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GOLPE DE MESTRE PERFIL: DANI LINS É O SÍMBOLO DA IMPRESSIONANTE VIRADA DO VÔLEI BRASILEIRO RUMO AO OURO ELA NÃO QUIS TREINAR NOS GRANDES CENTROS PARA FICAR NO PIAUÍ E MANTEVE O MESMO TÉCNICO DESDE A INFÂNCIA. PASSEAMOS COM SARAH MENEZES EM LONDRES E FOMOS ATÉ TERESINA CONHECER A ESPETACULAR TRAJETÓRIA DA PRIMEIRA BRASILEIRA CAMPEÃ OLÍMPICA NO JUDÔ www.istoe2016.com.br VENDA PROIBIDA – EXEMPLAR DE DISTRIBUIÇÃO GRATUITA E PARTE INTEGRANTE DA REVISTA ISTOÉ ESPECIAL ATLETISMO > POR QUE O BRASIL PAROU NO TEMPO < > OS ERROS NA PREPARAÇÃO PARA LONDRES < > AS FALHAS NA GESTÃO < > COMO VIRAR O JOGO PARA 2016 < ROBSON CAETANO, MAIOR VELOCISTA DA HISTÓRIA DO PAÍS: "O PROBLEMA DA FABIANA MURER NÃO FOI O VENTO. ELA BRIGOU COM O TÉCNICO, QUE É MARIDO DELA" A VEZ DO RIO COM A BANDEIRA OLÍMPICA EM NOVAS MÃOS, FOMOS INVESTIGAR O ANDAMENTO DAS OBRAS E OS PREPARATIVOS DA CIDADE PARA RECEBER A MAIOR FESTA DO ESPORTE 7 8 9 8 2 6 4 5 8 0 8 1 8 8 2 0 0 0 SETEMBRO/OUTUBRO 2012 Edição 28 | Ano 3 SARAH NAS DOCAS DE ROYAL VICTORIA, EM LONDRES

Revista 2016 / Setembro

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Revista 2016 / Setembro

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GOLPE DE MESTRE

PERFIL: DANI LINS É O SÍMBOLO DA IMPRESSIONANTE VIRADA DO VÔLEI BRASILEIRO RUMO AO OURO

MESTREELA NÃO QUIS TREINAR NOS GRANDES CENTROS

PARA FICAR NO PIAUÍ E MANTEVE O MESMO TÉCNICO DESDE A INFÂNCIA. PASSEAMOS COM SARAH MENEZES

EM LONDRES E FOMOS ATÉ TERESINA CONHECER A ESPETACULAR TRAJETÓRIA DA PRIMEIRA BRASILEIRA

CAMPEÃ OLÍMPICA NO JUDÔ

www.istoe2016.com.br VENDA PROIBIDA – EXEMPLAR DE DISTRIBUIÇÃO GRATUITA E PARTE INTEGRANTE DA REVISTA ISTOÉ

ESPECIAL ATLETISMO> POR QUE O BRASIL PAROU NO TEMPO <

> OS ERROS NA PREPARAÇÃO PARA LONDRES <

> AS FALHAS NA GESTÃO <

> COMO VIRAR O JOGO PARA 2016 <

ROBSON CAETANO,MAIOR VELOCISTA DA HISTÓRIA DO PAÍS:

"O PROBLEMA DA FABIANA MURER NÃOFOI O VENTO. ELA BRIGOU COM

O TÉCNICO, QUE É MARIDO DELA"

A VEZ DO RIOCOM A BANDEIRA OLÍMPICA EM NOVAS MÃOS,

FOMOS INVESTIGAR O ANDAMENTO DAS OBRASE OS PREPARATIVOS DA CIDADE PARA RECEBER

A MAIOR FESTA DO ESPORTE

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SETEMBRO/OUTUBRO 2012 Edição 28 | Ano 3

SARAH NAS DOCAS DE ROYAL VICTORIA, EM LONDRES

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“Não foi o veNto. A fAbiANA Murer brigou coM o técNico, que é MArido delA”

por tom cardoso foto Guilherme de maGalhães andrade

MAior velocistA brAsileiro de todos os teMpos, robsoN cAetANo dA silvA é hoje, Aos 48 ANos, uM dedicAdo jogAdor de golfe. “Quando você dá a tacada certa e vê a bolinha cair direto no buraco, não quer fazer outra coisa”, diz o ex-atleta, enquanto aponta para os tacos colocados ao lado da porta de entrada de seu apartamento no Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste do Rio. É difícil imaginar Robson Caetano gastando boa parte do dia em partidas de golfe com ricaços da Barra da Tijuca. Irreverente, tagarela e com uma enorme vocação para se meter em encrencas, Robson jura que agora sossegou. Além das partidas de golfe, dedica-se avidamente ao trabalho de comentarista da TV Record. Ele esteve em Londres e viu o atletismo brasi-leiro deixar a Olimpíada sem nenhum pódio – o pior desempenho da delegação nacional em 20 anos. Nesta entrevista, concedida no dia do seu aniversário, critica Fabiana Murer e Cesar Cielo e revela, pela primeira vez, o emocionante encontro que teve com João do Pulo e o dia em que chamou Carl Lewis de marica. Um grande papo.

i2016: Por que o desempenho do atletismo na Olimpíada de Londres foi tão ruim?robson caetano O resultado geral foi ruim, mas alguns atletas foram bem. O Ronaldo Julião ganhou muita experiência no lançamento de disco. A Geisa Arcanjo foi muito bem, chegando à final do arremesso de peso. A Rosângela Santos fez ótimas provas nos 100 metros. É claro que eu esperava medalhas dos atletas de ponta. A Fabiana Murer tinha grande chances. Ela culpou o vento... Não foi o vento o problema da Fabiana. Ela brigou com o técnico, que é marido dela, antes da prova em Londres. Você chegou a presenciar a briga? Não, mas, como comentarista da Record e ex-atleta, circulava muito pelos bastidores. E a informação que eu tive foi essa. Você não acha que as críticas à Fabiana foram pesadas? Muita gente disse que ela “amarelou”. O termo “amarelar” não se encaixa. Estava ventando forte. Era um vento muito inconstante, que soprava lateral, mas ela não desistiu de saltar por causa do vento. Apenas esperou. Faltavam 15 segundos para ela começar a correr. Até concentrar, reunir forças novamente... Quando finalmente partiu, os cronômetros zeraram. O desem-penho foi ruim por outros motivos. Sempre fui contra essa história de atleta ter relacio-namento com técnico. Casar, então, nem se fala. Não tem que casar. Pega o exemplo do Jadel Gregório (recordista brasileiro do salto triplo, que se casou com Samara Abdul Ghani, fisioterapeuta de sua equipe, de origem libanesa). Ele estava com a cabeça ótima, vivendo um grande momento, até decidir se casar e se tornar muçulmano, mudar de nome (para Jade Abdul Ghani Gregório), de hábitos. Perdeu totalmente o foco. A Confederação Brasileira de Atletismo foi comandada durante 25 anos pelo Roberto Gesta de Melo, que está prestes a deixar o comando. Até que ponto essa dinastia foi ruim para o atletismo brasileiro? É preciso ter coragem para assumir uma confederação ou federação de atletismo, ainda mais há 25 anos. Quando o Roberto entrou, o atletismo brasileiro estava caindo aos pedaços. A gente não mandava nossas equipes nem para torneios sul-americanos. Agora o cenário é bem melhor. Os atletas treinam em condições muito melhores, existe uma verba para ser gerenciada. Mas os atletas têm que se esforçar também. Se na minha época eu tivesse o que eles têm agora, eu seria campeão olímpico. Posso afirmar isso porque testemunhei todas as mazelas, todos os descasos possíveis com o atletismo brasileiro.

entrevista | robson caetano

“Não foi o veNto. A fAbiANA Murer brigou coM o técNico, que é MArido delA”

por tom cardoso foto Guilherme de maGalhães andrade

MAior velocistA brAsileiro de todos os teMpos, robsoN cAetANo dA silvA é hoje, Aos 48 ANos, uM dedicAdo jogAdor de golfe. “Quando você dá a tacada certa e vê a bolinha cair direto no buraco, não quer fazer outra coisa”, diz o ex-atleta, enquanto aponta para os tacos colocados ao lado da porta de entrada de seu apartamento no Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste do Rio. É difícil imaginar Robson Caetano gastando boa parte do dia em partidas de golfe com ricaços da Barra da Tijuca. Irreverente, tagarela e com uma enorme vocação para se meter em encrencas, Robson jura que agora sossegou. Além das partidas de golfe, dedica-se avidamente ao trabalho de comentarista da TV Record. Ele esteve em Londres e viu o atletismo brasi-leiro deixar a Olimpíada sem nenhum pódio – o pior desempenho da delegação nacional em 20 anos. Nesta entrevista, concedida no dia do seu aniversário, critica Fabiana Murer e Cesar Cielo e revela, pela primeira vez, o emocionante encontro que teve com João do Pulo e o dia em que chamou Carl Lewis de marica. Um grande papo.

i2016: Por que o desempenho do atletismo na Olimpíada de Londres foi tão ruim?robson caetano O resultado geral foi ruim, mas alguns atletas foram bem. O Ronaldo Julião ganhou muita experiência no lançamento de disco. A Geisa Arcanjo foi muito bem, chegando à final do arremesso de peso. A Rosângela Santos fez ótimas provas nos 100 metros. É claro que eu esperava medalhas dos atletas de ponta. A Fabiana Murer tinha grande chances. Ela culpou o vento... Não foi o vento o problema da Fabiana. Ela brigou com o técnico, que é marido dela, antes da prova em Londres. Você chegou a presenciar a briga? Não, mas, como comentarista da Record e ex-atleta, circulava muito pelos bastidores. E a informação que eu tive foi essa. Você não acha que as críticas à Fabiana foram pesadas? Muita gente disse que ela “amarelou”. O termo “amarelar” não se encaixa. Estava ventando forte. Era um vento muito inconstante, que soprava lateral, mas ela não desistiu de saltar por causa do vento. Apenas esperou. Faltavam 15 segundos para ela começar a correr. Até concentrar, reunir forças novamente... Quando finalmente partiu, os cronômetros zeraram. O desem-penho foi ruim por outros motivos. Sempre fui contra essa história de atleta ter relacio-namento com técnico. Casar, então, nem se fala. Não tem que casar. Pega o exemplo do Jadel Gregório (recordista brasileiro do salto triplo, que se casou com Samara Abdul Ghani, fisioterapeuta de sua equipe, de origem libanesa). Ele estava com a cabeça ótima, vivendo um grande momento, até decidir se casar e se tornar muçulmano, mudar de nome (para Jade Abdul Ghani Gregório), de hábitos. Perdeu totalmente o foco. A Confederação Brasileira de Atletismo foi comandada durante 25 anos pelo Roberto Gesta de Melo, que está prestes a deixar o comando. Até que ponto essa dinastia foi ruim para o atletismo brasileiro? É preciso ter coragem para assumir uma confederação ou federação de atletismo, ainda mais há 25 anos. Quando o Roberto entrou, o atletismo brasileiro estava caindo aos pedaços. A gente não mandava nossas equipes nem para torneios sul-americanos. Agora o cenário é bem melhor. Os atletas treinam em condições muito melhores, existe uma verba para ser gerenciada. Mas os atletas têm que se esforçar também. Se na minha época eu tivesse o que eles têm agora, eu seria campeão olímpico. Posso afirmar isso porque testemunhei todas as mazelas, todos os descasos possíveis com o atletismo brasileiro.

entrevista | robson caetano

Que tipo de descaso? Os técnicos se achavam donos do atleta. Na escola, você passa de ano e muda de professor. Vai se aper-feiçoando. No atletismo, não. O cara não admite que você mude. Eu tive sorte. Trabalhei com treinadores diferentes. E com os melhores. Tive a sorte de passar pela mão de um Carlos Alberto Cavalheiro, de um Nelson Rocha, de uma Sônia Ricette, que foi quem descobriu o meu potencial como velocista. Eu tinha 13 anos. E era apenas um ponta-direita abusado da escola da favela Nova Holanda (no Complexo da Maré, zona norte do Rio, uma das regiões mais violentas da cidade). Muita gente diz que o problema do Brasil é que todo mundo sonha ser jogador de futebol e acaba descobrindo outros es-portes tarde demais. Eu também quis ser jogador de futebol e até me espelhava no Sócrates. Eu não era tão ruim de bola. Pedia para os caras jogarem a bola para a frente que eu me virava. Chegava sempre antes dos zagueiros. Era muito rápido, apesar de pouco técnico. Matava de canela e ia para o gol. A Sônia Ricette chegou a ver um desses jogos e comentou com um dos professores da minha escola: "O pretinho corre, hein?" Ela me convidou para treinar salto triplo. Não aceitei. Só fui aceitar no segundo convite. Por que não aceitou? A vida era dura. Tinha que pagar minhas continhas. Fui ajudante de pedreiro, cheguei a trabalhar de zelador no prédio em que morava. Eu queria ter dinheiro para ir às festinhas. Mas acabei aceitando o convite da Sônia e fui treinar salto em distância. Na época, todo atleta sonhava ser o João do Pulo (João Carlos de Oliveira, 1954-1999, ex-recordista mundial do salto triplo e um dos maiores atletas brasileiros da história). Ele era um dos meus ídolos. Um monstro que conseguiu muita coisa mesmo treinando em condições tão adversas. Eu tive um encontro emocionante com ele na Austrália, em 1985. Como foi esse encontro? Eu estava participando como atleta e ele como convidado da competição. Ele era uma lenda do salto triplo e seria homenageado. Ficamos no mesmo hotel. Recebi uma ligação no quarto. Era ele. "Robson, vem para cá, me faz um favor." Entrei. Ele estava sentado e disse: "Neguinho, pega a minha perna para mim." [João do Pulo teve a carreira interrompida em 1981, ao sofrer um acidente automobilístico, que o obrigou a amputar a perna direita.] Eu me senti muito mal. Essa imagem nunca mais saiu da minha cabeça. Mas a gente teve também momentos de grande alegria na Austrália.

