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Revista do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco CBHSF | Nº 06 | MAI 2015 ISSN 2316-7661

Revista Chico CBHSF - nº 06

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Revista do Comitê da Bacia Hidrográfica do

Rio São FranciscoCBHSF | Nº 06 | MAI 2015

ISSN 2316-7661

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A cidade pernambucana de Petrolina, localizada às margens do rio São Francisco, ganha notoriedade pela rica produção agrícola, destacando-se como importante polo econômico dopaís. Sob o olhar da fotógrafa Regina Lima, a imagem da escultura da Mãe D’água surge em meio às águas do Velho Chico.

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Revista ChicoPublicação semestral do Comitê da

Bacia Hidrográfica do Rio São FranciscoNº 06 | MAI 2015

ISSN 2316-7661

Comitê da Bacia Hidrográfica do

Rio São FranciscoPresidente

Anivaldo de Miranda Pinto

Vice-PresidenteWagner Soares Costa

SecretárioJosé Maciel Nunes de Oliveira

Coordenador da CCR do AltoMarcio Tadeu Pedrosa

Coordenador da CCR do MédioClaudio Pereira da Silva

Coordenador da CCR do Sub MédioManoel Uilton dos Santos (Tuxá)

Coordenador da CCR do Baixo Melchior Carlos do Nascimento

Produzido pela Yayá Comunicação

Integrada

Coordenação geralMalu Follador

Coordenação editorial e edição de texto

José Antônio Moreno

ReportagemAndré SantanaDelane Barros

José Antônio MorenoJoyce de Sousa

Ricardo FolladorWilton Mercês

ArtigosGeorge Olavo

Diosmar FilhoHaroldo Schisteck

Erica Costa Silva Raimundo Fábio Pereira

IlustraçãoRodolfo Carvalho

Elena Landinez

FotografiaJoão Zinclair

Alfredo MascarenhasTiago Sampaio

Ivan CruzRegina Lima

Ricardo FolladorWilton Mercês

RevisãoAna Lúcia Pereira

Projeto gráficoe EditoraçãoJorge Martins

Foto da capaDepositphotos.com

ImpressãoGráfica Santa Bárbara

A revista Chico chega ao seu sexto número trazendo de volta a car-ranca como símbolo maior da segunda edição do Dia Nacional em Defesa do Velho Chico, iniciativa do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco que, desde o ano passado, coloca em pauta a

necessidade de tomada de consciência coletiva para recuperação do rio São Francisco. Manifestações estão previstas em toda a bacia no dia 3 de junho e trazem, na sua filosofia, a mobilização em torno de ações concretas pela revitalização.Como mote para a campanha, além do slogan “Eu Viro Carranca para Defender o Velho Chico”, o fortalecimento da identidade de quem mora na bacia ou vive em função dela. São Joãos, Josés, Marias, Pedros e Franciscos. Cada qual em sua realidade, mas que se transformam em “Chicos” quando colocam em xe-que a premente necessidade de salvar este rio tão vital para o país.A revista traz ainda como destaque o bem-sucedido modelo produtivo desen-volvido nos municípios baianos de Canudos, Uauá e Curaçá, todos situados em zona castigada pela seca, para beneficiamento e comercialização do umbu, base para a fabricação de doces, sucos, geléias e até cerveja. Além de exemplo de boa gestão para geração de renda baseada no cooperativismo, a iniciativa tem o mérito de trabalhar a autoestima de povos sofridos do semiárido baiano. Outro destaque desta edição está na matéria sobre o processo de construção do Plano de Recursos Hídricos, que deverá nortear a gestão da bacia do rio São Francisco entre os anos de 2016 e 2025. Finalmente, a Chico entrevista com exclusividade a professora Yvonilde Medeiros, especialista em recursos hídricos da Universidade Federal da Bahia, que aborda, entre diversos outros temas, a questão das vazões reduzidas na bacia do São Francisco.

Sumário

Chicos que viram “carranca”

Agencia de Bacia AGB PEIXE VIVO

Diretora-geral Célia Maria Brandão Fróes

Diretora de Integração Ana Cristina da Silveira

Diretor Técnico Alberto Simon Schvartzman

Diretora de Administração e Finanças

Berenice Coutinho Malheiros dos Santos

Esta revista é um produto do Programa de Comunicação do CBHSF Contrato nº 07/2012 - Contrato de Gestão nº

014/ANA/2010 - Ato Convocatório nº 043/2011.Direitos reservados. Permitido o uso das informações

desde que citando a fonte.

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UMBU S/A

ARTIGO: A QUESTÃO AGRÁRIA E OS

QUILOMBOS NO SÃO FRANCISCO – BAHIA

ALMANAQUE: PETROLINA/PE

CAMPANHA TODOS SOMOS CHICO

COBRAR PELO USO DAS ÁGUAS É PENSAR NO

FUTURO DO VELHO CHICO

ENSAIO: PANTANAL MINEIRO

PERNAMBURENCE OU CEARANO?

NA ROTA

RIOS DO MUNDO:ANACOSTIA

SERES DO SÃO FRANCISCO: JUAZEIRO

NOVO PLANO PARA O VELHO CHICO

ARTIGO: CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO

ENTREVISTA: YVONILDES DANTAS PINTO MEDEIROS

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N a rica diversidade de sabores da bacia do rio São Francisco, uma pequena fruta ganha destaque não só pelo seu característico gosto azedo, e nem so-

mente por suas inúmeras utilidades na culinária são-franciscana, mas, principalmente, pela sua adaptação a um dos biomas mais presentes na extensão do rio: a caatinga. O umbuzeiro e seu fruto verde e redondo, o umbu, são partes essen-ciais da história e cultura dos povos do semiárido brasileiro e, cada vez mais, ganham importância pelo papel econômico que vêm desempenhan-do atualmente. Não por acaso, o umbuzeiro foi imortalizado por Euclides da Cunha no clássico Os Sertões como“árvore sagrada do sertão”. O escritor carioca teria ficado deslumbrado com a contribuição do umbuzeiro nas estratégias de sobrevivência da Guerra de Canudos (1896). De fato, poucos vegetais oferecem tanto à po-pulação da bacia como o umbu. E sem lhe pedir muito em troca. Crescendo nas áreas mais secas do sertão e dando safras fartas do fruto azedo, utilizado em doces, sucos e geleias, o umbuzeiro ainda entrega a sombra exuberante das suas co-

pas aos viajantes, flores brancas e perfumadas, com néctar para produção de mel pelas abelhas, folhas para alimentação de animais, troncos cur-tos, cuja casca serve para chás medicinais, e a raiz, em forma de batata, que tem a capacidade singular de reservar água, mesmo nos períodos de estiagem. O nome, umbu, faz referência jus-tamente a esse atributo: vem de ymbo, de ori-gem tupi-guarani, que significa “árvore que dá de beber”. Mais do que de beber, o umbu dá de comer, dá de trabalhar e tem fortalecido a convivência harmoniosa do sertanejo com o semiárido. “Se não fosse o umbu minha vida não seria nada fácil. Há dez anos vivo do umbu e tenho conseguido uma vida melhor para mim e para meus filhos. E olha que eu ainda nem planto, eles nascem livremente e são meu sustento e meu tudo”, diz Dona Maria de Fátima Ramos, 46 anos, moradora da Fazenda Praça, zona rural de Uauá-Bahia. Com o umbu colhido nas árvores das áreas comuns da redondeza de sua casa, ela prepara deliciosos doces, sorvetes, picolés e mousses e vende nas praças, feiras e em eventos da cidade.

“Na roça também criamos bichos, galinhas, vendemos ovos e plantamos coentro. Mas o umbu é o mais forte, pois ele rende mais, tem mais utilidade, tem muita saída”, explica. Com uma produção caseira e tocando todo o processo sozinha, já que prefere deixar os dois filhos, de 10 e 15 anos, dedicados aos estudos, Maria de Fátima chega a faturar cerca de R$ 400,00 por mês, apenas com o umbu. “Meu projeto agora é expandir, quero plantar mais pés de umbu, já me informei o que preciso fazer. Vai dar certo, o umbu exige pouca água, isso não será problema”, planeja a moradora, lembrando que na Fazenda Praça corre apenas um rio intermitente, o rio do Jorge, que deságua no Vaza-Barris, um dos rios de Uauá, afluente do Velho Chico.Para potencializar trajetórias como de Dona Ma-ria de Fátima, foi criada, em 2004, a Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Cura-çá (Coopercuc). Essas cidades baianas estão dentro da região fisiográfica do Submédio São Francisco e têm grande produção de umbu e ou-tras frutas da caatinga. A cooperativa é resultado de uma longa atuação de associações e pastorais

Umbu S/A

FRUTO TÍPICO DA CAATINGA, O UMBU DESPONTA COMO PRODUTO CAPAZ DE GERAR RENDA E DEVOLVER

AUTOESTIMA A COMUNIDADES CASTIGADAS PELA SECA NO INTERIOR DA BAHIA. BENEFICIADO E COMERCIALIZADO

POR UMA COOPERATIVA QUE REÚNE AGRICULTORES DOS MUNICÍPIOS DE CANUDOS, UAUÁ E CURAÇÁ, O

UMBU TORNOU-SE BASE PARA GELEIAS, DOCES, SUCOS E ATÉ UMA CERVEJA GOURMET QUE MIRA O MERCADO

INTERNACIONAL.

TEXTO: ANDRÉ SANTANA | FOTOS: REGINA LIMA

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Todos os anos, a cidade de Uauá sedia um festival com debates e exposições

sobre as possibilidades do umbu

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que, desde as décadas de 1980 e 1990, uniram os agricultores, deram capacitações e forta-leceram as possibilidades de beneficiamento do que se produz no semiárido. “Começamos com 44 agricultores, hoje somos 249 coopera-dos, dos três municípios. Deste total, 78% são mulheres. O carro-chefe é o umbu, mas tam-bém trabalhamos o beneficiamento de outras frutas da caatinga, como o maracujá do mato, a manga, a goiaba e a banana. Anualmente, a produção é de 15 toneladas, em 18 unidades de beneficiamento”, explica a gerente comer-cial da Coopercuc e uma de suas fundadoras, Jussara Dantas Souza, nascida na comunidade de Caititus, em Uauá. A Coopercuc atua junto a 450 famílias, envol-vidas na produção de doces, sucos, geleias, compotas e polpas, produtos orgânicos (sem aditivos químicos) e um processo de consciên-cia ambiental e acompanhamento dos agricul-tores para a extração sem cortes de árvores. A produção dos cooperados é intensa. Na fábri-ca, com capacidade para produzir 200 tonela-das de doces por ano, chegam cinco caminhões carregados de umbu diariamente. Jussara explica que mesmo com todo o esforço da cooperativa, os frutos ainda são mais vendi-dos in natura, o que agrega menos valor à produ-ção. “O umbu ainda é um fruto pouco conhecido fora da região, ainda mais seus produtos, como os doces e geleias. Não aproveitamos nem 5% do potencial da região”. Apesar de acreditar que as duas formas de comercialização podem coexistir (in natura e com beneficiamento), o agricultor José Edmilson dos Santos, de Curaçá, explica que a sazonalidade e a especificidade do umbu, só encontradas nesta região, potencializam as possibilidades de mercado para os produtos ge-rados pelo beneficiamento. Mas isso ainda pode ser ampliado. “Outro entrave é o valor final dos produtos, por conta dos custos da produção, o que torna difícil concorrer com outras opções do mercado que não se originam de cooperativas de agricultores e não assumem compromissos ambientais no processo de produção”, ressalta. Mesmo assim, a renda gerada anualmente pelo trabalho dos cooperados ultrapassa o valor de R$ 1 milhão, montante que pode ser dobrado a partir da ação dos revendedores. E a cooperativa tem grandes projetos de expansão. A começar por uma nova fábrica, quase pronta, na cidade de Uauá, que possibilitará uma maior produção, além de novos produtos para o mercado. “Desde 2004, temos levado nossos produtos para deze-nas de países, rompendo o preconceito com as nossas frutas, consideradas exóticas”, diz Jus-

sara Souza. Com o selo FLO Fair Trade e Certifi-cação Orgânica, os produtos da cooperativa pas-saram a serem exportados para países como a França, Áustria, Alemanha e Espanha e distribu-ídos pelo Brasil, em grandes redes como o Grupo Pão de Açúcar.José Edmilson destaca ainda que as geleias e doces têm mercados específicos, mas a Coo-percuc está pensando em desenvolver produtos

mais populares, como polpas e sucos que po-dem atender ao próprio mercado interno. “Com a inauguração da nova fábrica, vamos investir nes-ses segmentos também. Queremos que a safra de 2016 já seja processada lá”, destaca. A atuação da Coopercuc junto aos agricultores e a divulgação dos seus produtos teve grande im-pulso com o apoio do Slow Food, movimento internacional de valorização da gastronomia

e defesa da sociobiodiversidade. “Após uma exigente análise em uma universidade na Itália, o umbu tornou-se uma das ‘fortalezas do Slow Food no Brasil’, considerando o seu rico valor nutritivo”, aponta a gerente comercial.Ao ver o pequeno fruto arredondado, de casca lisa ou textura levemente aveludada, não se imagina que se trata de uma rica fonte de sais minerais e vitamina C. E ao provar seu sabor levemente azedo, dificilmente se supõe suas possibilidades na culinária, em delícias como doces e compotas ou mesmo na comida, através da “umbuzada”, preparada pelos sertanejos para ser batida com leite ou servida com farinha de mandioca, alimento que fortalece o corpo para as árduas rotinas no semiárido. Quem pode atestar os efeitos nutritivos do umbu (e também sua impor-tância econômica) é Dona Juvita Gonçalves da Cruz, sócia-fundadora da Coopercuc, que aos 68 anos de idade ainda sobe no umbuzeiro para colher o fruto. “Essas árvores são a minha vida, eu como umbu o ano inteiro, de todo jeito, não enjoo e nem me canso”, ri a agricultora, em meio aos pés de umbu de Marruá, povoado de 49 famílias, em Uauá. Ela diz ter plantado, sozinha, mais de 200 pés em sua roça. A intimidade é tanta que ela já conhece os pés mais produtivos, os que dão fruto doce, os mais verdes, os mais claros. “Essa árvore é uma benção de Deus, até a casca é boa para fazer remédio, curar ferida. Até água ela já traz na raiz, na batata. Mata a fome e a sede também. Eu tive 11 irmãos, nove mulheres. Nas épocas ruins, era o umbu que não nos deixava morrer de fome”. A relação com o umbuzeiro e as receitas com o fruto são aprendizados antigos da família. “Cresci vendo minha avó fazer o vinho do umbu, essa polpa que se extrai sem mistura, sem água. Minha avó enchia o pote e dizia: ‘esse é para a Semana Santa’”, lembra a agricul-tora, que tem quatro filhos e quatro netos. Fortalecida pelos nutrientes do umbu, Dona Juvita encoraja outras mu-lheres para o trabalho e o cooperativismo. Atualmente são 12 pessoas (apenas um homem) que tocam a minifábrica de beneficiamento em Marruá, onde se produzem doces e geleias a partir dos frutos colhidos nas roças de fundo de pasto. “Eu só fazia para uso próprio, o doce e o vinho, na minha própria cozinha. Com o trabalho da cooperativa e de movimentos como as pastorais, o movimento de mulheres, o Irpaa (Ins-tituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada) e a Igreja, veio a

minifábrica.O trabalho cresceu e hoje eu tenho um bom complemento da renda. O restante, tiramos do plantio de hortaliças e da criação de porcos, bodes e galinhas”, contabiliza.A filha de Dona Juvita, Elenita Gonçalves dos Santos, de 32 anos, explica a jornada na cooperativa. “Quem tiver interesse no trabalho, deve ter conhecimento dos deveres, como a carga horária diária, as reuniões, os eventos, oficinas e feiras. As tarefas são todas organizadas e divi-das entre os cooperados”. As preocupações dos agricultores são colher os frutos, produzir os doces e embalar, em recipientes fornecidos pela cooperativa. A distribuição e venda cabe à Coopercuc, que repassa par-te do valor aos cooperados. “Nossa meta da safra de 2014 era de R$23 mil e foi batida nos três meses da safra (janeiro, fevereiro e março), gra-ças ao trabalho em equipe”, destaca Elenita. “No ano que vem queremos uma produção ainda maior, pois vamos substituir esse forno de lenha por um industrial”, promete.

NOVOS HÁBITOSA união dos agricultores e a produtividade alcançada pelas minifábricas se devem às capacitações e orientações oferecidas pela Coopercuc aos cooperados. “Temos que lidar com alguns hábitos que precisam ser tra-balhados. Por exemplo, antigamente se utilizava a raiz do umbuzeiro para fazer o doce, o que causava a morte da árvore. Hoje se usa apenas o fruto e se tem consciência de que se trata de uma árvore secular que precisa ser preservada”, aponta Jussara Dantas.A organização dos agricultores e o acesso à informação foram responsá-

Durante o festival, a

cooperativa expõe diversos

produtos à base do umbu

Dona Juvita Gonçalves: entusiasmo com o

trabalho da cooperativa

Sucos, geleias, doces: boa aceitação por

parte do consumidor.

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Jussara Dantas: outras frutas da caatinga

também são beneficiadas pela cooperativa

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Uma das apostas da Coopercuc para o mercado externo é a Saison Umbu, uma cerveja artesanal à base do fruto, produzida a partir de uma parce-ria entre os cooperados baianos, que fornecem a matéria-prima, a cervejaria Experimento Beer, de Belo Horizonte/MG, que criou a receita e desen-volveu a bebida, e o estúdio DoDesign-s, escritório especializado em design e marketing que trabalha com comunidades e associativismo. “Mais do que um produto, essa cerveja nasce de um projeto que une experiências importantes de economia criativa”, explica uma das responsáveis pela DoDesign-s, a fo-tógrafa Ana Paula Diniz, que elogia a cerveja. “É uma bebida artesanal, 100% malte, encorpada, com uma fruta refrescante, cítrica. Enfim, uma cerveja ultra--especial”, ressalta. A Saison Umbu, que será vendida, em média por R$ 27,00 a garrafa de 600ml, tem 10% da fruta em sua composição e 6,2% de álcool. Conforme informa a divulgação do produto, “a acidez, doçura e perfume do umbu equilibram-se com os aromas e sabores frutados, cítricos e condimentados desta refrescante Saison”.A cerveja integra a linha Gravetero, criada pela cooperativa para comercializar seus produtos nos

mercados mais sofisticados do Brasil e exportar para países como Itália, França e Áustria. A Saison Umbu será uma das novidades da Eataly, que será inaugurada em São Paulo. A rede italiana de su-permercados gourmet já possui unidades em ci-dades como Dubai, Tóquio, Chicago, Roma e Istam-bul e inaugurará sua primeira loja na América Latina.A cerveja foi lançada durante o 7º Festival do Umbu, que a Coopercuc realiza anualmente em Uauá, quando reúne os cooperados e parceiros, expõe seus produtos e realiza debates e oficinas sobre a produção agrícola. O público presente, acostumado com as cervejas tipo Pilsen, estranhou o gosto amargo típico das cervejas puro malte. Alguns se espantaram com o valor (durante o festival, foi comercializada a R$20,00 a garrafa de 600 ml e R$10,00, o chopp de 300ml). Mas todos estavam orgulhosos do produto originado nas terras secas da caatinga nordestina. “Essa cerveja vai elevar o nome do umbu e da nossa região por todo o país. É uma grande conquista”, comemora Jussara Dantas.

