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8/15/2019 Revista de Ciências Sociais Futebol http://slidepdf.com/reader/full/revista-de-ciencias-sociais-futebol 1/166 Universidade Federal do Ceará / Programa de Pós-graduação em Sociologia 2011 R C S Futebol e sociedade no mundo contemporâneo: visões das Ciências Sociais APOIO Departamento de Ciências Sociais ISSN.BL 0041-8862 Fortaleza, v. 42, n. 1, p. 7-165, jan./jun., 2011 18291 UFC 42 REVISTA CIÊNCIAS SOCIAIS.indd 1 18291 - UFC 42 REVISA CIÊNCIAS SOCIAIS.indd 1 26/08/2011 17:28:36 26/08/2011 17:28:3

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Universidade Federal do Ceará / Programa de Pós-graduação em Sociologia2011

R C S

Futebol e sociedade no mundocontemporâneo: visões das

Ciências Sociais

APOIO

Departamento de Ciências Sociais

ISSN.BL 0041-8862 Fortaleza, v. 42, n. 1, p. 7-165, jan./jun., 2011

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Revista de Ciências Sociais

Volume 42 – número 1 - 2011

Publicação do Departamento de CiênciasSociais e do Programa de Pós-Graduação emSociologia do Centro de Humanidades daUniversidade Federal do Ceará

Membro da International SociologicalAssociation (ISA)

ISSN.BL 0041-8862

Comissão EditorialEduardo Diatahy Bezerra de Menezes, AntônioCristian Saraiva Paiva, Isabelle Braz Peixotoda Silva, Irlys Alencar Firmo Barreira e MariaSulamita de Almeida Vieira.

Conselho EditorialBela Feldman-Bianco (UNICAMP), Boaventurade Sousa Santos (CES, Universidade deCoimbra), Céli Regina Jardim Pinto (UFRGS),César Barreira (UFC), Fernanda Sobral (UnB),François Laplantine (Universidade de Lyon2), Inaiá Maria Moreira de Carvalho (UFBA),Jakson Alves Aquino (UFC), Jawdat Abu-El-Haj

(UFC), José Machado Pais (ICS, Universidade deLisboa), Linda Maria de Pontes Gondim (UFC),Lucio Oliver Costilla (UNAM), Luiz Felipe

Baeta Neves (UERJ), Man redo Oliveira (UFC),Maria Helena Vilas Boas Concone (PUC-SP),Moacir Palmeira (UFRJ), Ruben George Oliven(UFRGS), Ralph Della Cava (ILAS), RonaldH. Chilcote (Universidade da Cali órnia),Véronique Nahoum-Grappe (CNRS).

EdiçãoProjeto grá co: Fernanda do ValEditoração eletrônica: Sérgio PauloRevisão: Sulamita Vieira

Endereço para correspondênciaRevista de Ciências SociaisDepartamento de Ciências SociaisCentro de Humanidades – Universidade Federaldo CearáAv. da Universidade, 2995, 1º andar (Ben ca)60.020-181 Fortaleza, Ceará / BRASILel./Fax: (85) 33-66-74-21 / 33-66-74-16

E-mail: rcs@u c.brSite: www.rcs.u c.br

Publicação semestralSolicita-se permuta / Exchange desired

Revista de Ciências Sociais – periódico do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará – UFC n. 1 (1970) – Fortaleza, UFC, 2011

Semestral

ISSN.BL. 0041- 8868

1 Futebol e literatura 2 Figuração 3 Esporte e modernidade 4 Racismo no Futebol4 orcidas organizadas

I- Universidade Federal do Ceará. Centro de Humanidades

CDU 3 (05)

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SUMÁRIO

Revista de Ciências SociaisFortaleza, v. 42 - Número 1- jan/jun, 2011

Dossiê: Futebol e sociedade no mundo contemporâneo: visões das ciências sociais

7 NOTA EDITORIAL

8 FUTEBOL E SOCIEDADE NO MUNDO CONTEMPORÂNEO: VISÕES DAS CIÊNCIASSOCIAIS (Apresentção)José Luiz Ratton e Jorge Ventura de Morais

11 “FIGURANDO” O ESPORTE MODERNO: ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE ESPORTE,VIOLÊNCIA E CIVILIZAÇÃO COM REFERÊNCIA ESPECIAL AO FUTEBOLEric Dunning

27 EL EQUIPO JUSTOCésar R. orres e Jesús Ilundáin-Agurruza

50 “DISPOSIÇÃO”: O LUGAR DA CORPORALIDADE NAS LÓGICAS DE CLASSIFICA-ÇÃO E DE ATUAÇÃO DAS TORCIDAS ORGANIZADASCEARAMOR e M. O. F. I .Josiane Maria de Castro Ribeiro

64 FUTEBOL: AMADORISMO EM TEMPOS DE PROFISSIONALISMO Joanna Lessa F. Silva

77 O RACISMO NO FUTEBOL CARIOCA NA DÉCADA DE 1920: IMPRENSA EINVENÇÃODAS TRADIÇÕESRonaldo Helal e João Paulo Vieira eixeira

89 GILBERTO FREYRE E O FUTEBOL: ENTRE PROCESSOS SOCIAIS GERAIS EBIOGRAFIAS INDIVIDUAISJorge Ventura de Morais e José Luiz Ratton Júnior

Artigos

112 LUGAR E PODER SIMBÓLICO EMRIACHO DOCE Antônio George Lopes Paulino

129 DEVAGAR E SEMPRE, COM FÉ EM DEUS: EVANGÉLICOS CEARENSES NOS CENSODEMOGRÁFICOSMaurício Russo e Gledson Ribeiro de Oliveira

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Resenhas

151 HISTÓRIA DO ESPORTE NO BRASIL: DO IMPÉRIO AOS DIAS ATUAIS,organizado por Mary Del Priore e Victor Andrade de MeloLeonardo José Barreto de Lima

154 PÓS-GLOBALIZAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO e RACIONALIDADE ECONÔMICA. ASÍNDROME DO AVESTRUZ, Omar Aktouf Antonio Caubi Ribeiro Tupinambá e Raquel Libório Feitosa

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CONTENTS

Dossier: Football and society in the contemporary world: views from the social sciences

EDITORIAL NOTE

FOOTBALL AND SOCIETY IN THE CONTEMPORARY WORLD: VIEWS FROMTHE SOCIAL SCIENCES (Presentation)Jorge Ventura de Morais and José Luiz Ratton Júnior

“PORTRAYING” MODERN SPORTS: REFLECTIONS ON SPORTS, VIOLENCEAND CIVILIZATION WITH A SPECIAL REFERENCE TO FOOTBALLEric Dunning

THE JUST TEAMCésar R. Torres and Jesús Ilundáin-Agurruza

“DISPOSITIONS”: THE PLACE OF CORPORALITY IN THE LOGIC OF RANKINGAND ACTION OF THE “CEARAMOR” AND M.O.F.I. ORGANIZED CHEERERSCLUBSJosiane Maria de Castro Ribeiro

FOOTBALL: AMATEURSHIP IN THE TIME OF PROFESSIONALISMJoanna Lessa F. Silva RACISM IN THE “CARIOCA”(RIO DE JANEIRO) FOOTBALL IN THE 1920S:THE PRESS AND THE INVENTION OF TRADITIONS Ronaldo Helal and João Paulo Vieira Teixeira

GILBERTO FREYRE AND FOOTBALL: IN BETWEEN GENERAL SOCIALPROCESSES AND INDIVIDUAL BIOGRAPHIESJorge Ventura de Morais and José Luiz Ratton Júnior

Articles

PLACE AND SYMBOLIC POWER IN RIACHO DOCE Antônio George Lopes Paulino

‘SLOW AND FOREVER, IN THE BELIEF OF GOD’: EVANGELIC “CEARENSES”IN DEMOGRAPHIC CENSUSESMaurício Russo and Gledson Ribeiro de Oliveira

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Reviews

THE HISTORY OF SPORTS IN BRAZIL: FROM EMPIRE TO PRESENT TIMES,organized by Mary Del Priore e Victor Andrade de MeloLeonardo José Barreto de Lima

POST GLOBALIZATION, ADMINISTRATION AND ECONOMIC RATIONALITY.THE SYNDROME OF THE OSTRICH, Omar Aktouf Antonio Caubi Ribeiro Tupinambá and Raquel Libório Feitosa

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NOTA EDITORIAL

Nesta edição, em particular no que concerne à organização dodossiê, contamos com a cola-boração dos pro essores Jorge Ventura de Morais e José Luiz Ratton Júnior, ambos da Universidade

Federal de Pernambuco e integrantes do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Sociologia do Futebol,na mesma instituição.Generosamente, Morais e Ratton Júnior reuniram um conjunto de artigos produzidos por

especialistas, vinculados a instituições acadêmicas diversas, inclusive estrangeiras, que tratam do“mundo do utebol” sob di erentes ângulos. Con orme os organizadores explicam na Apresentação,os trabalhos componentes deste dossiê abrangem aspectos históricos; relação utebol, classe e etnia;práticas de pro ssionais e de amadores, abordando, também, interpretações do tema na literatura;sem esquecer que uma das resenhas é de um livro sobre o assunto.

A Comissão Editorial

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8 Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 42, n. 1, jan/jun, 2011, p. 8-10

A P R E S E N T A Ç Ã O

FUTEBOL E SOCIEDADE NO MUNDOCONTEMPORÂNEO: VISÕES DAS CIÊNCIAS SOCI

José Luiz Ratton1

Jorge Ventura de Morais2

Os esportes, em geral, e o utebol, em particu-lar, azem parte do cotidiano dos brasileiros e têmimprimido sua marca no que pode ser chamado denossa identidade social. Além disso, os esportes têmimpactado a sociedade brasileira econômica, política

e socialmente, constituindo importante campo paraa análise de sociólogos e antropólogos. No entanto,é legítimo a rmar que, apesar de todo este impacto,os esportes em geral, e o utebol em particular, têmmerecido relativamente pouca atenção das ciênciassociais brasileiras.

Se temos, já em 1938, a publicação em jornalde um artigo de Gilberto Freyre –Football Mulato –,que veio in uenciar aqueles poucos que começarama se interessar pelo utebol como enômeno a serpesquisado por cientistas sociais, só encontraremosprodução mais signi cativa muitas décadas depois,com a coletânea organizada por Roberto DaMatta,Universo do Futebol , em 1982.

Esse livro marca o tímido início de um movi-mento de alguns cientistas sociais preocupados emestudar sociológica e antropologicamente os espor-tes na sociedade brasileira. Dentre outros nomes,podemos citar José Sérgio Leite Lopes (do MuseuNacional) e Simoni Lahud Guedes (da UniversidadeFederal Fluminense).

Estes pioneiros abriram um campo de re exõesque tem se revelado cada vez mais pro ícuo e temrecebido sucessivas gerações de novos pesquisadores.Some-se a isso o ato de que a produção intelectualnesta área tem obtido reconhecimento da comuni-dade cientí ca. Pesquisadores como Luiz Henriquede oledo (da Universidade Federal de São Carlos) eArlei Damo (da Universidade Federal do Rio Grande

do Sul) ganharam prêmios da Associação Nacionalde Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais(ANPOCS), de melhor dissertação e melhor tese,respectivamente, com trabalhos sobre o utebol.

Nessa esteira, outros pesquisadores se engaja-

ram no es orço de investigação deste campo, consoli-dando e ampliando os espaços de discussão em váriosóruns acadêmicos, a exemplo dos grupos de trabalho

na Associação Brasileira de Antropologia (ABA), naReunião de Antropologia do Mercosul (RAM), naSociedade Brasileira de Sociologia (SBS), na Asso-ciação Latino-Americana de Sociologia (ALAS), naAsociación Latinoamericana de Estudios Sociocultu-rales del Deporte (ALESDE) e na própria ANPOCS.

Por outro lado, é de se esperar que os mais amo-sos eventos esportivos do mundo contemporâneo – a

Copa do Mundo e as Olimpíadas –, cuja realizaçãoestá prevista para acontecer no Brasil, em 2014 e 2016,respectivamente, chamem a atenção de um grandenúmero de pesquisadores – e não somente do campoespecí co da sociologia/antropologia dos esportes,considerando os impactos sociais, econômicos e po-líticos que causarão na sociedade brasileira.

Este dossiê da Revista de Ciências Sociais é umindicador importante da ampliação do campo deestudos e pesquisas sobre esportes em vários estadosdo Nordeste Brasileiro. A ormação de grupos de pes-quisa como o NESF (Núcleo de Estudos e Pesquisasem Sociologia do Futebol) da UFPE; o aumento donúmero de mestrandos e doutorandos que escolhem oesporte como objeto de pesquisa e, conseqüentemen-te, o número crescente de de esas dos seus trabalhosem diversas universidades (Universidade Federaldo Ceará, Universidade Federal de Pernambuco,

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Universidade Federal de Alagoas, dentre outras)demonstram mais claramente este movimento. E a di- versidade temática, mostra a amplitude da produção:

o utebol de várzea e suas relações com dimensõesda ruralidade na segunda metade do século XX; olugar social do utebol comunitário; o enômeno dasorcidas Organizadas etc. As pesquisas conduzidas no

âmbito das pós-graduações tratam tanto de aspectos“internos” ao esporte – como a ormação da barreiraenquanto micro-processo de negociação, em perspec-tiva etnometodológica – quanto da re exão sobre osparadoxos doethos clubístico e doethos de negócio noesporte, as di erentes ormas de torcer (globalmente elocalmente), o autocontrole das emoções no utebole as percepções sociais sobre odoping .

É neste quadro que se inscreve este dossiê, Futebol e Sociedade no mundo contemporâneo: visõesdas Ciências Sociais. Buscamos aqui apresentar umpequeno, mas representativo, mosaico da produçãonacional e internacional sobre o tema, com parti-cipação importante de jovens pesquisadores dosprogramas de Pós-Graduação do Nordeste.

O dossiê é aberto com um trabalho de EricDunning, o mais amoso discípulo de Norbert Elias.O artigo divide-se em duas partes distintas, poréminter-relacionadas. Na primeira parte são relatadas de

orma resumida, as descobertas básicas da guração que mostram como a orma de utebol originalmenteconhecida como Association Football desenvolveu-se,primeiramente, na Inglaterra no século XIX. O con-texto da época era o das escolas privadas elitistas e dasuniversidades de Ox ord e Cambridge, igualmenteelitistas. Basicamente, o que é mostrado é como arivalidade de status levou ao surgimento dos jogos deRugby e Futebol, que começavam a se tornar “maiscivilizados” que seus antecedentes medievais. Assim,apresenta um resumo das principais características dateoria, às vezes mal compreendida, de Elias, a respeitodos processos civilizadores. O artigo termina comuma análise e diagnóstico guracional do utebolou do hooliganismo no utebol, problema esse quecontinua sendo, às vezes, erroneamente representadocomo a ‘doença inglesa’, mas que já teria assumido

uma dimensão global.Em seguida, temos o artigo de César orres e

Jesús Ilundáin-Agurruza, cujo objetivo é indagar

sobre a possibilidade de articular princípios moraisde ensáveis que possam prevalecer na gestão internade uma equipe de utebol. Os autores desenvolvemuma re exão, no âmbito da moralidade, que vê possi-bilidades de entrelaçamento entre virtudes tais comoa igualdade e o respeito pela autonomia pessoal comum padrão distributivo que leve em conta as habili-dades ísicas e os padrões de excelência próprios do

utebol.Neste dossiê temático, o artigo de autoria de

Ronaldo Helal e João Paulo eixeira analisa narrativascuja temática central é a inserção do negro no utebolbrasileiro. omando como re erência o conceito detradições inventadas de Eric Hobsbawm, os autoresinvestigam as relações entre alguns dos argumentoscomuns sobre o tema, na primeira metade do séculoXX, e sua trans ormação em “verdades recontadas”por pesquisadores e parte da imprensa nas últimasdécadas.

Frutos de trabalhos de pesquisa realizados naspós-graduações em Sociologia das UniversidadesFederais do Ceará e de Pernambuco estão os doispróximos artigos.

O artigo de Josiane Ribeiro busca compreendero lugar da corporalidade na organização das práticas juvenis, no âmbito das torcidas organizadas ligadas aoCearáSporting Club (Cearamor e M. O. F. I.) e seusantagonismos na cidade de Fortaleza. O argumentoda autora percorre inicialmente as relações entre asdimensões culturais dos bailes unk e a ormação/consolidação das torcidas organizadas, procurandodesvendar os nexos entre os assim chamados inves-timentos corporais, a etivos e comportamentais dosintegrantes das re eridas torcidas e a categoria nativade “disposição”.

O trabalho de Joana Lessa az uma re exãosobre as direções aparentemente contraditórias doprocesso de esportivização na cidade do Reci e. o-mando o utebol amador como objeto, utiliza-se daslentes analíticas da sociologia guracional eliasiana

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e da noção de campo bourdiesiana para entender asinter-relações e os paradoxos do amadorismo e dopro ssionalismo.

Em registro um tanto diverso, o trabalho deMorais e Ratton aborda a obra de Gilberto Freyre,no que se re ere ao utebol, en atizando seus aspectosteórico-metodológicos. Buscam deslindar o tipo deraciocínio desenvolvido por Freyre, no que concerneà ligação entre os processos macrossociais mais geraise a agência humana, ilustrada por Freyre com a vidade jogadores concretos, que ilustrariam as suas teses.

Completa o dossiê uma resenha escrita porLeonardo Lima sobre o livroHistória do Esporteno Brasil – do Império aos dias atuais, de autoria de

Mary Del Priore e Victor Andrade de Melo, umarara abordagem histórica comparada dos diversosesportes no país.

Este conjunto de artigos, em orma de dossiêtemático, compartilha do mesmo espírito daquelepublicado, em 2008, pela revistaEstudos de Sociolo-

gia, do Programa de Pós-Graduação em Sociologiada Universidade Federal de Pernambuco: buscaapresentar importantes contribuições da produ-

ção sócio-antropológica brasileira e internacionalcontemporânea sobre o campo dos esportes, comsua pluralidade temática, teórica e metodológica eparticipar, praticamente, do avanço da re exão dasciências sociais nesta área.

Notas

1 Pro essor do Programa de Pós-Graduação em CiênciasSociais da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),coordenador do NEPS (Núcleo de Estudos e Pesquisas em

Criminalidade, Violência e Políticas Públicas de Segurança)e pesquisador do NESF (Núcleo de Estudos e Pesquisas emSociologia do Futebol).

2 Pro essor do Programa de Pós-Graduação em Sociologiada Universidade Federal de Pernambuco, coordenador doNESF (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Sociologia do Fu-tebol).

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11Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 42, n. 1, jan/jun, 2011, p. 11-26

D O S S I Ê

“FIGURANDO” O ESPORTE MODERNO: ALGUMAREFLEXÕES SOBRE ESPORTE, VIOLÊNCIA E CIVIL

COM REFERÊNCIA ESPECIAL AO FUTEBOL

Um título mais adequa-do para este texto poderiater sido: “De Leicester paraChester: Hooligans medievaisno Rood Dee e seus similaresna atualidade”1. Este, ao me-

nos indica, qual será o ococentral de minha abordagem:o desenvolvimento correlativodo utebol e, em seu bojo, dohooliganismo como uma prá-tica, em primeira instância,local e só mais tarde nacionale internacional. Entretanto, oque planejo azer em um sen-tido mais pro undo é exami-

nar a “ guração” do esportemoderno em dois sentidos:(a) como as pessoas se con -guraram – os padrões que elas

ormaram – nas atividades delazer psico- ísicas competi-tivas que têm sido chamadasde “esporte” desde o séculoXVIII; e (b) como sociólogose outros “descobriram”, istoé, contribuíram para a com-preensão e explanação decomo e porque essas mudan-ças ocorreram e continuam aocorrer no âmbito social do

esporte. Darei ên ase especial,como tenho eito ao longo degrande parte de minha carreira,ao utebol.

Sociólogos terão percebidoque estou me re erindo, através

do termo “ gurando”, à aborda-gem “ guracional” ou “socio-lógico-processual”, de NorbertElias. Elias está se tornando cada vez mais reconhecido como umdos maiores sociólogos do sé-culo vinte. Parte disso se devea seu trabalho pioneiro na so-ciologia do esporte. O ato deele ter sido um importante pio-

neiro neste campo relaciona-secom sua negação da idéia deque enômenos ísicos têm me-nor valor que enômenos inte-lectuais. Ele os enxergava como

enômenos interligados e iguais.Ele também argumentava que acompreensão dos movimentos eemoções é tão importante parauma compreensão completa dosindivíduos quanto o é a compre-ensão do pensamento, da racio-nalidade e dos sentimentos. De

ato, Elias negava a existênciaseparada de “corpo” e “mente”,

ERIC DUNNING *

RESUMOEste artigo divide-se em duas partes distintas,porém inter-relacionadas. Na primeira parte sãorelatadas, de forma resumida, as descobertasbásicas da figuração que mostram como a forma defutebol originalmente conhecida como AssociationFootball desenvolveu-se, primeiramente, naInglaterra no século XIX. Basicamente, o que émostrado é como a rivalidade de status levou aosurgimento dos jogos de Rugby e Futebol, quecomeçavam a se tornar mais civilizados que seusantecedentes medievais. Assim, apresento umresumo das principais características da teoria,às vezes mal compreendida, de Elias, a respeitodos processos civilizadores. O artigo terminacom uma análise e diagnóstico figuracional do“futebol” ou hooliganismo no futebol, problemaesse que continua sendo, às vezes, erroneamenterepresentado como a ‘doença inglesa’, mas que jáse transformou num problema de dimensão global.Palavras chavePalavras-chave: processos civilizadores, rivalidadede status, alternativa funcional, linhas de tensão,figuração.

ABSTRACTThis paper falls into two distinct but clearlyinter-related parts. In the first, a summary isprovided of the basic figurational findings whichshow how the ‘Association’ or ‘soccer’ form offootball developed first of all in England in thenineteenth century. Basically what is show ishow status rivalry led to the emergence in thatcontext of the soccer and Rugby games, bothof which were then beginning to become more‘civilized’ than their medieval antecedents. Inthat context, a summary is provided of the corefeatures of Elias’s sometimes misunderstoodtheory of civilising processes’. The paper endswith a figurational examination and diagnosisof ‘football’ or ‘soccer hooliganism’, a problemwhich is still sometimes falsely represented as ‘theEnglish disease’ but has now become a problemwhich is literally world-wide in scope.

ey wordsKey-words: ‘civilizing’ process(es); statusrivalry; functional alternative; social fault-lines;figuration(s).

* Professor Emérito de Sociologia da Universidadede Leicester. Estudou com Elias na suagraduação (1961-62) e dois anos como pósgraduando. Após passar um ano acadêmico nosEstados Unidos, foi indicado para uma cátedraem Sociologia na Universidade de Leicester. Foineste contexto que começou a produzir textospublicados com Elias os quais culminaram nolivro Em busca da emoção: esporte e lazer noprocesso civilizador (segunda edição revisada,editora da Universidade de Dublin, 2008).

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12

“FIGURANDO” O ESPORTE MODERNO:...

argumentando que a sociologia deveria preocupar-secom todos os aspectos dos indivíduos e suas vidas so-ciais. Permita-me o leitor citar uma ou duas palavras

sobre a sociologia em termos gerais.Provavelmente uma das características mais

notórias da sociologia é que tendeu, ao longo dosanos, a so rer uma descontinuidade como discipli-na; descontinuidade em que as novas gerações re-qüentemente iam de encontro às abordagens de seusmestres/ pro essores. Uma das várias conseqüênciasnegativas disto é que nós omos reiteradamente or-çados a “reinventar a roda” com pro ssionais quepensam que estão sendo originais ao repetirem o queseus predecessores disseram sem, aparentemente,se darem conta disso. Dois exemplos que me vêm àmente são a descrição das principais características“da teoria de desvio” de Durkheim (1895; 1964) e aantecipação teórica de Elias de muitos aspectos dopós-estruturalismo e do pós-modernismo – segundoo próprio, não são muitos – aspectos esses que tive-ram longa validade.

Retomando o tema da descontinuidade, diria que

uma de suas conseqüências, ainda, é a di culdade decomunicação entre as gerações. odavia, nós sociólo-gos guracionais do esporte, em certa medida, conse-guimos romper essa tendência e atingir um grau decontinuidade intergeracional que talvez seja supera-do somente pelos marxistas. Em um livro co-editadopor Joseph Maguire e Kevin Young, publicado em2002, sugeri, no capítulo que me coube que houve atéhoje cinco gerações de sociólogos guracionais do es-porte no Reino Unido, repreentadas por: (1) NorbertElias; (2) eu; (3) Patrick Murphy, Kenneth Sheard eIvan Waddington2; (4) Joseph Maguire e Grant Jarvie;e (5) Daniel Bloyce, Sharon Colwell, Graham Curry,Kenneth Greene, Katie Liston, Dominic Malcolm,Louise Mans eld e Andrew Smith.

Quais são as principais características da abor-dagem sociológica desenvolvida por Elias e compar-tilhada por estas cinco gerações de sociólogos gu-

racionais do esporte?3. No âmbito deste artigo, só háespaço para listar estas características centrais de ma-neira breve e resumida. São elas:

(a) A convicção compartilhada de que, assimcomo o universo, os seres humanos eas sociedades por eles ormadas sãoprocessos.

(b) A idéia de que os processos vividos pelassociedades tenderam até agora,especialmente no longo prazo, aserem “cegos” no sentido de serem,em grande medida, as conseqüênciasnão intencionais de grande parte dasoma dos atos individuais intencionais.Elias às vezes usava como metá ora dahistória a gura de um trem expresso

ugitivo, a m de ilustrar este ponto.Era sua esperança que o conhecimentosociológico nos ajudasse a submeter o

“trem” da história a um maior controleconsciente. Ele estava plenamenteciente, evidentemente, de que suapreocupação no que se re ere à ausênciade controle se contrapunha à auto-estima das pessoas que querem crer queestão sempre no controle das coisas.

(c) A idéia de que sociedades humanasconsistem de indivíduos que sãoradicalmente interdependentes. Isto é,ao nascermos, como resultado de umato de nossos pais interdependentes,ingressamos numa coletividade oumundo social em rápida mutação,entretanto, estruturada, para cuja

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ormação não contribuímos, e queocupa uma determinada posição notempo e no espaço.

(d) O poder é uma propriedade universaldas relações humanas em todos osníveis de integração social, variandode um grupo de duas pessoas até ahumanidade como um todo. O poder,de acordo com Elias, é: (a) unção delaços de interdependência. Seu podersobre mim é uma conseqüência domeu grau de dependência em relação a você; (b) uma questão de equilíbrios ouproporções; e (c) não se explica somentepor atores únicos como a propriedadedos meios de produção ou o controledos meios de violência4. Elias tambémlevou em consideração os recursos depoder corporal dos indivíduos como a

orça ísica e a intelectual e os recursosde poder estrutural das coletividadesmensurados em grau de unidade grupal

e coesão. Recursos de poder corporal,é claro, têm relevância central para asociologia do esporte.

(e) Elias en atizou a necessidade de manter, nasociologia uma constante ‘via de mãodupla’ entre teoria e pesquisa. A teoriasem pesquisa, argumentava, é suscetívelde ser abstrata e sem sentido; a pesquisasem a teoria corre o risco de ser árida edescritiva.

( ) Elias de endia que os sociólogos deveriamter como sua preocupação primáriacontribuir e agregar valor a um conhe-cimento con ável estabelecido. Ele era vigorosamente contrário à intrusão da

política, religião e outras ideologias e valores na pesquisa social. Além dis-so, sugeria que, numa pesquisa sobre,

por exemplo, o hooliganismo no ute-bol, deveríamos ocar, antes de tudo,através de meios que ele chamava de“circundar sem engajamento”, na cons-trução de uma “realidade congruente”daquilo que o hooliganismo no utebolrealmente concerne e como e por queé socialmente e psicologicamente gera-do. Em seguida, através de um proces-so que ele chamava de “envolvimentosecundário”, deveríamos usar mais onosso conhecimento da realidade para

ormular uma política ou conjunto depolíticas mais realista e e etivo para li-dar com o problema, do que aquele usa-do anteriormente.

(g) E nalmente, para os presentes ns umaconvicção compartilhada das cinco ge-rações dos sociólogos guracionais do

esporte é que a teoria de Elias dos pro-cessos civilizadores é o que ele chamavauma teoria geral através da qual uma variedade de enômenos aparentemen-te diversos como esporte, alimentação,

umo e ogo possam ser inter-relaciona-dos5. Permitam-me, rapidamente, o e-recer uma prova /visão, do que implicaa teoria dos processos civilizadores.

Contrariamente a um equívoco relativamentegeneralizado, Elias não usa o conceito de‘processocivilizador’ de maneira undamentalmente moral eavaliativa. Ele também costumava inserir a expres-são “civilização” e seus derivados entre aspas a m

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de claramente assinalar isso. “Processo Civilizador”era, para Elias, um termo técnico. Ele não pensavaque pessoas posicionadas num patamar mais avança-

do do processo civilizador como nós, por exemplo,em relação ao povo da Grã-Bretanha eudal ou daAlemanha ou França medievais, ossem em qualquersentido “melhores que” ou “moralmente superiores”àqueles. Essa, claro, é a orma como, provavelmente,aqueles que se consideram civilizados se enxergam.Mas, como Elias costumava perguntar-se, podem aspessoas se congratular quando elas são as bene ci-árias ocasionais de um processo “às cegas” de longoprazo para o qual elas não contribuíram pessoal-mente? Dizer isso, é claro, não signi ca negar o ato.Como é o caso dos processos sociais de uma maneirageral, tanto há vítimas quanto bene ciários dos pro-cessos civilizadores.

A teoria dos processos civilizadores é igualmen-te teórica e empírica. Empiricamente, se undamentaem uma ampla base de dados, principalmente no queconcerne às mudanças de hábitos das elites seculares– cavaleiros, reis, rainhas, aristocratas da corte, políti-

cos e senhores de negócios, o que não envolvia o altoclero – entre a Idade Média e Modernidade. Estes da-dos indicam que, nas sociedades da Europa ocidental– o oco principal de Elias eram a França, Alemanha eInglaterra - um processo em longo prazo e não inten-cional ou “às cegas” ocorreu, envolvendo, principal-mente, quatro componentes que se inter-relacionam:

(a) a elaboração e re no dos padrões sociais;(b) um crescimento da pressão social sobre as

pessoas para que exercessem um auto-controle maisrigoroso e mais contínuo, e mais intenso sobre seussentimentos e comportamentos.

(c) uma mudança no equilíbrio da censura exter-na e da auto-censura a avor da auto-censura.

(d) um crescimento nos níveis de personalidade

e ‘habitus’ na importância da “consciência” e do “su-perego” como reguladores de comportamento. Istoquer dizer que os padrões sociais tornaram-se mais

internalizados e passaram a ser operados não apenasconscientemente e com um elemento de escolha, mastambém abaixo dos níveis de racionalidade e de con-trole consciente.

Um aspecto desse processo abrangente, de sumaimportância para a compreensão do desenvolvimen-to do esporte moderno, tem sido o controle cada vezmaior da violência no interior das sociedades, emboranão atinja o que ora conquistado no que diz respeitoàs relações entre as sociedades. De acordo com Elias,essa domesticação da agressão ocorreu acompanhadade um longo declínio na capacidade da maioria daspessoas de obter prazer ao in ringirem dor em ter-ceiros e ao testemunharem atos de violência. A esserespeito, ele se re ere ao arre ecimento da Angriffslust– literalmente a redução do ímpeto de ataque: ou seja,a domesticação do desejo consciente das pessoas deobterem prazer atacando terceiros e verem–nos so-

rer, juntamente com uma redução da personalidade

e habitus em suas capacidades de assim azê-lo. Istoestaria relacionado, de acordo com Elias, ao cresci-mento da identi cação mútua, isto é, na simpatia ecompreensão recíprocas.

Os termos “violência” e “civilização” são popu-larmente compreendidos como antíteses. Entretanto,os processos civilizadores da Europa Ocidental eram vistos por Elias como resultados não planejados dedisputas violentas pela supremacia, entre monarcas edemais lordes eudais. Estas disputas levaram à con-solidação nas emergentes nações-estados européias –em tempos distintos e de ormas di erentes -, de mo-nopólios estatais relativamente estáveis e e etivos noque concerne à violência e à tributação, que seriam aprincipal maneira de governar sociedades acima do

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nível tribal. Os estados-nação modernos oram or-mados, em grande parte, por razões bélicas, mas seumonopólio sobre a violência e a tributação provou-se

providencial a seus governantes não apenas em rela-ção ao ataque e à de esa externos, como também emrelação à paci cação interna. Ao passo que os esta-dos-nação tornavam-se mais paci cados, a estruturade personalidade e dohabitus da maioria de seu povotornava-se mais pací ca. Como veremos adiante, issose re ete no que, como sugeri anteriormente, passoua ser chamado, por volta do século XVIII, de “espor-te”. Evidências indicam que esse desenvolvimento emrelação à terminologia,habitus e instituições de lazercomeçou a ocorrer, primeiramente, na Inglaterra.

Sintetizando a teoria de Elias, mesmo que sob orisco de excessiva simpli cação, poderíamos expres-sar seu pensamento a rmando que ele acreditava serum processo civilizador o desdobramento de cincopartes-processos interdependentes que interagem en-tre si. São eles:

(a) ormação do Estado.(b) paci cação sob o controle do estado

(c) crescente di erenciação social e extensão dascadeias de interdependência.

(d) crescente igualdade de oportunidades entreas classes sociais, entre homens e mulheres e entre asgerações mais jovens e mais velhas.

(e) riqueza crescente6.Elias também mostrou como, no curso de um

processo civilizador, as disputas notoriamente vio-lentas tendem a se trans ormar em disputas relativa-mente pací cas por status, dinheiro e poder, dondena maioria dos casos, os impulsos destrutivos perma-necem geralmente contidos sob os limites da consci-ência e não são traduzidos em ação concreta. Como veremos adiante, as disputas por status deste tipo ti- veram importância undamental na separação entre

o utebol e orugby como ormas de utebol. Esse se-ria um ponto de partida coerente para começarmos aexaminar as contribuições guracionais para o estu-

do sociológico do esporte.Os estudos guracionais ou ‘eliasianos’ na so-

ciologia do esporte têm se dedicado, até o presentemomento, a nove áreas, notadamente: o desenvol- vimento do esporte moderno no contexto dos pro-cessos civilizadores europeus7; a centralidade sócio--cultural crescente do esporte assim como de sua co-mercialização, pro ssionalização e monetarização8; ohooliganismo no utebol e a violência do espectadore jogador no esporte em termos gerais9 a globalizaçãoou propagação internacional do esporte10; esporte egênero11; esporte e raça12; esporte e drogas, e os aspec-tos sociais das lesões no esporte13. O alcance dos es-portes abordados também ampliou-se e agora inclui:

utebol,rugby 14, críquete15, boxe16, baseball17, ginás-tica18, esportes motorizados19, tiro20, e artes marciais japonesas21.

Dados os limites de extensão deste artigo, melimitarei a lidar com dois desses tópicos, particular-

mente o desenvolvimento do utebol erugby e do ho-oliganismo. Começarei com algumas reminiscênciasautobiográ cas.

Em sua introdução ao nosso livro de 1986,Em busca da emoção, Elias escreveu:

Quando começamos este trabalho, a so-ciologia do esporte estava ainda em suain ância. Bem me lembro de Eric Dunningdiscutindo comigo se a questão do esporte,e particularmente o utebol seria conside-rada pelas autoridades um tema respeita-do de pesquisa nas ciências sociais, parti-cularmente numa tese de mestrado. Creioque contribuímos um pouco para que estaabordagem ganhasse o seu respeito (ELIASe DUNNING, 1986).

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Isso surgiu em 1986, cerca de 26 ou 27 anos de-pois de eu ter realizado minha pesquisa de mestradosob a orientação de Elias. Já durante os três anos em

que como estudante de graduação reqüentava suasaulas, tutoriais e seminários, eu me sentia interessadopela abordagem de meu orientador. Além disso, seuestilo de orientação aberta, não-autoritária e prestati- va, e acima de tudo as descobertas que me estimuloua realizar, levaram-me a con rmar duas coisas: pri-meiro, o sentimento de que eu estava sendo guiado nadireção correta22; e segundo, que ele mereceria umareputação muito maior enquanto sociólogo do queaquela que ele tinha nos anos 1950 e 60. Decidi, desdeentão, dedicar minha carreira a trazer suas contribui-ções para a apreciação de um público maior.

Minha primeira tare a como estudante de mes-trado oi de levantar uma bibliogra a sobre a socio-logia do esporte. O ano, entretanto, era 1959 e minhapesquisa literária destacou somente um item relacio-nado ao vocábulo “sport” em inglês que era inequi- vocamente sociológico: a mais recente dissertaçãode Gregory P. Stone “American Sports: play and dis-

-play”23. Quando relatei isso para Elias, ele respondeu:“Não se desespere, senhor Dunning”. – As universi-dades britânicas eram muito mais ormais naquelaépoca do que hoje. – “Veja se há alguma história dosesportes. Comece com o seu avorito, utebol”. Seguiseu conselho e descobri que duas ou três histórias do

utebol oram escritas. Fiz o pedido à biblioteca daUniversidade e comecei a leitura das mesmas24. Foiassim que o plano da minha dissertação oi ganhando

orma. odos os textos que li sugeriam que os jogosmodernos de utebol – utebol,rugby , regras america-nas, galesas e australianas – se desenvolveram a partirde seus antecedentes britânicos, irlandeses, italianose daqueles do norte da França, que eram signi cati- vamente mais selvagens e menos regulados do que

nossas ormas modernas. Os textos também concor-davam em sugerir que as escolas privadas e as univer-sidades, com destaque para Cambridge, tiveram um

papel undamental neste desenvolvimento.Por alar e ler alemão, eu já tinha dado uma olha-

da na biblioteca, ainda como estudante de graduação,no segundo volume do livro de Elias intitulado emalemão; “Über den Prozess der Zivilisation” em por-tuguês,O processo civilizador . Descrevi então o quelera e alei para ele: “Sr. Elias, seria esse um exemplode um processo de civilização ao qual o Sr. dedica seulivro?”, Ele respondeu: “Sr. Dunning, eu não sei. Vocêterá de ler meu livro e então o ajudarei a ormularum programa de pesquisa que o auxiliará a desco-brir”. Minha pesquisa em grande medida con rmousua teoria, assim como o ez pesquisa posterior deKenneth Sheard sobre orugby , por mim supervisio-nada25. Basicamente, o que estávamos testando resu-me-se no seguinte trecho retirado da tradução parao inglês deO processo civilizador , editado por mim,Johan Goudsblom e Stephen Mennell. Elias escreveu(nas sociedades “modernas”, “civilizadas”):

(...) beligerância e agressão encontram umespaço socialmente tolerante em competi-ções esportivas. São expressas especialmen-te ao se “assistir” tais competições (como,por exemplo, as lutas de boxe), e através daimaginária identi cação com um pequenonúmero de lutadores aos quais é dado ummoderado e controlado espaço para quedêem vazão a tais impulsos. “Viver” os im-pulsos assistindo ou mesmo simplesmenteouvindo (por exemplo, ouvindo um co-mentarista no rádio), é uma característicadas sociedades civilizadas. Isso, em parte,determina o desenvolvimento dos livros edo teatro, e in uencia, de maneira decisiva,o papel do cinema em nosso mundo. Essatrans ormação do prazer que outrora se

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mani estava como expressão ativa e agres-siva num prazer mais passivo e contido doespectador (i.e., o prazer pelo olho) inicia--se através dos preceitos condicionantesdirigida aos jovens... É altamente caracte-rístico de pessoas civilizadas que por pre-ceitos de auto-controle incutidos, evitemtocar o que desejam, amam ou detestam(ELIAS, 2000: 170).

O tabu de tocar a bola para todos os jogadorescom exceção do goleiro tornou-se, evidentemente, amaior característica di erenciadora da atual orma do

utebol. Permita-me explicar como e porque. O pro-

cesso que vou descrever é o tema do livro de 1979,Bárbaros, senhores e jogadores,de minha autoria jun-to com Kenneth Sheard (2ª edição, 2004).

Como sugeri anteriormente, as ormas moder-nas de utebol sucedem determinados jogos popula-res medievais ou do início da modernidade que erampraticados de acordo com os costumes locais, ao invésde seguirem regras escritas e burocraticamente esta-belecidas por uma instituição reguladora nacional ouinternacional. Estes jogos eram realizados em campoaberto ou nas ruas de pequenas cidades, ao invés deacontecerem num estádio ou em área especi camentemarcada ou delimitada. Eles eram jogados, não entretimes no sentido moderno, mas entre os representan-tes de grupos ocupacionais como solteiros contra ho-mens casados, ou grupos que representavam cidadesou bairros das cidades. Há também registros de par-tidas de mulheres solteiras contra mulheres casadas.Não houve tentativa, entretanto, para que os númerosentre os di erentes lados ossem equalizados. Mãos,assim como pés e algumas vezes pedaços de pau po-diam ser usados para controlar e propelir a bola, ecada lado tinha que transportar a bola para o que eraestabelecido por hábito como o gol.

A evidência da existência destes jogos consiste

de duas ontes principais: proibições por parte doEstado e das autoridades locais e descrições de jogospopulares similares tais como ohurling da Cornualha

e o knappan do País de Gales. Optei por ilustrar tais jogos e o uror que provocavam a partir de um relatode Chester que Morris Marples data de 1533 e PercyYoung, de 1539. O relato oi escrito pelo ArquidiáconoRobert Rogers (morto em 1595), num ensaio intitu-lado “Sobre os louváveis exercícios anualmente pra-ticados dentro da cidade de Chester”. Escolhi estetrecho por ser extremamente interessante do pontode vista sociológico, entre outras razões por ser umexemplo primordial em que pessoas aceitaram aquiloque sociólogos denominam “substituto uncional” ou“alternativa uncional”26 relativo a uma atividade queas autoridades da época desejavam banir. O relato dáconta do seguinte:

Como a companhia e a corporação dos sa-pateiros da cidade de Chester azem anu-almente, isto é, eriado em memória dohomem, na terça- eira, no cruzamento daRua Dee, diante do pre eito da dita cidade,

eles o ereceram à companhia dos vende-dores de roupas da dita cidade, uma bolade couro, chamada de utebol, no valor demais ou menos 3 shillings e 4 pence: e porrazão da grande disputa que surgiu entreos jovens da mesma cidade (pois diversosgrupos oram ormados para levar a ditabola, com mãos ortes e com orça, parauma das três casas, quer dizer, a casa dopre eito ou a casa de qualquer um dos doisxeri es) grande dano oi causado, seja nagrande massa que parecia em transe, sejanaqueles que tiveram seus corpos machu-cados e eridos; alguns tiveram seus braços,cabeças e pernas quebrados, e alguns ca-ram inválidos e outros caram à beira damorte; para impedir tais inconvenientes,e também para ormar e converter a dita

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homenagem em melhor uso; oi propostopelo pre eito da dita cidade, e pelo conse-lho municipal, trocar a dita bola como se

segue: que no lugar dela serão o erecidospelos sapateiros aos vendedores de roupasseis dardos27 de prata, dos quais eles apon-tariam os homens que os receberiam... (ci-tado em YOUNG, 1966)

O Pre eito de Chester na época era Henry Gee, e aalternativa uncional por ele instituída para substituiro jogohooligan do utebol oi uma corrida. SegundoMarples, o Pre eito Gee também inaugurou uma cor-rida de cavalos, hoje tida como a origem das atuaisCorridas de Chester, e ainda instituiu prêmios paracompetições de tiro (MARPLES, 1954: 46). Em ou-tras palavras, desta orma, o que era em outros relatosda época descrito como “as três atividades e práticasmais louváveis similares a eitos de guerra” oi esta-belecido como evento esportivo anual em Chester,notadamente corridas, hipismo e tiro (MARPLES,1954: 46). Presumivelmente, mesmo cientes de queo Rei Henrique VIII teria jogado utebol em sua ju-

ventude, imagino que esse ato o tenha deixado sa-tis eito. Contudo, con orme sugerido neste relato deElias, um dos grandes impulsos ao desenvolvimentodo esporte moderno oi torná-lo menos similar aoscombates de guerra, característica de seus jogos pre-decessores. As escolas privadas e universidades tive-ram papel importante nesse “processo de civilização”.Este é o tema que abordarei agora.

As ormas populares de utebol eram combati-das pelas autoridades, pelo menos desde 1314, quan-do concomitantemente a outras atividades de lazer

oram banidas em nome de Eduardo II. Alegava-seque ameaçavam a ordem pública e prejudicavam oalerta nacional de guerra, uma vez que as pessoas dei-xavam de praticar arco e echa (DUNNING 1999).

Entretanto, como hoje prova o hooliganismo dos es-pectadores, os costumes oram mais ortes que a leiem relação a essas ormas de jogos, e somente no iní-cio do século XIX as ormas populares de utebol co-meçaram não a desaparecer, mas a se tornar cultural-mente marginalizadas (DUNNING and SHEARD,1979: 21ss).

Em ns do século XVIII, início do séculoXIX, ormas distintas de utebol eram jogadas pordois grupos: pelos times locais associados aos pubs (HARVEY, 2001) e pelos jovens das principais escolasprivadas. As partidas dos pubs eram jogadas a dinhei-ro, ou serviam de ponto para apostas. Como demons-trado por Elias (em ELIAS e DUNNING, 1986), noque se re ere ao boxe e ao críquete, o elemento pecu-niário levou a certo grau de regularização, e as par-tidas passaram a ser disputadas por times não comdeterminado número de participantes, mas por timescom igual número de participantes (três de cada lado,nove de cada lado, onze de cada lado, quinze de cadalado, ou até mesmo 20 de cada lado). Contudo, con-

orme já mencionado, oi nas escolas privadas e uni- versidades – particularmente na de Cambridge, porrazões ainda não inteiramente esclarecidas – que as

ormas modernas de utebol surgiram. A esse respei-to, podemos in erir que tanto um processo civiliza-dor quanto um correspondente processo de compe-tição por status não-violento estavam em ormação.Deixem-me elaborar mais um pouco sobre o tema.

Inicialmente criadas como instituições decaridade para prover educação aos meninos pobres,as escolas privadas se trans ormaram ao longo dosséculos XVIII e XIX em internatos para as classesmédias e altas. Pelo menos duas conseqüênciasdiretas se sucederam dessa apropriação das elites: aprimeira re ere-se ao ato de que a disparidade de

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classes numa escola em que pro essores de classemédia eram encarregados de educar jovens que

requentemente provinham de um estrato social

superior ao dos primeiros, implicava o ato deque muitas vezes os mestres não eram capazes deevitar alguma orma de auto-governo por parte dosmeninos: re ro-me ao sistema pre ect- agging 28.A segunda era que essa discrepância de poder estatus, levava a problemas crônicos de disciplinanas escolas, algumas vezes tomando até a orma derebelião declarada (DUNNING and SHEARD, 1979;DUNNING, 1999).

Os esportes, incluindo o utebol, eram umdos meios empregados pelos mestres para lidar comos problemas de disciplina. odavia, as ormas de

utebol das escolas privadas eram, inicialmente, tãoselvagens e desregradas quanto as populares. Daí,as limitações de seus e eitos pedagógicos. Aliás,nas escolas privadas, a agressividade do utebolse exacerbava. Nelas, o jogo acabou se tornandoum meio dos alunos mais velhos provarem asuperioridade sobre os mais jovens. Uma das tare as

típicas dos ags (os meninos mais jovens) era o quese chamava de agging out . Isso signi cava que os ags eram obrigados pelos meninos mais velhos, a jogarem em posições restritas a manterem o gol.Assim, eram obrigados a se per larem na linha de

undo. Outrossim, temos in ormações dando contade que em Westminster, no início do século XIX, osmeninos pequenos, os mais lerdos e os unk-sticks

aziam as vezes dos goalkeepers (goleiros), doze aquinze em cada extremidade do campo.Douling ,como se denominava o utebol em Shrewsbury, era amesma palavra usada para descrever o agging . rata-se de uma expressão derivada da palavra grega quesigni ca “escravo”. Em Winchester, ainda no início doséculo XIX, meninos ( ags), um em cada extremidade,

substituíam os gols, sendo que a bola tinha que serchutada entre as pernas abertas do menino paramarcar gol. Meninos en leirados também serviam

para demarcar os limites do campo.O manuseio da bola, bem como os chutes, era

permitido em todas as escolas privadas a essa altu-ra. odas as ormas de utebol nelas jogadas eram violentas. Por exemplo, no utebol de campo emCharterhouse, “ requentemente jogadores quebra- vam as canelas visto que muitos usavam sapatos pro-tegidos com pontas de aço, e se orgulhavam de darmais do que de levar (caneladas)!”. Botas protegidascom pontas metálicas também eram usadas noRugby onde eram chamadas denavvies. De acordo com umregistro de 1920, asnavvies tinham uma sola muitogrossa cujo per l, na altura do dedão, se assemelhavaao aríete da proa de um encouraçado (DUNNINGand SHEARD, 1979, 2004; DUNNING, 1999).

As regras escritas do utebol oram inicialmenteormuladas em Rugby em 1845. Rugby, sob o coman-

do de Tomas Arnold, ora também a primeira esco-la privada onde uma re orma e etiva do sistema de

pre ect- agging oi realizada. Eram desenvolvimentoscivilizadores: a re orma do sistema de pre ect- aggingpor que reduzia o poder arbitrário dos mais velhosem relação aos mais jovens; a codi cação e regulari-zação do utebol, pois esses processos tinham o obje-tivo de abolir o uso dosnavvies e de reduzir a violên-cia de práticas tais como as caneladas e as entradas violentas/carrinhos. ambém há razões para se crerque a re orma da prática de pre ect- aggingora pré--condição para a re orma do utebol na escola.

A segunda escola privada a codi car suas regrasde utebol no papel oi Eton, em 1847. Suas regras

oram, em muitos aspectos, diametralmente opostasàquelas de Rugby onde carregar a bola e pontuar aochutar a gols em orma de H oram instituídas em

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1845. A título de exemplo, uma das regras de 1847,em Eton, estipulava: “mãos só podem ser usadas paraparar a bola, ou tocá-la quando atrás. A bola não deve

ser carregada, jogada ou atingida pela mão”. Essas re-gras podem ser vistas como as regras embrionáriasdo “ utebol” (DUNNING, 1999).

Por que teriam os garotos de Eton criado tal jogo? Sob a direção de Arnold, a ama da EscolaRugby começara a se espalhar e, com ela, a ama deseu utebol. Os garotos de Rugby, encorajados pelocorpo docente, procuravam, parece razoável supor,chamar atenção para si, ao desenvolverem um jogopróprio. Pareceria igualmente provável que ao de-senvolverem uma orma de utebol também própria,porém em muitos aspectos diametralmente distintado jogo de Rugby, os etonianos estivessem delibera-damente tentando colocar os esnobes rugberianos noseu lugar. Como mencionei anteriormente, segundoElias (2000), a competição de status, entre grupos daclasse alta e da classe média ascendente, teve um im-portante papel nos processos civilizadores da Europa.

Particularmente, nas “ ases da colonização”

membros da última adotariam as maneiras e padrõesda primeira, levando os grupos das classes superiores,em “ ases de repulsa”, a desenvolverem, como meiosde demarcação de status e exclusão, padrões mais re-

nados, incluindo a exigência de um auto-controlecada vez maior. As mãos estão entre os instrumentoscorporais mais importantes dos seres humanos e, aoimporem um tabu quase absoluto ao seu uso no jogo,os etonianos estavam estabelecendo que os jogadoresaprendessem a exercer um auto-controle de elevadonaipe. Hoje, em uma sociedade na qual o utebol azparte do dia a dia, e na qual as crianças aprendem des-de pequenas a chutar a bola e não usar as mãos, issonão parece ser uma exigência muito di ícil. odavia,quando oi introduzida pela primeira vez, deve ter

sido o equivalente a equilibrar ervilhas na parte detrás de um gar o. De ato, ouvimos alar que quan-do os etonianos e outros tentaram apresentar o jogo

“sem mãos” a membros do proletariado, estes eramconvidados a jogar segurando umshilling em cadamão, podendo car com o mesmo se conseguissemnão usar suas mãos durante todo o jogo!

Um apoio em de esa da hipótese de competi-ção de status vem do ato de a rivalidade entre Etone Rugby ser um importante eixo das tensões do u-tebol em Cambridge, em meados do século XIX(DUNNING, 1999). Por exemplo, sabemos que em1848, no rinity College, “o pessoal de Eton protes-tava aos gritos contra o pessoal de Rugby por usa-rem as mãos”. Eles consideravam evidentemente talprática vulgar. As regras sérias do utebol oram or-muladas em Cambridge entre 1837 e 1842, em 1846,em 1848 e por volta de 1856 e 1863. Os estudantesdo rinity College, provenientes de Eton, oram pre-dominantes nas ormulações dessas regras, com des-taque para aquelas do ano de 1863 (CURRY, 2001).

ais regras baseavam-se principalmente no “Jogo de

Campo de Eton” e ormavam o conjunto de estipula-ções sobre as quais oram erguidas as primeiras regrasda Football Association (FA), igualmente em 1863.

Nos anos de 1850 e 1860 o Rugby se espalhoumais ampla e rapidamente do que o utebol. Contudo,isso mudou, em 1871-1872, com a introdução dacopa FA que aumentou a popularidade do utebole o jogo tornou-se, imediatamente, predominantena classe trabalhadora, e pro ssional nos níveismais altos. Essa reversão de status entre o utebol eo rugby ez com que um mestre do Oxbridge Collegedescrevesse o utebol, numa conhecida passagem,como: “um jogo para senhores cavalheiros jogadopor hooligans” e orugby como “um jogo parahooligans jogado por cavalheiros”.

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Finalmente, dirigirei minha atenção à pesquisaguracional do hooliganismo, e porque esseenômeno criou raízes tão ortes no utebol.

A abordagem guracional do hooliganismo noutebol não constitui uma “super teoria” que explica

tudo sobre o enômeno. Ela pode ser consideradauma base a partir da qual se pode construir conhe-cimento. em como características basear-se numasíntese de psicologia, sociologia e história, além deenvolver uma exploração dos signi cados do com-portamento hooligan para os próprioshooligans. Aesse respeito, a análise de uma série de depoimentosde hooligans eitos há mais de 30 anos revelou que,para os jovens envolvidos, as brigas dos hooligans no

utebol estão relacionadas, sobretudo, à masculinida-de, à disputa territorial e à emoção. Para eles, a brigaé uma onte central de signi cado, status ou “repu-tação” e uma prazerosa incitação emocional. Eles sere erem ao respeito entre seus camaradas que o en-gajamentohooligan provoca, à “emoção da briga”, à“instigação da adrenalina” e à “violência”, como quase

sendo estimulantes eróticos. E etivamente, Jay Allan – um membro líder dos “Aberdeen Casuals”, uma tor-cidahooligan do utebol escocês – descreveu as brigas

no utebol, em 1890, como mais prazerosas, até, doque o sexo (ALLAN, 1989). O escritor americano BillBul ord, que viajou comhooligans do utebol inglêsna década de 1980, descreveu o enômeno assim: “...a violência é uma das experiências mais intensamen-te vividas e, para aqueles capazes de se entregarem aisso, é um dos prazeres mais intensos... a violência demassas era a droga deles” (BULFORD, 1991: 201).

A tabela a seguir sintetiza o que é sabido arespeito das classes ocupacionais doshooligans ingleses empregados e a tendência entre 1968 e 1987.Pesquisa sobre a classe social doshooligans na Escócia(HARPER, 1989), Bélgica (VAN LIMBERGENet al .1987), Holanda (VAN DER BRUG, 1986) e Itália(ROVERSI, 1994) indica que oshooligans de outrospaíses vêm de um meio social similar, mas nãoidêntico, àqueles de seus correspondentes ingleses.

Tabela

Tendências nas classes ocupacionais dehooligans ingleses empregados, 1968-1998*

Classe ocupacional Harrington, 1968 Dunning et al., 1988 Armstrong, 1995 Nr % Nr % Nr %Pro ssional 2 0.5** 3 2.1Intermediário 8 5.7 7 4.9Com habilidades não manuais 19 4.9 2 1.42 24 16.8Com habilidades manuais 50 12.9 34 24.1 67 46.8Com poucas habilidades 112 28.8 10 7.0 14 9.8Sem habilidades 206 52.9 25 17.7 28 19.6

Fonte: Dunning, Eric (2000)

*Os dados excluem alunos do ensino médio, aprendizes, desempregados e aqueles com ocupações não classi cadas no esquema deRegistro Geral.** Pro ssional e intermediário oram classi cados juntos.

O ato de a desordem do espectador violentoocorrer mais requentemente no utebol que em qual-quer outro esporte seria, portanto, em parte, unção

da composição social das multidões que atrai. O ute-bol é o esporte de equipe mais popular do mundo, amaioria de seus espectadores são homens e vêm das

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aixas mais baixas da escala social, isto é, de meiossociais onde as normas, quando comparadas às dasclasses médias e altas, tendem a legitimar uma maior

incidência de agressividade, bem como, de violênciano quotidiano29. Mais especi camente, muitos ho-mens das classes mais baixas tendem a desenvolverum habitus e maneira de apresentar-se ao mundomais violenta e agressiva. Isso envolve um complexocódigo comportamental adquirido que, entre outroselementos, decorre undamentalmente de: (a) umpadrão precoce de socialização caracterizado pelorecurso ácil à violência por parte dos pais e irmãos;(b) socialização nas ruas entre adolescentes, ex: em“gangues de adolescentes” (DUNNINGet al ., 1988);e (c) rejeição e ressentimento relativo aos valores es-colares pedagogicamente aprovados (PAUL WILLIS,1977). Nessas gurações, por serem a habilidade e a vontade de lutar critérios para integração e prestígiono grupo, isto é, para que esses indivíduos se enxer-guem e sejam vistos no seu ‘status’ de homem/macho,eles aprendem a associar a instiga da adrenalina emsituações de lutas, a sentimentos calorosos, grati can-

tes e prazerosos, ao invés de a sentimentos de culpa eansiedade, que geralmente acometem a maior parteda sociedade quando testemunha a violência real (emoposição à “mimética”).

Esse tipo dehabitus violento tende a se re orçarà medida que esses homens vivem e trabalham emcontextos caracterizados pelo elevado nível de segre-gação baseado em gênero e idade. Isto se deve à rela-tiva ausência da presença “suavizante” eminina, bemcomo à ausência da presença ponderada dos homensde mais idade. Além disso, na maioria das sociedades,os grupos que ocupam posições mais baixas na escalasocial, são menos propícios a serem altamente indivi-dualizados e mais propícios a ormarem intensos la-ços de identi cação no modelo “nós-grupo” (ELIAS,

1978: 134-138) levando a uma hostilidade igualmenteintensa em relação aos “de ora” (ELIAS, 1994).

O contrário seria o caso dos grupos mais pode-

rosos, auto governados e inibidos que se situam emposição social mais elevada. Num jogo de utebol, éclaro, os “de ora” são o time adversário e seus torce-dores, e, em alguns casos, os juízes e bandeirinhas. O

utebol tende a ser escolhido por esses grupos comoum contexto para se brigar por que trata também demasculinidade, territorialidade e emoção. Dado umpadrão de viagens para partidas ora de casa, o jogotambém ornece regularmente um conjunto prontode oponentes contra os quais lutar. Além disso, gran-des multidões criam um contexto em que é possívelo indivíduo comportar-se violentamente e de outrasmaneiras desviantes com boas chances de não ser de-tectado ou preso.

Dito isso, seria errado enxergar o hooliganismono utebol como unção sempre e em todo lugar, ape-nas ou principalmente da classe social. Nem mesmoa Inglaterra e o resto do Reino Unido escapam de terseushooligans de classe média e classe alta. Ademais,

como proposta para uma próxima pesquisa, seriarazoável supor, por hipótese, que o problema é tam-bém moldurado e incitado,ceteris paribus, pelo quese pode chamar das grandes linhas de tensão de cer-tos países. Na Inglaterra, isto seriam as di erenças edesigualdades regionais e de classe; na Escócia e naIrlanda do Norte, o sectarismo religioso; na Espanha,o sub-nacionalismo com base, em parte, no idiomados catalões, castelhanos e bascos; na Itália, parti-cularismos entre as cidades e talvez a divisão entreNorte e Sul expressa na “Liga Norte”; e na Alemanha,relações entre as gerações (HEI MEYER e PE ER,1992; ELIAS, 1996) e entre a Alemanha Oriental ea Alemanha Ocidental. Linhas de tensões religio-sas, sub-nacionais, entre cidades, regionais, e entre

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gerações podem seduzir mais pessoas de altas clas-ses ao hooliganismo [em outros países]30 do que naInglaterra.

