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Foucault entre Nietzsche, Marx e Walter BenjaminÉ impossível fazer história sem utilizar sequências infindáveis de conceitos ligados ao pensamento de Marx

TAGS: Ernani Chav es, Marx, Michel Foucault, Nietzsche, Walter Benjamin

Ernani Chaves

Há exatos quarenta e um anos, na Primeira Conferência de A verdade e as formas jurídicasproferidas, como sabemos, na PUC do Rio de Janeiro, pouco cauteloso, de certo modo, àpeculiaridade da situação política brasileira e do papel desempenhado naqueles anos pelomarxismo como forma de resistência à ditadura, Foucault foi absolutamente implacável: elecritica com bastante virulência o “marxismo acadêmico”, “universitário”, que resolvia aquestão das relações entre condições econômicas e práticas de subjetivação por meio dessaespécie de fórmula explicativa conhecida como “teoria do reflexo ou da expressão”. Mesmoque, precavido, ele tenha restringido sua declaração à França e à Europa, ela foi suficiente parasuscitar não apenas um debate, mas também uma desconfiança de que nos encontrávamosdiante de um anti-marxista resoluto. Na discussão que se seguiu à última conferência,dominada pelo debate com Hélio Pellegrino, respondendo a uma intervenção que associavasuas análises a uma espécie de crítica da ideologia, Foucault volta a se posicionarenfaticamente contra essa ideia referindo-se, novamente, a uma “interpretação tradicional”, a“interpretação dos marxistas”. E assim, o próprio Foucault marcava, com certa clareza eprecisão, sua distância e afastamento do marxismo. O que significava, tal como podemos hojeclaramente perceber, um afastamento de algumas teses de Althusser, seu ex-professor e amigopessoal, que ele abraçara na sua juventude e que estavam presentes na História da loucura.Mas também um posicionamento que refletia o debate tipicamente francês, ainda decorrentedo maio de 1968, a propósito das posições políticas no campo da esquerda radical. Para dar umexemplo desta situação peculiar, basta, mais uma vez, lembrarmos da famosa cena de Achinesa, de Godard, na qual Les mots et les choses é alvo, “literalmente”, do dardo disparadopelo estudante maoísta.

Esse afastamento significava, por outro lado, uma aproximação com Nietzsche. Mas não maiso Nietzsche dos textos da década de 1960, enredado nas questões relativas à linguagem, a ummodelo de interpretação, e a uma possível “experiência trágica da loucura”, mas ao“Nietzsche, filósofo do poder”, como ele dirá na entrevista “Sobre a prisão”, em 1975 e de quememprestará não apenas o nome, mas também as diretrizes fundamentais do método“genealógico”. Assim, ao final da Primeira Conferência de A verdade e as formas jurídicas,Foucault parecia montar uma oposição entre o marxismo e Nietzsche. É importante ressaltarque Foucault não se refere, aqui neste texto, a Marx, mas sim ao “marxismo”, uma designaçãoao mesmo tempo muito geral e muito vaga, mas também muito específica, se pensarmos nocontexto da época, que inclui tanto o althusserianismo, como as correntes de esquerda nascidas

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à sombra do Maio de 1968.

De todo modo, nossa tradução no Brasil foi simples e rápida: Foucault, nietzschiano, contraMarx!

A recepção do Vigiar e punir entre nós também não levou em consideração as referências aoCapital ali presentes. Poucas e esparsas, elas pareciam, de fato, não ter nenhuma importância,tão fascinados ficamos com a análise da constituição histórica do poder disciplinar. A questãodo poder, sim, nos interessou exaustivamente, pois nos parecia uma chave interpretativa muitomais interessante, muito mais pertinente, para compreendermos o modo singular dosprocessos de dominação na sociedade capitalista. Raramente atentamos para a posiçãoestratégica que a referência a Marx possuía no livro. Raramente percebemos que havia sempreuma diferença no discurso foucaultiano entre a menção a Marx e a menção ao marxismo.

A publicação da Microfísica do poder, em 1979, aprofundava nossa desconfiança que, aospoucos, transformou-se em certeza: Nietzsche contra Marx, eis a questão! De fato, eminúmeras entrevistas e passagens de aulas no Collège de France publicadas nesta coletânea,vemos Foucault voltar-se, com frequência, contra o marxismo e algumas vezes, contra opróprio Marx. Dessas inúmeras referências, gostaria de destacar duas, pois elas me pareceminstrutivas da questão que estou colocando aqui.