"NA AUSTRáLiA, EU ESTAVA NO MESMO HOTEL dO JOãO dO PULO. ele ligou No Meu quArto e disse: 'NeguiNho, pegA A MiNhA perNA prA MiM.' essA iMAgeM NuNcA sAiu dA MiNhA cAbeçA"

"UM POUCO ANTES dA OLiMPíAdA dE ATLANTA, O CARL LEwiS FEz UM PÉSSiMO SALTO EM UM TORNEiO NA CAROLiNA dO NORTE. fAlei pArA ele deixAr de ser MAricA, que podiA sAltAr Muito MAis"

"NãO FOi O VENTO O PRObLEMA dA FAbiANA MURER. ELA bRiGOU COM O TÉCNiCO, QUE

É MARidO dELA. seMpre fui coNtrA essA históriA de AtletA ter relAcioNAMeNto

coM técNico. Não dá"

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Quais? Ele ficava vendo os caras saltar. Os caras nem chegavam perto da marca que ele tinha alcançado uma década antes. Ele ria: "Neguinho, desses caras eu ganho com uma perna só." João do Pulo, para mim, era o cara. Só não ganhou o ouro olímpico porque foi roubado em Moscou, em 1980. Pena que teve problemas com bebidas e morreu de cirrose. Você esteve na histórica final dos 100 metros livre na Olim-píada de Seul, em 1988. Como foram os bastidores daquela prova? O canadense Ben Johnson ganhou a corrida (Robson chegou em quinto), mas foi eliminado por doping. Anos depois, Carl Lewis, que herdou a medalha de ouro, também foi acusado de usar substâncias proibidas. dessa prova, só lembro de ter me perguntado: "O que estou fazendo aqui?" Eu estava na raia um. Era o franco-atirador. Mas percebi que não tinha nada a perder e fiz o meu melhor. Quando eu soube doping do John-son, do Lewis e de outros caras que chegaram na minha frente naquela prova, fiquei, claro, desapontado. Mas durmo com a cabeça tranquila, ao contrário deles. E tenho orgulho da medalha de bronze que ganhei nos 200 metros em Seul. O (Cesar) Cielo foi muito infeliz ao desprezar a medalha de bronze que ganhou em Londres. Medalha é medalha. O brasil tem essa mentalidade de valorizar apenas o ouro. E não é com declarações como a do Cielo que a gente vai mudar isso. Você acha que Carl Lewis seria Carl Lewis sem doping?Não sei dizer. Ele era um atleta talentoso. Mas talentoso por talentoso eu também era. E sou um atleta limpo. Cheguei a tirar um sarro do Lewis, um pouco antes da Olimpíada de Atlanta, em 1996. Ele estava no fim da carreira, no apagar das luzes. Em Atlanta, disputaria apenas a prova do salto em distância. E não era o favorito. Um pouco antes da Olimpíada, ele foi disputar um torneio de atletismo na Carolina do Norte. Fez um péssimo salto. Eu cheguei para ele e disse: "Pô, Lewis, deixa de ser marica. Você sabe que pode saltar mais do que isso." As suspeitas contra Carl Lewis só apareceram anos depois de Atlanta. Quando você era um atleta, sabia de alguma coisa?Não tinha certeza, mas desconfiava. As marcas que ele alcançava não eram normais. O Lewis deixou de ser uma lenda para mim. Lenda, até que se prove o contrário, é o Usain bolt. E o Michael Phelps. Fumou maconha. Mas e daí? Foi lá e ganhou 20 medalhas. Você é dono do recorde dos 100 metros livres (com 10 segundos cravados) desde 1988. São 24 anos sem que nenhum brasi-leiro seja capaz de superá-lo. Isso não é prova definitiva de que, no atletismo, estamos parados no tempo? É preciso mudar o planejamento para as provas de velocidade. Mas eu confio na garotada que está ai. Os meninos têm potencial. Para 2016, a minha projeção é de pelo menos dez finais. Mas temos que trabalhar muito. O tempo é curto. É preciso focar principalmente na psicolo-gia do esporte. Preparar a cabeça da molecada.

Na Olimpíada de Los Angeles, em 1984, você foi banido da delegação brasileira, acusado de ter passado a noite com uma mulher, longe da Vila Olímpica. Você se arrepende?Eu aprendi com meus erros. depois desse episódio, comecei a treinar como um maluco. Treinei muito mesmo e dei a volta por cima. Voltei com tudo em 1985. Fui campeão brasileiro, sul-americano e mundial. deixei de ser o indisciplinado para virar apenas o irreverente. É, você inclusive posou nu para a revista G Magazine...As pessoas perguntam sempre se eu me arrependo. Não, não me arrependo. Estava em plena forma física, a grana era boa. Fui lá e fiz. Mas isso também não tem a menor importância. Você já se envolveu em muitas polêmicas. Em 2009, chegou a ser preso pela suposta agressão à sua mulher (foi liberado após o pagamento de fiança)...Não aconteceu nada daquilo. Eu estava em casa, a gente discutiu. Foi uma discussão forte. A decisão de ir para a delegacia foi minha. Conversamos com o delegado e nos entendemos. Acabou se tornando um circo, uma palhaçada. Eu pedi desculpas às mu-lheres. É passado. Tem gente que lembra mais disso, das minhas fotos para a G Magazine, do que das minhas conquistas. Mas hoje estou maduro para lidar com isso. Minha vida hoje está totalmente centrada no meu trabalho como comentarista.

entrevista | robson caetano

Fotos: interfoto / Latinstock | Laudine Petroli/AE Fotos: Lee Jin-Man/AP

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Que tipo de descaso? Os técnicos se achavam donos do atleta. Na escola, você passa de ano e muda de professor. Vai se aper-feiçoando. No atletismo, não. O cara não admite que você mude. Eu tive sorte. Trabalhei com treinadores diferentes. E com os melhores. Tive a sorte de passar pela mão de um Carlos Alberto Cavalheiro, de um Nelson Rocha, de uma Sônia Ricette, que foi quem descobriu o meu potencial como velocista. Eu tinha 13 anos. E era apenas um ponta-direita abusado da escola da favela Nova Holanda (no Complexo da Maré, zona norte do Rio, uma das regiões mais violentas da cidade). Muita gente diz que o problema do Brasil é que todo mundo sonha ser jogador de futebol e acaba descobrindo outros es-portes tarde demais. Eu também quis ser jogador de futebol e até me espelhava no Sócrates. Eu não era tão ruim de bola. Pedia para os caras jogarem a bola para a frente que eu me virava. Chegava sempre antes dos zagueiros. Era muito rápido, apesar de pouco técnico. Matava de canela e ia para o gol. A Sônia Ricette chegou a ver um desses jogos e comentou com um dos professores da minha escola: "O pretinho corre, hein?" Ela me convidou para treinar salto triplo. Não aceitei. Só fui aceitar no segundo convite. Por que não aceitou? A vida era dura. Tinha que pagar minhas continhas. Fui ajudante de pedreiro, cheguei a trabalhar de zelador no prédio em que morava. Eu queria ter dinheiro para ir às festinhas. Mas acabei aceitando o convite da Sônia e fui treinar salto em distância. Na época, todo atleta sonhava ser o João do Pulo (João Carlos de Oliveira, 1954-1999, ex-recordista mundial do salto triplo e um dos maiores atletas brasileiros da história). Ele era um dos meus ídolos. Um monstro que conseguiu muita coisa mesmo treinando em condições tão adversas. Eu tive um encontro emocionante com ele na Austrália, em 1985. Como foi esse encontro? Eu estava participando como atleta e ele como convidado da competição. Ele era uma lenda do salto triplo e seria homenageado. Ficamos no mesmo hotel. Recebi uma ligação no quarto. Era ele. "Robson, vem para cá, me faz um favor." Entrei. Ele estava sentado e disse: "Neguinho, pega a minha perna para mim." [João do Pulo teve a carreira interrompida em 1981, ao sofrer um acidente automobilístico, que o obrigou a amputar a perna direita.] Eu me senti muito mal. Essa imagem nunca mais saiu da minha cabeça. Mas a gente teve também momentos de grande alegria na Austrália.

"NA AUSTRáLiA, EU ESTAVA NO MESMO HOTEL dO JOãO dO PULO. ele ligou No Meu quArto e disse: 'NeguiNho, pegA A MiNhA perNA prA MiM.' essA iMAgeM NuNcA sAiu dA MiNhA cAbeçA"

"UM POUCO ANTES dA OLiMPíAdA dE ATLANTA, O CARL LEwiS FEz UM PÉSSiMO SALTO EM UM TORNEiO NA CAROLiNA dO NORTE. fAlei pArA ele deixAr de ser MAricA, que podiA sAltAr Muito MAis"

"NãO FOi O VENTO O PRObLEMA dA FAbiANA MURER. ELA bRiGOU COM O TÉCNiCO, QUE

É MARidO dELA. seMpre fui coNtrA essA históriA de AtletA ter relAcioNAMeNto

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Na Olimpíada de Los Angeles, em 1984, você foi banido da delegação brasileira, acusado de ter passado a noite com uma mulher, longe da Vila Olímpica. Você se arrepende?Eu aprendi com meus erros. depois desse episódio, comecei a treinar como um maluco. Treinei muito mesmo e dei a volta por cima. Voltei com tudo em 1985. Fui campeão brasileiro, sul-americano e mundial. deixei de ser o indisciplinado para virar apenas o irreverente. É, você inclusive posou nu para a revista G Magazine...As pessoas perguntam sempre se eu me arrependo. Não, não me arrependo. Estava em plena forma física, a grana era boa. Fui lá e fiz. Mas isso também não tem a menor importância. Você já se envolveu em muitas polêmicas. Em 2009, chegou a ser preso pela suposta agressão à sua mulher (foi liberado após o pagamento de fiança)...Não aconteceu nada daquilo. Eu estava em casa, a gente discutiu. Foi uma discussão forte. A decisão de ir para a delegacia foi minha. Conversamos com o delegado e nos entendemos. Acabou se tornando um circo, uma palhaçada. Eu pedi desculpas às mu-lheres. É passado. Tem gente que lembra mais disso, das minhas fotos para a G Magazine, do que das minhas conquistas. Mas hoje estou maduro para lidar com isso. Minha vida hoje está totalmente centrada no meu trabalho como comentarista.

entrevista | robson caetano

Fotos: interfoto / Latinstock | Laudine Petroli/AE Fotos: Lee Jin-Man/AP

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o que hÁ de errado com o atletismo brasileiro?

atletismo

DESEMPENHO PÍFIO NA OLIMPÍADA EXPÕE ERROS NA

PREPARAÇÃO PARA LONDRES E DEFICIÊNCIAS NA GESTÃO

DO ESPORTE NO BRASIL. SAIBA EM QUE O PAÍS FALHOU

E O QUE PODE SER FEITO PARA VIRAR O JOGO ATÉ 2016

O esTÁdiO OLÍmPicO de LOndres ficarÁ marcadO PeLa cOnsagraÇÃO de uma lenda. Em três provas disputadas, o velocista jamaicano Usain Bolt faturou três ouros e confi rmou ao mundo a enorme expectativa colocada sobre seus ombros. Enquanto isso, outro enredo menos empolgante se desenrolava no mesmo cenário. Prova a prova, representantes da delegação brasileira de atletismo fi cavam para trás, muito atrás dos adversários. Nomes até então tidos como esperança de pódio não só decepcionaram como procuraram desculpas esfarrapadas para seus fracassos, jovens promessas fi caram no meio do caminho, veteranos mostraram que não estavam em condições de competir em alto nível. Esporte mais nobre da Olimpíada, responsável pelas cenas mais espetaculares dos Jogos, o atletismo tem sido sistematicamente maltratado no Brasil. Mesmo turbinado por recursos públicos, o País deixou as pistas britânicas sem conquistar sequer uma das 143 medalhas distribuídas nas disputas do atletismo e igualou o recorde negativo alcançado há duas décadas, em Barcelona-92. Com o bastão de sede do próximo evento nas mãos, o País terá de enfrentar uma maratona de obstáculos para evitar novo vexame em solo carioca.

