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Na trilha do Paraíba do Sul Quem conhece bem o rio sabe que ainda é possível salvá-lo, apesar de todas as agressões que o transformaram em um grande depósito de esgoto e ameaçam a sobrevivência de 15 milhões de pessoas REVISTA DA ALERJ Ano I - Número 01 - Dezembro de 2007

Revista da Alerj

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Revista da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro

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Page 1: Revista da Alerj

na trilhado Paraíbado sulQuem conhece bem o rio sabe que ainda é possível salvá-lo, apesar de todas as agressões que o transformaram em um grande depósito de esgoto e ameaçam a sobrevivência de 15 milhões de pessoas

reVista da alerJAno I - Número 01 - Dezembro de 2007

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REVISTA DA ALERJ �

neste número

na trilha doParaíba do sul

Foram quase três mil quilômetros percorridos em 16 dias de viagem; 10 horas de barco; 27 cidades visitadas; mais de 40 entrevistas. Tudo isso para traçar um perfil do rio que, com seus 1.150 quilômetros de extensão, corta todo o Estado do Rio de Janeiro. Da nascente, na Serra da Bocaina (SP), à foz, em São João da Barra (RJ), nossos repórteres esmiuçaram as origens e as conseqüências daquele que é o maior motivo de preocupação de todos: a poluição. Os dados são assustadores, mas, eles também encontraram razões para acreditar que o rio tem salvação.

Páginas 14 a 23

6 inClusÃoPrática de esportes evita que jovens sigam o caminho da criminalidade

10 entreVistaO milionário português Joe Berardo investe em arte e jardins no Rio de Janeiro

30 CulturaChega ao Brasil coleção de livros do Liberty Fund sobre filosofia e política

32 mídiaEscutas telefônicas e vazamento de informações dividem opiniões

24 ensaio / ataFona

27 oPiniÃo / adauto noVaes

34 Panorama

na trilhado Paraíbado sulQuem conhece bem o rio sabe que ainda é possível salvá-lo, apesar de todas as agressões que o transformaram em um grande depósito de esgoto e ameaçam a sobrevivência de 15 milhões de pessoas

reVista da alerJAno I - Número 01 - Dezembro de 2007

Page 4: Revista da Alerj

REVISTA DA ALERJ�

Presidente

Jorge Picciani

1ª Vice-presidente

Coronel Jairo

2º Vice-presidente

Gilberto Palmares

�º Vice-presidente

Pedro Fernandes Neto

�º Vice-presidente

Gerson Bergher

1ª Secretária

Graça Matos

2º Secretário

Zito

�º Secretário

Dica

�a Secretário

Fabio Silva

1a Suplente

Renata do Posto

2º Suplente

Armando José

�º Suplente

Pedro Augusto

�º Suplente

Edino Fonseca

REVISTA DA ALERJ Ano I - Nº 1Dezembro de 2007Publicação trimestral do Departamento de Comunicação Social da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro

Jornalista responsávelFernanda Pedrosa (MT-13511)Coordenação: Geiza RochaReportagem: Everton Silvalima, Luciana Ferreira e Fernanda PortoFotografia: Rafael WallaceDiagramação: SMPG/Daniel TiribaTelefones: (21) 2588-1383/1627 Fax: (21) 2588-1404Rua Primeiro de Março s/nº sala 406 CEP-20010-090 – Rio de Janeiro/RJEmail: [email protected]

Impressão: WalPrintTiragem: 3 mil exemplares

Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro

Nova IguaçuA Alerj está de parabéns em

lançar mais um instrumento de comunicação direta com a socie-dade. Já há alguns anos acompa-nho o jornal quinzenal produzido pela Casa e sempre elogio a qua-lidade das matérias e da edição, que enfocam o trabalho da Alerj e de suas comissões. A proposta da revista – de tratar com pro-fundidade assuntos diversos que interessem ao cidadão f luminense – será com certeza também uma rica fonte de inspiração para os próprios parlamentares. Espero muito ver nas páginas da RA a nossa Baixada Fluminense, região estigmatizada pela vio-lência e pela pobreza, mas onde existem jóias que a imprensa em geral não enfoca. Parabéns, deputado Jorge Picciani, por incentivar iniciativas assim. Quem ganha é o povo do Estado do Rio de Janeiro.

Lindberg FariasPrefeito de

Nova Iguaçu

Cartas

espero ver nas páginas da ra a nossa baixada Fluminense, região estigmatizada

pela violência e pela pobreza ”Lindberg Farias

Comando MilitarParabenizo a louvável iniciati-

va da Alerj que, respaldada pela competência do seu Departamento de Comunicação Social, fez acon-tecer o lançamento da REVISTA DA ALERJ. Cabe ressaltar que os temas abordados nesta nova publicação revelam a preocupa-ção da Assembléia em informar a população sobre os assuntos relevantes ocorridos no campo militar, social, psicossocial, polí-tico e econômico. É uma verdade, que não pode ser desprezada, o fato de que a cultura é o elemento

determinante da ci-dadania, é o que vai determinar a sobrevivência de um povo. Pe-

lo menos, é esta a conclusão que se

pode chegar quando se tem uma sociedade bem

informada. Saúdo a Alerj pela revista recém-nascida.

TC NunesAssessor parlamentar do Comando Militar

do Leste, Rio de Janeiro (RJ)

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REVISTA DA ALERJ 5

Jorge Piccianieditorial

N os últimos cinco anos, a Assembléia L e g i s l a -tiva do Estado

do Rio de Janeiro não tem medido esforços para aprimo-rar os seus meios de intera-ção com a sociedade. Seja através do relacionamento com a imprensa e com o cidadão, que pode con-tar com nossas centrais telefônicas 0800, seja in-vestindo em publicações próprias, nosso objeti-vo é um só: a busca da transparência. Procuramos mos-trar o que a Alerj faz e os canais de comunicação que existem pa-ra que o cidadão possa interagir com os depu-tados e com as comissões.

Este tem sido o principal foco de nossa divulgação, tanto no site (www.alerj.rj.gov.br), por meio de dados e notícias, como através da publicidade, que sempre é voltada para a prestação de serviços.

Ao apresentar nosso mais novo meio de comunica-ção – a REVISTA DA ALERJ – estamos assumindo o compromisso de aprofundar assuntos que influenciam direta ou indiretamente o trabalho legislativo, e de dar voz a especialistas e à população no debate de temas relevantes para o desenvolvimento do nosso estado.

Destaco a preocupação, desde o início, em cons-truir um meio de comunicação coerente, que ao

mesmo tempo que fale de preservação e respei-to ao meio ambiente, ao

abordar a vida das comunidades que vivem às margens do Rio Paraíba do

Sul, busque respei-tar estes princípios

e divulgar sua im-portância para nossas

futuras gerações. Por is-so mesmo, optamos pelo

uso do papel certificado, garantia de que a atividade

madeireira que deu origem a ele ocorre de maneira legal e não acarreta a destruição de f lorestas primárias, como a Amazônia.

Não nos furtamos também a refletir so-bre questões ligadas à atividade da mídia, como na matéria em que colocamos em debate o uso indiscriminado dos grampos e a privacidade do cidadão. Outro tema de destaque é a importância do esporte na abertura de novas perspectivas para os nossos jovens.

Vida longa ao nosso mais novo veículo que, espero, contribua para o debate aprofundado dos diversos aspectos que envolvem a vida do cidadão fluminense.

Ótima leitura!

Informação e coerência

Fabiano Veneza

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inClusÃo

D e que o esporte é capaz de mu-dar o destino das pessoas,

ninguém mais duvida no Brasil. Afinal, a origem humilde da maio-ria dos nossos heróis, especialmen-te no futebol, é prova definitiva de que é possível ir longe, mesmo pertencendo a uma classe que historicamente pouco avança no País. Mas, se o esporte muda a vida, ninguém mais tem dúvidas também de que é urgente mudar o esporte. Mudar a gestão. Reformar profundamente suas estruturas. Permitir que um número cada vez maior de crianças e jovens en-contre um caminho de realização pessoal e profissional, ampliando a visibilidade do talento brasileiro. Este é o desafio.

Aos 25 anos, o campeão de taekwondo Diogo Silva, primeiro dos 54 ouros do Brasil no festejado Pan Rio 2007, critica a falta de transparência na administração de recursos destinados ao esporte que abraçou ainda menino.

– Os atletas evoluíram muito

Salvos pelo ESPoRTE

Atletas campeões são exemplos de como é possível ultrapassar barreiras através da prática esportiva

celso de castro BarBosa

Dedicação da mãe, preocupada com a agressividade do filho, fez de Diogo Silva campeão de taekwondo

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Salvos pelo ESPoRTE

e os dirigentes pouco ou quase nada. Ainda têm a mentalidade de que o esporte é uma escada para alcançar interesses parti-culares – afirma.

Como em toda regra, abre uma exceção e é farto nos elogios ao vice-presidente técnico da Confe-deração Brasileira de Taekwondo, Marcelino Barros.

– Ele contornou todos os pro-blemas, que foram muitos. Evitou que as brigas internas atingissem os atletas e, no limite, pôs a mão no bolso e custeou a preparação de muitos de nós. É um herói.

Se os atletas são capazes de brilhar num ambiente hostil, é justo imaginar que este quase milagre não se repita apenas nos ringues, campos e quadras. Filho único da mãe solteira Estael Oliveira Silva, Diogo traz do berço o hábito de superar dificuldades. Que não foram poucas. E que determinaram sua personalidade, seu temperamento.

Mineira de Ilicínea, na região Sul do estado, 44 anos, Estael é desde sempre uma espécie de espelho para o novo ídolo brasi-leiro. De origem pobre, mas de uma época em que a pobreza não se confundia com a miséria, é filha de um carpinteiro e de uma faxineira. Criada em Poços de Caldas (MG), onde morou com a família num cortiço, aos 13 anos já trabalhava duro, como atendente de loja de doces ou empregada do-méstica, para ajudar nas despesas de casa. Nômade por natureza, Estael viveu a adolescência entre Minas e São Paulo. Por absoluta falta de recursos, estudou so-mente até o primeiro colegial e aprendeu o ofício de manicure. Em Campinas conheceu, aos 18 anos, um rapaz da mesma idade que servia o Exército.

– Sou mãe solteira por opção. Engravidei muito jovem, o pai também era muito jovem. Ele quis casar, não tentou fugir do

compromisso, mas recusei. Pensei que aquele era um compromisso para a vida inteira, mas eu ainda tinha a vida inteira para viver.

