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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ LUIZ GONZAGA TREDESINI JÚNIOR RESPONSABILIDADE PESSOAL DO MAGISTRADO PELAS CONSEQUÊNCIAS DE SUAS DECISÕES PROCESSUAIS CURITIBA 2018

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

LUIZ GONZAGA TREDESINI JÚNIOR

RESPONSABILIDADE PESSOAL DO MAGISTRADO PELAS

CONSEQUÊNCIAS DE SUAS DECISÕES PROCESSUAIS

CURITIBA

2018

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LUIZ GONZAGA TREDESINI JÚNIOR

RESPONSABILIDADE PESSOAL DO MAGISTRADO PELAS

CONSEQUÊNCIAS DE SUAS DECISÕES PROCESSUAIS

Monografia de Conclusão de Curso apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Profa. Fabiana Passos de Melo

CURITIBA

2018

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TERMO DE APROVAÇÃO

LUIZ GONZAGA TREDESINI JÚNIOR

RESPONSABILIDADE PESSOAL DO MAGISTRADO PELAS

CONSEQUÊNCIAS DE SUAS DECISÕES PROCESSUAIS

Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do título de Bacharel no Curso

de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, ___ de ____________ de 2018.

____________________________________________ Bacharelado em Direito

Faculdade de Ciências Jurídicas Universidade

Tuiuti do Paraná

____________________________________________

Prof. Dr. PhD Eduardo de Oliveira Leite

Coordenação do Núcleo de Monografia

Universidade Tuiuti do Paraná

Orientadora: _____________________________________________

Profa. Fabiana Passos de Melo

Universidade Tuiuti do Paraná

_____________________________________________

Prof.(a) Dr.(a)

Universidade Tuiuti do Paraná

_____________________________________________

Prof.(a) Dr.(a)

Universidade Tuiuti do Paraná

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente gostaria de agradecer a minha orientadora, Professora

Fabiana por aceitar, conduzir e confiar no meu trabalho. Minha admiração e

agradecimentos por despertar em mim o interesse pelo Direito Administrativo.

Agradeço a minha mãe, que mesmo no alto de seus 86 anos, teve sabedoria

e paciência diante minhas ausências para cuidá-la mas foi compreensiva e confiou

que eu conseguiria a conclusão dessa minha segunda graduação.

Agradecimento em especial aos meus amados amigos e companheiros de

jornada no curso, Marieli Felipe e Luiz Felipe Bonaroski que me acompanharam desde

o 1o período. Vanessa Beatriz de Ramos, que mesmo não conseguindo concluir o

curso conosco devido aos percalços da vida, minha eterna gratidão pelas noites em

aula ao meu lado.

Por fim, a todos aqueles que me incentivaram a chegar até aqui, e que foram

minha luz para que em tantas vezes não sucumbisse no meio do caminho, meus

eternos agradecimentos.

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo o estudo a partir de casos concretos onde identificamos as hipóteses em que o magistrado pode ser responsabilizado pessoalmente por suas decisões. Jonh Merryman (1978, apud João Fernando Vieira da Silva, 2009), ao fazer referência à grandeza dos poderes encontrada nas mãos dos juízes, ensina que: “Os juízes exercitam um poder e onde há poder deve haver responsabilidade. Em uma sociedade organizada racionalmente haverá uma relação diretamente proporcional entre poder e responsabilidade”. Decisões onde grandes absurdos são cometidos frente aos direitos personalíssimos, especificamente no âmbito do direito à intimidade, e contra os impedimentos do juiz como a parcialidade, seja em benefício do próprio ou de seus próximos, extrapolam o limite do tolerável que deveriam resultar numa responsabilização do mal causado por quem deveria agir como um agente público em função da lei. Porém a doutrina majoritária tem um entendimento diferente do STF quanto a classificação do juiz que reflete justamente na sua responsabilização conforme as leis. Palavras-chave: Responsabilidade do Magistrado. Agente Público. Decisões Processuais.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 6

2 A POSIÇÃO DO MAGISTRADO COMO AGENTE PÚBLICO .......................... 7

2.1 SERVIDORES PÚBLICOS ...................................................................... 8

2.2 MILITARES ............................................................................................. 9

2.3 PARTICULARES EM COLABORAÇÃO COM O PODER PÚBLICO .... 10

2.4 CARGO, EMPREGO OU FUNÇÃO ...................................................... 10

2.5 AGENTES POLÍTICOS ......................................................................... 11

2.6 SERVIDOR PODE SER AGENTE POLÍTICO? ..................................... 13

3 RESPONSABILIDADES ................................................................................. 15

3.1 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE ................................................ 15

3.2 RESPONSABILIDADE DO AGENTE PÚBLICO ................................... 17

3.3 RESPONSABILIDADE CIVIL ................................................................ 18

3.3.1 Responsabilidade Civil do Magistrado ............................................ 19

3.4 RESPONSABILIDADE PENAL ............................................................. 20

3.4.1 Responsabilidade Penal do Magistrado ......................................... 22

3.5 RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA ............................................ 23

3.5.1 Responsabilidade Administrativa do Magistrado ................................ 24

3.6 RESPONSABILIDADE PESSOAL DO MAGISTRADO ......................... 25

4 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E OS AGENTES POLÍTICOS ................ 27

4.1 A MOTIVAÇÃO, A FUNDAMENTAÇÃO E A PUBLICIDADE DAS

DECISÕES JUDICIAIS ............................................................................... 28

5 ANÁLISES E CRÍTICAS DE CASOS CONCRETOS...................................... 30

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5.1 JUÍZA DE COMARCA DO ESTADO DO PARANÁ ACUSADA DE

SUSPEIÇÃO E IMPEDIMENTO POIS JULGOU AÇÕES DE

SERVENTUÁRIOS E DE SUA PRÓPRIA ASSESSORA ............................ 30

5.2 JUIZ FEDERAL DO DISTRITO FEDERAL LIBERA TRATAMENTO PARA

“CURA GAY” E DIZ QUE É DOENÇA. ........................................................ 32

5.3 PADRE É CONDENADO A PAGAR DANOS MORAIS POR IMPEDIR

ABORTO LEGAL ........................................................................................ 35

6 CONCLUSÃO ................................................................................................. 43

REFERÊNCIAS ................................................................................................. 45

ANEXOS ............................................................................................................ 48

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1 INTRODUÇÃO

É com grande frequência que podemos observar decisões polêmicas de

magistrados, seja em relação ao fato concreto, ou seja, em relação a seus julgamentos.

Alguns juízes extrapolam seu papel de operadores do direito e traçam

caminhos alternativos ao ordenamento jurídico. Estão atrelados à lei, mas estão

sujeitos aos equívocos normativos. Algumas decisões podem parecer

descompassadas com os valores legais, seja pelo resultado, mas especialmente pelos

argumentos utilizados pelos magistrados na sua fundamentação.

A função desempenhada pelos magistrados, como agente público ou político,

dependendo da interpretação da doutrina majoritária ou do STF podem causar sua

responsabilização por atos e/ou julgamentos meramente pessoais?

Se a referida autoridade judicial tem controle formal da legalidade dos atos

administrativos, também tem poder formal quando provocado para dizer o que é legal

sob a luz da constituição podendo ser responsabilizado civil e pessoalmente.

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2 A POSIÇÃO DO MAGISTRADO COMO AGENTE PÚBLICO

“O Estado necessita de recursos humanos e materiais para a realização de

atividades, serviços e obras que são de sua responsabilidade. Os recursos humanos,

constituem-se em todas as pessoas físicas que, sob variados vínculos, prestam

serviços à Administração Pública ou realizam atividades que estão sob sua

responsabilidade, ainda quando o façam ocasional ou episodicamente. Essas

pessoas são os agentes públicos” (MELLO, 2010, p. 121).

A doutrina é dividida em relação à classificação do magistrado, pois antes da

Constituição Federal de 1988 o juiz era um mero aplicador do direito, devendo abstrair-

se e afastar-se dos seus sentimentos ao julgar os casos apresentados. Alguns

doutrinadores, como Celso Antônio Bandeira de Mello, (2010, p. 247) José dos Santos

Carvalho Filho (2011, p.538) e Maria Sylvia Zanella di Pietro, (2010, p. 512) afirmam

que eles são servidores públicos.

Pelo ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello, servidores públicos

são uma espécie dentro do gênero agente público, tal expressão distingue os sujeitos

que servem ao Poder Público, ainda que ocasionalmente.

Expõe aquele jurista, in verbis:

Servidores públicos são os servidores estatais, exceto os empregados das

entidades da Administração indireta de Direito Privado. A designação abrange

todos aqueles que mantêm vínculo de trabalho de natureza profissional,

caráter não eventual, sob vínculo de dependência, com as entidades

governamentais, integrados em cargos ou empregos da União, Estados,

Distrito Federal, Municípios, além das respectivas autarquias e fundações –

pessoas jurídicas de Direito Público da Administração indireta (DE MELLO,

2010, p. 247).

Já Hely Lopes Meirelles e o Supremo Tribunal Federal, conforme análise de

sua jurisprudência, defendem a posição de que os juízes são agentes políticos. Para

Meirelles, “Agentes políticos são os componentes do Governo nos seus primeiros

escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação,

eleição designação ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais”. Ele

inclui nessa categoria tanto os Chefes do Poder Executivo Federal, estadual e

municipal, e seus auxiliares diretos, os membros do Poder Legislativo, como também

os da Magistratura, Ministério Público, Tribunais de Contas, representantes

diplomáticos e “demais autoridades que atuem com independência funcional no

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desempenho das atribuições governamentais, judiciais ou quase judiciais, estranhas

ao quadro do funcionalismo estatutário (MEIRELLES, 2010, p.77).

Sobre a mesma questão, foi abordada pelo STF pelo RE 228.997, rel. min.

Néri da Silveira, julgado em 05/03/2002, 2a Turma, DJ de 12/04/2002

A autoridade judiciária não tem responsabilidade civil pelos atos jurisdicionais praticados. Os magistrados enquadram-se na espécie agente político, investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica. Ação que deveria ter sido ajuizada contra a Fazenda Estadual – responsável eventual pelos alegados danos causados pela autoridade judicial, ao exercer suas atribuições –, a qual, posteriormente, terá assegurado o direito de regresso contra o magistrado responsável, nas hipóteses de dolo ou culpa. Legitimidade passiva reservada ao Estado (STF - RE 228.977 – Rel.: Min. Néri da Silveira – Julgamento em 5 mar. 2002 - 2ª Turma – DJe em 12 abr. 2002).

Agente público é toda pessoa física que presta serviços ao Estado e às

pessoas jurídicas da Administração Indireta conforme artigo 2o da Lei 8.429/92.1

Primeiramente, vamos a uma breve classificação dos agentes públicos.

2.1 SERVIDORES PÚBLICOS

São servidores públicos, “as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado

e às Entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício e mediante

remuneração paga pelos cofres públicos” (DI PIETRO, 2010, p. 512).

Enquadram-se nessa categoria os servidores estatutários, os empregados

públicos e os servidores temporários.

Servidores estatutários: estão sujeitos ao regime estatutário e ocupantes de

cargos públicos.

Empregados públicos: são contratados e submetidos ao regime da legislação

trabalhista (CLT) e ocupantes de emprego público.

Servidores temporários: são contratados por tempo determinado, em caráter

excepcional, para atender eventual necessidade (urgência) de interesse público (art.

37, IX, da Constituição Federal). Estes exercem função pública sem que estejam

vinculados a cargo ou emprego público.

1 Art. 2° da Lei n°. 8.429/92 - Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que

exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

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2.2 MILITARES2

São pessoas físicas que prestam serviços às Forças Armadas (art. 142 da

CF): marinha, exército e aeronáutica (§3°), e; as Polícias e Corpos de Bombeiros

Militares dos Estados, Distrito Federal e dos Territórios (conforme art. 42 do Título III

Da Organização do Estado, Capítulo VII Da Administração Pública da Constituição

Federal.3

Têm vínculo estatutário sujeito a regime jurídico próprio, mediante

remuneração paga pelo o Estado.

As normas dos servidores públicos (o qual antes da emenda n° 18/98, os

militares eram denominados de "servidores públicos militares"), somente serão

aplicadas aos militares se tiverem previsão expressa nesse sentido.

É regime estatutário, pois é estabelecido por lei, independentemente de

contrato. Esse regime é definido por legislação própria para militares, que

estabelecem normas de ingresso, estabilidade, prerrogativas etc. (art. 142, §3°, X4, e

42, §1°, da Constituição Federal5).

2Constituição Federal de 1988. Art. 142 - As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. § 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998). II - o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente será transferido para a reserva, nos termos da lei; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998) II - o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente, ressalvada a hipótese prevista no art. 37, inciso XVI, alínea c, será transferido para a reserva, nos termos da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 77, de 2014). III - O militar da ativa que, de acordo com a lei, tomar posse em cargo, emprego ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, ficará agregado ao respectivo quadro e somente poderá, enquanto permanecer nessa situação, ser promovido por antiguidade, contando-se-lhe o tempo de serviço apenas para aquela promoção e transferência para a reserva, sendo depois de dois anos de afastamento, contínuos ou não, transferido para a reserva, nos termos da lei; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998). 3 Art. 42 - Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas

com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. 4 Art. 142. …. § 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998) X - a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998) 5 Art. 42… § 1º Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8º; do art. 40, § 9º; e do art. 142, §

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2.3 PARTICULARES EM COLABORAÇÃO COM O PODER PÚBLICO

Enquadram-se nesta categoria, pessoas físicas que prestam serviços ao

Estado, porém sem vínculo empregatício (com ou sem remuneração).

Podem ser:

Delegação do Poder Público: “como se dá com os empregados das empresas

concessionárias e permissionárias de serviços públicos, os que exercem serviços

notariais e de registro (art. 236 da Constituição Federal), os leiloeiros e intérpretes

públicos; eles exercem função pública em seu próprio nome, sem vínculo

empregatício, porém sob fiscalização do Poder Público”.

Sua remuneração não é paga pelo Estado, mas pelos terceiros usuários do

serviço.

Requisição, nomeação ou designação: São fundamentais para o exercício de

funções públicas relevantes; “é o que se dá com os jurados, os convocados para

prestação de serviço militar ou eleitoral, os comissários de menores, os integrantes

de comissões, grupos de trabalho etc.; também não têm vínculo empregatício e, em

geral, não recebem remuneração” (DI PIETRO, 2010. p. 353-354).

Gestores de negócios: são os que assumem, espontaneamente, determinada

função pública em um momento emergencial, como enchentes, epidemia, desastre

natural etc.

2.4 CARGO, EMPREGO OU FUNÇÃO

Os cargos são subdivididos em cargos públicos e cargos em comissão. As

demais designações são únicas.

I) Cargos Públicos: "referem-se por ocupar cargos efetivos na função à qual

são concursados, seus direitos e deveres são previstos em regime estatutário (art. 37,

II, CF6). Sua nomeação e posse no cargo público se darão mediante concurso público.

6 Art. 37.A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

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II) Cargos em Comissão: “são preenchidos por servidores nomeados e

exonerados ad nutum, ou seja, independentemente de concurso público. Destinam-

se a preencher cargos políticos, de confiança e, principalmente, de atribuições de

direção, chefia e assessoramento (art. 37, V, CF)”.

III) Empregos Públicos: "caracterizam-se por ser ocupados por servidor

público que adquire efetividade no quadro de servidores da Administração e são

regidos pela CLT (art. 37, II, CF). Sua nomeação e posse no emprego se darão

mediante concurso público.

IV) Servidores temporários: “são aqueles contratados por tempo determinado

para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX,

CF). Logo, notamos que seu contrato deve ser transitório, e seus direitos e deveres

são previstos em lei própria dos temporários. A nomeação e posse do servidor

temporário ocorrerá mediante concurso público ou não, dependendo da conveniência

do ente público previsto em lei”.

2.5 AGENTES POLÍTICOS

Pelos ensinamento de Adair Loredo Santos, os agentes políticos:

(...) são pessoas físicas titulares de cargos do primeiro escalão do Governo que exercem funções políticas e constitucionais. Seu vínculo com o Estado não decorre de natureza profissional e sim política, sendo eles investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para executar as prerrogativas previstas na Constituição ou Leis. (SANTOS, 2004, p. 197)

Agentes políticos, de acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, são:

(...) todos os titulares dos cargos estruturais à organização política do País, ou seja, são os ocupantes dos cargos que compõem o arcabouço constitucional do Estado e, portanto, o esquema fundamental do poder. Sua

XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;

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função é a de formadores da vontade superior do Estado (DE MELLO, 2010, p. 247).

Para Celso Antônio Bandeira de Mello e Adair Loredo Santos, são agentes

políticos:

1. Chefes do Poder Executivo e vices (Presidente; Governador e Prefeito); 2. Auxiliares imediatos do Poder Executivo (ministros de estados, secretários estaduais e municipais); 3. Membros do Poder Legislativo (Senadores, Dep. Federais, Dep. Estaduais e Vereadores);

Para além destes, Hely Lopes Meirelles qualifica como agentes políticos os

seguintes:

4. Magistrados (STF); 5. Membros do Ministério Público; 6. Membros dos Tribunais de Contas; 7. Diplomatas.

Já o Supremo diverge da maioria da doutrina que exige para a configuração

do vínculo político uma atuação dotada de elevada carga discricionária, que

caracterizaria a função propriamente política, a qual se verifica restrita na atividade

jurisdicional, em virtude da necessária sujeição desta à lei (ao Legislativo).

Para o STF o que define a condição de agente político não é o processo de

escolha, mas o poder de manifestar a vontade do Estado. Como já mencionado

anteriormente

A autoridade judiciária não tem responsabilidade civil pelos atos jurisdicionais praticados. Os magistrados enquadram-se na espécie agente político, investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica. (STF - RE 228.977 - Segunda Turma - Rel. Min. Néri da Silveira - Julgamento em 5 mar. 2002 – DJe em 12 abr. 2002).

Além disso, vai contra a inserção dos juízes nessa categoria o fato de

não ingressarem nos respectivos cargos através de investidura política, baseada na

confiança popular, mas mediante investidura administrativa, fundada no critério

meritocrático do concurso público.

A classificação do Juiz como Agente Político surge dos ensinamentos do

professor Hely Lopes Meirelles. Em sua obra o Juiz surge como um Agente Político

do Estado, cujas funções estão inseridas nas atribuições constitucionais dos primeiros

escalões dos órgãos de decisão do Estado. Assim é que, o juiz é designado como

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agente político porque representa a autoridade suprema na área de sua atuação, sem

hierarquia funcional, sujeitando-se apenas aos graus e limites da Constituição Federal

e Lei Regente (MEIRELLES, 2010, p.71).

De acordo com Maria Helena Diniz, Bem Comum:

É o resultante da harmonização da liberdade, paz, justiça, segurança, solidariedade e utilidade social feita pelo juiz ao aplicar a lei ao caso concreto [...] (DINIZ, 2007, p. 391).

Segundo o caput do artigo 2º, da Constituição da República Federativa do

Brasil7, diz que o magistrado busca a legitimidade de suas intervenções sociais. A

Constituição de 1988, fortalece a ideia do Juiz como Agente Político da sociedade ao

explicitar o conteúdo de poder das decisões emanadas deste membro do poder do

Estado que tem como principal função a interpretação e a aplicação das leis, para

dirimir conflitos de interesses e estimular a pacificação social (COUTINHO, 1998,

p.43-44).

Com base na Constituição de 1988, o papel social e político do Juiz em nossa

sociedade tem crescido de forma considerável. Não se compreende mais nos dias de

hoje, que o Juiz seja indiferente às mudanças sociais, aos costumes, continuando a

adotar postura positivista e legalista, sem tomar consciência de que está em suas

mãos a responsabilidade e o poder de extrair das normas constitucionais o significado

válido e atual para interpretar outras leis, quando necessário na solução de um caso

concreto. Pois, exercendo um papel Político-Jurídico ele irá procurar adaptar as

normas à realidade dos fatos (COUTINHO, 1998, p. 45).

Assim, o Juiz, na condição de Agente Político, é possuidor de um poder

judicial, consequência de ser uma Autoridade funcional e da responsabilidade,

emanada da lei. Ele atua positiva e imperativamente, objetivando a garantia de direitos,

a melhoria do sistema de justiça e o bem-estar social dos indivíduos,

consequentemente da sociedade num todo (DALLARI, 1996, p. 88).

2.6 SERVIDOR PODE SER AGENTE POLÍTICO?

Como vimos, servidores públicos são ocupantes de cargo de provimento

efetivo ou cargo em comissão, regidos pela Lei nº 8.112/90 e são passíveis de

7 Art. 2º - São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

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responsabilização administrativa, apurada mediante processo administrativo

disciplinar ou sindicância de rito punitivo.8 9 10

Já os agentes políticos são aqueles detentores de cargo eletivo, eleitos por

mandatos transitórios, como os Chefes de Poder Executivo e membros do Poder

Legislativo, além de cargos de Ministros de Estado e de Secretários nas Unidades da

Federação, os quais não se sujeitam ao processo administrativo disciplinar.

A posição do magistrado ultrapassa a de um mero aplicador do direito,

exercendo uma função mecânica. Com a Constituição Federal de 1988 os

magistrados passaram a proferir decisões de cunho político. Basta observar

jurisprudências de tribunais que determinam a distribuição de remédios, os toques de

recolher determinando que crianças e adolescentes regressem em hora previamente

determinadas para as suas residências. Ademais, não se pode deixar ao largo da

discussão a possibilidade que a Constituição Federal deu aos magistrados de legislar

positivamente. Isso pode ser facilmente constatado ao se analisar a finalidade do

mandado de injunção e da Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão (ADO).

Portanto, com tudo o que exposto, constata-se que o Judiciário não é apenas

um mero aplicador da lei. Ele ultrapassou essa barreira, chegando ao ponto de

determinar que o Estado atue nas situações em que é omisso, como o caso dos

Municípios fornecerem educação às crianças. O juiz não pode ser considerado um

servidor público, mas um agente político, que profere decisões políticas para que a

Constituição Federal sempre seja respeitada.

8 Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas. (VIGENTE). 9 Art. 121. O servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas

atribuições. 10,Art. 126. A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria.

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15

3 RESPONSABILIDADES

3.1 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE

Segundo Celso Ribeiro Bastos, “responsabilidade é a sanção imposta pelo

direito ao autor de um ato lesivo à ordem jurídica” (BASTOS, 2002, p. 549).

Conseguimos analisar a evolução do direito brasileiro na obra de Alexandre

Moraes, (Direito Constitucional / Alexandre de Moraes – 11ª Ed. São Paulo: Atlas,

2002), sobre as oscilações entre as doutrinas subjetivas e objetivas da

responsabilidade civil da Administração.

“Desde o Império, os juristas mencionavam pela adoção da responsabilidade

sem culpa, fundada na teoria do risco que se iniciava na França, mas encontravam

decidida oposição dos civilistas apegados à doutrina da culpa, dominante no direito

privado, porém inadequada para o direito público.

A Constituição Federal Brasileira de 1988, prevê que as pessoas jurídicas de

direito público responderão pelos danos dos seus agentes. Já a responsabilidade civil

das pessoas jurídicas de direito público baseia-se no risco administrativo, tornando-

se objetiva.”

Moraes ainda nos ensina que essa responsabilidade objetiva exige a

concorrência dos seguintes requisitos: Ocorrência do dano; Ação ou omissão

administrativa; Existência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão

administrativa; Ausência de causa excludente da responsabilidade estatal.