CERVEJA DE UMBU PARA MERCADOS SOFISTICADOS

Cerveja artesanal, encorpada,

puro malte, com 10% de umbu.

veis por uma grande transformação no semiári-do, como explica Cícero Félix, educador popular, técnico agropecuário e atual coordenador-geral do Irpaa. “A realidade do semiárido era a lógica do combate à seca e às culturas do sertão, por meio de políticas assistencialistas, que geravam dependência, permanecendo a fome, a misé-ria e a desinformação. Mas sempre houve aqui um povo trabalhador, resistente e com saberes importantes, tentando sobreviver”. Para Félix, a troca de conhecimentos e informação entre os saberes dos agricultores e as pesquisas cientí-ficas foram essenciais para despertar as poten-cialidades do semiárido, como a diversidade de frutas da região. “Percebeu-se que não há falta de água, há falta de justiça e de políticas de dis-tribuição de renda. Pior que a escassez de água é a escassez de conhecimento sobre as formas de captação, armazenamento e manejo da água para os diversos usos”.Em mais de duas décadas atuando no semiárido nordestino, o Irpaa acredita no trabalho educa-tivo de formação e informação para a transfor-mação da vida das populações da caatinga. “As famílias de pequenos agricultores, com seus saberes populares e formas de sobrevivência, mostram que é possível viver bem no semiárido, e sem políticas assistencialistas. O desafio ago-ra é uma organização cada vez maior das comu-nidades e dos investimentos públicos”, alerta. O produtor rural Adilson Ribeiro, atual presiden-te da Coopercuc, também condena as políticas que reforçavam a dependência dos pequenos agricultores. “Nós vivíamos esquecidos, escon-didos pelo preconceito que se tinha com a agri-cultura familiar, recebendo esmolas em forma de cestas básicas, com produtos estragados. Hoje produzimos para nosso sustento, para o comércio e ainda podemos doar”, comemora. “Não queremos políticas de favores, e sim, ini-ciativas públicas que potencializem a agricultu-ra familiar”, destacou, denunciando a excessiva carga tributária sobre os cooperados, que ain-da chegam a pagar 40% sobre o que produzem, pois não podem integrar o Simples Nacional, re-gime tributário diferenciado, simplificado, para microempresas e empresas de pequeno porte. Outro entrave apontado pela Coopercuc são as exigências de certificação para a comercialização de produtos, especialmente os de origem animal, o que tem limitado a atuação dos produtores. “Queremos incluir, por exemplo, o bode e seus derivados entre os produtos beneficiados pela cooperativa, mas as dificuldades são muitas. Deixamos, então, de explorar uma das potencialidades desta região”, lamenta Edmilson dos Santos. Uauá, por exemplo, é considerada a cidade internacional da criação de bode, onde, no mês de agosto de cada ano, acontece a famosa exposição agropecuária de caprinos e ovinos, com uma grande festa, leilões, danças e cantorias.

Uma bacia de Franciscos. Ao percorrer cerca de 270 quilômetros, atravessando cinco estados brasileiros, o Velho Chico consagrou uma tra-dição: a de batizar com o seu nome milhares de

crianças brasileiras. Uma verdadeira população de Fran-ciscos (e de Franciscas) que se distribui pelas diferentes regiões, oriunda das mais diversas culturas e tradições, mas cujo traço comum é o vínculo com o rio ou - o que não é incomum – com a devoção ao santo católico que lhe deu o nome. Nesta matéria, reunimos alguns desses “Chicos” e, a partir deles, tentamos decifrar um pouco da alma de quem vive na bacia.

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TEXTO: ANDRÉ SANTANA, RICARDO FOLLADOR

E WILTON MERCÊS

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Francisco Barbosa dos Santos tem 62 anos. Ribeiri-nho de nascimento e natural de Bom Jesus da Lapa, na Bahia, ele pertence ao quilombo Juá Bandeira. Vive da roça e da pesca. Tem sete filhos.“Tiro meu sustento da roça e da pesca e, mesmo com toda essa dificuldade que o rio enfrenta, não tenho vontade de sair daqui. Além de tudo, me orgu-lho e me acho imensamente privilegiado por carre-gar o nome de um dos idosos mais importantes do mundo, o Velho Chico. Dizem que me chamo assim por causa dos antepassados que viviam nas margens do rio e que geralmente davam esse nome aos filhos. Por falar de pesca e de passado, lembro do meu avô, que conseguiu criar toda a sua família trabalhando como pescador. O prazer dele era esse... Ultimamen-te os impactos ambientais, como o assoreamento e a poluição do rio, não permitem mais isso. Hoje, para sobreviver, eu planto feijão, batata, abóbora e milho; e rezo muito para que a chuva caia... “

Francisco Martins Silva vê nos seus 62 anos um sinônimo de experiência. Mais conhecido como ‘Chico Nego’, é pescador artesanal da cidade de Sobradinho, na Bahia, e tem dois filhos, que, nos dias de hoje, preferem – em decorrência da triste realidade do rio – trabalhar com piscicultura em vez da pesca convencional. ”Aqui é difícil não ter alguma pessoa da família com o nome de Francisco. Comigo não foi diferente. Me chamo Francisco e para mim é uma honra, ainda mais viven-do, como eu vivo, à beira do rio. Pela minha idade, posso afirmar que sou o legítimo ‘Velho Chico’. Venho de uma família de cinco irmãos. Nasci em Pernambuco, mas fui criado quase que a minha vida inteira na Bahia. Na ver-dade, somos todos filhos de uma única bacia. Não é à toa que o São Francisco é conhecido como o rio da unidade nacional. Meus pais eram pescadores, meus irmãos tam-bém... Agora meus filhos. Não sei se verei meus netos... A situação não está nada boa para o nosso querido ‘Chico’. Ainda insisto nessa vida porque, no fundo, acredito na pes-ca artesanal. Criei meus herdeiros assim. Não é possível que isso vá terminar... Mas admito que estou muito desa-nimado. Não tenho mais idade. Espero que essa situação mude. Afinal, o São Francisco tem uma riqueza tão gran-de que tudo pode acontecer.”

Francisca de Paula Martins, conhecida como Chiquinha, tem 48 anos de ida-de e herda esse nome da família por gerações. Natural de Pedro Leopoldo (MG), ela é gestora de Meio Ambiente e conselheira da área de recursos hí-dricos no Estado de Minas Gerais.“Meu pai me deu esse nome porque a madrinha dele se chamava Francisca. Na minha família, o tio do meu pai se chama Francisco e meu pai se chama Francisco. Isso sem falar na rua que eu moro, aqui em Mocambeiro, distrito de Matosinho, que se chama Francisco de Paula Martins. Só por ai você já tem uma ideia de como o nome Francisca é forte na minha vida. Minha relação com o rio vem desde a infância. Vim para cá desde que nasci e lembro que, além do meu contato direto com a terra e as plantas, utilizava muito o riacho da Gordu-ra, contribuinte do rio das Velhas, para tomar banho com os amigos na sombra dos piqueizeiros, que hoje foram devastados.Por ver tantas agressões ao meio ambiente e por causa do amor e da minha ligação com o rio, comecei a lutar por melhorias ambientais desde cedo. Atu-almente, sou conselheira da AGB Peixe Vivo, que é a agência delegatária do CBHSF, e atuo também em diversas instituições, como o Parque Estadual Serra Verde, em Belo Horizonte; o subcomitê do Ribeirão da Mata; o Parque Estadual do Sumidouro, entre outras”.

Francisco Chagas Leal tem 43 anos. Trabalha como serviços gerais do Floresta Hotel. Além dele, seu bisavô se chamava Francisco, assim como o seu tio, seu cunhado e seu sogro, todos fi-lhos da ribeirinha cidade de Floresta do Navio, em Pernambuco.”Nasci no dia 13 de dezembro, data de aniversário de Luiz Gonzaga. Meu nome, na verdade, era para ser em homenagem ao sanfoneiro. Decidiram por Francisco...Mas ‘tá’ bom também. Meus avós eram proprietários de pequenas terras no riacho do Man-dante, um afluente do São Francisco, próximo a Flo-resta do Navio, na divisa com Petrolândia, também em Pernambuco. Meu bisavô se chamava Francisco, assim como eu, meu sogro, meu tio e meu cunha-do. Aqui em Floresta, somos uma única família. O Velho Chico é muito importante para nós todos. Se ele morrer, o sertão desaparece. Ele é a essência desta região tão sofrida pela seca. Já são quatro anos seguidos nessa agonia... Muito tempo... Difícil, mas precisamos sobreviver. O rio Pajeú, que corta a cidade, apesar de bastante maltratado, é ainda a nossa esperança. Temos que torcer pelo sucesso da transposição. É a promessa que ouvimos falar e que aguardamos há alguns anos”.

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Francisco Carlos Santos, conhecido como Dipeta, é um líder indígena da aldeia Tuxá, no município de Rodelas, na Bahia. Em paralelo ao seu trabalho diário de policial militar, é um frequente defensor dos direitos aborígenes na bacia do rio São Francisco. “Quero poder colaborar com a preservação desta bacia, dar minha contribuição, que é a contribuição do povo indígena. Ver o meu povo se reestruturar e ter de volta o acesso direto as águas do rio São Francisco. Isso é de interesse não apenas dos indí-genas, mas de toda a população ribeirinha: pescadores, comunidades quilombolas, agricultores, etc. Nós, aborígenes, fazemos parte da população do Velho Chico, e é assim que queremos ser vistos. Queremos saber mais sobre esse grandes projetos, discutir sobre a possibilidade de acidentes, etc. Temos um péssimo exemplo que foi a construção da usina hidrelétrica de Itaparica. Com a sua implantação, na década de 80, o povo Tuxá foi obrigado a sair e construir as casas bem longe do rio São Francisco. Agora mesmo temos aqui na região a questão das usinas nucleares, que é uma questão que precisa ser melhor discutida. Nós, índios, não somos contra o progresso, mas também não queremos ser vistos apenas como mão de obra pesada”.

Francisco Guimarães Guardano nasceu no mu-nicípio de Paracatu, em Minas Gerais, onde vive da agricultura desde a década de 1980. Atual-mente, aos 64 anos, mora em Guarda Mor, tam-bém em terras mineiras.“Não sei se meu nome tem a ver com Francisco de Assis, o santo, mas o certo é que venho de uma famí-lia católica. Sou ribeirinho das margens do ribeirão Januário, que desce contribuindo com outros rios até se encontrar com o Paracatu, afluente do São Francisco. Isso me dá uma grande responsabilida-de. Sei da importância de ter que cuidar dessa água!O Paracatu faz parte da minha vida, porque nasci e fui criado às suas margens, embora tenha passado um tempo em Belo Horizonte. Trabalho com a agri-cultura irrigada, plantando milho, feijão e soja. Lem-bro que já tivemos um tempo muito bom, com muita água e muito peixe nesses rios...Era tanto peixe que eu virava até pescador! Gostava muito da pesca de anzol, mas hoje a coisa está difícil.”

Barranqueiro natural do município de São Fran-cisco, em Minas Gerais, Inácio Francisco Rosário Filho integra o Comitê da Bacia Hidrográfica dos Afluentes Mineiros do Médio São Francisco. Aos 50 anos, é professor de matemática e física, além de vereador do município mineiro de Urucuia.“Minha relação com o rio sempre foi intensa. Isso é coisa que vem desde os meus antepassados. Meu pai nasceu praticamente no rio e eu levo o nome de Francisco por causa dele, que se cha-ma Inácio Francisco Rosário. Além disso, minha família já tirou (e ainda tira) o sustento para suas casas do São Francisco.Recordo como eram os rios mineiros, a exemplo do Urucuia, sempre abundante e cheio de vida... Agora, está tudo degradado. Já fizemos algumas ações de melhorias, como cercamento de nas-centes para proteção da mata ciliar, e temos um projeto na Agência Nacional de Águas – ANA que vai trazer mais benefícios. Tento fazer a minha parte representando, no Comitê, a Associação Comunitária de Preservação e Revitalização dos Córregos Bonito, Judas, Pedras e Gameleira e seus Afuentes.”

Aos 62 anos, Francisco Mourão Vasconcelos é natural de Belo Horizonte, Minas Gerais. Bió-logo, já foi integrante do Comitê do São Fran-cisco. Atualmente trabalha na área ambien-tal, criando propostas técnicas de unidades de conservação.“Fui um dos fundadores do Comitê do São Francisco. Representava a sociedade civil no colegiado, através da Associação Mineira de Defesa do Ambiente – Amda, que já existe há mais de 35 anos. Participo da Amda até hoje e, atuando nela, presencio coisas que me preocupam na bacia do São Francisco, como o intenso desflorestamento e a poluição dos rios por esgotos domésticos e industriais. É por ver situações tão críticas que trabalho intensamente para a revita-lização dos rios mineiros...Recordo do ano de 1997, quando participei, através da Amda, de um mutirão que plantou mais de 116 mil mudas de árvores na-tivas do São Francisco em apenas quatro dias, para reflorestamento em Lagoa da Prata. A ação reuniu mais de três mil voluntários, entre lavradores, estu-dantes, ambientalistas e técnicos em agricultura, e foi inserida no Livro dos Recordes, o Guiness Book, como o maior plantio comunitário de mudas de ár-vores nativas do mundo”.

FOTO: DYDDO SANTOS

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Pantanal Mineiro

FOTOS E TEXTO: HUGO CORDEIRO

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O FOTÓGRAFO HUGO CORDEIRO, NATURAL DE BELO HORIZONTE, FAZ UMA EXPEDIÇÃO PELA ÁREA CONHECIDA COMO “PANTANAL MINEIRO”, NO NORTE DE

MINAS GERAIS, E DOCUMENTA, COM SUA LENTE, UM VERDADEIRO SANTUÁRIO ECOLÓGICO. PAISAGENS DE TIRAR O FÔLEGO, DIVERSIDADE DE FLORA E FAUNA, BELOS CONJUNTOS DE LAGOAS E VEREDAS ALIMENTADAS PELO RIO PANDEIROS, AFLUENTE DO VELHO CHICO NA REGIÃO. UM COMPLEXO AMBIENTAL VISTO COM SENSIBILIDADE, RESULTANDO EM BELAS IMAGENS DE UMA NATUREZA SINGULAR.

Em 2014, a primeira edição da campanha pelo Dia Nacional em Defesa do Velho Chico foi um sucesso. O grande saldo foi o engajamen-to de milhares de pessoas, seja nos eventos

realizados nas cidades da bacia, seja por meio das mídias sociais e meios de comunicação tradicionais. De artistas conhecidos ao povo simples das margens do rio, passando por pesquisadores, ativistas do meio ambiente, gestores e a rica diversidade de usuários das águas do São Francisco, todos se envolveram na luta pela necessária e urgente revitalização do São Francisco. Este ano, todos terão uma nova oportunidade de “vi-rar carranca para defender o Velho Chico”. O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – CBHSF realiza, no dia 3 de junho, a segunda edição da cam-panha, reforçando as ações nas cidades e a mobili-zação nos meios de comunicação. Tudo está sendo preparado para superar o alcance conquistado no primeiro ano. “Nossa expectativa é, mais uma vez, levar a voz do povo ribeirinho para toda a socieda-de, especialmente para a imprensa e autoridades, apontando os seus principais problemas e exigindo a devida atenção ao rio e à sua gente”, destaca Maciel Oliveira, secretário-geral do CBHSF, dizendo que “a chamada para virar carranca em defesa do rio ‘pe-gou’, foi muito bem aceita por todos”. Usando novamente a carranca como símbolo maior, a campanha deste ano vai promover a mobilização geral por meio da hastag #TodosSomosChico, para mostrar que, “mesmo com a grande diversidade da população, com seus interesses e usos múltiplos, há um grande bem em comum: o bem querer pelas águas do rio São Francisco”, explica Malu Follador, coordenadora-geral do Programa de Comunicação do CBHSF.Em todas as suas peças de divulgação, a campanha se desenvolverá em torno de quatro eixos: 1) uso ra-cional dos recursos hídricos; 2) revitalização; 3) novo modelo e nova matriz energética; 4) vazão consciente, respeitando os usos múltiplos. São vertentes que, em síntese, apontam para uma só direção: a necessidade de “salvar” o rio São Francisco, promovendo a sua re-cuperação ambiental e reforçando a sua importância econômica, social e cultural para o país.

IMPRENSAAssim como no ano passado, a primeira ação de sensibilização dos veículos de imprensa para a cam-panha será uma coletiva, envolvendo jornalistas e comunicadores que atuam na bacia, que assim terão chance de entrevistar os membros da diretoria exe-cutiva do CBHSF. A coletiva de imprensa acontecerá às vésperas da XXVII Reunião Plenária do Comitê, na cidade de Petrolina, às margens do Velho Chico. A cidade foi escolhida pela sua importância social, cul-tural e histórica para a bacia, sendo um dos centros de desenvolvimento econômico, a partir da utilização das águas do rio para atividades produtivas como agricultura e pesca, além do rico potencial artístico e turístico que também se relaciona com a dinâmica do São Francisco.

Além de dialogar com os jornalistas, tirando dúvidas sobre a situação da bacia e apresentando o mote principal da campanha, os coordenadores poderão discutir as estratégias de ação e a programação para o Dia Nacional em Defesa do Velho Chico.

PRÊMIONesta mesma coletiva de imprensa, será lançado e detalhado o Prêmio Carranca de Jornalismo, cujo objetivo é destacar e premiar produções jornalísticas (rádio, tevê, internet e jornalismo impresso) que enfo-quem o rio São Francisco, sua problemática e ações de revitalização/recuperação ambiental. Poderão ser inscritos trabalhos publicados no ano de 2015. “O objetivo é estimular os profissionais de imprensa à produção de matérias jornalísticas que divulguem a situação do rio São Francisco, seus desafios, oportu-nidades e sua necessária revitalização, contribuindo para que mais cidadãos brasileiros compreendam a importância do rio para o país e busquem fazer a sua parte”, detalha Malu Follador.

