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A ESCOLA VISTA PELA FOTOGRAFIA: ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O OLHAR DO ALUNO PARA O COTIDIANO ESCOLAR1
Cilene Maria Valente da Silva2 - UFPA
Lorena Bischoff Trescastro 3 - UFPA
RESUMO: Este artigo tem por objetivo apresentar a análise do cotidiano escolar a partir de fotografias produzidas por alunos do primeiro ano do Ensino Fundamental de nove anos. As fontes fotográficas na medida em que registram fragmentos do cotidiano escolar, do ponto de vista do aluno, propiciam elementos para compreendermos como a criança representa a escola, suas funções, seus sujeitos, suas práticas e seus objetivos. A produção de fotografias, além de uma atividade escolar de linguagem, realizada pelo aluno, enquanto prática educacional, se presta também como fonte de pesquisa, na medida em que tomamos, neste estudo, as fotografias produzidas pelos alunos em contexto escolar, como objeto de análise para entendermos o olhar do aluno para o cotidiano da escola. Com base nos estudos de Alves (2004) e Souza e Lopes (2002), três questões nortearam a análise: (1) que lugar da escola os alunos escolheram para produzir as fotografias? (2) quem são os sujeitos que aparecem nas imagens produzidas pelos alunos? (3) que atividades de aprendizagem os alunos registraram? Apresentaremos uma análise preliminar de quinze fotografias selecionadas do corpus do Projeto Olhar dos Alunos sobre a Escola, registrando cenas do cotidiano escolar reveladoras do olhar que o aluno tem sobre sua escola. PALAVRAS-CHAVE: Escola. Fotografia. Olhar do aluno.
1. Introdução As imagens fotográficas, entretanto, não se esgotam em si mesmas, pelo contrário, elas são apenas o ponto de partida, a pista para tentarmos desvendar o passado. Elas nos mostram um fragmento selecionado da aparência das coisas, das pessoas, dos fatos, tal como foram (estética/ideologicamente) congelados num dado momento de sua existência/ocorrência. (KOSSOY, 2002, p. 21)
As possibilidades das crianças produzirem imagens, utilizando-se de recursos
tecnológicos disponíveis socialmente, tais como câmeras fotográficas, celulares, tablets
e outros dispositivos, mesmo antes de produzirem textos escritos convencionalmente,
são cada vez maiores. No entanto, um trabalho com tais recursos nem sempre é incluído
nas práticas escolares de alfabetização no Ensino Fundamental.
A compreensão da ideia de representação simbólica, necessária à aprendizagem
da escrita, nos anos iniciais de alfabetização, pode ser favorecida por um trabalho com a
fotografia. Diante disso, desde os primeiros anos do Ensino Fundamental, a escola pode
1 Trabalho apresentado no I Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica, realizado entre os dias 04 e 06 de novembro de 2014, Belém/PA. 2 Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Pará – UFPA. E-mail: [email protected] 3 Doutoranda e Mestre em Letras pela Universidade Federal do Pará – UFPA. E-mail: [email protected]
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utilizar os recursos tecnológicos disponíveis nas atividades de linguagem, solicitando
aos alunos que gerem imagens sobre as quais podem produzir, posteriormente, textos
orais e escritos, ampliando, assim, suas possibilidades de comunicação e interpretação
sobre o mundo.
Compreendendo o campo multifacetado da comunicação humana, comunicação
pode ser entendida como a “interação social através de mensagens” (SANTAELLA,
2001, p. 17). É a fotografia uma mensagem que o aluno nos envia sobre sua escola,
entendemos que a nós, neste estudo, cabe interagir com o aluno acolhendo e
interpretando sua mensagem. No entanto, sabemos que cada mensagem tem uma forma
significante que possibilita vários significados e que, para além do que dizemos aqui, o
significado também poderia ser outro.