POR PEDRO MARCONDES DE MOURA

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fotos: Jewel samad/afp | thomas coex/afp

o que hÁ de errado com o atletismo brasileiro?

atletismo

DESEMPENHO PÍFIO NA OLIMPÍADA EXPÕE ERROS NA

PREPARAÇÃO PARA LONDRES E DEFICIÊNCIAS NA GESTÃO

DO ESPORTE NO BRASIL. SAIBA EM QUE O PAÍS FALHOU

E O QUE PODE SER FEITO PARA VIRAR O JOGO ATÉ 2016

O esTÁdiO OLÍmPicO de LOndres ficarÁ marcadO PeLa cOnsagraÇÃO de uma lenda. Em três provas disputadas, o velocista jamaicano Usain Bolt faturou três ouros e confi rmou ao mundo a enorme expectativa colocada sobre seus ombros. Enquanto isso, outro enredo menos empolgante se desenrolava no mesmo cenário. Prova a prova, representantes da delegação brasileira de atletismo fi cavam para trás, muito atrás dos adversários. Nomes até então tidos como esperança de pódio não só decepcionaram como procuraram desculpas esfarrapadas para seus fracassos, jovens promessas fi caram no meio do caminho, veteranos mostraram que não estavam em condições de competir em alto nível. Esporte mais nobre da Olimpíada, responsável pelas cenas mais espetaculares dos Jogos, o atletismo tem sido sistematicamente maltratado no Brasil. Mesmo turbinado por recursos públicos, o País deixou as pistas britânicas sem conquistar sequer uma das 143 medalhas distribuídas nas disputas do atletismo e igualou o recorde negativo alcançado há duas décadas, em Barcelona-92. Com o bastão de sede do próximo evento nas mãos, o País terá de enfrentar uma maratona de obstáculos para evitar novo vexame em solo carioca.

POR PEDRO MARCONDES DE MOURA

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fotos: Jewel samad/afp | thomas coex/afp

claras de resultados, tudo deveria virar parte de um planejamento de Estado. Práticas como essas têm sido o pilar comum de nações que figuram no primeiro pelotão das pistas. Assim ocorre nos Estados Unidos, na Rússia, na Jamaica, na Etiópia e no Quênia – países, observe-se, díspares em termos econômicos, mas semelhantes em ter-mos de performance no atletismo. Ou seja: dinheiro não é o que vai fazer os atletas brasileiros brilhar. A questão é saber usar os recursos adequadamente. Todos os países vitoriosos no atletismo priorizam o trabalho de base – por trabalho de base, entenda-se iniciação esportiva na escola –, mas o Brasil tem

salto

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4,50 m

atletismo

6,37 m

em londres-2012, o atletismo brasileiro chegou a três finais e não ganhou medalha. em pequim-2008, foram sete finais e uma medalha de ouro

ignorado essa máxima. Mais de 70% das escolas do Ensino Fundamental I não possuem espaços para aulas de educa-ção física, de acordo com o Censo Escolar 2010. A situação é agravada pela precariedade da estrutura de parte das instalações existentes e pela formação deficiente dos professores.

Fora das escolas, há uma série de obstáculos na transição de jovens talentos a profissionais. Faltam clubes ou áreas públicas disponíveis até nos grandes centros urbanos. “O que vemos hoje é um atleta aparecer com mais de 20 anos como um talento gritante, mas nessa idade ele já deveria ter experiência internacional”, diz o professor Fernando Franco, do Centro de Estudos de Atletismo. “Há outros com excelentes marcas nas categorias de base, mas que ficam pelo caminho.” Em muitos casos, a explicação consiste no fato de terem de abandonar as famílias ainda adolescentes, em decorrência da falta de estrutura em sua terra natal. Outro problema enfrentado é a descon-tinuidade dos poucos projetos existen-tes. Trabalhos de base são abandonados pela metade em razão de mudanças políticas locais ou ao fim de patrocínios.

Nesse triste cenário, o Brasil des-perdiça um dos melhores materiais humanos para formar competidores de alto rendimento. Com 194 milhões de habitantes, o País possui uma gama variada de biótipos, reflexo da vinda de escravos de diversas regiões da África e imigrantes de distintas áreas da Europa e da Ásia. “Nós temos um grande

potencial de velocistas, saltadores, ar-remessadores, competidores de fundo, meio-fundo”, diz Lauter Nogueira, comentarista da TV Globo. “Agora, se nada for feito, eles vão ficar sempre escondidos nas carteiras de trás de pequenas escolas.” Não à toa, técnicos internacionais, como o americano Dan Pfaff – um dos mais premiados do atletismo mundial e responsável pelo principal centro de treinamento do Reino Unido –, lamentam os rumos da modalidade no Brasil. Em entrevis-tas, Pfaff faz questão de enfatizar que somos um celeiro de talentos olímpicos não descobertos.

Segundo Nogueira, o País escolheu um modelo inverso ao de outras sedes olímpicas. Em vez de melhorar a estrutura esportiva antes da candida-tura, resolveu correr contra o tempo. Mesmo carente de planejamento, abre os caixas sem muito critério e acaba desperdiçando os recursos disponíveis. A falta de infraestrutura no atletismo é tamanha que um dos quatro centros de excelência da CBAt, mantidos com a ajuda de parceiros, não pode ser usado por determinação da Marinha, dona da área no Rio de Janeiro. A ci-dade olímpica, a propósito, não possui uma pista oficial em que possam ser realizados treinos. A outra opção, o Estádio Olímpico João Havelange, o Engenhão, teve a administração repas-sada ao Botafogo. “Estamos procuran-do uma solução”, diz Martinho Nobre, superintendente técnico da CBAt. Segundo o dirigente, a Confederação

Convocada a integrar o seleto quadro de dez oficiais técnicos da Associação Internacional de Federações de Atletismo (Iaaf) nos Jogos de Londres, a árbitra Claudia Schneck foi um dos poucos personagens do atletismo brasileiro com destaque no evento. Supervisora do trabalho dos juízes em diferentes provas, ela acompanhou, de posição privilegiada, a performance dos 36 competidores compatriotas. Ao contrário das projeções douradas propagandeadas pelo presidente da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt), Roberto Gesta de Melo, Claudia avalia que o Brasil tinha apenas duas chances reais em Londres. As apostas eram Maurren Maggi, no salto em distância, e Fabiana Murer, no salto com vara. “Infelizmente, elas não fizeram as suas marcas, mas a gente não pode centralizar a culpa em um ou outro atleta”, diz Claudia. “Há, sim, que se discutir a razão de termos tão poucos competidores de alto nível no nosso país.”

Especialistas ouvidos pela 2016 concordam que o atletismo brasileiro precisa saltar uma barreira quase intransponível: a falta de uma política nacional para o esporte. Com base nela, seriam definidas estratégias cruciais para fazer o País, en-fim, deslanchar. Iniciação desportiva nas escolas, detecção e estímulo de talentos, construção e manutenção de centros de treinamento, estabelecimento de metas

em Londres, 41 países amealharam pelo menos uma das 143 medalhas em jogo nas competições do atletismo. O brasil não trouxe nenhuma

posição País Ouro Prata bronze Total

1 estados unidos 9 13 7 29

2 rússia 8 5 5 18

3 Jamaica 4 4 4 12

4 reino unido 4 1 1 6

5 etiópia 3 1 3 7

as POTências dO esPOrTe

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fotos: harry how/getty | fabrice coffrini/afp

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setembro 2012 | istoé 2016

claras de resultados, tudo deveria virar parte de um planejamento de Estado. Práticas como essas têm sido o pilar comum de nações que figuram no primeiro pelotão das pistas. Assim ocorre nos Estados Unidos, na Rússia, na Jamaica, na Etiópia e no Quênia – países, observe-se, díspares em termos econômicos, mas semelhantes em ter-mos de performance no atletismo. Ou seja: dinheiro não é o que vai fazer os atletas brasileiros brilhar. A questão é saber usar os recursos adequadamente. Todos os países vitoriosos no atletismo priorizam o trabalho de base – por trabalho de base, entenda-se iniciação esportiva na escola –, mas o Brasil tem

salto

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), ela ser

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4,50 m

atletismo

6,37 m

em londres-2012, o atletismo brasileiro chegou a três finais e não ganhou medalha. em pequim-2008, foram sete finais e uma medalha de ouro

ignorado essa máxima. Mais de 70% das escolas do Ensino Fundamental I não possuem espaços para aulas de educa-ção física, de acordo com o Censo Escolar 2010. A situação é agravada pela precariedade da estrutura de parte das instalações existentes e pela formação deficiente dos professores.

Fora das escolas, há uma série de obstáculos na transição de jovens talentos a profissionais. Faltam clubes ou áreas públicas disponíveis até nos grandes centros urbanos. “O que vemos hoje é um atleta aparecer com mais de 20 anos como um talento gritante, mas nessa idade ele já deveria ter experiência internacional”, diz o professor Fernando Franco, do Centro de Estudos de Atletismo. “Há outros com excelentes marcas nas categorias de base, mas que ficam pelo caminho.” Em muitos casos, a explicação consiste no fato de terem de abandonar as famílias ainda adolescentes, em decorrência da falta de estrutura em sua terra natal. Outro problema enfrentado é a descon-tinuidade dos poucos projetos existen-tes. Trabalhos de base são abandonados pela metade em razão de mudanças políticas locais ou ao fim de patrocínios.

Nesse triste cenário, o Brasil des-perdiça um dos melhores materiais humanos para formar competidores de alto rendimento. Com 194 milhões de habitantes, o País possui uma gama variada de biótipos, reflexo da vinda de escravos de diversas regiões da África e imigrantes de distintas áreas da Europa e da Ásia. “Nós temos um grande

potencial de velocistas, saltadores, ar-remessadores, competidores de fundo, meio-fundo”, diz Lauter Nogueira, comentarista da TV Globo. “Agora, se nada for feito, eles vão ficar sempre escondidos nas carteiras de trás de pequenas escolas.” Não à toa, técnicos internacionais, como o americano Dan Pfaff – um dos mais premiados do atletismo mundial e responsável pelo principal centro de treinamento do Reino Unido –, lamentam os rumos da modalidade no Brasil. Em entrevis-tas, Pfaff faz questão de enfatizar que somos um celeiro de talentos olímpicos não descobertos.

Segundo Nogueira, o País escolheu um modelo inverso ao de outras sedes olímpicas. Em vez de melhorar a estrutura esportiva antes da candida-tura, resolveu correr contra o tempo. Mesmo carente de planejamento, abre os caixas sem muito critério e acaba desperdiçando os recursos disponíveis. A falta de infraestrutura no atletismo é tamanha que um dos quatro centros de excelência da CBAt, mantidos com a ajuda de parceiros, não pode ser usado por determinação da Marinha, dona da área no Rio de Janeiro. A ci-dade olímpica, a propósito, não possui uma pista oficial em que possam ser realizados treinos. A outra opção, o Estádio Olímpico João Havelange, o Engenhão, teve a administração repas-sada ao Botafogo. “Estamos procuran-do uma solução”, diz Martinho Nobre, superintendente técnico da CBAt. Segundo o dirigente, a Confederação

Convocada a integrar o seleto quadro de dez oficiais técnicos da Associação Internacional de Federações de Atletismo (Iaaf) nos Jogos de Londres, a árbitra Claudia Schneck foi um dos poucos personagens do atletismo brasileiro com destaque no evento. Supervisora do trabalho dos juízes em diferentes provas, ela acompanhou, de posição privilegiada, a performance dos 36 competidores compatriotas. Ao contrário das projeções douradas propagandeadas pelo presidente da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt), Roberto Gesta de Melo, Claudia avalia que o Brasil tinha apenas duas chances reais em Londres. As apostas eram Maurren Maggi, no salto em distância, e Fabiana Murer, no salto com vara. “Infelizmente, elas não fizeram as suas marcas, mas a gente não pode centralizar a culpa em um ou outro atleta”, diz Claudia. “Há, sim, que se discutir a razão de termos tão poucos competidores de alto nível no nosso país.”

Especialistas ouvidos pela 2016 concordam que o atletismo brasileiro precisa saltar uma barreira quase intransponível: a falta de uma política nacional para o esporte. Com base nela, seriam definidas estratégias cruciais para fazer o País, en-fim, deslanchar. Iniciação desportiva nas escolas, detecção e estímulo de talentos, construção e manutenção de centros de treinamento, estabelecimento de metas

em Londres, 41 países amealharam pelo menos uma das 143 medalhas em jogo nas competições do atletismo. O brasil não trouxe nenhuma

posição País Ouro Prata bronze Total

1 estados unidos 9 13 7 29

2 rússia 8 5 5 18

3 Jamaica 4 4 4 12

4 reino unido 4 1 1 6

5 etiópia 3 1 3 7

as POTências dO esPOrTe

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setembro 2012 | istoé 2016

acaba cobrada por falhas governamentais. “Os locais de treinamento do atletismo em Londres, com exceção da pista de aquecimento, são escolas públicas”,diz. “Agora, quantas pistas ofi ciais existem em escolas brasileiras e ainda mais sintéticas? Praticamente nenhuma.”

Dizer que o Brasil parou no tempo não é mera fi gura de linguagem.As atuais marcas dos competidores nacionais são as mesmas feitas nas décadas de 80 e 90, com raras exceções. Entre os homens, o último recorde brasileiro quebrado, considerando as quatro provas que estão na faixa dos 100 aos 800metros rasos, ocorreu em 1999. No salto em altura feminino, o 1,92 metro obtido por Orlane Maria Lima dos Santos permanece inalcançável desde 1989. De-tentor de um ouro e uma prata olímpica, Joaquim Cruz ainda ostenta o recorde nacional nos 800 metros, obtido em 1984. Ao lado de João do Pulo e Adhemar Ferreira da Silva, ele fi gura como uma das lendas do atletismo brasileiro, esporte que conquistou 14 pódios em Jogos Olímpicos.