Quando Diogo nasceu, Estael não pestanejou. Tomou exclusiva-mente para si a tarefa de educá-lo. A ajuda de uma cliente do salão de beleza foi fundamental nos primeiros tempos. Conseguiu uma vaga para o menino numa creche mantida pela Igreja Católica, o que permitiu que a manicure traba-lhasse sem maiores sobressaltos.

Porém, muito cedo Diogo deu sinais que preocuparam, mas não desesperaram a mãe. Ele era muito agressivo e ela supunha que a ra-zão era a ausência do pai. Cansou de ir buscá-lo na escola e encontrá-lo separado das outras crianças, brincando sozinho. Segundo as professoras, a agressividade atra-palhava o desenvolvimento dos outros alunos. Uma psicóloga, que constatou o QI pouco acima da média do menino, sugeriu um exame neurológico. E como nada foi constatado, Estael intuiu que era preciso encontrar, inventar mesmo uma válvula de escape.

Natação. Futebol. Basquete. Taekwondo. Competitivo e dedi-cado, o futuro campeão passou a viver esporte em tempo integral. Diferentemente da escola, onde aprendia rápido, mas também se desinteressava rapidamente, o esporte confirmou a intuição da mãe. Diogo encontrou um cami-nho e se acalmou. Por conta das múltiplas atividades esportivas, as lesões eram freqüentes e ele se viu obrigado a optar. O taekwon-do, descoberto na adolescência, levou a melhor.

Nos Estados Unidos capitalista, a aposta foi na massificação. Somente a massificação depura a elite. Só haverá inclusão social por meio do esporte no Brasil quando se democratizarem as oportunidades

Bebeto de Freitas”

Marcelo Regua / Agência O Dia

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Tudo resolvido? Claro que não. Aos 16 anos, de volta à escola no período da manhã, obrigado a tra-balhar à noite e treinando à tarde, Diogo fez as contas e percebeu que não havia um mundo colorido à sua espera com os trocados que recebia no fim do mês. Não bas-tasse, a prosperidade de amigos envolvidos com o tráfico de drogas mexeu com sua cabeça.

– No Nóbrega, o bairro onde eu morava em Campinas, passa-mos a viver num ambiente que só conhecíamos da televisão. Guerra de facções, toque de recolher. Não foram poucos os convites que recebi para me tornar avião (na gíria do tráfico, a pessoa que leva a droga ao consumidor e o dinheiro ao traficante). Confesso que fiquei tentado. Afinal, meus amigos ganhavam muito mais em uma semana do que o meu salário mínimo do mês inteiro.

Dois fatores foram decisivos para Diogo recusar os convites. O número crescente de amigos e conhecidos que ficaram pelo caminho, mortos ou presos, e o que ele chama de sua base.

– Minha mãe.

Decidir entre o tráfico e o esporte é um dilema muito mais comum do que se imagina na vida dos atletas de origem humilde. Medalha de ouro no Pan-america-no Rio 2007, o campeão de caratê na categoria até 80 quilos, Juarez Silva dos Santos, carioca do Ma-racanã, 28 anos, também se viu nesta encruzilhada.

– Posso afirmar com certeza que fui salvo pelo esporte e pela religião. É muito triste ver um amigo, um cara que cresceu junto com você, ser preso ou mesmo morrer – conta Juarez, intensa-mente assediado por traficantes na adolescência e juventude em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, onde foi criado.

Filho de um copeiro aposen-

tado e de uma auxiliar de enfer-magem, ele nunca passou neces-sidade. Mas nada em sua vida foi fácil. Trabalhou como instrutor de vôlei de praia, assessor legislativo, comerciário. E, mesmo depois do ouro no Pan, voltou à rotina muito semelhante à de Diogo Silva. Am-bos sem patrocinador, eles têm intensa agenda diária, lotada de trabalho, treinos e estudos. Juarez e Diogo sabem que a carreira é curta e se preparam para o fu-turo em faculdades de Educação Física. E compartilham o mesmo sonho: o ouro olímpico.

Ouro que também embala os sonhos do jovem Carlos Lourenço, brasiliense de 22 anos, medalha de prata no caratê categoria até 65 quilos. Oriundo da classe média,

Espero que agora, com o sucesso do Brasil no Pan, as pessoas, as empresas decidam realmente apoiar o esporte, especialmente aqueles que não têm tanta visibilidade. É um retorno garantido

Carlos Lourenço

Vinícius, Juarez e Carlos Lourenço exibem na Vila olímpica da Mangueira as medalhas conquistadas nas lutas de caratê

Paulo Alvadia / Agência O Dia

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suas dificuldades não são menores que as dos atletas pobres. Também não tem patrocinador, mas conta com a ajuda dos pais, com quem vive na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, e uma dose de sorte. Por ter se destacado na academia onde treinava, ganhou uma bolsa de estudos. Sua rotina não é diferente da dos companheiros de pódio. Estuda Fisioterapia de manhã, dá aulas à tarde e treina à noite.

Ele começou no esporte aos seis anos, levado pelo pai, que o considerava muito levado. Deu certo. Com a medalha no peito, Lourenço é só otimismo.

– Espero que agora, com o sucesso do Brasil no Pan, as pessoas, as empresas decidam realmente apoiar o esporte, es-

pecialmente aqueles que não têm tanta visibilidade. É um retorno garantido – recomenda.

Embora as queixas dessa tur-ma do pódio sejam justas, não se deve perder de vista o fato de que esses atletas, mesmo sem patrocí-nio e com muitas dificuldades, já compõem a elite do esporte no Bra-sil. A observação é de um dirigente respeitado por botafoguenses e torcedores adversários.

Para Bebeto de Freitas, cario-ca, 57 anos, ex-atleta e presidente do Botafogo, o esporte só vai real-mente significar uma alternativa de vida para milhões de crianças, adolescentes e jovens brasileiros quando percorrer o caminho in-verso ao que abraçou.

– Estamos agindo como Cuba,

que, apesar de ser um país socia-lista, apostou na elitização do es-porte. Neste modelo, só se trabalha com os melhores, em detrimento da esmagadora maioria. Nos Es-tados Unidos capitalista, a aposta foi na massificação. Somente a massificação depura a elite – en-sina Bebeto, para quem só haverá inclusão social por meio do esporte no Brasil quando se democratiza-rem as oportunidades.

Opinião compartilhada por uma heroína do basquete brasileiro.

– É preciso levar o esporte para as escolas – defende Hortên-cia Maria de Fátima Marcari, ou Hortência, simplesmente.

Paulista de Potirendaba, 48 anos, ela conquistou tudo. Foi medalha de ouro no Pan-ame-ricano de Havana, em 1991, campeã do mundo em 1994, na Austrália, entre centenas de vitórias que marcaram sua car-reira. Mais experiente e menos pessimista que os novos heróis brasileiros, ela lembra que, da época em que atuou para cá, muita coisa melhorou. Mas não espera soluções milagrosas.

– Os atletas brasileiros preci-sam se unir – aconselha.

Comissão Permanente de Esporte e Lazer

Presidente: Roberto Dinamite (PMDB)Vice-presidente: Tucalo (PSC)Membros efetivos: Chiquinho da Mangueira (PMDB), Rodrigo Neves (PT), Pedro Paulo (PSDB)Membros suplentes: Ronaldo Medeiros (PSB), Sula do Carmo (PMDB), Dr. Alcides Rolim (PT), Marco Figueiredo (PSC)

Telefone: (21) 25��-1�0�

Juarez dos Santos também teve que enfrentar o dilema de escolher entre o esporte e o tráfico de drogas

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Fernanda PedrosaentreVistaJOE BERARDO D e família pobre, ele saiu da Ilha da Madeira em

1962, aos 18 anos de idade, para fazer fortuna na África do Sul. Enriqueceu aproveitando os resíduos das minas de ouro abandonadas.

Diversificou os negócios, investiu em diamantes, exploração de petróleo e gás. Hoje, tem participações na Portugal Telecom e no grupo de investimentos BCP Millenium, além de ser dono da vinícola que produz o famoso vinho Quinta da Bacalhôa. Condecorado pelo Governo português com a Ordem do Infante D. Henrique no grau de comendador, José Manuel Rodrigues Berardo – ou simplesmente Joe Berardo –, 63 anos, diverte-se fazendo negócios e aplicando parte da sua fortuna, estimada em 500 milhões de euros, em coleções de arte e na preservação da natureza. Possui uma das maiores coleções do mundo de obras do século XX, transformada este ano no Museu Coleção Berardo de Arte Moderna e Contemporânea, em Lisboa. Assim como fez em Portugal, onde criou jardins exóticos abertos ao público na Ilha da Madeira e na capital, ele quer investir também no Sítio Burle Marx, em Guaratiba (RJ), e criar museus de arte popular e art-déco no Estado do Rio de Janeiro. Joe Berado deu entrevista à RA na piscina do Copacabana Palace, horas antes de receber a Medalha Tiradentes, principal comenda do estado.

“Precisamos ajudar o povo culturalmente”

Como surgiu sua ligação com o Brasil?Tenho três irmãos que vieram para São Paulo há mais de 30 anos. Sou o mais novo da família e sempre vim ao Brasil para visitá-los, por-tanto, vinha somente a passeio.