É indiscutível, entretanto, que uma característicacomum de todas essas linhas de tensão – e, é claro,cada uma pode se sobrepor e interagir com as demaisem uma variedade de combinações complexas – éque elas correspondem ao que Elias (1994) chamavade “ gurações estabelecidas em relação aos de ora”,isto é, ormações sociais que envolvam ortes laços“nós grupo” (“nós/nosso grupo”) e um antagonismoproporcionalmente inverso em relação aos “de ora”ou “grupos deles/eles”.

O vínculo do hooliganismo com o utebol é tam-bém, em parte, unção da grande exposição que o jogo tem na mídia global. Outros jogos não recebemtanta cobertura da mídia, assim, a violência que osacompanha não é tão publicamente aparente. A mí-dia também tende a gerar mitos e isso, igualmente,contribui para a percepção pública. Por exemplo, dosúltimos anos da década de 1920 até meados da décadade 1960, a ocorrência do hooliganismo no utebol nas

Américas Central e do Sul, na Europa Continental(em especial nos países latinos), na Escócia, no Paísde Gales e na Irlanda do Norte, oi regularmente re-gistrada pela imprensa inglesa, em conjunto comdeclarações de que tal comportamento “não poderiaacontecer na Inglaterra”. odavia, o comportamentodesordeiro nas partidas de utebol na Inglaterra, jáera reqüente antes da Primeira Guerra Mundial enunca se extinguiu por completo (DUNNINGet al .,1988: 32-90). Os anos sessenta oi o período no qualas ormas atuais do hooliganismo no utebol inglês ea cobertura da mídia, que às vezes beirava o pânicomoral, começaram a surgir.

Como conclusão, é preciso deixar uma coisaper eitamente clara. Não considero meu argumento

sobre as “linhas de tensão” como pressuposto com validade além de hipóteses de trabalho. Elas precisamser submetidas a uma discussão crítica e aberta que

seja, ao mesmo tempo, pública e justa. Mais do quetudo, elas precisam ser testadas por meio de pesqui-sas empíricas de âmbito nacional sistematicamentebalizadas por teoria. Indubitavelmente terão de serrevisadas, expandidas, modi cadas e talvez até mes-mo completamente rejeitadas. É minha esperança,entretanto, que possam servir de plata orma para odesenvolvimento de um programa de pesquisa nacio-nal relativo ao hooliganismo no utebol, contribuindopara uma compreensão ampliada do assunto e crian-do uma base para a ormulação de políticas maise etivas de combate ao problema ao redor do globo,assim como em níveis europeu e nacional. ais polí-ticas precisam urgentemente ser implementadas se agrande invenção social do utebol tiver que ser prote-gida da séria ameaça atualmente posta pela combina-ção de torcedores hooligans, políticos complacentes,hiper-comercialização e donos de clubes, diretores e jogadores gananciosos, que são, algumas vezes, cor-

ruptos, e anômicos.

Notas1 Como será discutido neste artigo, uma orma violenta do

utebol popular oi reprimida em Chester, uma cidade nonoroeste inglês, e supostamente substituída com sucessopela corrida a pé, corrida a cavalo e torneios de arco.

2 Gostaria de aproveitar esta oportunidade para expressar mi-nha sincera gratidão a Pat Murphy, Ken Sheard e Ivan Wa-ddington. Nos anos em que trabalhamos juntos eles me aju-daram de maneiras di erentes e não apenas academicamente.Sou muito grato a eles.

3 Elias estabeleceu suas distintas, e, a meu ver, em sua maio-ria, visões corretas de uma sociologia mais pro unda emWhat is Sociology? (1978).

4 É claro que são os marxistas que explicam a estrutura sociale a mudança social de maneira reducionista ao se re eriremà idéia de propriedade dos meios de produção ou “ orçaseconômicas”. Max Weber adicionou o controle dos meios de violência à equação. Entretanto, Elias rejeitou ambos, tanto

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o “ ator teorizante” quanto a idéia de que explicaçõesLaw-like rotuladas de “lei” sejam adequadas em relação ao nívelsocial da realidade. Ele pre eriu o que chamava de “estruturae explicações de processos”.

5 Enquanto Elias e Dunning usavam a teoria dos processoscivilizadores em relação ao estudo sociológico do esporte,Johan Goudsblom (1992) assim o ez em relação ao estudodo ogo, Stephen Mennell (1987) segue a tendência no quese re ere ao estudo da comida e Jason Hughes (2003) com oestudo do umo.

6 A esse respeito, depreende-se logicamente, que umasociedade que vai cando mais pobre, ou onde o Estadoperde o seu monopólio da violência e sobre os tributos,so rerá experiências “des-civilizadoras” e talvez um processo“des-civilizador” de magnitude e duração maior ou menor.

7 Norbert Elias and Eric Dunning, Quest or Excitement:Sport and Leisure, inTe Civilizing Process (1986); Eric

Dunning, Sport Matters: sociological studies o sport, vio-lence and civilization (1999).

8 Eric Dunning and Kenneth Sheard, Barbarians,Gentlemenand Players: a sociological study o the development o rugby ootball(1979, 2004).

9 Eric Dunning, Patrick Murphy and John Williams,TeRoots o Football Hooliganism (1988); Patrick Murphy, JohnWilliams and Eric Dunning,Football on rial (1989); EricDunning, Patrick Murphy, Ivan Waddington and AntoniosAstrinakis (eds),Fighting Fans: Football Hooliganism as aWorld Phenomenon(2002).

10 Joseph Maguire,Global Sport: identities, societies, civiliza-tions(1999); “Sport and Globalization” in Jay Coakley andEric Dunning (eds),Handbook o Sport Studies(2000).

11 Eric Dunning, (1999) “Sport, Gender and Civilization”,capítulo nove in Sport Matters, Routledge, London.

12 Eric Dunning, “Sport in the Process o Racial Strati cation:the case o the USA”, chapter eight in Sport Matters (1999).

13 Ivan Waddington (2000), Sport, Health and Drugs, Lon-don, E. & F.N. Spon.

14 Eric Dunning and Kenneth Sheard, (1979), Barbarians,Gentlemen and Players, Ox ord, Martin Robertson; re-is-sued in 2004 with a new appendix, by Routledge, London.

15 Dominic Malcolm (2004), “Cricket: Civilizing and De-Civ-ilizing Processes in the Imperial Game” in Dunning, Mal-colm and Waddington (eds), Sport Histories.

16 Ken Sheard (2004), “Boxing in the Western Civilizing Pro-cess”, in Dunning, Malcolm and Waddington, eds, op. cit.

17 Daniel Bloyce (2004), “Baseball: Myths and Democratiza-tion”, in Dunning, Malcolm and Waddington, op. cit.

18 ansin Benn and Barry Benn (2004), “Afer Olga: Develop-ment in Women’s Artistic Gymnastics Following the 1972“Olga Korbut Phenomenon”, in Dunning, Malcolm and

Waddington (eds), op. cit.19 Alex witchen (2004), “Te In uence o State Fornication

Processes on the Early Development o Motor Racing”, inDunning, Malcolm and Waddington (eds), op. cit.

20 Stuart Smith (2004), “Clay Shooting: Civilization in theLine o Fire” in Dunning, Malcolm and Waddington (eds),op. cit.

21 Koichi Kiku (2004), “Te Development o Sport in Japan:Martial Arts and Baseball”, in Dunning, Malcolm and Wad-dington (eds), op. cit.

22 O Departamento de Sociologia de Leicester era muito en-gajado naqueles dias. Um dos tópicos mais discutidos entreos estudantes e corpo docente era a posição de Norbert Eliasao que era chamado de “developmental sociology”. Eu melembro mais especi camente de dois debates acalorados,mas “civilizados” e construtivos entre Norbert e John Gol-dthorpe e Norbert e Percy Cohen. anto Goldthorpe quanto

Cohen usaram a obra de Karl Popper (1957)Te poverty ohistoricism (London Routledge) como a base teórica paraatacar Elias. Fui inspirado a lerTe poverty o historicismmuito cuidadosamente e escrever mais tarde “In de enceo developmental sociology: a critique o popper’s poverty ohistoricism, with Special Re erence to the theory o AugusteComte” , Amsterdams Sociologisch ijdschrif, vol. 4, no.3, 1977: 327-349. Reprinted in Eric Dunning and StephenMennell (2003) (eds), Norbert Elias, London, Sage.

23 Greg Stone oi um dos pioneiros da sociologia do esporte eteve um papel ativo na primeira ase do Comitê Internacio-nal da Sociologia do Esporte (hoje a Associação Internacio-nal da Sociologia do Esporte).

24 Bastante relevante entre esses livros oi Athletics and Foo-tball , 1887, de Montagu Shearman. London; Francis P.Magoun, 1938, A history o ootball rom the Beginningsto 1871, Cologne; and Morris Marples, 1954, A history o ootball , London.

25 A tese de Ken Sheard está incorporada, junto com a minha,em nosso Barbarians and players (1979; 2004). A tese deKen oi intitulada de Rugby Football: a Study in Develop-mental Sociology, Leicester, 1971. Minha tese oi intituladaEarly Stages in the Development o Football: an Account oSome o the Sociological Problems and the Development oa Game, Leicester, 1961.

26 R.K. Merton, (1957),Social theory and social structure, NewYork, the Free Press.

27 No original, “gleaves”, palavra do inglês arcaico, de origemrancesa. Atualmente, o termo utilizado é “javelin”, o tipo de

dardo usado nas Olimpíadas, que é arremessado à distância(Nota do revisor técnico).

28 Nota do tradutor: O enômeno d e agging, desconhecidono Brasil, re ere-se a um costume que talvez tenha suas ra-

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ízes na Idade Média e, na Inglaterra, chegou até o início doséculo XX. rata-se de um arranjo em que os alunos maisnovos eram obrigados a servir os mais velhos. A contrapar-tida era uma orma de tutoramento e até proteção contra o

que hoje seria reconhecido como bullying.29 Os membros destes grupos são mais susceptíveis a se con-

ormarem em público (embora não necessariamente emprivado) em relação às normas o ciais, em grande parte porque eles têm mais a perder do que as pessoas mais abaixo naescala social.

30 Ên ase do tradutor.

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Wilhelm Heitney & Jörg Peter (1992), JugendlicheFussball ans, Weinheim, Munique: Juventa.

radução:Gregor Guedes Alcoforado

Revisão técnica da tradução:Jorge Ventura deMorais

Janeiro de 2011

(Recebido para publicação em janeiro de 2011. Aceito emevereiro/11).

“FIGURANDO” O ESPORTE MODERNO:...

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D O S S I Ê

EL EQUIPO JUSTO

Muchas de las disputasutbolísticas tanto entre entre-

nadores y jugadores así comoentre jugadores de un mismoequipo ocupan, a menudo, unlugar destacado en las crónicasy las discusiones deportivas.Un resonante caso reciente uela resolución de los jugado-

res ranceses de no entrenarseantes del último partido que jugaron en la Copa MundialSudá rica 2010 en solidaridadcon Nicolás Anelka, quien ha-bía sido expulsado del equipopor la Federación Francesa deFútbol tras una tempestuosadiscusión en el vestuario conRaymond Domenech, su en-

trenador. Éste consideró la re-solución de los jugadores como“una aberración, una imbecili-dad, una estupidez sin nombre.”1 En orma de castigoDomenech dejó a varios jugadores usualmente titu-lares en el banco de suplentes. Otro caso ilustrativo

ue el relevamiento de John erry como capitán dela selección inglesa a comienzos del 2010 por su re-lación extramatrimonial con la novia rancesa de uncompañero de equipo.2 Quizá con menos glamour ,pero igual de controvertidas son las conjuracionesde jugadores, casi nunca admitidas, para remover aun entrenador o los improperios que jugadores y en-trenadores se pro eren mutuamente, a veces rentea multitudes de televidentes, ante decisiones que no

son compartidas. Ahí están losinsultos que Diego ArmandoMaradona le espetó en 1993a Carlos Salvador Bilardo, suentrenador en el Sevilla FC,mientras se retiraba del cam-po de juego disgustado porla decisión del entrenador dereemplazarlo.3

A pesar de que estos ejem-plos, y gran parte de la realidadutbolística, resaltan la necesi-

dad y la importancia de la re-exión sobre las condiciones y

el trato que todos los integran-tes se deben unos a otros enun equipo justo, la misma es

recuentemente aplazada. “Alestar dominado por una lógica

instrumental, la premura de lainmediatez y un áspero senti-do de la supervivencia,”4 en el

mundo del útbol actual, el equipo justo es asociadoprevalentemente con cuestiones técnicas y tácticasdel juego en detrimento de ideales que pueden signi-

car un útbol más equitativo, rico y bello. En unciónde esta situación, nuestro objetivo en este artículo esarticular principios de endibles que deberían preva-lecer en la gestión interna de un equipo de útbol.5 Aquí abocamos por equilibrar la tendencia prevalen-te por medio de una re exión moral de lindes polí-ticos que entrelaza virtudes tales como la igualdady el respeto a la autonomía personal con un patróndistributivo que tiene en cuenta las habilidades ísicas

CÉSAR R. TORRES*

JESÚS ILUNDÁIN-AGURRUZA**

RESUMOO objetivo do artigo é articular princípios defensáveisque deveriam prevalecer na gestão interna de umaequipe de futebol. Aqui, procuramos equilibrar atendência prevalecente por meio de uma reflexãomoral de linhas políticas, entrelaçando virtudes taiscomo a igualdade e o respeito pela autonomiapessoal com um padrão distributivo que tenha emconta as habilidades físicas e os parâmetros deexcelência próprios do futebol.Palavras chavePalavras-chave: gestão; moral; futebol; equipeesportiva; igualdade.

ABSTRACTThe aim of the paper is to articulate defensibleprinciples that should govern the internalmanagement of a football team. Here we seekto balance the prevailing trend by means of areflection of moral lines that interweaves politicalvirtues such as equality and respect for personalautonomy with a distributive pattern that takesinto account the physical abilities and theparameters of excellence internal to football.KeywordsKeywords: management; moral; football; sportsteam; equality..

* Department of Kinesiology, Sport Studies, andPhysical Education (KSSPE) The College atBrockport - State University of New York

** Departamento de Filosofia, Linfield College,McMinnville, Oregon, USA. Ph.D. in Philosophy,University of Illinois at Urbana-Champaign.

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EL EQUIPO JUSTO

y los estándares de excelencia propios del útbol.Comenzamos discutiendo el útbol como prácticasocial y luego contrastamos dos modelos contrapues-

tos de entrenadores. Una vez que ambos modelos sonanalizados críticamente, el aparato teórico resultantese emplea para articular los principios que deberíanprimar en un equipo de útbol que se precie de justo.De esta manera, se solventan, entre otros, problemasprácticos que surgen debido a la distribución de re-cursos escasos –como el tiempo de juego–; la posibletensión entre el talento, el mérito y el es uerzo; el li-derazgo; y la relación entre entrenadores y jugadores.Como se verá, en el equipo justo impera un modeloecléctico de justicia.

El fútbol como práctica social: colaboración,bienes internos y excelencia

El útbol orma parte de un elenco de complejasactividades culturales que los humanos hemos de-sarrollado a lo ancho y largo del tiempo. El lóso oAlasdair MacIntyre llama a tales actividades “prácti-

cas sociales”. Para que una actividad pueda cali car-se como práctica social, MacIntyre explica, debe seruna “ orma coherente y compleja de actividad hu-mana cooperativa, establecida socialmente, mediantela cual se realizan los bienes inherentes a la mismamientras se intenta lograr los modelos de excelenciaque le son apropiados a esa orma de actividad y lade nen parcialmente”.6 Aquí se encuentran los ele-mentos clave por los que nuestra discusión deambu-la, ya que toda práctica social orecerá en la medidaen que se colabore, se cultiven sus bienes internos yse satis agan sus estándares de excelencia. Prácticassociales notables son las artes, las ciencias y, claro, los juegos y los deportes.

Acotando el terreno de juego del concepto de

práctica social, citamos a MacIntyre de nuevo: “El juego de ‘tres en raya’ no es un ejemplo de prácticaeneste sentido, ni el de saber lanzar con destreza un ba-

lón; en cambio el útbol sí lo es y también el ajedrez.”7 La di erencia radica en que las primeras son merasactividades que no orman una compleja actividadsocial cooperativa caracterizada por bienes internos,relacionados con el buen juego que mani estan losestándares de excelencia (en el caso del útbol, estosbienes son las habilidades ísicas y las tácticas que lohacen posible). El juego del balompié – como la mú-sica o la arquitectura – cumple tales requisitos concreces. A continuación presentaremos tres aspectosclave de la aplicación de las ideas de MacIntyre al ú-tbol como práctica social: la colaboración, los bienesinternos, y los estándares de excelencia.

El primer elemento es la colaboración. Formarparte de una práctica social requiere el sometimiento voluntario a los cánones que la tipi can y relacionarsede manera adecuada con la comunidad de practican-tes. Con respecto a la primera condición el lóso oescocés aclara que “entrar en una práctica es aceptar

la autoridad de esos modelos [de excelencia] y la cor-tedad de mi propia actuación, juzgada bajo esos cri-terios.”8 El pro undo respeto hacia la comunidad queesto implica posibilita por ende desarrollar, mantenery avanzar los estándares de excelencia.

Antes de discutir los bienes internos y los están-dares de excelencia, tratemos el asunto de la lógicainterna del útbol; ayudará a entender éstos y el mis-mo juego mejor. A n de cuentas es tal lógica lo quedi erencia unas prácticas sociales de otras: buscandi erentes objetivos que se satis acen de maneras di- versas. En el caso del útbol, y de la manera más sim-ple, el objetivo es que el balón cruce cierta línea en elcampo contrario. Para per lar esto conviene salir delperímetro marcado por las líneas en el campo, literal

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y gurativamente, y mirar al concepto de los juegos ylas reglas constitutivas.

Algo que distingue a los juegos, dentro de cuya

órbita cae el útbol, es que crean problemas arti cia-les que limitan de antemano los medios permisiblesa la hora de resolverlos.9 En otras palabras que haceneco a las ideas de José Ortega y Gasset: los juegos sonlos campeones de lo super uo. A n de cuentas, paraOrtega lo super uo es en verdad la uente de vitalidady creatividad, en oposición a lo meramente utilitario ypráctico, y el deporte es el caso más claro y laudable.10 Esto es algo único y muy interesante en comparacióncon otras prácticas sociales, ya que la conveniencia yel pragmatismo priman en ellas por necesidad. Unneurocirujano ha de utilizar todo medio posible paraen rentarse a sus peliagudas operaciones. Caso deno hacerlo, digamos probando a operar con la manomenos hábil, no obra correctamente como cirujano.Sin embargo, para los juegos es esencial aparcar lopráctico precisamente en loor de lo innecesario. Un jugador de útbol ha de mover el es érico con los pies,cabeza o pecho, evitando usar manos o brazos, o una

catapulta bien calibrada a pesar de su conveniencia ye ciencia. El jugador que subrepticiamente palmea elbalón rompe las reglas que especi can cómo cumplirel objetivo.

Estas son las reglas “constitutivas”. Se encargande, al menos, tres unciones: 1) establecer el objetivodel juego; 2) de nir y delimitar lo que es permisiblepara conseguir el objetivo establecido, dando al juegosu personalidad o caracterizando su lógica interna,así di erenciándolo de otros deportes y juegos conbalones; 3) prescribir medios menos e cientes paracumplir el objetivo, o sea crean obstáculos arti cia-les. Muchos juegos y deportes toman como objetivolograr que el balón cruce una línea (por ejemplo, elbalonmano o el waterpolo), más es sólo el útbol el

que dándole una patada a la ortodoxia, se decantaprimariamente por el más di ícil arte del pie. Dichasreglas, son centrales y de obligatoriedad universal (si

bien pueden su rir leves cambios).11

Otro tipo de reglas, las “regulativas”, buscan ac-tualizar el juego cuando este es interrumpido pormedio de una estipulación de métodos que permi-ten reanudarlo.12 Supeditadas a las constitutivas, queson esenciales al de nir el juego, las regulativas sonprácticamente imprescindibles a causa de los avataresdel útbol y la necesidad práctica de que los partidoslleguen a término. Además crean habilidades ísicaspropias, llamadas restaurativas. A saber: saques de es-quina y de banda, penaltis, tiros directos e indirectosy más. Éstas son contingentes de una manera di e-rente a las anteriores. Cambiarlas no supone modi-

caciones centrales en el útbol. No cambian la na-turaleza del juego, sino cómo se reestablece despuésde una interrupción. Dado esto, son modi cables.

omemos por ejemplo el uera de juego, losó ca-mente apropiado porque todo gira alrededor de unalínea imaginaria entre la posición del atacante y los

de ensas, y que ha su rido varias encarnaciones a lolargo de su historia.13

Aquello que separa a los deportes de los juegoses que los primeros perentoriamente requieren eldespliegue de habilidades ísicas. Así mientras jugaral parchís o al ajedrez no requiere habilidad ísica –el jugar bien no depende de nuestra mayor o menordexteridad a la hora de mover ísicamente las chas opiezas – el útbol, o cualquier deporte, implica el em-pleo y desarrollo de habilidades ísicas propias y úni-cas prescritas por las reglas constitutivas. La riquezade pases utbolísticos se debe precisamente a la nece-sidad de hacer rente a numerosos problemas sobrela pelusa que han de resolverse empleando di eren-tes habilidades ísicas: chutar, driblar, ntar, regatear,

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EL EQUIPO JUSTO

desmarcarse o marcar, hacer la pared o un pase detaco, e in nidad más. Estas habilidades, llamadasconstitutivas, son los bienes internos.

Los bienes internos son el segundo elementoclave del aparato teórico de MacIntyre. En el útbolestos bienes sólo pueden obtenerse por medio del so-metimiento voluntario a las reglas que hacen posibleel juego en primer lugar, y que marcan acciones y re-sultados propios y únicos de este deporte. Son habili-dades ísicas centradas en el manejo del es érico pre-dominantemente con los pies. Por ejemplo, técnicascomo la gambeta o la bicicleta son habilidades carac-

terísticas del útbol, valoradas dentro del contexto del juego. Mientras que dentro del césped, la habilidadpara pasar con el borde interno o externo del pie esclave, uera de él es banal.

Como MacIntyre aclara, la realización y expan-sión de los bienes internos bene cia a toda la comu-nidad implicada en la práctica social, a di erencia delos externos donde se compite por sobresalir y que re-sulta en ganadores y perdedores.14 Cuando Pelé re nala tijereta o inventa un regate nuevo sale bene ciadala comunidad utbolística en su totalidad. Los bienesinternos jan el valor del útbol en el juego mismo; la justi cación no se haya en supuestos bene cios exter-nos. Los bienes internos utbolísticos se centran en lacalidad del juego, “al útbol se gana jugando bien” diceel ex entrenador brasileño del Real Madrid VanderleiLuxemburgo, y en saber apreciarlo para el seguidor.15 Cuando estos bienes priman el resultado es un juegomejor, más bello. Un credo que Ronaldinho abraza,cuando explica que le “gusta jugar con el balón y ha-cer las cosas bonitas”, añadiendo que “siempre quiero jugar lo más rápido y atractivo posible”.16 Estos bienestienen carácter no-instrumental porque se persiguenpor ellos mismos, de manera desinteresada. No son unmedio para algún otro n, sino una parte intrínseca

del útbol. ienen valor intrínseco solamente paraaquellos metidos en el mundo utbolístico.

Los bienes externos, como su nombre indica,buscan objetivos extrínsecos a la práctica. Son bienesque nada tienen que ver con el juego del útbol en símismo, no siendo éste sino mera herramienta parallegar a nes que pueden ser adquiridos por otrosmedios y prácticas sociales alternativas. La listea tri-nidad de la ama, el poder y el dinero lidera estos inte-reses, aunque hay muchos otros. Adicionalmente, losbienes externos se caracterizan porque en la medidaen que son poseídos por algunos individuos implica

su negación a otros individuos. A su vez esto quieredecir que hay una competición por estos bienes, con vencedores y vencidos de otro cariz a la competiciónpor los bienes internos, que son inagotables (la ha-bilidad de los lectores para hacer la palomita no noslimita a los autores en el campo de juego).17

Lo expuesto no quiere decir que los bienes in-ternos y externos sean mutuamente excluyentes, yque los externos sean necesariamente nocivos. Enlos mejores casos pueden convivir en sabio si di ícilequilibrio. Sin embargo, mientras que los externosprimen deportivamente, el juego se desvirtúa por laintroducción de tentaciones, como cuando alguien sedopa para mejorar el rendimiento o trampea con lamano para mejorar el resultado.

Finalmente, el tercer elemento clave, consiste enque el punto álgido de la excelencia depende del res-peto y cultivo de las reglas constitutivas y los bienesinternos, quienes proveen criterios para potenciar losestándares de excelencia. Así, jugadas ejemplares yhabilidosas cumplen con tales estándares y resultanen brillantez y calidad, mientras que la trampa dina-mita el proceso. Como cuando un jugador controla elbalón con el pecho para dar un pase cruzado despuésde regatear a dos contrarios en un palmo, en lugar de

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optar por el más ácil empujón y pisotón al oponenteaún cuando intenta dar la impresión de ser la víctima.

El espíritu que anima este proceso es el pundo-

nor de hacer las cosas lo mejor posible a sabiendas deque la excelencia es un límite que nos ha de eludir. Estepundonor resulta en un juego rico que desemboca enuna excelencia deportiva particular: la belleza e cazdel útbol. El jogo bonito cuando sigue estos cáno-nes marcha por la vía de la excelencia. Ortega citaElQuijote: “Una vida noble no es una vida con buen éxi-to, sino una vida poblada de honrados intentos.”18 Estomarca una noble pauta a seguir y saca a relucir el ladoético del asunto, la re exión moral que propugnamos.La excelencia deportiva, y por ende utbolística, pre-supone tres virtudes comunes a toda práctica social:el valor, la honestidad y la justicia.19 Son condicionesmínimas, que no su cientes, para el orecimiento decualquier práctica social; sin ellas la colaboración secompromete, los bienes internos allan y los estándaresde excelencia se empobrecen. El útbol orece cuandolos bienes internos propios son cultivados, de otra ma-nera está abocado a marchitar. El juego justo, el air

play , y la deportividad actúan como puentes entre los valores morales y las habilidades propias del útbol ysus bienes internos. Los buenos jugadores, en el doblesentido moral y utbolístico, se subyugan voluntaria-mente a las reglas del juego con encomio y dedicación,buscando la virtuosa excelencia – también con doblesentido ahora, ético y estético.

Resumiendo, el desarrollo de la técnica, la habi-lidad y la imaginación para inventar y per eccionarregates, pases, asistencias, paradas o adaptarse al jue-go constituyen los bienes internos del útbol. Éstosproducen un juego rico en el campo que desembo-ca en una excelencia deportiva particular: la belle-za e caz del útbol bene ciosa para la comunidadbalompédica. El envidiable resultado es cierto tipo

de vida: la del utbolista o a cionado de pundonor,quien puede decir con orgullo lo que Ronaldinhomejor expresa: “el útbol es mi vida”.20

Dos modelos de entrenadores

Las unciones y las responsabilidades caracterís-ticamente asignadas a los entrenadores en el útbolcontemporáneo son múltiples y complejas. Entre mu-chas otras, los entrenadores diseñan planes generalesde trabajo, programan sesiones de práctica, plani canlas tácticas que orientarán a sus equipos en la com-petencia, coordinan a sus equipos interdisciplinariosde trabajo y atienden a la prensa. Los entrenadoresintervienen tanto ormal como in ormalmente en ladinámica cotidiana de sus planteles. En este proceso,los entrenadores corporizan y transmiten no sólo unaconcepción determinada del útbol (que incluye, perono se limita a un conjunto de conocimientos, expec-tativas y valores), sino también de la vida personaly social. De acuerdo con la literatura especializada,los entrenadores gestionan sus equipos de acuerdo

con dos modelos (o estilos) básicos con característi-cas propias y distinguidas. Si bien estos modelos noson unívocos e in exibles, los mismos representantendencias marcadas en el modo a través del cual losentrenadores a rontan las muchas y complicadas un-ciones y responsabilidades relevantes a su cargo.

El psicólogo Rainer Martens ue uno de los pri-meros en estudiar las características básicas de losmodelos de gestión implementados por los entrena-dores. Su tipología discrimina dos estilos de entrena-miento: el “autoritario”, representado por el entrena-dor-dictador, y el “cooperativo”, representado por elentrenador-pro esor.21 Por su parte, el psicólogo JohnLyle, al igual que muchos otros investigadores, divi-dió a los estilos de entrenamiento en “autocrático” y

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“democrático”.22 El estudio del trabajo de Martens yLyle muestra que sus tipológias son análogas y esta-

blecen características similares para cada uno de losmodelos de entrenadores.23 A continuación se de-tallan dichas características. Para acilitar su presen-tación y de acuerdo con la especi cidad del trabajode Martens y Lyle, denominamos a los modelos deentrenadores como “vertical” y “horizontal”. antouno como otro hacen re erencia a las relaciones depoder entre entrenadores y jugadores. Mientras elmodelo vertical realza la in uencia unidireccionaldescendiente del poder de los entrenadores sobresus jugadores, el modelo horizontal prepondera sudistribución entre unos y otros. Esta denominaciónno sólo prescinde de la di erenciación que Martens yLyle realizan entre los estilos de entrenamiento y losestilos de liderazgo, de más carga ideológica, sino quelos hace compatibles. Según estos autores los prime-ros se re eren a cuestiones relacionadas con la mane-ra en que los entrenadores encaminan los requisitospropios del deporte (habilidades, tácticas, técnicas

de entrenamiento, etc.) y los segundos a cuestionesrelacionadas con la manera en que los entrenadoresguían a sus equipo para alcanzar sus metas y satis a-cer sus necesidades. Creemos que los dos conjuntosde cuestiones son relevantes en la tipología de mode-los de entrenadores pues aún cuando teóricamente sepueden y conviene distinguir en la práctica se reali-zan parejamente.24

En el modelo vertical los entrenadores tomantodas las decisiones y se hacen responsables de ellas.Los entrenadores “verticales” perciben que todos losaspectos que inciden en el rendimiento (desde la pla-ni cación y organización de los entrenamientos hastala táctica a implementar en la competencia pasandopor la motivación y la disciplina tanto individual

como grupal) son su prerrogativa exclusiva. Estosentrenadores en atizan su autoridad y toman sus de-

cisiones independientemente de los jugadores. Porconsiguiente, en este modelo los jugadores debenaceptar incondicionalmente las directivas de los en-trenadores. Los entrenadores verticales tienden a sus-cribirse a la noción de que el resultado avorable es lameta última de la competencia. En esta visión, queel escritor argentino Juan Sasturain llama “resulta-dismo”, muchos entrenadores insisten en “ganar o noperder de cualquier manera – sin importar la legiti-midad de los medios – y apelando a la lógica utilitariadel ‘todo vale’”.25 No sorprende entonces que estos en-trenadores avorezcan la motivación extrínseca, quese ocaliza en los bene cios que se logran por medioy a cambio de una actividad, y no en la grati caciónque provee la realización de la actividad. Para lograr-lo, estos entrenadores implementan sistemas de pre-mios y castigos para motivar a sus jugadores y man-tener el espíritu de competitividad. En de nitiva, losentrenadores verticales pre eren concentrar el poder,

comandar a sus equipos y controlar a sus jugadores.En cierta medida, el modelo horizontal puede

entenderse en contraposición al vertical. Los entrena-dores “horizontales” comparten el proceso de tomade decisiones con los jugadores. Su unción es acilitarla determinación conjunta de objetivos deportivos asícomo de los medios necesarios para lograrlos, lo cualse extiende desde la organización de los entrenamien-tos hasta la táctica a implementar en la competencia.Asimismo, las normas de convivencia y las sancionesdisciplinarias son establecidas mediante procedi-mientos democráticos. Facilitar la toma de decisionesconjunta implica que los entrenadores provean el li-derazgo, la guía y las condiciones estructurales apro-piadas para que el proceso sea satis actorio. De esta

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manera, los entrenadores horizontales en atizan laautoridad y la sabiduría del conjunto. Estos entrena-dores tienden a resaltar la manera en que los resulta-

dos son establecidos y consecuentemente insisten en jugar bien, tanto técnica como moralmente. Además,estos entrenadores avorecen la motivación intrínse-ca, que se centra en la grati cación que provee la rea-lización de la actividad y no en los bene cios que éstapueda ocasionar. Esto no signi ca que la victoria nose encuentre en sus planes, sino que su búsqueda ex-cluye ciertos medios considerados cuestionables. Eneste sentido, los entrenadores horizontales percibena sus jugadores como nes en sí mismos y avorecensu ormación integral. En breve, estos entrenadoresreparten el poder y guían a sus equipos.

En este punto nos parece importante ejempli-car brevemente los dos modelos de entrenadores

con situaciones tomadas del mundo utbolístico. Silos modelos tal cual presentados parecen, en prime-ra instancia, construcciones teóricas sin correlatosen la realidad deportiva, estos ejemplos muestran locontrario. Es cierto que muchos entrenadores pro e-

san un per l que se sitúa a lo largo del continuo quemarcan los dos modelos, probablemente más cercade uno que de otro. Sin embargo, los ejemplos queo recemos indican que los dos modelos en tanto ex-tremos del continuo no son simplemente producto dela creatividad teórica.

Al menos a juzgar por sus declaraciones pú-blicas y variadas notas periodísticas, el entrenadorportugués José Mourinho parecería encuadrarse enla tipología verticalista. Debido a su metodología detrabajo, varios periodistas han llamado a Mourinho“autócrata”.26 Mourinho no se siente incómodo conel mote y admite que “Como líder del grupo, comoentrenador, a la hora de tomar una decisión, soy muyautócrata”.27 Si bien dice gustar del trabajar en grupo y

escuchar a otros para tomar sus decisiones, Mourinhoestá convencido que “un club debe vivir alrededor ya partir de las ideas del entrenador. La organización

está supeditada a las ideas del entrenador”.28 Comobuen autócrata está predispuesto al paternalismo. Porende, a sus jugadores les promete que “voy a sacarleslo mejor de lo que tienen, que les voy a cuidar”.29 Enlínea con esta actitud aclara que “Nadie se meterá conlas veces que tengo que entrenar o cuándo o cómo.Nadie me podrá decir si tengo que jugar un 4-4-2 oun 4-3-3”, y agrega en ático: “[Esas] Son cosas de miresponsabilidad”.30

Las siguientes anécdotas demuestran el controlque ejerce sobre sus jugadores. En el 2005, la UEFAsuspendió a Mourinho para uno de los partidos queel Chelsea FC, su equipo de entonces, jugaría conel FC Bayern Munich por la Liga de Campeones.Antes del partido, Mourinho le envío un mensa- je a uno de sus asistentes en el banco de suplentespara que le dijera a los jugadores donde se encon-traba porque quería que éstos lo miraran a la caraantes de que el árbitro iniciara las acciones.31 Aún

más grá ca es la indicación que le impartió a Luciopara la nal de la Liga de Campeones que el Inter,su equipo hasta mediados de 2010, jugaría ese añocon el FC Bayern Munich. “Me reuní con Lucio an-tes de jugar la nal y le dije: ‘ ú no puedes subir’.Se incorporó arriba sólo una vez cuando ya íbamos2-0 pero le recordé nuestro acuerdo.”32 Mourinhoadmite que desea controlar a sus jugadores y porello demanda lealtad total, quienes trabajan con éldeben estar “dispuesto[s] a darlo todo por mí”.33 Sucarrera y su método han sido exitosos. Mourinhoha ganado más de 15 campeonatos nacionales e in-ternacionales con los equipos que ha dirigido y hasido dos veces galardonado como “Entrenador delaño” de la UEFA.

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EL EQUIPO JUSTO

Por el contrario, a principios de la décadadel 80, la “Democracia Corintiana” mani estó nosólo el modelo horizontal de entrenadores, sino

que pro undizó una gestión utbolística iguali-taria y participativa de condiciones completa-mente opuestas a las verticalistas. La DemocraciaCorintiana se re ere al movimiento de autogestióngenerado por jugadores, y adoptado por entrena-dores y dirigentes, en el Sport Club CorinthiansPaulista, uno de los clubes más populares de Brasil,conocido simplemente como “Corinthians”. La his-toria de la Democracia Corintiana se entrecruza

con el complejo que orman la dinámica políticay social del ocaso de la última dictadura brasileñacon las prácticas tradicionales del utbol en ese paísy su relación con otros ámbitos culturales. Con elpoder descentralizado, rememora Waldemar Pires,presidente corintiano entre 1981 y 1985, “Antes decada paso político del club, hacíamos una reuniónde los jugadores con los dirigentes y los entrenado-res, para debatir y luego votar.”34 Y sigue: “De esemodo se aprobó, por ejemplo, que las concentra-ciones no ueran obligatorias para los jugadorescasados, y por la misma vía también se decidía quéincorporaciones hacer, o cuándo entrenar, o conqué ormación jugar ante cada rival”.35 En un es-tudio detallado de la ormación y signi cado de laDemocracia Corintiana, el antropólogo José PauloFlorenzano destaca su valor para los jugadores dela siguiente manera:

[La educación democrática gestada en elCorinthians] proporcionaba a los jugado-res un aprendizaje en el arte de gobernarse,individual y colectivamente. Colocando laparticipación en la resolución de las cues-tiones comunes como condiciónsine quanon para la construcción de un proyecto

de autonomía, cuyos puntos principalespueden ser hilvanados: participación enla elección del técnico al cual se hallabansubordinados en la estructura jerárquicadel útbol; participación en la estrategiade juego adoptada por el equipo; partici-pación en la contratación y despido de losintegrantes del elenco; participación en laelaboración de las normas disciplinariasseguidas por el grupo; y, por último, perono menos importante, compromiso con lascuestiones sociales del país.36

La adopción explícita de causas sociales y po-líticas ue un rasgo distintivo de la DemocraciaCorintiana. En 1982, el equipo decidió exigir elec-ciones presidenciales directas a través de leyendasinscriptas en el reverso de la camiseta que rezaban“Directas ya” y “Quiero votar para presidente”. En no- viembre de ese año, los jugadores instaban a la parti-cipación política: la camiseta rezaba “El 15, vote”, enrelación a la elección del gobernador de San Pablo.Por supuesto, la Democracia Corintiana tuvo, comoen todo intento de autogobierno, disputas internas

y contradicciones. Además, su trabajo incomodó agran parte delestablishment político y utbolísticobrasileño. A pesar de ello, promovió el dialogo enla sociedad brasileña e inspiro a los brasileños a unamayor participación política y social. Por otro lado, el juego de la Democracia Corintiana ue tanto vistosocomo exitoso. El Corinthians ue campeón paulista en 1982 y 1983 y accedió en esos años a la ase nalde la aça de Ouro. Como dice Wladimir, uno de loslideres de aquel equipo, los jugadores “no aceptába-mos esa centralización del poder”37 dominante en el

útbol brasileño. Quizá por eso, antes de comenzar lanal del campeonato paulista de 1983, el equipo mos-

tró una bandera que en atizaba “Ganar o perder, perosiempre con democracia”.

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Cada modelo de entrenadores tiene sus ventajasy desventajas, bien sean deportivas, morales o políti-cas. El análisis crítico al cual van a ser sometidos per-

mitirá per lar la composición conceptual del equipo justo.

Análisis crítico de los dos modelos de entrenadores

El modelo vertical de entrenadores realza suautoridad, la concentración de poder y el ujo uni-direccional descendiente de éste sobre los jugadores.Martens mantiene que “El supuesto que subyace aeste en oque es que, dado que el entrenador posee co-nocimientos y experiencia, es competencia suya de-cirle al deportista lo que debe hacer. El papel del atletaes escuchar, asimilar y obedecer”.38 Esta verticalidad,que en atiza la asimetría entre entrenadores y juga-dores, está emparentada con otras ideas. Al atribuirseexclusivamente la responsabilidad de todos los aspec-tos que inciden en el rendimiento, los entrenadores verticales asumen que sin su liderazgo los jugadores,en el mejor de los casos, no sabrían qué hacer o, en

el peor, se descontrolarían. Es por ello que deben serinstruidos, motivados y controlados, caso contrarioel equipo perdería tanto direccionalidad como e ec-tividad. Los entrenadores verticales descon ían de lacapacidad de sus jugadores no sólo para tomar deci-siones bené cas para el equipo, sino también parasus vidas deportivas y privadas.

En el ondo, el modelo vertical de entrenadoresse sustenta primariamente en los principios del pater-nalismo. Básicamente, el paternalismo sostiene que espermisible inter erir con la libertad de las personas ydesatender sus pre erencias, deseos o elecciones, ende ensa de lo que se cree que es bene cioso para ellas.Como dice el lóso o Íñigo Álvarez Gálvez, el pater-nalismo es “una medida que se toma por el bien de

una persona sin contar con su aceptación o consenti-miento, es decir, sin tener en cuenta su autonomía”.39 Los paternalistas pretenden saber lo que más les

conviene a las personas y lo imponen. Es interesanteresaltar que el paternalismo puede entenderse comoautoritario, “en la medida que el sujeto activo se com-porta como una autoridad responsable rente al suje-to pasivo, lo cual convierte a la relación entre ambosen una relación desigualitaria de superior a in erior”.40 En esta relación, los entrenadores verticales ejercensu autoridad extremando la alta de consenso. El pa-ternalismo deportivo sería el control por parte de losentrenadores de todos los aspectos del entrenamien-to, que necesariamente a ecta otras áreas de la vidade los jugadores, presumiblemente en unción delinterés colectivo del equipo. Como sugiere Martens,el paternalismo deportivo parte del supuesto que losentrenadores siempre saben qué es lo mejor para susequipos y sus jugadores, convirtiéndose así en autori-dades deportivas.41

El modelo vertical de entrenadores en renta losproblemas clásicos del paternalismo. Al inter erir con

la autonomía de los jugadores para tomar decisionesrelacionadas con su rendimiento utbolístico, estemodelo produce e ectos nocivos pro undos que pue-den llegar a restar capacidad de decisión. El ex juga-dor Jorge Valdano ha resaltado estos e ectos en los ju-gadores. Cuenta que al preguntarle quién jugaba porizquierda y quién por derecha en el equipo brasileñoque participó en la Copa del Mundo España 1982,Sócrates le contestó “Cualquiera. Nosotros decidía-mos.”42 Al considerar la respuesta, Valdano comenta:

Esta re exión es ahora impensable, porqueel entrenador resuelve incluso las cosasmás pequeñas; el jugador se acostumbrótanto a recibir órdenes que no sabría quéhacer con la libertad en caso de tenerla. Es

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un cambio que no sólo tiene que ver conla cantidad de partidos que se juegan sinocon la importancia creciente del entrena-dor, que pretende decidir el juego enterodesde su cabeza.43

El comentario de Valdano critica al paternalis-mo deportivo porque genera dependencia, promue- ve vínculos de subordinación y atro a la iniciativapersonal. Es decir, el paternalismo deportivo detieneel crecimiento de la capacidad de los jugadores paradecidir en orma autónoma sobre su quehacer utbo-lístico y posiblemente sus vidas privadas. Si no lo de-tiene, al menos lo limita en orma indeseable. De estamanera, muchos jugadores sienten temor a salirsede los parámetros establecidos por los entrenadorestanto dentro como uera del campo de juego. odoesto está relacionado con la obediencia irrestricta asu autoridad demandada por los entrenadores. Alexigirla, los entrenadores verticales libran a los juga-dores de que ejerzan plenamente como tales aunandoen su gura tanto autoridad como responsabilidad.Sasturain, criticando los poderes y atribuciones con-

cedidas a los entrenadores como parte de la misti ca-ción de su tarea, apunta en este sentido:

[ ]odo puede y debe ser controlado, todopuede y debe ser plani cado, la e cacia ono (obtener resultados positivos) dependedel cumplimiento estricto – la concentraci-ón sin distracciones (ésa es la palabra) – dedirectivas precisas. Los jugadores no com-piten jugando sino que trabajan de com-petidores. Y se los prepara, se los orma y

de orma para eso.44

Otra consecuencia nociva del paternalismo de-portivo es que la exigencia de obediencia irrestrictaa los entrenadores produce otra de ormación: impideel disenso y el diálogo. Como explica Martens: “Si [los

entrenadores] no permiten que los atletas los cuestio-nen, si pueden evitar explicar por qué entrenan comolo hacen, entonces sus de ciencias no serán descu-

biertas, ¡o así lo creen!”45 Esto no sólo previene la dis-cusión, análisis y evaluación abierta y sincera sobre laconveniencia de las ideas, tácticas y normas de con- vivencia requeridas por los entrenadores, sino quepotencialmente acilita la reproducción de aquellasque son erróneas, improcedentes o no se ajustan a lascapacidades e intereses de los jugadores. Es recuen-te escuchar a jugadores a quienes se les exige jugaren posiciones que consideran inapropiadas para suscaracterísticas de juego expresar su insatis acción odiscon ormidad. Por ejemplo, al nalizar la Copa delMundo Sudá rica 2010, el argentino Ángel Di Maríadeclaró: “Me tuve que acostumbrar a un puesto don-de nunca juego” y agregó: “Estoy discon orme con mi juego en el Mundial”.46

En esta crítica al paternalismo deportivo subyacela noción de que nadie excepto los propios individuosconoce mejor sus intereses y potencial.47 Pero inclu-sive si no uera así, los designios de los entrenadores

verticales, al desconocer la autonomía de sus jugado-res, los trata como medios para lograr un n. Sumadaa la alta de disenso y diálogo, este desconocimien-to previene que los jugadores se sientan plenamenteparticipes de la construcción de sus equipos y sus vai- venes. En su peor orma genera desinterés o alienaci-ón. Martens resalta que la evidencia empírica corro-bora estas a rmaciones. Los individuos que no tienencontrol sobre sus vidas ven destruidos sus niveles deautoestima, responsabilidad, motivación y logros.48

Las consecuencias del paternalismo deportivoson, como señala Sasturain en relación al resultadis-mo, postura que tienden a sostener los entrenadores verticales, “en un plano llamémoslo estético, ne astaspara el juego al soslayar o secundarizar, en la práctica,

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el papel del sujeto real del útbol: los jugadores”.49 Sasturain apunta a una serie de consecuencias quetranscienden a las que a ectan a los jugadores en tanto

individuos así como a sus equipos, su preocupaciónse re ere al juego y sus valores. Como vimos ante-riormente, las prácticas sociales pueden orecer omarchitarse y sucumbir. El modelo vertical está abo-cado a empobrecer las prácticas porque precisamentese basa en una exclusión del acuerdo social que lasenriquece, ensalzando la “virtud” de “un” individuo,quien por muy genial que sea, no puede pretendertener todas las soluciones. Además, en el ámbito ut-

bolístico, hemos visto que sus consecuencias empo-brecen al resto de miembros de la comunidad. Esto,de necesidad, empobrece una práctica de caráctereminentemente social.

Los partidarios del modelo vertical de entre-nadores podrían de enderlo manteniendo que elmismo provee el control, la dirección y la estruc-tura necesaria para encaminar el complejo pro-ceso de rendimiento deportivo. Esto parecería

especialmente adecuado, como argumenta el psi-cólogo José Lorenzo, para jugadores “desordena-dos o inseguros, ya que el entrenador les aportala dirección que ellos no poseen”.50 La lista podríaincluir a jugadores desmotivados, holgazanes odescabellados. De hecho hay que reconocer queparece cumplir estos objetivos e cientemente. Elproblema es que este argumento da por sentadoque no reconocer la autonomía de los jugadores

es aceptable simplemente por la dirección y laestructura que provee a los jugadores y, más am-pliamente, al rendimiento deportivo. Es decir, elargumento evita re exionar sobre los supuestosque subyacen al modelo vertical de entrenadores,

que es precisamente nuestro propósito en estasección. Por un lado, los partidarios del mode-lo vertical de entrenadores deben responder ala evidencia empírica que problematiza sus su-puestos e ectos bené cos sobre los jugadores.Por el otro, deben responder a la cuestión más

undamental de si es aceptable desconocer la au-tonomía de los jugadores y someterlos al estrictocontrol que pregona el modelo. Apelar al éxitode los entrenadores verticales da nuevamentepor sentado lo que es necesario justi car. Que el

modelo sea exitoso o e ectivo no implica que seaaceptable. Y menos si hay métodos alternativosmás justos que también son exitosos. A riesgo derepetirnos, ¿es el modelo vertical de entrenado-res justo? Lorenzo, quien lo recomienda en loscasos mencionados, apunta a esta pregunta:

El autor, no considera adecuado que el en-trenador actúe siempre de la misma mane-ra, independientemente del jugador de quese trate y de la situación, con relación a la justicia deben tener todos los deportistaslas mismas posibilidades y recibir un tratoigualitario, pero desde el ámbito psicológi-co es conveniente conocer adecuadamen-te a los jugadores y actuar con ellos de unmodo u otro en unción de sus caracterís-ticas, y siempre adecuando el comporta-miento a la situación.51

Bajo esta perspectiva, si las características de los jugadores y las circunstancias lo ameritan – lo cual valga aclarar, es siempre prerrogativa de los entrena-dores decidir – el modelo vertical de entrenadoresestá justi cado. La justicia, aunque deseada, puedesacri carse. Inspirándonos en un típico argumentoantipaternalista, imaginemos qué sucedería con los

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individuos y la sociedad si la intromisión en la li-bertad permitida por el paternalismo se extendiese atodas las prácticas sociales. ¡Cuántas habilidades no

verían su potencial, así como cuánto conocimientopobre y rendimiento mediocre se reproduciría!

A di erencia del modelo vertical de entrenado-res, en el modelo horizontal éstos avorecen la partici-pación de los jugadores en la toma de decisiones con-cernientes a los objetivos deportivos y a los mediosnecesarios para lograrlos, los mantienen in ormadosy avorecen su desarrollo integral. Esta horizontali-dad, que remarca la responsabilidad colectiva y la dis-

tribución de poder entre los miembros del colectivo,requiere proporcionar

(…) la estructura y las normas que permi-ten a los atletas aprender a jar sus propiasmetas y a luchar por ellas. Ser un entrena-dor de tipo cooperativo no signi ca que seeviten las normas y el orden; dejar de es-tructurar las actividades del grupo equiva-le a descuidar una de las responsabilidadesdel entrenamiento. El entrenador a ronta lacompleja tarea de decidir qué cantidad deestructura genera el clima óptimo para eldesarrollo de los atletas.52

El supuesto que subyace al modelo vertical deentrenadores es la noción de igualdad. El concepto deigualdad es complejo y controvertido. De cualquiermanera, en la actualidad la concepción prevalente enla loso ía política, al menos en occidente, es la de laigualdad moral, que se re ere a la misma dignidadcon que todos los seres humanos están investidos y almismo respeto del que son pasibles. De esto se des-prende que al tener el mismo valor moral, los indivi-duos merecen ser tratados como iguales. Es decir, atodos los individuos se les debe la misma considera-ción y respeto. Lo que undamenta la igualdad moral

es una serie de características compartidas universal-mente por todos los individuos. John Rawls ha expli-cado esta relación de la siguiente manera:

La idea básica es que en virtud de sus dosacultades morales (una capacidad para un

sentido de la justicia y para una concepci-ón del bien) y de las acultades de la razón(de juicio, pensamiento y las vinculadascon estas acultades), las personas son li-bres. El poseer estas acultades en el gradomínimo requerido para ser miembros de lasociedad hace a las personas iguales.53

A rmar que en tanto agentes morales autóno-mos, los individuales son moralmente iguales y, porlo tanto, merecedores de un trato igualitario no sig-ni ca que deban ser tratados en orma idéntica. Untratamiento igualitario signi ca otorgar igual consi-deración y respeto a los di erentes planes de vida quelos individuos eligen libremente. Y esto permite, enocasiones, tratar a los individuos de manera di eren-ciada.54 La aceptabilidad o no del trato di erenciadodepende de si éste demuestra igual consideración y

respeto por las elecciones de los individuos involu-crados – es decir, un tratamiento como iguales – enla situación en cuestión. Por ejemplo, en un equipode útbol, los entrenadores estarían justi cados enasignar un período de descanso más prolongadoa aquellos jugadores que actuaron durante todo unpartido que a aquellos que sólo lo hicieron duranteun tiempo o directamente no entraron al campo de juego. Asimismo, parecería aceptable que los entre-nadores establecieran un régimen especial de adies-tramiento para aquellos jugadores que están recupe-rándose de una lesión. En ambos casos el tratamientoigualitario exige que los jugadores que se desempeña-ron durante todo el partido y los jugadores lesiona-dos descansen más tiempo y se entrenen en orma

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di erenciada respectivamente. La idea es que no todaslas desigualdades de tratamiento son inicuas. Es más,si los individuos han de ser tratados como iguales, lo

más probable es que dichas desigualdades sean tantorecuentes como justi cadas.

El modelo horizontal de entrenadores reconocela autonomía de los jugadores y les demuestra igualconsideración y respeto. Vale la pena destacar queesto coincide con los derechos de los deportistas a sertratados con dignidad y a la igualdad de oportunida-des promovidos por algunas asociaciones pro esio-nales de educación ísica y deporte.55 Básicamente loque se produce en el modelo horizontal de entrena-dores es un reconocimiento de igual categoría moralentre jugadores y entrenadores. Ni uno ni otros sonconsiderados moralmente superiores o in eriores.Por ello es que los entrenadores horizontales estable-cen procedimientos democráticos que incluyen a los jugadores en la toma de decisiones relacionadas conel rendimiento deportivo. De esta manera se orjan vínculos igualitarios que en atizan y promueven lacooperación, la con anza, la empatía y la reciproci-

dad. Como vimos más arriba, descentralizar y de-mocratizar la toma de decisiones no implica que losentrenadores desatiendan sus responsabilidades, sedesautoricen o promuevan un estado de asambleísmopermanente que paralice la labor del equipo. Los en-trenadores horizontales proveen el liderazgo, la guíay las condiciones estructurales apropiadas para que lalabor no se vea interrumpida y, sobre todo, mani estela voluntad colectiva. La clave es el logro de consen-sos amplios en unción de la especi cidad del interéscompartido en que el colectivo uncione adecuada-mente y no la mera imposición de la voluntad de losentrenadores.

El igualitarismo moral inherente al modelo ho-rizontal de entrenadores no implica obediencia a las

decisiones de entrenadores, sino a la decisión quetanto entrenadores como jugadores han tomado con- juntamente. De esta manera, las responsabilidades no

se imponen a los jugadores, sino que éstos las contra-en en un proceso participativo democrático y plural.Al tenerse en cuenta su autonomía, los jugadores sontratados como nes en sí mismos. Además de teneren cuenta los intereses, las pre erencias, el conoci-miento y la experiencia de los jugadores, el intercam-bio democrático en la toma de decisiones estableceun clima que tiende a avorecer las ideas provechosasy desechar las desventajosas. Por otro lado, el modelo

horizontal de entrenadores genera una serie de e ec-tos bené cos sobre los jugadores. Martens los ha re-sumido claramente:

Los deportistas deben ser capaces de a ron-tar la presión, adaptarse a situaciones cam-biantes, mantener las disputas en perspec-tivas, mostrar disciplina y mantener la con-centración a n de rendir bien. Estos in-gredientes son propiciados rutinariamente

por los entrenadores de estilo cooperativo,pero rara vez por los de estilo autoritario.El estilo cooperativo otorga mayor con-

anza al atleta, lo que tiene un e ecto po-sitivo en su auto-imagen. Fomenta la aper-tura en el clima socio-emocional y mejoratanto la comunicación como la motivaci-ón. Los deportistas están motivados no porel miedo al entrenador, sino por el deseode satis acción personal. Por ello, el estilocooperativo casi siempre resulta más diver-

tido para los deportistas.56

Estas consecuencias bené cas además in uen-cian muy saludablemente a las prácticas sociales.El diálogo, la mayor participación de elementos

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autónomos, la variedad de criterios, sin olvidarnosdel optimismo que genera en los individuos el sen-tirse apreciados, conducen al orecimiento de éstas.

Hay una serie de virtudes o procesos virtuosos quepotencian, preservan, y mejoran el útbol, y que nosorprendentemente, se alinean con los valores quepromueve el modelo horizontal. A saber, respetomutuo entre entrenadores y jugadores, como iguales(más no idénticos) miembros del equipo que se basaen un sentido pro undo de la justicia, el considerarsecomo seres autónomos que se ven como nes en símismos y no meros medios, la requisita honestidadpara que este trato se pueda dar, empatía para poner-se en el lugar de los demás y el coraje que toda posturamoral requiere para no dejarla de lado al menor (omayor) contratiempo.

A pesar de las ventajas mani estas del mode-lo horizontal de entrenadores, es posible criticarloporque su implementación es di cultosa y requierecompetencias más so sticadas por parte de los en-trenadores. Quizá por ello Lorenzo lo recomiendapre erentemente para “deportistas sensibles y creati-

vos, a los cuales el entrenador presta el apoyo necesa-rio”.57 Estos no parecen argumentos para desacreditarel modelo horizontal de entrenadores. Sin negar losdesa íos que plantea, tanto a entrenadores como a jugadores, su existencia no es motivo su ciente parano implementarlo. La vida democrática es complejay di ícil, y a menudo tortuosa, pero ello no implicaque debamos claudicarla. Hacerlo tiene un altísi-mo costo: someterse a los designios inapelables deotros. Este es un modelo que requiere con anza ensí mismo y voluntad de superarse, y que busca po-tenciar los talentos sin arredrarse por la di cultad. Esuna oportunidad para los entrenadores, y más aún,puede argumentarse que dada su posición como líde-res, es su responsabilidad. Así, este posicionamiento

quiere decir que los entrenadores han de liderar dan-do ejemplo, encarnando los principios democráticosy de diálogo que esperan echen raíces. La democracia

del modelo horizontal no quiere decir que no hayaliderazgo de acuerdo con los requerimientos coyun-turales y estructurales.

Si importa que los ciudadanos discutan entre sítransparentemente como iguales para orjar sus des-tinos y hacerse responsables de los mismos, vale lapena el es uerzo… aún sabiendo de la complejidad dela tarea. Lo mismo vale para el modelo horizontal deentrenadores: su di cultad, que reside en que entre-nadores y jugadores se reconozcan como iguales e in-tenten gobernarse a sí mismos, es parte de su encanto.Así como las democracias intentan educar a los jóve-nes para que maduren en ciudadanos responsables, sepodría educar a los entrenadores para la di ícil tareaque les espera. Después de todo, como argumenta el

lóso o Fernando Savater, la educación en su sentidomás amplio está destinada a acultar “para vivir po-líticamente con los demás en la ciudad democrática,participando en la gestión paritaria de los asuntos pú-

blicos y con capacidad para distinguir entre lo justo ylo injusto”.58 Los entrenadores horizontales multipli-carían el es uerzo educativo de las democracias y con-tribuirían no sólo a un deporte, sino a una sociedadmás democrática. No hacerlo, implica pre erir que los jugadores simplemente se sometan a los entrenado-res. La igualdad moral no es sólo para los jugadoressensibles y creativos.

El equipo justo

Esta sección presenta y discute los principiosque deberían primar en la organización interna deun equipo de útbol para considerarlo justo desdeel punto de vista moral. Pensar en la justicia implica

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considerar dos cuestiones. La primera se re ere a lamanera en que los individuos deben tratarse unos aotros. En esto es central la noción de igualdad moral,

que se re ere, como dijimos en la sección anterior, auna serie de características undamentales que todoslos individuos tienen en común. Algunos llaman a es-tas características undamentales, que se unden en lacapacidad de los individuos para elegir libremente elsentido de sus vidas, dignidad humana. La dignidadhumana, o igualdad moral, requiere que todos los in-dividuos sean considerados con el mismo respeto ycomo iguales. Savater aclara cuatro implicancias de

este concepto. Primero, la dignidad humana recono-ce la inviolabilidad de los individuos y que éstos nodeben ser instrumentalizados en pos de un n gene-ral. Segundo, reconoce la autonomía de los individu-os para elegir sus planes de vida sin otra limitaciónque la impuesta por el derecho a la autonomía de lossemejantes. ercero, reconoce que los individuos de-ben ser tratados de acuerdo con su comportamientoy no de acuerdo con actores aleatorios incidentales asu humanidad tales como la nacionalidad, la raza, el

sexo, etc. Finalmente, exige solidaridad con el padecerde los semejantes.59 La justicia requiere que los indi- viduos se reconozcan, respeten y traten como moral-mente iguales, a pesar de sus di erencias particularesy el carácter de las culturas a las que pertenecen. Estono implica que di erentes circunstancias no requierandi erentes soluciones, sino que el punto de partida seade igualdad moral. Entendida como igualdad moral,la justicia es el anverso de la imposición y la coacción.

