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1 Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.9, n.1, p.96-108, Jun. 2019 | ISSN 2178-5368 semeiosis SEMIÓTICA E TRANSDISCIPLINARIDADE EM REVISTA TRANSDISCIPLINARY JOURNAL OF SEMIOTICS resumo O trabalho que segue teve como intenção traçar relações entre a tríade semiótica criada por Pierce e compará-la às divisões realizadas por teóricos do Design Emocional e áreas afins. Este levantamento bibliográfico teve como conclusão a construção de relações metaprojetuais entre as teorias apresentadas com o intuito de fornecer ferramentas para elucidar os anseios do usuário durante o desenvolvimento de produtos. PALAVRAS-CHAVE: Design Emocional. Tríade Semiótica. Design Teórico. abstract The work that follows was intended to draw relationships between the semiotic triad created by Pierce and compare it to the divisions performed by Emotional Design theorists and related areas. This bibliographical survey had as conclusion the metaprojectual relationship between presented theories which goal was to provide tools to clarify the user yearnings during the products projectual process. KEYWORDS: Emotional Design. Semiotic Triad. Theoretical Design. A tríade do design emocional: comparações e intersecções semióticas Julia Julia Yuri Landim Goya | [email protected] Leonardo Alvarez Franco | [email protected] Luiz Carlos Paschoarelli | [email protected] Paula da Cruz Landim | [email protected] Galdenoro Botura Júnior | [email protected] Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.9, n.1, p.96-108, Jun. 2019 | ISSN 2178-5368

resumo abstract - semeiosissemiótica criada por Pierce e compará-la às divisões realizadas por teóricos ... De um lado, o Design é determinado pelas ideias e condições materiais

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    Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.9, n.1, p.96-108, Jun. 2019 | ISSN 2178-5368

    semeiosisSEMIÓTICA E TRANSDISCIPLINARIDADE EM REVISTA

    TRANSDISCIPLINARY JOURNAL OF SEMIOTICS

    resumoO trabalho que segue teve como intenção traçar relações entre a tríade semiótica criada por Pierce e compará-la às divisões realizadas por teóricos do Design Emocional e áreas afins. Este levantamento bibliográfico teve como conclusão a construção de relações metaprojetuais entre as teorias apresentadas com o intuito de fornecer ferramentas para elucidar os anseios do usuário durante o desenvolvimento de produtos.

    PALAVRAS-CHAVE: Design Emocional. Tríade Semiótica. Design Teórico.

    abstractThe work that follows was intended to draw relationships between the semiotic triad created by Pierce and compare it to the divisions performed by Emotional Design theorists and related areas. This bibliographical survey had as conclusion the metaprojectual relationship between presented theories which goal was to provide tools to clarify the user yearnings during the products projectual process.

    KEYWORDS: Emotional Design. Semiotic Triad. Theoretical Design.

    A tríade do design emocional: comparações e intersecções semióticas

    Julia Julia Yuri Landim Goya | [email protected] Leonardo Alvarez Franco | [email protected]

    Luiz Carlos Paschoarelli | [email protected] Paula da Cruz Landim | [email protected]

    Galdenoro Botura Júnior | [email protected]

    Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.9, n.1, p.96-108, Jun. 2019 | ISSN 2178-5368

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    IntroduçãoÉ notável que a humanidade seja guiada em termos comerciais e usuais

    pelo seu senso estético, funcionalidade e pela emoção tanto quanto outras percepções. Uma vez percebido isso, podemos colocar a figura do designer como intermediador dessas reações do usuário com o objeto, seja ele gráfico ou produto, para que esta relação seja tão satisfatória quanto for possível. Além disso, a figura do designer chega para interpretar as diferentes maneiras em que as pessoas se comunicam e se expressam, sendo com os objetos que os rodeiam e também como emissores de mensagens.

    Próximo do corpo ou não o Design acompanha a jornada diária das pessoas de manhã até a noite. Quase todos os objetos da vida cotidiana (roupas, móveis, louças, veículos e até mesmo alguns alimentos) foram desenhados. A vida da maioria das pessoas já não é mais imaginável sem o ambiente produzido pelo Design, que funciona como referência no contato do indivíduo com o mundo, influenciando suas formas de pensar (FRANÇA e QUELUZ, 2012).