PUBLICIDADEO mote da campanha será explorado em diversos suportes e mídias, a exemplo de banners, adesivos, cartazes, faixas, camisas e do jingle, versão musicada do conceito, em harmonia com os ritmos musicais são-franciscanos, apresentando a ideia criativa de forma lúdica, ajudando o público a internalizá-la. O jingle será veiculado, sobretudo, em emissoras de rá-dio espalhadas pelos sete unidades da federação que formam a bacia, devido ao alto grau de abrangência desse tipo de veículo na região da bacia hidrográfica do rio São Francisco. Haverá também um VT, produ-to audiovisual a ser exibido nas emissoras de tevê e mídias sociais, com imagens das populações ribeiri-nhas, bem como de pessoas de diferentes partes do país, estilos e classes, traduzindo a ideia de que “To-dos Somos Chico”.

MOBILIZAÇÃOO dia 3 de junho, escolhido como o Dia Nacional em Defesa do Velho Chico, será inteiramente dedica-do às mobilizações em toda a extensão da bacia, alertando a sociedade para a necessidade de revi-talização do São Francisco. Com apoio de associa-ções, grupos culturais e instituições governamen-tais, o CBHSF realizará e estimulará, em diversas municípios da bacia, atividades como barqueata, peixamento, debates e mobilizações envolvendo pescadores, comunidades indígenas, quilombolas, pesquisadores, estudantes e gestores públicos. “Esse ano teremos como diferencial a atuação de mobilizadores sociais, articuladores locais que estimularão a participação da comunidade nas atividades, abrangendo um público ainda maior”, explica Maciel Oliveira. As atividades programadas também darão destaque a discussões relevantes para a vida do rio, como a vazão ecológica, novas matrizes energéticas, disponibilidade hídrica e usos múltiplos das águas.

Todos os “Chicos” em defesa do rioC

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A paixão pela natureza pode ser plenamente explorada ao visitar o pantanal mineiro. Localizado no norte de Minas Gerais, a região pertence aos municípios de Januária, Bonito de Minas e Cônego Marinho. Paisagens de tirar o fôlego formam a cena do rio Pandeiros, um dos responsáveis pela alimentação do Velho Chico na região. Toda a riqueza e diversidade da flora e da fauna de Minas Gerais podem ser vistas nesse complexo ambiental considerado a maior unidade de conservação da natureza do estado.

O refúgio de vida silvestre do rio Pan-deiros foi criado no final de 2004 e en-volve seis mil hectares de cerrado e de mata seca. São ambientes únicos que oferecem uma experiência exclu-siva no estado. No entorno do refúgio, pode-se desfrutar das belezas de uma área de preservação ambiental com 210 mil hectares. O local busca equi-librar o uso de seus recursos hídricos com a proteção da diversidade biológica dos córregos, lagoas, veredas, cacho-eiras e do único pântano do território mineiro. União perfeita de uma grande variedade de relevos, clima, recursos hídricos e dos biomas mata atlântica, caatinga e cerrado.

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Além disso, as margens das águas claras do rio Pandeiros podem ser aproveitadas por campistas. No bal-neário, localizado a 48 km da sede do município, existem áreas livres para acampamento. Os aventureiros podem desfrutar de três cachoeiras e da pro-ximidade do único pântano do estado, constituindo um local de procriação de peixes de águas doce. Em épocas de alta temporada, é possível, ainda, se aventurar em esportes radicais pelas cachoeiras do rio, como a tiro-lesa, por exemplo.

Fica difícil decidir por onde começar: as pai-sagens incluem cachoeiras, lagoas, o pântano e a foz do rio Pandeiros, locais que parecem intocados pela mão humana, mas infelizmente sofrem com problemas graves de não respeito às matas ciliares, plantação de eucalipto e de cana de açúcar, criação de gado às margens do rio e acúmulo de areia derivado de voçoro-cas no entorno. A luta diária dos fiscais do IEF (Instituto Estadual de Florestas) parece em vão frente à não responsabilização de quem comete infrações ambientais. O ambiente serve como berçário natural para espécies migratórias de diversos peixes, algumas até ameaçadas de extinção, como curimatá, piranha, traíra, pacu e dourado.

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“O sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão”. A famosa frase de Antônio Conselheiro, dita no sé-culo XIX, deixou de ser vista como

algo impossível para ganhar conotação de profecia, quando a crise hídrica, até então tida como proble-ma do semiárido, passou a bater à porta também do principal centro produtivo nacional, a região Sudeste, afetando, em efeito cascata, toda a pro-dução nacional. São agora exigidas, com veemên-cia, mudanças de hábitos que evitem o desperdício da água em seus vários usos. O tema, muitas vezes considerado “blá-blá-blá de ecochatos”, tornou-se definitivamente pauta do dia no país. É neste cenário que ecoa o pedido de socorro do rio São Francisco, degradado pela ação do homem, o aquecimento global e os efeitos climáticos locais. É também, justamente nesse momento, que vence, conforme previsto em lei, o atual e já defasado Pla-no de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. A escassez de água no coração

do Produto Interno Bruto (PIB) nacional amplia, entretanto, a sensibilidade das autoridades, go-vernos, empresas e usuários de modo geral para a importância da elaboração da nova edição do docu-mento, que reúne as diretrizes para consumo e uso do rio, agora considerando efetivamente os níveis atuais de degradação, bem como os impactos até os próximos dez anos. “Estamos realizando esta atualização do plano num momento mais que apropriado, já que a cri-se hídrica enfrentada pelo país expôs de forma dramática a situação da bacia, que entra agora na relação dos extremos climáticos do país”, afirma o presidente do Comitê, Anivaldo Miranda. “Se o Brasil e o mundo, de modo geral, vêem-se hoje obrigados a fazer uma grande reflexão sobre o assunto, no caso da Bacia do São Francisco, essa nova dinâmica em prol dos recursos hídricos exige ainda uma maior intensidade”, completa.  O novo Plano da Bacia do São Francisco é, portanto, a prioridade número um do CBHSF atualmente, “as-

CRISE HÍDRICA NO CENTRO PRODUTIVO DO PAÍS AMPLIA SENSIBILIDADE PARA PROBLEMAS ENFRENTADOS HÁ ANOS PELO VELHO CHICO E NORTEIA A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO PLANO DE RECURSOS HÍDRICOS PARA A BACIA DO SÃO FRANCISCO, CONTANDO COM UMA MAIOR PARTICIPAÇÃO POPULAR. 

Novo plano para o Velho Chico

ETAPASCriado em 2001, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco é quem deve aprovar e acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da Bacia do São Francisco. Para a elaboração da segunda edição do plano, que vai vigorar de 2016 a 2025, o Comitê destinou R$ 6,9 milhões, oriundos da cobrança dos usos das águas do rio, por meio de taxas pagas pelos usuários que desenvolvem atividades econômicas, a exemplo de hidroelétricas, irrigantes e empresas de navegação, por exemplo.Parte dos recursos foi utilizada para a realização de licitação e contratação pela  agência da bacia (AGB Peixe Vivo) de uma empresa especializada, tendo como vencedora a Nemus Consultoria, que tem larga experiência na realização de planos semelhantes nas bacias de seu país, Portugal. Como a intenção é que o plano, desta vez, expresse a realidade do rio, sob o olhar das pessoas que vivem da bacia, a Nemus, por sua vez, contratou a empresa V&S Ambiental somen-te para cuidar das 44 consultas públicas e oficinas setoriais previstas para a fase inicial de elaboração do plano, que deve ser concluído em 20 meses.“Nossa intenção é construir um novo plano que não tenha sua legitimidade reconhecida apenas pelo Co-mitê, mas por todos os envolvidos, sejam empresas privadas, agentes públicos ou populações ribeirinhas, para que, juntos, tenhamos um norte para a atuação na bacia”, diz o secretário do CBHSF, Maciel Olivei-ra. Ele explica que o plano tem projeção para dez anos, mas vai estabelecer também ações para cur-to e médio prazo, prevendo impacto para até mais de 20 anos. Todo o trabalho está sendo monitorado por um Grupo de Acompanhamento Técnico (GAT), inte-grado por membros da diretoria e câmaras técni-cas do Comitê, além de representantes da Agência Nacional de Águas (ANA) e das secretarias de Meio Ambiente e Recursos Hídricos de cada estado que integra a bacia do Velho Chico. Os primeiros encon-tros para tratar do tema foram iniciados ainda no final de 2014. As etapas agora preveem, primeira-mente, o levantamento de dados para a formulação do plano, na chamada etapa de diagnóstico da situ-ação da bacia. Depois, será a vez da fase de prog-nósticos, com a projeção de cenários. Em seguida, serão estabelecidas as diretrizes, definindo progra-mas e ações para o alcance de metas.

sim como deve ser para todos os beneficiados pelas já escassas águas do rio”, frisa Miranda. Todos estão tendo, por meio de 44 consultas públicas e oficinas setoriais (ver boxe) a oportunidade de participar ati-vamente da construção das diretrizes que vão norte-ar os usos múltiplos do Velho Chico, bem como cui-dar do ecossistema local na próxima década.  Não é para menos. O rio, que sempre foi “o mar do sertão”, registra atualmente a vazão mais baixa da sua história (em alguns trechos, já abaixo dos 1.000 m³), inclusive enfrentando seca em sua nas-cente e já sendo invadido pelo mar, na sua foz. Se há dez anos, quando foi instituído o atual e primei-ro plano gestor da bacia, os problemas enfrenta-dos já eram considerados críticos; agora, com a contínua ação desordenada do homem, bem como diante do agravamento das questões climáticas, eles só se aprofundaram, mesmo diante dos aler-tas constantes do comitê gestor da bacia. Dentro da já preocupante questão hídrica nacional, o caso do Velho Chico é ainda mais alarmante, já que 54% da bacia está no semiárido.No caso do rio São Francisco, portanto, as popu-lações ribeirinhas e demais usuários que já têm que seguir as orientações globais para economia da água, evitando desperdícios ao lavar a louça e tomar banho, por exemplo, também precisam estar agora envolvidos, particularmente, com as questões enfrentadas pela bacia do rio. Dela de-pendem diretamente para seu sustento, aproxi-madamente, 18 mil pessoas, de 507 municípios, conforme dados do Comitê. São elas, e dentre elas os agentes produtivos que atuam no rio (agriculto-res, navegadores, pescadores, indústrias e a pró-pria Companhia Hidroelétrica do São Francisco – Chesf), que têm agora a responsabilidade de, num trabalho coordenado pelo CBHSF, definir, a partir de diagnósticos, cenários e prognósticos, normas

que servirão de norte para os diversos usos e ações em favor do Velho Chico. “Estamos mais confiantes de que, tanto na fase de elaboração no novo pla-no quanto no cumprimento das normas a serem definidas, contaremos com maior participação das instituições governamentais, iniciativa privada e po-pulações ribeirinhas, que agora enxergam a possibilidade de serem melhor compreendidas em seus anseios a respeito do rio”, afirma Miranda. “É como se fosse o roteiro de um filme ou a partitura de uma orquestra”, compara, ao destacar a importância do documento.A tarefa de buscar a harmonia é mesmo um desafio, diante da complexidade da bacia: como em nenhum outro território brasileiro, o rio integra, ao longo de seus 2.700 quilômetros de extensão, duas importantes regiões (Sudeste e Nordeste), abrangendo 507 municípios, em sete unidades federativas: Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Goiás e o Distrito Federal. Em seu curso, problemas históricos relacionados aos diversos interesses de uso,

como os conflitos gerados pela contenção da vazão pelas hidroelétricas, des-matamento das matas ciliares, assoreamento do leito, resíduos de atividades mineradoras e industriais, além da falta de saneamento básico pela grande maioria das cidades e distritos.

O PLANOA atualização do Plano de Recursos Hídricos da Bacia do Rio São Francisco é prevista pela Lei Nacional das Águas (Lei 9433/97). O último – na realidade, o primeiro feito para este fim – foi realizado para o período de 2004 a 2015, tendo sido financiado diretamente pela Agência Nacional de Águas (ANA), com pou-ca participação popular. Quando foi desenvolvido, o CBHSF só tinha três anos, ao contrário da experiência atual de 14 anos na defesa do rio e dos atores da bacia.“Hoje, temos mais experiência para assumir a plena condução do processo, garantindo uma maior participação dos usuários diversos da bacia, sobretudo

2700 QUILÔMETROS2 REGIÕES: SUDESTE E NORDESTE507 MUNICÍPIOS7 UNIDADES FEDERATIVAS: MG, BA, PE, AL, SE, GO E DF

INVESTIMENTO: R$ 6,9 MILHÕES

CONSULTAS PÚBLICASDos 44 eventos para discussão do tema, 24 são consultas públicas, ou seja, abertas para a parti-cipação popular, sobretudo por parte das pessoas que vivem na bacia. Destas audiências públicas, 12 foram realizadas na primeira etapa, ou seja, de mar-ço a maio de 2015, na chamada fase de definição do diagnóstico; outras quatro serão realizadas na fase de cenários e prognósticos; e mais oito finais, já no encerramento dos trabalhos, sendo que quatro de-las para a definição das diretrizes (planos de ações e metas) e as outras quatro já para a apresentação e divulgação do Plano de Recursos Hídricos da Bacia do Rio São Francisco 2016–2025.Ainda na primeira etapa (março a maio), paralela-mente, aconteceram 20 oficinas setoriais,  com a presença de técnicos e especialistas convidados, a exemplo de pesquisadores de universidades. As ofi-cinas trataram de cinco temas gerais: comunidades tradicionais; hidroeletricidade, navegação, pesca, tu-rismo e lazer; agricultura; saneamento; indústria e

mineração. Tanto as oficinas setoriais quanto as con-sultas públicas foram centradas nas sub-regiões da bacia: Alto, Médio, Submédio e Baixo São Francisco. “Ao longo do período, serão produzidos nove docu-mentos, seis relatórios parciais e três finais, além do plano de trabalho, que antecedeu as audiên-cias”, explica o diretor executivo da V&S Ambien-tal, Marcel Scarton. “Em maio, devem ser conclu-ídas as oficinas setoriais com os técnicos; e, em junho, as audiências públicas, o que nos permitirá já ter, em julho, o diagnóstico consolidado da par-ticipação técnica e social”, completa. Todo o plano deve ser concluído até o final do pri-meiro semestre do próximo ano, conforme as-segura o diretor da empresa Nemus, Pedro Bet-tencourt. “A fase atual da participação popular é essencial, quando se deve trazer para a mesa todas as questões que servirão de base para o plano”, diz. Ele resume o objetivo das consultas públicas: “Colher o máximo de impressões das populações ribeirinhas”.        

BACIA DO SÃO FRANCISCO

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TEXTO: JOYCE DE SOUSA | FOTOS: JOÃO ZINCLAR

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“A base de uma boa gestão de recursos hídricos é a informação”

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TEXTO: RICARDO FOLLADOR

FOTOS: ALFREDO MASCARENHAS

R enomada pesquisadora da área de recursos hídricos do país, doutora em Hidrologia pela University of Newcastle Upon Tyne – UK, mes-tre em Hidráulica e Saneamento pela Universi-

dade de São Paulo e graduada em Engenharia Civil pela Universidade Federal da Bahia, Yvonilde Dantas Pinto Medeiros explica, nesta entrevista, como os resultados do seu trabalho sobre as vazões ambientais poderão contribuir para as discussões sobre redução das va-zões mínimas das principais usinas hidrelétricas do rio São Francisco. Além disso, a professora faz uma análi-se sobre a gestão atual de recursos hídricos do Brasil, destacando o papel desempenhado pelo Comitê do São Francisco nesses últimos anos. Ela ressalta ainda a im-portância de se debater a alocação das águas como fator preponderante para a efetividade da atualização do plano de bacia do São Francisco, igualmente para o esperado Pacto das Águas.

YVONILDE DANTAS PINTO MEDEIROSParticipação popular supera expectativas O alto índice de participação dos diversos atores envolvidos com a bacia do rio São Francisco nas consultas públicas para a discussão do Plano de Recur-sos Hídricos para 2016–2026 tem empolgado os integrantes do Comitê, bem como da Agência Peixe Vivo e empresas contratadas para a realização das audiências, além dos membros dos comitês das bacias dos afluentes. “As reuniões têm ficado lotadas, mostrando que o plano já começa bem, com a etapa do diagnóstico sendo bem-sucedida”, diz Alberto Simon Schvartz-man, diretor técnico da agência delegatária AGB Peixe Vivo, que acompanha o trabalho realizado pelas empresas Nemus e V&S, que estão à frente das consultas públicas.  “Todos parecem ter maior consciência de que os problemas do rio se agrava-ram e que agora, com a maior experiência e ações constituídas pelo Comitê, pode-se obter melhores resultados”, acredita Schvartzman. O presidente do Comitê, Anivaldo Miranda, ressalta que não apenas os pescadores, nave-gadores e pequenos agricultores estão mais envolvidos, como também as grandes empresas e entes públicos, como a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Paranaíba (Codevasf) e o Ministério do Meio Ambiente, responsável pela gestão do Plano Nacional de Recursos Hídricos.  O diretor da V&S Ambiental, Marcel Scarton, elogia o nível das discussões nas consultas públicas. Segundo ele, o debate tem sido bem democrático, com todos ouvindo os anseios e problemas apresentados, bem como as so-luções sugeridas pelas comunidades, cuja experiência diária com o rio é vista como um rico conhecimento a ser agregado na atualização do documento. “Definitivamente, não será um plano para o Comitê da Bacia, mas para o público”, diz Scarton. 

AUSÊNCIA DO PODER PÚBLICOIntegrante da Câmara Técnica Institucional Legal do São Francisco, Luiz Dourado também elogia a alta participação da população ribeirinha nas dis-cussões, mas critica, por outro lado, o baixo envolvimento dos governos dos estados abrangidos pela bacia: Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Goiás, além do Distrito Federal. “Estados importantes e de peso na bacia, como a Bahia, têm apresentado poucos dados essenciais para a fase de diagnóstico, a exemplo do número preciso de outorgas concedidas pelos órgãos ambientais para a realização de atividades econômicas no rio”, alerta.“Para podermos fazer um balanço hídrico da bacia, todos os estados pre-cisam participar com informações sobre consumo e captação da água do rio, além de apoiar também os municípios, sobretudo, os menores”, cobra o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Salitre, Almacks Silva. Ele lembra que o CBHSF, por exemplo, financiou 25 projetos de saneamento ambiental de cidades cujos sistemas irregulares de esgotamento sanitário vêm contribuindo para a poluição do rio. Dos 507 municípios da bacia, apenas 28 têm os planos finalizados. 

das populações ribeirinhas, com diagnóstico e ações mais próximas da rea-lidade atual”, afirma Miranda. Ele ressalta que, se por um lado, o plano atual não conseguiu reverter a degradação do rio, o Comitê, por sua vez, foi atuante nas ações de conscientização dos usuários sobre a legitimidade de cada uso defendido pelos que vivem hoje da bacia, “mas é preciso fazer concessões”, frisa o presidente do CBHSF. 