Por que resolveu investir em arte e na preservação da na-tureza no Brasil?A primeira ligação cultural que eu tive com o Brasil foi em Ouro Pre-to (MG). Sou amante de jardins, tenho diversos jardins abertos ao público, e fui a Minas visitar os jardins de Bernardo Paz, perto de Belo Horizonte, um dos melhores do mundo. De lá fomos a Ouro Preto, onde visitei a Igreja de São Francisco de Assis, do Aleijadi-nho, e o prefeito (Ângelo Oswal-do) me disse que os sinos há mui-to tempo não tocavam. Um havia caído e o outro estava quebrado. Minha mãe, Ana Berardo, era muito católica, ia à missa todos os dias, então mandei consertar os sinos em homenagem a ela. Por-tanto, minha mãe está nos sinos da igreja do Aleijadinho, uma coi-sa fantástica que eu nunca mais vou esquecer. Esta foi minha pri-meira experiência cultural no Bra-

sil. E eu faço isso por quê? Porque o Brasil, incontestavelmente, foi a terra que melhor recebeu os por-tugueses, desde o tempo do des-cobrimento até agora. Acho que é um dever meu, como português, agradecer a esta nação tão fan-tástica, que nos recebeu nas boas horas e nas horas de amargura.

o sr. vai criar o Museu da Car-ranca, com a coleção do pro-

fessor Paulo José Pardal. Por que esse interesse?Em uma de minhas viagens ao Brasil, conheci Romaric Büel (curador e colecionador de arte) e ele falou-me de uma coleção de carrancas do Rio São Francisco, uma raridade que ia ser vendida e dispersada. Essa coleção des-pertou-me atenção porque, na Europa, as embarcações tinham na frente esculturas de mulheres

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bonitas, sorrindo, e aqui as car-rancas são caras feias, para afu-gentar os males do mar. Portanto, é uma coisa muito diferente da que eu estava acostumado a ver. Então, adquiri a coleção dos her-deiros. O professor Pardal guarda-va essa coleção na casa dele, no município de Casimiro de Abreu (RJ), onde ela vai permanecer.

o sr. também comprou uma

coleção de esculturas de Chi-co Tabibuia, um artista popu-lar de Barra de São João (RJ), que morreu recentemente.Tabibuia era analfabeto, mas fez um trabalho extraordinário, com uma herança forte do encontro da África com o Brasil. São várias es-culturas, algumas monumentais. É uma obra muito importante, que tinha que ser salva, então, comprei todo o acervo para man-

tê-lo na região. Lá existem muitas casas coloniais, que representam uma continuidade da presença dos portugueses.

o sr. tem interesse em inves-tir no Sítio Burle Marx, em Guaratiba (RJ). o que imagi-na fazer lá?O sítio é uma fundação. Como fiz em Portugal uma parceria com o Governo português para a cria-ção do maior museu de Portugal, pensei que talvez pudesse fazer o mesmo aqui. O sítio está bem cui-dado, mas a direção tem muitas li-mitações administrativas. Se hou-vesse a possibilidade de fazer uma parceria com a minha fundação, poderíamos expor obras de grande porte nos jardins e construir um teleférico, como fizemos na Ilha da Madeira, para que a maioria dos visitantes possa ver os jardins de cima. Ainda aguardamos também uma decisão dos militares, que são donos de uma área de 400 mil metros quadrados que poderia ser incorporada ao sítio.

o sr. tem negócios aqui?Não, nem estou interessado.

Como começou sua coleção de

Se não fizer negócios, não posso ser mecenas; uma coisa não é possível sem a outra. Acho que isso pode servir de exemplo para outros homens de negócios, que deveriam dedicar mais dos seus fundos para contribuir também para a arte

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arte? Qual foi a primeira obra de arte que o sr. olhou e quis ter na sua casa? Aos 10 anos de idade, comecei a colecionar selos, caixas de fósfo-ros e cartões de navios. Por que colecionar? Para preservar a his-tória. Às vezes, uma peça sozinha não tem valor, mas colocada jun-to a outras faz uma história e fica mais fácil compreender a evolu-ção. Fui para a África do Sul com 18 anos, trabalhei muito e, aos 29, casei-me. Antes do casamen-to, fomos comprar mobília para a casa e gostei de um quadro que estava na parede da loja. Chegan-do à casa, percebi que o quadro era uma reprodução. Fiquei dana-do! Minha mulher, então, alertou-me: “Se quiseres o quadro original terás que ir ao Louvre”, disse ela. O quadro era a Mona Lisa (risos). Ainda tenho esse quadro, porque foi o princípio. Hoje, como um dos maiores colecionadores de arte contemporânea do mundo, ainda estou sujeito a cometer enganos. A única maneira de a pessoa não se enganar é não fazer nada.

o sr. começou a fazer fortuna na África e costuma dizer que a civilização africana contri-

buiu muito também para o seu desenvolvimento espiri-tual. Como foi isso?Sou fascinado pela arte africana. Gostaria de saber como, em re-giões onde não há televisão nem eletricidade, onde não existem livros nem comunicação com o resto do mundo, eles fazem traba-lhos fantásticos de cultura? Deve haver alguma ligação com Deus. Mas, que deus? Ninguém sabe bem a história, mas há no Zim-bábue ruínas que são considera-das incas. Tenho também uma grande coleção de esculturas do Mali, com mais de 1.500 anos, que

ainda não foi exposta. Como eles conseguiram levar aquelas escul-turas gigantescas para lá, sem transportes, sem estradas?

o sr. criou um jardim com plantas e esculturas de várias regiões do mundo, na Ilha da Madeira, e agora está cons-truindo um jardim com budas gigantes?Sim, fica em Óbidos, perto de Lis-boa. Quando os talibãs destruí-ram aqueles budas milenares no Afeganistão, tive a idéia de fazer o Jardim da Paz, afinal, no meio de tanta intolerância, os budas

Hoje, como um dos maiores colecionadores de arte contemporânea do mundo, ainda estou sujeito a cometer enganos. A única maneira de a pessoa não se enganar é não fazer nada

Page 13: Revista da Alerj

representam a paz. Temos budas gigantes, de até 21 metros de al-tura, outros de cinco metros, to-dos trazidos da China.

Quando inaugurou o Museu Berardo, em Lisboa, o sr. disse que daria ingressos gratuitos para funcionários públicos e sócios de clubes da primeira divisão. Por que escolheu es-ses dois segmentos?Comecei inicialmente com essa idéia, mas depois decidi abrir gratuitamente. Foi fantástico ver a visitação de estudantes, de fa-mílias inteiras que nunca tinham

entrado em um museu. De junho a setembro, mais de um milhão de pessoas visitaram o museu. É uma marca inédita em Portugal. Precisamos ajudar culturalmente o povo. Se o mundo quer ajudar as populações em dificuldades não pode deixar de apoiar e expor a cultura. Uma maneira de impedir o desenvolvimento da população é acabar com a cultura, como tentou fazer a China. A China está agora a desenvolver e a comprar em todo o mundo o passado da sua cultura – e numa velocidade fenomenal. Felizmente aqui no Brasil vemos um esforço dos políticos de dar prioridade também à cultura.

o sr. gosta de política? Pode-ria vir a se candidatar a al-gum cargo eletivo? Não. Na verdade, nunca tinha votado na minha vida, só recen-temente, para eleger o presidente da Madeira. Em Portugal o voto não é obrigatório.

o sr. prefere ser conhecido como empresário bem-suce-dido, um sef-made man, ou como mecenas das artes?Acho que não posso fugir de ne-nhum dos dois. Se não fizer negó-

cios, não posso ser mecenas; uma coisa não é possível sem a outra. Acho que isso pode servir de exemplo para outros homens de negócios, que deveriam dedicar mais dos seus fundos para contri-buir também para a arte. Se nós quisermos ter um ponto de refe-rência da humanidade, este será sempre relacionado com a arte e a cultura. É por isso que a minha coleção é relacionada com o sécu-lo XX. Temos 113 movimentos re-presentados. Muitos museus têm vários Picassos, vários Mondrians, mas não têm uma coleção como a minha, que foi programada desde o primeiro dia com a intenção de deixar uma representação do que aconteceu no século XX.

o sr. costuma dizer que não pensa em se aposentar, só quando morrer, “se morrer”.É verdade. A única maneira de con-tinuar a trabalhar pela cultura é con-tinuar a trabalhar também nos ne-gócios. Num jantar na casa da dona Lily Marinho, notei que ela mantém tudo exatamente como se Roberto fosse chegar a qualquer momen-to. Então, o que é morrer? Não sei bem... Morrer é para aqueles que não fazem nada pela cultura.

REVISTA DA ALERJ 1�

Por que colecionar? Para preservar a história. Às vezes, uma peça sozinha não tem valor, mas colocada junto a outras faz uma história e fica mais fácil compreender a evolução

Page 14: Revista da Alerj

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texto romildo guerrante

Fotos raFael Wallace

Paraíba do sul

Um rio muitas histórias

Q uem olha de frente a imensa boca de 600 metros que o Rio Paraíba do Sul abre ao encontro do mar no delta de São João da Barra, na região

Norte fluminense, não pode imaginar que aquele co-losso de águas venha de um fiozinho gelado que brota, com o nome de Paraitinga, num tufo de vegetação da Fazenda da Lagoa, a 1.820 metros de altitude, na Serra da Bocaina, divisa dos municípios de Silveiras e Areias, Estado de São Paulo.

Na serra em que nasce, próximo ao Pico da Boa Vis-ta, o rio já enfrenta um cenário devastado. Das grandes florestas da Mata Atlântica, restam alguns vestígios aqui e ali, entremeados por plantações de eucalipto, proibidas por legislação ambiental, mas que florescem

diante da quase absoluta ausência de fiscalização. Até o final de seu curso, 1.150 quilômetros abaixo, também não se fiscalizam as muitas agressões que ameaçam condenar o rio à morte: desmatamento, mineração de areia, pesca predatória, esgotos sem tratamento, lixo, acidentes ambientais.

O Rio é límpido da nascente até Paraibuna, 200 qui-lômetros abaixo, onde foi represado na década de 70. A partir daí passa a chamar-se Paraíba do Sul. Ao entrar na zona industrial mais rica do País, logo abaixo da re-presa da Companhia Energética de São Paulo (Cesp) – a primeira de uma série de cinco –, o rio muda de cara, de cor, de conteúdo. Depois do chamado Cotovelo de Gua-rarema, quando o rio encontra os contrafortes da Serra da Mantiqueira e faz uma curva de 180 graus, tomando a direção do Rio de Janeiro, desaparecem os peixes

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REVISTA DA ALERJ 15

– principalmente a piabanha e o dourado, espécies em extinção – e sobrevivem apenas algumas espécies de quase nenhum valor comercial, como o mandi.

Sem peixes, estão sumindo também os pesca-dores. Grandes espécimes, só quando o rio se apro-xima da foz, depois de uma seqüência saudável de encachoeiramentos, responsáveis por intensa oxige-nação de suas águas. A degradação consentida está bebendo lentamente as águas do Paraíba, que ainda assim permite a vida de 15 milhões de pessoas em três estados, e abastece o País com energia elétrica extraída de represamentos que roubam sua saúde, criam barreiras instransponíveis para os peixes de piracema, facilitam o acúmulo de sedimentos e a proliferação de algas danosas.

