quando citado pela doutrinadora acima, está
intimamente ligado aos vínculos afetivos, dispondo de um conteúdo ético e
geralmente poderá ser encontrado nas obrigações alimentares entre pessoas
integrantes do grupo familiar.
O afeto e a solidariedade derivam conseqüentemente, da
convivência familiar, sendo assim a manutenção desse vínculo gera o bem estar
dos integrantes da família. José Lamartine C. de Oliveira e Francisco José F.
Muniz descrevem, “A família transforma-se na medida em que se acentuam as
relações de sentimentos entre seus membros: valorizam-se as funções afetivas
da família”39.
Lôbo40, acerca da repersonalização das relações de família
conclui:
A realização pessoal da afetividade e da dignidade humana, no ambiente de convivência e solidariedade, é a função básica da família de nossa época. Suas antigas funções econômica, política, religiosa e procracional feneceram, desapareceram ou
38 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 56. 39 OLIVEIRA, José Lamartine C. e MUNIZ, Francisco José F. Direito de família, p. 11.
16
desempenham papel secundário. Até mesmo a função procracional, com a secularização crescente do direito de família e a primazia atribuída ao afeto, deixou de ser sua finalidade precípua.
Portanto, a função da família nos dias de hoje é sem dúvida
a valorização dos laços de afeto e da dignidade humana, juntos num ambiente de
convivência e solidariedade recíproca.
1.5 PODER FAMILIAR
O Poder Familiar assim como o Direito das Famílias41
passou alterações no curso da história, acompanhando a evolução da família.
No Direito Romano, o Poder Familiar era representado pelo
pater, o pai era o chefe da família e tinha o direito absoluto sobre a organização
familiar, seu poder era ilimitado e figurava como escopo para reforçar a
autoridade. Assim sendo, o Pátrio Poder era exercido apenas pelo genitor, era um
poder que se equivalia ao de propriedade, incluía a esposa, os filhos, os escravos
e os que assim se assemelhavam.
Sobre o aludido assunto, têm-se, pois, os ensinamentos de
Rizzardo42:
Nos primórdios do direito, o poder familiar nada mais significava que o conjunto de prerrogativas conferidas ao pai sobre o filho. No direito Romano, ocupava aquele a posição de chefe absoluto sobre a pessoa de seus filhos, com tantos poderes a ponto de ser-lhe permitido a eliminação da vida do filho. Dizia que o pater tinha o direito sobre a vida e a morte do filho.
Nos ensinamentos de Rodrigues43, o pátrio poder é
representado por um conjunto de prerrogativas, que são:
40 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5201>. acesso em 12 de agosto de 2007 41 Segundo a doutrinadora Maria Berenice Dias denomina-se “Direito das Famílias”, pois, a família não segue uma forma padronizada e sim uma infinidade de tipos de famílias, não se atende apenas um padrão pré-definido. 42 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família, p.600. 43 RODRIGUES, Silvio. Direito de Família, p. 345.
17
[...] conferidas ao pater, na qualidade de chefe de organização familial, e sobre a pessoa de seus filhos. Trata-se de um direito absoluto, praticamente ilimitado, cujo escopo é efetivamente reformar a família paterna, a fim de consolidar a família romana, célula base da sociedade, que nela encontra o seu principal alicerce.
Assim, pode-se dizer que o poder familiar tem fundamento
político e religioso e que lhe dá uma visão maior dos exageros, o pater além de
ser o sacerdote do culto, como se viu na história do direito das famílias, é o chefe
da família.
Desta feita, os romanos eram vistos de forma grotesca e
cruel, uma vez que podiam dispor totalmente de seus filhos. Com o passar do
tempo, Justiniano proibiu o direito do pai de expor os filhos, de tal forma, que
extinguiu o poder paterno, partindo do momento em que o filho fosse capaz de
prover suas necessidades44.
Neste sentido, vale trazer na íntegra o texto de Monteiro
escrito em sua obra que “com o tempo restringiram-se os poderes outorgados ao
chefe da família. Assim, sob o aspecto pessoal, reduziu-se o absolutismo
opressivo dos pais a simples direito de correção45”.
Nos dias modernos, o poder familiar não se caracteriza mais
na figura do pater, e sim na pessoa dos pais que, assim, possuem um conjunto de
direitos e deveres inerentes, para a proteção dos filhos e de seus bens, enquanto
não forem emancipados46.
Essa evolução pode ser destacada a partir do Código Civil
de 191647, que no seu artigo 380, e parágrafo único, garantia ao pai o pátrio poder
do filho menor, como vemos:
Art. 380. Durante o casamento compete o pátrio poder aos pais, exercendo-o o marido com a colaboração da mulher. Na falta ou
44 NEVES, Márcia Cristina Ananias, Vademecum do direito de família, p. 1062. 45 MONTEIRO, Washington de barros. Curso de direito civil; direito de família, p. 274. 46 RODRIGES, Silvio. Direito de família, p.347. 47 BRASIL, Código Civil. Lei nº. 3.071, de 1º de Janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil.
18
impedimento de um dos progenitores, passará o outro a exercê-lo com exclusividade.
Parágrafo único: Divergindo os progenitores quanto ao exercício do pátrio poder, prevalecerá a decisão do pai, ressalvado à mãe o direito de recorrer ao juiz para solução da divergência.
Foi com o advento da Lei nº. 4.121 de 27 de agosto de
196248, que se atribuiu à mãe a condição de colaboradora no exercício do pátrio
poder com o pai.
Logo após veio a Lei nº. 6.515 de 26 de dezembro de 1977,
que, em seu artigo 27, aponta que o pai e a mãe são os titulares das
responsabilidades parentais, mesmo depois de não viverem mais como um casal,
e da guarda ser atribuída a apenas um deles. Tendo como base o Decreto-Lei nº.
3.200/4149 e do artigo 381 do CC/16.
Em face dessas mudanças, a CRFB/88 veio afastar ainda
mais a desigualdade entre os sexos, ou seja, entre pai e mãe. Não tendo mais
vigência o termo colaboração utilizado anteriormente, o que prevalece agora é
uma presença conjunta e igualitária na relação entre pais e filhos, como se vê no
art. 226, no seu § 5º, a seguir:
Art. 226. A família, base da sociedade tem especial proteção do Estado.
[...]
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
48 BRASIL, Estatuto da Mulher Casada. Lei nº. 4.121 de 27 de Agosto de 1962. Dispõe sobre a situação jurídica da mulher casada (Estatuto da Mulher Casada). 49 BRASIL, Decreto-Lei nº. 3.200 de 19 de abril de 1941. Dispõe sobre a organização e proteção da família.
19
Também a Lei nº. 8.069/9050, Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) solidifica essa relação de igualdade entre os pais, configurada
no seu artigo 21:
Art. 21. O Pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a Legislação Civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.
Após tantas alterações, afasta-se de vez a submissão da
mulher perante o homem, bem como se atribui a ambos os genitores a
responsabilidade do exercício do pátrio poder, independentemente de estarem
maritalmente unidos.
Diante destes fatos, o CC, além de adotar tais alterações,
modificou a figura do pátrio poder em poder familiar, dispondo em seu art. 1.631:
Art. 1.631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade.
Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo.
Assim, nota-se claramente que o CC possibilitou tanto ao pai
quanto à mãe serem detentores do poder familiar, enquanto o CC/16 possibilitava
apenas ao pai o pátrio poder.
1.5.1 Base de Conceito
O Poder familiar decorre de uma necessidade natural, de
modo que, constituída a família, com o surgimento dos filhos, aparece o dever de
50 BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº. 8.069, de 13 de Julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.
20
alimentar, isto é, a obrigação de assisti-los, criá-los e educá-los, até que os
mesmos tornem-se adultos51.
Até a CRFB/88, a autoridade paterna era proeminente em
relação ao Poder Familiar, o pai tinha o exercício do poder, sendo que a mãe só
poderia exercê-lo na sua falta ou impedimento52.
A partir de 1988, com o advento do artigo 226 da CRFB/88,
anteriormente citado, que deu base aos princípios do Direito das Famílias, o
homem e a mulher equiparam-se nos deveres e direitos da sociedade conjugal,
refletindo, também, no poder familiar.
O Pátrio Poder, previsto no CC/16, também mudou no atual
CC para Poder Familiar, tendo em vista que, na época da vigência do Código
anterior, quem exercia o poder sobre os filhos era o pai. Como esta situação
mudou, sendo hoje a responsabilidade sobre os filhos de ambos os genitores, viu-
se o legislador obrigado a modificar tal denominação.
Comel53 leciona que:
O ECA que passou a vigorar anos após a vigência da Constituição Federal, e que, não somente substituiu o Código de menores, como também foi além dele, trouxe disposição expressa sobre o poder familiar já no principio da igualdade entre o homem e a mulher e também a igualdade entre os filhos.
Prossegue o autor (op. cit):
O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurando a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência54.
51 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito de família, p. 357. 52 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil Brasileiro: direito de família, p.368. 53 COMEL. Denise Damo. Do poder Familiar, p. 46. 54 COMEL. Denise Damo. Do poder Familiar, p. 46.
21
Gonçalves descreve que “o poder familiar não tem mais o
caráter absoluto de que se revestia o direito romano. Por isso, já se cogitou
chamá-lo de ”pátrio-dever”, por atribuir aos pais mais deveres do que direitos” 55.
Assim, conceitualmente, pode-se trazer o entendimento de
Lisboa no que se refere que o poder familiar é ”uma autorização e um dever legal
para que uma pessoa exerça as atividades de administração dos bens e de
asseguramento do desenvolvimento do direito biopsíquico do filho incapaz, pouco
importando a origem da filiação” 56.
Nesse sentido, Carvalho dispõe que o poder familiar “é o
conjunto de direitos e deveres que a lei concede ao pai, ou à mãe, sobre a pessoa
e bens dos filhos, até a maioridade, ou emancipação destes, e de deveres em
relação ao filho” 57.
1.5.2 Dos Direitos e dos Deveres
O Poder Familiar traz consigo uma carga considerável de
deveres e poderes concernentes à pessoa e aos bens dos filhos.
Santos Neto58 afirma que:
A organização familiar foi, sem dúvida, a primeira forma de organização humana e, desde que estabelecida, trouxe inerente, por imposição da própria natureza, a existência de poderes e deveres dos pais em relação aos filhos.
Nesse mesmo sentido importante trazer os ensinamentos de
Bittencourt59 onde dispõe que:
Pode ser, em sua quantidade e expressão, o conjunto de deveres bem superior ao conjunto de direitos, não se há de substituir, como se faz muitas vezes, o conjunto do pátrio poder pelo de pátrio dever. A idéia, sem dúvida, é de pátrio poder, no complexo de direitos e deveres.
55 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito de família, p. 358. 56 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar do direito civil, p. 159. 57 CARVALHO, João Andrade. Tutela, curatela, guarda, visita e pátrio poder, p.175.
22
Gomes60, ao abordar sobre o poder-dever, escreve que:
Os atributos do pátrio-poder manifestam-se de três aspectos fundamentais: guarda, educação e correição, e todos eles sendo ao mesmo tempo um direito e um dever (...) confere a lei aos pais prerrogativas especiais: a) a de consentir o casamento do filho menor; b) a de nomear-lhes tutor; c) a de autorizar, após ter completado certa idade, a prática dos atos da vida civil, assistindo-o.