Ainda conforme o autor, podemos definir que direito público é o destinado a

disciplinar os interesses gerais da coletividade. “Compete-se à organização do Estado

(Direito Constitucional), a disciplina de sua atividade na consecução de seus fins

políticos e financeiros, cuidando da hierarquia entre seus órgãos, das relações com

seus funcionários (Direito Administrativo), a distribuição da justiça (Direito Judiciário)

e a repressão dos delitos (Direito Penal)” (MORAES, 2002, p. 96).

O artigo 75 do Código de Processo Civil11 regula as representações em juízo

das pessoas jurídicas pública:

a) pessoas jurídicas de direito público: a União, os Estados, o Distrito Federal

e os territórios serão representados por seu procurador (I); o município por seu prefeito

11Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: VIII - a pessoa jurídica, por quem os

respectivos atos constitutivos designarem ou, não havendo essa designação, por seus diretores;

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ou procurador (II); as autarquias e empresas públicas por quem os respectivos

estatutos designarem, ou não designando, por seus direitos (VI).

b) o princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto,

eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade

civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias –

como o caso fortuito e a força maior – ou evidenciadoras de ocorrência de culpa

atribuível à própria vítima. (STF - AI 807153, Rel.: Min. Celso de Mello, Julgamento

em 09 nov. 2010, DJe em 30 nov. 2010).

As características básicas do preceito constitucional consagrador da

responsabilidade civil objetiva do poder público estão previstas na Constituição

Federal § 6º do art. 3712, e o Supremo Tribunal Federal, em relação à responsabilidade

civil do Poder Público, explanados no recurso extraordinário RT 140/636 do relator

Ministro Celso de Mello, julgado em 29/05/2013, sobre o qual podemos analisar nos

próximos parágrafos.

A obrigação de reparar danos patrimoniais decorre de responsabilidade civil

objetiva. Se o Estado, por suas pessoas jurídicas de direito público ou pelas de direito

privado prestadoras de serviços públicos, causar danos ou prejuízos aos indivíduos,

deve reparar esses danos, indenizando-os, independentemente de ter agido com dolo

ou culpa;

Os requisitos configuradores da responsabilidade civil do Estado são:

ocorrência do dano; nexo causal entre o eventus dammi e a ação ou omissão do

agente público ou do prestador de serviço público; a oficialidade da conduta lesiva;

inexistência de causa excludente da responsabilidade civil do Estado; (RTJ 55/503 –

RTJ 71/99 – RTJ 91/377 – RTJ 99/1155 – RTJ 131/417).

No direito brasileiro, a responsabilidade civil do Estado é objetiva, com base

no risco administrativo, que ao contrário de risco integral, admite abrandamentos.

Assim, a responsabilidade do Estado pode ser afastada no caso de força maior, caso

fortuito, ou ainda, se comprovada a culpa exclusiva da vítima; (TRF5 - APELREEX n°.

200885000036680 - Des. Federal Emiliano Zapata Leitão - Primeira Turma – 16 jun.

2011).

12Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

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Havendo culpa exclusiva da vítima, ficará excluída a responsabilidade do

Estado. Entretanto, se a culpa for concorrente, a responsabilidade civil do Estado

deverá ser mitigada, repartindo-se o quantum da indenização (idem).

A responsabilidade civil do Estado não se confunde com as responsabilidades

criminais e com as responsabilidades administrativas dos agentes públicos, por tratar-

se de instâncias independentes. Assim, a absolvição do servidor no juízo criminal não

afastará a responsabilidade civil do Estado, se não ficar comprovada culpa exclusiva

da vítima (idem).

A indenização do dano deve abranger o que a vítima efetivamente perdeu, o

que dependeu, o que deixou de ganhar em consequência direta e imediata do ato

lesivo do poder público, ou seja, deverá ser indenizada nos danos emergentes e nos

lucros cessantes, bem como honorários advocatícios, correção monetária e juros de

mora, se houver atraso no pagamento. Além disso, nos termos do art. 5º, V, da

Constituição Federal13, será a indenização por danos morais (MORAES, 2002, p. 273).

A Constituição Federal, no mesmo artigo 37, prevê ação regressiva contra o

responsável nos casos de dolo ou culpa.

3.2 RESPONSABILIDADE DO AGENTE PÚBLICO

O servidor público é passível de três tipos de responsabilidade: civil, penal e

administrativa.

A responsabilidade civil decorrerá da condenação da Administração Pública a

indenizar terceiros por danos causados pelo servidor, uma vez provado que este tenha

agido com dolo ou culpa, conforme já mencionado acima (artigo 37, §6° da

Constituição Federal).

A responsabilidade penal decorrerá de atuação típica e antijurídica do servidor

relacionada ao exercício de suas atribuições, comprovada através do devido processo

legal no juízo penal.

A responsabilidade administrativa decorrerá da violação do servidor aos

deveres e proibições inseridos nos respectivos estatutos.

Segundo Odete Medauar:

13Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

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(...) se a conduta inadequada afeta a ordem interna dos serviços e vem caracterizada somente como infração ou ilícito administrativo, cogita-se, então, da responsabilidade administrativa, que poderá levar o agente a sofrer sanção administrativa. Essa responsabilidade é apurada no âmbito da Administração, mediante processo administrativo e a possível sanção é aplicada também nessa esfera (MEDAUAR, 2011. p. 319).

A nobre autora ainda ensina que, “se o agente, por ação ou omissão, dolosa

ou culposa, causou danos à Administração, deverá repará-lo, sendo responsabilizado

civilmente. A apuração da responsabilidade civil poderá ter início e término no âmbito

administrativo ou ter início nesse âmbito e ser objeto, depois, de ação perante o

Judiciário”.

Também, “se a conduta inadequada do agente afeta, de modo imediato, a

sociedade e vem caracterizada pelo ordenamento como crime funcional, o servidor

será responsabilizado criminalmente, podendo sofrer sanções penais. A

responsabilidade criminal do servidor é apurada mediante processo penal, nos

respectivos juízos”.

Por fim, alerta que não podemos esquecer que, em razão da indisponibilidade

do interesse público, os ocupantes de cargos ou funções de chefia e direção têm o

dever de tomar as providências para apurar a responsabilidade de servidores, assim

que tiverem ciência de condutas que correspondam a infrações. Destaca-se que o

artigo 320 do Código Penal que visa coibir as condutas que desrespeitem tais deveres.

A indisponibilidade do interesse público também impõe aos servidores públicos

o dever de representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder, praticados por

agente, de qualquer grau hierárquico, conforme os termos do artigo 116, inciso XII da

Lei 8.112/90.14

3.3 RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil é de ordem patrimonial e se encontra prevista

nos artigos 186 e 927 do Código Civil15, os quais consagram a regra segundo a qual

todo aquele que causa dano a outrem é obrigado a repará-lo.

14 Art. 116. São deveres do servidor: XII - representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder. 15 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e

causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

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Se for responsabilizado civilmente, o servidor deverá reparar o dano que, por

ação ou omissão, dolosa ou culposa, tenha causado à Administração.

Quando o dano é causado diretamente ao Estado, a responsabilidade do

servidor é apurada pela própria Administração, por meio de processo administrativo,

no qual são asseguradas todas as garantias de defesa, conforme o art. 5o, inciso LV

da Constituição Federal.16

Para as hipóteses de danos causados diretamente ao Estado, as leis

estatutárias em geral estabelecem procedimentos autoexecutáveis (não dependem de

autorização judicial), pelos quais a Administração desconta dos vencimentos do

servidor a importância necessária ao ressarcimento dos prejuízos, respeitado limite

mensal fixado em lei, visando preservar o caráter alimentar do salário do servidor (STJ

- AgRg no REsp 1108462/SC - Quinta Turma - Rel. Min. Laurita Vaz– Julgamento em

23 jun. 2009 - DJe 03 ago. 2009).

Por outro lado, quando se trata de dano causado a terceiros, aplica-se a

norma do artigo 37, §6o da Constituição Federal, em decorrência da qual o Estado

responde objetivamente, ou seja, independentemente de culpa ou dolo, porém possui

o direito de regresso contra o servidor que provocou o dano, desde que este tenha

agido com culpa ou dolo.

3.3.1 Responsabilidade Civil do Magistrado

Por primeiro, temos que a regra geral é a da não responsabilidade do juiz

tendo em vista a responsabilização objetiva atribuída ao Estado com base no

parágrafo sexto do art. 37 da lei Maior, como decorrência da equalização dos encargos

que o Estado impõe aos membros da comunidade.

Segundo o artigo 143 do Código de Processo Civil17, o juiz responderá, civil e

regressivamente, por perdas e danos quando; no exercício de suas funções, proceder

16Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; 17Art. 143.O juiz responderá, civil e regressivamente, por perdas e danos quando: I - no exercício de

suas funções, proceder com dolo ou fraude; II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte. Parágrafo único. As hipóteses previstas no inciso II somente serão verificadas depois que a parte requerer ao juiz que determine a providência e o requerimento não for apreciado no prazo de 10 (dez) dias.

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com dolo ou fraude ou recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que

deva ordenar de ofício o a requerimento da parte.

Pelas lições de Antonio Jose de Souza Levenhagen confirmamos a

responsabilidade do juiz:

Não será porque ao juiz tenha sido conferida ampla liberdade na condução do processo ou porque se lhe assegure o livre convencimento na interpretação das provas, que se lhe vá reconhecer também impunidade quando tenha agido por desídia, dolo, fraude ou omissão no desempenho de suas funções. Justamente por isso, o Código condiciona aquela liberdade à obrigação de agir de maneira a assegurar andamento rápido ao processo e sem causar prejuízo às partes. Em consequência, nos termos do artigo 143 em estudo, o juiz que proceder com dolo ou fraude e que recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva tomar de ofício, ou a requerimento das partes, responderá por perdas e danos (LEVENHAGEN,1996, p. 148).

Segundo o mesmo autor, o juiz, no exercício de suas funções, tem disponível

um grande poder, e a ele também é determinado vários deveres, no entanto, este

poder deve ser relativamente proporcional a sua devida responsabilidade, caso venha

a infringir os seus deveres e causar danos. Assim, resta evidente que o exercício da

jurisdição gera responsabilidade por danos acarretados aos jurisdicionados.

3.4 RESPONSABILIDADE PENAL

O servidor responde penalmente quando pratica crime ou contravenção. A

responsabilidade penal diz respeito às consequências da prática pelo servidor público

de condutas tipificadas no ordenamento como crimes relacionados ao exercício de

cargo, função ou emprego público, daí o nome de crimes funcionais conforme

Decreto-lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941.

Para fins criminais, o conceito de servidor público está estabelecido pelo artigo

327 do Código Penal18:

18 Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente

ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.

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O Código Penal indica tais condutas nos artigos 312 a 32619, constantes no

Título XI, “Dos crimes contra a Administração Pública”, Capítulo I, “Dos crimes

praticados por funcionário público contra a Administração em geral”; e nos artigos 359-

A20 a 359-H, presentes no Capítulo IV, “Dos crimes contra as finanças públicas”,

acrescentado pela Lei nº 10.028/00.

Ademais, há leis federais que preveem outras condutas de servidores

qualificadas como crime. Por exemplo, a Lei nº 4.898/65 descreve condutas

qualificadas como abuso de autoridade; a Lei nº 8.666/93 menciona condutas de

agentes em matéria de licitação e contratos que são classificadas como infrações

penais.

Conforme previsão legal da Lei n.º 8.112/90, em seus arts. 171, 154, parágrafo

único, a responsabilidade criminal do servidor é apurada pelo Poder Judiciário. A

apuração da responsabilidade criminal se efetua mediante propositura pelo Ministério

Público, de ação penal.

Pelos ensinamentos de Hely Lopes Meirelles, (Direito Administrativo Brasileiro,

2010, p.660), em muitas ocasiões, o conhecimento de fatos ou atos tipificados como

crimes funcionais ou de responsabilidade surgem de sindicância, processo

administrativo ou relatório de Comissão Parlamentar de Inquérito, devendo ser

remetidos ao Ministério Público.

Segundo o autor, a sentença da ação penal, transitada em julgado, poderá

repercutir na esfera de responsabilidade administrativa e civil do servidor, como por

exemplo, nos casos em que houver absolvição na esfera penal por ausência de

materialidade ou negativa de autoria.

19Art. 321 - Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública,

valendo-se da qualidade de funcionário: Pena - detenção, de um a três meses, ou multa. Parágrafo único - Se o interesse é ilegítimo: Pena - detenção, de três meses a um ano, além da multa. Violência arbitrária Art. 326 - Devassar o sigilo de proposta de concorrência pública, ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo: Pena - Detenção, de três meses a um ano, e multa. Funcionário público. 20Art.359-A.Ordenar, autorizar ou promover a realização de operação de crédito, interno ou externo:

I - sem prévia autorização legislativa; II - com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei ou em resolução do Senado Federal; III - quando o montante da dívida consolidada ou da despesa relativa a pessoal ultrapassar os respectivos limites máximos na forma da lei; Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem receber transferência voluntária na hipóteses previstas no inciso III." (NR)

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3.4.1 Responsabilidade Penal do Magistrado

Em matéria penal, os juízes, se fossem enquadrados como servidores

públicos, responderiam pelos crimes elencados no Capítulo I, do Título XI – Dos

Crimes Contra a Administração Pública, respondendo também, no que lhe for

pertinente, pelos crimes relacionados no Capítulo III do mesmo Título supracitado, tais

como: peculato, sonegação, emprego irregular de verbas públicas, prevaricação,

violência arbitrária, entre outros.

Segundo Leo Oliveira Van Holthe, Consultor Legislativo em Norma Técnica

publicada em novembro de 2016 pela Câmara dos Deputados: “A Lei n.º 8.112, de

1990, institui o regime jurídico único (RJU) dos servidores públicos em geral (efetivos

e comissionados), inclusive acerca do seu regime disciplinar, deveres funcionais,

infrações administrativas e respectivas sanções. Ocorre que os membros do Poder

Judiciário não se submetem ao RJU, tendo em vista que a Constituição Federal lhes

garante um regime disciplinar e administrativo próprio, previsto na Lei Orgânica da

Magistratura Nacional (LOMAN – Lei Complementar n.º 35, de 1979)”.

Segundo o autor da referida norma, “em nenhum de seus dispositivos, a

LOMAN dispõe acerca dos crimes a serem imputados aos membros do Poder

Judiciário. Mas a Lei n.º 1.079/50 já contempla, em seus arts. 39, 39-A, 40 e 40-A,

diversos crimes de responsabilidade imputáveis a ministros do STF, dos tribunais

superiores, dos tribunais de contas, dos tribunais regionais federais, do trabalho e

eleitorais, dos tribunais de justiça, dos juízes diretores de foro, do procurador-geral da

República, do advogado-geral da União e de membros do Ministério Público da União

e dos estados, quando no exercício de função de chefia das unidades regionais ou

locais das respectivas instituições.”

Portanto o consultor legislativo conclui que a Lei n.º 1.079, de 1950, não se

limita a prever crimes de responsabilidade de detentores de mandato eletivo do Poder

Executivo, mas abrange crimes de responsabilidade de membros do Poder Judiciário

e do Ministério Público, sendo esta Lei o local para a inserção de novos crimes de

responsabilidade dos membros do Poder Judiciário ou do Ministério Público cuja

competência legislativa é do STF. (VAN HOLTHE, Leo Oliveira, Nota Técnica,

Normatização dos Crimes de responsabilidade dos Membros do Poder, novembro de

2016)

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3.5 RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA

Segundo Odete Medauar:

a responsabilidade administrativa expressa as consequências acarretadas ao servidor pelo descumprimento dos deveres e inobservância das proibições, de caráter funcional, estabelecidas nos estatutos ou em outras leis (2011. p. 323).

A autora supracitada explica que essa responsabilidade é apurada no âmbito

da própria Administração e apenada com sanções de natureza administrativa,

denominadas sanções disciplinares, impostas pela autoridade administrativa. Se a

conduta do servidor enquadrar-se também em tipos penais e causar dano à

administração, gera responsabilização criminal e civil.

A infração administrativa praticada pelo servidor será apurada pela própria

Administração Pública, que deverá instaurar procedimento adequado a esse fim,

assegurando ao servidor o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a

ela inerentes, nos termos do artigo 5o, inciso LV da Constituição Federal21.

Os principais meios de apuração previstos nas leis estatutárias são a

sindicância e o processo administrativo disciplinar conforme previsto na Lei nº 8112/90

em seu artigo 14322.

As infrações administrativas são apenadas com sanções da mesma natureza,

denominadas sanções disciplinares, impostas por autoridade administrativa. Na

esfera federal, o artigo 127 da Lei nº 8.112/90 prevê as seguintes espécies de sanções

disciplinares: advertência; suspensão; demissão; cassação de aposentadoria ou

disponibilidade; destituição de cargo em comissão; destituição de função

comissionada.

Na aplicação das penalidades disciplinares, serão consideradas a natureza e

a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público,

as circunstâncias agravantes e atenuantes e os antecedentes funcionais (artigo 128

da Lei nº 8.112/90).

21Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; 22Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.

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Nos artigos 129 e seguintes da Lei nº 8.112/90, estabelecem-se as hipóteses

de aplicação de cada uma das penalidades disciplinares previstas no artigo 127 do

mesmo diploma legal.23

3.5.1 Responsabilidade Administrativa do Magistrado

Na esfera administrativa, é diferente para os magistrados conforme previsão

da Constituição Federal, artigo 99 e Loman, artigo 2724). Juízes de primeira instância

respondem aos procedimentos disciplinares nos tribunais de segundo grau aos quais

estão vinculados. Os demais, ou seja, desembargadores e ministros dos tribunais

superiores, respondem administrativa nos seus próprios tribunais. Assim, por exemplo,

se um juiz federal de primeiro grau comete uma infração disciplinar, sua falta será

apurada pelo Tribunal Regional Federal ao qual está subordinado. Mas, se um

desembargador cometer uma falta disciplinar, os fatos serão apurados no seu próprio

tribunal.

Conforme artigo do desembargador Vladimir Passos de Freitas, na Revista

Consultor Jurídico de 2006:

Com a Emenda Constitucional 45/04, criou-se no Brasil o Conselho Nacional de Justiça, inserido no capítulo sobre o Poder Judiciário (CF, art. 92, I-A)25. Composto por 15 membros, de origens diversas, tem o CNJ, cumulativamente, poderes administrativos, podendo receber reclamações e denúncias de qualquer interessado e rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de magistrados, julgados há menos de um ano (CF, art. 103-B, § 4º III e V ).26 (DE FREITAS, 2006).

23 Art.127 - São penalidades disciplinares: I - advertência; II - suspensão; III - demissão; IV - cassação

de aposentadoria ou disponibilidade; V - destituição de cargo em comissão; VI - destituição de função comissionada. Art.128 - Na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais. Parágrafo único. O ato de imposição da penalidade mencionará sempre o fundamento legal e a causa da sanção disciplinar. Art.12 - A advertência será aplicada por escrito, nos casos de violação de proibição constante do art. 117, incisos I a VIII e XIX, e de inobservância de dever funcional previsto em lei, regulamentação ou norma interna, que não justifique imposição de penalidade mais grave. 24Art. 27 - O procedimento para a decretação da perda do cargo terá início por determinação do Tribunal, ou do seu órgão especial, a que pertença ou esteja subordinado o magistrado, de ofício ou mediante representação fundamentada do Poder Executivo ou Legislativo, do Ministério Público ou do Conselho Federal ou Secional da Ordem dos Advogados do Brasil. 25 Art. 129 - A advertência será aplicada por escrito, nos casos de violação de proibição constante do

art. 117, incisos I a VIII e XIX, e de inobservância de dever funcional previsto em lei, regulamentação ou norma interna, que não justifique imposição de penalidade mais grave. São órgãos do Poder Judiciário: I - A o Conselho Nacional de Justiça; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). 26Art. 103-B - O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2

(dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 61, de 2009).

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25

No referido artigo, o desembargador contextualiza que até a vigência da

Loman (Lei Complementar 35, de 14/3/79), a previsão de infrações disciplinares

encontrava-se em textos esparsos. Com a entrada em vigor da Lei Orgânica da

Magistratura, criou-se um sistema único para toda a magistratura brasileira. Com a

vigência da lei, seis sanções foram previstas: advertência, censura, remoção

compulsória, disponibilidade com vencimentos proporcionais, aposentadoria com

vencimentos proporcionais e demissão (art. 42).

3.6 RESPONSABILIDADE PESSOAL DO MAGISTRADO

Há responsabilidade pessoal do juiz, podendo gerar o dever de indenizar a

parte prejudicada, quando este, na direção dos processos sob sua responsabilidade,

incidir em alguma das situações previstas no artigo 143 do CPC com dolo ou fraude.

A ação indenizatória poderá ser proposta diretamente contra o juiz ou contra o Estado,

que poderá exercer o direito de regresso. Essa previsão pode ser confirmada no art.

49 da LOMAN por ocasião da ação de regresso, movida pelo Estado contra o

magistrado. (NANNI, 1999, p. 210).

Foi no Novo Código de Processo Civil que passou a resguardar a

responsabilidade pessoal do juiz expressamente no mesmo art. 143, caput, como se

observa: “Responderá por perdas e danos o juiz, quando: I – no exercício de suas

funções, proceder com dolo ou fraude; II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo,

providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte”.

O CPC foi taxativo ao mencionar a responsabilidade do juiz por perdas e

danos, verdadeira responsabilidade pessoal do juiz no exercício de suas funções. A

LOMAN, Lei Complementar posterior ao CPC/73, do mesmo modo, transcreveu a letra

do art. 143 do NCPC, equivalente ao art. 133 do CPC/73, no seu art. 49 com apenas

§ 4º - Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

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algumas modificações de nomenclatura diversa daquela dada pelo CPC. – (Art. 49 da

Lei Orgânica da Magistratura Nacional - Lc 35/79)27.

O art. 143 do CPC traz duas hipóteses que levam o juiz a ser civilmente

responsável. Ambas dizem respeito ao dolo e à culpa do magistrado. O inciso II aborda

as condutas negativas do magistrado que diretamente causam danos às partes pela

morosidade do processo. Este motivo, é que se adota a responsabilidade subjetiva do

juiz, sendo requisito necessário da sua responsabilização, a culpa, que compreende

tanto o dolo quanto a culpa por ação ou omissão, lesiva a determinada pessoa (BIGAL,

2006).

Os diversos deveres essenciais do magistrado devem ser obrigatoriamente

exercidos. A ruptura destes deveres essenciais por parte do juiz, quando incidir nos

fatores dos incisos do art. 143, conduz o dever de reparação dos danos por ele próprio.

27 Art. 49 - Responderá por perdas e danos o magistrado, quando: I - no exercício de suas funções,

proceder com dolo ou fraude; Il - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar o ofício, ou a requerimento das partes. Parágrafo único - Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no inciso II somente depois que a parte, por intermédio do Escrivão, requerer ao magistrado que determine a providência, e este não lhe atender o pedido dentro de dez dias.

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4 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E OS AGENTES POLÍTICOS

A Lei nº 8429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) foi criada em virtude de

amplo apelo popular contra certas mazelas que assolam o serviço público, tendo em

vista a ineficácia do diploma então vigente (Decreto Lei Federal nº 3240/41), com a

função de punição de agentes públicos improbos. Decorreu, daquele diploma legal,

da necessidade de acabar com os atos atentatórios à moralidade administrativa e

causadores de prejuízo ao erário público ou ensejadores de enriquecimento ilícito.