Mas o rio tem salvação, concordam ambientalistas,

biólogos, engenheiros sanitaristas, pescadores. Desde que haja vontade dos governos de controlar principal-mente o esgoto doméstico, responsável por 90% da carga poluente despejada sem tratamento em milhares de pontos ao longo do seu curso. Cerca de um bilhão de litros de esgoto são lançados diariamente na bacia do Paraíba do Sul, mas o tratamento é feito em apenas 10% dos 180 municípios. A cobrança pelo uso de suas águas, promessa de recursos para redimi-lo, começou há quatro anos, depois de discutida durante 40. O to-tal arrecadado até 2006, acrescido de contrapartidas dos projetos e injeção de recursos federais, alcança aproximadamente R$ 68 milhões, segundo dados da Agência Nacional de Águas (ANA). Estima-se que seja necessário investir R$ 3 bilhões para vencer os problemas somados em quatro séculos.

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Pindamonhangaba, na região central do Vale do Paraíba paulis-ta, tem 140 mil habitantes, trata 100% de seu esgoto. Quarenta quilômetros abaixo, Aparecida do Norte (SP), meca de peregrinos, 36 mil habitantes (aos quais se so-mam 170 mil nos fins de semana), não trata um só litro de esgoto. E o que é pior, o lançamento se faz numa imensa boca fétida 20 me-tros acima do ponto de captação da água que se bebe na cidade.

– Mas a água é boa – garante, reservadamente, um engenheiro do serviço municipal de água e esgoto, que admite custos eleva-dos no tratamento químico para permitir transformar em potável a água cheia de dejetos que sobe para a estação de tratamento.

O rio ali está tão assoreado que, por ocasião das festas da cidade, em outubro, os organiza-dores têm de pedir à Cesp que abra as comportas da represa de Paraibuna para elevar o nível das águas e permitir a passagem da procissão dos pescadores.

Existem projetos para a cons-trução de quatro estações de tratamento de esgoto, a um custo de R$ 8 milhões. Por enquanto, a agência que administra a Bacia do Paraíba (Agevap) adiantou cerca de R$ 200 mil.

– Dá no máximo para comprar o terreno e fazer o projeto – diz o

engenheiro sanitarista Nathan Ba-rile Neves, diretor do Laboratório Ambiental de Resende, que estuda o Paraíba há mais de 30 anos. – No geral – diz ele – as cidades servidas pela Sabesp (a companhia estadu-al paulista de saneamento, caso de Pindamonhangaba) chegam a tratar até 80% do esgoto. Mas os serviços municipais, que têm menos recursos, tratam em torno de 5%. Há bons exemplos de mu-dança, como o de Resende, região do Médio Paraíba, que hoje trata

apenas 8% de seus esgotos, mas está construindo, com recursos da cobrança da água, uma estação de tratamento que elevará o volume tratado para 58%.

Enquanto no Estado de São Paulo a média de esgoto tratado antes do lançamento está em 40%, no Estado do Rio de Janeiro tratamento é quase igual a zero. O que salva as águas do Paraíba, alerta o ambientalista Guilher-me de Souza, da ONG Projeto Piabanha, de Itaocara (Noroeste fluminense), é a longa seqüência de corredeiras e encachoeira-mentos, responsáveis por intensa oxigenação da água, além da bai-xa densidade populacional, que limita o volume de esgoto. O que não salva o trecho do Paraíba que cruza Cambuci, 20 quilômetros abaixo, onde o esgoto do hospital da cidade é despejado um pouco antes do ponto de captação da água que bebe a população de 15 mil habitantes.

– É o esgoto que está ma-tando o rio – diz Joaci Ferreira Gonçalves, 50 anos, presidente da

Esgoto, o grande vilão

em aparecida, onde não existe tratamento de esgoto, João Fernandes levou duas horas no meio da capituva para conseguir três lambaris de duas polegadas

o engenheiro sanitarista Nathan Neves estuda o Paraíba há mais de �0 anos

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Colônia de Pesca de São Fidélis, (Noroeste fluminense).

– O esgoto representa 90% dos problemas de poluição do Paraíba – garante Ana Celina Tibúrcio, monitora de educação ambiental da ONG Vale Verde, de São José dos Campos (SP).

O trecho de Itaocara a São Fidélis, de 90 quilômetros, é um paraíso piscoso em relação ao cur-so inteiro do rio. Situado abaixo do trecho rochoso e encachoeirado que começa em Além Paraíba, tem um conjunto de ilhas com muita vegetação de mata ciliar, responsável por boa parte da alimentação da fauna.

Embora tenha recebido em 2003, através do afluente Pomba, grande descarga tóxica de soda cáustica em acidente ambiental ocorrido na Cataguases Celulose, em Minas Gerais, o rio salvou-se pouco tempo depois porque o agente causador não tem ca-racterísticas de remanescência, diluindo-se ao encontro do mar. Mas o estrago foi grande.

– Eu vi as lagostas e os ca-ximbaus (cascudos) tentando fugir desesperados pela beira do rio – conta o pescador Luiz Carlos

Damasceno, de São Fidélis, on-de a lagosta local, uma espécie de pitu de grandes dimensões, desapareceu das gaiolas dos pescadores durante dois anos. Quando reapareceu, tinha algu-mas gramas a menos

Mas a pesca foi proibida em 2004 e a proibição vigora até 2009. Por desinformação ou má-fé, muitos pescadores com suas gaiolas foram vistos ao longo do rio pescando lagostas. Não há fiscalização.

– O Ibama apreendeu 200 gaiolas de lagosta recentemente, mas não é sempre que isso acon-tece – conta Lulu Assunção, guia de turismo que promove passeios de barco entre São Fidélis e São João da Barra.

Em Campos, surge outro com-ponente ainda mais danoso que o esgoto, o vinhoto, subproduto do processamento da cana-de-açú-car. Nos fundos da Usina Santa Cruz, a 15 quilômetros do centro

da cidade, duas imensas bocas entornam o caldo pardacento que é veneno mortal para os peixes.

É crítico o assoreamento neste trecho. E as águas rasas dificul-tam a subida dos peixes de mar para a desova. Tainhas e robalos têm grande dificuldade de chegar até a Cachoeira do Salto, em São Fidélis, onde se reproduzem. Joaci Gonçalves, pescador há mais de 50 anos, diz que os pescadores de São João da Barra estão cercando a boca do rio e impedindo a su-bida dos peixes. Os pescadores da foz do rio confirmam: “Se não tem peixe no Rio, temos de pegar no mar”, diz o pescador Francisco Rodrigues Filho, de Atafona.

– Não, o Paraíba tem salvação. É só pedir desculpa pelo estrago e mudar de atitude – diz o enge-nheiro sanitarista Nathan Neves. – Temos de montar uma comissão multidisciplinar de técnicos para esboçar uma série de ações com prazo determinado – afirma.

Por desinformação ou má-fé, muitos pescadores com suas gaiolas foram vistos ao longo do rio pescando lagostas. não há fiscalização

Ninhal das Garças, em Itaocara, a parte mais saudável e piscosa do rio, vai sumir sob as águas de uma hidrelétrica

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Aparecida

ParaíbunaSanta Branca

Jacareí

Pindamonhagaba

Potim

Silveiras

Areias

Itatiaia

Resende

Barra Mansa

Barra do Piraí

Na divisa dos municípios de Silveiras e Areias (SP), no alto da Serra da Bocaina, o fio d`água que dá origem ao Paraíba

Exploração de eucalipto em Silveiras (SP), a 40 quilômetros da nascente, dentro de área protegida pelo Ibama

Em Barra Mansa (RJ), junto à Via Dutra, draga de extração de areia no leito do rio

Estação de tratamento de água de Resende (RJ), onde apenas 8% do esgoto é tratado antes de ser lançado nas águas do Paraíba SP

MG

Rio Paraibuna

Rio Paraitinga

São José dos Campos

Na represa da Companhia Hidroelétrica São Patrício (Chesp), onde se juntam o Paraitinga e o Paraibuna, o rio toma o nome de Paraíba do Sul

Guararema

Queluz

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Três Rios

No Pontal, onde Virgínia Médici hospeda aventureiros e promove canoagem nas cachoeiras, três rios se encontram – Paraíba, Paraibuna e Piabanha –, formando o único delta triplo conhecido do mundo

Os móveis maltratados que compõem a inusitada sala de estar numa ilhota de pedra, em São Fidélis, foram resgatados do lixo que é jogado diariamente na beira do rio. A televisão, que também iria parar no lixo, foi doada por um amigo. Assim Luiz Carlos Damasceno, pescador, 42 anos, montou no início da seca de 2007 o cenário de uma casa, que tem até churrasqueira e barraca de praia, no que seria um protesto, dizem alguns, contra a sujeira que toma conta de tudo e compromete a saúde do rio que lhe garante a sobrevivência. Outros dizem que o protesto é contra a paralisação das obras da ponte rodoviária da cidade, interrompidas no fim do ano, e sob a qual se instalou a sala de reciclados do bem-humorado pescador

Vassouras

Paraíba do Sul

Moura Brasil SapucaiaAlém Paraíba

Cambuci

Itaocara

Campos dos Goytacazes

Atafona

Boca de lançamento de vinhoto in natura nas imediações de Campos

Pelas águas do Paraíba não circulam apenas embarcações, mas também móveis

descartados que seguem rumo ao mar

São Fidélis

RJ

ES

O estrago que a erosão faz nas barrancas desmatadas

São João da Barra

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A pele é vermelha, torrada pelo sol a que se ex-põe permanentemente no campo, sua paixão. Aos 53 anos, Antonio Paulo de Paiva, o Toninho, leva uma vida que é o sonho de muita gente cansada da agitação das grandes cidades. Há 10 anos, esse pecuarista, fluminense de Quatis, mudou-se para Silveiras (SP), acompanhando a mulher, a médica pediatra Vilma.

Com os filhos já crescidos e morando na cidade grande, arrendou uma fazenda e retomou o trabalho na pecuária de leite. A coisa não deu muito certo e, pouco tempo depois, resolveu criar cavalos mestiços. Fascinado com a beleza da região onde nasce o Rio Paraíba, Toninho começou a guiar turistas interes-sados em conhecer a nascente do Paraíba e as trilhas dos tropeiros que por ali passaram no século XVII, em busca do ouro, em direção a Minas Gerais.

– O número de turistas foi aumentando, principal-mente durante uma festa tradicional de comemoração tropeira, realizada na cidade em agosto, quando o Casarão Tropeiro, antiga pousada dos viajantes do século XVIII, recebe centenas de visitantes atraí-dos pela culinária rústica criada pelos homens que acompanhavam as mulas com suas cangalhas e jacás através da Serra do Mar – conta ele.