No mesmo sentido, o art. 229 da CRFB/88, vem estabelecer
que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, sendo que, o
art. 1.634 do CC61 estabelece esses direitos e deveres.
Assim, os pais têm os deveres, em contrapartida, possuem
direitos, tais como o respeito, obediência, tê-los consigo etc., preparando assim
seus filhos para a vida em sociedade, tudo em virtude do poder familiar.
Neste sentido, importante trazer os ensinamentos de
Venosa62:
Cabe aos pais, primordialmente, dirigir a criação e educação dos filhos, para proporcionar-lhes a sobrevivência. Compete aos pais tornar seus filhos úteis à sociedade. A atitude dos pais é fundamental para a formação da criança. Faltando com esse dever, o progenitor faltoso, submete-se a reprimendas de ordem civil e criminar, respondendo pelos crimes de abandono material, moral e intelectual (arts. 224 a 245 do Código Penal). Entre a responsabilidade da criação, temos que lembrar que cumpre
58 SANTOS NETO, José Antonio de Paula. Do Pátrio Poder, p.175. 59 BITTENCOURT, Edgard de Moura. Guarda de Filhos, p. 24. 60 GOMES, Orlando. Direito de família, p. 30. 61 Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
I - dirigir-lhes a criação e educação; II - tê-los em sua companhia e guarda; III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe
sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade,
nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e
condição. 62 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família, p.374.
23
também aos pais fornecer meios para tratamento médico que se fizerem necessário.
A Declaração Universal de Direitos Humanos63 traz os
princípios que norteiam os direitos e as liberdades das crianças, sendo repetido
tal entendimento pelo art. 19 do ECA:
Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.
Nogueira64 bem assevera que o ideal para o menor é ser
criado no seio da família natural, ainda que esta seja pobre ou carente de
recursos materiais.
1.5.3 Responsabilidade Parental
A designação responsabilidade parental acolhe os direitos e
obrigações, relativamente aos cuidados concernentes à criança e ao adolescente,
assim como em relação à todos os integrantes da entidade familiar65.
A responsabilidade parental não apresenta grandes questões jurídicas trazidas à apreciação do Judiciário, enquanto exercida na constância do casamento e da união estável. De um modo geral, as dificuldades são contornadas, criando-se um sistema de retroalimentação, que, bem ou mal, mantém definidos os papéis dos integrantes da família66.
63 Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. 64 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da criança e do adolescente comentado, p.33. 65 BARBOSA, Águida Arruda. Responsabilidade parental após o divórcio: guarda compartilhada, disponível em <http://www.pailegal.net/chicus.asp?rvTextoId=-20791411>, acesso em 10 de agosto de 2007. 66 BARBOSA, Águida Arruda. Responsabilidade parental após o divórcio: guarda compartilhada, disponível em <http://www.pailegal.net/chicus.asp?rvTextoId=-20791411>, acesso em 10 de agosto de 2007.
24
As pessoas que exercem tal responsabilidade são
denominadas “titulares da responsabilidade parental” 67 e, na maioria das vezes,
incumbe aos pais da criança e do adolescente, sendo que nos casos de extinção
ou destituição do poder familiar, o qual será visto a seguir, pode ser nomeado um
tutor para representá-la, podendo ser um familiar, um terceiro ou uma instituição.
Nos casos em que os pais estejam divorciados ou
separados existe a necessidade de se decidir qual dos genitores passará a
exercer esta responsabilidade, tal questão é solucionada através da
regulamentação da guarda e das visitas.
Importante trazer os entendimentos de Barbosa que, em
matéria publicada na Internet, descreveu:
No índice de assuntos da obra referida, de Carbonnier, aparece à palavra guarda e, em seguida, entre parênteses, a seguinte ressalva: palavra banida.
[...]
Trata-se de uma nova visão da responsabilidade parental, decorrente da Convenção da ONU de 1.989, que veio atualizar a proteção dos filhos menores. A partir daquela convenção, ao invés de filho menor o termo correto passa a ser criança e adolescente, acolhido pelo ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente68.
A substancial diferença contida neste novo enfoque é que o
menor era antes tratado como criatura sofredora e passiva. Já a criança e o
adolescente, ou os chamados filhos do divórcio, receberam um papel ativo,
passando a serem reconhecidos os direitos à pessoa dos filhos menores, sendo
que toda a orientação jurídica intrínseca deve atender o superior interesse da
criança, no qual se manifesta na abrangente oportunidade de aumentar o
67 BARBOSA, Águida Arruda. Responsabilidade parental após o divórcio: guarda compartilhada, disponível em <http://www.pailegal.net/chicus.asp?rvTextoId=-20791411>, acesso em 10 de agosto de 2007. 68 BARBOSA, Águida Arruda. Responsabilidade parental após o divórcio: guarda compartilhada, disponível em <http://www.pailegal.net/chicus.asp?rvTextoId=-20791411>, acesso em 10 de agosto de 2007.
25
desenvolvimento das potencialidades da pessoa humana, qual seja, alcançar a
almejada felicidade.
1.5.4 Extinção do Poder Familiar
A extinção do Poder Familiar é a forma mais complexa,
verificável por razões decorrentes da própria natureza, independentemente da
vontade dos pais, ou não concorrendo eles para os eventos que a determinam.
Carvalho69 conceitua a extinção como uma cessação.
Toda extinção é uma cessação, mas nem toda a cessação é uma extinção. Exatamente por terem etimologias distintas, não podem ser considerados sinônimos tais vocábulos. Extinção provém do verbo extinguire, gerador do substantivo exstinctio e significa “apagamento, morte, desaparecimento”
O CC prescreve em seu artigo 1.63570 as formas pelas quais
se extingue o poder familiar.
No caso do primeiro inciso, tem-se, pois, que esclarecer que
“o falecimento de um dos progenitores somente faz cessar o encargo quanto ao
que falecer, perdurando com o outro. Unicamente com a morte dos dois pais, ou
do filho, dá-se à extinção, impondo-se, então, que se nomeie tutor ou curador” 71.
Já no segundo inciso tem-se a extinção pela emancipação,
que, conforme Rodrigues “é a aquisição da capacidade civil antes da idade legal.
É ela concedida pelo pai, pelo Juiz ou pela Lei, naqueles casos, por igual,
libertando-se do pátrio poder, por dispensar a proteção que o legislador concede
aos imaturos” 72.
Ademais, no terceiro inciso estabelece que a maioridade é a
69 CARVALHO, João Andrade. Tutela, curatela, guarda, visita e pátrio poder, p.205. 70 Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar:
I - pela morte dos pais ou do filho; II - pela emancipação, nos termos do art. 5º, parágrafo único; III - pela maioridade; IV - pela adoção; V - por decisão judicial, na forma do artigo 1.638.
71 CARVALHO, João Andrade. Tutela, curatela, guarda, visita e pátrio poder, p.204. 72 RODRIGUES, Sílvio. Direito de Família, p.363.
26
maneira normal de extinção do poder familiar.
Quanto à adoção, quarto inciso, independente de qual seja a
modalidade, também extingue o poder familiar da família original. Na verdade é
uma transferência do pátrio poder 73.
Por último, tal modalidade é aquela que conclui por um dos
fatos graves descritos no artigo 1.638 do CC74, que se mostram incompatíveis
com o poder familiar. Sendo que a perda poderá ocorrer para ambos os
detentores do poder familiar75.
1.5.5 Suspensão
Dá-se a suspensão do poder familiar por ato de autoridade,
após a apuração devida, se o pai ou a mãe abusar de seu poder, faltando aos
seus deveres ou arruinando os bens do filho��Constitui modalidade de medidas de
menor gravidade do que a da extinção.
Rodrigues76 ressalta que:
Ademais, a suspensão pode se referir apenas ao filho vitimado e não a toda prole; bem como abranger somente algumas das prerrogativas do pátrio poder; (...) assim, se o pai cuida mal do patrimônio de um filho que recebeu deixa testamentária, mas por outro lado educa este e os outros com muita proficiência, pode o juiz suspendê-lo do pátrio poder no que diz respeito à administração dos bens desse filho, permitindo que conserve intocado o pátrio poder que concerne aos outros poderes e aos outros filhos.
As razões que motivam a suspensão do poder familiar,
segundo Carvalho77:
73 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito de família, p. 380. 74 Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I - castigar imoderadamente o filho; II - deixar o filho em abandono; III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.
75 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família, p. 379/380. 76 RODRIGUES, Sílvio. Direito de Família, p.359. 77 CARVALHO, João Andrade. Tutela, curatela, guarda, visita e pátrio poder, p.204.
27
Em principio, parte de uma realidade: os pais, por seu comportamento, prejudicam os filhos, tanto nos interesses pessoais como nos materiais, com o que não pode compactuar o Estado. Usam mal de sua função, embora a autoridade que exercem, desleixando ou omitindo-se nos cuidados aos filhos, na sua educação e formação; não lhe dando a necessária assistência; procedendo inconvenientemente; arruinando seus bens e olvidando-se na gerência de suas economias.
A menor gravidade dessa modalidade está no fato dela ser
temporária, ao contrário da extinção ou da perda, que é definitiva. Tratando-se de
modalidade de obrigação inerente ao poder familiar, tratar-se-á, agora dos
princípios do direito de família, adotados pelo poder familiar.
Agora, adentrar-se-á, no segundo capítulo, na teoria geral da
responsabilidade civil, para que, após, possa se trabalhar, em capítulo próprio,
sobre o tema principal do referido trabalho cientifico.
28
CAPÍTULO 2
TEORIA GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Superadas as peculiaridades do direito de família,
trabalhadas no primeiro capítulo, o presente capítulo volta-se ao estudo da teoria
geral da responsabilidade civil, bem como, uma breve análise acerca dos danos
cíveis.
2.1 TEORIA GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Primeiramente, de suma importância conceituar
responsabilidade, que para Begalli, origina-se do latim respondere que trás a idéia
de segurança ou garantia de restituição e compensação de um certo sacrifício78.
O tema responsabilidade civil é utilizado para responsabilizar
alguma pessoa, podendo ser jurídica ou física, por ato por ela cometido e que se
caracterize um fato ou negócio que seja danoso. Assim sendo, qualquer atividade
poderá acarretar o dever de indenizar, portanto, pode-se concluir que a
responsabilidade civil abrange um conjunto de princípios e normas.
Neste sentido, Venosa79 ensina:
Em princípio, toda atividade que acarreta um prejuízo gera responsabilidade ou dever de indenizar. Haverá, por vezes, excludentes que impedem a indenização, como veremos. O termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deve arcar com as conseqüências de um ato, fato, ou negócio danoso. Sob essa noção, toda atividade humana, portanto, pode acarretar o dever de indenizar. Desse
78 BEGALLI, Paulo Antonio. Responsabilidade civil dos pais por atos dos filhos menores, p. 44. 79 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil, p. 14.
29
modo, o estudo da responsabilidade civil abrange todo o conjunto de princípios e normas que regem a obrigação de indenizar80.
Na busca do equilíbrio de restaurar o patrimônio ou a moral
violável, utilizam-se os princípios da responsabilidade civil. Os danos a serem
reparados são aqueles de índole jurídica, embora tenham conteúdo moral,
religiosa, social, ético e demais, “(...) somente merecendo a reparação do dano as
transgressões dentro dos princípios obrigacionais”81.