Estudos anteriores sobre fotografia e educação já foram realizados. Gostaríamos
de destacar duas pesquisas: “Fotografar e narrar: a produção do conhecimento no
contexto da escola”, realizada por Souza e Lopes (2002), e “A imagem do mundo
escolar através do olhar fotográfico dos alunos”, desenvolvida por Alves (2004), ambas
colocam a fotografia como parte dos estudos da linguagem a ser realizados por alunos
no Ensino Fundamental.
No primeiro estudo, Souza e Lopes (2002) apresentam os resultados de uma
pesquisa-intervenção realizada em uma escola da rede municipal de ensino da cidade do
Rio de Janeiro, para portadores de necessidades especiais em que os jovens produziram
livremente imagens fotográficas a partir das quais criaram narrativas orais e escritas
com o objetivo de construir uma consciência crítica do contexto e do cotidiano escolar.
A proposta possibilitou o diálogo, entre professores, pesquisadores e alunos,
desencadeado no processo de produção e leitura das fotografias sobre a escola, o
processo de ensino e aprendizagem e a inclusão social. Souza e Lopes (2002, p. 64)
apresentam a escola “como um espaço no qual é possível propiciar o convívio e o
diálogo entre o acervo de imagens pessoais, trazido pelos educadores e educandos, e as
produções artísticas e culturais reconhecidas universalmente e pertencentes a diferentes
culturas e épocas”.
O segundo estudo, elaborado por Alves (2004), apresenta os resultados de uma
investigação, fundamentada numa abordagem sócio-histórica, com o objetivo de
dimensionar as possibilidades da imagem fotográfica como mediadora da formação
conceitual e como campo de conhecimento a ser apropriado pelas crianças em situações
formais de ensino e aprendizagem.
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No estudo, a fotografia aparece como aglutinadora de um conjunto de saberes
das artes visuais e, portanto, como uma das linguagens a serem abordadas no currículo
escolar, como parte do ensino de Arte. De acordo com Alves (2004, p. 12) “a escola, ao
agenciar a fotografia como um componente curricular importante, não apenas facultará
o acesso à sua linguagem, mas pode propiciar processos reveladores e ressignificadores
do seu próprio papel como agência social de educação”.
Tomamos por base tais estudos, para fundamentar o Projeto Escola lugar de
aprender - o olhar dos alunos que se encontra em andamento no Centro de Formação de
Professores da Secretaria Municipal de Educação em Belém, no qual alunos do primeiro
ano do Ensino Fundamental produziram fotografias sobre sua escola. As crianças são
vistas, neste estudo, como produtoras de cultura, “na sua condição de sujeito histórico
que verte e subverte a ordem e a vida social” (KRAMER, 1996, p.14).
Do conjunto de imagens reunidas pelo projeto, foram selecionadas, para compor
o corpus deste estudo, quinze fotografias produzidas espontaneamente por alunos do
primeiro ano do Ensino Fundamental, de três escolas da rede municipal de ensino de
Belém-PA. A seleção se deu em função do que é mais recorrente como tema das
imagens.
As questões que nos colocamos para orientar a análise destas quinze fotografias
foram três: (1) que lugar da escola os alunos escolheram para produzir as fotografias?
(2) quem são os sujeitos que aparecem nas imagens produzidas pelos alunos? (3) que
atividades de aprendizagem os alunos registraram? Essas questões buscam delimitar o
recorte do cotidiano escolar, feito pelo aluno ao fotografar, suas escolhas em relação ao
espaço da escola por onde transitam, às pessoas com as quais convivem e interagem e
quanto às atividades que realiza no tempo de estar na escola, já que a fotografia fixa e
perpetua o lugar e o momento fotografado.
De acordo com Kossoy (2002, p. 29), “a imagem fotográfica contém em si o
registro de um dado fragmento selecionado do real: o assunto (recorte espacial)
congelado num determinado momento de sua ocorrência (interrupção temporal)”. Foi o
espaço da escola o principal assunto das imagens selecionadas para a análise.
Para Dubois (1993, p.25), “toda reflexão sobre um meio qualquer de expressão
deve se colocar a questão fundamental da relação específica existente entre o referente
externo e a mensagem produzida por esse meio”. Assim a imagem produzida sobre a
escola nos permite pensar sobre o que a cena escolhida para ser fotografada representa
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em relação ao contexto externo da qual foi extraída, no caso, o cotidiano escolar em que
o aluno está inserido.