A festa atrai cada vez mais gente e tem intensa pro-gramação, inclusive uma corrida de mulas, homenagem aos animais que permitiram ao homem ocupar a região. É a corrida ForMula, que Toninho nunca perde.

Toninho, o pecuaristaque virou guia da nascente

Dos mais de 300 piraquaras que viviam na co-munidade de Beira-Rio, em São José dos Campos, hoje restam pouco mais de 20. O fim da piabanha, do dourado, da traíra e do lambari, de 20 anos para cá, está condenando o grupamento à morte. Hoje só restam uns poucos mandis, sem nenhum interesse comercial.

– A poluição matou tudo. Botaram alguma quí-mica – suspeita Alziro Ramos, 75 anos, 14 filhos e 62 netos, pescador desde criança. – Não tem fiscalização aqui, quem corre o Paraíba é nós, e nós não vemos ninguém do governo por aqui – diz o velho pesca-dor à sombra de um exótico pessegueiro japonês, nos fundos da casinha paupérrima em que vive às custas de pensão do INSS. Uma horta comunitária ajuda os remanescentes a sobreviver. A escola de ensino fundamental funciona ao lado, montada sob um galpão de lona. Um pouco acima da colônia, uma sucessão de obras de condomínios de luxo devasta a vegetação ciliar e desmonta com dragas as margens do rio.

A colônia tinha 1.200 pescadores em 1951; hoje eles não passam de 300. Os pescadores culpam as empresas de extração de areia, “todas legalizadas”, pelos maiores danos ao rio. Os sobreviventes da pesca estão se mantendo com os quatro salários que recebem do Governo federal durante o período da desova, de novembro a fevereiro. E a pesca, uma tradição que passava de pai para filho, deixou de ser atraente.

Alziro Ramos: pescadores são fiscais do Paraíba

Nino tem 36 anos, pesca desde criança, nasceu e vive num paraíso, a Ilha Capixete, em frente à cidade de Itaocara. Ninguém o conhece pelo nome, Winer Vieira Alves, mas é um faz-tudo que vem há anos montando uma estrutura modesta de turismo na ilha, aonde chega através de um canal de 50 metros de largura pilotando o barco que construiu.

A felicidade de Nino está perto do fim, porque bem ali todo o arquipélago vai ser engolfado pelas águas represadas da usina Barra do Pombo. A con-cessão da licença ambiental espalhou o desânimo entre os pescadores da área mais rica em vegetação e fauna aquática de todo o rio.

– Uma coisa está ligada à outra. Aqui tem peixe porque tem corredeira nas cabeceiras e tem muita vegetação. O peixe se alimenta dos sedimentos que essa vegetação deposita no rio – explica Nino, que retira semanalmente do rio entre 80 e 100 quilos de dourados, carpas, bagres e cascudos.

Enquanto conversa, Nino aguarda a chegada de outros colegas que saíram de madrugada para recolher as redes. Daí a pouco chegam Sidnei Paulo de Souza e Ronaldo Ribeiro Monteiro, ambos de 29 anos, com o barco carregado de cascudos e um solitário exemplar de dourado de cinco quilos, hoje o peixe mais nobre do Paraíba. Nino não consegue entender por que a prefeitura apóia a construção da hidrelétrica, já que a pesca e o turismo podem render muito mais, garante.

Nino dá adeus ao arquipélago que vai submergir

O biólogo Guilherme de Souza é presidente da mais importante das ONGs que atuam em defesa do Rio Paraíba do Sul, o Projeto Piabanha. Desde 1991, ele está à frente do maior programa de repeixamento do rio, em parceria com a Pesagro, a empresa estadual de pesquisas agrícolas. É um dos muitos conhecedores que atribuem às hidrelétricas (cinco em operação, duas em projeto, uma em obra) a responsabilidade pela redução das espécies de peixes.

– O represamento está transformando o Paraíba em uma seqüência de grandes tanques, em vários comparti-mentos que isolam a comunicação da fauna e impedem a troca de material genético – garante Guilherme.

Ele diz que a eutrofização, processo de multiplicação de microorganismos nos lagos das barragens, alimenta as algas nocivas, especialmente a capituva, que está tomando o trecho médio superior do rio. Guilherme teme também o que considera uma ameaça ainda maior, que estaria nos dois projetos de hidrelétricas logo abaixo de Itaocara, na barra do Rio Pomba e em Cambuci, 20 quilômetros abaixo. O primeiro irá inundar o maior conjunto de ilhas da bacia, de exuberante vegetação, o chamado Ninhal das Garças, berçário de aves e local de grande piscosidade. E nem mesmo a garantia de que serão feitas escadas para os peixes de piracema tranqüiliza o presidente do Projeto Piabanha.

– Aqui perto mesmo, em Além Paraíba, só as espécies exóticas conseguem subir a escada – afirma Guilherme.

Biólogo: hidrelétricasdividem o rio emcompartimentos

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A pele é vermelha, torrada pelo sol a que se ex-põe permanentemente no campo, sua paixão. Aos 53 anos, Antonio Paulo de Paiva, o Toninho, leva uma vida que é o sonho de muita gente cansada da agitação das grandes cidades. Há 10 anos, esse pecuarista, fluminense de Quatis, mudou-se para Silveiras (SP), acompanhando a mulher, a médica pediatra Vilma.

Com os filhos já crescidos e morando na cidade grande, arrendou uma fazenda e retomou o trabalho na pecuária de leite. A coisa não deu muito certo e, pouco tempo depois, resolveu criar cavalos mestiços. Fascinado com a beleza da região onde nasce o Rio Paraíba, Toninho começou a guiar turistas interes-sados em conhecer a nascente do Paraíba e as trilhas dos tropeiros que por ali passaram no século XVII, em busca do ouro, em direção a Minas Gerais.

– O número de turistas foi aumentando, principal-mente durante uma festa tradicional de comemoração tropeira, realizada na cidade em agosto, quando o Casarão Tropeiro, antiga pousada dos viajantes do século XVIII, recebe centenas de visitantes atraí-dos pela culinária rústica criada pelos homens que acompanhavam as mulas com suas cangalhas e jacás através da Serra do Mar – conta ele.

A festa atrai cada vez mais gente e tem intensa pro-gramação, inclusive uma corrida de mulas, homenagem aos animais que permitiram ao homem ocupar a região. É a corrida ForMula, que Toninho nunca perde.

Toninho, o pecuaristaque virou guia da nascente

Dos mais de 300 piraquaras que viviam na co-munidade de Beira-Rio, em São José dos Campos, hoje restam pouco mais de 20. O fim da piabanha, do dourado, da traíra e do lambari, de 20 anos para cá, está condenando o grupamento à morte. Hoje só restam uns poucos mandis, sem nenhum interesse comercial.

– A poluição matou tudo. Botaram alguma quí-mica – suspeita Alziro Ramos, 75 anos, 14 filhos e 62 netos, pescador desde criança. – Não tem fiscalização aqui, quem corre o Paraíba é nós, e nós não vemos ninguém do governo por aqui – diz o velho pesca-dor à sombra de um exótico pessegueiro japonês, nos fundos da casinha paupérrima em que vive às custas de pensão do INSS. Uma horta comunitária ajuda os remanescentes a sobreviver. A escola de ensino fundamental funciona ao lado, montada sob um galpão de lona. Um pouco acima da colônia, uma sucessão de obras de condomínios de luxo devasta a vegetação ciliar e desmonta com dragas as margens do rio.

A colônia tinha 1.200 pescadores em 1951; hoje eles não passam de 300. Os pescadores culpam as empresas de extração de areia, “todas legalizadas”, pelos maiores danos ao rio. Os sobreviventes da pesca estão se mantendo com os quatro salários que recebem do Governo federal durante o período da desova, de novembro a fevereiro. E a pesca, uma tradição que passava de pai para filho, deixou de ser atraente.

Alziro Ramos: pescadores são fiscais do Paraíba

Nino tem 36 anos, pesca desde criança, nasceu e vive num paraíso, a Ilha Capixete, em frente à cidade de Itaocara. Ninguém o conhece pelo nome, Winer Vieira Alves, mas é um faz-tudo que vem há anos montando uma estrutura modesta de turismo na ilha, aonde chega através de um canal de 50 metros de largura pilotando o barco que construiu.

A felicidade de Nino está perto do fim, porque bem ali todo o arquipélago vai ser engolfado pelas águas represadas da usina Barra do Pombo. A con-cessão da licença ambiental espalhou o desânimo entre os pescadores da área mais rica em vegetação e fauna aquática de todo o rio.

– Uma coisa está ligada à outra. Aqui tem peixe porque tem corredeira nas cabeceiras e tem muita vegetação. O peixe se alimenta dos sedimentos que essa vegetação deposita no rio – explica Nino, que retira semanalmente do rio entre 80 e 100 quilos de dourados, carpas, bagres e cascudos.

Enquanto conversa, Nino aguarda a chegada de outros colegas que saíram de madrugada para recolher as redes. Daí a pouco chegam Sidnei Paulo de Souza e Ronaldo Ribeiro Monteiro, ambos de 29 anos, com o barco carregado de cascudos e um solitário exemplar de dourado de cinco quilos, hoje o peixe mais nobre do Paraíba. Nino não consegue entender por que a prefeitura apóia a construção da hidrelétrica, já que a pesca e o turismo podem render muito mais, garante.

Nino dá adeus ao arquipélago que vai submergir

O biólogo Guilherme de Souza é presidente da mais importante das ONGs que atuam em defesa do Rio Paraíba do Sul, o Projeto Piabanha. Desde 1991, ele está à frente do maior programa de repeixamento do rio, em parceria com a Pesagro, a empresa estadual de pesquisas agrícolas. É um dos muitos conhecedores que atribuem às hidrelétricas (cinco em operação, duas em projeto, uma em obra) a responsabilidade pela redução das espécies de peixes.

– O represamento está transformando o Paraíba em uma seqüência de grandes tanques, em vários comparti-mentos que isolam a comunicação da fauna e impedem a troca de material genético – garante Guilherme.

Ele diz que a eutrofização, processo de multiplicação de microorganismos nos lagos das barragens, alimenta as algas nocivas, especialmente a capituva, que está tomando o trecho médio superior do rio. Guilherme teme também o que considera uma ameaça ainda maior, que estaria nos dois projetos de hidrelétricas logo abaixo de Itaocara, na barra do Rio Pomba e em Cambuci, 20 quilômetros abaixo. O primeiro irá inundar o maior conjunto de ilhas da bacia, de exuberante vegetação, o chamado Ninhal das Garças, berçário de aves e local de grande piscosidade. E nem mesmo a garantia de que serão feitas escadas para os peixes de piracema tranqüiliza o presidente do Projeto Piabanha.