Neste sentido, têm-se os ensinamentos de Begalli82:
O prejuízo que deve ser ressarcido, é aquele que se origina de um ato ilícito, considerado como toda ação ou omissão voluntária, ou decorre de negligência e de imprudência, ocasionando prejuízo alheio ou uma violação de direito, sintetizada na diminuição ou subtração causada por outrem de um bem jurídico, de ordem patrimonial ou moral, tal seja a possibilidade de redução de uma quantia pecuniária.
Pereira ensina que a expressão responsabilidade civil é “(...)
o conjunto de regras que obrigam o autor de um dano causado a outrem a reparar
este dano, oferecendo à vítima uma contraprestação”83.
Gonçalves84, sobre responsabilidade civil, dispõe:
O instituto da responsabilidade civil é parte integrante do direito obrigacional, pois a principal conseqüência da prática de um ato ilícito é a obrigação que acarreta, para seu autor, de reparar o dano, obrigação esta de natureza pessoal, que resolve em perdas e danos. (...) A característica principal da obrigação consiste no direito conferido ao credor de exigir o adimplemento da prestação. É o patrimônio do devedor que responde por suas obrigações.
80 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil, p. 14. 81 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil, p. 14. 82 BEGALLI, Paulo Antonio. Responsabilidade civil dos pais por atos dos filhos menores, p. 44. 83 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil, p 09. 84 GONÇALVES, Roberto. Responsabilidade civil, p.31.
30
Assim, tem-se que, para o referido autor, as fontes
obrigacionais derivam dos atos ilícitos, por meio de ação ou omissão culposa ou
dolosa do agente que pratica infração.
Conclui-se a partir desses conceitos, que a responsabilidade
civil é a obrigação de reparar o prejuízo causado a outrem, sendo que a
conseqüência da execução de um ato ilícito é a reparação do dano sofrido pela
vítima, a fim de restabelecer o estado anterior ou, diante da impossibilidade,
compensar a parte lesada pelo mal sofrido.
O artigo 186 do CC preceitua:
Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
O ECA, em seu artigo 22, ainda complementa, trazendo a
informação de que é dever dos pais o sustento, a guarda e a educação dos filhos
menores, e sendo de interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir
determinações judiciais.
Sendo assim, o pai que não recusar, mas apenas se omitir a
ser presente na vida do filho, também estará cometendo ato ilícito. Porém é
responsabilizado pelo dano aquele que causou a situação, por exemplo, se um
pai deixou de dar assistência moral à criança, porque a mãe da criança a proibia
de vê-lo, então a responsabilidade civil é da mãe, devendo esta arcar com o
pagamento da possível indenização por danos morais. Para esse tipo de situação
onde um dos pais dificulta a convivência do filho com o outro genitor, é dado o
nome de alienação parental.
2.1.1 Responsabilidade Civil Subjetiva e Responsabilidade Civil Objetiva
Na teoria clássica, o fundamento da responsabilidade civil
era a culpa do agente, teoria esta também denominada teoria da culpa, ou, teoria
subjetiva onde a culpa era considerada fundamento da responsabilidade civil.
31
Begalli, assim conceitua: “a clássica teoria subjetiva da
responsabilidade civil é aquela que exige a atuação ou omissão com culpa ou
dolo, e mais que isso, a prova por parte do ofendido de que o ofensor agiu com
culpa ou dolo” 85.
Rizzardo, sobre o aludido tema dispõe: “Só é imputável, a
título de culpa, aquele que praticou o fato culposo possível de ser evitado. Não há
responsabilidade quando o agente não pretendeu e nem podia prever, tendo
agido com a necessária cautela”86.
Partindo desse pressuposto, importante se trazer os
entendimentos de Cavalieri Filho87, que assim dispõe:
A idéia de culpa está visceralmente ligada à responsabilidade, por isso que, de regra, ninguém pode merecer censura ou juízo de reprovação sem que tenha faltado com o dever de cautela em seu agir. Daí ser a culpa, de acordo com a teoria clássica, o principal pressuposto da responsabilidade civil subjetiva.
Portanto, pode-se concluir, partindo da concepção clássica,
que a vítima só obterá indenização se provar a culpa do agente.
Entretanto, existem certas situações em que há reparação,
sem que o dano seja cometido por culpa. Daí poderá se dizer que a
responsabilidade é objetiva.
A responsabilidade civil objetiva adveio da responsabilidade
civil subjetiva, tendo em vista que esta não mais bastava para atender os anseios
da sociedade, pois o problema era que cabia à vítima a responsabilidade de
demonstrar a culpa do agente danoso e por isto, muitas vezes, frente às
dificuldades de demonstrar tal culpa, a vítima era deixada de ser indenizada.
Beggali88 assim dispõe:
85 BEGALLI, Paulo Antonio. Responsabilidade civil dos pais por atos dos filhos menores, p. 58. 86 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil: Lei nº. 10.406, de 10.01.2002, p. 29. 87 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil, p.39. 88 BEGALLI, Paulo Antonio. Responsabilidade civil dos pais por atos dos filhos menores, p. 62.
32
Ao contrário do que tradicionalmente se apregoava, ou seja, a exigência de culpa para fixar a responsabilidade, para a teoria objetiva, essa culpa é presumida, portanto, dispensa prova por parte do ofendido. Basta ao ofensor provar o dano e nexo causal, sem necessidade de provar a culpa do ofensor.
Venosa89 dispõe que:
A teoria da responsabilidade objetiva não pode, portanto, ser admitida como regra geral, mas somente nos casos contemplados em lei ou sob o novo aspecto enfocado pelo corrente Código. Levemos em conta, no entanto, que a responsabilidade civil é matéria viva e dinâmica na jurisprudência.
Rodrigues90 conceitua Responsabilidade Objetiva:
A responsabilidade objetiva é fundada na teoria do risco, segundo o qual aquele que através de sua atividade, cria um risco de dano para terceiros, deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e o seu comportamento sejam isentos de culpa. A situação é examinada e se for verificada, objetivamente, a relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima, esta tem direito de ser indenizada por aquele.
Assim, em regra geral, a responsabilidade civil preside na
idéia de culpa, contudo, sendo insuficiente a idéia de culpa no sentido de atender
as evoluções advindas do progresso da sociedade, cabe ao legislador fixar casos
em que deverá ocorrer a obrigação de indenizar, independente de que haja a
noção de culpa.
A responsabilidade civil por abandono afetivo será subjetiva,
posto que fundada na culpa consciente do pai de ter se recusado ou omitido a dar
assistência ao filho.
89 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil, p. 23. 90 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil, p. 11.
33
2.1.2 Pressupostos da Responsabilidade Civil
O pressuposto da responsabilidade civil encontra-se
consagrado no artigo 186 do CC, que dispõe que todo aquele que causa dano a
outrem é obrigado a repará-lo. Nesse sentido cita-se:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Segundo Gonçalves, “A análise do artigo supratranscrito
evidencia que quatro são os elementos da responsabilidade civil: ação ou
omissão, culpa ou dolo do agente, relação de causalidade, e o dano
experimentado pela vítima”91.
Por ação ou omissão, refere-se a lei a qualquer pessoa que
venha causar dano a outrem, nesse sentido, a responsabilidade poderá se derivar
de um ato próprio, de um ato de terceiro ou, ainda, por danos causados por
coisas ou animais que são de sua propriedade.
Por culpa e dolo, tem-se, pois, o dolo como sendo a vontade
de cometer a violação do direito e a culpa pela falta ou negligência que causa a
violação deliberada.
A relação de causalidade é o efeito entre a ação e a omissão
do agente e o dano resultante. Enquanto o dano poderá ser material ou
simplesmente moral, lembrando-se que, sem a prova do dano, ninguém poderá
ser responsabilizado civilmente.
O CC refere-se à responsabilidade civil, podendo esta ser
por ato próprio ou de terceiro. Por ato próprio, pode-se dar como exemplo, os
casos de calúnia, difamação e injúria, além de demanda de pagamento de dívida
não vencida ou já paga e de abuso de direito.
Entretanto, existem as excludentes da responsabilidade civil,
que podem ser: o estado de necessidade, a legítima defesa, a culpa exclusiva da
91 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, p. 31.
34
vítima, o ato de terceiro, caso fortuito, cláusula de não indenizar e a prescrição.
Há alguns fatos que interferem nos acontecimentos ilícitos e rompem o nexo
causal, excluindo assim, a responsabilidade do agente.
Nesse caso, quando o pai ou a mãe, desconhece a filiação,
esse não poderá ser culpado, uma vez que não se omitiu nem recusou a dar
assistência, pois nem sabia da existência do filho. A mesma coisa quando existe a
alienação parental, que é quando um dos genitores impede a convivência do filho
com o outro genitor, nesse caso o responsabilizado será aquele que colocou
obstáculos para que o filho não tivesse a devida convivência com o outro genitor.
Portanto, o pressuposto de indenização do referido tema é a
existência efetiva de uma relação paterno-filial em que ocorreu culposamente o
abandono afetivo, importando a pretensão de reparar danos decorrentes de tal
abandono, que exista efetivamente, uma relação paterno-filial no caso em
questão92.
2.2 DO DANO
O conceito de dano, em sentido geral, é a lesão de um bem
jurídico, seja patrimonial, seja moral. Pode-se dizer, que no ordenamento jurídico
brasileiro existem duas espécies de dano, quais sejam o dano moral ou
extrapatrimonial e o dano material ou patrimonial.
O dano em si é o grande responsável pela responsabilidade,
posto que se não houvesse o dano não se caracterizaria a obrigação de
indenizar.
Nesse sentido, Cavalieri93 dispõe que
[...] o dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem ressarcimento, se
92 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Os contornos jurídicos da responsabilidade afetiva na relação entre pais e filhos - além da obrigação legal de caráter material, Disponível em: <www.intelligentiajuridica.com.br/v3/artigo_visualizar.php?id=952>. 93 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil, p. 95.
35
não houvesse o dano. Pode-se haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano.
Partindo da idéia de que o dano se apresenta em duas
modalidades, importante explicar detalhadamente cada uma delas.
O dano material ou patrimonial incide sobre interesses
materiais ou econômicos que refletem no patrimônio do lesado. Já os danos
extrapatrimoniais ou morais são aqueles que se referem aos valores de caráter
espiritual e moral.
Nesse sentido Costa94 aponta que:
Distinguem entre danos patrimoniais e não patrimoniais, consoantes sejam ou não susceptíveis de avaliação pecuniária. Quer dizer, os primeiros porque incidem sobre interesses de natureza materiais ou econômicas, refletem-se no patrimônio do lesado, ao contrário dos últimos, que se reportam aos valores de ordem espiritual, ideal ou moral.
Ainda, sobre o tema em questão Varela95 conceitua o dano
da seguinte forma:
O dano é a perda in natura que o lesado sofreu, em conseqüência de certos fatos, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar. É a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais das vezes a forma de uma destruição, subtração ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea.
Diante do contexto exposto, pode-se concluir que o dano
material ou patrimonial são os prejuízos verificados nos bens materiais e que
resultam na sua reparação, mediante a reposição do quantum perdido, podendo
ser material ou pecuniariamente.
Agora, em se tratando de dano moral, é de grande valia que
se reporte a este em subtítulo específico.