A primeira se encontra ainda na mesma entrevista, a qual me referi a pouco, “Sobre a prisão”,de 1975 portanto. Após ter feito a afirmação, hoje bastante conhecida e famosa, de que citavaMarx sem aspas e por isso Marx não era identificado em seus textos, justamente porque os quese intitulavam marxistas não liam Marx, escreve Foucault: “É impossível fazer históriaatualmente sem utilizar uma sequência infindável de conceitos ligados direta ou indiretamenteao pensamento de Marx e sem se colocar em um horizonte descrito e definido por Marx. Emúltima análise, poder-se-ia perguntar que diferença poderia haver entre ser historiador e sermarxista”. A discussão, diz Foucault mais adiante, não é com/contra Marx, mas com os que sedizem marxistas e cuja regra do jogo não é a obra, o pensamento de Marx, mas a“comunistologia”.

A segunda se encontra logo no texto de abertura da Microfísica do poder, a entrevista intitulada“Verdade e Poder”, realizada em 1977. No início da entrevista, Foucault procura explicarporque seus “objetos” de estudo eram desqualificados tanto do ponto de vista epistemológico(eram objetos “sem nobreza”), quanto político (eram “sem importância”). E ele aponta trêsrazões: 1) a posição dos intelectuais marxistas, ligados ao Partido comunista francês (PCF), nointerior das instituições universitárias; estes, diz Foucault, queriam legitimar o marxismo,adaptando-o às regras tradicionais do ensino e da pesquisa na universidade francesa; nestaperspectiva, “a medicina, a psiquiatria, não eram muito nobres nem muito sérias, não estavamà altura das grandes formas do racionalismo clássico”; 2) havia um estalinismo pós-estalinista,que excluía do discurso marxista a emergência do novo, a possibilidade de se colocar novasquestões, de tal modo que os marxistas continuavam, no que diz respeito à discussão sobre aciência, presos ao discurso positivista do século 19: “para certos médicos próximos do PCF, apolítica psiquiátrica, a psiquiatria como política, não eram coisas honrosas”; 3) haveria apossibilidade igualmente de que o PCF procurasse silenciar a discussão sobre as formas dedisciplina da vida social, tendo em vista a realidade do Gulag, ou seja, sobre determinadascoisas é melhor não falar, é melhor ficar em silêncio.

Vemos o quanto essas duas referências constituem posições diferentes no discurso de Foucault:de um lado, Marx é incontornável (o que não quer dizer, evidentemente, que ele não pudesseser “ultrapassado”, como o afirmava Sartre); mas, de outro, o marxismo é uma teoria e umaprática que se tornou incapaz de pensar. A radicalidade de Marx estaria assim perdida na suaposteridade.

Mas poderíamos dizer que esse diagnóstico de Foucault desemboca numa espécie de “niilismopassivo”, ou seja, de uma imobilidade resignada diante do nosso tempo? Evidentemente quenão. E aqui então, eu gostaria de colocar uma hipótese, uma hipótese baseada, em especial, emtextos, entrevistas e evidentemente nos cursos no Collège de France, publicados a partir de1980. A hipótese é a seguinte: há, na posteridade do marxismo, um momento do qual Foucaultse aproxima, um momento que lhe permite reatar com a função crítica do marxismo. Estemomento é o da primeira Teoria Crítica, a da chamada Escola de Frankfurt. Sabemos o quantoessas designações gerais – Teoria Crítica, Escola de Frankfurt – podem nos enganar e nosiludir, como se tivéssemos diante de um pensamento único, comum, a reunir autores muitodiferentes. Marcuse, por exemplo, defensor de uma espécie de freudo-marxismo, que insiste emreiterar a relação entre capitalismo e repressão da sexualidade, está fora da lista de Foucault.Novamente aqui, recorro a duas referências para sustentar minha posição.

A primeira, uma entrevista de 1983, na qual após lamentar a ausência da Escola de Frankfurtem sua formação, Foucault dirá que, se tivesse tido a oportunidade de conhecer a Escola deFrankfurt, teria seu trabalho poupado, não teria dito tantas tolices e teria evitado tantos outrosdesvios, uma vez que aquela Escola já teria aberto vias muito mais promissoras para osmesmos problemas dos quais ele tratava. A segunda referência é um pouco anterior, de 1978 eestá na “Introdução” à edição inglesa de O normal e o patológico, de George Canguilhem. Parasituar seu próprio trabalho e a inspiração de Canguilhem, Foucault irá associar dois modelos, oda Teoria Crítica alemã e o da História das Ciências tal como praticada na França no século20, como as maneiras mais interessantes de dar continuidade à famosa questão acerca dosignificado da Aufklärung: “Na história das ciências na França, como na teoria crítica alemã, oque se trata, no fundo, de examinar, é bem uma razão, cuja autonomia das estruturas trazconsigo a história dos dogmatismos e despotismos – uma razão, por consequência, que só temefeito de livramento com a condição de que consiga se liberar de si mesma”.