    “O design, em todas as suas manifestações, é o DNA de uma sociedade industrial – ou pós industrial, se isso que temos hoje. É o código que precisamos explorar se quisermos ter uma chance de entender a natureza do mundo moderno. É um reflexo de nossos sistemas econômicos. E revela a marca da tecnologia com que temos que trabalhar. É um tipo de linguagem, e é reflexo de valores emocionais e culturais. O que torna essa visão do design realmente atraente é a noção que há algo a entender sobre os objetos além das questões óbvias de função e finalidade. Isso sugere que a tanto a ganhar explorando-se o significado dos objetos quanto considerando o que fazem e o visual que tem. O design é a linguagem que uma sociedade usa para criar objetos que reflitam seus objetivos e seus valores. […] O design é a linguagem que ajuda a definir, ou talvez sinalizar, valor.” (SUDJIC, 2010: 49 )

    De um lado, o Design é determinado pelas ideias e condições materiais sobre as quais os designers não têm controle, mas, por outro lado, os designs por outro lado são obra do exercício da autonomia criativa e originalidade dos designers (FORTY, 2007). Mas não devemos esquecer de que as tecnologias e trabalho envolvidos englobam fatores simbólicos, culturais, sociais, políticos e econômicos que estão permeados desde a concepção do produto até a esfera do consumo, havendo no percurso uma atribuição de valores aos artefatos (MENDES, 2012).

    Os objetos são nossa maneira de medir a passagem das nossas vidas. São o que usamos para nos definir, para sinalizar quem somos, e o que não somos. Ora são as joias que assumem este papel, ora são os móveis que usamos em

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    nossas casas, ou objetos pessoais que carregamos conosco, ou as roupas que usamos. (SUDJIC, 2010)

    Sudjic (2010) levanta, porém, outro ponto na produção hoje em dia de artefatos. Ele defende que os bens que conservamos durante décadas podem ser os espelhos de nossas experiências da passagem do tempo. Agora, nossa relação com os novos bens parece muito mais vazia. A atração de um produto é criada e vendida na base de um olhar que não sobrevive ao contato físico. A atração se esvai tão depressa que a paixão acaba quase tão logo a venda é realizada. O desejo passa muito antes que o objeto envelheça.

    Independentemente do significado do objeto, nós formulamos juízos de modo instantâneo, decodificando segundo Rafael Cardoso “a natureza física do objeto, o conceito por trás dele, sua serventia, sua origem, seu valor, suas relações com outros objetos, e assim por diante”, (CARDOSO, 2012: 140). Saber compreender artefatos é saber que eles mudam no tempo, impelidos pela ação dos usuários e condicionados pela força do ambiente, até os limites suportados da materialidade. Um único objeto pode dizer coisas ao longo de sua existência, inclusive coisas contraditórias. Mas apesar de sua contrariedade ou não esses objetos são expressão concreta do pensamento e comportamento humano, estes artefatos refletem a nossa cultura. (CARDOSO, 2012)

    É fato que a importância dada ao Design de objetos e/ou artefatos é estudada em bibliografia recente e com ampla área de pesquisa ainda a ser aprofundada. Porém ainda não há uma ligação clara entre linhas de pesquisa do século passado com este, considerando que teorias antes usadas como fórmulas (tais como usadas advindas da semiótica) para montar peças, hoje se entende que o usuário não tem apenas a capacidade de perceber, mas também sentir, levando em conta seu repertório pessoal além de sua cognição biológica e condição social.

    Sabendo deste contexto podemos traçar conexões entre as relações metaprojetuais propostas na semiótica de Peirce e outros teóricos de Design Projetual consagrados tais como Gomes (2006), Norman (2008), Hekkert e Desmet (2007), Karjalainen (2006) e Ono (2006). Tais autores foram escolhidos pela proximidade de pensamento em tríade assim como nas teorias semióticas.

    Entrando no campo de comunicação, por exemplo, Munari (2006) nos apresenta dentro da área visual a alguns elementos que interferem na nossa interpretação das mensagens, sendo eles os filtros sensorial, operacional e cultural. Onde é possível traçar as semelhanças entre o campo do Design Emocional que trabalha com questões sinestésicas e culturais, além dos fatores ergonômicos com a tríade semiótica de Peirce onde a mensagem será interpretada e analisada conforme o contexto do usuário e forma da mensagem,

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    tanto quanto em outros autores.