94 COSTA, Mario Julio de Almeida. Direito das obrigações, p. 477. 95 VARELA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral, p. 592.
36
2.2.1 Do Dano Moral
O conceito de dano moral é importante para o entendimento
do tema em comento. Assim, pode ser definido como aquele ligado diretamente a
índole moral do indivíduo, que atinge diretamente o seu estado de melancolia, de
sentimento de perda, e a desvalorização perante os outros indivíduos.
O dano moral, em tese, não afeta o patrimônio do ofendido,
uma vez que só atinge o devedor como ser humano e não ao seu patrimônio.
Ocorre em duas hipóteses, no atentado ao direito e na boa fama de alguém,
causando-lhe apenas sofrimento moral96.
Assim, quando não há conseqüência de ordem patrimonial
caracterizado está o dano moral.
Gonçalves conceitua dano moral da seguinte maneira:
O dano moral não é a dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o contexto que sofre a vítima do evento danoso, pois estes estados de espírito constituem o conteúdo, ou melhor, a conseqüência do dano. A dor que experimentam os pais pela morte violenta do filho, o padecimento o complexo de quem suporta um dano estético, a humilhação, de quem foi publicamente injuriado são estados de espírito contingentes e variáveis em cada caso, pois cada pessoa sente a seu modo97.
Portanto, o que se repara não é o padecimento, a dor ou
aflição, mas sim, o que foi privado da decorrência desses pressupostos.
O dano moral ainda poderá se dividir em direto ou indireto. O
direto está inteiramente ligado na lesão ao interesse que visa à satisfação ou
gozo de um bem jurídico e não patrimonial, como por exemplo, a vida, a
integridade corporal, a liberdade, a honra, o decoro, a intimidade, os sentimentos
afetivos e a imagem98.
96 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, p. 548. 97 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, p. 548. 98 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, p. 548.
37
Por outro lado, o dano moral indireto consiste na lesão a um
interesse tendente a satisfação do gozo de bens patrimoniais99.
Passando para uma outra análise, no dano moral, existem
características como a intransmissibilidade e a imprescritibilidade, posto que são
prerrogativas individuais e inerentes à pessoa, ou seja, direitos inalienáveis, e que
merecem proteção legal 100.
No ordenamento pátrio, a CRFB/88 expressa o direito à
personalidade, em seu artigo 5º, inciso X:
São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Também estão dispostos no art. 11 do CC:
Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos de personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.
Diniz101, no tocante à intransmissibilidade, observa que:
Como a ação ressarcitória do dano moral funda-se na lesão a bens jurídicos pessoais do lesado, portanto inerentes a sua personalidade, em regra, só deveria ser intentada pela própria vítima, impossibilitando a transmissibilidade sucessória, e o exercício dessa ação por via sub-rogatória.
Assim, entende-se ser perfeitamente possível a transmissão
do direito de reparação, em caso de falecimento no curso da ação, bem como,
nos demais direitos suscetíveis de translação.
Considerando que o dano ocorre no interior da
personalidade, não havendo como se comprovar, as provas, exceto nos casos
especiais é dispensada.
99 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, p. 548.
38
O dano moral atinge a pessoa do ofendido, como indivíduo,
pessoa, não atingindo o seu patrimônio. A lesão se constitui contra a honra, a
dignidade, a imagem, a intimidade, o bom nome, dentre outros. E causa ao
ofendido, dor, tristeza, humilhação.
Existem controvérsias sobre a natureza jurídica da ação de
indenização por danos morais, porém a versão que prevalece é a do duplo
caráter: Compensatório/Satisfatório (vítima) e Punitivo/Sancionatório (ofensor).
Contudo, ainda é possível se acrescentar um terceiro caráter, o preventivo102.
O caráter compensatório tem um sentido lenitivo, de consolo
pelo sofrimento havido, já que o dano não pode ser equalizado a um valor,
também pode ser chamado de caráter satisfatório, pois para o filho, como
dissemos anteriormente, não se trata de ressarcimento, mas sim
satisfatório/compensatório, no sentido de saber que a pessoa que lhe causou o
sofrimento está sendo punida.
O caráter punitivo ou sancionatório serve para que o ofensor
tenha uma punição pelo ato praticado ou por ter se omitido. Serve também como
desestímulo para que o ofensor não volte mais a praticar atos lesivos à
personalidade de outrem.
O caráter preventivo de uma ação de indenização por danos
morais mostra-se através de um exemplo para o restante da sociedade, se
alguém é punido por tal motivo, pessoas que seguiam a mesma linha vão parar e
pensar duas vezes antes de tomarem qualquer atitude, ou omitir-se.
No que tange ao dano de amor indenizável, bem esclarece
Parodi que, quando o ordenamento jurídico se dispõe a investigar a esfera onde
começam os danos, vale admitir, que, conseqüentemente, há danos que não são
100 DINIZ, Maria Helena. A responsabilidade civil, p. 253-254. 101 DINIZ, Maria Helena. A responsabilidade civil, p. 253-254. 102 PARODI, Ana Cecília. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, p. 257.
39
cobertos pela prestação jurisdicional indenizatória. Tais, não alcançaram poder
condenatório sobre os agentes103.
2.2.2 Do Critério de Avaliação e do Valor da Reparação Moral
Em se tratando de critério de avaliação, várias são as
dificuldades para o acertamento dos critérios, motivo pelo qual o ressarcimento é
feito por mera compensação.
Em se tratando de reparação natural, esta constitui um
problema que deve ser solucionado pela reparação in natura, assumindo um
aspecto não pecuniário, principalmente quando utilizada para fazer cessar a
ocorrência do dano, e pela compensação pecuniária, nas hipóteses em que a
reparação não pode assumir aspecto in natura, principalmente quando utilizada
para compensar danos morais já consumados no passado104.
Um dos assuntos mais polêmicos ao se tratar da
indenização do dano moral tem sido valorá-lo, posto que há um grande problema
quando da quantificação do dano moral.
Gonçalves105 dispõe que:
O problema da quantificação do dano moral tem preocupado o mundo jurídico, em virtude da proliferação de demandas, sem que existam parâmetros seguros para a sua estimação (...) a reparação do dano moral objetiva apenas uma compensação, um consolo sem mensurar a dor. Em todas as demandas que envolvem danos morais, o juiz defronta-se com o mesmo problema: a perplexidade ante a inexistência de critérios uniformes e definidos para arbitrar um valor adequado.
Partindo da dificuldade existente para o arbitramento do
valor em nosso país, pode-se dizer que o critério da tarifação é aplicado para fixar
o quantum das indenizações.
103 PARODI, Ana Cecília. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, p. 257. 104 CIANCI, Mirna. O valor da reparação moral, p. 60. 105 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, p. 569.
40
Cavalieri afirma que “(...) uma das objeções que se fazia à
reparação do dano moral era a dificuldade para se assegurar o valor desse dano,
ou seja, para quantificá-lo”106.
Assim, em caso de dano moral, por não haver outro meio
mais eficiente para sua fixação, a não ser o arbitramento do juiz, cabe a este,
analisando a repercussão do dano e a possibilidade do ofensor, estimar uma
quantia a titulo de reparação.
Por enquanto, ainda o conceito e os valores afixados, ficam
sendo embasados por conta das doutrinas e jurisprudências. Sendo assim, é
preciso bastante cautela do juiz, que precisa apurar a situação com prudência e
razoabilidade, e finalizar, proferindo sua sentença.
2.3 PRESCRIÇÃO DAS AÇÕES
Diniz107 ensinava que a prescrição tem por objeto as ações,
por ser uma exceção oposta ao exercício da ação, tendo por escopo extingui-la, e
por fundamento um interesse jurídico-social.
Gomes108 entendia que a prescrição é o modo pelo qual um
direito se extingue em virtude da inércia, durante certo lapso de tempo, do seu
titular, que, em conseqüência, fica sem ação para assegurá-lo. Sustenta que não
se perdem por prescrição os direitos que pertencem ao sujeito,
independentemente da sua vontade, os direitos cuja falta de exercício não
possam ser atribuídos à inércia do titular e os direitos despidos de pretensão.
Rodrigues109 lecionava que a prescrição não extingue o
direito, mas a ação que o defende, pela inércia do seu titular:
E o ordenamento jurídico, ansioso por estabelecer condições de segurança e harmonia na vida social, permite que tal situação se consolide, para reconhecer, entretanto, que [...] na prática, pouca diferença faz que seja o direito ou a ação o que perece, pois
106 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil, p. 113. 107 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Teoria geral do direito civil, p. 192. 108 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil, 1983. 109 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. Parte geral, p. 323.
41
desmunido de seus elementos de defesa, o direito perde quase inteiramente sua eficácia.
Cahali, citado por Oris de Oliveira110, compreendia que o
objeto da prescrição era a pretensão, propondo a seguinte definição: é a perda da
exigibilidade (pretensão) de um direito subjetivo pela inação de seu respectivo
titular durante certo tempo fixado em lei.
Nota-se que todos consideravam ou a ação, ou o direito ou a
pretensão como sendo atingidos pelo efeito extintivo da prescrição.
O artigo 189, do novo Código Civil, colocou fim nessa
controvérsia, eliminando as discussões, dispondo expressamente que violado o
direito, nasce para seu titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos
prazos a que aludem os arts. 205 e 206111.
Os elementos essenciais da prescrição, mencionados pelos
autores citados são: a) a existência de um direito violado; b) a inércia do titular do
direito preterido; c) a continuidade da inércia durante certo lapso de tempo; d) a
inexistência de fato ou ato que a lei considere eficaz para impedir, suspender ou
interromper o curso do prazo prescricional.
Hoje, a doutrina aponta como fundamento do instituto da
prescrição um imperativo de ordem pública, qual seja, a necessidade de
consolidação das relações jurídicas no tempo, por existir o interesse social em
estabelecer um clima de segurança e harmonia112.
Rodrigues113, em sua obra, ensina que:
A maioria dos escritores, entretanto, fundamenta o instituto no anseio da sociedade em não permitir que demandas fiquem indefinidamente em aberto; no interesse social em estabelecer um clima de segurança e harmonia, pondo termo a situações litigiosas e evitando que, passados anos e anos, venham a ser propostas
110 CAHALI, Yussef Said. São Paulo: Revista dos Tribunais. Apud Oris de OLIVEIRA. A prescrição no direito do trabalho brasileiro. Revista LTr, v. 53, n. 2, São Paulo, fevereiro de 1989 111 DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado, p.72. 112 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Teoria geral do direito civil, p. 192. 113 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. Parte geral, p. 325.
42
ações reclamando direitos cuja prova de constituição se perdeu no tempo [...]
Para Rodrigues114, sem a prescrição, a pessoa deveria
manter-se em estado de intranqüila atenção, e prossegue:
[...] receando sempre um litígio baseado em relações de há muito transcorridas, de prova custosa e difícil, porque não só a documentação de sua constituição poderia haver-se extraviado, como a própria memória da maneira como se estabeleceu estaria perdida. Com efeito, mister que as relações jurídicas se consolidem no tempo.
Rodrigues115 ainda vai mais além:
Há um interesse social em que situações de fato que o tempo consagrou adquiram juridicidade, para que sobre a sociedade não paire, indefinidamente, a ameaça de desequilíbrio representada pela demanda. Que esta seja proposta enquanto os contendores contam com elementos de defesa, pois é do interesse da ordem e da paz social liquidar o passado e evitar litígios sobre atos cujos títulos se perderam e cuja lembrança se foi.