Ex-técnico de Joaquim Cruze coordenador do Centro Nacional de Atletismo de Uberlândia-MG, Luiz Alberto de Oliveira questiona o com-prometimento de treinadores e atletas. “Eu e o Joaquim trabalhávamos em tempo integral”, compara. “Não era só talento, mas treinamento intenso. Ago-ra, vejo muito dinheiro investido, mas falta seriedade.” Oliveira diz enfrentar difi culdades até para cobrar a apresen-tação de resultados de competidores e técnicos no centro dirigido por ele.“O mundo evoluiu e o Brasil faz as mesmas coisas”, afi rma, do alto da experiência de quem comandou pistas por mais de 27 anos no Exterior. Em sua opinião, alguns técnicos ignoram as evoluções do esporte e não se atualizam. Apesar de a Confederação investir 15% do orçamento anual de R$ 26 milhões em clínicas com técnicos estrangeiros, nem sequer existe no Brasil uma escola nacional de formação de treinadores.

O descompasso entre as marcasalcançadas pelos atletas nacionais e seus adversários do primeiro pelotãoé refl exo da pouca internacionalização. O amazonense Sandro Viana disputou três competições fora do País durante o ano de preparação para Londres. Nas viagens ao Exterior, teve como adversários mais difíceis a seleção da Venezuela e um misto caribenho no revezamento.“É ruim competir com galinhas mortas”, analisa Viana. Para os Jogos de Londres, sua preparação não previa confrontos com nenhum dos grandes nomes de sua prova. “A gente acaba acompanhando o desempenho deles pela internet”, diz o brasileiro.

Se os brasileiros viajam pouco, o ca-lendário nacional é intenso. Atletas che-gam a competir 30 vezes no mesmo ano para atender aos interesses de clubes, prefeituras e patrocinadores. Segundo especialistas, o excesso de competições atrapalha a preparação para a etapa mais importante do ciclo olímpico.

Ao avaliar a performance do atle-tismo nacional nos Jogos Olímpicos, o superintendente técnico da CBAt, Martinho Nobre, considera regular. Destaca os resultados da maratona masculina com três representantes entre os 13 mais bem posicionadose a superação de marcas pessoaisde alguns atletas. Porém, não escondeo descontentamento com a ausênciade uma medalha. A delegação emLondres, para o dirigente, contoucom a melhor estrutura já oferecida em um ciclo olímpico. “Os treinadores apresentavam as suas necessidades e a gente atendia”, diz Nobre. O que talvez tenha faltado, de acordo com ele, foi a cobrança de metas e resultados claros. Em uma reunião marcada para o fi m de setembro, os integrantes do conselho técnico da Confederação devem analisar o desempenho da delegação brasileira. Depois desse encontro, pretendem achar uma solução para que o esportedê um salto de qualidade em 2016.

Para os Jogos do Rio de Janeiro, a Confederação de Atletismo aposta que os pódios voltarão. Entre as mudanças estudadas está a formação de uma sele-ção permanente, com atletas que foram a Londres e promessas do campeonato mundial juvenil. “Não dá para contar que vá surgir alguém de última hora”, diz Nobre. No novo formato, os compe-tidores fi cariam à disposição da Confe-deração para evitar que participem de uma série desnecessária de competições e recebam treinamento de referência em cada prova. Para levar o projeto adiante, já se estuda a importação de treinadores. Com pouco tempo e uma maratona de difi culdades, a entidade ainda passará por mudanças políticas. Pouco adepto do revezamento no poder, o atual presi-dente da CBAt, Roberto Gesta de Melo, resolveu passar o bastão adiante após 25 anos no comando da entidade. Caberá, a partir de 2013, a José Antônio Martins Fernandes o desafi o de obter um sprint fi nal digno de Usain Bolt para o atletis-mo brasileiro deixar o último pelotão olímpico em 2016.

2016 - Qual é a análise do desempenho do Brasil no atletismo em Londres?martinho nobre dos santos – foi regular. tivemos atletas que superaram as suas melhores marcas pessoais. os maratonistas também apresentaram uma boa perfor-mance, acima do que tínhamos planejado.

Não chama a atenção o fato deo atletismo não ter conquistadonenhuma medalha?medalha olímpica é uma coisa complicadís-sima de garantir que alguém vá conquistar.

Antes de embarcar para Londres, o pre-sidente da CBAt assegurou medalhas.eu fui contra falar em resultados, masfui voto vencido.

Afi nal, o que explica o desempenho ruim dos brasileiros? É isso o que deixa a gente nervoso. esta delegação teve no último ciclo olímpico total apoio tanto da confederação quanto do cob. os treinadores apresentaram as neces-sidades e o planejamento de treinamento. tudo foi feito para atendê-los. não fi cou nada sem ser atendido ou sem ser providen-ciado. agora, acho que temos de avaliar isso e passar a cobrar resultados. Qual é a expectativa para os Jogosdo Rio em 2016?a gente trabalha com a expectativa de medalhas. temos 10 ou 12 atletas jovensque foram para londres e estarãoem 2016 e há outros que competiramno mundial juvenil, em que o brasil feza me-lhor campanha de sua história.eles estão em evolução.

Há um consenso de que os resultadosdo atletismo brasileiro não condizem com o potencial do País.por falta de investimento público, nós temos uma defi ciência na formação, o que acaba infl uenciando o alto rendimento. a confed-eração é sempre cobrada por problemas de base que não são dela. os locais de trei-namento do atletismo em londres são es-colas públicas. agora, quantas pistas ofi ciais existem em escolas brasileiras e ainda mais sintéticas? praticamente nenhuma. não dá para achar que um país que não investe em escolas possa obter resultados de potências.

A Confederação não deveria cobraro governo?isso nós fazemos. só que o governo seisola. eles são democratas, desde que deem as regras. não escutam as pessoas do esporte. criam um monte de leis no lugar de políticas de esporte efetivas.Já foi a lei pelé, a lei zico. vamos chegarà lei neymar e a situação não vai mudar.

marÍlson dos santos foi o brasileirocom o melhor desempenho no atletismo

5O Lugarna maraTOna,

atletismo

“fOi reguLar”

superintendente da confederação brasileira de atletismo, martinho nobredos santos explica a falta de medalhas em Londres

marcHa Para TrÁs

sem subir ao pódio em Londres, atletismo brasileiro retrocede 20 anos no tempoe iguala desempenho negativo obtido nos Jogos de barcelona

1952>ouro no salto triplo: ADHEMAR FERREIRA DA SILVA///bronze no salto em altura:

JOSÉ TELLES DA CONCEIÇÃO • 1956> ouro no salto triplo: ADHEMAR FERREIRA DA SILVA •

1960 > nenhuma medalha • 1964> nenhuma medalha • 1968> prata no salto triplo:

NELSON PRUDÊNCIO • 1972> bronze no salto triplo: NELSON PRUDÊNCIO • 1976>

bronze no salto triplo: JOÃO DO PULO • 1980> bronze no salto triplo: JOÃO DO PULO

• 1984> ouro nos 800 metros: JOAQUIM CRUZ • 1988> prata nos 800 metros: JOAQUIM

CRUZ • bronze nos 200 metros: ROBSON CAETANO • 1992> nenhuma medalha • 1996>

bronze no revezamento 4x100: ROBSON CAETANO, ANDRÉ DOMINGOS, ARNALDO DE OLIVEIRA

SILVA E EDSON LUCIANO RIBEIRO • 2000> prata no revezamento 4x100: VICENTE LENILSON,

EDSON LUCIANO RIBEIRO, ANDRÉ DOMINGOS E CLAUDINEI QUIRINO • 2004> bronze na

maratona: VANDERLEI CORDEIRO • 2008> ouro no salto em distância: MAURREN MAGGI

• 2012> nenhuma medalha

fotos: daniel garcia/afp | divulgação

acaba cobrada por falhas governamentais. “Os locais de treinamento do atletismo em Londres, com exceção da pista de aquecimento, são escolas públicas”,diz. “Agora, quantas pistas ofi ciais existem em escolas brasileiras e ainda mais sintéticas? Praticamente nenhuma.”

Dizer que o Brasil parou no tempo não é mera fi gura de linguagem.As atuais marcas dos competidores nacionais são as mesmas feitas nas décadas de 80 e 90, com raras exceções. Entre os homens, o último recorde brasileiro quebrado, considerando as quatro provas que estão na faixa dos 100 aos 800metros rasos, ocorreu em 1999. No salto em altura feminino, o 1,92 metro obtido por Orlane Maria Lima dos Santos permanece inalcançável desde 1989. De-tentor de um ouro e uma prata olímpica, Joaquim Cruz ainda ostenta o recorde nacional nos 800 metros, obtido em 1984. Ao lado de João do Pulo e Adhemar Ferreira da Silva, ele fi gura como uma das lendas do atletismo brasileiro, esporte que conquistou 14 pódios em Jogos Olímpicos.

Ex-técnico de Joaquim Cruze coordenador do Centro Nacional de Atletismo de Uberlândia-MG, Luiz Alberto de Oliveira questiona o com-prometimento de treinadores e atletas. “Eu e o Joaquim trabalhávamos em tempo integral”, compara. “Não era só talento, mas treinamento intenso. Ago-ra, vejo muito dinheiro investido, mas falta seriedade.” Oliveira diz enfrentar difi culdades até para cobrar a apresen-tação de resultados de competidores e técnicos no centro dirigido por ele.“O mundo evoluiu e o Brasil faz as mesmas coisas”, afi rma, do alto da experiência de quem comandou pistas por mais de 27 anos no Exterior. Em sua opinião, alguns técnicos ignoram as evoluções do esporte e não se atualizam. Apesar de a Confederação investir 15% do orçamento anual de R$ 26 milhões em clínicas com técnicos estrangeiros, nem sequer existe no Brasil uma escola nacional de formação de treinadores.

O descompasso entre as marcasalcançadas pelos atletas nacionais e seus adversários do primeiro pelotãoé refl exo da pouca internacionalização. O amazonense Sandro Viana disputou três competições fora do País durante o ano de preparação para Londres. Nas viagens ao Exterior, teve como adversários mais difíceis a seleção da Venezuela e um misto caribenho no revezamento.“É ruim competir com galinhas mortas”, analisa Viana. Para os Jogos de Londres, sua preparação não previa confrontos com nenhum dos grandes nomes de sua prova. “A gente acaba acompanhando o desempenho deles pela internet”, diz o brasileiro.

Se os brasileiros viajam pouco, o ca-lendário nacional é intenso. Atletas che-gam a competir 30 vezes no mesmo ano para atender aos interesses de clubes, prefeituras e patrocinadores. Segundo especialistas, o excesso de competições atrapalha a preparação para a etapa mais importante do ciclo olímpico.

Ao avaliar a performance do atle-tismo nacional nos Jogos Olímpicos, o superintendente técnico da CBAt, Martinho Nobre, considera regular. Destaca os resultados da maratona masculina com três representantes entre os 13 mais bem posicionadose a superação de marcas pessoaisde alguns atletas. Porém, não escondeo descontentamento com a ausênciade uma medalha. A delegação emLondres, para o dirigente, contoucom a melhor estrutura já oferecida em um ciclo olímpico. “Os treinadores apresentavam as suas necessidades e a gente atendia”, diz Nobre. O que talvez tenha faltado, de acordo com ele, foi a cobrança de metas e resultados claros. Em uma reunião marcada para o fi m de setembro, os integrantes do conselho técnico da Confederação devem analisar o desempenho da delegação brasileira. Depois desse encontro, pretendem achar uma solução para que o esportedê um salto de qualidade em 2016.

Para os Jogos do Rio de Janeiro, a Confederação de Atletismo aposta que os pódios voltarão. Entre as mudanças estudadas está a formação de uma sele-ção permanente, com atletas que foram a Londres e promessas do campeonato mundial juvenil. “Não dá para contar que vá surgir alguém de última hora”, diz Nobre. No novo formato, os compe-tidores fi cariam à disposição da Confe-deração para evitar que participem de uma série desnecessária de competições e recebam treinamento de referência em cada prova. Para levar o projeto adiante, já se estuda a importação de treinadores. Com pouco tempo e uma maratona de difi culdades, a entidade ainda passará por mudanças políticas. Pouco adepto do revezamento no poder, o atual presi-dente da CBAt, Roberto Gesta de Melo, resolveu passar o bastão adiante após 25 anos no comando da entidade. Caberá, a partir de 2013, a José Antônio Martins Fernandes o desafi o de obter um sprint fi nal digno de Usain Bolt para o atletis-mo brasileiro deixar o último pelotão olímpico em 2016.

2016 - Qual é a análise do desempenho do Brasil no atletismo em Londres?martinho nobre dos santos – foi regular. tivemos atletas que superaram as suas melhores marcas pessoais. os maratonistas também apresentaram uma boa perfor-mance, acima do que tínhamos planejado.

Não chama a atenção o fato deo atletismo não ter conquistadonenhuma medalha?medalha olímpica é uma coisa complicadís-sima de garantir que alguém vá conquistar.

Antes de embarcar para Londres, o pre-sidente da CBAt assegurou medalhas.eu fui contra falar em resultados, masfui voto vencido.