O PLANO DE BACIAMas o que é mesmo um Plano de Bacia? Com base no artigo 8º da Lei das Águas, Luiz Dourado, membro do Comitê que integra a Câmara Técnica Ins-titucional Legal do São Francisco, explica: “Trata-se de um plano de natureza estratégica que visa o gerenciamento integrado da bacia com vistas para o uso racional, a proteção, a recuperação, a conservação, o disciplinamento e aten-dimento dos usos múltiplos”. Para ele, um dos aspectos mais importantes do Plano é o de buscar assegurar o direito intergeracional, visando também as futuras gerações, “o que significa que o plano traça diretrizes, regulamentan-do a manutenção dos usos atuais e futuros”, ressalta, lembrando que a bacia “é também uma unidade de gestão e planejamento, formada não apenas por água, mas também por gente e meio ambiente”.Conforme previsto em lei, o Plano Diretor deve considerar aspectos diversos da bacia, a exemplo da fauna e biodiversidade das águas superficiais e sub-terrâneas, com vistas à redução da poluição e contaminação, promoven-do ainda o desenvolvimento sustentável da bacia em todas as dimensões (econômica, política, social e ambiental). “Ou seja, com base no cenário atual, é preciso firmar as bases conceituais, para definir objetivos e diretri-zes”, explica Dourado, que resume: “É, na prática, fazer um diagnóstico mais atual para, a partir dele, promover restrições, contando com as concessões de todos que vivem da bacia”. O presidente do CBHSF conclui que “para se ter um bom plano de regras de uso e preservação da bacia para os próximos dez anos é preciso trabalhar um bom diagnóstico da realidade que o rio está passando, sempre com um olhar voltado para o futuro”. E completa: “Faz-se, portanto, imprescindível atentar para as tendências de desenvolvimento no território da bacia, com base na re-alidade dos que nela vivem, para que o documento não fique, ao final, guarda-do em uma prateleira, mas que seja efetivamente um instrumento para ação e desenvolvimento sustentável, promovendo não apenas o uso racional, mas a recuperação hidroambiental do ecossistema do São Francisco”.

CONSTRUÇÃO COLETIVA

44 Audiências públicas- 24 consultas públicas- 20 oficinas técnicas setoriais

1ª etapa: 12 consultas públicas + 20 oficinas setoriais = 32 (apresentação de problemas e propostas, para definição do diagnóstico consolidado: técnica e social)

2ª etapa: 4 consultas públicas (análise de cenários e prognósticos )

3ª etapa: 8 consultas públicas- 4 para definição de diretrizes (planos e metas) - 4 para apresentação do Novo Plano de Bacia 2016-2015

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Anivaldo Miranda: trabalhar com um bom

diagnóstico é fundamental

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A crise hídrica é um tema que assusta muitos brasileiros, apesar de ser uma velha realidade conhecida dos nordestinos. A gravidade da seca ganha a sua devida importância no momento que a escassez de água atinge estados como São Paulo e Rio de Janeiro? Yvonilde Medeiros – Eu não afirmaria isso com mui-ta certeza. Em locais onde já aconteceram crises si-milares de escassez de água, seja devida à estiagem, seja por aumento populacional, os conflitos ficam muito intensos, fazendo o tema ganhar uma rele-vância enorme. Mas devido à variabilidade do clima e do próprio ciclo hidrológico, daqui a um ou dois anos podemos estar vivendo uma época de abundância de água. Aí será possível que tudo volte ao normal e se ignore o problema. Em alguns países existiram crises que resultaram em pactos e acordos de rene-gociação de direito de uso de água. Parecia que tudo iria caminhar para um final positivo. Poucos anos depois, acabou a estiagem e o assunto morreu. Acho que o que nós vivenciamos agora realmente é uma crise que tende a se acentuar devido ao aumento de demanda, agravada também pelo uso intensivo dos recursos hídricos no Sudeste, junto com a estia-gem severa. Essa estiagem pode até acabar, mas a demanda vai continuar aumentando ou pelo menos vai se estabilizar, e essa crise não vai desaparecer totalmente. Eu espero que, em função disso, tenha-mos alguma consciência dessa limitação dos recur-sos hídricos, e que as autoridades, juntamente com sociedade em geral, crie uma reponsabilidade com relação à água.

A crise hídrica é uma oportunidade para se conseguir essa tão sonhada conscientização ambiental? YM – Sim. Porque, por exemplo, no semiárido nor-destino já ocorreram períodos muito mais graves do que o que está acontecendo hoje. A proporção atu-al é maior porque atinge pessoas que não estavam acostumadas. Foram surpreendidas. No Nordeste, as pessoas estão habituadas a ficar até nove meses sem chuva, a fazer economia, reúso da água, utili-zando água de baixíssima qualidade. Em várias par-tes, as pessoas vivem onde tem água. E ela é usada de forma simultânea, para todos os usos. Essa é uma realidade. Mas são pessoas ocultas, não é mesmo? A maioria não enxerga. Agora, quando isso chega a consumidores mais exigentes, pessoas acostuma-das a tomar banho de chuveiro, lavar carro e molhar o jardim, a problemática se torna mais alarmante.

Em recente entrevista, a senhora revelou que, des-de 1970, pesquisadores já alertavam para o cres-cimento da demanda por água no Brasil. Acredita que a atual conjuntura é resultado da má gestão dos governantes e, sobretudo, do não entendimen-to da população da importância de preservar os re-cursos hídricos do país? YM – No geral, não há conscientização. Só com a crise é que as pessoas começam a ter consciência. Infelizmente. Às vezes, temos quer perder um pouco

ou sentir a ameaça de perder para valorizar. É o caso da água. Talvez nós tivéssemos que ser impactados de vez em quando com esses sustos para perceber-mos o quanto é importante, o quanto é vital a água pra vida, em quantidade e qualidade.

Como a senhora avalia o sistema de recursos hídricos do País? YM – Nós temos uma legislação que pode vir a dar bons resultados em algumas regiões do país. Temos um modelo que foi criado voltado principalmente para as regiões Sul e Sudeste. Está adequado para estas regiões. Porém, para outras, principalmente para o semiárido, ela ainda precisa avançar. Isso eu falo com relação à legislação. Ainda tem a questão das instituições com baixa capacidade de ação (por falta de recursos ou por falta de pessoal capacita-do)...Existe um desequilíbrio muito grande na gestão de recursos hídricos do país. Se você for comparar a gestão das águas em rios da União com a dos rios estaduais, podemos dizer que a primeira avançou muito mais que a segunda. Não avançou ainda mais rápido porque precisa da resposta da sociedade, mas avançou dentro do esperado. Nos estados, fica mui-to em função do governo. Às vezes avança. Às vezes recua. Depende da conjuntura política do momen-to. Um dos grandes problemas da governança é a falta de confiança. Se a pessoa não tiver confiança, vai dizer, por exemplo, que está tendo “farra” de ou-torgas. Além disso, a informação é a base para tudo isso. Quando as pessoas conhecem melhor sobre o assunto elas tendem a confiar. A base de uma boa gestão de recursos hídricos é aprimorar a informa-ção. Um dos pilares é a transparência. Para isso, precisamos de bons técnicos, bons instrumentos, e disponibilizar informações não só para esses técni-cos especialistas, mas para o público leigo, que hoje é a grande maioria.

O CBHSF atualmente está em fase de atualização do seu Plano de Recursos Hídricos para o decênio 2016–2025. A senhora foi uma das especialistas que contribuíram para a construção do primeiro plano da bacia do rio São Francisco. Como enxerga a importância deste “novo” plano para o Comitê?YM – Este segundo plano, esta revisão, vem num momento em que o CBHSF está mais maduro. Ele nasce no âmbito de maior tranquilidade. O comitê já possui todos os instrumentos instalados. É um comi-tê bem estruturado, e acredito que este plano vai tra-zer discussões ricas. Vai ser um avanço com relação ao primeiro. Eu tenho uma expectativa muito grande em conseguir bases sólidas para a discussão de uma boa alocação de águas na bacia. Foi uma coisa que não conseguimos debater na última vez. Estabelecer direitos e obrigações de cada estado com relação à quantidade de água que é usada por cada segmento, o quanto cada estado inserido na bacia tem direito a usar. Pra mim, esse é um problema grave. Porque a qualidade da água que vem sendo devolvida ao rio principal é péssima, tendendo a se agravar se não resolvermos esse problema logo. Eu espero que

esse plano possa estabelecer a real quantidade de uso para os diversos setores que se utilizam do São Francisco. E, claro, depois disso, partir para as solu-ções e definição das ações que deverão ser tomadas por cada segmento. Espero que este plano seja, re-almente, um documento norteador para o CBHSF e, também, para as autoridades que visam à preserva-ção do Velho Chico.

Na última plenária do CBHSF, em Maceió, a senhora apresentou ao colegiado um minucioso estudo sobre as vazões ambientais no Baixo São Francisco, entre os estados de Alagoas e Sergipe. Como foi desenvolvido este trabalho e quais foram os resultados obtidos até então? YM - Ele continua sendo desenvolvido porque a pri-meira fase do trabalho, chamado de EcoVazão, foi resultado de um edital do CT-Hidro, com recursos da União, e que formou uma rede de pesquisa com diversas universidades localizadas nos estados da bacia, tendo a Universidade Federal da Bahia como coordenadora do projeto. Cada universidade desen-volveu um aspecto deste estudo. Gente estudando a parte de peixes; outros estudando vegetação; hidro-dinâmica; hidrologia; entre outros. Esses estudos re-sultaram numa sugestão de hidrograma ambiental, que é uma quantidade de água variável ao longo do ano, que atenda às necessidades do ecossistema aquático e da população ribeirinha. Não é ecológico apenas. Leva em consideração a sociedade ribeiri-nha. O Baixo São Francisco foi escolhido porque, tal-vez, seja a região que mais sofre pelo uso em toda a bacia. Todos os desequilíbrios de uso na bacia do São Francisco repercutem no Baixo.

Esses resultados poderiam ser aplicados no contexto de toda a bacia hidrográfica? YM – O resultado dele é para o Baixo São Francis-co. Mas esse tipo de estudo pode servir de modelo para outras regiões do rio São Francisco e, também, do país. Agora, estamos desenvolvendo outra rede de pesquisa que se chama HidroEco. Essa segunda rede envolve também outras universidades, que, ne-cessariamente, não estão na bacia, mas que estão estudando os seus rios e fazendo comparação dos resultados. O que nós, da Ufba, estamos estudando é que, uma vez tendo o hidrograma ambiental, saber qual é o impacto da implementação desse hidrogra-ma nos outros usos. Estamos estudando alocação. Ou seja, hoje o modelo adotado é o de vazão mínima. Esse hidrograma não se preocupa com valor, mas sim com a sazonalidade. Claro que estabelecemos um valor. Mais importante que o valor é manter a sazonalidade. Que haja essa compensação com a própria natureza entre o período de abundância e o período de estiagem. Como podem ser explicadas as diferenças entre va-zão ambiental e vazão mínima?

YM – O conceito de vazão ambiental leva em consi-deração a quantidade, qualidade e duração de água que deve ser mantida no rio para atender às ne-cessidades, função e componentes do ecossistema aquático do qual a população ribeirinha depende. É a quantidade que varia sazonalmente. Ou seja, varia de acordo com as estações do ano. Maior em perí-odos de cheia, menor no período de estiagem. Isso é diferente do conceito que tínhamos anteriormente de vazão mínima. A vazão mínima é uma vazão cons-tante que deve ser mantida no rio. Ela é baseada, em geral, apenas em estudos hidrológicos. Não leva em conta a demanda e especificidades do ecossistema. Para gerar energia, o setor elétrico armazena água nos grandes reservatórios em período da cheia. Nos períodos de estiagem, eles regularizam, soltam mais água. Quer dizer, o ciclo natural é invertido, enquanto que o hidrograma é variável. E essa variabilidade acompanha a variabili-dade natural das estações do ano.

Em sua opinião, esse estudo forneceria a base para uma proposta de solução a ser apresentada pelo CBHSF em contrapartida às apresentadas pelo setor elétrico nas discussões que têm determinado a redução da vazão dos principais reservatórios da calha do rio? YM – Sim. Não é exatamente uma contrapartida. É um modelo que gostaríamos que fosse implantado naquele local, neste caso, no Baixo SF. Agora, o se-tor elétrico terá que se adaptar a ele porque hoje o modelo de geração de energia é baseado no concei-to de vazão mínima. Ele teria que se adequar com o conceito. Não é uma coisa simples. Ele terá que modificar algumas coisas. Mas eu não sinto uma re-sistência do setor elétrico. Claro que ele tem os seus receios, mas se isso fosse decisão do plano de bacia eles certamente atenderiam. É um caminho. Vai se adequar no futuro. Outros países se adequaram, e o Brasil não será diferente. Vamos encontrar uma saída.

O próprio setor elétrico concordaria com esse estudo, uma vez que restringe a geração de energia das hidrelétricas?YM – Eu não acho que vai restringir. Eles vão ter que se readequar. Mas ainda não sei. É por isso que estou estudando qual o impacto da adoção deste hidrogra-ma para os outros usos. Tanto para o setor elétrico quanto para os demais. Ainda não temos nenhum resultado, então não posso dar uma resposta con-creta. No momento que tivermos esse resultado, vai ajudar nas discussões. Não estou dizendo que vai resolver. Estamos aqui para trazer informações. O nosso trabalho é sempre no sentido de trazer dis-cussões para melhorar o nível de discussão den-tro do Comitê. Então, apresentamos o hidrograma como uma contribuição da academia para um mo-delo de vazão que atenda à demanda do ecossiste-ma, que não seja aquele modelo acostumado pelas barragens do Brasil, esse conceito de vazão mínima. É preciso mudar o conceito de vazão de jusante. Mu-dar o conceito de vazão mínima para o conceito de

que o ecossistema também é um usuário. Agora, é o próprio comitê quem vai decidir e aprovar se esse estudo é adequado ou não para todos os usos.

Na prática, é possível conciliar os interesses do uso hidroelétrico com os demais usos, principalmente navegação e irrigação em grande escala?YM – Tem uns conceitos interessantes sobre alo-cação de água que vêm desde antes de Cristo. Eu mesmo nem sabia que vinha de tão longe essa dis-cussão. Chama-se de Código de Hamurabi, de 1700 a.C. Um rei da Babilônia, na Mesopotâmia, é que traz a primeira definição de alocação de uso da água. Ele criou códigos e regras, além de direitos, para as pes-soas. Elas tinham responsabilidades, e caso houves-se algum problema ou dano com esse uso, teriam que compensar com valores estabelecidos. Foram as primeiras regras de uso compartilhado de água. Muito interessante. Depois vieram outros códigos, a exemplo do Tribunal da Água, na Espanha. Então, é possível, sim, conciliar. O Brasil não é diferente de nenhum outro país. Todos eles passaram por con-flitos semelhantes aos nossos. Eu volto a dizer: com informação, cooperação e conhecimento é possível você chegar a um bom acordo de uso de água, de alocação entre os estados, e também de usuários. Se buscar uma forma de sobrevivência. É o que eu espero, e que acho que o São Francisco vai chegar. Não sei quando. Se vai ser nesse plano de bacia ou no próximo. Caminhamos para isso. É um processo que estamos melhorando. O problema é que sempre queremos que seja rápido. Mas não será.

A senhora fala muito em alocação de água. Esse é um caminho para o Pacto das Águas? YM – Sim. Primeiro você define a alocação de água e depois pactua. A primeira proposta feita ao CBHSF foi para uma repartição por estados. Quanto cada estado pode usar da água do rio? Então aí se faz uma alocação tanto da quantidade que cada estado usaria e, também, da quantidade que cada um se obriga a devolver para o rio. Feita essa proposta de alocação, isso é discutido e aprovado pelo colegiado do CBHSF. Essa proposta de alocação por estados foi inicialmente apresentada no primeiro plano. Não houve acordos. A intenção é que a discussão retorne nesta revisão que está sendo feita, pois é uma forma de minimizar conflitos. Existem duas formas de re-partir, de alocar. Por estado e por usos. É aí que che-gamos ao chamado Pacto das Águas. Agora, para se chegar a esse Pacto das Águas, a primeira etapa é definir qual é a parcela de direito do meio ambiente. Por isso que defendo muito a vazão ambiental. Ele é uso de todos. Primeiro reparte quanto vai para o meio ambiente e depois distribui o resto. Ele é condi-ção para definir alocação. Tem que ter alguns acor-dos antes de se chegar a essa alocação. Não é uma

discussão fácil. Eu não sei se o Comitê está maduro o suficiente para passar por essa discussão.

A senhora foi uma das fundadoras do CBHSF. Já desempenhou a função de secretária executiva, coordenadora, membro da diretoria colegiada... No ano de 2016, o CBHSF completa 15 anos de funda-ção. Qual o balanço que a senhora faz deste comitê de bacia?YM – O meu balanço do Comitê do São Francisco é altamente positivo. Eu acho que ele evoluiu. Nós achamos que 15 anos é muito tempo, mas para um comitê não é. São interesses conflitantes. O que precisamos achar é uma melhor forma de compar-tilhar usos. Para isso, precisamos de cooperação e informação. A crise da transposição fez com que o Comitê nascesse. Foi a primeira crise. Ele teve o seu primeiro plano. Teve todos os seus instrumentos instalados, inclusive cobrança e agência. Posso dizer que é um comitê maduro. Maduro no se-guinte sentido: ele é um fórum de discussões que possui todos os instrumentos para tomar grandes decisões. Agora, ele ainda não tem força política. Houve muitos desgastes que fizeram com que ele não tivesse essa força esperada nesses 15 anos. A transposição atrasou muito a evolução das outras discussões. Estávamos aprisiona-dos. Foi o que fez nascer o comitê, mas, por outro lado, segurou muito a pauta do comitê. Criaram-se também desconfianças e desgastes entre o CBHSF e as instituições, tanto de estado quanto de União. Tendo agora um momento de ambiente mais favorável para discussões, que é onde está essa maturidade, vejo para os próxi-mos dez anos um cenário de desenvolvimento mais rápido do que os últimos 15 anos. O Comi-tê está mais fortalecido, não politicamente, mas de estrutura e arcabouço legal e institucional. Esses instrumentos estão avançando bem. O que precisamos agora é avançar com a base que temos, principalmente com relação à in-formação, à transparência e ao equilíbrio de forças. Muitas vezes ainda enxergo o comitê se posicionando apenas como sociedade civil, e ele não é. O comitê precisa ser realmente o centro de todas as discussões e de resolu-ção dos seus conflitos. Mas para isso ele pre-cisa ser reconhecido nesse papel, nessa arena. Ainda existe um desequilíbrio muito grande de forças. Ele tem que se comportar como uma instituição pública, um agente público, com uma força política que ele ainda não está exercendo de forma adequada. Precisa, de fato, de mais ma-turidade política.

“A PRIMEIRA ETAPA PARA SE CHEGAR AO PACTO DAS ÁGUAS É DEFINIR QUAL É A PARCELA DE DIREITO DE USO DO MEIO AMBIENTE.”