La segunda cuestión a considerar en la justiciase re ere a los procedimientos para distribuir bienes,oportunidades, recompensas, honores y castigos. Esdecir, la justicia tiene que ver tanto con el trato que losindividuos se deben mutuamente como con aquelloque les corresponde. La justicia, según Platón, “es lo

que asegura a cada uno su parte, su lugar, su unci-ón”.60 Por su parte, Aristóteles a rma que el justo esaquel que sólo toma su parte de los bienes y de los

males.61 La igualdad no es un principio su cientepara determinar qué le corresponde a cada cual. Porejemplo, ¿sería justo que los entrenadores otorgaranexactamente la misma cantidad de tiempo de juegoa todos los jugadores a lo largo de un campeonato?¿Que los árbitros sancionaran todas las altas con elmismo castigo? ¿Que los preparadores ísicos impar-tieran el mismo plan de adiestramiento a todos los jugadores? La respuesta es negativa. Hay razones de

peso para considerar que dicho modelo distributivootorga tiempo de juego, castigos y planes de entrena-miento a quienes no lo merecen o necesitan. La dis-tribución idéntica de estos bienes y castigos resulta-ría injusta. El razonamiento es que, como sugerimosen la sección anterior, el trato igualitario no implicatratamiento idéntico, sino igual consideración y res-peto. Ni el trato di erenciado ni las desigualdadesgeneradas por el mismo son necesariamente injus-tos. Los entrenadores, árbitros y preparadores ísicos

que distribuyeran bienes y castigos idénticamente noestarían otorgando a cada jugador lo que le corres-ponde. En temas de justicia, la igualdad no es todo.Como dice el lóso o William Frankena: “ ratar a lagente por igual no signi ca tratar a todo el mundo demodo idéntico; la justicia no es en modo alguno tanmonótona”.62

En tal caso, es evidente que la justicia requierede un principio que establezca lo que le correspondea los individuos y lo distribuya consecuentemente,respetando su igualdad moral. Para decirlo de otromodo, este principio es necesario para determinarqué di erencias o desigualdades son justas. Una ma-nera de hacerlo es apelando a la noción aristotélicateleológica de justicia.63 Aristóteles dice que para

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de nir lo que le corresponde legítimamente a los in-dividuos es preciso entender eltelos, o propósito, de lapráctica social en cuestión, porque es a partir de este

entendimiento que se establecen los bienes y virtudesque por ser de nitorios de la práctica social deben serhonrados. Conocer eltelos de la práctica social conl-leva conocer qué aspectos ameritan ser reconocidoscomo centrales y dignos de ser enaltecidos. Siguiendoésta lógica, las di erencias o desigualdades justas sonaquellas que re ejan la medida en que los individuoscontribuyen al enaltecimiento de la práctica social.El criterio para la distribución de bienes es el mérito,

entendido como la capacidad para contribuir al enal-tecimiento de la práctica social. Esta aproximación ala justicia deportiva parece estar implícita en la teoríainterpretivista del deporte. Esta teoría sostiene quelos juicios en torno al mismo deben basarse en prin-cipios sobre su naturaleza y propósito central unda-mentados racionalmente. Por lo tanto, “requiere quelos dilemas éticos del deporte sean evaluados en rela-ción a la lógica y principios sobre los que descansa laprueba [de habilidades ísicas] y sus estándares de ex-

celencia”.64 En el útbol, lo que le corresponde a cadauno está íntimamente ligado al valor de la prueba dehabilidades ísicas inherente al juego.

El análisis crítico de los dos modelos de entre-nadores realizado en la sección anterior marca unadirección primaria sobre los parámetros del equipo justo, undamentalmente en lo que se re ere al tratoque los individuos se deben unos a otros en un equi-po que se precie de tal. Es innegable que el igualitaris-mo moral subyacente al modelo horizontal de entre-nadores reconoce la autonomía de los jugadores y lesdemuestra igual consideración y respeto. En primerlugar, se podría decir, extendiendo esta idea, que enel equipo justo tanto entrenadores como jugadores seconsideran como moralmente iguales y se tratan con

el mismo respeto. Esto requiere que se establezcanprocedimientos democráticos que incluyan tanto aentrenadores como a jugadores en la toma de decisio-

nes relacionadas con el rendimiento deportivo, desdela táctica a implementarse en la competencia hasta lasnormas de convivencia. La toma de decisiones demo-crática respeta y orja vínculos igualitarios, y éstos asu vez en atizan y promueven la cooperación, la con-

anza, la empatía y la reciprocidad. El igualitarismoque debe primar en el equipo justo también requiereque sus miembros se traten y juzguen de acuerdo consu comportamiento y no de acuerdo con actores ale-

atorios incidentales a su humanidad. 65

De esta manera, en el equipo justo no deberíahaber pre erencias, restricciones o exclusiones pormotivos raciales, religiosos, políticos, de origen na-cional, etc. Es decir, en el equipo justo no se discrimi-na por motivos ajenos a la condición de los jugadoresqua jugadores y todos gozan de igual oportunidadpara ser considerados como integrantes del equipoy tomar decisiones que lo a ecten. Claramente, lapre erencia sexual, la liación política o la creencia

religiosa de los jugadores, por ejemplo, no deberí-an in uir o inhabilitarlos en lo que re ere a sus vi-das dentro del equipo. Es más, dichas pre erencias yelecciones deben ser respetadas. Esto es congruentecon el ideario del Movimiento Olímpico, que al ex-plicitar estándares morales en su visión y nalidad,se con rma como una excepción en el ámbito depor-tivo. En sus principios undamentales establece que“ oda persona debe tener la posibilidad de practicardeporte sin discriminación de ningún tipo” y clari caque “Cualquier orma de discriminación contra... unapersona basada en consideraciones de raza, religión,política, sexo o de otro tipo es incompatible con lapertenencia” al mismo.66 En el equipo justo todos los jugadores son juzgados y tratados en base a criterios

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estrictamente utbolísticos y no a criterios que los ex-ceden y son incidentales a su condición de utbolistas;es decir imparcialmente. La homo obia, la misoginia

y el racismo rampante en varios círculos utbolísticosalrededor del mundo resaltan las virtudes del equipo justo y la necesitad de luchar por su implementación.Por ejemplo, en el 2009, Marcello Lipi, entrenador dela selección italiana campeona de la Copa MundialAlemania 2006 a rmó: “Nunca excluiría a un jugadorde la selección por ser gay” pero con esó “que en estemedio [el utbolístico] no le sería ácil a un utbolista vivir su homosexualidad de manera natural”.67

Nótese que en el equipo justo no se niega las di e-rentes unciones y responsabilidades relevantes a losentrenadores y los jugadores. Sin embargo, requierenegar estructuras verticales donde el entrenador secoloca como el único responsable del equipo, decideal margen de los jugadores y controla todos los aspec-tos de la plani cación deportiva. En el equipo justohay un reconocimiento mutuo de sus respectivos co-nocimientos, habilidades, intereses y experiencias. Elentrenador guía y provee la estructura necesaria para

la descentralización del poder, la democratizaciónde la toma de decisiones y la concreción de las mis-mas. La responsabilidad por el acontecer del equipoes compartida y consensuada. Lo que prevalece es la voluntad y la autoridad colectiva en la cual todas las voces son tenidas en cuenta. Esto genera un tipo deobligaciones especiales entre todos los miembros delequipo. Son las llamadas obligaciones de solidaridad.En el caso de un equipo de útbol se podrían contarla obligación no sólo de participar activamente en latoma de decisiones, sino también la obligación decooperar con los objetivos comúnmente establecidosy la obligación de interesarse por el bienestar de to-dos los que integran el equipo. De esta manera, porejemplo, los jugadores que con orman el banco de

suplentes deben prestar apoyo a los titulares y todosdeben es orzarse en los entrenamientos para estar ensu mejor orma. En el equipo justo la con anza y la

reciprocidad mutua son valores predominantes.Aquí habría que aclarar que las obligaciones de

solidaridad son incorrectas si violan el igualitaris-mo moral que prima en el equipo justo, ya que enéste no se sacri can jugadores en pos de un objeti- vo común. Se los trata como individuos y no comoa cosas; es decir, no se los cosi ca o instrumentali-za. Al decir de Savater, “Lo del trato es importante,porque […] los humanos nos humanizamos unos aotros”.68 Lamentablemente, ejemplos en sentido con-trario no altan. Quizá algunos recordarán que en laCopa Mundial Italia 1990, Bilardo, entonces entrena-dor del equipo argentino, le dijo al médico, sabiendoque el arquero Nery Pumpido estaba racturado, “queno lo sacara, que lo aguantara ahí. Agarré a Goyco[Sergio Goycochea] y le hablé, cuando estaba tran-quilo, lo hice entrar”.69 Pumpido se había racturadola tibia y el peroné de la pierna derecha. Valga aclararque Bilardo es médico. Otro ejemplo, quizá más re-

cuente, se da cuando los entrenadores mandan a un jugador de su equipo a lesionar intencionalmente aun rival.70 La instrumentalización de Pumpido y la deestos jugadores no pueden justi carse basándose enlas obligaciones de solidaridad y no corresponde altrato que los individuos se deben en el equipo justo.71

La horizontalidad del equipo justo no garantizaaciertos ni éxitos y muchos menos consensos rápidosy amplios. Savater dice que en la democracia “Lo úni-co garantizado es que habrá máscon ictos”72 y estoparece también aplicar a los es uerzos por distribuirel poder horizontalmente de un equipo de útbol jus-to. Ya hemos sugerido que los con ictos son parte in-tegral de la democracia, que parte de su dinamismoreside en en rentarlos para autogobernarnos y que

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son intrínsecamente pre eribles al mando unilateral.Pero es legítimo preguntar qué hacer si en un equi-po de estas características los con ictos son tales que

las discrepancias imperan, aunque temporalmente,en detrimento del consenso. En el equipo justo losentrenadores tienen una responsabilidad especialen estas situaciones. En primer lugar, deben intentarbuscar puntos de encuentro entre los intereses con-trapuestos mani estados por el equipo y generar me-canismos para que éste arribe a un consenso, aunquesea preliminar. Su liderazgo es, en este sentido, pri-mordial.73 Si el consenso se muestra persistentementeelusivo, los entrenadores tienen la responsabilidad detomar una decisión que permita continuar el trabajo.La misma debe tomarse en base a su conocimientoy experiencia con los jugadores y la práctica social,en atizando tanto su necesidad como precariedad. Enambos casos, la decisión de los entrenadores debe te-ner como objetivo último empoderar al equipo paraque resuma el autogobierno y retorne la reciprocidad.Además, debe practicarse respetando la imparciali-dad, tal cual abordada en esta sección. Finalmente,

este tipo de decisiones también debe ser evaluada porel conjunto y considerada como parte del proceso deconstrucción democrática.

En ese punto es importante discutir un tipo desituaciones en las que los entrenadores de un equi-po justo también tendrían la prerrogativa temporalde tomar decisiones sin consultar o deliberar con sus jugadores. En estas situaciones las imposiciones prác-ticas, en muchos casos relacionadas con la urgencia,demandan decisiones rápidas y seguras. Un ejemplopodrían ser los reemplazos a realizar durante un par-tido ya sea por lesión de un jugador o por cuestionestácticas. En esas circunstancias, los entrenadores de-berán tener presente tanto el bienestar de los jugado-res como los objetivos planteados conjuntamente y

decidir de orma imparcial. A pesar de ello, es posiblepensar de antemano conjuntamente qué reemplazoso cambios estratégicos serían adecuados en di erentes

situaciones de juego. Pero como en el útbol, tal cuala rmaba el periodista Dante Panzeri, “Lo que ocurreen la cancha lo organizan lascircunstancias y lo deci-de elimprevisto”74, es imposible predecir y plani carpara todas las posibles situaciones que surgirán en unpartido. Así como los jugadores tienen en el equipo justo la libertad, y la responsabilidad, durante un par-tido para resolver el imprevisto e intentar organizarcon sus acciones las circunstancias para que les sean

avorables sin consultar a nadie, los entrenadores de-berían gozar de la libertad, y la responsabilidad, equi- valente para tomar decisiones de igual manera en si-tuaciones cuyas imposiciones prácticas lo requieren.En esto la con anza construida por la horizontalidaddemocrática es de importancia vital.

Finalmente queda analizar las di erencias o de-sigualdades que son moralmente aceptables en elequipo justo. Como dijimos anteriormente estas di-

erencias o desigualdades son justas si se basan en la

medida en que los individuos contribuyen al enalte-cimiento deltelos de la práctica social. Para decirlo deotro modo, en el caso del útbol, lo que se debe teneren cuenta es la capacidad y potencial de los jugado-res en relación a los bienes internos y estándares deexcelencia que lo de nen y distinguen de otras prác-ticas sociales. Lo que le corresponde a cada jugadorse determina en unción de su calidadqua jugador.El parámetro distributivo primario está dado por laproporción de los méritos y deméritos utbolísticosde los jugadores. En el equipo justo se merece y dis-tribuye de acuerdo con este parámetro. En breve, enel equipo que se precia de tal los jugadores, y tambiénlos entrenadores, son tratados como iguales y con or-me a la proporción de los méritos y deméritos para

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hacer avanzar al útbol. Pongamos por caso uno delos bienes escasos (aquellos cuya posesión por unospreviene su posesión por otros) más preciados en unequipo: la titularidad. En el equipo justo la titularidadse distribuye en orma imparcial y de acuerdo conlas virtudes de los jugadores para enaltecer el útbol.Juegan los mejores.

Las virtudes de una práctica social incluyenaquellas concernientes a los aspectos técnicos (en el

útbol están dados por las habilidades especí cas quepone a prueba y las tácticas que su estructura permi-te) “y” las pertenecientes a las es eras de la supera-

ción y el trabajo cooperativo. Entre éstas últimas seengloban las que cultivan la igualdad y el tratar a losdemás como nes y personas autónomas. Los mejo-res jugadores son aquellos que combinan en un tododichas virtudes, potenciando su propio rendimiento yel de sus compañeros. Aristóteles argumenta que “delmismo modo que en los juegos olímpicos no son losmás hermosos ni los más uertes los que alcanzan lacorona, sino los que compiten (pues entres éstos algu-nos vencen), así también las cosas hermosas que hay

en la vida sólo las alcanzan los que actúan certera-mente; y la vida de éstos es agradable por sí misma”.75 Ciertamente, los “mejores” jugadores y entrenadoresse entiende aquí en sentido técnico y moral: los mejo-res son aquellos que actúan correctamente en ambossentidos a la hora de marcar goles en el campo, orien-tar a un equipo o simplemente vivir la vida que lospotencie como jugadores o entrenadores. Además,esto permite que, a menudo, un utbolista menos do-tado técnicamente pueda ser titular porque su acti-tud es más conducente para el equipo que la de otro jugador más talentoso, pero de actitud contraprodu-cente. El útbol es un deporte, precisamente, de equi-po. Entender a los jugadoresqua jugadores implicatener en cuenta “todas” las virtudes utbolísticas, bien

sean técnicas o éticas (lo cual permite tener en cuentaméritos y deméritos de uno y otro tipo). Después detodo, la capacidad para contribuir al enaltecimientode la práctica social tiene varias aristas a las que hayque prestar atención y cuidado en su totalidad si el

útbol a de re ulgir en todo su esplendor.En el útbol, la necesidad recuentemente cons-

tituye una uente de di erencias o desigualdades jus-ti cadas. El entrenamiento especí co de acuerdo conlas di erentes posiciones dentro del campo de juego ysus particularidades es un caso típico. Sin embargo,los bajones en el rendimiento, las lesiones, las de -

ciencias técnicas, las di erencias siológicas, las cues-tiones anímicas e inclusive la edad de los jugadores,por ejemplo, pueden entenderse como variables quetambién justi can un trato di erenciado. Así, las ne-cesidades impuestas por estas variables permiten quese desarrollen planes de entrenamiento especialespara los jugadores con de ciencias técnicas, adiestra-mientos di erenciados teniendo en cuenta los bajonesde rendimiento, las lesiones o las di erencias sioló-gicas y se modi que el período de descanso según el

ánimo o la edad de los utbolistas. Las di erencias odesigualdades basadas en la necesidad están guiadaspor el criterio distributivo primario, su objetivo esrestaurar y potenciar la capacidad de los jugadorespara promover la práctica social y su contribuciónal equipo. En un sentido más general, atender a estasnecesidades implica en algunos casos especiales (pi-énsese en una lesión que pone en peligro la carrera oincluso la vida de un jugador) respetar y amparar nosólo su condición de jugador, sino las acultades quede nen la igualdad moral de los individuos así comosu bienestar.

El es uerzo es a menudo invocado en ámbitos u-tbolísticos como posible uente de trato desigual. Sinembargo, creemos que el es uerzo per se no justi ca

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una distribución di erenciada de bienes escasos. Eles uerzo no prima sobre la capacidad de enaltecer lapráctica social. Es decir, los jugadores que se es uer-

zan comparativamente más que otros colegas por me- jorar su desempeño utbolístico no son merecedoresde una mayor proporción de los bienes escasos del

útbol. La práctica social, como hemos argumentado,requiere que todos los involucrados en la misma sees uercen en ese sentido. En la medida en que todoslos jugadores muestren tesón en los entrenamientos,y cumplan con las normas y objetivos determinadosconjuntamente, el es uerzo extra no acredita mayormerecimiento de los bienes escasos. Quedarse unahora a mejorar la capacidad de ejecutar tiros libresdespués de los entrenamientos, hacer punta en eladiestramiento ísico u o recerse para estudiar el es-quema táctico de los rivales viendo videos dos nochespor semana es loable y debe ser reconocido, pero noda derecho a esperar un trato di erenciado. La situa-ción en la cual el es uerzo puede jugar un papel deci-sivo es cuando dos (o más) jugadores tienen un nivelde rendimiento similar. Allí el es uerzo podría ser un

actor a tener en cuanta a la hora de decidir, por ejem-plo, quien será titular. Se podría argumentar que esteno es caso especial porque el es uerzo es una de las virtudes que deben poseer quienes honran la prácticasocial. Lo último es cierto, pero ello no niega que eles uerzo comparativo tome en esa situación una di-mensión especial y de nitoria.76

La discusión sobre las di erencias o desigualda-des que son moralmente aceptables en el equipo justorevela un aspecto más general del mismo. La justiciarequiere que en un equipo de útbol tanto entrena-dores como jugadores honren y promuevan sutelos.Unos y otros deberían es orzarse por materializar yexpandir sus estándares de excelencia. Ser miembrode una práctica social demanda dicha dedicación.

Dedicarse al logro de la excelencia en una prácticasocial es un elemento central en la buena vida, indi- vidual y colectiva. Como dice MacIntyre: “Merecer el

bien es haber contribuido de alguna orma substan-cial al logro de aquellos bienes [internos a la práctica],la participación en los cuales y la común búsqueda delos cuales proporcionan los undamentos a la comu-nidad humana”.77 En el equipo justo se recompensaesa contribución y se alienta la participación y la bús-queda colectiva de los bienes internos y los estándaresde excelencia. De esta manera, el respeto mutuo y eltrato igualitario se extiende a los miembros del equi-po y a todos aquellos que orman parte de la prácticasocial.78

Conclusión

Contrarrestando la tendencia contemporáneaque potencia los aspectos técnicos y tácticos del út-bol, y que se alinea con un modelo de entrenamientoy gestión vertical, hemos articulado un modelo al-ternativo que hace legítima la re exión moral como

vehículo hacia la excelencia utbolística: el modelohorizontal. Éste posibilita desarrollar un útbol másequitativo, rico y bello al proponer un sistema demo-crático que busca el consenso y la plena participaciónde jugadores y entrenadores como iguales, pero deacuerdo con lo que cada uno se merece. Ciertas vir-tudes morales, como la igualdad recién mencionadao la consideración y respeto de los otros como nesy seres autónomos, se entrelazan con las virtudes ybienes internos característicos del útbol.

En el equipo justo, los entrenadores lideran dan-do ejemplo, motivan a los jugadores a entregar lomejor de sí mismos, enaltecen los bienes internos del juego, reconocen sus estándares de excelencia y esta-blecen las condiciones para que esto sea posible. Por

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su parte, los jugadores aspiran a la excelencia comoutbolistas, y por ende abrazan sus estándares de ex-

celencia y desarrollan sus habilidades ísicas a la par

que respetan a compañeros y contrarios como mo-ralmente iguales. En breve, el equipo justo es aquelen el que orece el útbol como práctica social en unámbito igualitario y participativo, en el que prima elrespeto mutuo y los bienes internos así como los es-tándares de excelencia se constituyen en guías para laasignación de lo que le corresponde a cada cual. Enpocas palabras, el mejor equipo es un equipo justo.

Notas

1 “Domenech: ‘Lo de ayer ue una estupidez sin nombre’”,El País (Madrid), 21 de junio de 2010. [en línea], <http://www.elpais.com/articulo/deportes/Domenech/ayer/ ue/estupidez/nombre/elpdep utmunart/20100621elpepudep_18/ es>. [consulta: 30/7/2010]. Si bien este artículo dacuenta general del incidente, para mayores detalles re érasea los periódicos de entre el 19 y el 25 de junio de 2010.

2 Véase, por ejemplo, “Lío de aldas en la selección inglesade útbol”,Deutsche Welle, 6 de ebrero de 2010. [en línea],<http://www.dw-world.de/dw/article/0,,5222485,00.html>.[consulta: 30/7/2010].

3 Maradona relata el episodio en su libroYo soy el Diego(…de la gente) (Buenos Aires: Planeta, 2000), 236-238.

4 César R. orres y Daniel G. Campos, “Introducción” en ¿La pelota no dobla? Ensayos losó cos en torno al útbol , comps.César R. orres y Daniel G. Campos (Buenos Aires: Librosdel Zorzal, 2006), 16.

5 Este capítulo se re ere a los equipos de útbol pro esionalo de alto rendimiento en los cuales los jugadores sonpresumiblemente adultos. Si bien algunas de las ideas quese discuten son de aplicación al útbol juvenil o de base, suspeculiaridades plantean cuestiones que están por uera delalcance del mismo.

6 La historia de una práctica cultural es importante, peroes un elemento más, tal que la complejidad, la coherenciay sobre todo los bienes internos que esa práctica esposa.Alasdair MacIntyre, ras la virtud , trad. Amelia Valcárcel(Barcelona: Crítica, 1987), 233.

7 Ibídem, 233-34. Nuestro én asis.8 Ibídem, 236.9 Hay un número de lóso os que suscriben esta posición

que puede denominarse como ortodoxa en la loso íadel deporte anglosajona. Por ejemplo, véanse los autorescitados en la nota a pie de página 33 de César R. orres,“Los goles con la mano: ¿deben o no ser considerados como

parte del juego?” en ¿La pelota no dobla? Ensayos losó cosen torno al útbol , comps. César R. orres y Daniel G.Campos (Buenos Aires: Libros del Zorzal, 2006).

10 Estas ideas, desarrolladas por Ortega en di erentes ensayos,marcan su loso ía y se re nan a lo largo de los años. VéaseJosé Ortega y Gasset, “El Quijote en la escuela”, 401-430;“Sobre El Santo”, 19-26 y “El origen deportivo del estado”,705-719, todos enObras completas, omo II – 1916 (Madrid:Santillana, 2004).

11 De ser cambios su cientemente radicales, implican un juego con características di erentes del anterior: cambiarel número de jugadores y disminuir el tamaño del camporesulta en útbol sala o ulbito, por ejemplo. El útbol haevolucionado marcadamente desde su codi cación enInglaterra en 1863, lo que indica cierta contingencia. Sinembargo ésta ha sido una evolución lenta y que no hacambiado la premisa esencial del juego: la primacía de jugar el balón con el pie. Esto explica, si bien no justi ca, lareticencia al cambio y el conservadurismo de la FIFA.

12 Para una explicación más detallada de los bienes internosy las reglas del útbol en el contexto de los goles con lamano, véase orres, “Los goles con la mano: ¿deben o noser considerados como parte del juego?”, 106-111 e idem,“What Counts As Part o a Game? A Look at Skills”, Journalo the Philosophy o Sport , 27 (2000), 81-92.

13 Para una discusión entretenida e in ormativa sobre las tres versiones prevalentes del uera de juego y su papel a la horade avorecer el juego de pase o el del regateo veáse LaurentVallée,Le ootball: les lois d’un jeu, (s. l.: Éditions Dalloz,2010), 8-11.

14 MacIntyre, ras la virtud , 237.15 Antonio Vázquez, “Luxemburgo & Sacchi”,Futbolista

(Madrid), ebrero de 2005, 38. Nuestro én asis.16 Lluis Regás, “Entrevista a Ronaldinho”,Futbolista (Madrid) ,

ebrero de 2005, 24.17 MacIntyre, 237. Con buen criterio MacIntyre critica la

competición donde prima la estructura de suma-cero (de“todo o nada”), en la cual los ganadores se llevan la palma ylos perdedores la vergüenza.

18 Ortega, “La nación: gente o el estado”,Obras completas,omo I – 1902-1915 (Madrid: Santillana, 2004), 836.

19 MacIntyre, ras la virtud , 238.20 Regás, “Entrevista a Ronaldinho”, 27.21 Véanse Rainer Martens,Coaches Guide to Sport Psychology

(Champaign, IL: Human Kinetics, 1987), 26-29 e idem,El entrenador de éxito, trad. Francisco Jiménez Ardana(Barcelona: Editorial Paidotribo, 2002), 11-16.

22 Véanse John Lyle, “Coaching Philosophy and CoachingBehaviour” enTe Coaching Process: Principles and Practice or Sport , comps. Neville Cross y John Lyle, (Ox ord:Butterworth Heinemann, 1999), 25-46 e idem,SportsCoaching Concepts: A Framework or Coaches’ Behaviour (London, New York: Routledge, 2002), 156-164.

23 La caracterización de los dos los modelos de entrenadoresestá basada en la bibliogra ía citada en las notas a pie de

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página 21 y 22. Para una reseña en español de los estudiossobre los modelos de entrenadores re érase al capítulo 1 deM. Perla Moreno Arroyo y Fernando del Villar Álvarez,Elentrenador deportivo. Manual práctico para su desarrollo y ormación(Barcelona: INDE, 2004).

24 Por otro lado, denominar a los modelos de entrenadorescomo vertical y horizontal es conveniente porque estostérminos están menos cargados ideológicamente, permitenincorporar más características en su conceptualizacióny son más congruentes con los términos empleados enotras disciplinas como la sociología, la ciencia política y laadministración de negocios.

25 Juan Sasturain,Wing de metegol (Buenos Aires: Libros delRescoldo, 2004), 23.

26 Véase, por ejemplo, Peter Conrad, “Te Great Dictator”,Te Guardian (Londres), 16 de ebrero de 2006. [en línea],<http://www.guardian.co.uk/theobserver/2006/ eb/19/eatures.review37>. [consulta: 16/7/2010] y Richard Wilson,

“Strategy and Skill, Poise and Cunning, the San Siro Will

Host More Tan Just the Lionel Messi and Jose MourinhoShow onight”,Te Herald (Glasgow), 19 de abril de2010. [en línea], <http://www.heraldscotland.com/ sport/english- ootball/strategy-and-skill-poise-and-cunning-the-san-siro-will-host-more-than-just-the-lionel-messi-and-jose-mourinho-show-tonight-1.1021799>. [consulta:16/7/2010].

27 José Mourinho, “La organización debe estar supeditada alentrenador”, entrevistado por Guillem Balagué y Manu Sainz,Diario As (Madrid), 28 de mayo de 2010. [en línea], <http://www.as.com/ utbol/articulo/organizacion-debe-estar-supeditada-entrenador/das tb/20100528dasdai tb_17/

es>. [consulta: 30/5/2010].28 Ibídem.29 Ibídem.30 Ibídem.31 Véase Conrad, “Te Great Dictator”. Dos años antes,

siendo entrenador del FC Porto, Mourinho también habíasido suspendido para uno de los partidos que su equipo jugaría con la Lazio por la Copa de la UEFA. Mourinho nosólo envío un mensaje a uno de sus asistentes en el bancode suplentes para que le dijera a los jugadores donde seencontraba porque quería que éstos lo miraran a la caraantes de que comenzara el partido, sino que además envíomensajes con instrucciones para sus jugadores durante todoel partido en violación a las reglas de la UEFA. Los detallesde la estrategia de comunicación y el contenido de losmensajes pueden leerse en Luís Lourenço, José Mourinho. Made in Portugal (Stockport: Dewi Lewis media, 2004),146-153.

32 Mourinho, “La organización debe estar supeditada alentrenador”.

33 Ibídem.34 Citado en Nacho Levy, “Militancia social, pelota al

pie”, Página 12 (Buenos Aires), 10 de julio de 2007.[en línea], <http://www.pagina12.com.ar/diario/deportes/8-87873-2007-07-10.html>. [consulta: 16/7/2007].

35 Ibídem.36 José Paulo Florenzano, A democracia corinthiana: práticas

de liberdade no utebol brasileiro (São Paulo: FAPESP, EDUC,2009), 40. La historia de la Democracia Corintiana también

es abordada en Sócrates y Ricardo Gozzi,DemocraciaCorintiana. A utopia em jogo (São Paulo: Boitempoeditorial, 2002). Sócrates, un destacado jugador, ue uno desus mayores protagonistas.

37 Citado en Nacho Levy, “Militancia social, pelota al pie”.38 Martens,El entrenador de éxito, 11-12.39 Íñigo Álvarez Gálvez,La eutanasia voluntaria autónoma

(Madrid: Dykinson, 2002), 115. El paternalismo es unateoría compleja que admite di erentes versiones. En esteartículo sólo utilizaremos sus posturas generales. Para untratamiento completo del paternalismo y sus di erentes versiones re érase a la parte IV de John H. Kultgen, Autonomy and Intervention. Parentalism in the CaringLi e (New York, Ox ord: Ox ord University Press, 1995).Como indica su nombre, el paternalismo caracteriza a lasrelaciones entre padres e hijos en cuanto a que los últimos,por alta de madurez, han de ser “controlados”. El asunto secomplica cuando el niño se cambia por un adulto.

40 Álvarez Gálvez,La eutanasia voluntaria autónoma, 115.41 Martens,El entrenador de éxito, 11-12.42 Valdano re ere la conversación en una entrevista que

le hizo Juan Villoro en 1998. Véase Juan Villoro,Dios esredondo (México, D. F.: Planeta, 2006), 210.

43 Ibídem.44 Sasturain,Wing de metegol , 22.45 Martens,El entrenador de éxito, 12.46 “Di María: ‘No me sentí cómodo como volante’”,Clarín

(Buenos Aires), 6 de Julio de 2010. [en línea], <http://www.clarin.com/deportes/ utbol/Di-Maria-senti-comodo- volante_0_293370866.html>. [consulta: 16/7/2010].

47 Puede ser que a veces, o incluso a menudo, los individuosno posean un conocimiento propio tan completo como sesupone. Aún así, esto también se aplica a los entrenadores,ya que este argumento,ceteris paribus, es pertinente atodos los individuos en general y por igual de no haberrazones extraordinarias. Necesitaríamos otro argumentoindependiente para establecer que los entrenadores tienenmayor autoconocimiento. Algo extremadamente di ícilde por sí y para todos. Como Don Quijote le recuerda aSancho: “Has de poner ojos en quien eres, procurandoconocerte a ti mismo, que es el más di ícil conocimiento quepuede imaginarse”. Véase Miguel de Cervantes Saavedra,

El ingenioso hidalgo Don Quijote de la Mancha (Madrid:Espasa-Calpe, 1994), 663.48 Martens,Coaches Guide to Sport Psychology , 26. Para una

reseña de los estudios sobre la motivación en el deportere érase al capítulo 7 de Telma S. Horn, comp., Advances inSport Psychology , 3d ed. (Champaign, IL: Human Kinetics,2008).

49 Sasturain,Wing de metegol , 22.

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50 Citado en Moreno Arroyo y del Villar Álvarez,El entrenadordeportivo. Manual práctico para su desarrollo y ormación,24.

51 Ibídem.

52 Martens,El entrenador de éxito, 13.53 John Rawls,El liberalismo político, trad. Antoni Domènech

(Barcelona: Crítica, 1996), 49. En sueoría de la justicia,trad. María Dolores González (México: Fondo deCultura Ecónomica, 1979), Rawls desarrolla el tema másampliamente (557-566).

54 Para una discusión detallada de estas ideas, véase RonaldDworkin, Los derechos en serio, trad. Marta Guastavino(Barcelona: Ariel, 1984).

55 Martens,El entrenador de éxito, 6.56 Ibídem, 14.57 Citado en Moreno Arroyo y del Villar Álvarez,El entrenador

deportivo. Manual práctico para su desarrollo y ormación,24.

58 Fernando Savater,El valor de elegir (Buenos Aires: Ariel,2003), 153.

59 Fernando Savater,Las preguntas de la vida(Buenos Aires:Ariel, 1999), 211-212.

60 Citado en André Comte-Sponville,Pequeño tratado de las grande virtudes, trad. Pierre Jacomet (Santiago de Chile:Editorial Andrés Bello, 2003), 70.

61 Citado enIbídem, 69.62 William K. Frankena,Ética, trad. Carlos Gerhard (México:

U EHA, 1965), 67.63 Véase el capítulo 8 de Michael J. Sandel, Justice. What Is the

Right Ting to Do? (New York: Farrar, Straus and Giroux,2009) para una discusión de la justicia aristotélica.

64 orres, “Los goles con la mano: ¿deben o no ser consideradoscomo parte del juego?”, 111.

65 Esto concierne al estatus moral en tanto y en cuantoéste a ecta al uncionamiento del equipo, pero tambiénadmiten di erencias en cuanto al papel que entrenadores y jugadores desempeñan. No se trata de que los entrenadoresliteralmente se calce los botines ni que los jugadores dentodas las órdenes, sino de en atizar la participación y elconsenso en la toma de decisiones.

66 Comité Olímpico Internacional,Carta Olímpica (Lausana:Comité Olímpico Internacional, 2007), 11.

67 “Noticias breves”, ABC (Asunción), 8 de enero de 2009.[en línea], < http://archivo.abc.com.py/2009-01-08/articulos/485322/noticias-breves>. [Consulta: 30/7/2010].

68 Fernando Savater,Ética para Amador (Buenos Aires:Ariel, 1991), 91. Para una discusión de las obligaciones desolidaridad véase el capítulo 9 de Sandel, Justice. What Is theRight Ting to Do?

69 “Carlos S. Bilardo”,Clarín (Buenos Aires), 15 de ebrerode 2005. [en línea], <http://www.old.clarin.com/diario/2005/02/15/deportes/d-04604.html>. [Consulta: 23/5/2007].

70 En los ambientes utbolísticos argentinos y peruanos secomenta que en un partido correspondiente a la rondaclasi catoria de la Copa Mundial México 1986 jugado en junio del año anterior en Buenos Aires, Bilardo mandó aJulián Camino, uno de sus dirigidos, a lesionar al peruanoFranco Navarro. A pocos minutos de comenzado el partido,Camino cometió una dura alta contra Navarro, quien

racturado debió ser reemplazado. Por su alta a Caminole mostraron tarjeta amarilla. Por su parte, debido a lalesión, Navarro estuvo ocho meses sin jugar. Camino niegaque Bilardo le haya pedido que lesionara a Navarro. Véase“‘Franco Navarro, perdóname’, dice el que le racturó lapierna en 1985”,El Comercio (Lima), 28 de abril de 2009.[en línea], <http://elcomercio.pe/noticia /279348/ ranco-navarro-perdoname-dice-que-le- racturo-pierna-1985>.[Consulta: 29/7/2010].

71 Demás está decir que existen otras razones para condenarla lesión intencional de un rival. Las mismas se relacionancon el principio de la no male cencia y con las obligacionesderivadas de la pertenencia a una práctica social. Estas

últimas serán discutidas más adelante. Para un análisisexhaustivo de las altas intencionales véase Warren P.Fraleigh, “Intentional Rules Violations—One More ime”, Journal o the Philosophy o Sport , 30, no. 2 (2003), 166-176.

72 Savater,Política para Amador (Buenos Aires: Ariel, 1992),92.

73 La posición de los entrenadores juega el papel equivalenteal phronimos aristotélico, la persona virtuosa de buen juicio,que como tal ha de liderar con consejo y ejemplo.

74 Dante Panzeri,Fútbol, dinámica de lo impensado (BuenosAires: Pasco, 2000), 71.

75 Aristóteles,Ética a Nicómaco. Libros I y VI (Valencia: Serveide Publicacions de la Universitat de Valencia, 1993), 36.

76 Pueden darse casos puntuales en los que por circunstancias

especiales pueda premiarse el es uerzo, pero esto no puedeaplicarse de manera general sin que la práctica social su raen su totalidad. Si, por ejemplo, la decisión de un equipode premiar consistentemente el es uerzo (o la amistad) porsobre la capacidad de resolve r la prueba de habilidadesinherente al útbol se generalizase, es probable que lapráctica social, al menos técnicamente, se empobrezca.

77 MacIntyre, ras la virtud , 250.78 Las obligaciones que los miembros de un equipo tienen

respecto a los rivales están por uera de los límites de esteartículo. Nótese, sin embargo, que es la membresía a unapráctica social, al igual que en el internalismo deportivo, dedonde surgen dichas obligaciones. Por ejemplo, la trampaen el útbol no sólo instrumentaliza al rival, sino quetambién contradice la lógica interna del deporte.

(Recebido para publicação em janeiro de 2011. Aceito emmarço/11).

CÉSAR R. TORRES e JESÚS ILUNDÁIN AGURRU

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D O S S I Ê

“DISPOSIÇÃO”: O LUGAR DA CORPORALIDADE LÓGICAS DE CLASSIFICAÇÃO E DE ATUAÇÃO D TORCIDAS ORGANIZADASCEARAMOR E M. O. F. I .

1. Diante da predição maldita

Eram aproximadamen-te 13 horas de sexta eira,14 de agosto de 2010. Eu es-tava à mesa para almoçar.

Subitamente, uma notícia natelevisão invadiu o espaço daminha sala. De início, eu nãoconseguia entender direito, aspalavras se misturavam na vozdo repórter: roubo, carro, coca-ína, armas, Cearamor, prisão...A essa altura a minha sensaçãode ome se transmutara emalgo muito parecido com um vácuo gelado no estômago, queirradiava rio pela minha colu-na. De imediato, peguei o tele-

one e liguei para os integrantesda Cearamor com quem tinhamais proximidade, tentandoorganizar a ala para perguntar algo compreensível.Precisava saber, de ato, o que estava acontecendo, oque havia de hipérbole midiática e quem havia sidopreso. Do outro lado da linha... Medo. Medo de a-lar. Medo de sair de casa. Medo de ser encontrado emcasa. Medo de tudo. Medo de mim. Sim, de mim tam-bém. Em um outro trabalho, já assinalei que sempreserei uma estrangeira entre eles, estrangeira aceita debom grado, mas estrangeira.1 Depois dos primeiros

contatos, percebi que os tele o-nes começaram a ser desliga-dos. Entendi a necessidade dosilêncio e me a astei.

Mas, o que a mídia anun-ciava era verdade. Ao menos

parcialmente, o tom das váriasmatérias escritas e comentá-rios nos programas televisi- vos era bem parecido. Cito aseguir matéria de jornal,OPovo, de 14/08/2010, intitula-da “ rá co: Cocaína, armas ecarro roubado na Cearamor”,de Henrique Araújo:

Um carro roubado na Aldeota, às13 horas de ontem, oi responsá- vel por levar a Polícia Militar atéa sede da torcida organizada doCeará, a Cearamor, na AvenidaJoão Pessoa. Lá, além de encon-trar o gol prata assaltado horas

antes, a PM apreendeu seis quilos de co-caína em pasta, oito quilos de maconha,três revólveres calibre 38, uma pistola deuso exclusivo do exército, munição, trêsrádios, uma balança de precisão e ma-terial para con ecção de bomba caseira.Oito homens oram presos e levados parao 34º DP, no centro. Segundo a Polícia, adroga estava escondida sob uma bandeirado Clube de utebol. Dois computadoresda Cearamor oram apreendidos e serão

JOSIANE MARIA DE CASTRO RIBEIRO *

RESUMOO artigo parte da categoria nativa de “disposição”para refletir acerca das intensidades investidasem corporalidades aguerridas, que caracterizamas experiências dos torcedores integrantes dastorcidas organizadas denominadas Cearamor eMovimento Organizado Força Independente –M. O. F. I. A discussão segue relacionando as

rivalidades territoriais dos jovens torcedores, osconflitos, os rompimentos e a recente “aliança”firmada entre os dois coletivos, com o objetivo deapreender a lógica que organiza as experiênciasdos jovens torcedores.Palavras chavePalavras-chave: torcidas organizadas;corporalidades; conflitos; jovens.

ABSTRACTThe article sets out from a native “disposition”to think about intense attacks engendered bywarlike body exertions representing experiencesfrom organized soccer fans that rally aroundtwo groups, torcida organizada Cearamor andMovimento Organizado Força Independente –M. O. F. I.Evaluation moves on by investigatingterritorial rivalries seen among young fans,conflicts, ruptures and the current “alliance”

welded between the two groups, in the effort todetermine the rationale that seal experiences ofblooming followers.KeywordsKeywords: organized soccer fans, bodilyexpressions, conflicts, youngsters.

* Mestre em História Social e Doutora emSociologia.

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JOSIANE MARIA DE CASTRO RIBEIRO

periciados. Após haver sido assaltado naAldeota, na rua Joaquim orres, o pro-prietário que não quis se identi car, saiuem procura do automóvel por bairros dacidade. “Peguei minha moto e ui atrás.Antes, liguei para a polícia. Passei noQuintino Cunha, na Barra do Ceará, naOsório de Paiva e na Parangaba. Entrei atéem avela. Quando estava voltando pracasa pensei: Só vou encontrar esse carrose Deus colocar na minha rente”, relatouo jovem, que, por coincidência, estava ves-tindo uma camisa do Ceará. Ele reconhe-ceu o Gol ao passar em rente à rua ÁlvaroMartins, perpendicular à João Pessoa, nobairro Damas. “Dei outra volta, esbarreinuma viatura do Ronda e ui lá de novo,mas o carro já estava lá dentro”. O proprie-tário re ere-se ao galpão anexo à sede daCearamor, que também pertence à orga-nizada. De acordo com o comandante doRonda do Quarteirão, o coronel WerisleikMatias, a operação desbaratou uma qua-drilha bastante articulada. “Isso aqui é aponta de um iceberg. É certamente umaquadrilha envolvida em trá co e assalto.

É um caso que vai se desenrolar. Vamosconduzir todos para a delegacia e apu-rar a responsabilidade de cada um”. Dosoito homens detidos, pelo menos quatrodisseram ao O POVO integrar a equiperesponsável pela montagem de uma es-trutura de muay thai (boxe tailandês). Oevento estaria programado para começaràs 16 horas deste sábado. Responsávelpela sede da Cearamor, Luiz André Silva,25, um dos presos na operação, disse queo presidente da torcida estaria no Rio deJaneiro, onde o Ceará disputou, ontem,uma partida contra o Flamengo pela sérieA do Campeonato Brasileiro de Futebol.O Alvinegro perdeu por 1 a 0. Luiz negouque as drogas pertencessem a ele. “Hojeé meu aniversário. Não tenho nada a ver

com isso”. A polícia disse que papelotes decocaína haviam sido achados em uma po-chete usada por Luiz.

Drogas, armas, roubo. Nada disso é ou eraestranho ao universo das torcidas organizadas, etodos, que de alguma orma se relacionavam comalguma delas, sabiam disto. Inclusive eu. Mas algumacoisa me inquietava de orma mais importante, paraalém da preocupação com os atos, com as pessoasetc. A ala do coronel Matias ressoava repetidamente,como uma espécie de predição maldita “é a ponta

de um iceberg , é um caso que vai se desenrolar...”.E oi assim. Ainda no mesmo dia, “palmilhando”as matérias dedicadas à miséria social e política dopaís, vi uma reportagem televisiva acerca do “casoCearamor”. Nela, a repórter ayce Bandeira narravaos atos recém-transcorridos. Da sua ala, ressalto otrecho a seguir:

No prédio, a polícia também apreendeutrês revólveres, munição, duas balanças,doze quilos de maconha, além de seis qui-los de cocaína em pasta e craque. A droga

oi encontrada no meio deste bandeirãoque é levado pela torcida ao estádio e queé guardado em uma das salas aqui da sededa Cearamor. Muitos metros de pano, quena verdade serviam de dis arce para um es-quema ilegal ( V DIÁRIO, Fortaleza).

As palavras da repórter começavam a integrar umcoro de vozes que se repetiam ao meu redor, numa velocidade de articulação surpreendente e, ao mesmotempo, habitual às in ormações oriundas do senso co-mum: – “Eu já sabia! Esse negócio de torcida não existenão; só serve de achada para roubo e trá co”.

Pronto! O sentido mal azejo que apunhalavaminha quietude com arpas de apreensão revelara a

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sua ace. Imediatamente lembrei-me do dia em que o“bandeirão” ora levado ao estádio pela primeira vez.Mesmo os torcedores mais críticos às torcidas organi-

zadas não conseguiram manter indi erença diante daimensa bandeira do Ceará, que parecia nunca maisparar de crescer, “engolindo” milhares de torcedoresenquanto era desenrolada. As pessoas que oram en-cobertas pelo enorme manto pulavam e agitavam abandeira acima de suas cabeças. Num espetáculo es-pontâneo, o estádio pulsou e reverenciou o “bandei-rão” estendido.

Não oi com menos solenidade que ui apre-sentada ao “bandeirão”, em uma de minhas visitas àsede da Cearamor. Lembro exatamente que após umaentrevista o responsável pela sede autorizou que melevassem para vê-la. Os rapazes me conduziram, en-tão, a uma sala trancada. Abriram a porta e me de-parei com “os metros e metros de pano” amontoadosnum cantinho da sala. ratava-se, segundo eles, deuma orma de evitar atentados dos “ UF-gay” (re-

erindo-se aos integrantes da orcida Uni ormizadado Fortaleza Esporte Clube, a UF), que poderiam

tentar incendiar a bandeira através da janela. – “ ádoido! Isso daqui oi muito trabalho! Muito mesmo!É a maior do Nordeste, sabia?!”. Eles não conseguiame nem pretendiam esconder o orgulho diante da reali-zação. Aquela não era apenas uma bandeira; e, muitomenos, “metros de pano”. Era um anseio e um projetocoletivo.

odavia, num jogo discursivo, desenrolado apartir da apreensão eita na sede – que aconteceu de

ato –, a torcida organizada perdeu a sua existência.De ato? Acredito que não. E este artigo objetiva des- velar o que existe para além do que oi mostrado nasmatérias e (re)produzido nas opiniões das pessoas.Não que se trate, exclusivamente, de experiênciasmais belas ou absolutamente contrárias ao que oi

veiculado pela mídia. Mas elas existem e são muitas.E tenho a sensação, cada vez mais orte, de que seusagentes só conseguem alar delas coletivamente, to-

dos ao mesmo tempo. Por isso são necessários umacalma sistemática e um estranhamento metódicopara separar os os dessas alas que conduzem às ex-periências desses jovens.

E para trazê-las a estas páginas, sigo, também,um caminho; cheio de atalhos, é verdade, pois énecessária alguma brevidade. Começo abordando,sucintamente, a relação entre o universo simbólicoe cultural dos bailes unks e a consolidação do or-mato contemporâneo das torcidas organizadas. Emseguida, apresento a origem das desavenças entreCearamor e M. O. F. I .2, cuja relação constitui o meuinteresse de pesquisa. Por m, tento desvelar a rela-ção entre a categoria nativa de disposição e as lógicasque conduzem os investimentos corporais, a etivos ecomportamentais, que orientam as práticas de seusintegrantes.

Com esta breve discussão, espero incitar no lei-tor que me acompanhar até a última linha, ao menos,

um desejo de descon ança in-rendido quanto aosdiscursos que escamoteiam a experiência de milharesde jovens das peri erias e bairros pobres de Fortaleza.

2. Discutindo uma economia de intensidades

Passo agora a alar de intensidades. Sim, porque,a despeito da imensa variedade de vivências indivi-duais, existe entre os torcedores organizados um jogode intensidades direcionadas a di erentes ormas e lu-gares de realização. Será justamente a di erenciaçãonesta economia de intensidades o elemento organiza-dor das classi cações que supõem experiências sutil-mente diversas no interior das torcidas organizadas.Melhor dizendo, será esta economia de intensidades

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JOSIANE MARIA DE CASTRO RIBEIRO

o principal critério de classi cação, de si e do outro,entre os torcedores organizados3.

rata-se de uma teia classi catória, que dispõe

os torcedores segundo a potência de investimento,numa corporalidade mais ou menos aguerrida. Valedestacar um aspecto imprescindível, que se re ere aoimbricamento entre a construção das corporalidadese a experiência territorial desses segmentos juvenisnos bairros da cidade. Como os limites deste trabalhonão permitem um desdobramento de tal discussão,posso apenas asseverar que o recorte territorial e cor-poral da experiência social da juventude das torcidasorganizadas apresenta-se como uma continuidade daorientação cultural e simbólica do baile.

Em outra oportunidade, explorei o papel dosbailes unks como celeiro inicial para a cultura atu-almente experienciada nas torcidas organizadas emFortaleza, bem como a relação de correspondênciadireta entre a interdição o cial dos bailes e a conse-qüente oxigenação e crescimento numérico de inte-grantes das organizadas. Entretanto, não posso meeximir da necessidade de asseverar dois aspectos ou

heranças incontornáveis do universo dos bailes unks,quais sejam:

1. um princípio de organização e identi caçãoterritorial dos participantes, já re erida;

2. uma sociabilidade de con ito que, a despeitode poder ser mais ou menos intensa, pode tambémser generalizada ao conjunto de integrantes das torci-das organizadas.

A disposição para o con ito, a raiva arbitráriado torcedor “adversário” e a coragem para o en ren-tamento tornaram-se, a um só tempo, uma espéciede rito a ser cumprido por aquele que pretende azerparte de uma torcida, sinal de pertença à agremiaçãoe bônus pela dedicação à organizada. E, se o con i-to é ritualizado, o exercício demarca e institui uma

di erença, entre quem é o verdadeiro torcedor orga-nizado, o “que responde” e “bota terror”, e aquele quenão é e nem poderá sê-lo, “o que não tem disposição”.

Realmente impressiona a postura viril, mesmoentre os mais jovens ou entre os que “não são de briga”.Isto porque, em meio à torcida, pode-se acilmenteencontrar uma grande quantidade de meninos quesequer abandonaram, de ato, os ares da in ância. Nomesmo sentido, existem os torcedores mais pací cos,que procuram, abertamente, se manter distantes doscon itos corporais. Apesar disto, eles aproveitama aura de ameaça e perigo da torcida, e é possível vê-los com uma postura supostamente agressiva,como quem realiza uma per ormance. Atualmente, arivalidade entre os torcedores organizados dedicadosao time alvinegro se apresenta numa perspectivatripartida:

1. a que envolve e opõe torcedores de times ad- versários, notadamenteCearamor e UF ;

2. a rivalidade entre integrantes de uma mesmatorcida, mas de alas, bairros, comandos e / ou gan-gues di erentes4;

3. a rivalidade entre as torcidas organizadas domesmo time, como aCearamor e a M. O. F. I ..

Nos últimos anos, a rivalidade entre torcidas po-larizou, principalmente, aCearamor e a M. O. F. I ..A origem desse con ito reside numa con uência deprocessos paralelos que podem ser, por hora, anun-ciados, resumidamente, nas seguintes notas, disponí- veis nossites o ciais das respectivas torcidas:

13/06/2007 O presidente da Cearamor, J,em nota O cial à imprensa alvinegra pro-curou esclarecer os atos que vem estar-recendo o torcedor alvinegro nos últimos jogos, a violência interna dentro da própriatorcida do Ceará:Brigas: Cearamor lança nota o cial

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Venho através deste, in ormar que já esta-mos em contato com órgãos competentessobre as con usões que chegaram a man-char o nome da nossa torcida. Estamos a-zendo o possível e o impossível para resol- ver esses problemas que só prejudicam nósmesmos e o nome do CearáSporting Club.A Cearamor tem quase 25 anos de existên-cia e não podemos acabar com o que estámelhorando cada dia que passa. Há cercade 4 anos atrás, por motivo de indiscipli-na oram expulsos da Cearamor um bairroque só queria manchar o nome da torcida.Elementos que não eram cadastrados e sóqueriam azer badernas dentro e ora dosestádios, oram de vez banidos da torcida.In elizmente a diretoria da ForçaIndependente aceitou esses baderneiros epôr isso vem ocasionando con usões den-tro e ora dos estádios com nossa torcida.Estamos atualizando nossos cadastrosde todos os componentes. A Cearamor égrande e orte, e resolveremos esse proble-ma da melhor maneira possível para o bemde nossa torcida e do Ceará Sporting Club.Faça você também parte da maior e melhortorcida organizada do Norte e Nordeste.Desde 1982 União, Vibração e Poder.Diretoria da Cearamor. (www.torcidacea-ramor.com.br).

A seguir, em resposta, a nota o cial da M. O. F. I .:14/06/2007Força Independente: nota o cialCaro torcedor alvinegro,Hoje azem nove dias dos lamentáveisacontecimentos ocorridos no ginásioPaulo Sarasate durante a partida de ute-bol de salão entre CEARÁ x FOR ALEZA.Desde a noite do dia Quatro que a di-retoria do movimento tenta alar comos diretores da orcida CEARAMOR.Desejávamos marcar uma reunião a m

de ser discutido os atos e tentar encontraruma solução. Entretanto, até o presen-te momento não conseguimos alar comnenhum dirigente da orcida. Nós doMOVIMEN O ORGANIZADO FORÇAINDEPENDEN E pedimos desculpas atoda nação alvinegra pelo ocorrido no gi-násio, condenamos e não admitimos qual-quer tipo de rivalidade, rixa ou agressõescomo oi o caso do ginásio, é inadmissível,inaceitável, inesplicável o ato de vandalis-mo entre torcidas do mesmo time. Nada justi ca, atos como esses somente man-cham o nosso utebol seja ele no salão ou nocampo, a torcida do Vozão é uma só. Chegade violência. Do lado da M.O.F.I. medidas já estão sendo tomadas em parceria coma POLICIA MILI AR para coibir e puniros vândalos. Estamos azendo nossa partecomo sempre zemos e estamos mostran-do mais uma vez que IDEAIS, A I UDESE DISPOSIÇÃO NÃO SE DISCU EM, SECOLOCA EM PRÁ ICA.J. F. S.Presidente do Movimento organizadoForça Independente (www.mo ceara.com.

br).

De ato,Cearamor e M. O. F. I. sedimentaramrivalidades graves, entre muitos torcedores organiza-dos de ambas as torcidas, até mais acentuadas do quecom a própria UF . Na verdade, esta é uma questãoantiga, cujo início remete, ainda, àFúria Jovem. Issoporque boa parte dos integrantes da M. O. F. I. veioda Fúria Jovem, extinta, segundo a narrativa dos pró-prios torcedores organizados, em virtude das investi-das daCearamor , que não admitia a competição comoutra torcida do mesmo time.

Além dos ex-integrantes daFúria Jovem, umgrupo de torcedores daCearamor –moradores dobairro Jardim Guanabara –, os mesmos que haviam

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combatido aFúria Jovem, caram descontentes coma Cearamor , se desligaram desta e se inseriram justa-mente na M. O. F. I .. Segundo integrantes do Jardim

Guanabara, o descontentamento resultou da alta dereconhecimento da própria diretoria daCearamor àdedicação dos integrantes deste bairro no combate àFúria Jovem.

Este percurso, cheio de idas e vindas, desvela quea origem da animosidade, da rivalidade e do con i-to entre torcedores organizados de torcidas de ummesmo time se constrói em virtude de divergênciasem torno de questões como: reconhecimento, status,lealdade, con itos territoriais urbanos e dimensõespro ssionais da torcida. Apesar da inviabilidade deapresentar de imediato cada ponto motivador docon ito, relacioná-los já me permite insinuar umanegação de “explicações selvagens”, que abordam oscon itos entre torcedores organizados apenas a par-tir das categorias vazias e impro ícuas de vandalismo,apego à violência gratuita, sintoma da pobreza e de-gradação, etc. Além disso, acredito que importa in- vestir num olhar mais cuidadoso acerca da categoria

de disposição, o que contribui para a desmisti caçãode explicações calcadas em esquemas super ciais e,por vezes, preconceituosos.

3. A denegação de “explicações selvagens”

Comecei a compreender mais claramente as viassigni cativas da categoria de “disposição” em umaconversa com B, integrante da M. O. F. I., no estádioCastelão. Na ocasião, entrevistava Aranha, um diretorda torcida organizada, error Bicolor, do Paysandu,time do Pará. A error Bicolor tem relações bastantepróximas com as duas torcidas do Ceará aqui anali-sadas. A “consideração” é tão marcante que sempre,em todos os jogos, não importam quais times estejam

disputando com o Ceará, é possível ver vários inte-grantes da Cearamor vestindo peças padronizadasda error Bicolor, como calças, bermudões, camisas,

agasalhos, entre outros. Ao longo da entrevista comAranha, a quem segui desde o território daCearamor até o da M. O. F. I., percebi B monitorando a conversa.

Após nos observar por algum tempo, me abor-dou diretamente, entre risos: “quero ser entrevistado,porque também quero car amoso”. Conversamosdemoradamente e, muitas vezes, rimos juntos desua própria ala “enrolada” [segundo se sabe, decor-rência do uso de bebidas e de algum(ns) tipo(s) deentorpecente(s)]. Cito um trecho de nossa conversa.

(...) B: se chegar em qualquer canto a galerasabe quem é eu, né querendo se gabar não.Josiane: sabe?B: saaabe! Se cê chegar na torcida da UF,assim, chegar nos bairro, perguntar: sabequem é o B da M.O.F.I.? A galera conhece!J: por que o povo sabe?B: porque eu sou brigão, pelo meu atrevi-mento, também sou um pivete, mas nãocomo partido pra ninguém, não.J: mas você não é pivete não, qual é a tuaidade? Dezenove?B: dezessete. Eu comecei a brigar com qua-torze ano.J: por que você é brigão? Você mesmo dis-se: eu sou brigão, eu sou atrevido...B: tenho atrevimento, assim, se eu vê umabriga, assim, com a galera que eu tô andan-do, eu se meti, e tal. Fui, [peitei].J: o que você sente, nessas horas?B: eu sinto, né, arriscando minha própria vida. É... Sim, eu acho muito emocionante

assim, você tá entre a vida e a morte, sim...Cê tá, né? Arriscando sua vida, é o que... Ébom você arriscar o que você tem, eu tenhominha vida, arriscar ela, né? Vale muito.

B, como muitos e muitos torcedores organizados

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de bairro, é bem magro e não muito alto, tem apro-ximadamente 1,67m de altura. Com esta compleição

ísica, torna-se compreensível a sua ala, quando ele

diz do seu atrevimento. Realmente, é preciso “atre- vimento” para encarar uma trajetória como a deleque, com apenas dezessete anos, já acumula três anosde experiência nos con itos de torcida. B é amosoentre seus pares e seus inimigos, pois, a despeito deser um “pivete”, não “come partido”, ou, dito de outromodo, B tem “disposição”. Uma disposição que pre-cisa ser atestada continuadamente. Esse é o preço doreconhecimento.

Quando perguntei a B sobre o seu lugar pre eri-do de diversão, respondeu que gostava de ir aos ter-minais. Imediatamente, lembrei das situações em que

z pesquisa de campo nos terminais em dias de jogos:a tensão, o corre-corre, a Polícia, as armas... Uma lem-brança que me remete ao lugar do corpo nessa buscade reconhecimento e excitação. Perguntei a B, como atodos os torcedores com quem pude conversar, o queele mais gostava na torcida, no caso, a M. O. F. I . Asua resposta, que àquela altura não me surpreendeu,

oi: “(...) a disposição; todo mundo é amigo do outro,ninguém corre, briga até o m”.