– Aqui perto mesmo, em Além Paraíba, só as espécies exóticas conseguem subir a escada – afirma Guilherme.

Biólogo: hidrelétricasdividem o rio emcompartimentos

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A cobrança pelo uso da água na Bacia do Para-íba do Sul, instituída por lei em 1997 e feita desde 2003 pela Agência Nacional de Águas (ANA), é considerada pelo Governo federal o grande instru-mento para deter o avanço da degradação, e até mesmo reverter o estado atual dentro de alguns anos. A recuperação da Bacia do Paraíba é esti-mada em R$ 3 bilhões.

Cobra-se dos grandes usuários de água pelo volume de captação (R$ 0,01 por metro cúbico) e

pelo consumo da água captada (R$ 0,02). Os que devolvem a água como efluente, com carga poluen-te acima de um determinado padrão, pagam sete vezes mais. A idéia é estimular o usuário a instalar sistemas próprios de tratamento de água, o que já vem sendo constatado pela Associação Pró-Gestão das Águas da Bacia do Paraíba do Sul – Agevap, um organismo multiparticipativo, com sede em Resende, responsável pelo repasse dos recursos e acompanhamento da execução dos projetos.

Foi constituída em 2002 com o objetivo de de-sempenhar as funções de agência de água da bacia do Paraíba. Por falta de uma experiência brasileira no assunto, só dois anos depois foi possível torná-la operacional, assumindo as funções de gerenciadora dos recursos decorrentes da cobrança da água pela Agência Nacional de Águas, os quais são aplicados de acordo com os projetos aprovados pelo Comitê

R$ � bilhões para recuperar a bacia

Em São Fidélis, bem na beira do Paraíba e em frente à monumental Serra do Sapateiro, funciona há pouco mais de três anos o Centro Conservacionista da Flora e da Fauna. É um imenso viveiro de aves e peixes que foi transformado, gradativamente, em centro educacional ambientalista. Ali se reúnem toda semana alunos de escolas públicas de Campos e Quissamã, que recebem aulas de ambientalistas de formação variada – biólogos, engenheiros e até mesmo velhos pescadores – inclusive sobre preservação do Rio Paraíba.

Em grandes tanques, vivem espécies nativas e exóticas de peixes do Paraíba e da Amazônia. Numa área de 120 mil metros quadrados, uma parte é reservada para uma imensa gaiola de tela, onde mais de dois mil pássaros de 40 espécies diferentes promovem uma verdadeira algaravia de todos os sons

possíveis dessas gargantas silvestres. Por entre os pássaros circulam os estudantes, guiados pelos mo-nitores, que explicam como vivem aqueles pássaros apreendidos pelo Ibama, e que serão devolvidos à liberdade depois de recuperados.

– Vocês estão vendo esses pássaros presos, mas eles estão presos provisoriamente, porque foram apreendidos pelo Ibama e estavam em más condi-ções – explica o monitor.

Depois de passarem toda a manhã estudando as coisas da natureza, almoçam afobadamente e correm para o que consideram o melhor momento do dia: o banho de piscina.

Na beira do rio, a educação ambiental

Alunos de escolas públicas aprendem ecologia ao vivo com pássaros e peixes

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À medida que as placas vão sendo retiradas, vai aparecendo o impacto no meio ambiente da presença do homem nesse rico ecossistema, desde a busca do ouro, no século XVII, à introdução do café, no século seguinte, seguida da pecuária e chegando à industrialização nos séculos XIX e XX. Mais de 40 unidades da "Maquete ambiental do Vale do Paraíba e Litoral Norte: 500 anos de transformações" já foram distribuídas nas escolas pela ONG Vale Verde, de São José dos Campos (SP), que atua há 19 anos, ao lado de quase 40 entidades, na área ambientalista do Vale do Paraíba.

O projeto nasceu de uma idéia do então pre-sidente da ONG, o biomédico André Miragaia, hoje secretário de Meio Ambiente de São José dos Campos, e teve apoio da Petrobras, além de

outras entidades. A monitora ambiental Ana Ce-lina Tibúrcio é uma das encarregadas de formar multiplicadores no uso da maquete.

– Não temos hoje mais que 3% da cobertura vegetal que tínhamos no início do século XVII – lamenta Ana Celina.

A maquete que ensina a preservar

REVISTA DA ALERJ

da Bacia, o grande fórum de governos e usuários que administra a gestão integrada.

De 2003 a 2006, foram arrecadados quase R$ 29 milhões. Os recursos, ao serem devolvidos em proje-tos de recuperação, obtiveram a agregação de valores adicionais como contrapartida, principalmente de prefeituras, no valor de R$ 25,5 milhões. A estes recursos soma-ram-se investimentos federais do progra-ma de despoluição de bacias, no valor de R$ 11,3 milhões (recursos da ANA).

Comissão especial que apura os impactos ambientais causados pela poluição e o desmatamento na Bacia do Rio Paraíba do Sul

Telefones: (21) 25��-1�00/12�1

Presidente: Inês Pandeló (PT)Vice-presidente: Rogério Cabral (PSB)Relator: Nelson Gonçalves (PMDB)Membros efetivos: Edson Albertassi (PMDB) e Pedro Paulo (PSDB)Membro suplente: João Peixoto (PSDC)

Ana Celina Tibúrcio, monitora ambiental da oNG Vale Verde, de São José dos Campos

Page 24: Revista da Alerj

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texto e Fotos rony maltzensaio

A tafona é um balneário no município de São João da Barra, na região Norte do Estado do Rio de Janeiro, cujo litoral é

vítima de um impiedoso processo de erosão. A 40 quilômetros de Campos dos Goytacazes, a cidade viveu seu apogeu na década de 70, adotada por uma próspera elite usineira que ergueu na beira da praia suas mansões de veraneio. Trinta anos depois, pouco delas continua de pé.

Como conseqüência da força do vento Nordeste, da degradação do rio Paraíba do Sul – que deságua da região – e do aquecimento global, Atafona viu o oceano engolir, na última metade de século, cerca de 200 construções à beira-mar, entre casas de três andares, capela, farol e posto de gasolina. A antiga colônia de pescadores foi tragada pelo Atlântico.

O turismo arrefeceu. Os esqueletos dos imóveis condenados pela natureza são símbolo de uma geografia mundial em revolução. Alvo do estudo de geólogos, motivo da curiosidade de visitantes, sinal do apocalipse iminente, habitat de famílias inteiras de itinerantes.

Este ensaio captura essa atmosfera meio mágica, meio melancólica que permeia um pedaço de terra que o homem quis ocupar, mas a natureza recla-mou de volta. Prova viva do prejuízo de centenas de pessoas, as ruínas encravadas nas areias medi-cinais do balneário representam, paradoxalmente, uma esperança de recomeço para outra centena de desabrigados. Constituem uma insólita paisagem de decadência que poderia ter saído direto de um romance de Gabriel García Marquez.

Na foz do rio Paraíba do Sul, Atafona sofre os efeitos da erosão, é engolida pelo mar e hoje exibe ruínas onde há �0 anos havia mansões e uma bela cidade de veraneio

Cenário entre o mágico e o sombrio

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No fim da década de 40 um periódico campista documentou o avanço do mar sobre a Ilha da Convivência, a maior do delta, hoje praticamente deserta. Era o primeiro registro moderno de um processo de erosão que remonta ao período Holoceno, oito mil anos atrás. Com o aquecimento global na ordem do dia e o Homem no banco dos réus, Atafona vive um melancólico anticlímax global: sofre de mal natural. E crônico: períodos de erosão similares ao que o litoral passa hoje já ocorreram pelo menos oito vezes no passado geológico da região. O vento Nordeste é o grande vilão dessa história, desbastando a linha de costa e incitando as marés contra o continente. Inexaurível, cada vez mais intenso, moldou o litoral feito água mole em pedra dura e batizou em tupi-guarani uma cidade aos poucos varrida pelo seu sopro: Atafona, “moinho de ventos”.

O Homem, claro, não está isento de culpa. As inúmeras hidrelétricas na bacia do rio Paraíba do Sul, cuja foz, no pontal de Atafona, forma o segundo maior delta do Brasil, vêm minando a força do rio, permitindo ao mar avançar. As barragens retêm água e sedimentos que deveriam engordar a praia. A ocupação desordenada e o desmatamento das margens provocam assoreamento, reduzindo ainda mais a vazão do rio. A vegetação de mangue está desequilibrada; a pesca, comprometida. Em nível global, o derretimento das calotas polares eleva o nível do mar e o El Niño, fenômeno de superaquecimento das águas do Pacífico, intensifica o vento Nordeste.

Atafona é uma cidade pacata, com índices de criminalidade escandinavos e ritmo de vida do século retrasado. A limpeza é feita em carroças por lixeiros munidos de pá e sacos de batatas. Nas ruas, as pessoas se cumprimentam pelo nome. São pescadores e pequenos comerciantes, além de turistas escassos. O clima é de deserto: muito quente de dia, muito frio à noite. A praia é extensa e a faixa de areia monazítica, levemente radioativa, que dizem curar qualquer mal, fica espremida entre o mar, de um lado, e ora ruínas, ora o asfalto, do outro. Dependendo da maré, desaparece completamente.

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Há seis meses Seu Antônio levou mulher, filha e três netos para ocupar uma carcaça abandonada cujas poucas paredes – outrora adornadas com quadros caros e cabeças de peixe-espada – se encarregava de caiar de branco. Nasceu na Paraíba, há 58 anos, e morou no Ceará, São Paulo Brasília e Rio de Janeiro. Escolheu Atafona pela tranquilidade: “Aqui nós vive mais”.

Mensagens evangélicas em letras garrafais se multiplicam em meio às ruínas. Citações ao Apocalipse são as mais recorrentes.

Os primeiros habitantes de Atafona foram os índios goitacás, dizimados pelos colonizadores portugueses. Quinhentos anos depois, o Homem é expulso de uma faixa de terra que acreditou ociosa e ocupou. Para se proteger das cheias do Paraíba do Sul, os goitacás faziam suas casas no alto das árvores. Sabiam que não seriam afetados pela Natureza que, independente da vontade dos homens, está sempre redefinindo seus limites.