Com o advento da Lei nº 8.429/92, os agentes públicos passaram a ser

responsabilizados na esfera civil pelos atos de improbidade administrativa descritos

nos arts. 9, 10 e 11 daquele diploma, ficando sujeitos, conforme às penas do art. 12

daquela lei.

Sabemos da existência de esferas distintas de responsabilidade (civil, penal

e administrativa) impedindo de falar-se em bis in idem, já que, não se trata de punições

idênticas, embora baseadas no mesmo fato, mas de responsabilização em esferas

distintas do Direito. (NETO, 2007)

Porém, em contramão ao amplo entendimento da doutrina e da jurisprudência,

o Colendo Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 456649/MG, Rel.: Min. Luiz Fux),

proferiu decisão no sentido de que os agentes políticos não estão sujeitos ao regime

previsto na Lei nº8.429/92, em virtude da natureza especial do cargo por eles

ocupados (ver ANEXO 1).

Citamos a Ementa da decisão:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EX-PREFEITO. CONDUTA OMISSIVA. CARACTERIZAÇÃO DE INFRAÇÃO POLÍTICO ADMINISTRATIVA. DECRETO-LEI N.º 201/67. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI N.º 8.429/92. COEXISTÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. VOTO DIVERGENTE DO RELATOR. […] 2. Os ilícitos previstos na Lei n.º 8.429/92 encerram delitos deresponsabilidade quando perpetrados por agentes políticos diferenciando-se daqueles praticados por servidores em geral. 3. Determinadas autoridades públicas não são assemelhados aos servidores em geral, por força do cargo por elas exercido, e, consequentemente, não se inserem na redução conceitual do art. 2º da Lei n.º 8.429/92 ("Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior"), posto encartados na lei que prevê os crimes de responsabilidade. 4. O agente político exerce parcela de soberania do Estado e pour cause atuam com a independência inextensível aos servidores em geral, que estão

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sujeitos às limitações hierárquicas e ao regime comum de responsabilidade. 5. A responsabilidade do agente político obedece a padrões diversos e é perquirida por outros meios. A imputação de improbidade a esses agentes implica em categorizar a conduta como "crime de responsabilidade", de natureza especial.

Nesse quesito, bem reflete o pensamento de João Abílio de Carvalho Rosa:

Parece razoável pensar que o princípio da independência é uma garantia política dada ao Judiciário para o benefício da sociedade, e não para o benefício dos seus membros ou dos grupos que esses representem (ROSA, 1997, p. 275).

4.1 A MOTIVAÇÃO, A FUNDAMENTAÇÃO E A PUBLICIDADE DAS DECISÕES

JUDICIAIS

Dentre os atos dos magistrados podemos mencionar a Motivação e a

Fundamentação das sentenças, exigências do dispositivo constitucional (art. 93 –

inciso IX e X)28 onde cabe ao magistrado mostrar às partes envolvidas, a oportunidade

de entender os motivos daquela decisão.

Entre fundamentação e motivação, Ruy Rosado de Aguiar estabelece a

seguinte distinção:

a) Motivação: “indicação do fato precedente, que serve de motivo à decisão”; b) Fundamentação: “deverá conter a exposição das razões pelas quais assim foi definido o fato, escolhidas e interpretadas as normas para o encontro daquela determinada decisão” (AGUIAR JUNIOR, 2015, p. 94).

Acrescenta Nagib Slaibi Filho que:

(...) a decisão judicial há de ser densa e suficientemente motivada, isto é,

deve transcender dos autos e encontrar na vida real a sua causa, buscando a eficácia da transformação da realidade (SLAIBI, 1996 p. 498).

28Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da

Magistratura, observados os seguintes princípios: IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) X as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros;

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Outra forma de manifestação da responsabilidade expressada pelos juízes (e

pelo Judiciário) encontramos na publicidade dos atos jurisdicionais (artigo 93, inciso

IX, 1a Parte, CF/88).29

A publicação dos atos propicia a expansão do controle difuso no que concerne

a decisões judiciais, retratando a visibilidade do poder. As demandas cujo teor versam

sobre matéria atinente a direitos públicos, provocam o interesse da mídia no sentido

de divulgá-los, possibilitando o acompanhamento do processo e o conhecimento do

conteúdo decisório, dando ensejo à população de acompanhar a tramitação dos feitos

(BRITO, 2016).

29Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da

Magistratura, observados os seguintes princípios: IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes; IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação

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5 ANÁLISES E CRÍTICAS DE CASOS CONCRETOS

Os magistrados devem atenção aos princípios constitucionais pertinentes à

Administração Pública, tais como o da moralidade e o da eficiência, na conformidade

do que explicita o ‘caput’ do artigo 37 da Carta Política brasileira. Os padrões morais,

como o decoro e o resguardo ético devem ser incorporados às normas jurídicas e

precisam transportar-se para a atuação da função jurisdicional conforme artigo 39 da

Lei 1.079/50 que merece destaque.

Art. 39. São crimes de responsabilidade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal: 1- altera, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal; 2 - proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa; 3 - exercer atividade político-partidária; 4 - ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo; 5 - proceder de modo incompatível com a honra dignidade e decôro de suas funções.

Como já foi dito em outro capítulo desse trabalho, a Lei 1.079/50 trata sobre

os crimes de responsabilidade de membros do Poder Judiciário. Porém o foco desse

trabalho é sobre a figura no juiz atuando na sua função de julgador. Algumas decisões

que serão analisadas, não mostram juízes que agiram contra a Lei mas sim,

extrapolam sua função.

Infelizmente, em alguns casos e em detrimento aos jurisdicionados, há

inconfiabilidade ética no comprometimento dos juízes com a democratização da

sociedade, rebaixando a segundo plano os interesses da população, elevando-se os

interesses pessoais dos juízes.

5.1 JUÍZA DE COMARCA DO ESTADO DO PARANÁ ACUSADA DE SUSPEIÇÃO E

IMPEDIMENTO POIS JULGOU AÇÕES DE SERVENTUÁRIOS E DE SUA PRÓPRIA

ASSESSORA

Em julgamento das Turmas Recursais Reunidas de Curitiba deram provimento

à exceção de suspeição movida em face da Magistrada Branca Bernardi em caso em

que figurava como autora sua assessora Liz Rejane Souza Tazoniero. (ANEXO 2).

Segue ementa:

EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. MAGISTRADA QUE JULGA PROCESSO EM QUE A PARTE AUTORA É SUA ASSESSORA. COMARCA DE JUÍZO ÚNICO.

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CARGO EM COMISSÃO, DE LIVRE ESCOLHA, CONTRATAÇÃO E EXONERAÇÃO. ARTIGO 135, INCISO I E III DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. DECLARAÇÃO DE SUSPEIÇÃO DA JUÍZA. DECRETAÇÃO DE NULIDADE DO PRIMEIRO ATO PRATICADO PELA JULGADORA E DE TODOS OS ATOS SUBSEQUENTES. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO ACOLHIDA E JULGADA PROCEDENTE. (TR/PR - Exceção de Suspeição nº 0003762-56.2014.8.16.0052 – Rel.: Marcelo de Resende Castanho).

Nessa ocasião foi aplicado o CPC/1973, vigente na época dos fatos, ou seja,

o ano de 2014. Contudo, atualmente, a hipótese do Magistrado ser empregador de

uma das partes é causa de impedimento e não mais de suspeição, nos termos do

artigo 144, VI do CPC/2015.30

Analisando os fatos, começando sobre os cargos em comissão, nos termos

do inciso II do art. 37 da Constituição31. São declarados em lei como de livre nomeação

e exoneração. Significa isso que, em regra, qualquer pessoa, mesmo que não seja

servidor público efetivo em nenhum Poder ou esfera da Federação, pode ser nomeada

para exercer um cargo em comissão. A mesma autoridade competente para nomear

é competente para, a seu critério, exonerar o servidor ocupante do cargo

comissionado (ALEXANDRINO, 2014, p. 301).

Portanto, ainda que quem remunerou a assessora fosse o Estado, e a rigor a

relação de trabalho foi firmada com o Estado, é certo que quem a colocou no exercício

da função jurisdicional foi a própria Magistrada por se tratar de cargo em comissão,

sem qualquer estabilidade, pois seu provimento é sempre feito à título precário.

E mais, entre a Magistrada e sua assessora existia um vínculo de

subordinação, típica da relação de trabalho, sendo certo que para os jurisdicionados

a assessoria implica em auxílio no encaminhamento e redação de decisões judiciais.

Em nome da assessora foram encontradas outras doze ações judiciais

consumeristas já sentenciadas pela mesma Magistrada. As 13 (treze) ações já foram

sentenciadas como procedentes em 100% (cem por cento) dos casos. A soma dos

valores de condenação nessas 13 (treze) sentenças beneficiam a autora com o valor

total de R$ 167.000,00 (cento e sessenta e sete mil reais) (ANEXOS 3 e 4).

30Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo: VI - quando

for herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de qualquer das partes; 31Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

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O cargo de assessor é de escolha pelo juiz para pré-analisar suas decisões,

elaborando as minutas das decisões, seguindo o seu entendimento, o que pode levar

à absurda situação da assessora atuar em seu próprio feito.

Além do mais, o inciso III do artigo 135 do Código de Processo Civil de 1973,

que no Código vigente possui correspondência no inciso IV do artigo 144, dispõe que

haverá suspeição do Juiz quando ele for “empregador de alguma das partes”.

Neste sentido, muito embora o empregador da assessora fosse o

Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, a pessoa que fez a contratação e

que encaminhou o ofício para nomeação ao cargo de assistente de Juiz de Direito foi

a magistrada.

Podemos analisar que a referida juíza acompanhada de sua assessora, sem

observar as normas morais e em benefício próprio, lesionaram diversas empresas e

sistemas financeiros, aproveitando-se de seus cargos e acessos aos autos e ainda

denegrindo a imagem da Justiça do Estado.

Na liminar do processo de exceção de suspeição foi determinado a

indisponibilidade de bens dos envolvidos para garantir a posterior recomposição do

erário e adimplemento da multa civil conforme dispõe o artigo 49, inciso I da Lei

Orgânica da Magistratura.

Chega-se à conclusão que o deferimento parcial da liminar dos autos de

suspeição julgou a responsabilidade civil e pessoal da magistrada por perdas e danos

por beneficiar sua própria assessora como previsto no art. 39 da Lei 1.079/50.

5.2 JUIZ FEDERAL DO DISTRITO FEDERAL LIBERA TRATAMENTO PARA “CURA

GAY” E DIZ QUE É DOENÇA.

Ação popular32 questionava resolução do Conselho Federal de Psicologia que

proibia tratamentos de reorientação sexual. Desde 1990, Organização Mundial da

Saúde (OMS) deixou de considerar homossexualidade doença; porém homofobia não

é considerada crime inexistindo essa conduta, infelizmente, como tipo penal.

A Justiça Federal do Distrito Federal autorizou psicólogos a tratarem gays e

lésbicas como doentes, podendo fazer terapias de “reversão sexual”, sem sofrerem

qualquer tipo de censura por parte dos conselhos de classe. A decisão, do juiz da 14a

Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, é liminar e acata parcialmente o pedido

32 Ação 1011189-79.2017.4.01.3400-1 da 14a Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal

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de uma ação popular. Esse tipo de tratamento é proibido desde 1999 por uma

resolução do Conselho Federal de Psicologia (ANEXO 5).

A ação popular foi impetrada por um grupo de psicólogos defensores das

terapias de reversão sexual. Nela o juiz mantém a integralidade da resolução, mas

determina que o conselho não proíba os profissionais de fazerem atendimento de

reorientação sexual. Além disso, diz que os atendimentos têm caráter reservado.

Na resolução 01/1999, o conselho estabelece as normas de condutas dos

psicólogos no tratamento de questões envolvendo orientação sexual. De acordo com

a organização, ela trouxe impactos positivos no enfrentamento a preconceitos e

proteção de direitos da população homossexual no país, “que apresenta altos índices

de violência e mortes por LGBTfobia”. (Morais, 2017) (ANEXO 6).

A Constituição Federal não cita a homofobia diretamente como um crime. Ela

define, porém, como “objetivo fundamental da República” o de “promover o bem de

todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, ou quaisquer outras formas

de discriminação”. A homofobia costuma ser enquadrada como crime de ódio, passível

de punição.

O mesmo juiz, julgando outra ação sobre uma multa aplicada a uma idosa que

mantinha uma ave sem autorização do IBAMA usou de poesia para fundamentar sua

decisão de anular a multa imposta e mostrar sua insatisfação: “Quanto recurso

despendido: /salário, tempo, papel e atos demandados, /para movimentar o Judiciário/

com mais essa demanda desnecessária”, diz um trecho da sentença. Perdeu a chance

de usar o mesmo entendimento de “demanda desnecessária” na Ação Popular dos

psicólogos.

O magistrado/poeta deixa claro em seu texto que, ao analisar o caso, adotou

como premissa o posicionamento da Organização Mundial da Saúde de que “a

homossexualidade constitui uma variação natural da sexualidade humana, não

podendo ser, portanto, considerada como condição patológica” contraditoriamente

após, determina que o órgão altere a interpretação de suas normas de forma a não

impedir os profissionais “de promoverem estudos ou atendimento profissional, de

forma reservada, pertinente a (re)orientação sexual, garantindo-lhes, assim, a plena

liberdade científica acerca da matéria, sem qualquer censura ou necessidade de

licença prévia”.

Interpretando a decisão, chega-se ao questionamento sobre qual foi a ordem

judicial determinada ao final pelo magistrado: “determinar ao Conselho Federal de

Psicologia que não a interprete [a Resolução nº 01/1999] de modo a impedir os

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psicólogos de promoverem estudos ou atendimento profissional, de forma reservada,

pertinente à (re)orientação sexual, garantindo-lhes, assim, a plena liberdade científica

acerca da matéria”.

Não sabemos se falta discernimento para perceber as consequências da

decisão, ou pior, se o magistrado tem plena noção do que está fazendo e

simplesmente quer limitar os direitos e rebaixar a dignidade da pessoa humana

(HACHEM, 2017).

Na ação proposta, o fundamento jurídico levantado pelos autores para

questionar a validade da Resolução nº 01/1999 foi o seu direito fundamental à

liberdade de atividade científica, assegurado no art. 5º, IX da Constituição.

A ação proposta foi uma ação popular. Esse tipo de ação encontra previsão

no art. 5º, LXXIII da Constituição da República, que assim estabelece: “qualquer

cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao

patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade

administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (…)”. Os bens

jurídicos que podem ser protegidos por essa ação são apenas estes quatro: (i)

patrimônio público; (ii) moralidade administrativa; (iii) meio-ambiente; (iv) patrimônio

histórico e cultural. Note-se que o dispositivo constitucional em análise não fala em

momento algum em “patrimônio científico”.

Logo, essa discussão não faz sentido e a liberdade científica não poderia ser

invocada como fundamento para a decisão proferida, pois o que a Resolução trata é

da liberdade de exercício profissional.

Essa decisão não está de forma alguma dando amparo a homossexuais que

querem, livremente, tornar-se heterossexuais. Esse argumento só mostra o disfarce

na homofobia que está por trás dessa decisão. Não temos como “reorientar” o que

não está “desorientado”. Diferentemente do que se afirma, os homossexuais não têm

essa liberdade de optar por qual tipo de desejo, de atração sexual e amorosa eles

sentirão. Não se trata de opção. Assim como um heterossexual não optou pelo seu

desejo.

Concluímos que a referida decisão concede uma liberdade a homofobia,

protegida por uma “liberdade científica”, marcada por clara insensibilidade em pregar

o ódio e a discriminação. Em tempos presenciamos em todos os meios de

comunicação, mesmo políticos e judiciais, como justificativa de barrar ideais de

diversidade e agora legislam com a desculpa de estarem aderentes as máximas da

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Constituição e a caminho de grandes retrocessos. O temor é de que, futuramente,

podem legislar para justificar que tal conduta possa ser tipificada como crime.

Seria responsabilizado o juiz por sua decisão ser desidiosa no cumprimento

dos deveres do cargo, por crime de ódio e homofobia, porém, e infelizmente, a Justiça

não tem como punir ações dessa natureza discriminatória, pois ninguém pode ser

condenado sem lei anterior que defina a conduta como crime, que tipifique a ação

como infração criminal.33

5.3 PADRE É CONDENADO A PAGAR DANOS MORAIS POR IMPEDIR ABORTO

LEGAL

Um padre de Anápolis (GO) foi condenado a pagar R$ 60 mil de indenização

a um casal por impedir, por meio de um Habeas Corpus, um aborto que havia sido

autorizado pela Justiça. A decisão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça de

Goiás, que considerou que o padre abusou do direito de ação e violou direitos da

gestante e de seu marido, provocando-lhes sofrimento inútil.

O caso aconteceu em 2005. O casal, ao saber que o feto diagnosticado com

síndrome de Body Stalk34 - denominação dada a um conjunto de malformações que

inviabilizam a vida fora do útero - não sobreviveria ao parto, conseguiu autorização

judicial para interromper a gravidez.

Durante a internação hospitalar, a grávida, já tomando medicação para induzir

o parto, foi surpreendida com a decisão do Tribunal de Justiça de Goiás, que atendeu

ao pedido do padre e determinou a interrupção do procedimento. No Habeas Corpus

em favor do feto, o padre Luiz Carlos Lodi da Cruz afirmou que os pais praticariam um

homicídio. O desembargador Aluísio Ataídes de Sousa, em decisão, suspendeu a

liminar que autorizou o aborto do feto na gestante de 19 anos. (Tribunal de Justiça de

Goiás. Apelação Cível (Agravo Interno) nº 443199-47.2008.8.09.0051,

(200894431994), Quarta Câmara Cível, Relator: Kisleu Dias Maciel Filho, julgado em

12.09.2013)

33Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; 34A anomalia conhecida como body stalk é uma malformação fetal grave decorrente da falha da

formação das dobras cefálica, caudal e laterais do corpo embrionário, ocorrendo em média em um a cada quinze mil gestações. O feto, por não possuir cordão umbilical, tem seu abdômen aberto – sem parede – colado na placenta da mãe (DW, Bianchi, TM, Crombleholme, ME, D'Alton. Body-Stalk Anomaly: In Fetology. New York, McGraw Hill 2000. p. 453).

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A grávida, com dilatação já iniciada, voltou para casa. Nos oitos dias que se

seguiram, assistida só pelo marido, ela agonizou até a hora do parto, quando retornou

ao hospital. O feto morreu logo após o nascimento. Diante dessa situação, o casal

ajuizou uma ação por danos morais contra o padre, que preside a Associação Pró-

Vida de Anápolis. Não obtendo sucesso na Justiça de Goiás, recorreu ao STJ.

Em seu voto no REsp 1.467.888-GO, julgado em 20/10/2016, DJe 25/10/2016,

a ministra Nancy Andrighi classificou de “aterrorizante” a sequência de eventos

sofridos pelo casal: (ANEXO 8).

Esse exaustivo trabalho de parto, com todas as dores que lhe são inerentes, dão o tom, em cores fortíssimas, do intenso dano moral suportado, tanto pela recorrente como pelo marido (ANDRIGHI, 2016).

A relatora afirmou que o caso deve ser considerado à luz do entendimento do

Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

54, julgada em abril de 2012, quando se afastou a possibilidade de criminalização da

interrupção de gestação de anencéfalos.

Embora o julgamento da ADPF tenha sido posterior ao caso, a ministra

assinalou que a orientação manifestada pelo STF não tem limites temporais, e já em

2005 era a mais cabível as normas constitucionais, inclusive pela reafirmação do

caráter laico do Estado brasileiro e pelo reconhecimento da primazia da dignidade da

gestante em relação aos direitos de feto sem viabilidade de vida extrauterina.

A relatora avaliou que o padre agiu “temerariamente” quando pediu a

suspensão do procedimento médico de interrupção da gravidez, que já estava em

curso, e impôs aos pais, “notadamente à mãe”, sofrimento inócuo, “pois, como se viu,

os prognósticos de inviabilidade de vida extrauterina se confirmaram”.

De acordo com a ministra, o padre “buscou a tutela estatal para defender suas

particulares ideias sobre a interrupção da gestação” e, com sua atitude, “agrediu os

direitos inatos da mãe e do pai”, que contavam com a garantia legal de interromper a

gestação.

Nancy ainda mencionou a ideia de que a responsabilidade não seria do padre,

que apenas requereu o Habeas Corpus, mas, sim, do Estado, pois foi a Justiça que

efetivamente proibiu a interrupção da gestação.

Segundo ela, “a busca do Poder Judiciário por uma tutela de urgência traz,

para aquele que a maneja, o ônus da responsabilidade pelos danos que porventura a

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concessão do pleito venha a produzir, mormente quando ocorre hipótese de abuso de

direito”.

A turma condenou o padre ao pagamento de R$ 60 mil como compensação

por danos morais, valor a ser acrescido de correção monetária e juros de mora a partir

do dia em que a recorrente deixou o hospital.

O que chama atenção é o fato de que apenas o padre tenha sido

responsabilizado, e não o Poder Judiciário na figura do juiz que suspendeu o aborto.

Qualquer cidadão pode entrar com HC na Justiça, e quem decide é o Judiciário. Não

está esclarecida qual a responsabilidade da Justiça. Na época, em 2005, ainda não

estava clara a questão do aborto em casos de anencefalia. O Supremo Tribunal

Federal só veio a decidir sete anos depois, quando despenalizou a interrupção nesses

casos por 8 x 2 votos, ou seja, até na Corte máxima a matéria foi controvertida.

Será que tal fato teria ocorrido se o aborto não fosse considerado crime? O

que precisamos analisar é o impacto desproporcional sobre o aborto para as mulheres

pobres, as quais, ao contrário daquelas de melhor condição financeira, precisam

recorrer a clínicas clandestinas sem qualquer infraestrutura médica ou a

procedimentos precários e primitivos, que lhes oferecem elevados riscos de lesões,

mutilações e óbito. Para quem é a favor da descriminalização, muitas vezes são

contestados, via de regra, por indivíduos e grupos cristãos cujo mote é a sacralidade

e a consequente proteção da vida, inclusive a intrauterina.

As discussões sobre o aborto costumavam girar em torno de quando começa

a vida. Alguns colocam seu termo inicial a partir da concepção; outros, a partir da

formação do sistema nervoso central, quando começam os fenômenos da dor, do

sentir e de alguma consciência, mas em ambos casos, acabam por atingir à autonomia

feminina sobre seu corpo, porém, na gravidez, não se trata apenas do corpo da mulher.

O Código Civil, em seu art.2º, diz que “a personalidade civil da pessoa começa

do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do

nascituro”, ou seja, “aquele que há de nascer”. Isso significa que, no Brasil, a vida

intrauterina, o feto, é sujeito de direitos, e com discursos propagados por grupos

religiosos e seus simpatizantes, a “proteção à vida” pois consta no Código Civil, como

mencionado, e também no caput do artigo 5º da nossa Constituição. Cabe ao

Legislativo e ao Judiciário mediar com razoabilidade os sujeitos de direitos que se

chocam no caso de uma gravidez indesejada: o nascituro, a mulher e também o

homem. Não cabe a nenhum dos Poderes, representados por suas autoridades, julgar

com base em seus credos e verdades íntimas.