A “disposição”, categoria nativa, se abre numapolissemia que ornece uma indicação acerca dasarticulações identitárias entre os torcedores organi-zados. A disposição é coragem, sim. Coragem paraen rentar o combate, independente do desequilíbrioentre as orças envolvidas no con ito. Mas, a dispo-sição assume também o papel de valor acerca do ou-tro, que se trans gura em a eto. A eto que sustentasociabilidades. Esse a eto pode ser bom, ou seja, podese relacionar à admiração, à amizade, ao querer bem.Mas, pode também signi car o oposto: a inimizade,a raiva, a vontade de aniquilamento e de subjugação.E, neste sentido, é a eto; um tipo de a eto que torna

o outro, o inimigo, alguém relevante. Acompanhar adinâmica das torcidas organizadas, me permite pen-sar que o con ito é uma orma de sociabilidade que

se coloca na própria instituição dos grupos. Simmelde ne o con ito como uma orma de sociação e oconsidera sociologicamente positivo. Vejamos o quenos diz o autor sobre oposição:

A oposição alcança esse objetivo mesmoonde não existe nenhum êxito perceptível,onde este não se torna mani esto, mas per-manece totalmente oculto. Mesmo quandodi cilmente tenha qualquer e eito prático,pode ainda conseguir um equilíbrio in-terior, pode exercer uma in uência tran-qüila, pode produzir um sentimento depoder virtual e desse modo preservar re-lacionamentos, cuja continuidade muitas vezes atordoa o observador. Em tais casos,a oposição é um elemento da própria rela-ção, está intrinsecamente entrelaçada comoutros motivos de existência da relação.Não é só um meio de preservar a relação,mas uma das unções concretas que verda-deiramente a constituem (SIMMEL, 1983).

Logo no início da entrevista com B, ele me per-guntou acerca do Barroso, melhor dizendo, dos torce-dores organizados do bairro Barroso II. Achei curiosoo seu interesse e perguntei o porquê. “Você não disseque entrevistou eles? Aí, eu queria saber a opinião de-les, assim, porque eles alaram muito de nós, não a-laram?”. Quer dizer, vemos aqui um tipo de a eto quedelimita um campo de antagonismo, mas, ao mesmotempo, traça uma linha demarcatória que os envolvea todos num universo próprio, no qual o inimigo érelevante, pois é ele quem reconhece e valora positi- vamente esta “disposição”, enquanto um “torcedor co-mum”, um jornalista, um policial, ou qualquer outro,

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veria barbárie, vandalismo, sintoma de caos urbanoetc. No mesmo sentido, destaco a relação entre doisbairros, o João XXIII e o Jardim Guanabara, respec-

tivamente vinculados àCearamor e à M. O. F. I .. Aexemplo, a ala de um integrante do João XXIII:

Pela rota de ir pro jogo, o João XXIII ia pelomesmo caminho da Guanabara, acabavamse encontrando. Antigamente, assim queeles se encontravam, brigavam. Deixavamaté a UF passar pra brigar. Porque, tipoassim, você pode até perguntar pros carada Guanabara: qual é a galera da Cearamorque vocês acham que tem mais disposição,

que vocês brigaram mesmo? Eles vão di-zer: é o João XXIII. Não é porque eu morolá não. Porque a ama deles lá é só brigarna mão e não correr. E a Guanabara tema mesma coisa. Então pronto, deu oi cer-to. Mano a mano, sem pedra, pau ou tiro.Essas duas, elas não gostam disso.

Os dois bairros “brigavam tão bem”, e respei-tavam de tal modo adisposição do opositor, que setornaram aliados. Atualmente, a despeito de todo e

qualquer problema entre as diretorias de ambas astorcidas, esses bairros mantêm-se em amizade e con-sideração mútua. A avaliação acerca dadisposição apresentada pelos amigos e inimigos pode ser enten-dida também como o motor que aciona o trânsito deindivíduos e, ainda, de bairros inteiros, de uma torci-da para outra. Adisposição está na base da (re)con-

guração, sempre transitória, da geopolítica juvenilnas torcidas e no espaço distendido da cidade.

Aqui pode ser visto um aspecto estruturantedo universo cultural e simbólico do baile unk, queapresenta uma continuidade no campo cultural dastorcidas. Em inúmeras montagens5 aparece o enalte-cimento do indivíduo ou do bairro que “se garanteno mano-a-mano”, ou seja, no con ronto aberto, cujos

contendores dispõem apenas de sua orça, de sua ha-bilidade, de seu corpo e, no máximo, de algum ob- jeto utilizado na hora como arma: garra as de vidro,

pedras, etc. O uso de armas de ogo, principalmentenuma disputa desigual, na qual só um dos lados estáarmado, pode implicar uma avaliação negativa, umaespécie de desonra, posto que é sinônimo de covardiaou um escamoteamento dos termos do combate.

Por outro lado, se um grupo se vê numa situaçãocomo esta e não oge, en rentando-a, a despeito dorisco de morte, ele merece respeito e “reconhecimen-to”; é o exemplo máximo de “disposição”. O reconhe-cimento diante de uma atitude admirável do adversá-rio denota pro undidade na valoração do adversárioou do inimigo, que pode vir a se tornar companhei-ro ou amigo. Não se trata, portanto, de uma disputacega, destituída de sentido, absolutamente arbitrária,mas, sem dúvida, de uma disputa intensa, de uma ex-periência marcada pela radicalidade dos a etos queestão na base das identi cações.

A experiência de campo revelou-me que os tor-cedores rivais observam-se continuadamente, e que o

conteúdo de suas ações pode levar a uma alteração dosentimento que media a relação entre ambos, comono processo que conduziu à aliança entre os bairrosJoão XXIII e Guanabara.

Durante a pesquisa, pude observar que o torce-dor organizado é sempre um entre muitos; está sem-pre no plural. Um torcedor organizado, sozinho, de-saparece. Por outro lado, organizados em grupo elescrescem, ganham orça, visibilidade e nome. Esse é,na verdade, o grande sentido da montagem: anun-ciar a existência, a orça e o nome desses jovens, emluta contra a invisibilidade antropológica. Com issoesperamos ter deixado clara a importância do grupopara o integrante de uma torcida organizada. E se ogrupo de amigos adquire esta centralidade, ela se dá,

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justamente, em virtude da oposição a outros gruposde torcedores rivais ou inimigos. Neste sentido, quan-to mais valoroso o adversário, mais meritória será a

luta contra ele, mesmo que ele saia vencedor do em-bate. Sendo assim, volto a asseverar: conduzo a aná-lise pela via da radicalização e intensidade dos a etos.

Ora, esse tipo peculiar de a eto que se associa àdisposição não pode ser entendido apartado da to-talidade de experiências que tornam peculiar o coti-diano de torcedores como B, o integrante da M.O.F.I.cuja ala oi destacada anteriormente. Pessoa algumagosta de outra sem nenhuma razão. Mesmo uma

predisposição avorável – uma simpatia – necessitaser con rmada no tempo, para que esta venha a secon gurar como amizade e admiração. Para tanto, épreciso que gostos, projetos em comum, aproxima-ções políticas, coincidências religiosas ou a nidadesestéticas venham a cumprir o papel de sedimentaçãode vínculos de amizade e admiração. Da mesma or-ma, sentimentos de natureza oposta, da antipatia àrejeição e repulsa, obedecem às di erenças maiores e

menores quanto aos mesmos aspectos.Em um cotidiano marcado por uma sucessãode ausências e esgarçamentos, o papel de sedimen-tação de a etos e desa etos é cumprido, predominan-temente, pelos usos da corporalidade, signi cada esimbolizada no código particular das torcidas. Naconversa com B, senti uma carência de elementossubstantivos vinculando os torcedores, além, é claro,da relação com a torcida. Quando perguntei acercada importância da vitória do time, o Ceará, B a r-mou, de pronto, que “não estava nem aí” para o time.O que importava, mesmo, era a torcida, e as vitóriasserviriam para oxigená-la, ou seja, para aumentar aempolgação e para que os torcedores tivessem mais oque conversar. O trecho a seguir é ilustrativo:

(...) - Rapaz, vou te mentir, não. Eu amoa minha torcida, tô nem vendo pro time,não. Eu quero só que eles tenham ganhan-do, e tal... Pra torcida lotar mais os estádio,e tal. A vibração ca maior, né? E as con- versas com os amigo ca melhor e tal.- E aí, tu vai pro estádio? E tal...- Aí eu: ‘tá! E tal’.- Aí ca bonito o estádio, como no Ceará eFlamengo, isso aqui lotou, isso aqui lotou,lotou todim, o Castelão.

Por outro lado, B contou detalhadamente umato ocorrido com ele e um dirigente da M. O. F. I .,

segundo disse, a pessoa de quem ele mais gosta den-tro da torcida, a quem [ele] devota maior admiração.

O N, o cara me deu altos apoio. Quando euz essa tatuagem, eu cheguei lá, ele me deu

logo uma blusa. O cara é gente- na. Depoisde uns tempo, e tal, tinha vez que eu não iapra jogo, que não tinha dinheiro pra ir pra jogo. Ele me dava, interava a minha: – ‘ aí,cinco conto, taí, toma, tal, uma intera, aí’. –‘Vixe, valeu N, e tal’. Ele já chegou, ele já me

deu um agasalho: – ‘Ó aí, pra tu. Pra numdizer que eu nunca te dei nada’. No dia domeu aniversário: – ‘Ei, Mano, o meu aniver-sário, aí e tal...’. Ele me dá uma blusa, umabermuda. [...] Que eu já quei em muito o-guete, assim, com os pilantra torcedores da

UF, chamei ele pra ir, e tal, ele oi. Levoua arma, lá. Sim, eu pedi a ele, ele levou decarro, mas não rolou tiroteio nem nadanão. Não, ele tava só lmando lá. Disse: –‘Ei irmão! em cara, tá lotado lá, tem unspolicial’. Só lmando, que ninguém conheceele, né? Fez só um avor pra mim; dei va-lor à disposição dele; ele tem disposição, sechamar ele pra qualquer coisa, ele vai lá. [...]É amizade, ajuda, ser companheiro do pró-ximo. Do próximo, não! Companheiro dopróximo torcedor da M. O. F. I., ééééé.

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A disposição pode ser traduzida como uma ca-racterística que, a um só tempo, con ere dignidade aquem a possui, angaria respeito entre os pares e im-

puta temor nos inimigos. Adisposição é também umacoragem que se solidariza com a guerra do outro,coragem de se arriscar pelo companheiro, ou, comome disse A, diretor da error Bicolor, ter disposiçãosigni ca que “(...) na hora da porrada ninguém cor-re”. Ainda neste sentido, quando perguntados sobreo que é ruim nas torcidas, os torcedores de bairrocostumam, requentemente, responder: “quem cortaa orça”. “Cortar a orça” é justamente uma postura

antagônica àdisposição é não agüentar a “porrada” eugir. Cortar a orça, para eles, é ter medo e quem temmedo não merece respeito, quem tem medo não é re-conhecido. anto que B, ao se re erir a um inimigo detorcida e de bairro, o ez nos seguintes termos:

(...) Não é querendo o ender não, mas eleé o mais medroso, todo mundo ala, por-que ele puxa o bonde do Barroso, mas nahora da briga, eu te juro, ele corre, é o pri-meiro a correr, ele se esconde, até debaixo

dos carro. Aí, vem pra cá, vem pra cá pratu apanhar. [...] Se ele quer ser puxador detorcida, de torcida não, de bairro, e querbrigar com a gente, como é que o cara vai ese esconde? [...] Se alguém mexer com seubairro, com a sua torcida, você tem que segarantir pra de ender a honra dela, né?

A esta altura, cabe risar que os meninos e ra-pazes que investem nesta corporalidade não o azemsem peso. rata-se de um cotidiano marcado pela ne-cessidade de garantir, senão a superioridade perenenos con itos, pelo menos a coragem de en rentá-loscom honradez, de suportar a dor sem ugir, de arris-car a vida, de colocar a si próprio à prova, no limi-te. Sendo assim, me é impossível não pensar que a

primeira batalha que um jovem torcedor organizadotem de travar é consigo mesmo. É preciso vencer omedo, é preciso vencer a resistência que tende à auto-

conservação, à busca de segurança. Para tanto, a im-portância do exemplo; ou seja, a história de compa-nheiros que tenham conseguido tal eito com sucessoé recebida com entusiasmo, uncionando como umaespécie de tônico à própria vontade, que visa vencera resistência ao medo da prisão, ao medo da dor e aopavor da morte.

4. Considerações nais: conciliação de primeira

A disposição também agrega alianças e conci-liações. E, não nos enganemos, é preciso muitadis- posição para conter corporalidades tão dispostas aocon ito. São, justamente, a capacidade de contenção,a escolha do momento certo para realizá-la e os indi- víduos que serão ou não excluídos do campo de con-

itos, os elementos que desvelam a lógica que subjazo comportamento dos torcedores organizados. Estadisposição também está na origem da conciliação en-

tre Cearamor e M. O. F. I ., após um longo períodode con itos graves e reiterados. Peço ao leitor que meacompanhe, nestas linhas restantes, em mais algumaslembranças e observações, através das quais apresen-to este movimento de reaproximação.

No nal do campeonato da segunda divisão de2009, o CearáSporting Club obteve uma colocaçãoque possibilitou a sua ascensão para a série A do ute-bol brasileiro. Seriam necessárias muitas páginas paradescrever a amplitude das mani estações públicas ecoletivas de satis ação dos torcedores. odavia, nãoposso deixar de me re erir à minha própria experi-ência, na carreata que comemorou o acesso do time àprimeira divisão.

Após o jogo que selou essa classi cação do time

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alvinegro no campo do utebol nacional, em meio àeu oria coletiva, o então técnico do time, Paulo CésarGusmão, deu uma entrevista asseverando a dedica-

ção dos jogadores e chamando os torcedores pararecepcioná-los no aeroporto. al convite oi rea r-mado pelo presidente do clube, Evandro Leitão, ementrevistas transmitidas pelos telejornais e programasesportivos.

Pronto. Foi o su ciente. No dia da chegada dotime à cidade, horas antes da previsão de desembar-que, no caminho para o aeroporto o conjunto de car-ros oi se adensando, até se trans ormar numa giganteonda alvinegra. A impressão visual era, de ato, deuma grande onda, pois, devido à gigantesca quanti-dade de veículos, o trânsito, literalmente, parou. Aspessoas desciam dos carros, aumentavam o som, edançavam nas ruas, ao som das músicas do time e datorcida. Após horas presa nessa onda estiva e imen-samente lenta, ui me aproximando do aeroporto. Aminha sensação era de uma grande angústia, devidoao caos estabelecido. A quantidade de veículos e pe-destres parecia surpreender a todos: torcedores, diri-

gentes, jogadores, autoridades... odos.anto que o aeroporto cou absolutamente to-

mado e a Polícia teve que improvisar um cordão deisolamento, o que me parece, só ez piorar a situa-ção. Não se podia seguir adiante, tampouco retornar.Muitas pessoas que precisariam embarcar desciamdos táxis com malas enormes e caminhavam debaixodo sol, por quilômetros, tentando não perder o vôo.Como milhares de outros indivíduos, sequer, chegueiperto do estacionamento do aeroporto. Após horasno trânsito, e expondo-me ao risco de “ car no prego”por alta de gasolina, voltei para casa com... Orgulho.

Sim, orgulho. A nal, só havia visto multidão tãogrande em duas ocasiões: a primeira oi na televisão,nos comícios em apoio às “Diretas, já!”; a segunda na

minha tenra in ância, por ocasião da visita do PapaJoão Paulo II a Fortaleza, quando, do meio da mul-tidão, ui erguida pela minha devota mãe e ervo-

rosamente sacudida de um lado para o outro, a mde atrair, segundo ela, a atenção e a benção do SantoPadre.

Após a ascensão do Clube e as estrondosas come-morações, a relação entre as torcidas organizadas oisendo remodelada com uma nova matéria. Con essoque precisei de um certo tempo para entender. Otempo de três jogos disputados no estádio Castelão.O primeiro oi entre Ceará e Itapipoca, ocorrido nodia 27 de evereiro de 2010, pelo campeonato cearen-se. Assisti das arquibancadas posicionada na altura dalinha de meio campo. A certa altura do jogo, obser- vo uma longa la de torcedores organizados, saindo“de dentro” da e caminhando em direçãoà Cearamor . Imediatamente associei às ocasiões aná-logas, nas quais vi o mesmo tipo de deslocamento.Vai ter problema, pensei. odavia, ao passarem bemà minha rente, vi que alguns torcedores estavam comcamisas daCearamor . Colei meu olhar naquela la

de caminhantes que cortava o estádio de uma extre-midade à outra. Eles estavam juntos... Misturados? Aprincípio não entendi.

No jogo seguinte, Ceará e Maranguape, preci-samente no dia 10 de março de 2010, o mesmo cor-tejo. Até que, na partida entre Ceará e Corinthiansdo Paraná, em 31 de março, pude escutar um can-to, há muito silenciado, vindo das arquibanca-das da Cearamor : “Uh, tá na mente!Cearamor eIndependente!”. Em seguida, o chamado: “Mo , vemaqui!”. Novamente a procissão se descola da M. O. F. I.e segue em direção à outrora torcida oponente. Nestemomento, o conjunto de torcedores presentes no es-tádio observa e aplaude, ortemente, a conciliação dosintegrantes das torcidas organizadas.

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JOSIANE MARIA DE CASTRO RIBEIRO

O ato dos torcedores organizados oi impactan-te. Na verdade, oi estrategicamente planejado paraproduzir tal e eito. Ali não se tratava somente de uma

retomada de relações amistosas entre torcidas adver-sárias. Não apenas. Para mim, isso cou claro quandoprocurei alguns dos meus conhecidos nas torcidaspara perguntar o que estava na origem da mani esta-ção e me veio a resposta: “Agora o Ceará é de primei-ra. A torcida tem que responder!”.

Ora, o ato demarcava uma ascensão, ou melhor,uma mudança qualitativa dostatus dos torcedoresorganizados. Eles buscavam acompanhar a ascensãodo próprio time, que passava a integrar a elite do u-tebol brasileiro, e alguma coisa precisava ser eita paraassinalar a mudança de matéria das torcidas organi-zadas. E, da minha parte, como não pensar nas con- versas que tive com B e com muitos outros torcedoresorganizados de ambas as torcidas. Qual capital elespossuíam para investir na mudança qualitativa delesmesmos, a não ser a própria corporalidade?

Não consigo deixar de perceber uma associaçãoentre uma signi cação de “elite” e um impulso civili-

zacional da corporalidade, que conduziu a estrutura-ção e apresentação do ritual de polidez e concórdiarealizado no estádio pelos torcedores organizados.Eles, os torcedores organizados, que são jovens e sãomuitos. E aqueles que, a cada época, são de nidoscomo jovens, situam-se num lugar cultural delicado.Entre o desvencilhar-se da in ância e as atribuições da vida adulta, anseiam por um ajustamento ao mundoou do mundo. A juventude busca linguagens com asquais possa organizar a sua percepção das pessoas edas coisas, para em seguida se posicionar diante delase gritar do seu lugar. A juventude deseja, sobretudo,

alar de si.Entretanto, como já oi explicitado, a imen-

sa maioria dos jovens que compõe as torcidas

organizadas em Fortaleza situa-se num lugar socialde pobreza, cujo cotidiano é crivado de ausênciase vicissitudes. A torcida organizada agrega um seg-

mento juvenil que “para ser” dispõe de muito pouco.Para alar de si, estes jovens apostam numa corpora-lidade voltada para o con ito, para o combate, em in-tensidades mais ou menos variadas. oledo assevera aimportância da utilização da noção de corporalidade,“imprescindível na ormulação das estratégias de dis-tinção e xação de estilos que modulam a sociabilida-de jovem metropolitana e o quanto o próprio corpodo pesquisador oi o veículo dessa inteligibilidade” ( OLEDO, 2007: 258).

Portanto, nalizo com o desejo de demarcar queserá essa corporalidade, disposta ao con ito e dispos-ta à conciliação, experimentada no circuito das torci-das organizadas, o princípio de especi cidade destaexperiência juvenil, diante de diversas outras possibi-lidades. Porque, apesar da diversidade de trajetóriasque conduziram estes jovens às torcidas organizadas,é um dado irrevogável terem ido para um grupo comestas características, e não para outro qualquer. Não

oram à Igreja, aos grupos de pichação, ao Partido etc.A torcida organizada é uma escolha de milhares

de jovens de Fortaleza, que vão até ela em busca desi, em busca de ser, em busca da segurança do olhardo outro. Para tanto, eles desenvolvem ações, que senão orem devidamente apreendidas, restarão veladassob “explicações selvagens” e excessivamente genera-lizantes. Desta orma, parti da conciliação entre os in-tegrantes daCearamor e da M. O. F. I., para construirum trabalho, sempre inconcluso, de desvelamentodas experiências desses jovens que brigam, sobretu-do, contra o próprio aniquilamento. Eles querem, elestentam, eles conseguem. A que preço? Não sei exata-mente, pois não sei quanto vale a moeda de que elesdispõem.

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Notas

1 RIBEIRO, Josiane Maria de Castro.Con itos, territórios

e identi cações: o encontro de experiências nas torcidasorganizadas Cearamor e M.O.F.I. ese de Doutorado. Uni- versidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2010.

2 O CearáSporting Club possui quatro torcidas organizadas:a orcida Organizada Cearamor ( OC), a Movimento Or-ganizado Força Independente (M. O. F. I.), a Ceará Chopp ea orcida Organizada Fúria Jovem. Dentre estas torcidas, aCearamor, a M. O. F. I. e a Ceará Chopp têm espaço reser- vado nos estádios, cuja localização é de nida em reuniãocoletiva entre representantes das torcidas, representantesda Polícia Militar, representantes do Batalhão de Choquee responsáveis pela administração dos estádios. No que sere ere à Fúria Jovem, a sua existência é residual. Ela sobrevi-

ve apenas pela colocação de uma ou duas aixas por algumintegrante que não a deixa morrer. Na verdade, a Fúria Jo- vem permanece viva na memória coletiva dos integrantesde todas as torcidas organizadas da cidade.

3 De acordo com essa economia de intensidades, os torce-dores organizados podem se dizer (ou serem ditos) comotorcedores de ala, torcedores de bairro, torcedores de co-mandos, “gangueiros” ou, ainda, torcedores que “pegarammentalidade”.

4 Estas designações se re erem às divisões territoriais presen-tes nas torcidas organizadas do Ceará Sporting Club e cor-respondem, grosso modo, aos bairros da cidade. Em seçãoposterior trata-las-ei detidamente.

5 Montagens são músicas curtas, com uma estruturação sim-ples, que nominam, anunciam e enaltecem os grupos de tor-cedores oriundos de um mesmo bairro, ou “aliança” entregrupos de torcedores de bairros di erentes.

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D O S S I Ê

FUTEBOL: AMADORISMO EM TEMPOS DEPROFISSIONALISMO1

O amadorismo e o pro s-sionalismo nos esportes estãorelacionados às intencionalida-des subjacentes a estas práticasque são atribuídas pelos “in-divíduos no plural” durante oprocesso de esportivização. De

orma geral, o primeiro en ati-

za a perspectiva de lazer, tendono prazer e divertimento seusprincipais objetivos; o segundoen atiza a perspectiva do traba-lho, tendo na busca de resulta-dos e num meio de sobrevivên-cia seus objetivos principais.

As relações entre amado-rismo e pro ssionalismo po-dem ser re eridas aos primór-dios dos esportes. SegundoElias & Dunning:

(...) esta mobili-zação dos valoresamadores, com oacento tónico noprazer, como um ingrediente essencial dodesporto surgiu num estádio inicial dodesenvolvimento das modernas ormasde desporto, num tempo em que, acimade tudo, o desporto pro ssional, tal comoo conhecemos hoje, di cilmente existia.Então era possível a alguns homens ganhara vida de um modo precário, como pugilis-tas pro ssionais, jóqueis e jogadores de crí-quete (ELIAS e DUNNING, 1985, p. 313).

Neste, que podemos de-nir como o primeiro estágio

do processo de esportivização,há uma mudança da ên ase dasatividades de ocupação do tem-po livre, do desejo de vencerum con ronto para a aspiraçãoà vivência de uma agradávelexcitação prolongada (ELIAS eDUNNING, 1985). Este novodirecionamento situa-se noâmbito do amadorismo, mas,mesmo nele, encontraremosindícios de um pro ssionalis-mo. Sendo as atividades espor-tivas privilégio de uma pequenaelite, sob esseethos em que pre-

dominava o jogo propriamentedito e não a vitória, a “pro ssãodesportiva” se desenvolve, se-gundo Elias e Dunning (1985),baseada na “subordinação ine-quívoca do pro ssional ao seupatrono e na total dependência

quanto aos riscos de vida que ligavam o primeiro aoúltimo” (p. 321). Ainda segundo estes autores, o es-porte como pro ssão2, nem moral, nem socialmente,correspondia a uma ameaça à estrutura de poder daépoca, não sendo necessário, portanto, esconder a ob-tenção de bene ícios por meio dos jogos esportivos,seja a partir de salários ou através das apostas combase nos resultados das disputas. O par conceitual

JOANNA LESSA F. SILVA *

RESUMOEste trabalho é parte da dissertação de mestrado“Os significados do futebol amador recifense apartir de sua interdependência com o futebolprofissional”. Nele, consideramos o amadorismoe o profissionalismo como direções do processode esportivização e, tomando o futebol amadorcomo objeto, analisamos as especificidadesdesta figuração social e suas relações na cidadedo Recife. Embasam este trabalho a sociologiafiguracional elisiana, a noção de campobourdesiana e estudos históricos sobre esportese futebol.Palavras chavePalavras-chave: amadorismo, profissionalismo,futebol.

ABSTRACTThis work is part of the dissertation “TheMeanings of the Amateur Soccer of Recifefrom its interdependence with the ProfessionalSoccer”. Here, we reflect on the amateurism andprofessionalism as directions of the sportivizationprocess and taking the amateur soccer asinquiry object, we analise the singularity of thissocial figuration and its relations in the Recifecity. Underlie this work the Elias figurationalsociology, the Bourdieu´s notion of field andhistorical studies about sports and football.KeywordsKeywords: amateurism, professionalism, soccer.

* Doutoranda em Sociologia, no Programa dePós-graduação em Sociologia na UniversidadeFederal de Pernambuco (UFPE). Pesquisadorado Núcleo de Estudos em Sociologia doFutebol – NESF/UFPE e do Centro de Memóriados Esportes do Nordeste.

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JOANNA LESSA F. SILVA

amadorismo / pro ssionalismo expressa aqui a gran-de desigualdade social que caracteriza esse período.

De acordo com Elias e Dunning (1985), com aindustrialização e a nova con guração social ingle-sa teremos o desenvolvimento de umethos amador numa perspectiva ideológica, ou seja, uma moralamadora que será trans ormada em um discurso decombate à crescente pro ssionalização dos novos es-portes, como o rúgbi e o utebol. Um processo im-portante para essa ideologização é a popularizaçãodos esportes. Ao serem apropriados pela classe médiae pelas classes operárias, os esportes gradativamente

começam a deixar de ser elemento de di erenciaçãoentre as camadas sociais. As tensões que envolvemessa alteração podem ser identi cadas na polarizaçãoentre os que de endem a manutenção da prática es-portiva amadora, como orma apenas de divertimen-to, e os que de endem a prática esportiva como, alémde divertimento, um meio de sobrevivência. As pri-meiras disputas respaldam a consideração do espaçosocial dos esportes como umcampoesportivo.

A noção bourdesiana decampo começa aser empregada aqui propositalmente, pois ajuda-nos a destacar esse momento dos esportes quesinaliza a autonomia do fenômeno em relação aoutros. Ainda que exista um diálogo constantecom outras esferas sociais, como a economia ea política, o espaço social dos esportes começaa abrigar disputas próprias nesse segundomomento do processo de esportivização que

aponta para uma nova direção.A rma Hobsbawm (1988):

Os novos esportes abriram caminho até aclasse operária, e, mesmo antes de 1914,alguns deles eram entusiasticamente

praticados por operários – havia, naInglaterra, talvez um milhão de jogadoresde utebol – que eram observados e segui-

dos com paixão por grandes multidões.Este ato incorporou ao esporte um critériode classe próprio, o amadorismo, ou antesa proibição ou a estrita segregação da castados “pro ssionais”. Nenhum amador po-deria distinguir-se de modo genuíno nosesportes, a não ser que pudesse dedicar aeles mais tempo do que os operários dispu-nham exceto se ossem pagos (p. 256).

A re exão do autor nos traz in ormações

importantes sobre a dinâmica de umcampo emconstrução. A existência de um grupo que ocupa aposição dominante, detentor de um maior capitalespecí co e um grupo de neó tos que chega sempossuir muito desse capital. Ao contrário do que possademonstrar a citação anterior, é importante destacarque os recém-chegados não constituem apenas ostrabalhadores e operários, mas todos aqueles “não-nobres”, o que nos leva a perceber a relação diretacom o contexto social da época. O que parece ser

predominante grupo de principiantes é a de esa deum quadro de valores di erente para ocampo emquestão.

A realização, cada vez mais reqüente, de torneiosque abrangem cidades, estados e mais tarde países,possibilita competições internas aocampoesportivo,por uma posição própria neste espaço. Aqueles queconquistam os melhores resultados e, mais especi -camente a vitória, detêm a posição dominante. Issonos az re etir como, di erentemente do momentoanterior, nesse novo contexto, o pro ssionalismo setorna uma ameaça às classes dirigentes, que em cam-po podem perder sua posição nocampo. al situaçãocontribui para que entrem em disputa pela posiçãodominante no campo esportivo, trans ormando o

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FUTEBOL: AMADORISMO EM TEMPOS DE PROFISSIONALISMO

ethosamador em uma ideologia.Esta reação ideológica, entretanto, não consegue

prevalecer graças à “tendência à seriedade” dos

esportes destacada por Dunning (1985). A reaçãodas elites, ao invés de contradizer esse novodirecionamento, também pode ser lida como umademonstração dele, pois não é apenas a manutençãodo divertimento como princípio que az as elitesdirigentes rejeitarem o pro ssionalismo, mas tambéma possibilidade de serem derrotadas pelos times dos“recém-chegados”. Essa nova orientação da práticaesportiva para os resultados gerará, cada vez mais,a necessidade de esportistas de alto-rendimento quesão obrigados a se dirigirem aos outros e a participardo esporte de maneira séria (DUNNING, 1985). Otempo livre não é mais su ciente para alcançar orendimento necessário à vitória.

Concomitantemente, uma nova etapa se iniciano processo de esportivização dos passatempos ingle-ses: a di usão e popularização global. Segundo Elias(2003), práticas como o boxe, o tur e e o remo, oramdi undidas, pelo mundo, para em seguida termos a

chegada dos jogos com bola. É importante destacaraqui que, mesmo chegando depois de outros espor-tes, o utebol terá uma posição de destaque nocampoesportivo devido a sua grande popularidade.

Essa nova etapa do processo de esportivizaçãomarca a chegada dos primeiros esportes britânicos aoBrasil, delineando-se o que chamaremos de umcampo esportivo brasileiro. Chegando ao mesmo tempo emque alguns novos processos se desenvolvem no país –como a industrialização, a urbanização, os meios detransporte e comunicação, entre outros –, os esportesespraiam-se por todo o território. No caso particulardo utebol, a especi cidade da realidade brasileira –de um país em adaptação à recém abolida escravidão;de economia dependente e uma revolução burguesa

tardia3, ao mesmo tempo, uma nação que se cons-truía atenta às inovações européias – será responsávelpelo desenvolvimento peculiar deste esporte que, em

pouco tempo, reunirá milhares de pessoas em tornode sua prática e, em seguida, outros milhões nos tor-neios internacionais como o sul-americano e as co-pas. Esse desenvolvimento peculiar está relacionadocom o que Maguire (2002) chama de “a emergênciade ormas mais intensas de nacionalismo e um vigo-roso impulso nos processos de globalização” (p. 10)4.

O futebol amador chega ao Brasil...

razido pelos ingleses em nais de século XIXe início do século XX, o utebol vai exigir a princí-pio uma bola, o conhecimento das regras, um espaçoe agentes predispostos a sua prática. Num primeiromomento, isto estará sob posse apenas da elite: sejarepresentada pelos jovens que retornavam de seusestudos em universidades européias, seja por dirigen-tes das ábricas ou dos pro essores das escolas (estasexistiam apenas para esta camada social). Com a po-pularização do utebol, teremos a ormação de clubes

suburbanos ou populares que consistiam naquelesormados por trabalhadores, comerciantes, entre ou-

tros indivíduos que não atendessem aos critérios daelite aristocrática do país5.

Com a presença dos novos clubes suburbanos,em pouco tempo, ocampo utebolístico será marcadopelas tensões entre amadorismo e pro ssionalismo,trans ormando-se oethosamador em uma ideologia,ou, pensando sob o prismabourdesiano, em uma es-tratégia de conservação da posição ainda dominanteno re eridocampo.

A organização dos clubes em Ligas que visa- vam à manutenção de competições, dinâmica pró-pria do campo utebolístico, a princípio respondiaà necessidade de distinção entre os diversos clubes

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JOANNA LESSA F. SILVA

que surgiam; aos poucos, apareciam, assim, espaçosde a rmação da tendência à seriedade dos esportes,agregando as equipes que tinham desempenho des-

tacado. As resistências estarão sempre presentes. Acriação de divisões demarca a necessidade de di eren-ciação. Os clubes suburbanos poderiam permanecerna Liga, mas não “misturados” aos clubes de elite.

Com a crescente seriedade, como uma tendên-cia dos esportes de orma geral (ELIAS e DUNNING,1985), a busca pela vitória e pelos resultados traráum ponto de vantagem aos recém-chegados. Emergea necessidade de atletas cada vez mais preparados etreinados, não sendo su ciente o tempo livre de quedispunham os amadores para alcançar a vitória, queem certo momento terá sua representatividade rela-cionada não a um clube, mas a uma nação6. O pro-cesso de esportivização, que no Brasil se direciona ao

utebol amador, em pouco tempo tomará uma novadireção: o utebol pro ssional.

Ao mesmo tempo em que equipes como o Bangupossibilitam a entrada de trabalhadores, o destaquedestes em campo gera premiações e contrapartidas

que, aos poucos, vão se tornando mais reqüentes ealgumas se relacionam à trans erência do tempo detrabalho na ábrica para o tempo de trabalho emcampo. A busca pela vitória por parte dos clubes vaiabrindo espaço ao exercício do utebol como ummeio de sobrevivência, com grande resistência.

O momento histórico que destaca a disputa en-tre amadores e pro ssionais está na vitória do Vascoda Gama, em 1923, na primeira divisão do campeo-nato da Liga carioca, considerado o primeiro clube

de “pro ssionais” a vencer um campeonato (LOPES1994; 1998, SAN OS NE O, 2002). Segundo Pereira(2000),

(...) O Vasco levava a campo uma equipeque não correspondia ao padrão social de

seus sócios. Radicalizando um impulsoque já se azia presente em muitos outrosclubes da liga, o clube montava uma equi-pe composta por atletas que, ao contráriodo que seria o padrão entre os amadoresque disputavam até então o campeonato,

aziam claramente do utebol sua pro ssão.Dedicando-se integralmente ao esporte, os jogadores – muitos deles negros – conse-guiam grande vantagem sobre os adver-sários, que dividiam seus a azeres entre abola e o trabalho, sagrando-se campeõesnaquele ano após uma vitória contra o SãoCristóvão (p. 309).

A catarse desta contenda se dará na e etivaçãodo atleta como pro ssional na legislação trabalhistaaprovada no governo Vargas.

Futebol x futebóis

A realidade atual do utebol é estudada tambémpor Damo (2003, 2007). Este autor considera a exis-tência de “ utebóis”, a partir de quatro matrizes bá-

sicas: a bricolada, a comunitária, a escolar e a espe-tacularizada ou pro ssional. Con orme o raciocíniode Damo, dispondo-se tais matrizes em termos dapredominância entre pro ssionalismo e amadoris-mo, elas podem ser pensadas da orma explicitadagra camente na ilustração 1, a seguir:

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FUTEBOL: AMADORISMO EM TEMPOS DE PROFISSIONALISMO

Esta ilustração, longe de almejar a reproduçãode um modelo equivalente à realidade social, buscademonstrar as relações de continuidade e rupturaque se estabelecem entre as várias matrizes a partirde uma análise que considera o par conceitual pro s-sionalismo e amadorismo. As primeiras são eviden-ciadas com base nas intersecções e as segundas nasausências.

Segundo Damo (2007), por utebol debricolagem,

(...) são compreendidas as con guraçõesnas quais se admite as mais diversas va-

riações a partir da “unidade utebolística”.Como não há agências para controlá-lo,não há limites para a invenção e/ou ade-quação de códigos situacionais, destacan-do-se, sobretudo, as distorções em relaçãoao ootball association (p. 40).

Em nossa ilustração, a bricolagem está posicio-nada em intersecção com todas as matrizes, mas numespaço predominantemente amador.

Como utebol escolar, Damo (2007) “conside-ra aquele utebol praticado nas escolas, integradoaos conteúdos da educação ísica, como parte dasdisciplinas legalmente constituídas” (p. 37); acres-centamos a isso, o utebol praticado nas “escolinhasesportivas” dentro das escolas e que possuem uma di-nâmica própria de organização e campeonatos espe-cí cos entre as instituições educativas. Na ilustração,a matriz escolar se posiciona predominantementeno amadorismo, mas numa dimensão menor que abricolada, ainda que estabeleça com essa matriz maisrelações do que com as outras.

A matriz espetacularizada ou de alto-rendimentoé caracterizada por Damo (2007) de orma geral, porparticularidades dentre as quais três se destacam: aorganização monopolista, globalizada e centralizadaatravés da Fi a-IB7; a divisão social do trabalho, den-tro e ora de campo aliada à distinção clara e precisaentre quem pratica e assiste; e a excelência per ormá-

tica exigida dos participantes. Essa matriz represen-tada na ilustração como aquela na qual predomina opro ssionalismo, pode ser considerada a que serviráde modelo para as demais, tendo em vista o sentidodo processo de esportivização em seu estágio atual.Assim, as intersecções entre as matrizes, neste caso,correspondem não só ao ponto de contato entre osdistintos espaços de gurações humanas, mas tam-bém à maior ou menor preocupação com o modeloque o sentido do processo indica.

Desta re exão chegamos, propositalmente porúltimo, à matriz denominada por Damo (2007) deco-munitária. Segundo ele, esta matriz seria caracteriza-da pela “presença de quase todos os componentes doespetáculo, mas di erindo em escala. A divisão social

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do trabalho não é nula, mas é precária” (p. 45). O au-tor de ne essa matriz como um utebol intermediárioentre o espetacularizado e o bricolado. Em nossa ilus-

tração, o utebol comunitário está posicionado comoo segundo espaço em que o pro ssionalismo é predo-minante. Isso porque este utebol, também chamadode amador, possui na realidade social brasileira8 al-gumas con gurações muito próximas do pro ssional.Na realidade pernambucana que acompanhamos du-rante a realização da pesquisa, por exemplo, alguns ti-mes da segunda divisão do utebol pro ssional apre-sentam di erenças pouco perceptíveis, se comparados

ao utebol amador. Questões como espaço ísico (osconsiderados estádios, mas que podem ser mais bem visualizados se dissermos campos de várzea comsede), organização clubística (desde as questões do-cumentais como estatuto e atas, até a existência de umgrupo de dirigentes) e existência de várias equipes(com as subdivisões especí cas tais como: in antil, juvenil, adulto e veterano; este último predominantedas equipes amadoras), entre outras, retém caracte-rísticas bastante similares nas duas matrizes.

Dos futebóis amadores

Nascido das elites e ruto de um processo de di-usão complexo, o utebol brasileiro tem sua origem

ligada à intermediação de agentes os mais diversos:marinheiros, técnicos de errovias, operários de mi-nas, pro essores dos estabelecimentos educacionaisdas colônias inglesas, jovens bacharéis egressos dasuniversidades européias, missionários europeus,etc. Esta diversidade se mani esta na construçãohistórico-social deste esporte, que em pouco tempose populariza, tornando-se uma das grandes paixõesbrasileiras. Ao longo de seu desenvolvimento neste

território, o utebol é praticado em di erentes ormas,que se consolidarão no cotidiano das cidades, entreelas, o que hoje convencionamos chamar de Futebol

Amador.Este utebol caracteriza-se pela sua prática não-

pro ssional, realizada em campos localizados nas‘várzeas’ e/ou outros espaços disponíveis nas cidades,com uma organização predominantemente local. Seusurgimento está vinculado à pro ssionalização do

utebol e sua permanência na cidade acontece apesarda disputa pelos espaços e da monopolização estéticade um utebol pro ssional e de espetáculo.

Fazendo um passeio pela cidade do Reci e, en-contraremos o utebol amador principalmente noscampos concentrados na peri eria, apertados entre osbarracos e as casas populares e atraindo vasta e di- versa platéia: eitos de areia ou barro, com arquiban-cadas ou não, vestiários apertados (quando existem),alambrados emendados e, em alguns casos, ilumina-ção. Apesar de reduzido – se comparado ao que oino passado –, e de os campos deixarem de se localizarnos espaços centrais da cidade, o utebol amador con-

tinua a existir principalmente nas áreas onde residea população mais pobre e que acaba tendo nele umade suas poucas práticas de lazer. Neste sentido, muitomais do que o “oposto ao pro ssional”, nosso trabalhoidenti ca o utebol amador como uma “ guração so-cial” diversa e dinâmica.

A idéia central do conceito de guração social (ELIAS, 2005) está no seu aspecto relacional em quetransparecem as múltiplas relações existentes entreos indivíduos, de orma interdependente. Mantendoo movimento próprio da dinâmica social – já que aidéia de guração denota uma ormação em contínuamudança –, Elias pretende nos mostrar como a idéiade indivíduos (indivíduo no plural) está interligadacom a idéia de sociedade.

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Como um conceito bastante elástico, ele alcan-ça os vários tipos de relações possíveis (seja de união,seja de oposição) e pode ser aplicado para os mais di-

versos grupos sociais; desde um grupo de quatro pes-soas jogando cartas até uma nação inteira que abrigamilhões de indivíduos. Formadas apenas por indiví-duos (por isso sociais), as gurações sociais são exí- veis à noção de tempo. Em permanente movimento,as gurações sociais podem durar mais, ou menos,de acordo com sua consolidação na realidade social.

Considerando o utebol amador como uma -guração social, e com isso, diversa e dinâmica, estetrabalho demonstra a maneira como uma orma es-pecí ca de praticar o utebol (destacando aqui não sóa realização do jogo, mas as várias relações necessá-rias para um determinado tipo de prática), que en-tendemos como um dos possíveis utebóis amadoresexistentes, se consolidou na cidade do Reci e.

Longe de querer de nir o utebol amador de ma-neira simples, este trabalho demonstra sua diversida-de, sua heterogeneidade no contexto social, a partirdas inúmeras gurações que coexistem sob o nome

de utebol amador, e de uma análise de sua posiçãoquando pensamos o utebol de orma geral.

Como vimos anteriormente, segundo Damo(2007), temos alguns tipos de prática do utebol quepodemos analisar como uma matrizcomunitária. Oautor de ne tal matriz como um utebol intermediárioentre o espetacularizado e o bricolado. Usualmente,pode ser chamada pelo nome abrangente de “ utebolamador”, por não possuir a característica destacadaanteriormente da relação de trabalho institucionali-zada. A denominação di erenciada que o autor em-prega justi ca-se pela existência de outras matrizesque, igualmente, podem ser consideradas amadoras,tendo em vista que nelas também não se estabelecemnecessariamente relações ormais de trabalho. Por

outro lado, é importante percebermos que o termo“comunitária” destaca um território especí co da ci-dade onde geralmente encontraremos esse utebol:

as comunidades. Assim, a matriz comunitária abran-ge um conjunto de gurações sociais do utebol quetêm uma história própria – que se propaga de ormaoral, documental e iconográ ca –, ocupa territóriosespecí cos na cidade – em geral, são comunidadesda peri eria – e é construída por di erentes gruposagregados em torno do utebol, pelos mais di erentesmotivos e de orma organizada.

Rede de contatos e relações no futebol amadorrecifense

Neste trabalho, tendo como base teórica o con-ceito de gurações sociais, buscamos identi car omais próximo possível uma parte da guração socialque orma o utebol amador hoje. Procuramos azerisso a partir da construção de uma “rede de contatos”durante a investigação com as equipes anteriormentedescritas.

Vejamos a de nição de guração, segundo Elias(2005), a partir da analogia com um jogo de utebol.

omando como exemplo o utebol, po-demos ver que uma con guração é umaestrutura de jogo que pode ter uma hie-rarquia de várias relações de “eu” e “ele”,“nós” ou “eles”. orna-se evidente que doisgrupos de adversários, que têm entre siuma relação de “nós” e de “eles”, ormamuma con guração singular. Só podemoscompreender o uxo constante do agrupa-mento dos jogadores de um dos lados, se virmos que o grupo de jogadores do outrolado também está num uxo constante. Sese pretende que os espectadores compre-endam e gostem do jogo, terão que estar

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aptos a compreender o modo como estãorelacionadas as disposições mutáveis de

cada lado – para seguir a con guração ui-da de cada uma das equipas (p. 142).

Ilustração 2 - Rede de Contatos

Relação identi cada pela autora, no estudo Relação de indicação para entrevista Indicações durante a entrevista

Fonte: quadro elaborado pela autora deste trabalho.

Neste estudo, somos os espectadores que pre-cisamos conhecer como estão relacionadas as váriasdisposições mutáveis que ormam o utebol amador.A di erença é que num nível mais estrutural – queElias (2005) en atiza que não deve deixar de ser com-preendida como uma ormação de indivíduos – a

mutabilidade se apresenta num padrão de tempo di-erenciado. E é a partir das várias relações exempli-cadas pelo autor – “eu” e “ele”, “nós” e “eles” – que

daremos prosseguimento ao nosso estudo.A análise empreendida neste trabalho parte de

uma guração especí ca que se orma entre grupos

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que nas suas relações ormam o que denominamos deutebol amador. A “rede de contatos” consiste na or-

ma que utilizamos para selecionar as equipes a serem

entrevistadas, com o objetivo de materializar, na pes-quisa empírica, as características do nosso re erencialde análise, que se baseia na teoria elisiana. Partindodo conceito de gurações sociais, a “rede de conta-tos” uncionou como uma reconstrução da guração(ou parte dela) que nas relações entre equipes/clubes

ormados pelos indivíduos é edi cada, e aqui conven-cionamos chamar de utebol amador.

Neste sentido, partindo do relato do primeiro en-trevistado, que mencionou um time de várzea muitoorganizado, demos início à rede. O prosseguimentode sua constituição ocorreu a partir da entrevista comcada equipe. Em grande parte, durante a entrevista,os entrevistados citaram times com os quais tinhamalguma relação. Em cada entrevista, escolhíamos umdos times que se destacava na conversa e buscávamoso contato.

Ressalte-se que, nesse contexto, as relações oramconsideradas um dado a ser organizado e analisado.

O motivo da indicação e a orma como oi indicadooram também registrados e trans ormados em ob-

jeto de análise, sendo importantes para a construçãoda rede de contatos. Assim, ormamos uma teia queprocura aproximar-se da guração social que hoje

ormam entre si os indivíduos no meio utebolísticoamador, e que deve ser lida à luz de um momentohistórico-social especí co, respeitando, assim, a idéiado movimento como parte da natureza humana – econseqüentemente social –, tão importante à teoriaelisiana.

Os motivos para a indicação surgiram durantea conversa, alando-se de organização, de destaque,de amizade, dando um exemplo, ou, em último caso,pelo pedido da pesquisadora.

Em um primeiro momento, em nossa investiga-ção, buscamos analisar a rede de contatos construídadurante o trabalho de campo com as equipes, a partir

das lideranças de times, de orma que nos permitisseperceber as principais relações que se dão na dinâ-mica da guração do utebol amador reci ense atual.Solicitando a indicação de outras equipes, ou apenasexplorando um comentário espontâneo durante a en-trevista, oi possível identi car algumas dessas rela-ções. Entre as principais, destacamos:

- Rivalidade- Respeito ao tempo / tradição-Admiração pelo bom desempenho nos

campeonatos -AmizadeNenhuma delas aparece desconectada das ou-

tras; há um sentido de predominância. É importanteressaltar que as relações tratadas, aqui, são aquelasque se dão entre os grupos a partir, principalmente,do ponto de vista dos dirigentes e/ou responsáveis pe-los clubes amadores.

Segundo Elias (2005), ao exempli car o conceito

de con guração a partir de quatro indivíduos num jogo de cartas, “a interdependência dos jogadores, queé uma condição prévia para que ormem uma con -guração, pode ser uma interdependência de aliadosou de adversários” (p. 143). Em nossa investigação,numa perspectiva de análise mais estrutural, prevale-ceram nas relações interdependências de aliados. Àsindicações e às menções aos clubes no estudo subjaza idéia de algum tipo de parceria, pois os comentá-rios eram sempre avoráveis. Existiu uma tendêncianas entrevistas a valorizar os clubes parceiros e a nãomencionar aqueles com os quais houvesse algumtipo de relação desagradável. Mesmo provocadas, aslideranças pre eriram evitar azer comentários sobreequipes com as quais estabeleciam relações pouco

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amistosas. Assim, mesmo que durante um jogo essasequipes tenham sido adversárias, no contexto maisgeral, no momento do estudo, elas apresentaram rela-

ções de aliadas. Isto nos remete diretamente à primei-ra relação: a rivalidade.

Esta relação é considerada como parte inerenteao utebol, existindo na realidade em duas ormas:uma rivalidade sadia e uma “outra” rivalidade – queseria “não-sadia”. A rivalidade sadia está relacionadaà rivalidade em campo, à disputa entre as equipes, à vontade de ganhar, e a uma “violência permitida” –que seriam ações como xingamentos, gritos, e discus-sões durante o momento de jogo. A “outra” rivalida-de está ligada a uma “violência não-permitida”, queextrapola os limites do que é considerado sadio. Estaestá diretamente relacionada a atitudes de violência

ísica como agressões e brigas.Segundo os dirigentes, a rivalidade é mais or-

te entre os times do mesmo bairro, que disputam oreconhecimento da mesma comunidade. Pudemosperceber que é mais orte naqueles clubes que têmuma relação com a comunidade ortalecida, que se

legitimam no meio utebolístico não só pelo seu de-sempenho em jogo, mas pela sua popularidade, pelasua capacidade de mobilização. Já em clubes cuja in-teração com a comunidade é tênue ou nula, a relaçãocom times do mesmo bairro é menos tensa. ambém

oi possível perceber que a priorização de di erentesespaços de competição (por exemplo, o Campeonatoda Federação, em detrimento do Campeonato daPre eitura) surge como um elemento apaziguador darivalidade. Assim, por exemplo, os clubes entrevista-dos, Bota ogo e Floresta, que azem parte do mesmobairro (Barro) e disputam campeonatos di erentestendem a possuir menos rivalidade do que o Realda Mustardinha e outros times da mesma região quedisputam o Campeonato de Futebol Participativo

(organizado pela Pre eitura).A segunda relação a ser destacada é o respeito

ao tempo de existência e à tradição. Ela aparece, so-

bretudo, nos times “mais antigos”, como uma marcaimportante, principalmente’ ao se considerar a rotati- vidade9 de times do utebol amador. A idéia de man-ter um clube amador está presente em todas as alascomo algo di ícil e que exige muito trabalho e sacri í-cio. Assim, ter um clube com 60, 70 anos de existên-cia é considerado, por si só, uma grande vitória e umelemento de reconhecimento.

A terceira – a admiração pelo bom desempenhonos campeonatos – é parte do utebol de orma ge-ral e esteve presente, permanentemente, neste estu-do, agregada a outras relações. Aqueles times que semantêm entre os primeiros colocados nas competi-ções são reconhecidos por isso. al reconhecimentoultrapassa a relação temporal. Assim, aqueles clubesque oram campeões ou estiveram entre os primei-ros colocados nas competições durante um períodode tempo acumulam certo prestígio; quanto maioresse tempo, maior o reconhecimento. A proximidade

temporal é um ator importante, mas, com base nestainvestigação, não nos é possível precisar até quantosanos de distância isso é considerado. emos o exem-plo do clube 10 de Novembro que não disputa a cate-goria “Adulto” desde 2006, mas é lembrado pelos seusdestaques “de outrora”.

A quarta é a amizade. A relação amigável entreduas equipes – principalmente na relação entre seusdirigentes – parece estabelecer um padrão de reco-nhecimento, tendo em vista que esta de orma geralé uma relação muito en atizada no utebol amadore que tem estreita relação com o surgimento dasequipes e sua manutenção. A amizade é parte da ri- validade sadia que vimos anteriormente. Com ela,garante-se certo controle de violência durante o jogo

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e as celebrações posteriores, as quais algumas vezes– principalmente nos amistosos – são realizadas emconjunto. Além disso, a amizade é responsável pelo

aumento da teia de relações que cada equipe desen- volve, ampliando a atuação das equipes, que extrapo-la os limites territoriais do bairro, muitas vezes, dascidades e até mesmo do Estado.

Esses quatro tipos de relações nos permitem co-nhecer um pouco de como se constitui a guração so-cial do utebol amador. As próprias relações demons-tram a dependência existente da gura do “outro”para a guração existir. Desta orma, corroboramoso que Elias nos traz como “interdependência”. Aqui,não existe uma dependência apenas de um indivíduopara com o outro, mas também de um grupo de indi- víduos em relação a outro. A interdependência, como

orma de entendimento mais amplo, re orça a com-preensão da sociedade de orma dinâmica.

No caso do Futebol Amador, a guração só existepela relação de interdependência entre os indivíduos.Estes só ormam uma guração por causa das liga-ções sociais (ELIAS, 2005). As ligações não são boas

ou ruins; elas existem e conservam os “laços invisí- veis” que asseguram gurações sociais de maior pere-nidade, entre elas, as ormadas pelo Futebol Amador.

Para tentar concluir...

Como um processo social de longa duração, eque no Brasil se desenvolve no início do século passa-do, é possível dizer que o direcionamento ao pro ssio-nalismo ainda está se consolidando nos dias de hoje.Uma série de mudanças e construções vai ocorrendo,aliada à dinâmica do próprio jogo, como a unção deespetáculo, desenvolvida concomitante ao processode pro ssionalização. O amadorismo não desapare-ce, mas ele não mais predomina nas gurações sociais

utebolísticas.Esta ruptura entre amadores e pro ssionais az

parte de um processo mais complexo que incorpora

também continuidades, a que vimos chamando atéo momento de processo de esportivização. Ligadospor uma prática – no caso deste trabalho, o utebol –,ambos (amadores e pro ssionais) estão, no momen-to atual, submetidos ao novo sentido do processo deesportivização: o pro ssionalismo. E, ocupando posi-ções di erenciadas nocampo em questão, vão lutandoora pela manutenção, ora pela mudança da posiçãoocupada.

No caso do utebol amador, encontramos umamudança signi cativa na sua estrutura. O utebolamador deixa de ser uma prática predominante daselites para ser uma prática predominante das classespopulares; sua orma de organização se inspira napro ssional, mas ela se desenvolve com menos re-cursos. Enquanto os clubes pro ssionais seguem umainstitucionalização crescente (regras, leis que regema prática esportiva e a organização clubística, etc.),os clubes amadores seguem as regras institucionali-

zadas, de acordo com suas condições materiais, mastambém de acordo com as relações sociais que se es-tabelecem entre os indivíduos que ormam a teia deinterdependência do utebol amador.

Notas

1 Algumas re exões deste trabalho oram publicadas no livroEscrito sobre Norbert Elias 2 (no prelo).

2 A idéia de pro ssão aqui está mais ligada à idéia de o ício,ocupação do que ao conceito de pro ssão tal como é vistonos estudos sociológicos atuais. Segundo Diniz (2001), umade nição “mínima” do termo pro ssão seria: “ocupaçõesnão-manuais que requerem uncionalmente para seu exer-cício um alto nível de educação ormal usualmente testadoem exames e con rmado por algum tipo de credencial” (p.18).

3 As especi cidades da realidade brasileira podem ser apro-

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undadas na obra: Fernandes, F. A revolução burguesa noBrasil : ensaio de interpretação sociológica. São Paulo: Glo-bo, 2006.

4 radução da autora, do original: “the emergence o intense

orms o nationalism and a spurt in globalisation processes”.5 As in ormações sobre a história do utebol, sua di usão e

adoção no Brasil são baseadas nas obras dos historiadoresPereira (2000), Santos Neto (2002), Franco Júnior (2007) eCouceiro (2003).

6 Os estudos históricos costumam re erir-se à construção doselecionado (equipe) brasileiro e à crescente identi caçãosocial do brasileiro com o utebol. Algumas das análisesrealizadas sobre este processo e as possíveis razões para odesenvolvimento do utebol como “identidade da nação”podem ser encontradas nos estudos de Guedes (1977, 1998)e Negreiros (2003).

7 Federation International o Football Association eInternatio-nal Board , instituições responsáveis pela organização do u-tebol em âmbito mundial, sendo esta última especí ca paraas alterações do jogo propriamente dito.

8 É importante destacar a ên ase na realidade brasileira por-que, como mostra Damo (2007), o utebol amador na re-alidade rancesa possui outro ormato, sendo ortementesupervisionado pelo Estado e azendo parte do chamado“ utebol o cial”, que é aquele que está sob a organizaçãoda FIFA. No Brasil, a supervisão pelo Estado ainda é muitoin erior ao signi cado do utebol no país. Fazem parte do“ utebol o cial” os clubes pro ssionais, não havendo na-cionalmente a preocupação com o utebol amador (em al-guns casos especí cos, as ederações estaduais considerama existência do utebol amador realizando atividades dire-cionadas). Algumas ontes de in ormações: Con ederaçãoBrasileira de Futebol (CBF) –www.cb .com.br, FederaçãoPernambucana de Futebol (FPF) –www. p -pe.com.br e Fe-deração de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FFERJ)– www.fferj.com.br.

9 Esta rotatividade está principalmente relacionada à mortedo responsável, de orma mais orte no caso dos times quese organizam com um dono e não com um corpo de diri-gentes – ainda assim podendo ser repassado, como no casodo Santos F. C.. Aqueles que se organizam por dirigentes etêm uma estrutura ísica construída tendem a se des azer

quando os dirigentes perdem o interesse e permitem queseja des eito. Contudo, se tiverem marcado a história dacomunidade, podem ser retomados mais tarde, como noexemplo do Floresta. Um time extinto indicado na rede é oExpressinho do Pina.

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FUTEBOL: AMADORISMO EM TEMPOS DE PROFISSIONALISMO

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(Recebido para publicação em janeiro de 2011. Aceito emabril/11).

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D O S S I Ê

O RACISMO NO FUTEBOL CARIOCA NA DÉCAD1920: IMPRENSA E INVENÇÃO DAS TRADIÇÕES

IntroduçãoAo discorrer sobre o ter-

mo tradição inventada, o his-toriador Eric Hobsbawm re-corre à pompa das cerimôniaspúblicas da realeza britânicapara ilustrar seu argumen-to. Segundo ele, nem todosos aparatos utilizados nesseseventos derivam de mani es-tações antigas. Muito do queé eito nesses momentos são,na verdade, mani estações re-centes, criadas de orma in- voluntária ou não, mas quepara o grande público se con-

undem com gestos seculares.

Por este tipo de mani estaçãoentende-se tradição inventada (HOBSBAWM, 1997, p. 9).

Para enriquecer seu exem-plo, o autor ressalta como aspartidas do campeonato bri-tânico de utebol também sãocercadas de um aparato que,em muitos aspectos, não passam de tradições criadaspor seus organizadores, algumas delas sem o menorsentido prático.

Este artigo analisa a criação e a propagaçãode uma tradição inventada do utebol brasileiro.No entanto, não pretendemos pensar como ocor-re a cerimônia de um jogo de utebol, como propôs

Hobsbawm. Nas próximas pá-ginas, discutiremos a ormacomo a historiogra a brasileiratrata a inserção do negro nesteesporte, que teria desembarca-do o cialmente no país comouma atividade ísica das elites.

Quem pesquisa sobre es-

porte no Brasil, mais especi -camente sobre utebol, encon-tra praticamente uma únicacronologia. Na segunda me-tade do século XIX, o esporteteria chegado ao País por meiode lhos de imigrantes ingle-ses e, por isso, era praticadoexclusivamente em clubes quereuniam as elites das socieda-des das principais cidades bra-sileiras. Anos depois, o utebolcomeçaria a se popularizar e, apartir de então, os negros co-meçariam a ter um papel un-damental nesse processo de“democratização”1.

Essa cronologia é re orça-da pela obra do cronista esportivo Mario Filho2. Em

seu livro,O negro no utebol brasileiro, ele mistura suaslembranças com uma imensa coleção de recortes de jornais, para contar como oi o início do esporte que viria a se tornar o mais popular do Brasil. Publicadaoriginalmente em 1947, a obra ganhou uma nova

RONALDO HELAL*

JOÃO PAULO VIEIRA TEIXEIRA**

RESUMOEste artigo analisa a aplicação do conceito de“tradições inventadas” (cunhado pelo historiadorEric Hobsbawm) a um estudo sobre futebolbrasileiro. Procuramos mostrar como foi contadaa inserção do negro no esporte mais populardo País e, simultaneamente, entender a criaçãode algumas premissas a esse respeito, naprimeira metade do século XX, e a incorporaçãodas mesmas como verdades recontadas porestudiosos e parte da imprensa passando, assim,tais idéias a integrar o senso comum.Palavras chavePalavras-chave: futebol, cultura, racismo, Vascoda Gama e invenção das tradições.