A produção de fotografias pelo aluno pode ser concebida como uma atividade
escolar de linguagem, enquanto prática de ensino e aprendizagem, e também, na
recepção, como fonte de pesquisa, na medida em que as fotografias, produzidas pelos
alunos em contexto escolar, podem ser usadas como objeto de análise, conforme se
pretende neste estudo, para se buscar compreender como o aluno enxerga o cotidiano da
escola.
Nesta perspectiva, este trabalho tem por objetivo apresentar a análise do
cotidiano escolar a partir de fotografias produzidas por alunos dos três primeiros anos
do Ensino Fundamental de nove anos. Entendemos que, se as crianças registram
fotograficamente fragmentos do cotidiano escolar, as fontes fotográficas que produzem
propiciam elementos para compreendermos como a criança concebe e representa a
escola, em relação às suas funções, seus sujeitos, suas práticas e seus objetivos.
2. O Projeto Escola lugar de aprender - o olhar dos alunos Essas fotos, de extrema riqueza, porque menos “policiadas” pelos valores institucionais, falam de uma outra escola e, nelas, de uma outra história, também cotidiana apenas mais informal, vivida pelos alunos entre si e que convive “não oficialmente” com os horários, as aulas, as provas, as disciplinas, que caracterizam o tempo escolar oficial (BARROS; CORTES; BASTOS, 2003, p. 127).
O projeto Escola lugar de aprender - o olhar dos alunos foi concebido como
uma possibilidade de a imagem fotográfica traduzir um campo conceitual de
conhecimentos sobre o lugar que tem a irremediável missão de ensinar a ler e a escrever
meninos e meninas de 6 a 8 anos, que é a escola, onde as crianças vivenciam
cotidianamente situações de ensino e aprendizagem, interagem com diferentes sujeitos,
circulam em diversos espaços, conversam, brincam, se expressam e participam de
atividades culturais e esportivas.
O principal objetivo do projeto é dar visibilidade para a imagem que os alunos
têm da escola onde estudam e como a enxergam. Neste sentido, analisar as imagens
fotográficas que os alunos produziram sobre a escola oferecerá elementos como a
expressão de valores, ideias, saberes, informações e emoções, que são desencadeadoras
e demarcadoras de atitudes expressivas das crianças face ao ambiente de aprendizagem
que é a escola.
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O projeto foi desenvolvido, desde o início do ano de 2014, a partir da
provocação para as crianças: Como é a sua escola? Seguida de convite para que
fotografassem na escola lugares ou situações relacionadas com suas aprendizagens,
demonstrando sua importância para eles, de modo espontâneo, ou seja, sem
interferência de outras pessoas como pais, funcionários, professores, coordenadores ou
diretores. Para tanto, uma máquina fotográfica (ou celular com câmera) foi oferecida
aos alunos para que fizessem as fotos que expressassem seu olhar sobre a escola que
estudam.
As escolas selecionadas para dar início ao projeto foram cinco, considerando o
IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica -, para tanto identificamos as
cinco escolas com o IDEB mais elevado na rede municipal, foi observado que essas
escolas não se concentram em único bairro, pois se localizam em bairros com
características socioeconômicas e físicas bem distintas, tanto localizadas em áreas
centrais quanto na periferia da cidade, sendo, portanto uma boa representação das
escolas públicas municipais de Belém.
Após o registro fotográfico pelas crianças, as imagens foram mostradas às
crianças para que elas selecionassem as que desejariam que fizessem parte do acervo da
exposição fotográfica “Escola lugar de aprender - o olhar dos alunos”. As fotos
(arquivos) foram enviadas à equipe responsável pelo projeto pela Direção da escola,
Coordenação ou Professores das escolas devidamente identificadas, com a turma e
nome do aluno.