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Como na questão do aborto existe um conflito entre sujeitos de direitos e que

portanto a razoabilidade deve ser buscada mas como o nascituro não pode proteger

a si mesmo, cabe ao Estado fazê-lo. O problema é como promover essa proteção com

racionalidade, incluindo o direito do corpo da mulher, do nascituro e também

garantindo os direitos da paternidade, quase nunca mencionado como se o homem

não tivesse participação no ser gestado, salvo os casos de abusos

É compreensível quase nunca se mencionar o direito do homem à paternidade

em nossa sociedade machista. A maior parte dos homens coloca toda a

responsabilidade pela contracepção para as mulheres e quando elas engravidam de

maneira indesejada, seus parceiros desaparecem. Muitas mulheres talvez não

abortassem se não fossem abandonadas pelos companheiros. Não que isso seja a

solução. Mas muitas mulheres abortam porque não tem apoio do pai da criança e

muitas vezes da própria família.

Em decisão similar, o ministro Barroso, falou sobre “igualdade de gênero”,

conforme abaixo:

Na medida em que é a mulher que suporta o ônus integral da gravidez, e que o homem não engravida, somente haverá igualdade plena se a ela for reconhecido o direito de decidir acerca da sua manutenção ou não (Habeas Corpus n°. 124.306).

Ocorre que, tendo em vista as tensões apontadas, a gravidez não produz uma

relação horizontal homem-mulher, mas uma relação triangular mulher-nascituro-

homem, e uma das pontas, o nascituro como sujeito de direitos, acabou de fora dos

cálculos do ministro. Uma medida de igualdade de gênero que levasse em conta todos

os sujeitos envolvidos promoveria a proteção do mais fraco (nascituro) e a justiça por

responsabilizar o homem, como parte do processo de reprodução, na mesma ou em

maior medida que a mulher nas implicações do aborto.

Agora pensamos se as implicações assumiriam uma responsabilização penal

ou pessoal do Magistrado. Nesse respeito, sob qualquer ponto de vista, o aborto é

um mal, seja porque traumático para a mulher, seja porque põe termo a uma vida

humana em desenvolvimento. Uma coisa que devemos lembrar é como as pessoas

agem e conduzem suas vidas e a outra é o que elas consideram moralmente correto

sobre o tema. A sociedade é hipócrita e individualista. Não conseguimos nos colocar

na condição do outro. Quem nunca ouviu uma história de que até padres quando se

veem em uma situação em que suas parceiras engravidam optam pelo aborto para

manter a sua integridade religiosa. Os juízes são como todas as pessoas. Têm suas

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vivências e cargas de preconceitos. Devem ser imparciais como dita a regra de sua

profissão porém são humanos e falhos.

Aborto, segundo o Código Penal, é crime doloso (intencional) contra a vida. A

Constituição Federal diz que os crimes dolosos contra a vida (homicídio, infanticídio,

aborto, instigação a suicídio) serão obrigatoriamente julgados pelo júri popular.

Então, sete pessoas da sociedade, os jurados, vão decidir se uma acusada

de aborto levada a julgamento será condenada ou absolvida. O veredicto se dará pela

maioria de votos, com os jurados depositando, em uma urna, cédulas com a palavra

"sim", para condenação, ou "não", para absolvição. A votação é secreta, cada jurado

não pode revelar seu voto e nem se comunicar com os demais jurados. Sendo a

votação secreta, os jurados votam conforme sua consciência e convicção, baseados

nas provas expostas pela acusação e defesa. Nesse caso o juiz apenas calcularia a

pena a ser aplicada a condenada.

Mas no caso em tela, que suspendeu a decisão judicial que permitiu o aborto

foi o desembargador Aluísio Ataídes de Sousa. Não responderia por perdas e danos,

como foi a condenação do padre, por não observar o art. 133 do CPC/73, equivalente

ao art. 143 do CPC de 2015 e art. 35 da LOMAN? Na época ainda não tínhamos o

julgamento da ADPF 54 que considerou que aborto em caso de anencefalia não é

crime. Como mencionado pela ministra Nancy, a responsabilidade não seria do padre,

que apenas requereu o Habeas Corpus, mas, sim, da Justiça que efetivamente proibiu

a interrupção da gestação.

Não temos a possibilidade de colisão de direitos fundamentais da gestante e

do feto por inexistência técnica de “vida” a ser resguardada. Tem-se somente os

direitos da mãe e do pai a serem preservados.

O problema foi diagnosticado com exames distintos de ultrassonografia e

ecografia quando a autora estava gestante. Tais exames constavam como provas no

pedido do processo original que permitiu a autora que procedesse o aborto. Não foram

analisados no pedido do Habeas Corpus?

É impossível avaliar a dor que a autora sentiu com a notícia da anencefalia do

seu bebê. Não há dúvidas de que o feto sucumbiria após o nascimento enquanto a

mãe passaria por inúmeras dificuldades, durante a gravidez.

Acerca das características da anencefalia, reproduzo inicialmente, a

manifestação de José Aristodemo Pinotti, Deputado Federal e Professor Titular de

Ginecologia da USP:

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A anencefalia é resultado da falha de fechamento do tubo neural, decorrente da interação entre fatores genéticos e ambientais, durante o primeiro mês de embriogênese. As evidências têm demonstrado que a diminuição do ácido fólico materno está associada com o aumento da incidência, daí sua maior frequência nos níveis socioeconômicos menos favorecidos. O Brasil é um país com incidência alta, cerca de 18 casos para cada 10 mil nascidos vivos, a maioria deles são do sexo feminino (PINOTTI, 2015).

O reconhecimento de concepto com anencefalia é imediato. Não há ossos

frontal, parietal e occipital. A face é delimitada pela borda superior das órbitas que

contém globos oculares salientes. O cérebro remanescente encontra-se exposto e o

tronco cerebral é deformado. Hoje, com os equipamentos modernos de ultrassom, o

diagnóstico pré-natal dos casos de anencefalia tornou-se simples e pode ser realizado

a partir de 12 semanas de gestação. A possibilidade de erro, repetindo-se o exame

com dois ecografistas experientes, é praticamente nula. Não é necessária a realização

de exames invasivos, apesar dos níveis de alfa-fetoproteína aumentados no líquido

amniótico obtido por amniocentese.

A maioria dos anencéfalos sobrevivem no máximo 48 horas após o

nascimento. Quando a etiologia for brida amniótica podem sobreviver um pouco mais,

mas sempre é questão de dias. As gestações de anencéfalos causam, com maior

frequência, patologias maternas como hipertensão e hidrâmnio (excesso de líquido

amniótico), levando as mães a percorrerem uma gravidez com risco elevado.

(FEBRASGO. Disponível em http://www.febrasgo.org.br/anencefalia2.htm. Acessado

em 11 mai. 05).

Poderia o referido desembargador pensar que na colisão de direitos

fundamentais – direito a uma existência digna, a própria vida da Mãe versus o direito

à vida de um feto condenado a maiores sofrimentos, a quem poderia ter o direito mais

resguardado?

Uma pessoa leiga pode considerar um coração batendo como sinônimo de

vida. Mas esta não é uma definição suficiente para a Medicina tampouco para o Direito

brasileiro. Uma pessoa sem atividade cerebral está morta, tanto que é possível,

mesmo com o coração batendo e o sangue fluindo, a retirada de órgãos para

transplantes. Um feto anencefálico não tem córtex cerebral, portanto, é um feto sem

atividade cerebral.

Não absolveria nem ao padre nem ao magistrado que concedeu o HC, que

mesmo não tendo jurisprudência sobre o assunto na época, foi inerte ao sofrimento

de dezenas de mulheres grávidas de fetos com anencefalia, que experimentam uma

das dores mais dilacerantes que é a morte precoce do futuro filho, mas principalmente

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pela crueldade com que são tratadas por um Estado que não reconhece sua

autonomia, sua dignidade e seu sofrimento.

Nem diria não haver jurisprudência pois em pesquisas encontrei decisões

anteriores pelos Tribunais onde admitiam a interrupção da gravidez, em casos

assemelhados, a qual transcrevo uma:

O colendo Tribunal de Alçada de Minas Gerais, em lapidar aresto, admitiu a postulação da interrupção da gravidez, no caso de constatação de má formação do feto, ante o diagnóstico de acrania fetal, com previsão de óbito intra-uterino ou no período neonatal, apesar de não se achar entre as causas autorizadoras do aborto, dispostas no artigo 128, do CP, pois a lei deve se adaptar ao avanço tecnológico da medicina, que antecipa a situação do feto (Apelação nº 0264255-3, 3ª Câmara Cível, relatada pelo Dr. Duarte de Paula). Assim já me pronunciei perante este órgão fracionário, quando do julgamento da apelação nº 70.005.148.135, em sessão de 07 de novembro de 2002. Pela vida da Mãe, pois.com um pouco de ciência e muito de coração, pela vida da Mãe. ISSO POSTO, DEFIRO A MEDIDA PLEITEADA ‘IN LIMINE LITIS’, AUTORIZANDO A REALIZAÇÃO DA INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ DA DEMANDANTE (Agr nº 70.002.099.836 – Rel.: Des. Carlos Cini Marchionatti, - Câmara Criminal de Férias – Julgamento em 09 mar. 2001; Apl nº 70.005.037.072, Rel.: Des. José Antônio Hirt Preiss, julgamento em 12 set. 2002 - 3ª Câmara Criminal; MS n°. 70005577424 – juiz Rafael Pagnon Cunha, Comarca de Tupanciretã, Rio Grande do Sul).

Na época tais casos não se enquadravam nas hipóteses do artigo 128, do CP.

Todavia, o parecer médico apontou que o risco da gestante era grande, levando em

consideração a gravidez, com o risco de sua vida, além de que nula a possibilidade

do bebê sobreviver.

As ações visavam proteger mulheres desprovidas de recursos financeiros,

mulheres pobres, que necessitam ir a juízo, pleiteando alvará autorizador, porque vão

utilizar-se dos serviços públicos de saúde. Aquelas que têm condições financeiras

sabem qual clínica ou qual médico devem procurar, para a prática interruptiva da

gravidez. Não sejamos uma sociedade hipócrita, nem sejamos ingênuos.

O Direito não é, nem pode, ser estático, ignorando os avanços da ciência. Os

fatos eram conhecidos e foram desconsiderados pelo desembargador quando

concedeu o HC ao padre.

Como já sabemos, a jovem mãe entrou, com um pedido de indenização por

danos morais apenas contra o padre. No entanto, 4ª Câmara Cível do TJGO, julgou

improcedente a ação de indenização. A decisão foi unânime, e segundo o

desembargador Kisleu Dias Maciel Filho “a propositura de habeas corpus por padre

visando a suspensão de procedimento de antecipação de parto não configura abuso

do direito de ação” (ANEXOS 7 e 9).

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O relator mencionou que, “se de um lado, os apelantes sofreram dias de dores

e angústia ao terem que aguardar o parto natural do feto; por outro lado, há o interesse

do apelado, como cidadão, de utilizar-se dos meios legais ao seu alcance para ver

tutelado o direito à vida”. A Constituição Federal garante aos cidadãos a utilização dos

chamados "remédios constitucionais", para a proteção dos direitos fundamentais,

sejam eles individuais, coletivos, ou de terceiros:

A ementa recebeu a seguinte redação: Ementa: Agravo interno. Apelação Cível. Ação de indenização por danos morais. Ação de habeas corpus. Direito Constitucional de ação. Não configuração de Abuso do direito de ação. Ausência de ato Ilícito. 1. A propositura de habeas corpus por padre visando a suspensão de procedimento de antecipação de parto não configura abuso do direito de ação, vez que o caso da gestante não está previsto como causa de excludente de ilicitude pelo Código Penal, ou mesmo por construção jurisprudencial. 2. Não há que se falar em responsabilidade civil quando a conduta imputada ao requerido não é contrária ao ordenamento jurídico. Ademais, a restrição ao direito constitucional de ação deve ser analisada com cautela, pois o abuso de tal direito está estreitamente relacionado à má-fé processual da parte contrária, o que não se evidencia nos autos. 3- Não merece censura a decisão monocrática prolatada pelo relator que nega seguimento a recurso interposto, nos termos do artigo 557, caput, do CPC. Agravo interno conhecido e improvido. Apelação Cível (Agravo Interno) nº 443199-47.2008.8.09.0051, (200894431994).

Enfim, depois de muito se falar sobre esse último caso, vemos claramente os

danos injustos causado às partes. E é por este motivo, que o caput do artigo 143 do

CPC prevê a responsabilidade do juiz por perdas e danos nos casos comentados,

porém não geraram consequências significativas aos transgressores, apenas para as

partes. O STJ afirmou que o padre agiu de forma “temerária” quando pediu a

suspensão do procedimento médico de interrupção de gravidez, que já estava em

curso. Entende-se como temerária como imprudente ou irresponsável. Porém, quem

analisou o mérito do pedido foi o mesmo judiciário que o condenou.

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6 CONCLUSÃO

A responsabilidade do magistrado encontra-se prevista no artigo 143 do CPC.

A ação indenizatória poderá ser proposta diretamente contra o juiz ou contra o Estado,

que poderá exercer o direito de regresso.

O CPC foi taxativo ao mencionar a responsabilidade do juiz por perdas e

danos, verdadeira responsabilidade pessoal do juiz no exercício de suas funções.

Porém, como vimos, é muito difícil demonstrar tal responsabilização.

Os padrões morais, como o decoro e o resguardo ético deveriam ser

incorporados às normas jurídicas e precisariam transportar-se para a atuação da

função jurisdicional conforme artigo 39 da Lei 1.079/50, porém vimos que nem sempre

tal atitude é resguardada.

O interesse no tema abordado deu-se em razão dos estudos, ao longo do

curso e na minha vivência como servidor público da justiça estadual, acerca da

responsabilidade pessoal dos magistrados. Porém, em nenhum momento, houve a

abordagem sobre o tema durante o curso de forma mais aprofundada.

Podemos concluir que direito e moral são coisas diferentes. Podemos

observar nos casos mencionados como juízes que se defendem e garantem, pela

força das próprias decisões, privilégios para seus interesses, magistrados proferindo

sentença ainda mais preconceituosa e homofóbica do que as ofensas disfarçadas dos

autores religiosos, ou de juízes moralistas e machistas contra a legalização do aborto.

Todos eles se aproveitaram para misturarem, como lhes convinham, o direito

e a moral. Mas como punir um agente se o próprio Supremo diverge da maioria da

doutrina da classificação do magistrado como agente político ou não? Como seriam

responsabilizados pessoalmente se nem mesmo temos o entendimento sobre sua

responsabilização civil?

Como vimos encontramos Juízes caracterizados no uso do poder que lhe

foram conferidos para transgredir a lei de modo a manipulá-la de forma contrária aos

seus princípios, resultando em grave prejuízo para toda a sociedade. A Lei Orgânica

da Magistratura Nacional é o Código de Ética dos juízes. Os magistrados não são

imunes ao erro, nem as de ordem moral. A simples investidura no cargo não os

transforma. A toga, por si só, não é capaz de torná-los imaculados, ou sequer

melhores como seres humanos.

Porém, os magistrados no exercício de sua função devem ter um

comportamento que o ressalte da média dos cidadãos, pela virtude moral, de tal modo

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que sejam exemplos para os jurisdicionados, que a qualquer momento, pode ser

qualquer um de nós.

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ANEXOS

TÍTULO 4.

1. Recurso Especial 456.649 – MG (2002/0100074-9) do STJ.

RELATOR: MINISTRO FRANCISCO FALCÃO R.P/ACÓRDÃO: MINISTRO LUIZ FUX

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS

GERAIS RECORRIDO: ACÁCIO MENDES DE ANDRADE ADVOGADO: DÉCIO FLÁVIO GONÇALVES TORRES FREIRE E OUTROS

EMENTA

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EX-PREFEITO. CONDUTA OMISSIVA. CARACTERIZAÇÃO DE INFRAÇÃO POLÍTICO ADMINISTRATIVA. DECRETO-LEI N.º 201/67. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI N.º 8.429/92. COEXIS-TÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. VOTO DIVERGENTE DO RELATOR. 1. Hipótese em que a controvérsia a ser dirimida nos presentes autos cinge-se em definir se a conduta do ex-prefeito, consistente na nega-tiva do fornecimento de informações solicitadas pela Câmara Municipal, pode ser en-quadrada, simultaneamente, no Decreto-lei n.º 201/67 que disciplina as sanções por infrações político-administrativas, e na Lei n.º 8.429/92, que define os atos de impro-bidade administrativa. 2. Os ilícitos previstos na Lei n.º 8.429/92 encerram delitos de responsabilidade quando perpetrados por agentes políticos diferenciando-se daque-les praticados por servidores em geral. 3. Determinadas autoridades públicas não são assemelhados aos servidores em geral, por força do cargo por elas exercido, e, con-seqüentemente, não se inserem na redução conceitual do art. 2º da Lei n.º 8.429/92 ("Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, con-tratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior" ), posto encartados na lei que prevê os crimes de responsabilidade. 4. O agente político exerce parcela de so-berania do Estado e pour cause atuam com a independência inextensível aos servi-dores em geral, que estão sujeitos às limitações hierárquicas e ao regime comum de responsabilidade. 5. A responsabilidade do agente político obedece a padrões diver-sos e é perquirida por outros meios. A imputação de improbidade a esses agentes implica em categorizar a conduta como "crime de responsabilidade", de natureza es-pecial. 6. A Lei de Improbidade Administrativa admite no seu organismo atos de im-probidade subsumíveis a regime jurídico diverso, como se colhe do art. 14, § 3º da lei 8.429/92 ("§ 3º Atendidos os requisitos da representação, a autoridade determinará a imediata apuração dos fatos que, em se tratando de servidores federais, será proces-sada na forma prevista nos arts. 148 a 182 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 e, em se tratando de servidor militar, de acordo com os respectivos regulamentos disciplinares." ), por isso que se infere excluída da abrangência da lei os crimes de responsabilidade imputáveis aos agentes políticos. 7. O Decreto-lei n.º 201/67, disci-plina os crimes de responsabilidade dos a dos agentes políticos (prefeitos e vereado-res), punindo-a com rigor maior do que o da lei de improbidade. Na concepção axio-lógica, os crimes de com sanções penais, deixando, apenas, ao desabrigo de sua

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regulação, os ilícitos civis, cuja transgressão implicam sanção pecuniária. 8. Conclu-sivamente, os fatos tipificadores dos atos de improbidade administrativa não podem ser imputados aos agentes políticos, salvo através da propositura da correspectiva ação por crime de responsabilidade. 9. O realce político-institucional do thema iudi-candum sobressai das conseqüências das sanções inerentes aos atos ditos ímprobos, tais como a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos. 10. As san-ções da ação por improbidade podem ser mais graves que as sanções criminais tout court , mercê do gravame para o equilíbrio jurídico-institucional, o que lhe empresta notável colorido de infração penal que distingue os atos ilícitos civis dos atos ilícitos criminais. 11. Resta inegável que, no atinente aos agentes políticos, os delitos de im-probidade encerram crimes de responsabilidade e, em assim sendo, revela importân-cia prática a indicação da autoridade potencialmente apenável e da autoridade aplica-dora da pena. 12. A ausência de uma correta exegese das regras de apuração da improbidade pode conduzir a situações ilógicas, como aquela retratada na Reclama-ção 2138, de relatoria do Ministro Nelson Jobim, que por seu turno, calcou-se na Re-clamação 591, assim sintetizada: "A ação de improbidade tende a impor sanções gra-víssimas:perda do cargo e inabilitação, para o exercício de unção pública, por prazo que pode chegar a dez anos. Ora, se um magistrado houver de responder pela prática da mais insignificante das contravenções, a que não seja cominada pena maior que multa, assegura-se-lhe foro próprio, por prerrogativa de função. Será julgado pelo Tri-bunal de Justiça, por este Tribunal Supremo. Entretanto a admitir a tese que que ora rejeito, um juiz de primeiro grau poderá destituir do cargo um Ministro do STF e impor-lhe pena de inabilitação para outra função por até dez anos. Vê-se que se está diante de solução que é incompatível como o sistema." 13. A eficácia jurídica da solução da demanda de improbidade faz sobrepor-se a essência sobre o rótulo, e contribui para emergir a questão de fundo sobre a questão da forma. Consoante assentou o Ministro Humberto Gomes de Barros na Rcl 591: "a ação tem como origem atos de improbi-dade que geram responsabilidade de natureza civil, qual seja aquela de ressarcir o erário, relativo à indisponibilidade de bens. No entanto, a sançãotraduzida na suspen-são dos direitos políticos tem natureza, evidentemente, punitiva. É uma sanção, como aquela da perda de função pública, que transcende a seara do direito civil A circuns-tância de a lei denominá-la civil em nada impressiona. Em verdade, no nosso ordena-mento jurídico jurídico, não existe qualquer separação estanque entre as leis civis e as leis penais." 14. A doutrina, à luz do sistema, conduz à inexorável conclusão de que os agentes políticos, por estarem regidos por normas especiais de responsabili-dade, não se submetem ao modelo de competência previsto no regime comum da lei de improbidade. O fundamento é a prerrogativa pro populo e não privilégio no dizer de Hely Lopes Meirelles, verbis: "Os agentes políticos exercem funções governamen-tais, judiciais e quase-judiciais, elaborando normas legais, conduzindo os negócios públicos, decidindo e atuando com independência nos assuntos de sua competência. São as autoridades públicas supremas do Governo e da Administração, na área de sua atuação, pois não são hierarquizadas, sujeitando-se apenas aos graus e limites constitucionais e legais da jurisdição. Em doutrina, os agentes políticos têm plena li-berdade funcional, equiparrável à independência dos juízes nos seus julgamentos, e, para tanto, ficam a salvo de responsabilização civil por seus eventuais erros de atua-ção, a menos que tenham agido com culpa grosseira, má-fé ou abuso de poder. (...) Realmente, a situação dos que governam e decidem é bem diversa da dos que sim-plesmente administram e executam encargos técnicos e profissionais, sem responsa-bilidade de decisão e opções políticas. Daí por que os agentes políticos precisam de ampla liberdade funcional e maior resguardo para o desempenho de suas funções. As prerrogativas que se concedem aos agentes políticos não são privilégios pessoais;

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são garantias necessárias ao pleno exercício de suas altas e complexas funções go-vernamentais e decisórias. Sem essas prerrogativas funcionais os agentes políticos ficariam tolhidos na sua liberdade de opção e decisão ante o temor de responsabiliza-ção pelos padrões comuns da culpa civil e do erro técnico a que ficam sujeitos o fun-cionários profissionalizados (cit. p. 77)" (Direito Administrativo Brasileiro, 27ª ed., p. 76). 15. Aplicar-se a Lei de Improbidade, cegamente, pode conduzir à situações in-sustentáveis enunciadas pelo voto preliminar do Ministro Jobim, assim descritos: a) o afastamento cautelar do Presidente da República (art. 20, par. único. da Lei 8.429/92) mediante iniciativa de membro do Ministério Público, a despeito das normas constitu-cionais que fazem o próprio processo penal a ser movido perante esta Corte depender da autorização por dois terços da Câmara dos Deputados (CF, art. 102, I, b, c;c o art. 86, caput); ou ainda o seu afastamento definitivo, se transitar em julgado a sentença de primeiro grau na ação de improbidade que venha a determinar a cassação de seus direitos políticos e a perda do cargo: b) o afastamento cautelar ou definitivo do presi-dente do Congresso Nacional e do presidente da Câmara dos Deputados nas mesma condições do item anterior, a despeito de o texto constitucional assegurar-lhes ampla imunidade material, foro por prerrogativa de função em matéria criminal perante o STF (CF, art. 102, I, b) e regime próprio de responsabilidade parlamentar (CF, art. 55, II); c) o afastamento cautelar ou definitivo do presidente do STF, de qualquer de seus membros ou de membros de qualquer Corte Superior, em razão de decisão de juiz de primeiro grau; d) o afastamento cautelar ou definitivo de Ministro de Estado, dos Co-mandantes das Forças Armadas, de Governador de Estado, nas mesmas condições dos itens anteriores; e) o afastamento cautelar ou definitivo do procurador-geral em razão de ação de improbidade movida por membro do Ministério Público e recebida pelo juiz de primeiro grau nas condições dos itens anteriores" 16. Politicamente, a Constituição Federal inadmite o concurso de regimes de responsabilidade dos agen-tes políticos pela Lei de Improbidade e pela norma definidora dos Crimes de Respon-sabilidade, posto inaceitável bis in idem. 17. A submissão dos agentes políticos ao regime jurídico dos crimes de responsabilidade, até mesmo por suas severas puni-ções, torna inequívoca a total ausência de uma suposta "impunidade" deletéria ao Estado Democrático de Direito. 18. Voto para divergir do e. Relator e negar provimento ao recurso especial do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, mantendo o acórdão recorrido por seus fundamentos.