ABSTRACTThis article looks to discuss how the concept of“invented traditions”, created by the historianEric Hobsbawm might apply to football. Weintend to show how the press and some writerstold the story of how Black people were acceptedand incorporated into the most popular sport inBrazil. Also we intend to understand why someassumptions have been made in the first half of thetwentieth century and became truths recounted byscholars and the press becoming so part ofcommon knowledge and acceptance.KeywordsKeywords: football, culture, racism, Vasco daGama, invention traditions.

* Professor do Programa de Pós-Graduação emComunicação da Universidade do Estado doRio de Janeiro (UERJ).

** Mestrando do Programa de Pós-Graduaçãoem Comunicação Social da Universidade doEstado do Rio de Janeiro (UERJ).

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O RACISMO NO FUTEBOL CARIOCA NA DÉCADA DE 1920: IMPRENSA E INVENÇÃO DAS TRADIÇÕ

edição no ano de 1964, com dois novos capítulos.Desde então, o texto passou a ser onte tanto para

jornalistas como para pesquisadores, uncionando

como re erência para se entender o panorama dasprimeiras décadas do século XX. No entanto, essa uti-lização constante e, algumas vezes, indiscriminada daobra criou distorções que culminaram com a perpe-tuação de algumas ideias construídas através da escri-ta de Mario Filho. Ele relata, com uma narrativa quetende ao heroísmo, como oram os primeiros anosem que os negros participaram do esporte na cidadedo Rio de Janeiro. O principal eixo dessa narrativa seconcentra no Campeonato Carioca do ano de 1923.Na disputa, a equipe do Vasco da Gama seria orma-da por negros, mulatos e brancos e, pela primeira vez,um time com esta miscigenação racial conquistara otítulo da cidade. Para Mario Filho, o ato teria levan-tado a ira da “alta sociedade” daquela época, entãorepresentada pelos clubes tradicionais da Zona Sul dacidade como Flamengo, Bota ogo e Fluminense.

Já no seu trabalho de doutorado, Soares(1998) desenvolveu um importante estudo, questio-

nando a repetição acrítica da obra de Mario Filhopara contar a história do início do utebol no Brasil.Soares denomina de “novos narradores” aqueles queassim o procediam. Para ele, os “novos narradores”apenas reproduziram o que escreveu Mario Filho.Sem comparar com novas ontes, o discurso se torna-ria uni orme e cada vez mais pregnante na sociedade. É neste ponto que consideramos que a obrade Hobsbawm pode nos ser útil. Queremos tentarentender a razão da versão de Mario Filho ter sidoconsagrada no Brasil e que motivos zeram comque ela pouco fosse questionada. Pretendemosveri car se o heroísmo atribuído por Mario Filhoà equipe vascaína pode ser entendido comouma tradição inventada, nos termos cunhados

por Hobsbawm:

O termo “tradição inventada” é usadonum sentido amplo, mas nunca inde nido.Inclui tanto as ‘tradições’ realmente inven-tadas, construídas e ormalmente insti-tucionalizadas; quanto as que surgiramde maneira mais di ícil de localizar numperíodo limitado e de determinado tem-po – às vezes coisa de poucos anos apenas– e se estabeleceram com enorme rapidez(HOBSBAWM, 1997, p. 9).

O assunto já ocupa um lugar importante nos es-tudos relacionados ao tema. Vários estudiosos3 de di- versas partes do Brasil começam a tentar rever comoesta história oi contada. A seguir, aremos uma revi-são da discussão acadêmica sobre o tema. Retomandotrechos de Mario Filho, as críticas de Soares à utiliza-ção indiscriminada da obra e incluindo a resposta dealguns daqueles que oram acusados de apenas repetiro cronista, pretendemos ornecer mais dados para adiscussão, a m de, em seguida, analisar a adequação,ou não, do termotradição inventada nesta discussão.

1. O nascimento do racismo no futebol brasileiro

A conquista do Clube de Regatas Vasco da Gamano ano de 1923 provocou consequencias no utebolcarioca. Este ato é inegável. O que se passou a ques-tionar oi a veracidade dos relatos emO negro no u-tebol brasileiro. A seguir, temos partes do relato eitopor Mario Filho:

Desaparecera a vantagem de ser de boaamília, de ser estudante, de ser branco. O

rapaz de boa amília, o estudante, o bran-co, tinha de competir, em igualdade de

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condições, com o pé-rapado, quase anal-abeto, o mulato e o preto para ver quem

jogava melhor. Era uma verdadeira revo-lução que se operava no utebol brasileiro(RODRIGUES FILHO, 2003, p. 126).

Em 1922, o Vasco já havia conseguido resulta-dos expressivos. No entanto, como estava na SegundaDivisão, isso não desagradou aos grandes clubes. Sóno ano seguinte, quando oi en rentar as principaisequipes da cidade e passou a vencê-las, é que o clubede imigrantes portugueses misturados com negrosteria despertado a ira dos rivais. Mario Filho resu-me, assim, o que supostamente pensavam os rivais naocasião:

Ninguém ligou para importância à ida doVasco para a primeira divisão. Que é quepodia azer um clube da segunda divisão(…) O Vasco que botasse quantos mulatos,quantos pretos quisesse no time. udo con-tinuaria como dantes, os brancos levantan-do os campeonatos, os mulatos e os pre-

tos nos seus lugares, nos clubes pequenos(RODRIGUES FILHO, 2003, p. 121).

A primeira vitória de um time ormado por ne-gros teria abalado a estrutura hierárquica de umasociedade onde havia discriminação racial e social4.No entanto, Soares chama a atenção para o ato de anarrativa de Mario Filho não ser totalmente el aos

atos. Além disso, ela seria recheada de incoerências,

como as que ele cita a seguir:

A vitória inquestionável do Vasco em 1923não teria esse tom dramático se simples-mente pensássemos que aquela equipe

oi montada com excelentes jogadores

dedicados quase que exclusivamente aoutebol, isto é, que viviam sob uma estru-

tura semipro ssional bem sucedida emrelação aos demais. Não teria o charmeque tem caso aqueles que se nutrem deMario Filho estivessem atentos à próprianarrativa de seu inspirador, quando des-creve que a equipe do Vasco era treinadaexaustivamente por Platero e os jogadoreseram superiores em termos de preparação

ísica porque viviam como “meninos decolégio interno”. Argumentos dessa natu-reza não serviriam para realizar um dis-curso épico do negro ou da mistura racial,com a roupagem do politicamente correto,como o que é apresentado nos artigos aca-dêmicos sobre o utebol (SOARES, 2001b,p.118- 119).

Desta orma, tudo o que é dito a respeito do tema

atualmente precisaria ser questionado, uma vez quenão haveria total delidade entre a versão consagradados atos e o ocorrido na década de 1920. Para Soares,conceder ao Club de Regatas Vasco da Gama as hon-

ras de ser o único responsável pela democratizaçãodo esporte nacional não passaria de umatradição in-ventada, o que não desmerece sua e cácia simbólica.

O que tentamos demonstrar é que a “he-róica” trajetória do Vasco na luta contra oracismo na década de 20 é uma tradiçãoinventada, é uma história de identidade(Hobsbawm, 1997). Sua origem está emMário Filho, e a continuidade dessa tra-dição está na boca dos a cionados peloVasco, na imprensa e nos textos acadêmi-cos que tratam a re erida história. Os re-cortes, as ên ases, os esquecimentos são re- veladores dos mecanismos de construçãoda memória coletiva e da identidade. Oslimites entre a história social, a história das

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mentalidades e a história de identidade sãocon usos e interpenetram-se. Mas isto nãosigni ca que uma mentalidade ou identi-dade in orme exatamente o que se passouem um determinado evento ou trama es-pecí ca (SOARES, 2001b, p. 119).

A principal acusação aos autores que se dedica-

ram ao estudo do início do utebol no Brasil re ere-seà utilização indiscriminada do livro de Mario Filho.O relato deste cronista deveria ser considerado ape-nas como uma das aces do ocorrido. Do contrário, sóhaveria a contribuição para a criação e perpetuação

de mitos com base nas narrativas jornalísticas. “Asnarrativas produzidas por jornalistas a partir de atosenvolvendo clubes e jogadores do utebol no Brasiltêm sido tradicionalmente onte de criação de mitose, como tal, têm in uenciado ou con undido pesqui-sadores pouco amiliarizados com as idiossincrasiasdeste esporte” (SOARES, 2001b, p. 101).

O grande transtorno que esta prática teria causa-do teria sido a alta de in ormações novas às pesquisasexistentes, contribuindo para uma repetição cada vezmais en adonha de um discurso já conhecido e quedeveria ser mais questionado. Soares a rma que aorecorrer à literatura, acadêmica ou jornalística, sobreo passado do utebol brasileiro, tem a impressão deestar sempre lendo os mesmos textos, com variaçõesnão signi cativas (SOARES, 2001a, p.13).

Essa repetição constante se az presente tambémdevido ao interesse de se manter uma identidade jáconstruída e que, para muitos, não deve ser alterada.

Assim,O Negro no Futebol Brasileiro un-ciona como história mítica que vai sendoatualizada adequando-se às demandas deconstrução de identidade e/ou às denúnciasanti-racistas, independentemente do pisosociológico, histórico ou antropológico do

qual os textos a rmam partir (SOARES,2001a, p. 14).

O maior inconveniente dessa alta de rigor his-toriográ co seria a ausência de comparação com ou-tras ontes. Desta orma, in ormações são legitimadasapenas a partir da utilização de uma obra clássica.No limite, esta prática poderia levar à imposição de“verdades” que não necessariamente tenham alguma

undamentação.

(...) De ato, não haveria problema algumse a obra osse tomada como mais uma

onte de in ormação e contrastada ou cru-zada com outras. O problema é que a obraem questão tem sido utilizada, no interiordas ciências sociais, como prova para asinterpretações, estabelecidasa priori, sobreas relações raciais no utebol e sobre o sin-gular estilo de utebol nacional. A carênciade historiogra a sobre o utebol converteuO Negro no Futebol brasileiro em clássico,na verdade em laboratório de provas, sempassar pelo rigor da crítica. Um dos sinto-mas da carência, ou mesmo da ausênciade ontes é o ato de os consumidores doNegro no Futebol brasileiro, que chamode “novos narradores”, construírem legiti-mações acadêmicas da obra e de seu autor(SOARES, 2001a, p. 14).

No artigo “O racismo no utebol do Rio deJaneiro nos anos 20: uma história de identidade”,Soares (2001b) se apóia na pesquisa em jornais doano de 19245 para rechaçar alguns relatos contidos naobra de Mario Filho e, posteriormente repetidos, porcientistas sociais. Para ele, a questão do amadorismo éque era mais central. Os clubes de elite até aceitariamnegros, mas queriam a garantia de que não se trata- va de atletas pro ssionais. Soares relata que qualquer

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negro, sem nome amiliar ou pro ssão de prestígio,que aparecesse para jogar em time da primeira divi-são tinha sua condição de amador colocada sob sus-

peita. O autor lembra que a maioria dos negros e mes-tiços daquela sociedade ocupava posições in eriorese empregos subalternos. A lógica “quanto melhorcondição social e econômica, maior a probabilidadedo jogador ser amador” provavelmente governava aspercepções dos dirigentes esportivos. Assim, é pro- vável que a descon ança osse maior em relação aosnegros sem sobrenome de prestígio (SOARES, 2001b,p.117).

Soares tem uma conclusão clara a respeito dotema. Para ele, há incorreções nesta história, mascomo seria politicamente incorreto tentar desmisti-

cá-la, ela continua sendo transmitida desta ormatanto pela academia quanto pela imprensa.

A “história” de racismo e perseguição daAMEA aos negros e mestiços do Vasco em1924 tem, no máximo, servido à constru-ção de um discurso acadêmico politica-mente correto, cuja e cácia é apenas de re-

orço da identidade positiva dos vascaínos.Para concluir, re orçamos que a crise vividano utebol carioca nos anos 20 azia partede uma con guração mais ampla do espor-te; e que não se limitava ao Brasil. A popu-larização do utebol, seu processo de trans-

ormação em negócio e em pro ssão estavatensionado pelos valores amadorísticos ouaristocráticos do esporte (SOARES, 2001b,p. 119).

2. Relativizando

Se, para Soares, toda esta história se con gura

em umatradição inventada, já para alguns outros es-tudiosos, é preciso ter um olhar mais atento, valori-zando a obra de Mario Filho. Além de propor um re-

conhecimento do texto, alguns garantem que ali está,ao menos, uma parte de um retrato el da sociedadeda época. Se aquele discurso passara a ser e ciente,deveríamos pesquisar a razão dessa e ciência.

César Gordon Júnior, um daqueles apontados porSoares como “novo narrador”, se dedicou, junto comRonaldo Helal, a responder parte das críticas e acres-centar novas considerações ao debate acerca da inser-ção do negro no utebol brasileiro. Em “Sociologia,

história e romance na construção da identidade na-cional através do utebol”, Helal e Gordon Júnior re-batem alguns argumentos de Soares. Eles lembramque os relatos apresentados por Mario Filho, aindaque não possam ser utilizados para provar, podem,no entanto, ilustrar os re exos do preconceito. Paraeles, os “causos” descritos do NFB, sejam “verdadei-ros” ou “ alsos”, expressariam justamente sua orçahistórica quando nos permitem vislumbrar esse “cli-ma de época”. Eles nos dão acesso às ormas pelasquais as pessoas representavam as relações raciais e astensões que experimentavam dentro do universo do

utebol. (HELAL e GORDON JR., 2001, p. 55)Estes autores acreditam que não se deve inuti-

lizar a obra usando apenas o argumento de alta dedelidade aos atos. Eles lembram que a principal crí-

tica ao texto de Mario Filho está situada na dúvidaentre se tratar de um texto histórico ou de um roman-ce. Mas, para eles, esta discussão seria in rutí era.

Um dos argumentos centrais do traba-lho de Soares é que Mário Filho não teriaconstruído um estudo histórico ou socio-lógico sobre o negro no utebol brasileiro,mas um “romance”. Através de uma análise

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exaustiva das edições do NFB, bem comoda biogra a de Mario Filho, Soares concluique o autor, mediante arti ícios retóricosde legitimação, conseguiu disseminar aidéia de que sua obra se constituía numadescrição histórica objetiva das relaçõesraciais dentro do utebol, encobrindo, narealidade, um projeto de construção deidentidade nacional baseado na noção deharmonia e integração das raças ormado-ras (HELAL e GORDON JÚNIOR, 2001,p. 52-53).

Helal e Gordon Júnior destacam que, ainda quelido como um romance, o texto pode ser valorizadopor descrever um contexto social criado a partir deuma realidade existente. Ambos acreditam que estetipo de texto ornece um material que deve ser consi-derado até mesmo pelos historiadores na tentativa deentender como pensavam as pessoas de determinadaépoca.

Apesar de louvarmos o mérito do trabalhode Soares ao apontar um provável descui-do metodológico dos ‘novos narradores’,questionamos sua posição radical em ne-gar qualquer possibilidade de utilizaçãohistórica do texto de Mario Filho (HELALe GORDON JÚNIOR, 2001, p. 54).

Outra crítica às conclusões de Soares é a de queele simplesmente haveria trocado uma discussão poroutra. “[...] onde se lia ‘racismo’, propõe que se leia‘amadorismo x pro ssionalismo’. E essa redução não

nos parece nem pro ícua do ponto de vista metodoló-gico, nem justa do ponto de vista histórico” (HELALe GORDON JÚNIOR, 2001, p. 57). Em síntese, ocontraponto eito às críticas de Soares pode ser co-nhecido da seguinte orma resumida:

Mesmo considerando que os argumentosde Soares merecem uma análise mais de-tida e apro undada, iremos nos limitar, pormotivos de espaço, a discutir quatro pon-tos de seu argumento, que na verdade estãointerligados ao longo do texto, ainda quenem sempre ormulados de modo explíci-to: 1) a crítica à utilização do NFB como

onte histórica; 2) a recusa em considerara pregnância do idioma simbólico do ra-cismo na história do utebol brasileiro; 3)a negação de um processo de relaxamentodas tensões raciais no universo do utebol;4) a desconsideração da ideologia da iden-tidade nacional como instrumento heurís-tico relevante para a compreensão dessahistória (HELAL e GORDON JÚNIOR,2001, p. 52).

Para entender melhor estes quatro pontos,

os autores azem uma contextualização históricaacerca do momento sobre o qual estamos alando. Aintrodução do utebol no Brasil deu-se pouquíssimotempo após a abolição da escravidão. A presença dos

negros no esporte poderia suscitar descon ança eaté mesmo repúdio. Esta possibilidade seria crível eplausível, ainda que não tenhamos dados su cientespara demonstrá-la. Os autores destacam que era ummomento da história da sociedade brasileira em quebrancos e negros vivenciavam uma situação em quepodiam competir abertamente em algum domínio da vida social, colocar e etivamente à prova suas “quali-dades raciais”: os ex-escravos e os ex-senhores iriammedir orças no campo de utebol em condições de(parcial) igualdade (HELAL e GORDON JÚNIOR,2001, p. 65).

Segundo Helal e Gordon Júnior, esta situ-ação pode explicar porque no basquete, no vôlei enos esportes aquáticos o amadorismo predominou

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por mais tempo; o que ez com que casse di ícilpara pessoas das classes sociais menos avorecidasconseguirem ter uma condição atlética próxima dos

que se dedicavam de orma amadora. Por este ca-minho, poder-se-ia dizer que ocorreu um processode democratização no utebol brasileiro. (HELALe GORDON JÚNIOR, 2001, p. 66). Por outro lado,seria exagerado negar que dentro do utebol não pu-desse ter havido também resquícios do preconceito visível na sociedade6.

En m, por que o utebol estaria imune às

representações sociais do negro e da mes-tiçagem que se constituíam num discursoou num idioma que imperava em todas asoutras instâncias da vida social, incluin-do as políticas públicas (discussões sobrelegislação imigratória, re ormas penaisetc.)? Parece no mínimo um contra-sensoimaginar que o utebol, desde o período desua implantação como enômeno culturalde massa, pudesse car imune à penetra-ção das representações sociais do negro

e da mestiçagem (HELAL e GORDONJÚNIOR, 2001, p. 62-63).

Sendo assim, não deveríamos perder de vista a

existência do racismo no Brasil7. alvez, por isso, este- jamos investigando o utebol para podermos encon-trar algumas respostas. As representações culturais arespeito das relações entre as raças mani estavam-sedentro do universo utebolístico como na sociedadebrasileira em geral. O utebol torna-se um espaço pri- vilegiado para investigar tais temas, uma vez que oiutilizado na construção de nossa identidade nacionale esta, por sua vez, oi construída em cima de pressu-postos racistas (HELAL e GORDON JÚNIOR, 2001,p. 56).

Helal e Gordon Júnior propõem uma dis-cussão que talvez esteja presente no núcleo centraldeste trabalho: por que hoje gostamos de ouvir esta

história, contada desta orma, já que na época elaagradava apenas uma minoria? Por que ela mais tardese tornou a “história o cial”? (HELAL e GORDONJÚNIOR, 2001, p. 68).

Pelos registros iniciais veri cados nos jornais,ainda não cou claro de que orma a história oi con-tada no ano de 1923. E a questão racial não está ex-plícita em nenhuma das páginas consultadas8.

Restaria perguntar ainda se todas as histó-rias o ciais sobre ormação de identidadesnacionais não seriam, de ato, construçõesque, mesmo que incentivadas por uma eli-te, só azem sentido, só se tornam o ciais,quando “colam” com os anseios da popu-lação, isto é, quando são simultaneamentemito e sonho. Ou seja, não existiria uma re-lação dialética entre elite (discurso erudito)e povo (discurso popular)? O que percebe-mos, en m, é que essas essencializações,

das quais a construção de uma identidadenacional az parte, são e cazes, possuem‘materialidade’, mesmo sendo simbólicas;ou seja, produzem um resultado práticono imaginário coletivo: soldados morremnos campos de batalha de endendo a ban-deira de seus países, guerrilheiros matamem nome da legitimação de sua “etnicida-de” (HELAL e GORDON JÚNIOR, 2001,p. 69).

Nesta construção, portanto, Mario Filho teriadeixado claramente demarcada a luta de classes, evi-denciando quem estava de qual lado. “Nessa trama,Mário Filho teria escolhido seus heróis — os jogado-res negros e mulatos — e seus vilões — a elite branca

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urbana brasileira, undadora dos grandes clubes deutebol e contrária à inserção dos negros nesse novo

domínio da vida social que era o esporte” (HELAL e

GORDON JÚNIOR, 2001, p. 53).

3. Futebol e cultura

Até a década de 1980, a literatura acadêmica so-bre o utebol no país era escassa e vista como temamenos relevante. Hoje, o descaso inexiste e é pos-sível entender a cultura de uma orma mais ampla,enxergando-a não apenas por meio das estruturas

rígidas da sociedade, mas também a partir das açõescotidianas, do lazer e até das atividades mais despre-tensiosas. A quantidade de grupos de trabalhos sobreesporte em congressos cientí cos de ciências sociaisé a prova de nitiva do crescimento do campo. Nestesentido, os trabalhos de Roberto DaMatta (1978 e1982) sobre carnaval e utebol oram undamentais.

Lovisolo (2001) demonstra que a noção doutebol enquanto alienador das massas não cabe mais

em trabalhos acadêmicos. Em suas palavras:

Há duas ou três décadas, os cientistas so-ciais pouco se ocupavam com o utebol queera, isso sim, preocupação do jornalismoesportivo, dos políticos e das pessoas darua. Mais ainda, a corrente principal das ci-ências sociais considerava o utebol comouma coisa que distanciava o povo das “pre-ocupações verdadeiras”. O utebol era vis-to como ormando parte dos processos dealienação das massas. Os ventos mudaramo rumo da prosa. Hoje, talvez sob o uracãodo culturalismo e da importância concedi-da à identidade, a crítica da alienação oi varrida e as olhas da valorização da cultu-ra e identidade local ormam o piso sobreo qual andamos (LOVISOLO, 2001a, p. 9).

Feita esta breve ressalva, lembramos que, a partirdo momento em que os estudos sociais começarama encontrar no utebol uma poderosa orma de com-

preender parte da sociedade, oram dados passos im-portantes para a compreensão das ormas de constru-ção identitária do Brasil. Uma vez mais, recorremos aLovisolo:

Embora o utebol possa ser consideradocomo “quase universal”, na linguagemestetizada do gosto e do estilo particularpassou a ser uma dimensão importanteda construção identitária, tanto no casoda sociedade brasileira quanto de outras.Futebol, alegria, esta, carnaval, música sãotemperos recorrentes dessa construção. A‘alegria do utebol’, cuja essência oi postana ginga de Garrincha, passou a ser umapoderosa metonímia da representação daidentidade brasileira: o povo que en rentaas adversidades com alegria. De ato,o utebol oi visto como teatro da vida(LOVISOLO, 2001a, p.10).

No entanto, o próprio Lovisolo nos lembra que otema exige muito cuidado. Para ele, uma das princi-pais armadilhas que ameaça os pesquisadores é o errocomum de apenas repetir a imprensa esportiva, ao in- vés de azer uma investigação mais pro unda sobre otema. “De ato, quando os cientistas sociais passarama alar do utebol com as categorias organizadoras decultura e identidade também começaram em grandeparte a traduzir, quando não meramente a repetir,aquilo que os jornalistas vinham dizendo na lingua-gem inventada para tratar dos esportes e, sobretudo,no nosso caso, do utebol” (LOVISOLO, 2001a, p.10).

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inventada que pode até ter sido criada de orma in- voluntária e consagrada nas páginas de Mario Filho.Porém, a perpetuação desta história é resultado de

um conjunto de interesses. Este discurso serviu du-rante anos a uma grande parcela da academia que ti-nha medo de erir o status do politicamente correto.Ele oi útil também para o próprio Clube de RegatasVasco da Gama que se apoderou desta versão dos a-tos para se vangloriar de uma história que, contadadesta orma, tornou-se um dos maiores orgulhos dosseus torcedores. Indo além, o clube hoje tem receitaseconômicas geradas através da venda de camisas que

azem alusão ao time de 1923 e se vangloria, em vá-rios vídeos institucionais e outras ações de marketing,de ser o primeiro clube a abrir as portas para os ne-gros no Brasil10. Apesar de tratar-se de umatradiçãoinventada, não achamos que, por isso, esta versão dos

atos deva ser seja apagada. Reconhecemos que os re-gistros orais, e mesmo as lembranças a etivas, devamser mantidas e valorizadas. Estamos certos de que elastambém são importantes para se compor o retratodaquele momento. Mas não é por isso que devemos

deixar de lado o rigor que nossa proposta de pesquisanos exige.

No senso comum, principalmente na im-prensa, ainda estamos re éns de apenas uma leiturasobre o assunto. O discurso vigente oi apoderadopor vários setores da sociedade. Para o MovimentoNegro, para torcedores, dirigentes e patrocinadoresdaquelas equipes que são apontadas como respon-sáveis pela inserção do negro no utebol e a conse-quente democratização desse esporte, essas leiturastradicionais são convenientes. A eles, não interessadiscutir a veracidade dos atos. Apenas repetir torna--se su ciente para cada um de seus objetivos.

O que concluímos é que se trata de um es or-ço hercúleo tentar convencer o senso comum de que

esta história possui vários detalhes que oram supri-midos ao longo do tempo e que se orem iluminadosacabam por mudar de orma substancial a versão dos

atos. No entanto, somos de opinião de que é obriga-ção tanto de jornalistas como de pesquisadores umapesquisa mais pro unda e a consulta a um númeromaior de ontes para que se possa traçar um panora-ma mais el aos atos.

Por m, é preciso deixar claro que não es-tamos aqui colocando em dúvida a existência de ra-cismo em um determinado momento histórico do

utebol brasileiro. Como parte de uma sociedade per-meada por este tipo de comportamento seria di ícilque o utebol passasse ao largo, apesar de que os uni- versos dos esportes e das artes sempre oram tradicio-nalmente zonas mais brandas em relação às questõesraciais.

Notas

1 Sobre essa versão da democratização do utebol através dainserção do negro, ver Antônio Jorge Soares (2001a). Res-salte-se que, em 1998, Soares de endeu a sua tese de Dou-

torado, intituladaFutebol raça e nacionalidade no Brasil –releitura da história o cial , no Programa de Pós-graduaçãoem Educação Física, na Universidade Gama Filho.

2 Mario Filho (1908-1966) oi um dos mais importantes cro-nistas esportivos brasileiros do Século XX. Além de jorna-lista, oi também proprietário do Jornal dos Sports, publica-ção que, enquanto comandada por ele, omentou diversascompetições esportivas e reuniu intelectuais importantesque escreviam no periódico. Ele oi um dos principais in-centivadores da construção do Estádio do Maracanã queacabou por receber o seu nome. Na literatura teve contri-buições importantes, sendo a mais destacadaO negro no utebol brasileiro. Mario Filho era irmão do dramaturgoNelson Rodrigues.

3 Para um levantamento de todos os autores que trataram dotema, ver Soares (2001a).

4 Ver, por exemplo, os estudos de Fernandes (1972) e Bastidee Fernandes (2008) sobre a questão racial no Brasil.

5 No ano seguinte à conquista do título do Vasco da Gama,os quatro principais clubes do Rio de Janeiro (Flamengo,

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Fluminense, Bota ogo e América) criaram a AssociaçãoMetropolitana de Esportes Atléticos (AMEA), da qual oVasco acabou não participando. A justi cativa o cial paraa criação da AMEA, que gerenciaria as competições es-

portivas, concentrou-se no propósito de manter a ética doamadorismo no esporte, impedindo a participação de atle-tas pro ssionais ou semipro ssionais nas disputas (ASSAFe MAR INS, 2010). Para Mario Filho, a nova liga oi criadaem resposta à vitória do time miscigenado. Esta visão oirepetida por diversos pensadores. Para Soares, a criação daAMEA pode ser justi cada principalmente pela discussãoentre amadorismo e pro ssionalismo. Fato é que o Vascodisputou o campeonato de 1924 organizado pela Liga Me-tropolitana de Esportes errestres (ME RO).

6 Ressaltemos que, após a Segunda Guerra Mundial, aUNESCO nanciou pesquisas sobre as relações raciais noBrasil, acreditando que neste país as relações raciais eram

harmônicas. Bastide e Fernandes (2008), Fernandes (1972)e Nogueira (1998) demonstraram o equívoco desta “cren-ça”, ainda que nessas pesquisas casse comprovado que asrelações raciais no Brasil eram, de ato, di erentes das queexistiam nos Estados Unidos.

7 Uma vez mais, destacamos os trabalhos mencionados nanota anterior.

8 Pesquisa preliminar realizada nos jornaisO Paiz , Jornal doBrasil eCorreio da Manhã.

9 Consta que o Bangu, por exemplo, sempre teve jogadoresnegros e pardos, operários da ábrica do mesmo nome.

10 Em seusite o cial, o Clube de Regatas Vasco da Gama des-taca o suposto pioneirismo do Vasco na inserção dos ne-

gros no utebol brasileiro. Em diversas ações demarketing propostas pelo clube este “ eito” também é destacado. Alémdisso, no ano de 1997, o então vereador Antônio Pitanga,militante do movimento negro apresentou um projeto deLei (que acabou não sendo aprovado) para que se tornasseobrigatório o ensino da história do Vasco da Gama nas es-colas do Município do Rio de Janeiro.

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(Recebido para publicação em janeiro de 2011. Aceito emmarço/11).

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D O S S I Ê

GILBERTO FREYRE E O FUTEBOL: ENTRE PROCSOCIAIS GERAIS E BIOGRAFIAS INDIVIDUA1

IntroduçãoÉ comum encontrarmos,

na obra de Gilberto Freyre adescrição e análise de um e-nômeno de ordem macrosso-ciológica intercalado por re-

erências a pessoas concretasde carne-e-osso2, pessoas estasque exempli cariam, ou an-tes, demonstrariam a existên-cia do enômeno sob análise.As biogra as de tais pessoas,que Freyre invoca constante-mente, seriam su cientes paraevidenciar a concretude do e-nômeno macrossocial re erido.Considere-se, como ilustração

disto, o enômeno da “ascensãodo bacharel e do mulato”. Paraprovar sua tese, Freyre recorrea diversos personagens de nos-sa história – sendo GonçalvesDias, o amoso poeta român-tico, o seu exemplo mais cons-tante – e az re erência a episódios de suas vidas queilustrariam o enômeno social mais geral. Esta opera-ção teórico-metodológica também aparece nas análi-ses que Freyre ez do utebol jogado no Brasil.

É com relação a estes escritos – compostos de al-guns artigos de jornais, o amoso pre ácio à obra deRodrigues Filho (2003) e passagens esparsas em al-gumas de suas obras mais amosas – que analisamos

sua concepção sociológica arespeito dos atores sociais, bemcomo a articulação do nível damicroagência com os proces-sos macrossociais mais amplos.Examinamos também os pro-blemas teóricos e metodológi-cos envolvidos nessa operação

de redução dos processos ma-crossociais ao âmbito micros-social, assim como o problemareverso que é o da agregação debiogra as diversas a um enô-meno macrossociológico3.

Dessa orma, como emmais de uma obra Freyre lan-ça mão de exemplos extraídosde percursos individuais parailustrar a con guração e a di-nâmica de um determinado

enômeno social, podemos de-linear o oco deste trabalho: in- vestigar a construção dos tipose das trajetórias de vida indivi-

duais, sua relação com os processos macrossocioló-gicos e os problemas de redução e agregação na obrade Gilberto Freyre, no que se re ere aos seus escritos

sobre o utebol.1. O problema agência-estrutura, as ligaçõesmicro-macro e a obra de Gilberto Freyre

Pode-se a rmar que o tema da relação agência--estrutura é um problema central das ciências sociais,

JORGE VENTURA DE MORAIS*

JOSÉ LUIZ RATTON JÚNIOR**

RESUMOEste artigo analisa, a partir dos escritos deGilberto Freyre sobre o futebol, a articulaçãometodológica entre trajetórias individuais degrandes jogadores (Leônidas da Silva, Domingosda Guia, Pelé e Garrincha) com processossociais mais amplos: a ascensão do negro nasociedade brasileira através do futebol e asrelações entre as culturas nacionais e as distintasformas de praticar o futebol.Palavras chavePalavras-chave: Gilberto Freyre, futebol,trajetórias individuais, processos sociais.

ABSTRACTBased on Gilberto Freyre discussing aboutfootball, this article analyses methodologicalarticulation between individual pathways of majorplayers (Leônidas da Silva, Domingos da Guia,Pelé and Garrincha) with wider social processes:the rise of Black people in society through footballand the relations between national cultures anddifferent ways to practice football.KeywordsKeywords: Gilberto Freyre, football, individualpathways, social process.

* Professor do Programa de Pós-Graduação emSociologia/Núcleo de Estudos e Pesquisas emSociologia do Futebol, da Universidade Federalde Pernambuco (UFPE).

** Professor do Programa de Pós-Graduaçãoem Sociologia/Núcleo de Estudos e Pesquisasem Sociologia do Futebol/Núcleo de Estudose Pesquisas em Criminalidade, Violênciae Políticas Públicas de Segurança, daUniversidade Federal de Pernambuco (UFPE).

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as trajetórias de vida individuais ganham relevo naexplicação de processos macrossociais. No dizer deum intérprete, Freyre

[...] articula o homem a sua situação eprocura compreendê-lo a partir de suas vivências [...]. Capta nessas vivências inter--relações, interações, inter erências, com-plementaridades, oposições, antagonis-mos, con itos que escapam por entre osdedos de tantas disciplinas encarceradas(ALBUQUERQUE, 2000, p. 48).

Com e eito, na descrição e na análise da “deca-

dência do patriarcado rural e desenvolvimento urba-no” – subtítulo deSobrados e Mucambos –, ao consi-derar os enômenos sociais e os diversos atores ou variáveis envolvidos, Freyre procura constantementeilustrá-los, recorrendo a passagens da vida de indiví-duos que ele conheceu ou que tiveram uma vida in-tensa e publicamente ligada ao enômeno analisado.

Nesta obra, o sociólogo pernambucano levantaa questão em termos puramente teórico-metodológi-cos, con orme se observa no trecho a seguir:

Para acompanharmos a degradação dos valores menos visíveis, característicos dapoderosa instituição, é que necessitamos deestudá-la nas suas intimidades mais sutis eesquivas [...]. Elas precisam de ser estuda-das em nós mesmos ou nos nossos avós –produtos e re exos, ao mesmo tempo queanimadores, e não apenas portadores, dainstituição. Nas pessoas, e não apenas nas

ormas impessoais em que histórica e so-

ciologicamente se objetivou ou materiali-zou o patriarcado no Brasil (1951b, p. 46).

É nesse sentido que as trajetórias de vida,por exemplo, do Padre Ibiapina, do “velho” FélixCavalcanti de Albuquerque Mello, de Joaquim

Nabuco, de Oliveira Lima, entre outros, aparecemconstante e recorrentemente para ilustrar processosmacrossociais impessoais, evidenciando a metodolo-

gia esboçada por Freyre na Introdução à segunda edi-ção deSobrados e Mucambos. A utilização de biogra-

as aparece também na análise que Freyre az, nestamesma obra, da relação entre o pai e o lho.

Em relação ao livroOrdem e Progresso, esse pro-cesso torna-se mais evidente pela metodologia de “de-poimentos pessoais” empregada por Freyre (1959a,pp. XIX-CLXIX, mais especialmente, pp. LXXXVI-CXVII; 1959b, p. XLIV).

É importante destacar que esse tipo de “históriaoral” (c . FARIA, 1998, p. 145; OLIVEIRA, 2003, p.141) não se re ere somente a percepções dos atoressociais entrevistados acerca dos processos sociais poreles vividos, mas também – ou, talvez, principalmen-te – a suas trajetórias de vida, à moda de uma auto-biogra a, dado o nível de detalhamento do questio-nário proposto por Freyre. anto isso é verdade quealguns se recusaram delicadamente a responder aoquestionário com o argumento de que, se o preen-

chessem, estariam antecipando as memórias que pre-tendiam publicar (c . FREYRE, 1959a, p. XLIII). ParaFreyre, a personalidade tem um componente coleti- vo, ou seja, o agente social expressa, além de suas ca-racterísticas irredutivelmente individuais, a cultura,os costumes, os valores e a história da sociedade emque viveu. Nesse sentido, o autor a rma, por exem-plo, que seus “apontamentos autobiográ cos [são]menos re erentes a Félix, indivíduo isolado..., [e mais]ao Cavalcanti, che e de amília patriarcal” (1959b, p.CVI, c . também, 1968a, pp. 51ss.). A análise dos pro-cessos históricos de mudança social, segundo Freyre,passa necessariamente pela ação dos agentes sociais,e esta ação só pode ser capturada pelo método que eledenominou de empático7, o qual pode ser sintetizado,

JORGE VENTURA DE MORAIS e JOSÉ LUIZ RATTON JÚN

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GILBERTO FREYRE E O FUTEBOL: ENTRE PROCESSOS SOCIAIS GERAIS E BIOGRAFIAS INDIVIDU

nas palavras do autor:

(...) Daí, para a interpretação de uma épo-ca, não ser su ciente o analista dela, des-dobrado em intérprete, amiliarizar-secom o que no seu decorrer oram atos; ouapenas valores-coisas. É preciso que ele setorne quanto possível íntimo das relaçõesentre essas pessoas e esses valores; entreas pessoas e os valores imateriais; entre aspessoas e os símbolos mais característicosda época [...]. Daí ser-lhe necessário bus-car penetrar a realidade social através doestudo direto de pessoas tomadas isolada-mente (biogra as) ou em interação com

outras (biogra as sociológicas) [...] (1959a,p. XXXII).

Assim, longe de azer um mero exercício de ad-miração pelo biogra ado, Freyre dedicou parte razo-ável de sua obra intelectual à reconstrução das vidasde pessoas por ele consideradas chave para a compre-ensão de certos processos sociais pelos quais o Brasilpassou ou cujas autobiogra as ou simples anotaçõeslhe pareceram de extrema importância para compre-

ender os processos macrossociais8

. Vale lembrar asobras – na verdade poderíamos chamá-las de extensasintroduções – re erentes a Vauthier (1960), OliveiraLima (1968c), Félix Cavalcanti (1959b), Euclydes daCunha (1944), entre outros, no contexto de sua pos-tura metodológica:

A pessoa social, ou humana, ou simples-mente pessoa, é o resultado de processossociais e de cultura anteriores ao apareci-mento do indivíduo e sobreviventes ao seudesenvolvimento individual ou puramente

ísico-químico e biológico no espaço e notempo (FREYRE, 1957, p. 120).

Isto porque, em obra de cunho mais teóri-co, Freyre, seguindo Hadley Cantril, aceita a regra

teórico-metodológica segundo a qual,

Não será um simples es orço de empatiaprojetar-se um indivíduo de hoje nos mo-tivos de ação e de comportamento de umindivíduo de área e época diversas da sua,mas um es orço em que a empatia precisaráde ser acompanhada o mais possível de co-nhecimento dos antecedentes e valores decultura que, na pessoa remota ou distanteque se procure estudar sociologicamente– um Antônio Conselheiro, por exemplo –tenham se interiorizado se não no seu eu –o que tenderia a particularizar todo es orçode compreensão de tal pessoa em biogra-

as – no seu ‘nós’ psicocultural e histórico--regional [...]. Seriam considerados, por-tanto, ao mesmo tempo, “instintos”, valoressuscetíveis de interiorização e variação in-dividual e normas do grupo ou da épocainteira. Que todos ormam o “nós” de umgrupo ou gura de uma geração que não seavalie a si próprio – e aja dentro dessa auto--avaliação – tendo por ponto de re erênciaas normas de sua sociedade particular oude seu tempo (FREYRE, pp. 514-515).9

No entanto, talvez seja em uma obra relativamen-te desconhecida no Brasil, intituladaContribuição para uma sociologia da biogra a(1968a)10, que Freyreleva a cabo, a nosso ver, uma análise magistral – emmeio aos oreios verbais de que tanto gostava – dainteração entre biogra a individual e processos ma-crossociais11. Neste trabalho, o autor analisa a vida docapitão-general Luiz de Albuquerque, governador daprovíncia de Mato Grosso no m do século XVII.

Luiz de Albuquerque, um nobre português,que, tendo se destacado na luta contra os espanhóis,

oi enviado ao Brasil para administrar aquela inós-pita província, que estava ameaçada pelas incur-sões dos espanhóis. Durante o seu governo, Luiz de

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Albuquerque, além de obras notáveis de engenharia(por exemplo, a construção de ortes com materiaistrazidos da Europa em barcas através de rios parca-

mente navegáveis), também promoveu estas e sarause recolheu vasto material sobre a auna e a ora doNovo Mundo.

Para Freyre, este capitão-general representa umtipo sociológico por excelência do que ele chama ho-mem luso-tropical. Freyre, então, vasculha as anota-ções – uma espécie de diário – deixadas por Luiz deAlbuquerque. E o interessante é que antes de empre-ender a análise, Freyre abre o livro com uma epígra eretirada de A imaginação sociológica, de C. WrightMills: “a imaginação sociológica [...] nos permitecompreender a história e a biogra a, e as relações en-tre as duas dentro da sociedade”12.

No entender de Freyre,

Com esse material [as anotações deAlbuquerque], além de autobiográ co,histórico, supõe o Autor [Freyre] ter reu-nido, não só dessa onte como de arquivospúblicos [...], um conjunto de in ormessociològicamente signi cativos que con-corram para uma ‘autobiogra a colectiva’,de tipo como que weberianamente ‘ideal’...,do homem português e, neste caso, trans-

ormado – ou em ase aguda de trans-ormação, como oi a aventura de Luiz de

Albuquerque em Mato Grosso – em ho-mem luso-tropical (1968a, p. 29; c . tam-bém p. 97).

No entanto, Freyre, além de alar em “tipo comoque weberianamente ‘ideal’”, re ere-se também a Luizde Albuquerque como um tipo

[...] simbólico e, por conseguinte, comoindivíduo que, pelos seus característicosde personalidade e pelos seus actos e seucomportamento durante o período de sua

existência mais històricamente signi ca-tivo [...], contribuiu para a ampliação deuma autobiogra a colectiva antes dele já

em desenvolvimento: a da trans ormação,no espaço e no tempo, do homem ape-nas português em homem luso-tropical(FREYRE, 1968a, p. 49; c . também pp. 53,72-73).

Nesse sentido, Freyre considera ser Luiz deAlbuquerque um tipo sociológico privilegiado paraa análise do enômeno macrossocial do luso-tropi-calismo, pois que o capitão-general representava, aomesmo tempo, um Albuquerque; um hispano ou ibé-rico; um português dalgo, católico e – contradição – pombalino; um o cial-engenheiro do Exército por-tuguês etc. (FREYRE, 1968a, p. 54). E acrescenta queo seu estudo deste o cial português

[...] pretende sugerir de Luiz que ele teriasido parte de um processo històricamentesociológico ou sociològicamente histórico,em que a sua personalidade teria unciona-do, repetindo outras do mesmo tipo: a deportuguês dalgo em acção construtiva notrópico (FREYRE, 1968a, p. 99).

Adiante, rea rma, ainda de orma mais clara:

É talvez o que mais se deva distinguir napersonalidade e na acção que Luiz desen- volveria [...]: o acto de nessa personalida-de e nessa acção terem-se juntado a cons-tantes de português velho assimilações detécnicas e saberes norte-europeus, novos e

até novíssimos, por ele postos a serviço de vasta empresa luso-tropical, iniciada sob amesma congregação de actividades: a mi-litar, completada pela técnica; a religiosa,completada pela cientí ca; a intuitiva, pelaracional (FREYRE, 1968a, p. 127).

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GILBERTO FREYRE E O FUTEBOL: ENTRE PROCESSOS SOCIAIS GERAIS E BIOGRAFIAS INDIVIDU

2. Micro e macro na sociologia: individualismometodológico, redução e superveniência

A discussão que vimos empreendendo nos per-mite, agora, azer uma relação com um tema aparen-temente distante das preocupações reyrianas: a arti-culação entre os níveis micro e macro da explicaçãosocial. Em que medida podemos supor que existe,em Gilberto Freyre, um tipo de explicação dos enô-menos sociais que está relacionado a esse problemametodológico?

Podemos partir da perspectiva de um posiciona-mento metodologicamente individualista. O indivi-

dualismo metodológico deve ser compreendido aquiem sua vertente explicativa, ou seja, uma orma de re-ducionismo, uma injunção para explicar enômenossociais complexos em termos de seus componentesindividuais, tanto quanto a biologia tenta explicar os

enômenos celulares em termos dos seus componen-tes moleculares (ELS ER, 1983).

Este tipo de reducionismo levar-nos-ia a explicarenômenos complexos de orma simples. O reducio-

nismo, portanto, seria a mais importante estratégia

da ciência, tendo levado ao surgimento de discipli-nas como a biologia molecular e a ísico-química.No entanto, no âmbito das ciências sociais, é preci-so concordar com Jon Elster e admitir que estamoslonge de uma psicologia social ou de uma sociologiapsicológica que tenha conseguido e etuar uma redu-ção completa. Não haveria objeções a essa redução,mesmo que, contemporaneamente, ela só possa serparcial (ELS ER, 1983)13.

Uma outra linha de argumentação, propostapor Gar nkel e Papineau (apud BHARGAVA, 1992),pressupõe que as explicações macro e micro têmobjetos di erentes. O princípio da microrredução –para cada objeto existem duas explicações, uma re-duzida à outra – não é possível porque resultaria em

explicações não do mesmo objeto, mas de dois objetoscompletamente separados. eríamos, portanto, duasexplicações irredutíveis, e a microrredução alharia.

Esses autores não negam que os objetos têm microex-plicações ou micro undamentos, mas de endem queas explicações no nível micro constroem seus obje-tos de orma di erente, não competindo, assim, comas explicações no nível macro. As microexplicaçõesseriam incapazes, portanto, de ameaçar a autonomiadas macroexplicações.

Bhargava (1992) chega a a rmar que uma visãopragmática nos mostra que uma explicação que pos-tula uma relação entre atos existentes completamen-te independentes dos indivíduos que os analisam nãoexiste. A explicação tem um componente do qual nãose pode escapar: é construída com propósitos epistê-micos especí cos.

O argumento pragmático a rma que tanto o não-individualista quanto o individualista têm razão aoa rmar que as explicações causais são indispensáveis.

Outro tópico de especial relevância no debatesobre o Individualismo Metodológico, como projeto

de redução, é a questão posta por Bhargava a respeitode indivíduos típicos ou e etivos (particulares) comounidades de redução de enômenos sociais típicos oue etivos.

Esse autor de ende a idéia de que reduções de- vem envolver indivíduos típicos, não qualquer con- junto de indivíduos que, em algum momento, partici-pam da construção de uma entidade social em ques-tão. odas as microrreduções estariam re eridas aentidades típicas em di erentes níveis de generalidadee não diriam respeito a quaisquer entidades particu-lares que, em um determinado momento, constituema macroentidade. Uma explicação em termos de taisentidades particulares, chamada de microexplicação,poderia ser válida, mas não seria uma microrredução.

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Segundo Bhargava, a microrredução deve en-cerrar uma explicação em termos de indivíduos quecon ormam um enômeno social típico e não envolve

a explicação de entidades sociais particulares.omemos um exemplo no campo das ciências

naturais: a relação água-H2O. Parte-se do suposto deque existem di erenças entre amostras especí cas eamostras típicas de água. Qualquer amostra particu-lar de água contém um grande número de impurezas.Então, uma amostra particular de água nunca poderáser identi cada com os constituintes “originais” daágua. Se, analogamente, imaginamos todos os atribu-tos contingentes dos indivíduos, um grande númerode “impurezas” também ocorrerá. Então, a reduçãoda entidade social para esses indivíduos e etivos po-derá não uncionar nem ser desejável.

Uma objeção plausível a esta discussão é que, nomundo social, não existem dois indivíduos iguais, oque tornaria a redução, através de elementos típicos,aparentemente, problemática. Em outros termos, oscomponentes psicológicos dos indivíduos podem va-riar de uma orma que não seria captada pela atri-

buição de elementos psicológicos típicos (os micro-componentes) a eles. Assim, nas ciências sociais, estadi erença pode ser signi cativa, pois a substituiçãodos atributos “encontrados” pelos típicos pode mudara identidade de um indivíduo humano. Haveria di-

erenças até entre um conjunto de propriedades típi-cas e todas as propriedades, as quais apenas de modocontingente pertencem a indivíduos.

À guisa de nalização deste tópico, nos pareceútil inserir no debate o conceito de “superveniência”,como proposto por Little (1991). A idéia deste autoré que enômenos sociais têm superveniência sobre asações e as crenças individuais, permitindo-nos absor- ver a exigência de que os enômenos sociais são com-pletamente dependentes dos conjuntos de indivíduos,

sem os perigos da redução radical. Ao contrário datese radical, podemos conviver com o ato de que os

enômenos sociais têm superveniência sobre os enô-

menos individuais, mas isto não implica que os con-ceitos e as explicações sociais necessitam de reduçãoa conceitos e explicações no âmbito individual, quetrans ormem em exigência metodológica a redução,que é uma estratégia analítica, mas não exclusiva.

Essa breve discussão sobre o individualismo me-todológico e alguns de seus desdobramentos – a redu-ção, suas possibilidades e seus inconvenientes – deveser conectada com a obra de Gilberto Freyre. É certoque sua obra é pródiga em utilizar as trajetórias de in-divíduos concretos para ilustrar processos de mudançasocial: políticos, proprietários rurais, médicos, advo-gados, padres, jogadores de utebol etc. são elementosconstituintes da narrativa analítica reyriana. Assim, aquestão central que se anuncia é: em que medida a uti-lização de biogra as e de trajetórias de vida individuaisinsinua uma posição metodologicamente individualis-ta ou mesmo um projeto de redução? Ou haverá, me-ramente, a descrição de processos sociais “ilustrados”

por trajetórias individuais, o que con guraria a apro-ximação com a idéia de superveniência proposta porLittle? A utilização de indivíduos históricos concretospermite a a rmação de que a obra de Freyre tem a pre-ocupação de undamentar, no âmbito da ação indivi-dual, processos sociais mais amplos?

ais questões servirão como re erência para odesenvolvimento da análise que aremos de parte daobra de Gilberto Freyre re erente ao utebol.

3. Os fenômenos macrossociais no futebol eos heróis futebolísticos de Gilberto Freyre

A análise sociológica de Freyre é pautada poruma recorrente operação metodológica, qual seja, aarticulação dos processos sociais mais gerais com a

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GILBERTO FREYRE E O FUTEBOL: ENTRE PROCESSOS SOCIAIS GERAIS E BIOGRAFIAS INDIVIDU

vida concreta de alguns personagens da história bra-sileira. Ora ele invoca a vida de Joaquim Nabuco, oraa do Pe. Ibiapina, ora a de outros personagens. No

que se re ere às suas teses mais gerais sobre o utebol,cita Leônidas, Garrincha e Pelé.

Freyre trata de um processo macrossociológicoextremamente complexo dado o número – in erimos– de variáveis envolvidas. Note-se que é o próprioFreyre que, teórica e metodologicamente, aumenta acomplexidade do problema ao chamar a atenção doleitor para os aspectos culturais e psicológicos, alémdos atores econômicos, envolvidos. Mesmo assim,sua análise indica uma passagem direta e imediatadesse plano mais geral para a es era da vida concre-ta: a do velho Félix Cavalcanti. Nesse sentido, pare-ce haver a crença de que indivíduos concretos – nãoabstratos ou típicos – são portadores dos processossociais. Em outras palavras, o processo social mais ge-ral e, de certa orma, abstrato, que é a decadência dopatriarcado rural, revela-se em sua inteireza na vidado patriarca decadente que oi o velho Félix. A trans-posição do nível macro para o nível micro é direta,

sem intermediações. Porém, há de se atentar para oato de que Freyre az uma análise à parte de outrosenômenos sociais que, na realidade, estão subordi-

nados ao processo macrossocial. A rma nosso autor:

O regime de economia privada dos sobra-dos, em que se prolongou quanto pôde aantiga economia autônoma, patriarcal dascasas-grandes, ez do problema do abas-tecimento de víveres e de alimentaçãodas amílias ricas, um problema de solu-ção doméstica ou particular [...] [ oi] ocaso de Félix Cavalcanti de Albuquerque(FREYRE, 1951, p. 363).

Embora ormalmente subordinada ao pro-cesso de decadência da economia baseada no

patriarcalismo rural, a questão do abastecimento de víveres é tratada como um enômeno em si. Se pen-sarmos no esquema:

processo macrossocial→ processomesossocial→ processo microssocial,

veremos que Freyre não trabalha dentro des-sa lógica, mas de orma que os dois níveis de maiorabrangência analítica, independentes entre si, são co-nectados às biogra as de personagens concretos. A vida do velho Félix ilustra simultaneamente os pro-cessos meso e macrossociais sem que açam parte deuma operação teórico-metodológica, como ilustrado

no uxo macro-meso-micro aludido.Um outro enômeno interessante analisado porFreyre é o cenário cultural nesse período de transi-ção tratado emSobrados e Mucambos. No processo dedecadência do patriarcalismo rural brasileiro, Freyreatribui um peso considerável ao ato de os valores des-sa estrutura social começarem a se desagregar, graçasao surgimento de novos valores culturais, eminente-mente urbanos, cultivados pelos novos bacharéis de

ormação cosmopolita, isto é, européia. Com e eito,

Freyre acentua que a decadência do patriarcado ruralnão se deve somente à decadência de um tipo de eco-nomia baseada na escravidão, mas também ao cresci-mento dos centros urbanos e ao surgimento de umaclasse burguesa, de novas pro ssões e da ascensão dosbacharéis, muitos deles mulatos. Como muitos dessesnovos personagens tiveram ormação acadêmica emimportantes universidades européias (Montpellier eCoimbra, principalmente), trouxeram consigo valo-res socioculturais correntes no cenário cultural euro-peu de então.

Assim é que muitos dos nossos literatos abraça-ram os ideais românticos não apenas como valores es-téticos, mas também como modo de vida – diz Freyreque o Pe. Gama se alarmava com a aparência doentia

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dos jovens do seu tempo. Vários são os exemplos deescritores que morreram antes dos 25 anos – Álvaresde Azevedo, Casimiro de Abreu, Junqueira Freire, en-

tre outros, que tinham como ideal de vida uma certamorbidez por morrer jovem.

Concomitante a essa mudança de valores, se ob-servam outros dois processos sociais em evidência:a ascensão do jovem bacharel e a do mulato. Muitas vezes, esses dois processos oram vividos pelo mes-mo sujeito – jovem bacharel e mulato – que começaa ocupar o lugar dos mais velhos. Gradativamente, osnovos bacharéis oram assumindo cargos importan-tes no aparato estatal (FREYRE, 1951, p. 240) ou mes-mo o comando dos negócios dos patriarcas, atravésdo casamento com as lhas desses senhores. Esses e-nômenos sociais estão todos ligados e nada se ez sematritos. Por mais longo e imperceptível que seja umprocesso de mudança social, na concepção de Freyre,este não se dá de orma suave e sem impacto na vidadas pessoas envolvidas. Assim é que emerge da aná-lise reyriana a idéia de que havia um certo descon-

orto psíquico, quase ísico, por parte dos bacharéis,

sobretudo dos bacharéis mulatos, alguns dos quaisterminaram por aderir, explica Freyre, a movimentosrevolucionários.

Em suma, temos aqui três enômenos macrosso-ciológicos: ascensão dos jovens bacharéis, ascensãode mulatos (processos de mobilidade social) e surgi-mento de um conjunto de valores culturais urbanos,baseado nos ideais românticos (processo de mudan-ça cultural). Freyre os exempli ca artamente coma descrição de diversas histórias de vida, mas, paraalguns dos aspectos desses enômenos, seu exemplomais caro é o poeta Gonçalves Dias.

Com e eito, a vida ímpar de Gonçalves Dias ser- viu para que Freyre pudesse ilustrar, a um só tempo,esses enômenos que, na sua avaliação, ocorreram

concomitantemente ao processo de decadência dopatriarcalismo rural. Gonçalves Dias era – Freyreen atiza várias vezes (FREYRE, 1951, pp. 240, 284,

975-976) – um bacharel mulato e poeta românticoque morreu aos 40 anos. Em outras palavras, Freyreopera mais uma vez o arti ício teórico-metodológicoque vimos anunciando neste trabalho: a ligação diretaentre um ou mais enômenos macrossociológicos e atrajetória singular de um determinado indivíduo.

Dito isto, é possível identi car, nos escritos deGilberto Freyre sobre utebol, dois processos macros-sociológicos, a saber: 1) o utebol permitiu a ascen-são e a integração de negros e mulatos à sociedadebrasileira; e 2) o utebol jogado no Brasil édionisíaco,em oposição ao utebol praticado, por exemplo, naInglaterra, que seriaapolíneo13.

O primeiro enômeno está obviamente ligado àtese mais geral de Freyre – exposta com maior clarezano capítulo XI “A ascensão do bacharel e do mulato”,deSobrados e Mucambos, já detalhado acima.

Pois bem, embora não tenha tal visibilidade nemeste grau de detalhamento, é possível localizar nos es-

critos de Freyre – escondida no meio da outra tese,sobre dionisíacos e apolíneos – argumento semelhan-te acerca da ascensão social de jogadores negros emulatos na sociedade brasileira.

Freyre é quase que lacônico sobre isto, mas épossível in erir o processo social envolvido a partirda obra de Rodrigues Filho (2003), pre aciada pelonosso autor. O utebol chegou aqui trazido por ingle-ses e brasileiros anglicizados e oi adotado pela elitebrasileira. O jogo se desenvolveu sendo praticado, de

orma amadora, por lhos de amílias ricas. Nossosprimeiros times estavam ligados aos clubes desta eli-te. Neste contexto, não havia espaço para a gente po-bre e negra. Os times aristocráticos recusavam-se aaceitar jogadores negros ou mesmo mulatos.

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2006, pp. 68-69, 83-84; MARANHÃO, 2006). Emartigo publicado peloDiario de Pernambuco, em30 de junho de 1974, durante a Copa do Mundo daAlemanha, Freyre resumiu este processo histórico:

No Brasil, o utebol começou como sim-ples arremedo colonial do inglês e jogadoprincipalmente por ingleses ainda meio vi-torianos, desgarrados no trópico brasileiro;ou por jovens elegantes anglicizados no seumodo de ser esportivos. Apolíneos, por-tanto. Mas à medida que se desenvolveu,que se abrasileirou, que se tropicalizou,que adquiriu o ritmo de um novo tempo

social, sem deixar, é claro, de ser utebol,tornou-se brasileiro. Vibrantemente brasi-leiro. Dionisíaco. Com alguma coisa de ágilnos seus passos de jogo como que a robra-sileiramente dançado. E assim se veio a r-mando até tornar-se quase per eito, no seumodo de ser ao mesmo tempo utebol ebrasileiro14.

Esta mudança social, segundo a tese reyriana, seexpressa a partir de três processos sociais: primeiro,

um processo ísico que se re ere ao tamanho do pédos negros e seus descendentes em contraposição aodos brancos. Freyre a rma que, se comparados aoseuropeus em geral, os negros tinham pés menores e,portanto, mais ágeis. Isto teria permitido um maiorcontrole da bola.

O pé caracteristicamente brasileiro pode--se entretanto dizer que continua, em largostrechos do país, o pé pequeno que o mulatotem certo garbo em contrastar com o gran-dalhão, do português, do inglês, no negro,do alemão. O pé ágil mas delicado do ca-poeira, do dançarino de samba, do jogadorde oot-ball pela técnica brasileira antes dedança dionisíaca do que de jogo britanica-mente apolíneo (FREYRE, 1951, p. 991).

Na linguagem contemporânea de DaMA A(2006, p. 157):

O ato é que esse jogo britânico do ‘pé nabola’ oi interpretado no Brasil como a arteda ‘bola no pé’, o que mudou tudo. Numcaso a bola é um atrapalho a ser rebatido,despachado ou chutado com o pé que, a -nal oi eito para isso mesmo; no outro,entretanto, descobre-se uma a nidadeinusitada entre o pé e a bola que agora temcom esse pedaço do corpo humano umaséria a nidade e uma atração que é umadas marcas mais importantes do utebolbrasileiro.