Esse trabalho foi mediado pelos formadores do Centro de Formação de
Professores que atendem o grupo de escolas selecionado, estes apresentaram o projeto
para a equipe diretiva e docente das referidas escolas e orientaram os alunos para o
registro das imagens, fornecendo-lhes o equipamento necessário.
A produção fotográfica do aluno sobre como ele enxerga sua escola será,
posteriormente, estudada, analisada e interpretada pelos alfabetizadores no contexto da
formação continuada de professores. Será uma tentativa de aproximar o discurso
discente do discurso docente sobre o cotidiano escolar, acerca das ensinagens e das
aprendizagens na escola, que se sabe desigual, seja no reconhecimento das
aprendizagens dos alunos pelos professores, seja no discurso do professor dirigido ao
aluno em sala de aula (GARCIA, 2011).
Neste sentido, o conteúdo da exposição será utilizado, também, em encontros de
formação de professores alfabetizadores como um componente curricular importante,
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que não apenas facultará o acesso à fotografia como linguagem, mas poderá propiciar
reflexões reveladoras e ressignificadoras do papel da escola como lugar de aprender e
de se produzir conhecimentos, evidenciando o que os alunos valorizam na escola que
estudam.
3. Aspectos metodológicos: pesquisa-intervenção e as fontes fotográficas O corte temporal que o ato fotográfico implica não é, portanto, somente redução de uma temporalidade decorrida num simples ponto (o instantâneo), é também passagem (até superação) desse ponto rumo a uma nova inscrição na duração: tempo de parada, decerto, mas também, e por aí mesmo, tempo de perpetuação (no outro mundo) do que só aconteceu uma vez (DUBOIS, 1993, p.174)
É o projeto Escola lugar de aprender - o olhar dos alunos o locus de estudo e
investigação, neste estudo. Partindo deste contexto, optou-se por realizar uma pesquisa
de cunho qualitativo por ser um modo de produção de conhecimento que busca
compreender e explicar valores e significados num meio social. Este tipo de pesquisa
busca levantar elementos que possam contribuir para a compreensão e explicação do
que está sendo investigado.
De acordo com Lüdke e André (1986, p.11) “a pesquisa qualitativa tem o
ambiente natural como sua fonte direta de dados e om pesquisador como principal
instrumento”. Dentre as pesquisas qualitativas, a pesquisa-intervenção foi escolhida,
como caminho metodológico da pesquisa, devido aos seus princípios norteadores: (1) O
enfoque dado às realidades sociais e cotidianas; (2) A abordagem ética e política na
produção de práticas inovadoras (GABRE, 2012). Neste tipo de pesquisa, há interação
entre o pesquisador e os sujeitos da pesquisa.
O pesquisador atua como mediador do projeto, organizando as ações,
observando as práticas, registrando as vozes e os conhecimentos produzidos pelos
sujeitos envolvidos, numa atitude de escuta permanente, cujas observações contribuem
para subsidiar a tomada de decisões para desdobramentos futuros. Por fim, as práticas
coletivas e as experiências cotidianas, quando sistematizadas, permitem descobertas e
elaborações teóricas e metodológicas a serem compartilhadas com os sujeitos
envolvidos, cuja reflexão retorna para o local pesquisado, que é o contexto da escola.
Como se propõe a realizar um trabalho compartilhado entre os formadores do
Centro de Formação de Professores e os profissionais que atuam na escola, a
metodologia da pesquisa-intervenção se apresenta como adequada.
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Após a elaboração e divulgação do projeto para diretores e professores dos três
primeiros anos do Ensino Fundamental das cinco escolas envolvidas, a primeira etapa
da pesquisa, na escola, foi a coleta de dados por meio da produção de fotografias por
alunos dos três primeiros anos do Ensino Fundamental. A partir das imagens geradas,
com o aporte da mediação cultural, pretende-se, posteriormente, produzir uma reflexão
junto com os professores sobre como os alunos veem o cotidiano escolar.