ACÓRDÃO

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Teori Albino Zavascki, a Egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça decide, por mai-oria, vencido o Sr. Ministro Relator, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto-vista do Sr. Ministro Luiz Fux. Votaram com o Sr. Ministro Luiz Fux (voto-vista) os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki (voto-vista), Denise Arruda e José Delgado. Ausente, ocasionalmente, nesta assentada, o Sr. Ministro Francisco Falcão.

Brasília (DF), 05 de setembro de 2006.

MINISTRO LUIZ FUX Relator do Acórdão

TÍTULO 5.1

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2. Acórdão dos Autos 0003762-56.2014.8.16.0052 – Exceção de Suspeição

da juíza Branca Bernardi da Comarca de Barracão no Estado do Paraná.

Petição n° 0003762-56.2014.8.16.0052 Pet 3 Juizado Especial Cível de Barracão

Requerente(s): VIAÇÃO NOVA INTEGRAÇÃO LTDA

Requerido(s): Juiz de Direito do Juizado de Origem

Relator: Marcelo de Resende Castanho

EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. MAGISTRADA QUE JULGA PROCESSO EM QUE A PARTE AUTORA É SUA ASSESSORA. COMARCA DE JUÍZO ÚNICO. CARGO EM COMISSÃO, DE LIVRE ESCOLHA, CONTRATAÇÃO E EXONERAÇÃO. ARTIGO 135, INCISO I E III DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. DECLARAÇÃO DE SUSPEIÇÃO DA JUÍZA. DECRETAÇÃO DE NULIDADE DO PRIMEIRO ATO PRATICADO PELA JULGADORA E DE TODOS OS ATOS SUBSEQUENTES. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO ACOLHIDA E JULGADA PROCEDENTE.

I. Relatório.

Trata-se de exceção de suspeição manejada pela empresa Viação Nova Inte-

gração Ltda. contra a Juíza de Direito Dra. Branca Bernardi, em razão da Magistrada

excepta ter analisado e julgado os autos nº 0003762-56.2014.8.16.0052, processo

que foi ajuizado por sua assessora em face da empresa excipiente.

Sustenta a excipiente que a relação havida entre a Juíza e sua assistente

ultrapassa o ambiente de trabalho, até devido ao cargo de Assistente de Juiz ser co-

missionado, sendo um cargo de confiança da Magistrada, bem como por conta de

pesquisa realizada na rede social Facebook, onde segundo a excipiente é possível

constatar que a Juíza e sua assistente são amigas íntimas.

Diante disso, a excipiente requereu a declaração de suspeição da Magistrada

de 1º grau, com a consequente nulidade de todos os atos praticados, bem como a

remessa dos autos ao substituto legal para processamento e novo julgamento da lide.

Ato contínuo, a Magistrada excepta se manifestou nos autos (evento 171 dos autos

de origem), refutando a tese de suspeição por completo.

Em síntese, a excepta afirmou que a sua página do Facebook possui 5.000

amigos, e que não se tratam de 5.000 amigos íntimos; que o mesmo acontece com a

Sra. Liz Rejane Souza Tazoniero, pois todas as fotos juntadas nos autos foram tiradas

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exclusivamente em ambientes de trabalho, juntamente com toda a equipe de Serven-

tuários do Poder Judiciário na Comarca de Barracão; que não há, nem nunca houve

“amizade íntima” com a Sra. Liz Rejane Souza Tazoniero; que a exceção de suspeição

arguida pela excipiente é apenas uma demonstração do descontentamento com a so-

lução jurídica dada à lide; e que não há comprovação de que a Magistrada é ou foi

amiga íntima da Sra. Liz Rejane Souza Tazoniero. Por fim, após reputar infundada a

alegação de suspeição, os autos foram remetidos a esta Colenda Turma Recursal.

Com a distribuição do incidente, vieram-me os autos conclusos, momento em

que, com fulcro no artigo 146, § 2º, inciso II do Código de Processo Civil, determinei

a suspensão dos autos de origem até o julgamento definitivo da presente exceção.

É este o relatório

II. Voto.

Conforme prescrição do artigo 6º, inciso IV do Regimento Interno das Turmas

Recursais dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado

do Paraná, compete às Turmas Recursais Reunidas o julgamento das exceções de

impedimento e suspeição.

Primeiramente, importante destacar que à época dos fatos, ou seja, da prola-

ção da primeira sentença de mérito (evento 15.1 dos autos de origem), o Código de

Processo Civil então vigente era o de 1973, e o seu artigo 135 elencava as situações

em que o Juiz seria suspeito para julgar uma demanda:

Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade

do juiz, quando: I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer

das partes;

II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz,

de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na cola-

teral até o terceiro grau;

III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de

alguma das partes;

IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o pro-

cesso; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa,

ou subministrar meios para atender às despesas do litígio;

V - interessado no julgamento da causa em favor de

uma das partes. Parágrafo único. Poderá ainda o juiz declarar-

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se suspeito por motivo

Com a edição do novo Código, o legislador optou por elevar a situação des-

crita no inciso III para a categoria de impedimento do Magistrado, sendo que a parte

final do referido inciso descreve que haverá suspeição de parcialidade do Juiz quando

ele for “empregador de alguma das partes”.

A análise da presente exceção deverá ser feita sob duas perspectivas, a cons-

tante no inciso I e a do inciso III do artigo 135 do Código de Processo Civil de 1973.

Quanto ao inciso I, em consulta ao sistema Hércules do Tribunal de Justiça

do Estado do Paraná, verifica-se que a Sra. Liz Rejane Souza Tazoniero trabalha com

a excepta desde 10/09/2013. Nesta época, a Sra. Liz foi contratada como estagiária

de pós-graduação no Juízo de Barracão, atividade exercida até 09/01/2015. Ato con-

tínuo, no dia 02/02/2015 a Sra. Liz foi contratada pela excepta para exercer as funções

de Assessora em seu gabinete, ocupando o cargo de ‘Assistente II de Juiz de Direito’,

o qual encontra-se em exercício até a presente data. Assim, possível concluir-se que

a Sra. Liz Rejane Souza Tazoniero trabalha com a excepta há mais de 03 anos e 06

meses.

Conforme movimento 159.4 dos autos de origem, a Comarca de Barracão se

trata de um Juízo Único, pertencente à 46ª Seção Judiciária – Santo Antônio do Su-

doeste, seção esta que atualmente não possui Juiz Substituto designado, sendo que

a única Assessora do Juízo único da Comarca de Barracão – e assim, única Asses-

sora da Juíza excepta - é a Sra. Liz Rejane Souza Tazoniero. Além disso, insta infor-

mar que, segundo pesquisa feita no site do IBGE, a população estimada da cidade de

Barracão no ano de 2016 é de 10.273 pessoas.

No caso em apreço, diante da relação existente entre a excepta e sua asses-

sora, a qual ocupa um cargo em comissão, de livre escolha, contratação e exoneração,

e que foi chamada para este cargo justamente em razão da extrema confiança da

Magistrada em seu trabalho, presume-se a existência de amizade íntima entre elas.

Aliás, a Sra. Liz Rejane Souza Tazoniero é a pessoa escolhida pela excepta

para pré-analisar suas decisões, elaborando as minutas das decisões, seguindo o en-

tendimento da Juíza excepta, o que poderia levar à absurda situação da assessora

atuar em seu próprio feito.

Inobstante isso, o inciso III do 135 do Código de Processo Civil de 1973, que

no Código vigente possui correspondência no inciso IV do artigo 144, dispõe que ha-

verá suspeição do Juiz quando ele for “empregador de alguma das partes”.

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Neste sentido, muito embora o empregador da Sra. Liz Rejane Souza Tazo-

niero seja o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, a pessoa que fez a contratação

e que encaminhou o ofício para nomeação ao cargo de assistente de Juiz de Direito

foi a excepta.

Vale lembrar que o cargo de Assistente II de Juiz de Direito é um cargo em

comissão, onde a pessoa que ocupa referido cargo é escolhida diretamente pelo Ma-

gistrado, de acordo com a sua vontade, sob a sua confiança, se tratando de função

de livre escolha, contratação e exoneração

Sendo assim, não há dúvidas de que a empregadora da Sra. Liz Rejane Souza

Tazoniero é a Magistrada excepta, motivo pelo qual, por força do inciso III do artigo

135 do CPC/73, a excepta é suspeita para julgar a lide.

Ainda sobre o tema, importante transcrever o seguinte julgado do Tribunal

Regional Federal da 3ª Região:

PROCESSO CIVIL. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. JUIZ QUE PROMOVE AÇÃO TRABALHISTA CONTRA UMA DAS PARTES. PARCIALIDADE. PROCEDÊNCIA. As regras dos artigos 134 e 135 do CPC visam a evitar par-cialidade no exercício da jurisdição. No caso de suspeição, as hipóteses legais evidenciam a preocupação do legislador de não permitir que um juiz atue em causa em que o vínculo com uma das partes possa comprometer a isenção do jul-gamento. Assim, têm-se: amizade ou inimizade capital; rela-ções de credor e devedor; condição de favorecimento patrimo-nial ou subordinação de trabalho; aconselhamento sobre o ob-jeto da causa ou custeio das despesas do litígio; e, por fim, inte-resse no desfecho da causa. [...] Mesmo que não se sinta atin-gido em sua imparcialidade, os fatos objetivamente o apre-sentam à sociedade como adversário de uma das partes e seu credor. As partes no processo em que atua tanto poderão vê-lo como a beneficiar ou prejudicar uma delas em função da mencionada ação trabalhista. As regras de suspeição não se circunscrevem às partes e ao juiz da causa. É interesse da própria sociedade que o trabalho jurisdicional não venha a ser questionado em razão de vínculos de adversidade ou de atração existentes entre o que julga e os que são destinatá-rios de seus atos. - Exceção de incompetência procedente. (TRF 3ª Região, QUINTA TURMA - 1A. SEÇÃO, EXCSUSP – EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO CÍVEL - 257 - 0004190-28.2002.4.03.6107, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL SU-ZANA CAMARGO, julgado em 01/08/2005, DJU DATA:05/09/2006 PÁGINA: 343).

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Isto posto, seja pelo fundamento do inciso I, que trata da amizade íntima, ou

em razão da relação de emprego/subordinação existente entre a Sra. Liz Rejane

Souza Tazoniero e a Dra. Branca Bernardi, a Juíza excepta foi, desde o início do

processo, e é, até o presente momento, suspeita para atuar nos autos de nº 0003762-

56.2014.8.16.0052, ajuizado pela Sra. Liz Rejane Souza Tazoniero em face da em-

presa excipiente Viação Nova Integração Ltda, e que tramita no Juizado Especial Cível

da Comarca de Barracão.

Diante das razões expostas, voto no sentido de ACOLHER E JULGAR PRO-

CEDENTE A PRESENTE EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO, para:

a) Com fulcro no artigo 135, incisos I e III do Código de Processo Civil de 1973 (cor-

respondentes ao artigo 144, inviso VI e artigo 145, inciso I do CPC/15), Declarar a

Juíza excepta, Dra. Branca Bernardi, SUSPEITA para atuar nos autos nº 0003762-

56.2014.8.16.0052, que tramitam no Juizado Especial Cível da Comarca de Barracão;

b) Na forma dos §§ 6º e 7º do artigo 146 do Código de Processo Civil vigente, fixar

que o momento do qual a excepta não poderia ter atuado no processo é o despacho

inicial de evento 8.1 dos autos de origem, despacho proferido em 08/08/2014, e, via

de consequência, decretar a nulidade do despacho e de todos os atos processuais

praticados a seguir;

c) Solicitar ao Tribunal de Justiça do Estado do Paraná que remeta os autos a outro

Magistrado para que atue no processo citado, conforme § 5º do artigo 146 do Código

de Processo Civil.

É este o voto que proponho. III. Dispositivo.

Ante o exposto, esta 2ª Turma Recursal - DM92 resolve, por maioria dos votos, em

relação ao recurso de VIAÇÃO NOVA INTEGRAÇÃO LTDA, julgar pelo (a) Com Re-

solução do Mérito - Procedência nos exatos termos do voto do Relator.

O julgamento foi presidido pelo (a) Juiz (a) Marco Vinícius Schiebel, sem voto, e dele

participaram os Juízes Marcelo De Resende Castanho (relator), Daniel Tempski Fer-

reira Da Costa, Fernanda Bernert Michelin, Michela Vechi Saviato, Fernando Augusto

Fabrício De Mello, Fernanda De Quadros Jorgensen Geronasso, Renata Ribeiro Bau,

Manuela Tallão Benke, Camila Henning Salmoria, que acompanharam a Relatoria,

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restando vencidos os Juízes Aldemar Sternadt, Siderlei Ostrufka Cordeiro, Leo Henri-

que Furtado Araújo e Fernando Swain Ganem.

Curitiba, 30 de Março de 2017

MARCELO DE RESENDE CASTANHO

Juiz Relator

3. Relação das Ações em nome de Liz Rejane Souza Tazoniero, assessora

da juíza Branca Bernardi.

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4. Tabela com os valores de condenação das ações julgadas pela juíza

Branca Bernardi em favor de sua assessora Liz Rejane.

Ações julgadas Eduardo

Processo Réu Juiz Valor da condenação

0004408- CNOVA Branca Bernardi R$ 12.000,00 (Danos 95.2016.8.16.0052 COMÉRCIO morais)

ELETRÔNICO S.A.

0004411- BANCO DO Branca Bernardi R$ 12.000,00 (Danos 50.2016.8.16.0052 BRASIL S.A. morais) + R$ 30.348,44

(Danos Materiais)

0004412- QUALIMIDIA BRANCA R$ 7.000,00 (Danos 35.2016.8.16.0052 VEICULAÇÃO E BERNARDI morais)

DIVULGAÇÃO

LTDA

Total em condenação: R$ 61.348,44

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Ações julgadas Liz Rejane

Processo Réu Juiz Valor da condenação

0002746- TAM LINHAS Branca Bernardi R$ 10.000,00 (Danos 67.2014.8.16.0052 AÉREAS S/A morais)

0003762- VIAÇÃO NOVA Juliane Clotilde R$ 12.000,00 (Danos 56.2014.8.16.0052 INTEGRAÇÃO Schmith (Juiza morais)

LTDA Leiga) -

homologado por

Branca Bernardi

0000423- TIM CELULAR BRANCA R$ 5.000,00 (Danos 55.2015.8.16.0052 S.A. BERNARDI morais) + R$ 7.000,00

(Multa)

0001607- BANCO Branca Bernardi R$ 12.000,00 (Danos 46.2015.8.16.0052 BRADESCO S.A. morais) + R$ 7.000,00

(Multa)

0001608- TAM LINHAS Branca Bernardi R$ 12.000,00 (Danos 31.2015.8.16.0052 AÉREAS S.A. morais)

0003583- Banco do Brasil Branca Bernardi R$ 12.000,00(Danos 88.2015.8.16.0052 S.A morais)

0003584- LG ELECTRONICS Branca Bernardi R$ 12.000,00(Danos 73.2015.8.16.0052 DO BRASIL LTDA morais)

0003585- TIM CELULAR Branca Bernardi R$ 7.000,00 (Danos 58.2015.8.16.0052 S.A. morais) + R$ 7.000,00

(Multa)

0003587- TIM CELULAR Branca Bernardi R$ 7.000,00 (Danos 28.2015.8.16.0052 S.A. morais) + R$ 7.000,00

(Multa)

0000714- COMPANHIA Branca Bernardi R$ 12.000.00 (Danos 21.2016.8.16.0052 BRASILEIRA DE morais)

SERVIÇOS DE

MARKETING

0003820- PEUGEOT Branca Bernardi R$ 12.000,00 (Danos 88.2016.8.16.0052 CITROEN DO morais)

BRASIL

AUTOMÓVEIS

LTDA

0004502- AZUL LINHAS Branca Bernardi R$ 12.000,00 (Danos 43.2016.8.16.0052 AÉREAS morais) + R$ 7.000,00

BRASILEIRAS S.A. (Multa)

0004412- QUALIMIDIA Branca Bernardi R$ 7.000,00 (Danos 35.2016.8.16.0052 VEICULAÇÃO E morais)

DIVULGAÇÃO

LTDA Total em condenação: R$ 167.000,00

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TÍTULO 5.2

5. Ata da Audiência dos Autos 1011189-79.2017.4.01.3400 da 14ª Vara

Federal do TRF/1 do Distrito Federal.

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6. Resolução 001/99 do Conselho Federal de Psicologia.

RESOLUÇÃO CFP N° 001/99 DE 22 DE MARÇO DE 1999

"Estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da Ori-entação Sexual"

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O CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, no uso de suas atribuições le-

gais e regimentais,

CONSIDERANDO que o psicólogo é um profissional da saúde;

CONSIDERANDO que na prática profissional, independentemente da área

em que esteja atuando, o psicólogo é frequentemente interpelado por questões liga-

das à sexualidade.

CONSIDERANDO que a forma como cada um vive sua sexualidade faz

parte da identidade do sujeito, a qual deve ser compreendida na sua totalidade;

CONSIDERANDO que a homossexualidade não constitui doença, nem dis-

túrbio e nem perversão;

CONSIDERANDO que há, na sociedade, uma inquietação em torno de práti-

cas sexuais desviantes da norma estabelecida sócio-culturalmente;

CONSIDERANDO que a Psicologia pode e deve contribuir com seu conheci-

mento para o esclarecimento sobre as questões da sexualidade, permitindo a supe-

ração de preconceitos e discriminações;

RESOLVE:

Art. 1° - Os psicólogos atuarão segundo os princípios éticos da profissão no-

tadamente aqueles que disciplinam a não discriminação e a promoção e bem-estar

das pessoas e da humanidade.

Art. 2° - Os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma

reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatiza-

ções contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas.

Art. 3° - os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologi-

zação de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva

tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.

Parágrafo único - Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que

proponham tratamento e cura das homossexualidades.

Art. 4° - Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronuncia-

mentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os pre-

conceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qual-

quer desordem psíquica.

Art. 5° - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 6° - Revogam-se todas as disposições em contrário.

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Brasília, 22 de março de 1999.

ANA MERCÊS BAHIA BOCK

Conselheira Presidente

TÍTULO 5.3

7. Sentença dos Autos 2005020300056.

SENTENÇA TATIELE GOMES DA SILVA e JOSÉ RICARDO

GOMES LOMEU aforaram ação de reparação por danos morais em despro-

veito de LUIZ CARLOS LODI DA CRUZ, todos devidamente qualificados.

Narraram, como causa de pedir, que no ano de 2005 haviam completado 03

anos de união estável, época em que Tatiele ficou grávida pela primeira vez. O acom-

panhamento pré-natal estava ocorrendo na cidade em que moravam, Morrinhos-GO,

e durante ultrassonografia nesta capital descobriuse que o feto apresentava grave

deficiência na formação, com sugestão da incidência da Síndrome de Body Stalk, di-

agnóstico confirmado por dois outros médicos em exames realizados no Hospital Ma-

terno Infantil de Goiânia.

Na sequência, destacaram que após a triste notícia contataram especialista,

que também confirmou o quadro. Sabedores de que a vida da criança seria inviável

após o parto, optaram por interromper a gestação, a molde de preservar a higidez

psíquica e a integridade física da grávida. Ingressaram com pedido de antecipação do

parto, uma vez declarada a ausência de antijuridicidade da interrupção gestacional,

pleito acolhido nos autos de protocolo n° 200502300056.

Ressaltaram que de posse do alvará, deram inicio ao aborto em 11/10/2005,

no Hospital Materno Infantil, onde a gestante ficou internada recebendo medicação

intercalada para indução do parto, entretanto, antes da conclusão do procedimento o

hospital foi notificado para suspendê-lo, em razão de liminar concedida em Habeas

Corpus impetrado pelo requerido, no qual se pretendia assegurar ao feto o direito ao

natural nascimento com vida. A partir daí, ficou mais dois dias internada, sem minis-

tração medicamentosa, até que obteve alta e então retornou para a cidade de seu

domicilio.

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Observaram que a gestante ficou em sua casa sofrendo dores e sangramento,

até que o quadro se agravou e a criança nasceu em 22/10/12, vindo a óbito após o

parto devido aos problemas congênitos.

Por último, apontaram seu inconformismo com a atitude do requerido, que

sem conhecer a real motivação da decisão do casal, a dor e o sofrimento pelo qual

estavam passando, impetrou Habeas Corpus para a suspensão de um parto autori-

zado por decisão judicial, atitude que consideraram abusiva e em afronta a intimidade,

autonomia, dignidade e liberdade familiar daqueles atingidos pelo ato. Declinados os

fundamentos fáticos e de direito, insistiram na condenação por danos morais no aporte

de R$ 100.000,00.

Juntaram documentos de fls. 19/57.

Deferida assistência judiciária, fl. 59.

Na contestação, em sede de preliminar, o requerido arguiu a ocorrência da

prescrição e ilegitimidade passiva, pois a seu ver não foi a impetração mas a decisão

liminar que obstou o ato. Após atribuir nulidade à citação por edital, destacou que não

procurou o casal pois pensou que o aborto já tivesse ocorrido, a par das notícias vei-

culadas nos meios de comunicação, e que a matéria era controversa, tanto que noutro

caso no qual o aborto foi negado, realizou visita à gestante no intuito de confortá-la.

Também registrou a negativa da prática de ato ilícito, ao argumento de que o acesso

ao Judiciário é livre e que apenas defendeu o direito da criança ao nascimento normal

e sua dignidade humana, resguardando-a da morte iminente, apesar da expectativa

de vida após o parto ser praticamente inexistente. Por último, após completar seus

argumentos, insistiu na rejeição do pedido indenizatório, e na eventual procedência,

indicou fatores a serem observados na fixação da indenização.

Anexou documentos, fls. 94/108.

Impugnação às fls. 112/116.

Intimadas a especificar as provas, somente o requerido se manifestou e apon-

tou a desnecessidade de instrução, fls. 123/125.

É o relatório. Decido.

A alegação de ilegitimidade para figurar no polo passivo se confunde como

mérito, razão pela qual citada tese não pode ser acolhida de plano.

Não há se falar na ocorrência da prescrição se a citação não aconteceu antes

em razão das diligências necessárias a sua efetivação, ou mesmo por não terem sido

cumpridos os prazos estabelecidos no Código de Processo Civil para que o ato fosse

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aperfeiçoado, por impulso da parte, se não houve prévia intimação com as advertên-

cias legais.

De igual modo, não se vislumbra a nulidade da citação editalícia, se a parte

chamada comparece dentro do prazo e contesta regularmente.