O outro processo, intimamente ligado a este pri-meiro, diz respeito à capacidade que teria o brasileiro– aqui equacionado por Freyre com o negro/mula-to [“Psychologicamente, ser brasileiro é ser mulato”(FREYRE, 1938)] – de, por causa de seu pé, trans or-mar tudo em dança. Não em qualquer dança, mas nadança dionisíaca, pois como a rma o nosso autor:

Ocorre, é certo, a adaptação de danças e

jogos importados de um tipo de cultura àcon guração psico-social de tipo diverso.Mas so rendo recriação ou de ormação.O inglês dança a rumba, tornando-a antesapolínea que dionisíaca. O mestiço brasi-leiro, o baiano, o carioca, o mulato sacu-dido do litoral, joga um utebol que não émais o jogo apolíneo dos britânicos masuma quase dança dionisíaca (FREYRE,1957, p. 393. gri os no original).15

Em outras palavras, se por sua ormação, osbritânicos tornam a rumba em uma dança apolí-nea, os brasileiros, dada a sua descendência a ricana,trans ormam a mesmíssima rumba em uma dançadionisíaca.

Processo semelhante se dá no utebol. Este

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GILBERTO FREYRE E O FUTEBOL: ENTRE PROCESSOS SOCIAIS GERAIS E BIOGRAFIAS INDIVIDU

esporte bretão, jogado somente com os pés pelosbritânicos, seria jogado no Brasil com todo o corpo– à exceção das mãos, naturalmente –, isto é, com aginga da cintura (C , DaMA A, 2006), o que per-mitiu o desenvolvimento de “um jogo inteiramentedi erente”, na expressão de Aidan Hamilton (2001).No texto, já muitíssimo citado de 1938, Freyre de neo enômeno:

Os nossos passes, os nossos pitu’s, os nos-sos despistamentos, os nossos oreios coma bola, o alguma coisa de dansa e de capo-eiragem que marca o estylo brasileiro de jogar oot-ball, que arredonda e adoça o jogo inventado pelos inglezes e por elles epor outros europeus jogado tão angulosa-mente, tudo isso parece exprimir de modointeressantissimo para os psychologos e ossociólogos o amboyant e ao mesmo tem-po malandro que está hoje em tudo que éaffi rmação verdadeira do Brasil. Acaba dese de nir de maneira incon undível umestylo brasileiro de oot-ball; e esse estyloé mais uma expressão do nosso mulatismoagil em assimilar, dominar, amollecer em

dansa, em curvas ou em musicas techni-cas européas ou norte-americanas maisangulosas para o nosso gosto; sejam ellasde jogo ou de architectura [...]” (FREYRE,1938).16

Portanto – e aqui entra o terceiro processo –, osdiversos a ricanismos que marcam a sociedade brasi-leira são sublimados e trans ormados na dança dioni-síaca que é o nosso utebol.

Vamos dar o corte. Observemos a seguintedescrição:

(...) Acabo de assistir ao jogo dos brasi-leiros. Serão eles animais de cinco per-nas? Não! Há entre eles um que tem seis.Re ro-me a Leônidas. Cabelos esticados,

pele escura como um grão de ca é torra-do, pequeno de corpo. Mas sua vivacida-de é verdadeiramente desconcertante, sua

velocidade insuperável.O comandantebrasileiro avança como um raio, in ltra-secomo uma echa e lança bólidos contra oarco contrário. Leônidas não pesa 60 qui-los e pouco que seja atirado ao solo peloinimigo.Esse homem de borracha, na terraou no ar, possui o dom diabólico de contro-lar a bola em qualquer posição, des erin-do chutes violentos – não importa de que

orma –quando menos se espera. Numapartida, Leônidas deve beijar a grama uma vez por minuto. Mas não tem importância,pois quando se levanta, de um salto, estáde novo pronto para a luta. E quando seusadversários pensam tê-lo dominado,eletoma posição horizontal, os pés estendidos,qual uma echa no ar. Nessa posição de eraatingida, vi Leônidas executar uma série detesouras com as pernas, aproveitando umcentro e golpeando a bola de costas para o gol . Certamente, seus companheiros sãograndes jogadores. Mas se tivessem es-quecido Leônidas no Rio, nosso assombro

hoje seria menor. Quando Leônidas az umgol, pensa-se estar sonhando, es regam--se os olhos. Leônidas é a magia negra!(Raymond Tourmagen apud RIBEIRO,1999, p. 91. Gri os nossos).

Esta é a descrição entusiasmada do correspon-dente doParis Match sobre a atuação de Leônidas naCopa do Mundo de 1938. Como se pode observar, vários trechos da sua descrição remetem diretamen-te a algumas das características do utebol brasilei-ro imortalizadas na obra de Gilberto Freyre, MarioRodrigues Filho, Nelson Rodrigues, entre outros.

Sem o recurso da televisão, as pessoas depen-diam de descrições como essas. E oi no calor doimpacto do utebol brasileiro na França de 1938 que

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Freyre escreveu o seu amoso “Football Mulato”. Paraos nossos interesses neste trabalho, vale ressaltar quedaí por diante, Freyre começa a azer re erência a

Leônidas como o jogador que sintetizaria as quali-dades do utebol brasileiro tal como pensado por ele.Nesta operação teórico-metodológica, Freyre apontaLeônidas como o ator que portaria – como o ‘velho’Félix Cavalcanti no que respeita à decadência do pa-triarcalismo rural – as características do utebol bra-sileiro, como ca claro nas passagens que se seguem:

É curioso observar hoje – largos anos de-pois dos dias de repressão mais violenta

a tais a ricanismos [o batuque, o samba,a capoeiragem etc] – que os descendentesdos bailarinos da navalha e da aca comoque se vêm sublimando nos bailarinos dabola, isto é, da bola de oot-ball , do tipo dosnossos jogadores mais dionisíacos comoo preto Leônidas [...] (FREYRE, 1951, pp.881-882).[...] O utebol brasileiro a astou-se do bemordenado original britânico para tornar-sea dança cheia de surpresas irracionais e de

variações dionisíacas que é. A dança dan-çada baianamente por um Leônidas [...](FREYRE, 2003, p. 25).17

Vamos dar outro corte. Observemos a descriçãodo primeiro treino de Garrincha no Bota ogo:

(...) Garrincha estava na cerca, esperando.A tarde caía, daqui a pouco o treino ia aca-bar. De repente, Gentil Cardoso se vira echama-o:

- Você aí. Entre.Garrincha entrou. A sorte dele oi a de queo beque que ia marcá-lo se chamava NiltonSantos. Garrincha pegou a bola, paroudiante de Nilton Santos, as pernas tortas,

ez que ia, não oi, oi.

Quem estava em General Severiano viu oque nunca esperava: um novato de pernastortas, derrubar Nilton Santos num drible.Nilton Santos estava no chão, de pernaspara o ar (RODRIGUES FILHO, 2003, p.310).

Ou estas outras passagens:

(...) Garrincha tinha sido barrado de-pois de um gol na Fiorentina [da Itália],o último de uma vitória de quatro a zero.Driblara toda a de esa italiana, inclusiveo goleiro, o gol estava vazio, mas esperouque o beque voltasse para tirá-lo de debai-

xo dos três paus com outro drible. O bequesaiu do gol, quando viu Garrincha entran-do, de bola e tudo, quis voltar e bateu com acara na trave (RODRIGUES FILHO, 2003,p. 324).18

Gilberto Freyre, tendo lido a obra de MarioFilho e, certamente, visto pela televisão as jogadasde Garrincha19, estava ciente do tipo de jogador queele era. Os dribles desconcertantes, a ginga, a dançadiante dos zagueiros, os zagueiros no chão de pernaspara o ar etc, impressionaram o nosso autor. Assim,mais do que Leônidas, Garrincha passa, para Freyre,a simbolizar toda a concepção de utebol brasileirodionisíaco. Felizmente, Lenivaldo Aragão ez a per-gunta crucial em uma entrevista publicada somentedepois da morte de Freyre. Vale a pena reproduzir aseqüência na íntegra:

- Qual a explicação para essedestaque do jogador negro?GF– A grande explicação é que o brasileirorecebeu o jogo inglês chamado “ oot-ball”e toda terminologia em língua inglesa.Depois é o que brasileiro abrasileirou. Maso brasileiro não abrasileirou somente a ter-minologia. O brasileiro recriou o utebol,

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e recriando o utebol, aproximou esse jogo– que para os ingleses era um jogo hirto,reto – de uma dança. O utebol brasileiro

é realmente uma dança, com grande in u-ência do samba. Você vê sua beleza, pois éum jogo que exercita muito a capacidadeimprovisadora do jogador. Vários especia-listas, que às vezes têm tomado conta do

utebol brasileiro e querem azê-lo voltara ser um jogo europeu, criticam seu estilo.Pra mim é uma virtude. O brasileiro adap-tou o utebol à sua própria vocação paraa dança, para o baile, para a agilidade nospés e nas pernas.

- Haveria um jogador que sinte-tizasse todas essas tendências?GF – Quem eu creio que oi um grandeacrobata, o que é até um paradoxo, já queele era quase aleijado, oi Garrincha. Vocêvê que Garrincha tinha momentos em quedançava mais do que Pelé . E dançava comas pernas tortas.Ele tinha lances de baila-rino, eu acho que ainda não houve uma justa avaliação de Garrincha. Acho que é

preciso, que haja uma grande história doutebol brasileiro, escrita por alguém quesaiba escrever literariamente, que entendao jogo e que se in orme sobre atos histó-ricos, sobretudo, sobre essa transição. Um jogo que começou elitista. Os rapazes ricosque iam à Europa trouxeram a novidade esó sabiam jogar imitando os ingleses, esteselitistas. Daí, o jogo numa transição mag-ní ca que honra o Brasil, passa a ser um jogo quase contrário ao jogo originalmenteinglês. Passa a ser um jogo de grande mobi-lidade. O jogo inglês é quase parado, para-doxalmente. Viva tantas combinações, queé um jogo de cooperação. Quase não admi-te a competição, enquanto o utebol brasi-leiro é competitivo e é aberto, permitindoimprovisações. Com essa trans ormação, o

vitorioso, o grande vencedor oi o Brasil,oi o povo brasileiro. É um jogo popu-

lar. udo está bem contido no caráter, no

temperamento, nas vocações do brasileiro(FREYRE, 2000. Gri os nossos).

Porém, há de se acentuar aqui que a tese do Brasildionisíaco versus Europa apolínea é um pouco maiscomplexa do que deixa antever a dicotomização re e-rendada e di undida pelo próprio Freyre para realçara sua visão.

É óbvio que nem todos os jogadores brasilei-ros tiveram ou têm a per ormance de Leônidas ou

Garrincha. Consideremos o caso de Domingos daGuia:

(...) O caso se passou assim: num ataqueuruguaio, a pelota que estava nos pés deDorado adiantou-se. Domingos e o perigo-síssimo ponta correram para sua conquis-ta. Domingos conseguiu apossar-se da es-

era. Mas a situação não se modi cou nemassim; o perigo continuava. Como poderiao beque nacional devolver a bola a meio

campo se o inimigo o perseguia implacá- vel? Momento de indescritível emoção: si-lêncio impressionante. Foi então que, qua-se na linha de córner, Domingos praticoua jogada magistral: deu um ‘dribbling’ decorpo, ngindo que ia se encaminhar emdireção ao arco de Velloso e, súbito, volveupara o lado contrário. Iludido, Dorado cor-reu em sentido diverso ao que e etivamen-te o nosso craque seguiu...

Esta é a descrição de Rodrigues Filho, transcritapor Hamilton (2005, p. 74). Note-se que Domingospraticou um drible de corpo, comum, seguindo asconcepções de Rodrigues Filho e de Gilberto Freyre,ao jeito brasileiro de jogar utebol. Porém, a sua ele-gância ao jogar talvez esteja descrita nas palavras de

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Arthur Friedenreich, um dos maiores artilheiros bra-sileiros de todos os tempos, no Jornal dos Sports de 3de maio de 1933:

Individualmente, jogávamos melhor hádez anos passados. Se digo isso não pos-so dizer: o utebol era mais e ciente. Opadrão de jogo mudou. Domingos modi-

cou, completamente, o jogo dos beques.rouxe todas as virtudes de um ‘center-

-hal ’ para a zaga. Calmo, imperturbável,só intervém no momento preciso. O perigose aproxima e ele conserva a mesma impas-sibilidade. Deixa que o adversário sonhecom um gol que não se realiza, porque ele vai agir (apud HAMIL ON, 2005, p. 122).

A calma, a rieza, a impassibilidade de Domingosda Guia vão dominar as imagens perpetuadas do seu jeito de jogar. Dessa orma, Rodrigues Filho, sempreno seu estilo hiperbólico, vai comparar Domingoscom Machado de Assis, como se ossem dois inglesesdesterrados nos trópicos. Rodrigues Filho vai equali-zar as qualidades do jogador e do escritor com qua-lidades tidas idealmente como o modo de ser inglês.Leiamos a sua análise:

Domingos gingava o corpo, mas não sedesmanchando todo, como Leônidas.Dançando o samba, jogando utebol. A so-briedade de Domingos chocava como umacoisa vinda de ora. Da Inglaterra. antoque quando se queria dar uma idéia deDomingos vinha-se logo com utebol in-glês. O utebol inglês como a gente imagi-nava. Pelas anedotas de inglês tão do gostobrasileiro. O inglês rio, incomovível. Asanedotas de inglês sendo, para Domingos,o que Sterne oi para Machado de Assis. Deuma certa orma, Domingos oi o Machadode Assis do utebol brasileiro. Inglês por

ora, brasileiro por dentro. Sobretudo

carioca [...] (RODRIGUES FILHO, 2003,p. 216-217).

Freyre aceita esta visão e procede a operaçãoanalítica que vimos mostrando aqui: Domingos daGuia se torna o modelo de jogador apolíneo entredionisíacos. Assim é que no amoso pre ácio à obrade Rodrigues Filho, ele escreve:

(...) A capoeiragem e o samba, por exem-plo, estão presentes de tal orma no estilobrasileiro de jogar utebol que de um jo-gador um tanto álgido como Domingos,admirável em seu modo de jogar mas qua-

se sem oreios – os oreios barrocos tãodo gosto brasileiro – um crítico da argú-cia de Rodrigues Filho pode dizer que eleestá para o nosso utebol como Machadode Assis para a nossa literatura, isto é, nasituação de uma espécie de inglês desgarra-do entre tropicais. Em moderna linguagemsociológica, na situação de umapolíneo entre dionisíacos (FREYRE, 2003, p. 25.Gri os no original).

Para nalizar esta seção, ressalte-se que – di eren-temente do que ele az em suas obras mais conhecidas–, nos seus escritos sociológicos sobre utebol, Freyreprocede de uma orma a usar o nome de Leônidas noplural, metonimizado, para denotar que, embora esteator individual seja sujeito irredutível, ele representaa síntese do modo dionisíaco do utebol brasileiro. Épor isso que Freyre utiliza a expressão “os Leônidas” ese re ere a este processo em pelo menos uma ocasião.Em 1955, em artigo para a revistaO Cruzeiro, Freyreescreve o seguinte:

(...) Que signi ca ser um jôgo predominan-temente individualista no seu estilo? Puraanarquia? O inteiro sacri ício do grupo aoscaprichos dos indivíduos? De certo modo

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não. Signi ca constante interação entre oes ôrço coletivo do grupo e as açanhas,as iniciativas, os próprios improvisos de

indivíduos que, assim agindo, destacam--se como heróis, exibem-se, como baila-rinos-mestres, acrescentam-se à rotina do jôgo, não só em bene ício próprio comoem bene ício do grupo. E o que azem no

utebol brasileiro os Leônidas que assimprocedendo, procedem sob o impacto daherança a ricana de cultura, que tende a a-zer dos jogos, danças e até bailados. Aquêleem que o indivíduo não se dissolve de todono grupo, mas conserva certas e essenciaisliberdades de expressão heróica e de exibi-ção dramática (Freyre, 1955).

E encontra eco em Vilanova (1999, p. 128), quea rma:

[...] nisso reside seu [de Freyre] gosto pelobiográ co, sublinhando na personagem in-dividual o ponto de intersecção das corren-tes de pensamento social, político, literário,ressaltando, dialeticamente, no indivíduo osocial, e na dessubjetividade do social o in-

divíduo historicamente relevante.

Considerações nais

A nal, podemos dizer que a redução é um proce-dimento metodológico utilizado na obra de GilbertoFreyre? Em outras palavras, os processos sociais com-plexos são explicados em termos dos seus componen-tes individuais? Mesmo se considerarmos as objeçõesde Little e Elster, de que não se pode encontrar leisnas ciências sociais, e carmos apenas com meca-nismos como substitutos das leis, em Freyre, haveriauma conexão dos mecanismos no nível macro commecanismos no nível micro? E, nalmente, se, emFreyre, os indivíduos que “exempli cam” os proces-sos sociais não são indivíduos típicos, mas concretos,

inviabilizando a idéia de que a explicação em Freyrese assemelha à redução, podemos alar então de su-perveniência na obra deste autor?

Os argumentos desenvolvidos na parte 3 des-te trabalho revelam como Freyre conecta processosmacrossociais – como a trans ormação do utebolbrasileiro de rancamente inglês em dionisíaco e aintegração social do negro à sociedade brasileira gra-ças ao seu papel no utebol, a aceitarmos a sua visão– com guras históricas: Leônidas, Garrincha e Pelé,respectivamente (mais Domingos da Guia, como querepresentando a sobrevivência de um estilo apolí-

neo em nosso utebol). Juntos, estes protagonistas dahistória do nosso utebol aparecem com reqüênciana explicação reyriana do nosso “jogo inteiramentedi erente”.

Freyre parece utilizar – de orma combinada,na tentativa de articular o nível mais abrangente desua explicação a trajetórias de vida dos indivíduos to-mados como exemplo –princípios que lembram oraum processo de redução mais rigoroso ( enômenomacrossingular – indivíduos típicos), ora uma arti-

culação mais super cial das trajetórias particularescom enômenos macrossociais aludidos ( enômenossociais macroparticulares – indivíduos particulares).Contudo, certamente a inclinação reyriana por umasociologia da biogra a, aliada a uma despreocupaçãometodológica em termos dos cânones explicativos,parece indicar princípios que mais se aproximam deuma microexplicação de certa orma en raquecida –em que os indivíduos típicos são apenas coadjuvan-tes, predominando as guras históricas exemplares,quase que portadoras típicas dos processos sociaisque o autor quer entender e explicar –, do que pro-priamente de uma microrredução, se seguirmos asdistinções propostas por Rajeev Bhargava e apresen-tadas na parte 2 deste artigo.

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Se, por um lado, a opção metodológica do autorperde em rigor analítico, por outro, as objeções quelevantamos quanto à actibilidade de um projeto de

redução radical como estratégia válida para as ciên-cias sociais parecem legitimar, em algum grau, a es-colha de Freyre por uma modalidade de associaçãoentre processos sociais e indivíduos não-típicos, ou,em outros termos, biogra as individuais. Essa posi-ção daria conta das sutilezas e das nuanças que a va-riação individual comporta, evitando a padronizaçãoque uma opção por indivíduos típicos carregaria.Ademais, em Freyre, a explicação sociológica é tam-bém histórica, contingencial. Nesse caso, nem os pro-cessos macrossociais seriam típicos.

Se o que dissemos acima é verdadeiro, e não te-mos e etivamente redução ao nível micro em Freyre,a idéia de superveniência, aqui proposta a partir dealgumas das idéias de Little e Ryan, parece deixar umcampo mais aberto para o enquadramento da expli-cação reyriana. Pois os microprocessos psicossociaisespecí cos identi cados nos inúmeros biogra adosde Gilberto Freyre podem articular-se, com menos

problemas, aos mecanismos sociais mais amplos pro-postos pelo autor sem que, necessariamente, sejam osexemplares por excelência daqueles processos. A ex-plicação dos “casos”, portanto, ilustra e exempli ca os“processos” sem, contudo, esgotá-los. Menos do queredução, a explicação em Freyre se con gura comouma orma não-intencional de superveniência que,articulando os níveis macro e micro de uma ormarelativamente rouxa, aponta, ainda que de maneiraincipiente, para os temas da agência e da estrutura.

Notas

1 Este trabalho – no que se re ere a problemas de teoria socio-lógica nele tratados, assim como muitas outras passagens –está baseado em artigo que publicamos naRevista Brasileirade Ciências Sociais. Aplicamos as idéias ali desenvolvidas à

análise que Gilberto Freyre produziu do utebol jogado noBrasil.Agradecemos a Túlio V. Barretoa cessão de cópiasdos artigos que Gilberto Freyre publicou sobre utebol naimprensa. No que respeita à análise do material re erente

ao utebol, desenvolveu-se sob os auspícios de uma bolsa deprodutividade concedida pelo CNPq.

2 O termo “homem de carne e osso”, correlato a “homemconcreto”, sem qualquer conotação biológica, é largamenteusado por vários comentadores de Freyre (ver, por exemplo,AGUIAR, 1999), para acentuar o ato de que a concepção

reyriana de homem não se reduz a tipologias sociologizan-tes.

3 A maior parte dos trabalhos sobre a obra de Freyre concen-tra a atenção nos processos sociais empíricosem si, mais doque na problematização acerca da construção de um mode-lo teórico-metodológico para a explicação reyriana.

4 Estamos atentos tanto às complexas relações que se estabe-

lecem entre a perspectiva sociológica e a perspectiva histó-rica nas ciências sociais, quanto à relevância que esse tópicotem na obra de Gilberto Freyre, em especial.

5 Nas citações de Freyre, procuramos manter a gra a da épo-ca.

6 Ressalte-se, no entanto, que Freyre (1974b), em crônicaacerca da derrota do Brasil rente à Holanda, em 1974, naCopa do Mundo da Alemanha, trata Johan Cruyff, craqueholandês, como herói.

7 C . Freyre (1968a, p. 101), em que se pode observar clara-mente sua tese. Ver também a esse respeito, Bastos (1995, p.71; 1999a, p. 320; 1999b, pp. 328, 335, 336-337, 345), entreoutros.

8 Ressalte-se que Freyre também dedicou páginas a pesso-as que ele admirava e que nada tinham a ver com o Brasil.Nesse caso, incluem-se, entre outros, o opúsculo sobre WaltWhitman, poeta que ele tanto admirava, e os capítulos sobreAmy Lowell e H.L. Mencken.

9 É nítida a proximidade entre o procedimento empáticoproposto por Freyre e aquilo que se convencionou chamarde métodoVerstehen nas ciências sociais.

10 A única edição brasileira, segundo dados dahome-page da Fundação Gilberto Freyre, oi publicada em 1978 pelaFundação Cultural de Mato Grosso. A edição usada aqui éa portuguesa, publicada em 1968. Este livro, tal comoUmengenheiro rancês no Brasil , em sua segunda edição, é divi-dido em dois volumes, sendo o primeiro dedicado à análisedo material por Freyre, e o segundo, às notas de um diáriodeixado por Luiz de Albuquerque.

11 O livro Mozart: sociologia de um gênio, de Norbert Elias(1995), é um exemplo de tratamento sociológico de umabiogra a individual.

12 Há, curiosamente, uma aproximação aparentemente estra-

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GILBERTO FREYRE E O FUTEBOL: ENTRE PROCESSOS SOCIAIS GERAIS E BIOGRAFIAS INDIVIDU

nha entre as idéias de Elster e as percepções gerais de Gil-berto Freyre acerca da necessária introdução de elementospsicológicos na explicação sociológica. No entanto, Freyrebusca evitar a subordinação da sociologia à psicologia, pro-

pondo uma undamentação antropológica e histórica daprimeira, dada sua natureza de ciência da cultura. É possíveltambém identi car uma clara a nidade – consciente ou não– de tais idéias com elementos da metodologia weberiana(c . FREYRE, 1951b, pp. 49-51; 1957, pp. 234-235).

13 Excelentes ontes sobre o pensamento de Freyre acerca doutebol brasileiro são: Barreto (2004b), Maranhão (2006) e

Wisnik (2008, Cap. 4, “Bola ao alto: interpretações do Bra-sil).

14 É interessante ressaltar que Arthur Friedenreich, no Jornaldos Sports, de 3 de maio de 1933, ez a seguinte a rmação:“O nosso padrão, há dez anos, era clássico. O tempo tratoude eliminá-lo aos poucos. Agora está se ormando um pa-

drão brasileiro. Jogávamos obedecendo aos cânones ingleses. A malícia dominou e há de existir um estágio do triun o damalícia” (apud HAMIL ON, 2005, p. 122. Gri o nosso).

15 Freyre (1947, pp. 172-3) expressa tese semelhante em outrade suas obras: “[...] Sugeri também um outro [estudo] emtorno da maneira brasileira mais característica de jogar o oot-ball . O jogo brasileiro de oot-ball é como se osse umadança. Isto pela in uência, certamente, dos brasileiros desangue a ricano, ou que são marcadamente a ricanos na suacultura: eles são os que tendem a reduzir tudo a dança – tra-balho ou jogo –, tendência esta que parece se az cada vezmais geral no Brasil, em vez de car sòmente característicade um grupo étnico ou regional”.

16 Para Freyre, a característica brasileira de trans ormar tudoem dança tem raízes na nossa origem a ricana e é isto queele encontra em Cabo Verde, em sua visita de 1953: “Algu-ma coisa no ísico e alguma coisa na ternura de gestos, depalavras, de sorrisos. Alguma coisa no modo de alar, decantar, de dançar e de jogar utebol: um jogo que é não ape-nas jogo mas também dança” (FREYRE, 1953).

17 Importantes ontes adicionais sobre Leônidas são Ribeiro(1999) e Prado (1994).

18 Em 1962, Rodrigues Filho continuava a undir o utebolbrasileiro com as habilidades de Garrincha: “Garrincha eraaquêle menino daquela história da carochinha que tinha visto o Rei nu. Aquele menino que vira o Rei nu era o jo-gador brasileiro capaz de descobrir caminhos nunca dantespercorridos para azer um goal , para desmoronar tudo oque, durante quatro anos, o ootball do mundo arquiteta-ra contra o ootball brasileiro. E aquêles rapazes, brancos,mulatos, pretos, que tinham conquistado o bi para o Brasiltinham vindo das entranhas do povo. Alguns sabiam apenasassinar o nome. Vendo-os em plena glória eu me sentia um

dêles. Êles representavam o que o Brasil tinha de melhor.Era bom ser brasileiro, porque o brasileiro era assim. O ootball era uma amostra. Nêle estava tudo o que havia demais brasileiro. A ginga do samba, a agilidade do capoeira, o

repentismo dos cantadores de viola, a boa conversa, a ima-ginação, a antasia, a música, a dança”.

19 Outras excelentes ontes acerca de Garrincha são: Castro[2008 (1995)], Saldanha (2004) e Wisnik (2008, Cap. 3 “Aelipse: o utebol brasileiro”.

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A R T I G O

LUGAR E PODER SIMBÓLICO EMRIACHO DOCE

Introdução

Este trabalho undamen-ta-se em leituras e discussõessobre o tema “cultura e políti-ca”, destacando aportes teóricosrelacionados ao conceito delugar e às categorias cultura epoder, através de um estudo in-

terpretativo do romanceRiachoDoce, escrito pelo paraibanoJosé Lins do Rego e publicadono ano de 1939.

rata-se de uma cção li-terária de abordagem regional--modernista, cuja trama temcomo eixo principal um encon-tro tensivo de alteridades num

povoado que o autor nomeoudeRiacho Doce. O “cenário” é uma vila de pescadoresda região litorânea do estado de Alagoas (Nordestedo Brasil), onde o cotidiano das amílias de jangadei-ros que ali vivem so rerá di erentes “perturbações”, deordem ecológica e moral, conseqüentes da tentativade exploração de petróleo no local, empreendida porestrangeiros.

Focado nesse ambiente, o romance direcio-na atenção especial aos problemas da cultura, numenredo em que as categorias “próximo” e “distante”(AUGÉ, 2003: 13-42) são tratadas no plano social,embora tornadas mais expressivas a partir das sub- jetividades de duas personagens centrais,Nôe Edna,que estarão constantemente coagidas, sob pressão das

normas sociais.Nô é lho de pescador e

neto de Sinhá Aninha, a ve-lha guardiã da moral do lugar,aquela que tem as chaves daigreja, que detém poderes decura e de maldição, sua prin-cipal onte de “poder simbó-lico” (BOURDIEU, 1989: 07-

16).Edna é uma sueca, casadacom um engenheiro que comela mudou-se de Estocolmo(Suécia) para o Brasil, com nsde tornar-se rico, aproveitandoa situação para o erecer novosares à esposa, que vivia desani-mada e sem motivação, comoo era em sua terra natal, nocampo.Edna e Nô viverão um

relacionamento amoroso queterá desdobramentos tempestivos sobre o cotidianodeRiacho Doce e dos orasteiros ali situados.

Ressalto que neste artigo não pretendo seguiro propósito da crítica literária, nem haveria compe-tência para tal tare a em meu saber, se osse este ocaso. A perspectiva sob a qual trabalho nesta leitu-ra de Riacho Doce delineia-se, em parte, no sentidode ilustrar e re etir sobre os conceitos dehabitus epoder simbólico, teorizados pelo sociólogo rancêsPierre Bourdieu (1989; 2004). O cotidiano “imagina-do” por José Lins do Rego emRiacho Doce é cenáriode um enômeno interessante: quando os moradoresda pequena vila de pescadores são postos em ace daalteridade dos estrangeiros então “inseridos” em sua

ANTÔNIO GEORGE LOPES PAULINO *

RESUMOO artigo apresenta reflexões sobre os conceitosde lugar e poder simbólico, através de umaleitura interpretativa do romance Riacho Doce,de José Lins do Rego, em cujo enredo é possívelidentificar ilustrações acerca dos referidosconceitos, e manifestações mitológicas deinteresse para uma abordagem centrada natemática cultura e política.Palavras chavePalavras-chave: lugar, poder simbólico, cultura

e política.

ABSTRACTThe paper reflects on the concepts of place andsymbolic power, through an interpretive study ofthe novel Riacho Doce, by José Lins do Rego,on whose story you can identify illustrationsabout those concepts, and mythological eventsof interest to an approach theme in culture andpolitics.KeywordsKeywords: place, symbolic power, culture andpolitics.

* Doutor em Sociologia. Professor da UniversidadeFederal do Ceará.

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ANTÔNIO GEORGE LOPES PAULINO

rotina, a suspeita em relação ao perigo representadopela presença do estranho desencadeia atitudes deproteção à ordem interna por meio de uma vigilância

que não se az, em princípio, diretamente sobre o ou-tro, mas entre aqueles que são “de dentro”, haja vista aocorrência de atitudes não somente de estranhamen-to, mas também de encantamento, de admiração e,até certo ponto, de simpatia pelo mundo dos “de ora”.

Assim, con gura-se a hipótese de que a singu-laridade de uma cultura não anula as tensões da di-

erença, que se mani estam, ainda que de orma táci-ta, também internamente. Do contrário, não haveria

unção para as sanções sociais que se azem presentesmesmo em ambientes relativamente homogêneos, aexemplo das chamadas sociedades de pequena escala.É neste sentido que emRiacho Doce a personagemSinhá Aninha dá orça e movimento a di erentes es-truturas mitológicas e a ritos de demarcação da or-dem sociocultural do lugar, a rmando valores e ati-tudes animados por um capital simbólico de violentae cácia (BOURDIEU, 2003: 70).

Em ace dessas considerações iniciais, ressal-

to o objetivo de buscar compreender essa espéciede política do cotidiano ou esse “campo do poder”(BOURDIEU, 2004: 35-52) desenhado na narrativade José Lins do Rego. A idéia de azer um estudo in-terpretativo de uma criação literária através do en o-que antropológico não traz aqui o propósito de trans-por conceitos das ciências sociais para explicar umatrama ctícia. Não obstante a premissa de resguardaras categorias de pensamento e expressão do próprioautor José Lins do Rego, a leitura deRiacho Doce re-presenta aqui uma oportunidade ecunda para pensarsua trama a partir de di erentes aportes teóricos perti-nentes ao estudo das categorias cultura e poder.

Assim, para compreender o que aqui chamo de“política do cotidiano” que se pode “observar” nas

relações vivenciadas pelas personagens deRiachoDoce, contextualizando suas visões de mundo, seussaberes e suas práticas, o presente artigo busca su-

porte não somente em Bourdieu1, mas também emoutras ontes, dentre as quais destaco: o pensamentode Clifford Geertz (2003: 111-141); as abordagens re-

erentes aos conceitos de espaço e lugar em Michelde Certeau (2003) e Marc Augé (2003) e a discussãosobre mitos e narrativas mitológicas do poder, emRaoul Girardet (1987).

Apresentam também signi cativa pertinênciapara este trabalho, as idéias de Gilberto Velho acercados processos de “negociação da realidade” (VELHO,2003: 31-48) vivenciados quando, num dado contex-to, surgem “projetos” individuais (ou grupais) capa-zes de mobilizar uma “metamor ose” no sujeito/indi- víduo e no seio de um grupo social. Aqui GilbertoVelho apóia-se na loso a da ação segundo Al redSchutz2, em que a noção de “projeto” é concebidacomo a “conduta organizada para atingir nalidadesespecí cas” ( Apud VELHO, 2003: 40). Embora naobra de Gilberto Velho esse modo de pensar se apli-

que mais ao ambiente das sociedades de larga escala,pensar a realidade social como um “campo de possi-bilidades” (2003: 46) é um exercício também válidopara explicar as sociedades de pequena escala e, nestecaso, para a leitura deRiacho Doce.

Compreender que a realidade social constrói-senum campo de possibilidades e que o real é, de certomodo, negociável, leva a crer que a tensão vivenciadacom a alteração da rotina no cotidiano das persona-gens deRiacho Doce con gura um quadro onde a vio-lência simbólica se impõe de orma predominante,mas não sem so rer desa os, demandando, em dadassituações, argumentações verbais ou por meio de ou-tras atitudes, no sentido de “negociar” a aceitação deum habitus que se instituiu num determinado lugar

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social ou “campo do poder” (BOURDIEU, 2004: 35-52), mas que se encontra em tensão quando entraem contato com o universo simbólico e prático do

estrangeiro.Em sua complexidade e riqueza, a construção

narrativa deRiacho Doce constitui o que eu aqui de-nominaria “etnogra a ctícia”, se osse possível essaproposição terminológica. O romance em oco muitose aproxima de uma descrição antropológica da re-alidade de um Nordeste interiorano, pensado sob oimaginário da equação tradicional-moderno, comoilustração de visões de mundo e interesses que semani estam em relações sociais estruturalmente an-tagônicas, mas que se concretizam por distâncias eaproximações.

Neste sentido,Riacho Doce a na-se com a linhadiscursiva e prática do modernismo regional que seconstitui como campo especí co no âmbito da lite-ratura brasileira, apresentando características de um“ensaio social” com claras inspirações etnográ cas.

eço esta a rmação em ace da riqueza de detalhespresentes nas narrações do autor, segundo as quais é

dado a “conhecer” umRiacho Doce densamente des-crito (GEER Z, 1989): um espaço social “percebido”em seu tempo e ritmo de vida cotidiana, com o modode pensar e de ser de seus moradores, suas relaçõessociais, o trabalho no mar e na terra, as estas, os sím-bolos, os medos e as superstições, as necessidades e osrecursos materiais.

Literatura e interpretação da realidade social

A leitura deRiacho Doce proposta neste artigomove-se também pela crítica à equivocada orma dese perceber a arte como objeto de uma espécie de pra-zer pelo “essencial”, herança de uma tradição orma-lista que concebe a obra de arte como obra que existe

por si mesma, por sua suposta “essência” de ser artepela arte.

Na con erência intitulada “Por uma ciência das

obras”, Bourdieu (2004: 53-89) sinaliza a necessidadede busca de equilíbrio quanto ao es orço por superaruma visão essencialista, sem que se incorra no riscode desenvolver uma abordagem também marcadapelo reducionismo, como seria o caso da redução in-terpretativa de uma obra ao seu contexto temporal ehistórico.

In uenciado, em parte, pela loso a da lingua-gem e da ação de Wittgenstein, Bourdieu (2004: 60)aplica a teoria do campo ao que denomina “micro-cosmo literário”, de endendo um “modo de pensarrelacional” sobre o espaço social dos produtores deobras literárias. Nessa direção, de ne o “microcosmoliterário” como

[...] um espaço de relações objetivas entreposições – a do artista consagrado e a doartista maldito, por exemplo – e não pode-mos compreender o que ocorre a não serque situemos cada agente ou cada institui-

ção em suas relações objetivas com todosos outros. É no horizonte particular dessasrelações de orça especí cas [...] que se en-gendram as estratégias dos produtores, a

orma de arte que de endem, as aliançasque estabelecem, as escolas que undam, eisso por meio dos interesses especí cos quesão aí determinados (BOURDIEU, 2004:60-61).

Observando esta de nição proposta porBourdieu, busco também neste trabalho reconhecer o valor devido ao campo literário como orma de eno-brecimento do espírito humano, veículo de percepçãodo belo e instrumento de compreensão da realidadesocial. Em muitos casos, a riqueza de detalhes queum romance pode ornecer sobre o comportamento

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social em di erentes contextos e épocas, em nada dei-xa a desejar em relação a determinados textos de pro-dução acadêmica das ciências sociais. Ressalto aqui,

no entanto, a importância do rigor metodológico quedeve orientar o conhecimento empiricamente testa-do, exigência da qual a literatura encontra-se relati- vamente livre, em virtude da “lógica trans-histórica”(BOURDIEU, 2004: 72) e da construção predomi-nantemente semântica que caracteriza e eterniza umaobra artística.

Atentando para estas considerações e para a me-mória do processo histórico vivenciado pela literatu-ra brasileira, cumpre reconhecer o papel deste campodo saber que se instituiu como a primeira onte deregistro e interpretação da realidade social no Brasil.Em História concisa da literatura brasileira, Al redoBosi (1998) assinala a importância deste campo deprodução artística também quali cado como instru-mento de apreensão estética da realidade, em que seobserva, desde os mais remotos registros que antece-dem a criação literária propriamente dita no Brasil, ointeresse investido no propósito de retratar as carac-

terísticas de um lugar que se constituiria como nação,à sombra da colonização e seus e eitos.

Em relação ao re erido processo histórico, é inte-ressante observar o movimento das tendências e esco-las de produção que caracterizam a literatura brasilei-ra. Nesse contexto, a passagem do Romantismo parao Realismo e deste para o Modernismo3 revela umpercurso em que as alusões ao cenário econômico esocial do Brasil elaboram-se, inicialmente, em visõesromanescas e heróicas de cunho indianista, que serãosubstituídas por equivocadas interpretações evolu-cionistas a respeito da interação homem-ambiente edas relações de miscigenação, sendo que essas “leitu-ras” também serão superadas quando se ortalece, nasprimeiras décadas do século XX, a crítica às teorias

raciais e ganha importância o conceito de cultura nosensaios sobre os processos de ormação e desenvolvi-mento da sociedade brasileira.4

A perspectiva da leitura social e cultural repre-sentou neste período uma das preocupações traba-lhadas no âmbito do movimento modernista, queeclodiu o cialmente com a Semana de Arte Moderna,realizada em São Paulo, em 1922. rata-se de um mo- vimento por uma nova estética e expressão para a artenacional, aberto ao processamento “antropo ágico”das tendências de vanguarda vindas da Europa (sur-realismo, uturismo, cubismo, dadaísmo) e buscandoares de modernidade que se opunham aos códigosainda ressoantes do Simbolismo. O Modernismopromoverá uma espécie de “revolução” na literaturae na arte nacional, com claros rebatimentos sobre asidéias de intelectuais preocupados em explicar as par-ticularidades históricas da sociedade brasileira.

Esta re erência à literatura como onte de ilus-tração da realidade nacional não negligencia o papelhistórico das ciências sociais no campo da produçãode teorias explicativas do Brasil. A proximidade en-

tre os dois campos do saber é percebida pelo antro-pólogo Renato Ortiz, que destaca os nomes de SílvioRomero, Nina Rodrigues e Euclides da Cunha comoprecursores das ciências sociais neste país.

[...] o estatuto de precursor revela a po-sição desses autores que na virada do sé-culo se dedicaram ao estudo concreto dasociedade brasileira, seja analisando suasmani estações literárias, seja considerandoas tradições a ricanas ou os movimentos

messiânicos (OR IZ, 1994: 14).

odavia, o autor citado ressalta a implausibili-dade das teses de endidas por esses pioneiros, sobre-tudo pela vinculação que o discurso “cientí co” poreles pro erido mantinha com tendências que, à época,

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já se encontravam em processo de revisão crítica naEuropa, a saber, “o positivismo de Comte, o darwi-nismo social, o evolucionismo de Spencer” (OR IZ,

1994: 14).Sob tal in uência, aqueles pensadores mobiliza-

ram um pensamento que apresenta dois pontos espe-cí cos. Por um lado, rompendo com a hegemonia doRomantismo, reconhece a presença das populaçõesa ricanas em nossa história; por outro lado, man-tendo-se el aos preconceitos evolucionistas, buscaentender a problemática da ormação da sociedadebrasileira através de construções deterministas, ela-boradas em torno de duas categorias: ambiente e raça.

A problemática racial oi, então, tomada comoeixo de uma discussão acerca do “atraso” econômico esocial do Brasil em relação às nações ditas modernas,sendo que as condições climáticas e a miscigenação

oram alvo de interpretações negativas e determinis-tas a respeito das possibilidades de desenvolvimentodo povo brasileiro. Vários outros autores estiverama nados com essa orma determinista de pensar a so-ciedade brasileira; dentre eles, destacam-se: o sergipa-

no obias Barreto e o cearense Capistrano de Abreu.Na contraposição dos determinismos biológico e

geográ co, Gilberto Freyre, natural de Pernambuco,destaca-se como gura de unção crucial, haja vistaque sua discussão sobre os conceitos de raça e cultu-ra, inspirada no antropólogo Franz Boas, ampliou oshorizontes para a compreensão da sociedade brasilei-ra.5 Mas antes de Gilberto Freyre já se observa umatentativa de ruptura com as teses evolucionistas pre-dominantes no Brasil, a saber, nas idéias do sergipanoManuel Bon m:

Manuel Bon m se insere no interior dosgrandes marcos que delimitam as ron-teiras do pensamento da época – Comte,

Darwin, Spencer. No entanto, sua interpre-tação desses autores é sui generis e se opõeàs combinações brasileiras que absorvem oevolucionismo aos parâmetros da raça e domeio (OR IZ, 1994: 22).

Assim, o ambiente intelectual no Brasil esta- va mais avorável e receptivo às teses de endidaspor Gilberto Freyre que, ao publicar Casa Grande eSenzala (FREYRE, 2001), não apenas deslocou o eixoreducionista da discussão sobre raça e mestiçagemcomo também realçou elementos de positividade damiscigenação, que oram ideologicamente apropria-dos pelo discurso nacionalista.

A obra de José Lins do Rego, na qual se inclui oromance Riacho Doce, de interesse central neste ar-tigo, recebeu in uências do pensamento de GilbertoFreyre. Como partidários do movimento moder-nista, ambos se a liaram ao modernismo de cunhoregional, em que também se encontram, por exem-plo, na produção da literatura social nordestina daépoca (décadas de 1920, 30, 40...), os nomes de José

Américo de Almeida, Rachel de Queiroz, GracilianoRamos e Jorge Amado.

José Lins do Rego nasceu em Pilar, estadoda Paraíba, onde passou a in ância, no EngenhoCorredor, pertencente ao avô materno. EstudouDireito no Reci e, quando se aproximou de intelec-tuais que impulsionaram o movimento modernista--regionalista do Nordeste: José Américo de Almeida,Olívio Montenegro e, principalmente, GilbertoFreyre. Deste, recebeu incentivo para dedicar-se auma arte atenta às raízes locais. Conheceu depois,em Maceió-AL, Jorge de Lima e Graciliano Ramos.

ornou-se também amigo de Rachel de Queiroz,Aurélio Buarque de Holanda e Valdemar Cavalcanti,dentre outros. A partir de 1935, no Rio de Janeiro,

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“participou ativamente da vida literária de endendocom vigor polêmico o tipo de escritor voltado para aregião de onde proveio” (BOSI, 1998: 397).

A região de cultivo da cana-de-açúcar na Paraíbae em Pernambuco, em período de transição para ausina, encontrou notável expressão literária no ci-clo da cana-de-açúcar, parte da obra de José Lins doRego. A consciência crítica do autor o ez tambémsensível ao processo de trans ormação de um Brasilrural num país em processo de urbanização e indus-trialização.6 Nesse contexto, a “idade de ouro” dosengenhos nordestinos cou para trás e consolidou-sea ascensão do eixo Sul-Sudeste como centro hegemô-nico da economia do país. odavia, o Nordeste seriaalvo do interesse por outras ormas de exploração daterra e do homem, uma delas percebida por Lins doRego em Riacho Doce, onde “[...] nos dá a sua visãopossante dos desequilíbrios sociais e dos dramas hu-manos individuais e coletivos, provocados pelo pro-blema do petróleo em Alagoas. [...]”.7

As raízes da chamada “literatura nordestina” játeriam surgido através do cearense Franklin ávora,

com O Cabeleira (1876). No entanto, o escritor nãocumpriu, com esse “modesto” romance, “as promes-sas de uma literatura nordestina que precisou esperarpelo talento de um Oliveira Paiva, de um José Linsdo Rego e de um Graciliano Ramos, para rmar-secomo admirável realidade” (BOSI, 1998: 146).

Con orme esquema elaborado por LucienGoldmann (1968, apud BOSI, 1998) em Sociologiado Romance, a explicação do romance moderno develevar em conta sua relação com a totalidade social.Nesse sentido, José Lins do Rego, nos romances Usinae Fogo Morto, inclui-se na tendência de “tensão críti-ca”, em que “o herói opõe-se e resiste agonicamente àspressões da natureza e do meio social, ormule ou nãoem ideologias explícitas, o seu mal-estar permanente”

(BOSI, 1998: 392).Segundo Faraco & Moura (1987: 162), o próprio

José Lins do Rego situou seu trabalho de cção em

distintas categorias, tendo, de orma predominante, azona açucareira do Nordeste como cenário, num pro-cesso criativo que “testemunha a decadência de umaestrutura tradicional como resultado de uma nova or-dem econômica”. Assim, a obra do autor divide-se nasseguintes ases: a) ciclo da cana-de-açúcar, com os li- vros Menino de Engenho (1932), Doidinho (1933),Bangüê (1934), escritos em Alagoas, Fogo Morto(1934) e Usina (1936); b) ciclo do cangaço, misticis-mo e seca: Pedra Bonita (1938) e Cangaceiros (1953);c) obras independentes: O moleque Ricardo (1935),Pureza (1937) e Riacho Doce (1939) – com in uênciados dois ciclos.

Na obra de cção de Lins do Rego ressalta-seuma característica compartilhada com os demaismodernistas regionais e com o pensamento socialde endido por Gilberto Freyre: a oposição aos deter-minismos biológico e geográ co, em avor de umaleitura crítica da realidade, contextualizando relações

de mando e de poder como orças reprodutoras dedesigualdades sociais cuja origem não estaria na mis-cigenação, mas numa ordem econômica e social his-toricamente instituída sob a lógica da exclusão e dainclusão perversa.

Nas leituras que z de Riacho Doce, encontrei oprazer de apreciar uma narrativa cuja linguagem re-presenta o recurso privilegiado através do qual Linsdo Rego construiu seqüências espaciais e temporais,relacionando personagens e desenvolvendo situaçõesque compõem um enredo complexo, com seus pon-tos altos ou principais ocados em questões morais eecológicas, que são permanentemente realçadas comre erências a práticas cotidianas de trabalho, costu-mes, mani estações da cultura popular e do olclore,

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estejos, crenças e mitos mobilizados na compreensãodo mundo natural e social de um lugar cuja descri-ção revela-o como “paradisíaco” – paradoxalmente,

um “paraíso em tensão”. É sobre esse lugar, o RiachoDoce, que escrevo a seguir.

Riacho Doce: um lugar e suas tramas sociais

Quando anunciei atrás que em Riacho Doce JoséLins do Rego cria detalhes descritivos de um “realis-mo” tão convincente que, não osse o signo da cção,diria que sua narrativa se iguala a descrições etnográ-

cas, já estava antecipando um pouco da complexida-de do enredo tecido pelo autor. Na verdade, a narra-ção não começa alando sobre o ambiente de RiachoDoce e, sim, sobre a Suécia, onde o texto se desenroladesde a in ância até a partida de Edna para o Brasil;Edna, uma das personagens centrais do enredo.

A leitura da Parte I do romance deixa clara essasensibilidade “etnográ ca” de Lins do Rego, comose pode interpretar através das palavras de Mário deAndrade:

É a tal e documentalíssima “cor local”que ez Lins do Rego nos dar uma Suéciacautelosa, sem grande interesse enquan-to Suécia, mas não menos plausível que oMéxico de Aldous Huxley, que no entantoesteve no México. O romance não pode,como permanência do seu conceito, ugirà cor do local, ao valor de qualquer or-ma documental. [...] (ANDRADE, 1955:137-141).

É ainda em re erência ao contexto da Suécia –através de um trecho memorial, antes de adentraro ambiente paradisíaco e imaginário de Riacho Doce– que Lins do Rego ilustra uma evidente noção depertencimento a um lugar social ou, no caso de Edna,

um sentimento de negação desse mesmo lugar; umdesejo de uga da ordem social que o constitui comomais que um espaço geográ co ísico. Edna não

gostava do seu lugar de origem. Viveu uma in ânciapovoada pelo sonho de conhecer a vida de povos deoutras terras, onde houvesse sol, calor e gente de cormorena e cabelos escuros; tudo di erente da rieza re-presentada pela terra de invernos pesados onde mo-rava e pelo ambiente amiliar que a cercava. Assim,Edna logo concordou com a decisão do marido demudar-se para o Brasil, desejando que também ele sedistanciasse do seu povo:

Ficar na terra era se limitar, continuar umatradição de vida miúda, ser o que tinhamsido seus avós, continuar, continuar, semque houvesse horizontes, perspectivas deir além dos outros. Era melhor aceitar oconvite. Havia muito longe uma terra quese azia, ainda, um mundo novo precisan-do de gente de sangue vivo, de energia ca-paz. Viria para essa terra, seria dessa terra.

udo devia-se quebrar entre ele e os seus.Porque eles vinham nascer outra vez. Uma

alma nova devia substituir velhas concep-ções, hábitos antigos se perderiam. [...](REGO, 1990: 05).

Na in ância, Edna, que na verdade chamava-seEduarda, oi crescendo junto aos irmãos Guilhermee Sigrid num lugar com características de regiãocamponesa – talvez próximo a Estocolmo, segundoas descrições ornecidas por Lins do Rego –, sob oteto de seus pais, mas sob a ordem severa imposta

por sua avó Elba, uma velha senhora com ares dematriarca, detentora de poderoso “capital simbólico”(BOURDIEU, 2004: 107), que pro essava é protes-tante e impunha um modo para o ser das coisas, in-clusive sobre os pais de Edna:

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A velha avó, era ela que mandava na amí-lia inteira. Era ela que azia seu pai tímidocomo menino e inspirava medo à sua mãe.

odos sabiam que a velha Elba conhecia decoisas, mais que todo mundo: manobra- va sua tribo como dona de tudo, senhoraabsoluta. Alta, gorda, perto dela se alavabaixo. Os meninos e os grandes não aziamdi erença. Lá estaria ela exercendo seu po-der, despótica, sem uma ternura, sem umagrado. Olhos que nunca se umedeceramde alegria, mãos que ninguém nunca viua agar (REGO, 1990: 06).

Edna era uma menina de apenas dez anos de ida-de, quando se encantou por sua querida pro essora,Ester, uma moça de cabelos pretos, longos, como osda boneca pertencente à amiga Norma. Ester e a bo-neca representavam o impossível, o mundo lá de oracom o qual Edna sonhava em imaginação, em despre-zo por seu mundo:

O que ela achava bonito até ali, eram ascoisas que estavam distantes, que eram deoutros mundos: os vestidos, as carruagens,os príncipes, as princesas dos contos, era omar, as estrelas do céu, era a boneca de suaamiga Norma. Uma boneca que as meni-nas todas amavam como um impossível eque o pai de Norma trouxera de um paísdistante, numa de suas viagens de em-barcadiço. Bela boneca de cabelos pretoscomo os de Ester. [...] (REGO, 1990: 07).

Edna nauseava-se com a tare a diária de traba-lho que lhe cabia: dar comida aos porcos. É como se,no quadro de um pesadelo, se somassem os porcos,a velha Elba, a timidez e a covardia de seu pai, a sub-missão de sua mãe, a monotonia de sua terra ria e in- vernosa, sem sol. Ester representava, então, uma pos-sibilidade de proporcionar à Edna o conhecimento

sobre algo di erente. Queria viver a alegria de ter oa eto, a atenção da mestra que já se tornara querida.

anto que, durante as érias, na ausência de Ester,

Edna planeja e executa o rapto da boneca de Norma,ato do qual será acusada e que, embora não o tenha

con essado, despertará a atenção da avó Elba, a qualnão vê com agrado a amizade entre a neta e a pro-

essora. Não obstante, a amília acostuma-se comessa relação. Edna, agora com quinze anos, crescera,aprendera tudo o que Ester sabia, ganhara gosto pelamúsica erudita, conhecera Estocolmo em viagem re-alizada com a amiga. Mas para a avó Elba, a viagemrepresentou um excesso:

Há muito que vinha prevenindo o lho,abrindo os olhos de todos. Aquela pro es-sora não podia merecer a con ança quelhe davam. Não ia ao culto, ninguém sabiade sua religião, de seus princípios, e tinhaoutro sangue. No entanto, a menina viviana casa dela, dormia lá, era uma rebeladacontra a amília (REGO, 1990: 36-37).

Uma série de atos morais, com orça de coerci-

tividade, como diria Durkheim (1987; 1995), ou comintensa “e cácia simbólica”, como diria Bourdieu(2003: 70), incidirá sobre o “eu” de Edna: as pessoasdo lugar mobilizaram alatórios sobre ela e a pro es-sora8, o pastor alara dela e exigira posicionamento desua amília; a avó cada vez mais decidida a a astá-lada escola, o pai aceitando a decisão. Atordoada, Ednasaiu andando pela estrada, indo parar na casa da pro-

essora, onde esta não se encontrava. Edna achouuma carta remetida a Ester, por Roberto, um a etode sua mestra, que na missiva declarava seu amor enarrava lembranças. udo isso se avolumou em Edna,desencadeando uma tentativa malograda de suicídio,da qual a personagem escapou muito debilitada.

A amília e a comunidade atribuíram o ocorrido

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à in uência da pro essora sobre a adolescente. A mes-tra oi expulsa da escola. E Edna, após longo períodode cinco anos como en erma, levantou-se com gran-

de vontade de viver, em plena primavera. inha vinteanos quando, ainda remoendo arrependimento peloque zera – e por ter causado conseqüências para suamestra –, recebeu uma carta de Ester e desde entãodeixou de sentir-se culpada, voltando, entretanto, aso rer com o tédio do lugar, com a rotina. Sua “sal- vação” será o casamento com o engenheiro Carlos, acontragosto da velha Elba, pelo ato de o rapaz per-tencer a uma amília de católicos e, igualmente, con-tra a vontade dos pais de Carlos, que não queriam vero lho casar-se com uma camponesa, ainda por cima,de é protestante. Edna não amava Carlos, mas se ape-gou a ele como meio de uga do seu mundo. Fez suaescolha e submeteu-se ao batismo católico para seraceita na amília de Carlos.

Casados, oram morar em Estocolmo e logo semudaram para o Brasil, paraRiacho Doce, que na ima-ginação de Lins do Rego, situa-se em Alagoas. Haviauma nalidade dupla na viagem do casal:Carlos que-

ria encontrar as riquezas do petróleo e paraEdna o e-recia os ares de uma nova terra, cheia de luz, para quea esposa encontrasse na natureza e no convívio comoutro mundo, uma nova razão que ortalecesse sua vontade de viver. Deste ponto em diante, serão viven-ciados, de orma ainda mais tensa, os con itos do po-der simbólico (BOURDIEU, 1989) e se exacerbarãoos ânimos demarcadores do lugar como espaço socialregulamentado por uma ordem simbólica e prática,tal como narra a parte II do romance, também intitu-ladaRiacho Doce.

Sobre o que já resumi até aqui a respeito da tramade Riacho Doce é possível azer uma re exão teórica,de cunho ilustrativo, acerca de algumas contribuiçõescitadas na introdução deste artigo, iniciando pela

noção de lugar, categoria que se relaciona também àsnoções de espaço social, região, ronteira e território.Observando a tipologia proposta por Girardet (1987),

já é possível alar também sobre algumas estruturasmitológicas subjacentes a situações vivenciadas porEdna, Ester eCarlos, no contexto sueco.

Inicio assumindo o risco de re erenciar um pen-samento que Michel de Certeau aplica ao ambientede uma sociedade de larga escala, pois no caso dopresente trabalho volto-me para uma sociedade ctí-cia, que muito se aproxima de uma sociedade de pe-quena escala. Ao re erir-se às “táticas do consumo”, o

autor propõe uma “análise polemológica da cultura”(CER EAU, 2003: 37-53), exatamente por perceber aestabilidade da cultura como uma espécie de contratoa ser permanentemente renovado:

[...] a cultura articula con itos e volta emeia legitima, desloca ou controla a razãodo mais orte. Ela se desenvolve no elemen-to de tensões, e muitas vezes de violências,a quem ornece equilíbrios, contratos decompatibilidade e compromissos mais ou

menos temporários. As táticas do consu-mo, engenhosidades do raco para tirarpartido do orte, vão desembocar entãoem uma politização das práticas cotidianas(CER EAU, 2003: 44-45).

No que concerne à contextualização da tramade Riacho Doce, o caráter “polemológico” da culturamani esta-se na trajetória inicial deEdna, que embo-ra parecendo raca em virtude da tentativa de suicí-dio, por várias vezes agiu contra a ordem estabelecidapela amília e pela religião: quando roubou a bonecade Norma, quando viajou comEster , quando dormiuna casa da mestra a contragosto daavó Elba e ainda,quando se casou comCarlos, que para avelha Elba era um herege. Exagerando na aplicação de Michel de

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Certeau, diria queEdna, no que lhe oi possível, mo-bilizou suastáticas.

A noção de tática também se relaciona aos con-

ceitos de “espaço” e “lugar”, segundo Certeau (2003:199-217). Para o autor, o lugar determina-se por umsinal de estabilidade, sendo uma ordem em que seimpõe uma lei undada no sentido do “próprio”:

Um lugar é a ordem (seja qual or) segun-do a qual se distribuem elementos nas re-lações de coexistência. Aí se acha portantoexcluída a possibilidade, para duas coisas,de ocuparem o mesmo lugar. Aí impera alei do “próprio”: os elementos considera-dos se acham uns ao lado dos outros, cadaum situado num lugar “próprio” e distintoque de ne. Um lugar é portanto uma con-

guração instantânea de posições. Implicauma indicação de estabilidade (CER EAU,2003: 201).

Em relação ao conceito de espaço, Michel deCerteau o de ne como “um cruzamento de móveis”que, de certa orma, é

[...] animado pelo conjunto dos movimen-tos que aí se desdobram. Espaço é o e eitoproduzido pelas operações que o orientam,o circunstanciam, o temporalizam e o le- vam a uncionar em unidade polivalente deprogramas con ituais ou de proximidadescontratuais. [...]. Diversamente do lugar,não tem portanto nem a univocidade nema estabilidade de um “próprio”. Em suma,o espaço é um lugar praticado (CER EAU,2003: 202).

Novamente evocando o “cenário” deRiachoDoce, vejoEdna eEster como ilustrações desse espíri-to tático; espírito de praticar o lugar, de querer, tentar e vivenciar outras possibilidades existenciais no espaçocomo lugar praticado. odavia, suas investidas numa

espécie de contracultura, longe de alcançarem o êxitoda aceitação e da legitimidade social, suscitaram me-canismos de sanção e resguardo do poder simbólico.

Este poder reagiu no sentido de realçar as ronteirasde um território onde prevalece a lei do “próprio”: o“próprio” daavó Elba, do pastorprotestante e da cul-tura do lugar ondeEdna nasceu e cresceu.