Para Kossoy (2001, p.21-22), O estudo das fontes fotográficas no conjunto de suas peculiaridades não exclui a atitude reflexiva e o questionamento que, desde o primeiro momento, deve existir por parte do sujeito do conhecimento em relação ao objeto de investigação, seja a reconstituição do processo que deu origem ao documento em si, seja a devida interpretação do fragmento visual da realidade passada nele contido.
As imagens fotográficas produzidas pelos alunos dos três primeiros anos do
Ensino Fundamental no contexto escolar é o foco de nossa análise. Para fins de análise,
concordamos com Dubois (1993), ao afirmar que a fotografia não é apenas uma
imagem, enquanto produto de uma técnica e de uma ação apenas, como o resultado de
“uma representação de papel que se olha simplesmente em sua clausura de objeto
finito” (DUBOIS, 1993, p.15).
É a fotografia um ato icônico que não pode ser concebido fora de suas
circunstâncias, fora do que motivou sua produção. A fotografia é entendida como uma
imagem-ato, porém esse ato não se limita apenas à produção propriamente dita da
imagem, porque “inclui o ato de recepção e de sua contemplação” (DUBOIS, 1993,
p.15). Neste caso, tomando as imagens como objeto de estudo, as fotografias
proporcionam outro modo de se olhar para a escola, criando possibilidades de
representação dos espaços, dos sujeitos, dos acontecimentos e do tempo escolar.
A construção de sentido da imagem se deu, na produção, num primeiro
momento, entre o aluno, a câmera fotográfica e a cena escolhida para ser fotografada;
num segundo momento, a partir da recepção, na interpretação entre o pesquisador, a
imagem representada do cotidiano escolar e a narrativa que produz, por meio de
palavras sobre o sentido das imagens que foram selecionadas. O que se pretende por em
evidência, na análise, é o olhar do aluno sobre o cotidiano escolar.
A esse respeito convém destacar que O essencial é que, ao arrancar do mundo um pedaço de espaço, o ato fotográfico faça dele um mundo novo (espaço representado), cuja organização interna se elabora a partir da própria forma gerada pelo recorte. O espaço de representação é, portanto, o operador principal do ato
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fotográfico (tanto na produção quanto na recepção). É através dele que tudo passa (para a imagem) (DUBOIS, 1993, p.210).
Neste sentido, a pesquisa se faz relevante pela possibilidade de criar um diálogo
entre a explicitação do olhar do aluno sobre sua escola, a partir do recorte que faz do
cotidiano de sua escola na cena retratada, e a interpretação a ser dada pelos professores
ao refletirem sobre o fragmento visual, no contexto da formação continuada e da
mediação cultural. De modo que a análise que ora faremos sobre as fotografias, neste
estudo, se constitui como uma análise preliminar.
4. A escola como lugar de aprender: flashes do cotidiano escolar A imagem fotográfica fornece provas, indícios, funciona sempre como documento iconográfico acerca de uma dada realidade. Trata-se de um testemunho que contém evidências sobre algo. (KOSSOY, 2002, p. 33)
A imagem que os alunos têm da escola, em sua maioria, foi concebida a partir do
tempo de aula e dos espaços formais que a escola dispõe. Esse olhar valoriza as
atividades de aprendizagem na alfabetização e destaca uma rotina de deslocamento
entre os espaços de aprendizagem na escola. Portanto, a fronteira da escola, do ponto de
vista do aluno, não se restringe à sala de aula, porque inclui outros ambientes que as
crianças escolheram para fotografar.
De modo geral, as imagens refletem a ideia de que a escola é um lugar de
aprender, como se vê no Quadro 1, que sistematiza o que foi focalizado em cada
imagem produzida pelos alunos nas três escolas.
Quadro 1: O espaço, as pessoas e/ou as atividades escolares retratadas nas
imagens.