Ao contrário da erosão, que abasta a faixa de terra, o fenômeno de progradação provoca um acúmulo de sedimentos na praia, alargando a área de continente. Foi esse fenômeno que, na década de 70, durante uma trégua do Oceano Atlântico, motivou o boom imobiliário à beira-mar. As construções não durariam 20 anos.

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adauto novaesoPiniÃo

Mutações novas configurações do mundo

D urante quase dois meses, pensadores nacionais e estrangeiros de diversas áreas – cientistas, filósofos, soció-logos, crítico de arte, psicanalistas – percorreram cinco estados do País

para discutir um tema pouco estudado: as mutações. Todos partiram de uma hipótese geral: o Ocidente vive hoje não propriamente uma crise das instituições políticas, culturais, das normas morais e éticas, da sensibilidade e das mentalidades, mas uma grande mutação, fruto de dois fenômenos incontornáveis, a globalização e a revolução tecnocientífica.

Entendamos a mutação como uma revolução, não do tipo das revoluções históricas que a precederam, mas uma verdadeira revolução antropológica. O ciclo de conferências Mutações – novas configurações do mundo retomou outra questão: estaríamos vivendo o fim de uma idéia de civilização, diante de um novo mundo de reprodução automática? Antes de tudo, que fenômeno é esse que exige de uma palavra um novo sentido? Mutação é também a morte dos mitos, das fábulas, das abstrações, das crenças, dos monstros, das metafísicas, dos devaneios, provocada pelo poder da técnica. É, portanto, o declínio dos valores huma-nos e, conseqüentemente, do fazer político de fato, correspondendo ao empobrecimento lingüístico, que é nada mais nada menos do que a possibilidade de pensar novos horizontes, primeiro passo para mate-rializá-los, para tornar a história um pouco mais nossa – liberdade. É tudo isso, à medida que as ciências avançam a ponto de anunciar o nascimento de outro

humano – ou melhor, do trans ou pós-humano.Pois é isso que noticiam os cientistas quando

falam, por exemplo, de nanotecnologia e manipulação genética, forças que nem o capital controla; quando anunciam canyons de bilionésimos de milímetro feitos com partículas de cobre, ou desenham de-terminado logotipo de determinada multinacional com 57 partículas de zenônio sobre fundo niquelado, apontando, em associação com a informática, para mecanismos invisíveis que servirão tanto para extir-par um câncer como para gerar um – ou para vigiar e punir. Na mesma linha, o, até há pouco, sagrado corpo humano não será somente mais uma vítima da evolução; será também objeto de design (claro que para poucos) – e isso, não só no momento do defeito, como desde antes de sua concepção. Altura? Olhos azuis? Grau de inteligência? Há quem preveja luta de espécies no lugar da luta de classes.

Enfim, tudo faz pensar na história do criador que foi destruído pela criatura; no caso, a tecnologia. Acontece que não se trata de acreditar em um mal inerente à tecnologia. Não só porque somos eternos beneficiários dela, como também porque a história, como escreveu Eça de Queiroz, “é uma velhota que não se cansa de repetir”: é impossível deter certo tipo de avanço. O mal está na defasagem entre os diversos aspectos do pensamento. Em outras palavras, a des-coberta do fogo trouxe consigo, de imediato, o dilema: queimar o outro ou aquecer noites frias?

Adauto Novaes é jornalista, filósofo e curador do ciclo de conferências Mutações – novas configurações do mundo.

Hermano Taruma

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geiza rochatendênCia

Respeito ao meio ambienteREVISTA DA ALERJ é impressa em papel certificado pelo Forest Stewardship Council (FSC)

o que têm em co-mum esta revis-ta que você está lendo agora, o livro Intermitên-

cias da morte, do prêmio Nobel de Literatura José Saramago, e o último livro da série Harry Potter? A resposta é simples: a preocupa-ção com o meio ambiente, refletida pela escolha do papel, certificado pelo Forest Stewardship Council (FSC). “Este selo, que pode ser dado tanto à floresta quanto à cadeia de produção de um deter-minado produto, atesta que todas as empresas envolvidas no proces-so respeitam o meio ambiente”, explica a secretária executiva do FSC Brasil, Ana Yang.

Conhecido como Conselho de Manejo Florestal, o FSC foi fundado em 1993, no Canadá, por ambientalistas, pesquisadores e empresários preocupados em con-

servar as florestas nativas ainda existentes no planeta. Este grupo estabeleceu princípios e critérios para orientar o manejo florestal de forma econômica e sustentável, com práticas ambientalmente corretas, socialmente justas e eco-nomicamente viáveis. Ao escolher o papel certificado, a REVISTA DA ALERJ buscou aliar-se a este projeto mundial e divulgar a idéia de que é simples contribuir para a preservação do meio ambiente a partir de atitudes socialmente responsáveis. Por possuir o selo, o papel oferece ao leitor a garantia de que a atividade madeireira que deu origem a ele ocorre de maneira legal, não acarreta a destruição de florestas primárias, como a Amazônia, e respeita as populações que tradicionalmente vivem nas florestas.

Para obter o selo do FSC, a indústria Suzano Papel e Celulose

teve que provar aos auditores do conselho que pratica o manejo flo-restal sustentável e foi obrigada também a certificar toda a cadeia de produção, incluindo os meca-nismos de controle das fábricas sobre a matéria-prima utilizada. No caso dos livros, eles têm o selo impresso, que pode ser conferido logo nas primeiras páginas. Mas, para que a revista editada pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro pudesse receber este selo, a gráfica que a imprime também teria que ser certificada, o que encareceria o processo, já que apenas duas gráficas no Brasil possuem o selo e nenhu-ma delas funciona no estado do Rio. “A preocupação com o meio ambiente tem que vir aliada à responsabilidade com os gastos públicos. De nada adiantaria fazer uma revista respeitando todos os critérios ambientais, se

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ela custasse muito mais caro para ser produzida”, sustenta o jorna-lista André Trigueiro, especia-lizado em jornalismo ambiental.

O primeiro livro totalmente certificado foi lançado no Brasil em 2005 pela Companhia das Letras. A certificação de In-termitências da morte foi uma exigência feita pelo autor, o consagrado escritor português José Saramago, a todas as suas editoras no mundo. A iniciativa de utilizar papéis certificados tem a adesão de outros autores

de renome, como Isabel Allende e Margaret Atwood, além de editoras importantes no mundo todo, como a canadense Rain-coast Books, que publica a série juvenil Harry Potter. A tiragem inicial do sétimo e último livro da série, Harry Potter e as in-sígnias mortais, de 12 milhões de exemplares, utilizou 10.855 toneladas de papel certificado (65% do total), a maior com-pra de papel certificado para a impressão de um único livro realizada até hoje.

l Reduz o impacto ecológico

do aproveitamento florestal

l Conserva a capacidade

de regeneração das florestas

nativas

l Preserva o habitat de

vida silvestre e protege os

recursos hídricos

l Apóia o desenvolvimento

econômico das populações

locais

l Assegura que os direitos

dos trabalhadores e

das comunidades locais

sejam respeitados

l Assegura que as práticas

de manejo florestal

sejam responsáveis e

continuamente melhoradas

l Oferece oportunidade de

interação e cooperação entre

os vários atores envolvidos

no manejo florestal

responsável: proprietários

florestais, organizações

sociais e ambientais

l Proporciona uma

alternativa economicamente

viável às práticas destrutivas,

com maior segurança

social às comunidades e

aos funcionários das

empresas florestais

* Extraídas da cartilha do Conselho Brasileiro de Manejo Florestal

Vantagens socioambientais da certificação*

Livro Intermitências da morte, de José Saramago, foi o primeiro a ser totalmente certificado pelo FSC no País

Rafael Wallace

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Coleção de livros de filosofia e política, até então inéditos em língua portuguesa, convida à reflexão e ao debate das liberdades individuais e coletivas

A política é a arte de unir os homens en-tre si para estabele-

cer a vida social comum, cultivá-la e conservá-la.” Esta proposição geral norteia o conteúdo de Polí-tica, obra que, publicada em 1603, constitui um divisor de águas entre o pensamento medieval e as idéias políticas modernas do Ocidente. Seu autor, Johan-nes Althusius, está entre os 20 grandes clássicos do pensamento ocidental, que jamais haviam sido editados em língua portuguesa, mas que começaram a chegar ao mercado brasileiro há quatro anos, através da Coleção Liberty Clas-sics, editada pela Topbooks.

São livros de pensadores reno-mados — como o escocês David

Hume, o italiano Benedetto Croce, o inglês Trevor-Roper ou o suíço Benjamin Constant — que, além da clareza com que refletem os problemas fundamentais de sua época, têm em comum um especial empenho na defesa da liberdade. Jacob Burkhardt, por exemplo, con-siderava a beleza e a liberdade os valores fundamentais da existência humana, e a tentativa de estabele-cer um vínculo entre os dois está

presente em todos os seus textos. O alemão Humboldt era apontado por seus contemporâneos como “o maior filósofo da liberdade”, e 200 anos depois dele o húngaro Polanyi escreveu uma obra cujo ponto de partida é a relação entre a ciência e a liberdade.

A edição brasileira da Coleção Liberty Classics é uma iniciativa do Liberty Fund, entidade educativa de Indianápolis (EUA) que, com o objetivo de estimular o ideal de uma sociedade composta de indivíduos livres e responsáveis, coordena e patrocina diversos projetos mundo afora. Em parceria com a carioca Topbooks, já editou 13 títulos; ou-tros sete se encontram em produção para lançamento em 2008. Veja a seguir o que está nas estantes.

Clássicos do pensamento sobre a liberdade

Cultura

PolíticaJohannes althusius

Importante teórico do consentimento, do contrato, do federalismo e do corporativismo, o alemão Althusius (1557-1638) conciliou idéias bíblicas, aristotélicas e neocalvinistas em um original sistema político, baseado em princípios das leis natural e contratual.

Instituição educacional privada, o Liberty Fund tem por filosofia estimular o ideal de uma sociedade composta de indivíduos livres e responsáveis

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A crise do século XVII – Religião, a Reforma e mudança social hugh trevor-roPer

Professor de história na Universidade de Oxford por 23 anos, o inglês Trevor-Roper (1914-2003) analisa, em nove textos produzidos entre 1956 e 1967, a Guerra Civil, a Restauração e a Revolução Gloriosa na Inglaterra.