Portanto, para Rodrigues116, “embora haja um interesse
considerável do devedor em ver a prescrição operar, igual e direto é o interesse
da sociedade em sua eficácia, pois representa um elemento de estabilidade que
cumpre preservar”.
Nota-se que o interesse público em se estabelecer prazos
para o exercício da pretensão, sob pena de ocorrer a prescrição extintiva, em
consonância com o principal escopo do Direito, qual seja, a pacificação social,
não se constitui em fundamento absoluto, uma vez que a própria norma legal
cuida de estabelecer exceções à regra geral, criando causas de impedimento,
suspensão e interrupção, além de atribuir ao beneficiado pela prescrição o ônus
114 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. Parte geral, p. 325. 115 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. Parte geral, p. 325. 116 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. Parte geral, p. 325.
43
de alegá-la em juízo, proibindo o seu conhecimento e decretação de ofício pelo
juiz, exceto quando se tratar de direitos não patrimoniais117
Montenegro sustenta que a interpretação mais harmoniosa
com a sistemática da lei civil é a que advoga a tese de que a fluência do prazo
deve ser a partir da data em que ocorre o dano, o que é muito justo, já que a
responsabilidade nasce com o dano e não com a prática do ato ilícito que o
originou, e injurídico seria falar-se em prescrição da ação antes de positivado o
dano118.
A pesquisa, até o presente momento, abordou o direito de
família e a teoria geral da responsabilidade civil. Tais estudos servirão de base
para a elaboração do próximo capítulo, que tratará da responsabilidade civil por
abandono paterno-filial, tema central do presente trabalho.
117 DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado, p.172-173. 118 MONTENEGRO, Antônio Lindbergh C. Ressarcimento de danos pessoais e materiais. 7ª ed., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.
44
CAPÍTULO 3
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO PATERNO-FILIAL
O presente capítulo, terceiro e último do presente trabalho,
tem como objeto o estudo da responsabilidade civil por abandono paterno-filial.
Trata-se do objetivo principal do presente trabalho científico.
3.1 AFETIVIDADE
A afetividade compreende o bem estar do ser humano, em
que são transmitidos os sentimentos de reciprocidade entre pessoas que se
querem bem, que nasce com a convivência. É um elemento essencial para a
formação da pessoa humana.
Os seres humanos estão destinados a viver em união, cada
indivíduo possui o seu mundo interior, necessitando de carinho, atenção,
valorização, companhia. Em todas as fases da vida é indispensável a afetividade
para o desenvolvimento saudável do ser humano e adaptação ao meio social119.
Umas das maiores características da família atual é a
afetividade, pois traduz o respeito de cada um por si e por todos os membros.
Sentimentos naturais decorrem da convivência cotidiana pelo respeito, diálogo e
compreensão, e não de uma legislação criada pelo Direito120.
Neste sentido, Oliveira121 descreve
A afetividade faz com que a vida em família seja sentida da maneira mais intensa e sincera possível, e isto só será possível caso seus integrantes vivam apenas para si mesmos: cada um é o “contribuinte” da felicidade de todos.
119 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil: Lei nº. 10.406, de 10.01.2002, p. 685-686. 120 OLIVEIRA, José Sebastião. Fundamentos constitucionais do direito de família, p. 233. 121 OLIVEIRA, José Sebastião. Fundamentos constitucionais do direito de família, p. 235.
45
É na família que os laços de afetividade tornam-se mais
fundamentais, pois sustenta os relacionamentos familiares contra os males
externos.
Nota-se que quando a divisão de funções na família deixou
de ser feita principalmente em razão do sexo e da idade para levar em
consideração as aptidões individuais de cada integrante, seja o homem, a mulher
ou os filhos, valorizou-se a pessoa e seus sentimentos122.
Portanto a formação de famílias deu ênfase ao valor
sentimental que ganhou dimensões significativas, preocupando-se com o
indivíduo, independente do modo em que este construiu ou reconstruiu sua
família.
Atualmente a noção de afeto representa uma forma de
visibilidade às relações familiares, visão esta contemporânea, que pode ser
localizada em duas situações nas relações jurídicas atinentes ao Direito de
Família, na formação e dissolução de casais e, principalmente, nas relações
paterno-filiais123.
Rizzardo, sobre o não reconhecimento da afetividade
dispõe:
Nesta concepção, impedir a plena realização da afetividade, ou não oportunizar a sua expansão, ou violentar ferindo, desprezando, menosprezando sentimentos que fazem parte da natureza humana, importa em amputar a pessoa na sua esfera espiritual e moral, cerceando a sua plena realização. Por isso, o direito não pode passar ao largo de certos estados pelos quais passa a pessoa, sem dar-lhe proteção, ou procurar ou reconstituir a ordem abalada ou afetada124.
122 FACHIN, Luiz Edson. Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo, p. 290-291. 123 FACHIN, Luiz Edson. Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo, p. 298. 124 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil: Lei nº. 10.406, de 10.01.2002, p. 686.
46
Portanto, o recebimento de afeto é indispensável para o ser
humano, e o direito precisa estar ao lado do prejudicado para tentar ajudá-lo a
reparar o dano sofrido.
3.1.1 O Afeto na relação paterno-filial
Na família base fundamental da sociedade é visível a
valoração do elemento sócio-afetivo, pois na integração pai-mãe-filho é
fundamental o elemento afeto. A família só existirá quando nascerem os filhos,
pois antes do nascimento destes, o homem e a mulher são apenas um casal, é
com a chegada do primogênito que o casal se transformará em família.
O filho foi feito por duas pessoas, sendo assim, a
responsabilidade paterna não deveria encerrar-se apenas pelo pagamento da
pensão. A criança foi posta no mundo, e, no entanto, não é justo que, na maioria
das vezes só porque é a mãe que detém a guarda, seja a única responsável pelo
sustento do filho. Sabemos que o pai também é muito importante na vida do filho,
e devemos entender que a separação ocorrida, foi entre o pai e a mãe, e não
entre eles e o filho.
Canezin125 explica que:
Desenvolve-se, na pessoa, a auto-estima desde que ela ainda é bebê, os cuidados e os carinhos ofertados irão demonstrar a criança o quanto ela é amada. É no começo da vida humana que a criança aprende como é o mundo que a rodeia e conforme evolui é que descobre o seu valor, tendo como base o valor que os outros a atribui.
Assim, quando o pai, aquele que deu início à vida da
criança, não lhe dá carinho, com certeza gerará transtornos de difícil reparação
futura.
Segundo ainda Canezin126:
125 CANEZIN, Claudete Carvalho. Da reparação do dano existencial ao filho decorrente do abandono paterno filial. Revista brasileira de direito de família, p.77. 126 CANEZIN, Claudete Carvalho. Da Reparação do dano existencial ao filho decorrente do abandono paterno filial. Revista Brasileira de Direito de Família, p.78.
47
A figura do pai é responsável pela primeira e necessária ruptura da entidade mãe e filho e pela introdução do filho no mundo transpessoal, dos irmãos dos parentes e da sociedade. Neste outro mundo, impera a ordem, disciplina, autoridade e limites. A função do pai vai além da função de reprodução e geração da vida humana: inclui colocar em andamento um projeto vital educativo que pressupõe um longo processo que se inicia com a transmissão da presença exclusiva da mãe e continua com a atividade de criação e socialização dos filhos pequenos e posteriormente com o sustento e apoio deles durante a adolescência, e até depois mesmo depois dela.
Assim, pelo exposto, nota-se que a figura paterna implica
uma profunda entrega, de dedicação e emoção que trará uma dimensão na vida
da pessoa, e principalmente, na determinação que seu filho irá se transformar
num adulto seguro e feliz, ou numa pessoa insegura, carente de afeto, que
poderá acarretar em diversos problemas. Ser pai vai além de conceber, é o amor
e o cuidado com a criança.
3.1.2 Valorização do Afeto, Conseqüência da Evolução de Pensamentos
sobre a Família.
A base que fundamenta as relações familiares vem sofrendo
intensas mudanças. Antes, a biologia e o matrimônio eram tidos como fatores
determinantes para a formação de uma entidade familiar, porém hoje já não se
pensa mais assim, os laços de afeto são fatores determinantes para a formação
de uma família.
O conceito de família teve significativa mudança, posto que
se altera de acordo com o momento histórico em que é estudado, havendo
perdido parte de sua fundamental importância, ou seja, existem classificações
doutrinárias que não se usam mais.
O professor Lôbo já revelou que o modelo de família padrão
estava mudando e retomando seus conceitos. Mostrou-se assim, o surgimento de
família de várias formas, mas todas fundadas em laços de afeto necessariamente,
pouco importando o modelo de família adotado. Existiu então, uma mudança de
foco, do patrimônio para a pessoa. A personalização é um fenômeno da tendência
48
contemporânea, no qual se vê a entidade familiar no aspecto das pessoas que a
integram, e não de seus patrimônios, para regulação de seus direitos127.
Gomes dentro desta preocupação salienta: “O que há de
novo é a tendência para fazer da affectio a ratio única do casamento128”. Em suas
preocupações o autor vê além da questão do casamento, as preocupações que
se deve ter com as entidades familiares e com a questão da filiação.
Angeluci129, em seu artigo sobre o tema dispõe:
A defesa da relevância do afeto, do valor do amor, torna-se muito importante não somente para a vida social. A compreensão desse valor nas relações do Direito de Família leva à conclusão de que o envolvimento familiar não pode ser considerado somente do ponto de vista patrimonial-individualista. Há necessidade de ruptura dos paradigmas até agora existentes, para se poder proclamar, sob a égide jurídica, que o afeto é elemento relevante, a ser observado na concretização do princípio da dignidade da pessoa humana.
Sinal dessa evolução é o recente surgimento da ação de
indenização de danos morais por abandono afetivo, uma vez que a lei continua a
mesma, o que mudou foi apenas a forma de pensamento da sociedade, que com
a hermenêutica constitucional, passou a considerar o afeto como fator relevante
nas relações da família, destacando-se dentre os demais fatores. Ou seja, o
sustento material (ou financeiro) há tempos atrás, era o bastante para um filho,
quando o pai não se podia fazer presente em seu cotidiano.
Mas com as transformações sofridas no seio da família por
causa da valorização do afeto, debate-se cada vez mais a importância da vida
afetiva para formação de um ser humano, uma vez que, a família é o centro
formador de um indivíduo, garantida constitucionalmente pelo estado.
Então, apenas a assistência material já não é mais
suficiente, pois já se tem uma visão mais profunda, em se tratando do alicerce
127 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações familiares. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5201> Acesso em 22 de agosto de 2007. 128 GOMES, Orlando. O novo direito de família, p. 26. 129 ANGELUCI, Cleber Affonso, Abandono afetivo e seus efeitos: considerações para a constituição da dignidade da pessoa humana. Revista CEJ, p.48
49
relações familiares, visão essa que não veio de uma hora para outra, mas veio
sendo comprovada com o passar do tempo, pela própria sociedade. Apesar do
afeto não ser levado muito em conta pelo direito tradicional para a formação do
laço familiar, alguns juízes têm dado grande relevância a esse aspecto em
situações não só na sua falta entre pais e filhos, mas também na dissolução
conjugal, na perda do poder familiar, dentre outras situações.