ESCOLA 1 Foto 1 Livros infantis ao alcance dos alunos em uma mesa na biblioteca. Foto 2 Alunos realizando atividades no laboratório de informática. Foto 3 Cartaz com os nomes dos alunos exposto na sala de aula. Foto 4 Entrada da escola como espaço de circulação. Foto 5 Portão de entrada da quadra de esportes. ESCOLA 2 Foto 1 Alunos lendo na biblioteca. Foto 2 Estantes com livros e uma professora na biblioteca. Foto 3 Laboratório de informática. Foto 4 Mesas do refeitório. Foto 5 Quadra de esportes vista externamente. ESCOLA 3 Foto 1 Alunos lendo livros infantis na sala de aula. Foto 2 Cartaz com glossário de palavras em ordem alfabética, na sala de
aula. Foto 3 Aluno realizando atividades de leitura e escrita na sala de aula. Foto 4 Aluno formando palavras com um jogo de letras.
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Foto 5 Atividade de escrita de palavras, com a letra da professora, no quadro.
As cinco imagens da Escola 1 retratam cinco espaços diferentes da escola:
biblioteca, sala de aula, laboratório de informática, entrada da escola, quadra de
esportes, proporcionado um olhar para os espaços de aprendizagem que os alunos têm
para além da sala de aula. A fronteira da escola se amplia e a ideia de deslocamento,
nestes espaços, pelo aluno que parece transitar nestes lugares, no cotidiano escolar,
realizando diversas atividades de aprendizagem, interagindo com livros, computadores e
cartazes com materiais didáticos, se mostra.
Do mesmo modo que na Escola 1, os alunos da Escola 2 retratam em suas
fotografias diferentes espaços da escola: a biblioteca, o laboratório de informática, o
refeitório e a quadra de esportes. Isso mostra como os alunos valorizam estes espaços de
aprendizagem, nos quais eles interagem com livros, computadores, merendam e
praticam esportes, dando uma ideia de movimento e deslocamento, na rotina que a
escola prevê em seu cotidiano escolar.
A fronteira das imagens, produzidas pelos alunos da Escola 3, reflete o espaço
da sala de aula, diferentemente dos alunos das Escolas 1 e 2. As cinco fotografias da
Escola 3 trazem imagens do cartaz com glossário de palavras em ordem alfabética,
leitura de livros infantis pelos alunos, atividade de escrita de palavras no quadro, aluno
realizando atividade de leitura e escrita, aluno formando palavras com um jogo de
letras, focando diferentes objetos de aprendizagem, recursos didáticos e o aluno na sala
de aula. Todas as imagens produzidas foram feitas no espaço da sala de aula, quanto a
esta delimitação, convém explicitar que esta escola não dispõe de biblioteca e quadra de
esportes como as outras duas.
Os livros infantis apareceram nas imagens das três escolas. O olhar dos alunos
para a presença dos livros infantis na escola atribui valor às práticas de leitura, seja na
biblioteca ou na sala de aula. Não por acaso, estas escolas desenvolvem no seu cotidiano
atividades permanentes de leitura que parecem valorizadas pelos alunos, nas três
imagens foi focalizado o acervo literário, em outra aparece o professor que atua na
biblioteca e na outra os alunos lendo na sala de aula. Estes também, por serem alunos
dos três primeiros anos do Ensino Fundamental, estão aprendendo a ler. É a escola, para
estes alunos, lugar de ler, de aprender a ler. No entanto, não qualquer tipo de leitura, o
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que foi colocado em destaque foi o texto literário, mais precisamente o livro de
literatura infantil, como se vê na Figura 1.
Figura 1: Os livros infantis (Foto 1, Escola 1).
Não o livro na estante, mas o livro infantil sobre a mesa à disposição dos alunos,
ao alcance de suas mãos, foi o que o aluno retratou. Foram diferentes obras infantis do
acervo da biblioteca que são manipuladas e lidas pelos alunos dos anos iniciais do
Ensino Fundamental. A leitura literária nos primeiros anos de escolaridade é
fundamental para a formação do leitor, para a apreciação estética, para a inserção do
aluno na cultura da escrita, no mundo das histórias. Isso parece estar presente nestas três
escolas e ter significado para os alunos, se apresentando como uma exceção ao que
indicaram as pesquisas de Colomer (2007, p. 170), nas quais “a leitura literária não teve
uma presença consistente na percepção das atividades escolares, a julgar por diferentes
rastros da memória social perpetuada através dos tempos”.