Princípios de política aplicáveis a todos os governos BenJamin constant

os deveres do homem e do cidadão de acordo com as leis do direito natural samuel PuFendorF

História como história da liberdade Benedetto croce

Sobre a História e outros ensaios michael oakeshott

Coletânea dos melhores ensaios do suíço Benjamin Constant (1767-1830) sobre liberalismo econômico e ao papel do Estado. Sua obra exerceu influência no pensamento brasileiro durante o Império e teve em Dom Pedro II um de seus leitores mais atentos.

Considerado o pai do direito natural moderno, o alemão Pufendorf (1632-1694) acreditava que, através da equiparação do direito natural com a vontade divina, seria possível entender racionalmente as normas universais do direito.

Vivendo sob um regime fascista, do qual foi o opositor mais eminente, o pensador italiano Benedetto Croce (1866-1952) define a história como um drama no qual tudo, e todos, são influenciados pelo bem e pelo mal.

Este livro, de 1983, reúne cinco ensaios do pensador inglês Oakeshott (1901-1990) que abordam temas centrais da ciência política, como a natureza da História, o primado da lei e a luta pelo poder inerente à condição humana.

A perfectibilidade do homem John Passmore

Neste livro de 1970, o filósofo e cientista político australiano John Passmore (1914-2004) realiza um ambicioso balanço das diversas formas de se interpretarem os conceitos de perfeição e perfectibilidade, dos antigos gregos aos dias atuais.

CartasJacoB Burckhardt

Democracia e liderança irving BaBBitt

Ensaios morais, políticos e literários david hume

os limites da ação do EstadoWilhelm von humBoldt

Endereçadas a alguns dos mais importantes pensadores da época, estas Cartas do suíço Burckhardt (1818-1897) tratam de temas que mobilizavam os debates intelectuais nas mais diversas áreas: arte, arquitetura, história, poesia, música, religião.

Este ensaio é um marco do pensamento político moderno. O diagnóstico feito pelo americano Irving Babbitt (1865-1933) da erosão dos padrões éticos e culturais da América e sua defesa do autodomínio moral contra o culto à despreocupação permanecem atuais.

As implicações do pensamento do escocês David Hume (1711-1776) são reconhecidas como revolucionárias. Para uma compreensão correta de suas idéias, estes Ensaios lançam os fundamentos de uma filosofia prática, estreitamente ligada à vida cotidiana.

Considerado “a figura mais importante da Alemanha”, Humboldt (1767-1835) aborda aqui a relação entre a liberdade e o desenvolvimento da personalidade, discute a ação do Estado no cerceamento dos cidadãos, e sugere meios para frear este papel limitador.

A lógica da liberdade – Reflexões e réplicas michael Polanyi

A relação entre ciência e liberdade, ideologia e pesquisa é o ponto de partida dos ensaios de Michael Polanyi (1891-1976), químico de uma família de ilustres cientistas da Hungria que viveu os horrores do totalitarismo e de duas guerras mundiais.

o homem racional – Uma interpretação moderna da ética aristotélicahenry BaBcock veatch

Publicada há mais de quatro décadas, esta continua sendo uma das melhores obras de introdução à ética, em geral, e à ética aristotélica, em particular. O americano H. B. Veatch (1911-1999) escreve em linguagem acessível ao leitor comum.

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luciana Ferreiramídia

Um freio à invasão da privacidade

A polêmica dos grampos e do vazamento de informações leva o Governo a elaborar regras mais rígidas para a interceptação telefônica

E m setembro deste ano, o diretor da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, afirmou ser contra o uso de grampos pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), mesmo em casos de suspeita

de terrorismo e sabotagem. O uso havia sido defendido pelo delegado Paulo Lacerda, antecessor de Corrêa na PF e indicado para dirigir a Abin. Menos de um mês antes, a revista Veja havia publicado uma denúncia, que mais tarde foi provada falsa, sobre um suposto grampo ilegal nos telefones de ministros do Supremo Tribunal Fede-ral. As escutas telefônicas, segundo a denúncia, teriam sido instaladas pela Polícia Federal, por conta de disputas políticas entre os poderes.

Estes foram apenas mais alguns ca-pítulos na novela dos grampos, que de tempos em tempos volta aos noticiários por conta de suspeitas de abuso no uso de escutas telefônicas e do vazamento de conversas legalmente captadas, muitas

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vezes com os processos ainda em curso e sem que os acusados tenham sido condenados. A polêmica deu origem a uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), instalada na Câmara Federal para investigar denúncias de instalação de grampos ilegais por órgãos policiais. E o Governo resolveu criar uma comissão

especial, com representantes de vários órgãos, para redigir um projeto de lei com regras

mais rigorosas para a interceptação telefônica.Um dos objetivos é reduzir brechas que fazem com

que advogados de defesa tentem anular as provas produzidas. A lei atual, criada em 1996, trata somente de interceptações telefônicas, e não prevê novidades tecnológicas como escutas ambientais, telefonia por IP, mensagens instantâneas de computador ou torpedos de telefone celular. Outro ponto que está sendo rediscutido diz respeito ao vazamento de in-formações. Segundo o coordenador-geral de Estudos e Pesquisas da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério de Justiça, Leandro Galuzzi, o grupo discute uma forma de coibir a divulgação de docu-mentos sob segredo de Justiça, optando pela não penalização do jornalista.

– Evitar o vazamento é um dos pontos nevrálgicos do anteprojeto. Ainda não temos nada definido, mas mantemos nosso foco na fonte da divulgação. Estamos realizando estudos técnicos para saber o que pode ser feito para controlar as cópias do material entregue pelo Poder Judiciário. Podemos, por exemplo, atribuir códigos específicos para cada cópia e, assim, em caso de vazamento, saber quem é o responsável pela divul-gação do documento – explica Galuzzi, ressaltando que a escolha do grupo vai depender fundamental-mente da viabilidade técnica da solução.

Se o Governo é acusado de explorar politicamente informações obtidas através de escutas da Polícia Fe-deral, a imprensa é apontada como uma das principais favorecidas pela indústria do grampo quando divulga, muitas vezes de forma sensacionalista, diálogos sus-peitos e denúncias não comprovadas. A divulgação de conteúdo de interceptação telefônica é justificada por seu caráter de interesse público. É direito da socieda-de ter acesso a informações relativas a, por exemplo, desvios de dinheiro e corrupção administrativa. Mas a fronteira entre interesse público e violação de in-formações particulares pode ser nebulosa, e suscita debates sobre os limites éticos do jornalismo.

Denúncias de corrupção ou de desvios de verba, divulgadas pela imprensa, podem atender também a interesses particulares. O off sempre ajudou jornalistas a fazer matérias que denunciam esquemas de corrup-ção, mas é comum políticos e empresários municiarem a imprensa com dossiês, fitas, gravações ou documen-tos – às vezes obtidos de forma ilegal – contra seus oponentes. O jornalista justifica a publicação como sendo de interesse público, mas sua fonte também se beneficia com a divulgação das informações.

O falecido senador Antônio Carlos Magalhães era conhecido por mandar grampear seus adversá-rios. Em matéria publicada pela revista IstoÉ, em fevereiro de 2003, ele admitiu ter gravado quase 200 horas de conversa de seu inimigo político Geddel Veira Lima. Segundo ACM, jornalistas da Folha de S. Paulo e da revista Veja também teriam recebido o material de suas mãos. Ele esclarece que o do-cumento, de 170 páginas, é um resumo da escuta ilegal. Para o jornalista Renato Delmanto, professor da faculdade paulista Cásper Líbero, caberia aos jornalistas refletir um pouco mais sobre suas rela-ções com essas fontes.

– Enquanto especialistas debatem soluções tecnológicas e jurídicas para se identificar e coibir o vazamento de informações, seja por parte da Polícia Federal, seja por parte do Ministério Público, seja fru-to da espionagem empresarial, jornalistas deveriam refletir se estão realmente a serviço da sociedade, ou se estão, mesmo que involuntariamente, a serviço de agentes que usam de meios pouco éticos para enfrentar a concorrência – afirma ele.

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trocando em miúdos

A Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro e a Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro (Fecomércio) lançaram a cartilha Como um projeto se torna lei na Alerj, com o bê-á-bá da tramitação legislativa. O objetivo é promover a aproximação da sociedade com o Poder Legislativo e incentivar um exercício maior da cidadania participativa. O texto, que está disponível no site da Alerj (www.alerj.rj.gov.br), mostra toda a trajetória de um projeto, desde sua criação até a promulgação, como lei. A Fecomércio-RJ é a primeira entidade que traz para o âmbito estadual a parceria já feita pela Confederação Nacional do Comércio, que elaborou uma cartilha sobre o trâmite das leis no Senado e na Câmara dos Deputados.

REVISTA DA ALERJ��

Panoramano local de origem

Os sete lustres de alabastro que iluminam o Saguão Getúlio Vargas, do Palácio Tiradentes, sede da Alerj, finalmente voltaram aos seus lugares, depois de quatro meses de restauração. “Estavam muito avariados. Tivemos que reforçá-los com uma manta de fibra de vidro para que suportassem melhor o próprio peso”, explica a restauradora Ana Frazão, da Casatelier Restauração e Arte, responsável pelo reparo, autorizado pelo Iphan. Uma equipe de cinco pessoas foi encarregada de aplicar a manta de fibra de vidro, fazer a higienização, troca da fiação, limpeza dos metais e proteção com resina acrílica. Os sete lustres estão no Palácio desde a sua inauguração, há 80 anos.

de portas abertas

Mostrar o que a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro faz e os canais de comunicação que existem para que o cidadão possa interagir com os deputados e as comissões da Casa. Este tem sido o principal foco do trabalho de divulgação da Alerj, e é também o objetivo da Exposição Itinerante iniciada em outubro, na Rodoviária Novo Rio, e que está percorrendo todas as regiões do estado. Ela fala da importância histórica do Palácio Tiradentes, sede da Alerj, e dos serviços prestados pelas comissões e os telefones 0800. “Nossa preocupação foi retratar as diversas atividades que são realizadas aqui, para que o cidadão possa conhecer o universo em que atua o Legislativo”, explica o chefe de gabinete da Presidência, Aloysio Neves, idealizador da exposição.

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na trilhado Paraíbado sulQuem conhece bem o rio sabe que ainda é possível salvá-lo, apesar de todas as agressões que o transformaram em um grande depósito de esgoto e ameaçam a sobrevivência de 15 milhões de pessoas

reVista da alerJAno I - Número 01 - Dezembro de 2007