No mais, vale ressaltar a presença dos pressupostos processuais e condições

da ação, situação que autoriza o julgamento antecipado da lide, independentemente

de dilação probatória, pois o feito envolve matéria de direito e a questão fática está

acobertada pela prova dos autos e fatos presumidos verdadeiros por ausência de con-

testação específica, conforme dispõe o artigo 302 do Código de Processo Civil.

Pretendem os autores a condenação por danos morais em razão de abuso de

direito atribuído ao requerido, o qual se convola em ato ilícito nos termos do artigo 187

do Código Civil.

É notório que em abril deste ano o STF decidiu que a mães de fetos sem

cérebro poderão optar por interromper a gestação com assistência médica, sem que

se configure ilícito penal, ao tempo em que se considerou a saúde física e psíquica da

gestante, em confronto com o fato de que um bebê anencéfalo é geralmente cego,

surdo e incapaz de sentir dor, e apesar de alguns indivíduos poderem viver por alguns

minutos, a falta de cérebro afasta qualquer possibilidade de haver consciência.

Portanto, não há dúvida de que em tal circunstância o aborto, pela construção

pretoriana, não mais se afigura crime, a exemplo das hipóteses previstas no Código

Penal (estupro e risco de vida para a genitora).

A controversa decisão circunscreve-se apenas aos casos de anencefalia e,

claramente, não se estende a qualquer ocorrência de irregular formação de feto a

molde de justificar o sacrifício de sua vida.

Repita-se, o que mais pesou foi o fato de não haver consciência, sentimento

de dor, rejeição e tantos outros que marcam o ser humano desde sua concepção.

Portanto, três são as hipóteses de aborto admitidas no Brasil, duas delas le-

gais e uma por construção jurisprudencial.

No caso em estudo, apesar da menção genérica à saúde da genitora quando

da autorização judicial para o aborto, o certo é que a causa determinante foi calcada

na expectativa de vida da criança após o nascimento, pois do contrário o ato estaria

amparado pelo próprio Código Penal, que em seu bojo expressamente o autoriza na

hipótese de risco de vida para a mãe.

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Noutro prisma, não há evidência nos autos de que a síndrome que afetou a

filha dos autores tenha suprimido suas funções cognitivas e neurológicas, portanto, a

interrupção da gravidez não se enquadrou na hipótese em que se pronunciou o STF.

A partir de tal premissa, seria lícito a qualquer pessoa impetrar habeas corpus

na tentativa de se preservar a vida do nascituro, consoante autoriza o artigo 2° do

Código Civil.

Ademais, se a vida humana é digna de respeito até nos casos em que a morte

seja desejada por pacientes terminais, geralmente sobrevindo -lhes extremos de so-

frimento, sob pena de se configurar homicídio imputável ao terceiro que a ela der fim,

quanto mais na hipótese em que o titular do direito (feto) não tenha qualquer condição

de manifestar sua vontade em razão de seu estágio de desenvolvimento físico e men-

tal.

Além disso, se até um cadáver, suas cinzas e a sepultura devem ser respei-

tados, sob pena de se cometer os crimes descritos nos artigos 210/212 do Código

Penal, sem dúvida alguma uma vida consciente, que espera sua vez de vir à luz e

respirar, ainda que por alguns instantes, é digna de maior proteção estatal.

A vida, aliás, é instintiva, e não fosse assim qualquer um poderia dar cabo à

sua com simples ato volitivo cognitivo.

Levando-se em conta que a lei põe a salvo os direitos do nascituro desde a

concepção, artigo 2° do Código Civil, o fato de terceiro defender os interesses deste

quando em conflito com o dos pais evidentemente não configura abuso de direito.

Noutro aspecto, calha assinalar que a obtenção de autorização judicial para a

prática do aborto não gera direito absoluto, a ponto de afastar o controle jurisdicional

pela instância superior, ainda que por via autônoma, principalmente se a lei assim o

prevê.

O habeas corpus pode e deve ser manejado sempre como um instrumento

democrático de defesa não só da liberdade, mas principalmente da própria vida, pois

se a lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito

(CF. Art. 50, inc. XXXV), quem dirá em se tratando de sentença proferida em procedi-

mento com evidente natureza de jurisdição voluntária.

Ademais, se a morte não pode ser imposta àqueles que cometem os crimes

mais absurdos e imagináveis, por expressa vedação constitucional firmada em cláu-

sula pétrea (art. 50, XLVII, alínea "a"), muito menos a um ser humano que possui

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capacidade cognitiva não exercível em razão do estado de desenvolvimento, pelo sim-

ples fato de que não atenderá os anseios e expectativas dos genitores ou de quem

quer que seja.

Sem maiores considerações, é evidente a não ocorrência de abuso de direito

na atitude atribuída ao requerido, conclusão que se amolda ao que dispõe o artigo 5°

da Lei de introdução ao Código Civil. Ante o exposto, julgo improcedente o pedido.

Condeno os autores ao pagamento das custas processuais e honorários ad-

vocatícios, os quais arbitro em R$ 1.200,00, com base no artigo 20, § 4°, do Código

de Processo Civil, cuja exigibilidade, por se tratar de beneficiários da assistência judi-

ciária, fica condicionada ao que dispõe o artigo 12 da Lei 1.060/50.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se com as cautelas legais

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Goiânia, 15 de agosto de 2012.

OTACILIO DE MESQUITA ZAGO

Juiz de Direito

8. Acórdão do Recurso Especial 1.467.888 – GO (2014/0158982-0) do STJ.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.467.888 -GO (2014/0158982-0) RELATORA

: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : RECORRENTE : ADVOGADOS : ALEXANDRE PRUDENTE MARQUES E

OUTRO(S) - GO011705 SINARA GUMIERI VIEIRA - DF040523 LEONARDO ALMEIDA LAGE E OUTRO(S) - DF043401 GABRIELA RONDON ROSSI LOUZADA - DF043231 RECORRIDO : ADVOGADOS : ZILMAR BORGES TEIXEIRA -

GO025622 ___________________________ (EM CAUSA PRÓPRIA) -

GO026544 MARINA RIBEIRO DA SILVA VALADÃO - GO025630

1. Controvérsia: dizer se o manejo de habeas corpus, pelo recorrido, com o fito de impedir a interrupção da gestação da primeira recorrente, que tinha

sido judicialmente deferida, caracteriza-se como abuso do direito de ação

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e/ou ação passível de gerar responsabilidade civil de sua parte, pelo manejo

indevido de tutela de urgência.

2. Diploma legal aplicável à espécie: Código Civil – arts. 186, 187,188

e 927.

3. Inconteste a existência de dano aos recorrentes, na espécie, por-

quanto a interrupção da gestação do feto com síndrome de Body Stalk, que

era uma decisão pensada e avalizada por médicos e pelo Poder Judiciário, e

ainda assim, de impactos emocionais incalculáveis, foi sustada pela atuação

do recorrido.

4 . Necessidade de perquirir sobre a ilicitude do ato praticado pelo re-

corrido, buscando, na existência ou não - de amparo legal ao procedimento

de interrupção de gestação, na hipótese de ocorrência da síndrome de body

stalk e na possibilidade de responsabilização, do recorrido, pelo exercício do

direito de ação - dizer da existência do ilícito compensável;

5 . Reproduzidas, salvo pela patologia em si, todos efeitos deletérios

da anencefalia, hipótese para qual o STF, no julgamento da ADPF 54, afas-

tou a possibilidade de criminalização da interrupção da gestação, também na

síndrome de body-stalk, impõe-se dizer que a interrupção da gravidez, nas

circunstâncias que experimentou a recorrente, era direito próprio, do qual

poderia fazer uso, sem risco de persecução penal posterior e, principalmente,

sem possibilidade de interferências de terceiros, porquanto, ubi eadem ratio,

ibi eadem legis dispositio. (Onde existe a mesma razão, deve haver a mesma

regra de Direito).

6 . Nessa linha, e sob a égide da laicidade do Estado, aquele que

se arrosta contra o direito à liberdade, à intimidade e a disposição do próprio corpo por

parte de gestante, que busca a interrupção da gravidez de feto sem viabilidade

de vida extrauterina, brandindo a garantia constitucional ao próprio direito

de ação e à defesa da vida humana, mesmo que ainda em estágio fetal e

mesmo com um diagnóstico de síndrome incompatível com a vida

extrauterina, exercita, abusivamente, seu direito de ação.

7. A sôfrega e imprudente busca por um direito, em tese, legítimo, que, no

entanto, faz perecer no caminho, direito de outrem, ou mesmo uma toldada

percepção do próprio direito, que impele alguém a avançar sobre direito

alheio, são considerados abuso de direito, porque o exercício regular do

direito, não pode se subverter, ele mesmo, em uma transgressão à lei, na

modalidade abuso do direito, desvirtuando um interesse aparentemente

legítimo, pelo excesso.

8. A base axiológica de quem defende uma tese comportamental qualquer, só

tem terreno fértil, dentro de um Estado de Direito laico, no campo das próprias

ideias ou nos Órgãos legislativos competentes, podendo neles defender todo e

qualquer conceito que reproduza seus postulados de fé, ou do seu imo, havendo

aí, não apenas liberdade, mas garantia estatal de que poderá propagar o que

entende por correto, não possibilitando contudo, essa faculdade, o ingresso no

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círculo íntimo de terceiro para lhe ditar, ou tentar ditar, seus conceitos ou

preconceitos.

9. Esse tipo de ação faz medrar, em seara imprópria, o corpo de valores que

defende – e isso caracteriza o abuso de direito – pois a busca, mesmo que

por via estatal, da imposição de particulares conceitos a terceiros, tem por

escopo retirar de outrem, a mesma liberdade de ação que vigorosamente

defende para si.

10. Dessa forma, assentado que foi, anteriormente, que a interrupção da

gestação da recorrente, no cenário apresentado, era lídimo, sendo opção do casal

– notadamente da gestante – assumir ou descontinuar a gestação de feto sem

viabilidade de vida extrauterina, há uma vinculada remissão à proteção

constitucional aos valores da intimidade, da vida privada, da honra e da própria

imagem dos recorrentes (art. 5º, X, da CF), fato que impõe, para aquele que

invade esse círculo íntimo e inviolável, responsabilidade pelos danos daí

decorrentes.

11.Recurso especial conhecido e provido

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da

Terceira TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das

notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao

recurso especial

nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso

Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro

votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr(a). LEONARDO ALMEIDA LAGE, pela

parte RECORRENTE: ___________________________e

___________________________.

Brasília (DF), 20 de outubro de 2016(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora

RECURSO ESPECIAL Nº 1.467.888 - GO (2014/0158982-0) RELATORA

: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : ___________________________ RECORRENTE : ___________________________ ADVOGADOS : ALEXANDRE PRU-

DENTE MARQUES E OUTRO(S)

-

GO011705

SINARA GUMIERI VIEIRA - DF040523 LEONARDO ALMEIDA LAGE E OUTRO(S) - DF043401 GABRIELA RON-DON ROSSI LOUZADA - DF043231 RECORRIDO : ___________________________

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ADVOGADOS : ZILMAR BORGES TEIXEIRA - GO025622

___________________________ (EM CAUSA PRÓPRIA) -

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GO026544

MARINA RIBEIRO DA SILVA VALADÃO - GO025630

RELATÓRIO

Recurso atribuído ao meu gabinete em 29/08/2016.

Cuida-se de recurso especial interposto por TATIELLE GOMES DA SILVA,

com fundamento no art. 105, III, “a”, da CF, contra acórdão proferidopelo TJ/GO.

Ação: de compensação por danos morais, ajuizada pelos recorrentes em

desfavor ___________________________, tanto pela responsabilidade processual

objetiva, decorrente de danos advindos aos recorrentes, pelo uso de medida

processual de urgência, pedida pelo recorrido, quanto pelo uso abusivo do direito de

ação.

Sentença: julgou improcedente o pedido, por não vislumbrar, na hipótese de

impetração de habeas copus, em favor do nascituro, abuso de direito do recorrido.

Acórdão: negou provimento agravo regimental, em acórdão assim emen-

tado:

AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AÇÃO DE HABEAS CORPUS. DIREITO CONSTITUCIONAL DE AÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO DE ABUSO DO DIREITO DE AÇÃO. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCIO. 1. A propositura de habeas corpus por padre visando a suspensão de procedimento de antecipação de parto não configura abuso do direito de ação, vez que o caso da gestante não está previsto como causa de excludente de ilicitude pelo Código Penal ou mesmo por construção jurisprudencial. 2. Não há que se falar em responsabilidade civil quando a conduta imputada ao requerido não é contrária ao ordenamento jurídico. Ademais, a restrição ao direito constitucional de ação deve ser analisada com cautela, pois o abuso de tal direito está estreitamente relacionado à má-fé processual da parte contrária, o que não se evidencia nos autos. 3. Não merece censura a decisão monocrática prolatada pelo relator que nega seguimento a recurso interpôs, nos termos do artigo 557, caput, do CPC. AGRAVO INTERNO CONHECIDO E IMPROVIDO.

Embargos de declaração: interpostos pelos recorrentes, foram rejeitados.

Recurso especial: contra esse acórdão, interpõe-se o presente recurso es-

pecial, calcado na alínea “a” do permissivo constitucional, onde se aponta a violação

dos arts. 2º, 187 e 927 do Código Civil; 17, do CPC/73; 124, 126 e 128 do CP.

Sustenta que:

a) O recorrido tem obrigação de compensar o dano moral causado aos recor-

rentes, pelo uso inconsequente de seu direito de ação, tanto por ter abusado desse

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direito, tentando fazer prevalecer seu posicionamento religioso sobre as convicções

do casal recorrido, quanto pela má-fé, que se caracterizaria pela omissão, no habeas

corpus impetrado, que havia inviabilidade de vida do feto, extrauterina.

b) o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 54, concluiu que a

interrupção da gravidez, na hipótese de feto anencéfalo, não se enquadra do rol das

condutas tipificadas nos artigos, 124,126 e 128 do CP, razão pela qual, houve evidente

abuso do direito de ação por parte do recorrente, pois batia-se contra conduta permi-

tida legalmente;

c) houve incorreta aplicação do art. 2º do Código Civil, que resguarda os direi-

tos do nascituro, porquanto a síndrome de Body Stalk, que acometeu o feto, tornava

inviável sua vida após o nascimento se, até lá alcançasse a gestação.

d) fixa, por fim, que na hipótese de reconhecimento de ausência de preques-

tionamento dos dispositivos legais, seja dado provimento ao recurso por violação ao

art. 535 do CPC.

É o relatório.

VOTO

Cinge-se a controvérsia em dizer se o manejo de habeas corpus, pelo recor-

rido, com o fito de impedir a interrupção da gestação da primeira recorrente, que foi

judicialmente deferida, caracteriza-se como abuso do direito de ação e/ou pode gerar

responsabilidade civil de sua parte, pelo manejo indevido de tutela de urgência, da

qual teria exsurgido dano moral compensável, para os recorrentes.

I - Lineamentos históricos

1. Os eventos que culminaram com o ajuizamento desta ação de compensa-

ção por danos morais, podem, resumidamente, serem assim fixados:

Em 05/09/2005, foi descoberto que o feto gestado pela recorrente possuía má-

formação condizente com a Síndrome de Body Stalk;

Em 03/10/2005, a recorrente pediu autorização judicial para interromper a ges-

tação, ante a inviabilidade de vida extrauterina do feto;

Em 06/10/2005, foi expedido alvará judicial para a interrupção da gestação;

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Em 11/10/2005, a recorrente foi internada, passando a receber medicação

para induzir o parto;

Em 13/10/2015, foi deferida medida liminar pleiteada pelo recorrido, para sus-

pender o tratamento e garantir, assim, o prosseguimento da gestação da recorrente;

Em 14/10/2005, à noite, o tratamento de indução do parto foi interrompido,

ficando a recorrente ainda em observação, no hospital, por mais dois dias, quando

recebeu alta;

Em 22/10/2005, a paciente voltou ao hospital, agora em trabalho de parto,

dando à luz à criança que faleceu momentos depois (1h e 40 minutos após o parto),

em face das já relatadas graves malformações que tornavam a vida extrauterina,

inviável.

2 - Da possibilidade de responsabilização de pessoa que faz uso de remédio

constitucional para sustar a interrupção de gravidez, judicialmente autorizada.

Vem o pedido de compensação por danos morais dos recorrentes lastreado,

basicamente, nos art. 186, 187,188 e 927 do Código Civil, que tratam da caracteriza-

ção do ato ilício e do consequente dever de reparar ou compensar o possível dano

havido, dizendo os dispositivos citados da Lei Penal, apenas das autorizações legais

hoje existentes para o aborto, e o art. 17 do CPC/73, da possível ocorrência de má-fé

do recorrido.

Dada a relevância da questão, e na ausência de contrarrazões ao recurso

especial, retira-se da peça inicial de defesa do recorrido, entre outros argumentos, as

afirmações de que ele:

“(...)a exemplo de milhares de pessoas, entende que o feto, enfermo ou não, com maior ou menor expectativa de vida é destinatário de proteção legal, e que as autorizações para abortamento ferem o direito básico à vida existente desde o momento primeiro da concepção. Não podendo e não devendo fazer sua posição prevalecer por meio da força, deve, por óbvio, procurar defender seu ponto de vista perante o Poder Judiciário. Foi a postura adotada. A deci-são não foi de ___________________________, mas do Poder Judiciário” (fl. 88, e-STJ). “(...)agiu na mais estrita defesa da vida, da vida do pobre bebê, que estava em vias de ser assassinado, agiu em prol de Geovana Gomes Leneu, dando à indefesa criança o direito de viver pelo tempo que lhe era destinado viver” (fl. 95, e-STJ).

Embora na espécie, as questões envolvendo a existência de ilicitude no ato

praticado pelo recorrido, e sua culpa – se é que culpa será elemento necessário à

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definição da querela –, sejam tormentosos e de difícil definição, por envolverem direi-

tos da personalidade em antagonismo, a solução da controvérsia não se afasta da

aferição dos elementos clássicos de fixação da responsabilidade civil subjetiva ou,

quiçá, objetiva.

Nessa senda, tangenciando, por alguns momentos, o elemento subjetivo da

culpa (o direito violado), inconteste a existência de dano aos recorrentes, porquanto a

interrupção da gestação do feto com síndrome de Body Stalk, que era uma decisão

pensada e avalizada por médicos e pelo Poder Judiciário, e ainda assim, de impactos

emocionais incalculáveis, foi sustada pela atuação do recorrido.

De se observar, nesse ponto, que o intenso e prolongado sofrimento emocio-

nal dos recorrentes, que na espécie, foi sentido, obviamente, com muito mais intensi-

dade pela recorrente, teve início com o drástico diagnóstico recebido em 05/09/2005,

de que:

“(...) o feto era portador de múltiplas malformações graves, pois o cordão umbilical era muito curto e a placenta havia ficado próxima da parede abdominal do feto, que não se fechou, deixado as vísceras expostas. Além disso, os pulmões e o tórax não se desenvolveram e ficaram comprimidos na pequena cavidade torácica” (fl. 5, e-STJ).

Nos dias seguintes, entre novas avaliações confirmativas, tanto da existência

da síndrome quanto da inviabilidade de vida extrauterina que ela determinava, opta-

ram por buscar a tutela estatal para interromper a gestação.

A ida para o hospital e a antecipação de um trabalho de parto que natural-

mente ocorreria alguns meses depois, já eram, por si sós, elementos de intensa an-

gústia para aquele casal, mas em meio a todos os sentimentos contraditórios que en-

volviam a decisão que tomaram, ao menos tinham a certeza de que estavam acolhidos

em um ambiente em ambiente hospitalar, seguro, asséptico, controlado por equipe

médica e com prazo razoavelmente delimitado para o término da interrupção da ges-

tação.

No entanto, esse lastro de conforto psicológico lhes foi abruptamente retirado,

no quarto dia de tratamento de indução ao parto, por força da liminar conseguida pelo

recorrido.

O sofrimento do casal – e não canso de repetir, principalmente o da gestante

– ganhou contornos trágicos com a liminar conseguida pelo recorrido, que obrigou a

equipe médica a interromper o uso da medicação, quando já havia início de dilatação.

E como se não bastasse essa cadeia de eventos, por si aterrorizante, no dia

seguinte a recorrente foi mandada para casa, perdendo o apoio técnico da equipe

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médica e o evidente conforto psicológico que estar em um ambiente hospitalar lhe

proporcionava, isso tudo sem citar o risco físico para a parturiente, porquanto o pro-

cedimento, em tudo, fugia à normalidade.

Mais 8 (oito dias) se passaram para que a medicação interrompida fosse efi-

caz a ponto de induzir o organismo da recorrente a expulsar o feto, momento em que

voltou ao hospital – mas nessa semana, completamente desassistida, sentiu, desne-

cessariamente, as dores do longo processo de adaptação do seu organismo para que

levasse a cabo o processo iniciado no hospital, período em que foi amparada, exclu-

sivamente pelo seu esposo, também recorrente.

Esse exaustivo trabalho de parto, com todas as dores que lhe são inerentes,

e que na espécie, provavelmente foram potencializadas pelo forte estresse sofrido e

talvez pela inapropriada preparação do organismo da recorrente ao antecipado traba-

lho de parto (a gestação recém ultrapassara o quinto mês), dão o tom, em cores for-

tíssimas, do intenso dano moral suportado, tanto pela recorrente quanto pelo recor-

rente, que a tudo acompanhou, inerme, e ao final, ainda teve que providenciar o re-

gistro de nascimento/óbito e o enterro da criança, que como previsto, veio a óbito logo

após o nascimento.

Resta assim perquirir sobre a ilicitude do ato praticado e, nesse primeiro mo-

mento em que se avalia a responsabilidade subjetiva, sobre a culpa – lato sensu – do

recorrido.

No entanto, antes de se adentrar propriamente nesses debates, alguns ele-

mentos prévios, de complexo deslinde, mas de vital relevância para o desfecho da

controvérsia, precisam ser abordados, pois deles dependem a própria apreciação final

dos pedidos:

O amparo legal ao procedimento de interrupção de gestação, na hipótese de

ocorrência da síndrome de body stalk;

A possível responsabilização, do recorrido, pelo exercício do direito de ação,

na hipótese sob discussão;

2.i – A extensão do entendimento da ADPF 54 a outros casos de má-for-

mação fetal que inviabilizam a vida extrauterina

Síndrome de Body-Stalk “Body-StalkAnomaly”. É a “denominação dada a um

conjunto de malformações fetais que inclui um grande defeito da parede abdominal,

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cifoescoliose e cordão umbilical curto ou ausente. É o mais raro dentre todos os de-

feitos da parede abdominal com ocorrência média de 1 caso para cada 14.273 nasci-

mentos. Não há um defeito cromossômico específico que acompanhe a síndrome e a

mesma é sempre letal”.

Na hipótese sob comento, o casal recorrente logrou conseguir autorização ju-

dicial para a interrupção da gestação, lavrada nos seguintes termos.