“SÓ COM O INÍCIO DA CRISE É QUE AS PESSOAS COMEÇAM A TER CONSCIÊNCIA.”

“O COMITÊ PRECISA SER REALMENTE O CENTRO DE TODAS AS DISCUSSÕES E DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS.”

“A BASE DE UMA BOA GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS É APRIMORAR A INFORMAÇÃO. UM DOS PILARES É A TRANSPARÊNCIA.”

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POR HAROLDO SCHISTECK, ÉRICA DAIANE DA

COSTA SILVA E RAIMUNDO FÁBIO ALVES PEREIRA*

A convivência com o semiárido, em si, não é nenhum conceito novo. Representa a prática do homo sapiens na conquista do espaço em sua caminhada pelo globo

terrestre. Descobriu como conviver com o clima ártico, com o deserto do Saara e do Sahel, criou diversas formas de convivência com as tantas zo-nas climáticas da África. Nos declives íngremes dos Andes, conseguiu conviver com o clima de al-tura, noites geladas e dias quentes. As estepes da Ásia não foram impedimento para os criadores de ovelhas descobrirem a convivência também com os ventos fortes, vegetação escassa e invernos se-veros. Porém, nunca se estabeleceu o paradigma em um bloco só, nem ninguém o encontrou pron-to. Foram milhares de anos de tentativas e erros. Precisavam superar períodos de glaciações, de estiagens durante décadas e repentinos períodos prolongados de chuvas. Perceberam o potencial alimentício de certas gramíneas, retiraram da na-tureza animais selvagens e se iniciou o processo de domesticação.No semiárido brasileiro, no entanto, o estágio da evolução humana se encontrava na fase de coleta, caça e pesca. Os indígenas não conheciam ani-mais domésticos, nem agricultura, mas viviam em convivência com o clima semiárido. No vazio de sementes agrícolas, de animais domésticos e de tecnologias de produção, os portugueses jogaram seus conhecimentos, suas práticas e tecnologias que traziam de Portugal. Além disso, se aproximaram da região semiárida com olhar do litoral chuvoso.Assim, para o colonizador era óbvio: se não se colhia nada nas roças, se vacas morriam, era por causa da falta de chuva. Nunca, nem naqueles pri-meiros séculos da ocupação, nem mais tarde na república ou no século XX, chegavam à conclusão que o errado não era o clima, mas o humano que insiste em criar gado bovino que não é adaptado à região ou plantar milho, que não possui a malea-bilidade genética para lidar com a grande irregu-laridade da chuva. Aqui, o clima normal é carac-terizado por chuvas irregulares, intercaladas com períodos mais secos.Sem entender tudo isso e com a comodidade de manter esta lógica, criou-se o conceito de “com-bate à seca”, que, se levado ao pé da letra, signi-ficaria combater a natureza, combater o sol, fazer o mar evaporar mais água, arrastar as nuvens sobre o semiárido. Foi esta concepção que passou a orientar as ações governamentais, a pautar os meios de comunicação, a arte e a educação escolar

baseada em uma produção didática que reproduzia este paradigma.

É PRECISO COMPREENDERO CLIMA As discussões sobre como se manifestam a natureza e o clima no semiárido a partir dos períodos de chu-vas e de estiagens, sempre estiveram na base das ações do Irpaa. Nos primeiros anos de sua existência, quando a instituição atuava basicamente na divulga-ção da proposta da convivência, muitos agricultores e agricultoras que, durante duas semanas, partici-pavam da Escola de Formação do Irpaa (inicialmente chamada de Escola de Lavradores/as) despertaram para essa questão da água no semiárido.As metodologias e didática utilizadas mostravam a viabilidade da Convivência com o Semiárido, espe-cialmente tendo como demonstração a própria natu-reza, com sua capacidade de adaptação dos animais e plantas. Diversas tecnologias também eram mos-tradas, muitas delas vistas pela primeira vez pelos/as agricultores/as, como era o caso de diferentes tipos de cisternas.Muitos/as agricultores/as e agentes de organizações populares, depois de conhecerem o Irpaa, começa-ram a afirmar com muita propriedade que na região semiárida chove, embora de forma irregular no tem-po e no espaço geográfico, o suficiente para abas-tecer as cisternas, barreiros, baixios e gerar pasto para a criação. Eles/elas afirmavam ainda que, com o clima semiárido, a vocação natural do sertão não é a agricultura, e sim, a criação de animais de pe-queno e médio porte como caprinos, ovinos, suínos

e aves. Via-se também que se a água da chuva for armazenada, se produzir forragens e aproveitar bem as safras de frutas nativas ou adaptadas à caatinga, as pessoas podem viver bem nessa região sem te-mer os efeitos da seca.

TERRA EM TAMANHO APROPRIADOO acesso à terra em tamanho suficiente, somado ao aproveitamento da chuva e da água subterrânea, representa a base para se viver bem nessa região. Entretanto, o controle da terra e da água a partir do domínio político e econômico ainda é uma realidade no semiárido.A estrutura fundiária, de propriedades de grandes extensões, se fixou desde a época da colonização portuguesa. Se existem atualmente pequenas pro-priedades e minifúndios, isto pode ser considerado um “acidente histórico” e não uma ação desejada e orga-nizada de redistribuição fundiária. Com a concentração da terra, há a concentração da água, mantendo assim latifúndios produtores de monocultivos, os quais geram riquezas para uma minoria e prejuízos para uma maio-ria. As comunidades tradicionais são as mais prejudi-cadas com grandes empreendimentos, como projetos de irrigação, mineradoras e parques de geração de energia, cujo modelo afeta o modo de vida das famílias, principalmente das comunidades de fundo e fecho de pasto.Em relação ao tamanho da terra necessário, ao contrá-rio das florestas tropicais úmidas, as plantas na caatin-ga ficam distantes umas das outras. A vegetação é rala e, em algumas áreas somente arbustiva, isto porque

Convivência com o Semiárido

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cada planta precisa de mais espaço para estender as raízes para captar água, para coletar nutrientes. Deste modo, o tamanho da propriedade familiar aqui no semiári-do precisa ser muito maior do que em áreas chuvosas, mas nenhuma legislação ou diretriz oficial até agora corresponde a este critério. Até hoje o Estado titula proprie-dades com 3, 4, 10 hectares, em plena zona da depressão sertaneja, a mais severa do semiárido, o que não é suficiente para uma família viver bem.

EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADANa ação do Irpaa, a defesa da necessidade de uma educação contextualizada à região norteia tanto o trabalho de base quanto os diálogos institucionais com par-ceiros, gestores públicos e financiadores. Seja a educação formal ou não for-mal, há o entendimento de que a educação precisa provocar a reflexão acerca do papel das pessoas enquanto sujeitos de suas realidades, compreendendo o contexto onde estão e o papel das estruturas sociais. De forma bem particu-lar, utilizando-se de metodologias adaptadas a cada público, esta discussão tem ajudado a questionar/problematizar o modelo de educação no semiárido, de modo geral importado de outras regiões. Esta ação nas comunidades, nas Escolas de Formação, no discurso da instituição, foi ganhando corpo e come-çou a ser pautada em ambientes formais também.Com o empenho de diversas entidades e educadores/as do semiárido, surgiu então a Rede de Educação do Semiárido Brasileiro –Resab, que vem influenciando a produção acadêmica acerca da região, pautando este debate dentro das escolas e universidades. Atualmente, a Resab celebra a conquista da criação de mais de 20 cursos de especialização em Con-vivência com o Semiárido, curso de mestrado, além da construção de diretrizes, formação continuada de educadores e adoção de livros di-dáticos contextualizados por Secretarias de Educação de municípios dos estados da Bahia, Ceará, Piauí e Paraíba.

AÇÃO EM REDE Ao longo da existência do Irpaa, porém, cresceu a rede de organizações que vi-sam contrapor o paradigma até hoje mantido pelas elites dominantes, mas que já está quase superado pelo novo: o da Convivência com o Semiárido. O Irpaa é uma das entidades precursoras da sistematização dos saberes regio-nais acerca do modo de vida apropriado às condições climáticas da região. Padre Cícero, Ibiapina e Antônio Conselheiro já pregavam a viabilidade do se-miárido. D. José Rodrigues, primeiro presidente do Irpaa, reforçou. Foi essencial para o sucesso de uma ação integrada, articulada entre deze-nas de organizações da sociedade civil, iniciativas como o “Mutirão Nordeste”, que possibilitou uma conexão entre diversas realidades e ações existentes em todo o semiárido. Um pouco mais tarde se deu a criação da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), rede que hoje reúne mais de três mil orga-nizações em toda a região e que comemora agora 15 anos, contabilizando

muitas conquistas, sobretudo no acesso à água de qualidade para as famílias das comunidades rurais do semiárido.A cada dia aumenta a rede de atores e atrizes preocupados/as em contribuir com a consolidação da Convivência com o Semiárido, as quais se organizam em de-fesa de elementos como a defesa do direito à terra e à água, preservação dos biomas, segurança alimentar e nutricional, economia solidária, igualdade de gê-nero, democratização da comunicação e soberania popular.

COMUNICAÇÃO PARA PROMOÇÃO DA VIABILIDADE DO SEMIÁRIDOPara romper com o estereótipo do semiárido massificado pela mídia convencio-nal, faz-se necessário um trabalho educativo, onde a região seja pautada a partir de outros olhares, considerando a viabilidade da convivência com o clima e das potencialidades a serem aproveitadas de forma que garanta a sustentabilidade social, ambiental e cultural.O Irpaa contribui também com esta discussão a partir da participação ativa em fóruns permanentes, como o Fórum de Comunicação Sertão do São Francisco e Rede de Comunicadores/as da ASA. Porém, isto exige um esforço coletivo, no sentido de fortalecer uma comunicação contra-hegemônica, que dê vez às ex-periências diversas das famílias e organizações. Além das mídias institucionais mantidas pela entidade, é feito um trabalho que visa provocar os meios de comu-nicação a pautarem o semiárido a partir da quebra do paradigma do combate à seca, o que em certa medida vem sendo feito com êxito em âmbito local, porém precisa avançar em nível global.Há, portanto, a necessidade de uma luta institucional, onde a democratização da comunicação seja também uma reivindicação junto aos governos, aos poderes legislativos e à Justiça, exigindo uma nova lei das comunicações, a qual conside-re a urgência em garantir espaço para pluralidade de ideias, regionalização dos conteúdos e, especialmente, que possa romper com o monopólio e oligopólio da mídia no Brasil.

LUTA-SE POR UMA POLÍTICA NACIONAL DE CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDOApós divulgar a proposta por algum tempo, mais precisamente os primeiros dez anos do Irpaa, veio depois a missão de contribuir com a consolidação da mesma. Nisto, começam a surgir as possibilidades de institucionaliza-ção da Convivência com o Semiárido como políticas de governos. Mais recentemente, com forte incidência da sociedade civil organizada, os estado da Bahia, Pernambuco, Ceará avançaram na discussão para criação e implementação de políticas públicas, realizando conferên-cias, seminários, etc. Há uma urgência de o Estado brasileiro reconhe-cer que tem uma dívida histórica com o povo do semiárido; por isso, na pauta das organizações que integram a Asa, vem sendo colocada a construção de uma Política Nacional, Política de Estado e não de gover-no. Uma conquista que começa a se desenhar no cenário político atual, mas que é indispensável a organização popular para que essa construção contemple de fatos os elementos da convivência.Para isso, portanto, no horizonte, deve-se firmar a Convivência com o Semi-árido. Não apenas um termo, mas um paradigma que procura entender a natureza cada vez mais e organizar a vida e a produção conforme os parâ-metros encontrados, garantindo uma divisão justa da terra, o uso racional das águas, dos solos e demais bens naturais, a preservação das culturas e a soberania dos povos. É nesta lógica que deve seguir uma Política Na-cional de Convivência com o Semiárido. É com base nisso que o Irpaa segue em sua defesa.

(*) HAROLDO SCHISTECK É AGRÔNOMO FORMADO PELA UNIVERSIDADE DO

ESTADO DA BAHIA (UNEB), SÓCIO FUNDADOR DO IRPAA E ATUAL PRESIDENTE

DA INSTITUIÇÃO | ÉRICA DAIANE COSTA É JORNALISTA MULTIMEIOS

COM ESPECIALIZAÇÃO EM ENSINO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL PELA UNEB E

GRADUADA EM HISTÓRIA PELA UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO | RAIMUNDO

FÁBIO ALVES PEREIRA É JORNALISTA MULTIMEIOS FORMADO PELA

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB

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No São Francisco, a organização das comunidades remanescentes qui-lombolas ainda demanda maiores estudos, para que se conheça a luta na terra e a conquista de direito no Brasil contemporâneo. Nesse aspecto, a geopolítica da ocupação do território pela Colônia e as

estratégias do Estado Imperial de D. Pedro II, no século XIX, de garantia do gover-no central em regiões distantes, potencializando a exploração e apropriação de bens naturais, assim como proteção das fronteiras contra invasões pelas águas do São Francisco, é um bom caminho. Pois, no século XVIII, no Vale do Rio São Francisco, o Arcebispado da Bahia , com po-deres delegados pela realeza, fundou duas freguesias: Santo Antônio do Urubu de Cima (1718) e Santo Antônio do Urubu de Baixo (1718). Atualmente, a Fre-guesia de Santo Antônio do Urubu de Cima corresponde à região do Médio São Francisco e a Freguesia de Santo Antônio do Urubu de Baixo, hoje, é a região do Baixo São Francisco.No período, foram criadas também as municipalidades ao longo do São Francisco, entre elas: Urubu (1748) . A Figura I, a Carta da Província da Bahia do século XIX, tem no destaque a Comarca de Urubu XXII, que abrange os municípios de Urubu e Ma-caúbas. Atualmente, o município de Urubu recebe no nome de Paratinga. O destaque às Freguesias e a Comarca se deu por surgirem oficialmente com a no-menclatura de Urubu. A palavra é de origem tupi-guarani que significa “uru - ave grande; bu - negro” . Na historiografia brasileira e baiana não se encontra muito so-

bre o processo da comarca do urubu ou algo importante aos estudos da geografia política sobre a formação das municipalidades em território baiano. Portanto, revendo o processo geopolítico do Estado Nacional se chegará à resistência da população negra quilombola na bacia hidrográfica do rio São Francisco que, terri-torialmente, abrange seis estados da federação (Alagoas, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Sergipe e Pernambuco) e o Distrito Federal, com as divisões do século XX, até o en-contro com o Oceano Atlântico. E a análise que se desenvolve busca as dimensões da negação e o acesso aos direitos dos quilombolas que vivem das águas do Médio e Sub-Médio São Francisco no esta-do da Bahia. Essas dimensões se relacionam com o esquecimento da história política da freguesia e a comarca do Urubu e os registros nada apresentam sobre o nome, assim como nada sobre a presença negra nas regiões.Porém, a negação da identidade e da presença negra no território brasileiro marcam a sociedade que se formou no século XIX e os primeiros sessenta anos do século passado. Contudo, os urubus do São Francisco viveram para contar a sua história em pleno o século XXI. Moura (2004) apresenta nos registros históricos do século XIX: a existência de qui-lombos na bacia, como de Xique-Xique, Jacobina até o São Francisco e do Urubu. Sobre o Quilombo do Urubu, não há certeza se é do São Francisco ou de Salvador . Na pesquisa, o autor define que a luta negra no Brasil se deu pela aquilombagem, um movimento de liberdade, e o quilombo a materialidade territorial da organização política negra. Na atualidade essas organizações se afirmam pela raça e na política como quilombolas.

TERRA E ÁGUA PARA QUILOMBOLASNa Bahia, o rio São Francisco tem mais 60% da sua extensão e, em suas margens, se localizam os municípios de Carinhanha, Malhada, Serra do Ramalho, Riacho de Santana, Sítio do Mato, Bom Jesus da Lapa, Paratinga, Ibotirama, Muquém do São Francisco, Barra, Xique-Xique, Pilão Arcado, Remanso, Santo Sé, Casa Nova, Sobra-dinho, Juazeiro, Curaçá, Abaré, Chorrochó, Glória, Paulo Afonso e Santa Brígida. Nos 22 municípios com relação direta com as margens do rio, 50% têm presença de comunidades quilombolas. E na Tabela I vão se conhecendo as contradições postas pela política de atenção às comunidades quilombolas no São Francisco para o direito à identidade e à terra como prioritários para o desenvolvimento social e humano. Atualmente, o único registro capaz de quantificar famílias quilombolas nos Estados é o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) . No entan-to, os dados não podem ser reconhecidos como totalidade porque os municípios não preenchem o cadastro conforme determina a União. Os gestores desconsideram a importância do campo especifico de informações das famílias quilombolas e povos indígenas. Assim, quilombolas são registrados como agricultores familiares, des-considerando a Certidão de Autorreconhecimento da Fundação Cultural Palmares (FCP/MinC), que garante o pertencimento de lugar aos sujeitos.Quanto à regularização fundiária, a situação ganha criticidade, isso porque das 39 co-munidades com a Certidão da FCP apenas três têm o título da terra, representando 1,17% da totalidade de proprietárias, de uma área de 19.449,43 mil hectares titula-dos pelos governos federal (FCP, Superintendência do Patrimônio da União - SPU e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra) e estadual (Instituto de Terras da Bahia, substituído pela CDA - Interba e Coordenação de Desenvolvimento Agrário, órgão gestor estadual vinculado atualmente à Secretaria Estadual de De-senvolvimento Agrário (SDR).

A questão agrária e os quilombos no São Francisco – Bahia

AR

TI

GO

POR DIOSMAR FILHO *

FIGURA I

MUNICÍPIO

Nº DE COMUNIDADES CERTIFICADAS

PELA FCP*

ANOS DA CERTIFICAÇÃO

Nº DE FAMÍLIAS QUILOMBOLAS

CADÚNICO**

Nº DETERRITÓRIOS

TITULADOSÁREA (HA)

ABARÉ 4 2007 0 0 0

CARINHANHA 2 2006, 2007 333 0 0

BOM JESUS DA LAPA 13 2004, 2005, 2006,

2008, 2010 E 2012

1.207 1 2.100,54

MALHADA 2 2004 564 0 7.801,45

RIACHO DE SANTANA 8 2005 601 A0 0

BARRA 1 2009 252 0 0

MUQUÉM DO S.

FRANCISCO

2 2008 569 1 1.778,89

SERRA DO RAMALHO 2 2012 109 0 0

XIQUE-XIQUE 1 2006 88 0 0

PARATINGA 3 2014 2 0 0

SITIO DO MATO 1 2004 122 1 7.768,97

TOTAL 39 3.847 3 19.449,85

TABELA II: PROGRAMA BRASIL QUILOMBOLA - (PAC-QUILOMBOLA), BAHIA, 2009-2012

NºCÓD. DO

IBGEMUNICÍPIO

TERRITÓRIO

QUILOMBOLAEXECUTORA

DISCRIMINAÇÃO DA AÇÃO

Nº TC/PAC OBJETODATA DE

LIBERAÇÃO

Nº DE

FAMÍLIAS

RECURSO

EMPENHADO

(R$)

REC.