    Niemeyer (2009) também concorda que a ocorrência de produto vem da expressão de um cenário político, econômico, social, e cultural dentro das dimensões histórica e geográfica. Logo, o produto sofre interferências de filtros fisiológicos (percepção), filtros culturais (ambiente e experiência individual) e emocionais (atenção e motivação) já mostrando o pensamento divido em três etapas.

    OBJETIVOSEste levantamento bibliográfico pretende apresentar uma revisão

    de pesquisadores da grande área do Design Emocional para que ao final do trabalho possam ser traçadas intersecções entre as divisões feitas pelos autores para compará-las a tríade semiótica peirceana, com a intenção de facilitar a compreensão da experiência do usuário quando deparado a um produto e engajar futuros projetistas em sua carreira a utilizar conceitos metaprojetuais baseados nas tríades citadas.

    METODOLOGIAFoi realizada uma pesquisa bibliográfica em periódicos e livros, tanto

    nacionais quanto internacionais, afim de que se pudessem elencar semelhanças e divergências entre teorias do Design Emocional e como são estruturados os chamados de níveis de interação com o usuário, para que se pudesse realizar uma comparação desta relação entre objeto e usuário com a tríade semiótica de Peirce. A intenção é intensificar o pensamento de metaprojeto, ou seja, aprofundamento da análise emocional (psicológica, fisiológica e física) do usuário antes mesmo da construção do objeto em si, conceito aparentemente pouco explorado nas metodologias de ensino de Design em nível de graduação.

    NIEMEYERO Design Atitudinal, como descrito e defendido por Niemeyer (2008), é

    resultado do estudo das interações entre os produtos e os usuários, observando as relações entre as características físicas dos primeiros e suas influências afetivas sobre os últimos, visando entender como se dá a relação entre a eficiência, dividida nos níveis físico e fisiológico, com a atribuição de significado em um nível subjetivo.

    O nível físico se refere à funcionalidade do produto através de suas características técnicas de funcionamento. Entram nesse nível forma, materiais, texturas e demais elementos construtivos do objeto, responsáveis por seu desempenho.

    O nível fisiológico se refere à usabilidade do mesmo pelo usuário.

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    Nesse nível se encontram as características ergonômicas e de interface, que permitem que o objeto seja utilizado pelo seu usuário da forma mais adequada às necessidades do mesmo.

    Já o nível subjetivo, de acordo com a autora, é o nível responsável por estabelecer com os usuários as relações emocionais, que “provoquem as emoções que eles gostariam de experimentar”. (NIEMEYER, 2008: 56). Ainda segundo a autora, muitos dos objetos produzidos hoje já atingiram um aparente limite técnico e, por consequência, os aspectos emocionais de um projeto se tornam cada vez mais relevantes. Entretanto, a autora ressalta que esses aspectos emocionais são projetados pelos objetos através das memórias evocadas e pelos filtros culturais e sociais do usuário, sendo assim construtos pessoais de cada usuário, e não atributos tangíveis do produto.

    GOMES FILHOGomes Filho (2006) sistematiza a tricotomia dos signos ou dimensões

    essenciais na relação semiótica entre objetos e usuários: as dimensões sintática, semântica e pragmática. A dimensão sintática de um objeto refere-se ao planejamento e ordenação do conjunto do mesmo, assim como a sintaxe verbal trata da construção da linguagem. Dessa forma, um produto pode ser formado por um único componente ou por uma relação de componentes interligados, e esse é o aspecto da sintaxe do mesmo. Nele, tratamos dos elementos técnicos do produto, sua parte estrutural, física.

    Enquanto a semântica trata da linguagem e das relações polissêmicas dos seus elementos, quando levada em consideração como aspecto do design, é lida como a significação do produto em si, ou seja, do objeto e do que ele pode significar dependendo do contexto no qual está inserido; é sua interpretação tanto como símbolo quanto como disparador dos mesmos.

    Por último, para Gomes Filho (2006), a dimensão pragmática trata da utilidade dos objetos, e da relação direta do mesmo com seus usuários: a prática, o uso, o convívio com o artefato, suas leis de funcionamento e, por extensão, ergonomia e usabilidade.