Inexiste, no caso, a presunção de possibilidade de continuação de vida do feto, mesmo fora do útero materno. O Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais nº 11 enforca artigo de autora de Geraldo Francisco Pinheiro Franco, sobre se: 'impossível a sobre-vida do feto, deve ser autorizado o aborto. (...) Não se pode negar e a questão há de ser suscitada – que a vida da impetrante corre risco, não sendo razoável sacrificá-la, em nenhuma hipótese, mormente quando se sabe da absoluta e irreversível deformidade patológica do feto que ela gera'. A interrupção da gestação encontra fundamento quando o feto possuir mal-formação congênita, degeneração ou houver possibilidade de que venha a nascer com enfermidade incurável. Suficientemente demonstrada a completa inviabilidade do feto, como pessoa, com vida autônoma, fora do útero materno. Vida sem qualquer viabilidade a partir do momento que deixar o ventre da mãe. Ante o exposto, restando comprovado que é impossível a sobrevida do feto e que a requerente corre sérios riscos para a sua saúde física e mental, tenho que deve ser autorizado o aborto, razão pela DEFIRO o pedido inicial já que não resta dúvida de que esta seja a melhor e mais justa solução ao presente pleito. (fls. 30-31, e-STJ)

E para dizer da licitude da interrupção da gestação, socorro-me do julgamento

da ADPF 54, (julgada em 12/04/2012, pub. em 30/04/2103), pois embora a conclusão

do julgamento seja posterior aos acontecimentos, a orientação forjada na ADPF, que

de regra possui efeito ex tunc, disse de um preceito fundamental que vinha sendo

descurado, ou em outras palavras, mesmo em 2005, a orientação firmada pelo STF,

já se mostrava a mais consentânea com a norma constitucional.

E mais, a arguição foi formalizada em 17 de junho de 2004, calcada em ações

penais que discutiam a incidência do apenamento relativo ao aborto, nas interrupções

de gestação de anencéfalos.

É dizer: a decisão do STF, à mingua da restrição possível no art. 11 da Lei

9882/99, espraiou seus efeitos de forma intertemporal, devendo, por conseguinte,

também orientar a linha de pensamento desta Turma, hoje.

Nessa trilha, extrai-se, da delimitação feita pelo Relator da Arguição de Des-

cumprimento de Preceito Fundamental 54, a busca por uma interpretação constituci-

onal conforme, que afastasse a tipicidade na hipótese de interrupção de gravidez por

anencefalia.

Os argumentos trazidos foram:

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- o Estado é laico ;

- a anencefalia é doença congênita fatal;

- a dignidade da gestante (direito à intimidade) se sobrepõe aos direitos de

feto com inviabilidade de vida extrauterina.

E aqui cabe perquirir sobre os porquês da decisão tomada pelo STF, tendo

em vista que elas dirão se as hipóteses (anencefalia e síndrome de body stalk) são

símeis e, por conseguinte, dão azo à mesma interpretação constitucional.

Nessa s senda, é inegável que ambas as condições: anencefalia e síndrome

de Body-Stalk, redundam, segundo o conhecimento médico atual, na inviabilidade da

vida extrauterina.

Faz-se aqui um hiato para anotar que quando se fala em inviabilidade de vida

extrauterina, não necessariamente se aponta para o fenecimento da vida átimos de

segundos após o nascimento, mas sim, da certeza médica de que a condição física

do feto não lhe dará oportunidade de ter nenhuma vida pós-parto, sendo questão de

tempo, o óbito da criança nascida sob o signo dessa condição, e decorrendo o faleci-

mento das consequências associadas à síndrome.

Na hipótese, a certeza médica se consubstanciou em realidade, pois uma hora

e quarenta minutos após o nascimento, a criança veio a óbito.

Volvendo então, à analise dos limites jurídicos protetivos dos fetos, na hipó-

tese de anencefalia, e a comparação desses elementos às circunstâncias em que um

feto tenha a Síndrome de Body-Stalk, ou mesmo outra Síndrome que enclausure a

vida ao útero, cabe enunciar, de plano que, embora o Direito resguarde o nascituro, o

faz na expectativa de que aquela vida intrauterina, ainda sem personalidade jurídica,

possa se tornar pessoa, sujeita a todas as garantias constitucionais.

Mas em todas essas situações, ou outras mais, essa proteção não é absoluta,

pois se queda ante a defesa da saúde materna e também, da saúde emocional da

mãe, como ocorre no caso de mãe vítima de estupro.

No julgamento da ADPF 54, no entanto, viu-se que esse tegumento protetivo-

legal que envolve o nascituro, torna-se completamente inócuo ante a constatação de

que o feto é portador de problemas de saúde, de qualquer matriz, que tornam inviável

a vida extrauterina, isso porque, a proteção que se projeta para o futuro, labora com

realidade inexistente: vida extrauterina

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Seguindo nessa escala de gradação, inafastável se dizer que a interrupção da

gravidez, por incompatibilidade com a vida extrauterina, é um minus, mesmo em rela-

ção ao aborto humanitário, pois primeiro, mostra-se ontologicamente distinta do

aborto-crime, e por segundo, encontra-se, em grau de reprovabilidade social, aquém

d'aqueloutro, no qual a vítima de estupro que engravida pode, judicialmente ampa-

rada, optar pela cessação da gestação.

O aborto humanitário é tisnado como excludente de criminalidade, pelo in-

tenso sofrimento emocional que traz para a gestante, pela óbvia conexão psicológica

que ela faz em relação à agressão sofrida, e sobre as perspectivas futuras que aquela

gravidez pode acarretar, não apenas no campo emocional, mas também em aspectos

cíveis.

É dizer: o incalculável sofrimento e angustia da mãe, autorizam, por si só, a

interrupção da gravidez.

Na hipótese analisada na ADPF 54 e também neste recurso especial – a invi-

abilidade da vida extrauterina – à intensa dor emocional, soma-se o incontornável va-

ticínio de óbito da criança logo após o parto, se até lá chegar a gestação.

Entenda-se: à indizível dor emocional, agrega-se a inexistência de vida futura

a ser futuramente protegida.

Destaca-se, aqui, as palavras do Relator quanto à questão:

Cumpre rechaçar a assertiva de que a interrupção da gestação do feto anen-céfalo consubstancia aborto eugênico, aqui entendido no sentido negativo em referência a práticas nazistas. O anencéfalo é um natimorto. Não há vida em potencial. Logo não se pode cogitar de aborto eugênico, o qual pressupõe a vida extrauterina de seres que discrepem de padrões imoralmente eleitos. Nesta arguição de descumprimento de preceito fundamental, não se trata de feto ou criança com lábio leporino, ausência de membros, pés tortos, sexo dúbio, Síndrome de Down, extrofia de bexiga, cardiopatias congênitas, comu-nicação interauricular ou inversões viscerais, enfim, não se trata de feto por-tador de deficiência grave que permita sobrevida extrauterina. Cuida-se tão somente de anencefalia. Na expressão da Dra. Lia Zanotta Machado, “defici-ência é uma situação onde é possível estar no mundo; anencefalia, não”[52]. De fato, a anencefalia mostra-se incompatível com a vida extrauterina, ao passo que a deficiência não. http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=37 07334

E é calcado exatamente nessa distinção que o acórdão citado, por maioria,

fixou que o peso específico do direito a uma futura não-vida, não pode preponderar

sobre o direito da mulher à liberdade, intimidade e autodeterminação.

Laborou-se, no quesito, sobre os direitos da personalidade atinentes aos pais

da criança com má-formação incompatível com a vida extrauterina (obviamente dando

peso consideravelmente superior, aos direitos da mulher).

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E peço novamente vênias, para citar mais um trecho do voto condutor daquele

célebre julgamento:

Não se coaduna com o princípio da proporcionalidade proteger apenas um dos seres da relação, privilegiar aquele que, no caso da anencefalia, não tem sequer expectativa de vida extrauterina, aniquilando, em contrapartida, os di-reitos da mulher, impingindo-lhe sacrifício desarrazoado. A imposição estatal da manutenção de gravidez cujo resultado final será irremediavelmente a morte do feto vai de encontro aos princípios basilares do sistema constitucio-nal, mais precisamente à dignidade da pessoa humana, à liberdade, à auto-determinação, à saúde, ao direito de privacidade, ao reconhecimento pleno dos direitos sexuais e reprodutivos de milhares de mulheres. O ato de obrigar a mulher a manter a gestação, colocando-a em uma espécie de cárcere pri-vado em seu próprio corpo, desprovida do mínimo essencial de autodetermi-nação e liberdade, assemelha-se à tortura[109] ou a um sacrifício que não pode ser pedido a qualquer pessoa ou dela exigido. A integridade que se busca alcançar com a antecipação terapêutica de uma gestação fadada ao fracasso é plena. Não cabe impor às mulheres o sentimento de meras “incu-badoras” ou, pior, “caixões ambulantes”, na expressão de Débora Diniz. http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3707334

Na situação vivida pelos recorrentes, reproduziu-se todo o pacote de dores e

angústias descritos em inúmeras passagens do acórdão, que demonstram que o in-

tenso sofrimento vivido pela mãe, após o diagnóstico de uma síndrome que incompa-

tibiliza a vida do feto com o ambiente extrauterino, é de tal quilate, que faz preponderar

o particular direito dela à própria intimidade, liberdade e autodeterminação na condu-

ção de sua vida privada.

Leia-se, também aqui, cabia só a ela, pela similaridade das condições apre-

sentadas, dizer, diante de sua realidade emocional, da fé que professava, ou não pro-

fessava, das expectativas que nutria, ou diante daquelas que deixara de alimentar, se

deveria ou não interromper a gestação.

E isso se diz porque, é máxima do direito:

Ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio. (Onde existe a mesma razão,

deve haver a mesma regra de Direito)

Reproduzidas, salvo pela patologia em si, todos efeitos deletérios da anence-

falia, também na síndrome de body-stalk, e exsurgindo dessas símeis situações, a

mesma gama de direitos protegidos e flexibilizados, tem-se como corolário, dizer-se

que a interrupção da gravidez, nas circunstâncias que experimentou a recorrente, era

direito um direito próprio, do qual poderia fazer uso, sem risco de persecução penal

posterior e, principalmente, sem possibilidade de interferências de terceiros, na tenta-

tiva de obstar sua decisão.

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2.ii – Da possibilidade de responsabilização do recorrido, pelo exercício

do direito de ação, na hipótese de vulneração da intimidade, da vida privada e

da honra dos recorrentes.

Firmada a tese de que o casal, quando iniciou o procedimento de interrupção

da gravidez, autorizados judicialmente, e amparados pela gama de direitos da perso-

nalidade inerentes a cada um deles, individualmente tomados, e pensados também,

como unidade familiar, agiam acobertados pela lei, resta definir se houve, como afir-

mam os recorrentes, abuso de direito por parte do recorrido que, não obstante o

quanto argumentado, utilizou-se do seu direito de ação para tentar obstar a interrup-

ção da gestação, já iniciada.

Contudo, antes de se tratar diretamente dessa questão, faz-se, mais uma vez,

um regresso à linha argumentativa majoritária da ADPF 54, para resgatar uma ideia

primária que permeou e orientou aqueles debates: a laicidade do Estado.

Revigora-se, aqui, esse tema, porque essa orientação, tão facilmente

apercebida na maior parte dos cânones constitucionais do mundo ocidental e

ardorosamente defendida, em tese, é, no entanto, de difícil discernimento quando se

subsomem, a ela, fatos corriqueiros, que triscam, de maneira mais contundente, em

dogmas, profissões confessionais, ou mesmo, vão ao arrepio delas.

Ser laico é estar num mundo próprio, segregado do mundo eclesiástico em

qualquer de suas vertentes, e também não estar entre aqueles que nada professam.

É ser neutro.

Em resgate do pensamento de Tocqueville,– à espécie, uma das funções do

Estado Laico e, notadamente, de sua faceta Judicial, é antecipar-se a possíveis des-

vios que façam prevalecer uma ideia dita hegemônica, de qualquer matiz, que tenha

o peso de fragilizar, ou mesmo inviabilizar, direitos minoritários, mas constitucional-

mente assegurados, fazendo prevalecer uma “tirania da maioria”. (Tocqueville, Alexis

de. A Democracia na América, leis e costumes (cap. VII - Da onipotência da maioria

nos E stados Unidos e de seus defeitos). Vol I. 3ª ed. – S ão Paulo: Martins Fontes,

2014, pp: 289-305).

Citando o 4º presidente americano – James Madison – o pensador afirma:

É importantíssimo, nas repúblicas, não apenas defender a sociedade contra a

opressão dos que a governam, mas também garantir uma parte da sociedade con-

tra a injustiça da outra. A justiça é o objetivo a que deve tender todo o governo; é a

finalidade que se propõem os homens ao se reunirem. Os povos fizeram e sempre

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farão esforços visando a esse objetivo, até conseguirem atingi-lo ou perderem sua

liberdade. (Sem grifos no original).

(Op. cit. pp 304/305).

Nessa senda, a fé – qualquer uma –, seus dogmas e postulados, nada dizem

ao Estado que apenas, por força da eficácia vertical dos direitos e garantia fundamen-

tais, deve zelar pelo respeito, intimidade, direito de expressão e segurança de quem

algo professa ou de quem, em nada acredita.

Nas já citadas palavras do Ministro Marco Aurélio, “a liberdade religiosa e o

Estado laico representam mais do que isso. Significam que as religiões não guiarão o

tratamento estatal dispensado a outros direitos fundamentais, tais como o direito à

autodeterminação, o direito à saúde física e mental, o direito à privacidade, o direito à

liberdade de expressão, o direito à liberdade de orientação sexual e o direito à liber-

dade no campo da reprodução”.

Assim, entre outras manifestações a laicidade do Estado é fundamental à pre-

servação de significativa parcela das liberdades públicas, onde direitos, a priori, equi-

polentes, porque igualmente albergados nos Direitos e Garantias fundamentais, de-

vem entrar em concordância prática ou, não sendo isso possível, eleger a prevalência

a um deles.

Nessa linha, e sob a égide da laicidade, tocando diretamente à questão de

possível abuso de direito no comportamento do recorrido, que se arrostou contra o

direito à liberdade, à intimidade e a disposição do próprio corpo da recorrente, bran-

dindo a garantia constitucional ao direito de ação e à defesa da vida humana, mesmo

que ainda em estágio fetal e mesmo com um diagnóstico de síndrome incompatível

com a vida extrauterina, cabe, inicialmente, sopesar os direitos inerentes à inviolabili-

dade da intimidade, da vida privada e da honra das pessoas em contraponto ao direito

de ação que tinha por objeto impedir a interrupção da gravidez.

Assentado que foi, anteriormente, que a interrupção da gestação da recor-

rente, no cenário apresentado, era lídimo, sendo opção do casal – notadamente da

gestante – assumir ou descontinuar a gestação de feto sem viabilidade de vida extrau-

terina, há uma vinculada remissão à proteção constitucional aos valores da intimidade,

da vida privada, da honra e da própria imagem dos recorrentes (art. 5º, X, da CF).

Possível agressão a esses valores, desde que pautados no respeito à lei,

impõe, para aquele que invade esse círculo íntimo e inviolável, responsabilidade

objetiva pelos danos ocorridos. Nesse sentindo, escólio de Nelson Nery Júnior:

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“A ofensa à honra, liberdade ou intimidade das pessoas enseja indenização por dano moral e patrimonial. Trata-se de hipótese de responsabilidade objetiva, porquanto a norma não prevê conduta para que haja o dever de indenizar”( Nery J únior, Nelson – C onstituição Federal comentada e L egislação C onstitucional – 5ª ed. – S ão Paulo: E ditora R evista dos Tribunais, 2014 - Pag. 230

Malgrado essa contundente assertiva, na espécie, foi brandido, como defesa,

direito de igual vigor, pois também inserto entre os Direitos e Garantias Fundamentais:

o direito a ação.

Contudo, esse debate, de índole evidentemente constitucional, é reflexo, pois

deriva, neste recurso especial, da alegada violação ao art. 187 do Código Civil – que

discute o excesso no exercício do direito – e seu contraponto, o art. 188, I, in fine, do

Código Civil, que trata do exercício regular do direito, temas que devem ser esclareci-

dos, antes de se discutir o entrechoque de valores constitucionais.

Para que essa escusa à ilicitude, trazida desde a origem pela defesa, ter a

capacidade de afastar a responsabilidade civil do recorrido, exige-se, porém, que:

I . Não seja hipótese de indenização/compensação pelo critério da responsa-

bilidade civil objetiva;

II . O próprio exercício regular do direito, não se subverta, ele mesmo, em uma

transgressão à lei, na modalidade abuso do direito, desvirtuando um interesse apa-

rentemente legítimo, pelo excesso.

Nesse sentido, calha citar o entendimento manifestado por Arnaldo Rizzardo:

Para a doutrina, não há exercício regular de direito se decorre transgressão à lei. Adverte Aguiar Dias: 'No exercício regular de direito reconhecido será preciso indagar se não esta ele, por uma das muitas razões que justificam a aplicação da doutrina objetiva, submetido a critério mais largo que o da culpa, para constituição da obrigação de reparar'. Nota-se a tendência em determi-nar a indenização, na hipótese de acontecer, eventualmente, uma situação de ofensa a um bem de outrem, apesar de praticada com apoio em tal princí-pio. de modo um tanto forte, sentencia Cunha Gonçalves: ' O exercício do direito não é obrigatório; o seu titular ou sujeito pode realiza-lo, ou não, ou exercê-lo só em parte ou de modo que lhe aprouver. Excetuam-se os direitos que são também deveres, como poder familiar, a tutela etc'”. (Rizzardo, Ar-naldo: Introdução ao Direito e parte geral do Código Civil; 8ª ed. – R io de J aneiro: Forense, 2015; pag. 694 ).

Remetendo o debate sobre a responsabilidade objetiva decorrente do texto

constitucional, para a conclusão deste voto, e centrando atenção, primariamente, na

existência, ou não de abuso do direito por parte do recorrido, cabe dizer que de há

muito –– vigora a ideia de que há limites para o exercício de qualquer direito, que é

dado e mensurado, pela vulneração à matriz teleológica desse próprio direito.

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Assim, a sôfrega e imprudente busca por um direito legítimo, que faz perecer

no caminho, direito de outrem, ou mesmo uma toldada percepção do próprio direito,

que impele alguém a avançar sobre direito alheio, podem ser considerados abuso de

direito.

Em uma tentativa de sintetizar essas possibilidades, Louis Josserand –– fixou

como elementos caracterizadores do abuso do direito: “(i) a titularidade de um direito

subjetivo; (ii) a sua utilização nos limites objetivos que lhe são traçados em lei, com

respeito à letra da norma; (iii) a confrontação do elemento pessoal (subjetivo) com a

função do fim do direito em causa (elemento social ou objetivo)

Sendo as duas primeiras características, os elementos de conformidade com

a legalidade, ou legitimidade no exercício do direito, a motivação e o fim colimado

devem dizer da existência do abuso do direito.

Nessa toada, reprisa-se, do teor da contestação, o que o próprio recorrido diz

de sua motivação, e dos fins que perseguia:

“(...)a exemplo de milhares de pessoas, entende que o feto, enfermo ou não, com maior ou menor expectativa de vida é destinatário de proteção legal, e que as autorizações para abortamento ferem o direito básico à vida existente desde o momento primeiro da concepção. Não podendo e não devendo fazer sua posição prevalecer por meio da força, deve, por óbvio, procurar defender seu ponto de vista perante o Poder Judiciário. Foi a postura adotada. A deci-são não foi de ___________________________, mas do Poder Judiciário” (fl. 88, e-STJ). “(...)agiu na mais estrita defesa da vida, da vida do pobre bebê, que estava em vias de ser assassinado, agiu em prol de Geovana Gomes Leneu, dando à indefesa criança o direito de viver pelo tempo que lhe era destinado viver” (fl. 95, e-STJ).

Das considerações do recorrido, é de se ver que buscou a tutela estatal para

defender suas particulares ideias sobre a interrupção da gestação – em qualquer hi-

pótese – que como afirma, e é cediço, também são defendidas por significativa parcela

da população.

No entanto, como é possível se depreender da leitura introdutória sobre a in-

cidência do julgamento da ADPF 54 à hipótese, agrediu com sua atitude os direitos

inatos da mãe e do pai, ora recorrentes.

E a vulneração aos direitos dos recorrentes se deu ao tempo em que tocou a

garantia legal que o casal tinha de interromper a gestação, fato tão-só desvelado pelo

STF em 2012.

E é de se notar aqui, que também o momento em que se utilizou do seu direito

de ação (já no terceiro dia do procedimento de interrupção da gravidez), e os termos

em que deduziu seu pleito – irrogando ao casal, inclusive, a prática de homicídio -

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traduzem, para efeitos de responsabilidade civil, não de convicções pessoais, friável

motivação e distância teleológica do quanto lhe é dado buscar, na prevalência de seus

particulares valores morais.

A base axiológica do que defende, só tem terreno fértil, dentro de um Estado

de Direito laico, no campo das ideias, podendo nele defender todo e qualquer conceito

que reproduza seus postulados de fé, ou do seu imo, havendo aí, não apenas liber-

dade, mas garantia estatal de que poderá propagar o que entende por correto,

inclusive, tentando em linha de convencimento, demover aqueles que não

pactuam de seus ideais.

Faz medrar, contudo, em seara imprópria, esse corpo de valores – e isso

caracteriza o abuso de direito – quando busca, mesmo que por via estatal, a impo-

sição de seus conceitos e valores a terceiros, retirando deles, a mesma liberdade de

ação que vigorosamente defende para si.

Aqui, convém, ainda, deixar fixado, que qualquer tentativa de disrupção do

nexo causal, sob a alegação de que o recorrido apenas provocou o Estado-Juiz, e foi,

efetivamente este que determinou a interrupção da gestação, não merece guarida.

A busca do Poder Judiciário por uma tutela de urgência traz, para àquele que

a maneja, o ônus da responsabilidade pelos danos que porventura a concessão do

pleito venha a produzir, mormente quando ocorre hipótese de abuso de direito.

Mesmo no Código de Processo Civil de 1973, vigente à época, já se enume-

rava situações de responsabilidade do proponente da medida de urgência, como se

pode verificar no art. 273, § 3º; art. 588, I – que foi revogado e substituído com a

mesma imposição pelo art. 475-O, I; e, ainda, o art. 811, todos do CPC de 1973.