Obviamente, que para tal afirmação requer um estudo mais aprofundado sobre as
práticas de leitura nestas escolas, tomamos os registros fotográficos apenas como um
paradigma indiciário, cuja presença dos livros na escola não pode ser desprezada pela
sua recorrência nas imagens. Outro aspecto a ser observado é que não por acaso estas
três escolas apresentam IDEB elevado, porque é a compreensão leitora avaliada nos
testes nacionais que repercutem neste Índice. A presença de livros no cotidiano escolar
em diferentes espaços, biblioteca e sala de aula, o convívio dos alunos com a literatura e
as práticas de leitura, retratadas nas imagens que os alunos produziram, podem ser um
diferencial nestas escolas.
Não só a leitura de livros, mas a leitura de palavras está presente nas imagens
dos alunos. É o estudo da palavra, assim como do texto (história), um componente
relevante de estudo a ser inserido no currículo de alunos em processo de alfabetização.
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As palavras que os alunos registraram aparecem em diferentes atividades escolares e
recursos didáticos, seja no cartaz com os nomes dos alunos exposto na sala de aula, na
Escola 1, no cartaz com glossário de palavras em ordem alfabética na sala de aula da
Escola 3 (Figura 2), seja o aluno realizando atividades de leitura e escrita na sala de aula
e atividade de escrita de palavras, com a letra da professora, registrada no quadro,
ambas na Escola 3.
Figura 2: Glossário de palavras (Foto 2, Escola 3).
O glossário de palavras em ordem alfabética, no cartaz, exposto na sala de aula,
com a escrita da professora, na Escola 3, revela que os alunos consideram relevante este
recurso didático, sobretudo sobre o que aprendem com ele, bem como as atividades de
leitura e escrita que realizam em sala de aula. Este recurso possibilita às professoras
trabalharem, para fins de estudo do sistema alfabético da escrita, com palavras com
diferentes letras iniciais e padrões silábicos, destacando a ordem alfabética, o que
possibilita o trabalho com todas as letras do alfabeto. As oito palavras estudadas, que
aparecem Figura 2, devem ter sido extraídas de um texto sobre animais, já que
predomina este campo semântico. É a escola para os alunos lugar de aprender a ler e a
escrever, sabemos que esta é realmente uma função da escola, as imagens que os alunos
produziram apontam para isso.
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A imagem mostra que se trata de um recurso didático permanente, utilizado pela
professora em sala de aula, portanto o estudo de palavras parece fazer parte do cotidiano
da escola, tendo em vista a alfabetização dos alunos. Parte das palavras do glossário
(girafinha, baleia, urso e leão) aparece no exercício de escrita no quadro magnético, com
a letra da professora, que o aluno registrou em outra fotografia (Escola 3, Foto 5),
demonstrando que as palavras do glossário são estudadas em diferentes atividades.
Como prática cotidiana, o cartaz com as letras em ordem alfabética permanece exposto
na sala, enquanto que as fichas com as palavras vão sendo atualizadas, em função do
repertório linguístico extraído das histórias ou dos textos que os alunos estudam,
naquele momento. Esta atividade de estudo do glossário de palavras, que se faz
permanente no processo de alfabetização, foi valorizada na imagem que o aluno
produziu.
Figura 3: Laboratório de informática (Foto 1, Escola 1).
O espaço do laboratório de informática foi retratado por alunos de duas escolas.
Este é o lugar onde os alunos usam os computadores, como se vê na Figura 3, utilizam a
tecnologia como recurso para aprender. Além da interação dos alunos com os
computadores, no ambiente também se vê cartazes com numerais de 0 a 9 e as letras do
alfabeto, destacando as formas de traçado de letras maiúsculas e minúsculas. Conforme
mostra a imagem, este é um espaço escolar que também se ocupa das aprendizagens na
alfabetização, como lugar de leitura e escrita digital. Considerando que o aluno escolheu
este espaço e momento da aula para fotografar, este espaço e o uso de computadores no
cotidiano escolar parecem valorizados pelos alunos.