    NORMANDonald Norman (2008) descreve três níveis distintos de percepção do

    usuário em relação ao produto levando em consideração estados positivos ou negativos de afetividade: o primeiro nível, chamado visceral, é relacionado a percepção inicial de um produto, principalmente a seus aspectos físicos como forma, cores, simetria ou assimetria, toque e texturas. Por se tratar de um nível de julgamento muito rápido, é praticamente incapaz de raciocínio. Essas características, quando bem usadas e combinadas, induzem o consumidor

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    primeiro a desejar o objeto, sem refletir sobre função, utilidade ou usabilidade.

    O segundo nível do design emocional de Norman é o comportamental, que está associado a quatro componentes: usabilidade, compreensividade, função e sensação física. Esses quatro componentes relacionam-se a processos cognitivos básicos, sem altos níveis de reflexão.

    Enquanto os dois primeiros níveis podem ser considerados imediatos, o terceiro se dá com o passar do tempo, é o chamado nível reflexivo. Está amplamente relacionado à mensagem transmitida pelo objeto e a forma como ele se relaciona com a cultura do usuário, com a transmissão de mensagens ou evocação de memórias pessoais. É o nível verdadeiramente racional, que faz com que o consumidor queira adquirir um produto e tenha orgulho de sua posse, ainda que o mesmo não satisfaça completamente as condições do nível comportamental.

    HEKKERT e DESMETA tríade proposta por Hekkert e Desmet (2007) considera três

    componentes ou níveis de experiência do produto: prazer estético, atribuição de significado e resposta emocional. Os autores definem “experiência do produto” como todo o conjunto de afetos que é disparado numa interação entre usuário e objeto, incluindo os graus em que nossos sentidos são agradados (experiência estética), os significados que atribuímos a uma dada vivência (experiência de significado) e os sentimentos e emoções que são despertados nessa interação (experiência emocional).

    Para os autores, a experiência estética considera a capacidade de um produto causar deleite em uma ou mais modalidades sensoriais: se algo é bonito, se emite um ruído agradável, questões de textura, cheiro, gosto. Já a experiência de significado engloba cognição: por meio de processos mentais, o usuário é capaz de relacionar características do objeto a coisas externas; metáforas, memórias, as características culturais, pessoais e ou simbólicas de determinado artefato. Um tipo de experiência de significado é o desenvolvimento de apego por certo produto, ou a associação de valores intrínsecos a ele, representante de categorias sociais ou religiosas, por exemplo.

    Por último, a experiência emocional, segundo Hekkert e Desmet, refere-se aos fenômenos afetivos tipicamente considerados pela psicologia emocional e na linguagem do dia a dia sobre emoções, tais como amor, desgosto, medo, desejo, desespero etc (HEKKERT e DESMET, 2007: 5). No caso, seria a interpretação emocional da experiência com um objeto, e não o objeto em si a causa dessa emoção: é o resultado cognitivo, ainda que automático, de um processo inconsciente que termina numa análise diagnóstica de determinada situação e produz uma resposta emocional compatível.

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    KARJALAINENAo investigar aspectos semânticos de design aplicados a marcas,

    Karjalainen (2006) propõe uma estrutura de análise de produtos dividida em três níveis: (1) funções do produto, (2) descrições qualitativas, ou “caráter do produto” e (3) manifestações físicas. O autor tem como cerne da sua análise o nível do caráter do produto que, segundo ele, apenas depois de identificar essa característica é possível contemplar as demais manifestações de um objeto.

    O nível de funções do produto compreende as funções técnicas e de interação humana. As funções técnicas, operativas ou estruturais, são funções intrínsecas dos produtos, podendo ser descritas por algumas poucas palavras, como transformar, transmitir, regular, conectar, converter. As funções interativas se referem a interação homem-máquina, podem ser ergonômicas na medida em que podem ser descritas por termos como proteger, facilitar, habilitar ou adaptar, ou então comunicativas, quando carregam descritores como expressar, descrever, identificar.

    O caráter do produto pode ser uma manifestação direta ou indireta das suas características físicas. Também é importante observar as características de construção de marca presentes em um objeto, particularmente as escolhas de comunicação de sua identidade, e o uso estratégico do design com esse objetivo. Seu caráter, por fim, é uma mescla de suas funções e características físicas, que definem o objeto como harmonioso, seguro, moderno, entre outras definições verbais. Está relacionado à percepção e interpretação de suas características pelos usuários.