Afi nal, o que explica o desempenho ruim dos brasileiros? É isso o que deixa a gente nervoso. esta delegação teve no último ciclo olímpico total apoio tanto da confederação quanto do cob. os treinadores apresentaram as neces-sidades e o planejamento de treinamento. tudo foi feito para atendê-los. não fi cou nada sem ser atendido ou sem ser providen-ciado. agora, acho que temos de avaliar isso e passar a cobrar resultados. Qual é a expectativa para os Jogosdo Rio em 2016?a gente trabalha com a expectativa de medalhas. temos 10 ou 12 atletas jovensque foram para londres e estarãoem 2016 e há outros que competiramno mundial juvenil, em que o brasil feza me-lhor campanha de sua história.eles estão em evolução.

Há um consenso de que os resultadosdo atletismo brasileiro não condizem com o potencial do País.por falta de investimento público, nós temos uma defi ciência na formação, o que acaba infl uenciando o alto rendimento. a confed-eração é sempre cobrada por problemas de base que não são dela. os locais de trei-namento do atletismo em londres são es-colas públicas. agora, quantas pistas ofi ciais existem em escolas brasileiras e ainda mais sintéticas? praticamente nenhuma. não dá para achar que um país que não investe em escolas possa obter resultados de potências.

A Confederação não deveria cobraro governo?isso nós fazemos. só que o governo seisola. eles são democratas, desde que deem as regras. não escutam as pessoas do esporte. criam um monte de leis no lugar de políticas de esporte efetivas.Já foi a lei pelé, a lei zico. vamos chegarà lei neymar e a situação não vai mudar.

marÍlson dos santos foi o brasileirocom o melhor desempenho no atletismo

5O Lugarna maraTOna,

atletismo

“fOi reguLar”

superintendente da confederação brasileira de atletismo, martinho nobredos santos explica a falta de medalhas em Londres

marcHa Para TrÁs

sem subir ao pódio em Londres, atletismo brasileiro retrocede 20 anos no tempoe iguala desempenho negativo obtido nos Jogos de barcelona

1952>ouro no salto triplo: ADHEMAR FERREIRA DA SILVA///bronze no salto em altura:

JOSÉ TELLES DA CONCEIÇÃO • 1956> ouro no salto triplo: ADHEMAR FERREIRA DA SILVA •

1960 > nenhuma medalha • 1964> nenhuma medalha • 1968> prata no salto triplo:

NELSON PRUDÊNCIO • 1972> bronze no salto triplo: NELSON PRUDÊNCIO • 1976>

bronze no salto triplo: JOÃO DO PULO • 1980> bronze no salto triplo: JOÃO DO PULO

• 1984> ouro nos 800 metros: JOAQUIM CRUZ • 1988> prata nos 800 metros: JOAQUIM

CRUZ • bronze nos 200 metros: ROBSON CAETANO • 1992> nenhuma medalha • 1996>

bronze no revezamento 4x100: ROBSON CAETANO, ANDRÉ DOMINGOS, ARNALDO DE OLIVEIRA

SILVA E EDSON LUCIANO RIBEIRO • 2000> prata no revezamento 4x100: VICENTE LENILSON,

EDSON LUCIANO RIBEIRO, ANDRÉ DOMINGOS E CLAUDINEI QUIRINO • 2004> bronze na

maratona: VANDERLEI CORDEIRO • 2008> ouro no salto em distância: MAURREN MAGGI

• 2012> nenhuma medalha

fotos: daniel garcia/afp | divulgação

nãosabe perder

sarah menezes

A cAmpeã olímpicA no judô ficou seis Anos sem sofrer derrotAs, gAnhou

11 brAsileiros consecutivos e ficA umA ferA se não sAi vitoriosA do tAtAme –

e tudo isso sem trocAr o piAuí por nAdA neste mundo

capa

A mulher sem medo

sarah, debaixo de um viaduto em londres:

fria e poderosa

por AmAuri SegAllA, de londres* fotos frederic jeAn

nãosabe perder

sarah menezes

A cAmpeã olímpicA no judô ficou seis Anos sem sofrer derrotAs, gAnhou

11 brAsileiros consecutivos e ficA umA ferA se não sAi vitoriosA do tAtAme –

e tudo isso sem trocAr o piAuí por nAdA neste mundo

capa

A mulher sem medo

sarah, debaixo de um viaduto em londres:

fria e poderosa

por AmAuri SegAllA, de londres* fotos frederic jeAn

na recepção do hotel em Londres, meio desajeitada com o agasalho da seleção de judô (um abrigo amarelo gritante, mais para feio que para bonito), quando um cidadão magro, vestindo a camisa do Flamengo, pergunta sem fazer cerimônia: “Você não é aquela moça, a Marta do futebol?” Antes que Sarah disparasse um osotogari qualquer, este repórter toma a dianteira. “Esta é a Sarah Menezes, medalha de ouro no judô.” O sujeito, logo se vê, é um estorvo, uma mala sem alça, um grude irritante. “Tira uma foto comigo?” Convenhamos: o que você faria se alguém errasse o seu nome e pedisse, instantes depois, para fazer aqueles cliques bobos que as pessoas gostam de tirar ao lado de pessoas famo-sas? Ao contrário de todos nós, Sarah foi paciente. Não disse uma palavra. De bico calado, acenou que sim e, na hora em que a mulher do hotel apertou o botão da máquina fotográfica, abriu um sorri-so. “Mais uma?”, insiste o flamenguista. “Tá bom”, responde Sarah, estranhando cada vez mais a recém-conquistada con-dição de celebridade. Uma, duas, três fotos até que o fulano sossegasse. “Tô cansada de tanto retrato e entrevista, mas sou tímida pra dizer não.”

Estamos no hotel Ramada, a três quarteirões do complexo Excel, palco das competições do judô, e parece uma decisão inteligente sair dali. É terça-feira de uma manhã nublada em Londres e há apenas três dias Sarah venceu cinco adversárias em série para se tornar a primeira brasileira campeã olímpica no judô. Ela tem que se conformar: é impossível passar despercebida. Com o gritante agasalho amarelo do Brasil e a enorme medalha nas mãos, Sarah é mes-mo o centro das atenções. Os hóspedes não dão um tempo. Entra um, sai outro, todo mundo fica louco quando vê uma medalha, quanto mais de ouro, assim de pertinho. Mal deu para colocar o pé na rua e um produtor do CQC, aquele programa de humor da televisão, quer marcar uma hora com a nossa campeã. “Tá bom”, diz Sarah. Não agora, pelo amor de Deus. Agora vamos conver-sar sobre a espetacular trajetória dessa moça de Teresina, a capital mais pobre do País, até os palcos londrinos. Vamos conversar sobre sua vida, talvez entender como é possível que uma garota tímida dessas, pequena (1,51 metro de altura), de aparência frágil (48 quilos), seja uma das duas mulheres brasileiras detentoras

de ouros individuais em Olimpíadas (a outra é Maurren Maggi, do atletismo).

Sarah Menezes é tímida mesmo e tal-vez isso explique o fato de ela não ter na-morado. Lá se foram dez minutos de con-versa, enquanto caminhamos nas docas de Royal Victoria, até que ela deixasse de responder tudo pela metade e parasse de olhar para trás, para ver se o pessoal do staff do judô (assessores, amigos, outros atletas) fosse tirá-la do incômodo passeio com este repórter. “Sou um pouco tímida e acho que descontei isso no judô.” A van-tagem é que ela vai pegando confiança na pessoa e, aí, fala coisas bem interessantes. Nessa hora, a timidez dá lugar a frases firmes, secas como um açude nordestino: “Minha adversária sou eu mesmo.v” Ou-tra: “Sou uma pessoa muito fria, consigo segurar a emoção.” Ou então: “O pessoal acha que sou miserável só porque sou do Piauí. Não é bem assim.” Você logo saca qual é a dela: uma pessoa sensata, equili-brada, bem resolvida, segura como uma, digamos, campeã do judô deve ser.

Você começa a prestar mais atenção a ela e vê, muito além daquela aparência de fragilidade, uma gigante. Os olhos de Sarah irradiam rigidez. A expressão nunca muda. Os músculos do rosto

não deixam transparecer nada – medo, angústia, tensão, seja lá o que for, se houver, está bem guardado, escondido em algum canto escuro que você não consegue decifrar. Para um atleta de alto nível – para um campeão olímpico –, essa máscara de força é tão importante quanto a técnica, a habilidade motora, a explosão muscular. Se você olhar de perto, verá que Sarah Menezes não tem nada de frágil, nem um tiquinho só. Certamente, as adversárias de Sarah em Londres sentiram muita coisa ao olhar para ela. Quer apostar que a emoção mais primordial, o medo, estava entre as sensações experimentadas pelas rivais?

Não se constrói uma campeã olímpica da noite para o dia. Sarah começou a praticar judô aos 9 anos, mas dividia seu foco com aulas de capoeira na Cooperati-va Educacional do Bela Vista, na zona sul de Teresina. “Ela fazia meia hora de judô comigo e depois ia para a capoeira”, diz Miguel Almeida Neto, o primeiro técnico a vê-la em ação em um tatame. “A sorte dela é que o professor de capoeira era meio folgado e faltava muito. Então, a Sarah voltava para a minha aula.” Aos 9 anos, “uma tampinha de nada”, na lembrança de Neto, Sarah teve de se

Sarah MenezeS, 22 anoS, eStá eM pé

capa

na recepção do hotel em Londres, meio desajeitada com o agasalho da seleção de judô (um abrigo amarelo gritante, mais para feio que para bonito), quando um cidadão magro, vestindo a camisa do Flamengo, pergunta sem fazer cerimônia: “Você não é aquela moça, a Marta do futebol?” Antes que Sarah disparasse um osotogari qualquer, este repórter toma a dianteira. “Esta é a Sarah Menezes, medalha de ouro no judô.” O sujeito, logo se vê, é um estorvo, uma mala sem alça, um grude irritante. “Tira uma foto comigo?” Convenhamos: o que você faria se alguém errasse o seu nome e pedisse, instantes depois, para fazer aqueles cliques bobos que as pessoas gostam de tirar ao lado de pessoas famo-sas? Ao contrário de todos nós, Sarah foi paciente. Não disse uma palavra. De bico calado, acenou que sim e, na hora em que a mulher do hotel apertou o botão da máquina fotográfica, abriu um sorri-so. “Mais uma?”, insiste o flamenguista. “Tá bom”, responde Sarah, estranhando cada vez mais a recém-conquistada con-dição de celebridade. Uma, duas, três fotos até que o fulano sossegasse. “Tô cansada de tanto retrato e entrevista, mas sou tímida pra dizer não.”

Estamos no hotel Ramada, a três quarteirões do complexo Excel, palco das competições do judô, e parece uma decisão inteligente sair dali. É terça-feira de uma manhã nublada em Londres e há apenas três dias Sarah venceu cinco adversárias em série para se tornar a primeira brasileira campeã olímpica no judô. Ela tem que se conformar: é impossível passar despercebida. Com o gritante agasalho amarelo do Brasil e a enorme medalha nas mãos, Sarah é mes-mo o centro das atenções. Os hóspedes não dão um tempo. Entra um, sai outro, todo mundo fica louco quando vê uma medalha, quanto mais de ouro, assim de pertinho. Mal deu para colocar o pé na rua e um produtor do CQC, aquele programa de humor da televisão, quer marcar uma hora com a nossa campeã. “Tá bom”, diz Sarah. Não agora, pelo amor de Deus. Agora vamos conver-sar sobre a espetacular trajetória dessa moça de Teresina, a capital mais pobre do País, até os palcos londrinos. Vamos conversar sobre sua vida, talvez entender como é possível que uma garota tímida dessas, pequena (1,51 metro de altura), de aparência frágil (48 quilos), seja uma das duas mulheres brasileiras detentoras

de ouros individuais em Olimpíadas (a outra é Maurren Maggi, do atletismo).

Sarah Menezes é tímida mesmo e tal-vez isso explique o fato de ela não ter na-morado. Lá se foram dez minutos de con-versa, enquanto caminhamos nas docas de Royal Victoria, até que ela deixasse de responder tudo pela metade e parasse de olhar para trás, para ver se o pessoal do staff do judô (assessores, amigos, outros atletas) fosse tirá-la do incômodo passeio com este repórter. “Sou um pouco tímida e acho que descontei isso no judô.” A van-tagem é que ela vai pegando confiança na pessoa e, aí, fala coisas bem interessantes. Nessa hora, a timidez dá lugar a frases firmes, secas como um açude nordestino: “Minha adversária sou eu mesmo.v” Ou-tra: “Sou uma pessoa muito fria, consigo segurar a emoção.” Ou então: “O pessoal acha que sou miserável só porque sou do Piauí. Não é bem assim.” Você logo saca qual é a dela: uma pessoa sensata, equili-brada, bem resolvida, segura como uma, digamos, campeã do judô deve ser.

Você começa a prestar mais atenção a ela e vê, muito além daquela aparência de fragilidade, uma gigante. Os olhos de Sarah irradiam rigidez. A expressão nunca muda. Os músculos do rosto

não deixam transparecer nada – medo, angústia, tensão, seja lá o que for, se houver, está bem guardado, escondido em algum canto escuro que você não consegue decifrar. Para um atleta de alto nível – para um campeão olímpico –, essa máscara de força é tão importante quanto a técnica, a habilidade motora, a explosão muscular. Se você olhar de perto, verá que Sarah Menezes não tem nada de frágil, nem um tiquinho só. Certamente, as adversárias de Sarah em Londres sentiram muita coisa ao olhar para ela. Quer apostar que a emoção mais primordial, o medo, estava entre as sensações experimentadas pelas rivais?