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Figura 4: Quadra de esportes (Foto 5, Escola 2).
A quadra de esportes fechada vista de fora foi retratada por alunos de duas
escolas. Tal fato mostra que o acesso a este espaço escolar não é livre para o aluno,
segundo as normas das escolas, também quando aos cuidados de segurança, limpeza e
manutenção desse espaço. Os alunos frequentam a quadra, normalmente, acompanhados
de seus professores, em horários previstos na programação escolar, seja em atividades
esportivas, em jogos e em aulas de Educação Física, seja em atividades comemorativas,
como festas e culminâncias de projetos. No entanto, este espaço, como se vê na Figura
4, é valorizado pelos alunos, provavelmente, porque nele os alunos realizam atividades
lúdicas e de corporeidade, bem como atividades culturais e sociais, enquanto atividades
agregadoras, que envolvem o coletivo da escola.
5. Considerações finais
O olhar que o aluno tem sobre a escola, sobre seu cotidiano, sobre os objetos de
aprendizagem, os recursos didáticos, as pessoas e os espaços que a escola disponibiliza
como lugar de aprender pode ser visto e refletido nos fragmentos de imagens da escola
representados nas fotografias produzidas pelos alunos. De modo geral, os diferentes
espaços dessas três escolas, os recursos didáticos que utilizam e as atividades que as
crianças realizam, registradas nas imagens, indicam que no cotidiano destas escolas há
um trabalho pedagógico envolvendo diferentes linguagens: a escrita, principalmente, na
biblioteca e na sala de aula, a tecnológica, no laboratório de informática, e a corporal, na
quadra de esportes.
Nas imagens que produziram a escola é vista pelo aluno de dentro e de fora,
tanto em seus espaços internos: sala de aula, biblioteca, sala de informática, quanto
externos: quadra de esportes, entrada da escola, refeitório. Sendo que o olhar para a sala
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de aula, retratado em duas escolas, foi o que se destacou em suas diferentes atividades
de leitura, escrita e jogo, bem como pelos recursos didáticos que dispõem: cartazes com
o nome dos alunos, glossário de palavras, livros, jogo de letras, quadro, material
impresso. Isso coloca em evidência o processo de alfabetização e letramento no qual os
alunos se encontram.
Não foram as pessoas fazendo pose, mas o cotidiano escolar, seus espaços e
recursos didáticos que predominaram nas imagens que os alunos produziram. Dentre os
quais, a sala de aula, a biblioteca escolar e os livros infantis tiveram destaque. Isso
mostra o quanto os alunos valorizam o acesso às obras literárias que a escola lhe
proporciona, seja por lhes ensinar a ler, seja por disponibilizar o acervo literário. Ainda
que a criança conviva com outros espaços sociais de leitura fora da escola, a
alfabetização e a formação de sujeitos leitores, numa sociedade letrada, é realmente a
função da escola, que os alunos, pelas imagens que produziram, parecem reconhecer.
Esta reflexão inicial acerca das imagens que os alunos produziram se apresenta
como preliminar, porque é intenção desta pesquisa que se estenda ao contexto do
Programa de Formação Continuada de Professores, para que os professores também
produzam narrativas orais e escritas sobre a escola vista pela fotografia, enquanto
mediadora cultural suscetível de aproximar o discurso discente do docente, provocadora
da compreensão do olhar do aluno para o cotidiano da escola.
6. Referências
ALVES, J. F. A imagem do mundo escolar através do olhar fotográfico dos alunos. In: II Congresso Internacional em Educação, Teresina/PI. Programa de Pós-Graduação em Educação/UFPI, 2004. BARROS, A. M. de; CORTES, E.; BASTOS, P.. Notas sobre as práticas discursivas ao olhar: os álbuns de família com motivos escolares. In: BARROS, A. M. de. (org). Práticas discursivas ao olhar: notas sobre a vidência e a cegueira na formação do pedagogo. Rio de Janeiro: Epapers, 2003. p. 115-130.
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