3.2 DO ABANDONO AFETIVO E SEUS EFEITOS
Estudar-se-á agora a parte principal do presente trabalho
que é o abandono afetivo. O abandono é um sentimento doloroso na vida de uma
pessoa, a perda de tudo e de si mesma. O afeto é a assistência dada à criança
para o seu pleno desenvolvimento como ser humano. É o apoio moral,
psicológico, fundamental para direcionar a sua vida e é baseado neles que
algumas pessoas falam que a família é o alicerce do indivíduo.
O art. 3º, inciso I, da CRFB/88, já citado no presente
trabalho, arrola como um dos objetivos fundamentais à construção de uma
sociedade livre, justa e solidária. Então, a solidariedade deve existir nas relações
pessoais, logo, abrange as relações familiares. Trata-se da consideração de
respeito uns entre os outros. E não se diz respeito apenas da questão patrimonial,
mas também afetiva e psicológica.
Ao gerar deveres recíprocos entre os integrantes do grupo familiar, safa-se o Estado do encargo de prover toda a gama de direitos que são assegurados constitucionalmente ao cidadão. Basta atentar que, em se tratando de crianças e adolescentes, é atribuído primeiro à família, depois à sociedade e finalmente ao Estado (CF 227) o dever de garantir com absoluta prioridade os direitos inerentes aos cidadãos em formação130.
O Direito busca remediar com punições aqueles pais que
abandonam o filho materialmente, para isso existem as cobranças e as sanções.
Esse tipo de abandono já é assegurado por lei. Contudo, não é o pior. Pois a falta
da assistência financeira pode ser suprida por outra pessoa que esteja disposta a
50
ajudar. Porém, o insubstituível mesmo, é a não-presença do pai ou da mãe, a
falta das funções paterna e materna, essa sim é uma forma de abandono mais
grave, pois não pode ser suprida por ninguém, a não ser pelos próprios.
A propositura da devida ação, não tem caráter abusivo. Ela
tem caráter sancionatório para o pai que escolheu ser pai por livre e espontânea
vontade, adquirindo assim obrigações, a qual não veio a cumprir.
Também tem caráter compensatório para o filho, que tanto
sofreu, mesmo sem saber, pois a criança ou o adolescente às vezes pode parecer
não se importar com o seu abandono afetivo, suponhamos que devido a uma
separação conjugal, mas com certeza a criança é afetada psicologicamente.
Por fim tem caráter preventivo para os demais, servindo
assim como exemplo, pois mesmo que um pai se aproxime de um filho apenas
temendo ser processado, impossível com o tempo não surgir nenhuma afeição
entre os dois.
O dano causado pelo abandono afetivo é antes de tudo, um
dano causado à personalidade do indivíduo. O direito da personalidade trata-se
da responsabilidade que a família tem em incutir na criança o sentimento de
responsabilidade social, de forma que ela possa assumir sua plena capacidade de
forma juridicamente aceita e socialmente aprovada131.
Hironaka afirma que:
É na afetividade que se desdobra o traço de identidade fundamental do direito gerado no seio da relação paterno-filial, que, sem deixar de ser jurídica, distingui-se de todas as demais relações justamente pelo fato de que ela, e apenas ela, pode, efetivamente, caracterizar-se e valorar-se, na esfera jurídica, pela presença do afeto.
130 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 62. 131 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes, Os contornos jurídicos da responsabilidade afetiva na relação entre pais e filhos - além da obrigação legal de caráter material. Disponível em: <http://www.intelligentiajuridica.com.br/v3/artigo_visualizar.php?id=952>. Acesso em 22 de agosto de 2007.
51
A ação de indenização poderá ser tanto contra o pai, como
também contra a mãe. O fato de o abandono ser paterno ou materno não importa,
o relevante mesmo é que seja constatado o abandono afetivo, em relação à
criança ou adolescente.
É aparente a dificuldade de se comprovar a falta de afeto,
tendo em vista que é um dano subjetivo. Mas, qual o dano moral que não é
subjetivo? O autor de qualquer ação indenizatória por danos morais não tem que
provar o dano (não se prova o sofrimento), o que se prova é a ofensa capaz de
gerar o dano. No caso concreto o juiz deverá avaliar com cautela, e se o filho é
que se recusa a receber o afeto, não há que se falar em dano132.
O abandono afetivo, necessário para o pleno
desenvolvimento da pessoa, está relacionado à convivência, a qual é muito mais
real e incidente do que podemos imaginar.
Nem todos os pais entendem o dever/prazer de se doar para
o bom desenvolvimento de seus filhos. Na maioria dos casos os pais nem se dão
conta do que estão praticando.
Portanto, com base nesses critérios, onde o juiz que avalia o
dano é que se passa a verificação do posicionamento dos juristas brasileiros, que
analisam a matéria no caso concreto.
3.3 DO RECONHECIMENTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR
ABANDONO AFETIVO PATERNO-FILIAL
A responsabilidade civil por abandono afetivo é reconhecida
doutrinariamente por alguns autores que fundamentam o seu entendimento
dizendo que a obrigação dos genitores de prestar além daquelas garantias
constitucionalmente previstas, o afeto, o amor, e o carinho.
132 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes, Os contornos jurídicos da responsabilidade afetiva na relação entre pais e filhos - além da obrigação legal de caráter material. Disponível em: <http://www.intelligentiajuridica.com.br/v3/artigo_visualizar.php?id=952>. Acesso em 23 de agosto de 2007.
52
Neste sentido Hironaka133 discorre sobre o tema:
O dano causado pelo abandono afetivo é, antes de tudo, um dano culposamente causado à personalidade do indivíduo. Macula o ser humano enquanto pessoa, dotada de personalidade, que, certamente, existe e manifestar-se por meio do grupo familiar, responsável que é por incutir a criança o sentimento de responsabilidade social, por meio de cumprimento das prescrições, de forma a que ela possa, no futuro, assuma uma plena capacidade de forma juridicamente aceita e socialmente aprovada. Trata-se de um direito de personalidade, portanto.
Outrossim, Cassetari134 defende o tema:
Não aceito o argumento de que seria ilógico ou imoral um filho processar seu pai ou sua mãe, já que essa é a única forma de coibir tal desatino, que gerará para a vítima conseqüências gravíssimas, quiçá irreparáveis.
No que tange às decisões judiciais, o primeiro caso acerca
do tema, foi apreciado no ano de 2003, pelo juiz Mario Romano Maggioni, na
Comarca de Capão da Canoa, no estado do Rio Grande do Sul, onde a menor
D.J. A. ajuizou ação contra seu pai por abandono afetivo. A sentença condenou o
pai a pagar 200 (duzentos) salários mínimos para sua filha, alegando abandono
material e psicológico. O pai nesse caso foi revel, essa decisão transitou em
julgado, assim não cabendo mais recursos135.
O juiz afirma que:
A educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar
133 HIRONAKA, Maria Giselda Fernandes Novaes. Os contornos jurídicos da responsabilidade afetiva na relação entre pai e filhos – além da obrigação legal e caráter material. Disponível em: <http//www.intelligentiajuridica.com.br/v3/artigo_visualizar.php?id=952>. Acesso em 23 de agosto de 2007. 134 CASSETARI, Christiano. Responsabilidade civil dos pais por abandono afetivo de seus filhos – dos deveres constitucionais, In: HIRONAKA, Maria Giselda Fernandes Novaes. A Outra Face do Poder Judiciário, Decisões Inovadoras e Mudança de Paradigmas, p. 445. 135 CAPÃO DA CANOA/RS. Processo nº. 141/1030012032-0. Juiz Mario Romano Maggioni, j. 15 de set. de 2003
53
futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a criança se auto-afirme136.
Ele ainda salienta que a assistência material é apenas uma
das parcelas atribuídas à paternidade. E o fato do pai negar o afeto é tido como
agressão a lei. Diz ele na sentença proferida: "Pai que não ama filho está não
apenas desrespeitando função de ordem moral, mas principalmente de ordem
legal, pois não está bem educando seu filho"137.
O referido juiz ainda faz uma comparação entre o dano
moral por abandono afetivo do pai e o dano moral por inclusão indevida de nome
no SPC. Ele afirma: "É menos aviltante, com certeza, ao ser humano dizer ‘fui
indevidamente incluído no SPC a dizer ‘fui indevidamente rejeitado por meu
pai”138.
Posteriormente no ano de 2004, o Juiz de Direito Luís
Fernando Cirillo, da 31º Vara Cível Central da Comarca de São Paulo-SP,
condenou um pai a pagar à filha indenização no valor de R$ 50.000,00 para
reparação de dano moral e custeio psicológico dela, que foi constatado por meio
de uma perícia técnica que a jovem apresentava conflitos, dentre os quais de
identidade, deflagrados pela rejeição do pai.
Nos autos a autora relatava que seu pai abandonou o lar
familiar alguns meses após o seu nascimento, e que seu pai passou a
negligenciar a existência da autora, causando sérios danos psicológicos à
requerente. Sendo que o réu constituiu nova família, de onde adveio o nascimento
de três filhos. Por serem todos os membros da comunidade judaica, o pai e sua
nova família encontravam-se freqüentemente com a menina abandonada, em que
o pai fingia não conhecê-la.
Desta forma, o magistrado julgou procedente a demanda,
fundamentando sua decisão nas seguintes palavras, “A paternidade não gera
apenas deveres de assistência material, e que, além da guarda, portanto
136 CAPÃO DA CANOA/RS. Processo nº. 141/1030012032-0. Juiz Mario Romano Maggioni, j. 15 de set. de 2003. 137 CAPÃO DA CANOA/RS. Processo nº. 141/1030012032-0. Juiz Mario Romano Maggioni, j. 15 de set. de 2003.
54
independentemente dela, existe um dever, a cargo do pai, de ter o filho em sua
companhia”139.
Discorrendo sobre o tema seguiu o Juiz Luís Fernando
Cirillo:
A par da ofensa à integridade física (psíquica) decorrente de um crescimento desprovido do afeto paterno, o abandono afetivo se apresenta também como ofensa à dignidade da pessoa humana, bem jurídico que a indenização do dano moral se destina a tutelar140.
Porém, o pai apelou da sentença junto ao Tribunal de
Justiça do Estado. Assim nota-se que este juízo adotou a mesma posição que foi
adotada pelo juízo de Capão da Canoa-RS.
No ano de 2005, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
recebeu a apelação nº. 70011921293, oriunda da comarca de Cachoeira do Sul,
em que C.M.S.T., inconformada com a sentença que julgou improcedente a sua
pretensão de supressão do patronímico paterno, interpôs apelação, sustentando
que carrega o sobrenome do pai sem que este nada signifique de bom na sua
vida, marcada pela total ausência e abandono paterno, o sobrenome do pai só lhe
trazia desconforto e abalo emocional.