Essa aproximação com os frankfurtianos não significa, entretanto, uma adesão completa,

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como se Foucault tivesse se transformado, pura e simplesmente, na versão francesa da TeoriaCrítica. Ao contrário, em uma entrevista também concedida em 1978 ao italiano DuccioTrombadori, mas publicada apenas em 1980, ele explicitará suas diferenças em relação aosfrankfurtianos. Foucault critica a presença de uma certa concepção de sujeito ainda tradicionalnos frankfurtianos, concepção que ainda mantém laços muito estreitos com o humanismomarxista; critica a presença forte da psicanálise e a relação entre Marx e Freud e, finalmente,considera que os frankfurtianos têm uma relação decepcionante com a história, que de fatoeles não fizeram pesquisa histórica, limitando-se a repetir o trabalho de alguns historiadores.Como vemos, podemos falar de relações de troca e simpatia entre Foucault e os frankfurtianos,mas também de relações tensas, que repetem, por sua vez, o próprio modo pelo qual Foucaultestabeleceu suas relações com Marx e com o marxismo.

Entretanto, entre os frankfurtianos, apenas um mereceu de Foucault uma referência nos livrospublicados: Walter Benjamin, em conhecida e famosa nota de pé de página em O uso dosprazeres, o segundo volume da História da sexualidade, na qual Foucault considera os estudosde Benjamin sobre Baudelaire como um exemplo de estudos a propósito de uma “estética daexistência”. Gostaria, então, de finalizar minha exposição com uma terceira hipótese: de fato,dentre os frankfurtianos, Benjamin se aproxima do menos frankfurtiano de todos, daquele quesó pode ser enquadrado nesta Escola com muitas ressalvas, justamente Walter Benjamin. Emmeu recente livro, empreendi uma espécie de genealogia das relações possíveis entre Foucault eBenjamin, tomando como eixo norteador não a referência explícita a Benjamin em O uso dosprazeres, mas na ressonância implícita que podemos encontrar em A coragem da verdade,quando nos deparamos com o nome de Baudelaire listado dentre aqueles artistas que a partirdo século 19, podem ser associados à insolência, à blasfêmia, à confrontação com o poder pormeio de uma ética e uma pedagogia que reúnem corpo e natureza, tal como encontramos nocinismo antigo. Nesta genealogia, gostaria de destacar, mais uma vez, dois textos.

O primeiro é uma entrevista de Foucault, no final de 1977, em Berlim, dada em um contextode muita efervescência política, logo depois do chamado Outono alemão, uma série de açõespromovidas pelos integrantes da Rote Armee Fraktion (RFA) ou ainda do grupo Baader-Meinhof, para libertar Andreas Baader e outros líderes da prisão. Por outro lado, a luta deFoucault (ao lado de Deleuze, Guatari e Sartre, por exemplo) para impedir a extradição para aAlemanha, de Klaus Croissant, o advogado da RFA, que havia se refugiado na França. Destaentrevista destaco, de início, a pergunta, a primeira pergunta, que lhe foi feita: “Você escreveua História da Loucura, da Clínica. Benjamin disse um dia, que nossa compreensão da históriaera a dos vencedores. Você escreve a história dos perdedores?”. A esta pergunta, Foucaultresponde: “Sim, eu gostaria muito de escrever a história dos vencidos (l’histoire des vaincus). Éum belo sonho que muitos partilham: dar enfim a palavra àqueles que, até o momento, nãopuderam tomá-la, àqueles que foram constrangidos ao silêncio pela história, por todos ossistemas de dominação e exploração”.

Em 1977, para os estudantes alemães engajados e/ou simpatizantes das ações radicais dosgrupos chamados “terroristas”, as histórias de Foucault eram imediatamente associadas àexortação de Walter Benjamin por uma escrita diferente da história e por uma posição ética,política e também epistemológica em relação ao papel e ao lugar da História. Estouinteiramente de acordo com a ideia de que Foucault apreciou o marxismo anti-dogmático deBenjamin e que ele poderia ter percebido, caso tivesse tido a possibilidade de aprofundar-semais ainda no pensamento de Benjamin, a “afinidade eletiva” que havia entre eles.

Segunda referência: em uma entrevista de 1978, bem antes, portanto, do último curso deFoucault no Collège de France, em uma entrevista significativamente intitulada “Metodologiapara o conhecimento do mundo: como se desembaraçar do marxismo”, Foucault afirma que“os partidos políticos tendem a ignorar estes movimentos sociais [os novos movimentos sociais,como os anti-psiquiatria, movimentos nas prisões, movimentos feministas, movimentos gays]e mesmo a enfraquecer sua força. Deste ponto de vista, sua importância é muito clara paramim. Todos eles se manifestam entre os intelectuais, os estudantes, os prisioneiros, no que sechama o lumpemproletariado”. Exaltação do “lupem”, a categoria criada por Marx e Engelspara criticar essa parcela do proletariado incapaz de assumir seu papel histórico de classe,parcela impulsiva, romântica, em última palavra, “boêmia”.