Nessa mesma linha, inúmeros são os precedentes do STJ, como o REsp

1011733/MG, Rel. Massami Uyeda; o RMS 27570/SP, de minha relatoria e o AgInt no

REsp 1604218/RS, de Relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, este último assim

ementado:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. AGRAVO IN-TERNO. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. REPARAÇÃO DE DANO, DECORRENTE DE MEDIDA DEFERIDA NOS AUTOS. POSSIBILI-DADE. RESPONSABILIDADE PROCESSUAL OBJETIVA. RECONHECI-MENTO POSTERIOR DA INEXISTÊNCIA DO DIREITO. OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO PROCESSUAL. DECORRE DA LEI, NÃO DEPEN-DENDO DE PRÉVIOS RECONHECIMENTO JUDICIAL E/OU PEDIDO DO LESADO. POSSIBILIDADE DE DESCONTO, COM ATUALIZAÇÃO MONE-TÁRIA, DO PERCENTUAL DE 10% DO MONTANTE DO BENEFÍCIO SU-PLEMENTAR, ATÉ QUE OCORRA A COMPENSAÇÃO DO DANO. UTILIZA-ÇÃO DE ANALOGIA. LEI N. 8.112/1990. MATÉRIA PACIFICADA NO ÂM-BITO DO STJ, EM VISTA DA AFETAÇÃO À SEGUNDA SEÇÃO E JULGA-

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MENTO DO RESP 1.548.749/RS. 1. Segundo o entendimento firmado na Se-gunda Seção desta Corte Superior, "Os danos causados a partir da execução de tutela antecipada (assim também a tutela cautelar e a execução provisória) são disciplinados pelo sistema processual vigente à revelia da indagação acerca da culpa da parte, ou se esta agiu de má-fé ou não. Com efeito, à luz da legislação, cuida-se de responsabilidade processual objetiva, bastando a existência do dano decorrente da pretensão deduzida em juízo para que se-jam aplicados os arts. 273, § 3º, 475-O, incisos I e II, e 811 do CPC/1973 (correspondentes aos arts. 297, parágrafo único, 520, I e II, e 302 do novo CPC)". 2. Salientou-se também que "Em linha de princípio, a obrigação de indenizar o dano causado pela execução de tutela antecipada posteriormente revogada é consequência natural da improcedência do pedido, decorrência ex lege da sentença, e, por isso, independe de pronunciamento judicial, dispensando também, por lógica, pedido da parte interessada. A sentença de improcedên-cia, quando revoga tutela antecipadamente concedida, constitui, como efeito secundário, título de certeza da obrigação de o autor indenizar o réu pelos danos eventualmente experimentados, cujo valor exato será posteriormente apurado em liquidação nos próprios autos". 3. "Ademais, por um lado, os valores recebidos precariamente são legítimos enquanto vigorar o título judicial antecipatório, o que caracteriza a boa-fé sub-jetiva do autor; entretanto, isso não enseja a presunção de que tais verbas, ainda que alimentares, integram o seu patrimônio em definitivo. Por outro lado, as verbas de natureza alimentar do Direito de Família são irrepetíveis, porquanto regidas pelo binômio necessidade-possibilidade, ao contrário das verbas oriundas da suplementação de aposentadoria". (REsp 1555853/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/11/2015, DJe 16/11/2015) 4. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1604218/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 23/08/2016, DJe 29/08/2016)

E ainda que assim, não fosse, como dito anteriormente, há responsabilidade

pela afronta à inviolabilidade dos direitos constitucionais da intimidade, vida privada e

honra, que prescinde de qualquer outra condicionante, salvo o indevido triscar nesse

mais interno dos círculos concêntricos das esferas da personalidade.

Note-se, esses valores não estão condicionados ao que as demais pessoas

pensam e defendem como ideologia. Eles são intocáveis!

Repisa-se que mesmo sendo assegurado o direito à liberdade, que por óbvio

engloba manifestações públicas contrárias ou favoráveis a uma determinada tese –

desde que não desairosas àqueles que defendem postura inversa – esse direito res-

tringe-se pela igual liberdade do outro, não possibilitando o ingresso no círculo íntimo

de terceiro, para lhe ditar, ou tentar ditar, seus conceitos, ou preconceitos.

No manejo do habeas corpus com pedido liminar, posteriormente recebido

como mandado de segurança, o recorrido, sequencialmente:

Violou a intimidade e a vida privada do casal recorrente, tentando fazer pre-

valecer sua posição particular em relação à interrupção da gestação, mesmo estando

eles amparados, na decisão que tomaram, por tutela judicial;

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Agrediu-lhes a honra ao denominar a atitude que tomaram, sob os auspícios

do Estado, de assassinato;

Agiu temerariamente (quando pediu a suspensão do procedimento médico de

interrupção da gravidez, que já estava em curso) e impôs aos pais – notadamente à

mãe – sofrimento inócuo, pois como se viu, os prognósticos de inviabilidade de vida

extrauterina se confirmaram.

Esses fatos se mesclam, demonstrando, de um turno, a agressão aos mais

íntimos direitos da personalidade, o que impõem a responsabilidade objetiva do

agente causador do dano e, ao par desta, o evidente abuso no exercício do direito de

ação, que também apenas se conforma com a cabal demonstração de que o exercício

desse direito tem escopo não albergado pelo Estado de Direito, também aponta para

a responsabilização do recorrido.

Assim, impõe-se o reconhecimento de que o recorrido, ao contrário do que

dantes afirmado, tocou, com dano, espaço reservado à liberdade de outros e, ainda,

por incúria ou perfídia, utilizou-se de um direito próprio – direito de ação – para impor,

aos recorrentes, estigma emocional que os acompanhará perenemente.

Sob essa ótica, fixo, a título de compensação por danos morais, o valor de

R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), corrigidos monetariamente e com a incidência de

juros de mora, a partir do dia que a recorrente deixou o hospital.

Forte nessas razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, nos termos

acima delimitados.

Ônus sucumbenciais suportados integralmente pelo recorrido, com a fixação

dos honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação, observando-se os

benefícios da assistência judiciária gratuita incidentes à espécie.

9. Agravo Interno nº 443199-47.2008.8.09.0051 (200894431994).

APELAÇÃO CÍVEL N° 443199-47.2008.8.09.0051 (200894431994) AGRAVO INTERNO Comarca de Goiânia Agravante: Tatielle Gomes da Silva e outro Agravado: Luiz Carlos Lodi da Cruz Relator: Des. Kisleu Dias Maciel Filho

RELATÓRIO E VOTO

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Cuida-se de agravo interno interposto por Tatielle Gomes da Silva e José Ri-

cardo Gomes Lomeu, inconformados com a decisão monocrática proferida às fls.

196/209, pela qual, com fulcro no artigo 557, caput do Código de Processo Civil, ne-

guei seguimento ao apelo interposto.

Em suas razões de fls. 212/230 os agravantes alegam que "(...) a decisão

monocrática ora agravada decorre de uma apreciação inadequada e superficial do

caso dos autos, violando normas previstas na legislação civil e direitos fundamentais

positivados na ordem constitucional brasileira, além de invocar precedentes comple-

tamente impertinentes na situação vertente (...)". (fl. 2016)

Argumentam que o dano moral causado pelo agravado consiste no sofrimento

físico, psicológico e injustificável prolongamento de riscos à saúde da agravante, haja

vista que o habeas corpus proposto pelo recorrido foi abusivo sob dois ângulo: não

era processualmente adequado, nem constitucionalmente admissível.

Esclarecem que " ( ... ) a interrupção da gravidez não estava sendo iniciada à

margem do direito, mas com lastro em uma decisão judicial que autorizou o procedi-

mento após uma avaliação cuidadosa das particularidades da situação (...)."-fl.222.

Registram que mesmo a ação tendo sido recebida como mandado de segu-

rança faltaria ao agravado legitimidade ativa, pois não havia interesse legítimo de sua

titularidade, quanto mais direito líquido e certo que pudesse considerar como seu.

Apontam ainda a abusividade da conduta do recorrido ao tentar impor aos agravantes

os dogmas de sua religião, destacando que " (...) se a vida extrauterina do feto era

impossível, a pretensão do direito à vida no caso não mais foi que uma ilusão in-

justa(...)". (fls. 226)

Quanto ao nexo de causalidade, sustentam que o parto da agravante " ( ... )

jamais teria sido interrompido sem a indevida intromissão do agravado por meio da

impetração do infundado habeas corpus." (fl. 228)

Ao final, requerem a retratação da decisão agravada, ou o conhecimento e

provimento do presente agravo interno perante o Colegiado deste Egrégio Tribunal de

Justiça, para que seja reformada a sentença proferida em primeiro grau, com a con-

denação do agravado à indenização por danos morais.

Ausente o preparo por serem beneficiários da justiça gratuita.

Eis o relatório.

Passo ao voto.

Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso, dele conheço.

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Com efeito, entendo que as razões invocadas pelos ora agravantes não infir-

mam a decisão prolatada no âmbito do recurso em voga, pelo que vale transcrever o

que lá ficou consignado, no que importa:

"Presentes os pressupostos subjetivos e objetivos de admissibilidade recursal,

conheço do apelo. Não existindo questões preliminares a serem analisadas, adentro

ao cerne da questão.

Pois bem.

Sobre responsabilidade civil, Rui Stoco leciona: ' (...) a estrutura clássica da

responsabilidade civil é composta dos seguintes elementos: a) comportamento do

agente através de ação ou omissão antijurídica, volutária e culposa (ato ilícito); b) re-

sultado danoso dele decorrente; e c) nexo de causa e efeito entre a ação ou omissão

e o atado resultado verificado.' (in Tratado de Responsabilidade Civil. Ed. Revista dos

Tribunais, página 116)

Portanto, para que fique caracterizado o dever de indenizar, devem os autores

provar a existência da conduta ilícita do réu (ação ou omissão), o dano decorrente

dessa conduta e o nexo de causalidade entre o ato e o resultado danoso, conforme

regra inserta no artigo 333, I, do CPC ('o ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto

ao fato constitutivo do seu direito').

Ausente qualquer dos requisitos, não há que se falar em dever de indenizar.

Deduz-se dos autos que a primeira autora/apelante já vivia em união estável

com o segundo autor/apelante, vindo a ficar gestante pela primeira vez, quando, no

decorrer da gravidez, recebeu o diagnóstico de que seu feto sofria de Síndrome de

Body Stalk, ou seja, era portador de múltiplas deformações, pois o cordão umbilical

era muito curto e a placenta havia ficado próxima de sua parede abdominal, que não

se fechou, deixando as vísceras expostas.

Ainda, visando a preservação da higidez psíquica e integridade física da ges-

tante, foi protocolizado pedido de alvará judicial para antecipação do parto, que foi

deferido pelo Juiz de Direito da l' Vara Criminal da Comarca de Goiânia, Dr. Jesseir

Coelho de Alcântara, em 06 de outubro de 2005(fls. 25/29).

Iniciados os procedimentos para a indução do parto, inclusive a ministração

de medicamentos para a dilatação do colo do útero, os autores e médicos receberam

a notícia de que o procedimento teria de ser suspenso em razão de liminar proferida

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pelo Des. Aluizio Ataides de Sousa, em habeas corpus proposto pelo requerido/ape-

lado, um padre desconhecido dos recorrentes (fls. 34/43).

Diante da ordem judicial, a primeira apelante recebeu alta e ficou em casa na

companhia do segundo requerente, por onze dias, sofrendo dores e sangramento, em

estado de angústia e desamparo – pois os médicos de sua cidade desconheciam o

caso e temiam uma desobediência judicial - até o momento do parto, que ocorreu em

22 de outubro de 2005, vindo o bebê a óbito logo em seguida (fls. 32/33).

As causas legais de extinção de punibilidade do aborto, previstas no artigo

128 do Código Penal são: o aborto necessário, ou seja, quando não há outro meio de

salvar a vida da gestante, ou ainda no caso de gravidez resultante de estupro, com o

consentimento da gestante ou de seu representante legal, quando esta for menor.

Recentemente, em abril do ano de 2012, o Supremo Tribunal Federal declarou

inconstitucional a interpretação de que a interrupção da gravidez de feto anencéfalo

seria conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, I e II, do Código Penal, de modo

que outra excludente de ilicitude erigiu-se no ordenamento jurídico por construção ju-

risprudencial. Confira-se:

'ESTADO - LAICIDADE. O Brasil é uma república laica, surgindo absoluta-mente neutro quanto às religiões. Considerações. FETO ANENCÉFALO- IN-TERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ - M U L H E R - LIBERDADE SEXUAL E RE-PRODUTIVA - SAÚDE - DIGNIDADE - AUTODETERMINAÇÃO – DIREITOS FUNDAMENTAIS - CRIME - INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional in-terpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipi-ficada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.' (STF, ADPF 54/DF, Rel. Ministro Marco Aurélio, Julgado em 12/04/12)

O conflito que ora se pretende ver resolvido é que, se de um lado, os apelantes

sofreram dias de dores e angústia ao terem que aguardar o parto natural do feto que

esperavam, em razão da suspensão do alvará judicial que autorizava a sua antecipa-

ção; por outro lado, há o interesse do apelado, como cidadão, de utilizar-se dos meios

legais ao seu alcance para ver tutelado o direito à vida, pois as hipóteses em que se

admite atentar contra ela estão elencados de modo restrito, inadmitindo-se interpreta-

ção extensiva, tampouco analogia em desfavor da parte, devendo prevalecer o princí-

pio da reserva legal.

No caso em estudo, embora não há dúvidas de que a ciência não poderia

salvara vida do bebê dos autores, em razão da letalidade da chamada Síndrome de

Body Stalk, o que se deve ter em mente é que a antecipação do parto, em casos que

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tais, não está autorizado pelo ordenamento jurídico pátrio, uma vez que, como já men-

cionado pelo douto julgador singular, a aplicação do entendimento jurisprudencial do

STF tem aplicação circunscrita aos fetos gerados sem cérebro.

Ademais, esse mesmo ordenamento jurídico dá guarida aos direitos do nasci-

turo ao estabelecer, no artigo 2° do Código Civil, que a personalidade civil da pessoa

começa do nascimento com vida; mas lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos

do nascituro.'

Além disso, a Constituição Federal garante aos cidadãos utilização dos remé-

dios constitucionais (habeas corpus ou mandado de segurança -art. 5', LXVIII e LXIX)

para a proteção dos direitos fundamentais, sejam eles individuais, coletivos, difusos

ou, no caso do habeas corpus, de terceiro.

Sendo assim, tendo em vista que a tutela constitucional e rige a inviolabilidade

do direito à vida como valor supremo de nosso Estado, ainda que laico, diante de um

juízo de ponderação, não deve sobre ele prevalecer o direito à intimidade dos apelan-

tes, de modo que não se vislumbra qualquer ato ilícito na conduta do apelado, quiçá

abuso do direito de ação.

Confira-se o magistério de Nelson Nery Júnior:

'Direito de ação. Todos têm acesso à justiça para postular tutela jurisdicional

preventiva ou reparatória de um direito individual, coletivo ou difuso. Ter direito cons-

titucional de ação significa poder deduzir pretensão em juízo e também poder de dela

defender - se.' (Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, Re-

vista dos Tribunais, 7. Edição, São Paulo: 2003, p. 127.)

Nesse passo, valho-me dos fundamentos adotados pelo ilustre julgador sin-

gular, cujos fragmentos ora transcrevo, com a devida vênia, conforme permite o pará-

grafo único do art. 210 do Regimento Interno desta Corte de Justiça (fls. 131/132):

'(...)

No caso em estudo, apesar da menção genérica à saúde da genitora quando

da autorização judicial para o aborto, o certo é que a causa determinante foi calcada

na expectativa de vida da criança após o nascimento, pois do contrário o ato estaria

amparado pelo próprio Código Penal, que em seu bojo expressamente o autoriza na

hipótese de risco de vida para a mãe.

A partir de tal premissa, seria lícito a qualquer pessoa impetrar habeas corpus

na tentativa de preservar a vida do nascituro, consoante autoriza o artigo 2' do Código

Civil.

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(...)

Levando-se em conta que a lei põe a salvo os direitos do nascituro desde a

concepção, artigo 2' do Código Civil, o fato de terceiro defender os interesses deste

quando em conflito com o dos pais evidentemente não configura abuso de direito.

Noutro aspecto, calha assinalar que a obtenção de autorização judicial para a

prática do aborto não gera direito absoluto, a ponto de afastar o controle jurisdicional

pela instância superior, ainda que por via autônoma, principalmente se a lei assim o

prevê.'

Impende considerar que a restrição ao direito constitucional de ação deve ser

analisada com cautela, devendo-se mencionar que a hipótese de abuso de tal direito

está estreitamente relacionado à má-fé processual da parte contrária, o que não se

evidencia nos presentes autos.

Dessa forma, ausente um dos elementos caracterizadores da responsabili-

dade civil, qual seja, a conduta ilícita, não há o que se reformar na sentença em de-

bate.

Sobre o assunto, confira-se a jurisprudência desta Corte de Justiça:

'APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. INOCOR-RÊNCIA. REQUISITOS NÃO COMPROVADOS. CORRESPONDÊNCIAS. RECEBIDAS. PROPOSTA DE QUITAÇÃO DO DÉBITO. I – II Restando inde-monstrada a conduta ilícita do réu, resultante da violação da ordem jurídica com ofensas ao direito alheio e lesão ao respectivo titular, afastado se encon-tra, via de consequência, o dever reparatório, de ordem moral. III- (...) IMPRO-VIDO.' (TJGO, 95.2009.8.09.0049, PORFIRIO ROSA, lA 23/10/2012, DJe 1175 RECURSO APELACAO CONHECIDO, MAS CIVEL Rel. DR(A). CA-MARA CIVEL, de 30/10/2012) ACLARAMENTO. DIREITO DE AÇÃO. EXER-CÍCIO REGULAR DO DIREITO. ABANDONO MORAL E MATERIAL. IMPRO-CEDÊNCIA. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. INADIMISSIBILIDADE. ASSIS-TÊNCIA JUDICIÁRIA. DECLARAÇÃO DE POBREZA. PRESUNÇÃO RELA-TIVA. COMPROVAÇÃO. DESNECESSIDADE 1. Ausente demonstração ca-bal de que a instauração do procedimento judicial (pedido negatório de pater-nidade) não se deu de forma injusta, desprovida de má-fé, não se vislumbra abuso de direito a justificar a postulação rogada, na medida em que pleiteia o autor o aclaramento da paternidade do requerido do qual figura como pai re-gistral. 2. Alegação de abandono moral e material por parte do ré/reconvinte não obsta a comprovação pericial do vínculo genético entre os contendores, de molde a viabilizar o acesso ao judiciário visando assegurar direito subjetivo da parte (art.5°, XXXV da CF). 3. Incontroverso que somente o deliberado propósito do agente de malferir a dignidade de outrem, caracteriza lesão bas-tante e/ou suficiente à responsabilização do autor por dano processual (abuso de direito). 4. Admitido o exercício regular do direito de ação nos estritos limi-tes da lei concorde com os princípios éticos, a boa -fé e os bons costumes, não prospera o pedido indenizatório reconvencional a teor do que dispõe o art. 188, I do CC. 5. Consabido que a declaração de pobreza firmada pelo litigante goza de presunção relativa, não está o julgador compelido a averi-guar a real existência ou persistência do estado de miserabilidade do postu-

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lante. APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.' (TJGO, APELA-CAO CIVE 105590-35.2010.8.09.V0-51, Rel. DR(A). JOSE A C A RA CIVEL, julgado em e 934 d 03/11/2011). 'APELACÃO CÍVEL. DANO MORAL. IMPROCEDÊNCIA. EXERCÍCIO RE-GULAR DE UM DIREITO. SUSPEITA DE FALSIDADE DOCUMENTAL. SER-VENTUÁRIA DE CARTÓRIO DE NOTAS. PROCEDIMENTO POLICIAL RE-GULAR. 1 - O fato de a tabeliã do cartório de notas suspeitar da autenticidade documental e requisitar auxílio policial para averiguação não dá ensanchas a dano moral por se tratar de exercício regular do direito e não restar configu-rado pelas provas dos autos que esta agiu com dolo, culpa ou má-fé. APELO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENCA MANTIDA.' (TJGO, APELACAO CIVEL 253406-10.2007.8.09.0024, Rel. DR(A). GERSON SANTANA CIN-TRA, 4A CAMARA CIVEL, julgado em 06/10/2011, DJe 962 de 16/12/2011) AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. APROPRI-AÇÃO INDÉBITA. FUNCIONÁRIO. AVERIGUAÇÃO DOS FATOS EM IN-QUÉRITO POLICIAL. PROCESSO CRIMINAL EXTINTO EM DECORRÊN-CIA DA PRESCRIÇÃO. CONFISSÃO. INEXISTÊNCIA DO DEVER DE RE-PARAÇÃO. EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO. SENTENÇA DE IMPRO-CEDÊNCIA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. ULTRA PETITA. NULIDADE NÃO CONFIG RADA. I Não há que se denominar nesta ultra petita aquela que julga improcedentes os pedidos contidos na exordial. Por cediço, tal classificação diz respeito à conformidade da sentença com o pedido postulado pela parte autora e não à causa de pedir, de modo que o magistrado não está adstrito aos fundamentos expostos na petição inicial. II - Configura exercício regular de um direito da parte em instaurar inquérito policial para averiguar possível apropriação indevida de mercadorias da empresa, ato atribuído a funcionário, máxime quando, todas as provas produzidas comprovarem não se tratar de denunciação caluniosa, especialmente diante da confissão do empregado em interrogatório judicial, evidenciando, assim, a inexistência do dano a merecer reparação. III - Sentença que julgou improcedente o pedido de indenização por dano moral e material, mantida integralmente. APELAÇÃO CONHECIDA, MAS DESPROVIDA.' (TJGO, APELACAO CIVEL 79940-25.2006.8.09.0051, Rel. DES. FAUSTO MOREIRA DINIZ, 6A CAMARA CIVEL, julgado em 09/08/2011, DJe 886 de 22/08/2011) 'APELACAO CIVEL. ACAO DE INDENI-ZACAO. DANO MORAL E MATERIAL CARACTERIZACAO. A CARACTERI-ZACAO DO DANO INDENIZAVEL IMPLICA NA DEMONSTRACAO DE UMA SITUACAO QUE ORDINARIAMENTE P S IR A E ISTENCIA DA OFENSA E DA ILICITUDE O ATO, EXTRAINDO-SE AINDA A COMPROVACAO DO NEXO CAUSAL ENTRE O DANO E A CONDUTA DO AGENTE (DOLOSA OU CULPOSA). II - MEDIDA CAUTELAR BUSCA E APREENSAO – MERO EXERCICIO DO DIREITO DE ACAO - O ATO LICITO NÃO ENSEJA A RES-PONSABILIDADE CIVIL IMPOSITIVA DA OBRIGACAO DE INDENIZAR. A PROPOSITURA DE MEDIDA CAUTELAR DE BUSCA E APREENSAO CON-SUBSTANCIA-SE NO EXERCICIO REGULAR DO DIREITO DE ACAO, NÃO CONSUBSTANCIA A RESPONSABILIDADE CIVIL IMPOSITIVA DO DEVER DE INDENIZAR, POSTO QUE ATO LICITO RESGUARDADO PELA CONS-TITUICAO (ART. 5, XXXV). ASSIM, DE CONSEQUENCIA, A IMPROCEDEN-CIA DO PEDIDO INDENIZATORIO E FLAGRANTE, ADEMAIS, ANTE A AU-SENCIA DE COMPROVACAO DE QUE O SEU PROCEDIMENTO TENRA SE DISTANCIADO DA REGRA LEGAL OU DE QUE A CONDUTA DA RE TENRA SIDO CONTRARIA AO DIREITO, ABUSIVA OU DE MA -FE. III CAR-TORIO DISTRIBUIDOR. MEDIDA CAUTELAR.ANOTACAO NO SERASA. INEXISTENCIA DE DANO. LICITA E A COLETA DE DADOS DO SERASA JUNTO AO CARTORIO DISTRIBUIDOR, ATE PORQUE OS PROCESSOS JUDICIAIS EM SUA MAIORIA SÃO PUBLICOS. PORTANTO, ESTE REGIS-TRO NAO INDUZ AO DANO MORAL. APELO CONHECIDO E DESPRO-VIDO.' (TJGO, APELACAO CIVEL JOAO WALDECK FELIX D E 149641-6/188, Rel. DES. SOUSA, 2A CAMARA CIVEL, O, DJe 5,22 de 19/02/2010). Ao teor do exposto, com fulcro no disposto no art. 557, caput, do Código de Processo Civil, NEGO SEGUIMENTO DE PLANO ao recurso apelatório, man-tendo a sentença por estes e por seus próprios fundamentos."

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Destarte, a decisão agravada desmerece qualquer espécie de censura, por-

que encontra-se em perfeita sintonia com o entendimento jurisprudencial acima decli-

nado.

Ao teor do exposto, não convencido do desacerto da decisão recorrida, nego

provimento ao agravo interno interposto, mantendo-se, pois, incólume a decisão mo-

nocrática objurgada.

É como voto.

Goiânia, 12 de seternbro de 2013.

Des. Kisleu Dias Maciel Relator

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