Não se constrói uma campeã olímpica da noite para o dia. Sarah começou a praticar judô aos 9 anos, mas dividia seu foco com aulas de capoeira na Cooperati-va Educacional do Bela Vista, na zona sul de Teresina. “Ela fazia meia hora de judô comigo e depois ia para a capoeira”, diz Miguel Almeida Neto, o primeiro técnico a vê-la em ação em um tatame. “A sorte dela é que o professor de capoeira era meio folgado e faltava muito. Então, a Sarah voltava para a minha aula.” Aos 9 anos, “uma tampinha de nada”, na lembrança de Neto, Sarah teve de se

Sarah MenezeS, 22 anoS, eStá eM pé

capa

transferir para a academia do técnico Expedito Falcão, pois a Cooperativa fechara. Foi aí que a coisa mudou de figura. “A Sarah começou a ganhar de todo mundo”, diz Falcão. “De homens, de atletas mais velhos, de professor, de qualquer um que aparecesse pela frente.” Para ela, era fácil, natural até, repetir um golpe que acabara de aprender. “Comecei meio que de brincadeira, mas vi que dava pra virar um negócio sério”, diz Sarah.

Em uma família de classe média baixa, como é o caso dos Menezes, ver alguém enveredar para um esporte como o judô não era algo que se quisesse para os filhos. “Eu sonhava ver minha filha formada”, diz José Rogério Silva Menezes, o pai de Sarah. “Queria que ela cursasse uma faculdade boa, para ter um futuro garantido.” De certa forma, seu desejo está perto de ser realizado. Sarah cursa o quinto período da faculdade de educação física e agora que a loucura da Olimpíada acabou, quer dar duro na sala de aula. Seu Rogério é um senhor agitado de 63 anos. Ele sofre de pressão alta e hoje em dia evita ver as lutas da filha, para não ficar nervoso e prejudicar a saúde. Técnico em equipamentos

odontológicos, deu uma vida digna para a família, mas sempre viveu às turras com o dinheiro. “Não fui pobre, mas também não fui rica”, diz Sarah, enquanto olha um navio de carga passar pelo Rio Tâmisa, em Londres. A mãe da judoca, Olindina Pereira Menezes, de 56 anos, também não foi exatamente uma incentivadora da vocação esportiva da filha. “Não é porque ela é campeã olímpica que vou mudar de opinião”, diz dona Dina, como a chamam em Te-resina. “Acho o judô muito pesado para a mulher. Fico com o coração na boca quando vejo ela de cabeça para baixo. Acho que vai quebrar o pescoço.”

Sarah lembra dos dribles que deu na família para fazer o que queria da vida – ser uma atleta de verdade. Cansou de pedir dinheiro emprestado para os vizinhos, que já sabiam de seu talento excepcional, para pegar condução e trei-nar escondido dos pais. Mas ela fala disso sem nenhuma pontinha sequer de rancor. “Meus pais demoraram um pouco pra entender que eu não ia mudar de opinião, que ia treinar judô de um jeito ou de outro.” A coisa começou a complicar quando Sarah precisou experimentar no-

vos ares. Entenda-se: competir fora. “Às vezes, eu não tinha dinheiro para viajar e a gente fazia vaquinha com os amigos.” Mas nem sempre eles tinham uma sobra no fim do mês. Nessas ocasiões, o jeito era recorrer ao técnico Expedito Falcão. “Eu me sacrifiquei por ela diversas vezes”, diz ele. “Tirei dinheiro que poderia dar à mi-nha família para bancar viagens da Sarah. Sem a minha ajuda, o caminho dela teria sido muito mais difícil.” Falcão não quer atribuir para si um mérito que não é dele. Pelo menos é o que diz a própria Sarah. “O Expedito é o maior responsável pelo meu ouro olímpico”, afirma a campeã, pouco antes de vestir o quimono para fazer o retrato de capa desta reportagem.

A casa dos Menezes em Teresina fica na Bela Vista, um bairro na periferia da cidade. É um lugar simples, mas aconche-gante. No quarto de Sarah ficam as cen-tenas de medalhas penduradas na parede e incontáveis troféus espalhados sobre cômodas e prateleiras. Nas estantes, os objetos que ela mais gosta de colecionar: bichos de pelúcia, de preferência ursinhos e cachorros. “A Sarah sempre foi uma me-nina caseira, que só pensava em esporte”, diz a mãe. Quando ela diz isso, não está

capa

SUPORTE Sarah em treino com Expedito Falcão (à esquerda), seu mentor no Piauí, e Rosicléia Campos (à direita, comemorando o ouro), que assumiu o comando da seleção feminina do judô em 2005

POTÊNCIA Mayra Aguiar, Felipe Kitadai, Rafael Silva e Sarah Menezes (acima, da esq. para a dir.), que subiram ao pódio em Londres, e Tiago Camilo (de azul, à dir.), dono de duas medalhas olímpicas: nova era no judô brasileiro

S E V O C Ê O L H A R D E P E R T O , V E R Á Q U E S A R A H M E N E Z E S N Ã O T E M N A D A D E F R Á G I L . P R O VAV E L M E N T E A S A D V E R S Á R I A S S E N T E M M E D O A O O L H A R PA R A E L A

Fotos: Wagner Reyes/Folhapress | Marcio Rodrigues /Fotocom.net | Frederic Jean

transferir para a academia do técnico Expedito Falcão, pois a Cooperativa fechara. Foi aí que a coisa mudou de figura. “A Sarah começou a ganhar de todo mundo”, diz Falcão. “De homens, de atletas mais velhos, de professor, de qualquer um que aparecesse pela frente.” Para ela, era fácil, natural até, repetir um golpe que acabara de aprender. “Comecei meio que de brincadeira, mas vi que dava pra virar um negócio sério”, diz Sarah.

Em uma família de classe média baixa, como é o caso dos Menezes, ver alguém enveredar para um esporte como o judô não era algo que se quisesse para os filhos. “Eu sonhava ver minha filha formada”, diz José Rogério Silva Menezes, o pai de Sarah. “Queria que ela cursasse uma faculdade boa, para ter um futuro garantido.” De certa forma, seu desejo está perto de ser realizado. Sarah cursa o quinto período da faculdade de educação física e agora que a loucura da Olimpíada acabou, quer dar duro na sala de aula. Seu Rogério é um senhor agitado de 63 anos. Ele sofre de pressão alta e hoje em dia evita ver as lutas da filha, para não ficar nervoso e prejudicar a saúde. Técnico em equipamentos

odontológicos, deu uma vida digna para a família, mas sempre viveu às turras com o dinheiro. “Não fui pobre, mas também não fui rica”, diz Sarah, enquanto olha um navio de carga passar pelo Rio Tâmisa, em Londres. A mãe da judoca, Olindina Pereira Menezes, de 56 anos, também não foi exatamente uma incentivadora da vocação esportiva da filha. “Não é porque ela é campeã olímpica que vou mudar de opinião”, diz dona Dina, como a chamam em Te-resina. “Acho o judô muito pesado para a mulher. Fico com o coração na boca quando vejo ela de cabeça para baixo. Acho que vai quebrar o pescoço.”

Sarah lembra dos dribles que deu na família para fazer o que queria da vida – ser uma atleta de verdade. Cansou de pedir dinheiro emprestado para os vizinhos, que já sabiam de seu talento excepcional, para pegar condução e trei-nar escondido dos pais. Mas ela fala disso sem nenhuma pontinha sequer de rancor. “Meus pais demoraram um pouco pra entender que eu não ia mudar de opinião, que ia treinar judô de um jeito ou de outro.” A coisa começou a complicar quando Sarah precisou experimentar no-

vos ares. Entenda-se: competir fora. “Às vezes, eu não tinha dinheiro para viajar e a gente fazia vaquinha com os amigos.” Mas nem sempre eles tinham uma sobra no fim do mês. Nessas ocasiões, o jeito era recorrer ao técnico Expedito Falcão. “Eu me sacrifiquei por ela diversas vezes”, diz ele. “Tirei dinheiro que poderia dar à mi-nha família para bancar viagens da Sarah. Sem a minha ajuda, o caminho dela teria sido muito mais difícil.” Falcão não quer atribuir para si um mérito que não é dele. Pelo menos é o que diz a própria Sarah. “O Expedito é o maior responsável pelo meu ouro olímpico”, afirma a campeã, pouco antes de vestir o quimono para fazer o retrato de capa desta reportagem.

A casa dos Menezes em Teresina fica na Bela Vista, um bairro na periferia da cidade. É um lugar simples, mas aconche-gante. No quarto de Sarah ficam as cen-tenas de medalhas penduradas na parede e incontáveis troféus espalhados sobre cômodas e prateleiras. Nas estantes, os objetos que ela mais gosta de colecionar: bichos de pelúcia, de preferência ursinhos e cachorros. “A Sarah sempre foi uma me-nina caseira, que só pensava em esporte”, diz a mãe. Quando ela diz isso, não está

capa

SUPORTE Sarah em treino com Expedito Falcão (à esquerda), seu mentor no Piauí, e Rosicléia Campos (à direita, comemorando o ouro), que assumiu o comando da seleção feminina do judô em 2005

POTÊNCIA Mayra Aguiar, Felipe Kitadai, Rafael Silva e Sarah Menezes (acima, da esq. para a dir.), que subiram ao pódio em Londres, e Tiago Camilo (de azul, à dir.), dono de duas medalhas olímpicas: nova era no judô brasileiro

S E V O C Ê O L H A R D E P E R T O , V E R Á Q U E S A R A H M E N E Z E S N Ã O T E M N A D A D E F R Á G I L . P R O VAV E L M E N T E A S A D V E R S Á R I A S S E N T E M M E D O A O O L H A R PA R A E L A

Fotos: Wagner Reyes/Folhapress | Marcio Rodrigues /Fotocom.net | Frederic Jean

falando por falar. Sarah sempre foi uma “psicopata esportiva”, na definição da amiga Emanuela Madeira. As duas se conheceram em 2006, quando cursa-vam o primeiro ano do ensino médio. “Ela era boa em futsal, em corrida, em ginástica, em tudo”, diz Emanuela. “Que-ria ganhar sempre. E sempre ganhava.”

O ganhar sempre virou um problemão para Sarah. “De 1999 a 2005, não perdi uma luta sequer”, diz ela. “Comecei a ficar preocupada. Como será que eu ia me sentir quando alguém me vencesse?” A maluquice é que Expedito começou a prepará-la para esse dia. “Teve luta que até torci para ela perder, para acabar logo com isso.” Por uma dessas ironias, ela foi ser derrotada justamente em casa, diante de sua torcida. Depois de 11 títulos brasileiros consecutivos, façanha jamais alcançada por qualquer judoca do País, de qualquer época, ela perdeu uma semi-final do campeonato nacional disputado em Teresina. “Essa foi a primeira vez que vi a Sarah chorar”, diz a amiga Emanuela. “Ela ficou transtornada.”

Para uma atleta com espírito vencedor, dona de um genuíno ethos

guerreiro (aquela disposição de lutar até a morte), uma decepção tão avassaladora costuma ter efeito positivo. Foi o que aconteceu com Sarah. “A derrota foi boa para tirar esse peso e me deixar mais louca de vontade de ganhar.” Derrotas realmente ensinam. Em Pequim-2008, Sarah perdeu na primeira rodada para uma oponente pior do que ela. “Entrei sem foco e nunca mais cometi esse erro.” Começa a garoar em Londres e Sarah, com seus olhos pequeninos mirando as águas do Tâmisa, revela o que talvez esteja por trás de sua espetacular trajetó-ria. “Como passei a vida ganhando, não sei perder”, diz. “Fico mal mesmo, não consigo dormir, sofro um bocado. Esse sentimento dura até a luta seguinte, até eu conseguir ganhar de novo.”

Para o técnico Expedito Falcão, o segredo de Sarah está no fato de ter resistido a trocar Teresina pelos grandes centros do esporte no País. “Quando a Sarah está treinando no Piauí, ela é o foco do trabalho”, diz ele. “Tudo é direcionado para que atinja o máximo do seu desem-penho. No eixo Sul e Sudeste, ela seria só mais uma entre os atletas de destaque no

País. Por isso, continuar treinando em casa é um diferencial da Sarah.” Algum tempo atrás, Sarah recebeu convite para ser atleta do São Paulo e do Flamengo, clubes de futebol interessados em bancar promessas olímpicas, mas ela sequer cogi-tou a possibilidade de deixar sua cidade natal. Também não faltaram convites para trabalhar com os principais judocas do País, a maioria deles baseada na capital paulista. Sarah explica assim a insistência em permanecer ligada às raízes. “Sou uma pessoa muito caseira e sempre sofri muito nas viagens para participar de competições”, diz. “Aí eu pensei: 'Puxa, se é difícil ficar 20 dias fora, imagine uma vida inteira'. Em Teresina tenho técnico, fisioterapeuta, psicóloga, minha família, tudo o que preciso para ser forte no judô. Não faz sentido mudar.”