LIBERADO

(R$)

EXECUÇÃO

(%)

1 2903904BOM JESUS

DA LAPA

POV. NOVA

BATALHINHA,

LAGOA DO PEIXE,

PAUS PRETO E

ARAÇÁS

CERB* 1187/08

SISTEMA

SIMPLIFICADO DE

ABASTECIMENTO

ÁGUA

12.06.12 222 564.641,93 395.249,35 65

22920205/

2923407

MALHADA/

PALMAS

DE MONTE

ALTO

PARATECA E PAU

D'ARCOCERB 0933/07

SISTEMA

SIMPLIFICADO DE

ABASTECIMENTO

ÁGUA E MDS**

06.06.12 193 580.600,00 406.420,00 38

3 2926400RIACHO DE

SANTANA

POV. AGRESTE,

AGRESTINO E

GATOS VESPERINA

CERB 1847/08

SISTEMA

SIMPLIFICADO DE

ABASTECIMENTO

ÁGUA

09.02.11 183 873.011,92 611.108,35 73

4 2931202 TAPEROÁ MIGUEL CHICO CERB 1846/08

SISTEMA

SIMPLIFICADO DE

ABASTECIMENTO

ÁGUA

06.06.12 70 708.300,00 100.000,00 30

5 2922250

MUNQUÉM

DE SÃO

FRANCISCO

FAZENDA GRANDE FUNASA 10/07/2013***01 - PERFURAÇÃO

DE POÇOS05.08.2013**** 118.820,00

TOTAL 668 2.845.373,85 1.512.777,70

FONTE: FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE (FUNASA)

NOTA: * COMPANHIA DE ENGENHARIA AMBIENTAL DA BAHIA; **MELHORIAS SANITÁRIAS DOMICILIARES ; *** OBRAS COM RECURSOS

DE 2012 - DATA DA ASSINATURA DA ORDEM DE SERVIÇO; **** DATA DE INICIO DAS OBRAS PELO PROGRAMA ÁGUA PARA TODOS.

Ampliando a política para o acesso ao saneamento e abastecimento de água nas comunidades quilombolas, nota-se que a política chega a existir, mas sua efetividade obedece a critérios postos pela estrutura e formas do Estado, que não alcança a vida das famílias. O exemplo são os projetos de saneamento sob gestão da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) como agenda positiva do PAC , que criou a modalidade PAC Quilombola nos Ter-ritórios de Cidadania do Governo Federal. Conforme a Tabela II, no período de 2009–2012, foram contratos projetos

de Sistemas Simplificados de Abastecimentos e Melhorias Sanitárias Do-miciliares (MDS), alguns iniciados entre 2007 e 2008, com recurso total de R$ 2.854.373,85, para atender 668 famílias quilombolas em cinco municí-pios do Território de Cidadania do Velho Chico. Na Reunião Informativa para Comunidades Quilombolas , em 02.08.2013, na cidade de Salvador, o Ministério da Saúde apresentou os dados de exe-cução dos projetos e nenhum tinha alcançado mais que 75% da execução, e a previsão para acabar não seria antes de junho/2014.

Fonte: INCRA (2012).

* Fundação Cultural Palmares (2014)

**Relatório de Informações Sociais – SAGI-MDS, mês de referência 10/2014.

TABELA I – TERRITORILIDADE QUILOMBOLA NO SÃO FRANCISCO, BAHIA, 2014.

Fonte: Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional – CEDEPLAR (2012)

Page 16: Revista Chico CBHSF - nº 06

3130

1 ARRAES, Edras. Rio dos currais: paisagem material e rede urbana do rio São Francisco nas capitanias da Bahia e Pernambuco. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material. An. mus. paul. vol.21 no.2 São Paulo July/Dec. 2013, p. 82 Ibdem. p.12 3 Disponível em: http://dicionariotupiguarani.blogspot.com.br/2012/08/urubu.html - consulta em: 29.03.2015.4 MOURA, Clovis. Formas de Resistência do negro escravizado e do afrodescendente. In: Kabengele Munanga (Org.) O negro na sociedade brasileira: resistência, parti-cipação, contribuição. História do negro no Brasil. v. I. Brasília-DF: 2004, p. 9-61.5 Os registros da história do Parque São Bartolomeu na Bacia do Cobre na cidade de Salvador, há registro também do Quilombo do Urubu. 6 Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – disponível em: http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/index.php - Consulta em: 25.03.2015. 7 A Certidão de Auto-Reconhecimento para as Comunidades Remanescentes de Quilombo é uma conquista dos quilombolas a partir do Decreto 4.887 de 20 de novembro de 2003. 8 Plano Aceleração do Crescimento do Governo Federal. 9 A Reunião Informativa, integrava o processo de regulamentação da Consulta Prévia da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a mesma foi coordenada pela Secretária-geral e Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade da Racial da Presidência da República. 10 SANTANA FILHO, D. M. A geopolítica do Estado Nacional e a territorialidade quilombola na Bahia no séc. XXI. Diosmar Marcelino de Santana Filho. Dissertação (Mes-trado) – Universidade Federal da Bahia. Instituto de Geociências, 2014. p. 179-180.11 O seminário teve como principal objetivo apresentar as questões que violentavam os direitos dos povos indígenas, comunidades quilombolas e demais povos e comu-nidades tradicionais que vivem no São Francisco, o mesmo ocorreu nos dias 27 e 28 de setembro de 2007. 12 BAHIA. Anais do Seminário Olhares sobre o Revitalização do Rio São Francisco. Instituto de Gestão das Águas e Clima (INGÁ). 2010, p. 84. 13 Ibdem, p. 15.14 Ibdem, p. 1715 FERNANDES, Bernardo Mançano. Conflitualidade e Desenvolvimento Territorial. Luta pela terra, reforma agraria e gestão dos conflitos no Brasil / Antônio Marcio Buainain (coord.) et al. – Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2008. p. 178 16 ROCHA, Júlio Cesar de Sá. SANTANA FILHO. D.M. Justiça Ambiental da Águas e Racismo Ambiental. Justiça pelas águas: enfrentamento ao racismo ambiental – Sal-vador: Superintendência de Recursos Hídricos, 2008. p. 35

AR

TI

GO

(*) DIOSMAR FILHO É MESTRE EM GEOGRAFIA PELA UNIVERSIDADE

FEDERAL DA BAHIA (UFBA) E AINDA PESQUISADOR DO GRUPO DE PESQUISA

HISTORICIDADE DO ESTADO E DO DIREITO: INTERAÇÕES SOCIEDADE E MEIO

AMBIENTE, NA MESMA UNIVERSIDADE

BACIA HIDROGRÁFICASUPERFÍCIE

(ÁREA IRRIGADA)

DEMANDA MÁXIMA POR

DIA (ÁREA IRRIGADA)

M3/S SUBTERRÂNEADEMANDA

MÁXIMA POR DIA

M3/S

RIO GRANDE* 76.942 HA 6.004.800 M3 69,5 5.895 459.648 M3 5,32

ÁREA TOTAL IRRIGADA: 82.837 HA E DEMANDA MÁXIMA DE 6.464.448 M3/DIA (74,82 M3/S)

RIO CORRENTE* 58.019 HA 4.527.360 M3 52,4 4.845 HA 378.432 M3 4,38

ÁREA TOTAL IRRIGADA: 62.864 HA E DEMANDA MÁXIMA DE 4.905.792 M3/DIA (56,78 M3/S)

Fonte: INGÁ (2010)

* Os dados foram produzidos para o GT do São Francisco pelo órgão gestor estadual de recursos hídricos a partir das outorgas já licenciadas para projetos de irrigação nas duas bacias

hidrográficas, até o ano de 2009.

TABELA III: DEMANDA DE IRRIGAÇÃO (PIVÔ CENTRAL) NO OESTE DA BAHIA, 2010.

Segundo Santana Filho (2014), os projetos eram executados pela Compa-nhia de Engenharia Ambiental da Bahia - CERB, empresa pública do Esta-do da Bahia, e um dos entraves na execução foi a não emissão da outorga pelo Instituto de Gestão das Águas, órgão gestor de recursos hídricos do Estado da Bahia, atual Inema, impedindo a liberação dos recursos pela Caixa Econômica Federal. Mas, desde 2008, a Cerb não tinha solicitado sequer uma reunião para solucionar o problema – e os órgãos eram parte do Sistema de Meio Ambiente do Estado. Seguindo os procedimentos, o Instituto exigia o título de propriedade da terra pelo interessado, o que é real conflito com as comunidades quilombolas (interessados), devido ao fato das mesmas não terem ainda recebido o título da terra pelo próprio Estado (responsável pelas obras). A solução encontrada, em abril de 2010, pela Procuradoria do Ingá foi nor-matizar por Instrução Normativa (IN), em caráter diferencial, a liberação de outorga para as obras de interesse público e social do PAC – Quilombola. A situação apresentada é o real conflito existente na gestão pública no Brasil, e não é algo exclusivo do Estado da Bahia. Os processos são buro-cráticos e resolvidos por interesses que favorecem uma disputa desleal e desigual, quando se pensa em efetivar políticas públicas para a população negra quilombola.

CONFLITOS, INTERESSES E OMISSÃO DO ESTADOOs conflitos não são algo estranho à gestão pública na Bahia. Em 2007, no primeiro mandato do ex-governador Jacques Wagner, foi instituído o Gru-po de Trabalho do São Francisco, coordenado pelo Ingá, responsável por gestar a integração das políticas federal e estadual, com a sustentabilida-de hídrica, saneamento ambiental e o acesso à água do rio São Francisco pelas populações. No seminário “Olhares sobre a Revitalização do Rio São Francisco”, rea-lizado pelo Grupo, se destacou a apresentação de Sérgio Ricardo (Incra), sobre a concentração e grilagem de terras por latifundiários como impedi-tivos ao desenvolvimento das comunidades tradicionais na bacia. Segundo ele, “no ordenamento da estrutura fundiária, na parte de registro,

para se ter uma ideia, em alguns levantamentos feitos em cartórios, em al-guns municípios da região, se quiséssemos espaços para todos os imóveis registrados nessa região teríamos de ter municípios com três ou quatro andares, para poder acomodar todos os imóveis. Temos muito mais terras registradas do que área dos municípios. Muita grilagem, muitos registros falsos [...] Somente na calha do São Francisco temos, aguardando para serem assentadas, duas mil famílias, e dez acampamentos numa situação de extrema urgência” .O sociólogo Ruben Siqueira da Comissão Pastoral da Terra - CPT, partici-pante do seminário, considera a concentração de terras um círculo vicio-so e responsável pelo agravamento da concentração da renda. O mesmo apresentou que no Nordeste “o Índice de Gini, que passou de 0,596 para 0,61 nos últimos 30 anos. Uma comparação com a renda entre os 10% mais ricos e os 40% mais pobres revela com maior nitidez a persistência das desigualdades sociais [...] Uma pesquisa da Uneb – Universidade Estadual da Bahia, em Barreiras, publicada no jornal A Tarde, em 2004, revelava o seguinte: de 1991 a 2000, o PIB da região cresceu 245,6%, mas a miséria era de 71,78%. Quer dizer, essa população, 70% da população, 800 mil ha-bitantes na região eram de indigentes” .Para Ruben, no conjunto, o desperdício de água em projetos de irrigação é uma violência contra os direitos das comunidades tradicionais. “Um pivô central consome mil litros de água por hectare por segundo. Cada pivô consome o mesmo que uma cidade de 35 mil habitantes [..] Não é levado em consideração que os estudos da Embrapa dizem que apenas 5% dos solos na região semiárida são irrigáveis e que há água apenas para 2%. Na demanda de água do São Francisco, a irrigação chega a mais que 60m³ por segundo, no Médio e no Sub-Médio, regiões baianas do São Francisco. A remuneração do trabalhador nos projetos de irrigação é baixa, o trabalho é feito em condições degradantes.” .As questões apresentadas pelo gestor do Incra e por Ruben estão na Tabela III, com os dados do relatório de finalização do GT do São Francisco. Esta ajuda a entender as questões que envolvem a concentração da terra, da renda e desigualdade no acesso às águas do São Francisco e seus afluentes em território baiano.

Pelos dados do Ingá, a concentração da terra e o uso insustentável (irres-ponsável) da água pelas monoculturas da soja, algodão e milho nas bacias hidrográficas dos rios Grande e Corrente são responsáveis pelas condições de vida das populações tradicionais no rio São Francisco, em território baiano. Segundo o órgão, em 2010, as outorgas autorizadas para os em-presários do agronegócio para uma área de 145.701 mil hectares irrigados tinham demanda máxima de 11.370,240 m³/dia (131,6 m³/s). Isso não está enquadrado em nenhum padrão mundial de desenvolvimento de projetos de irrigação e, de conhecimento da situação alarmante e irresponsá-vel, o Governo do Estado da Bahia manteve as outorgas em funcionamento, atendendo aos interesses da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia - Aiba, o que comprova os interesses e conflitos explícitos no lugar e no terri-tório, pela omissão do gestor público em zelar pelos direitos coletivos para o qual recebe o poder numa sociedade que se coloca como democrática.

O RACISMO AMBIENTAL NA DIMENSÃO AGRÁRIAFernandes (2008) explica que o conflito e os interesses são as dimensões da questão agrária no Brasil, expressada na contradição posta pela “estru-tura do sistema capitalista, e o paradoxo, no movimento da questão agrá-ria. E é este seu caráter mais importante, porque manifesta conflitualida-de e desenvolvimento através de relações sociais distintas, que constroem territórios diferentes em confronto permanentes” . Segundo Rocha e Santana Filho (2008), nessa questão, o racismo se apre-senta na dimensão institucional e ambiental, o que faz o Estado garantir os interesses capitalistas que ex/apropriar-se em detrimento dos direitos

coletivos. E este não consegue desenvolver projetos que garantam o de-senvolvimento das comunidades quilombolas que necessitam de terra e água, as políticas de garantia dos direitos dos quilombolas não avançam e seus direitos são limitados. Para os autores, é isso que vai ser conceituado como racismo ambiental, em nossa realidade ele “aprofunda e estratifica as pessoas (por raça, etnia, status social e poder) e de lugar (nas cidades, bairros periféricos, áreas rurais, reser-vas indígenas, terreiros de candomblé, comunidades quilombolas, maris-queiras e pescadores). O próprio ambiente de trabalho aponta para a expo-sição desproporcional e elevada de determinadas categorias de trabalhadores que se expõem às insalubres condições de trabalho e de segurança.”

CONSIDERAÇÕESOs conflitos e interesses são constantes na vida democrática da sociedade, mas quanto aos direitos das comunidades e famílias quilombolas, esses sofrem os reflexos de uma sociedade que não esqueceu o seu passado na região do São Francisco ou qualquer outra parte do território nacional. As estruturas e formas que gestam a Administração Pública no Brasil con-temporâneo é a mesma que colocou o racismo como forma de olhar todos que não são iguais a você, e pelos dados estatísticos é a maioria da popu-lação na Bahia e no Brasil. E as violações pela negação dos direitos são alarmantes sobre os quilom-bolas, o que se torna um desafio aos grupos e as gestões públicas que almejam a revitalização do rio São Francisco e democratização das suas águas neste século. O desenvolvimento humano na bacia não pode aceitar que os Urubus fiquem à margem do direito.

NOTAS

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3332

Gastronomia Petrolina une características de sertão e de orla fluvial. Isso é mais do que evidenciado na gastronomia da cidade, que se divide entre a carne de caprinos (bodes e carneiros) e os pescados. Para os interessados em saborear os peixes do Velho Chico, a opção são as ilhas ao redor da cidade, como a de Pedrinhas, a 33 km, ou do Rodeadouro, a 15 km, onde fazem sucesso espécies como o surubim e a tilápia, ambas servidos assados na brasa, acompanhados de

farofa e macaxeira. Já para os carnívoros, todos os caminhos levam ao “Bodódromo”, na Avenida São Francisco, bairro de Areia Branca. O espaço ao ar livre conta com cerca

de dez restaurantes, mas o cardápio da maioria não inclui a carne do animal mais popular da caatinga. O bode foi substituído pelo carneiro, oferecido em receitas

triviais e excêntricas, em forma de linguiças, kakfas, buchadas e pizzas.

Orquestra Sanfônica Uma sanfona já vale o espetáculo. Que dirá várias. Criada em 2012, a Orquestra

Sanfônica de Petrolina vem mantendo viva a musicalidade petrolinense, com apresentações distribuídas pelo calendário festivo da cidade. Reúne veteranos sanfoneiros

da região, unidos pela música e pelo gosto de tocar este instrumento vital para a cultura nordestina. Uma curiosidade: a orquestra nasceu em meio à celebração do centenário

de nascimento de Luiz Gonzaga, uma das maiores referências da música popular brasileira, orgulho de Pernambuco e de todo o Nordeste.

Ana Leopoldina Santos (1923–2008) inovou e criou um estilo próprio ao esculpir suas carrancas no barro que retirava do rio

São Francisco. Ana das Carrancas, como ficou nacionalmente conhecida, nasceu em Santa Filomena (PE) e aprendeu com a mãe a trabalhar com o barro. Quando criou as carrancas, sofreu críticas e zombarias, mas persistiu. Ganhou reconhecimento e mercado para a comercialização das suas peças, que hoje, após sua

morte, são produzidas pelas filhas Ângela e Maria da Cruz. A marca registrada é a carranca de olhos vazados (criada por Ana em homenagem ao marido cego). O espaço

cultural possui um memorial que conta a trajetória da artesã, que já recebeu títulos como Patrimônio Vivo de Pernambuco – 2006, Cidadã Petrolinense

– 2000 e a Ordem do Mérito Cultural, honraria oferecida pelo Governo Brasileiro em 2005 pelas mãos do presidente Lula e do então

ministro da Cultura, Gilberto Gil.

PonteA conexão com a cidade baiana de

Juazeiro, que fica do outro lado do rio, é feita pela ponte Presidente Eurico

Gaspar Dutra, inaugurada em 1954, com cerca de 800 metros de extensão. Por ela, passam pedestres e carros. Ao lado dela, barcas realizam a travessia de pessoas e

mercadorias.

EnoturismoAlém de exportada in natura, a uva garante a produção recorde de 7 milhões de litros de vinho por ano. É a base também para o enoturismo, responsável pelo crescente fluxo turístico no Vale do São Francisco, tendo como alvo a visitação às diversas vinícolas da

região a partir de Petrolina e Juazeiro. Em Pernambuco, as vinícolas estão distribuídas nas cidades vizinhas de Lagoa Grande e Santa Maria da Boa Vista, mas o roteiro pode incluir também a cidade baiana de Casa Nova. A visitação pode ser feita com automóveis de passeio, ônibus e

vans de turismo. Existe também a opção do “Vapor do Vinho”, que recria a velha tradição hidroviária do rio São Francisco. A bordo da barca Rio dos Currais, o visitante conhece o Lago de Sobradinho, maior reservatório brasileiro; a Fazenda Fortaleza, onde é possível provar

o doce sabor das mangas tommy e, finalmente, a vinícola Ouro Verde, para degustar e aprender detalhes sobre a produção dos vinhos, espumantes e brandy da marca TerraNova/Miolo.