    As manifestações físicas de um objeto são mais simples de se definir. Forma, acabamento, tratamento de superfície, cores, todas essas características são escolhidas arbitrariamente no momento de concepção de um produto, com objetivos estratégicos. O autor cita como exemplo o ruído característico de uma motocicleta Harley-Davidson (KARJALAINEN, 2006: 65), como sendo deliberadamente projetados para a marca, sendo uma manifestação física perceptível pelo sentido da audição. Outras características podem ser percebidas por outros sentidos, ampliando os níveis de contato entre objeto e usuário e aprimorando a experiência de uso do mesmo. Algumas dessas características ainda podem estar implícitas no objeto, como elementos de Gestalt ou formas que sugerem certas interpretações, como formas arredondadas e cores quentes associadas para gerar uma sensação de acolhimento e proteção.

    ONOMaristela Ono (2006) divide a percepção do usuário em relação ao produto

    em três funções: simbólica, de uso e técnica. As funções simbólicas estão diretamente vinculadas “à percepção das formas, cores, texturas, à aparência visual, às associações simbólicas e afetivas e, portanto, a um determinado

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    contexto” (ONO, 2016: 30). Segundo a autora, por suas características subjetivas, as funções simbólicas são “não quantificáveis”: não podem ser medidas com exatidão, dependendo de diversos aspectos inconscientes do usuário. Modificam-se com significados aprendidos e associações atribuídas dependendo do contexto em que se encontram.

    As funções de uso remetem ao que o usuário espera de um produto em relação à execução de sua funcionalidade; manuseio, manutenção, movimentação, entre outras características interativas. É nas funções de uso que encontram-se as preocupações ergonômicas do designer. Para Ono, essas são funções “quantificáveis”: o quanto o produto suporta peso, qual seu nível de brilho, como conduz eletricidade, de que forma se adapta às medidas do usuário etc.

    Por último, as funções técnicas são as que transitam entre as simbólicas e as de uso: são aquelas características que satisfazem a demanda do usuário: a eficiência, o rendimento, a facilidade de uso e de limpeza, os níveis de ruído e a própria escolha de materiais que podem ter significados diferentes dependendo das funções às quais são submetidos.

    PEIRCEComo ciência que investiga os fenômenos de produção de significação

    e de sentido, a semiótica tem diversas vertentes que estruturam esse processo de maneiras diferentes. Para este estudo, observamos a proposição semiótica de Peirce, que divide os fundamentos da interpretação de signos em tríades, indo ao encontro da nossa análise de teóricos do design que também dividem as funções perceptivas de produtos em tricotomias.

    Uma das tríades propostas por Peirce é constituída por diferentes níveis de percepção e interpretação de sentido pela consciência, as chamadas primeiridade, secundidade e terceiridade.

    A consciência em primeiridade trata das percepções imediatas, literalmente das primeiras impressões da nossa interação com algum fenômeno ao qual atribuímos sentido. É a “qualidade do sentimento [...] a primeira apreensão das coisas.” (SANTAELLA, 2005: 71) Ao mesmo tempo que ela é instantânea, no entanto, é formada de toda nossa experiência prévia, de significados, memórias pessoais e sociais e, portanto, varia de contexto em tempo e espaço; é fresco, novo, “original, espontâneo e livre” (SANTAELLA, 2005: 69).

    Na secundidade, que vem logo após a primeira impressão, o principal fator é o surgimento de uma relação de dependência entre dois termos: é a sensação, ou seja, o resultado de um estímulo causado pela primeiridade. A

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    secundidade é a nossa reação à ação da primeiridade, o impacto da percepção inicial na cognição: são as correlações que criamos a partir da percepção. A memória e as experiências prévias encontram-se na secundidade da ação perceptiva.

    Finalmente, a terceiridade engloba e arremata os dois níveis anteriores. Enquanto a primeiridade é a qualidade e a secundidade é o fato, a última caracteriza-se como previsão: é a interpretação complexa das relações entre os dois primeiros níveis, e a nossa capacidade de atribuir significados diversos a partir dessa experiência. É essa terceira categoria a responsável por uma síntese das outras duas, por meio de signos e representações; é o maior nível de abstração.