A estrutura montada pelos ges-tores do judô brasileiro também foi fundamental para o desempenho em Londres. Além de Sarah, ganharam medalha na Olimpíada Felipe Kitadai, Mayra Aguiar e Rafael Silva, todos bronze – foi a melhor performance do esporte na história dos Jogos Olímpicos.

Sarah, por ela meSma

/Personalidade“eu Sou uMa peSSoa Muito fria, conSigo Segurar a eMoção. pode Ser o caMpeonato que for que eu luto coMo Se eStiveSSe treinando. pode ter torcida contra, pode ter gente Me xingando. quando eu entro no tataMe, Só vejo a Minha adverSária e MaiS nada. iSSo ajuda”

/rivais“Minha adverSária Sou eu MeSMa. Se eStiver de cabeça boa, dá pra ganhar de qualquer uMa”

/derrota“coMo paSSei a vida toda ganhando, eu não Sei perder. fico Mal MeSMo, não aguento, não conSigo dorMir, Sofro uM bocado. eSSe SentiMento dura até a luta Seguinte” /treinos“prefiro treinar coM hoMenS, porque eleS São MaiS forteS, lutaM MaiS peSado. Se você treinar Só coM Mulher, não vai a lugar nenhuM” /teresina“adoro a Minha cidade, não Saio daqui de jeito nenhuM. teM Minha faMília, Meu técnico, MeuS aMigoS. tereSina é tudo pra MiM” /ouro olímPico“foi incrível, uM Sonho, MaS a vida continua. não vou ficar acoModada. tenho Só 22 anoS e quero conquiStar MaiS coiSaS”

o fenômeno sarah> durante SeiS anoS, de 1999 a 2005, não perdeu uMa luta Sequer> na infância e adoleScência, ganhou 11 caMpeonatoS braSileiroS

SeguidoS (hendecacaMpeã). o priMeiro eM 2000, aoS 10 anoS

> bicaMpeã Mundial júnior, eM 2008 e 2009> caMpeã da copa do Mundo de portugal, eM liSboa, eM 2009, quando venceu

todaS aS lutaS por ippon> Medalha de bronze no caMpeonato Mundial de judô, eM 2010> Medalha de prata no caMpeonato Mundial de judô, eM 2012> caMpeão olíMpica, eM 2012

capa

CAMPEÃ A piauiense comemora o ouro em Londres

foto: frederic jean

falando por falar. Sarah sempre foi uma “psicopata esportiva”, na definição da amiga Emanuela Madeira. As duas se conheceram em 2006, quando cursa-vam o primeiro ano do ensino médio. “Ela era boa em futsal, em corrida, em ginástica, em tudo”, diz Emanuela. “Que-ria ganhar sempre. E sempre ganhava.”

O ganhar sempre virou um problemão para Sarah. “De 1999 a 2005, não perdi uma luta sequer”, diz ela. “Comecei a ficar preocupada. Como será que eu ia me sentir quando alguém me vencesse?” A maluquice é que Expedito começou a prepará-la para esse dia. “Teve luta que até torci para ela perder, para acabar logo com isso.” Por uma dessas ironias, ela foi ser derrotada justamente em casa, diante de sua torcida. Depois de 11 títulos brasileiros consecutivos, façanha jamais alcançada por qualquer judoca do País, de qualquer época, ela perdeu uma semi-final do campeonato nacional disputado em Teresina. “Essa foi a primeira vez que vi a Sarah chorar”, diz a amiga Emanuela. “Ela ficou transtornada.”

Para uma atleta com espírito vencedor, dona de um genuíno ethos

guerreiro (aquela disposição de lutar até a morte), uma decepção tão avassaladora costuma ter efeito positivo. Foi o que aconteceu com Sarah. “A derrota foi boa para tirar esse peso e me deixar mais louca de vontade de ganhar.” Derrotas realmente ensinam. Em Pequim-2008, Sarah perdeu na primeira rodada para uma oponente pior do que ela. “Entrei sem foco e nunca mais cometi esse erro.” Começa a garoar em Londres e Sarah, com seus olhos pequeninos mirando as águas do Tâmisa, revela o que talvez esteja por trás de sua espetacular trajetó-ria. “Como passei a vida ganhando, não sei perder”, diz. “Fico mal mesmo, não consigo dormir, sofro um bocado. Esse sentimento dura até a luta seguinte, até eu conseguir ganhar de novo.”

Para o técnico Expedito Falcão, o segredo de Sarah está no fato de ter resistido a trocar Teresina pelos grandes centros do esporte no País. “Quando a Sarah está treinando no Piauí, ela é o foco do trabalho”, diz ele. “Tudo é direcionado para que atinja o máximo do seu desem-penho. No eixo Sul e Sudeste, ela seria só mais uma entre os atletas de destaque no

País. Por isso, continuar treinando em casa é um diferencial da Sarah.” Algum tempo atrás, Sarah recebeu convite para ser atleta do São Paulo e do Flamengo, clubes de futebol interessados em bancar promessas olímpicas, mas ela sequer cogi-tou a possibilidade de deixar sua cidade natal. Também não faltaram convites para trabalhar com os principais judocas do País, a maioria deles baseada na capital paulista. Sarah explica assim a insistência em permanecer ligada às raízes. “Sou uma pessoa muito caseira e sempre sofri muito nas viagens para participar de competições”, diz. “Aí eu pensei: 'Puxa, se é difícil ficar 20 dias fora, imagine uma vida inteira'. Em Teresina tenho técnico, fisioterapeuta, psicóloga, minha família, tudo o que preciso para ser forte no judô. Não faz sentido mudar.”

A estrutura montada pelos ges-tores do judô brasileiro também foi fundamental para o desempenho em Londres. Além de Sarah, ganharam medalha na Olimpíada Felipe Kitadai, Mayra Aguiar e Rafael Silva, todos bronze – foi a melhor performance do esporte na história dos Jogos Olímpicos.

Sarah, por ela meSma

/Personalidade“eu Sou uMa peSSoa Muito fria, conSigo Segurar a eMoção. pode Ser o caMpeonato que for que eu luto coMo Se eStiveSSe treinando. pode ter torcida contra, pode ter gente Me xingando. quando eu entro no tataMe, Só vejo a Minha adverSária e MaiS nada. iSSo ajuda”

/rivais“Minha adverSária Sou eu MeSMa. Se eStiver de cabeça boa, dá pra ganhar de qualquer uMa”

/derrota“coMo paSSei a vida toda ganhando, eu não Sei perder. fico Mal MeSMo, não aguento, não conSigo dorMir, Sofro uM bocado. eSSe SentiMento dura até a luta Seguinte” /treinos“prefiro treinar coM hoMenS, porque eleS São MaiS forteS, lutaM MaiS peSado. Se você treinar Só coM Mulher, não vai a lugar nenhuM” /teresina“adoro a Minha cidade, não Saio daqui de jeito nenhuM. teM Minha faMília, Meu técnico, MeuS aMigoS. tereSina é tudo pra MiM” /ouro olímPico“foi incrível, uM Sonho, MaS a vida continua. não vou ficar acoModada. tenho Só 22 anoS e quero conquiStar MaiS coiSaS”

o fenômeno sarah> durante SeiS anoS, de 1999 a 2005, não perdeu uMa luta Sequer> na infância e adoleScência, ganhou 11 caMpeonatoS braSileiroS

SeguidoS (hendecacaMpeã). o priMeiro eM 2000, aoS 10 anoS

> bicaMpeã Mundial júnior, eM 2008 e 2009> caMpeã da copa do Mundo de portugal, eM liSboa, eM 2009, quando venceu

todaS aS lutaS por ippon> Medalha de bronze no caMpeonato Mundial de judô, eM 2010> Medalha de prata no caMpeonato Mundial de judô, eM 2012> caMpeão olíMpica, eM 2012

capa

CAMPEÃ A piauiense comemora o ouro em Londres

foto: frederic jean

O judô tem muitas lições a ensinar. A começar pela preparação. Pela primeira vez, cada judoca teve à disposição um sparring, como são chamados aqueles atletas que são pagos apenas para treinar um candidato a campeão. A comissão técnica contou com 18 profissionais e um intenso trabalho psicológico foi feito para evitar tremedeiras. “Nunca via algo parecido em toda a minha carreira”, diz Tiago Camilo, medalha de prata em Sidney-2000 e bronze em Pequim-2008. Favorito ao pódio em Londres, Camilo ficou pelo caminho, mas reconhece a nova era inaugurada no esporte. “A tendência é formar uma geração ainda mais forte para 2016.” Para a técnica Rosicléia Campos, que assumiu a seleção brasileira feminina em 2005 e uma das responsáveis pela transformação do es-porte no Brasil, não é exagero colocar o País entre as potências mundiais. “Hoje, os competidores olham para os judocas brasileiros de maneira diferente”, diz Rosicléia. “Sabem da nossa força, sabem que ninguém está ali por acaso.”

Sarah Menezes precisa fazer o retrato de capa da 2016 e o fotógrafo pede que ela tire o tênis, porque judoca nenhum que se preze faz foto de quimono e com os pés calçados. Estamos debaixo de uma ponte, nos arredores de Royal Victoria, em Lon-dres. O chão está imundo e dá para ver até cacos de vidro espalhados pelo lugar. “Tem que tirar mesmo?”, pergunta Sarah. Tímida, ela não consegue dizer não. “Tá bom, vai.”

capa

RAÍZESSarah no campeonato mundial de judô, em Paris: ela recebeu con-vites para treinar em São Paulo e no Rio, mas quis ficar no Piauí

*Com reportagem de Flávio Meireles,de Teresina

Foto: Marcio Rodrigues / Fotocom.net

UM MERGULHONO PORTOaO CusTO de r$ 8 BILHÕes, O rIO Quer TransFOrmar seu deCrÉPITO POrTO

em eXemPLO de reCuPeraÇÃO amBIenTaL. sÓ O TemPO dIrÁ se IssO É POssíVeL

sustentabilidade

A VIdA CoMo eLA Éna página ao lado, Alexandra nascimento,14 anos, enfrenta aságuas turvas da Baíade guanabara. nesta página, os irmãos, moradores do Morro da Conceição, Alex Cardoso, 19 anos, e Arichele Cauane, 17, na porta de casa. esta e outras 182 vielas serão reformadas para os Jogos de 2016

POR FLÁVIA RIBEIRO FOTOS CHRISTIAN GAUL

UM MERGULHONO PORTOaO CusTO de r$ 8 BILHÕes, O rIO Quer TransFOrmar seu deCrÉPITO POrTO

em eXemPLO de reCuPeraÇÃO amBIenTaL. sÓ O TemPO dIrÁ se IssO É POssíVeL

sustentabilidade

A VIdA CoMo eLA Éna página ao lado, Alexandra nascimento,14 anos, enfrenta aságuas turvas da Baíade guanabara. nesta página, os irmãos, moradores do Morro da Conceição, Alex Cardoso, 19 anos, e Arichele Cauane, 17, na porta de casa. esta e outras 182 vielas serão reformadas para os Jogos de 2016

POR FLÁVIA RIBEIRO FOTOS CHRISTIAN GAUL

Às margens da Baía de guanaBara, o Porto do Rio foi, até o início do século 19, a principal porta de entrada de escravos vindos da África. Só no Cais do Valongo, construído no século 18, desembarcaram um milhão de cativos. Já com o tráfico negreiro proibido, o ancoradouro foi remodelado em 1843 para receber a imperatriz Teresa Cristina. Em 1905, o local foi aterrado como parte de uma reforma da região central da cidade comandada pelo prefeito Pereira Passos. Pouco mais de 100 anos depois, a zona portuária do Rio passa por uma

nova transformação, desta vez com um pilar bem definido: o da sustentabilidade. Mobilidade urbana, reutilização de água da chuva e coleta seletiva de lixo, entre outros conceitos “ver-des”, farão parte da nova rotina da área de 5 milhões de metros quadrados, que abrange partes do Centro, São Cristóvão, Caju e mais os históricos bairros da Saúde, de Gamboa e do Santo Cris-to. Abandonada há décadas, a região – batizada hoje de Porto Maravilha – foi incluída no projeto olímpico do Rio e abrigará as vilas de mídia e dos árbitros durante os Jogos de 2016.