A noção de tática desenvolvida por Michel deCerteau distancia-se do conceito dehabitus teorizadopor Pierre Bourdieu (1989: 59-73), exatamente por-que a tática é uma atitude engenhosa do sujeito quese coloca como um praticante do lugar, enquanto ohabitus, embora seja também uma orça estruturante,representa, sobretudo, um senso prático das coisas,que se orienta pelas regras de um jogo social orte-mente determinado pela e cácia do poder simbóli-co (BOURDIEU, 2003: 69-78). Assim, o indivíduoinserido em um “campo do poder” (BOURDIEU,2004: 52), não mobiliza ohabitus de maneira pu-ramente tática (consciente), mas de orma tácita(“inconsciente”).

Sinalizada esta distinção pontual entre as idéias

de Michel de Certeau e Pierre Bourdieu no que tangeà re exão ora em curso, ressalto, no entanto, a pro-ximidade não intencional desses autores, quando setrata de pensar o lugar a partir das noções de estabi-lidade e ronteira, no caso em que um limite impõe--se com a orça do que é tido como “próprio”. Nestesentido, Bourdieu discorre sobre a idéia de “região”:

A etimologia da palavra região (regio),[...] conduz ao princípio da di-visão, actomágico, quer dizer, propriamente social,de diacrisis que introduz por decreto umadescontinuidade decisória da continui-dade natural (não só entre as regiões doespaço mas também entre as idades, ossexos, etc.). [...]. A regio e as suas rontei-ras ( nes) não passam do vestígio apagado

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do acto de autoridade que consiste emcircunscrever a região, o território (quetambém se diz nes), em impor a de ni-ção legítima, conhecida e reconhecida, das

ronteiras e do território, em suma, o prin-cípio de divisão legítima do mundo social.[...] (BOURDIEU, 1989: 113-114).

O conceito de lugar antropológico, tal como érelativizado na proposição eita por Marc Augé, tam-bém se aproxima das idéias de espaço e de regiãoou campo, presentes, respectivamente, nas idéias deMichel de Certeau e Pierre Bourdieu, como a rmeianteriormente. Marc Augé entende lugar como umainvenção, ruto da ação dos sujeitos que nele se esta-beleceram, undando um sentimento de posse e, por-tanto, um senso de ronteira, do que é “próprio”. Naspalavras deste autor, um lugar é

[...] aquele que ocupam os [...] que nele vivem, nele trabalham, que o de endem,que marcam nele seus pontos ortes, queguardam suas ronteiras, mas nele detec-tam, também, os vestígios dos poderes cto-

nianos ou celestes, dos ancestrais ou dosespíritos que o povoam e que animam suageogra a íntima [...], como se não houves-se humanidade digna desse nome a não serno próprio lugar do culto que lhes é consa-grado. [...]. Esse lugar comum ao etnólogoe a seus indígenas é, num certo sentido (nosentido do latim invenire), uma invenção:ele oi descoberto por aqueles que o reivin-dicam como seu. [...] (AUGÉ, 2003: 43-44).

É interessante trazer agora para esta discussão, asidéias de Gilberto Velho acerca das noções de projetoe metamor ose que, undamentadas no pensamentode Al red Schutz (1979), aplicam-se à compreensãodo “ enômeno da negociação da realidade”, no qualocorrem “duas vertentes ou pontos de vista: o da

unidade e o da di erenciação” (VELHO, 2003: 21-22).Ao discorrer sobre essas noções, Gilberto Velho en-

atiza que “a cultura, nos termos de Schutz, enquanto

comunicação, não exclui as di erenças mas, pelo con-trário, vive delas” (2003: 22).

É possível azer aqui uma ponte entre essa abor-dagem empregada por Gilberto Velho e a noção detática, con orme teorizada por Michel de Certeau,haja vista que, ao considerar a realidade social comoum campo de possibilidades, a teoria de Schutz con-cebe a ação do sujeito como projeto, como ação in-tencional direcionada para determinados ns; nocaso, ação como projeto direcionado para mobilizarum jogo de negociação da realidade, em ace da ten-são que se produz em meio a situações caracterizadaspela presença de sinais de metamor ose no ambienteda cultura de um grupo ou lugar (VELHO, 2003: 11-30; 31-48).

No que concerne à tensão entre os princípios deunidade e di erenciação que se mani esta em todas asculturas, a teoria da negociação da realidade pode serilustrada através do romanceRiacho Doce, ainda no

contexto sueco, onde, não obstante a estabilidade dosistema cultural resguardado pelas personagensavóElba e o pastor , a pessoa deEdna (Eduarda), embo-ra acanhadamente, põe em questão a ordem social, aponto de, em certo sentido, colocá-la em negociação, visando, em ace da rigidez das regras vigentes à sua volta, conquistar o mínimo de liberdade para viversuas di erenças em relação à “mesmice” de sua gente.

Processos de negociação da realidade aparecemem di erentes cenas descritas emRiacho Doce, comodemonstro a seguir, quando voltarei a desenrolar oresumo da trama do romance em oco. Antes disso,não posso perder de vista interessantes mani estaçõesde mitos relacionados ao campo do poder que, iden-ti cadas na primeira parte da leitura deRiacho Doce,

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contribuem para esta re exão, no sentido de ilustraridéias especí cas do estudo eito por Raoul Girardet(1987). Em Mitos e Mitologias Políticas, o autor de-

senvolve a idéia de que o imaginário do poder e osmitos que se aplicam ao campo da política represen-tam orças simbólicas discursivas e ideológicas, capa-zes de mobilizar desejos e práticas em de esa de umadeterminada orma de organizar e manter o mundoprotegido contra o que é temporal e perecível, sob alógica de um poder que se instituiu a partir do sagra-do, do eterno.

Compreendendo o mito como algo polimor o,como realidade ambígua e movente, o autor realizauma espécie de “sintaxe”, com o objetivo de mostrarque existe na estrutura mítica “uma certa orma deordenação orgânica” (GIRARDE , 1987: 17), or-mando um sistema de sucessões e combinações deimagens. Assim, Girardet discorre sobre quatro con- juntos mitológicos identi cados em relação à políticada França nos séculos XVIII e XIX: a Conspiração,a Idade de Ouro, o Salvador, e a Unidade. Em todosesses conjuntos, o mito político apresenta três dimen-

sões ou propriedades: é interpretação do real; exerceunção explicativa e desdobra-se “em um papel de

mobilização” de orças sociais (GIRARDE , 1987:13).

Aplicando, na medida do possível, algumas con-tribuições desta abordagem à leitura deRiacho Doce,percebo, logo na primeira parte do livro, em di eren-tes situações, a ocorrência de uma espontânea e e cazmani estação do mito da Unidade. Ora, a estabilidadeda cultura em vigor no ambiente ondeEdna nasceutorna-se tensiva não somente pela presença da pro es-soraEster , mas também pelas ações deEdna, que nãose sentia parte da suposta comunhão com os valoresresguardados por suaavó Elba. Na verdade, o queesta personagem (avó Elba) reivindica como unidade

concretiza-se, de ato, numa ordem moral que a velhasenhora sente estar ameaçada. Então, associada ao pastor protestante, mobiliza a amília. O pastor , por

sua vez, mobiliza a comunidade. A ameaça ao queparecia uno deveria ser removida.Ester oi expulsa daescola, oi embora do lugar. No entanto,Edna cou e,com ela, a di erença em meio à “unidade”.

O mito da Conspiração ou do Complô tambémpode ser observado nessa primeira parte do roman-ce, em relação ao personagem deCarlos, com quemEdna casará – a contragosto davelha Elba, por ques-tões de princípios religiosos. Segundo Girardet (1987:58-62), a busca por uma Igreja responde a uma ne-cessidade de pertença grupal e, nesse sentido, produza imagem do Complô, haja vista que um sistema re-ligioso, quando contraposto a outro, põe em cena a velha batalha entre o Bem e o Mal; ocasião em queambas as partes costumam reivindicar para si as in-sígnias do Bem. É o que ocorre, no caso do romanceem oco, quando a personagemavó Elba opõe-se àunião deEdna comCarlos:

Casara-se com Carlos, o lho mais velhodos católicos romanos. Um rapaz di eren-te de quase todos os outros da redondeza.[...]. Diziam que os pais de Carlos eramadoradores de bonecos. Que tinham partecom o diabo. E na escola excluíam-no dosbrinquedos. Filho de hereges, de papistas,como a velha Elba dizia. [...] (REGO, 1990:55).

ParaEdna, que tanto ugia da “unidade” da cul-tura de seu lugar, morar em outras terras represen-tava a realização de um sonho de in ância, em queuma imagem era recorrente: sentia vontade de ver-sedistante da voz rouca e autoritária de suaavó Elba;imagem que resumia toda a sua insatis ação. Maso mito da Unidade – dentre outros – estará, com

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aparência ainda mais orte, cotidianamente vivo nonovo lugar deEdna, o Riacho Doce. E, é de pasmar--se,Sinhá Aninha – a avó deNô, o nativo por quem

Edna se apaixonará –, que, assim como avelha Elba,é a guardiã da moral de seu povo; é ela quem man-da em assuntos de religião e, muito mais in uente doque avelha Elba, traz em seu arcabouço de crenças esuperstições o capital simbólico que a mantém comoa autoridade mais temida deRiacho Doce.

Antes de chegar ao Brasil,Edna, ser angustiadoe insatis eito, espírito eternamente inquieto, já sentiaa monotonia invadir sua vida comCarlos; já se es-

quivava de unir-se ao marido nos prazeres do sexo.A viagem representava, ao mesmo tempo, motivode medo e esperança. Nos primeiros dias emRiachoDoce, Edna vive os encantos e espantos da descobertado lugar. O sol e o verde do mar a conquistaram deimediato. Às noites, ascinada com o luar,Edna descemuitas vezes até a praia. E, mais inserida no contexto, já conversa com os pescadores, com o povo do lugar,com as rendeiras, com sua cozinheira,Sinhá Benta,um “anjo” seu. MasSinhá Aninha, que guarda os ca-minhos deNô, não gosta deEdna:

A galega nova não azia questão de bestei-ra, não chorava miséria, e azia gosto traba-lhar para ela. A ama cresceu, e aos poucosas mulheres do Riacho Doce começarama ver Edna de maiô sem susto. Só a velhaAninha permanecia com o seu ponto de vista. Aquela barata descascada era umamandada do capeta. [...]. Na casa do seu

lho, porém, todos gostavam da galega. A

sua neta Francisca estava na almo ada ba-tendo bilro, azendo renda para Edna. [...](REGO, 1990: 94).

Quanto a Carlos, este mergulha de corpo ealma na tentativa, sempre malograda, de encontrar

petróleo. Aos domingos, no começo, aproveita as de-lícias do banho de sol e mar na companhia de “sua”Edna. Com o passar dos dias, o casal vai retornando

ao distanciamento, embora sob o mesmo teto.Carlos sempre no trabalho e, à noite, bebendo uísque e ou- vindo estações de rádio de sua terra, mal sintonizadas.Edna, cada vez mais distante do marido e próxima dealgumas coisas do lugar; além das que pertencem ànatureza, atenta aos costumes e às estividades dopovo. Escuta, à noite, o canto que embala as danças eque, segundo a imaginação de Lins do Rego, alimen-ta-se das tristezas da gente que vive noRiacho Doce.

São as cantorias deNô, as danças do coco, osensaios de chegança com a presença central do netoda velha Aninha que irão atrair os desejos deEdna;desejos de uga da monotonia vivenciada na solidãocom seu marido.Edna se apaixona porNô e este cor-responde: os dois estarão envolvidos num escândaloatravés do qual se ilustram aqui diversos elementosdo que, no início deste trabalho, denominei como“política do cotidiano”, re erindo-me, por exemplo, àstramas do poder que se mani estam em ace do adul-

tério deEdna.Antes de explorar as conseqüências do romance

de Nô e Edna, é interessante apontar, ainda que bre- vemente, outra característica relacionada à noção delugar – no caso, o lugarRiacho Doce –, concernenteaos saberes re exivos e práticos que orientam os su- jeitos sociais num dado contexto histórico. Recorroaqui ao pensamento do antropólogo Clifford Geertz, em O Saber Local , onde o autor, dentre outros en-saios, discorre sobre o tema: “o senso comum comoum sistema cultural” (2003: 111-141). Pelo que aquise compreende, o senso comum não constitui uma

orma irracional ou ingênua de pensar e agir:

Quando dizemos que alguém demonstrouter bom senso, queremos expressar algo

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mais que o simples ato de que essa pes-soa tem olhos e ouvidos; o que estamosa rmando é que ela manteve seus olhos eouvidos bem abertos e utilizou ambos – oupelo menos tentou utilizá-los – com crité-rio, inteligência, discernimento e re exãoprévia, e que esse alguém é capaz de lidarcom os problemas cotidianos, de uma or-ma cotidiana, e com alguma e cácia. [...](GEER Z, 2003: 115).

Em várias passagens da tessitura deRiacho Doce,Lins do Rego demonstra sensibilidade quanto a essesaber local e reconhece seu valor como patrimônio

cultural imprescindível no cotidiano de um lugar his-toricamente vivido. Os trechos abaixo ilustram estaa rmação:

Só lá para as bandas da praia continuavamos pescadores, as jangadas saindo de madru-gada para as pescas de cavalas. As mulheresali não cavam pensando nos maridos dis-tantes. Raros teriam morrido no mar. Elessabiam resolver as coisas, os quatro paus da jangada não deixavam nunca ir ao undo,

nem que as sereias os levassem para o seureino longínquo. Voltariam. [...]. O mar nãocomia os homens, não azia viúvas. Era bome manso. Quando estava raivoso, eles ca- vam nas caiçaras esperando que a cólera domar passasse. [...] (REGO, 1990: 75).

E oram para a praia com o hábito que ti-nham de ajudar as jangadas que vinham doalto. O nordeste soprava raco. José Divina

alava da lua, que não estava boa para pes-cadores de linha. Juca Nunes saíra para oalto por sair. Lua de círculo pequeno nãodava peixe nem escama (REGO, 1990:148).

Estas citações concernem também ao conceito

de razão simbólica (SAHLINS, 2003) e, aqui, vincu-lam a abordagem em curso a um dos atos centraisque ocorrem na trama deRiacho Doce: a questão so-

cioambiental que se con gura em torno da tentativade exploração de petróleo em território local, numaregião onde a relação homem-natureza é a base diretade reprodução da vida material, de satis ação, aindaque de orma precária, das necessidades básicas das

amílias. Após a implantação malograda de uma á-brica nas proximidades do lugar, ocorre agora essaoutra “invasão” do estranho, maltratando a terra emsuas entranhas.

O sentimento de pertença e o senso de ronteiraalarão alto no ambiente deRiacho Doce. A popula-

ção está entre assustada e encantada com a promessado “progresso” que poderá chegar com o petróleo. Opraguejar deSinhá Aninha não tardará em azer umalerta contra aquilo. Sua retórica evoca não somenteo senso de ronteira, que por sua vez relaciona-se aomito da Unidade (GIRARDE , 1987: 12). Evoca tam-bém o mito da Conspiração ou do Complô, ao atri-buir ao processo de exploração de petróleo o signo de

obra do diabo:

Havia alguma coisa mesmo por ali. A velhaAninha botava para o diabo. Coisa do dia-bo. Mexer nas pro undezas da terra, urar,passar das águas, atravessar as pedras, u-rar, só podia ser encomenda do demônio.Era outra vez a tentação que chegava paraeles. Quando lhe apareciam com notícias,com atos novos, ela desprezava tudo: “vo-cês estão procurando a desgraça. A ábrica

também oi assim”. [...] (REGO, 1990: 82).

Outro acontecimento que marca a trama deRiacho Doce, já mencionado, é o relacionamento deEdna com Nô, o que despertará a úria e o prague- jar violento davelha Aninha, numa luta verbal de

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intensidade enervante e e eitos prolongados, de subs-tancial e cácia simbólica. rata-se de um ponto altodo romance, em que se con guram imagens a partir

das quais se pode ilustrar a idéia de “negociação darealidade” social (VELHO, 2003: 31-48), bem comoevocar os já citados mitos da Unidade e Conspiraçãoe, ainda, o da Salvação, em virtude da ocorrência decaracterísticas especí cas do “arquétipo do pro e-ta” (GIRARDE , 1987: 78) na personagem deSinhá Aninha.

A avó deNô, Sinhá Aninha, tem um jeito de agirsemelhante ao da avó deEdna, porém, seu poder ésuperior ao davelha Elba. A semelhança é tanta, que,assim como os pais deEdna, os pais deNô também seconservam submissos e covardes em ace dos man-dos da velha benzedeira. Ainda menino,Nô tivera seucorpo echado pelas rezas da avó, para que não so res-se os perigos da morte por aca ou tiro, mas tambémpara que se livrasse do amor das mulheres, quando talsentimento ameaçasse dominar-lhe o coração.

Assim, com o bentinho que Mãe Aninha lhe pu-sera ao pescoço e que deveria manter consigo para

sempre,Nô deixou muitas mulheres so rendo por suacausa. E agora chegava a galega (Edna), tirandoNô dodestino que lhe ora traçado. ONô, que pertencendoao Riacho Doce, era também do mundo, das viagensem embarcações.Sinhá Aninha o queria assim: oNô que era orte, que não se rendia aos sentimentos nemparecia tê-los e, di erenciando-se dos outros, conhe-cia as estranjas. A paixão deNô por Edna não podiaser tolerada pelavelha Aninha, o principal agente dopoder simbólico no lugar:

A velha Aninha benzia a morrinha do cor-po. Bem velha era, mãe e avó de praieirosrobustos. Sempre tivera orça de ora, decima, para as manobras com os outros. Desua casa de palha saíam as orações, os seus

benditos para a gente de perto e de longe.Ela sabia quando a lua vinha orte, quandoas marés cresciam, quando a chuva tiravaos peixes do mar. Velha sábia, de poderesestranhos, de coração duro. Era orte nador, na desgraça, na alegria. Via de unto,

echava os olhos dos moribundos, cantavaas orações dos mortos, benzia meninos,curava as rieiras dos bichos, azia as co-bras correrem para o mato. E nunca nin-guém vira a velha Aninha com lágrimasnos olhos (REGO, 1990: 75).

Uma das passagens mais interessantes do roman-ce é o descarrego verbal queSinhá Aninha direcionasobreEdna, Dr. Silva (parceiro de trabalho deCarlos,o marido traído) eNô, quando não mais se permitetolerar a in ração moral protagonizada pela galega eseu neto. Os trechos a seguir são bastante ilustrativosnesse sentido e revelam, também, que apesar do es-

orço deSinhá Aninha para conservar a “estabilida-de” cultural entre o povo deRiacho Doce, o real, soba presença do estranho, con gurou-se ali como umcampo de possibilidades, donde se lançou mão de ar-

gumentos direcionados de orma rude em di erentestentativas de negociação da realidade:

E ora Edna, uma mulher branca, que bo-tara tudo a perder. Fora ela que arrastarao rapaz da estrada boa para onde ia, a-zendo papel de demônio, de anjo mau, dedesgraça. Calara-se. Fechara o coração aoso rimento, trancara a boca, entupira osouvidos. Mas não podia agüentar mais.As orações não davam certo. Oração nãotinha mais orça. E vinha alar com ela, vi-nha pedir-lhe que deixasse o menino, quese pegasse com um branco da laia dela. [...].Disse que pensara em procurar o Dr. Silvapara alar daquilo. O doutor estava na obri-gação de acabar com aquele coito do diabo(REGO, 1990: 149-150).

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Cale-se, o quê?! O senhor é outro desgraça-do. Vem para a terra da gente e ainda trazaqui umas pestes. E essa mulher, em vez decuidar do marido, anda es regando o rabopela praia como uma cachorra no cio. [...].Mande a sua laia se calar. Mas que certode que os poderes de Deus vingam a gente.O cancro há de comer a língua dessa dana-da... [...]. Deus do céu vai dar a cada um oseu quinhão de miséria. u, doutor, tu vais

car de pedir esmola, de cuia, tu cas nastiras, nos molambos... (REGO, 1990: 151).

‘Deus do céu te dará o pago. odo o teu

corpo vai virar em pedacinho, todo o teucorpo vai ser varado de bala. A bexiga vaicortar o teu couro’. [...]. Aquilo caiu na casacomo um raio. O pai e a mãe de Nô corre-ram para a velha com cara de pânico. [...].‘É o que estou dizendo. Esse menino veiopara aqui a mandado do cão. Do in ernoele trouxe um mandado contra nós todos.Eu sei das coisas’ (REGO, 1990: 154).

A questão de gênero, especi camente a do adul-

tério, apesar das sanções contundentemente so ridaspor Nô e Edna, resolveu-se emRiacho Doce de or-ma relativamente pací ca, haja vista que não incidiu violência ísica – exceto na intimidade entreEdna eCarlos, e sem graves conseqüências – no processode punição dos transgressores da ordem. E o realcon gurou-se como um campo de possibilidadesnegociáveis dentro de certos limites. Limites que semani estam como bem mais rígidos em outras c-ções ilustrativas da dominação masculina, como odemonstram os romances:Gabriela, Cravo e Canela (1958), de Jorge Amado9 e Memorial de Maria Moura (1992), da cearense Rachel de Queiroz10. Em ambosos romances ilustram-se situações em que o adultérioé punido brutalmente, porém sob uma legitimidade

sociocultural reconhecida pela média das consciên-cias, pois o reparo à honra masculina e amiliar e-rida “explicaria” a ocorrência do ato criminoso, sem

enquadrá-lo no plano da anormalidade.Concluo aqui esta seção compreendendo que em

Riacho Doce José Lins do Rego construiu uma narra-tiva de incontestável beleza e sabedoria, ao descrevere interpretar traços marcantes da cultura brasileiraque, ao longo da história, são apropriados pelas gera-ções que se sucedem no tempo. A dimensão culturaldo poder é um desses traços, tão bem ilustrado noromance em oco através das relações de autoridade,obediência e transgressão que, na trama aqui inter-pretada, con guram a mani estação de uma “políticado cotidiano”, exercida sob a orça e e cácia do podersimbólico, tão cara à ordem de um lugar instituídocomo social.

Considerações nais

Retomando a hipótese anunciada na introdu-ção deste artigo, rea rmo que o enredo deRiacho

Doce ilustra o pensar sobre a tensão dialética que seconstitui como uma característica da cultura; carac-terística que parece ser universal. Embora se trate deuma obra de cção, ao lerRiacho Doce observo que,mesmo numa sociedade de pequena escala, a culturalocal apresenta uma estabilidade relativa. As perso-nagensEster , Edna, avó Elba, Sinhá Aninha, Carlos eNô ilustram essa tensão que “alerta” os mecanismoscoercitivos da cultura. A coerção az-se não somentesobre o “outro”, o “distante”, mas também e, principal-mente, sobre o “próximo”, o “de dentro”; isto signi -ca dizer que os processos de subjetivação de valoresmorais não estão condicionados a uma identi caçãorestrita com o que é “próximo”, com o que está “pro-tegido” por “ ronteiras”. E é por isso que o “distante”,

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em inúmeras situações reais, é tão desejado por uns erepelido por outros.

Em relação ao que aqui denominei “política

do cotidiano”, gostaria de ressaltar que empregueitais termos com o intuito de distinguir um campode exercício do poder que se constitui nas micro--relações sociais (FOUCAUL , 1989), como produtoe reprodução de um campo cultural (BOURDIEU,1989), do tipo de política que se exerce através deestruturas ormais e centralizadas; embora esse tipotambém esteja relacionado a diversas categorias docampo da cultura.

Assim, a leitura deRiacho Doce e a elaboraçãodeste artigo representaram para mim uma oportuni-dade para pensar a relação existente entre as catego-rias cultura e política. No caso do romance em oco,o campo do poder e a “política do cotidiano” que nelese mani estam ilustram também o repensar sobre te-ses racionalistas da ciência política, que centram suasanálises nas estruturas o ciais da política, muitas ve-zes insensíveis à existência de importantes redes derelações de poder e dominação que cam despercebi-

das ou rotuladas sob o signo do irracional.Em outra direção, considero também importan-

te ressaltar que a discussão sobre o conceito de lugarnão se esgota nos autores re erenciados neste traba-lho, apesar da consistência de suas idéias e argumen-tos. Há que se pensar, por exemplo, no enômenoda mundialização e seus rebatimentos sobre noçõese práticas de apropriação do lugar.11 Neste sentido,a leitura deRiacho Doce inspira, por um lado, umadiscussão de notória atualidade para o contexto doestado do Ceará no que concerne, por exemplo, àproblemática socioambiental que se intensi ca desdea década de 1990. Em poucas palavras, sugiro pensarno drama real das diversas amílias de pescadores que

oram arrebatadas de suas pequenas propriedades na

região litorânea onde hoje se encontra o ComplexoIndustrial e Portuário do Pecém, construído comrecursos emprestados, em grande parte, pelo capital

internacional (RIGO O, 2001).12

Sugiro pensar também sobre o denominadoComplexo Castanhão, uma represa cuja construção

ez-se à custa do desterrar de populações situadas emáreas de di erentes municípios do sertão jaguaribano,num processo que incluiu a demolição de uma cida-de inteira, Jaguaribara, e sua “reconstrução” em ou-tro lugar. Com a ação política organizada, os sujeitosatingidos por esse impacto de caráter socioambien-tal lutaram e resistiram, mas não puderam impedirque o projeto osse executado. Imagens que caramregistradas em documentação visual13 revelam que,em muitos momentos, as crenças religiosas – um dos

undamentos da memória do povo do lugar – oramevocadas na tentativa de expurgar os male ícios dosinteresses economicistas, como o ez, em sua espon-taneidade e aspereza, a personagem deSinhá Aninha,emRiacho Doce.

Os casos de impactos que a globalização da eco-

nomia tem produzido sobre comunidades locais sãoincontáveis. É importante notar a onda de investi-mentos que empresários portugueses estão azendona exploração turística do litoral cearense, onde vi- vem diversas comunidades pesqueiras. Vale mencio-nar aqui a experiência vivenciada no município deIcapuí – CE, na localidade de Redonda, nos primei-ros anos da década de 2000, quando os moradoresorganizados impediram a construção de um hotelcujo empreendimento era de proprietários portugue-ses e seria edi cado na região de Ponta Grossa, onderesultaria um pro undo impacto socioambiental.Contudo, o empreendimento oi construído na loca-lidade de remembé, também pertencente a Icapuí(MELO NE O SEGUNDO; PAULINO, 2003).14

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Por outro lado, embora a leitura deRiacho Doce se aplique a uma temporalidade em que os processosde globalização ainda não eram tão intensos e rápi-

dos (contexto do Brasil nas décadas iniciais do séculoXX), o romance compõe imagens de um campo localda cultura em ace da presença de sujeitos oriundosde outros sistemas culturais. No contexto do romanceaqui ocalizado, a tensão da ordem moral imaginadapelo autor não produziu rupturas que apontassem apossibilidade de incidirem-se descontinuidades subs-tanciais no horizonte da cultura local. A punição sim-bólica e material que recaiu sobreNô e Edna tornoutriun ante o poder da tradição, não obstante o abaloso rido na ordem das coisas.

Quanto ao ambiente das coisas reais, hodiernas,concluo agora este artigo en atizando a importânciade pensar sobre as complexas relações que tecem a di-nâmica entre o local e o global no cenário contempo-râneo. E assim, cam aqui duas perguntas para re e-xão: a mundialização representa uma orça capaz denegar ou a rmar as culturas locais? Em que sentidosessas duas situações podem se con gurar?

Notas

1 O conceito de “região” é também importante no contex-to das discussões desenvolvidas neste artigo (BOURDIEU,1989: 107-132).

2 Ver SCHU Z, Al red.Fenomenologia e Relações Sociais. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

3 Entre o Realismo e o que se convencionou chamar de “Pré--Modernismo”, situa-se o Simbolismo como movimentode produções voltadas para um sentimento de totalidade etranscendência, undamentado em valores meta ísicos dein uência européia, tais como o Bem, o Belo, o Verdadeiro,o Sagrado etc. (BOSI, 1998: 261-300).

4 Re erenciar a literatura brasileira como campo de produ-ção de interpretações sobre a realidade sociocultural do Paístorna imprescindível mencionar também a importância dapoesia popular e da literatura de cordel como meios deapreensão estética do real no Brasil.

5 Ver BOAS, Franz. Antropologia Cultural . Organização etradução de Celso Castro. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

6 Sobre a con guração econômica do Brasil à época, verIANNI, Otávio.Estado e Planejamento Econômico no Brasil(1930-1970). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971.

7 recho de estudo crítico datado de 12/11/1939, publicado

no vol. XX das Obras Completas de ANDRADE, Mário de.O Empalhador de passarinho. 2ª ed. São Paulo: Martins,1955, Pp. 137-141.

8 Embora possa parecer, em nenhum momento Lins do Regoinsinua explicitamente a existência de um romance entreEster e Eduarda (Edna). O que ca explícito mesmo, aindaque possa ter havido um desejo inconsciente deEdna porsua mestra, é o apego da jovem senhorita ao a eto e ao mun-do di erente do seu que a pro essora lhe proporcionava. Nãose tratava também de uma relação utilitária e oportunistada parte deEdna, mas de um carinho sincero que ela dava erecebia e que era escasso ou quase inexistente no ambientede sua casa.

9 Ver AMADO, Jorge.Gabriela, Cravo e Canela. Rio de Janei-ro: Record, 1988.

10 Ver QUEIROZ, Rachel de. Memorial de Maria Moura. SãoPaulo: Siciliano, 2000.

11 Ver: 1) CANCLINI, Néstor Garcia.Culturas Híbridas: estra-tégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Edusp,1998. 2) OR IZ, Renato.Um outro território: ensaios sobre amundialização. São Paulo: Olho D’água, 1996. 3) SAN OS,Milton. erritório e Sociedade: entrevista com Milton Santos.1ª ed. São Paulo: Perseu Abramo, 2000.

12 No contexto atual, esta problemática agrava-se ainda mais.Finalizando o último período de convocação extraordiná-

ria, no dia 20/01/2011, a Assembléia Legislativa do Estadodo Ceará aprovou, sem realizar um diálogo aberto com asociedade, o Projeto de Lei 7.230/B-11, do Executivo Esta-dual, que dispõe sobre casos de dispensa de licenciamentoambiental, con gurando um ormato que amplia e concen-tra poderes de decisão nas mãos do Executivo, avorecendocom celeridade a aprovação de mega-projetos desenvolvi-mentistas e impactantes, alguns deles relacionados à área doComplexo Industrial e Portuário do Pecém.

13 Há um amplo material sobre o movimento de luta contra oprojeto Castanhão, documentado pelo Instituto da Memó-ria do Povo Cearense – IMOPEC.

14 Evocando aqui as imagens do ctícioRiacho Doce, lembro

também que em Icapuí os riscos socioambientais decorren-tes da exploração do petróleo azem parte da realidade dolugar, onde a companhia Petróleo Brasileiro S/A (Petrobrás)executa atividades de extração da re erida substância mine-ral.

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(Recebido para publicação em janeiro de 2011. Aceito emabril/11).

LUGAR E PODER SIMBÓLICO EMRIACHO DOCE

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A R T I G O

DEVAGAR E SEMPRE, COM FÉ EM DEUS:EVANGÉLICOS CEARENSES NOS CENSOS

DEMOGRÁFICOS

1. Dez anos depois, en muma análise

Quando da divulga-ção pelo IBGE do CensoDemográ co 2000, sociólogos,antropólogos e teólogos debru-çaram-se sobre seus númerose imediatamente puseram-sea escrever sobre a recomposi-ção global do campo religiosobrasileiro. Uníssonos procla-maram em jornais, revistas e li- vros que a identidade religiosanacional estava em transição eque sua sintomatologia podia

ser veri cada a partir de seistendências apontadas pelos da-dos colhidos nos últimos cen-sos, a saber: a persistente perdade adeptos por parte do catoli-cismo; encolhimento das reli-giões a ro-brasileiras, particu-larmente a umbanda; diminui-ção das igrejas evangélicas demissão, à exceção dos batistas;a crescente pentecostalizaçãodo protestantismo; a diversi -cação religiosa ou de práticase crenças de undo religioso eo expressivo crescimento do

percentual dos “sem religião”.Os sinais dessa recompo-

sição oram enunciados pelaprimeira vez, ainda em 1973,quando Cândido ProcópioCamargo e sua equipe conclu-

íram haver uma tendência ge-ral nos Censos de 1940 a 1960de “declínio moderado, masconstante, de adeptos da IgrejaCatólica” e de perda de éis,desde os anos 1930, no interiordo protestantismo histórico em“bene ício dos pentecostais”(CAMARGO, 1973: 24). rintaanos depois, no artigo “Bye bye,

Brasil - o declínio das religiõestradicionais no Censo 2000”,Flávio Pierucci (2004b) deu‘adeus’ a qualquer es orço inter-pretativo que não tivesse comohorizonte teórico a pós-tradi-cionalização do campo religio-so, ou seja, que não ponderassesobre o hiperdimensionamentoda o erta e da autonomia de es-colha religiosa e a consequenteperda por parte das religiõestradicionais do monopólio naprodução, distribuição e con-sumo dos bens de salvação1 .

MAURÍCIO RUSSO*

GLEDSON RIBEIRO DE OLIVEIRA**

RESUMONeste artigo aferimos e analisamos algumastendências implícitas nos dados dos Censos de1872 a 2000, relativos às religiões evangélicae católica no estado do Ceará, comparandosempre que possível com dados nacionais eregionais. Trabalhamos com informações quepermitem quantificar o crescimento evangélicono estado, o período de maior e menor expansão,confrontando os resultados com os números docatolicismo. Além disso, observamos as cidadese microrregiões com maior e menor presença deevangélicos, considerando sexo e idade, bemcomo as denominações que mais arrebanhamfiéis.Palavras chavePalavras-chave: censos demográficos,evangélicos de missão, evangélicos pentecostais,católicos.

ABSTRACTIn this article we intend to appraise and toanalyze some implicit trends in the data of thecensuses from 1872 to 2000 that concern to the

evangelical and catholic religion in the state ofCeará (Northeast of Brazil), comparing wheneverpossible with national and regional data. Wework with informations that allow quantifyingthe evangelical growth in the state, the periodof greater and smaller expansion, confrontingthe results in dialogue with the numbers of theCatholicism. Moreover, we observe the cities andmicro-regions of greater and smaller evangelicalpresence, the gender and age, as well as thedenominations that more gather up believers.KeywordsKeywords: demographics censuses, evangelical’smission, Charismatic/Pentecostal Christians,Catholics.

* Mestre em Sociologia (UFRGS). Doutorandoem Sociologia (UFC), pesquisador do grupode pesquisa Violência e Cidadania da UFRGS/

IFHC e pesquisador convidado do Laboratóriode Estudos da Violência (UFC).

** Mestre em História (UFPE). Doutorando emSociologia (UFC), pesquisador do Núcleo deEstudos de Religião, Cultura e Política (NERPO).Membro do Instituto Praeservare – preservaçãodo patrimônio cultural.

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DEVAGAR E SEMPRE, COM FÉ EM DEUS: EVANGÉLICOS CEARENSES NOS CENSOS DEMOGRÁFIC

Ante essa crise de transmissão das religiosida-des tradicionais, um “vazio simbólico” se ez grandeo bastante para ser preenchido por novas religiões e

crenças, seja no interior de antigas tradições comoa católica (Renovação Carismática) e a protestan-te (Neopentecostais) ou com os chamados ‘NovosMovimentos Religiosos’2 . Vazio simbólico que é pro-duto da mesma modernidade que solapara as bases dosistema religioso tradicional (HERVIEU-LÉRGER,2005)3 e que hoje avorece o que podemos chamar deespetáculo das religiões e crenças no tempo presente.

Destarte, nove anos depois, o que podemos apre-ender sobre o mosaico religioso cearense, em parti-cular sobre a dinâmica de evangélicos e católicos noscensos? De intensidades e qualidades di erentes, orearranjo global do religioso se dá sempre em chãosócio-histórico diverso, sendo importante que asconclusões sobre as tendências nacionais ou regionaisno interior do campo religioso sejam colocadas à pro- va pela análise dos processos reais locais4 . É claro quepara esse intento há de se levar em conta que a lon-gevidade ea con abilidade dos censos do IBGE têm

seus limites. Ao longo dos 128 anos de recenseamen-to, a variedade de ormas para a erir a ‘opção religiosa’torna impossível, por exemplo, determinar com pre-cisão a série histórica do crescimento ou decréscimode alguma outra religião que não a católica romana5 .Só à medida que a qualidade dos dados nos permitiué que oi possível azer a ‘abertura’ dos itens6 .

Interessa-nos, para ns deste artigo, estabelecercomparações entre evangélicos e católicos, em âmbitosnacional, regional e estadual, a erindo e analisando o

crescimento das igrejas evangélicas, sua distribuiçãoespacial pelo estado, e os indicadores sociais de seusadeptos (gênero, escolaridade, remuneração e cor).En m, chegou o tempo - tardio é verdade - de uma in-

exão sobre os números do campo religioso cearense.

2. Evangélicos cearenses: o local em contextonacional

No século passado, muito se ez para tornar re-alidade o desejo das igrejas evangélicas de convertero ‘Brasil para Cristo’. Uma rápida olhada nas pesqui-sas sobre os censos das últimas décadas é su cien-te para perceber que isto não se con rmou e nemse con rmará em médio prazo. odavia, a concor-rência entre os agentes católicos e evangélicos pelomonopólio do mercado religioso no último séculocontribuiu para alterar demogra camente a distri-buição religiosa da população. Quando surgiu pela

primeira vez o item ‘protestantes’ no Censo de 1890,estes contabilizavam 143.743 éis em todo o Brasil,distribuídos entre anglicanos, luteranos, metodistas,congregacionais, episcopais, presbiterianos e batis-tas7 . Um salto de ‘zero’, em 1872, para 1% da popula-ção nacional ( abela 1).

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Observando as porcentagens nacionais (ta-bela 1), vê-se que, em 1940, os católicos somavam95.01% da população, caindo trinta anos depois para

o patamar de 91.77%, intensi cando a tendência dequeda no Censo de 1991, ao chegar aos 82.96%. Emtrajetória inversa à do catolicismo, os evangélicos noBrasil passaram de 2.61% em 1940 para 5.17% em1970, aumentando a porcentagem de adeptos para8.98% da população no Censo de 1991. No Ceará, em1940, eles eram 0.32% da população (6.794), evoluin-do para 1.58% no Censo de 1970 (69.083) e alcançan-do 3.96% em 1991 (252.133). No limiar do ano 2000,

o censo de evangélicos no Brasil indicava que esteshaviam alcançado os surpreendentes 15.41% da po-pulação do país (26.184.941 éis), sendo deste total612.847 de evangélicos cearenses (8.25%).

Examinando mais de perto a série católica( abela 1), na passagem de um declínio lento noscensos de 1890 a 1940 para um declínio médio econstante nos censos de 1940 a 2000, a perda de 21.44

pontos percentuais nos últimos sessenta anos con r-mou a tendência das religiões demogra camente ma- joritárias e culturalmente hegemônicas em perderemadeptos12 . A perda de éis católicos não implica quehá uma mudança religiosa no Brasil e muito menosque esta seja igual de região para região e de estadopara estado. As di erenças regionais e estaduais per-manecem, neste caso, de nidoras da velocidade dedeclínio do catolicismo. Por exemplo, argumenta-seem verso e prosa – e com razão – que a contribui-ção cearense à tendência de declínio ainda é tímida, já que o estado é o 2º com maior número de católicosdo país, atrás apenas do Piauí (89.83%), e, historica-mente, az parte de uma região de di ícil penetraçãode outras religiões e crenças que não a majoritária.Porém, a taxa média geométrica decenal que apontao aumento ou diminuição no ritmo de crescimentocatólico desde 1940 ( abela 3) segue declinando, aexemplo da taxa nacional ( abela 4).

Tabela 3 - Taxa média geométrica decenal (%) da população residente (Brasil 1940-2000)*

Ano Católicos Evangélicos Outras Religiões Sem Religião Outras Declarações1940-1950 23.94 63.88 55.01 214.02 35.141950-1960 34.54 60.37 33.85 28.94 -74.951960-1970 30.83 70.45 29.44 98.44 -61.311970-1980 23.85 63.79 41.17 178.34 -1980-1991 15.07 67.25 41.85 255.65 98.881991-2000 2.60 98.53 28.20 79.84 24.43

Fonte:Censos IBGE. (1) “Outras Declarações” incluem: “De religião não declarada” (1940), “Sem declaração de religião” (1950), “Sem declaração”(1960, 1970 e 1980), “Não determinada, mal de nida ou sem declaração” (1991) e “Não determinadas e Sem declaração” (2000). Obs. Devidoao atraso no Censo de 1991, o período entre 1980 e 1991 é de onze anos e o período entre 1991 e 2000 é de nove anos. Elaboração dos autores.

Se comparada à de outros estados da Federação,nos últimos dois decênios, observa-se uma desacele-ração mais lenta do crescimento: de 15.59% (1980-1991) para 8.86% (1991-2000); sendo, porém, ain-da acima da taxa média nacional que, no mesmo

período, chegou ao patamar dos 15.07% ‘despencan-do’ para 2.60%, a pior média católica de crescimentodo século. Nacionalmente, os católicos chegaram aopatamar dos 80% da população ainda no Censo de1980, enquanto o estado cearense só alcançou essa

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porcentagem no Censo de 2000. Foi necessário espe-rar vinte anos para se azer sentir os e eitos nacionaisde declínio no campo cearense13 . Na região Nordeste

( abela 5), só a Bahia aproximou-se da média nacio-nal com 74% de católicos.

Tabela 4 - Taxa média geométrica decenal (%) da população residente (Ceará 1940-2000)*Ano Católicos Evangélicos Outras Religiões Sem Religião Outras Declarações(1)

1940-1950 27.96 182.01 79.61 439.66 270.781950-1960 22.02 55.25 24.48 15.33 -90.951960-1970 31.46 132.25 40.61 141.49 -65.521970-1980 19.83 144.73 120.24 89.83 -1980-1991 15.59 49.13 135.99 367.67 -14.891991-2000 8.86 143.06 29.15 109.84 71.11

Fonte:Censos IBGE. (1) “Outras Declarações” incluem: “De religião não declarada” (1940), “Sem declaração de religião” (1950), “Sem declaração”(1960, 1970 e 1980), “Não determinada, mal de nida ou sem declaração” (1991) e “Não determinadas e Sem declaração” (2000). Obs. Devidoao atraso no Censo de 1991, o período entre 1980 e 1991 é de onze anos e o período entre 1991 e 2000 é de nove anos. Elaboração dos autores.

Tabela 5 - Porcentagem da população, segundo a religião, por Estados do Nordeste (2000)

Religião PI CE PB RN SE MA AL PE BA

Católica 89.83 86.55 84.89 83.58 82.33 82.16 79.70 74.52 74.00Evang. Missão 1.29 1.41 2.65 1.73 2.59 2.82 1.54 3.86 4.10

Evang. Pentecostais 4.45 6.24 5.44 6.72 4.31 8.23 7.10 9.08 6.59Outras Evangélicas 0.49 0.97 0.98 0.85 0.63 0.83 0.69 1.00 0.83

Outras Religiões 0.98 1.21 0.95 1.31 1.95 1.19 1.06 2.15 3.34Sem religião 3.05 3.77 5.15 5.99 8.18 5.00 9.80 9.46 11.39

Outras Declarações(1) 0.20 0.24 0.23 0.29 0.36 0.27 0.46 0.39 0.35Fonte: Censos IBGE. (1) “Outras Declarações” incluem: “Não determinadas e Sem declaração” (2000). Elaboração dos autores.

A di culdade dos evangélicos em ampliar seusadeptos em estados como o Ceará já oi explicadapela bricolagem entre cultura popular e catolicismo,pelo catolicismo ser uma tradição religiosa e não umaescolha ou ato de conversão, pelo consenso em tor-no de seus símbolos, pela estrutura mais organizadae e ciente em reproduzir seu imaginário e em con-ter os avanços de outras religiões, por sua ‘natureza’penitencial – no interior – ter enraizado ortes sen-timentos de pertença e identidade na população, oumesmo pelo ato de as curas e os exorcismos seremo erecidos há séculos, antes dos evangélicos pente-costais (CAMURÇA, 2000; LOPES, 1999). Hipóteses

e teses à parte, o debate permanece em aberto, e comoassevera Regina Novaes, com uma única ‘certeza’: in-dependentes da região ou estado em questão são os“católicos não-praticantes” que estão se des liando14 .

Até que se demonstre o contrário, a desacelera-ção na taxa média católica ez do item ‘sem religião’o destino privilegiado dos que entram em trânsitoreligioso15 . Em terras alencarinas, ele aparece como aterceira opção mais reqüente entre as respostas, des-de o Censo de 1970 – 3.77% da população (280.280pessoas). Ou seja, duas vezes maior que a soma dospercentuais alusivos a outras religiões; embora, aindabem abaixo do percentual correspondente ao mesmo

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DEVAGAR E SEMPRE, COM FÉ EM DEUS: EVANGÉLICOS CEARENSES NOS CENSOS DEMOGRÁFIC

item, na Bahia (11.39%) e nos dois estados do Brasilem que oi a segunda opção mais declarada no Censode 2000, à rente dos evangélicos: Sergipe (8.18%) e

Alagoas (9.80%)16 .Nacionalmente, os sem religião, no Censo de

1991, ultrapassaram as porcentagens do item ‘outrasreligiões’, con gurando-se, aí, aquilo que TomasLuckmann (apud CAMURÇA, 2006) de nira comoa “religião invisível”, crescendo em 2000 para 7.35%da população. Já as porcentagens evangélicas, objetoque nos interessa, parecem con rmar que as estra-tégias que visam conservar e aumentar o reconhe-cimento social das igrejas evangélicas de missão17 , edas igrejas do pentecostalismo clássico, neoclássicoe neopentecostal18 oram mais bem que malsucedi-das, possibilitando agregarem, por década de Censo,um ponto percentual da população brasileira ao item‘evangélicos’.

As taxas médias nacionais das igrejas evangéli-cas ( abela 3) se mantiveram constantes nos decêniosde 1940-1950 (63.88%) e 1950-1960 (60.37%), cres-cendo para 70.45% em 1960-1970. Já no decênio de

1970-1980, oscilaram para baixo (63.79%), recupe-rando-se em 1980-1991 (67.25%), sendo o períodode 1991-2000 aquele de maior crescimento, atingindoos 98.53%. Foram iguais ou maiores que o dobro damédia católica, sendo 1960-1970 e 1991-2000, mar-cadamente, os decênios do primeiro e segundo boomevangélico19 . Mesmo no Ceará ( abela 3), a despei-to da hegemonia católica e à exceção dos decêniosde 1950-1960 (55.25%) e de 1980-1991 (49.13%), ataxa média evangélica oi sempre superior, alcançan-

do três picos de crescimento bem de nidos: um noperíodo 1940-1950 (182.01%), outro em 1970-1980(144.73%), e um último em 1991-2000 (143,06%), oque ez o estado deixar o primeiro lugar noranking católico20 .

No último decênio, os evangélicos crescerammais de 134 pontos percentuais acima da taxa médiacatólica, o que sugere, uma vez mais, e para lembrar

Bourdieu, que sua mensagem não só oi bem recebidacomo conseguiu satis azer as necessidades religiosasde seus adeptos.

3. Crescendo pelamão invisívelde Deus21

Mas, qual é a tipologia das igrejas que impulsio-nam essas taxas? ‘Abrindo’ o item ‘evangélicos’, e la-mentando que somente a partir do Censo de 1980 oIBGE aça a subdivisão em evangélicos de missão22 ,

pentecostais e outras religiões evangélicas, é com oCenso de 1991 que de nitivamente ocorre a revira- volta pentecostal no campo religioso nacional ( abela6).

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Tabela 6 – Porcentagem da população segundo a religião (Brasil 1980 - 2000)Religião (BR) 1980 1991 2000

Católicos Romanos 88.96 82.96 73.57Evangélico de Missão 3.38 2.99 4.09

Evangélico Pentecostal 3.25 5.57 10.37Outras Evangélicas 0.00 0.42 0.95

Outras Religiões 2.53 2.91 3.22Sem religião 1.64 4.73 7.35

Outras Declarações(1) 0.24 0.41 0.44Fonte: Censos IBGE. 1) “Outras Declarações” incluem: “Sem declaração” (1980), “Não determinada,

mal de nida ou sem declaração” (1991) e “Não determinadas e Sem declaração” (2000). Elaboração dosautores.

Um crescimento ininterrupto nos Censos de 1980(3.25%), 1991 (5.57%) e em 2000 (10.37%) caracterizaos evangélicos pentecostais, enquanto as igrejas dotipo missão ‘parecem’ ter declinado 0.39 pontospercentuais em 1991 (2.99%), recuperando-se para4.09% no último Censo23 . Na es era regional ( abela5), as igrejas pentecostais são a maioria em todos osestados do Nordeste, estando em maior número emPernambuco (9.08%) e no Maranhão (8.23%), sendoque Sergipe possui a menor porcentagem (4.31%). O

ato de Bahia (4.10%) e Pernambuco (3.86%) teremsido os centros irradiadores do protestantismo noNordeste durante o oitocentos avoreceu para que osevangélicos de missão ossem mais ortes lá que nos

demais estados, mas não chegando a ultrapassar ospentecostais. ambém no Ceará os pentecostais são amaioria dos evangélicos, com a quarta porcentagemmais alta do Nordeste (6.24%) e a penúltima posiçãodentre os evangélicos de ‘missão’ (1.41%). Além dapequena porcentagem de evangélicos de missão,chama atenção o ato de os pentecostais, já noCenso de 1980 – relativo à década de 1970 –, seremmais numerosos que as igrejas de missão. E mais,

mesmo que os censos anteriores a 1980 não tragama subdivisão entre as igrejas, é possível intuir que,pelo menos desde a década de 1960, a maioria dosevangélicos do estado já era ormada por pentecostais.

Tabela 7 – Porcentagem da população segundo a religião (Ceará 1980 - 2000)Religião 1980 1991 2000

Católicos Romanos 96.66 92.80 86.55Evangélico de Missão 0.68 0.84 1.41

Evangélico Pentecostal 1.39 2.99 6.24Outras Evangélicas 0.00 0.12 0.60

Outras Religiões 0.49 0.97 1.19Sem religião 0.54 2.10 3.77

Outras Declarações(1) 0.24 0.17 0.24Fonte: Censos IBGE. (1) “Outras Declarações” incluem: “Sem declaração de religião” (1950),“Sem declaração” (1980), “Não determinada, mal de nida ou sem declaração” (1991) e “Não

determinadas e Sem declaração” (2000). Elaboração dos autores.

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DEVAGAR E SEMPRE, COM FÉ EM DEUS: EVANGÉLICOS CEARENSES NOS CENSOS DEMOGRÁFIC

Nos dados Igreja a Igreja, temos uma impor-tante mudança de 1991 para 2000. A Assembléia de

Deus teve em números absolutos um acréscimo de5.978.377 novos éis, mais que os 3.167.371 de ‘no-

vos católicos’, tornando-se a maior igreja evangélica

do Brasil. Os batistas mantiveram-se nos dois últimoscensos na segunda colocação, com 3.162.694 liados,

seguidos pela Congregação Cristã no Brasil, segundamaior entre as pentecostais e terceira maior dentre as

igrejas evangélicas, com 2.489.114.

Tabela 8 - População residente segundo a religião no Brasil em 1991 e 2000

Religião 1991 2000 Taxa de IncrementoCatólica Romana 121.812.761 124.980.132 2.53

Assembléia de Deus 2.439.763 8.418.140 71.02Batista 1.532.676 3.162.694 51.54

Congregação Cristã 1.635.977 2.489.114 34.27IURD 268.954 2.101.887 87.20

Evang. Quadrangular 303.268 1.318.805 77.00Adventista 706.409 1.209.841 41.61Luterana 1.029.691 1.062.146 3.06

Presbiteriana 498.204 981.064 49.22Deus é Amor 169.340 774.830 78.14

Metodista 138.888 340.963 59.27Outras Evangélicas 3.844.822 4.325.462 11.11

Outras Religiões 4.892.798 5.476.080 10.65Sem religião 6.946.236 12.492.403 44.40

Outras Declarações(1) 596.006 741 602 19.63Total 146.815.793 169.875.163 -

Fonte: Censos IBGE. (1) “Outras Declarações” incluem: “Não determinada, mal de nida ou sem

declaração” (1991) e “Não determinadas e Sem declaração” (2000). Elaboração dos autores.

Ainda no ranking geral nacional, a Igreja

Universal do Reino de Deus (IURD) é a terceiramaior igreja pentecostal e a quarta igreja evangélica

do Brasil em número de adeptos, possuindo a maior

taxa de incremento em nove anos, 87.20%. Os lute-ranos deixaram a quarta posição, caindo para a séti-ma, com uma baixa taxa de incremento (3.06%), só

menor que a católica. Mesmo com 49.22% de taxa de

incremento, os presbiterianos caíram da sexta posi-

ção, em 1991 (498.204), para a oitava, em 2000, pos-suindo 981.064 liados. Proporcionalmente, de 1991

a 2000, as igrejas metodistas oram as que apresenta-

ram a maior taxa de incremento dentre as igrejas demissão (59.27%), o que não impediu que permane-cessem na décima posição entre as igrejas evangélicas

do Brasil, com apenas 340.963 liados.

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DEVAGAR E SEMPRE, COM FÉ EM DEUS: EVANGÉLICOS CEARENSES NOS CENSOS DEMOGRÁFIC

Horizonte (13.49%), Paraipaba (12.81%), Fortaleza(12.58%), Parambu (12.45%) e auá (11.57%). Já oelenco com maior quantidade de católicos é ormado

pelos municípios de Alcântaras (98.47%), Caririaçu(98.32%), Apuiarés (98.13%), Granjeiro (98.09%),Aurora (97.73%), Arneiroz (97.70%), Bela Cruz(97.48)%, Araripe (97.28%), Marco (96.97%) e Barro(96.91%). Mesmo por contraste, é possível visualizara apropriação geogra camente desigual nos mapas 1e 2 (ao nal deste artigo).

As porcentagens de evangélicos são maiores naRegião Metropolitana de Fortaleza, em alguns muni-cípios do litoral e nos municípios de auá e Parambu(sertão dos Inhamuns) e Pena orte, no extremo suldo Cariri. Em um universo de 184 municípios vin-te e seis têm de 9% a 15.46% evangélicos, acima damédia estadual (8.25%). Desses, mais de vinte estãona Região Metropolitana e no Litoral Norte, o queparece con rmar a tendência nacional desses espaçosserem locais privilegiados da ação das igrejas evan-gélicas. Já o Cariri e o Centro-sul são as regiões commaiores porcentagens de católicos e presença evan-

gélica apenas simbólica. Por exemplo, 93.80% da po-pulação de Juazeiro do Norte é de católicos e apenas4.48% de evangélicos. No Crato, são 3.15% de evan-gélicos e 91.70% de católicos. Já em Sobral, a relação éentre 4.75% de evangélicos e 91.26% de católicos. Nomunicípio de culto a São Francisco de Assis, Canindé,há 94.17% de católicos e 4.44% de evangélicos. Osgrandes centros de peregrinação e estas religiosaspermanecem quase herméticos à presença evangélicasugerindo, a e cácia da organização e do imaginário

católico local.Há alguma relação entre urbanização e cresci-

mento evangélico? A erindo uma amostragem dos vinte municípios mais urbanizados ( abela 10) –respeitando os limites deste estudo –, parece haver

correlação entre os binômios urbanização / evangéli-cos e catolicismo/interiorização. Onze, dos vinte pri-meiros municípios da lista, apresentaram porcenta-

gens de evangélicos próximas ou maiores que a médiaestadual (entre 8% e 15.46%). Assim sendo, à medidaque diminui a urbanização dos municípios, diminui aporcentagem de evangélicos. É claro que essa hipóte-se possui suas exceções. Juazeiro do Norte (4º), Sobral(9º), Crato (13º), Camocim (18º) e Martinópole (16º)são considerados bem urbanizados e têm baixa pre-sença evangélica.

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Tabela 10 - População residente segundo a Urbanização (Ceará - 2000) Ranking

Urbanização

Ranking Evangélico

Ranking

Católicos Município Evangélicos (%) Católicos (%)Urbanização

(%)1º 5º 179º Eusébio 13.66 79.48 100.002º 8º 181º Fortaleza 12.58 78.56 100.003º 1º 184º Maracanaú 15.46 75.29 99.694º 90º 64º Juazeiro Norte 4.48 93.80 95.335º 2º 183º Pacatuba 14.67 76.11 90.976º 20º 173º Itaitinga 9.83 84.36 90.867º 17º 176º Aquiraz 10.30 83.04 90.438º 4º 180º Caucaia 13.70 78.93 90.269º 86º 118º Sobral 4.75 91.26 86.6310º 6º 182º Horizonte 13.49 77.29 83.2311º 34º 143º Cascavel 8.17 88.60 83.0612º 49º 135º Varjota 7.12 89.16 81.23

13º 139º 110º Crato 3.15 91.70 80.1914º 32º 171º Guaiúba 8.19 84.65 78.5115º 11º 178º Pacajus 11.48 80.82 77.8316º 166º 16º Martinópole 2.03 96.48 75.4117º 13º 174º Maranguape 11.03 84.06 74.0518º 84º 159º Camocim 4.83 86.40 73.3719º 38º 134º Iguatú 7.84 89.20 72.8420º 57º 121º Orós 6.53 90.91 71.74

Fonte: Censos IBGE. Elaboração dos autores.

A Região Metropolitana de Fortaleza pareceugir à regra, apresentando “uma estrutura interme-

diária e caracterizada pela signi cativa presença decatólicos também no centro da RM”25 . Encontramosexceções, ainda, na relação entre menor urbanizaçãoe menor presença evangélica. Se considerarmos a ai-xa in erior a 50% de urbanização como baixa, tere-mos um universo de 98 em 184 municípios sendo quenove terão entre 9.52% e 14.01% de evangélicos, o queé acima da média estadual: Paraipaba (87º), Itapiúna(98º), Beberibe (102º), ururu (105º), Parambu (144º)Barreira (150º), Amontada (153º), Icapuí (170º) eQuiterianópolis (177º).

Deste modo, a que conclusão provisória poderí-amos chegar? Que a urbanização explica apenas emparte a maior ou menor presença evangélica. Diante

da imprecisão sobre o que o IBGE considera como‘urbano’ e ‘rural’26 , lembramos que são as cidadescom melhores acessos viários, os alvos prioritários daempresa missionária evangélica27 . Nelas se concen-tram os vazios simbólicos, os ‘ouvintes’ suscetíveis àmensagem religiosa e, principalmente, o controle daprodução e reprodução do imaginário religioso. É ne-cessário agregar, sempre, o ingrediente sócio-históri-co à análise de variantes quantitativas 28 .

5. Religiões, gênero, cor e rendimentos

A abela 11 mostra que a porcentagem de mu-lheres católicas (73.12%) é sutilmente menor quea de homens católicos (74.04%). A porcentagem demulheres evangélicas (17.09%) é 3.40% maior que

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a de homens (13.69%). De 1940 a 2000, a categoria

‘mulheres católicas’ perdeu 22.05 pontos percentuais

e a de ‘homens católicos’, 20.81 pontos. É perceptível

que o destino dessas porcentagens oi principalmente

o item ‘evangélicos’; porém, entre os homens a indi-

cação do item ‘sem religião’ cresceu mais que entre as

mulheres.

Comparando-se as in ormações das tabelas

11 e 12, observa-se que não há grandes distinções.

No Ceará, as católicas mantiveram a vantagem até

o Censo de 2000, sendo que o trânsito para outras

opções segue o mesmo padrão de deslocamento

nacional: as mulheres predominantemente para as

religiões evangélicas e os homens para o item ‘semreligião’. Há uma di erença sutil (2.04%) entre os ho-

mens evangélicos (7.20%) e as mulheres evangélicas

(9.24%). A mensagem religiosa parece ser sedutora

a ambos os gêneros. Neste caso, a exigência da mu-

dança nos padrões culturais de comportamentodo e

entre os dois sexos – contenção da sensualidade, si-

metria de compromissos etc. – parece ser bem assi-

milada entre homens e mulheres29 .

Tabela 11 – Porcentagem da população segundo a religião e gênero (Brasil 1940 – 2000)

Religião e SexoAno

1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000Homens

Católicos 94.85 93.30 92.95 91.77 89.19 83.29 74.04

Evangélicos 2.62 3.42 3.97 5.00 6.19 8.08 13.69Outras Religiões 2.00 2.42 2.38 2.25 2.36 2.58 2.81

Sem religião 0.25 0.66 0.65 0.95 2.04 5.63 9.02Outras (1) Declarações 0.28 0.21 0.05 0.02 0.23 0.41 0.44

MulheresCatólicas 95.17 93.67 93.19 91.76 88.73 82.64 73.12

Evangélicas 2.60 3.36 4.08 5.33 7.06 9.86 17.09Outras Religiões 1.85 2.32 2.32 2.33 2.69 3.23 3.62

Sem religião 0.17 0.40 0.36 0.56 1.25 3.85 5.74Outras (1) Declarações 0.21 0.25 0.04 0.01 0.26 0.41 0.44

Fonte: Censos IBGE. (1) “Outras Declarações” incluem: “De religião não declarada” (1940), “Sem declaração de religião”

(1950), “Sem declaração” (1960, 1970 e 1980), “Não determinada, mal de nida ou sem declaração” (1991) e “Não

determinadas e Sem declaração” (2000). Elaboração dos autores.