    DISCUSSÃOA questão chave é como o ser humano decodifica objetos e reage a eles

    de maneiras distintas. Os teóricos do Design Emocional e de metaprojeto desenvolvem análises para poder quantificar e metrificar essa interpretação para que futuramente existam diretrizes projetuais focadas nestes mesmos usuários, pensando tanto em seu conforto quanto em como convencê-los que aquele objeto é o mais adequado para ele.

    Em psicologia, na neurociência e nas ciências cognitivas, a percepção é a função cerebral que atribui significado a estímulos sensoriais, a partir de histórico de vivências passadas. Por meio da percepção um indivíduo organiza e interpreta as suas impressões sensoriais para atribuir significado ao seu meio que consiste na aquisição, na interpretação, na seleção e organização das informações obtidas pelos sentidos. A percepção pode ser estudada do ponto de vista estritamente biológico ou fisiológico, envolvendo estímulos elétricos evocados pelos estímulos nos órgãos dos sentidos. Do ponto de vista psicológico ou cognitivo, a percepção envolve também os processos mentais, a memória e outros aspectos que podem influenciar na interpretação dos dados percebidos. (CASTRO, 2016)

    Porém é com a abordagem semiótica que complementamos as análises já realizadas em Design Emocional que criam meios para que estes processamentos sejam facilmente elencados em forma de diretrizes projetuais preocupadas com o usuário e não apenas a análise pela pesquisa puramente.

    Partindo da estrutura do pensamento de analise pós-projetual é possível também aplicar esses conhecimentos em nível de planejamento, considerando que a etapa de ideação (criação de opções viáveis a serem testadas) faz parte do metaprojeto além do desígnio das experiências que aquele usuário irá vivenciar ao utilizar um produto.

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    Isso já ocorre em termos ergonômicos, considerando que as características físicas do objeto são previamente planejadas bem como seu desempenho nas interações com o usuário. A partir das interpretações dos autores podemos então supor ser possível planejar as experiências simbólicas, não somente físicas e/ou fisiológicas, de forma que seja viável projetar reações psicológicas para públicos alvos específicos.

    Considerando que o mercado hoje em dia esta progressivamente mais segmentado, em termos de nicho, é interessante que a análise do usuário seja cada vez mais detalhada no metaprojeto, uma vez que tendo essa persona definida é legítimo esperar ou prever determinadas reações, possibilitando o planejamento de prazeres emocionais ligados ao objeto ou até ao momento de compra do mesmo.

    RESULTADOSEste trabalho demonstra diversos pensadores que abordam questões de

    como os objetos influenciam o nosso meio e de como nós interpretamos eles. Como visto em tópicos anteriores, a maioria dos teóricos do Design Emocional dividem as relações que usuários têm com objetos em três níveis, assim como a semiótica peirceana. O intuito deste manuscrito é cruzar estas informações e discutir suas semelhanças, portanto foi elaborada uma tabela ilustrativa com estes objetivos. Nela, as relações por proximidade teórica foram organizadas em colunas, enquanto nas linhas foram distribuídas as tríades propostas pelos autores.

    Levando em consideração que o termo primeiridade se refere a percepções imediatas, torna-se plausível ligar as expectativas descritas por Ono (2006) na função de uso. Dentro destas características podemos ligar a esse uso os aspectos físicos descritos por Gomes (2006), Norman (2008), Hekkert e Desmet (2007), Karjalainen (2006) e Niemeyer (2008). Ou seja, durante a escolha dos materiais, texturas, odores, acabamentos, cores, formas e estrutura é viável ter um planejamento estratégico e ergonômico da primeira impressão do usuário.

    Tomando a secundundidade por correlações que criamos a partir da

    Tabela 1: Resumo das informações coletadas na bibliografia e cruzamento das mesmas.Fonte: Elaborado pelos autores.

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    cognição explicada por Hekkert e Desmet (2007) e partindo do pressuposto que para o estabelecimento de qualquer relação é imprescindível a interação humana (KARJALAINEN, 2006) admite-se supor que a reação a um artefato é a maneira que o usuário entende seu funcionamento, como descrito por Norman (2008), Niemeyer (2008), Gomes (2006). Lembrando que para a efetiva utilização de um determinado objeto se faz necessária a compreensão da sua interface, funcionalidade e usabilidade (NIEMEYER, 2008; NORMAN 2008; GOMES, 2006) partindo de uma demanda e necessidade de uso (ONO, 2006).