A 7º Câmara Cível do Tribunal do Estado do Rio Grande do
Sul, foi unânime em dar provimento ao apelo, para retirar o sobrenome do pai,
onde o Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos fundamentou:
O abandono e a ausência paterna nos mais importantes momentos de sua vida são razões juridicamente relevantes, a ensejar a supressão judicial do patronímico paterno e não podem ser desconsideradas pela simples aplicação do princípio da imutabilidade. A querela envolvendo o nome da pessoa, quando invocadas razões íntimas e dolorosas de rejeição e abandono
138 CAPÃO DA CANOA/RS. Processo nº. 141/1030012032-0. Juiz Mario Romano Maggioni, j. 15 de set. de 2003. 139 SÃO PAULO/SP. Sentença proferida na ação nº. 01.036747-0. Juiz Luís Fernando Cirillo, j. 05 de jun. de 2004. 140 SÃO PAULO/SP. Sentença proferida na ação nº. 01.036747-0. Juiz Luís Fernando Cirillo, j. 05 de jun. de 2004.
55
afetivo pelo pai, requer cotejo mais amplo do que a mera subsunção às normas registrais141.
O primeiro caso em que houve apelação tratando da mesma
matéria, embora posteriormente, como se verá no item 3.3, tenha sido negado
provimento ao recurso, descaracterizando o dano, foi no ano de 2004, no Tribunal
de Justiça de Minas Gerais.
O caso tratava de Apelação Cível dos autos nº. 408.550-5,
oriundo da Comarca de Belo Horizonte, julgado pela 7º Câmara Cível do Tribunal
de Alçada de Minas Gerais, relatado pelo Juiz Unias da Silva.
O apelante sustentou que mantinha contato com o apelado
até os seis anos de idade, sendo que o apelado após o nascimento de outra filha
afastou-se do apelante, tendo este até os quinze anos de idade, tentado por
diversas vezes a aproximação com o apelado, sendo estas infrutíferas. Tendo
este, sempre contribuído com a pensão alimentícia.
Em 1º instância, o presente caso foi julgado improcedente
pelo juízo a quo, e inconformado com a decisão, Alexandre, autor da ação, apelou
para a 2º instância, onde foi reformada a sentença de primeiro grau, condenando
o pai a indenizar o filho pelos danos morais que lhe foram causados, no valor
equivalente a duzentos salários mínimos. O Magistrado Unias Silva relator do
julgado, fundamentou a decisão com os seguintes termos:
A relação paterno-filial em conjugação com a responsabilidade possui fundamento naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de se buscar compensação indenizatória em face de danos que pais possam causar aos seus filhos, por força de uma conduta imprópria, especialmente quando a eles é negada a convivência, o amparo afetivo e psíquico, bem como a referência paterna ou materna concretas, acarretando a violação de direitos próprios da personalidade humana, magoando seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade,
141RIO GRANDE DO SUL Tribunal de Justiça. Apelação cível nº. 70011921293. Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 05 de out. de 2005.
56
a moral, a reputação social, o que, por si só, é profundamente grave142.
Nessa linha, seguiu o relator afirmando que:
No seio da família da contemporaneidade desenvolveu-se uma relação que se encontra deslocada para a afetividade. Nas concepções mais recentes de família, os pais de família têm certos deveres que independem do seu arbítrio, porque agora quem os determina é o Estado143.
O magistrado concluiu sua decisão citando os princípios da
afetividade e da dignidade da pessoa humana, e o art. 227 da CFRB/88, vistos no
primeiro capítulo deste trabalho:
O princípio da efetividade especializa, no campo das relações familiares, o macroprincípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da Constituição Federal), que preside todas as relações jurídicas e submete o ordenamento jurídico nacional. No estágio atual, o equilíbrio do privado e do público pauta-se exatamente na garantia do pleno desenvolvimento da dignidade das pessoas humanas que integram a comunidade familiar.
No que respeita à dignidade da pessoa da criança, o artigo
227 da CRFB/88 expressa essa concepção144.
Assim, nota-se que o motivo pelo qual deram provimento ao
recurso foi a ocorrência da violação dos direitos próprios e da personalidade
humana, violando assim, os ditos princípios da dignidade da pessoa humana e da
afetividade que foram tratados no primeiro capítulo deste trabalho.
Todavia, o apelado recorreu ao Superior Tribunal de Justiça,
que entendeu a não caracterização do dano moral, fundamentando sua decisão
nos seguintes termos “Escapa ao arbítrio do Judiciário obrigar alguém a amar ou
142 MINAS GERAIS. Tribunal de Alçada. Apelação Cível nº. 408.550-5. Rel. Juiz Unias Silva, j. 01 de abril de 2004. 143 MINAS GERAIS. Tribunal de Alçada. Apelação Cível nº. 408.550-5. Rel. Juiz Unias Silva, j. 01 de abril de 2004. 144 MINAS GERAIS. Tribunal de Alçada. Apelação Cível nº. 408.550-5. Rel. Juiz Unias Silva, j. 01 de abril de 2004.
57
a manter um relacionamento afetivo, que nenhuma finalidade positiva seria
alcançada com a indenização pleiteada”145.
Isso posto, nota-se claramente que o entendimento até
mesmo dos julgadores, não é unânime, motivo que justifica a controvérsia
doutrinária e polêmica levantada acerca do tema.
Em dezembro de 2006, em decisão proferida por Simone
Ramalho Novaes, da 1ª Vara Cível de São Gonçalo, na Região Metropolitana do
Rio de Janeiro, um pai foi condenado a indenizar seu filho, um adolescente de 13
anos, por abandono moral. O objetivo, segundo o texto da decisão, é o de
“reparação de um dano, de fato, suportado com prejuízos na formação da
personalidade e identidade da criança"146.
Destaca-se ainda, da sentença acima referida:
Se o pai não tem culpa por não amar o filho, a tem por negligenciá-lo. O pai deve arcar com a responsabilidade de tê-lo abandonado, por não ter cumprido com o seu dever de assistência moral, por não ter convivido com o filho, por não tê-lo educado, enfim, todos esses direitos impostos pela Lei147.
Ante ao exposto nota-se que apenas em instância superior
são poucas as decisões que reconhecem a responsabilidade civil por abandono
afetivo, levando em consideração que a falta de afeto não tem valoração como
defendido por alguns autores citados no segundo capítulo.
Assim como existem outras visões a respeito do tema
passa-se a análise da não caracterização do dano moral por abandono afetivo.
145 BRASIL, Supremo Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº. 757.411. Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 29 de nov. de 2005. 146 Pai terá que indenizar filho por abandono moral. Última instância, Revista jurídica. Disponível em <http://ultimainstancia.uol.com.br/noticia/34204.shtml>. Acesso em 23 de agosto de 2007. 147 Pai terá que indenizar filho por abandono moral. Última instância, Revista jurídica. Disponível em <http://ultimainstancia.uol.com.br/noticia/34204.shtml>. Acesso em 23 de agosto de 2007.
58
3.4 DA DESCARACTERIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR
ABANDONO AFETIVO PATERNO-FILIAL
Por outro lado tem aqueles que negam a caracterização da
responsabilidade civil por abandono afetivo, posto que, segundo estes, o poder
judiciário não pode obrigar ninguém a amar seu filho.
No ano de 2004, a 4º Câmara Cível do Tribunal de Justiça
do Rio de Janeiro, negou por unanimidade dos votos, a pretensão indenizatória
da Apelante Mara Lúcia Fontes em decorrência do abandono afetivo de seu
genitor.
O Relator da Apelação Cível nº. 2004.00113664,
Desembargador Mário dos Santos Paulo. argumentou em sua decisão: “Por
óbvio, ninguém está obrigado a conceder amor ou afeto a outrem, mesmo que
seja filho. Não há amparo legal, por mais criativo que possa ser o julgador, que
assegure ao filho indenização de afeto e carinho”148.
Assim, pode-se colacionar o seguinte caso julgado na data
de 06 de dezembro de 2006, junto ao Tribunal de Minas Gerais. Tratava-se da
Apelação Cível nº. 1.0145.05.219641-0/001, da Comarca de Juiz de Fora, e
julgado pela 12ª. Câmara Cível do Tribunal do Estado que, em unanimidade de
votos, negaram provimento ao recurso. Ação judicial onde o apelando alegou ter
sofrido abandono afetivo e moral por seu genitor.
O Relator Senhor Domingos Coelho, em seu voto,
argumentou: “Ocorre, todavia, que o abandono paterno atêm-se, a meu ver, à
esfera da moral, pois não se pode obrigar em última análise o pai a amar o filho.
O laço sentimental é algo profundo e não será uma decisão judicial que irá mudar
uma situação ou sanar eventuais deficiências”149��
Nessa linha, seguiu o relator:
148 RIO DE JANEIRO, Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº. 2004.00113664. Rel. Des. Mário dos Santos Paulo, j. 08 de set. de 2004. 149 MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº. 1.0145.05.219641-0/001. Rel. Juiz Domingos Coelho, j. 06 de dez. de 2006.
59
O dano moral decorre de situações especiais, que causam imensa dor e angústia ou vexame, não de aborrecimentos do cotidiano, que acontecem quando vemos frustradas as expectativas que temos em relação às pessoas que nos cercam. Afinal, o mundo é cheio de imperfeições corriqueiras, que são da própria natureza humana, e que o homem médio está preparado para suportar150.
Em sua defesa o relator mencionou o caso julgado pelo
Superior Tribunal de Justiça, descrito na próxima seção, onde um dos integrantes
da turma julgadora o Senhor Desembargador José Flávio de Almeida se
posicionou sobre o tema:
O caso sub lite é inédito. O apelante tomou conhecimento de sua filiação biológica depois do falecimento de seu padrasto, que não só o adotou, como o registrou como filho, uma vez que desposava a mãe do apelante. O amor paterno não pode ser imposto, ele é despertado pelo anúncio da gravidez, pelo seu desenvolvimento, pelo acompanhamento do parto, das noites de dedicação ao filho, da troca da fralda, do banho, dos primeiros sorrisos e passos, do reconhecimento da voz paterna e das gracinhas da criança, do seu crescimento, da confiança pai e filho, das perguntas, das respostas, dos abraços, beijos, carinhos, etc151...
No mesmo sentido no Tribunal do Rio Grande do Sul, tem-se
o seguinte caso julgado na data de 18 de julho de 2007, sendo relator o
Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos.
A apelação nº. 70019263409, tratava-se de pedido de
danos morais decorrente de abandono afetivo, onde o apelante foi gerado em
uma relação eventual que ensejou a ação de investigação de paternidade em que
o mesmo afirmou nunca ter recebido amor carinho de seu genitor.
Em seu voto o relator discorreu sobre o fato de o apelado ter
tomado conhecimento da paternidade em sentença judicial:
150 MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº. 1.0145.05.219641-0/001. Rel. Juiz Domingos Coelho, 06 de dez. de 2006. 151 MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº. 1.0145.05.219641-0/001. Rel. Juiz Domingos Coelho, j. 06 de dez. de 2006.
60
E não se pode exigir, como num passe de mágica, que, por força da sentença que o declarou pai – melhor dito, que o declarou genitor, porque o conceito de pai pressupõe um dado sócio-afetivo constituído na convivência, e não é uma mera decorrência do vínculo genético –, que o apelado tome-se de amores pelo filho e o introduza na família que constituiu, mormente quando se percebe que o não-reconhecimento espontâneo da paternidade deixou mágoas nos envolvidos, o que é de certo modo natural em situações dessa natureza152.
No mesmo caso, a Desembargadora Maria Berenice Dias153
divergindo com os demais desembargadores, votou pelo provimento da apelação,
porém sendo vencida, discorreu sobre o tema:
Está mais do que comprovado, que a carência do convívio com um dos genitores traz seqüelas significativas para o desenvolvimento normal de uma criança. O autor não está buscando o afeto do pai, não lhe está cobrando a falta de atenção. Está buscando reparação pelo abandono em face da carência afetiva, o que lhe gera danos, conseqüências para o seu pleno desenvolvimento.