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Tabela 12 – Porcentagem da população segundo a religião e gênero (Ceará 1940 – 2000)

Religião e Sexo Ano1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000

HomensCatólicos 99.35 98.60 98.60 97.74 96.67 92.80 86.66

Evangélicos 0.33 0.71 0.89 1.55 1.97 3.55 7.20Outras Religiões 0.20 0.26 0.27 0.28 0.46 0.88 1.11

Sem religião 0.06 0.26 0.23 0.44 0.69 2.60 4.82Outras (1) declarações 0.07 0.18 0.01 0.00 0.21 0.16 0.21

MulheresCatólicos 99.42 98.72 98.69 97.85 96.65 92.80 86.45

Evangélicos 0.32 0.71 0.91 1.62 2.18 4.34 9.24Outras Religiões 0.16 0.25 0.25 0.27 0.52 1.05 1.35

Sem religião 0.04 0.14 0.14 0.25 0.40 1.63 2.76Outras (1) declarações 0.06 0.18 0.01 0.00 0.25 0.18 0.20

Fonte: Censos IBGE. (1) “Outras Declarações” incluem: “De religião não declarada” (1940), “Sem declaração de religião”(1950), “Sem declaração” (1960, 1970 e 1980), “Não determinada, mal de nida ou sem declaração” (1991) e “Não

determinadas e Sem declaração” (2000). Elaboração dos autores.

Certamente a conclusão de Weber de que asmulheres são especialmente receptivas a movimen-tos religiosos que contenham aspectos orgiásticos,emocionais ou histéricos explica pouco. É bastanteconhecida na história a idéia segundo a qual a atra-ção das mulheres pelo protestantismo, na época daRe orma, associava-se a uma suposta concepção,protestante, de igualdade espiritual entre os sexos etambém ao ato de as mulheres encontrarem, ali, umaespécie de convite à atividade intelectual. Avançandosobre a “reserva masculina da teologia”, não é à toaque nas maiores igrejas evangélicas pentecostais al-gumas das principais atividades são desempenhadaspor mulheres30 .

Não há qualquer novidade quanto aos indica-dores sociais de escolaridade e rendimentos na com-paração entre os níveis estadual e nacional. Entre osevangélicos, os de missão possuem as mais altas taxasde estudo (11 a 14 anos) – segundo grau completo e/ou estão nos primeiros anos do ensino de 3º grau; as

menores taxas estão com os pentecostais, (entre 4 e 7anos), primeiro grau completo.

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compreensão do espaço social, turvam a leitura da re-alidade, uma vez que a cor ‘parda’ aparece como a da

maioria da população católica e evangélica.

Tabela 15 - População segundo a religião, cor ou raça no Ceará em 2000

Religião Branca Preta Amarela Parda IndígenaTotal % Total % Total % Total % Total %

Católica Romana 2.391735 37.48 267.136 4.19 8.300 0.13 3.704.980 58.05 9864 0.15Assembléia de Deus 118.083 38.33 10.800 3.51 406 0.13 178.172 57.83 620 0.20

IURD 23.897 36.73 1.573 2.42 60 0.09 39.422 60.58 117 0.18Batista 28.119 47.16 1.206 2.02 98 0.16 30.062 50.42 136 0.23

Adventista 9.058 39.88 771 3.39 39 0.17 12.822 56.45 23 0.10Congregação Cristã 8.303 39.07 531 2.50 16 0.08 12.385 58.28 16 0.08

Deus é Amor 5.810 32.51 588 3.29 12 0.07 11.393 63.74 71 0.40Presbiteriana 8.232 46.98 380 2.17 95 0.54 8.748 49.93 67 0.38E. Quadrangular 4.976 37.97 365 2.79 09 0.07 7.749 59.13 05 0.04

Metodista 440 28.26 08 0.51 - 0.00 1.109 71.23 - 0.00Luterana 387 73.30 05 0.95 - 0.00 136 25.76 - 0.00

Outras Evangélicas 47.038 42.06 3.669 3.28 284 0.25 60.470 54.08 365 0.33Outras religiões 35.212 42.18 2.336 2.80 42 0.05 45.642 54.67 255 0.31

Sem religião 94.164 33.82 15.946 5.73 717 0.26 166.921 59.95 689 0.25Outras Declarações¹ 5.471 25.53 466 2.17 53 0.25 15.391 71.81 51 0.24Total Geral 2.770.560 37.58 305279 4.14 10373 0.14 4274359 57.97 12198 0.17

Total Evangélicos 246.040 3.34 19.896 0.27 1.019 0.01 362.468 4.92 1.420 0.02Fonte: Censos IBGE. (1) “Outras Declarações” incluem: “Não determinadas e Sem declaração” (2000). Elaboração dos autores.

O que as 4.274.359 pessoas quiseram dizer comisso nos remete à bem conhecida querela sobre onegro e a negritude cearense, esta “escondida sob amorenice, a brejerice, a sensualidade da cor”, onde oque se contrapõe ao “galego” é o “moreno” (FUNES,2004: 132). Diante da ‘suspeita’ – que não é só nossa–, deve-se trabalhar os dados de religião e cor, tantoseparadamente como reunindo em ‘pessoas brancas’e ‘não-brancas’31 . No segundo caso, a maior igrejaevangélica do Ceará, Assembléia de Deus, possui38.33% de pessoas brancas(118.083) e 61,67% denão-brancas (189.998), seguida pela IURD com36.73% de pessoas brancas (23.897) e 63.27% de nãobrancas (41.172). Os números mais equilibrados estãodentre os batistas, com 47.16% de brancos (28.119) e

52.83% de não-brancos (31.502). Já no primeiro caso,entre os católicos, os pardos são 58.05% (3.704.980) eentre os evangélicos, 4.92% (362.468). A cor branca

oi a segunda opção mais declarada entre as igrejasevangélicas com 3,34% (246.040), e a amarela amenos declarada com 0.01% (1.019 pessoas). Apenas0.27% dos evangélicos (19.896) declararam-senegros. omada individualmente, a igreja evangélicametodista tem a menor presença de adeptos de corpreta (0.51%), seguida pelos luteranos (0.95%). Já aAssembleia de Deus, depois do catolicismo, é a igrejaevangélica cearense que melhor ‘atravessa todasas cores da sociedade’. Em números absolutos, aAssembléia de Deus possui mais adeptos de cor preta(10.800) que o conjunto das demais igrejas evangélicas,

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sendo um pouco menor que os sem religião (15.946).A IURD é a segunda maior evangélica em adeptos decor negra, com 2.42% (1.573), seguida pelos batistas.

6. À guisa de conclusão, aguardando os resultadosdo Censo de 2010

Se traçarmos um pequeno sumário dos achadosdeste estudo sobre os evangélicos cearenses nos cen-sos demográ cos, as assertivas serão: que a RegiãoMetropolitana de Fortaleza e o Litoral Norte concen-tram boa parte dos evangélicos; que a maioria dosevangélicos pertence a igrejas pentecostais; que são,sutilmente, ormados mais por mulheres que por ho-mens; que são de maioria parda ou de ‘não-brancos’;e que quase a metade não possui rendimentos nomi-nais e o restante ganha entre >1 e 5 salários mínimos.Cruzando os dados de cor, raça e rendimentos, en-contramos o trinômio ‘não-brancos’, um salário míni-mo e igrejas pentecostais. Além disso, a Assembleia deDeus é a maior igreja evangélica cearense e os batistasconstituem a igreja de missão que conseguiu manter

taxa média de incremento só abaixo dos pentecostais.No outro extremo, os luteranos parecem dar sinaisde esgotamento com uma taxa negativa, no Censo de2000.

Em médio prazo, o catolicismo cearense per-manecerá demogra camente majoritário e cultural-mente hegemônico, mesmo que nos próximos censoscresça a taxas de apenas 2% ou 3%. A alta porcenta-gem demográ ca de católicos, a organização e caz ea hegemonia cultural têm permitido que a Igreja ca-tólica não percamais adeptos, mas não impedirá queela continue perdendo adeptos para as igrejas evan-gélicas – principalmente pentecostais – e para o item‘sem religião’. A questão é saber qual a velocidade e sea Renovação Carismática católica no Ceará conterá o

declínio do catolicismo. Con orme o IBGE, em 2010a população brasileira será de 193.252.604 habitan-tes. Neste ano, os católicos serão aproximadamente

142.175.941, se mantida a mesma porcentagem en-contrada no Censo de 2000. Porém, usando a taxamédia geométrica decenal do período 1991-2000, ha- verá no Brasil em 2010 aproximadamente 136.053.372católicos, isto é, 70,40% da população.

Já as análises que apontam o Ceará como um dosestados com menor presença de evangélicos do Brasil,devem ser entendidas menos como incapacidade dedisputa pelo mercado religioso e mais pela conjun-ção dos atores sócio-históricos apontados. Desde1940, as taxas médias de evangélicos continuam cres-cendo, mas não se azem sentir visualmente no totaldos números absolutos. axas que são resultado dodesenvolvimento desigual e combinado do trabalhoevangélico pelo Brasil. Historicamente, o trabalhoevangélico oi desigual entre as regiões, estados, igre- jas e combinado devido às trocas de experiências detrabalho no circuito religioso. Em outras palavras,o trabalho evangélico tanto não avança no mesmo

ritmo histórico entre e nas regiões, estados e igrejas,como, ao mesmo tempo, permite que regiões, estadose igrejas, pouco avançados no proselitismo, tenhamacesso ao capital religioso acumulado na totalidadedo campo evangélico32 .

En m, depois desta prospecção entre porcen-tagens e números absolutos, resta-nos esperar o que virá.

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Mapa 1 – Distribuição espacial da porcentagem de evangélicos (Ceará 2000)

As numerações nos mapas correspondem, igualmente, aos seguintes municípios: 1) Abaiara, 2) Acarape, 3) Acaraú, 4) Acopiara, 5) Aiuaba, 6)Alcântaras, 7) Altaneira, 8) Alto Santo, 9) Amontada, 10) Antonina do Norte, 11) Apuiarés, 12) Aquiraz, 13) Aracati, 14) Aracoiaba, 15) Ararendá,16) Araripe, 17) Aratuba, 18) Arneiroz, 19) Assaré, 20) Aurora, 21) Baixio, 22) Banabuiú, 23) Barbalha, 24) Barreira, 25) Barro, 26) Barroquinha,27) Baturité, 28) Beberib,e 29) Bela Cruz, 30) Boa Viagem, 31) Brejo Santo, 32) Camocim, 33) Campos Sales, 34)Canindé, 35) Capistrano, 36)Caridade, 37) Cariré, 38) Caririaçu, 39) Cariús, 40) Carnaubal, 41) Cascavel, 42) Catarina, 43) Catunda, 44) Caucaia, 45) Cedro, 46) Chaval, 47)

Choro, 48) Chorozinho, 49) Coreaú, 50) Crateús, 51) Crato, 52) Croata, 53) Cruz, 54) Deputado Irapuan Pinheiro, 55) Ererê, 56) Eusébio, 57)Farias Brito, 58) Forquilha, 59) Fortaleza, 60) Fortim, 61) Frecheirinha, 62)General Sampaio, 63) Graça, 64) Granja, 65) Granjeiro, 66) Groaíras,67) Guaiúba, 68) Guaraciaba do Norte, 69) Guaramiranga, 70) Hidrolândia, 71) Horizonte, 72) Ibaretama, 73) Ibiapina, 74) Ibicuitinga, 75) Icapuí,76) Icó, 77) Iguatu, CONTINUA......

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Mapa 2 - Distribuição da porcentagem de Católicos (Ceará 2000)

78) Independência, 79) Ipaporanga, 80) Ipaumirim, 81) Ipu, 82) Ipueiras, 83) Iracema, 84) Irauçuba, 85) Itaiçaba, 86) Itaitinga, 87) Itapagé, 88)Itapipoca, 89) Itapiúna, 90) Itarema, 91) Itatira, 92) Jaguaretama, 93) Jaguaribara, 94) Jaguaribe, 95) Jaguaruana, 96) Jardim, 97) Jati, 98) Jijocade Jericoacoara, 99) Juazeiro do Norte, 100) Jucás, 101) Lavras da Mangabeira, 102) Limoeiro do Norte, 103) Madalena, 104) Maracanaú, 105)Maranguape, 106) Marco, 107) Martinópole, 108) Massapé, 109) Mauriti, 110) Meruoca, 111) Milagres, 112) Milha, 113) Miraíma, 114) MissãoVelha, 115) Mombaça,116) Monsenhor Tabosa, 117) Morada Nova ,118) Moraújo, 119) Morrinhos, 120) Mucambo, 121) Mulungu, 122) NovaOlinda, 123) Nova Russas, 124) Novo Oriente, 125) Ocara, 126) Orós, 127) Pacajus, 128) Pacatuba, 129) Pacoti, 130) Pacujá, 131) Palhano, 132)

Palmácia, 133) Paracuru, 134) Paraipaba, 135) Parambu, 136) Paramoti, 137) Pedra Branca, 138) Penaforte, 139) Pentecoste, 140) Pereiro, 141)Pindoretama, 142) Piquet Carneiro, 143) Pires Ferreira, 144) Poranga, 145) Porteiras, 146) Potengi, 147) Potiretama, 148) Quiterianópolis, 149)Quixadá, 150) Quixelô, 151) Quixeramobim, 152) Quixeré, 153) Redenção, 154) Reriutaba, 155) Russas, 156) Saboeiro, 157) Salitre, 158) Santanado Acaraú, 159) Santana do Cariri, 160) Santa Quitéria, 161) São Benedito, 162) São Gonçalo do Amarante, 163) São João do Jaguaribe, 164)São Luís do Curu, 165) Senador Pompeu, 166) Senador Sá, 167) Sobral, 168) Solonópole, 169) Tabuleiro do Norte, 170) Tamboril, 171) Tarrafas,172) Tauá, 173) Tejuçuoca, 174) Tianguá, 175) Trairi, 176) Tururu, 177) Ubajara, 178) Umari, 179) Umirim, 180) Uruburetama,181) Uruoca, 182)Varjota, 183) Várzea Alegre e 184) Viçosa do Ceará.

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Notas

1 Nesse artigo, de título homônimo à canção de Chico Buar-que, Pierucci chama de tradicionais religiões o catolicismo,o luteranismo e a umbanda.

2 Marcelo Camurça (2006) lembra que a pergunta ‘qual asua religião ou culto’ oi respondida de trinta e cinco mil

ormas di erentes no Censo 2000. Para uma bibliogra asobre os novos movimentos religiosos, consultar:MAGNANI, José Guilherme,O Brasil da Nova Era. RJ:Zahar, 2000; SIQUEIRA, Deis, As novas religiosidades noOcidente: Brasília, cidade mística. Brasília: Editora UNB,2003; SOUZA, Beatriz Muniz de & MAR INO, Luís MauroSá, Sociologia da religião e mudança social . SP: Paulus,2004 (parte III); MIRANDA, Julia,Carisma, sociedadee política: novas linguagens do religioso e do político. RJ:Relume Dumará, 1999 eHorizontes de Bruma: os limitesquestionados do religioso e do político. SP: Maltese, 1995.

3 A chamada ‘secularização da sociedade’ oi menos o recuoda religião no espaço social nos últimos dois séculos quesua tensão com o projeto de modernidade. Se a es era daintimidade era a ronteira em que a religião deveria ter sidodepositada, a contemporaneidade proporciona um cenáriodi erente com o seu deslocamento para a es era pública.

4 Uma aproximação mais sólida do campo religioso nacionalsó poderia ser elaborada com a criação de grupos em todoo Brasil que analisassem os números de cada um dos vinte eseis estados e do Distrito Federal. Exemplos a serem segui-dos – as pesquisas de Ari Pedro Oro, Avanço pentecostal ereação católica, Petrópolis, RJ: Vozes, 1996; de Rubem CésarFernandeset alli, Novo nascimento: os evangélicos em casa,na igreja e na política, RJ: Mauad, 1998; e Cesar Romero Ja-cobet alli, Atlas da liação religiosa e marcadores sociais, SP:PUC-Rio, Loyola, 2003 – partindo de di erentes caminhosmetodológicos, oram triádicos, analisando as dimensõesnacional, regional e local.

5 Na história dos censos demográ cos, a metodologia de co-leta e classi cação do item “religião” mudou bastante. Norecenseamento de 1872, a população oi dividida em apenastrês categorias: “católicos romanos”, “positivistas” e “semreligião” ou de “religião não declarada”. Na Introdução aocenso de 1890, criticava-se a escolha da paróquia como basepara o recenseamento, em virtude da separação entre Igrejae Estado “e o modo por que se aziam os registros de bap-tizados, casamentos e óbitos” (Censo Brasil, 1890: p. V). Apartir de 1900, as declarações sobre a opção religiosa oramsuprimidas (como no Censo de 1920), agrupadas, reagrupa-das e expandidas, de maneira que no Censo de 2000 existemquarenta e cinco religiões di erentes. Até 1950, a religião dascrianças era atribuída à religião registrada para os pais, sem-

pre que ambos declarassem “pro essar o mesmo credo”, oque só oi modi cado a partir de 1960, quando a religiãodas crianças passou a ser registrada de acordo com a religiãomaterna. Se levarmos em conta que em 1872 a aixa etária

do zero aos nove anos representava, aproximadamente, 24%da população e em 2000 em torno de 19%, a distribuiçãoreligiosa no Brasil poderia apresentar uma outra con gura-ção.

6 Como se perceberá as séries históricas dos dados são li-mitadas, exigindo a análise dos censos em acordo com aspossibilidades. Como alerta Richard Graham (2008), na

alta de dados seriais “podemos ser tentados a desistir datentativa de quanti car. Isto seria um erro. Mas esta alta deséries apenas requer a diminuição de nossas expectativas econcentração no actível, o que às vezes signi ca azer nadamais do que contar”.

7 Os anos em que as igrejas citadas neste artigo iniciaram

permanentemente suas atividades oram: luteranos (1824),presbiterianos (1862), batistas (1882), adventistas (1896),Assembleia de Deus (1911), Congregação Cristão no Brasil(1910), Deus é Amor (1962), Quadrangular (1951 ou 1953),IURD (1977). Para uma pequena introdução à história doprotestantismo, ver: REILY, Duncan Alexander,Históriadocumental do protestantismo no Brasil , SP: AS E, 1993.ROLIM, Francisco Cartaxo,O que é pentecostalismo, SP:Brasiliense, 1987. MAFRA, Clara.Os evangélicos. RJ: Zahar,2001. MENDONÇA, Antônio Gouvêa de & VELASQUESFilho, Prócoro.Introdução ao protestantismo no Brasil , SP:Loyola, 1990. MON ES, Maria Lucia. As guras do sagra-do: entre o público e o privado. In: NOVAIS, Fernando A.(coord.); SCHWARCZ, Lilia Moritz.História da vida pri-vada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea, SP:Companhia das Letras, 1998.

8 No Ceará, os presbiterianos De Lacy e Mary Wardlawlideraram a única missão protestante do século XIX. rêsdécadas depois, oi organizada a Assembleia de Deus(1914), seguida pelos batistas (1908 e/ou 1924). Sobre osevangélicos no Ceará, ver: OLIVEIRA, Gledson Ribeiro, ‘Os

lhos de Lutero’: atores protestantes na província cearenseno século XIX.Trajetos - Revista de História, Fortaleza, v.2, n.3, p. 31-54, 2002 e Paidéia: a ormação da reta doutrinaprotestante no Ceará.Estudos de História – UNESP. V.13, p. 149-177, 2006; BARBOSA, Luís Gomes.Pentecostaisdo Ceará: uma odisséia de pioneiros. Fortaleza: ExpressãoGrá ca, s/d; CONDE, Emílio. O ogo pentecostal incendeiao Ceará. In:História das Assembléias de Deus no Brasil , RJ:Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2000, p. 99-113;COR EZ, Natanael.O presbiterianismo no Norte do Brasil– ase pioneira (síntese), Reci e: s/ed. 1957; NOGUEIRA,Raimundo Frota de Sá.Os Batistas no Ceará, Fortaleza:

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Setor Grá co do Colégio Batista Santos Dumont, 2003;QUEIROZ, Carlos P. As aces de um mito: a ascinantehistória de um cabra de Deus na terra do sol. Brasília: MZProduções, 1999; SOUZA, Robério Américo. Natanael

Cortez. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2000, p. 28-30.

9 Em 1872, eram 40 positivistas, já em 1890 havia 62. Fonte:IBGE - Censo de 1940: Estado do Ceará, p. 01.

10 Os números absolutos dos evangélicos no Ceará são: 1872(zero, 0.00%), 1890 (526, 0.07%), 1900 (593, 0.07%). 1940(6.794, 0.32%), 1950 (19.160, 0.71%), 1960 (29.745, 0.90%),1970 (69.083, 1.58%), 1980 (169.069, 2.07%), 1991 (252.133,3.95%), 2000 (612.847, 8.25%). Fonte: IBGE - Censo Demo-grá co Ceará.

11 Mesmo após o Decreto Imperial de 17 de abril de 1863 quesancionou o casamento civil, a construção de casas de cultoacatólico e a separação de espaços ísicos nas capitais para

inumações protestantes, as práticas e crenças de anglicanose luteranos no Ceará oitocentista continuaram um meroapêndice de seus negócios no comércio local não sendo ra-ras as ‘conversões’ destes ao catolicismo.

12 Como lembra Flávio Pierucci (2004), a sociologia da reli-gião no Brasil tem sido uma “sociologia do catolicismo emdeclínio”.

13 Elaborando um ‘G-8’ do catolicismo em declínio e toman-do por base apenas o último censo, os estados do Rio deJaneiro (57.2%), Rondônia (57,5%) e Espírito Santo (60,9%)despontam com as menores porcentagens destes, seguidospelos estados do Acre, Amazonas, São Paulo, Mato Grosso ePernambuco.

14 Poderíamos também alar de um outro declínio, o das reli-giões a ro-brasileiras, um dos alvos do agressivo e sincréticoproselitismo neopentecostal.

15 A expressão “trânsito religioso” signi ca o deslocamento doindivíduo por diversas religiões sem aderir, necessariamen-te, a nenhuma delas.

16 É sempre bom lembrar que ‘sem religião’ não é sinônimo de‘ateu’, apesar deste ser parte daquele grupo. O indivíduo semreligião pode ser aquele que está em trânsito, experimen-tando variadas modalidades do sagrado, sem converter-se anenhuma; aquele que vive autonomamente sua religiosida-de, elaborando e reelaborando suas próprias crenças, ou oagnóstico.

17 Estratégias como: organização precoce, parceria com igre- jas norte-americanas, criação de jornais e uso de rádio e V,

undação de colégios e hospitais, pregações públicas e mega--cultos em estádios de utebol e ginásios, marchas e campa-nhas evangelistas, participação nos governos militares, apro-ximação com movimentos sociais e ecumênicos, ação social.Francamente voltados à pesquisa do enômeno pentecostal,

os sociólogos das religiões ainda não analisaram a undoqual o papel das igrejas presbiterianas, batistas, metodistasetc. na expansão evangélica no século XX.

18 Re erimo-nos a: lideranças carismáticas, pregação junto às

camadas baixas e médias, cruzadas nacionais, ormação deimpérios comunicacionais, curas e exorcismos, liberaliza-ção de costumes, livre interpretação da Bíblia, sincretismoreligioso, administração do sagrado em ‘igrejas-empresa’,disputa de cargos eletivos, etc.

19 Para o padre Alberto Antoniazzi (2004), o crescimentoevangélico, dos sem religião e das outras religiões, com aconsequente diminuição da porcentagem de católicos, tema ver com o rápido crescimento populacional e a lentidão daação pastoral.

20 No Censo de 1991, o estado do Ceará aparece com o maiornúmero de católicos, entre os estados do Brasil.

20 Para nós, essa é uma imagem bem adequada ao pentecos-

talismo. Se, para Adam Smith, o ‘mercado’ é a instituiçãoper eita e o princípio-eixo que deve mover e controlar todasociedade baseada no lucro, o Espírito Santo é a ‘mão invi-sível’ que guia e dinamiza as práticas e crenças pentecostaisno campo religioso. Uma representação social por excelên-cia que norteia o agir religioso dos crentes.

21 Optamos por manter a classi cação dada pelo IBGE nocenso de 2000. Os evangélicos de missão são os ‘protestan-tes históricos’, incluindo os luteranos e a Igreja Adventistado Sétimo Dia, e os evangélicos pentecostais as igrejas de‘primeira’, ‘segunda’ e ‘terceira’ onda da tipologia de PaulFreston.

22 Para Ricardo Mariano (2004: 122-138), o crescimento ne-gativo (- 0.4%) é uma alha no Censo de 1991: “não ocor-reram mudanças signi cativas nas igrejas protestantes deuma década para outra que permitam explicar e justi cartamanha disparidade dos dados”.

23 Segundo Décio Lima (1989), os Adventistas são uma dis-sidência da Igreja Batista estadunidense. William Miller(1782-1849) anunciou a alguns batistas que o Cristo voltariaem 1843 (milenarismo). O racasso de sua pro ecia amainouos ânimos adventistas que só voltaram a se organizar de -nitivamente em 1860 sob a liderança teológica e eclesial daex-metodista Ellen G. White (1827-1915). A primeira igrejaAdventista oi organizada em 1898 em Gaspar Alto, SantaCatarina. São conhecidos pela sua inserção nos setores edu-cacionais, de saúde e mídia.

24 Como lembra Júlia Miranda (2008: 165-184), “No modeloternário há orte presença de católicos no município central,redução na peri eria próxima e aumento em direção à peri-

eria mais distante. O modelo binário implica em menorespercentuais de católicos no centro e maiores na peri eria.”

25 Como explicam os autores do Atlas da liação religiosa

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(2003: 131), “A taxa de urbanização expressa o número depessoas por 100 habitantes cujo domicílio é situado na zonaurbana”. Contudo, pergunta-se: como se de nem os limitesda zona urbana e da zona rural? Lembremos que hoje já se

ala de zonas rururbanas.26 Em 1912, Antônio Almeida escreveu sobre o ato de Gara-

nhuns (no agreste pernambucano) ter sido elevado a centroirradiador do presbiterianismo do Nordeste, e não a capi-tal, Reci e: “(...) entretanto, não nos devemos esquecer daimportância da evangelização das cidades (...) Se, pois, te-mos errado, é onde deixamos os centros donde poderia oEvangelho irradiar ao redor, e vamos começar ou mesmocentralizar no mato – na roça a nossa principal atividadecristã. (...) Os batistas, porém, centralizaram-se no Reci e,mantendo aqui escola e seminário e daqui evangelizando ointerior do estado. O resultado é que eles têm no Reci e amaior igreja, nos subúrbios diversas igrejas prósperas, man-

têm um importante colégio e uma escola teológica anexa epossuem pelo interior do estado maior número de igrejasdo que nós” (REILY, 2003: 275).

27 Numa análise que e etuamos de regressão linear, associan-do ‘percentual de população urbana’ e ‘percentual de evan-gélicos’, usando um intervalo de con ança de 95% e nível designi cância de 0,05, o resultado oi um R² de 0,1538. De

orma simples, poderíamos dizer que a variável indepen-dente (percentual de população urbana) ‘explica’ 15,38% da variabilidade da variável dependente (percentual de evangé-licos), logo, os outros 84.62% seriam ‘explicados’ por outros

atores. A ‘signi cância’ do teste oi de 0.023, menor que o valor adotado (0,023 < 0,05); quer dizer, a urbanização ex-

plica a variação – positiva – de evangélicos. Associando opercentual de população urbana e percentual de católicos,o resultado oi um R² de 0,2401. Isto é, a variável indepen-dente ‘explica’ 24,01% da variável dependente, sendo que75.99% seriam explicados por outros atores. O intervalo decon ança do teste oi de 0.000, menor que o valor adotado(0,000 < 0,05), o que signi ca dizer que a urbanização ‘ex-plica’ a variação – negativa – de católicos.

28 Na pesquisa coordenada por Rubem César Fernandes, noGrande Rio de Janeiro, o maior número de mulheres que dehomens oi explicado por esse padrão relacional de gênero.Entretanto, é sempre bom lembrar que no Brasil há maismulheres do que homens.

29 Sobre a relação entre gênero eminino e protestantismo du-rante a Re orma, ver Davis, 1990: 63-86.30 Seguimos aqui a metodologia do Atlas da liação religiosa.31 Sim, o que chamamos de crescimento desigual e combina-

do é derivado e elaborado a partir da noção de “desenvolvi-mento desigual e combinado” de Leon rotski.

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DEVAGAR E SEMPRE, COM FÉ EM DEUS: EVANGÉLICOS CEARENSES NOS CENSOS DEMOGRÁFIC

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(Recebido para publicação em janeiro de 2011. Aceito emmarço/11).

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R E S E N H A

Desde o início do século XX, contar a(s)história(s) do esporte no Brasil costumava ser inicia-

tiva de indivíduos que, preocupados com a preserva-ção memorialística do passado de práticas as quais vivenciaram, direta ou indiretamente, de ouvir alarou de presenciar, se dedicavam ao registro escrito deuma in nidade de in ormações e estórias a elas rela-cionadas. Nesse grupo se inserem antigos praticantese/ou meros espectadores a cionados e até mesmo os jornalistas que acompanhavam o cotidiano e viam ocontínuo desenvolvimento dessas práticas de caráteresportivo. Apenas a partir dos anos 1970 e 1980, é

que oram dados os primeiros passos no sentido de secontar essa(s) história(s) de um outro ângulo, isto é,da perspectiva daqueles que até então observavam arealidade esportiva brasileira (quase sempre com des-dém, e por vezes com ojeriza) de cima de suas torresde mar m, instaladas nos centros universitários paísa ora.

História do esporte no Brasil : do Império aosdias atuais, livro organizado por Mary Del Priore eVictor Andrade de Melo, ambos autores já consagra-dos em suas áreas de atuação pro ssional, se constituinuma contribuição que, simultaneamente, expres-sa e tenta consolidar mais rmemente essa tendên-cia de interesse de pesquisadores acadêmicos, pelaspráticas esportivas, sobretudo aqueles vinculados de

algum modo às ciências humanas e à educação ísi-ca. Impossível não dizer que a obra é de qualidade

e, nela, olocus e a dimensão do enômeno esportivonas sociedades modernas, em especial na brasileira,são realçados devidamente, en atizando, assim, tan-to a sua importância social como os seus sentidos esigni cados, e isto devidamente contextualizado emtermos históricos. Percorrendo desde as décadas ini-ciais do século XIX até o limiar do século XXI1, estelivro – que tem como pano de undo teórico comuma chamada Nova História Cultural – tem como per-gunta básica que norteia os seus capítulos a seguinte

questão, destacada pelos autores: “Como o esporte,ou, para ser mais preciso, as práticas corporais insti-tucionalizadas (esportivas, ginástica, Educação Física,capoeira) ajudam-nos a entender melhor a históriado país?” (p. 12).

Sociólogos como Norbert Elias, Eric Dunning ePierre Bourdieu e os historiadores Eric Hobsbawm eJohan Huizinga são exemplos de intelectuais que jáhaviam apontado, em algumas de suas obras, o lugarde destaque dos esportes nas sociedades modernas,sobretudo no século XX, quando esses emergemcomo uma das principais mani estações de ordemcultural de diversos povos. Além de salientar o cará-ter tipicamente moderno da prática esportiva, essesautores concebiam que esta, em hipótese alguma,

Organizadores: Mary Del Priore e Victor Andrade de MeloHistória do esporte no Brasil: do Império aos dias atuais.São Paulo: Editora UNESP, 2009. 568 p.

Por: Leonardo José Barreto de LimaMestrando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco

HISTÓRIA DO ESPORTE NO BRASIL:DO IMPÉRIO AOS DIAS ATUAIS

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poderia ser tratada e entendida desvinculada dasdemais dimensões que compõem a vida social, taiscomo a economia, a política, a cultura etc.

Nesse sentido,História do esporte no Brasil vempreencher uma lacuna existente nos estudos sobre ocampo esportivo no Brasil. Estes, em geral concen-trados nos aspectos re erentes a um único esporte, o

utebol, muitas vezes também carecem de uma com-preensão adequada e não-reducionista das ligaçõesentre as práticas corporais desse tipo e o desenvolvi-mento histórico da sociedade brasileira e dos diversossegmentos que a constituem. O livro contorna essesproblemas na medida em que consegue tecer, de ma-neira hábil, um emaranhado de discussões que dialo-gam entre si de modo constante e a partir de diversosníveis analíticos. Isto possibilita ao leitor visualizar,com bastante nitidez, como e por que os sentidos esigni cados do ideário da modernidade em boa me-dida se articularam, em nosso país, com a próprianecessidade e/ou desejo de vivência dos indivíduose grupos sociais de aderirem a atividades que envol- viam o uso mais ou menos intenso do corpo, seja com

ns de lazer e sociabilidade, seja com ns de se inserirno processo em curso de modernização do país.

Vale destacar também a rara sintonia existen-te entre os vários autores convidados a escrever osdezessete capítulos que compõem o livro, os quais,mesmo que não intencionalmente, talvez, consegui-ram prender-se ao objetivo proposto por Mary DelPriore e Victor Andrade de Melo: entender a moder-na história nacional por meio das variadas práticascorporais institucionalizadas que tiveram, entre nós,por assim dizer, alguma “representação” histórica.Deste modo, a despeito de seu caráter panorâmico –em alguns textos até excessivamente –, a obra abordacom propriedade, entre outras temáticas: 1) a con -guração do campo esportivo no país, entre o nal do

século XIX e o início do século XX; 2) o incentivo,recorrente, à prática esportiva como meio de promo- ver a educação dos corpos dos brasileiros, com vistas

ao desenvolvimento da nação; 3) as tensões sociaisenvolvendo a apropriação e ressigni cação, pelossegmentos populares, de práticas esportivas antes re-servadas, em sua maioria, às elites dirigentes urbanas,sobretudo no caso doassociation ootball ; 4) o usopolítico do esporte em momentos singulares de nossahistória, como a era Vargas (1930-1945) e a ditaduramilitar (1964-1985); 5) a nova con ormação do cam-po esportivo no Brasil nas últimas décadas, graças à

popularização dos chamados esportes na natureza/esportes radicais e ao advento da globalização; 6) asdisputas que permeiam a construção de identidadesno mundo social, considerando-se a prática espor-tiva, em escala ampla (nacional) ou restrita a algumsegmento (classe, étnico/racial, gênero) etc.

Do nosso ponto de vista, algo decisivo para oêxito da empreitada por ora avaliada oi o ato de osorganizadores terem incumbido a produção dos tex-tos a pesquisadores provenientes de diversas áreas

do saber; tanto àqueles experientes e reconhecidospor trabalhos anteriores como aos jovens talentososque iniciam sua carreira. Isto certamente contribuiupara que o livro pudesse narrar a história esportivado Brasil levando em conta múltiplas perspectivas enovos olhares, o que permitiu evidenciar os várioscaminhos pelos quais o esporte se desenvolveu noBrasil. Como bem salienta Victor Andrade de Melono capítulo 2 do livro, escrito por ele:

Como se tratava de uma mani estaçãocultural importada, que chegava com os ventos de modernização que sopravam

undamentalmente do continente euro-peu, a prática esportiva adquiriu em terrasbrasileiras contornos peculiares tanto em

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unção das di erentes naturezas de contatocom o exterior quanto devido aos diálogosestabelecidos com as especi cidades locais

(2009, p. 36).

odavia, az-se necessário comentar alguns pro-blemas que marcam a obra. O primeiro deles é a al-ta de uma melhor revisão nal do texto, o qual, nãoraras vezes, exibe erros descabidos de pontuação econcordância, bem como de identi cação do signi-

cado de determinadas siglas institucionais. O se-gundo se re ere à desproporcionalidade no trato dedeterminadas práticas, em detrimento de outras tão

ou mais importantes no contexto esportivo brasileiro.Embora seja compreensível (e um tanto inevitável)o destaque especial que deve se dar à análise dos as-pectos históricos e simbólicos relacionados ao utebolno Brasil, porquanto este ser o esporte mais populare disseminado entre nós, é di ícil entender a poucaou nenhuma atenção dada a outros esportes que, noBrasil, sobretudo nas últimas décadas, têm desper-tado o interesse prático e emocional de um númerocada vez maior de brasileiros. Esse é o caso do vo-

leibol, basquetebol, utsal (ou utebol de salão), judô,iatismo, entre outros historicamente mais “represen-tativos”2. E tal coisa torna-se ainda mais agrante, seconsiderarmos o ato de que às práticas talvez social-mente menos valorizadas no país – o que não implicadizer que as mesmas não possuem importância emtermos esportivos, muito pelo contrário –, como éo caso dos esportes na natureza e/ou esportes radi-cais, seja concedido um espaço de análise a nosso verdespropositado.

Diante do que oi escrito até aqui, é possível a r-mar que a leitura deHistória do esporte no Brasil érecomendada para todos aqueles que desejam conhe-cer melhor a(s) história(s), em terras brasileiras, dessetipo especí co de prática corporal que é o esporte, a

qual, tendo sido “inventada” na Europa lá pelos sécu-los XVIII e XIX, rapidamente tornou-se uma tradição vivenciada com satis ação ímpar por sociedades dasmais diversas regiões do planeta. Muita coisa aindahá a ser contada sobre a história da prática esportivano Brasil, é ato. Mas é certo também que a obra queaqui apresentamos representa uma das ontes maiscompletas atualmente disponíveis para a pesquisa datemática.

Notas

1 O primeiro capítulo do livro trata da prática, ainda noperíodo colonial, dos chamados “jogos de cavalheiros”,

entre eles as cavalhadas.2 Inclusive no que diz respeito à participação brasileira nos

Jogos Olímpicos e campeonatos mundiais, nos quais osatletas dessas modalidades muitas vezes têm atingidoimportantes resultados, até mesmo a conquista de medalhas.

(Recebido para publicação em janeiro de 2011. Aceito emevereiro/11).

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D O S S I ÊR E S E N H A

O panorama da economia mundial e, princi-palmente, temas atuais na área da economia, da ad-ministração, da psicologia organizacional e outros

correlatos oram exaustivamente tratados pelo pro-essor Omar Aktou em evento promovido em 2010

pela Rede Internacional de Estudos e Pesquisas sobreEmpreendedorismo e Liderança (RINEPE – UFC).

Passamos, com base nas teses de endidas pelonomeado pro essor no evento re erido, a apresentarseu último livro publicado no Brasil, que representouuma reinauguração da abordagem de temas econô-micos e sociais contundentes de inter erência e im-portância marcantes para a administração e para apsicologia, em especial no caso da psicologia organi-zacional e do trabalho. A relatividade da conclamadaaplicação e ciente desses conhecimentos para contri-buir na evolução mundial e humana é uma questãoque permeia o texto do autor e leva o leitor a uma

pro unda re exão sobre os lugares e as missões de taisconhecimentos, que nem sempre são aqueles atribu-ídos e conquistados ao longo do seu desenvolvimen-

to. Consideramos, portanto, pro ícua uma discussãoilustrada do texto do livro resenhado a partir das pa-lavras pro eridas pelo próprio autor para uma maiorproximidade das razões que o levam a desenvolversuas teses, bem como para se ter mais claramen-te limites e alcances destas. odas as citações oramretiradas do livro ou se originaram na ala do autordurante o evento realizado na UFC. Estas estão ape-nas entre aspas e sem re erência a páginas. A nossaintenção é mostrar concordância com muitas de suasposições e assegurar ao leitor da atual resenha que vale a pena se deter no conteúdo da obra resenhadapara avaliar até onde chegamos com o conhecimentoconsiderado essencial para o desenvolvimento des-sas di erentes temáticas no mundo “pós-globalizado”.

De: Omar AKTOUFPós-globalização, administração e racionalidade econômica. A síndrome do avestruz. Tradução: Maria Helena C. V. Trylins

São Paulo: Atlas, 2004. 297 p.

Por: Antonio Caubi Ribeiro TupinambáProfessor Associado do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará. Professor visitante da Universidad

de Lüneburg – Alemanha. Bolsista sênior da CAPES. Coordenador da Rede Internacional de Estudos e Pesquisas sobreEmpreendedorismo e Liderança (Rinepe/UFC). Editor da Revista de Psicologia/UFC. E-mail: [email protected]/tupinamb

leuphana.de.

e Raquel Libório FeitosaMestre em Psicologia pela UFC. Psicóloga organizacional. Doutoranda pela École des Hautes Études Commerciales,

Montreal, Canadá. Membro da Rede Internacional de Estudos e Pesquisas sobre Empreendedorismo e Liderança (RINEPEUFC). E-mail: [email protected].

ADMINISTRAÇÃO, PSICOLOGIA ORGANIZACIONAE O PANORAMA ECONÔMICO E SOCIAL NA ERA

DA PÓS GLOBALIZAÇÃO

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caminho, uma concepção, um paradigma a todas asoutras disciplinas, sobretudo à administração e ciên-cias correlatas como psicologia industrial, psicologia

organizacional, comportamento organizacional etc.A primeira certeza é de que não há nenhuma van-tagem competitiva num país se não há educação dopovo. Quanto mais educado o povo mais capaz é anação de obter vantagem competitiva. “Facilmentese chega a essa conclusão caso se vá até o Japão, queé a segunda ou terceira potência econômica e cientí-

ca mundial, e onde não há nada além dos japone-ses, sendo cada um deles mais culto, mais educadodo que, digamos, todo um bairro de Nova Yorque”.Isso se pode denominar vantagem competitiva. Outracerteza é de que o capitalismo nanceiro do tipo dosEUA está morto, terminou. Nada, nada, nada de bompode vir dos EUA agora, nada. Esta crise não é umacrise conjuntural, é uma crise estrutural, sistemática,sistêmica. É uma crise no sistema capitalista nan-ceiro do tipo neoliberal. O que ali se produz teorica-mente já não serve, pois se resume a propaganda sem valor cientí co. udo não passa de ideologia; tudo,

até a psicologia, psicologia industrial, psicologia dotrabalho, comportamento organizacional; a própriaeconomia, a administração são produtos ideológicos,ideologia neoliberal que não corresponde a ciência.Por exemplo, quando se ala de líder no âmbito dapsicologia industrial, vê-se esse líder como um pro-duto americano, osel made man, conceito cunhadono âmbito comercial estadunidense, super cial e sem

undamentação cientí ca. udo isso mostra o resulta-do da certeza da in uência do pensamento econômi-co dominante, que precisa de conceitos como merca-do, mercado livre, mercado autorregulado, mercadode trabalho, concorrência, motivação e empregabili-dade. Deve-se, por conseguinte, mudar de maneiraurgente e undamental todos esses conceitos que não

levam a nada de novo nem resolvem problemas atu-ais. Deve-se pensar em perspectiva universal, porqueno nível médio e local já não se pode azer muito. A

psicologia industrial, o comportamento organizacio-nal e as escolas de administração mais conhecidas,por exemplo, a teoria da motivação ormulada desdeos ensinamentos de Elton Mayo, Mintzberg, Skinneretc., trouxeram pouca in ormação ou in ormaçãorelevante. Ideias se repetem desde Mayo, Maslowe Mintzberg. Pergunta-se, portanto, o que tem sidoagregado à teoria da liderança? A resposta seria pra-ticamente nada! ambém se pergunta o que se tem

agregado à teoria da estratégia? A resposta é a mes-ma: praticamente nada! Desse ponto de vista pode-sea rmar que Michael Porter não contribuiu com nadaimportante. Através dele e de seus contemporâneosagregaram-se alguns termos como “estratégia de po-sicionamento”, “estratégia de ormulação”, “estratégiade recursos”, “estratégia baseada em recursos”, o quetem pouca signi cância.

No m dos anos 70 e começo dos 80 o pen-

samento porteriano, claramente inspiradona ideologia que orientou a condução dasorganizações, começou a in uenciar osescritos, os ensinamentos, as práticas, asconsultorias tanto em economia quantoem administração, para ganhar nos dias dehoje a es era da “governança” dos Estados.Essa grande impregnação de seu pensa-mento torna Michael Porter um autor in-dispensável para quem quer compreenderde onde provêm certas noções ou precon-ceitos implícitos, mas amplamente aceitos,na es era política, bem como certo vocabu-lário que se implantou nesse meio, comopor toda a parte aliás, e quais são precisa-mente os undamentos teórico-ideológicosdesse pensamento (p. 78).

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Isso prova o que chamamos de repetição emmédia e micro-perspectiva da administração. Não setem, portanto, agregado nada de novo em nível mé-

dio e micro e se constata uma repetição de teorias econceitos da metade do século passado, o que já nãonos serve. Não se podem agregar apenas palavras,modismos, e se ter a ilusão de melhorar ou aprovei-tar, dessa orma, as teorias. Não precisamos saber detécnicas, de procedimentos, de habilidades para mu-dar as coisas. Precisamos de novos paradigmas, no- vas concepções, em perspectiva macroeconômica esocial, para mudar técnicas, procedimentos e teorias.

Vale, portanto, considerar a evolução do capi-talismo nanceiro e lançar um outro olhar na crisemundial. Para esse m, o autor procurou azer umaanálise alternativa da evolução do capitalismo nan-ceiro em três ases ou em três ciclos. Nessa perspecti- va, a rma que a verdadeira cara da globalização não ébem aquela apresentada na propaganda o cial. rata-se de uma crise mundial muito mal analisada peloG73 e as medidas propostas pelos países que com-põem esse grupo não passavam de alácias. Precisa-se

criar um modelo alternativo para um verdadeiro de-senvolvimento humano, uma alternativa ao modeloestadunidense.

Já no prólogo do livro (p. 29-43), o pro essorAktou a rma que se sobretudo a economia mastambém a administração e os problemas coorpora-tivos não ossem mudados undamentalmente, seriadesencadeada uma crise mundial grave antes do pri-meiro quarto do século XXI. Apesar de o livro datarde 2004, essa observação já havia sido eita, nos idosde 1998, de orma pública. Houve críticas de jornalis-tas sobre a sua a rmação, pois para eles isso se apro-ximaria de uma adivinhação. Mas o pro essor Aktoua rmou que tais pressentimentos não surgiam donada, baseavam-se em suas leituras aristotélicas sobre

a economia: “Aristóteles analisou a questão econômi-ca de maneira per eita. Com Aristóteles se entendepor que essa economia no modelo atual não pode du-

rar, não pode continuar”.

Lembremos que Aristóteles consideravaque, com a invasão da moeda e do eti-chismo de que ela é objeto, todo produtohumano teria sua nalidade ísica natural,até então destinada a um uso econômico,inelutavelmente deslocada para um usocrematístico desse produto. E alertava con-tra o desaparecimento conseqüência destamudança, do vínculo que liga as atividades

humanas de produção à comunidade e aooikos (p. 145).

O século XX é o m desse tipo de economia.Então aconteceu a nomeada crise mundial em 2008.Muito mais cedo do que imaginava o autor. “Por queAristóteles? Aristóteles no quarto século a.C., na polí-tica e, sobretudo, no livro sobre macroeconomia, ana-lisou tudo o que pode ocorrer com a economia quan-

do não se cuida das nanças e do que está acontecen-do no mundo”. No cenário mundial da atualidade háum crescimento desgovernado da economia que geraesses tipos de crises pelas quais estamos passando.

Aristóteles escreveu para se tomar cuidado,que a economia é uma utopia, economia éuma palavra que veio de duas palavras, oi-kos e nomos. Oikos quer dizer comunida-de, e comunidade seria harmonia com na-tureza, pois sem a preservação do ambientee sem a natureza a comunidade humanapereceria. Isso signi ca ter valores e ideiasecológicas. Nomos, por seu turno, quer di-zer norma ou regra. Então a palavra eco-nomia quer dizer, etimologicamente, comoconviver bem homem e/com natureza.

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Esse seria então, segundo Aristóteles, o verda-deiro signi cado da palavra economia. Outro termoaristotélico muito utilizado pelo autor, a krematística,

serve para sua abordagem di erenciada da economiano sentido original e atual. Pode em sua etimologiasustentar o que se entende por “boa” e “má” economia.“O que signi ca então a krematística? Krematística éa união de duas palavras gregas, krema, dinheiro, eatos, que quer dizer acumular. Daí nos ter advertidoAristóteles de não deixá-la vencer, substituir, elimi-nar, matar a economia, entendida como uma normaem con ormidade com a naureza”. Segundo Aktou ,os livros de economia têm princípios questionáveisporque não são realmente sobre economia, são sobrekrematística, o que não é a mesma coisa.

Aristóteles via um perigo que vem da mo-eda com seus dois lados, um bom e umruim. O lado bom é que a moeda é livrepara o intercâmbio universal, para azer in-tercâmbio, comércio etc. O lado ruim, umlado terrível, um lado destruidor é a ilusãode se poder acumular de alguma maneirain nita. Aristóteles já dizia na sua épocapara se ter cuidado com a moeda, pois ela éuma coisa que pode dar aos seres humanosa ilusão de poder acumular algo de umamaneira in nita. Nosso mundo é nito,nada é in nito, nada, então não se pode

azer in nitamente dentro do nito, não sepode, é uma loucura! udo vem como cri-se, crise clara e gravíssima antes do primei-ro quarto do século XXI e já estamos emcrise mundial, e ainda não terminou. Nãose sabe o que azer com essa crise mundial

do sistema nanceiro, não se sabe o que a-zer, não se sabe como sair dessa crise.

Aktou se apropria do pensamento de LéonCourville que, na sua visão, poderia repensar, nou-tros modos, a economia racassa dos moldes atuais e,

acrescentaríamos, que também poderia ser absorvidano âmbito da ormação de uturos administradores,economistas e pro ssionais de áreas a ns, coerente-

mente com as necessidades da economia no seu estri-to senso aristotélico (p. 184-185):

Hoje estamos todos con nados em uma gi-gantesca clausura, um mercado únicoquenão cresce, onde o desa o não é mais cres-cer mas arrebatar do vizinho um quinhãode seu lugar ao sol [...].

odos os concorrentes lutam em ummer-cado que quase não cresce mais, eles nãoconseguem senão trocar ou roubar clientesuns aos outros.Entramos em um jogo cujo resultado énulo [...] para cada ganhador há, presente-mente, um perdedor.Nossa antiga concep-ção de economia encontra-se inteiramentesubervtida.[...] Georgescu-Roegen retoma esta ideiaquando explica quea terra está em situaçãode entropia: ela se echa sobre si mesma e secontrai, como resposta a uma tendência de

degenerescência.A descoberta do petróleo oi uma centelhaque desacelerou a entropia [...]. A abundância de energia era a chave docrescimento [...]. Vários governos lançaramprojetos muito ambiciosos (para dominarnovas ormas de energia, menos caras emais abundantes). Em vão: o custo nãobaixou. Pode-se mesmo perguntar [...]seos custos desta busca por novas ontes deenergia não oram superiores aos bene ícios

alcançados.A entropia se recupera enossa visão deuma economia mundial em crescimentocontínuo não corresponde mais à realidade.Nós não sabemos mais como interpretar oque está acontecendo.

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da bolsa, dos maus homens de negóciosdos EUA. Como pode durar um sistemaque vai contra as leis da natureza? Uma dassoluções é, portanto, sacar conceitos paraentender por que esse sistema não uncio-na, conceitos que vêm de outras ciências,como biologia, ísica etc. Outra solução éo equilíbrio entre capital, trabalho e natu-reza. Nesse caso se questiona porque o ca-pital deve ser o imperador que tem todosos direitos enquanto trabalho e naturezanão têm direitos, o que leva a natureza aser tratada como estoque gratuito de recur-sos. Os seres humanos são, nessa perspec-tiva, também tratados como recursos, quepodem ser utilizados e jogados ora, nãohavendo equilíbrio. O trabalho e a nature-za deveriam ter o mesmo poder do capitale conduzir a uma economia sustentável.A conclusão para tudo isso é que a buscada riqueza não é o problema, o problemamesmo é reconhecer os limites nessa bus-ca: quando o aumento de minha riquezaimplicar a contaminação da natureza, a suaexaustãoad in nitum, se a minha riquezaimplica o aumento do desemprego e, con-

sequentemente, a construção de universode pobreza a seu redor, trata-se de uma ri-queza estúpida, idiota e má para o homeme para o planeta.

Notas

1 Revista de Psicologia da UFC, volume 1, n. 2, julho-dezem-bro de 2010.

2 Respectivamente, pro essor da Universidade Politécnicade Madri e conselheiro especial da École des Hautes ÉtudesCommerciales, Montreal, Canadá.

3 Grupo dos sete países mais ricos do mundo, integrado pe-los Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, França, Alema-nha, Itália e Japão.

(Recebido para publicação em evereiro de 2011. Aceitoem evereiro/11).

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A Revista de Ciências Sociais da UFC está abertaa contribuições na orma de:

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Dossiê temático – a Comissão Editorial solicitaaos autores que encaminhem artigos originais, rela-tivos à temática previamente de nida, con orme oplanejamento da Revista e delibera sobre a sua publi-cação com base em pareceres. A mesma comissão aza leitura nal, podendo sugerir eventuais ajustes deestrutura e orma para adequá-lo à política editorialda Revista. Eventualmente, a organização doDossiê

temático pode car sob a responsabilidade de um edi-tor convidado.

odos os artigos (dossiê e demanda livre) podemso rer eventuais modi cações de orma ou conteúdopela editora, mas essas serão previamente acordadascom os autores. Uma vez iniciado o processo de com-posição nal da edição, a Revista não aceita acrésci-mos ou modi cações dos autores.

Resenhas – podem ser encaminhadas à Revistacomo demanda livre ou por convite. Considerandoa temática, a qualidade da redação e a atualidadedo texto, a Comissão Editorial decide quanto à suapublicação.

Os artigos são de inteira responsabilidade de seusautores e a sua publicação não exprime endosso do

Conselho Editorial ou da Comissão às suas a rma-ções. Os textos não serão devolvidos aos autores e,somente após sua revisão (quando or o caso) e acei-tação nal, será indicado em que número cada umserá publicado. Cada autor receberá dois exemplaresda respectiva edição.

Situações que possam estabelecercon ito de in-teressesde autores e revisores devem ser esclarecidas.Por con ito de interesses se entende toda situação em

que um indivíduo é levado a azer julgamento ou to-mar uma decisão da qual ele próprio possa tirar be-ne ício direto ou indireto. No caso de haver restriçõesde nanciadores e patrocínio de pesquisas, ou de co--autorias e de participações nas pesquisas que deramorigem ao texto, o primeiro autor deve trazer autori-zações explicitas que garantam a publicação. No casodos avaliadores, estes devem indicar explicitamentesituações que possam resultar em bene ício a ele ou acolaborador próximo; ou situações de potenciais con-

itos de interesses relativos ao texto em análise.odos os direitos autorais dos artigos publicados

são reservados à Revista, sendo permitida, no entan-to, sua reprodução com a devida citação da onte.

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A página inicial deve indicar:título do artigo;nome do(s) autor(es);resumo(até dez linhas),abstract , palavras-chave e keywords (no máximo 05). O resumo

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deve apresentar objetivos, métodos e conclusões.Na identi cação dos autores, além de sinopse

curricular (dados sobre a ormação acadêmica, a lia-

ção institucional e principal publicação. Até 150 pa-lavras), devem constar também endereço postal paracorrespondência e endereço eletrônico.

Os títulos das seções devem ser ressaltados pormeio de dois espaços dentro do texto, sem utilizaçãode ormatação especial para destacá-los.

Asnotas (numeradas) e abibliogra a, em ordemal abética, deverão aparecer no nal do texto.

O autor deve compatibilizar as citações com asre erências bibliográ cas.

Palavras em outros idiomas, nomes de partidos,empresas etc deverão ser escritos em itálico.

Formas de citação

1. As citações que não ultrapassarem 3 linhasdevem permanecer no corpo do texto. As citações demais de 3 linhas devem apresentar recuo da margemesquerda de 4cm, espaçamento simples, sem a utiliza-ção de aspas, justi cado e com onte menor que a do

corpo do texto.2. As re erências bibliográ cas no interior do

texto deverão seguir a orma (Autor, ano) ou (Autor,ano, página) quando a citação or literal (neste caso,usam-se aspas): (BARBOSA, 1964) ou (BARBOSA,1963, p. 35-36).

3. Quando a citação imediatamente posterior sere erir ao mesmo autor e/ou obra, devem-se utilizarentre parênteses as órmulas (Idem, p. tal) ou (Idem,ibidemquando a página or a mesma).

4. Se houver mais de um título do mesmo au-tor no mesmo ano, deve-se di erenciar por uma letraapós a data: (CORREIA, 1993a), (CORREIA, 1993b).

5. Caso o autor citado aça parte da oração, are erência bibliográ ca deve ser eita da seguinte

maneira: Wol (1959, p.33-37) a rma que...6. Citações que venham acompanhadas de co-

mentários e in ormações complementares devem ser

colocadas comonota.

Formato das referências bibliográ cas

As re erências bibliográ cas (ou bibliogra a)seguem a ordem al abética pelo sobrenome do au-tor. Devem conter todas as obras citadas, obedecer àsnormas da ABN (NBR 6023/ 2002), orientando-sepelos seguintes critérios:

Livro: sobrenome em maiúsculas, nome. ítuloda obra em itálico. Local da publicação: Editora, ano.

Exemplo: HABERMAS, Jüngen.Dialética e her-menêutica de Gadamer. Porto Alegre: L&PM Editores,1987.

Livro de vários autores(acima de 3): sobrenomeem maiúsculas, nomeet al . ítulo da obra em itálico.Local da publicação: Editora, ano.Exemplo: QUIN ANEIRO, aniaet al. Umtoque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber.Belo Horizonte: Editora UFMG, 1990.

Obs: até três autores deve-se azer a re erênciacom os nomes dos três.

Artigo em coletânea organizada por outro au-tor: sobrenome do autor do artigo em maiúsculas,nome. ítulo do artigo, seguido da expressão In: e dare erência completa da coletânea, após o nome do or-ganizador, ao nal da mesma deve-se in ormar o nú-mero das páginas do artigo.

Exemplo: MA OS, Olgária. Desejos de evi-dência, desejo de vidência: Walter Benjamin,in: NOVAES, A. (org.).O Desejo. São Paulo: Companhiadas Letras, 1990. p. 157-287.

Artigo em periódico: sobrenome do autor emmaiúsculas, nome. ítulo do artigo sem destaque.Nome do periódico em negrito, local de publicação,

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número da edição (volume da edição e /ou ano), 1ª

e última numeração das páginas, mês abreviado, se-guido de ponto nal e do ano em que o exemplar oipublicado.

Exemplo: VILHENA, Luís Rodol o. Os intelec-tuais regionais. Os estudos de olclore e o campo dasCiências Sociais nos anos 50.Revista Brasileira deCiências Sociais, São Paulo, n. 32, ano 2, p.125-149, jun.1996.

Obras online: sobrenome do autor (se houver)em maiúsculas, seguido de Nome. ítulo da obra(reportagem, artigo) destacado. Logo após virá o en-dereço eletrônico entre os sinais < >, precedido pelaexpressão “Disponível em”. Após o endereço eletrôni-co (site) deverá vir a expressão “Acesso em”: dia doacesso, mês abreviado. Ano.

Exemplos:

LivroBALZAC, Honoré. A mulher de trinta anos.

Disponível em: <http://www. terra.com.br.htm>.Acesso em: 20 ago. 2009.

Periódico em meio eletrônicoGUIMARÃES, Nadeja. Por uma sociologia do

desemprego.Rev. Bras. Ci. Soc1., São Paulo, v. 25, n.74, out. 2010. Disponível em: <http://www. Scielo.br/scielo.php?script>. Acesso em: 11 mar. 2011.

Jornal em meio eletrônicoSem o nome do autor.Quando a matéria

não in orma o autor, iniciamos pelo título.SUNAMI no Japão.O Povo online, Fortaleza,

11mar. 2011. Disponível em: <http://www.jornal opovo.com.br>. Acesso em: 11mar. 2011.

Com o autorBRÁS, Janaína. Fraternidade:

campanha discute proteção à natureza.O povo onli-

ne, 11mar.2011. Disponível em: <http://www.jornal opovo.com.br>. Acesso em: 11mar. 2011.

Nota

1 Nomes de periódicos podem ser abreviados na re erência.

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