    A terceiridade envolve a capacidade de abstração e atribuição de significados, pontos também destacados por Gomes (2006) como significação, assim como a interpretação descrita nos trabalhos de Karjalainen (2006), Hekkert e Desmet (2007) além de Gomes (2006) novamente. Essa última característica pode ser ligada a comunicação (KARJALAINEN, 2006), transmissão de mensagens (NORMAN, 2008) e significados (ONO, 2006; GOMES, 2006), além de associação de emoções (ONO, 2006), bem como, dentro de um contexto social e cultural, geradora de emoções e evocadora de memórias (NIEMEYER, 2008 e NORMAN, 2008), provocando uma associação afetiva com características subjetivas (ONO, 2006).

    Podemos notar que nas tríades elencadas, independentemente de sua nomenclatura, existem estados de complexidade que vão se aprofundando conforme a interação com o público alvo. Em todas elas há uma relação de tempo, distância e prenoção da interpretação do usuário e objeto a ser “lido”.

    Algumas dessas tríades passam da percepção inicial de características físicas ou superficiais para a análise de uso e então na aprofundam nas relações afetivas construídas ao longo do tempo e da experiência do objeto. Essas concentram seu foco na percepção e interpretação das características do objeto pelo usuário, mais do que o artefato em si. Outras levam em consideração mais os atributos físicos do objeto do que o repertório do próprio usufruidor.

    É interessante ressaltar também como as trindades elencadas neste trabalho são atuais, todas feitas nos últimos quinze anos, permitindo análises diferenciadas da mesma perspectiva da relação da peça com seu possível cliente. Este tema, abordado em conceitos mais antigos como a análise semiótica, ainda se apresenta pouco usufruído em termos metaprojetuais, mostrando possibilidades de aprofundamento em estudos e construção de personas.

    CONSIDERAÇÕES FINAISAssim como características ergonômicas podem ser calculadas e

    planejadas tais como texturas, cores, materiais, formas, ou seja características físicas do objeto, e quais as reações de conforto ou desconforto de um item a ser manuseado, também pode ser possível prever as ações durante a interação do

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    usuário, uma vez que este seja bem segmentado como persona e dentro do público alvo daquele produto, como apresentado nas teorias de Design Emocional.

    Este artigo teve o intuito de mostrar as possibilidades de metaprojeto focadas na experiência do usuário não apenas física e fisiológica, já abordada na maioria das metodologias projetuais conhecidas e estudadas, mas também das possibilidades de previsão de conduta do usuário tendo o conhecimento de suas necessidades psicológicas.

    Sabemos que a utilização de um objeto depende não apenas do objeto em si, mas também do estado de ânimo do usufruidor, além das características biológicas, como apresentado neste manuscrito. Portanto, inserir análises e comparações subjetivas nas etapas do metaprojeto pode acarretar em um objeto melhor direcionado ao seu público alvo, uma vez que este seria planejado com intenções não apenas materiais mas também imateriais.

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    Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.9, n.1, p.96-108, Jun. 2019 | ISSN 2178-5368

    autores

    Julia Julia Yuri Landim Goya | [email protected] no Programa de Pós-Graduação em Design da UNESP - Universidade Estadual

    Paulista, FAAC - Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação;

    Leonardo Alvarez Franco | [email protected] Mestranda Programa de Pós-Graduação em Design da UNESP - Universidade Estadual

    Paulista, FAAC - Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação;

    Luiz Carlos Paschoarelli | [email protected] Professor Dr. do Programa de Pós-Graduação em Design da UNESP -

    Universidade Estadual Paulista, FAAC - Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação;

    Paula da Cruz Landim | [email protected] Dr.ª do Programa de Pós-Graduação em Design da UNESP -

    Universidade Estadual Paulista, FAAC - Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação;

    Galdenoro Botura Júnior | [email protected] .

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    Semiótica e transdisciplinaridade em revista, São Paulo, v.9, n.1, p.96-108, Jun. 2019 | ISSN 2178-5368

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