VapoRSede do Centro de Informações Turísticas

de Petrolina, o Vapor Saldanha Marinho é uma atração à parte na orla da cidade.

Embarcação centenária, foi a primeira movida a vapor a navegar pelo Velho Chico, no

século XIX. Nos idos de 1871, fazia a importante rota Pirapora–Juazeiro, transportando

mercadorias e passageiros.

AL

MA

NA

QU

E

ClimaA fama que corre é que Petrolina é a sétima cidade mais quente do país. Mas a temperatura média anual gira em

torno de 26,3 o C, com verões quentes e úmidos e invernos mornos e secos. O clima petrolinense é classificado como semiárido quente, caracterizado pela escassez e irregula-ridade de chuvas, assim como pela forte evaporação, por

conta das altas temperaturas. Novembro é o mês com maior temperatura média máxima (34oC), enquanto julho é o mais

frio (24,1oC).

são 293 mil moradores segundo o censo de 2010. Já as estimativas para 2014 apontam um crescimento de mais de 10%. O fato é que Petrolina concentra o maior contingente populacional do curso do rio São

Francisco, comparado apenas à região metropolitana de Belo Horizonte, que ultrapassa os dois milhões de habitantes, embora não esteja na calha do Velho Chico. Somados os moradores da vizinha Juazeiro (estimados em 216 mil em 2014), a população de Petrolina representa o maior aglomerado urbano do

semiárido brasileiro.

Aeroporto Inaugurado em 1981, o Aeroporto

Internacional Senador Nilo Coelho possui a segunda maior pista de

pouso e decolagem do Nordeste – 3.250 metros de extensão. Em consequência, recebe grandes aviões cargueiros e de passageiros, o que faz de Petrolina o

segundo portão de entrada por via aérea de Pernambuco. O terminal de cargas,

com 2mil m2, está preparado para atender à demanda de exportação de frutas da região para diversos países do mundo. O aeroporto também é responsável por

reforçar o turismo de lazer e de negócios na cidade, atraindo milhares de

visitantes.

IlhasEntre Petrolina e Juazeiro está a Ilha do Fogo, de

propriedade do Exército Brasileiro, alvo de reivindicação da população local, que exige livre acesso para lazer e pesca.

Outras ilhas fluviais servem de lazer e diversão, além de prática de esporte, com rico potencial turístico. É o caso de Massangano,

do Balneário de Pedrinhas e da Ilha do Rodeadouro, que pertence à vizinha Juazeiro, mas é muito frequentada por

petrolinenses e turistas em visita à cidade.

Petrolina foi fundada em 1870. Tudo começou quando o frei

capuchinho italiano Henrique, que realizava pregações missionárias pelos povoados ribeirinhos do rio São Francisco, resolveu construir na região uma capela dedicada a

Nossa Senhora Rainha dos Anjos. A construção iniciou-se em 1858 e foi

concluída em 1906. Teria sido este o marco inicial de Petrolina? Há controvérsias. O certo é que Nossa Senhora Rainha dos Anjos virou padroeira da cidade e é até hoje

festejada por toda a população local.

Sede da XXVI Plenária do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, que acontece neste mês de maio, a cidade de Petrolina, em Pernambuco, é destaque entre os municípios ribeirinhos do Velho Chico. Com uma forte identidade cultural, uma economia vigorosa – baseada sobretudo na fruticultura – a cidade oferece um leque de opções de lazer, curiosidades gastronômicas e uma vocação turística inquestionável, tendo como principal referência o enoturismo – roteiro de visitação às principais vinícolas da região.

Texto: José Antônio Moreno e André SantanaIlustração: elena landinez

Page 18: Revista Chico CBHSF - nº 06

3534

A Política Nacional de Recursos Hí-dricos, instituída através da Lei fe-deral 9.433/97, estabelece diversos instrumentos de gestão da água no

Brasil. Um deles é a cobrança pelo uso dos re-cursos hídricos, uma espécie de taxa condomi-nial cobrada de quem explora este recurso. No âmbito da bacia hidrográfica do rio São Fran-cisco, 1.154 usuários são outorgados. O índice de inadimplência é baixo: cerca de 5%. Isso não significa dizer que está tudo dentro da legali-dade. Para verificar se todos os usuários que exploram as águas são-franciscanas estão pagando o que realmente lhes compete, está prevista para breve uma ação de recadastra-mento de usuários e a correção dos valores pagos, considerados os mais baixos do país.

O recurso representa uma remuneração pela utilização de um bem público. O preço é fixado a partir de um pacto entre os usu-ários da água, a sociedade civil e o poder público, no âmbito dos comitês de bacias hidrográficas (CBHs). Aos comitês compete propor ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) os mecanismos e os valo-res da cobrança a serem adotados na sua área de atuação.A legislação é bastante clara ao estabele-cer que os recursos arrecadados devem ser aplicados na recuperação das bacias que geram os recursos, mas a cobrança só tem início depois da aprovação do CNRH pela Agência Nacional de Águas (ANA), a quem cabe repassar os valores aos comitês.

MUITO LONGE DE SER UM IMPOSTO, A COBRANÇA PELO USO DAS ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO É UM RECURSO LEGÍTIMO E FUNDAMENTAL PARA O

DESENVOLVIMENTO DE AÇÕES EM PROL DO PRÓPRIO RIO E DA BACIA. A CONSCIÊNCIA DA SOCIEDADE SOBRE

ESSA PREMISSA SÓ TENDE A AMPLIAR OS EFEITOS BENÉFICOS DECORRENTES

DOS RECURSOS QUE VÊM SENDO ARRECADADOS, EMBORA AINDA LONGE

DO PATAMAR IDEAL, NAS DIFERENTES REGIÕES DO VELHO CHICO.

QUEM DEVE PAGAREstão sujeitos à cobrança pelo uso de recursos hídricos todos os usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um cor-po de água, sejam eles superficiais ou subterrâneos. Assim, podem ser co-brados os usuários que fazem captações ou derivações de água, bem como aqueles que lançam efluentes para diluição. Assim, dentre outros, são usuá-rios que pagam pelo uso das águas as companhias de saneamento, as indús-trias, as mineradoras, os irrigantes, os aquicultores, as empresas de geração de energia e as atividades de lazer e turismo.Mas nem todos os outorgados, ou seja, aqueles que possuem outorgas con-cedidas pelo respectivo comitê de bacia, precisam pagar. Quem informa é o coordenador de Sustentabilidade Financeira e Cobrança da ANA, Giordano Bruno Bomtempo de Carvalho. Ele explica que a legislação permite aos co-mitês de bacias hidrográficas proporem aos Conselhos de Recursos Hídricos os usos considerados de pouca expressão.Estes são isentos da obtenção da outorga de direito de uso de recursos hídri-cos e, consequentemente, do pagamento. “No caso da bacia hidrográfica do rio São Francisco, o Comitê propôs ao CNRH que as vazões até quatro litros por segundo fossem consideradas de pouca expressão, o que foi acatado. As-sim, os usuários de qualquer segmento que estejam dentro desse patamar, ou seja, 345.600 litros por dia, não são cobrados”, explica. De acordo com dados do ano de 2013, foi feita a cobrança para 1.154 usuários de recursos hídricos no âmbito da bacia hidrográfica do rio São Francisco. Números oficiais da ANA e confirmados por Giordano Bruno de Carvalho. Desse total, cerca de 95% do valor cobrado foi arrecadado. Os inadimplentes são incluídos na lista de devedores do governo federal, o Cadin, e ficam impe-didos de relacionamento com a União, como participar de licitações e firmar contratos.

MENORES PREÇOSCom relação aos valores cobrados pelas outorgas na bacia do Velho Chico, eles são considerados os menores do país. Os usuários pagam R$ 0,01 por mil litros de água retirada do corpo de água; R$ 0,02 por mil litros de água não devolvida e R$ 0,07 para cada quilo de carga orgânica lançada. Aos usuários agropecuários, como os irrigantes, é concedido um desconto de 97,5% destes valores. “Estes preços são os menores praticados no país e estão em vigor desde 2010, e sem nenhuma correção”, destaca Carvalho.Diante desses valores, já se observa que a defasagem da cobrança chega a comprometer o funcionamento da agência delegatária do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, conforme avaliação do servidor da ANA. A AGB Peixe Vivo é a instituição escolhida pelo Comitê para realizar a administração e aplicação dos recursos arrecadados com a cobrança nas ações de recuperação da bacia.A diretora-geral da delegatária, Célia Fróes, confirma que desde quando co-meçou a cobrança, em 2010, não houve correção. Ela explica que a execução dos projetos atualmente em execução não está ameaçada, mas confirma que o valor arrecadado atualmente pode até ser expressivo, mas não é suficiente para recuperar toda a bacia hidrográfica. “Não há recurso para a totalidade da bacia”, confirma Célia, ao mesmo tempo em que admite o comprometimento do custeio da AGB, diante da arrecadação atual.A diretora explica que, para fins de adequação da agência delegatária aos valores atualmente recebidos, estão sendo adotadas medidas constantes de redução de gastos. “Já reduzimos nosso quadro funcional e também estamos promovendo cortes em algumas contas fixas”, explica a diretora, ao tempo em que confirma o repasse anual de aproximadamente R$ 1,5 milhão para a agência. Ao todo, são arrecadados, a cada ano, no âmbito da bacia, cerca de R$ 22 milhões, conforme dados da ANA.Diante da constatação da defasagem dos valores cobrados com as outorgas na bacia do rio São Francisco, o tema passou a ser debatido em reuniões nas câmaras técnicas do CBHSF. A mais recente reunião da Câmara Técnica de Outorga e Cobrança (CTOC), realizada em Maceió (AL), contou com apresentação de números, discussão sobre a metodologia aplicada e a

proposta de reajuste nos valores.Antes de tomar qualquer medida nesse sentido, Célia Fróes afirma que é necessário realizar um levantamento da quantidade de usuários, o número de pagantes, rever a metodologia da cobrança e estudar o impacto de aumento para os usuários. Em virtude dessa metodologia, a ANA fez uma explanação durante a reunião da CTOC e iniciou o debate, que chegará até as discussões relacionadas à atualização do Plano de Recursos Hídricos da bacia.O presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, explica que a cobrança não repre-senta um imposto, mas uma remuneração pelo uso de um bem público. Ele também relaciona exemplos das ações desenvolvidas com os recursos ar-recadados, como obras de recuperação hidroambiental e planos municipais de saneamento básico. “Estamos planejando realizar encontros com os pre-feitos, apoio ao trabalho do Ministério Público, que desenvolve a Fiscalização Preventiva Integrada [FPI], entre outros. E depois que convidamos as prefei-turas para realizar os planos municipais de saneamento básico, várias outras vieram nos procurar”, observa Miranda, para reforçar que a cobrança pelo uso dos recursos hídricos tem, sobretudo, o caráter didático.

PROCESSO EDUCATIVODurante 2015, estão previstas pelo menos quatro intervenções por parte da Agência Nacional de Águas, no âmbito da bacia hidrográfica do São Francisco, a fim de vistoriar usuários outorgados e, assim, saber quem está obedecendo aos termos da concessão da outorga. O trabalho terá o caráter educativo e servirá para cadastrar todos os usuários das águas são-franciscanas. O assunto começou a ser discutido em março, durante reunião em Maceió (AL), da Câmara Técnica de Outorga e Cobrança (CTOC), que faz parte da composição do CBHSF.O presidente da Associação Comunitária Sobradinho II (MG), João Alves do Car-mo, participou do encontro e considera a proposta de grande importância. Segun-do ele, se vê alguns usuários com grande consumo de água e não se sabe se o valor que ele recolhe é o correspondente à outorga concedida. Representante da Associação dos Agricultores Irrigantes da Bahia, José Cisino Menezes, também participou da reunião e se posicionou contrário ao possível reajuste nos valores da cobrança. “Não tenho dúvida de que falar em aumento de tarifa, no momento, será de grande insatisfação”, opinou.Os debates em torno do tema serão intensificados no decorrer de 2015, principalmente durante as atividades relacionadas à atualização do Plano de Recursos Hídricos da bacia do São Francisco, a qual envolve os mais diversos segmentos inseridos na bacia.

Cobrar pelo uso das águas é pensar no futuro do Velho Chico

O agronegócio é um dos grandes

usuários da bacia do São FranciscoCO

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TEXTO: DELANE BARROS FOTOS: JOÃO ZINCLAIR

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tituição. Ela acredita que o povoado só se torna-rá efetivamente produtivo no momento em que o conflito for resolvido. “Não queremos encontrar culpados. Gostamos muito daqui, e sair está fora de cogitação. Se for definido que pertencemos a Pernambuco, tudo bem; se vamos pertencer ao Ceará, tudo bem também! Aceitamos numa boa. Só queremos saber como isso vai se resolver”, diz.O impasse já começa a interferir no dia a dia dos quase 75 moradores da nova Malícia. Um dos re-assentados, Ademilton Ferreira Vital vive com sua esposa Francisca a preocupação com o atendi-mento médico para a filha, Larissa, de cinco anos, que nasceu com hidrocefalia. Por enquanto, eles contam com a assistência do serviço de saúde de Penaforte, mas ouviram falar que a prefeitura iria cortar o atendimento até que ficasse provado que a Vila Malícia pertence, de fato, ao Ceará.“Estamos receosos com essa situação”, diz Vital.Outro morador, Orlando Vieira Santos, teme que a falta de atendimento médico por parte de Penafor-te venha a prejudicar a comunidade. “Precisamos de uma solução. Saber de que lado estamos para, assim, buscar nossos direitos”.O atual prefeito de Salgueiro, Marcondes Libório de Sá, acredita que cabe ao Ministério da Integra-ção resolver o problema. “O MI forçou atransferên-cia da vila antes de resolver este impasse territo-rial.Como os moradores queriam a todo custo se mudar, o MI resolveu realocá-los, com a promessa de ajeitar a situação depois, pensando de forma mais simplista possível. Agora, o problema está criado”, diz ele, confessando a impossibilidade de transferir recursos para uma localidade que, na realidade, pertence a outro estado da Federação.O prefeito informa que outros problemas começa-rão a surgir por conta dessa indefinição territorial, principalmente com relação a auxílios do governo federal, a exemplo do Bolsa Estiagem, Garantia Safra, Bolsa Família, além da própria Previdência Social. “Eles terão os benefícios negados porque

residem no Ceará, mas o setor produtivo está em Pernambuco. Tanto a residência quanto a terras de trabalho precisam estar no mesmo estado para garantir esses benefícios. Hoje é tudo uma ques-tão cadastral”, declara.Ele diz que a prefeitura de Salgueiro está aberta à negociação para a solução do impasse. “Não que-remos criar empecilhos. No nosso entendimento, existem duas alternativas para resolver o conflito. A primeira é construir uma nova vila em territó-rio de Pernambuco. A segunda é estabelecer, por via legislativa estadual, uma permuta de área: ou seja, o estado de Pernambuco cederia ao Cea-rá uma área em igual tamanho à que vem sendo ocupada pela Vila Malícia; em troca, teria direito ao território onde está o povoado atual”, explica. Segundo ele, a questão está a cargo do Ministério da Integração, que terá que “intermediar o diálogo entre os dois estados”, conta.

SÃO FRANCISCO, UMA ESPERANÇAA cidadã mais antiga da VPR Malícia, Ana Ma-ria de Jesus, 93 anos, tem dúvidas sobre a che-gada das águas do São Francisco pelo canal da transposição.“Será? Acho que eu não verei”. O pensamento pessimista da morada vira consenso na Vila Malícia quando o assunto está relacionado à efetividade das obras da transposição. “Uma coisa é certa: quando essas águas chegarem será sinônimo de prosperidade. Vivemos numa área muito seca. Chu-va aqui é difícil. Queremos ter a nossa produção agríco-la. Plantar nossa horta, feijão verde, milho, entre outros produtos que nos façam prosperar”, revela Damião Vieira dos Santos, neto de Ana Maria. Além dos oito hectares de sequeiro, cada família da nova Malícia recebeu como indenização pela perda das casas um hectare irrigado que será uti-lizado com a chegada das águas do rio São Fran-cisco. “Resta saber quando”, queixa-se Claudiana dos Santos Rocha.

A partir daí começaram os problemas para os reassentados. O aparente erro na localização dessa que passou a ser chamada de Vila Produtiva Rural Malícia

acabou deixando os moradores sem acesso à saú-de e à educação, além de estarem ameaçados de perder benefícios como Previdência Social, Bolsa Estiagem, além do Bolsa Família. Isso porque a nova localização do povoado vem gerando proble-mas administrativos para recebimento de verbas estaduais e federais. Apesar de ainda sob jurisdição de Pernambuco, a vila geograficamente pertence ao Ceará, que não tem como alocar recursos para um povoado que não é, regimentalmente, seu. O território para onde foi transferida a Vila Malí-cia abrange uma área total de 127 hectares, sen-do aproximadamente 31 hectares localizados em área urbana do município cearense de Penaforte, onde foram construídas as novas residências para os reassentados. O restante do terreno, destinado ao setor produtivo, se localiza na área rural da vi-zinha Salgueiro, no território pernambucano. “Ou seja, as pessoas vivem no Ceará, mas as terras de trabalho estão em Pernambuco”, atesta um dos assentados.Cada uma das famílias transferidas recebeu do Ministério da Integração Nacional, como compen-sação pela demolição das suas propriedades de origem, uma ajuda financeira mensal no valor de R$ 1.182, um terreno de 99 m² com uma casa de alvenaria e mais oitohectares para plantio de se-

queiro (feijão, milho, etc.). Fora isso, uma escola e um posto médico foram construídos na vila, para garantir educação e saúde para os moradores.Passados cinco meses da transferência da vila, a escola e o posto médico continuam fechados, pois nem a prefeitura de Salgueiro nem a de Penaforte garantiram o repasse de recursos para contrata-ção e pagamento de professores e médicos. “A so-lução foi mandar as crianças estudar nas escolas da sede de um ou outro município, Salgueiro ou Penaforte, até que a situação se resolva”, diz Fran-cisco Vieira dos Santos, apelidado de Franzin das Malícias, mostrando que os moradores da nova vila vivem ainda a incoerência de ter a sua conta de energia elétrica cobrada por Pernambuco e a água fornecida por carros-pipas do Ceará.A confusão se estende à Associação dos Reas-sentados da Vila Malícia, que não sabe se pede o registro da entidade em Salgueiro ou Penafor-te. Na dúvida, prefere continuar sem funcionar, como afirma a líder comunitária Luciana Santos Silva, 23 anos, eleita a primeira presidente da ins-

MAIOR OBRA HÍDRICA DO PAÍSA transposição do São Francisco é a maior obra de infraestrutura hídrica já realizada no país. Orçada em R$ 8,2 bilhões, e com 73,7% dos trabalhos já concluídos, prevê beneficiar 12 milhões de habitantes de 390 municípios que sofrem com a estiagem frequente em qua-tro estados brasileiros (Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba). O chamado eixo norte, que tem o bombeamen-to direto das águas do Velho Chico na cidade de Cabrobó (PE), constitui um percurso de 260 quilômetros. Já o eixo leste, com captação no município de Floresta (PE), a partir da Usina Hidrelétrica de Itaparica, percorrerá 217 qui-lômetros. Iniciada em 2007, a obra englobará a construção de quatro túneis, 14 aquedutos, nove estações de bombeamento e 27 reserva-tórios, tendo previsão de término para 2016, após quatro anos de atrasos e custando o do-bro previsto no orçamento inicial do projeto.Ao todo, 19 vilas produtivas rurais (VPRs) es-tão sendo construídas pelo MI como parte do programa ambiental de reassentamento das 811 famílias que residem na faixa de obra do Projeto de Integração do Rio São Francisco – PISF. São elas: Malícia, Uri, Captação, Salão, Retiro, Pilões, Negrei-ros, Queimada Grande e Junco, em Pernambuco; e Ipê, Vassouras, Descanso e Retiro, no Ceará. Estão previstas ainda, na Paraíba, as vilas Quixe-ramobim, Jurema, Irapuá I, Irapuá II, Bartolomeu e Lafaiete. A estimativa é que até o final de 2015 todas sejam entregues pelo governo federal.