Ora, “A boêmia” é justamente o título da primeira parte do estudo inacabado de WalterBenjamin intitulado Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo. Aqui, WalterBenjamin afasta-se decididamente de Marx e Engels e faz o elogio da boêmia. Tomando comoreferência o famoso poema de As ores do mal de Baudelaire, intitulado “O vinho dostrapeiros”, ele vai se referir positivamente aos boêmios, encharcados de vinho e ópio nastavernas, bradando contra a monarquia de Luis Felipe e organizando as barricadas nas ruas deParis. Imbuídos do espírito da revolta, eles formam uma corja de malditos, nas quais se inclui opoeta, mesmo que ele seja, como Baudelaire, um burguês desiludido com sua própria classe.

O lumpemproletariado, que traz em seu próprio nome a marca de sua desqualificação,“proletariado em farrapos”, se transforma, tanto em Benjamin como em Foucault, noprotagonista da história. Assim, podemos reescrevê-la não mais como a história dosvencedores, mas como o quis Foucault, uma “história dos homens infames”, dos infames semglória, condenados à exclusão e ao silêncio.

Se, tanto para Benjamin como para Foucault, é impossível pensar, sem Marx, a tarefa dohistoriador, é preciso também para ambos que nos “desembaraçemos do marxismo” e dealgumas teses de Marx, para renovar o marxismo e reencontrar a radicalidade do próprioMarx.

Ernani Chavesé professor da Faculdade de Filosofia da UFPA e autor de Michel Foucault e a verdade cínica(Phi, 2013)

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2 Comentários Revista Cult Entrar

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Marcos Azeredo • 2 dias atrás

Foucault foi um filósofo muito atuante, mesmo não gostando de ser chamado de

estruturalista, no seu conteúdo ele era bastante original em seu pensamento.

Sendo francês, um país onde o saber é levado a sério, não como o Brasil onde a

educação é fraca nos baixos índices educacionais de vários governos ( os

Ciep's foram um bela tentantiva de elevar o nível educacional do país, com

Brizola e Darcy Ribeiro os idealizadores desta inovadora iniciativa no Brasil). O

interessante no pensamento de Foucault é quando ele fala na microfísica do

poder, onde é essencial o indivíduo fazer sua política particular no seu cotidiano,

influenciar no seu bairro, na sua vida em si. Ler este filósofo francês é

fundamental, um pensador múltiplo, de idéias fascinantes, influenciando

totalmente o século XX e ainda os tempos atuais.

• Responder •

José Expedito Dos Santos • 12 dias atrás

Porque ainda, já década e meia do século 21, o ser humano continua dividido

entre corpo e mente; rosto e do pescoço para baixo toda a existência e nuca a

dentro sua essência proporcionando subsistência àquela. Risível, talvez!

O que responderíamos às perguntas:

Por que Marx não era um "príncipe"?

Ou antes, ainda: por que Descartes não vivia aos "farrapos" do mundo?

Ou mesmo, "exorcendo": o que o Cristianismos tem a ver com isso tudo?

Obviamente, 'isso tudo', significa a aproximação dos termos 'unção' e 'união'.

Na 'unção' o corpo é redimido, desvestir-se-á dos farrapos para se beneficiar

dos poderes e imagem da "corte", ou em nossa língua, da "casa grande".

Na 'união' o corpo se torna sublime ou mera máquina de guerra, ora civil, ora

funcionário público.

Inexoravelmente - também, à semelhança do foco do texto da revista -

presenciamos a diferença entre Cristianismo e uma "prática de/em Cristo".

Religião então 'faz as escolhas para o indivíduo' na sociedade, quem vai mandar

e quem será mandado. Risível, bastante!

Porque é absurda a imagem de um ser humano sem cabeça ou de uma cabeça

pairando no ar, existe um interlúdio entre ambas supostas figuras quando, por

todo custo, se encontram; o tal chama-se boemia, ou vazio preenchido a toda

sorte de espetáculo.

Exatamente onde Foucault se encontra com Benjamim, afora as

particularidades, para entender e se rebelar, junto à classe romântica, contra

essa indiscutível fúria do mundo: captar/decapitar/recapitular.

E, finalmente, lembrando uma figura famosa "o mundo é grande prá caramba",

"quase ninguém" escapa, nem mesmo historiadores.

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