Por fim, negaram provimento ao recurso. Nota-se que a
tendência dos julgados é a não caracterização do dano moral decorrente de
abandono afetivo. E que a decisão do Superior Tribunal de Justiça, julgada em 29
de novembro de 2005, está servindo de paradigma para nossos tribunais.
Passando adiante, por ser de suma importância, analisar-se-
á o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça pátrio.
3.5 DO POSICIONAMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Em se tratando de instância superior, a única decisão que
chegou à análise do Superior Tribunal de Justiça até o presente momento, foi a já
mencionada no tópico 3.3 do presente capítulo.
152 RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Apelação nº. 70019263409. Rel. Juiz Luiz Felipe Brasil Santos, j. 18 de julho de 2007. 153 RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Apelação nº. 70019263409. Rel. Juiz Luiz Felipe Brasil Santos, j. 18 de julho de 2007.
61
Em que segue, o apelante recorreu da decisão da 7º
Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, através do
Recurso Especial nº. 757.411, com fundamentos na alínea “a” e “c” do permissivo
constitucional, sustentando violação no artigo 159154 do CC/1916 e dissídio
jurisprudencial.
O Recurso foi indeferido pelo Tribunal, por faltar com os
requisitos para o seu acolhimento, onde o recorrente afirma em sua defesa que as
dificuldades oriundas de uma separação e da atividade profissional do pai são
fatos normais da vida, não havendo que se falar em dolo ou culpa.
Tendo em vista o indeferimento do Recurso, o Recorrente
interpôs Agravo de Instrumento nº. 633.801 no Superior Tribunal de Justiça,
restando, também indeferido. Não vendo alternativa, interpôs Agravo Regimental,
alegando que a matéria não versava sobre assunto constitucional, e que a causa
de pedir estava no artigo 186155 do Código Civil, ato ilícito. Diante disso, o Agravo
Regimental foi provido e o Recurso Especial pôde ser examinado pelo Superior
Tribunal de Justiça.
Em análise, o relator, Excelentíssimo Senhor Ministro
Fernando Gonçalves156 manifesta-se dizendo que conheceu o recurso e deu
provimento, para afastar a possibilidade de indenização nos casos de abandono
moral, afirmando:
A matéria é polêmica e alcançar-se uma solução não prescinde do enfrentamento de um dos problemas mais instigantes da responsabilidade civil, qual seja, determinar quais danos extrapatrimoniais, dentre aqueles que ocorrem ordinariamente, são passíveis de reparação pecuniária. Isso porque a noção do que seja dano se altera com a dinâmica social, sendo ampliado a cada dia o conjunto dos eventos cuja repercussão é tirada daquilo que se considera inerente à existência humana e transferida ao autor do fato. Assim situações anteriormente tidas como "fatos da vida", hoje são tratadas como danos que merecem a atenção do
154 Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. 155 Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.
62
Poder Judiciário, a exemplo do dano à imagem e à intimidade da pessoa.
E concluiu dizendo:
No caso de abandono ou do descumprimento injustificado do dever de sustento, guarda e educação dos filhos, porém, a legislação prevê como punição a perda do poder familiar, antigo pátrio-poder, tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 24, quanto no Código Civil, art. 1638, inciso II. 157
Observa-se então, que o relator avaliou que a legislação
brasileira prevê uma punição para os casos de descumprimento injustificado do
dever de sustento, guarda e educação dos filhos, previsto no artigo 24 do ECA158,
e no artigo 1.638 inciso II, do CC159, que versam sobre o abandono.
E, ainda sobre o tema, o Ministro expôs:
Assim, o ordenamento jurídico, com a determinação da perda do poder familiar, a mais grave pena civil a ser imputada a um pai, já se encarrega da função punitiva e, principalmente, dissuasória, mostrando eficientemente aos indivíduos que o Direito e a sociedade não se compadecem com a conduta do abandono, com o que cai por terra a justificativa mais pungente dos que defendem a indenização pelo abandono moral160.
Para o Ministro Fernando Gonçalves, a perda do poder
familiar, é a punição para um pai que causa o abandono, e a indenização por
danos morais é inviável por ninguém ser obrigado a amar outrem.
E concluindo seu voto, relata, “Desta feita, como escapa ao
arbítrio do Judiciário obrigar alguém a amar, ou a manter um relacionamento
156 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial nº. 757.411-MG. Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 29 de nov. de 2005. 157 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial nº. 757.411-MG. Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 29 de nov. de 2005. 158 A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22. 159 Perderá por ato judicial o poder familiar o pai e a mãe que deixar o filho em abandono. 160 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº. 757.411-MG. Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 29 de nov. de 2005.
63
afetivo, nenhuma finalidade positiva seria alcançada com a indenização
pleiteada”161.
Participou também do julgamento, o ministro Aldir
Passarinho Júnior, em que relatou o artigo 395, do CC162, e observou que “Não
me parece que isso tenha sido requerido nem pelo Ministério Público nem por
algum parente, notadamente a mãe, em nome de quem ele estava sob a guarda
direta, porque, aparentemente, o pai se ausentou”163.
Observa-se que o Ministro só discorreu sobre a decisão da
perda do pátrio poder, não se manifestando a respeito do abandono afetivo.
O Ministro César Asfor Rocha, em seu voto, discorreu sobre
a importância da entidade familiar para o Estado, e da proteção constitucional que
a mesma recebe.
E concluiu argumentando: “Com a devida vênia, não posso,
até repudio essa tentativa, querer quantificar o preço do amor” 164.
O único voto contra o relator, é o do Ministro Barros
Monteiro165, que relata:
Considero, pois, ser devida a indenização por dano moral no caso, sem cogitar de, eventualmente, ajustar ou não o quantum devido, porque me parece que esse aspecto não é objeto do recurso. Penso também, que a destituição do poder familiar, que é uma sanção do Direito de Família, não interfere na indenização por dano moral, ou seja, a indenização é devida além dessa outra sanção prevista não só no Estatuto da Criança e do Adolescente, como também no Código Civil anterior e no atual.
Nota-se, nos votos expostos, que foi mencionado sobre a
impossibilidade da quantificação do amor. Ocorre que a ação versou não somente
161 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº. 757.411-MG. Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 29 de nov. de 2005. 162 Perderá, por ato judicial, o pátrio poder o pai ou mãe que deixar o filho ao abandono. 163 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº. 757.411-MG. Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 29 de nov. de 2005. 164 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº. 757.411-MG. Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 29 de nov. de 2005.
64
pela falta de amor não recebido, mas assim pelo descumprimento do pai em
relação à proteção que tem sobre o dever de ter o filho em sua companhia.
O perigo da banalização da indenização recai no jurista não
compreender, exatamente, o verdadeiro significado da noção de abandono
afetivo. É por isso que as corajosas e inovadoras decisões analisadas, bem
podem, infelizmente, abrir um oriundo lutuoso, se os seus fundamentos forem
utilizados em casos mal intencionados, o que pode acarretar numa verdadeira
indústria indenizatória do afeto166.
A partir dessa decisão, assim levando em consideração o
posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, os demais tribunais, conforme
nota-se do conteúdo anteriormente exposto vêm se manifestando desfavorável à
indenização por abandono afetivo. Assim, à medida que vem sendo adotada, é a
de negar provimento aos recursos.
Chega-se ao final da presente pesquisa encerrando o
conteúdo programático do presente trabalho.
165 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº. 757.411-MG. Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 29 de nov. de 2005. 166 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Os contornos jurídicos da Responsabilidade Afetiva na relação entre pai e filhos – além da obrigação legal e caráter material. Disponível em: <http://www.intelligentiajuridica.com.br/v3/artigo_visualizar.php?id=952>. Acesso em 30 de agosto de 2007.
65
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a finalidade de manter fidelidade à ordem proposta no
sumário e tornar a exposição objetiva, serão apresentadas algumas
considerações a respeito das hipóteses de pesquisa desenvolvidas no decorrer
desse trabalho, de uma forma conclusiva.
No ramo do direito de família, o direito tem buscado
acompanhar a evolução da sociedade e, assim, atender os anseios dos
integrantes do núcleo familiar. O afeto é visto, nos dias atuais, como fator
determinante e de grande relevância para uma visão mais completa da
composição familiar, não bastando apenas a análise do ponto de vista biológico
ou jurídico que envolve um núcleo familiar. Os operadores do direito, com a mente
voltada para o sujeito, começam a agregar outros elementos relacionados à
clássica noção jurídica de família, como é o caso da afetividade. Razão pela qual
resta confirmada a primeira hipótese de pesquisa.
Igualmente, confirmada está a segunda hipótese de
pesquisa, pois a Constituição Federal de 1988 inseriu em seu texto, princípios
importantes no que diz respeito à família, dentre eles, a dignidade da pessoa
humana, o valor jurídico dado à afetividade e à solidariedade familiar.
Com relação à terceira hipótese de pesquisa, tema que gera
inúmeras controvérsias, é de se entender que a ausência injustificada do genitor,
causando assim o abandono afetivo é digna de reparação civil.
Não se trata de imposição jurídica do amor, mas de um meio
judicial de criação da possibilidade da construção do afeto, que só se tornará
possível com a convivência e o ato de educar.
Conclui-se que o pagamento de indenização por dano moral
é imputado ao pai, ou à mãe porque se negaram em proporcionar ao filho o
devido afeto, violando assim, seus direitos de personalidade consagrados pela
Constituição Federal.
66
A imagem, a moral, a honra já foram valores não
indenizáveis e conquistados com o tempo, como hoje se vê, bem como, a sua
valoração social e a existência da possibilidade de ressarcimento para o ofendido,
pelo fato ocorrido. Sendo assim, o afeto vem seguindo no mesmo caminho, com o
seu reconhecimento, e tem ganhado cada vez mais êxito dentro do Direito.
Portanto para ser reconhecido tal direito, o Poder Judiciário
deve analisar as circunstâncias que levaram aquela ação a ser ajuizada, se
atende à lei e as regras de conduta da sociedade. Deve-se deve analisar cada
caso, nos seus mínimos detalhes.
Para finalizar, observa-se que o tema abordado neste
trabalho científico não se encontra exaurido. Nota-se que por ser um assunto
muito novo dentro do campo jurídico, o abandono afetivo traz muitas dúvidas e
questionamentos, e mesmo sendo as coisas novas um pouco duvidosas, é
necessário seu estudo aprofundado para a evolução da sociedade. Dar às
crianças e aos adolescentes uma convivência, uma referência, é respeitar o
mencionado e tão importante princípio da dignidade da pessoa humana,
garantindo o mínimo existencial aos componentes da família, dando-lhes a
possível realização do sonho da felicidade.
Por fim, só mesmo a experiência e o tempo poderão dizer se
essas decisões trarão prejuízos ou benefícios para as pessoas envolvidas. Há
necessidade de que a comunidade acadêmica e os demais operadores do direito,
continuem refletindo seriamente acerca dessa questão, de modo a aprofundar e
consolidar determinado entendimento, sempre de acordo com as previsões
constitucionais, com os direitos fundamentais e da personalidade, aplicados ao
direito de família.
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