As 20 famílias que residem na Vila Produtiva

Malícia não contam com posto médico e escola,

que estão sem funcionar por conta do impasse.

Moradora mais idosa, Ana Maria de Jesus

espera a chegada do rio

Pernamburence ou Cearano?

UM IMBRÓGLIO ENVOLVENDO O REASSENTAMENTO DE

FAMÍLIAS PERNAMBUCANAS POR CONTA DAS OBRAS DE

TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO VEM GERANDO

UM GRANDE IMPASSE ENTRE OS ESTADOS DE PERNAMBUCO

E CEARÁ. O PROBLEMA: MORADORES DO ANTIGO SÍTIO

MALÍCIA, LOCALIZADA NO MUNICÍPIO DE SALGUEIRO (PE), TIVERAM QUE ABANDONAR O LOCAL EM DEZEMBRO DE 2014 POR CONTA DA CONSTRUÇÃO

DE UMA BARRAGEM, PARA SEREM AUTOMATICAMENTE

REASSENTADOS PELO MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO

NACIONAL EM ÁREA DO MESMO MUNICÍPIO. MAS, NÃO

SE SABE POR QUAL RAZÃO, AS 20 FAMÍLIAS QUE INTEGRAM

O POVOADO ACABARAM TRANSFERIDAS PARA A

VIZINHA CIDADE CEARENSE DE PENAFORTE.

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SEM INFORMAÇÃOEm nota, o Ministério da Integração Nacional reconhece que o núcleo residencial da Vila Produtiva Malícia está em território cearense e o seu setor produtivo em Pernambuco. Informa que, na época da implantação, considerou essa área como a de condições topográficas mais adequadas para a construção. Até o fechamento desta edição, o órgão fe-deral não respondeu aos questionamentos da revista Chico sobre o porquê da decisão de manter a VPR em uma área distribuída em dois estados. O MI também não informou como pretende resolver o impasse.A revista Chico tentou ouvir ainda, sem sucesso, a Prefeitura de Penaforte, no Ceará. Diversas ligações telefônicas foram realizadas, mas não houve retorno por parte do prefeito da cidade, Luiz Celestina. Por telefone, o presidente da Câmara Municipal, Francisco Agábio Sampaio Gondim, afirmou ter conhecimento do conflito, mas não quis tecer maiores comentários sobre o assunto.

TEXTO: RICARDO FOLLADOR FOTOS: REGINA LIMA

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Com informações extraídas do livro “Revitalização de rios do mundo: América,

Europa e Ásia”, editado pelo Instituto Guaicuy, Belo Horizonte, em 2010

39

No final dos anos 1980, um projeto de revitalização foi delineado para o rio pela Anacostia Watershed Society (Sociedade da Bacia Hidrográfica do Anacostia), que exigiu do governo leis mais duras na área ambiental, e protagonizou uma grande campanha para aumento de consciência da população sobre a necessidade de manter o Anacostia limpo, livre do lixo e da poluição.Apesar de pequena, a bacia do rio Anacostia é habitada por uma população de mais de 1 milhão de pessoas. Uma grande área da bacia é pavimentada com ruas, estacionamentos e telhados – superfícies duras que impedem que a água da chuva penetre o solo. Sem alternativa, ela escoa quando chove, carreando todo o lixo que as pessoas jogam nas ruas para dentro dos canos mais próximos e, rapidamente, para o rio. As chuvas fazem também com que os esgotos transbordem, trazendo muitas bactérias e nutrientes para dentro do rio. O primeiro passo no processo de revitalização do Anacostia foi identificar os pontos de contaminação e construir interceptores e estações de trata-mento. Os resultados das ações começaram a se manifestar com o reapa-recimento de dez espécies de peixes, em um dos afluentes. Por outro lado, foi travada uma verdadeira guerra contra os sacos plásticos, uma praga que há anos castigava o ambiente fluvial. Uma pesquisa realizada pela Se-cretaria Municipal do Meio Ambiente constatou que, a partir da coleta de lixo em bueiros, córregos ou locais próximos da superfície, algo em torno de 19 a 33 % dos resíduos que adentravam o Anacostia eram compostos por sacos plásticos. Em 2007, o estado de Maryland e a cidade de Washington definiram o lixo como uma forma de poluição do rio Anacostia. Em junho de 2010, a Câ-mara Municipal de Washington aprovou por unanimidade uma taxa de 5 % sobre as sacolas de plástico e papel visando desestimular a sua utilização.

O dinheiro arrecadado com o projeto de lei passou a ser usado para limpar o rio. O expediente funcionou: numa primeira avaliação sobre a medida, constatou-se que os estabelecimentos de alimentos e supermercados da cidade reduziram o uso de sacos plásticos em 85% – de cerca de 22,5 mi-lhões para 3,3 milhões unidades. No trabalho de limpeza das águas, cerca de 7 mil voluntários chegaram a retirar do rio mais de 700 toneladas de lixo e quase 12 mil pneus velhos.Investiu-se em educação ambiental. Um dos focos principais foi o am-biente escolar. As crianças e jovens foram estimulados a cultivar plantas nativas na região do rio com vistas ao restabelecimento dos brejos, que deixaram de existir há muitos anos por força da explosão populacional, apesar de importantíssimos no processo de filtragem da água poluída, além de fornecer um ótimo habitat para a vida selvagem. Houve também um treina-mento dos professores para que pudessem disseminar ideias preservacionis-tas em atividades recreativas desenvolvidas com os estudantes nas margens do Anacostia.A maior vitória desse trabalho foi ter ajudado a mudar a percepção do público sobre o Anacostia, considerado um “rio esquecido”por ser um tributário muito pequeno do Potomac e por correr no lado pobre da cidade de Washington. Por seu lado, as autoridades da cidade, em diferentes níveis e jurisdições, pas-saram a desenvolver economicamente as áreas localizadas às margens do Anacostia, incentivando, por exemplo, a construção de moradias, escritórios, lojas, restaurantes e até um campo de beisebol.As pessoas (re)descobriram as margens do rio como local de lazer, humanizando o seu entorno. Os peixes voltaram. Hoje, são mais de 50 espécies povoando as águas. Com os peixes, chegaram as aves, que deles se alimentam, devolvendo ao Anacostia um ambiente de vida silvestre fundamental para uma cidade tão edificada como Washington.

O rio Anacostia tem cerca de 40 quilômetros de extensão. Flui a partir do Condado de Prince George, Maryland, adentrando a capital dos Estados Unidos, Washington,

onde deságua no rio Potomac. Por muitos anos, foi considerado um dos rios mais poluídos do território norte-americano, tendo como principais fontes de degradação o esgoto doméstico sem tratamento e, principalmente, a disposição inadequada do lixo. Não por acaso, o rio percorre os bairros mais pobres de Washington e abriga também os distritos industriais da cidade.

AnacostiaTEXTO: JOSÉ ANTÔNIO MORENO* | FOTO: DEPOSITPHOTOS.COM

SAI A POLUIÇÃO, ENTRA O LAZER.

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CINEMA

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FOTO: RUI REZENDE

REMEIROS DO SÃO FRANCISCOLançado no ultimo mês de março, em Belo Horizonte, Minas Gerais, o documentário “Remeiros do São Francisco” mostra os pri-meiros grandes transportes de cargas em séculos passados no Velho Chico, a partir de depoimentos originais dos remeiros, espé-cie de mascates que impulsionavam as em-barcações comercializando porto a porto, ao longo do rio. O filme é dirigido por Dêniston Diamantino, documentarista, pesquisador e ambientalista que há mais de 30 anos se dedica ã produção de documentários sobre meio ambiente e cultura popular no Vale do São Francisco.O documentário tem também o objetivo de mostrar que, em tempos mais precários e com pouca tecnologia, o São Francisco já era intensamente navegável. Com 50 minutos de duração, a produção descreve uma viagem imaginária no ano de 1928 a bordo da barca Surubim Rey. A gravação aconteceu em várias cidades de Minas Gerais, Bahia e Pernambuco e acompanhou diversas histórias de remeiros, mostrando desde o árduo trabalho nas barcas até curiosidades do cotidiano, superstições, devoções, histórias trágicas e cantorias à beira do São Francisco. O documentário integra a trilogia “Navegantes do Velho Chico”.

PESQUISANDO ALAGOASO estado de Alagoas foi escolhido como alvo do projeto piloto do Mapeamento Cultural do Patrimônio Imaterial, que será desenvolvido em todo o Brasil pela Secretaria de Estado da Cultura, em parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O projeto tem o intuito de registrar e conhecer a história, crenças e costumes de diversas regiões brasileiras, para contribuir como processo de salvaguarda. No caso de Alagoas, um dos aspectos a serem estudados diz respeito à região das margens do rio São Francisco, conhecida pela riqueza cultural. Também serão estudadas manifestações populares da região norte, zona da mata, agreste e sertão, incluindo a bacia leiteira do estado.Para a consultora de Patrimônio Imaterial do Iphan, Greice Lopes, para diagnosticar um acervo imaterial é preciso ter um ato perceptivo especial. “Ver com um olhar diferenciado, desvendar e explorar para extrair a essência da cultura local. Quando o acervo é material, se torna mais fácil por ser algo físico, mas quando se trata de bem imaterial, é preciso conhecer a história”, explicou a consultora, lembrando que o mapeamento vai contribuir com as futuras ações de políticas culturais em Alagoas. Vale observar que a primeira etapa do projeto corresponde ao levantamento preliminar das referências culturais dos 102 municípios alagoanos.

IMAGENS DO OESTEO fotógrafo baiano Rui Rezende viajou por mais de três anos pelo oeste da Bahia (foram 130 mil quilômetros de carro e 50 horas de voo) e produziu mais de 50 mil imagens da região delimitada pela margem esquerda do rio São Francisco. Toda essa aventura, que inclusive resultou em um acidente de avião no início de agosto do ano passado, pode ser conferida no livro Oeste da Bahia – O Novo Mundo, da editora baiana P55 Edições (R$ 110). Com 216 páginas, a publicação mescla fotografias com textos do jornalista Cícero Félix, que contextualiza, em  linguagem poética e leve, a ambiência das imagens.“O meu trabalho profissional é movido exa-tamente pelo desafio, coisas e lugares inós-pitos e desconhecidos. Quanto mais desco-nhecido, melhor. O projeto do oeste me atraiu por isso”, explica o fotógrafo, que é natural de Amargosa, no centro-sul baiano. Especializa-do em fotografia de natureza, Rui Rezende é autor de outras publicações sobre a temáti-ca, como Chapada Diamantina, Um Paraíso Desconhecido;Encantos de Tinharé; e Cairu– Cidade do Sol. O fotógrafo conheceu o oeste da Bahia em 2000 e enxergou o potencial imagético da natureza e da cultura da região, além da forte dinâmica do agronegócio, com suas plantações de soja e algodão, também alvo dos cliques de Rezende. Entre as imagens de manifestações culturais,  comunidades, animais, árvores, monumentos, está o grandioso rio São Francisco, fundamental para a vida daquela região. O projeto contou  com o incentivo da Lei Rouanet e o patrocínio da Galvani Fertilizantes. Para adquirir o livro, acesse:http://p55.com.br/editora/

TELEVISÃO

MÚSICA

ARTESANATO

UMA VIDA DE CANTORIANascido às margens do rio São Francisco, na cidade pernambucana de Petrolina, o cantor e compositor Geraldo Azevedo (foto) come-mora os seus 70 anos de idade, completos no último janeiro, com uma turnê nacional ao longo de todo o ano de 2015. O lançamento da turnê, que também marca os quase 50 anos de carreira do artista, aconteceu com um show no Circo Voador, no Rio de Janeiro. O show, no estilo voz e violão, tem um repertó-rio baseado em grandes sucessos do compo-sitor, como “Dia Branco”, “Dona da minha Ca-beça”, “Taxi Lunar” e “Canção da Despedida”. O público ainda terá o prazer de ouvir no show algumas das composições do último trabalho do artista: “Salve São Francisco”, lançado em 2011 e que concorreu no 12° Latin Grammy, todas elas exaltando a beleza e a importân-cia do rio São Francisco, que banha a terra natal, Petrolina, como “O Ciúme” (Caetano Ve-loso) e “Riacho do Navio” (Luiz Gonzaga e Zé Dan). Além da turnê, Azevedo se prepara para apresentar dois novos projetos ainda este ano: um disco com canções inéditas e um DVD, a ser gravado ao vivo em Pernambuco, reproduzindo o show comemorativo dos 70 anos.

BORDANDO O TURISMOO Velho Chico e a cultura da região do Alto São Francisco, que abrange o território de Minas Ge-rais, vêm sendo fonte de inspiração para uma exposição itinerante de bordados. Trata-se da mostra ‘Bordando Minas’, que reflete, através de agulhas e linhas coloridas, importantes pontos turísticos mineiros. A exposição começou em março pela cidade de Itabirito e deverá seguir ocupando espaços em outros municípios da bacia do São Francisco. Com muita criatividade, histórias sobre a Igreja da Pampulha, Santuário do Caraça, matas e cachoeiras da Serra do Cipó revelam – sob o ponto de vista das bordadeiras – as ricas referências afetivas, culturais e históricas do território mineiro. Na busca pela capacitação e valorização social, as peças foram criadas por profissionais do grupo Fonte de Vida que, além da exposição, ministraram, no final de abril, um workshop sobre o assunto para o público interessado.

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NOVELA X REALIDADE A telenovela Velho Chico, com previsão de estreia na Rede Globo em 2016, trará perso-nagens que representam diferentes olhares e formas de convívio com o rio São Francisco. Da ‘grife’ do escritor Benedito Ruy Barbosa (foto), responsável por grandes sucessos da televisão brasileira, como Pantanal (1990), Renascer (1993) e O Rei do Gado (1996), Ve-lho Chico está sendo escrita pelos roteiristas Edmara Barbosa e Bruno Barbosa Luperi, respectivamente filha e neto de Benedito, sob supervisão geral do veterano novelista. A di-reção geral será de Rogério Gomes. “Queremos chamar a atenção para a natureza do Brasil, voltando o olhar para essa rica região do São Francisco e suas importantes águas, neste momento pertinente da séria crise hídrica no país”, destaca Edmara Barbosa, que já assinou remakes como Cabocla (1979 e 2004), Sinhá Moça (1986 e 2006) e Paraíso (1982 e 2009).Na cidade fictícia de Nossa Senhora das Gro-tas viverão os cinco personagens centrais da trama, arquétipos dos moradores que real-mente habitam as margens do rio: 1) o co-ronel, que vive do poder de um passado de prosperidade; 2) o político, que pensa o rio apenas como forma de ganhar dinheiro; 3) o vereador, liderança preocupada com ques-tões sociais; 4) o pesquisador, que escuta as histórias dos moradores, suas crenças e mi-tologias; 5) a criança, nascida do amor entre pessoas de famílias rivais e símbolo da possí-vel união entre todos.

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P alavra de origem híbrida, mestiça de tupi com português, “juazeiro” vem da junção do nome juá ou iu-á (fruto de espinho, em tupi) como  sufixo  “eiro”, que exprime a ideia de

árvore ou arbusto que produz juá, o fruto.O juazeiro é árvore típica do semiárido brasileiro, pre-sença marcante na paisagem das caatingas e dos cerrados da bacia do rio São Francisco. Árvore alta e frondosa, esgalhada desde o chão, um juazeiro pode oferecer sombra para o gado e para o homem do ser-tão por mais de um século de vida. Não espanta que o seu nome tenha dado origem a topônimos famosos do Nordeste – foi usado para nomear um dos três maio-res centros de religiosidade popular do Brasil, Juazei-ro do Ceará, no sertão do Cariri, terra do Padre Cícero. Também nomeou Juazeiro da Bahia que, junto com a pernambucana Petrolina, hoje forma o maior conglo-merado urbano da região do semiárido, recortado pelas águas do rio São Francisco.A espécie ZiziphusjoazeiroMart é planta da família das Rhamnaceae, da ordem Rosales. É árvore elegante de médio porte, atingindo cerca de dez metros de altura, com ramos tortuosos protegidos por espinhos. As fo-lhas são elípticas, coriáceas e lustrosas, enquanto as flores são pequenas, de cor creme. Seus frutos são glo-bosos, com pedúnculos orlados, amarelados por fora e brancos por dentro, com uma semente dura. São co-mestíveis e doces, ricos em vitamina C, utilizados para fazer geleias e também na alimentação do gado duran-te o período de seca. Possui casca rica em  saponina, substância usada para fazer sabão e produtos de limpeza para os dentes. A madeira é muito dura, usada tradicio-nalmente para o fabrico de móveis, cabos de ferramentas e carvão. As folhas, frutos, casca e raiz do juazeiro são uti-lizados na medicina popular, apresentando propriedades adstringentes, anti-inflamatórias, antigripal, cicatrizante e expectorante, entre outras.O juazeiro possui outros nomes. No sertão também é co-nhecido como juá-de-espinho, jurubeba, jurupeba, enjuá, enjoaá, juá-mirim, joá, joazeiro.

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TEXTO: GEORGE OLAVO | ILUSTRAÇÃO: RODOLFO CARVALHO

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