A obrigatoriedade de contemplar a preservação do meio ambiente tanto nas obras de infraestrutura urbana como nos futuros empreendimentos imobiliários foi definida por meio de duas leis municipais e uma federal, que deram o aval para o início do processo de revitalização. O objetivo principal é transformar uma região degradada – acostumada a enchentes, rios poluídos, esgotos aparentes, tráfego pesado e ruas cheias de lixo – em exemplo de recuperação ambiental. Para isso foi feita uma Parceria Público-Privada (PPP) entre a prefei-

tura e o Consórcio Porto Novo (Norberto Odebrecht, OAS e Carioca Engenharia), responsável pelas obras. O valor do investimento é alto – R$ 8 bilhões –, dos quais 3% devem ser destinados à recuperação do patrimônio histórico e cultural da região. “Serão reformadas 183 ruas e vielas e todas as redes de infraestrutura vão ser refeitas”, diz Rafael Daltro, gestor de contratos e relações institucionais da Consórcio Porto Novo. Segundo ele, toda a fiação será subterrânea, assim como os cabos de fibra ótica para telecomunicações.

gente do portoAcima, na página ao lado, alunos da escola padre dr. Francisco; o folclórico Marcos Socran, 54 anos, que se autodefine como artista de rua e criador de sua própria vestimenta; e algumas das obras de revitalização do porto (da esq. para a dir.). Abaixo, também na página ao lado, comerciantes como Celi Arruda, 65 anos; o fotógrafo Walter pinto, 50; e o relojoeiro Ademar da Silva, 57. Acima, nesta página, o pescador Josias de reis, 43 anos; a vendedora nilza Moraes dos Santos, 49; e Alexandra nascimento, 14, saindo de um mergulho nas águas do porto. À esquerda, idosas passeiam nas ruas decadentes da região; e o operário Florisvaldo Santos, 25 anos, retratado em um dos canteiros de obras que mudarão radicalmente o lugar

Às margens da Baía de guanaBara, o Porto do Rio foi, até o início do século 19, a principal porta de entrada de escravos vindos da África. Só no Cais do Valongo, construído no século 18, desembarcaram um milhão de cativos. Já com o tráfico negreiro proibido, o ancoradouro foi remodelado em 1843 para receber a imperatriz Teresa Cristina. Em 1905, o local foi aterrado como parte de uma reforma da região central da cidade comandada pelo prefeito Pereira Passos. Pouco mais de 100 anos depois, a zona portuária do Rio passa por uma

nova transformação, desta vez com um pilar bem definido: o da sustentabilidade. Mobilidade urbana, reutilização de água da chuva e coleta seletiva de lixo, entre outros conceitos “ver-des”, farão parte da nova rotina da área de 5 milhões de metros quadrados, que abrange partes do Centro, São Cristóvão, Caju e mais os históricos bairros da Saúde, de Gamboa e do Santo Cris-to. Abandonada há décadas, a região – batizada hoje de Porto Maravilha – foi incluída no projeto olímpico do Rio e abrigará as vilas de mídia e dos árbitros durante os Jogos de 2016.

A obrigatoriedade de contemplar a preservação do meio ambiente tanto nas obras de infraestrutura urbana como nos futuros empreendimentos imobiliários foi definida por meio de duas leis municipais e uma federal, que deram o aval para o início do processo de revitalização. O objetivo principal é transformar uma região degradada – acostumada a enchentes, rios poluídos, esgotos aparentes, tráfego pesado e ruas cheias de lixo – em exemplo de recuperação ambiental. Para isso foi feita uma Parceria Público-Privada (PPP) entre a prefei-

tura e o Consórcio Porto Novo (Norberto Odebrecht, OAS e Carioca Engenharia), responsável pelas obras. O valor do investimento é alto – R$ 8 bilhões –, dos quais 3% devem ser destinados à recuperação do patrimônio histórico e cultural da região. “Serão reformadas 183 ruas e vielas e todas as redes de infraestrutura vão ser refeitas”, diz Rafael Daltro, gestor de contratos e relações institucionais da Consórcio Porto Novo. Segundo ele, toda a fiação será subterrânea, assim como os cabos de fibra ótica para telecomunicações.

gente do portoAcima, na página ao lado, alunos da escola padre dr. Francisco; o folclórico Marcos Socran, 54 anos, que se autodefine como artista de rua e criador de sua própria vestimenta; e algumas das obras de revitalização do porto (da esq. para a dir.). Abaixo, também na página ao lado, comerciantes como Celi Arruda, 65 anos; o fotógrafo Walter pinto, 50; e o relojoeiro Ademar da Silva, 57. Acima, nesta página, o pescador Josias de reis, 43 anos; a vendedora nilza Moraes dos Santos, 49; e Alexandra nascimento, 14, saindo de um mergulho nas águas do porto. À esquerda, idosas passeiam nas ruas decadentes da região; e o operário Florisvaldo Santos, 25 anos, retratado em um dos canteiros de obras que mudarão radicalmente o lugar

as escavações na região do porto estão servindo também para redescobrir lugares históricos do rio de janeiro, como o cais , os jardins do valongo, a pedra do sol e, nesta foto, o morro da conceição

sustentabilidade

as escavações na região do porto estão servindo também para redescobrir lugares históricos do rio de janeiro, como o cais , os jardins do valongo, a pedra do sol e, nesta foto, o morro da conceição

sustentabilidade

As redes de água e esgoto também estão sendo ampliadas e modernizadas.

As escavações estão a todo o vapor. Durante esse processo, um pedaço importante da história do Rio foi reve-lado, depois de mais de um século sob camadas de concreto: as estruturas do Cais da Imperatriz e, abaixo dele, do Cais do Valongo. Trata-se de um tesouro arqueológico que, a partir de agora, poderá ser conhecido por moradores e turistas. Suas ruínas fi carão abertas para visitação e farão parte do Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana, que abarca locais marcantes para a memória da cultura afro-brasileira: o Cais do Valongo, os Jar-dins do Valongo, a Pedra do Sal, o Largo do Depósito, o Instituto Pretos Novos e o Centro Cultural José Bonifácio. Parte das escavações está sendo executada para a construção das novas galerias de drenagem, que podem resolver o secular problema das enchentes – eram três, passarão a ser 11.

Hoje, a rede pluvial e a de esgoto se misturam. No novo projeto, elas fi carão separadas e os ramais de esgoto desem-bocarão, para tratamento, na estação de Alegria, no Caju. Além disso, serão construídas três estações de tratamen-to de esgoto em tempo seco, nos rios Papa-Couve, Sarapuí e Maracanã, que desembocam no Canal do Mangue. “Essa medida é importante dentro dos esforços de despoluição da Baía de Guanabara”, diz Wanulsa Vasconceles, gerente de conservação e manutenção do Porto Novo. Contêineres subterrâ-neos espalhados por 21 pontos da região vão receber o lixo: em cada ponto haverá dois deles, um para lixo orgânico e outro para reciclável. A medida, porém, terá

que ser acompanhada por uma grande campanha de conscientização dos moradores. Não vai ser fácil convencer a população a, em vez de colocar o saco de lixo na calçada na frente de casa, levá-lo até o local dos contêineres, mesmo que ele fi que logo na esquina.

Na superfície, o velho porto também vai sofrer profundas mudanças.

Serão 17 quilômetros de ciclovias, com bicicletários nas 42 estações de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos). Segundo pesquisas encomendadas pela prefeitura, a emissão de gás carbônico do VLT é30 vezes menos do que a de um ônibuse o consumo de energia em petróleoé 4,5 vezes inferior. Também está pre-vista a construção de um enorme passeio público, que vai receber 15 mil árvores, aumentando assim a cobertura verde dos atuais 2% para 12% da área total. “As exigências urbanísticas vão estimular a ampliação do paisagismo”, diz JorgeArraes, presidente da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Porto,responsável pela fi scalização docontrato da PPP entre a prefeiturae o Porto Novo. “Esses 12% dizemrespeito apenas às obras públicas.Com o investimento privado, devemos chegar a 30% de áreas arborizadas.”

Uma das questões mais polêmicas, por envolver desapropriações, é um dos pontos-chave do projeto: a derrubada do Elevado da Perimetral, hoje sufocado por engarrafamentos diários. Ele será substituído pela Via Binário do Porto, a ser inaugurada em 2014, e pela Via Ex-pressa, em 2016. Enquanto a Perimetral tem capacidade para 2 mil veículos por hora, mas recebe quase 5 mil, as novas vias poderão receber 10,5 mil carros a cada 60 minutos. “Se precisar desa-

propriar porque a casa está em área de risco ou por causa da construção da nova malha viária, a Secretaria Municipal de Habitação fi ca responsável pela constru-ção de novas moradias, de preferência na mesma região”, afi rma Jorge Arraes,

O apelo sustentável está presente também nos sete edifícios que vão for-mar o complexo do Porto Olímpico. Pelo projeto, os prédios devem reaproveitar a água da chuva e, durante a construção, serão usados materiais com certifi cação ambiental. No próprio canteiro da obra, o entulho gerado, já bastante reduzido pela opção de pré-moldados, é reciclado para fabricação de argamassa. Depois dos Jogos, os 1,3 mil apartamentos de dois e três quartos serão transformados em um condomínio residencial. À sua volta, praças, parques, lojas e hotéis.“Os imóveis terão prioridade de venda para funcionários públicos”, diz Marcos Heraldo da Costa, diretor de incorpora-ção da Solace, empresa responsávelpela construção dos prédios.

sustentabilidade

oBrAS de HoJe e AMAnHÃAcima, refl exo do velho e congestionado elevadoda perimetral, que será demolido para a construção da Via Binária do porto. Abaixo, operário em um dos muitos canteiros de obras

todo o entulho gerado na construçãodos edifÍcios do porto olÍmpico é reciclado para a fabricação deargamassa, e os apartamentos resultantes serão transformadosem um condomÍnio residencial

91

SETEMBRO 2012 | ISTOÉ 2016

Patrocínio:

As redes de água e esgoto também estão sendo ampliadas e modernizadas.

As escavações estão a todo o vapor. Durante esse processo, um pedaço importante da história do Rio foi reve-lado, depois de mais de um século sob camadas de concreto: as estruturas do Cais da Imperatriz e, abaixo dele, do Cais do Valongo. Trata-se de um tesouro arqueológico que, a partir de agora, poderá ser conhecido por moradores e turistas. Suas ruínas fi carão abertas para visitação e farão parte do Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana, que abarca locais marcantes para a memória da cultura afro-brasileira: o Cais do Valongo, os Jar-dins do Valongo, a Pedra do Sal, o Largo do Depósito, o Instituto Pretos Novos e o Centro Cultural José Bonifácio. Parte das escavações está sendo executada para a construção das novas galerias de drenagem, que podem resolver o secular problema das enchentes – eram três, passarão a ser 11.

Hoje, a rede pluvial e a de esgoto se misturam. No novo projeto, elas fi carão separadas e os ramais de esgoto desem-bocarão, para tratamento, na estação de Alegria, no Caju. Além disso, serão construídas três estações de tratamen-to de esgoto em tempo seco, nos rios Papa-Couve, Sarapuí e Maracanã, que desembocam no Canal do Mangue. “Essa medida é importante dentro dos esforços de despoluição da Baía de Guanabara”, diz Wanulsa Vasconceles, gerente de conservação e manutenção do Porto Novo. Contêineres subterrâ-neos espalhados por 21 pontos da região vão receber o lixo: em cada ponto haverá dois deles, um para lixo orgânico e outro para reciclável. A medida, porém, terá

que ser acompanhada por uma grande campanha de conscientização dos moradores. Não vai ser fácil convencer a população a, em vez de colocar o saco de lixo na calçada na frente de casa, levá-lo até o local dos contêineres, mesmo que ele fi que logo na esquina.

Na superfície, o velho porto também vai sofrer profundas mudanças.

Serão 17 quilômetros de ciclovias, com bicicletários nas 42 estações de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos). Segundo pesquisas encomendadas pela prefeitura, a emissão de gás carbônico do VLT é30 vezes menos do que a de um ônibuse o consumo de energia em petróleoé 4,5 vezes inferior. Também está pre-vista a construção de um enorme passeio público, que vai receber 15 mil árvores, aumentando assim a cobertura verde dos atuais 2% para 12% da área total. “As exigências urbanísticas vão estimular a ampliação do paisagismo”, diz JorgeArraes, presidente da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Porto,responsável pela fi scalização docontrato da PPP entre a prefeiturae o Porto Novo. “Esses 12% dizemrespeito apenas às obras públicas.Com o investimento privado, devemos chegar a 30% de áreas arborizadas.”

Uma das questões mais polêmicas, por envolver desapropriações, é um dos pontos-chave do projeto: a derrubada do Elevado da Perimetral, hoje sufocado por engarrafamentos diários. Ele será substituído pela Via Binário do Porto, a ser inaugurada em 2014, e pela Via Ex-pressa, em 2016. Enquanto a Perimetral tem capacidade para 2 mil veículos por hora, mas recebe quase 5 mil, as novas vias poderão receber 10,5 mil carros a cada 60 minutos. “Se precisar desa-

propriar porque a casa está em área de risco ou por causa da construção da nova malha viária, a Secretaria Municipal de Habitação fi ca responsável pela constru-ção de novas moradias, de preferência na mesma região”, afi rma Jorge Arraes,

O apelo sustentável está presente também nos sete edifícios que vão for-mar o complexo do Porto Olímpico. Pelo projeto, os prédios devem reaproveitar a água da chuva e, durante a construção, serão usados materiais com certifi cação ambiental. No próprio canteiro da obra, o entulho gerado, já bastante reduzido pela opção de pré-moldados, é reciclado para fabricação de argamassa. Depois dos Jogos, os 1,3 mil apartamentos de dois e três quartos serão transformados em um condomínio residencial. À sua volta, praças, parques, lojas e hotéis.“Os imóveis terão prioridade de venda para funcionários públicos”, diz Marcos Heraldo da Costa, diretor de incorpora-ção da Solace, empresa responsávelpela construção dos prédios.

sustentabilidade

oBrAS de HoJe e AMAnHÃAcima, refl exo do velho e congestionado elevadoda perimetral, que será demolido para a construção da Via Binária do porto. Abaixo, operário em um dos muitos canteiros de obras

todo o entulho gerado na construçãodos edifÍcios do porto olÍmpico é reciclado para a fabricação deargamassa, e os apartamentos resultantes serão transformadosem um condomÍnio residencial

91

SETEMBRO 2012 | ISTOÉ 2016

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